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INSTRUMENTOS DE GESTÃO AMBIENTAL: AS ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS EM QUESTÃO GISELA A. PIRES DO Rlo* ABSTRACT Instruments for environmental management: discussing firm strategies Based on a case study of the Com- panhia Vale do Rio Doce's (CVRD's) environmental management policies, the article discusses the issue of tirm-territory relations. Being a top- leveI national corporation, with strong ties with the international market, the CVRD is capable of both promoting and reversing managerial practices in the territories under its influence, thus making them dependent on its strategic policies. Introdução Qual a influência dos instrumentos de proteção ao meio ambiente so- bre a dinâmica da localização de unidades produtivas? É possível falar-se em dumping ecológico, o que tornaria alguns países mais atrativos que outros para a implantação de unidades produtivas poluentes? Quais as estratégias empregadas pelas grandes empresas para incorporar o meio ambiente como diferencial de competitividade no mercado internacional? Como as regras de um compromisso internacional entre empresas tornam-se balizadoras de uma gestão ambiental nas escalas local e regional? Essas questões merecem ser discutidas com cuidado. São questões provenientes de dois níveis distintos que, no entanto, têm sua fundamenta- ção na idéia de gestão ambiental como processo de negociação, isto é, a construção de um quadro de referência para o arbítrio de conflitos que se expressam segundo ordens de grandeza bastante diferenciadas. Na escala internacional, os problemas ambientais, tal como o efeito estufa colocam novos desafios no que diz respeito à gestão dos recursos • Professora do Departamento de Geografia da UFRJ.
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INSTRUMENTOS DEGESTÃO AMBIENTAL: AS ESTRATÉGIAS

EMPRESARIAIS EM QUESTÃO

GISELA A. PIRES DO Rlo*

ABSTRACT

Instruments for environmental management:discussing firm strategies

Based on a case study of the Com-panhia Vale do Rio Doce's (CVRD's)environmental management policies,the article discusses the issue oftirm-territory relations. Being a top-leveI national corporation, with strong

ties with the international market, theCVRD is capable of both promotingand reversing managerial practicesin the territories under its influence,thus making them dependent on itsstrategic policies.

Introdução

Qual a influência dos instrumentos de proteção ao meio ambiente so-bre a dinâmica da localização de unidades produtivas? É possível falar-se emdumping ecológico, o que tornaria alguns países mais atrativos que outrospara a implantação de unidades produtivas poluentes? Quais as estratégiasempregadas pelas grandes empresas para incorporar o meio ambiente comodiferencial de competitividade no mercado internacional? Como as regras deum compromisso internacional entre empresas tornam-se balizadoras de umagestão ambiental nas escalas local e regional?

Essas questões merecem ser discutidas com cuidado. São questõesprovenientes de dois níveis distintos que, no entanto, têm sua fundamenta-ção na idéia de gestão ambiental como processo de negociação, isto é, aconstrução de um quadro de referência para o arbítrio de conflitos que seexpressam segundo ordens de grandeza bastante diferenciadas.

Na escala internacional, os problemas ambientais, tal como o efeitoestufa colocam novos desafios no que diz respeito à gestão dos recursos

• Professora do Departamento de Geografia da UFRJ.

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naturais, à adequação dos instrumentos econômicos a serem adotados, e àimplementação da auto-regulamentação. Não obstante a atual tendência àinternalização de custos externos no que diz respeito aos rejeitos e emissõesindustriais, há poucas indicações de que se observe uma onda de transferên-cia de investimentos para países onde as legislações ambientais possam serconsideradas menos coercitivas. Este argumento apóia-se na constataçãode que o processo de transferência geográfica de plantas industriais não seexplica unicamente pelo problema de um diferencial de custos de produçãode uma empresa e pelas relações mercantis que se estabelecem entreclientes e fornecedores. As condições de base, a estrutura de uma deter-minada indústria, assim como o jogo de atores que asseguram determina-das localizações, especialmente a construção de vantagens competitivaspor parte do ator público, em seus diferentes níveis de intervenção, atuamcomo elementos importantes na escolha e na perenidade de determina-das localizações.

Na escala nacional, os grandes grupos empresariais privilegiam a ne-gociação direta com as partes interessadas. Nessa estratégia dois aspectosmerecem destaque. O primeiro, está relacionado ao voluntarismo da empre-sa como condição necessária, traduzindo sua disposição a investir segundosua capacidade técnica, em outras palavras, a empresa dispõe de alternati-vas tecnológicas passíveis de serem empregadas, desde que conformadasdentro de sua visão de meio ambiente. O segundo aspecto, intimamenteligado ao precedente, refere-se ao fato de que os grandes grupos prefe-rem comandar o processo de negociação ao anteverem uma situação deinstitucionalização social dos riscos ambientais. Nesse caso, o campo denegociação seria necessariamente ampliado, fugindo ao controle da esfe-ra industrial.

