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h - Suplemento do Hoje Macau #76

Date post: 14-Mar-2016
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Suplemento h - Parte integrante da edição de 1 de Março de 2013
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h ARTES, LETRAS E IDEIAS PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2802. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE MACAU A SEUS PéS CHEN FANG
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PARTE inTEgRAnTE DO HOJE MACAU nº 2802. nÃO PODE SER VEnDiDO SEPARADAMEnTE

Macau a seus péschen Fang

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Quem seria esta personagem para merecer um conto deste grande escritor da época? mais tarde ainda viemos a descobrir ter mark Twain também es-

crito sobre ele nos livros “Letters From Hawaii” e “Roughing it in the Sandwich Islands – Hawaii in the 1860”. Não tínhamos datas, nem o nome para começar a nossa investigação. Procurar Ah-Chun seria como tentar encontrar um sujeito com o nome de Chun, mas sem apelido; isto traduzido para portu-guês era saber sobre uma pessoa com o nome de António. Já o ter vivido no Ha-vai, permitia reduzir a área de pesquisa, pois como chinês, tínhamos o século XIX e início do século XX como data para a sua existência.Perguntámos a muitas pessoas, tanto por-tuguesas como chinesas, de macau se sa-biam quem era Ah-Chun? A resposta vi-nha sempre como pergunta! — Quem?!! Passámos semanas a fio a pesquisar nos jornais antigos e nenhuma referência a Ah-Chun. Apesar de ter vivido os últi-mos anos de vida em macau, não lhe foi feita nenhuma alusão no círculo acadé-mico dos portugueses. Como Jack Lon-don referiu que “Ah-Chun olvidara o pai, modesto rendeiro dos subúrbios de Cantão”, para além do Arquivo Histórico e Bibliotecas de macau, ainda investiga-mos noutros locais como na universida-de de Jinan, em Guangzhou. estávamos para desistir quando, numa pesquisa na enciclopédia de macau (que existe ape-nas em versão chinesa), no capítulo sobre a família Chen (陈), damos com a refe-rência a Chen Fang (陈芳) como sendo um dos primeiros chineses ultramarinos milionários, que estivera no Havai. esta-va encontrada a nossa personagem, 陈芳 (1825-1906), cujo nome em mandarim se pronuncia Chen Fang e, em cantonense de macau, Chân Fóng. Com direito ape-nas a um breve parágrafo, aí se encontra escrito: “conhecido também por Guo Fen era nativo da província de Guangdong, distrito de Xiangshan, aldeia de Yang-meiXie, que agora pertence a Zhuhai. Quando era jovem, seguiu com o tio para Havai na América. em 1870 estabe-leceu a Companhia Fang Zhi Ji, que se dedicava à produção de cana-de-açúcar e à fabricação de açúcar e sua comerciali-zação. Aos poucos foi-se tornando muito rico e sendo o primeiro chinês emigrante milionário. Conhecido como o príncipe

José simões morais dos negócios, tornou-se genro do rei do Havai. Após 1878 exerceu vários cargos como Consultor do Governo do Havai, Director do Comité dos Negócios Chi-neses, embaixador Chinês no Havai, tendo-se retirado em 1882. em 1890, vendeu todos os seus interesses e pro-priedades no Havai e regressou com uS$ 600 000 para Hong Kong e macau, onde investiu no negócio dos barcos a vapor e na hotelaria. Ficando a viver em macau, onde foi o primeiro a importar um car-ro, construiu sete quilómetros de estrada em pedra, entre as Portas do Cerco e a sua terra natal, Xiangshan. No local onde nasceu edificou escolas e fez outras obras de caridade, tendo morrido em macau em 1906.”Numa tese de Lin Guang Zhi, professor da universidade de Jinan, encontramos o que lêramos na enciclopédia de macau, com apenas mais uma informação, a de ter em macau pertencido ao comité para a organização dos festejos da recepção de Sua Alteza Imperial, o Czarevitch da Rússia.Sem documentação em português sobre Chen Fang e apenas um artigo no jornal chinês de Hong Kong “Ta Kung Pao” com o título “O Rei do Açúcar” escrito em 10 de Junho de 1963, mas que fazia uma cópia do que escrevera Jack London, impunha-se-nos agora ir à aldeia natal de Chen Fang em Zhuhai. Já tínhamos ter-minado as investigações quando nos apa-receu na Revista macau em chinês um ar-tigo sobre Chen Fang, mas nada aditava ao que sabíamos.

O negóciO da família chen A família Chen vivia na aldeia meixi, em Zhuhai, quando nasceu Chen Fang no ano de 1825. O pai, Chen Ren Chang, era agricultor em meixi e tinha como ir-mão mais velho Chen Ren Jie, que nego-ciava em macau produtos chineses na sua loja Chen Kei. Chen Ren Jie apenas teve um filho, Chen Fan. Já Chen Ren Chang tinha três filhos e quatro filhas, sendo o mais novo dos rapazes Chen Fang, ou Chen Afang e em cantonense Chun Fong, ou Chan Fong. Logo desde pequeno, os pais almejavam para ele uma carreira de oficial civil mas, em 1831, quando ainda tinha 6 anos, a mãe morreu e passados oito anos foi a vez do pai, que contava com 50 anos de idade.O tio, Chen Ren Jie, tomou a seu car-go a educação de Chen Fang, tal como desde há muito tinha empregado os seus sobrinhos, que o ajudavam nos negócios. Como estes iam de vento em popa, em

Chen Fango primeiro emigrante milionário Chinês

COm umA eNORme FORTuNA FeITA NO HAvAI, CHeN

FANG FOI um DOS PRImeIROS CHINeSeS A emIGRAR

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Reu. NA SemANA PASSADA, LemOS O CONTO

“OS mILHõeS De CHuN-AH-CHuN”, eSCRITO

POR JACK LONDON em 1909.

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陈芳

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1842, Chen Ren Jie abriu uma outra loja, agora em Hong Kong, lugar que acabava de se tornar britânico, devido à I Guerra do Ópio e onde começava um frenético crescimento.Em 1843, Chen Fang fez os exames pre-paratórios para entrar nos Exames Impe-riais na categoria Gongju. Nesses exames locais, denominados Tongshi, ficou apro-vado e tomou o título de Xiucai. Dois anos mais tarde, foi à capital da provín-cia, Guangzhou (Cantão), para realizar os Exames Provinciais (Xiangshi) e assim ficar Oficial Civil com o título de Juren. Mas falhou nos seus intentos e por isso, deixou de lado esse projecto.Chen Fang (1825-1906) casou-se em 1846 com a chinesa Li Xing, filha mais velha de uma família chinesa de Zhuhai, que vivia na aldeia Long Tian em Mong--Há, na península de Macau. Três meses depois já Chen Fang trabalhava para o seu tio em Macau, na loja Chen Kei situ-ada na Rua dos Ervanários.Por essa altura chegava a Macau como Governador, João Maria Ferreira do Amaral (1846-1849), o primeiro que não fora nomeado por Goa. A China estava na mó de baixo, o que aconteceu devi-do a ter sido derrotada na I Guerra do Ópio (1839-42). Fora uma guerra feita com uma finalidade comercial, em que os britânicos, sem nada de interessante para trocar, trouxeram o ópio e os canhões para negociar com os chineses a seda, a porcelana e o chá. Obrigada a assinar o Tratado de Nanjing, a China teve que pagar 21 milhões de dólares em prata, ceder Hong Kong aos britânicos e abrir cinco portos ao comércio estrangeiro.Para pagar a exorbitante quantia que os britânicos exigiram, o governo Qing ainda cobrou mais impostos aos já de-pauperados camponeses. Estes viram-se na miséria completa, sem a pouca terra que tinham, nem comida para dar às suas famílias. E é por isso que começam as re-voltas a alastrar tanto contra os senhores feudais, que iam ficando com toda a ter-ra dos camponeses, como contra a des-criminação que a dinastia manchu fazia às outras etnias e sobretudo aos han, a quem obrigava a usar uma trança.As potências estrangeiras, sobretudo a Grã-Bretanha, faziam cada vez mais exi-gências à China e Portugal também se aproveitou dessa situação de fragilidade para expandir a cidade cristã de Macau por toda a península. Em 27 de Fevereiro de 1847, o Governador de Macau Fer-reira do Amaral, passando por cima dos interesses chineses, mandou que fossem rasgadas três estradas nos terrenos fora das muralhas da cidade, onde se situa-vam antigas campas chinesas e por onde constantemente os britânicos se passea-vam a cavalo.Foi nesse ambiente que Chen Fang viveu um ano em Macau com Li Xing e em 1847 nasceu o seu primeiro filho, Chen Long (1847-1879). Altura em que o irmão mais velho de Chen Fang ficou doente e dei-xando Hong Kong, regressou a Zhuhai. Chen Fang vai para Hong Kong, ocupar o lugar do seu irmão e aí trabalhou du- Chen Fang em 1849

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rante dois anos. Se em Macau ficou com algumas noções de português, aprendeu a falar inglês em Hong Kong.E foi em Hong Kong que o seu tio, Ah--Kow como chamava Jack London a Chen Ren Jie (陈仁杰), alertou Chen Fang para as grandes possibilidades de comércio que por essa altura o Havai oferecia.Entre 1848 e 1849, Chen Fang era agente comercial que fazia a ligação entre os ne-gociantes estrangeiros, pelo seu conhe-cimento do português e inglês, com os chineses. Como não tinha dinheiro ape-nas cooperava.Em Hong Kong, a competição era acér-rima e os lucros pequenos e por isso, Chen Fang percebeu que se aí continu-asse, nunca chegaria a ser rico. Aconte-ceu que por essa altura, o tio foi convi-dado por um amigo, que tinha uma loja no Havai, para lá ir visitá-lo, aguçando--lhe o apetite dizendo que poucas e bai-xas eram as taxas e o comércio fazia-se com lucros que no mínimo rondavam

50%. Assim o tio, com 64 anos, vendo os lucros reduzidos das suas lojas de Macau e Hong Kong, decidiu ir tentar fazer negócios ao Havai e com facilida-de em arranjar produtos chineses, pre-parou uma grande quantidade de merca-doria. O problema estava no alto preço do transporte.

