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Do artesanato intelectual ao

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    Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n 21, jan./jun. 2009, p. 120-156

    DOSSI

    * Bacharelado e Licenciatura em Cincias Sociais pela UFRGS. Mestrado no Programa de PsGraduao em Sociologia da UFRGS. Doutorado no Programa de Ps Graduao em Sociologia pela

    UFRGS. Professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    Do artesanato intelectual aocontexto virtual: ferramentasmetodolgicas paraa pesquisa social

    TANIA STEREN DOS SANTOSTANIA STEREN DOS SANTOSTANIA STEREN DOS SANTOSTANIA STEREN DOS SANTOSTANIA STEREN DOS SANTOS*****

    Resumo

    O presente artigo examina os diversos procedimentos metodolgicos, con-siderando especialmente as tcnicas de pesquisa. So caracterizadas as mais tradi-cionais e tambm as novas estratgias utilizadas na pesquisa social no contexto dasociedade da informao. Salienta-se o impacto da incorporao das novas

    tecnologias da informtica e da comunicao na pesquisa bibliogrfica e docu-mental e na pesquisa de campo. Ademais, questionada a dicotomia das aborda-gens quantitativas e qualitativas, considerando sua complementaridade e interfaces.O paradigma da complexidade na perspectiva epistemolgica apresenta avanosconsiderveis, mas enquanto metodologia operativa est em seus primrdios. Nessesentido, o estudo trata do tema da triangulao, concebida como procedimentopromissor na busca da perspectiva quanti-qualitativa. Diante do exposto, enten-de-se a tentativa de explorar um pouco mais as caractersticas dos procedimentose recursos tcnicos que podem ser utilizados pelos pesquisadores que procuramdesenvolver projetos de pesquisa mistos.

    Palavras-chave: Tcnicas de pesquisa. Complexidade. Triangulao. Pesquisaquantitativa e qualitativa. Projetos de pesquisa mistos.

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    As tcnicas tradicionais de coleta de dados, tais como, ob-servaes, questionrios e entrevistas continuam sendoimportantes ferramentas para a pesquisa emprica. As ori-entaes de Wright Mills em Do artesanato intelectual(1980)1 sobre estratgias de produo do conhecimento

    sociolgico seguem to vigentes quanto os ensinamentos de cunhoepistemolgico, terico e metodolgico na obra El ofcio de socilogo(BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 1975). No entanto, novosrecursos da informtica e da comunicao nos colocam diante da necessi-dade de explorar adequadamente suas potencialidades, propiciando inova-es nos procedimentos de investigao social.

    A tendncia atual na rea da pesquisa social de uma maior integrao

    de textos, imagens e sons. Diante das aceleradas mudanas da sociedadeda informao necessrio ter flexibilidade para a descoberta de formasdiferentes de realizar o trabalho cientfico, incorporando as novas tecnologiasdesenvolvidas no mundo virtual, em especial, os recursos digitais eaudiovisuais. Contudo, oportuno refletir ainda sobre a sugesto de Millsde perseguir as virtudes do arteso intelectual, paciente e detalhista, evi-tando assim o fetichismo do mtodo e da tcnica. O autor salienta a

    importncia de relacionar os dados da pesquisa com slidos conhecimentosepistemolgicos e referenciais terico-conceituais substantivos.

    Mills abordou na mencionada obra a questo da inibiometodolgica, criticando a exacerbao da viso quantitativista que consi-

    1 Trata-se de um texto clssico no campo da metodologia, publicado na obra A imaginaosociolgica(1980). Nele o autor expe detalhadamente como realiza cotidianamente seu trabalho

    de pesquisador.

    Iniciando com alguns antecedentes

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    2 Documento obtido na internet.

    dera que tudo que no pode ser comprovado com dados numricos sereduz a simples filosofia social . Paul Lazarsfeld era o principal socilogo apropor a transio das filosofias sociais para a sociologia plenamenteorganizada, no sentido de ser avalizada pelo Mtodo Cientfico. Esteobjetivo somente poderia ser alcanado pela utilizao de mtodos e tcni-cas de pesquisa quantitativa rigorosos.

    Em contrapartida, Mills questionava o carter superior e inconteste da

    proposta de Lazarsfeld de uma cincia objetiva, neutra e livre de juzos devalor, prpria do referencial positivista. So oportunas as reflexes crticasde Moraes e Torres sobre o mtodo positivista:

    Acreditamos que as metodologias positivistas apresen-tam a limitao de refletir apenas instantes, momentosdeterminados, fragmentos da realidade, situaessimplificadas e concretas vividas pelos sujeitos, sejameles pesquisadores ou pesquisados. Ignora-se a riqueza

    dos processos vivenciados e os significados internossubjacentes aos comportamentos observveis. So comofotos instantneas e estatizantes de processos que ten-tam nos mostrar que representamos a realidade comoela , como um espelho na qual est refletida. E, hoje,sabemos que isto no verdadeiro. Tais processos sodinmicos e multidimensionais e todo e qualquer pro-cesso desta natureza est sujeito ao imprevisvel, ao ines-perado, ao acaso e ao criativo, e vo alm do horizonte

    conhecido, revelando, assim, que toda identidade deum sistema complexo sempre um processo de vir-a-ser. (MORAES; TORRES, 2009)2

    Quanto questo do quantitativismo, em perspectiva histrica dasociologia latino-americana, Gino Germani, na Argentina, no final dos anos1960, seguia postura semelhante de Paul Lazarsfeld nos Estados Unidos.

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    De acordo com Blanco (2005, p. 36), Germani defendia a idia de que ascincias sociais eram iguais s cincias naturais e que deveriam trabalharcom o mesmo padro metodolgico: considerava que ao negar a possibi-lidade de aplicar mtodos das cincias naturais sociologia se favoreceu aespeculao no lugar da pesquisa cientfica e que o conhecimento dosfenmenos sociais foi mais de carter filosfico que cientfico .

    Nesta perspectiva observa-se a mesma preocupao de Durkheim em

    aplicar os cnones das cincias naturais ao conhecimento sociolgico. MichaelLwy (1985) discorda desta posio e, ao comparar o positivismo e o historicismo,explica por que as cincias naturais e as cincias sociais so qualitativamentediferentes, tanto nos seus postulados quanto nos seus mtodos.

    No primeiro paradigma um pressuposto bsico que na naturezaexistem leis eternas, invariveis e independentes da vontade dos homens eque a dinmica social segue o mesmo cnone (os fatos sociais so coisasexternas ao indivduo e exercem poder de coero sobre ele, na definio

    durkhemiana). No segundo paradigma, ao contrrio, os fenmenos sociaisso produto das aes do homem. Ademais, o corpo social , a sociedade,funcionam de forma diferente do corpo humano e seu metabolismo e,portanto, as formas de conhec-los seguem abordagens e procedimentoscientficos qualitativamente diferentes (LWY, 1985).

    O socilogo argentino Alfredo Povia, primeiro presidente de ALAS -Asociacin Latinoamericana de Sociologia - em 1951, criticava tanto a pos-

    tura da sociologia ideolgica de orientao marxista a chamada socio-logia comprometida quanto a sociologia quantitativista da fatologia,quantofrenia ou tcnica instrumentista puramente empiricista (BLANCO,2005, p. 41). Ao mesmo tempo, nesta perspectiva, a dimenso subjetivaera desconsiderada por ser ideolgica em contraposio explicao ci-entfica e objetiva da realidade social, de base positivista.

