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GOMES, Angela de Castro. Os intelectuais cariocas, o modernismo e o nacionalismo.pdf

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    Os intelectuais cariocas, o modernismo e o nacionalismo: O caso

    de Festa1

    Gomes, Angela Maria de Castro.

    Luso-Brazilian Review, Volume 41, Number 1, 2004, pp. 80-106 (Article)

    Published by University of Wisconsin Press

    DOI: 10.1353/lbr.2004.0010

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    http://muse.jhu.edu/journals/lbr/summary/v041/41.1gomes.html

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    Os intelectuais cariocas, o

    modernismo e o nacionalismo:

    O caso de Festa1

    Angela de Castro Gomes

    This article examines the activities of Brazilian intellectuals in the first decadesof the twentieth century, in which their importance for the proposal andimplementation of the projects ofmodern Brazil stands out. The articlespurpose is to try to understand the space and climate in which those intellectualsmoved during a period that witnessed great transformations in the country. Itfurther attempts to capture the socio-political and cultural ambience of Rio deJaneiro in order to then map out a dynamic for the articulation of groups ofintellectuals, paying special attention to the case of the journalFesta.Theapproach here emphasizes the examination of newspapers and correspondence,among other types of association, conceiving of them as sites of sociability,where intellectuals organized themselves in order to construct and distributetheir proposals.

    O que so as vaidades meu Deus!Essa gente do Rio nunca perdoar SP ter tocadoo sino. No falo de voc. Voc j no do Rio.Voc como eu: do Brasil.

    Mrio de Andrade a Manuel Bandeira, 18/4/1924

    Este texto se insere em um conjunto mais amplo e diversificado de estudos,voltados para o acompanhamento da atuao dos intelectuais brasileiros nasprimeiras dcadas do sculo XX, onde se destaca sua relevncia na proposi-o e implementao de projetos de Brasil moderno. O tema de fundo em to-dos elesa questo dos marcos culturais da identidade nacionalvem

    80 Luso-Brazilian Review41:1ISSN 0024-7413, 2004 by the Board of Regentsof the University of Wisconsin System

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    sendo tratada tanto no mbito da histria e das cincias sociais, quanto no dacrtica literria e da medicina social.

    Neste caso, procurou-se privilegiar os intelectuais cariocas, entendidoscomo os que viviam e teciam suas redes de sociabilidade na cidade do Rio de

    Janeiro e no apenas como os que nasceram na cidade. Nosso objetivo pro-curar conhecer o espao e o clima em que se moviam esses intelectuais cario-cas, durante um perodo de grandes transformaes para o pas. A contribui-o que se busca trazer encontra-se basicamente na abordagem escolhidapara anlise. Ela procura captar a ambincia scio-poltico-cultural da ci-dade, para ento mapear a dinmica de articulao de seus vrios grupos deintelectuais, reunidos em lugares de sociabilidade, onde ocorria um debate deidias, aqui entendidas como indissociveis de formas de interveno na so-ciedade. Ou seja, a reflexo est situada na interseo da histria poltica e

    cultural, que sempre social, assumindo uma vertente terico-metodolgicaque, na Frana, vem recebendo a designao de histria de intelectuais.2

    Essa abordagem seria segura e profcua para o historiador, por permitiruma aproximao das obras dos intelectuais, atravs do privilegiamento dascondies sociais em que foram produzidas, enquanto integrantes de umcerto campo poltico-cultural. Sendo mais precisa, no se trata propriamentede uma contextualizao histrica, muito frequente e proveitosa, mas do re-conhecimento da existncia de um campo intelectual com vinculaes am-plas, mas com uma autonomia relativa que precisa ser reconhecida. Isto po-deria ser alcanado com uma investigao que acompanhasse as trajetriasde indivduos e grupos; que caracterizasse seus esforos de reunio e de de-marcao de identidades; e que associasse determinados momentos e eventoss caractersticas-projetos de sua produo intelectual.

    Por essa razo, a opo pela abordagem acaba por enfatizarcomo objetoe fonteo trabalho com peridicos, correspondncias, casas editoras, cafs,livrarias e associaes culturais, enfim, com diversificados lugares de sociabi-lidade, onde os intelectuais se organizariam, mais ou menos formalmente,para construir e divulgar suas propostas. De maneira mais operacional, o quese procura mapear as idias, os valores e os comportamentos que aliceram

    a formao de grupos intelectuais, objetivando compreender melhor as ge-nealogias que ento so inventadas, os formatos organizacionais que so elei-tos e as caractersticas estticas e polticas dos projetos formulados.

    Como nesse estudo se escolheu trabalhar com os intelectuais cariocas aolongo das primeiras dcadas do sculo XX, o ponto de partida necessrio foia problematizao dos conceitos de modernidade e modernismo e dos experi-mentos a eles vinculados.3 Tais experimentos eram geralmente marcados

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    pela recusa ao j estabelecido em termos artsticos, bem como pela aceitaode novas prticas comunicativas e pelo uso de tecnologias, o que impactavatanto as formas quanto os contedos do que se desejava transmitir a umpblico urbano crescente e diversificado. Nesse sentido, a modernidade cul-

    tural brasileira est sendo pensada de forma processual e em ntima conexocom os espaos urbanos e regionais que demarcavam as trajetrias indivi-duais e coletivas dos intelectuais do pas.

    O modernismo, por sua vez, est sendo entendido como um amplo movi-mento de idias renovadoras que estabeleceu conexes entre a arte e a pol-tica, sendo caracterizado por uma grande heterogeneidade. Assim, no se de-seja concentr-lo em seu marco simblicoa Semana de Arte Moderna de1922, ocorrida em So Paulonem trat-lo de forma unvoca e bem delimi-tada. Do ponto de vista deste estudo, o modernismo pode ser visto como um

    movimento de idias que circula pelos principais ncleos urbanos do pas,antes mesmo dos anos 1920, assumindo caractersticas cada vez mais diferen-ciadas com o passar da dcada de 1930. Mas, como nos adverte Jacques Ju-liard, as idias no circulam elas mesmas pelas ruas; elas esto sendo porta-das por homens que fazem parte de grupos sociais organizados.

    O intelectual e, no caso, o intelectual-artista, que experimentava uma es-pecializao e profissionalizao acentuadas, precisaria ser encarado comoum doublde terico da cultura e de produtor de arte, inaugurando novasformas de expresso e refletindo sobre as funes e desdobramentos sociaisque tais formas guardariam. O esforo de inovao e a conscincia explici-tada desse esforo eram, inclusive, muito grandes nesses incios do sculoXX, no Brasil. Suas relaes com o aparecimento de um pblico mais amploe de novos meios de comunicao, como o rdio e o cinema, evidente. Daa importncia de criaes que estreitassem esses vnculos, quer atravs douso de outras linguagens (como a caricatura e a propaganda), quer atravsdo ensino da arte, que no deveria ser monoplio de escolas, academias oujris de sales. Esse novo pblico abria perspectivas para uma gradual liber-tao de estilos e prticas, como a do mecenato, apontando para a criao deum mercado maior e mais aberto, com as presenas de editores e marchands,

    bem como para uma dinmica entre mecenato e mercado de arte, at entono experimentada.

    Diante de tantas transformaes, no casual a existncia de polmicasque ora aproximassem ora distanciassem os intelectuais, situando-os em gru-posque se reorganizavam continuamente com o passardos anos e dos eventosestticos e polticos. Unindo ou opondo lideranas e/ou instituies, tais dis-putas esto longe de ser indicadores de meras vaidades individuais ou de ba-nais competies regionais. Elas exprimem, em sua durao e sofisticao, aintensidade e a dificuldade dasquestes entoenfrentadaspelo pas, em busca

    de uma identidade e modernidade nacionais, sentidas como necessrias e

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    iminentes nos incios do sculo XX. Seria impossvel, nesses parmetros,imaginar um afastamento da intelectualidade carioca de tais debates, quebuscavam delimitar quais os caminhos possveis e desejveis para tal moder-nidade nacional.

    O Rio encontrava-se no centro dessa polmica, no s por ser a capital fe-deral e o polo de atrao de toda a intelectualidade do pas, quanto por en-carnar os estigmas do passado e atraso a serem por todos vencidos. Comocapital, a cidade cumpria a misso de representar e civilizar o pas, o que semdvida deve ser considerado um fator que impunha sua intelectualidadeuma participao ativa em todas as polmicas culturais que alcanassem re-percusso nacional. Essa espcie de constrangimento que o campo polticomais amplo trazia aopequeno mundo intelectual carioca, foi aqui entendidacomo uma vantagem. Ou seja, como um estmulo conformao de projetos

    culturais que teriam interlocuo ampla e seriam numerosos, variados ecompetitivos entre si. Era essa condio que inegavelmente facilitava e po-tencializava as possibilidades de comunicao da cidade e de nacionalizaode seus estilos e valores.

    fundamental portanto destacar que, em particular nos anos 1920, ocampo artstico-cultural , tanto quanto o campo poltico formal (o dos par-tidos e outras instituies polticas), um terreno privilegiado para a constru-o de projetos de interveno social, sendo os intelectuais vistos e se repre-sentando como atores pioneiros e privilegiados na conduo do futuro dopas.4 Esse lugar to especial atribudo cultura e ao intelectual est vincu-lado crena, muito compartilhada na poca, na fora transformadora daeducao. Assim, se os projetos eram muitos e muito diversificados, todosconcordavam quanto ao potencial das atividades pedaggicas, fossem elasimplementadas por mdicos, engenheiros, professores, literatos, artistasplsticos etc.

