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Federal University of Rio Grande do Norte - UNIVERSIDADE … · 2019-01-31 · Num pais de...

Date post: 09-Jul-2020
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO RONNIE CLÍSTENES FRANCISCO DA SILVA OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS E O ANALFABETISMO: MUDANÇAS, PERMANÊNCIA E RETROCESSOS NA BUSCA DE UM SISTEMA ÚNICO DE ENSINO EDUCACIONAL NATAL / RN 2015
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

RONNIE CLÍSTENES FRANCISCO DA SILVA

OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS E O

ANALFABETISMO: MUDANÇAS, PERMANÊNCIA E RETROCESSOS

NA BUSCA DE UM SISTEMA ÚNICO DE ENSINO EDUCACIONAL

NATAL / RN

2015

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RONNIE CLÍSTENES FRANCISCO DA SILVA

OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS E O

ANALFABETISMO: MUDANÇAS, PERMANÊNCIA E RETROCESSOS

NA BUSCA DE UM SISTEMA ÚNICO DE ENSINO EDUCACIONAL

Monografia apresentada ao Curso de

Pedagogia do Centro de Educação da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito parcial para a obtenção do grau

de licenciado em Pedagogia.

Orientação: Profª. Drª. Kilza Fernanda Moreira

de Viveiros

NATAL / RN

2015

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RONNIE CLÍSTENES FRNACISCO DA SILVA

Os preceitos constitucionais brasileiros e o analfabetismo: mudanças, permanência e

retrocessos na busca de um sistema único de ensino educacional

Monografia apresentada ao Curso de

Pedagogia do Centro de Educação da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito parcial para a obtenção do grau

de licenciado em Pedagogia, sob orientação da

Profª. Drª. Kilza Fernanda Moreira de

Viveiros.

Aprovado em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Profª. Drª. Kilza Fernanda Moreira de Viveiros - Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande no Norte - UFRN

_________________________________________________________

Profª. Drª. Gilmar Barbosa Guedes

Universidade Federal do Rio Grande no Norte - UFRN

_________________________________________________________

Profª. Ma. Janaina Lopes Barbosa

Universidade Federal do Rio Grande no Norte - UFRN

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Dedico este trabalho aos meus filhos Gabriel e

Eduardo. Eu os amo muito!

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que em seu infinito amor, me acompanhou e protegeu dando saúde e

sabedoria durante todo o percurso acadêmico. A Ele, todo louvor, honra e glória hoje e para

sempre.

À minha esposa, Verônica Lima, minha melhor amiga, companheira e cúmplice de

caminhada. E aos meus familiares, pelos incentivos contínuos.

À professora Drª. Kilza Fernanda Moreira de Viveiros, que foi um referencial de

docência. É um imenso ganho tê-la na orientação da monografia.

À professora Luciane Terra dos Santos Garcia, por sua orientação acadêmica.

À minha grande amiga Jamile Correa de Souza. Ela foi quem primeiro acreditou na

minha graduação em Pedagogia.

Aos professores:

Celia Maria de Araujo

Cintia Aparecida Ataide

Claudia Rosana Kranz

Elena Mabel Brutten Baldi

Erica Reviglio Iliovitz

Francisco Claudio Soares Jr

Gilberto Ferreira Costa

Iapony Rodrigues Galvao

Jacyene Melo de Oliveira

Joao Maria Valenca de Andrade

Karyne Dias Coutinho

Kilza Fernanda Moreira de Viveiros

Luciane Terra dos Santos Garcia

Magnus Jose Barros Gonzaga

Manueliza Barbalho de Sousa

Maria Cristina Leandro de Paiva

Maria Da Paz Siqueira de Oliveira

Maria do Rosario de Fatima de

Carvalho

Maria Eliane Souza da Silva

Maria Estela Costa Holanda Campelo

Maria Ines Sucupira Stamatto

Marisa Narcizo Sampaio

Marlucia Menezes de Paiva

Marly Amarilha

Moises Domingos Sobrinho

Paulo Roberto de Andrade Santos

Rodrigo Slama Ribas

Rosa Aparecida Pinheiro

Rosalia de Fatima E Silva

Rosangela Maria de Oliveira Silva

Soraneide Soares Dantas

Thiago Emmanuel Araújo Severo

Walter Pinheiro Barbosa Junior

Sem suas intervenções não me seria possível desenvolver as reflexões necessárias à

minha formação de Educador.

Muito obrigado!

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Analfabetismo e alfabetização não são simplesmente cara e coroa de uma

mesma moeda, digo, de uma mesma questão. Em outras palavras, nem o

analfabetismo se reduz a simples ausência de alfabetização ou a mero

desconhecimento da técnica de ler, escrever e contar, nem a alfabetização

se limita à aprendizagem e domínio da técnica do ler, escrever e contar.

(Alceu Ravanello Ferraro)

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo traçar a trajetória da relação entre os preceitos

educativos presentes nas quatro primeiras constituições brasileiras e a institucionalização do

analfabetismo entre a população brasileira, procurando situar os estudos dentro do contexto

em que essas constituições foram forjadas. Para tanto, utilizei-me de um levantamento

bibliográfico para pontuar quantitativamente o número absoluto de analfabeto e para, também,

identificar e descrever os preceitos educativos presentes nas constituições brasileiras, as

principais reformas educacionais e os principais movimentos de luta para o desenvolvimento

de um sistema único de ensino. Buscou-se desenvolver um levantamento bibliográfico que

obedecesse a cronologia dos acontecimentos, alinhando horizontalmente e paralelamente as

conjunturas econômicas, políticas e sociais presentes, principalmente, nos contextos em que

cada constituição foi promulgada ou outorgada. Foi nessa distinção metodológica que foquei a

presente pesquisa, articulando os preceitos educativos constitucionais, as reformas educativas

e os levantamentos censitários aos contextos econômicos, políticos e sociais em que as

constituições foram forjadas. Conclui-se que o descaso com a educação popular sobrepujou os

preceitos educativos das constituições brasileiras e as reformas de ensino do período,

contribuindo para a institucionalização do analfabetismo.

Palavras-chave: Analfabetismo. Constituições brasileiras. Reformas educacionais.

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ABSTRACT

The present research aims to evidence the trajectory of the relationship between the

educational precepts present in the first four Brazilian Constitutions and the

institutionalization of illiteracy among the Brazilian population, seeking to place the study

within the context in which these constitutions were forged. To this issue, it used a

bibliographic survey to score the absolute number of illiterate and also to identify and to

describe the educational precepts present in the Brazilian Constitution, the main educational

reforms and the main fighting movements to the development of a unique system of

education. It sought to develop a bibliographic survey that obey the chronology of events,

aligning horizontally and parallel to the economic, political and social situations present,

especially in contexts in which each Constitution was promulgated or issued. This was the

methodological distinction that focused the present research, articulating the educational

constitutional precepts, the educational reforms and the Census surveys the economic,

political and social contexts in which the constitutions were forged. It is concluded that the

neglect with the popular education surpassed the educational precepts of the Brazilian

Constitution and the education reforms of the period, contributed to the institutionalization of

illiteracy.

Keywords: Illiteracy. Brazilian Constitutions. Educational reforms.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 10

AS INICIATIVAS DAS AÇÕES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

ANTERIORES AOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS (1549-

1824)........................................................................................................................................ 13

1.1 O protagonismo dos Jesuítas......................................................................................... 13

1.2 As Reformas Pombalinas: o fim da instrução primária................................................. 15

1.3 A vinda da família real para o Brasil: a valorização do ensino técnico e superior em

detrimento da instrução primária......................................................................................... 17

OS PRECEITOS EDUCATIVOS PRESENTES NAS CONSTITUIÇÕES

BRASILEIRAS (1824 A 1937).............................................................................................. 20

2.1 A constituição de 1824: o período Imperial.................................................................. 20

2.2 A Constituição de 1891: a primeira constituição do período republicano.................... 25

2.3 A Constituição de 1934: enfim a centralização............................................................. 30

2.4 A Constituição de 1937: centralização e autoritarismo................................................. 35

BREVE CONSIDERAÇÕES SOBRE O ANALFABETISMO NO BRASIL (1549-

1945)........................................................................................................................................ 40

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 46

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 48

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INTRODUÇÃO

Não é objetivo deste levantamento bibliográfico discutir as constituições ulteriores

ao ano de 1940. Contudo, para dá uma dimensão mais atualizada ao termo analfabetismo,

julgo ser importante acrescentar às nossas discussões um pequeno excerto do discurso

proferido pelo então Presidente da Assembleia Nacional Constituinte Ulysses Guimarães,

quando da promulgação da sétima Constituição brasileira em 5 de outubro de 1988. O

constituinte proferiu, logo no início do discurso, as seguintes palavras:

A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes,

mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em

cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve,

mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.

Num pais de 30.401.000 analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe

advertir: a cidadania começa com o alfabeto (grifo nosso).

Ulysses Guimarães encerra esse mesmo discurso dizendo: “Termino com as

palavras que comecei esta fala: A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai

mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à

mudança” (grifo nosso).

No discurso de promulgação da Constituição de 1988, o constituinte Ulysses

Guimarães aspirou que as relações políticas e sociais se desenvolvessem amparadas nas

normas e nos valores constitucionais que passavam a vigorar. Ulysses Guimarães devia ter o

conhecimento de que “durante a maior parte da nossa história, via-se a Constituição muito

mais como proclamação retórica, que, no máximo, poderia inspirar a atuação dos poderes

políticos, e não como autêntica norma” (SOUZA NETO; SARMENTO; MENDONÇA,

2014).

As constituições expressam desejos de reforma da sociedade, apontando

possibilidades sem assegurar garantias. Ao mesmo tempo, reforçam privilégios de grupos

que fazem valer seus interesses junto o Legislativo (VIEIRA, 2007). Essa percepção

demonstra a importância de se procurar situar os estudos dentro do contexto em que as

Constituições brasileiras foram forjadas, quando se objetiva traçar a trajetória dos preceitos

educativos presentes nas quatro primeiras constituições brasileiras e a questão da amplitude

do analfabetismo ente a população brasileira.

A Educação sempre foi uma agenda de todas as Constituições brasileiras. A

Educação constituiu-se, ao longo do Período Imperial até a Segunda República, em uma

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matéria importante tanto em nosso Ordenamento Jurídico quanto em todos os momentos de

nossa sociedade. Contudo, ter a permanência de um conjunto de compromissos descritos em

quatro Cartas Magnas não evitou que a questão do analfabetismo se firmasse como um

problema nacional, perpassando todo o período supracitado chegando, inclusive, até os dias

atuais.

A questão do analfabetismo no Brasil emergiu como um problema nacional,

inicialmente na esfera política vinculada questão eleitoral, com a criação da Lei Saraiva em

1881, que estabeleceu a proibição do voto para o analfabeto, vindo a ser suplantada, também

na esfera eleitoral, pela Constituição de 1988, que torna facultativo o voto para os analfabetos.

No entanto, a questão tornou-se, ao longo da história, uma temática relevante tanto da

discussão econômica relacionada à produção quanto da pedagógica.

Desde a outorgação da sua primeira Constituição de 1824, que tratava de princípios

gerais sobre a instrução primária gratuita a todos os cidadãos, passando pela promulgação da

sua segunda Constituição de 1891, que se calou para a educação obrigatória e gratuita e

estabeleceu a proibição do voto para o analfabeto, até a, outorgação da sua quarta

Constituição em 1937, que assegurou a gratuidade parcial do ensino e manteve a proibição do

voto para o analfabeto, que a questão da “amplitude do analfabetismo entre a população

brasileira constitui um item importante da pauta de discursões educacionais” (PAIVA, 1990).

Em termos absolutos, o Brasil apresentou um aumento quantitativo do número de analfabetos

entre as pessoas de 5 anos ou mais1.

Em diferentes momentos históricos, as constituições brasileiras manifestam os

anseios da sociedade, sinalizando mudanças ou permanências, conforme percebemos no

excerto retirado do discurso proferido por Ulysses Guimarães. Nessa perspectiva, os preceitos

educativos presentes nas quatro primeiras constituições brasileiras expressam as

circunstâncias em que o sistema educacional foi sendo forjado.