    Os questionamentos de Bourdieu (1975), Thiollent (1980) e Lwy

    (1985) ao positivismo e ao empirismo na pesquisa social sedimentaram

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    3 Estas reflexes foram desenvolvidas em artigo que publicamos anteriormente denominado Daneutralidade ao compromisso: a construo do conhecimento cientfico na pesquisa social, no qualconfrontamos o mtodo positivista e o histrico-estrutural, tecendo consideraes sobre a relaosujeito-objeto do conhecimento, pesquisa participante, a questo da totalidade e das alternativas

    metodolgicas (STEREN DOS SANTOS, 1991).

    alguns postulados que serviram de orientao para o trabalho cientfico deinmeros pesquisadores: a) a crtica supremacia das cincias naturais so-bre as cincias sociais; b) a inviabilidade da produo de um conhecimentosociolgico sem nenhum tipo de interferncia do sujeito sobre o objeto(pois toda observao influenciada pelo ponto de vista do observador) ec) a considerao de que existem determinaes epistemolgicas e teri-cas subjacentes forma de estruturao das tcnicas de coleta de dados.

    A crtica e rejeio s tcnicas quantitativas perduraram durante longoperodo, porm, nos ltimos anos observa-se uma crescente valorizao dacapacidade de clculo e preciso dos resultados provenientes da interligaodas tcnicas estatsticas com a microinformtica. A estatstica passou a ser atu-almente uma ferramenta essencial que possibilita a otimizao do conheci-mento cientfico, produzindo dados com grande capacidade de generalizao.

    Sobre a questo da neutralidade-objetividade da cincia precisoobservar que na literatura sociolgica estes dois conceitos sempre so trata-dos de forma interligada. Convm, todavia, reconhecer a necessidade deanalisar separadamente cada conceito, concluindo que talvez o melhor ca-minho seja assumir a no-neutralidade e, mesmo assim, pretender a obje-tividade. Isto significa que o fato de adotar uma determinada concepoterica e poltica, no implica necessariamente na renncia construo deconhecimentos objetivos em relao realidade examinada (STEREN DOSSANTOS, 1991, p. 41).3

    Nunca demais referir que no existe uma pesquisa social totalmen-te objetiva e sem algum tipo de interferncia do contexto e da subjetivida-de e que o papel do cientista social o de tentar diminuir ao mximo as

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    distores que possam surgir em cada etapa da investigao. Procedimen-tos cientficos se tornam cada vez mais relevantes para a adequada apreen-so do nosso objeto de pesquisa, pois representam a certificao de que oestudo segue padres acadmicos adequados.4

    A construo do objeto de pesquisa possibilita o afastamento do sen-so comum e a necessria interligao entre a epistemologia, a metodologia,a teoria e os dados empricos, para que o conhecimento gerado no se

    limite simples descrio empiricista de aspectos superficiais, fragmenta-dos e parciais da realidade social.

    Pesquisa quantitativa ou qualitativa? Convergncias,divergncias e hibridaes

    Ao escolher a metodologia de uma pesquisa uma indagao inicial

    se meus dados representam magnitudes ou conceitos e categorias. Preten-do trabalhar com nmeros, mensurando a realidade, ou com palavras, de-senvolvendo uma abordagem mais voltada compreenso do contedo?Apesar de que muito j se debateu e escreveu sobre a dicotomia da pesqui-sa quantitativa versus qualitativa, necessrio estabelecer algumas conside-raes a respeito, pois a questo no est ainda esgotada. A prtica cient-fica dos pesquisadores indica que grande parte costuma se alinhar a uma ououtra perspectiva, sem perceber a promissora possibilidade da unio deambas as estratgias metodolgicas.

    No existe uma abordagem que trabalhe exclusivamente com tcni-cas estatsticas ou com depoimentos. Ambos os tipos de dados no so

    4 Recomenda-se, especialmente, a leitura de duas obras publicadas em Buenos Aires por CLACSO Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, que oferecem importantes subsdios nessa direo:Bibliotecas virtuales para las ciencias sociales(BABINI; FRAGA, 2004) eManual de metodologia:construccin del marco terico, formulacin de los objetivos y eleccin de la metodologia(SAUTU

    et al, 2005).

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    excludentes. A complexidade da vida em sociedade e o acelerado processode transformao exigem atualmente a superao de posturas reducionistasem termos tcnicos e operacionais.

    Nos anos 1950 e 1960, quando ocorre considervel desenvolvimentoda metodologia de pesquisa nas cincias sociais, existiam preconceitos quan-to utilizao da estatstica, principalmente entre os cientistas sociais deformao crtica. A busca da quantificao nos estudos sobre a sociedadeesteve relacionada, durante longo tempo, ao paradigma positivista. Muitospesquisadores tinham a viso de que somente adotando-se esta perspecti-va seria possvel aplicar mtodos e tcnicas rigorosos orientados verifica-o emprica. As tcnicas quantitativas eram identificadas com a sociologianorte-americana considerada, abstratamente, a servio dos interesses do-minantes. A estatstica era vista com desconfiana e considerada como ins-trumento de manipulao e dominao. No entanto, salientou-se j a im-portncia crescente das tcnicas estatsticas na atualidade, decorrente do

    seu maior poder de generalizao e preciso.Ao trabalhar com tcnicas quantitativas busca-se analisar o comporta-mento das variveis individualmente ou na sua relao de associao ou dedependncia com outras variveis (quando h causalidade). So elaboradosdiversos grficos ou tabelas de frequncias univariadas (uma varivel), comcruzamentos de duas variveis (bivariadas) ou mais (multivariadas), no intui-to de identificar caractersticas ou fatores explicativos dos fenmenos emestudo. Os dados podem apresentar diferentes nveis de medio, possibi-

    litando trabalhar com estatsticas descritivas ou inferenciais, com probabili-dades, propores ou correlaes entre variveis.

    Entre os quantitativistas mais inflexveis, grande parte dos estudosqualitativos considerada como mera pesquisa exploratria ou descriti-va, com pouca capacidade de generalizao. No entanto, quando nestetipo de pesquisa adotado um elevado padro cientfico, com utilizao detcnicas de coleta de dados adequadamente escolhidas e testadas, aliado incorporao de teorias explicativas substantivas, pode-se diminuir a possi-

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    5 Esta observao no diminui a importncia dos estudos exploratrios, pois so fundamentais nasetapas iniciais de qualquer pesquisa social. Eles possibilitam uma melhor insero do pesquisadorna realidade emprica, ao adotar uma postura flexvel nas suas primeiras observaes. O contatoinformal e a observao do contexto propiciam o aperfeioamento das tcnicas de coleta de dados,apreendendo aspectos relevantes insuspeitos no incio do levantamento.6 A expresso corpus considerada mais adequada que amostraquando se trabalha em pesquisaqualitativa. Pode ser definida como: coleo finita de materiais, determinada de antemo pelo analista,com (inevitvel) arbitrariedade, e com a qual ele ir trabalhar (BARTHES apud BAUER; AARTS, 2004,p. 44). A caracterizao de corpuscomo escolha sistemtica ou orientaes para a seleo deinformaes inclui materiais textuais, sonoros e visuais. No artigo da nossa autoria, elaborado conjunta-mente com Brumer, Rosenfield e Holzmann (2008), denominadoA elaborao de projeto de pesquisa

    em Cincias Sociais,so estabelecidas outras consideraes a respeito desta questo.

    bilidade da nossa pesquisa qualitativa ser caracterizada como exploratria,comumente desqualificada pelos quantitativistas5.