    Dessa forma, ao se trabalhar numa perspectiva histrico-sociolgica comesses grupos de intelectuais, seria possvel investir em uma dupla direo. Aomesmo tempo em que o contexto social da cidade do Rio de Janeiro ilumina-ria o tipo de organizao de seus intelectuaisquem eram; como se agrupa-

    vam; quando, onde e para queiluminaria tambm as caractersticas est-tico-polticas de sua produo, situando-os em um debate mais amplo, cujoncleoera a proposio deuma novae moderna identidadenacional. A opoterica foi tratar a noo de contextourbano num registrohistricoque, almde considerar as condies sociais de produo cultural e seus vnculos com ocampo poltico mais abrangente, enfatizaria, como dimenso privilegiada deanlise, as relaes que se desenvolveriam no interior do prpriopequenomundo intelectual. Por assumir tal perspectiva, foi essencial procurar mapeare historicizar a existncia de tradies intelectuais na cidade do Rio de Janeiro,

    tanto a nvel organizacional, quanto ao de valores estticos e polticos. Seriam

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    essa tradies que ofereceriam uma melhor compreenso das formas de arti-culao da intelectualidade em suas convergncias e disputas, bem como desuas filiaes atravs do tempo com projetos culturais anteriores. Sob taltica, as caractersticas que singularizariam as idias modernistas no Rio pre-

    cisariam ser analisadas luz das referncias construdas pela prpria rede deintelectuais cariocas.

    Sales, boemia, academias e catolicidade seriam eixos poderosos para acompreenso e articulao dopequeno mundo intelectualcarioca no perodoestudado. Embora primeira vista possam parecer excludentes e apenas con-flitantes, no o eram, havendo tenses mas tambm complementariedadesentre eles. Portanto, no bojo dessas tradies intelectuais que as idias demodernidade e os projetos de modernismo se instalam e circulam pelo Rio,postulados, debatidos e reinventados por grupos organizados a partir de vi-

    vncias e propostas muito diversificadas. Uma dessas tradies, que vale res-saltar, a simbolista.

    1. Modernidade e simbolismo no Rio

    Gasto o naturalismo, afastadas da literatura ou mortas as suas principaisfiguras, s um homem, nos fins do sculo passado, estaria em condies dereunir em torno de si os jovens: Machado de Assis, cuja glria cresciasempre. Mas nem o seu feitio era de proselitismo, nem o queriam paramestre os moos, vidos, ao contrrio, de independncia. Na rua da Garnier,onde era o centro de uma roda circunspecta o grande romancista, outra

    livraria, igualmente francesa, a de Mme. Fauchon, abrigava, por volta de1894, um grupo de rapazes que se deleitavam em criticar, a um tempo, comose fossem semelhantes, Zola e Machado de Assis, Raimundo Correia e aPadaria Espiritual.

    Gonzaga Duque, 1907

    Esse pequeno texto, citado por Lcia Miguel Pereira, crtica literria de umapersonagem dos grupos intelectuais cariocas dos anos 192040, situa o am-biente de sociabilidade dos jovens simbolistas. Ele se refere pequena querelaentre os novos e os velhos travada, no Rio, em fins do sculo XIX, quando

    uma nova reao romntica combatia os cientificismos e clamava pela liber-dade do esprito.5 Esses novos romnticos eram os simbolistas que, diferente-mente dos primeiros cujo combate alcanou todos os valores racionalistas dosetecentos, ficaram mais restritos a uma reao esttica, no menos questio-nadora, mas muito menos impactante socialmente.

    Simbolista era uma designao por certo mal escolhida, no entender deSlvioRomero,parasignificarareaoespiritualistaque,nestefinaldesculose fez contra as grosseirias do naturalismo e contra o diletantismo epicuristada arte pela arte do parnasianismo [. . .]. O simbolismo traduzia, na verdade,

    nas suas melhores manifestaes lricas, uma volta, consciente ou no, ao ro-mantismo naquilo queele tinha tambm de melhor e mais significativo.6 Mas

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    esse novo romantismo, ao reagir contra a vulgaridade naturalista e o per-nosticismo parnasiano, aboliu tudo o que fosse claro, arejado, slido, tra-zendo um travo de morbidez e delrio, que foi taxado pelos crticos seus con-temporneos, com as sempre honrosas excees, de verbosidade difusa e

    desinteligente.7 Essas seriam razes suficientes para explicar por qu, apesarda grandeza de poetas como Cruz e Souza, o simbolismo no teve prosadoresdo mesmo alcance, havendo seus mais lcidos adeptos abandonado a expe-rincia espiritualista, em nome de processos mais realistas.

    Dentre esses, estaria Luiz Gonzaga Duque Estrada, o autor da epgrafe, re-ferindo-se ao ano de 1894, quando ainda no se havia formado, no Rio, a Aca-demia Brasileira de Letras (ABL). Esse acontecimento data de 1897, momentoem que a Repblica fazia esforos para se consolidar, excluindo excessos tantode radicalismo jacobino, como monrquico. O Estado precisava de estabili-

    dade e a capital federal deveria espelhar o projeto civil vitorioso que afastavaa poltica de suas ruas agitadas, deslocando-a para os estados, na clssica fr-mula do presidente Campos Sales. A ABL estava afinada com os novos tem-pos. Conforme Machado de Assis, no deviam os intelectuais se agitar com apoltica. Ou seja, a poltica desejada pela ABL era justamente essa: ser o cen-tro institucional das letras, hegemonizando o campo intelectual que come-ava a se profissionalizar, para o que era necessrio limp-lode conflitos ou,dito de uma forma literria, mant-lo numa torre de marfim.8

    Nesse sentido, certamente no era a Academia o projeto dos sonhos da-queles jovens simbolistas. Eles no queriam a liderana do velho Machado,nem intelectual nem organizacionalmente. Foi o que Gonzaga Duque de-monstrou, dois anos aps a fundao da ABL, quando publicou seu ro-manceMocidade morta. O livro, que no considerado simbolista, como seo autor desconfiasse da exeqibilidade de suas teorias para o romance,9 in-teressa aqui pelo enredo. Ele descreve a vida bomia e as idias de um grupode pintores insubmissos, numa ntida aluso disputa travada com a recenteABL, situada como um lugar avesso ao progresso esttico e ao engajamentopoltico das novas geraes de artistas. Como se pode ver, mal se formara, aCasa de Machado de Assis j era situada como um obstculo, dividindo o

    pequeno mundo intelectualcarioca e, em o fazendo, tornando-se refernciaobrigatria, numa dinmica de desejo e repulso que parece marcar o cursoinicial de sua existncia e a postura ambgua dos outsiders a seu poder deconsagrao.

    Gonzaga Duque era um destes bomios insubmissos, relacionando-secom um grupo numeroso e diversificado, integrado, na ocasio, por nomescomo Jos do Patrocnio Filho, Medeiros e Albuquerque, Emlio de Menezes,Raul Pederneiras, Bastos Tigre, Kalixto, Lima Barreto, Olavo Bilac e CoelhoNeto, dentre os que j eram ou ficariam mais famosos.10 Grupo muito ativo

    nas dcadas de 1900 e 1910, por editar diversas revistas, especialmente de hu-mor;11 organizar conferncias literrias (1905) e humorsticas (1907); encenar

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    peas teatrais de humor poltico (o Pega na Chaleira de Raul Pederneiras);12

    lanar um filme sonoro (com roteiro de Jos do Patrocnio);13 montar o pri-meiro escritrio profissional de propaganda do Rio e do pas (de Bastos Ti-gre, em 1913); encenar, em 1914, no Teatro Phnix, o primeiro jornal falado;14

    criar, em 1916, o Salo dos Humoristas, no Liceu de Artes e Ofcios do Rio;organizar, em 1917, no teatro Palace, a Festa do Riso;15 e fundar, em 1919, a So-ciedade Brasileira de Belas Artes, cujo objetivo era documentar a arte colo-nial em Minas Gerais.16

    Foi mais de uma dcada marcada por uma srie de iniciativas que aponta-vam, tanto para o aparecimento de um crescente pblico e mercado de arte,quanto para a possibilidade de um trabalho com novas linguagens no uni-verso da produo cultural. Nela apreceram revistas e jornais que recorriamcada vez mais aos recursos da fotografia, das caricaturas, charges e desenhos;

    a propaganda que aumentava em peridicos, cartazes e at em anncios lu-minosos, vendendo produtos os mais diversos e rendendo fama e dinheiroaos que a ela se dedicavam. Alm disso, tambm surgiam a indstria fono-grfica, o rdio e o desafio do cinema.

    Nesse contexto de renovao urbana do espao fsico e social da cidade,17

    uma revista de humor pode ser destacada. A Fon-Fon, fundada em 1907 ecujo nomeonomatopia da buzina de automvelfoi uma criao do car-tunista Emlio de Menezes, torna-se uma referncia de sociabilidade preciosapara a percepo das formas e sentidos da articulao dos intelectuais cario-cas, durante essas dcadas. Esse peridico, de propriedade de Alexandre Gas-paroni, marcaria toda uma poca e uma gerao, que se autonomearia comoa que se formou na Fon-Fon. Patrocinando eventos inusitados, como a pri-meira conferncia humorstica ilustrada, realizada no teatro Palace,18 a Fon-Fon reunia integrantes conhecidos do circuito do humor, sendo tambm umlugar fortemente identificado com o clima do simbolismo, na cidade. Delafaro parte o prprio Gonzaga Duque (que morre em 1911), e tambm nomesque se tornariam famosos nos anos 192030, inclusive por um passado devnculos com o simbolismo: Ronald de Carvalho, Ribeiro Couto, e os ga-chos de nascimento, lvaro Moreira e Homero Prates. Foi de certa forma na-

    tural, portanto, que a revista se transformasse em polo de atrao para inte-lectuais vindos de outros estados, particularmente se tinham simpatiasbomias e simbolistas.