Havai até meados do século XiXO Havai é um conjunto de ilhas per-tencentes à Polinésia, no meio do Oce-ano Pacífico, onde os descendentes dos grandes navegadores polinésios viveram afastados da civilização Ocidental, com uma sociedade bem organizada e auto--suficiente. O primeiro contacto dos na-tivos com a cultura Ocidental aconteceu em 18 de Janeiro de 1778, quando o bri-tânico James Cook chegou ao Havai. Aí ficou um ano e foi tratado como um deus, já que segundo as lendas havaianas have-ria de chegar um deus com pele branca. Mas os abusos praticados, por ele e a tri-pulação dos dois barcos, levaram a que

os habitantes começassem a ficar fartos desses estrangeiros. Quando partiram foi um alívio para os havaianos, mas devido a uma tempestade, os barcos aí regres-saram. Então, pouco tempo depois, os havaianos ao verem sangue a correr do corpo de Cook percebem que ele não era um deus e por isso mataram-no.As tribos polinésias, que habitavam no Havai, viviam dispersas pelas ilhas do ar-quipélago e, em 1782, Kamehameha pro-curou unificá-las. Só ao fim de 13 anos de luta, ajudado pelas novas armas trocadas com os comerciantes ocidentais por pro-dutos que a ilha oferecia, Kamehameha conseguiu ser o chefe de quase todas as tribos do Havai. Os primeiros chineses começaram a chegar ao arquipélago em 1789 e devem ter sido do povo Hakka (Kejia), que se via apertado pela popu-lação local nas províncias de Fujian e Guangdong, ou oriundo de Taiwan.Em 1791, um capitão de um barco ame-ricano em viagem para o Sul da China, ao fazer aguada no Havai, apercebe-se que os habitantes usavam nas fogueiras madeira de sândalo. Sabendo do valor que o sândalo tinha na China, resolveu encher o barco com essa madeira odorí-fica e trocou-a em Guangzhou por seda, chá, porcelana e prata. O comércio de sândalo fora feito pelos portugueses, que o traziam de Timor para Macau e daí o negociavam para a China. Tal durou cem anos mas, em 1785, com o esgotar dessa madeira em Timor, deixou de se fazer tal comércio. O mesmo aconteceu ao sân-dalo no Havai que, em 1825, quase tinha desaparecido. Os barcos ingleses e ame-ricanos utilizavam o Havai como escala para fazer aguada, quando viajavam entre a costa Ocidental da América e a China.Os emigrantes chineses, provenientes sobretudo de Guangdong, começaram a chegar cada vez em maior número a Tahn Heong san, como em cantonense é chamada Honolulu (mais tarde capital do Havai) e que significa Colina do Sândalo (Tan Xiang Shan, em mandarim). Em in-glês era conhecida por Ilhas Sanduíche.Em 1810, Kamehameha, após submeter quase todas as ilhas do arquipélago, criou uma monarquia no Havai, que durou até 1872. Como primeiro rei Kamehameha I governou até 1819 e após a sua morte, um dos seus filhos, Kamehameha II suce-deu-lhe no trono.Desde 1820, os pastores cristãos pro-testantes estavam na ilha a converter os habitantes, cuja nativa sociedade era matriarcal e animista. Pela educação lhes ensinaram a visão do mundo Ocidental. A chegada dos estrangeiros ao Havai trouxe grandes problemas à população. As doenças, mesmo pequenas como uma constipação, transformavam-se em epi-demias para os havaianos. Também as doenças sexuais fizeram com que as mu-lheres deixassem de ter muitos filhos. A grande mortalidade dizimou a população havaiana e, por isso, em 1849 era apenas de cem mil habitantes.Depois foi um outro filho de Kameha-meha I que passou a ser rei, Kamehameha III, tendo sido o primeiro rei cristão do

Havai. Em 1839, com o missionário pro-testante Hiram Bingham como seu con-selheiro, criou uma Constituição para o Havai e formou um governo à maneira ocidental. Por isso, o governo americano reconheceu o Havai como país indepen-dente.Após o sândalo, foi a vez de se investir na cana-de-açúcar. Em 1802, Wong Tze Chun, um chinês de Xiangshan (actual Zhongshan), província de Guangdong, levou para o Havai equipamento arte-sanal para a produção de açúcar, ensi-nando os métodos de transformação aos havaianos. O rei Kamehameha I, em 1811, contratou dois chineses para no palácio se produzir açúcar. Nos anos 30 do século XIX havia cerca de 10 chine-ses que plantavam cana-de-açúcar e o refinavam. Pittman foi o primeiro oci-dental a olhar para as plantações e ver uma grande possibilidade de negócio. Tinha começado na construção e re-paração de barcos e casou-se com uma mulher havaiana, chefe da tribo da ilha Lanai onde já os chineses aí plantavam a cana do açúcar. Pittman, observando como os chineses trabalhavam nas suas plantações, decidiu também avançar para esse negócio e como tratava com dignidade os seus trabalhadores chine-ses, à medida que era preciso mais mão--de-obra, incentivava-os a chamar os familiares e amigos das suas terras para virem trabalhar. No final dos anos 40 ti-nha empregado mais de 30 chineses. Foi também Pittman que, em 1849, trouxe a plantação de café para o Havai.Por essa altura, no seio dos Ocidentais havia duas diferentes facções. Pittman, que percebendo a qualidade dos chine-ses os tratava com dignidade, aprovei-tando-se dos conhecimentos ancestrais que eles traziam para fazer progredir os seus negócios e o juiz William Lit-tle Lee, que via as pessoas de cor como inimigos. Em 1850, o poder no Havai estava nas mãos do americano William Little Lee que controlava os dois grupos de ocidentais; os pastores protestantes, proprietários também de muitas terras e o dos donos das plantações, que se associaram na Real Sociedade Agrícola Havaiana.Antes de 1849 no Havai havia 93 chi-neses, sendo dois terços a trabalhar nos campos, nas plantações de cana--de-açúcar e os restantes com peque-nos negócios como o das lavandarias e lojas de retalho. Havia três lojas de importação e exportação chinesas, que comercializavam produtos secos, (como chá, seda, porcelana, tecidos). Das três, uma era do amigo do tio de Chen Fang, o Sr. Cheng Xin Zhi, que importava produtos da China, outra era do chinês Chen Ming Yuan, que só negociava na América, com S. Francis-co e a terceira, era de Tang Yi, um ou-tro chinês que apenas exportava açúcar que produzia no Havai, em terrenos alugados a Pittman. Existiam outras pequenas lojas chinesas cujos negócios estavam ligados às necessidades quo-tidianas.

Julie, a esposa havaiana

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Em 29 de Agosto de 1850, o rei Kameha-meha III mudou a capital para Honolulu.

Cheng Fang no havaiHá duas versões bastante diferentes como Chen Fang em 1849 foi parar ao Havai. Pela lado chinês é-nos contado que, em 1849, foi a primeira vez que os america-nos vieram a Hong Kong à procura de chineses para trabalharem no Norte dos Estados Unidos da América. A razão para tal é dita por Monsenhor Manuel Tei-xeira: “Tendo sido abolida a escravatura começou-se a sentir a falta de braços nas colónias inglesas e na América e daí o re-curso aos chineses, dado o seu excedente demográfico e a sua fácil adaptação aos mais diversos climas.” Também a extrema pobreza em que os chineses por essa al-tura viviam, levou muitos deles a emigrar e assim a Companhia de Londres iniciou desde Amoy (Xiamen) esse transporte, chegando a Cuba em 3 de Junho de 1847 a primeira leva desses emigrantes, desig-nados como cules.O barco era inglês e estava ancorado em Hong Kong, tendo apenas conseguido contratar 290 chineses, quando tinha ca-pacidade para levar mais de mil pessoas em terceira classe. Por isso, Chen Ren Jie foi falar com o capitão e propôs-lhe que lhe fizesse um desconto de 50% pelo transporte da sua mercadoria até Hono-lulu e com ele seguiu o seu filho e o sobri-nho, Chen Fang. Partiram em 17 de Maio de 1849, tendo a viagem durado aproximadamente 40 dias. Quando aí chegaram, encontraram um porto muito mais concorrido do que os de Macau e Hong Kong.Já segundo Jack London, no livro “South Sea Tales” escrito em 1909, Chen Fang emigrou como cule de Hong Kong para o Havai, para ir trabalhar durante três anos nas plantações de cana-de-açúcar, recebendo por dia 50 cêntimos. Afong ficou como o seu apelido nos do-cumentos de emigração no Havai e assim passou a ser conhecido por Chun Afong, já que ao contrário dos nomes chineses, que têm no primeiro carácter o nome de família e no segundo, o nome próprio, ali Chun passou a ser o seu nome. Por isso, Jack London lhe chama Chun-Ah-Chun. Encaminhados para a zona da casa co-mercial do amigo, ficaram desiludidos perante a rua com um conjunto de barra-cas em madeira onde a loja se encontra-va. O amigo logo a cedeu para servir de armazém à mercadoria de Chen Ren Jie e como não chegasse o espaço, tiveram que alugar uma outra, situada ao lado. Assim foi criada a loja Ah-Fong Ah-Fan (cujo nome juntava Chen Fan, o filho de Chen Ren Jie e o de Chen Fong) já que Cheng Xin Zhi por essa altura, pouca mercadoria tinha. A quantidade e varie-dade de produtos atraíram a atenção dos habitantes, que não estavam habituados a ter tão grande escolha à disposição e por isso, desde o princípio se fez uma longa fila para entrar na loja. Três meses depois, o amigo Cheng Xin Zhi vendeu-lhes todos os seus haveres