    Com o acelerado desenvolvimento das TICs (Tecnologias da Informticae da Comunicao) possvel realizar pesquisas qualitativas com maiorrigor cientfico e capacidade explicativa. O que se perde em quantidade seganha em profundidade. Os nmeros e estatsticas podem no ser as ferra-mentas mais apropriadas para compreender ideologias e representaes.Ou seja, o tratamento matemtico nem sempre adequado para pesquisasque tm como objetivo elucidar em profundidade motivaes e aes. Ele muito eficiente para traar um perfil fidedigno de determinada popula-o, caracterizando sua situao socioeconmica, pela utilizao de tcni-cas de medida e controle de variveis, mas quando se procura uma com-preenso mais abrangente da estrutura discursiva dos atores sociais e seucomportamento, as tcnicas qualitativas se tornam mais apropriadas. Pes-quisas que utilizam este tipo de tcnica esto demonstrando crescente

    poder de preciso nos seus procedimentos metodolgicos.As pesquisas realizadas mediante amostras representativas e com uti-lizao de tcnicas estatsticas tm, evidentemente, maior capacidade degeneralizao que as pesquisas qualitativas, onde as amostras passam a sedenominar de corpus,6 mas no por isso os resultados podem ser consi-derados menos significativos e rigorosos.

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    7 Sobre pesquisa qualitativa o livro de Flick (2004) uma referncia na rea, alm da obra de Bauere Gaskell (2004).8 Tavares dos Santos, J. V. (coordenador doDossisobre o temaMetodologias informacionaisna revistaSociologias n. 5 (2001), escreveu um artigo denominado As metodologias informacionais: um novopadro de trabalho cientfico para as sociologias do sculo XXI?, no qual apresenta uma panormicasobre os avanos nesse campo. Especificamente sobre as CAQDAS consultar, na revista Sociologias n. 5,o artigo de Mangabeira, Lee e Fielding (2001) e o de Teixeira e Becker (2001). Na revista Sociologias n.9 foi tambm publicado um artigo de Cisneros (2003) sobre o assunto, no qual o autor expe os passosa seguir no processo de codificao (sistema de categorias temticas) e na realizao de anlises

    comparativas de temas emergentes do discurso do entrevistado, em pesquisas qualitativas.

    importante salientar que entre os pesquisadores que trabalham comtcnicas qualitativas7 tambm existe grande preocupao em tornar seus traba-lhos cientificamente confiveis e a utilizao de novas tecnologias, como porexemplo, as CAQDAS(Computer-Aided Qualitative Data Analysis Software) 8

    tm produzido avanos substanciais no campo metodolgico nos ltimos anos.Os pesquisadores que utilizam tcnicas qualitativas adotam, principal-

    mente, o paradigma fenomenolgico ou compreensivista nas suas aborda-

    gens (embora tcnicas qualitativas sejam utilizadas tambm por marxistas,ps-estruturalistas ou autores de outras escolas de pensamento). Nos doisprimeiros paradigmas so priorizadas as dimenses da ao e as interaesintersubjetivas. Nesse sentido, os fenmenos sociais so analisados a partirda perspectiva subjetiva dos atores sociais envolvidos neles. Suas reflexese representaes so analisadas a partir das suas expresses discursivas. Ocontedo das narrativas classificado em categorias de anlise que permi-tem reconstruir a percepo sobre a realidade presente no discurso dosdiferentes sujeitos, seus interesses, expectativas e aes.

    Os relatos, depoimentos e documentos institucionais, individuais ou decarter biogrfico, possibilitam compreender, ademais, o contexto histrico esociopoltico no qual esto inseridos os sujeitos da pesquisa, considerandoseu papel especfico e as relaes sociais das quais fazem parte. A anlise dotexto no contexto fundamental para perceber seu sentido e significao.

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    A articulao de tcnicas quantitativas e qualitativas numa mesmapesquisa uma tendncia atual da pesquisa social. Ao analisar a relaoentre ambas as abordagens, Rodrigues (2007) salienta que elas tm muitosaspectos em comum:

    O fator quantidade no exclui o fator qualidade. Assim que o nmero 3, por exemplo, expressa uma quanti-dade e vrias qualidades. Ser primo, mpar, inteiro epositivo so algumas das qualidades do nmero 3. Asquantidades expressam ainda algumas no-qualidades.O mesmo nmero trs no par, no fracionrio, no quadrado perfeito, no negativo. Os aspectos cita-dos so exemplos de qualidades intrnsecas s quanti-dades [...] a pesquisa que se vale de nmeros no estforosamente excluda da condio de qualitativa, comodito, malgrado os rtulos largamente divulgados. Regis-tre-se, ainda, que as pesquisas ditas quantitativas no serestringem ao mbito dos estudos descritivos, ao con-trrio da falcia neste sentido, largamente divulgada. clssica alm de elementar a diviso da Estatsticaem descritiva e inferencial. A primeira compreende tabe-las, grficos, medidas de tendncia central e de variabili-dade, teis descrio. A Estatstica inferencial utilizalargamente os testes de significncia, os instrumentosde verificao da existncia de correlaes entre os fa-tos ou eventos, dentre outros instrumentos.(RODRIGUES, 2007, p. 35-36)

    O autor tambm distingue a lgica discursiva da lgica matemtica, ambascom seus cdigos especficos de comunicao e esclarece que: o cdigo grama-tical, assim como o cdigo matemtico, um conjunto de representaes, porisso expressam idias, com as quais se elaboram proposies e raciocnios, quan-do associados, formando uma corrente de idias (Ibidem, 2007, p. 37).

    Os delineamentos metodolgicos modernamente incorporam dife-rentes tcnicas de coleta e anlise de dados, integrando mltiplas estratgias

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    de pesquisa. Os fenmenos sociais apresentam diversas dimenses einterfaces e sua adequada abordagem requer, com frequncia, a integraode aspectos subjetivos com determinantes estruturais ou contextuais maisabrangentes. Desta forma, podem ser interligadas perspectivas macro emicrosociais de forma complementar, assim como, incorporar procedimen-tos mistos nas etapas da coleta, processamento ou anlise dos dados.

    A combinao de diversas tcnicas de pesquisa possibilita o desenvolvi-

    mento de pesquisas sociais mais precisas e interessantes. O desenho multimtodo,com a combinao de estratgias quali-quanti parece ser mais completo e efeti-vo do que os realizados exclusivamente com uma das duas abordagens.

    Das velhas s novas ferramentas na pesquisa social

    Dentre as tcnicas de pesquisa que podemos considerar como tradicio-

    nais encontram-se as seguintes: planilhas de observao, questionrios, roteirosde entrevistas, fotografias, filmes, estatsticas oficiais e dados documentais.9

    No trabalho dos cientistas sociais o levantamento e reviso bibliogrfica(dados secundrios) so fundamentais nas etapas iniciais da pesquisa paramapear o estado da questo e estabelecer uma adequada delimitao dotema. A pesquisa documental10 (dados primrios) uma das tcnicas mais

    9 Apenas para distinguir tipos (gnero) de documentos, apresenta-se a seguinte classificao:material grfico, fnico (discos em diversos formatos), audiovisual (filmes, fotografias, cartogrfico(mapa, atlas), iconogrfico (desenhos, gravuras, pinturas) e objetos de arte, folclore ou indumentrias.Entre os documentos grficos ou textuais (manuscritos, datilografados ou impressos) encontram-se:documentos oficiais, documentos jurdicos ou colees particulares: certides de cartrios, registrosgerais de nascimentos, casamentos, mortes, desquites, atas, regimentos, notas, panfletos, cartas,autobiografias, memrias, editais, despachos, ofcios, circulares, mensagens, memorandos etc.10 Para um maior aprofundamento da tcnica de pesquisa documental consultar o captulo 8 dolivro de Tim May (2004) denominado Pesquisa documental: escavaes e evidncias e tambm o

    artigo de Lang (1999), Documentos e depoimentos na pesquisa histrico-sociolgica.

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    antigas na histria do pensamento humano, tendo atualmente importantedesenvolvimento pela digitalizao e ampliao do acesso on-line.