Diante dessa constatação, este trabalho tem como objetivo geral traçar a trajetória da

relação entre os preceitos educativos presentes nas quatro primeiras constituições brasileiras e

a questão da institucionalização do analfabetismo entre a população brasileira, procurando

situar os estudos dentro do contexto em que essas constituições foram publicadas. Para tanto,

tendo como referencia o contexto em que as quatro primeiras constituições foram publicadas,

os objetivos específicos deste levantamento são: identificar e descrever os preceitos

1 Nos censos mais antigos (1872 e 1890) só é possível obter estatísticas sobre o analfabetismo para pessoas de 5

anos ou mais (FERRARI, 1985 apud FERRARO, 2009), por isso, só é possível comparar todos os censos entre

si, se considerarmos toda a população de 5 anos ou mais.

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educativos presentes nas constituições brasileiras; identificar e descrever as principais

reformas educacionais; identificar e descrever, a partir do contexto civil, os principais

movimentos de luta para o desenvolvimento de um sistema único de ensino; e pontuar,

quantitativamente, o número absoluto de analfabeto.

Optou-se por uma pesquisa qualitativa, na busca de descrever os diferentes enfoques

dos textos constitucionais brasileiros que tradam dos preceitos educativos no contexto em que

foram publicados. Acredita-se que o desenvolvimento de um levantamento bibliográfico

fornecerá uma fundamentação teórica que proporcionará uma contextualização e

familiaridade que estimulará a explicitação e compreensão da trajetória da relação entre os

preceitos educativos presentes nas quatro primeiras constituições brasileiras e a questão da

amplitude do analfabetismo entre a população brasileira.

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CAPÍTULO I – AS INICIATIVAS DAS AÇÕES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO NO

BRASIL ANTERIORES AOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS

BRASILEIROS (1549-1824)

1.1 O protagonismo dos Jesuítas

A história das constituições brasileiras relativo à Educação nasce no ano de 1824,

com a outorgação da primeira Constituição do Brasil como Estado-nação, pelo então

Imperador ‘Dom Pedro I’. Contudo, os registros das iniciativas das ações no campo da

Educação no Brasil datam do ano de 1549. Esses registros foram protagonizados pelos

jesuítas, padres membros da Companhia de Jesus, que eram financiados pelo Estado

português.

Portugal, no final do segundo quartel do século XVI, era uma nação sem tradição

educativa que estava apenas iniciando o seu processo de transição do feudalismo para o

capitalismo, processo esse que foi impulsionado pela cultura do Renascimento2 que veio a

significar uma ruptura com as estruturas medievais. Nesse período, Portugal começava, de

modo vago, a delinear o seu sistema escolar e segundo Mattos (1958, p. 37-38),

O analfabetismo dominava não somente as massas populares e a pequena

burguesia, mas se estendia até a alta nobreza e família real. Saber ler e

escrever era privilégio de poucos, na maioria confinados à classe sacerdotal e

à alta administração pública. É bem verdade que os mosteiros e as catedrais

eram quase que os únicos asilos das letras, tanto sagradas como profanas; mas

sua atuação era modesta e restrita à satisfação de suas necessidades internas;

não tinham a consciência de estar cumprindo uma missão social.

Foi nesse contexto, que também era vivenciado por boa parte da Europa, que no ano

de 1549, os padres da Companhia de Jesus, liderados pelo padre Manuel da Nobrega,

desembarcaram na Bahia, junto com o primeiro governador geral do Brasil Thomé de Sousa,

com a missão de cuidar da catequese dos indígenas e manter viva a fé católica entre os

colonos portugueses. Thomé de Sousa trouxe consigo o Regimento de Dom João III3, Rei de

2 Período marcado por transformações em muitas áreas da vida humana, caracterizando a transição

do feudalismo para o capitalismo. 3 Alguns autores consideram que o Regimento de Dom João III entregue a Thomé de Sousa foi a primeira

constituição brasileira.

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Portugal, que dava instruções para o primeiro governador do Brasil. Nesse Regimento, o

regente D. João III (1502-1557) fixou, dentre outras instruções, o seguinte:

Porque a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras

do Brazil foi para que a gente dela se convertesse à nossa Santa Fé

Católica vos encomendo muito que pratiqueis com os ditos capitães e

oficiais a melhor maneira que para isso se pode ter e de minha parte lhes

direis que lhes agradecerei muito terem especial cuidado de os provocar a

serem cristãos e para eles mais folgarem de o ser tratem bem todos os que

forem de paz e os favoreçam sempre e não consintam que lhes seja feito

opressão nem agravo algum e fazendo-se-lhe lho faça corrigir e emendar de

maneira que fiquem satisfeitos e as pessoas que lhos fizerem sejam

castigadas como for justiça. (Regimento do Governador e Capitão General

Tomé de Sousa, 17 de dezembro de 1548, nº 24). (grifo nosso)

Essas instruções fizeram com que as primeiras ações no campo da Educação no

Brasil, protagonizadas pelos jesuítas, fossem centradas na catequese. No mesmo ano em que

chegaram ao Brasil, os jesuítas fundaram a primeira “escola de ler e escrever” brasileira.

O padre Manuel da Nobrega organizou um plano de ensino que

Inicia-se com o aprendizado do português (para os indígenas); prosseguia

coma doutrina cristã, a escola de lê e escrever e, opcionalmente, canto

orfeônico e musica instrumental; e culminava, de um lado com o

aprendizado agrícola e, de outro lado, com a gramática latina para aqueles

que se destinavam à realização de estudos superiores na Europa

(Universidade de Coimbra). (SAVIANI, 2008, p. 43).

Inicialmente, os subsídios dados pelo Governo português aos jesuítas eram diminutos

e direcionados apenas para a manutenção dos próprios jesuítas, como vestimentas,

alimentação etc., bem como não havia a disponibilização de recursos para a construção de

escola. Contudo, em 1564, após mobilização feita pelos próprios jesuítas, a Coroa portuguesa

aprovou o Plano da redizima. Com esse plano, dez por cento de todos os impostos

arrecadados da colônia brasileira passaram a ser destinados à manutenção dos colégios

jesuítas. Nessa condição, a educação caracterizou-se como um ensino privado financiado pelo

Estado.

No ano de 1599, o plano de Manuel da Nóbrega foi suplantado. A Companhia de

Jesus organizou um plano geral de estudo fundamentado pelo Ratio Studiorum4 que consistia,

dentre outras normas, em prescrições que regulamentavam o ensino nos colégios jesuítas a

4 O código representado pelo Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu contém 467 regras. (SAVIANI,

2008, p. 53).

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partir, inicialmente, do curso de humanidade considerado estudos inferiores, seguidos dos

cursos de filosofia e teologia considerados estudos superiores. Para Saviani (2008, p. 56),

O plano contido do Ratio era de caráter universalista e elitista, Universalista

porque se tratava de um plano adotado instintivamente por todos os jesuítas,

qualquer que fosse o lugar onde estivessem. Elitista porque acabou

destinando-se aos filhos dos colonos e excluindo os indígenas, com que os

colégios jesuítas se converteram no instrumento de formação da elite

colonial. Por isso, os estágios iniciais previstos no plano de Nóbrega

(aprendizado de português e escola de ler e escrever) foram suprimidos.

O caráter universalista do Ratio, o tornou mais político do que educacional por não

considerar a diferença de realidade e de diversidade cultural vivida por outros jesuítas em

outras colônias de Portugal (PIRES, 2008). Os jesuítas passaram a se dedicar principalmente à

educação das elites dirigentes. Em decorrência disso, no ano de 17595, a soma dos alunos de

todas as instituições jesuíticas não atingia 0,1% da população brasileira, mostrando ser não

apenas um ensino elitista mais também excludente, pois excluía as mulheres, os escravos, os

negros livres, os pardos, os filhos ilegítimos e as crianças abandonadas (MARCÍLIO, 2005, p.

3). Portanto, apenas uma diminuta parte da população, considerada elite, tinha acesso à

instrução que era monopolizada pelos jesuítas.

Tendo por premissa a valorização da instrução primária a partir da ideia de uma

educação fortemente influenciada pela fé católica, os jesuítas cumpriram a determinação de

povoar o Brasil com a catequese. O protagonismo dos jesuítas na condução da educação no

Brasil durou 210 anos. Esse protagonismo teve um papel fundamental na medida em que

contribuiu, como aspirava “D. João III”, para que o Estado português atingisse seus objetivos

no processo de colonização e povoamento da colônia brasileira e constituiu-se na base da

estrutura educacional da Colônia brasileira (SHIGUNOV; MACIEL, 2008, p. 173).

1.2 As Reformas Pombalinas: o fim da instrução primária

No século XVIII, a França foi o centro de um movimento intelectual que tomou

corpo no final do século XVII, e atingiu a Europa, o Iluminismo6. Esse movimento pregava

5 Ano em que os jesuítas foram expulsos do Brasil.

6 Movimento intelectual do século XVIII, caracterizado pela centralidade da ciência e da racionalidade crítica no

questionamento filosófico, o que implica recusa a todas as formas de dogmatismo, especificamente o das

doutrinas políticas e religiosas tradicionais.

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maior liberdade econômica e política promovendo mudanças políticas, econômicas e sociais,

baseadas nos ideais de liberdade, igualdade, e fraternidade. As ideias liberais do Iluminismo

se disseminaram por boa parte da Europa. Em Portugal, o maior representante do ideário

Iluminista, considerado um representante do despotismo esclarecido7, foi o Marquês de

Pombal8.

Nesse período, a organização social da Colônia brasileira se estruturava a partir de

uma relação que tinha por base a submissão. “Submissão externa em relação à Metrópole,

submissão interna da maioria negra ou mestiça (escrava ou semi-escrava) pela minoria

“branca” (colonizadores)” (RIBEIRO, 1986, p. 41). E, Portugal ainda não tinha conseguido

consolidar o capitalismo; era uma nação economicamente decadente e politicamente

enfraquecida tanto no campo interno quanto externo. O Governo português estava preso a um

processo industrial que era sufocado pelo Tratado de Mathuen9, tratado esse que acabou

colocando Portugal na dependência inglesa.

Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, enquanto ministro,

orienta-se no sentido de recuperar a economia através de uma concentração do poder real e de

modernizar a cultura portuguesa (RIBEIRO, 1986, p. 34). O então Ministro levou a feito uma

série de reformas que visavam adaptar tanto Portugal quanto suas colônias às transformações

econômicas, políticas e culturais que ocorriam na Europa (GHIRALDELLI Jr, 2009, p. 34).

As Reformas Pombalinas, que foram fortemente influenciadas pelo ideário iluminista,

estavam associadas, dentre outras concepções, a um otimismo quanto ao progresso dos seres

humanos por meio da educação, com o objetivo de transformar Portugal em uma metrópole

capitalista e também, o de provocar algumas mudanças no Brasil, com vista a adaptá-lo,

enquanto colônia, à nova ordem pretendida por Portugal (RIBEIRO, 1986, p. 38).

Um novo projeto educacional foi instituído, fazendo surgir um ensino público

financiado pelo Estado e para o Estado, preeminentemente, com uma educação voltada para

atender aos interesses do Estado português. O marco inicial deste novo projeto educacional

corresponde ao Alvará Régio de 28 de junho de 1759, que fechou os colégios jesuítas

introduzindo-se as aulas régias10

a serem mantidas pela Coroa e também, representou a

7 Forma de governo adotada pelos Reis, no século XVIII, como uma alternativa para a Monarquia Absolutista

que estava em crise, devido às ideias Iluministas. 8 Ministro plenipotenciário do ilustrado Rei Dom José I.

9 Tratado firmado entre ingleses e lusitanos estabelecia a compra dos tecidos ingleses por parte de Portugal,

enquanto a Inglaterra se comprometia a adquirir a produção vinícola dos lusitanos. 10

Aulas avulsas (autônomas e isoladas) de Latim, Greco, Filosofia e Retórica, fiscalizadas por um “Diretor Geral de Estudos”. Estas aulas avulsas não tinham uma articulação em si.

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primeira etapa das reformas pombalinas que abarcaram os âmbitos econômicos,

administrativos e educacionais.

A Lei de 03 de setembro de 1759, decretada pelo Rei Dom José I, ordenou que os

membros da Companhia de Jesus fossem exterminados do território português e de todas as

terras de além-mar. Seguiram-se a esta Lei, outras medidas que significaram uma redução

progressiva tanto do poder político quanto econômico jesuítico em Portugal e na Colônia

brasileira. Uma destas medidas foi o confisco dos bens materiais e financeiros da Companhia

de Jesus incorporando-os aos bens da Coroa (ALVARÁ, de 25 de fevereiro de 1761).