O presente artigo consiste em notas introdutórias para uma discus-são sobre a dimensão espacial sobre a qual se sustentam as estratégiasempresariais relativas ao meio ambiente. Para encaminhar tal discussãopropõe-se uma breve recapitulação do debate em torno do deslocamentogeográfico de unidades produtivas (primeira seção) com o intuito de es-clarecer as injunções que, na escala internacional, interferem nas estraté-gias de grandes corporações com forte grau de internacionalização (se-gunda seção). Essa discussão nos permite compreender a opção dasempresas pela ação normativa como princípio fundamental de gestãoambiental (terceira seção). As empresas estabelecem padrões de com-portamento referenciados na escala internacional, conformando sua "áreade influência", nas escalas regional e local, a esses mesmos padrões. Demaneira a ilustrar esse último aspecto, a quarta seção dedica-se à gestãoambiental empreendida pela Companhia Vale do Rio Doce. A análise des-se grupo é particularmente interessante, pois, como ator de primeira linhana atividade industrial, pode induzir ou reverter a instituição das práticasde gestão ambiental.

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Deslocamento geográfico das unidades produtivas:o princípio do equilíbrio

A questão ambiental reflete uma grande diversidade de situações noque diz respeito tanto aos níveis e tipos de impactos causados ao meio ambi-ente quanto no que se refere às medidas que visam reduzir tais impactos.Cabe lembrar que os impactos ambientais causados por uma determinadaatividade podem ser locais, regionais, nacionais ou internacionais e diferemainda quanto ao tempo de permanência (longo prazo e curto prazo). Isto pos-to, é importante ressaltar que as prioridades relativas ao meio ambiente dife-rem segundo cada país e segundo as relações natureza! sociedade que ca-racterizam a trajetória desses países ao longo da História.

De um ponto de vista retrospectivo, as políticas ambientais privilegia-ram, durante muito tempo, a escala local. As principais análises empíricassobre os deslocamentos de investimentos devido a problemas ambientaisdestacaram as transferências de certos ramos industriais como o siderúrgico,o químico e o de papel e celulose. Essas análise evidenciam. quase que demaneira exclusiva, as conseqüências, na escala nacional, da implementaçãode normas ambientais mais rígidas, para a localização de unidades deprodução (WATTS, 1984; STAFFORT, 1977; CHAPMAN, 1980). Nessestrabalhos, centrados na indústria norte-americana, a heterogeneidade denormas e regulamentações entre as diferentes regiões que compõem opaís explicariam o fechamento de determinadas plantas e a abertura, si-multânea de uma nova planta, em outra região. Esses deslocamentos são,portanto, operados na escala nacional. Para esses autores, deve-se con-siderar três pontos fundamentais: a capacidade de absorção pelos dife-rentes ecossistemas dos efeitos negativos gerados pela unidade de pro-dução, o sistema de regulamentação ambiental e a demanda social deproteção ao meio ambiente.

Dentro dos pressupostos do modelo neoclássico da economia do meioambiente, a transferência de plantas industriais, na escala internacional, temcomo hipótese subjacente uma perfeita mobilidade dos fatores de produçãoentre países. SIEBERT (1992) mostrou que a adoção de uma taxa sobre emis-sões de poluentes num determinado país pode engendrar a perda de suavantagem comparativa em relação aos demais que não adotaram o mesmotipo de instrumento. Esses últimos tornam-se, dessa forma, atrativos para asindústrias que se viram afetadas pela incidência dessa taxa. A consequênciaimediata seria o deslocamento de unidades produtivas em direção aos paísescom menores restrições ficais. Em contrapartida, nesses países seria obser-vado um aumento dos níveis de poluição, o que os incitaria a implementarmedidas coercitivas para controlar e reduzir as externai idades negativas pro-porcionadas pelo aumento da atividade industrial. Nesta "corrida pelo equilí-brio". o país que primeiro estabeleceu medidas restritivas de controle ambientalapresenta uma redução dos seus níveis de poluição, recuperando. assim.

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sua vantagem comparativa. Em outros termos, constata-se uma perfeita adap-tação dos sistemas de taxas aos custos marginais dos impactos ambientaisnegativos. O resultado seria, no longo prazo, um novo equilíbrio no momentoem que todos os países conseguissem equalizar o nível de restrições, istoé, o nível das taxas sobre poluentes que incidem sobre as atividades emquestão.

Esta abordagem apresenta limites importantes. A dinâmica do proces-so de transferência de unidades industriais é muito mais complexa. Além dis-so, o argumento de Siebert supõe implicitamente que as diferenças de regu-lamentação ambiental constituem o fator determinante da perenidade de de-terminadas localizações. Nesse sentido, STEVENS (1995) sintetiza muito bemo problema considerando o deslocamento geográfico de unidades produtivascomo um mito.