    No caso da pesquisa bibliogrfica e documental se coloca a necessida-de de verificar se as fontes so confiveis, eliminando o denominado lixociberntico . Sobre a autenticidade dos documentos, as questes colocadaspor Tim May (2004) possibilitam conferir maior grau de cientificidade aosnossos estudos:

    Os dados so genunos? So de uma fonte primria ousecundria? So de fato o que parecem ser? So cpiasautnticas dos originais? Foram corrompidos ou adultera-dos? A autoria pode ser validada? Os documentos estodatados e localizados? So registros precisos dos eventosou processos descritos? Os autores dos documentos sodignos de crdito?(FOSTER apud MAY, 2004, p. 220).

    Dentre os vrios tipos de documentos interessante analisar a foto-

    grafia, pois se trata de um recurso que est sendo cada vez mais valorizadonas pesquisas acadmicas, especialmente pela capacidade de registro etratamento de imagens, decorrente da incorporao de novas tecnologiasdigitais. A anlise dos dados visuais pode proporcionar uma srie de infor-maes importantes sobre o contexto, os acontecimentos, as caractersti-cas dos sujeitos de um determinado lugar, sua cultura ou habitusde classe,gnero, geraes ou etnias.

    A ttulo de exemplo, em uma pesquisa sobre as relaes familiares na

    cidade de So Paulo, no incio do sculo XX, a equipe utilizou a histria orale fotografias como principais tcnicas de pesquisa. Foram entrevistadaspessoas idosas com o objetivo de elucidar o cotidiano da sua vida familiar, arelao pais-fi lhos e entre os parceiros, focalizando o tema do exerccio daautoridade na famlia. A problemtica da pesquisa estava centrada nas rela-es de gnero dentro e fora do espao domstico. No que se refere utilizao de fotografias, como tcnica de construo do conhecimento

    sociolgico, so relevantes as reflexes a seguir:

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    11 Documento obtido na internet.

    A tcnica fotogrfica muito apropriada para estudos sobre famlia,assim como a tcnica de histria de vida. Esta pode ser utilizada tambmpara estudar, por exemplo, a temtica da violncia urbana ou rural, da mi-grao ou dos moradores de rua, analisando trajetrias individuais ou cole-tivas, a partir de imagens registradas pelo prprio pesquisador, cedidas pe-los entrevistados ou coletadas em outras fontes impressas ou digitais.

    Sobre a questo das fotografias como reforo da memria Loizos

    salienta que, ao realizar uma entrevista, necessrio estar preparado deantemo para desencadear lembranasnas pessoas entrevistadas, e eleapresenta exemplos de pesquisas sobre histrias de sindicatos ou de parti-dos polticos. O autor menciona tambm que uma fotografia de uma mul-tido, publicada em algum jornal, ao ser mostrada pode ativar lembranassobre detalhes do acontecimento, sobre indivduos participantes e suasmotivaes (LOIZOS, 2004, p. 143).

    No processo de transio de mtodos e tcnicas tradicionais paranovas formas de coleta e anlise de dados, no contexto da sociedadeinformtica, Mario lembra a necessidade de se adotar una posicinepistemolgica que no est eclipsada ni por la fascinacin tecnolgica nipor un pesimismo tecnofbico (MARIO,200811). Ambas as posturas ex-tremas em relao inovao tecnolgica so prejudiciais, tanto a daquelespesquisadores que incorporam acriticamente todas as novidades que seacumulam rapidamente quanto a dos que as rejeitam incondicionalmente.

    Sobre o impacto das mudanas atuais na realidade virtual e na inves-tigao, Galindo registra que na cibersociedade a utilizao deinstrumen-tos e ferramentas aumenta e isto cria um cenrio favorvel ao desenvolvi-mento da pesquisa cientfica, acrescentando que: El espacio social se arti-cula con ms y mejores vnculos y conexiones. Las relaciones humanas secomplejizan, el tiempo y el espacio de la vida se amplifican, ms cosas

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    12 Documento obtido na internet.13 A tcnica de grupo focal pode ser definida como: uma tcnica de pesquisa que coleta dadospor meio das interaes grupais ao se discutir um tpico especial sugerido pelo pesquisador. Comotcnica, ocupa uma posio intermediria entre a observao participante e as entrevistas emprofundidade. Pode ser caracterizada tambm como um recurso para compreender o processo deconstruo das percepes, atitudes e representaes sociais de grupos humanos (GONDIM,

    2008). Documento obtido na internet.

    suceden con ms gente involucrada. Muchos perciben y se perciben, muchosinteractan, la informacin circula, se modifica, se critica, se analiza, sesintetiza (GALINDO, 200912).

    Nesses novos espaos, surgem expresses originais no campo teri-co-metodolgico, alm dos tradicionais conceitos de interdisciplinaridadeou multidisciplinaridade: cincias de fronteira, intercincias, multimtodo,multimetodologia, dado complexo, complexidade, meta-anlise,

    transmetodologia, prticas interparadigmticas, bases intertericas, multidi-mensionalidade, entre outras. Todos se referem a aspectos mais abrangentesda pesquisa, na qual no h lugar para a simplicidade e reducionismo nacoleta, processamento e anlise dos dados.

    necessria uma reviso das tcnicas tradicionais de coleta de dados,incorporando os novos recursos disponveis no espao ciberntico, especial-mente aqueles que representam inovaes no campo metodolgico. s tcni-cas de pesquisa tradicionais e linguagem textual se incorporam novas formasde registro da expresso humana, provenientes de diversas fontes, especial-mente das novas mdias digitais (vdeo, televiso, cinema e internet). Comefeito, na pesquisa social so incorporados novos recursos audiovisuais: materialsonoro e flmico, em diversos formatos, provenientes do mundo virtual ou delocadoras, videotecas, cinematecas, museus ou centros de documentao.

    Cabe lembrar que muitos dados audiovisuais so produzidos pelo pr-prio pesquisador. Neste caso, entrevistas individuais ou grupais (grupo fo-

    cal13), assim como dados de observaes, podem ser filmados de acordo

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    coleta de dados e no processamento, assim como, nas ferramentas deanlise, que se tornam cada vez mais sofisticadas.

    Todas as inovaes tecnolgicas tm contribudo substancialmentepara a melhor qualificao das pesquisas sociais. Em contrapartida, pareceestar ocorrendo um aspecto negativo no mundo virtual com a facilidade deacesso a textos originais: a ampliao das diversas formas de plgio, pelautilizao indevida de informaes.16

    No novo contexto virtual, a rea de Biblioteconomia se transformou emCincia da Informao, tornando-se um campo do conhecimento indispens-vel para o trabalho cientfico. As bases de dados so sistematizadas e colocadas disposio dos pesquisadores, de forma cada vez mais eficiente e produtiva.

    Os mecanismos de busca se sofisticaram e o acesso informao tor-nou-se um direito inquestionvel dos cidados. A utilizao de filtros facilitaas buscas, possibilitando a identificao das referncias mais significativas e amelhor delimitao do tema da pesquisa. Como exemplo, os operadoresbooleanos and, ore not, entre outros recursos, so ferramentas disponveispara restringir ou aumentar a nossa pesquisa bibliogrfica e documental.

    Entre os principaissitespara a realizao de levantamentos e compila-o pode-se mencionar: Portal de Peridicos da CAPES - www . periodicos.capes.gov.br ; SCIENTIFIC ELECTRONIC LIBRARY ONLINE- www . scielo.org; SCIENCEDIRECT www.sciencedirect.com; SCOPUS www . scopus.com; ISI WEB OF KNOWLEDGE/ WEB OF SCIENCE www. scientific.

    thomson.com. Registrando-se neste ltimo site possvel ter acesso ao

    16 H, entretanto, softwares capazes de identificar o plgio em textos acadmicos, inclusiveapontando quantitativamente o grau de cpia presente em determinado texto e indicando alocalizao das fontes originais nos diversossitesda internet. Consultar, por exemplo, o seguinteendereo, onde possvel baixar o programa denominado Farejadordeplagiogratuitamente pararealizar uma varredura de trechos plagiados em 50% do texto: http://br.geocities.com/farejadordeplagio/. Algumas universidades, em diversos pases, j esto comeando a exigir dosalunos que eles mesmos realizem e imprimam a certificao de autenticidade da autoria, a qual

    dever ser entregue junto com o trabalho a ser avaliado.