do açúcar, como a forma de estar e agir dos colonos. Investindo o que ganhou nos três anos e com o que trabalhou por fora, conseguiu ficar sócio da casa de importação de produtos chineses de um amigo do tio, Ah-Yung. Nos primeiros dez anos em que esteve sem vir à terra natal, trabalhou arduamente, comprou terras e dedicou-se ao negó-cio da cana do açúcar, abrindo uma fá-brica e ajudando a comunidade chinesa local. No meio do Pacífico e tão longe da sua terra, é um participante atento e percebe que os contactos são funda-mentais. Nos negócios, teve amigos britânicos que se dedicavam à pirataria, assim como toda a comunidade chine-sa o respeitava. Nas ligações afectivas procurou ligar-se à família real havaiana que vivia um período próspero, apesar de não ter dinheiro. Estas histórias são--nos contadas por Jack London, mas di-vergem muito das que encontramos re-latadas na casa-museu da família Chen em Meixi, aldeia de Zhuhai e também

que tinha no Havai, pois desde que o seu filho morrera em 1848, queria regressar à China. Em Agosto de 1849, os dois jo-vens, alugando uma carroça, foram ven-der os produtos para o porto, sobretudo com o negócio de comida, como carne fumada e frutas secas. Em 1850, Chen Ren Jie ficou doente e cansado de estar no Havai, quando recu-perou, decidiu regressar à China. Parte a 28 de Abril para Hong Kong, levando US$ 10 000, para pagar o que pedira em-prestado e comprar novas mercadorias.A loja encontrava-se na rua que deu iní-cio à cidade chinesa em Honolulu e esta só em 29 de Agosto de 1850 passaria a ser a capital do Havai. Os dois melhores clientes da loja eram a casa real e os estrangeiros pescadores de baleias que no porto de Maui (ilha onde anteriormente se encontrava a capital) viviam entre Novembro e Maio. Altura em que as baleias migravam do Alasca para, ao redor do arquipélago, passar o inverno e ter as suas crias. Por isso, esta era uma das principais ocupações dos habitantes sazonais, que demandavam o Havai nesse período.Com milhares de barcos de diferentes nacionalidades empenhados na caça à baleia estacionados em Maui, para aí vender os seus produtos, Chen Fang ne-cessitava de fazer oito horas de viagem de barco desde Honolulu. Assim, bafeja-do pela sorte por ser o único a fazer de intermediário, pois foi introduzido aos ingleses e americanos pela mulher de um desses capitães, conseguiu Chen Fang a exclusividade do negócio.Ainda em 1850, Tang Yi, um outro chi-nês que apenas exportava açúcar pediu a Ah-Fong dinheiro emprestado para alu-gar mais terra a Pittman e foi aí que Chen Fang teve a ideia de se dedicar ao negó-cio do açúcar.Ainda nesse ano, Chen Ren Jie escreveu ao filho, Chen Fan, dizendo que lhe ar-ranjara uma esposa e por isso mandava-o regressar para casar. Chen Fang percebeu ter de encontrar quem o ajudasse, pois o primo iria ficar na China. Em Outubro de 1850 partiram juntos, tendo Chen Fong a ideia de arranjar trabalhadores e mais mercadoria chinesa para levar para o Ha-vai.

o alargar dos negóCiosEm Abril de 1851, Chen Fang regressa de novo a Honolulu, desta vez acompanha-do por Cheng Zhi, um familiar de Cheng Xin Zhi, que veio como seu braço direi-to e sócio minoritário. Arrendaram uma nova loja na King Street, pagando US$ 900 por ano e deram à nova loja o nome de Fang Zhi Ji. Cheng Zhi ficou a tratar da loja, en-quanto Chen Fang continuou a fazer o negócio das viagens até Maui, agora não só com os americanos e ingleses mas am-pliando a todos os outros ocidentais que se dedicam à caça da baleia. Nos finais de 1853, Chen Ming Yuan, cujos negócios eram apenas com S. Fran-cisco, introduziu um amigo que queria vender um barco e assim, Chen Fang

comprou a sua primeira embarcação. Deixou de comerciar à peça, dedicando--se a vender por grosso. No seio dos bale-eiros, tornou-se amigo do nova-iorquino Miller Damer, que mais tarde se tornou seu parceiro de negócios.No ano de 1854, Chen Fang inicia-se no negócio da aquisição de terras, mas como estrangeiro não as podia comprar. Por isso, juntou-se a Anthony, um aristocrata que superintendia na ilha de Maui, e só em meio ano, investindo todo o dinheiro que até então amealhara, comprou 810 hectares de terra, apesar do seu nome não poder constar como proprietário. Foi nessa altura que conheceu uma jovem de grande beleza, que mais tarde seria a sua mulher. Já Jack London faz referência à in-teligência e perspicácia de Ah-Chun (como ficou conhecido Chen Fang na comunidade chinesa do Havai), apre-endendo rapidamente tudo o que à sua volta se passava. Por isso, ficou a co-nhecer tanto o processo da fabricação

Li Xing, a esposa chinesa

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no livro “Chen Fang – O primeiro mi-lionário emigrante chinês”, escrito por Lin Yun De e Xu Wei.

O casamentO havaianO Em 7 de Julho (três dias após o Dia Nacional Americano) de 1855, assistiu impotente ao grande incêndio na mais importante rua comercial de Honolulu, Maunkea, onde tinha em sociedade a loja armazém Fang Zhi ji (芳植记). Durante esse incêndio, o contabilista roubou do estabelecimento 28 mil dólares, dinheiro destinado à compra de mais terras. Após três dias, alugou uma outra loja na mes-ma rua e aí colocou as mercadorias salvas do incêndio. Por outro lado, Chen Fang foi pedir ajuda aos baleeiros, que lhe pa-garam antecipadamente os produtos que ele iria mandar vir da China, transporta-das no seu barco. Em Junho de 1856, o rei Kamehameha IV casou-se e a Associação Comercial Chinesa do Havai, organizada nesse ano por Chen Fang, fez uma grande festa para comemorar o enlace real. Essa festa com mais de mil convidados teve por-menores admiráveis. Chen Fang mandou vir da China trinta e dois enormes vasos de porcelana, um famoso cozinheiro de Xiangshan e até houve um pequeno cur-so para ensinar os chineses a dançarem. Nessa festa Chen Fang dançou pela pri-meira vez com Jullie, a adolescente que ele já escolhera para casar e apenas espe-rava que ela atingisse a idade para o fazer.A casa, que Chen Fang mandara fazer para usar após casar, ficou pronta em 1856 e custou-lhe a exorbitante quantia de US$ 5213. Envolta por um belo jar-dim, combinava o estilo europeu, ameri-cano, chinês e por isso tornou-se um ex--líbris no Havai, que todos os visitantes queriam ver, assim como sobre ela muito foi escrito.Conhecera a bela Jullie Hope Com-makaya Paccamercklenny Kerner Beck-ley Fayerweather, uma jovem princesa havaiana, cujos pais morreram em 1850, quando ela tinha 10 anos e vivia adopta-

da por um casal, que pertencia também à corte havaiana. O avô da parte da mãe, Beckley, era britânico e capitão de um barco, que casara com a meia-irmã da Rai-nha do Havai, esposa de Kamehameha I. O pai de Jullie, um americano de nome Fayerweather Hope, conjuntamente com o mais novo irmão da Rainha, formaram o primeiro grupo empresarial no ramo da produção de açúcar no Havai.Como Jullie era ainda uma menina, Chen Fang foi-lhe fazendo a corte, até ela atin-gir os 16 anos, a idade de casar. Durante esse período, para impressionar a famí-lia da realeza havaiana, Afong como fi-cou conhecido no Havai, construiu uma mansão num recinto ajardinado com o gosto que misturava o requintado estilo da China com o europeu. Local onde fo-ram celebrados inúmeros casamentos en-tre chineses e havaianas, ainda antes de ele se casar com a princesa. Chen Fang casou-se em Maio de 1857 com Jullie e assim ficou com a naciona-lidade havaiana. Em Dezembro, durante a corrida ao ouro em S. Francisco, Miller Damer convidou Chen Fang para, como sócios, abrirem aí uma loja. No ano se-guinte nasceu Emmeline Afong (1858-1946) cujo nome em havaiano era Kai-limukn.Em Janeiro de 1859, Chen Fang veio à China, onde em Meixi engravidou de novo Li Xing, tendo regressado ao Havai ainda em 1859, sem ter visto nascer Chen Gengyu, o segundo filho da sua esposa chinesa. Gengyu (1860-1918) apesar de se ter graduado na Universidade de Yale, sem nunca se interessar por política, en-veredou pelos negócios e com uma vida de “bon vivent” casou, sustentando mais 10 concubinas, não deixando descendên-cia quando morreu em Hong Kong. Chen Fang levou para o Havai o filho mais velho, Chen Long, que nascera no ano de 1847 em Meixi (Zhuhai) e agora, com 12 anos, acompanhava o pai para ir estudar. Chen Fang chegou de novo a Honolulu onde, por essa altura, se vivia um perío-do de perseguição à comunidade chinesa