O novo projeto educacional ganhou corpo com as “Reformas pombalinas de

instrução pública” que objetivava concentrar na mão do Estado, destacadamente, o campo

educativo. A expulsão dos jesuítas representou uma ruptura de praticamente toda a

organização de ensino instalada no Brasil colonial (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 47),

Do ponto de vista educacional, a orientação adotada foi a de formar o

perfeito nobre, agora negociante; simplificar e abreviar os estudos fazendo

com que um maior número de se interessasse pelos cursos superiores;

propiciar o aprimoramento da língua portuguesa; diversificar o conteúdo,

incluindo o de natureza científica; torna-los os mais práticos possíveis.

(RIBEIRO, 1986, p. 37)

Na prática, para a Colônia brasileira esta ruptura representou um retrocesso, pois

significou o fim das instruções primárias. As aulas régias, por seu caráter autônomo e isolado,

ministradas por professores leigos e poucos preparados, tornou o ensino na Colônia disperso e

fragmentado. Essencialmente, as escolas funcionavam nas casas dos professores. A

quantidade de professores régios para trabalharem na Colônia era ínfima. Muitas cidades

reclamavam da total falta de mestres, desde que os jesuítas foram expulsos. Além disso, a

Coroa portuguesa deixou que se passassem vários anos, antes de tomar providências que

efetivamente criasse uma alternativa à educação jesuítica. Por isso, “constata-se que embora a

reforma pombalina tenha pretendido instituir um sistema de instrução pública, isto, de fato

não ocorreu” (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 51). Esta situação se manteve inalterada, até que os

interesses da Coroa portuguesa em relação à Colônia brasileira se modificassem com a vinda

da família Real para o Brasil.

1.3 A vinda da família real para o Brasil: a valorização do ensino técnico e superior em

detrimento da instrução primária

No ano de 1807, as tropas francesas lideradas por Napoleão Bonaparte invadem

Portugal. No ano seguinte, em 1808, a família real e a corte portuguesa fogem para o Brasil.

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18

A transferência da família real portuguesa representou de imediato, o fim do

monopólio do comercio externo e a abertura dos portos brasileiros. O príncipe regente, D.

João, decretou em uma Carta Régia, quatro dias após ter chegado a cidade de Salvador, a

abertura dos portos brasileiros. Nesse mesmo ano, no dia primeiro de abril, D. João, já

estabelecido no Rio de Janeiro, promulgou um Alvará que revogou outro Alvará de 2 de

março de 1785 decretado no governo da rainha D. Maria I, que proibia a instalação de

fábricas e manufaturas na Colônia Brasileira. A abertura dos portos foi uma exigência dos

ingleses por terem escoltado a família real até o Brasil. A promulgação do Alvará de 1 de

abril de 1808 se deu por necessidade e conveniência, já que a sobrevivência da família real

passou a depender da comercialização direta das riquezas extraídas e produzidas na Colônia

brasileira.

Do mesmo modo que o campo econômico, o campo educacional da Colônia

brasileira também foi estimulado a partir dos interesses imediatos tanto da família real quanto

da corte portuguesa, considerando que o campo educacional estava estagnado desde a

expulsão dos jesuítas. “Se até então a colônia se resumia a um vasto e lucrativo objeto de

disputa com outras nações, a partir daí passa a se constituir como prioridade na agenda

cultural portuguesa” (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 53).

O ensino foi estruturado em três níveis: primário secundário e superior. Contudo, a

impulsão que o campo educacional recebeu se deu em nível técnico e superior, visando

apenas suprir as necessidades preeminentes da elite, dos nobres e dos intelectuais que

acompanharam a família real. A educação superior teve um significativo avanço, com a

fundação de instituições de nível superior e científico. No entanto, as instruções primárias e

secundárias praticamente não sofreram nenhuma mudança, mantendo sua condição de

estagnação. No entendimento de Vieira e Farias (2011, p. 54), corroborando com o

pensamento de Ribeiro (1986), “as iniciativas de escolarização parecem quedar-se no

esquecimento”, uma vez que a vinda da família real não representou uma ruptura total com o

sistema de ensino imposto pelas Reformas pombalinas, “à medida que não houve

reformulações nos níveis escolares anteriores” (RIBEIRO, 1986, p. 45), como é citado a

seguir:

Quanto ao primário continua sendo um nível de instrumentalização técnica

(escola de ler e escrever) pois apenas tem-se notícia da ciração de “mais de

60 cadeiras de primeiras letras”. [...] Quanto ao ensino secundário

permanece a organização de aulas régias, tendo sido criadas “pelo menos

umas 20 cadeiras de gramática latina”. Essas cadeiras, [...], integram-se a um

conteúdo de ensino em vigor desde a época jesuítica. (RIBEIRO, 1986, p.

45-46)

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19

O ensino foi estruturado em três níveis: primário, secundário e superior. O primário

era a escola de ler e escrever. O secundário se manteve dentro do esquema das aulas régias

(GHIRALDELLI Jr, 2009, p. 28).

No campo político, no ano de 1815, a Colônia brasileira foi elevada à condição de

Reino Unido a Portugal e Algavares e o Príncipe-Regente D. João tornou-se o Príncipe-

Regente de Portugal, Brasil e Algavares. Como consequência, o Rio de Janeiro, capital do

Brasil, e Lisboa, capital de Portugal, tornaram-se os centros políticos do novo reino,

ocupando, ambas as capitais, o mesmo status político.

A Corte portuguesa permaneceu no Brasil até o ano de 1821, quando o então rei D.

João VI volta para Portugal para defender o seu trono que estava sendo ameaçado pela

Revolta Liberal do Porto que eclodira no ano de 1820. Este movimento libertário queria o

liberalismo em Portugal e o retorno do Brasil à condição de colônia. No Brasil, D. João VI

deixa o seu filho D. Pedro, na condição de Príncipe-Regente.

Os registros das iniciativas das ações no campo da Educação no Brasil foram

regulados pelo Regimento de Dom João III de 17 de dezembro de 1548 e pelas Reformas

Pombalinas de Instrução Públicas11

. O Regimento de Dom João III caracterizou-se por uma

educação financiada pelo Estado, mas que era, efetivamente, executada pelos jesuítas

membros da Companhia de Jesus. As Reformas Pombalinas de Instrução Públicas, por sua

vez, caracterizaram-se por uma educação do Estado e para o Estado, executada por

professores régios em aulas avulsas ministradas em suas próprias casas. A vinda da Corte

portuguesa para a Colônia brasileira ratificou a tendência de uma educação elitista e

excludente usada como instrumento de formação de uma elite, pois impulsionou a instrução

de nível técnico e superior, mas não mudou significativamente os níveis de instruções

anteriores da Colônia, uma vez que manteve as aulas avulsas com os professores régios.

A expulsão dos jesuítas do território brasileiro e a consequente implantação das

reformas pombalinas significou o início de duas práticas, adotadas pelos governantes, que

atravessará a educação brasileira ao longo dos anos. A primeira é a ‘prática da

descontinuidade’ que destrói e substitui um sistema de ensino por outro novo. A segunda é a

‘prática de não cumprir o estabelecido’ postergando o que está constituído sem nunca realiza-

lo.

11

Alvará Régio de 28 de junho de 1759.

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20

CAPÍTULO II - OS PRECEITOS EDUCATIVOS PRESENTES NAS

CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS (1824 A 1937)

2.1 A constituição de 1824: o período Imperial

A Independência do Brasil foi proclamada, pelo então Príncipe-regente D. Pedro, em

7 de setembro de 1822. Em 12 de outubro de 1822, D. Pedro I é aclamado Imperador no Rio

de Janeiro. Portugal reconheceu a independência do Brasil no ano de 1825, após o Brasil

assumir uma dívida de dois milhões de libras esterlinas que Portugal tinha com a Inglaterra.

Após a proclamação da independência, se fazia necessário a elaboração e promulgação de

uma Constituição para dotar a Nação recém-independente de um novo ordenamento jurídico.

A Assembleia Nacional Constituinte e Legislativa foi convocada por D. Pedro, em 03 de

junho de 1822, antes da Proclamação da Independência do Brasil, com a tarefa de elaborar

uma Constituição para o Reino do Brasil. Quando a Assembleia Nacional Constituinte e

Legislativa foi inaugurada, em 3 de maio de 1823, o Brasil já era uma Nação independente.

“No discurso de inauguração e instalação dos trabalhos da Assembleia Constituinte, o

Imperador destacou a necessidade de uma legislação especial sobre instrução pública”

(SAVIANI, 2008, p. 119). Temendo a perca de poder, o Imperador dissolveu a Assembleia

em 12 de novembro de 1823, seis meses depois de sua instalação. Um Conselho de Estado,

nomeado pelo próprio Imperador, redigiu o texto constitucional da primeira Constituição do

Brasil que foi outorgada por D. Pedro I, em 25 de março de 1824.

A Assembleia Constituinte, antes de sua dissolução, apresentou um sistematizado

programa de instrução que dava unicidade à instrução pública. Todavia, a ideia de um

‘sistema nacional de educação’ é abandonada, conforme se verificará nos incisos XXXII e

XXXIII do artigo 179 do texto constitucional outorgado.

A primeira Constituição do Brasil foi outorgada por D. Pedro I no ano de 1824, no

limiar do período Imperial. Os preceitos constitucionais brasileiros, que se referem à educação

na Constituição de 1824, estão previstos nos incisos XXXII e XXXIII do artigo 179 do Título

8º que dispões sobre as Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis, e políticos dos

Cidadãos Brasileiros,

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos

Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a

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21

propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira

seguinte.

XXXII. A Instrução primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.

XXXIII. Colégios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das

Ciências, Belas Letras, e Artes. (texto adaptado)

Saviani (2007, p. 123) chama atenção para o fato de que a primeira Constituição do

Império do Brasil se limitou a afirmar, no inciso XXXII do último artigo 179 do último título

8º, que “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. Essas escassas referências são

um indicador da pequena preocupação suscitada pela matéria educativa naquele momento

político e evidenciam que a presença da educação nas constituições brasileiras relaciona-se

com o seu grau de importância ao longo da história (VIEIRA, 2007, p. 291 e 294). O

Imperador D. Pedro I, demonstrou ter um discurso diferente da prática. Além disso, Ele

reproduziu a ‘prática de não cumprir o estabelecido’, uma vez que a gratuidade da educação

para todos os cidadãos não foi efetivada na pratica. A presença da Educação se reduziu,

constitucionalmente, a enunciações normativas de valor genérico para a elaboração de novas

normas.

A questão da instrução pública em âmbito nacional foi retomada em 1826, quando o

Parlamento foi reaberto. A reabertura significou o início das medidas de política educacional

e, consequentemente, da implementação de uma instrução pública por parte do Poder Público

recém-constituído como Estado-Nação. Estas ações vão marcar a Educação do Império como

um período de “Leis e Reformas em profusão”, protagonizado por intenso debate sobre

educação (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 57 e 65). Como veremos a seguir.

Após a reabertura do Parlamento, o Deputado Januário da Cunha Barbosa encabeçou

um projeto que delineava a educação como dever do Estado. Esse projeto pretendia regular

todo o arcabouço do ensino distribuído em quatro graus: 1º grau: pedagogias; 2º grau: liceus;

3º grau: ginásios; 4º grau: academias. (SAVIANO, 2008, p. 124). Esse projeto não chegou a

ser discutido no parlamento.

A contrapartida para o projeto do Deputado Januário da Cunha Barbosa foi a

aprovação, pela Câmara dos Deputados, da Lei das Escolas de Primeiras Letras, em 15 de

outubro de 1827. Essa Lei mandou criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas

e lugares mais populosos do Império, adotou o ensino mútuo12

, que assim estipulava o

conteúdo que os professores deveriam ensinar ministrar em suas aulas:

12

Tinha como objetivo ensinar um maior número de alunos, usando pouco recurso, em pouco tempo e com

qualidade. Também conhecido como método lancasteriano.

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22

Art 1º Em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as

escolas de primeiras letras que forem necessarias.

Art 4º As escolas serão de ensino mutuo nas capitaes das provincias; e o

serão tambem nas cidades, villas e logares populosos dellas, em que fór

possivel estabelecerem-se.