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    programa EndNote, o qual possibilita organizar e compartilhar referncias.Ele armazena at 10.000 referncias na nossa base de dados pessoais qual se pode ter acesso pela internet. Ele insere referncias e formata do-cumentos automaticamente e tambm muda instantaneamente o sistemade norma tcnica de acordo com nosso interesse em adaptar o texto aoformato exigido por determinado pas ou publicao.

    Nestas plataformas tambm se podem criar diversos tipos de ALERTS(de

    busca, de assunto, de volume/edio e de citao)para sermos notificados porcorreio eletrnico, caso sejam includas novas informaes no sistema (esco-lhe-se notificaes mensais, semanais ou dirias). Isto significa que se for regis-trado em alguma base de dados um novo artigo sobre um tema que estamospesquisando ou se um autor da nossa preferncia publicou resultados de umanova pesquisa, estaremos recebendo uma mensagem de aviso.

    Outro aspecto importante para a realizao de pesquisas sociais quese observa atualmente um acesso mais irrestrito a sitesde instituies p-blicas e privadas, grupos sociais ou indivduos com informaes mais trans-parentes sobre as suas caractersticas e interesses. Os atores sociais, indivi-duais e coletivos divulgam material diversificado que pode ser utilizadocomo fonte de pesquisa (mensagens eletrnicas, documentos, listas, ca-dastros, informativoson-lineetc.). Bases de dados confiveis oferecem cadavez maior quantidade de informaes, assim como pginas eletrnicas desitesna internetespecializados em temticas especficas, centros ou ncle-

    os de pesquisa e blogs nacionais e internacionais. Os diversossites, portan-to, se constituem em valiosas fontes de informaes para pesquisas, possi-bilitando o acesso mais rpido a documentos, assim como, a divulgao edisponibilizao de publicaes cientficas.

    Entre os aspectos positivos, a internettem propiciado maior interaoentre pesquisadores que utilizam os diversos recursos disponibilizados pelatecnologia digital, de forma individual ou atravs de reunies virtuais. A

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    construo de plataformas para a colaborao remotaon-linecria um espa-o virtual de interao e trabalho conjunto no qual um projeto de pesquisa postado e os participantes arquivam e disponibilizam, via internet, grandequantidade de dados textuais e multimdia para pesquisas. A rede tambmfacilita a organizao de equipes de trabalho, situadas em contextos dife-rentes. Surgem trabalhos compartilhados entre pesquisadores com mlti-plas e descentralizadas perspectivas. Nesse sentido, a internet, est tendo

    impacto considervel na implementao de estudos comparativos entrepases, regies ou localidades, tanto de forma sincrnica quanto diacrnica. cada vez mais frequente a coleta de opinies e depoimentos pela

    internet. Ao elaborarmos nossos prprios instrumentos de coleta de dados aserem aplicadoson-line, (questionrios ou formulrios, roteiros de entrevis-tas, pauta de observao, conversas ou discusses eletrnicas etc.) podemoster uma maior proximidade com os informantes, estabelecendo processosinterativos de comunicao. A propsito, uma cmara digital instalada nocomputador tambm permite um contato sujeito-objeto da pesquisa maisprximo, ou seja, a observao e o dilogo com a pessoa que responde.

    interessante observar, ademais, que so criados atualmente sitesespecficos para a coleta de dados de determinada pesquisa, com informa-es detalhadas sobre os objetivos do estudo. Assim, procura-se ter ummaior nmero de pessoas dispostas a responder s indagaes formuladaspelos pesquisadores. Neste caso, importante que o instrumento de cole-

    ta de dados apresente um cabealho explicativo sobre o estudo que sejasuficientemente esclarecedor como para que os sujeitos da pesquisa cola-borem, tendo o cuidado, no entanto, de no influenciar as suas respostas.

    As enquetes eletrnicas autorespondidas por indivduos ou agentescoletivos, que possuem endereo eletrnico ou sites, podem ser uma for-ma muito produtiva de coletar dados, com baixo investimento em termosde tempo e recursos financeiros. Hair et al (2005) comparam as surveys

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    18 Algumas informaes sobre estes programas: SPSS: Statistical Package for the Social Science(Estados Unidos), um dos programas mais completos que existem atualmente para anlise estatsticade dados; o NVivo(Austrlia), um dos programas que oferece mais recursos para anlise qualitativade dados, dentre as denominadasCAQDAS(Computer-Aided Qualitative Data Analysis Software).Destaca-se a sua capacidade de integrar textos, imagens e sons (formatos multimdia). O programaSPHINX(Frana possibilita a realizao de coleta e anlise de dados quantitativos e qualitativos epossui importantes recursos para elaborao, formatao e aplicao de questionrioson-line.

    objetivo evitar a divulgao de informaes que possam estar distorcidasou conter erros de interpretao, preservando, sempre que possvel, o ano-nimato daquelas pessoas ou entidades que tenham respondido s indaga-es da pesquisa.

    As tcnicas modernas de formatar questionrios para coletar respostason-line, podem, aos poucos, vir a substituir os procedimentos da pesquisatradicional. A comunicao presencial parece, no obstante, a melhor for-

    ma de coleta de dados, pois o dilogo direto um importante instrumentode avaliao da adequao das respostas s perguntas formuladas e da pos-tura do informante.

    Na etapa de processamento e anlise de dados o domnio de progra-mas especializados na pesquisa social, como, por exemplo, o SPSS, NVivoou SPHINX18, entre outros, tornaram-se insubstituveis recursos, contribuin-do para o aperfeioamento do conhecimento cientfico da realidade social.

    Por outro lado, cumpre registrar que a comunicao com pessoas queno dispe de equipamentos informticos impe a necessidade de utilizaras tcnicas convencionais de coleta de dados. A aplicao de instrumentosde pesquisa atravs de um entrevistador ou telefone, assim comoautorespondidos de forma presencial, via correio ou fax, ainda so ferra-mentas necessrias, dado o nmero ainda expressivo de excludos da eradigital na nossa sociedade. As caractersticas da populao-alvo determinama escolha das tcnicas mais adequadas a cada situao.

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    Complexidade, triangulao e mtodos mistos:multiplicidade de olhares sobre o objeto de pesquisa

    Nesta parte sero apresentadas algumas estratgias mais pluralistas de

    pesquisa, focalizando procedimentos e metodologias operativas que possi-

    bilitem a superao da tradicional dicotomia quanti/qualitativa.

    Na era da sociedade da informao, surge a necessidade de explorar-

    se mais profundamente o tema da complexidade, da triangulao e dos

    mtodos mistos, como promissores caminhos de abordagem de desenvol-

    vimento de pesquisas sociais.

    Enfoquemos a princpio o mtodo da complexidade proposto por Morin:

    O mtodo da complexidade pede para pensarmos nosconceitos, sem nunca d-los por concludos, para que-brarmos as esferas, para restabelecermos as articula-es entre o que foi separado, para tentarmos com-

    preender a multidimensionalidade, para pensarmos nasingularidade com a localidade, com a temporalidade,para nunca esquecermos as totalidades integradoras[...]. A totalidade , ao mesmo tempo, verdade e noverdade, e a complexidade isso: a juno de concei-tos que lutam entre si. (MORIN, 2000, p. 192)

    A seguir so apresentadas algumas consideraes holsticas de Manuel A.