    A Fon-Fon permite-nos, assim, a percepo da montagem de uma amplarede de sociabilidade que se construiu atravs do tempo, demarcando umcerto ambiente esttico e poltico que socializou diferentes intelectuais no pe-quenomundodacidadequeentoseagitava.Osimbolismoeraumadasmaisexpressivas tradues desse novo clima e isto fica evidente pela maneira comoseus defensores o qualificavam. Um bom exemplo o texto-conferncia de

    Renato de Almeida, intitulado O simbolismo e os simbolistas, datado de 1915.19

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    Nele, o autor considera o movimento como revolucionrio e, por isso,como o principal responsvel pelas novas orientaes estticas do momento,embora as reconhea como ainda muito pouco ntidas. Respondendo, por-tanto, aos rigores da crtica,que acusava o simbolismo de no formar escola

    e no possuir uma grande obra, Renato de Almeida citava os nomes de Cruze Souza, Mrio Pederneiras e Ronald de Carvalho, alm de uma srie de bri-lhantes moos. O simbolismo, alm de ter-se revoltado contra a depravaoesttica a que nos conduzia o naturalismo, reintegrara definitivamente aarte no belo, transmitindo um sentimento novo, libertando o verso dos ri-gores pr-estabelecidos, dando-lhe msica:

    no s no ritmo costumeiro e banal, mas nas harmonias das slabas, no versolivre, sem cadeias, s ao juzo do poeta [. . .] procurar o efeito de msica noverso, eis um ideal supremo dos simbolistas, que assim do poesia um poder

    duplo de impresso pela idia e pela forma.20

    A unio da msica literatura, um sentido vago, uma certa obscuridadeeram, no carncias, mas caractersticas do simbolismo, que o aproximavamde um misticismo e de formas artsticas cheias de uma super-sensibilidade.Os simbolistas seriam inovadores justamente nesse sentido espiritualista,manejando instrumentais que buscavam comover, tocar o pblico, como namsica de Debussy, em que ouvir sentir.

    Mas Renato de Almeida escrevia essas apreciaes em 1915, e a os temposcomeavam a mudar aceleradamente. Eram tempos de guerra e da formaoda Liga pelos Aliados, em 1914. Tempos de montante nacionalista e de umacrescente militncia sria e mobilizadora, expressa em vrias revistas, entreelas a de orientao catlica Brasilia (1917). Tempos da formao da Liga daDefesa Nacional, em 1916, e da simblica ruptura de Olavo Bilac com o grupobomio que integrara, marcando os novos rumos que a intelectualidade iriatomar na virada dos anos 1920.21

    Assim, o simbolismo teveentre vias lcteas, mulheres alvas, seduopela morte, humor e stira poltica explcitacomo os lrios, uma breve flo-rao. Ele ambientou-se, no dizer de Lcia Miguel Pereira, em um mundo

    art-nouveau de linhas retorcidas e delicadas, onde os objetos eram mais or-natos que utilidades. Ele foi bomio, espiritualista, satrico e antiacadmico,atraindo alguns grandes nomes da intelectualidade carioca de ento. Foi pra-ticado dentro de um circuito srio, com Afrnio Peixoto (Rosa mstica),Coelho Neto (Esfinge) e Graa Aranha (Cana). Mas tambm foi praticadodentro de um circuito de humor, como estratgia crtica literatura e aos li-teratos, explicitando as mltiplas e inusitadas possibilidades de circulao ede usos das formas estticas. A pardia de Bastos Tigre aos versos penum-bristas de Eduardo Guimaraens assim um exemplo emblemtico do clima

    de sociabilidade do Rio de Janeiro e da auto-imagem do intelectual, fosse ele

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    srio ou no. A poesia comea em tom de grande dvida existencial:Quem sou eu? De onde venho e onde acaso me leva / O destino fatal que osmeus passos conduz? / Ora sigo, a tatear, mergulhado na treva, / Ora tateio,indeciso e ofuscado pela luz. Aps um desenvolvimento irretocvel e angus-

    tiante, o poeta satrico conclui: Quem s tu? Operrio honesto da nao. /De onde que vens? De casa. / Onde que ests? No bonde. / Para onde vais?No vs?Para a repartio!22

    Evidentemente, essas rpidas observaes s pretendem ressaltar como oRio de Janeiro dos incios do sculo XX torna-se uma cidade importante paraa montagem de uma rede intelectual que se reconhece como pertencente auma tradio simbolista. Essa tradioao mesmo tempo cmica, satrica,mstica e espiritualistano pode ser certamente associada de forma diretaao boom de militncia catlica que comeava a eclodir em incios da dcada

    de 1920. Entretanto, seria impossvel no assinalar a convergncia, bem comoos laos que passam a unir as trajetrias de certos intelectuais simbolistas ede algumas das mais importantes lideranas leigas da militncia catlica deento, como o caso de Jackson de Figueiredo. So tais conexes que nospermitem transitar do simbolismo ao modernismo; dos incios do sculo aosanos 1920 e 1930; e de outros estados do Brasil capital federal e nela encon-trar grupos que se auto-denominam modernistascomo o de Festamuitodiferentes daqueles que marcaram presena em So Paulo e em outras cida-des do pas.

    2. Essa gente sria de Festa. . .

    Talvez mesmo devido a preocupaes de ordem espiritual um poucoabstrata que o animam, tem um grupo de literatos no Brasil, que vaepassando por demais na sombra. Esse grupo afinal resolveu chamar aateno do brasileiro leitor para ele e est publicando uma revista, Festa. Fezmuito bem. Se mais ou menos ele vivia na sombra, no se pode culpar dissoos que viviam chamando a ateno, conseguindo em um momento quasimonopolizar a preocupao literria brasileira. [. . .]

    A agitao, a vida nova principiou com essa gente. possvel que opessoal de Festa no carecesse do movimento modernista para ser o que .Mas, incontestvel que vivia apagado, numa torre de marfim, muitoorgulhosa e isolada.

    Mrio de Andrade, 192

    Este trecho do artigo de Mrio de Andrade, escrito para e publicado pela re-vista Festa em seu no 6, situa bem o tipo de debates e de disputas que se trava-vam no interior do movimento modernista, nesse momento. Mrio reco-nhece o valor do grupo, embora tambm lhe faa crticas. Posio espinhosa,segundo ele, pois se ataca, porque do grupo contrrio; se elogia, porque

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    est querendo namorar estes herdeiros dos simbolistas brasileiros. De toda aforma, o que Mrio observa que ningum podia culpar os modernistas deSo Paulo e do Rio por terem feito barulho e anncio de suas idias, sub-vertendo a vida literria, catalizando todas as atenes e obscurecendo os

    demais grupos. Afinal, foram eles que aguentaram as descomposturas e apancadaria, enquanto o grupo de Festa na maciota passeava ileso e at aju-dava [. . .] no assobio. No entanto, ele estaria, como muitos outros, benefi-ciando-se da nova situao, pois se antes no conseguira chamar ateno, porque no entendera que em tempo de bulha necessrio empunhar trom-bone e no empregar surdina. Assim, o erro do grupo de Festa foi um errode orquestrao.23

    Mrio, sem dvida, estava certssimo em sua apreciao da estratgia po-ltica do grupo e do despeito contido nos ataques queles que os sombrea-

    ram. A mudana, em tempos to agitados como o dos incios dos anos 1920,requeria certas cargas de iconoclastia e no se poderia culpar os que a usa-ram por terem monopolizado o cenrio. Esse monoplio dos modernistas deSo Paulo e tambm de alguns do Rio, reunidos na Semana de Arte Modernade 22, mesmo que injusto, aplainou caminhos, permitindo simpatias paracom inovaes que antes deles causariam escndalo. Contudo, o que Mriono pondera, embora certamente soubesse, no fosse o mucisista que era, que a orquestrao de um grupo depende muito do que ele se prope a tocar,rompendo-se a harmonia da proposta de composio com o uso equivocadode instrumentos. Neste sentido, impossvel desvincular o sentido do pro-jeto dos meios empregados para execut-lo. No panorama dos incios domovimento modernista, um toque de surdina era, sem dvida, de difcil au-dio. Mas esses novos simbolistas, que se auto-denominavam modernistasespiritualistas, apreciavam tambm, da mesma tradio, o capricho da meia-luz e a melodia que emociona. Afinal, tinham entre eles um estudioso demsica, Andrade Muricy, e um arguto crtico literrio, Tasso da Silveira, quelogo responde:

    Mrio de Andrade escreveu sobre Festa uma pgina de homem. De ad-versrio, mas de homem. Simpatia bessa, como ele prprio diria. Mil gra-cias! Contudo ponhamos as rodas nos eixos. Mrio afirma algumas coisas queno podem passar em branco.

    A primeira e mais importante, que o grupo de Festa vivia apagado, parte (antes do aparecimento da revista), e que a agitao, a vida nova, prin-cipiou com a gente da semana de arte moderna. Para ele, ns entramos nadana agora. Na hora de repartir os proveitos. Manhosamente.

    Nosso ranchinho assimTava bom:

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    Gente de fora entrtrapai. . .

    Mrio arranjou para seu uso uma cronologia tambm primitivista. Epensa que basta a sua afirmao de que antes dele nada existiu para que de

    fato nada tenha existido. Nem mesmo Pedro lvares Cabral.Ora, a verdade que o grupo de Festa, pelo menos por alguns de seus

    elementos, vem atuando intensamente, sempre no mesmo sentido, desde 1919.O grupo de Festa foi, antes, o grupo de Amrica Latina, o grupo de r-

    vore Nova, o grupo de Terra de Sol. Menos caracterstico do que hoje [. . .].Mas j dentro do rumo largo que se abriu a golpes fundos de tenacidadeespiritual.24

    2.1. O comeo de Festa

    Numa roda literria no Caf Gacho, na esquina da So Jos com Rodrigo e

    Silva, naquela poca em que correr livrarias e frequentar cafs era hbito detodo intelectual que se prezava, apareceu algum com a revista de teatroMscaras, de aspecto bem modesto. Tasso teve a idia. Lanariam umarevista assim. O custo seria pequeno, facilmente coberto com subscries.Haveria proprietrios. Uns poucos, entre eles Tasso e Muricy, subscreveramno ato. Restava a questo do nomeO nome? J temos, disse Tasso. Evirando-se para Muricy concluiu: Festa, do teu livro.25

    Teria sido esta a origem da revista que realizaria o sonho dos amigos, Tassoda Silveira e Andrade Muricy. O tempo de Festa teria duas fases, sendo a pri-meira mais longa e significativa que a segunda. Ela circularia de agosto de1927 a janeiro de 1929, com o subttuloMensrio de arte e pensamento, perfa-zendo 13 nmeros, quando se encerra, segundo Mrio Camarinha, notendo o que ensinar nem a quem [. . .]. Quando voltou, cinco anos depois, fezque nem Mrio de Andrade: abriu os braos e foi uma outra Festa.26 Estaoutra Festa: Revista de arte e pensamento, s alcanou 9 nmeros, tendo sidopublicada de julho de 1934 a agosto de 1935, depois da Revoluo de 1930, daguerra civil de 1932, da Constituinte de 19334 e da chegada de Capanema aonovo Ministrio da Educao e Sade. Depoismas antes do ms vermelhode novembro de 1935.27

    bom, portanto, comear pelo comeo de Festa.O projeto grfico da revista foi desenvolvido na casa de Correia Dias e de

    Ceclia Meireles, no carioqussimo bairro do Estcio. L se reuniram os pro-prietrios,28 todos com alguma experincia no assunto, que decidiram que apublicao seria impressa nas Oficinas Alba, famosa pela excepcional quali-dade de seu trabalho. Festa seguiria a linha revolucionria inaugurada pelapaulista Klaxon, tambm acompanhada por outras revistas modernistas. Du-rante a primeira fase, seu ttulo variava de cor a cada nmero, sendo a capasimples, mas elegante. Alm disso, apresentava algumas novidades que M-

    rio de Andrade registrou, elogiosamente, no artigo j citado.