Art 6º Os Professores ensinarão a ler, escrever as quatro operações de

arithmetica, pratica de quebrados, decimaes e proporções, as nações mais

geraes de geometria pratica, a grammatica da lingua nacional, e os principios

de moral chritã e da doutrina da religião catholica e apostolica romana,

proporcionandos á comprehensão dos meninos; preferindo para as leituras a

Cosntituição do Imperio e a Historia do Brazil. (Lei das Escolas de Primeiras

Letras, 1827)

A Lei das Escolas de Primeiras Letras foi a primeira Lei de educação do Brasil e

consagrou-se como a “única lei geral relativa ao ensino elementar até 1946” (RIBEIRO, 1986,

p. 46). Entretanto, mostrando uma discrepância em relação ao texto da Constituição de 1824,

a Lei das Escolas de Primeiras Letras omitiu-se quanto à ideia de gratuidade da instrução

primária para todos (VIEIRA, 2007, p. 294). Para Ribeiro (1986, p. 48), um exame minucioso

da Lei de 15 de outubro de 1827, confirma os limites com que a organização educacional era

encarada. A condição econômica enfrentada pelo país - desequilíbrio da balança comercial e

fim do bloqueio comercial - tornou a aplicação da Lei impraticável, por não haver prioridade

na disponibilização dos recursos exigidos, em função, principalmente, da insuficiência de

recursos. O reflexo direto do desprestígio dedicado à educação se dava por um ineficiente

atendimento de ensino rastejante que tinha como arcabouço instalações escolares precárias

que tentavam funcionar, sem fiscalização governamental, com um número irrisório de

professores pouco qualificados, mal remunerados e com pouca dedicação.

Em 1831, D. Pedro I abdica do trono e retorna a Portugal, dando início a um período

de acirramento tanto da crise econômica quanto da instabilidade política. O poder passa a ser

exercido por governos representantes do príncipe herdeiro. Em 12 de outubro de 1834, a Lei

nº 16, conhecida como Ato Adicional nº 16, decretou mudanças e alterações à Constituição de

1824. Esta lei, em seu artigo 10, dava competência para as Assembleias Legislativas

provinciais legislar, conforme o parágrafo 2º,

Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não

compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias

atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que,

para o futuro, forem criados por lei geral, (Ato Adicional nº 16, § 2º, Art. 10)

O ato Adicional nº 16 de 1834, descentralizou o ensino, transferindo para as

províncias o dever de se responsabilizarem pelos ensinos primários e secundários. A

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23

descentralização aniquilou a ideia nascente de um sistema nacional de educação, polarizando-

o em sistema federal e sistemas províncias (AZEVEDO, 1976, p. 73-74).

Esses sistemas eram independentes entre si. O governo não provia as províncias com

recursos matérias e financeiros. As províncias tinham dificuldades em manter funcionando as

escolas de ensino elementar e secundário. Tal situação agravou a deficiência quantitativa e

qualitativa da instrução pública elementar.

Em 1840, Assembleia Geral Legislativa do Brasil declara a maioridade do príncipe

herdeiro D. Pedro II, tornando-o Imperador do Brasil. A ascensão de D. Pedro II revitalizou a

monarquia e estabilizou o cenário político brasileiro. Esse período caracterizou-se pela

consolidação do Brasil como Estado-Nação. No entanto, a falta de apreço pela educação

popular continuou. A profusão das Reformas no âmbito educacional, contudo, se intensificou.

A regência de D. Pedro II (1840-1889) foi marcada pelo estabelecimento de várias

proposta de reformas educacionais: Reforma Couto Ferraz (1854); Reforma Luiz Pedreira

(1854); Reforma Leôncio de Carvalho (1878 e 1879).

A Reforma Couto Ferraz estabelecida pelo decreto nº 1.331ª, de 17 de fevereiro

de 1854, a prova o Regulamento para a Reforma do Ensino Primário e Secundário do

Município da Corte. Destaca-se no Regulamento o art. 73 do Capítulo III, sobre as escolas

públicas, suas condições e regime, o enunciado de que “o método do ensino nas escolas será

em geral o simultâneo13

”. Assim, o ensino oficial da Corte contrapõe-se ao ensino do método

lancasteriano estabelecido pela Lei das Escolas de Primeiras Letras, desde 1827. “Embora o

regulamento esteja dirigido ao município da Corte, [...] ele contém normas alusivas, também à

jurisdição das províncias” (SAVIANI, 2008, p. 131).

A Reforma Luiz Pedreira compreende o estabelecimento de dois Decretos. O

Decreto nº 1.386, de 28 de abril de 1854, define novo estatuto para os Cursos Jurídicos. E o

Decreto nº 1.387, de 28 de abril de 1854, define novo estatuto para as Escolas de Medicinas.

A Reforma Leôncio de Carvalho compreende, também, o estabelecimento de dois

Decretos. O Decreto nº 7.031ª, de 6 de setembro de 1878, prevê a criação de cursos noturnos

para adultos analfabetos nas escolas públicas de instrução primária no Município da Corte. O

Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, estabelece a reforma do ensino primário e

secundário no Município da Corte e do Superior em todo o Império. Destaca-se, deste decreto,

a liberdade de ensino estabelecida no Art. 1º: “É completamente livre o ensino primário e

secundário no município da Corte e o superior em todo o Império”. Na prática, esse

13

Visa atender um grande número de alunos separados em subgrupos conforme o grau de desenvolvimento.

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enunciado, significou “dizer que todos os que se achassem, por julgamento próprio,

capacitados a ensinar, poderiam expor suas ideias e adotar os métodos que conviessem”

(GHIRALDELLI Jr, 2009, p. 30). Esse Art. 1º segue a direção do movimento do ensino livre

– a desoficialização do ensino influenciada pelo ideário Positivista14

- que ganhou corpo no

período Imperial. Este movimento vai influenciar a Constituição de 1891. Também, “a

‘Reforma Leôncio de Carvalho’ sinalizou na direção do método do ensino intuitivo15

(SAVIANI, 2008, p. 131), opondo-se, por conseguinte, ao método de ensino simultâneo

estabelecido na Reforma Couto Ferraz.

Para Vieira e Farias (2011, p.76 e 77), estas propostas de reformas educacionais não

lograram êxito em estabelecer uma política nacional de educação, mas por certo reforçaram o

caráter propedêutico e seletivo do ensino então oferecido; por isso, as propostas do período da

regência de D. Pedro II configuram-se como reformas que não mudam.

Em 1872, antes da Reforma Leôncio de Carvalho (1878 e 1879), foi realizado o

primeiro censo brasileiro. Segundo Ferraro (2009, p. 49),

O primeiro censo brasileiro acusou, para o conjunto do país, uma taxa

elevadíssima de analfabetismo: nada menos do que 82,3%16

para toda a

população de 5 anos ou mais (livre + escrava), podendo-se estimar em

aproximadamente 78% a taxa de analfabetismo para as pessoas de 10 anos

ou mais, sem distinção de sexo.

Estes índices provam que apesar de ter sido um período fecundo no estabelecimento

de propostas de reformas no âmbito educacional, o Império manteve a estrutura educacional

herdada do período colonial, poucas mudanças se efetivaram. Ferraro (2009, p. 46 e 47)

explica o porquê desta permanência:

Uma sociedade de economia ‘agrícola-exportadora-dependente’, patriarcal

de base escravocrata, polarizada (senhor x escravo), agrária, latifundiária,

que excluía da escola o negro, o índio e quase a totalidade das mulheres,

gerando, inexoravelmente, um grande contingente de analfabetos, teria

cavado a própria sepultura se houvesse favorecido o alargamento da

escolarização e alfabetização do povo. Bastava a educação superior da elite

para garantir “as relações sociais de produção. A educação primária não se

fazia necessária, daí o descaso por ela.

14

Movimento que defendia a liberdade das profissões, sendo contrário à oficialização do ensino. 15

Concebido com o intuito de resolver o problema da ineficiência do ensino, diante da inadequação às

exigências sociais decorrentes revolução industrial que se processava entre o final do século XVIII e meados do

século XIX. (SAVIANI, 2008, p. 138) 16

Esta taxa corresponde ao número de 8.854.774 (oito milhões oitocentos e cinquenta e quatro mil e setecentos e

setenta e quatro) de pessoas (FERRARO, 2009, p. 87).

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25

A instrução continuou sendo um privilégio das camadas mais abastadas da

sociedade.

Para a elite da sociedade imperial, não constituía problema o fato de a imensa

maioria da população não saber ler e escrever (FERRARO, 2009, p. 48). Contudo, a

aprovação do Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 188117

que reformava a legislação eleitoral

e enunciava em seu inciso II do Art. 8º, “De serem incluídos no dito alistamento os cidadãos

que requererem e provarem ter adquirido as qualidades de eleitor de conformidade com esta

lei, e souberem ler e escrever”. Este enunciado excluiu os analfabetos do direito de participar

da vida política no país, constituindo o analfabetismo como um problema. A consequência

direta dessa exclusão foi a redução do número de leitores para 1,5% da população total.

Sendo vanguardista, no que tange à instrução púbica e gratuita para todos os

cidadãos, o texto constitucional de 1824 destacava o respeito à educação popular. No entanto,

o que houve foi o abandono por parte do poder público. A gratuidade da educação a todos os

cidadãos não se efetivou na prática. A realidade da educação, de certo modo, permaneceu

inalterada, considerando que a concepção de uma ideia de um “sistema nacional de educação”

esbarrou no fato de que a educação não se constituiu, efetivamente, como uma prioridade

política e técnica desse momento histórico de independência (VIEIRA; FARIAS, 2011, p.

58).

O descaso do governo imperial com a educação popular permaneceu até o ano de

1889, quando foi proclamada a república.

2.2 A Constituição de 1891: a primeira constituição do período republicano

No final da década de 80 do século XIX, o regime imperial não atendia mais às

aspirações de boa parte da sociedade brasileira, como a classe média, os militares, os

trabalhadores e a elite dirigente. Com o apoio dos militares é proclamada a República em 15

de novembro de 1889. No mesmo dia, por meio do Decreto nº 1, o Marechal Manuel Deodoro

da Fonseca assume, como Chefe do Governo Provisório, o governo da Nação Brasileira que

tem como forma de governo a República Federativa. O monarca deposto, D. Pedro II, sem

reagir ao golpe de Estado, exilou-se na Europa, ficando lá até o seu falecimento em 1891.

17

Lei Saraiva.

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A mudança de regime impunha uma nova constituição. O Decreto nº 29, de 3 de

dezembro de 1889 nomeou uma comissão para elaborar um projeto de Constituição dos

Estados Unidos do Brasil, afim de ser entregue à Assembleia Constituinte. O Decreto nº 78-B

de 21 de dezembro de 1889 designou para 15 de setembro de 1890 o dia da eleição geral da

Assembleia Constituinte. Também estipulou para 15 de novembro de 1890 a data de início

das atividades da Assembleia Constituinte. A Constituinte iniciou seus trabalhos com maioria

republicana. Em 22 de novembro de 1890, o projeto de Constituição elaborado pelo governo

provisório foi entregue ao Congresso Nacional Constituinte. Após ser firmado um acordo

geral entre os Constituintes, o projeto do Governo Provisório foi a provado sem mudanças

significativas. No dia 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada pelos constituintes a nova

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Os constituintes elegeram como

primeiro presidente da República o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca.

O início da República foi muito fecundo nas propostas de reorganização da instrução

pública. “A educação foi objeto de debates em várias ocasiões de modo direto e indireto”

(TEIXEIRA, 2008, p. 152). As primeiras iniciativas de reforma empreendida pelo governo

republicano foram fortemente influenciadas pelas ideias positivistas de defesa dos princípios

de liberdade e laicidade do ensino, além da gratuidade da escola primária (VIEIRA; FARIAS

, 2011, p. 91). Destaca-se, nesse período, a Reforma Benjamim Constant (1890-1891).

A Reforma Benjamim Constant foi proposta antes da promulgação da Constituição

de 1891, quando Marechal Manuel Deodoro da Fonseca era Chefe do Governo provisório.

Destaca-se desta reforma uma sequencia de Regulamentos: o Decreto nº 981, de 8 de

novembro de 1890, aprova o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito

Federal, estabelecendo em seu Art. 1º, que “é completamente livre aos particulares, do

Distrito Federal, o ensino primário e secundário, sob as condições de moralidade, higiene e

estatística definidas em lei”; o Decreto nº 982 de 8 de novembro de 1890, altera o

regulamento da Escola Normal da Capital Federal, estabelecendo em seus primeiros artigos 1º

e 2º, que a Escola Normal é um estabelecimento de ensino profissional e com ensino gratuito,

integral e destinado a ambos os sexos; o Decreto nº 1.075, de 22 de novembro de 1890,

aprova o Regulamento para o Ginásio Nacional; e o Decreto nº 1.232-G, de 2 de janeiro de

1891, aprova o Regulamento do Conselho de Instrução Superior. Segundo Freire (1989, p.

178), apesar do empenho de Benjamim Constant de descentralização educacional e de esforço

para a alfabetização, houve um fracasso na implantação de suas reformas.