    Jorge (2006) sobre cincia e complexidade, em perspectiva holstica: As cin-

    cias teriam, agora, oportunidade de se redimirem dos prejuzos e das iluses da

    sua estratgia reducionista, analtica, quantitativa e esttica perante uma natu-

    reza que no merecia tanta indiferena. Graas complexidade, seria possvel

    recuperar a unidade perdida dos saberes, nico modo de conhecer e de com-

    preender uma realidade que se mutila se se dividir (JORGE, 2006, p. 24).

    Ao analisar o paradigma dominante na cincia moderna Mara

    Baumgarten aborda a fragmentao do conhecimento em compartimentos

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    19 Na revista Sociologias n 15 foi publicado um Dossicoordenado por Baumgarten e Lima (2006)

    sobre esta temtica.

    disciplinares e especializaes e questiona sua adaptao s caractersticasda sociedade atual.19

    [...] natureza e sociedade nunca deixaram de ser com-plexas e o mundo atual a expresso desta complexi-dade os problemas que se nos apresentam somultidimensionais e as contradies se avolumam. Oser humano alienado por suas prprias mos danatureza (que no deixa por isso de integrar) passou a

    amea-la de forma perigosa para sua prpria espcie etodas as outras. Vivemos um processo de hibridaoentre o natural, o humano e o artificial. (BAUMGARTEN,2006, p. 23)

    O conceito de complexidade, no pensamento de Morin, parece tersua origem no mtodo histrico-estrutural e na dialtica, no qual o concretopensado a sntese das mltiplas determinaes e tambm pode ser rela-cionado ao conceito de totalidade. Ele permite a apreenso da estrutura,

    suas determinaes e processo de transformao dos fenmenos sociais. Oconhecimento da totalidade no significa abarcar todos os seus elementosconstitutivos, implica sim em reconhecer que qualquer elemento singulartem um referencial explicativo numa dinmica complexa e global.

    Para compreender a realidade necessrio utilizar o recurso analtico,separando suas partes componentes para depois reconstituir o todo. Asteorias da complexidade de Morin (1996) nos ensinam que o todo mais

    do que a soma das partes e que para apreender sua estrutura e processo necessrio recorrer a procedimentos interativos e dinmicos. Para tornarmais explcita a questo, a seguir so apresentadas algumas reflexes doautor sobre as partes e o todo no estudo da complexidade:

    O que foi tecido junto; de fato h complexidade quandoelementos diferentes so inseparveis constitutivos do todo

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    (como o econmico, o poltico, o sociolgico, o psicolgi-co, o afetivo, o mitolgico) e h um tecido interdependente,interativo e inter-retroativo entre o objeto do conhecimen-to e seu contexto, as partes e o todo, e das partes entre si.Por isso, a complexidade a unio entre a unidade e amultiplicidade. (MORIN, 1999-2000, p. 38)

    Em termos operacionais, seguindo o paradigma da complexidade,Vasconcelos (2007) apresenta um tipo de varivel que, no seu entender,

    no se enquadra nas classificaes tradicionais: variveis multidimensionaiscomplexas. O autor assinala a multiplicidade de aspectos envolvidos e pro-pe que se trabalhe com ndices:

    Particularmente em cincias humanas, sociais e da sa-de, existem processos multidimensionais complexos, decaractersticas predominantemente qualitativas, mas quetambm apresentam dimenses e facetas quantitativas.Algumas instituies reconhecidas de pesquisa e plane-jamento vm propondo metodologias de conceituaoe sntese avaliativa operacional dessas variveis, expri-mindo-as na forma de ndices numricos, visando lhesdar visibilidade e comparabilidade em avaliaes. Soexemplos disso o ndice de Desenvolvimento Humano(IDH), do Programa das Naes Unidas para o Desen-volvimento Humano (PNUD), e o ndice de Condiesde Vida, proposto pela Fundao Joo Pinheiro, de Belo

    Horizonte. (VASCONCELOS, 2007, p. 236)Esse entendimento, predominantemente tcnico, sugere a necessi-

    dade de partir de uma rigorosa definio terico-conceitual e proceder desagregao das diferentes dimenses que compem os conceitos princi-pais. Desta forma, possvel formular as caractersticas dos indicadores endices capazes de representar a complexidade da vida social.

    A triangulao tambm promove o dilogo entre as diversas estratgias

    de pesquisa e reas do conhecimento cientfico, objetivando uma anlise

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    20 Constructo ou construto definido por Martins e Thephilo (2007, p. 35) da seguinte forma: Paraexplorar empiricamente um conceito terico, o pesquisador precisa traduzir a assertiva genrica doconceito em uma relao com o mundo real, baseada em variveis e fenmenos observveis emensurveis, ou seja, elaborar (construir) um constructo ou construto e operacionaliz-lo. Para tanto,necessita identificar as variveis observveis/mensurveis que podem representar as contrapartidas

    das variveis tericas.

    cruzada dos procedimentos e resultados. O conceito de triangulao surgena rea da topografia e consiste num recurso efetivo para analisar asinterseces, os vrios pontos de vista sobre uma determinada problemti-ca. Uma viso mais abrangente do tema em estudo e das vrias perspecti-vas terico-metodolgicas disponveis possibilita expandir a compreensodo objeto de pesquisa ou avaliar resultados provenientes da utilizao dediferentes tcnicas de coleta de dados.

    Existem diversos tipos de triangulao que podem ser realizados nosentido de obter uma maior confiabilidade dos dados e ampliao de pers-pectiva: entre reas do conhecimento cientfico (interdisciplinaridade); en-tre pesquisadores especialistas de diversos campos profissionais (situadosem regies diferentes dentro de um mesmo pas ou em nvel internacio-nal); entre teorias, visando maior nvel explicativo dos dados da pesquisa etambm triangulao de tcnicas, com o objetivo de integrar num mesmoobjeto de pesquisa vrias estratgias operacionais.

    Considerando a relevncia da triangulao, Denzin e Lincoln (2006)relacionam este conceito ao de pesquisa quantitativa e qualitativa e expli-cam de que forma so integradas ambas as tcnicas:

    Aps a concluso das entrevistas, a triangulao vem tona como um elemento crtico na prtica da cinciasocial: acrescentando uma camada de dados outrapara construir um edifcio confirmatrio. Na anlise

    quantitativa dos dados, a triangulao ocorre quandomltiplos itens dentro da mesma escala medem omesmo constructo20, ou quando duas escalas diferen-

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    tes unem-se para medir o mesmo constructo. Na pes-quisa psicolgica, especificamente, e s vezes na pes-quisa sociolgica, a tendncia empregar mtodosqualitativos para suplementar os dados quantitativos.(DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 127)

    A triangulao de tcnicas de pesquisa um procedimento que pos-sibilita a ampliao de perspectivas. Pode-se integrar, por exemplo, nummesmo estudo a pesquisa documental, dados estatsticos, coletados via

    questionrio, e incluir, concomitantemente, a anlise de contedo de de-poimentos colhidos atravs de entrevistas. Desta forma, a multiplicidadede tcnicas pode propiciar um conhecimento mais aprofundado do objetode pesquisa e um grau maior de cientificidade.

    Independentemente de que o mtodo escolhido para determinadapesquisa seja positivista, estruturalista, fenomenolgico, materialista-dialtico(histrico-estrutural), subjetivo-compreensivista, ps-estruturalista ou siga o

    paradigma da complexidade, podemos incorporar tanto tcnicas quantitati-vas quanto qualitativas ou ambas as estratgias num mesmo estudo. Astcnicas a serem justapostas, no qual cada uma representa formas diferen-tes de operacionalizar o objeto de pesquisa, podem atuar de forma com-plementar. importante destacar, entretanto, que a triangulao deparadigmas ou mtodos de abordagem no parece ser uma estratgia ade-quada, pois as experincias ecletistas demonstram que o conhecimento

    gerado pode ser uma confusa colcha de retalhos. Da mesma forma, Vas-concelos questiona o ecletismo pelouso simultneo, linear e indiscriminadode teorias e pontos de vista tericos e ticos diversos sem considerar asdiferenas e incompatibilidades de origem histrica, na base conceitual eepistemolgica, e nas implicaes ticas, ideolgicas e polticas de cada umdesses pontos de vista (VASCONCELOS, 2007, p. 108).