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    Porque se Festa, com suas letras minsculas, bancando maisculas em no-mes e ttulos, com suas disposies tipogrficas divertidas, com suas linhassintticas e telegrficas, com seus versos livres, com suas afirmativas desas-sombradas a respeito de Bilac e outros dolos, se Festa aparecesse de supeto

    no Brasil, antes de Klaxon, de Esttica (to livre que acolheu gente deFesta), de Terra Roxa e de Revista, de Minas, havia de causar escndaloe tomar pancadaria na certa.29

    Mas Mrio faz tambm algumas crticas ao tamanho da revista, umpouco incmodo, e que chamaria ateno a meia lgua longe,o que deixavaclaro que o grupo havia aprendido algo da lio de estardalhao dos paulis-tas. Fosse por observaes deste tipo ou no, Festa manter o formato grandeat o no 7, assumindo um outro menor, a partir de seu segundo semestre devida: mais manejvel, mais fcil de conservar, de encadernar, menos sujeito

    a deformaes durante o transporte pelo Correio.30

    Essa alterao coincide com uma mudana de oficina, facilitando osistema de duas colunas, com tipos maiores e com o crescente uso de fios,barras e vinhetas, o que demonstra um maior empenho na beleza grfica doperidico. A segunda metade dos anos 1920, alis, assinala um momento deglria nas artes plsticas no Rio de Janeiro. O fato fica patente nas diversasexposies coletivas e individuais, realizadas na maior parte no Palace Hotel,criado em 1919.31 Ele abrigaria o I Salo dos Novos (1926), alm de mostras degrande repercusso nacional como as de Ccero Dias, Portinari e IsmaelNery32, que a realiza sua primeira individual (1929). Contudo, em sua se-gunda fase, Festa voltaria ao formato grande e utilizaria novos e mais nume-rosos recursos grficos, possuindo uma quantidade de ilustraes bem ra-zovel, dentre as quais se destacam as de Correia Dias, Ceclia Meireles,Ismael Nery, Manuel Santiago33 e outros.

    Como Mrio Camarinha registra, Festa no era negcio. De resto, ne-nhuma revista de arte, cincia e pensamento da poca o era. Todas lutavamcom imensas dificuldades financeiras para a prpria manuteno, vivendo desubscries, assinaturas e anncios, apenas para cobrir as despesas que geral-mente eram crescentes. Algumas vezes a existncia de um mecenas que ex-

    plica uma certa periodicidade e durao, sendo a falta de recursos uma dasrazes bsicas para o desaparecimento de todas elas. As revistas so classica-mente lugares de sociabilidade intelectual. Lugares de articulao de pessoase idias que precisam de suportes materias e simblicos para fazer circularseus projetos, sem o que eles perdem significado. Os ganhos, portanto, so deordem no instrumental, estando fora da lgica dos clculos de custos e be-nefcios materiais, e inserindo-se no universo das paixes, crenas e vaidadesintelectuais, como nos lembra Mrio de Andrade.

    Festa encaixa-se perfeitamente neste prottipo. As subscries dos pro-

    prietrios no eram relevantes e a renda recolhida com anncios nunca

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    chegou a ter um peso real.34 Dentre os anunciantes, estava a Casa Guimares(lotrica), Manteiga Passos, as lmpadas Edson e casa de objetos de arte AoGro Turco, pertencente ao pai de Adelino Magalhes, membro do grupo, elocal onde se faziam frequentes reunies. Portanto, se Festa no gerou recur-

    sos para sua manuteno, sobreviveu, inicialmente, graas ao mecenato domdico paranaense Moyses Marcondes, amigo de Nestor Vitor, crtico lite-rrio, simbolista e editor de Cruz e Souza. Mecenas oculto, seu nome s divulgado no no 7, em funo de falecimento, registrado com delicadeza erespeito.

    Festa era uma bela revista para os padres da poca, sem causar escn-dalo, como lembrou Mrio. No era esse seu propsito, pois nunca haviasido esta a diretriz do grupo que a compunha, como j ficou demonstrado.Mas para caracterizar melhor o tipo de diagnstico que seus integrantes fa-

    ziam do campo intelectual no momento de lanamento da revista, til re-correr crtica que Nestor Vitor escreveu ao livro de Muricy, Festa inquieta,lanado em outubro de 1926.35 O texto conseguira surpreendente acolhida eisso em momento de dificuldades para as artes, talvez com as excees do ci-nema e da dana, onde o jazz dominava. No teatro, msica, artes plsticas eliteratura, os estilos de vanguarda eram to cerebrais e desumanizados, queconquistavam poucos, pois a maioria no conseguia entend-los e senti-los.Ou seja, se os artistas podiam escandalizar e at ser aceitos, no passavamda, no sendo apreciados nem levados a srio. Os casos de sucesso no pas-savam das rodas literrias, enquanto o pblico estava mais voltado para osespetculos e desportos, do que para os livros. Por isso, tais vanguardas,compostas de mltiplos istas, estavam recuando e transigindo, inclusive noBrasil, onde chegaram com atraso. No era o que se passava com Festa in-quieta, bem recebida por um pblico que ultrapassava tais rodas.

    O fato se devia, ainda segundo o crtico, influncia aproveitada deProust que, no processo literrio, estaria fazendo como os cubistaselimi-nando a perspectivae colocando o objetivo e o subjetivo no mesmo plano.Ao autor, escrevendo na primeira pessoa, interessava menos o fato a contarou o objeto a descrever, do que o seu prprio estado de esprito em relao a

    este fato e objeto. Assim, o escritor carregava muito de si para os persona-gens, intensificando o interesse do leitor que lia como quem sorve aos pou-cos um licor inebriante. No caso de Muricy, o que saltava do livro era oestado de alma do autor. Por isso, para Nestor Vitor, aquele era um livro bra-sileiro, que assumia as caractersticas do romance moderno e universal, masno as do vanguardismo.

    Essa certamente uma das chaves identitrias do grupo de Festa: a recusaaos procedimentos estticos e polticos da vanguarda, quer fossem os da es-tratgia do escndalo, no dizer de Mrio, quer fossem os da radical ruptura

    com o passado ou do radical nacionalismo/regionalismo. Alis, esse um

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    tempo em que o campo intelectual modernista radicalizava-se atravs deconfrontos abertos, responsveis por uma multiplicidade de faces.36 nesse contexto que o projeto esttico de Festa conforma-se, articulando di-menses experimentadas em empreendimentos anteriores em novo formato.

    Trata-se de ser moderno e nacionalista, mas de forma distinta de outros na-cionalismos modernistas e, em especial, dos paulistas. Estes, sobretudo naverso da antropofagia de Oswald de Andrade, so considerados muito radi-cais e to somente destruidores. So pouco srios e por demais materialistas,derivando dos naturalistas e realistas do XIX. Por contraste, o grupo de Festaassume o espiritualismo e o universalismo na arte, no renegando o eptetode novos simbolistas e procurando capitalizar a tradio que vinha do ro-mantismo. Nacionalistasleitores-admiradores de Alberto Torres e Euclidesda Cunhae universalistas; subjetivistas que, sob sugesto de Proust, traba-

    lhavam o objetivismo; modernos e tradicionalistas; enfim, modernistas espi-ritualistas, como se designavam, para demarcar o seu espao.Obviamente, o que se deseja aqui resgatar como os integrantes do grupo

    se viam e queriam ser reconhecidos. Isto , como traavam suas relaes est-ticas e polticas com o campo intelectual, ento muito fracionado e competi-tivo, e com o campo da poltica mais ampla, marcado pelo nacionalismo etambm pela crtica ao liberalismo, j sob diferentes modulaes: do autori-tarismo de um Plnio Salgado (O estrangeiro de 1926), passando por pro-postas conservadoras diversas e no necessariamente autoritrias, at alcan-ar as crticas ao funcionamento do regime, ainda no marco liberal.

    Como se pode observar, a posio de Festa difcil e ambgua em muitospontos, por procurar transpor dicotomias, tornando o perfil modernista tri-dimensional. De qualquer maneira, o grupo demarca um projeto modernistapor um lado menos brilhante, como assinala Mrio Camarinha da Silva.Para um outro crtico literrio, o grupo claramente reivindicava para si, eportantoparaoRio,aprioridadeeopapelprincipalnarenovaodaartebra-sileira, em oposio ao que estava sendo feitoou tinha sido feitoem SoPaulo.37

    Algumas frases do Manifesto-Programa, lanado no n 1, indicam a pers-

    pectiva de Festa. Ele comea com a afirmao:

    Ns temos uma viso clara desta hora.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Ns temos a compreenso ntida deste momentoDeste momento no mundoDeste momento no Brasil.

    E o que a gente de Festa v, simplificada e resumidamente, que, no in-terior de tumultos e incertezas, de gestos desarticulados e de angstias,

    que fazem pensar aos que se esqueceram de Deus que tudo est perdido,

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    surgem energias para a criao de um equilbrio novo e de outra mais altaserenidade.