feita pelos muitos aventureiros e nego-ciantes americanos e ingleses. Anthony, o segundo filho do casamen-to havaiano, nasceu em Junho de 1859, também em Honolulu. Nesse mesmo ano, houve uma epidemia de gripe no Havai, onde morreu muita gente. Devido a tal, muitas plantações de cana-de-açú-car ficaram sem mão-de-obra e alguns proprietários foram forçados a vendê--las. Chen Fang compra uma plantação de açúcar, a primeira registada em seu nome, por um baixíssimo preço, entran-do assim para a Associação dos donos das terras ligadas à produção de açúcar e que apenas contava no seu seio com ameri-canos e ingleses. Estava concretizada a sua aspiração de há muito tempo. Logo em Outubro desse ano, aí fez uma fábri-ca de processamento da cana-de-açúcar, a fábrica de açúcar Guo Fen, cujos traba-lhadores chineses recebiam um ordenado muito mais elevado que os das restantes fábricas com proprietários estrangeiros. Os ocidentais tinham a mania de tratar todos os chineses por John.

Rei dO açúcaREntre 1861 e 1864, ocorreu nos EUA a Guerra Civil, entre o Sul e o Norte e à custa da venda para aí de açúcar, cavalos e burros, Chen Fang ganhou 380 mil dó-lares americanos.Em 1862, Chen Fang voltou à China, agora acompanhado por Anthony, o seu segundo filho da esposa havaiana Jullie. Tony tinha apenas três anos e ficou a vi-ver na aldeia de Meixi com a família chi-nesa.Em 1864, Miller Damer sugeriu a Chen Fang fazerem uma plantação de açúcar, ele dando dinheiro e Chen Fang, as ter-ras. Nessa altura, Chen Fang em conjun-to com Jullie tinham 2430 hectares de terra na ilha de Maui e para a plantação deu metade delas, enquanto Damer em-pregava US$ 150 000. A Companhia Pepeekeo Sugar Plantation era não só de plantação, como de produção de açúcar.Em 1865, morreu o tio de Chen Fang e

também o seu irmão mais velho. Ano que comprou o terreno onde a sua loja na King Street ardera dez anos antes e vol-tou a reconstruí-la como era no passado.Os primeiros barcos a vapor apareceram nos finais do ano de 1866.Em 1867, Chen Long, o primeiro filho da família chinesa e o mais velho de toda a descendência de Chen Fang, terminou os estudos na escola primária americana Io-lani, em Honolulu. Fora o primeiro aluno chinês desta escola, que estava a cargo de um pastor protestante. Em 1872, Chen Long vai tirar o curso na Universidade de Yale, nos Estados Unidos da América e quando regressou ao Havai, veio ajudar o pai a gerir a fábrica de cana-de-açúcar. Foi a ele que Chen Fang delegou todo o trabalho de gestão dos negócios no Ha-vai. Em 1871, Long casou com Daisy, uma havaiana, de quem teve dois filhos, Chen Yong’an e a Chen Miaoyan. Chen Long morreu no Havai a 11 de Agosto de 1879, com 32 anos, sem nunca ter regres-sado à China, sua terra natal.Em Janeiro de 1869, Chen Fang voltou a Meixi, já que a sua mãe (que Jack London diz ter morrido em 1831) e o outro irmão morreram. No regresso, traz Tony, o fi-lho havaiano que deixara na China. Em Outubro, Chen Fang comprou por US$ 260 000 mais uma plantação de cana, com 2000 hectares, tornando-se assim o Rei do Açúcar.Em 1873, após a morte de Kamehameha V, como este não indicou um herdeiro ao trono aconteceram eleições e Chen Fang deu suporte a David Kalakaua, um irmão da sua esposa, apesar de não ser de san-gue. Nessas eleições Kalakaua perdeu, mas em 1874 conseguiu vencer, tendo Chen Fang, para as duas eleições, des-pendido um milhão de dólares.Com grande poder económico e agora também bem colocado politicamente, pertencendo por casamento à família real havaiana, foi eleito membro especial para ajudar na governação do Havai.Em 1877, Chen Fang ajudou como fia-dor Sun Mei, um chinês de Xiangshan,

O incêndio de Honululu e a plantação de açucar

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para alugar 810 hectares de terreno na ilha Maui, no Havai. Em 1878, aparece em Maui um rapaz chinês com 12 anos, cujo seu irmão mais velho, Sun Mei, lhe pagara a viagem, conjuntamente com a sua mãe. Sun Zhongshan nascera em 12 de Novembro de 1866, de uma fa-mília de camponeses na pequena aldeia de Cuiheng, no distrito de Xiangshan (actual Zhongshan, próximo de Macau) em Guangdong. Em Agosto, dois meses depois da sua chegada, vai estudar inglês na escola primária americana Lolani em Honolulu, onde terminou os estudos em Julho de 1882, tal como a sexta filha ha-vaiana de Chen Fong, Elizabeth Afong (1868-1948). A mesma escola que Chen Fang conseguira fazer com que aceitas-sem alunos chineses e para aí dera di-nheiro a pedido da rainha havaiana.Em 1881, designado pelo imperador Guangxu da dinastia Qing, Chen Fang tornou-se o primeiro cônsul chinês do Havai, cargo que exerceu apenas um ano. Vendendo em 1882 uma das suas plan-tações, usou US$ 700 000 para comprar acções na Companhia Douglas de Barcos a Vapor de Hong Kong.

DescenDência De chen Fang Os negócios de Chen Fang corriam cada vez melhor e a sua fortuna multiplicava-se. Em 1880, tornara-se milionário, tendo só em dinheiro mais de um milhão de dólares americanos. Já quanto à sua descendência, para além dos três filhos da sua esposa chi-nesa Li Xing, teve com a segunda mulher, a princesa havaiana Jullie, mais quatro filhos e doze filhas, o que perfez dezanove filhos. Pelo lado chinês, o mais velho de todos era Chen Long, que nascera no ano de 1847 em Meixi (Zhuhai) e morreu no Ha-vai em 1879, o terceiro era Chen Gengyu (1860-1918), o segundo filho da sua espo-sa chinesa e mais tarde teve uma rapariga, Chen Xiang. No Havai, nasceu-lhe pri-meiro uma filha, Emmeline Afong (1858-1946) cujo nome em havaiano era Kaili-mukn e depois Anthony Keawemanhiiti (1859-1937). A seguir, apareceu uma série de oito filhas, Nancy Afong (1861-1939), Mary Catherine Afong (1862-1939), Ma-rie Afong (1864-1938), Jaliu Afong, Jullie (1866-1941), Elizabeth Afong (1868-1948), Alie Afong, Eta (1871-1947), Hen-rietta Afong (1873-1951) e Helen Gerta-da Afong (1875-1953).Albert Fuyer Nea Tner (1877-1948) foi o segundo filho que nasceu no Havai, se-guindo-se mais duas filhas, Marta Afong (1879-1956) e Carbine Afong (1881-1950). Depois veio, outro filho, Henry (1883-1933) e uma nova filha, Melaine Afong (1884-1956). Ainda houve uma outra, que não teve nome e terá nascido e morrido em 1885. Traziam pela mãe havaiana um pouco de sangue polinésio e americano inglês, a mesma proporção de italiano e português e o sangue chinês do pai, Chen Fang.A história da família do Havai de Chen Fang foi contada de uma maneira bri-lhante por Jack London e por isso abs-temo-nos de fazer referência, remetendo o leitor para o artigo da semana passada.