    A partir desse entendimento indaga-se: como juntar pressupostos doparadigma positivista e marxista numa mesma pesquisa, por exemplo? Aqui

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    vale recordar que seus conceitos fundamentais so diametralmente opos-tos. possvel integrar os conceitos de harmonia, integrao e equilbrio,prprios do referencial positivista com os de contradio e antagonismo,princpios bsicos da dialtica materialista?

    necessrio salientar que o conhecimento das vrias linhas de pensa-mento e perspectivas metodolgicas da sociologia contribui para o aprimora-mento da capacidade analtica e competncia cientfica dos pesquisadores,contudo, questiona-se aqui a integrao catica de pressupostos irreconcili-veis. Isto no significa alinhamento incondicional a uma nica perspectiva,pois como bem nos ensina Mills, importante que o pesquisador raciocineem termos de vrios pontos de vista para assim possibilitar que a sua mentese transforme num prisma mvel, colhendo luz de tantos ngulos quantopossvel (MILLS, 1980, p.230). Alm disso, importante levar em conside-rao a complexidade e multidimensionalidade dos fenmenos fsicos, bio-lgicos, humanos, sociais e ambientais, que exigem um conjunto pluralista

    de perspectivas diferentes de abordagem (VASCONCELOS, 2007, p. 108).Com efeito, a crescente complexidade da vida social exige uma sli-

    da formao epistemolgica e terica dos pesquisadores e a implementaode estratgias de pesquisa mltiplas. necessrio conceber a realidadesocial como um processo objetivo-subjetivo, como uma totalidade, algoprximo da denominada complexidade multidimensional.

    Por outro lado, a preocupao em desenvolver mtodos mistos estcada vez mais presente no meio acadmico na atualidade. Sua emergnciase situa entre os anos 1960 e 1980, ocorrendo importante expanso a partirdos anos 1990. John Creswell informa que sua origem se deu quandoCampbell e Fiske usaram mtodos mltiplos para estudar a validade dascaractersticas psicolgicas. Eles encorajaram outros a empregar seu mode-lo multimtodo para examinar tcnicas mltiplas de coleta de dados emum estudo. (CRESWELL, 2007, p. 32).

    Nos projetos de pesquisa mistos estabelecida uma juno de proce-

    dimentos quantitativos e qualitativos numa mesma pesquisa. Os dados quan-

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    dos participantes em uma coleta inicial de dados qua-litativos. Na prxima fase, use essas declaraes comoitens especficos e como temas para escalas com o fimde criar um instrumento de pesquisa que seja baseadona viso dos participantes. Uma terceira fase final podeser a validao do instrumento com uma grande amos-tra representativa da populao.

    - Examine nveis mltiplos: em um modelo aninhadoconcomitante, conduza um estudo em um nvel (porexemplo, com famlias) para obter resultados quantita-tivos sobre uma amostra. Ao mesmo tempo, coleteentrevistas qualitativas (por exemplo, com pessoas) paraexplorar o fenmeno com membros especficos dasfamlias. (CRESWELL, 2007, p. 223)

    Na avaliao de Vasconcelos (2007), em sua obra Complexidade e pes-quisa interdisciplinar: epistemologia e metodologia operativaexiste uma carn-

    cia de formulaes operacionais concretas em estudos com essa abordagem eafirma que osmanuais de pesquisa existentes no esto atualizados ou, emgeral trabalham com uma concepo mais convencional e homognea deconhecimento cientfico. O autor acrescenta que por sua vez, os debatesmais recentes sobre a crise dos paradigmas cientficos- ps-modernismo, com-plexidade, interdisciplinaridade, etc. ainda no produziram sistematizaesmais operativas no plano metodolgico (VASCONCELOS, 2007, p. 7).

    Da mesma forma, Creswell salienta que o conhecimento sobre a

    integrao de mtodos quantitativos e qualitativos em projetos de mtodosmistos ainda no est suficientemente desenvolvido: H pouca coisa es-crita at agora para orientar o pesquisador nesse processo. Alm disso, hpoucos conselhos sobre como o pesquisador pode resolver discrepnciasque ocorram entre os dois tipos de dados (CRESWELL, 2007, p.221). Noentanto, o autor apresenta algumas pistas importantes nessa direo, aopropor uma lista de perguntas para que os pesquisadores se coloquem a si

    mesmos ao trabalharem com mtodos mistos:

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    Quadro 1. Lista de verificao de questes para elaborar um procedimentode mtodos mistos

    Fonte: John Creswell (2007, p. 212)

    - Foi providenciada uma definio bsica de pesquisa de mtodos mistos?- O leitor tem uma concepo do uso do potencial de uma estratgia de mtodosmistos?- Foram identificados os critrios para escolha de uma estratgia de mtodos mistos?- A estratgia foi identificada e foram mencionados os critrios de seleo?- Foi apresentado um modelo visual que ilustre a estratgia de pesquisa?- Foi usada uma notao apropriada para apresentar um modelo visual?- Foram mencionados os procedimentos para coleta e anlise de dados e sua relaocom o modelo?- Foram mencionadas as estratgias de amostragem para coleta de dados quantitativose qualitativos? Elas esto relacionadas com a estratgia?- Foram indicados procedimentos especficos de anlise de dados? Eles esto relaciona-dos com a estratgia?- Os procedimentos para validar dados quantitativos e qualitativos foram discutidos?- A estrutura narrativa foi mencionada? Ela est relacionada ao tipo de estratgia demtodos mistos que est sendo usado?

    Todas as perguntas aqui indicadas desafiam os pesquisadores na cons-truo de novas alternativas de pesquisa. Diante do exposto entende-se a

    necessidade de observar adequadamente os critrios na escolha de estrat-gias mistas, definindo um determinado modelo e estabelecendo sua rela-o com os procedimentos adotados. A definio da amostra quantitativa edo corpusqualitativo, a coleta de dados, os procedimentos de validao, amensurao e anlise dos dados quantitativos, assim como, da estruturanarrativa, exigem um detalhamento de estratgias centradas nas peculiari-dades do objeto de pesquisa.

    Partindo do delineamento da pesquisa, que envolve a elaborao de umplano geral de coleta e operacionalizao dos dados, selecionam-se os mto-dos e tcnicas a serem utilizados e as formas de aplicao. A estratgiamultimetodolgica possibilita integrar a tcnica de observao com a de entre-vista e questionrio, entre outras. A sobreposio de procedimentos permiteanalisar a problemtica em estudo a partir de diversos ngulos e dimenses.