Cabe lembrar, ainda, que as estruturas administrativas dos Estadosassumiram a responsabilidade da elaboração de uma política de proteção aomeio ambiente. Na escala internacional, tal fato compreende uma transposi-ção da antiga idéia da defasagem, agora em termos de regulamentaçãoambiental, entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Essa hipótese éfundamentada em três pontos principais. Primeiro, os países em desenvolvi-mento teriam prioridade diferentes e, por conseguinte, apresentariam um qua-dro regulador em termos de meio ambiente mais "favorável" às indústriaspoluidoras. Segundo, os países em desenvolvimento apresentam, no curtoprazo, condições favoráveis para a produção de bens a partir de tecnologiasmenos performantes em função da capacidade de absorção dos seusecossistemas, menos saturados. Terceiro, as transferências de unidades pro-dutivas se inscrevem igualmente nas estratégias das firmas sob a forma deuma resposta defensiva às mudanças nas condições de competitividade(BARDE, 1992). Em favor desse processo de deslocamento geográfico, ospaíses que dispõem de recursos naturais podem ter sua competitividade rela-tiva melhorada ao preço de uma deterioração de uma situação local ou aopreço de um aumento de sua contribuição aos problemas globais, tal como oefeito estufa, por exemplo. Esse frade-oft entre competitividade e qualidadeambiental coloca a questão fundamental das disparidades entre países emtermos de normas ambientais.

Os instrumentos econômicos na escala internacional

Durante a década de 80, o debate sobre a adoção de instrumentoseconômicos privilegiou duas vertentes principais: os certificados de permis-sões de emissão negociáveis (P.E.N.) e as taxas sobre emissões de carbono.O primeiro instrumento visa atribuir a cada país uma quota de P.E.N. em fun-ção de diferentes critérios (população. consumo de energia ... ), permitindo,assim, sua troca, quer na forma monetária, quer na forma de projeto de de-

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senvolvimento. O segundo instrumento diz respeito à adoção de uma taxainternacional sobre as emissões de carbono. Neste caso, uma instituição in-ternacional seria encarregada de recolher e distribuir os fundos recolhidos,segundo critérios definidos previamente.

A adoção de uma taxa internacional apresenta, para alguns autores,certas vantagens em relação às PENs em razão de sua maior capacidade emapontar um sinal-preço para os diferentes atores econômicos. Essa opçãoleva em conta as observações de HOURCADE e BARON (1993) que consi-deram, teoricamente, três critérios que devem ser considerados para se jul-gar as vantagens ou desvantagens de um sistema de P.E.N.: a realização deobjetivos ambientais, a redução das externalidades ao menor custo e a con-tribuição à inovação tecnológica. Entretanto, esses mesmos autores chamama atenção das dificuldades quando se passa do domínio puramente teóricopara a implantação de um sistema de P.E.N .. Entre essas dificuldades deve-se ressaltar o problema da alocação inicial, presumidamente 2equitável, en-tre os diferentes países.

Um sistema de taxas apresenta a vantagem de permitir aos diferen-tes agentes o conhecimento antecipado dos custos que eles terão quearcar para evitar uma situação limite (GODARD, 1993a). Essa informaçãoprévia é essencial para as empresa pois ela condiciona as antecipaçõesque interferem na rentabilidade dos investimentos em pesquisa e desen-volvimento dos quais, em última análise, dependerão as possíveis dimi-nuições dos níveis de emissões poluentes. Enquanto instrumento que buscaa eficiência econômica, esse tipo de taxa viabilizaria, teoricamente, a per-manência de medidas incitativas ao desenvolvimento de tecnologias me-nos poluentes e poupadoras de energia.

Assim, em ambos os casos, pressupõe-se a negociação entre unida-des político administrativas bem delimitadas, cujos representantes dispõemde autonomia suficiente para designar a trajetória de uma formação sócio-espacial. O principio que rege tal negociação é, pois, o da representaçãolegitimada pelo voto.' Trata-se, portanto, de instrumentos cuja adoção consi-dera um espaço homogêneo com elevada capacidade adaptativa. Os limitesà implantação de um quadro regulador nessa escala são importantes. Oesforço de uma concertação internacional ou restrito aos limites de blocosregionais supranacionais (União Européia, por exemplo), está vinculado àimplantação de instrumentos capazes de assegurar o "equilíbrio" entreespaços concorrentes. Retornamos com esse debate às questões relacio-nadas com a especificação dos limites geográficos legitimadores do pro-cesso de tomada de decisão na escala internacional. Questões que per-manecem em aberto.

, Os tratados internacionais ratificados pelos respectivos congressos incluem-se nessecaso.

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A ação normativa como princípio de gestão

Diante da assimetria de interesses e das dificuldades de se operar umaagência que assuma o papel de regulador ambiental na escala internacional,as empresas buscam consolidar seu compromisso ambiental através de umsistema de gestão normativo. Para as companhias com elevado grau deinternacionalização, a implantação de um sistema de gestão atua como com-ponente regular de seus negócios. Por essa razão, esse sistema será prefe-rível face a um sistema de taxas, por exemplo. Além disso, um sistemanormativo estabelece as diretrizes de uma estratégia coletiva baseada noengajamento voluntário da empresa, motivo suficiente para que as grandescompanhias privilegiem essa abordagem.