Ainda, antes da promulgação da Constituição de 1891, o Governo Provisório

sancionou: o Decreto nº 6, de 19 de novembro de 1889, declarando que se consideram

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eleitores para as câmaras gerais, provinciais e municipais todos os cidadãos brasileiros, no

gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever; e o Decreto nº 7, de 20

de novembro de 1889, que através do seu Art. 2º, dava competência aos governadores dos

estados para dispor sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios em todos os graus.

Contudo, estas propostas vão ter um arrefecimento do final do século XIX com a

política dos governadores que vai consolidar o domínio das oligarquias18

na Primeira

República19

.

A Constituição de 1891 avança em relação à Constituição de 1824, ampliando o

número de prescrições sobre a matéria Educação, estabelecendo:

Art. 34. Compete privativamente ao Congresso Nacional:

30. Legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal, bem como

sobre a policia, o ensino superior e os demais serviços que na Capital forem

reservados para o governo da União;

Art. 35. Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente:

3º Criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados;

4º Prover á instrução secundaria no Distrito Federal.

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no

país a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança

individual e á propriedade nos termos seguintes.

§6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.

(CONSTITUIÇÃO DE 1891)

A proibição do voto para os analfabetos e sua consequente inelegibilidade foi

institucionalizada pela Constituição de 1891, que consignou no inciso 2º do §1º do art. 70, que

os analfabetos não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos estados.

Para Vieira e Farias (2011, p. 81) a educação para o povo não era uma preocupação

do poder Público. Elas citam uma observação que sintetiza o ambiente educativo do alvorecer

da República no Brasil,

Liquidado o Império, a educação, como um todo, permanecia mais a nível de

discurso do que sua efetivação e sistematização (...) Estava estabelecida a

res-pública, mas o povo, a grande população brasileira, continuava fora das

decisões políticas e do acesso aos bens culturais (VIEIRA; FARIAS. 2011,

p. 82, apud FREIRE, 1993, p. 173)

Ressalta-se que em 1890, no início da República, foi realizado o segundo censo

brasileiro. A taxa de analfabetismo para o conjunto do país foi de 82,6%, correspondendo ao

18

Na estrutura oligárquica, as necessidades de instrução não eram sentidas nem pela população nem pelos

poderes constituídos. 19

Período da história do Brasil compreendido entre a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889,

até a Revolução de 1930. Também chamado de República Velha.

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28

número de 12.212.125 (doze milhões duzentos e doze mil e cento e vinte e cinco) de pessoas.

Este índice deu para o Brasil, na época, o incômodo título de campeão mundial do

analfabetismo (FERRARO, 2009, p. 126).

Após a promulgação da Constituição de 1891, embaladas pelo ensejo de mudanças

na educação, seguiram os anúncios de mais projetos de reforma. Para Vieira e Farias (2011, p.

90), tais projetos “nem sempre correspondem a um conjunto orgânico de medidas, mas antes a

decretos como o intuito de reformar aspectos específicos relativos à organização do ensino”.

A Reforma Epitácio Pessoa compunha-se de dois Decretos: o Decreto nº 3.890, de 1

de janeiro de 1901, aprovou o código dos Institutos Oficiais de Ensino Superior e Secundário,

dependentes do Ministério da justiça e Negócios Interiores; e o Decreto nº 3.914, de 26 de

janeiro de 1901, aprovou o regulamento para o Ginásio Nacional. Para Freire (1989, p. 181),

houve um retrocesso em relação à Reforma de Benjamim Constant, pois a Reforma Epitácio

Pessoa omitiu-se quanto ao ensino primário e à alfabetização dos adultos, deixando, assim, de

contribuir com a alfabetização do povo brasileiro.

A Reforma Rivadávia Corrêa, também, compunha-se de dois Decretos, ambos

aprovados sequencialmente na mesma data: o Decreto nº 8.659, de 5 de abril de 1911,

aprovou a Lei Orgânica do Ensino Superior e do Ensino fundamental na República; e o

Decreto 8.660, de 5 de abril de 1911, aprovou o Regulamento do Colégio Pedro II. Para Freire

(1989, p. 184), a Reforma Rivadávia Corrêa continuou a não se preocupar com a educação

popular e sem despender nenhum esforço para a alfabetização.

A Reforma Carlos Maximiliano, estabelecida pelo Decreto nº 11.530, de março de

1915, reorganizou o ensino secundário e o superior na República. Segundo Freire (1989, p.

189), a Reforma Carlos Maximiliano serviu à sociedade patriarcal e aristocrática brasileira,

mantendo a despreocupação com o esforço para a alfabetização.

A Reforma João Luiz Alves20

, estabelecida pelo Decreto nº 16.782-A, de 13 de

janeiro de 1925, estabeleceu o concurso da União para a difusão do ensino primário,

organizou o Departamento Nacional de Ensino, reformou o ensino secundário e superior e deu

outras providências.

Para Ghiraldelli Jr (2009, p. 35), o governo federal atuou no campo educacional

através de medidas dispersas durante a Primeira República, consubstanciadas em legislação

de caráter pontual. “As iniciativas da Primeira República nem sempre corresponderam a um

conjunto orgânico de medidas, mas, antes a decretos elaborados com o intuito de reformar

20

Lei Rocha Vaz.

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29

aspectos específicos relativos à organização do ensino” (FERNANDES; CORREIA, 2010,

p.181).

No primeiro momento, o regime republicano calou-se para a ideia de uma educação

obrigatória e gratuita para todos. “Não deixa de surpreender que, mesmo no nível das

expectativas, a República silencie sobre tema acerca do qual o Império se pronuncia”

(VIEIRA, 2007, p. 294).

A ênfase individualista, dada pela Constituição de 1891, leva à inferência de que a

educação deixou de ser um dever do Estado, uma vez que se omitiu quanto à instrução

primária e facultou atribuições aos estados para que organizassem seus sistemas educacionais

(inciso 3º do art. 35). Para Vieira e Farias (2011, p. 94), esta desobrigação do Estado

representou para a educação um aprofundamento do processo de descentralização iniciado no

período Imperial. Sobre a influência dos ideais de iluministas como o francês ‘Auguste

Comte’ houve uma cisão na relação, até então estreita e institucionalizada pela Constituição

de 1824, entre a educação e a religião, passando o ensino nas instituições públicas a ser laico

(§6º do art. 72). A competência e a incumbência sobre o ensino superior e secundário

passaram a ser de responsabilidade do Congresso Nacional (§3º do art. 35).

A prática de não cumprir o estabelecido foi reproduzida na Primeira República,

foram muitos os anúncios de reformas que não se cumprem. O despreso pela educação

continuava intocado (FREIRE, 1989, p. 194). Contudo, iniciativas concretas desencadeadas

pelas reformas estaduais no campo educacional irão criar um ambiente para que as reformas

de fato aconteçam (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 98).

Será somente com o movimento renovador da Escola Nova21

, a partir da segunda

década do século XX, que o protagonismo público em matéria de educação será retomado.

Esse protagonismo foi orquestrado pelos estados, através das reformas estaduais no campo

educacional, que de uma maneira sincronizada começaram a organizar os seus sistemas de

ensino levando ao surgimento dos educadores de profissão. A maioria destes educadores de

profissão, influenciados pelas ideias da Escola Nova, terão um papel importante na criação da

Associação Brasileira da Educação (ABE), em 1924. O pensamento escolanovista22

se tornará

o ideário pedagógico do Estado Getulista.

21

O ideário da Escola Nova veio para contrapor o que era considerado pedagogicamente tradicional. 22

Com eram chamados os defensores do ideário da Escola Nova.

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30

2.3 A Constituição de 1934: enfim a centralização.

A partir da segunda década do século XX, o modelo agrário-exportador cede lugar à

substituição de importações. As modificações na estrutura econômica fazem surgir novas

forças sociais que abalam o domínio das oligarquias, dando início a seu declínio (RIBEIRO,

1986, p. 91). As mudanças econômicas foram, em sua base, impulsionadas pelo parque

manufatureiro. A industrialização levou à consolidação da burguesia industrial, ao aumento da

mão-de-obra operária e ao crescimento do setor médio da população. Estes novos setores da

sociedade sentiam-se à margem da política vigente. As reivindicações tornaram-se frequentes

e o desejo de mudança aflorou. Os militares, através do movimento chamado de

Tenentismo23

, lideraram uma série de revoltas que culminou com a Revolução de 1930.

O aumento da mão-de-obra operária gerou uma consequente necessidade de

qualificação da força de trabalho. A insuficiência de escolas primárias e os altos índices de

analfabetismo, antes debatidos na esfera política, passaram a ser discutidos pelos educadores

de profissão (RIBEIRO, 1986, p. 93), fazendo com que as iniciativas de mudanças políticas

sofressem uma inversão de direção, sendo dos estados para a Capital. Como exemplo dessas

discussões, tem-se o Censo Demográfico de 1920 que registrou, para o conjunto do país, que

o número de pessoas não alfabetizadas era de 26.042.442 (vinte e seis milhões quarenta e dois

mil e quatrocentos e quarenta e dois), correspondendo a uma taxa de 71,2% de pessoas não

alfabetizadas entre a população de 5 anos ou mais24

.

Para Vieira e Farias (2011, p. 102), as mudanças impostas por esse contexto, aliadas

a um cenário de alternâncias políticas impulsionado por conflitos sociais diversos,

orquestrados por um ambiente de disputa política e econômica, condensaram a série de

levantes que culminaram com a Revolução de 1930. O fim da Primeira República

concretizou-se com a deposição, em 24 de outubro de 1930, do Presidente Washington Luís e

a ascensão ao poder, em 3 de novembro de 1930, de Getúlio Vargas como chefe do Governo

Provisório, dando início à Segunda República (1930 à1937).

Os anos 30 do século XX marcou a perda da hegemonia dos latifundiários

cafeicultores e a ascensão da burguesia industrial. Para Mendonça (1985, p. 13),

23

Movimento político-militar de jovens oficiais do Exercito Brasileiro do início da década de 1920, descontentes

com a política do Brasil. 24

Fonte: Ministério da Agricultura, indústria e Comércio. Recenciamento Geral do Brasil, 1920, v. IV, 4ª Parte –

população, o qual reproduz, os dados os dados dos censos anteriores sobre alfabetização (FERRARO, 2009, p.

87)

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31

A estruturação do Brasil urbano-industrial e o projeto liberal-

industrializante, sobrepondo-se às elites rurais, desenharam, de forma

gradual, uma nova configuração da acumulação capitalista no País, no

sentido da implantação de um núcleo básico de indústrias de bens de

produção, bem como na redefinição do papel do Estado em matéria

econômica, visando tornar o pólo urbano-industrial o eixo dinâmico da

economia.

A permanência de Vargas no cenário político, como governante, foi marcada por

dois mandatos. O primeiro mandato, chamado de Era Vargas, compreendido entre os anos de

1930 à 1945, pode ser dividido em três etapas: governo provisório de 1930 à 1934); governo

Constitucional de 1934 à 1937; e Estado Novo de 1937 à 1945. O segundo mandato de

Vargas ocorreu já na Terceira República25

de 1945 à 1964, quando ele foi eleito Presidente da

República pelo voto popular em 1950, assumindo a presidência de 1951 à 1954.

A Era Vargas, período assinalado por transformações tanto na área social quanto na

área econômica, foi marcado por uma centralização no campo político que levaram a emersão

de duas Constituições Federais no ano de 1934 e 1937. No campo educacional, duas reformas

protagonizaram as mudanças: Reforma Francisco Campos de 1931 à 1932; Reforma Gustavo

Capanema de 1942 à 1946.

Em seu discurso de posse, Vargas, resumindo as ideias centrais do programa de

reconstrução nacional propostas pelo movimento revolucionário, destaca como mais

oportunas e de imediata utilidade dezessete tópicos, dos quais destacamos dois:

2) saneamento moral e físico, extirpando ou inutilizando os agentes de

corrupção, por todos os meios adequados a uma campanha sistemática de

defesa social e educação sanitária; 3) difusão intensiva do ensino público,

principalmente técnico-profissional, estabelecendo, para isso, um

sistema de estimulo e colaboração direta com os Estados. Para ambas

finalidades, justificar-se-ia a criação de um Ministério de Instrução e

Saúde Pública (Discurso prenunciado pelo Dr. Getúlio Vargas por ocasião

de sua posse, 1930, p. 18). (grifo nosso).

No período do governo provisório (1930-1934), a Constituição Federal de 1981

continuou em vigor, porém, sujeita às modificações e restrições estabelecidas pelo Decreto nº

19.398, de 11 de novembro de 1930, ou por decretos ou atos ulteriores do governo provisório.