    A seguir indicam-se alguns procedimentos, de forma comparativa, emtrs metodologias de pesquisa, salientando que o mtodo misto representa

    uma proposta de conciliao das estratgias qualitativas e quantitativas:

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    PROCED

    IMENTOS

    Caractersticas

    Instrumentosdecoletadedados

    Estruturadoinstrumento

    Tipoderegistroderespostas

    Formadeprocessamentodosdados

    Anliseeinterpretaodedados

    (Incorporandooreferencialtericoe

    arevisobibliogrficaedocumental)

    MTODOQUALITATIVO

    *E

    ntrevista

    *O

    bservao

    *Levantamentobibliogrficoe

    do

    cumental

    *R

    oteirodeentrevistacomperguntas

    ab

    ertasousequnciadetpicose

    subtpicos

    *P

    lanilhadeobservao

    *G

    uiadetermoseformadecompilao

    *T

    extonarrativo,mdiasaudiovisuais,

    fichamentosdapesquisabibliogrfica

    ed

    ocumental

    *A

    rquivosdedadosdeentrevistasou

    do

    cumentos

    *O

    rganizaodosdadosemtemase

    categorias

    *A

    rquivosdefichasdeleitura

    *E

    lucidaodaestruturanarrativade

    tex

    tos

    *C

    ontextualizaoeinterpretaodo

    sig

    nificadodeimagensesons

    *A

    nlisedecontedodedepoimentos

    ed

    ocumentos

    MTODOQUANTITATIVO

    *Questionrio

    *Qu

    estionriopadronizadocomalter-

    nativasderespostaspr-fixadasealgu-

    masperguntasabertas(opcional)

    *Dic

    otmicas,escalasemltiplaesco-

    lha,transcrioliteralderespostasaper-

    gunta

    sabertas

    *Ban

    codedadosestatstico

    *Arq

    uivosdefichasdeleitura

    *Comportamentodevariveis,indica-

    doresendices

    *Esta

    tsticadescritivaouinferencial

    *An

    liseunivariada,bivariadaou

    multivariada

    *Elaboraodetabelasestatsticas,gr-

    ficosequadros

    *Tes

    tesestatsticos

    MTODOMISTO

    *Co

    ncomitante:comumsinstrumento

    quan

    ti-qualitativo*Emsequncia:maisdeum

    instru

    mentoutilizadoemdiversosmomentos

    *Questionriopadronizadointegradoarotei-

    rode

    entrevista;planilhasdeobservao;guia

    dete

    rmoseformadecompilao

    *Inte

    graodetcnicas:alternativasderes-

    posta

    spr-fixadas,textonarrativo,gravao

    devo

    z,fotografiasoufilmagemefichamentos

    *Ban

    codedadosestatstico

    *Arq

    uivodedepoimentosdosentrevistados,

    arquivodedocumentos

    *Org

    anizaodosdadosemtemasecategorias

    *Arq

    uivosdefichasdeleitura

    *An

    liseintegradadedadosquanti-qualitativos

    *Apresentaoderesultadosnaformadeta-

    belas

    ,grficosequadros,trianguladoscom

    trech

    osdedepoimentosdosentrevistados,

    narra

    tivasereportagens

    *Tria

    ngulaocomdocumentostextuaise

    audio

    visuais

    Quadro2.Comparaod

    eprocedimentosemmtodosqualitativos,quantitativosemistos

    Fonte:Elaboraodoautor

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    22 Um instrumento de medio confivel, seguro ou fidedigno quando, aplicado repetidamentea um mesmo indivduo ou grupo, ou ao mesmo tempo por pesquisadores diferentes, proporcionaresultados iguais ou parecidos. A fidedignidade diz respeito autenticidade das fontes. A validaderefere-se formulao de hipteses e adequao dos instrumentos de coleta e anlise de dados, demodo a atingir os objetivos propostos e obter-se uma representao da realidade o mais prximopossvel do real. Uma mensurao vlida quando mede de alguma maneira demonstrvel aquilo

    que trata de medir, livre de distores sistemticas (ANDER-EGG, 1995).

    Cumpre registrar que todos os procedimentos podem ser desenvolvidosem ambientes virtuais ou presenciais, sendo necessrio avaliar os aspectospositivos ou negativos das estratgias escolhidas em cada situao concreta.

    No mtodo misto, a interligao de diversas informaes que podemser comparadas, permite uma maior abertura da perspectiva da investiga-o e o aprofundamento da anlise dos dados. A complementariedade dosprocedimentos cria condies mais favorveis superao de eventuais

    distores e erros durante todo o processo da pesquisa. Diante das vriasopes metodolgicas coloca-se a questo da fidedignidade e validao dosdados, diretamente relacionada com a qualidade da pesquisa.22

    Como avanos no campo metodolgico observam-se, na atualidade, atendncia utilizao de mltiplas fontes de evidncias, uma maior transpa-rncia a respeito da natureza dos dados, assim como a explicitao das estrat-gias de pesquisa adotadas. Disso decorre uma situao mais favorvel paraavaliar se os resultados se adequam aos requisitos de cientificidade esperados.

    Consideraes finais

    Observa-se atualmente no campo cientfico uma ampliao dasinteraes entre pesquisadores e informantes e a construo de uma di-menso mais coletiva do conhecimento. As novas tecnologias da informticae da comunicao, em especial a internet, esto gerando padres de co-municao mais participativos e dialgicos, com importantes impactos no

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    trabalho dos cientistas sociais. Foi mencionada tambm a maior facilidadede acesso s fontes e dados para pesquisas e a ampliao do processo dedifuso cientfica que ocorre na atualidade.

    Embora na pesquisa social ainda sejam utilizadas tcnicas tradicionaisde coleta de dados (observao, questionrios e entrevistas), a valorizaode estratgias de investigao que incorporam recursos inovadores dispon-veis no mundo virtual cada vez maior. Mudanas nas tcnicas de registro,armazenamento e divulgao de informaes esto ampliando e modifi-cando substancialmente o trabalho dos pesquisadores.

    Na coleta de dados so utilizadas as tcnicas de observao e/ou entre-vistas, com a crescente incorporao de modernos recursos audiovisuais edigitais. Novas textualidades e representaes simblicas em ambientes digi-tais alteram profundamente as formas de perceber e analisar o mundo social.As representaes e concepes dos sujeitos sobre sua realidade, expectati-vas e prticas se materializam nas suas expresses orais, textuais e corporais

    e novas tecnologias apresentam importante capacidade de registro e anlise.O recurso da triangulao e o desenvolvimento de projetos de pes-

    quisa de mtodo misto se apresentam como ferramentas operacionais im-portantes, considerando a necessidade de inovao das tcnicas tradicio-nais de coleta, processamento e anlise de dados.

    O embate entre os pesquisadores alinhados a tcnicas qualitativas ouquantitativas foi intenso e ainda perdura, embora a tendncia mais atualseja no sentido de ampliao do reconhecimento mtuo e integrao entreambas as abordagens.

    A cientificidade da pesquisa em cincias sociais tende a um maior nvelde aperfeioamento pela utilizao de diversas tcnicas de pesquisas de for-ma integrada num mesmo estudo. Certamente esta uma forma mais efeti-va de apreenso da realidade, numa sociedade cada vez mais complexa.

    Nesse contexto, necessrio considerar um aspecto essencial para arealizao de estudos com maior poder explicativo, nas dimenses tericas

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    e metodolgicas: a incorporao de uma problemtica crtica e a anlise dassuas conexes com a totalidade. Cabe ainda assinalar a relevncia de esta-belecer uma adequada vinculao das tcnicas de pesquisa com os pressu-postos conceituais que as determinam. Estas questes centrais, apreendi-das na poca do artesanato intelectual, mantm sua necessria atualidadenos novos ambientes virtuais da pesquisa social.

    From intellectual craft to the virtual context:methodological tools for social research

    Abstract

    This article examines different methodological procedures, and especiallythe research techniques. It characterizes both the traditional and the new strategiesof social research that are used within the context of the information society. The

    author emphasizes the impact of incorporating the new computing andcommunication technologies in the bibliographic and documental research, aswell as the field research. Furthermore, the article questions the dichotomy ofquantitative and qualitative approaches, considering its complementarity andinterfaces. The paradigm of complexity in the epistemological perspective showsconsiderable progress, but as an operating methodology it is still in its initial stages.In this sense, the study addresses the issue of triangulation, designed as a promisingprocedure in the search for the quantitative-qualitative approach. Considering thearguments, the author intends to explore further into the characteristics of theprocedures and technical resources that can be used by researchers seeking todevelop joint research projects.

    Keywords: Research techniques. Complexity. Triangulation. Quantitative andqualitative research. Joint research projects.

    Referncias

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