O processo de gestão normativo tem como princípio fundamental esta-belecer, de forma sistemática, padrões de comportamento definidos em fun-ção de parâmetros técnicos passíveis de monitoramento. Na forma de gestãonormativa, os órgãos técnicos, públicos ou não, tentam estabelecer uma re-gulamentação sobre os níveis de emissão de determinadas atividades, o tra-tamento e disposição de efluentes líquidos e de resíduos sólidos. Deve-senotar que na grande maioria dos países esses órgãos são extremamenteespecializados, ou seja, possuem uma área de atuação restrita ao controle emonitoramento da qualidade do ar, da qualidade da água, etc. A articulaçãoentre esses órgãos não se efetua sem problemas e, na maioria dos casos éinexistente. No que diz respeito à forma institucional encontra-se uma diversi-dade de atores que não dispõem do mesmo poder institucional além de seestabelecerem vínculos institucionais hierárquicos que dificultam a tomadade decisão e a implementação de normas ou regulamentos.

Levando-se em conta a melhor tecnologia disponível para reduzir osníveis de poluição de uma determinada atividade, a ação normativa permitealguns questionamentos no que diz respeito ao significado das normas técni-cas quando passam a integrar uma estratégia de antecipação da regulamen-tação pública. A esse respeito FORAY (1996) considera que o estabeleci-mento de determinados padrões apresenta dois significados econômicos: comouniformização e, por conseguinte, redução da diversidade e como suporte deum sistema de transferência de informação. Este último ponto pode ser ilus-trado através do exemplo da participação da CVRD como empresa cotista doGrupo de Apoio a Normatização Ambiental (GANA), cuja principal atribuiçãoé participar das negociações em torno da série de normas que definem umsistema de gestão ambiental. Como veremos posteriormente, o exemplo daCVRD é particularmente ilustrativo da imposição desse sistema normativo ecomo catalisador de interesses compartilhados pelos atores industriais.

A International Organization for Standardization (ISO) é uma instituiçãode cunho privado que congrega diferentes organismos de normatização devários países. Como tal, esta organização tem por objetivo o estabelecimentode orientações, especificações e critérios norteadores para procedimentos

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que cobrem desde a elaboração de documentos internacionais até os víncu-los contratuais entre empresas. É no interior dessa organização que se nego-cia atualmente a implementação de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA),denominado ISO 14.000. A definição dessa série de normas é abrangente:refere-se a um conjunto de normas internacionais que pretende uniformizarum sistema de gestão ambiental passível de ser empregado por qualquerempresa. Privilegiando aspectos "estritamente" técnicos, esta série adota umaperspectiva do ponto de vista do processo de produção e do produto. A con-cepção do sistema normativo para a gestão, auditoria e certificados ambientais,vincula diretamente a "performance" da empresa à implementação de um sis-tema de gestão do meio ambiente.

O caráter particular da ISO 14.000 encontra-se justamente no fato detrazer para o campo de interesses "internos" da empresa, ou para o campopara onde convergem os interesses de atores pertencentes aos mesmo ramode atividade (ou de atividades conexas), as atribuições de responsabilidadesobre o controle da "variável ambientai". É interessante notar que as negoci-ações para o estabelecimento de normas técnicas, aceitas internacionalmen-te, começam a ser intensificadas no momento em que há maior incidência deregulamentações sobre questões como o efeito estufa ou as chuvas ácidas.Os mecanismos de comando e controle e normas definidos pelo ator públicosão, do ponto de vista das empresas, regulamentações "externas", pois re-sultam de interesses externos ao mercado. Na realidade, o estabelecimentode um processo de gestão ambiental que incida sobre todo o processo produ-tivo corresponde a um anteparo às possíveis normas de desempenho,estabelecidas de maneira exógena ao mercado. As normas de desempenho,assim definidas, constituem, para as empresas, a percepção de que umatecnologia de referência pode mudar ou aprofundar a vantagem de certosgrupos industriais ou países."

Cabe ressaltar, ainda, que a série ISO 14.000 não constitui umanormatização de caráter obrigatório. Até o momento. as negociações para aimplantação do SGA não estabelece nem medidas específicas nem as basesde um requerimento mínimo para um processo de gestão. Nesse sentido,O'RIORDAN (1995) salienta que esses aspectos tornam a ISO 14.000 maisfraca que as EMAS (Eco-Auditing and Management Scheme), na medida emque estas últimas, estabelecidas de modo voluntário, tornaram-se mandatárias.

Como negociação estritamente de domínio privado a ISO não engajaum projeto de desenvolvimento sustentável. Ao contrário das convenções in-ternacionais assinadas pelos representantes oficiais dos países signatários e

2 A esse respeito ver FAUCHEUX e NOEL (1990). Os autores analisam o processode negociação internacional sobre a regulamentação da fabricação declorofluorcarbonetos. mostrando como esse processo foi fortemente condicionadopelo desenvolvimento de tecnologias para a substituição desses elementos.