    2.2. O esprito deFesta

    O sentido messinico e antecipatrio do trabalho do intectual-artista no nenhuma novidade. Mais do que o cientista, era o artista que possua umasensibilidade particularmente apurada para a percepo e proposio dos ru-mos das transformaes sociais. E todos eram concordes que o Brasil viviaum perodo especial em sua trajtria no que se referia descoberta de suaessncia nacional, o que alava os intelectuais a uma posio particularmenteestratgica.

    Nesse momento to denso, onde a competio se aguava esttica e poli-ticamente de forma indissocivel, o grupo de Festa explicita sua proposta.

    Quem esse grupo e como ele verbaliza tal proposta num campo marcadopelo nacionalismo e pelo modernismo?Vale comear pelos proprietrios que, em todos os sentidos, fazem a re-

    vista. Alm de Tasso e Muricy eles so, inicialmente, seis: Adelino Magalhes,Barreto Filho, Braslio Itiber, Henrique Ablio, Lacerda Pinto e Porfrio Soa-res Neto. A partir do no 2, subscrevem-se Abgar Renault e Wellington Bran-do e, aps o no 7, Cardilho Filho e Murilo Arajo, totalizando doze direto-res, como passam a se designar desde ento. Dentre eles, dois se destacampelo grau de reconhecimento j alcanado na poca. Henrique Ablio, ficcio-nista e crtico literrio que inovava rompendo com o modelo de Slvio Ro-mero; e Adelino Magalhes, vindo deAmrica Latina, que com seus contos,casos e anedotas inaugurava um novo estilo de prosa, considerado, poste-riormente, precursor do modernismo. Seu livro de 1918, Dedeco, discpuloamado de Tranquilino referncia emblemtica de seu estilo de humor e cr-tica. Ficcionistas de porte tambm so o engenheiro, contista e folcloristaBraslio Itiber38 e Barreto Filho, jovem sergipano que se consagrar, nosanos 1940, com Introduo a Machado de Assis.

    Na poesia, os mineiros Abgar Renault e Murilo Arajo so os destaques.O primeiro integrara as experincias modernistas de A Revista e de Verde,

    alm de ter participado da Revista de Antropofagia, a cuja proposta Festa seopunha. O segundo, muito amigo de Adelino Magalhes, nome conhecidoe militante no campo intelectual, tendo pronunciado conferncia que ficoufamosa, em 1924, aps o discurso de Graa Aranha na ABL. Tambm so poe-tas Lacerda Pinto e Wellington Brando, e praticando predominantemente oensaio esto Cardilho Filho e Porfrio Soares Neto.

    Com diferentes graus de reconhecimento no campo intelectual da poca(e tambm posteriormente), o que torna este conjunto de nomes um gruposo algumas variveis bsicas. Todos, fossem crticos literrios, poetas, contis-

    tas, folcloristas ou cronistas, assinalavam a raiz simbolista de sua formao,

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    entendendo-a como signo de brasilidade e modernidade. Tambm da mesmafonte, viria o espiritualismo, expressivamente catlico e mobilizado em mui-tos casos pela amizade com Jackson de Figueiredo, o apstolo, cujo desapare-cimento, em 1928, impactar toda a intelectualidade carioca.39 Alm disso,

    havia a conexo paranaense, algumas vezes direta, como ocorria com Bras-lio Itiber, e em outras circunstncias atravs da figura respeitada de NestorVitor.

    Um quadro com o levantamento quantitativo de quem mais escrevia paraFesta nas duas fases e independentemente do tipo de matria, d uma idiaprecisa da coeso e intensidade do trabalho do grupo, bem como de seus la-os de amizade intelectual atravs do tempo.

    Articulistas mais frequentes de Festa: 19271935

    Art icul istas 1a fase 2a fase Total %

    Andrade Muricy 33 17 50 25.8Tasso da Silveira 21 14 35 17.7Barreto Filho 14 04 18 9.2Wellington Brando 13 04 17 8.2Henrique Ablio 13 01 14 7.1Adelino Magalhes 10 02 12 6.0Ceclia Meireles 07 03 10 5.0Murilo Arajo 08 02 10 5.0

    Braslio Itiber 05 03 08 4.0Lacerda Pinto 02 05 07 3.5Porfrio Soares Neto 03 03 06 3.0Abgard Renault 03 02 05 2.5Cardillo Filho 02 02 04 2.0

    Total 134 62 196 100.0

    A primeira observao a deque todos os articulistas, commais de um ar-tigo por fase, eram diretores, com a exceo significativa de Ceclia Meireles,

    cujas relaes com o grupo se teciam de maneira distinta, mas no menos s-lidaporincluiraparticipaodeseumarido,CorreiaDias.Asegunda,dizres-peito macia presena de Tasso e Muricy que, sozinhos, foram responsveispor mais de 40% deste total de matrias, sendo os verdadeiros donos da Festa.

    Evidentemente, muitos foram os colaboradores eventuais da revista, quecontou com a participao de autores como Carlos Drummond de Andrade,Francisco Karan, Carlos Chiacchio,40 Gilka Machado, Jorge de Lima, RibeiroCouto e tambm Plnio Salgado e Mrio de Andrade. Ela tambm tinha a pr-tica de publicar matrias que no eram escritas especialmente para sua edito-

    ria, mas que interessavam de alguma forma. Neste contexto, esto artigos e

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    poesias de Tristo de Atade41 e Nestor Vitor, bem como tradues de WaltWhitman,42 dentre outros.

    Durante a primeira fase, no h propriamente sees fixas, mas se podeidentificar certas constncias e tambm temas recorrentes. Na segunda fase,

    alm do sumrio, h a configurao de algumas sees, embora com oscila-es. Dentre elas, vale destacar: msica; disco e rdio; panorama, esp-cie de coluna scio-poltica; poetas e poemas; edies novas, que regis-trava e comentava os lanamentos;43 e meia hora com. . . , coluna quecomentava a vida pessoal e profissional de artistas. Nessa fase, pode-se obser-var que decrescem o nmero de artigos assinados, aumentando o de edito-riais, que em maioria podem ser atribudos ou a Tasso ou a Muricy. Isso pro-vavelmente se deve ao fato de que, neste momento, Festa no tem mais umadireo colegiada de grupo, ficando nas mos dos dois amigos, que reforam,

    ainda mais, sua marcante presena.44

    Em ambas as fases, Festa define-se como um peridico de arte e pensa-mento, o que procura indicar a diversidade de matrias que abriga e tambmo teor das informaes sobre a situao do mundo intelectual que busca di-vulgar. Assim,no s se publica poesia e prosa, comotambm anlises e infor-maessobre o queest ocorrendo em diversos camposda produo cultural,comnfaseparaamsicaeasartesplsticas.Umlevantamentodotipodema-trias mais frequentes na revista permite o delineamento de um certo perfil.

    Matrias de Festa :19271935

    Matrias 1a fase 2a fase Total %

    Crtica literria 57 65 122 38.3Poesia 45 70 115 36.0Romance, conto, crnica 28 08 36 11.2Artes 15 09 24 7.4Desenho 01 21 22 7.1

    Total 146 173 319 100.0

    O exame do quadro deixa claro que a revista faz muita crtica literria, oque converge com o talento preferencial de seus donos, que so os maioresresponsveis pelas reflexes ento empreendidas sobre o contexto intelec-tual, com destaque para as disputas modernistas, como se ver. Outro as-pecto o da importncia da poesia, ainda mais forte na segunda fase, o que seprende no s manuteno do prestgio do gnero durante toda a dceda de1930, como tambm ao diagnstico de que se trata de manifestao artsticaadequada velocidade dos tempos modernos.

    Um bom exemplo o artigo de crtica, de autoria de Muricy, intitulado

    A crise da prosa.45

    Para ele, a poesia, tomando menos tempo para ser

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    apreendida e relativamente menos tempo para ser grafada (no digo conce-bida), parece convir particularmente ao esprito deste momento, ao triunfoatual, absoluto, do efmero, da mquina [. . .], do dinamismo exterior [. . .].Mas sem estabelecer hierarquias entre formas de manifestao artstica, sua

    observao de que faltava, de uma forma geral, capacidade de esforo paraobras que exigiam maior flego. Ele inclusive estende tais advertncias m-sica e ao cinema, e enfatiza que, sob a seduo do contexto, sujeitar a litera-tura a qualquer outra forma de arte aniquil-la. No caso, era necessrioatentar que sntese no queria dizer, necessariamente, forma breve e curta,mas sim rpida para atingir o essencial, que pode ser complexo e extenso.Por isso, Proust e Stravinsky eram modernos sem ser breves. No caso da lite-ratura brasileira, apesar do valor dos novos prosadores, a prosa modernistahavia estado subordinada poesia, no valendo por si mesma como afirma-

    o positiva. Aqui, este fato ainda seria prova de falta de complexidade doambiente literrio, at de preguia fsica de escrever, quando no [. . .] da as-fixia causada pelas deficincias lamentveis de noso comrcio e indstriaeditoriais.

    No , portanto, surpreendente a quantidade bem menor de matrias deprosa, que diminui ainda mais na segunda fase, o mesmo acontecendo comas matrias sobre artes,46 cobrindo, fundamentalmente, notcias sobre expo-sies e concertos, bem como artigos de teor crtico, havendo, lgico, su-perposio entre ambos.47 Alm disso, destaca-se o aumento dos desenhosque ilustram as matrias, tornando a revista muito mais atraente.

    No que se refere aos artigos, e no apenas aos de crtica literria, um qua-dro do que constituiu a temtica mais recorrente da revista extremamentetil para a qualificao do debate central que est sendo aqui acompanhado:o dos projetos modernistas/nacionalistas.