Chen Fang começou a ficar farto de aturar os caprichos da sua família, bem como com o ambiente no Havai que não estava favorável para os que não eram de raça branca. A Constituição do Rei-no do Havai de 1887 foi imposta à força das armas e o poder do rei ficou reduzi-do a uma figura meramente decorativa. A Constituição favorecia a comunidade branca inglesa e americana em detrimen-to dos nativos e residentes asiáticos, que deixaram de ter direito a votar.Resolvido a deixar o Havai, Chen Fang pre-parou o casamento das suas 13 filhas, que se eternizavam como solteiras. Apesar de na casa haver constantes festas e estar sempre cheia de gente, recebendo jovens estrangei-ros da aristocracia, não havia pretendentes para elas. Então, numa jogada de mestre, prometeu um grande dote de casamento para a filha mais velha, Emmeline Afong e assim logo surgiram pretendentes para as outras filhas.Com esse assunto já resolvido, Chen Fang entregou à sua esposa havaiana uma pequena fortuna como pensão e antes de partir, vendeu todos os seus negócios ao nova-iorquino seu parceiro de longa data, Miller Damer. Deixou o Havai em 1890, para nunca mais lá voltar.Em 1893, a monarquia havaiana caiu às mãos de gananciosos comerciantes e aven-tureiros, ingleses e americanos, que a tor-naram uma República independente. Em 1898, o Havai foi anexada pelos EUA e em 1959 tornou-se mais um dos seus Estados.

chan Fong em macauSaiu de Honolulu em 17 de Outubro de 1890 e desembarcou no porto Victoria em Hong Kong, trazendo com ele o seu

filho Anthony e dois netos, os filhos de Chen Long, Chen Yong’an e Chen Mia-oyan. Daí seguiu de barco para Macau, onde tentou hospedar-se num dos hotéis da Praia Grande. Só que o Hotel Ma-cau não aceitava hóspedes chineses, que só podiam ser servidos no restaurante. Quando Chan Fong entrou na recepção do hotel, acompanhado pelo seu filho e os dois netos, os criados ficaram surpre-endidos com as feições mestiças das duas crianças e mais ainda, quando as ouviram falar um inglês impecável.Perante a recusa de estadia, Chan Fong, sentindo-se desfeiteado, mandou chamar o gerente e, por sorte, este vinha a descer as escadas. Dizendo ao gerente querer com-prar o hotel, este, em ar de gozo, atirou--lhe um preço muito mais alto do que o real valor. Chan Fong disse-lhe que dentro de duas horas, teria ali os seus advogados para tratar dos papéis e assim aconteceu. O ho-tel passou a chamar-se Ying Kee.Mais tarde Chan Fong comprou para sua habitação uma grande mansão na Rua da Praia Grande, situada ao lado onde hoje se encontra a Escola Pui Tou.No Boletim Oficial número 14 do ano de 1891 encontramos o cidadão Chan--Fong como vogal de uma comissão ex-tra-oficial feita a convite do Governador de Macau, constituída para tomar a seu cargo os festejos públicos projectados para a recepção de Sua Alteza Imperial, o Czarevitch da Rússia, na sua visita a esta cidade, que não veio a acontecer. A liqui-dação final das despesas preparatórias já efectuadas, ficaram totalmente a cargo da comissão, por iniciativa desta.Chen Fang mesmo quando vivia no Havai nunca se esqueceu do seu país e peran-

te as calamidades na China fazia grandes doações, o que lhe valeu ser agraciado por várias vezes pelo imperador Guangxu (1875-1908). Tal aconteceu em 1878 pois doou 7000 liang de prata para o governo fazer face ao enorme desastre provocado por uma grande seca ocorrido no Norte da China. Em 1886, em Xiangshan houve uma grande inundação, o que deixou muitas pes-soas com fome e sem lugar para habitar e de novo ofereceu dinheiro para ajudar a popu-lação sinistrada. De salientar que por essa altura Zhuhai estava sobre administração de Xiangshan, que mais tarde passou a ser chamada Zhongshan. Em 1891, após Chan Fong ter regressado definitivamente do Havai, na sua aldeia, Meixi, comprou terra e aí construiu uma escola, fez o saneamento e ruas, canali-zou água potável para as casas e instalou a electricidade. Ainda em 1891, de novo perante uma grande inundação em Xian-gshan, ajudou com 7000 liang de prata os habitantes e deu outros 4000 liang de prata para a construção da primeira estra-da de pedra em Xiangshan. Chan Fong foi o primeiro a importar um carro em Macau. O Chevrolet onde se deslocava mereceu seguramente a aten-ção e a inveja de muita gente.Após morrer em Macau em 25 de Setem-bro de 1906 foi o seu corpo levado para Meixi, onde ficou enterrado na mansão da família Chen, que fora por ele manda-da construir em 1891.Tínhamos enfim a História deste multi-milionário, mas muitas são as questões que ainda nos colocamos. Porquê o silêncio sobre esta personagem, tanto em Macau, como em Hong Kong e na China?

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Era uma vez um poeta, ministro e ho-mem de Estado chamado Qu (leia-se Chu) Yuan ( 340 a.C. – 278 a.C.). Viveu tempos atribulados numa China ainda não unifi-cada, dividida em reinos independentes e autónomos que tanto se aliavam como luta-vam entre si. É o chamado período dos Rei-nos Combatentes (475 a.C.-221 a.C.) que antecede a fundação da grande China, Im-pério do Meio, um único Estado centraliza-do, vasto e unido sob o bastão do primei-ro imperador, o príncipe do reino de Qin (leia-se Chin), o poderoso Qin Shihuang,

Com o poeta 屈原 Qu Yuan, no rio miluo, provínCia de 湖南Hunansoberano único de todo o império no ano de 221 a.C.Qu Yuan foi primeiro-ministro do reino de Chu. Tentou em vão defender e salvar o seu reino face às ameaças do reino rival de Qin que então já ameaçava os territórios vizinhos e crescia conquistando outros rei-nos. Intrigas na corte de Chu fizeram com que Qu Yuan fosse afastado pelo príncipe de todos os cargos públicos e condenado ao degredo para terras distantes. Ao modo dos entendimentos chineses, uma coisa má acabou se transformar numa coisa boa e Qu Yuan, em verso, acabou por cantar a sua amargura num longo poema intitulado Li Sao que se pode traduzir por “Elegia da Tristeza” e o fez entrar na galeria dos gran-

des poetas da China. Uma mescla de rea-lismo autobiográfico, mais uns laivos fortes de romantismo e a reminescência de canta-res populares da época marcam os poemas de Qu Yuan e deixaram forte influência na posterior poesia chinesa. Alguém compa-rou os seus versos a “pérolas caindo sobre bandejas de jade.”Nasceu em Zigui, na província de Hubei, junto de Xiling, umas das Três Gargantas do rio Yangtsé. Por lá passei em 1983, 1995 e 2011. Em 1995 subi até ao templo dedi-cado a Qu Yuan, sobranceiro ao rio, com a estátua do poeta, altares para se reverenciar a sua memória, enfim, um templo pequno destinado não a adorar deuses mas a prestar homenagem a um poeta e estadista. Infeliz-

mente, com a contrução da gigantesca bar-ragem das Três Gargantas, as águas do rio subiram, criou-se numa albufeira que se es-tende por 600 quilómetros e grande parte da cidade de Zigui ficou submersa, tendo--se construído de raiz uma nova Zigui, a vinte quilómetros de distância. Como pude comprovar no Varão de 2011, o Templo de Qu Yuan foi apenas transferido para um lo-cal mais alto na mesma enconta da monta-nha e, visto de longe (desta vez não desem-barquei) pareceu-me igualzinho ao templo que jaz hoje sob as águas do Yangtsé.O poeta Qu Yuan passou, de há dois mil e duzentos anos para cá, a fazer parte da galeria das figuras de um passado histórico permanentemente vivas no conhecimento

António GrAçA de Abreu

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Com o poeta 屈原 Qu Yuan, no rio miluo, provínCia de 湖南Hunane na memória do povo chinês. O enorme poeta Li Bai (701-762) , assim se lhe refere:

Poemas de Qu Yuan brilhamIluminam o céu e a lua.

Numa outra alusão a Qu Yuan, Li Bai con-clui deste modo um seu poema:

O mundo odeia o que é claro e puro,o homem sábio oculta o seu fulgor.Na margem do rio, um velho pescador.ele e eu regressaremos juntos.

Degredado, esquecido, errando ao acaso pelas margens do rio Miluo, afluente do rio Xiang que por sua vez desagua no rio Yangt-

sé, Qu Yuan, premeditando o suicídio, encon-trou um pescador que o terá reconhecido e lhe perguntou quais as razões porque deam-bulava por regiões tão afastadas da capital do reino de Chu. Qu Yuan ter-lhe-á respondido mais ou menos com estas palavras:“O mundo está corrupto, eu quero perma-necer puro, o mundo vive a sua embriaguês, eu quero permanecer lúcido.” O pescador, antes de se afastar, retorquiu:“Se as águas do rio estão límpidas, aí lavo a minha roupa, se as águas do rio estão bar-rentas, aí lavo meus pés.”Verdade é que Qu Yuan, com sessenta e dois anos de idade, se lançou nas águas do rio Miluo, abraçando uma grande pedra, e não mais foi visto. Os camponeses e pes-

cadores da região avançaram para o rio, céleres nos seus barcos-dragão, em busca do corpo do poeta e ministro. Foram espa-lhando grãos e bolas de arroz glutinoso nas águas para que os peixes e os dragões co-messem o arroz e não o corpo de Qu Yuan.Ainda hoje, no 5º. Dia da 5ª. Lua -- em princí-pios de Junho, segundo o nosso calendário --, se comemora por toda a China, incluindo Ma-cau, a data da morte de Qu Yuan com as corri-das dos barcos-dragão. Movidos por vigorosos remadores, os barcos deslizam rápidos como se procurassem mesmo o corpo de Qu Yuan e o timoneiro, com o seu tantã a ritmar todas as manobras, não se esquece de ir espalhando bo-las de arroz nas águas do rio ou do lago. Assim o corpo do poeta estará a salvo.