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confirmadas pelos respectivos congressos nacionais, a ISO não envolve umengajamento das diferentes formações sócio-espaciais, pelo menos até omomento. Parece útil relembrar este aspecto, pois não há correspondênciaentre as implicações de uma convenção internacional ratificada pelo poderlegislativo de um Estado e uma negociação de caráter normativo circunscritaà esfera industrial.

As diretrizes para a implantação do SGA, os objetivos de qualidadeambiental e os critérios para avaliação da qualidade e eficácia das relaçõesempresa-ambiente formulados pela ISO 14.000 parecem apontar para o cri-tério de adoção da melhor tecnologia disponível, quando esta for economica-mente viável. A utilização desse critério sugere que, ao tentar romper com osas imposições de natureza "externa'" à esfera industrial, o sistema normativo,mesmo aquele que possui apenas o sentido de orientação, pode fazer valer,atrás de um critério técnico, possíveis vantagens tecnológicas de determina-dos grupos.4 Nesse sentido, a capacitação tecnológica e o montante dos in-vestimentos em meio ambiente ficam restritos a critérios normativos. Desseponto de vista, os limites da perspectiva normativa residem na impossibilida-de de passar divergências de preferências sob a ótica do mercado privado(RIO, 1996). O problema consiste, pois, na possibilidade desse sistemanormativo vir a legitimar determinadas opções tecnológicas que levaria a umenrigecimento do campo de negociações com os demais atores (GODARD,1993b).

A rigor, a negociação entre empresas para o estabelecimento de crité-rios normativos quer para as especificações de produtos, quer para os pro-cessos industriais, não necessita apoiar-se em estratégias de desenvolvi-mento de longo prazo, tal como exige a noção de desenvolvimento sustentá-vel. Este tipo de estratégia se aproxima do comportamento reativo descritopor BAU MOl (1979) que privilegia o processo de tomada de decisão comoarbítrio entre o atendimento à regulamentação legal e às exigências de mer-cado. A discussão sobre a natureza da série ISO 14.000 colocou em evidên-cia o meio ambiente como elemento estratégico para as diversas empresas.Nas escalas nacional e regional, a adoção de um sistema de gestão normativoimplica que o meio ambiente esteja integrado à estrutura organizacional daempresa. A opção normativa está, portanto, associada a idéia de gestão coo-perativa; a estratégia a ser adotada deve contemplar "unidades regionais fe-

3 Considera-se imposições de natureza externa à esfera industrial os instrumentosque regulamentam determinadas atividades. No que diz respeito às políticasambientais, a fixação de taxas sobre o consumo de energia ou sobre as emissões degás carbônico é considerada uma imposição externa ao mercado.4 Esse argumento foi muito utilizado quando da negociação do Protocolo de Montre-al. Diferentemente do processo de implantação da ISO 14.000, as negociações doProtocolo de Montreal se processaram entre delegações diplomáticas dos Estadossignatários

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chadas" (sua área de influência direta) permitindo à empresa coordenar osinteresses das partes interessadas. Evidentemente, o que as empresas en-tendem por gestão cooperativa significa que o meio ambiente possa se cons-tituir em um interesse coletivo. LAFAYE e THEVENOT (1993) apontam oslimites dessa abordagem salientando o fato de que o meio ambiente aindanão se constitui em um interesse coletivo considerado legítimo por todos.

A gestão ambiental empreendida pela CVRD

A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) deve ser entendida, hoje, comoum grupo empresarial que congrega 17 empresas controladas e 26 coliga-das, além de seis escritórios comerciais no exterior. As empresas controla-das e coligadas atuam em setores como a mineração e metalurgia de ferrosose não ferrosos (minério de ferro, pelotas, bauxita, alumina e alumínio, aços eligas), produtos florestais (madeira, papel e celulose), transportes e opera-ções portuárias (ferroviário, marítimo e terminais marítimos), pesquisa mine-ral e minerais não ferrosos (ouro, potássio, manganês fertilizantes). A estrutu-ra atual é fruto de uma evolução histórica que, em vários momentos, se con-funde com decisões macroeconômicas tomadas na esfera pública e que trans-cendem o âmbito da Companhia."

A formação desse grupo resultou de um longo processo que se iniciou,em 1911, com a concessão, pelo governo brasileiro, das minas de ferro deItabira à empresa Itabira Iron Ore Co, embrião do que seria a CVRD. Trintaanos mais tarde, a publicação do decreto-lei de 1 de junho de 1942 cria aCVRD como sociedade anônima de economia mista, destinada à exploração,comércio, transporte e exportação de minério de ferro de Ilabira e exploraçãodo tráfego da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM).6 A EFVM, iniciada em1903, antecede, portanto, à constituição da Itabira Iron Ore. Esse detalhe érelevante, pois, a ferrovia teve seu traçado modificado em função da desco-berta das reservas de minério de ferro de ltabira (PIMENTA, 1981). Assim,desde o início da constituição da CVRD, a ferrovia esteve no "coração" daCompanhia. Essa associação foi de fundamental importância para as estraté-gias ulteriores de crescimento e do grupo.