Esse Decreto estabelecia em seu art. 1º, que:

25

Período, também, conhecido como República Populista.

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32

O governo provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude,

as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder

Legislativo, até que, eleita a Assembleia Constituinte, estabeleça esta a

reorganização constitucional do país. (Decreto 19.398/1930, art. 1º).

Nessa etapa do Governo Provisório, Vargas governou por Decretos. Uma das

primeiras providências do Governo Provisório foi criar, por meio do Decreto nº 19.402, de 14

de Novembro de 1930, uma Secretaria de Estado com a denominação de Ministério dos

Negócios da Educação e Saúde Pública. Para assumir a pasta foi indicado Francisco Campos,

integrante do movimento da Escola Nova.

Francisco Campos, à frente do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública

(1930-1932), iniciou um processo de regulação, em âmbito nacional, das escolas superiores,

secundárias e primárias incorporando o crescente ideário pedagógico renovador que teve

como marco inicial, no ano de 1931, a chamada Reforma Francisco Campos.

Iniciada antes da promulgação da Constituição de 1934, a Reforma Francisco

Campos foi orquestrada por um conjunto de sete decretos estabelecidos no ano de 1931 e

1932. Significando um movimento de centralização por parte do Governo Provisório, a

Reforma Francisco Campos é integrada por ordenações relativas ao ensino superior,

secundário e comercial.

Para o ensino superior foram estabelecidos: o Decreto nº 19.850, de 11 de abril de

1931, cria Conselho Nacional de Educação; o Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931,

dispõe sobre o ensino superior no Brasil, tratando da organização das universidades e

adotando o regime universitário; o Decreto nº 19.852, de 11 de abril de 1931, dispõe sobre a

organização da Universidade do Rio de Janeiro.

Para o ensino secundário foram estabelecidos: o Decreto nº 19.890, de 18 de abril de

1931, dispõe sobre a organização do ensino secundário; o Decreto nº 19.941, de 30 de abril de

1931, dispões sobre a instrução religiosa nos cursos primário, secundário e normal, facultando

o ensino da religião nas escolas públicas; o Decreto nº 21.241, de 14 de abril de 1932,

consolida as disposições sobre a organização do ensino secundário e dá outras providências,

compreendendo-o ensino secundário em dois cursos: fundamental e complementar.

E Para o ensino comercial, o Decreto nº 20.158, de 30 de junho de 1931, organiza o

ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras providências.

Para Saviani (2008, p. 196), as medidas, ordenadas pela Reforma Francisco Campos,

resultou evidentemente a orientação do novo governo de tratar a educação como questão

nacional, convertendo-se, portanto, em objeto de regulamentação, nos diversos níveis e

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modalidades, por parte do governo central. Para Romanelli (2002), a Reforma Francisco

Campos teve o mérito de, pela primeira vez, manifestar o interesse do Poder Central pela

definição de uma estrutura orgânica para o ensino superior, secundário e comercial em todo

o território nacional. E para Paiva (1989, p. 14), A Reforma Francisco Campos deu nova

estrutura a grande parte do nosso sistema de educação, especialmente ao nível secundário.

Porém, Saviani (2008, p. 196-197), ressalva que merece consideração específica a

publicação, em meio às outras seis medidas de reformas do ensino, do Decreto 19.941, que

estabeleceu, pela primeira vez na história da República, a instrução religiosa nas escolas

públicas; essa medida é fruto de uma aliança entre os escolanovistas e os educadores católicos

que participavam, em 1931, lado a lado, na ABE; no início de 1932, a publicação do

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova provocou uma cisão entre os escolanovistas e os

educadores católicos, que culminou com a saída dos educadores católicos da ABE e a

fundação, em 1933, da Conferência Católica Brasileira de Educação; os escolanovistas e os

educadores católicos disputaram a hegemonia do campo educacional no Brasil nas décadas de

1930 e 1940.

Em meio às propostas de reformas de Francisco Campos, um grupo de educadores

defensores da Escola Nova se mobiliza para debater as questões da área educativa e produzem

o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que tem como destinatários o povo e o governo.

Considerando que a educação no Brasil estava inorganizada26

, os educadores visavam uma

renovação educacional no Brasil através de um amplo programa educacional. Em termos

gerais o Manifesto propões uma organização de um sistema nacional de ensino. O manifesto

foi assinado por 23 homens e três mulheres, educadores e intelectuais de renome, liderados

por Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anízio Teixeira. Esses três últimos ficaram

conhecidos como os cardeais da Educação Nova.

Segundo Vieira e Farias (2011, p. 111), a posição dos signatários do Manifesto vale

com síntese de ideias que vão marcar o campo educacional, tanto do ponto de vista

pedagógico quanto de uma concepção do papel do Estado na oferta da educação escolar.

Francisco Campos esteve à frente do Ministério da Educação e Saúde até o Governo

Provisório exauriu com a promulgação da Constituição de 1934.

A terceira Constituição do Brasil foi promulgada pela Assembleia Nacional

Constituinte em 16 de julho de 1934. No dia seguinte, 17 de julho, Vargas foi eleito

26

Para os educadores a educação no Brasil não estava desorganizada, ela estava inorganizada, ou seja ela ainda não havia se organizou.

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34

indiretamente pelo voto dos membros da Assembleia Nacional Constituinte. Em 20 de julho,

Vargas deu início ao seu mandato no Governo Constitucional de 1934 à 1937.

A Constituição de 1934, inspirada por princípios liberais e democráticos, entrou para

a história por sua efemeridade. Ela durou quase três anos, mas só vigorou oficialmente por

aproximadamente um ano, sendo suspensa pela Lei nº 38, de 4 de abril de 193527

. Contudo,

por sua ênfase dada à educação, dedicando dezessete artigos e introduzindo conceitos

inovadores, principalmente, sobre a educação pública, cabe destacar alguns de seus artigos,

considerando tanto os avanços quanto a conservação de ideias em relação à Constituição de

1981.

O art. 5º, o inciso XIV, enuncia que compete privativamente à União traçar as

diretrizes da educação Nacional. Este princípio se manteve presente nos textos constitucionais

desde então.

Em seu art. 150, em sua alínea a, enuncia que compete à União fixar o Plano

Nacional de Educação que será elaborado, conforme art. 152, pelo Conselho Nacional de

Educação e aprovado pelo poder Legislativo. Entre as normas estabelecidas para o Plano

Nacional de Educação, o parágrafo único, do art. 150, em sua alínea a, enuncia que o ensino

primário integral e gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos, e em sua

alínea b, tendência à gratuidade do ensino ulterior ao primário, a fim de tornar o mais

acessível.

Já o art. 149 enuncia que a educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela

família e pelos Poderes Públicos.

O art. 151 mantém a competência dos estados e Distrito Federal na organização e

manutenção de sistemas educativos.

A instrução religiosa tornou-se facultativa pelo o art. 153, ao enunciar que o ensino

religioso será de frequência facultativa e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas

primárias, secundárias, profissionais e normais. Esse enunciado institucionalizou a instrução

religiosa nas escolas públicas.

A Carta, em seu art. 154, enuncia que os estabelecimentos particulares de educação

gratuita primária ou profissional serão isentos de tributos. Essa manifestação de apoio à

liberdade de ensino ou à livre iniciativa será objeto do primeiro artigo dedicado à educação no

texto da Carta de 1937;

27

Lei de Segurança Nacional.

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35

A constituição inova em seu art. 156 ao enunciar que a União e os municípios,

aplicarão nunca menos de dez por cento, e os estados e o Distrito Federal nunca menos de

vinte por cento, da renda dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas

educativos. Essa foi a primeira vez que se vinculou a aplicação de receitas dos entes da

Federação para o sistema educativo.

Segundo Vieira e Farias (2011, p. 98), na Carta de 1934, convivem orientações laicas

e religiosas que fazem a defesa da escola pública e a preservação de privilégios da escola

privada. Ressalva-se que alínea “a” do parágrafo único do art. 108, manteve a proibição do

voto para os analfabetos ao determinar que “não se podem alistar eleitores os que não saibam

ler e escrever”.

2.4 A Constituição de 1937: centralização e autoritarismo

Em 10 de novembro de 1937, alegando problemas de segurança nacional, Getúlio

Vargas instala o chamado Estado Novo. Tem-se início um período ditatorial civil que se

contrapôs ao pensamento liberal e democrático que inspirou, pelo menos inicialmente, o

Governo Constitucional. Todos os direitos políticos foram suspensos. Com o amplo apoio dos

militares, as Câmaras Municipais, as Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional foram

fechados.

Já dissemos, em outro momento, que a mudança de regime impunha uma nova

constituição. A Constituição de 1937, a quarta do Brasil, foi outorgada no mesmo dia em que

foi instalado o golpe de Estado, dia 10 de novembro de 1937. A nova Carta, inspirada nas

constituições de regimes fascistas europeus, foi elaborada por Francisco Campos. Com

princípios centralizadores, a Carta de 1937 interrompeu o avanço das tendências

democratizantes da educação presentes no texto constitucional de 1934.

O texto constitucional de 1937, ao tratar DA ORGANIZAÇÃO NACIONAL,

estabeleceu em seu inciso IX do art. 15, que competia privativamente à União fixar as bases e

determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a

formação física, intelectual e moral da infância e da juventude. E o inciso XXIV do art. 16,

determinou a competência privativa da União o poder de legislar sobre as diretrizes de

educação nacional. Em relação à Constituição de 1934, essas ordenações ampliaram, de forma

centralizadora, as competências do Estado.

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36

A Constituição do Estado Novo trata especificamente da Educação nos artigos 128 a

134, do título DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA. Contudo, a educação também é

disciplinada nos princípios estabelecidos nos artigos 124 a 127 do título DA FAMÍLIA, dos

quais destacamos os seguintes textos: A educação integral da prole é o primeiro dever e o

direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira

principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da

educação particular (art. 125); A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e

garantias especiais por parte do Estado, (...). Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar

o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole (art. 127). Essas

ordenações atribuem ao Estado uma função compensatória que será corroborada pelo art. 129.

O Estado Novo, no primeiro artigo dedicado à educação, estabeleceu a livre

iniciativa do ensino, ao determinar que a arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa

individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares (art. 128). Essa

determinação chancela uma tendência iniciada pelas reformas do final do período Colonial,

Reforma Leôncio de Carvalho de 1879, e do início do período da Primeira República,

Reforma Benjamim Constant de 1890.

O art. 129 sintetizou a condução que o Estado Novo daria à educação. O Governo

exonera-se da educação pública, ao atribuir-lhe uma função compensatória que lhe coloca

numa posição secundária. Para Vieira e Farias (2011, p. 115-116), “o dever do Estado para

com a educação é colocado em segundo plano, deixando claro que a educação pública é

concebida como aquela destinada aos que não podem arcar com os custos do ensino privado;

sendo prioridade o ensino vocacional e profissional", conforme prescreve o texto do artigo

citado a baixo:

A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação

em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos

Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em

todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às

suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.

O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos

favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-

lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e

subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos

ou associações particulares e profissionais.

É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua

especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários

ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os

poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios,

facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público.

(Constituição de 1937, art. 129).

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37

Teixeira (2008, p. 157), infere que “da leitura do artigo 129 verifica-se a existência

de distinção entre as escolas destinadas à elite e aquelas voltadas à população menos

favorecidas”. E, para Ribeiro (2008, p. 120), o art. 129 estabelece o regime de cooperação

entre a indústria e o Estado.

A gratuidade do ensino primário, garantida na Carta de 1934, é mantida no texto

constitucional do Estado Novo. No entanto, a ideia de gratuidade, presente na Carta de 1937,

é estreita e empobrecida devido ao seu caráter parcial (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 116). O

art. 130 estabeleceu que o ensino primário é obrigatório e gratuito, sendo que essa gratuidade

não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por

ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem

alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar.

O artigo 131 estabeleceu o ensino de trabalhos manuais em todas as escolas

primárias, normais e secundárias, sendo este ensino uma exigência prévia para a autorização

e o reconhecimento do estabelecimento escolar.

A institucionalização do ensino religioso foi aprofundada no Estado Novo. O texto

constitucional do art. 133 determinou que o ensino religioso poderá ser contemplado como

matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá,

porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência

compulsória por parte dos alunos. Para Vieira e Farias (2011, p. 117), a clara ambiguidade

do texto, acabou por tornar compulsório o ensino religioso nos estabelecimentos escolares,

isso se deu tanto pela preeminência da religião católica quanto pela presença significativa de

escolas confessionais no Brasil.