Qu Yuan é uma personagem benquista na China Popular. Os comunistas não lhe têm poupado elogias, como figura de político íntegro, amante da justiça e patriota. Até Mao Zedong, natural de Shaoshan, na pro-víncia de Hunan, não longe do lugar onde Qu Yuan se afogou, lhe dedicou em 1961 um poema que passo a traduzir:

Qu Yuan

Qu yuan, tantos, tantos anos, a entretecer as rimas,Sem espada na mão para trespassar o inimigo.Cresciam ervas selvagens, tão raro o perfume das flores…O poeta mergulhou de vez na imensidão das ondas, Foi o fim da dor, sofrimento e mágoa…

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Life is very precious, even right now, em Eika Katappa

Tendo já anteriormente aqui sido publi-cado um texto sobre uma outra história fatal, Der Tod der Maria Malibran, poderá ser repetitivo lembrar as qualidades de Der Rosenkönig, também de Werner Schro-eter. Tenderá menos ao exagero porque tudo o que se prende com estes filmes be-los e extraordinários tem sempre de apa-recer rodeado de um desejo hiperbólico e fora do vulgar. Muito fora do vulgar e da vulgaridade turística que marca gran-de parte do cinema actual, especialmente ocidental, europeu e americano, repeti-ção exaustiva de um número restricto e aborrecido de fórmulas. É quase impos-sível rever este Rei das Rosas sem sentir pena por um estado de coisas, actual, em que é muito difícil acreditar.Esgotada a paciência para as boas inten-ções de postal e para a beleza tradicional, resta-nos o abandono ao luar e à música, ao natural artificioso, ao poder da super-ficialidade sobre a substância, à noite e a um cheiro que já não há, a estofos de ópera, charuto e pó de arroz.Numa altura em que há cada vez mais ci-nema de tom realista, certamente resulta-do da lenta infecção que a televisão desde há décadas sobre aquele tem vindo a es-palhar, regressar aos filmes de Schroeter e à inocência e intensidade emocional do seu kitsch (uma palavra de origem alemã) é um exercício necessário para manter a lucidez e a capacidade para o encanto.O camp e o kitsch são uma opção estética cuja eficácia parece imune ao passar do tempo. Os filmes de Schroeter, contudo,

são mais kitsch que camp, destes não tendo a obsessão homossexual de choque que aqueles tantas vezes exibem. Estão afas-tados das obsessões mais surrealistas de Ulrike Ottinger, ou Rosa von Praunheim e Monika Treut, mesmo que o gosto por lânguidos planos longos permaneça. En-contram-se igualmente - à excepção de um ou outro exemplo - distante da obses-são com a inabilidade alemã em lidar com a sua história e com o luto, que a obra de Syberberg e outros, como Alexander Kluge e Fassbinder, permite identificar (ver 2004, Caryl Flinn, The New German Cinema, capítulos 5 e 6, para este assun-to e outros aqui tratados), o que o torna menos em um cinema que parta de uma “cultura de ferida” por razão histórica, como Flinn lhe chama. Syberberg, que Fassbinder considerava um plagiador, en-quanto admirava Schroeder, conta-se en-tre os autores que mais terá ido beber ao mundo kitsch do autor de Der Rosenkönig. Da sua estética retirou artifícios prontos à reflexão sobre o luto que tanto caracteri-zam a sua obra.Der Rosenkönig é um filme de narrativa mais linear que Der Tod der Maria Malibran (1972) ou Eika Katappa (1969), e menos kitsch que estes e outros dos seus filmes. É uma história de amor, uma leidenschaft, entre dois homens, passada no Montijo, aí filmada. Mostra também algumas ima-gens captadas nesse mais romântico, ope-rático, selvagem lugar - a Serra de Sintra. É para alguns dos seus apreciadores, que são em número cada vez maior, uma exi-bição perfeita da sehnsucht, e que melhor lugar para a exprimir que entre as brumas de Sintra.

Mais uma história de amor, de um roman-tismo impossível, bárbaro e estrangeiro com a sua ur-star Magdalena Montezu-ma, sempre Montezuma, a fazer de mãe do enrabichado Albert, passada num ambiente meridional que tanto seduziu esta figura singular do cinema alemão. Na Itália e em Portugal, assim como na mú-sica latina, encontrou Schroeter terreno propício para a exibição da tensão que se cria entre a paixão e a racionalidade. Ca-ryl Flinn não deixa também de chamar a atenção para o facto de o kitsch surgir por finais do romantismo oitocentista, como resultante de uma tendência decadente daquele e do advento de novas formas de produção e consumo.Poucos autores terão mostrado um des-prezo tão grande pelo sucesso e pela inte-gração em movimentos (ou desprezo pela análise académica dos seus filmes) ou uma habilidade tão vasta em não se deixar ar-rastar para discussões sobre outros cineas-tas seus contemporâneos. Essa liberdade passa para o modo extremamente físico, sanguinário, romântico e solitário como as suas histórias se compõem. Igualmen-te, poucos cineastas se aproximarão de uma maneira tão sincera e física do espec-tador, ao mesmo tempo que se afasta dos mecanismos tradicionais de transmissão e promoção do cinema. Esta absorção em si mesmo não poderia deixar de ser útil à descrição do amor, com o seu cortejo de sofrimentos e bele-zas, profanas e de imagética religiosa (mas não tanto como em Eika Katappa) numa quinta meridional meio em ruínas onde se cultivam rosas e onde escorre o san-gue e a uma adoração diurna e nocturna.

Ouvem-se cantigas infantis portuguesas (nestes momentos uma ignorância da lín-gua seria utilíssima, com o conhecimento perde-se o seu poder encantatório). O amor homossexual neste filme retratado atinge, assim como em alguns momentos da história de Eika Katappa, um esplendor quase bíblico, aparentemente mais natu-ral, sincero, muito distante dos clichés do amor heterossexual. O rei das rosas, Albert, é um jardineiro que tenta cultivar a rosa ideal e no pro-cesso se deixa apaixonar por um rapaz lo-cal que Schroeter transforma numa figura que se situa entre Cristo e São Sebastião enquanto se fala de La Tour e Caravaggio.Albert aprisiona-o numa espécie de celei-ro, alimenta-o, banha-o, adora-o. Schro-eter filma-o no meio de azuis e de verme-lhos que são o vermelho das rosas e do sangue e da sua paixão meridional. Estes quadros constroem-se em tableaux dife-rentes dos que se mostram, generosamen-te, nos outros dois filmes anteriormente citados, menos desgarrados, porventura menos ousados.Este gosto narrativo de montagem em quadros, menos acentuado, repita-se, em Der Rosenkönig, mostra uma tendência, no entanto, ainda, para um tipo de desor-dem, de desequilíbrio formal que vai con-tra os modelos actuais do cinema, mes-mo alguns que se advogam de uma certa ousadia narrativa. Com o que se sabe hoje poder-se-ia fazer um cinema mais próximo deste. Numa época de filmes de scheiße, como é a actual, é necessário que assim aconteça para que possamos conti-nuar a acreditar na sua urgência e na sua sinceridade.

luz de inverno Boi Luxo

Der rosenkönig, Werner schroeter, 1986

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Regresso a uma noite de Janeiro deste ano, quando a Live Music Association abriu as por-tas ao “noise” e à música experimental do po-laco Zbigniew Krakowski, Sin:Ned, de Hong Kong, e e:ch, de Macau.

e:ch é o nome que Eric Chan utiliza quan-do encarna a pele de intrépido explorador só-nico, o papel que desempenhou nessa noite. De figura esguia, sentado no chão da sala de concertos com a guitarra eléctrica aninhada no colo e os braços estendidos sobre os pedais e o amplificador, Eric arrancou do instrumento e das maquinarias trinta minutos de pura dis-torção, umas vezes transformada em estática ruidosa, mas apaziguada, outras em descargas maciças de electricidade que evocavam com estrondo uma qualquer natureza do caos.

Desordem e confusão, enquanto elementos de ignição da criatividade, são ideias que se pressentem na música dos Forget the G, mas o trio - liderado por Eric Chan -,

privilegia uma disposição arrumada e pro-gressiva dos sons.

Fazendo parte do universo do chamado “rock alternativo”, os Forget the G convocam influências díspares que vão dos Radiohead a Ravel, passando pelos Einstruzende Neubau-ten ou Explosions in the Sky, para fazer uma música que, nas palavras da banda de Macau, tem uma dimensão marcada por três conceitos: subtileza, dinâmica e contradição.

No mais recente disco, de 2012, “I See You Watching Me While I’m Watching You” (se-gundo volume de uma trilogia ainda em aberto iniciada com “Prologue”, em 2010), os Forget the G aprofundam os conceitos-chave em can-ções que chegam aos 11 minutos, remetendo os ouvintes para grandes espaços onde a vista se alarga, mas também se revira para o seu in-terior.

A música desenvolve-se em lentas progres-sões, num tom arrastado que introduz transi-ções no tempo certo. Hipnótico, o som tanto explode como implode. As frases minimais de piano são constantes; as guitarras são melo-diosas e ambientais, mas amiúde optam pela estridência e pela expansividade. O “feedback” acentua a tensão, os “riffs” parecem decompor--se num estrépito electrónico. A voz de Eric Chan é expressiva, ondulante e intimista. “Et voilà”.

Os Forget the G nasceram em 2005, na Austrália, e tiveram direito a um segundo par-to em 2007, em Macau. Fazem parte da banda Eric Chan (voz e guitarra), Frog (piano) e Fi (bateria).