Essas estratégias de crescimento privilegiaram, num primeiro momen-to, a integração vertical das atividades a jusante da mineração de ferro e,

5 A CVRD, assim como a Petrobrás, foi criada dentro de uma filosofia nacionalista.Deve-se alentar para o falo de que o governo Vargas trouxe para a esfera federal aexperiência gaúcha com a criação da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE),iniciando, desse modo, o controle de setores estratégicos pelo Estado.6 Para uma história factual da CVRD ver PIMENTA (1981) A Vale do Rio Doce e suahistória, ou ainda CVRD (1992), A mineração no Brasil e a Companhia Vale do RioDoce.

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posteriormente, a diversificação horizontal em setores como, por exemplo, oalumínio, a exploração de manganês e ouro. A principal modalidade dessesinvestimentos consistiu na formação de loint-ventures. Nesse sentido,ABRANCHES e DAIN (1980) indicaram que a estratégia de diversificação,intensificada na década de 70, através da associação com o capital japonês,possibilitou a conquista desse mercado não só para o minério de ferro masigualmente viabilizou a própria estratégia. A continuidade dessas estratégiasé atualmente assegurada pela ampliação das associações com capitais inter-nacionais, como o capital coreano, por exemplo na constituição da KOBRASCO(usina de pelotização localizada no próxima ao Porto de Tubarão).

A efetivação dessas estratégias expressam a trajetória espacial efetu-ada pela CVRD ao longo dos seus 55 anos de operação. Para os objetivosdesse artigo, podemos simplificar a estrutura espacial da CVRD em dois gran-des sistemas: sul e norte. O sistema sul é composto pelas unidades localiza-das no eixo Itabira-Vitória incluindo-se aí as unidades de papel e celulose daempresa coligada Bahia Sul, localizada no município de Mucuri (Bahia), pelaEstrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) e os Terminais Portuários do EspíritoSanto (Tubarão, Praia Mole e Paul). O sistema norte compreende as minasde Carajás, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e o Terminal Marítimo de Pontada Madeira (em São Luis-MA). além da empresa coligada MRN. Esses doissistemas traduzem o essencial da trajetória espacial da empresa e sua políti-ca de diversificação de atividades.

Nessas duas áreas, o vale do Rio Doce (Minas Gerais e Espírito Santo)e a Amazônia Oriental (Pará e Maranhão), a base de suas atividades encon-tra-se no sistema mina-ferrovia-porto. Deve-se notar que todos os demaisramos de atividades desenvolvidos utilizam-se do sistema de transporteimplementado pela empresa. As opções de localização de algumas das ativi-dades estão, no entanto, sujeitas às restrições de localização impostas peladisponibilidade de recursos naturais. Nesse caso, encontram-se as empre-sas de mineração, tais como Mineração Rio do Norte (Oriximiná-PA), Minera-ção Vera Cruz (Paragominas-PA), para citar apenas dois exemplos. Essacaracterística não deve, todavia, ser tomada como um determinante absolutopara a estratégia espacial da CVRD. As demais empresas que compõem ogrupo foram localizadas segundo sua estratégia de diversificação horizontale integração vertical, e sobretudo como parte de seu projeto de empresa ope-radora de um sistema de Ioqistica.? Assim, a estratégia de diversificação foiconcentrada na exploração do patrimônio mineral (que envolve, além da ex-ploração de ferro, na exploração das minas de cobre e caulím), do patrimônio

7 A Companhia vem expandindo sua infra-estrutura de transporte ferroviário e marí-timo, seu know-how comercial como elementos estratégicos para a ampliação deseus negócios. A esse respeito, COELHO (1996) observa os interesses da CVRD noPólo Agro-industrial de Conceição do Araguaia e na hidrovia Araguaia-Tocantins.

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florestal, através da produção de papel e celulose, na ampliação dos investi-mentos na malha ferroviária, participando ativamente do processo deprivatização da RFFSA, na construção de terminais intermodais e na moder-nização dos terminais portuários.

Um último aspecto deve ser considerado no que diz respeito à con-solidação da CVRD como grupo diversificado. Grande parte de sua estru-tura organizacional apeia-se na exploração e comercialização decommodities: minério de ferro, alumínio, celulose. Ora, as commodities sedefinem basicamente por serem produtos homogêneos, geralmente inten-sivos em recursos naturais e energéticos, com preços determinados embolsas internacionais e cujas possibilidades de aquisição de competitivi-dade," associados às inovações tecnológicas, são cada vez mais difíceis(FERRAZ et aI., 1995). Levando-se em conta essa limitação competitiva,a Companhia passa a desenvolver, a partir de 1992, um programa de ges-tão ambiental. Esse programa marca claramente a captura do meio ambi-ente como vetor estratégico que contempla duas vertentes principais: aincorporação do meio ambiente como diferencial de competitividade nomercado internacional e a antecipação de um possível recrudescimentodas regulamentações ambientais.