Ressalta-se por fim, a que Constituição de 1937 manteve a proibição do voto para os

analfabetos, ao prescrever na alínea a, do parágrafo único do art. 117, que não podem alistar-

se eleitores os analfabetos.

A Constituição de 1937 omitiu-se flagrantemente ao não incluiu em seu texto o

princípio de que a educação é um direito de todos. Esse princípio havia sido estabelecido pela

Carta de 1934 em seu art. 149.

O texto constitucional do Estado Novo explicita que o ensino pré-vocacional

profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro

dever de Estado (art. 129). O texto se omite quanto ao estabelecimento de princípios para as

demais modalidades de ensino. Esta omissão não só manteve, mas também acentuou o

dualismo existente entre as escolas destinadas à elite e aquelas voltadas à população menos

favorecida. População esta, que agora estudaria nas escolas profissionalizantes. Segundo

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38

Vieira e Farias (2011, p. 116), “a concepção da política educacional no Estado Novo estará

inteiramente orientada para o ensino profissional, objeto de atenção prioritária das reformas

encaminhadas pelo ministro de Vargas para a educação, Gustavo Capanema”.

O presidente Getúlio Vargas, tendo como chefe da pasta do Ministério da Educação e

Saúde o escolanovista Gustavo Capanema Filho, aprovou o Decreto-Lei nº 868, de 18 de

novembro de 1938, que criou, no Ministério da Educação e Saúde, a Comissão Nacional de

Ensino Primário (CNEP). A essa Comissão competia, dentre outras atribuições,

a) organizar o plano de uma campanha nacional de combate ao

analfabetismo, mediante a cooperação de esforços do Governo Federal com

os governos estaduais e municipais e ainda com o aproveitamento das

iniciativas de ordem particular;

b) definir a ação a ser exercida pelo Governo Federal e pelos governos

estaduais e municipais para o fim de nacionalizar integralmente o ensino

primário de todos o núcleos de população de origem estrangeiras;

f) indicar em que termos deve ser entendida a questão da obrigatoriedade do

ensino primário;

g) estudar a questão da gratuidade do ensino primário, opinado sobre as

contribuições com que as pessoas menos necessitadas são obrigadas a

concorrer para as caixas escolares, bem como sobre o destino a ser dado ao

produto destas contribuições; (grifo nosso)

Pode inferir que o objetivo da CNEP era erradicar o analfabetismo em todo o país. A

sessão de instalação da CNEP se deu em 18 de abril de 1939, no gabinete do Ministério da

Educação e Saúde. A questão da nacionalização das escolas primárias e da organização das

diretrizes para o funcionamento do ensino primário dominaram as discussões da CNEP. Após

intensas análises e sob a influência direta do ministro Gustavo Capanema, os membros da

Comissão encaminharam, em 1939, um anteprojeto de Decreto-Lei ao Ministro. Horta (2010)

explica que esse anteprojeto foi então, encaminhado para a apreciação das secretarias de

educação de diversos estados, retornando para ao Ministro para nova versão. O anteprojeto se

tornaria a Lei Orgânica do Ensino Primário pelo Decreto-Lei nº 8.526, de 2 de janeiro de

1946, que definiria as finalidades do ensino primário e também, que os estabelecimentos de

ensino primário, públicos e particulares, formariam um só sistema escolar com a devida

unidade de organização e direção. A CNEP, que tinha um caráter permanente, teve suas

atividades suspensas em 1943. No ano de 1944, as atribuições da CNEP foram repassadas

para o Conselho Nacional de Educação.

É interessante ressaltar que no período em que a CNEP estava reunida para

desenvolver um combate de erradicação do analfabetismo no Brasil, o Censo Demográfico de

1940, registrou que o número de pessoas não alfabetizadas era de 34.796.665 (trinta e quatro

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milhões setecentos e noventa e seis mil e seiscentos e sessenta e cinco), correspondendo a

uma taxa de 61,2%, considerando a população de 5 anos ou mais para o conjunto do país.28

.

Em 1942, o ministro Gustavo Capanema engendrou e iniciou a regulamentação do

ensino que teve por fim a reorganização de toda a estrutura educacional. A Reforma

Capanema instituiu o SENAI, organizou o ensino industrial, organizou o ensino secundário, e

reformou o ensino comercial.

Durante o Governo de Varga, no período do Estado Novo, os Decretos-Lei relativos

à Reforma Capanema29

foram: o Decreto-Lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que criou o

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); o Decreto-lei nº 4.073, de 30 de

janeiro de 1942, que estabeleceu as bases de organização e de regime do ensino industrial,

organizando o ensino industrial; o Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, que organizou

o ensino secundário em dois ciclos: o ginasial, com quatro anos, e o colegial, com três anos; e

o Decreto-Lei nº 6.141, de 28 de dezembro de 1943, que estabeleceu as bases de organização

e de regime do ensino comercial, reformando o ensino comercial.

Para Ghiraldelli Jr. (2009: 80 e 85), a Reforma Capanema deu um caminho elitista ao

desenvolvimento do ensino público que marcou muito a história da educação em nosso país, e

cumpriu com os objetivos do Estado Novo em criar e ordenar um sistema de ensino

profissionalizante.

Em 29 de outubro de 1945, Getúlio Vargas foi deposto por um golpe militar chefiado

por Generais. O Governo ficou, provisoriamente, sob a responsabilidade do presidente do

Supremo Tribunal Federal, o Dr. José Linhares, uma vez que a Constituição de 1937 não

previa a figura do vice-presidente. Em 31 de janeiro de 1946, o general Eurico Gaspar Dutra

assumiu a presidência da República, após vencer as eleições de 2 de dezembro de 1945.

Gustavo Capanema Filho assumiu a pasta do Ministério da Educação e Saúde

pública em 26 de julho de 1934, ficando no cargo por 11 anos, até o final do Estado Novo em

1945. Em 2 de dezembro de 1945, Capanema elegeu-se deputado por Minas Gerais à

Assembleia Constituinte que promulgou, em 18 de setembro de 1946, a quinta Constituição

do Brasil.

28

Fonte: IBGE 29

Leis Orgânicas do Ensino.

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40

CAPÍTULO III – BREVE CONSIDERAÇÕES SOBRE O ANALFABETISMO NO

BRASIL (1549-1945)

A Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei D. Manuel, de 1 de maio de 1500, faz o

primeiro registro sobre a população nativa que aqui foi encontrada. Nesta Carta, ao se referir

aos nativos, Pero Vaz de Caminha os caracteriza como gente bestial e de pouco saber e de tal

inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãs, visto que

não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. O escrivão conclui sua

caracterização escrevendo que o melhor fruto que El Rei D. Manuel pode tirar da terra

recém-descoberta será salvar esta gente, sendo esta a principal semente que deve lançar.

Em 1534 deu-se início, efetivamente, ao processo de colonização e exploração do

Brasil Colônia com as instalações das capitanias hereditárias. Para o Brasil vieram alguns

donatários e seus escravos. Nesse período, todos os insumos que eram produzidos, explorados

e coletados30

eram voltados para a exportação com vista a enriquecer a Metrópole portuguesa.

Essa estrutura de produção31

e de dinâmica social32

tornava desnecessária uma preocupação

com a instrução sistemática. Não há noticia de escolas nem de educadores neste período

(Freire, 1989, p. 28).

Vimos que no ano de 1549 os jesuítas chegaram ao Brasil com a missão de instruir e

catequisar os povos indígenas. Seria uma resposta à Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei

D. Manuel, se não fosse à necessidade imperiosa estabelecida pelo Regimento de Dom João

III, que dava instruções a Thomé de Sousa para estabelecer um poder político superior na

colônia brasileira. Para Freire (1989, p. 22), tais medidas tinham o objetivo claro de controlar

o poder econômico e político que os donatários haviam conquistados, com o fim de incentivar

a produção que deveria enriquecer Portugal.

A instrução dos jesuítas, centrada na catequese, dispensadas tanto aos índios quanto

aos colonos portugueses, visava tornar, através da domesticação, a população obediente, para

submeter-se a um poder político superior imposto pela Metrópole. A estrutura colonial de

produção colocou os jesuítas a serviço da exploração lusitana. Para Freire (1989, p. 38), os

jesuítas não estavam preocupados com a alfabetização nem com a educação para todos e,

sobretudo, com a gratuidade. Não demorou muito para que a instrução primária dedicada aos

30

Produzia-se açúcar, arroz, anil, tabaco, algodão e café; explorava-se ouro, diamante e pedras preciosas;

coletava-se cravo, canela, salsaparrilha, cacau e madeira (Freire, 1989, p. 27) 31

Escravidão, latifúndios e regime colonial. 32

Donatário versus escravos.

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índios fosse substituída por uma educação universalista e excludente, voltada para os filhos

dos colonos brancos pertencentes à elite agrária.

As Reformas Pombalinas e a conseguinte expulsão dos jesuítas,

no ano de 1759, desorganizou o sistema educativo, significando o fim das instruções

primárias no Brasil. Vimos que esta situação se manteria inalterada até o a vinda da família

Real para o Brasil, no ano de 1807. Contudo, o regime colonial com a sua estrutura de

produção voltada para o enriquecimento de Portugal impôs algumas proibições à colônia

brasileira. Destacamos algumas dessas proibições que mostram como o regime colonial coibia

as iniciativas no campo educativo: Alvará de 16 de dezembro de 1794, proibindo o despacho

de livros e papéis para o Brasil; e Aviso de 18 de junho de 1800 ao capitão-geral de Minas,

repreendendo a Câmara de Tamanduás por ter instituído uma aula de primeiras letras33

.

A vinda da família real para o Brasil não significou um rompimento com a estrutura

educacional estabelecida pelas Reformas Pombalinas. Os incentivos educacionais se deram

nos níveis técnicos e superiores, estes foram fortemente impulsionados visando atender às

necessidades da Corte portuguesa. No entanto, a instrução primária e secundaria continuaram

estagnadas, chegando quase ao esquecimento. A presença da Corte portuguesa no Brasil

acentuou o caráter excludente e elitista da educação na colônia brasileira. A educação escolar

foi instituída para atender às necessidades do aparato burocrático do Estado brasileiro. É

oportuno observar que a abertura dos portos brasileiros no período joanino34

significou o fim

do monopólio comercial, abrindo a porta para a emancipação política brasileira.

A independência do Brasil em 1822, não representou uma mudança significativa na

infraestrutura colonial. “A estrutura de produção permaneceu tranquilamente a mesma:

escravidão, latifúndio e monocultura para exportação” (FREIRE, 1989, p. 45). A realidade da

educação, de certo modo, permaneceu inalterada, considerando que a concepção de uma ideia

de um “sistema nacional de educação” esbarrou no fato de que a educação não se constituiu,

efetivamente, como uma prioridade política e técnica desse momento histórico de

independência (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 58). Para a elite da sociedade imperial, não

constituía problema o fato de a imensa maioria da população não saber ler e escrever

(FERRARO, 2009, p. 48).

O Brasil no período de 1500 a 1822 foi colônia de Portugal. O regime colonial criou

uma estrutura tanto de produção quanto de sociedade que não se interessava em favorecer a

33

Fonte: Freire (1989, p. 24). 34

Período compreendido entre 1808 a 1821.

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42

educação popular. Predominou sistematicamente o descaso com instrução primária. Isso

porque uma sociedade dual35

de economia colonial36

não necessita, como vimos, de educação

primária.

Para Paiva (1990, p. 9), ao longo de grande parte da nossa história a questão do

analfabetismo não esteve posta. Corroborando com esta ideia, acrescentaria que se foi

verdade que a questão do analfabetismo não esteve posta, também foi verdade que o

analfabetismo no Brasil foi forjado pela educação, quando esta foi usada para atender

unicamente aos interesses das relações de produção e ao modo de produção tanto do regime

colonial quanto do regime imperial. Esta manobra elitista e excludente continuou sendo

utilizada nas primeiras quatro décadas do período republicano, sendo orquestrada,

principalmente, pelo domínio das oligarquias na Primeira República. O analfabetismo, no

Brasil, surgiu, ou melhor, perpetuou-se a partir de um plano conquistado palmo a palmo (...)

que hermeticamente presas às ideias liberais e positivista, escola e educação brasileiras

alinharam-se às elites e à burguesia37

.

Para considerar o problema do analfabetismo no Brasil, este estudo tem como

premissa o regime colonial e as suas relações de produção e de modo de produção que

atravessaram, sem grandes mudanças, o regime imperial e a Primeira República.