Até à data, contam com dois discos (“Pro-logue”, de 2010 e “I See You Watching Me While I’m Watching You”, de 2012), e outras tantas aparições em colectâneas (“Listen To The People”, de 2010, e “Black Market Music Compilation”, de 2012).

À semelhança do que acontece com outra das “wonder bands” de Macau, os Evade, tam-

próximo oriente Hugo Pinto

bém os Forget the G têm rodado com algu-ma intensidade pelos palcos da região (Hong Kong, China, Taiwan), onde têm colhido elo-gios que soam mais do que bem.

Em Macau, o discurso repete-se: “Gostava de ver mais pessoas interessadas em apreciar a música de diferentes bandas do que apenas miúdos que tentam parecer ‘cool’ nos concer-tos, enquanto dão uns saltos durante as actu-ações, ou passam o concerto a filmar com o seu iPhone. Acho que esta realidade explica porque é que algumas bandas procuram to-car o máximo possível fora de Macau.” É Eric Chan, em discurso directo. Apesar de algum desencanto, que não se acuse Eric, todavia,

de resignação: além da actividade a solo en-quanto e:ch e do trabalho com os Forget the G, Eric Chan é responsável pela editora que criou em 2010, Day’s Eye Records. É com este selo que edita os discos dos Forget the G, em Macau e em Hong Kong, funcionando ainda a editora como plataforma para a promoção de concertos de outras bandas. O primeiro espectáculo aconteceu no passado dia 13 de Janeiro, numa noite dedicada ao “noise”, na Live Music Association, e poucos dias depois realizou-se o segundo, com Islaja, da Finlân-dia. Eric promete mais para breve. Até por-que, diz, “continuamos a ter esperança de mu-danças para melhor”.

Não esquecer os Forget the g

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perspectivas Jorge rodrigues simão

c i d a d e s i n v i s í v e i s

metrópolis

Regidos pelos moRtos

O direitO, enquanto ciência humana, deve ser um reflexo tão fiel quanto pos-sível, das preocupações e anseios do ser humano, o que significa, que devia ser actual e real, não um mero acompanhan-te tardio da realidade social, sendo mui-tas das vezes, uma aplicação veneranda de legado “mortis causa”, no sentido de não se tratar de uma simples liberalida-de, pois o benefício pode ficar absorvido pelo encargo imposto ao legatário, a ser executado “ad aeternum”.

É muito frequente acontecer igual-mente, depararmos com o facto da nor-ma ter sido feita por um legislador fale-cido, para uma realidade desaparecida e que estando o corpo (norma) morto e tendo-se junto no eterno ao espírito, (legislador) continua confortavelmente a regular a vida dos vivos.

O direito do ambiente é um sinal da nossa época, e tal elementar motivo é a causa da sua existência e a razão do seu actual desenvolvimento, pese o facto de contra os ventos da actualidade e do futuro, não constar da maior parte dos planos de estudos adequados a Bolonha, não sendo contemplado no conjunto das unidades curriculares obrigatórias, e em algumas situações, considerado tão só, como unidade curricular optativa.

A protecção e a promoção do meio ambiente, bem como a implementação de um modelo de desenvolvimento sus-tentável são uma preocupação da socie-dade globalmente considerada e, portan-to, do direito. A degradação ambiental, é claramente um dos principais problemas que enfrenta a humanidade.

O modelo de desenvolvimento erra-do a nível global, com sobrepopulação, injustiça social, desigual distribuição dos recursos económicos, extensiva às rela-ções comerciais e políticas, a somar à ir-responsabilidade dos políticos, cujo cos-tume tradicionalmente aceite como sau-dável, é o de se manterem no poder por longo prazo, colocou na mira dos países

“São os mortos quem governa. Repara só, homem como nos impõe a sua vontade! Quem fez as leis? Os mortos! Quem fez os costumes a que obedecemos e que moldam e delimitam as nossas vidas? E os títulos de posse das nossas terras? Não foram os mortos que no-los legaram? Se um agrimensor traça uma linha, vai começar num canto marcado pelos mortos; e se alguém recorre aos tribunais sobre alguma questão, o juiz folheia os seus livros antigos até descobrir como os mortos a resolveram-se segue essa solução. E todos os escritores, quando querem dar peso e autoridade às suas opiniões, citam os mortos; e os oradores que pregam e discursam – não têm a boca cheia de palavras proferidas pelos mortos? Não há dúvida homem, as nossas vidas correm por sulcos que os mortos cavaram com as unhas dos polegares.”

Melville Davisson PostUncle Abner, Master Of Mysteries

a necessidade de respeitarem as regras de equilíbrio natural, para garantir a integri-dade e a renovação dos sistemas naturais.

É a este belo conjunto de normas, que é usual denominar-se de direito do am-biente, dependendo da sua implementa-ção e cumprimento, quer a nível nacio-nal, regional e internacional, a nossa so-brevivência como espécie humana, assim como, as demais espécies vivas, incluído o planeta. O direito do ambiente é nesta perspectiva referente ao meio ambiente.

É um ramo do direito público, cujo fim é a protecção do meio ambiente. A perspectiva da “Teoria Pura do Direito”, de Hans Kelsen, considera o direito como se de uma pirâmide se tratasse, que no topo se situaria a “Ursprungnorm-Norma Fundamental”, onde o direito do ambien-te encontraria a sua fundamentação. O direito nesta perspectiva, está reduzido à norma, detendo o Estado o monopólio da produção legislativa.

É esta a corrente de pensamento que vigora em Portugal, Espanha e Grécia. Os países pertencentes à “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)”, que são Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Timor-leste, e São Tomé e Príncipe por razões histó-rico-culturais, têm como língua oficial o português e a matriz do seu ordenamento jurídico é muito próxima da portuguesa.

A Guiné Equatorial, as Ilhas Maurí-cias e o Senegal têm o estatuto de mem-bros observadores associados, tendo de comum, apenas, o português como lín-gua oficial. São candidatos ao estatuto de membros observadores associados, An-dorra, Marrocos, Filipinas, Croácia, Ro-ménia, Ucrânia, Indonésia e Venezuela, Uruguai, Malaca, (estado da Malásia) e

a Galiza (comunidade autónoma de Es-panha).

O estado de Goa, da República da Ín-dia, antiga capital do Império Português da Índia, desde 1510 até 1961, e a Re-gião Administrativa Especial de Macau, da República Popular da China, colónia e território sob administração portugue-sa, desde o inicio do século XVI, até 19 de Dezembro de 1999, são candidatos a membros, dependentes da aprovação dos governos centrais dos respectivos paí-ses. Macau tem o estatuto de observador consultivo, através do “Instituto Internacio-nal de Macau”.

O direito do ambiente é um garantidor a um meio ambiente adequado ao desen-volvimento do ser humano, e encontra-se consagrado na maioria das constituições dos países ocidentais, como direito fun-damental, ainda que, doutrinariamente, em função do seu reconhecimento pelas constituições, sejam considerados como direitos fundamentais de primeira gera-ção, como os da liberdade e vida; direitos fundamentais de segunda geração, como os sociais, económicos e culturais e os direitos de terceira geração, como os de solidariedade.

A “Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau”, no artigo 119.º, afirma que “O Governo da Região Administra-tiva Especial de Macau protege o meio ambiente, nos termos da lei”, desde logo, no respeito pela “Lei de Bases do Ambiente”, aprovada pela Lei n.º 2/91/M, de 11 de Março, objecto de detalhado estudo, a ser brevemente publicado.

O direito do ambiente, é igualmen-te, o resultado da reunião teleológica de normas sectoriais em torno de uma nova ideia, que é o meio ambiente, considera-

do como conceito global e integrador e atentas as alterações climáticas, como um dos dez riscos globais dos anos vindou-ros, senão do século, se o planeta resistir à devastação e degradação que o seu pior inimigo, (o ser humano) o sujeita diaria-mente.

A situação de crise ambiental global que o mundo vive, pede ao direito do ambien-te suporte para a resposta a três situações, que revestem da máxima importância para a vida no planeta azul, e passam por saber qual é a actual e previsível evolução da cri-se ambiental e a forma posta ao serviço do direito para a minimizar; qual a visão dos es-pecialistas em direito do ambiente, quanto ao futuro e quais os desafios imediatos que enfrentará.

O direito do ambiente face aos de-safios imediatos que terá de fazer face, poderá vir a tornar-se o direito da cri-se ambiental que o mundo vive e se irá agravar. O mundo das previsões é parti-cularmente complexo e no direito do am-biente agudiza-se, principalmente a nível internacional, pois as alterações estão a produzir-se a grande velocidade, permi-tindo apenas ao observador ter uma ima-gem fixa do que ocorre.

O direito do ambiente é uma das áreas do direito, particularmente asso-ciada à realidade planetária, sendo forte-mente influenciado pelos factos sociais, económicos, tecnológicos e culturais. É necessário ter em consideração quan-do se aborda o direito do ambiente, as tendências, implicações e impactos in-ternos e externos, e os ajustamento que tem de fazer, face a fenómenos como os da globalização, integração em espaços supranacionais, como o do direito do ambiente da União Europeia, que está a originar o nascimento de um real “ius commune” no domínio do ambiente; de al-terações a nível das estruturas do direito do ambiente, como a constitucionaliza-ção, codificação, globalização e desregu-lação; de técnica jurídica e organização administrativa.