A primeira vertente considera que a manutenção e/ou ampliação departes do mercado está fortemente influenciada pela incorporação de práti-cas de gestão da qualidade e do meio ambiente. Por essa razão, gestãoambiental apresenta-se, para o grupo CVRD, como inovação no processo detomada de decisão que articula, num encadeamento lógico, competilividadeinternacional- aumento da rentabilidade- proteção do meio ambiente- desen-volvimento sustentável." A gestão ambiental está, desse ponto de vista, emestreita ligação com a busca de uma "vantagem competitiva verde". Dado oseu elevado grau de internacionalização, essa vantagem passa, necessaria-mente, pela incorporação de padrões normativos internacionais como formade assegurar sua competilividade nessa escala.

A ênfase atribuída à gestão ambiental, no âmbito do processo dereestruturação produtiva, encontra seu alicerce estratégico na necessidadeque as empresas têm de antecipar modificações nas regulamentaçõesambientais. Assim, sob esse rótulo agrupa-se um conjunto de práticas bas-tante variadas. Cabe lembrar que as políticas ambientais das empresas to-

e Competitividade é definida por FERRAZ et aI. (1995: 3) como "a capacidade daempresa formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhe permitam am-pliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado". Porextensão, a vantagem competitiva verde reflete a estratégia de conquista de umdiferencial de competitividade relacionado ao desempenho ambiental de uma em-presa.S A evocação da noção de desenvolvimento sustentável como parte de sua gestãoambiental indica a importância do "ecologismo estratégico" no discurso empresarial.

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ram, grosso modo, elaboradas como resposta a um obstáculo burocráticoexigido pelo órgão regulador. A semelhança do que ocorreu com o dispositivolegal tornando obrigatória a elaboração dos ElAs/RIMAs, na década de 80, aoimplementar essa estratégia, a empresa responde às regulamentações fixa-das em lei. Em outros termos, o comportamento empresarial que privilegia,conforme foi salientado anteriormente, a tomada de decisão como o arbítrioentre o atendimento à regulamentação e às exigências de mercado. É nessecontexto que a gestão ambiental se caracteriza como inovação na tomada dedecisão, pois pretende ser um engajamento voluntário cujos procedimentossão orientados por sua própria política ambiental.

A antecipação do timing das regulamentações ambientais através dasistematização de práticas de organização e administração do meio ambien-te constitui a segunda vertente. Trata-se, principalmente, de medidas de cu-nho normativo. Há nisso duas razões importantes. A primeira, retere-se àreconstrução da própria história da empresa como uma série de etapas pre-paratórias que estimularam a atual concepção de gestão ambiental. Desde adécada de 80 a CVRD vem indicando sua maneira de abordar os problemasambientais e de assumir suas responsabilidades face aos impactos provoca-dos pelo desenvolvimento de suas atividades. As etapas preparatórias apon-tadas pela Companhia dizem respeito à criação, em 1981, do Grupo de Estu-dos e Assessoramento sobre Meio Ambiente (GEAMAM) e a posterior insti-tuição das Comissões Internas de Meio Ambiente. O GEAMAM teve por obje-tivo "propor medidas para a conservação e o uso racional dos recursos emáreas sobre jurisdição da CVRD ou de sua propriedade (CVRD, 1986). Porrecomendação do GEAMAM, a Companhia institui as Comissões Internas deMeio Ambiente (CIMAs), responsáveis pela identificação de pontos críticos,pelo estabelecimento de normas, pela realização estimativas sobre os recur-sos físicos e financeiros e pela adoção de medidas administrativas relativas àproteção do meio ambiente. Essa concepção positiva tem como efeito imedi-ato a afirmação da conduta responsável predeterminada pelas ações empre-endidas no âmbito exclusivo da empresa, isto equivale a mostrar-se respon-sável sem portanto reconhecer a necessidade de discutir com terceiros alegitimidade de suas ações.

A segunda razão implica na adoção de um modelo experimental queintegre o meio ambiente nos diferentes níveis da administração, afirme seucomprometimento com a proteção ambiental através de sua própria política.Esta deve estabelecer os objetivos a serem atingidos e legitimar as açõesque decorrem de sua implementação. O processo de gestão normativo pres-supõe uma adequação entre as medidas preconizadas e as áreas sob suajurisdição. Em suma, a política de proteção do meio ambiente serve de refe-rência para a gestão ambiental. Como consequência, as ações consideraslegítimas se desdobram em função de sua estrutura espacial: o sistema sulnecessita prioritariamente de medidas de corretivas, enquanto o sistema nor-te exige medidas de prevenção.