    Temtica dominante em Festa:19271935

    Temas 1a fase 2a fase Total %

    Espiritualismo/catolicismo 19 30 49 21.5

    Modernismo 25 12 37 16.2Msica 11 20 31 13.6Nacionalismo 20 09 29 12.7Universalismo/totalismo 10 10 20 8.8Linguagem e ritmo 13 06 19 8.3Rio de Janeiro/So Paulo 15 03 18 7.8Comunismo 03 09 12 5.2Simbolismo 03 04 07 3.0Liberalismo 03 02 05 2.2

    Total 122 105 227 100.0

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    A tabela apenas explicita e dimensiona, quantitativamente, o esforo dedemarcao de um espao prprio, realizado pelo grupo. Os temas do espiri-tualismo e do universalismo, agregados, somam 69 matrias, que retomam,de formas distintas, a marca no materialista e no pessimista de Festa.

    claro que esta marca se situa no cerne do debate modernista e nacionalista,muito mais forte at 1929, do que durante a segunda fase da revista. A ques-to, inclusive, ganha contornos particulares se observarmos que no perododos anos 1920 que a interlocuo Rio-So Paulo assumida abertamente.

    Se at meados da dcada, eram os paulistas, sobretudo atravs do CorreioPaulistano, que cantavam as virtudes do modernismo e descaracterizavam oRio como passadista poltica e culturalmente,48 nas pginas de Festa,j na se-gunda metade da dcada, so os cariocas que assumem um discurso que rei-vindicava tanto a precedncia na introduo das inovaes artsticas, quanto

    seu carter verdadeiramente conforme nacionalidade brasileira, como al-ternativa s propostas paulistas. No ps-trinta, essa polmica perder sen-tido, emergindo o tema do comunismo, como sinalizao de outro tipo dedisputa, presente no campo intelectual e tambm sensvel radicalizao quese vivenciava, mas no mais envolvendo a disputa de projetos no marco re-gional/nacional entre Rio e So Paulo.

    Alguns artigos, selecionados preferencialmente entre os de Tasso e de Mu-ricy, os idelogos do peridico, so preciosos para uma perspectiva por vezespouco frequentada do debate modernista, bem como para o mapeamento doespao especfico de Festa. Nesse sentido, bom destacar a categoria que de-fine o grupo e que, segundo Tasso, a de totalismo criador.

    O primeiro aspecto a observar, que esse j era um tempo de se apurar areflexo sobre a prpria experincia do modernismo no Brasil: sobre o quesignificara, para ns, a arte moderna e sobre como nos comportamos em ter-mos poltico-intelectuais, projetando nosso futuro moderno. No casual,portanto, o esforo classificatrio empreendido por todos os intelectuais, emgeral, e pelos crticos literrios, em particular, pois essa a sua especialidade.Dentre eles, um tem importncia mpar, no s naquele momento, em queera um dentre os maiores, como porque, com o passar das dcadas, alcanar

    sucesso inigualvel: Alceu, o Tristo de Atade.O debate pode ser pinado a partir de um artigo de Tasso, comentando o

    lanamento da 1a srie de Estudos, de Alceu, lanada em fins de 1927, mas reu-nindo textos anteriormente publicados nO Jornal.49 O que se pontua que,para o crtico, s haveria duas tendncias marcadas e originais no movi-mento de renovao de nossa arte. A que se intitula dinamismo objetivista eque se gerou nas idias do Sr. Graa Aranha, encontrando sua grande expres-so em Toda a Amrica, de Ronald de Carvalho; e a doprimitivismo, da qualos do grupo paulista so os pais satisfeitos. Para os dinamistas, nosso futuro

    estaria na civilizao, cabendo ao Brasil viver decididamente sua vida de

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    progresso material e de libertao dos vnculos tradicionais, devendo araa se depurar das mestiagens e a razo da f: O trilho que aterre os pnta-noseosbugres. . . . J para os primitivistas, a civilizao faliu. Nada temos aaprender com a Europa, seno a confisso de sua decadncia. Portanto, preci-

    samos pensar em ns sem preconceitos, pois o passado nada nos pode dar.Para Alceu, nenhuma delas seguiria vitoriosa, por parciais e incompletas.Aceitar o dinamismo, seria louvar uma concepo materialista de civiliza-o, prosseguindo num naturalismo mal disfarado; aceitar o primitivismo,seria disseminar o pessimismo intil e destruidor: fazer literatura s avessas.

    O que, contudo, espanta e entristece Tasso, o fato de Alceu lamentar aausncia de um terceiro grupo, cujo suporte seria o elemento espiritual ecriador de nossa arte moderna, no percebendo que ele j existia como reali-dade presente em Festa. A observao interessa em particular porque, meses

    depois, no no

    6, de maro de 1928, Tristo publica um artigo em que caracte-riza o grupo de Festa como espiritualista, introduzindo uma nova vertenteno movimento modernista. Esta terceira via seria marcada, no por umneo-simbolismo, como queriam alguns, mas pela superao do simbo-lismo, criando-se o que chama de modernismo continuador.50

    Pode-se aventar, assim, que no seja coincidncia a publicao, nestemesmo nmero, do artigo de Tasso da Silveira, cujo ttulo Totalismo cria-dor.51 Nele, desenvolve-se uma clara e ampla anlise sobre o significado daartemoderna no mundo e no Brasil, classificando-se nossas correntes moder-nistas em trs grupos principais: dinamistas, primitivistas e espiritualistas,que Tasso prefere chamar de totalistas. Importa, aqui, assinalar apenas certospontos. O primeiro diz respeito ao significado do que arte moderna, ou seja,de uma arte que est presente no seu momento do tempo, no se restringindoa limites geogrficos. Da porque a arte s grande quando moderna notempo e universal no espao, sendo a universalidade uma forma de expressodas nacionalidades, em um amplo contexto humanitrio.52 A conjugaouniversalismo-nacionalismo-espiritualismo constitutiva da proposta, quev tais termos como a verdadeira realizao do trabalho criador do artista.

    Mas se no velho mundo a arte moderna apenas um desejo de expresso

    do novoum ndice de originalidade, de vanguardismono caso do Bra-sil, uma nsia total de expresso do que somos, do desejo de realizaointegral de nosso destino. Nos pases adolescentes, de raa em formao,como o Brasil, a arte moderna a possibilidade no s da libertao dos ve-lhos ritmos e medidas, como principalmente a oportunidade de criao deum instrumento mais sonoro e sensvel, capaz de manifestar a insatisfaoe impacinciaexistentes (lidas com frequncia como tristeza e pessimismo),e de afirmar nossa diferena, para alm de nossa indiscutvel similitude.

    Se nesta nsia nacionalista se encontram todos os modernismos e at

    outras afirmaes de inteligncia que esto fora do mbito modernista, h

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    distines quanto ao que se considera a realidade brasileira e, neste terreno,Tasso defende o modernismo de Festa como o do verdadeiro esprito brasi-leiro. Isto porque, de um lado, tal modernismo no deve ser confundido comum jacobinismo estril. Alis, como escreve em outro artigo,53 somos o

    povo mais antiimperialista do universo. Ns admiramos demais os outrospovos: generosamente, ingenuamente, de forma at basbaque. . . . Isto provaa modstia ntima de nosso povo, que no predisposto contra os demais.Mas como o homem universal s existe em um dado pas, num dado clima f-sico e espiritual, ns aspiramos grandeza em ns e procuramos ser fiis nossa alma nacional. Por outro lado, o totalismo criadorno quer recomeardo incio, como os primitivistas. Entende, em empatia com o povo, que preciso respeitar as tradies, dentre as quais avulta a do perodo simbolista,um momento glorioso do nosso esprito.54

    A tradio valor fundamental para o grupo e, no caso, o simbolismo entendido como bem mais que uma corrente literria. Ele um ambienteespiritual55 que explica, no apenas a obra potica de um Cruz e Souza ou aprosa de um Graa Aranha,56 como o pesamento filosfico e poltico de ho-mens como Farias Brito, Alberto Torres e Euclides da Cunha, alm da crticaliterria e artstica de um Nestor Vitor57 e Gonzaga Duque.

    Este panteo de nomes mais do que significativo da genealogia e da me-mria que o grupo de Festa procura criar. Ele tambm permite uma certa lo-calizao do grupo no campo poltico maior dos debates que se acirravamem fins da dcada de 1920, com a montante de crtica ao liberalismo e o cres-cimento do autoritarismo catlico ou no. claro que impossvel qualquergeneralizao maior, mas no causam espcie as menes negativas ao bol-chevismo, quer no contexto de rejeio s imitaes polticas, quer literrias,como se pode observar: No me refiro [. . .] aos grupos operrios levados aoerro bolchevista por irrefreveis, embora enganosas, aspiraes. Nemmesmo aos miserveis exploradores desses grupos. Refiro-me aos bolchevis-tas por atitudes literrias [. . .].58

    2.3. O trmino de Festa

    No no 13 de Festa, datado de janeiro de 1929, o editorial de Tasso da Silveira,que abre a revista, comemora um ano inteiro de luta gloriosamente vencido.Seu sugestivo ttulo Batuque pra comear e nele se faz uma espcie de ba-lano da situao do campo intelectual, situando-se o grupo de Festa.

    A tnica de satisfeita vitria e o diagnstico do trmino das disputas noterreno do modernismo que chamam ateno, considerando-se o ano de1929. Eles seriam mantidos ao longo do nmero que, na seo Panorama,esclarece que passara o momento dos grupos e das polmicas.59 Se as trsgrandes tendncias, j reconhecidas e assinaladas, persistiam, no se acha-

    vam mais delimitadas em grupos correspondentes e caractersticos, como

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    antes. Estavam todas dispersas em numerosos grupes, grupinhos e gru-pelhos, misturando-se por vezes ou mantendo-se desligadas de qualqueragrupamento.

    No caso da revista, que fizera sua campanha e vencera, estavam todos

    os modernos que descobriram um sentido profundo no esforo espiritualdesta hora. A avaliao, portanto, no ignorava diversidades, mas apontavapara um outro tipo de agregao dos intelectuais, ressaltando, muito natu-ralmente, o que seria a predominncia espiritualista. Como foi mencionadoanteriormente, este o ltimo exemplar da primeira fase da revista, que sretornaria em julho de 1934, com mais nove nmeros, em contexto inteira-mente distinto, embora tambm marcado por outro modernismo, no maisfuturista, objetivista ou outros istas.Tanto que, no primeiro artigo desta se-gunda fase, Andrade Muricy, ao escrever sobre dois grandes artistas do mo-

    mento, Manuel Bandeira e Ronald de Carvalho, esclarece que nacionalismo euniversalismo conviviam harmonicamente, sem espantos ou contradies,no se preocupando mais a crtica em criar classificaes por total falta denecessidade e pertinncia.