Em seu sentido etimológico, o termo analfabeto designa aquele que é privado do

alfabeto, a que falta o alfabeto, ou seja, aquele que não conhece o alfabeto, que não sabe ler e

escrever, e analfabetismo é um estado, uma condição, o modo de proceder daquele que é

analfabeto (SOARES, 1998, p. 30). Contudo, o conceito de analfabeto está diretamente

imbricado aos Censos realizados no Brasil no período de 1872 a 1940. Nesse período, os

levantamentos censitários consideravam alfabetizada ou analfabeta a pessoa que declarava

sim ou não ao questionamento de a pessoa ser ou não capaz de ler e escrever. Isso se deve

porque “saber ler e escrever é a única característica educacional da população que foi

investigada em todos os censos brasileiros, sem exceção” (FERRARO, 2009, p. 85).

Para Paiva (1990, p. 9), a questão do analfabetismo emerge com a reforma eleitoral

de 188238

, que derruba a barreira da renda, mas estabelece a proibição do voto do analfabeto.

Esta proibição foi institucionalizada pela Constituição de 1891, a primeira constituição

republicana, e foi mantida pelas constituições de 1934 e 1937. Esta barreira constitucional só

viria a ser derrubada pela Emenda Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985, já no período

35

Senhor versus escravo. 36

Economia agrícola-exportadora-dependente. 37

Excerto retirado da CARTA-PREFÁCIO redigida por Paulo Afonso Caruso Ronca (FREIRE, 1989, p. 10). 38

Lei Saraiva.

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43

da Nova República39

, que garantiu aos analfabetos o direito de se alistarem como eleitores.

Esse direito foi mantido pela Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, reparando uma

secular injustiça.

A Constituição de 1824, outorgada sob os ideais liberais, assegurou a instrução

primária e gratuita a todos os cidadãos. Contudo, esse e os demais preceitos educativos

incluídos na Constituição não foram cumpridos. É oportuno registrar, que a Assembleia

Nacional Constituinte de 1823, antes de ser dissolvida pelo imperador D. Pedro I, elaborou

um projeto de Constituição. Esse projeto, dentre outros preceitos, prevendo a difusão da

instrução pública para todos os níveis, pretendia que houvesse escolas primárias em cada

termo40

, ginásios em cada comarca e universidades nos mais apropriados lugares, sendo livre

a cada cidadão abrir aulas para o ensino público, contando que respondesse pelos abusos41

.

Evidentemente os preceitos educativos do texto Constitucional de 1824 foram muito mais

sucintos do que o projeto de Constituição elaborado pela Assembleia Nacional Constituinte de

1823. “A proclamação da necessidade de educação popular foi a penas uma farsa liberal,

encenada em nome da democracia, pelos dominantes, para dissimular o jogo político que

realizavam com vista a garantir-lhes todos os direitos e privilégios” (FREIRE, 1989, p. 47).

Prevaleceu o descaso com a educação popular.

A constituição de 1891, promulgada sob os ideais liberais e positivistas, não se

preocupou com a educação em geral nem com o ensino, em particular. Calou-se para a ideia

de uma educação obrigatória e gratuita para todos, omitiu-se quanto à instrução primária e

aprofundou o processo de descentralização da educação ao transferir para os estados a

responsabilidade para com os ensinos primários. Se for verdade que o início da República foi

muito fecundo nas propostas de reorganização da instrução pública, também é verdade que o

governo Federal atuou através de medidas dispersas, consubstanciadas em legislações de

caráter pontual que nem sempre correspondiam a um conjunto orgânico de medidas, mas que

visavam reformar aspectos específicos relativos à organização do ensino. O descaso com a

educação popular permaneceu intato.

A constituição de 1934, promulgada sob os ideais liberais e democráticos, por sua

efemeridade e pouca aplicabilidade, merece destaque por sua ênfase dada à educação, em

especial ao ensino primário integral e gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos

adultos. Os seus preceitos educativos já foram supracitados. No entanto, frisamos que esta

39

Período da história do Brasil que tem início com o final da Ditadura Militar (1985) até os dias de hoje. 40

Subdivisão de comarca, 41

Projeto de Constituição da Assembleia Nacional Constituinte de 1823: art. 250 a 252 do Título 13.

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44

constituição, inspirada por princípios liberais e democráticos, determinou que os eleitores que

não sabiam ler e escrever não poderiam se alistar, mantendo, por conseguinte, a proibição do

voto para os analfabetos.

A Constituição de 1937, outorgada e inspirada nas constituições de regimes fascistas

europeus, assegurou a obrigatoriedade e a gratuidade parcial do ensino primário, e omitiu-se

quanto à educação ser um direito de todos. O texto constitucional principia, em matéria de

educação, que o primeiro dever do Estado será o ensino pré-vocacional profissional destinado

às classes menos favorecidas. O dever do Estado para com a educação foi colocado em

segundo plano na medida em que lhe é atribuída uma função compensatória (VIERIA;

FARIAS, 2009, p. 115).

A precariedade quantitativa e qualitativa do nosso sistema de ensino elementar

respondeu em grande parte pela amplitude do analfabetismo entre a população brasileira

(PAIVA, 1990, p. 9). Essa amplitude configurou-se a partir de uma condição imposta que

emergiu período colonial e atravessou, vergonhosamente, a primeira e a segunda república

como uma questão inacabada42

. Para Ferraro (2009, 25), de nada adiantou os inúmeros

discurso, juras, projetos, campanha e até declaração de guerra contra o analfabetismo,

acompanhados de periódicas reformas de ensino. “O analfabetismo não é uma escolha e não

se soluciona por decretos ou leis, porque vem sendo o resultado das múltiplas e infinitas

transas dialéticas das pessoas, enquanto posicionadas nas classes sociais” (FREIRE, 1989, p.

14).

Os levantamentos censitários do período43

, realizados no Brasil, registraram de forma

sistemática a consequência do descaso do poder Público para com a instrução primária. Esses

registros mostram a evolução do número absoluto de pessoas não alfabetizadas entre a

população de 5 anos ou mais, revelando que a educação para o povo não era uma preocupação

do poder Público: em 1872, o primeiro Censo registrou um número de 8.854.774 (oito

milhões oitocentos e cinquenta e quatro mil e setecentos e setenta e quatro); o segundo Censo,

realizado em 1890, registrou um número de 12.212.125 (doze milhões duzentos e doze mil e

cento e vinte e cinco); o Censo de 1920 registrou um número de 26.042.442 (vinte e seis

milhões quarenta e dois mil e quatrocentos e quarenta e dois); e por fim, o Censo de 1940

registrou um número de 34.796.665 (trinta e quatro milhões setecentos e noventa e seis mil e

seiscentos e sessenta e cinco). O número absoluto de pessoas não alfabetizadas registrado no

42

Termo empregado por Ferraro (2009). 43

Foi desconsiderado o Censo de 1900.

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45

Censo de 1940, quase que quadruplicou, se comparado com o número registrado no Censo de

1872.

Enquanto os levantamentos censitários conceituavam o termo analfabeto a partir da

simples constatação de não se saber ler e escrever, o modo de produção social institucionaliza

o analfabetismo no Brasil gradativamente, ampliando tanto o significado quanto as

conotações e as manifestações do termo analfabeto. De um governo ou regime que falha na

realização do objetivo educacional básico – a alfabetização do povo – não se pode esperar

muito em termos de realização de outros objetivos educacionais e sociais (FERRARO, 2009,

p. 105).

Apoiada, tanto por positivistas quanto por liberais, as relações de produção e o modo

de produção44

do país temiam, inicialmente, a instrução do povo, depois apenas passaram a

requer um mínimo de instrução para todos os trabalhadores. Assim, garantiu-se, através da

educação, o analfabetismo no Brasil.

44

Modo de produção escravista e posterior modo de produção capitalista dependente.

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46

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para se traçar a trajetória da relação entre os preceitos educativos presentes nas

constituições brasileiras de 1824 a 1937, e a institucionalização do analfabetismo entre a

população brasileira, este trabalho precisou discorrer sobre um período longo (1500-1945).

Isso decorre da necessidade que se tornou preeminente, desde os primeiros levantamentos de

pesquisa, de um estudo do processo pelo qual se estruturou a sociedade brasileira,

considerando seus contextos econômicos, políticos e sociais, para se compreender o fenômeno

da institucionalização do analfabetismo entre a população brasileira.

Não foi por falta de uma legislação superior ou específica ou ainda, até mesmo por

falta de um ideário, que a educação popular brasileira não se constituiu com necessária.

No Período Colonial, a educação popular foi normatizada, principalmente, por duas

iniciativas legais: o Ratio Studiorum e as Reformas Pombalinas. Ambas as iniciativas

continham ações voltadas para os ensinos das primeiras letras, contudo o regime colonial e o

modo de produção social tornou desnecessária a educação popular.

O Estado-Nação do Período Imperial fez erigir um novo ordenamento jurídico. A

Carta Magna de 1824 foi tímida quanto à presença dos preceitos educativos. Mas, o período

foi propenso às discussões no campo educativo e ao surgimento de Leis e reformas. No

entanto, a sociedade patriarcal de base escravocrata, agrária e latifundiária impediu a

alfabetização da população.

Os ideais positivistas e, principalmente, os liberais do início do Período Republicano,

inspiraram as constituições de 1891 e 1934, Tais ideologias propiciaram o surgimento de

inúmeras reformas educativas. Contudo, a desobrigação do Poder Público para com a

educação popular e precariedade financeira dos estados acabou por anular as iniciativas

voltadas para as instruções primárias. Alie-se à descentralização da educação a consolidação

do domínio das oligarquias, que continuou presente mesmo depois da Revolução de 1930.

O autoritarismo do Estado Novo foi contrabalanceado pelo ideário pedagógico do

movimento da Escola Nova. Contudo, o modo de produção social construído a partir da

ascensão da burguesia industrial, impôs às reformas educacionais do período um caráter

profissionalizante que acentuou o descaso do poder central com a educação popular.

As constituições de 1824,1891, 1934 e 1937 foram forjadas dentro de um contexto de

anseios e de mudanças educativas. Cada uma destas Cartas representaram, em seu tempo,

mudanças, permanências e retrocessos na busca de um sistema único de ensino educacional

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que foi sendo sempre postergado, gerando continuamente um frequente descaso com a

instrução primária.

O estudo, feito a partir dos preceitos educativos presentes nas quatro primeiras

constituições brasileiras, nos levam à inferência de que as relações políticas e sociais,

influenciadas diretamente pelo contexto econômico, não eram pautadas nas normas e nos

valores constitucionais. As Reformas Educativas, anunciadas dentro desses contextos, em

muitos casos não se efetivaram ou foram estabelecidas para privilegiar o dualismo existente

entre as escolas destinadas à elite e aquelas voltadas à população menos favorecida.

Prevaleceu, sistematicamente, os privilégios dos grupos dominantes que fizeram valer seus

interesses.

É certo que as tentativas de implementação de um sistema único de ensino no Brasil

não lograram êxito. As leis, reformas e campanhas voltadas para a matéria educação, serviram

muito mais para dar arcabouço à estrutura de ensino do que para instituí-lo.

O resultado da falta de interesse do Poder Público com a educação popular gerou um

grande contingente de analfabetos, que foi subtraído do exercício da cidadania por não poder

alistar-se e votar. Este contingente de analfabetos foi se elevando, fruto do descaso para com a

instrução pública. Uma ação eficiente de combate ao analfabetismo deve ter por premissa a

ampliação das oportunidades de educação primária. Esta deveria ser a principal frente de ação

de combate ao analfabetismo, mas que foi negligenciada tanto pelo Poder Público quanto

pelos estados.

Para a grande maioria da população brasileira o analfabetismo constituiu-se pelo fato

de não saber ler e escrever. Mas, para os grupos dominantes o analfabetismo foi uma

ferramenta, habilmente usada, para garantir a permanência do seu statu quo. A

institucionalização do analfabetismo no Brasil se deu a partir da permanência continua de um

ideário elitista e excludente que emergiu no Período Colonial brasileiro e se constituiu nas

primeiras décadas da Primeira República, com a proeminência da oligarquia cafeeira. O

Analfabetismo se institucionalizou no Brasil porque não interessava para os grupos

dominantes a alfabetização da população menos favorecida tanto economicamente quanto

socialmente.

Conclui-se que o descaso com a educação popular sobrepujou os preceitos

educativos das constituições brasileiras e as reformas de ensino do período, contribuindo para

a institucionalização do analfabetismo.

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48

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Fernando. A transmissão da cultura: a cultura brasileira. São Paulo:

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