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Assim, o programa de gestão da qualidade e do meio ambiente deveassegurar, por um lado a competitividade da empresa e, por outro, indicar seucomprometimento voluntário com a qualidade ambiental. Para tanto, a Com-panhia define uma política ambiental cujas diretrizes básicas são: a preven-ção de poluição, a conformidade legal, a adoção de tecnologias limpas, otreinamento e a capacitação técnica e a manutenção da qualidade dos pro-cessos, produtos e serviços. No que pese o grau de generalidade dessa polí-tica, o comprometimento ambiental da empresa pode ser indicado pelo volu-me de investimentos destinados ao meio ambiente. Em um período de cincoanos (1990-1995), esses investimentos passaram de 5,2% para 8.7% do totalde investimentos realizados pela CVRD. Nessa categoria compreende-seaqueles alocados na recuperação de áreas degradadas. na proteção de áre-as de reservas florestais. na manutenção de centros de pesquisa florestalcom bancos genéticos, na utilização de tecnologias consideradas limpas, notratamento de resíduos e efluentes resultantes do processo de exploração eno tratamento e transformação das matérias-primas. A consonância entre asdiretrizes e a alocação dos investimentos supra citados caracterizam a ges-tão ambiental praticada pela Companhia.

A avaliação da gestão ambiental empreendida pela CVRD revela as-pectos bastante interessantes no que diz respeito à sua atuação como ele-mento catalisador de um certo tipo de "compromisso ambiental" com fortesimplicações na gestão do território. A empresa tenta impor sua racionalidadeno território, através de um mecanismo que começamos apenas a identificar.Tal como outras empresas, ao trazer para dentro da CVRD a sistematizaçãode procedimentos específicos relacionados ao meio ambiente, a Companhiaestabelece o limites espaciais sobre os quais está propenso a assumir suaresponsabilidade (PIRES DO RIO e GALVÃO, 1996). Tal fato tem implicaçõesnão só para as áreas que são de sua propriedade mas também para as áreasque estão sob sua jurisdição. Nesse último caso encontram-se, por exemplo,algumas unidades de conservação criadas pelo IBAMA como a Reserva Bio-lógica de Tapirapé, a Floresta Nacional do Aquiri/Tapirapé e a Área de Prote-ção Ambiental do Gelado, município de Marabá.'?

Essa problemática sugere uma tensão latente entre, por um lado, umagestão normativa e antecipativa que impõe-se segundo uma certa visão demeio ambiente e, por outro, uma gestão que privilegie a coordenação da di-versidade e, consequentemente, diferentes concepções e divergências deinteresses. Essa última tem especial relevância na medida que a gestãonormativa empreendida por uma companhia do porte da CVRD tem um papel

10 BECKER (1997) chama a atenção para a participação de ONGs como atores depeso associados ao vetor ecológico, principalmente na Amazônia. No entanto, umacompanhia do porte da CVRD tem expressiva atuação tanto na demarcação comono controle de unidades de conservação com diferentes finalidades.

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de liderança estruturante. Por essa razão, consegue impor as reterênciasnormativas construfdas com base em sua posição de domínio tecnológico,financeiro e estratégias de crescimento. Esse tipo de visão é estreitamentevinculada aos macro-objetivos de busca de competitividade e de rentabilida-de. O projeto desenvolvido, por exemplo, na reserva florestal de Unhares, noEspfrito Santo, constitui uma ilustração exemplar desse aspecto. A CVRDregistrou um lucro de US$ 1,2 milhão com a exploração florestal de 22 milhectares de Mata Atlântica, evidenciando a necessidade de criar oportunida-des de negócio associadas à preservação ambiental (CVRD, 1996).

Considerações finais

Ao longo deste trabalho foi destacada a importância de centrar o estu-do da gestão ambiental sob o duplo foco analítico dos instrumentos econômi-cos e das ações normativas empreendidas pelas grandes corporações. Asdiferentes combinações resultantes desse binômio conduzem a uma signifi-cativa diversidade de situações que fazem da análise das estratégias empre-sariais relacionadas com a gestão ambiental um objeto de pesquisa em si.Nesse sentido, esse argumento foi aqui ilustrado com a análise das ações daCVRD, destacando a importância das sua estrutura espacial para a definiçãode seus objetivos de gestão ambiental.

O exame dos principais instrumentos econômicos para a regulamenta-ção dos impactos ambientais, na escala internacional, deixa claro as dificul-dades de harmonização e negociação que permitam sua efetiva implementa-ção. Esse vazio institucional vem sendo, de certo modo, ocupado pelas em-presas que tomam a dianteira de ações normativas, fortalecendo suas posi-ções como atores incontornáveis no processo de gestão ambiental nas esca-las local e regional. Nesta perspectiva, as grandes corporações identificaramoportunidades concretas de novos negócio, diversificando atividades via ado-ção de "compromissos ou projetos ambientais" que possam ser selecionadosem função de sua rentabilidade econômico-financeira. Esse tipo de compor-tamento pode se traduzir, a termo, em um foco de conflitos potenciais entreessas empresas e outros atores públicos e/ou privados.

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