    A revista torna-se, portanto, menos combativa e mais informativa e di-dtica, dedicando-se muito msica, ao romance e tambm poesia e crticaliterria. O romance, em especial o regionalista, ganha espao crescente, ha-vendo elogios a trabalhos como os de Jos Lins do Rego, Jos Amrico de Al-meida e Lcio Cardoso, e severas crticas ao engajamento poltico explcitode obras como as de Jorge Amado e Graciliano Ramos, consideradas carrega-das de excesso de piedade e simpatia.60

    Mas talvez seja a msica que, ao lado das ilustraes, ganhe maior visi-bilidade nessa fase da publicao. So escritos textos sobre msicos e com-positores e so noticiados concertos, audies, lanamentos de discos e pro-gramas musicais das vrias estaes de rdio, oferecendo-se uma ntidaimpresso de como se expandira o espao de sociabilidade carioca no que di-zia respeito indstria fonogrfica e penetrao do rdio na vida cotidianada cidade.

    Quanto ao formato grfico, como foi assinalado, Festa cresceu e se tornou

    mais bela. Por outro lado, apesar da mudana de tom, nem seus articulistasnem seus temas principais se alteraram profundamente, o que revela a conti-nuidade do projeto do grupo. Um projeto nacionalista e catlico-espiritua-lista, mas que, nas pginas da revista, no chega a assumir engajamentospolticos explcitos. Sem dvida, muito difcil fazer algum tipo de generali-zao sobre posies polticas de to variados intelectuais, valendo a penalembrar as mltiplas possibilidades existentes e o risco de qualquer conclu-so apressada.61

    Os motivos especficos que levaro ao desaparecimento da revista, em

    agosto de 1935, no puderam ser localizados, mas a sensao do leitor, ao

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    percorrer esses nove nmeros, a de um grupo que considerava sua inicia-tiva bem sucedida, ao menos no fundamental, isto , no projeto de nacio-nalismo universalista e na valorizao do tradicionalismo, batizado comocriador.

    Notas

    1. Este texto uma verso condensada e modificada de parte de um livro intitu-lado Essa gente do Rio . . . Modernismo e nacionalismo (Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1999).Ele foi apresentado no workshop History, memory and urban culture, no ColquioAfter the quincentennial: history, memory and nation in Brazil,em 6 de maro de2001 na Universidade de Maryland, EUA.

    2. Jean Franois Sirinelli, Le hasard ou la necessit: une histoire en chantier:l histoire des intellectuels, Vingtime Sicle: Rvue dHistoire 9 (jan-mai 1986).

    3. Um bom exemplo dessa problematizao o livro de Ana Teresa Fabris (org.),Modernidade e modernismo no Brasil(So Paulo: Mercado das Letras, 1994).

    4. Os conceitos de campo poltico e campo intelectual so usados conforme asindicaes de Pierre Bourdieu em diversos de seus textos.

    5. Gonzaga Duque, Artigo sobre Carlos Malheiro Dias, Kosmos IV.4 [Rio de Ja-neiro] (1907), citado por Lcia Miguel Pereira, Histria da literatura brasileira: prosade fico (de 1870 a 1920) (Belo Horizonte: Itatiaia; So Paulo: EDUSP, 1988) 221.

    6. Antonio Candido (seleo e apresentao), Slvio Romero: teoria, crtica e his-tria literria (Rio de Janeiro: Livros Tcnicos e Cientficos; So Paulo: EDUSP, 1978)163. O texto de Slvio Romero citado foi escrito para o Livro do Centenrio de 1922.

    7. Lcia Miguel Pereira, Histria da literatura brasileira 223, citando avaliao deJos Verssimo, um membro do crculo de Machado de Assis.

    8. Angela de Castro Gomes, Histria e historiadores: a poltica cultural do EstadoNovo (Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996). Vale observar que, em 1901, o ento simbolistaTristo da Cunha lana um volume de poesias cujo ttulo Torre de Marfim.

    9. Lcia Miguel Pereira, Histria da literatura brasileira 225.10. interessante registrar que, em 1905, Emlio de Menezes candidata-se ABL,

    na vaga de Jos do Patrocnio, o patrono dos bomios, no sendo eleito. Sua en-trada s se daria em 1914, ano em que morre, sendo sua cadeira pleiteada por LimaBarreto. Este no e nem seria eleito para a ABL.

    11. So numerosssimas as revistas ento existentes no Rio. Dentre elas, vale des-tacar O malho (1902), O pau (1905), O papagaio (1905 1906), O diabo (1907), Kosmos(19061907), Careta (1908) e Don Quixote (1917), esta estudada por Mnica P. VellosoemModernismo no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996).

    12. A chaleira quente, que alimenta a bomba de chimarro, representa a roda debajuladores que cercava o poderoso senador gacho Pinheiro Machado, por toda aparte. Ser um chaleira e chaleirar algum torna-se gria que ultrapassa esse momento.

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    13. O filme estria em abril de 1910, no Cine Teatro Rio Branco, intitulando-sePaz e amor. Era uma comdia musicada, satirizando o governo Nilo Peanha e al-canando boa bilheteria.

    14. O jornalteve o patrocnio da revista Ilustrao Brasileira e dele participaram

    jornalistas e caricaturistas famosos. Da programao constava:um boletim parlamen-tar;um noticirio policial; crnicateatral; literaturae crnicasocial e bastante humor.15. A Festa do Riso, mais um evento desta conexo do humor, teve a participa-

    o de Raul Pederneiras, Bastos Tigre, Viriato Correa, Kalixto, Luiz Edmundo e v-rios outros nomes da intelectualidade carioca da poca.

    16. A Sociedade nasceu do Centro Artstico Juventus, por sugesto de Raul Peder-neiras e foi sob a gesto de Jos Mariano Filho, um aficcionado do estilo neocolonial,que Minas Gerais entrou no circuito de viagens dos artistas brasileiros.

    17. So inmeros os trabalhos que analisam a reforma urbana do Rio em inciosdo sculo e no cabe aqui retom-los. O interesse est em registrar como a AvenidaCentral, inaugurada em 15 de novembro de 1905, torna-se o palco de sociabilidade dacidade, deslocado da rua do Ouvidor. Nela esto a Biblioteca Nacional, aberta em1910, a sede de jornais, as confeitarias, os teatros, os cinemas, etc.

    18. A partir de ento, tais conferncias alcanariam grande popularidade, reali-zando-se em outras cidades do estado, como Petrpolis, e do pas, como So Paulo.

    19. Renato de Almeida era baiano de nascimento, ensasta e folclorista, que rece-ber o ttulo de cidado honorrio carioca. Funcionrio do Ministrio das RelaesExteriores, membro do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, da Academia Bra-sileira de Msica, e da Comisso Nacional do Folclore, j nos anos 50, seria um dosmembros da Sociedade Felipe DOliveira nos anos 3040. Ele morre aos 86 anos, em1981. Seu texto, de onde sero extradas todas as citaes que se seguem, tem 24 pgi-

    nas e o exemplar usado, da Bibliteca Nacional, est dedicado ao prezado amigo e ve-nerando mestre Conde Affonso Celso.

    20. Renato de Almeida 1011.21. Citado por Lcia Lippi Oliveira,A questo nacional na Primeira Repblica (So

    Paulo: Brasiliense, 1989).22. Moinhos de vento (Rio de Janeiro: Liv. Jacinto da Silva, 1913) 171, citado por

    Elias Thom Saliba, Razes do riso: a representao humorstica do dilema brasileiro: dabelle poque aos primeiros tempos do rdio, tese de Livre Docncia (So Paulo: USP,2000) 102.

    23. Mrio de Andrade, O grupo de Festa e sua significao,Festa 6 (1/03/1928): 12.

    24. Tasso da Silveira, Cateret n.5 para viola e violo, Festa 9 (15/06/1928): 6. Osperidicos mencionados foram analisados no livro: Angela de Castro Gomes, Essagente do Rio . . . Modernismo e nacionalismo.

    25. Mrio Camarinha da Silva, relembrando relato de Muricy, em Mrio Camari-nha da Silva, Tempo de festa em Festa: 192729, edio fac-similada (Rio de Janeiro,PLG-Comunicaes, Inelivro, 1980) 14. Este texto ser referncia fundamental paramuito do que se segue sobre a revista.

    26. Mrio Camarinha da Silva, Tempo de festa em Festa14.27. Essa longa interrupo no explicada, nem as razes da retomada da revista

    em 1934, e de seu desaparecimento em 1935. Na primeira fase, em que era mensal, h

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    apenas um hiato entre o no 12, de set./28 para o no 13, o ltimo do perodo, de jan./29.Na segunda fase, no h periodicidade regular e os nmeros so de: jul., ago., set.,out., dez./1934; jan., fev., mar., mai., e finalmente, agosto de 1935. Como antes, o hiatona publicao foi indicador de sua interrupo completa.

    28. At o no

    7 eles foram seis, acrescidos de quatro a partir de ento. A esses no-mes, dos quais se falar a seguir, somavam-se os de Tasso e Muricy.29. Mrio de Andrade, O grupo de Festa e sua significao 12.30. Contracapa do no 7 de Festa. O primeiro formato era de 380 x 280 mm e o se-

    gundo de 320 x 230 mm. No no 7, a revista passa tambm a apresentar um sumrio,que seria mantido na segunda fase.

    31. O Palace Hotel, de propriedade de E. P. Guinle, instala-se na antiga Policlnicado Rio de Janeiro, na Avenida Rio Branco, n.185. Ele abrigaria a sede da Associao deArtistas Brasileiros, fundada em 1928, por Celso Kelly.

    32. Ismael Nery era catlico e ser fundamental, por exemplo, na converso deMurilo Mendes, em 1921. O pintor morreria em 1934, logo no incio da segunda fasede Festa, causando comoo nos meios catlicos e intelectuais, em geral.

    33. Manoel Santiago, amazonense, instalara-se no Rio em 1919, fazendo brilhantecarreira. Ele foi aluno de Eliseu Visconti e seria professor de Pancetti.

    34. As subscries dos proprietrios foram de 10$000 e o preo dos anncios va-riava de 300$000, na contracapa, at 20$000, 1/16 de pgina. No no 1, as informaesso de que a assinatura anual custava 5$000, o no avulso 500 ris e o no atrasado1$000. Apenas para se ter uma idia de valor, em incios dos anos 1930, um livro comoAs minas de prata, de Jos de Alencar, com dois volumes, custava 10$000; a assinaturaanual (quatro no) deA Ordem custava 20$000 e o no avulso 5$000. J o preo de umpar de sapatos era cerca de 30$000.

    35. Citado por Mrio Camarinha da Silva, Tempo de festa em Festa17 e 18. Festainquieta foi publicado no Rio de Janeiro pela LUX.

    36. Em 1925, o grupo verde-amarelo est formado e pouco tempo depois, deleemerge o grupo Anta, liderado por Plnio Salgado; em janeiro de 1926, Mrio de An-drade rompe com Graa Aranha e, em 1928, com Oswald de Andrade. Em 1929 a vezde Plnio romper com aAntropofagia de Oswald. Graa, por sua vez, no agradavamais nem aos de Esttica, nem aos paulistas em geral, nem aos de Festa. Ficou com al-guns amigos fiis, entre os quais Ronald de Carvalho e Renato de Almeida, ambostambm ligados aos de Esttica e aos de Festa. Bem que tentou resistir, em 1929, comoMovimento Brasileiro e a Fundao Graa Aranha. A revistaMovimento Brasileiro,

    cujo objetivo era ser um instrumento de agitao modernista fora do eixo paulista, dirigida por Renato de Almeida e circula at 1930. Com a morte de Graa Aranha,em incios de 1931, sua Fundao, mantida por Nazareth Prado, no mais perdura.

    37. Neusa Pinsard Caccese, Festa: Contribuiao para o estudo do modernismo (SoPaulo: IEB-USP, 1971) 26, citado por Massaud Moiss, Histria da literatura brasileira,vol. 5 (Modernismo) (So Paulo: Cultrix, 1989) 43.

    38. Dois de seus contos se tornaro famosos: Pau de ferrose Seu Jujuba masca-rado. Vale aproveitar para destacar a importncia e difuso que os estudos sobre ofolclore ganham ao longo das dcadas de 1920 e 1930, o que perceptvel em revistascomo Amrica Latina, Festa e Lanterna Verde. Os laos entre o folclore, a poesia e

    prosa modernistas so bem evidentes, demonstrando preocupaes nacionalistas

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    com a cultura popular e o quanto esta indissocivel da cultura erudita e da nascentecultura de massa.

    39. Jackson no se filiou ao grupo de Festa, embora houvesse participado de ini-ciativas anteriores. Segundo Alceu Amoroso Lima, ele no o fez por sempre ter-se

    oposto ao modernismo, sendo que sua trgica morte, em novembro de 1928, aindanos incios da publicao, produz real comoo no que o Cardeal Leme chama de oBrasil catlico. Ver o nmero especial da revistaA Ordem, ano VIII, maro de 1929,dedicado sua memria, onde comparecem numerosos intelectuais. a partir de en-to que a revista do Centro D. Vital fica sob a direo de Perilo Gomes e Alceu Amo-roso Lima, cuja converso se d entre 192628.

    40. Carlos Chiacchio e EugnioGomes soos organizadores da revistaArco e flexa,lanada em novembro de 1928, na Bahia, e considerada aliada de Festa. de autoria doprimeiro o artigo, transcrito no no 13, intitulado Tradicionalismo dinmico.

    41. Desde junho de 1919, Alceu Amoroso Lima passa a escrever crnicas para a co-luna Bibliografia do O Jornal, onde permanecer por mais de vinte anos. quandoassume o pseudnimo de Tristo de Atade, tendo fortes ligaes de amizade comRodrigo Otvio e Ronald de Carvalho, com quem divide a mesma sala no Itamaraty.Alceu Amoroso Lima,Memrias improvisadas: Dilogos com Medeiros Lima (Petr-polis: Vozes, 1973) 656.

    42. Whitman foi um poeta norte-americano que viveu entre 1819 e 1892 e pensou/sonhou a questo da unidade de seu pas. Sua grande obra, Folhas de relva, era admi-rada, desde 1918, pela revistaAmrica Latina, sendo, portanto, uma consolidada refe-rncia para o grupo de Festa.

    43. Alm desta seo de resenhas, Festa tambm publicava anncios de livros, nocaso, quase sempre dos diretores e colaboradores. Como exemplos desta poltica de

    auto-promoo esto: Luar de inverno, de Silveira Neto eAlegria criadora, A igreja si-lenciosa, Alegrias do homem novo, de Tasso da Silveira, na primeira fase; eA nova lite-ratura brasileira, de Andrade Muricy e Definio do modernismo brasileiro e Tendn-cia do pensamento contemporneo, de Tasso da Silveira, alm da edio pstuma deSetembro, de Emiliano Perneta, na segunda fase.

    44. No primeiro nmero da segunda fase de Festa, de julho de 1934, sua assinaturaanual de 10$000, seu no avulso 1$000 e o atrasado 2$000, logo, o dobro do preode 1927.

    45. Andrade Muricy, A crise da prosa, Festa 1a fase, no 1 (1927): 2.46. A dcada de 20 rica em acontecimentos de artes plsticas, no Rio. S para se

    dimensionar, vale destacar o I e o II Sales da Primavera, nos anos de 1923 e 1924, am-bos no Liceu de Artes e Ofcios, com pintores como Manoel Santiago, Portinari,Goeldi, Orlando Teruz e outros. Em 1926, aberto o I Salo dos Novos, no Palace Ho-tel, com Portinari, Cornlio Pena, Luclio e Georgina de Albuquerque e Manoel eHaydia Santiago.

    47. Um bom exemplo Zagus Ferraz, Notcia sobre a pintura e a msica em SoPaulo,Festa 1o fase,no 7(1928):4.Nelesecomenta,comsurpresa,amostradeLazarSe-gall, realizada em 19 de dezembro de 1927. Em uma semana, 1.500 pessoas teriam vistoa exposio, que consumiu quinze contos e rendeu uns cinco, alm de dois quadrosinutilizados. Tarsila no expunha mais, devendo seguir para a Europa, onde estava

    Anita Malfati; Di Cavalcanti estava no Rio, e parecia sofrer de preguia de execuo.

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    Tinha capacidade. Mas preferia engordar. . . . Quanto msica, nada. O maior pia-nista do pas, na avaliao de Mrio de Andrade, Joo de Souza Lima, deu trs con-certos no Municipal e teve trs casas meio vazias. O texto melanclico, observandoque os modernistas no eram mais queridos em So Paulo. Mas, ao menos no Rio,

    este clima iria mudar, pois em 1931 seria organizado, por Lcio Costa, o I Salo deArte Moderna, com grande repercusso. neste mesmo ano que se funda o NcleoBernadelli, integrado por Pancetti, Milton Dacosta, Manoel Santiago e muitos ou-tros. O grupo, entre 1932 e 1941, organizaria cinco importantes sales.

    48. O melhor texto Monica P. Velloso, A cidade-voyeur: o Rio de Janeiro vistopelos paulistas, Revista Rio de Janeiro 4 (dez. 1986): 5566.

    49. Tasso da Silveira, Renovao: a propsito de um livro de Tristo de Atade,Festa 2 (nov. 1927): 6 8.

    50. Tristo de Atade, O grupo de Festa e sua significao, Festa 6 (mar. 1928): 14.51. Tasso da Silveira, Totalismo criador, Festa 6 (mar. 1928): 12.52. O artigo de Henrique Ablio, A modernidadeuniversalista da arte,Festa 1(ago.

    1927): 4 5, desenvolve cuidadosamente a associao entre universal e nacional na artemoderna, e o melhor exemplo para o ponto, na perspectiva do grupo examinado.

    53. Tasso da Silveira, Queremos ser ou o nacionalismo brasileiro, Festa 8 (mai.1928): 5 7.

    54. Tasso da Silveira, O simbolismo brasileiro, Festa 3 (dez. 1927): 8 9. O artigoresponde a uma crnica literria de Joo Ribeiro, publicada noJornal do Brasilde 9de nov. do mesmo ano.

    55. A prpria palavra ambiente vem sendo usada pela literatura que trabalhacom histria de intelectuaias para designar este microclima esttico e afetivo que unepessoas e conforma sua sensibilidade de expresso criadora.

    56. Vale observar, seguindo Lcia Miguel Pereira, que so Tasso e Muricy os pri-meiros a considerarem Cana uma obra simbolista em prosa. Vale tambm notar otom em que Tasso escreve sobre Graa, em 1928. Aps reconhec-lo como simbolistade primeira hora e qualificar seu romance como luminoso, anota: bem verdadeque, depois, vieramA esttica da vida e O esprito moderno. Mas isto uma outra his-tria . . . (O simbolismo brasileiro9).

    57. Nestor Vitor falece em 1932, transferindo seu legado a Muricy e tambm aTasso.

    58. Tasso da Silveira, Queremos ser ou o nacionalismo brasileiro 6.59. Ambos os artigos esto em Festa 13 (jan. 1929): respectivamente p. 1 e pp. 15 6.

    60. Tristo de Atade, Festa 1 (ago. 1927): 1 e Andrade Muricy, O momento do ro-mance brasileiro, Festa 8 (mai. 1928): 15.

    61. Ceclia Meireles, por exemplo, que desde 1930 assumira a coluna Pgina daeducaodo Dirio de Notcias, ser uma das signatrias do Manifesto da nova edu-cao ao governo e ao povo, publicado, em maro de 1932, na referida coluna e ondese condena os rumos da poltica educacional do pas. J no caso de Tasso da Silveira, bom registrar a publicao, em 1937, de um livro intitulado Estado corporativo, Riode Janeiro, Jos Olympio.

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