A dispersão normativa inata do direito do ambiente, não faz estranhar que umas das suas das modernas características, seja a da codificação. O ordenamento jurídico dos Estados Unidos sofreu múl-tiplas pressões para a adopção de uma única lei federal a nível do ambiente, em benefício, de uma desejável integração. Opinião expressa em Maio de 1991 pe-las competentes autoridades americanas, nomeadamente, a comissão de consulta em matéria de relações intergovernamen-tais do Senado e o Auditor-Geral. Existe actualmente uma verdadeira tendência à codificação do direito do ambiente como acontece na França e Alemanha.

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c i d a d e s i n v i s í v e i s

metrópolis Tiago Quadros*

Carlos da Maia (1878–1921) foi ofi-cial da Marinha de Guerra Portuguesa e destacado político Republicano. Entre 1914 e 1916 foi Governador de Macau. O seu mandato ficou para sempre asso-ciado à construção da Avenida Almeida Ribeiro. O desenho urbano da cidade estava marcado pela divisão entre a cida-de cristã, que se desenvolvia dentro de muralhas e na qual se situavam as forta-lezas, igrejas, e edifícios ligados à admi-nistração, como os Paços do Concelho, o Tribunal e o Palácio do Governo; e o Bazar chinês, fora de muralhas, caracteri-zado pelo traçado irregular e estreito das vias, pela presença dos templos, das casas de comércio e dos mercados. O gesto de Carlos da Maia, estratégico e moderno, uniu as duas cidades que coexistiam em Macau.A dimensão civilizacional, conceptual e simbólica do gesto de Carlos da Maia visava dotar a cidade de melhores acessi-bilidades e meios de administração, inte-grá-la num contexto de maior abertura, comunicação e cosmopolitismo. Ligar o porto interior, centro da cidade chinesa, ao porto exterior, espaço de fixação das famílias portuguesas, significava abrir a cidade ao mundo e ao infinito do mar. Nesse sentido, a Avenida Almeida Ribei-ro, em Chinês “San Ma Lou”, que signi-fica “Avenida Nova”, transformou a vida económica, social e cultural de Macau, aproximou as pessoas e as culturas, mo-dernizando a cidade. A Avenida Almeida Ribeiro ficou conclu-ída em 1918, depois da expropriação e demolição dos edifícios antigos que im-pediam o seu alinhamento regular. Com cerca de 600 metros, em poucos anos a “Avenida Nova” transformou-se na prin-cipal via da cidade, originando todo um conjunto de novas infra-estruturas e equipamentos de linguagem moderna construídos em betão. Na década de 30, a maior parte da vida que caracterizava a Rua Central, centro da cidade cristã, tinha-se transferido para a Avenida Al-meida Ribeiro, que se assumia já como a zona mais próspera da cidade, com co-mércio, bancos, hotéis, joalharias e cine-mas. Em consequência da construção da Ave-nida Almeida Ribeiro, nasceram, entre outros, a Ponte do Cais n.º 16, o Gran-de Hotel e um conjunto elevado de Shop Houses. Apesar da tipologia das Shop Hou-ses se fundar na tradição chinesa, as ar-cadas, as janelas, as portadas em arco e os motivos decorativos florais remetiam para uma eclética influência europeia. Na Europa, grande parte das profundas transformações operadas, resultavam da necessidade das morfologias urbanas se

More is Less. ou a faLta de Luz ao fundo da avenida

adaptarem aos meios de transporte mecâ-nicos. Nesse contexto, a “gare” tornou-se no novo espaço de recepção da cidade. Em Macau a “gare” era marítima (a Ponte do Cais n.º 16) mas o modelo correspon-dia aos exemplos estabelecidos na Euro-pa. O Hotel de Gare estava representado pelo Grande Hotel e o novo boulevard, que conduzia à praça do município (o Largo do Leal Senado), tinha na Avenida Almeida Ribeiro o seu espaço.Em 1983 foi elaborado o “Plano de Inter-venção Urbanística da Almeida Ribeiro” pela Palmer & Turner. Tratava-se de um regulamento detalhado com indicações para construção na zona, tendo como objectivo a renovação urbana no quadro da preservação de edifícios e ambientes classificados. O Hotel Lisboa, situado

já nos novos aterros da Praia Grande, no extremo da Avenida Infante D. Hen-rique, foi o primeiro edifício a fugir ao alinhamento e a invadir, ainda que ligei-ramente, o eixo central daquele sistema viário. Logo após a transferência da ad-ministração de Macau para a República Popular da China, deu-se a liberalização do jogo, e com ela a densificação cons-trutiva tornou-se galopante. Assim, ao Hotel Lisboa, seguiu-se o Wynn Resort que definitivamente invadiu o enquadra-mento visual e, mais tarde, o MGM que acabou por fechar a Avenida Almeida Ri-beiro ao mar. No extremo oposto, o Re-sort Soffitel construído naquele que foi o principal lugar de chegada a Macau, a Ponte do Cais n.º 16, não só destruiu a ponte como bloqueou a Avenida Almei-da Ribeiro. O empreendimento da Ponte do Cais n.º 16 constitui o derradeiro tam-pão da Avenida. Trata-se de uma inter-venção urbanística de índole revivalista, que procura reactivar o tecido urbano do Porto Interior, todavia num sentido que não podia ser mais inverso ao que origi-nou aquela estrutura urbanística que hoje se contempla com valor histórico, no profundo rasgo de modernidade traçado por Carlos da Maia.Enquanto que Carlos da Maia procurou ligar o antigo com o novo, os fluxos de intervenções nos extremos da Avenida Almeida Ribeiro, transformaram esta ar-téria num espectáculo específico, recla-

mando para si mesma um papel secun-dário, mais ligado à sua mediatização do que propriamente ao seu valor arquitec-tónico. Com efeito, as sucessivas inter-venções nas franjas da “Avenida Nova”, não integraram os lugares antropológicos que o passado criou, transformando-os, antes, em lugares de memória que fun-cionam como símbolos da alteridade do passado em relação ao mundo de hoje. Poder-se-á dizer que a Avenida Almeida Ribeiro padece de uma relação de exclu-são ou assimilação nula – More is Less. Ou a falta de luz ao fundo da Avenida. O gesto de Carlos da Maia sugere uma nova ética territorial, fundada no respei-to pelos limites ecológicos dos meios empregues na transformação da cidade. O fecho da Avenida Almeida Ribeiro foi um valor subtraído à cidade, mas também uma constatação que pode servir de cha-mada de atenção para a necessidade ur-gente de desenvolver ideias para novos e adequados instrumentos urbanísticos. O valor de uma via que ligava mar a mar, por terra, e que durante muitos anos foi o ponto de chegada e de partida de uma cidade, não pode reduzir-se a um beco sem saída.

*Arquitecto, Mestre em Cor na Arquitecturapela Faculdade de Arquitectura da UniversidadeTécnica de Lisboa

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gente sagrada José simões morais

土地 Tu Di é um deus com a função de zelar pela paz e proteger os habitantes de uma pequena área de ter-ra, por isso é considerado também deus da família.O culto do espírito da terra, She (社, Se em canto-nense), é um dos mais antigos realizados na China e terá começado na dinastia Zhou do Leste, havendo uma referência a ele no Livro dos Ritos (Li Ji), um dos Clássicos chineses. Mas o culto só foi oficiali-zado em 198 a.C. pelo fundador da dinastia Han, o imperador Liu Bang, que decretou dever o povo venerar o espírito da terra e fazer-lhe sacrifícios. Com o aparecimento da religião tauista, o ances-tral espírito da terra, She (社), cuja sua grandeza abstracta englobava a totalidade da terra, entrou no panteão e foi dividido em vários deuses, sendo um deles, o deus local (土地, Tou Tei em cantonense, ou Tu Di em mandarim).Tendo começado por ser uma entidade abstracta, o deus da terra encarnou o espírito de uma pessoa que na zona viveu e após passar para a outra vida, os ha-bitantes, distinguindo-o pela sua virtude ou pode-res sobrenaturais, escolheram-no para seu protector e do lugar. Logo, o espírito do Tu Di não está per-sonificado nem nos Espíritos Puros, ou nas divinda-des do Céu, nem em personagens históricas mas, no de um simples habitante da zona onde, após ser escolhido, realiza a sua função de guardião. Se as pessoas dessa zona sentirem que o espírito da pes-soa escolhida não cumpre bem as suas funções de protecção aos habitantes dessa pequena área, po-derão substituí-lo por um outro que, durante a sua vida terrena mostrou virtudes para exercer a função, tomando assim o lugar de espírito protector.Em Macau, muitos são os nichos, altares e templos dedicados a Tu Di, que pode ser representado por placas com caracteres, ou esculturas. Actualmente estas imagens são principalmente de porcelana com a representação humana de um ancião, ou também acompanhado pela sua esposa, que se situa à sua direita. Há quem faça referência a uma terceira per-sonagem, mais pequena, de um vulto feminino co-locada à esquerda do ancião deus, que representa a concubina. Mas nunca encontramos nenhum local dedicado a Tu Di onde existissem duas imagens fe-mininas no mesmo nicho, ou altar. Vê-se sim, por vezes, a imagem da anciã colocada no lado esquer-do de Tu Di.Era normal nas casas chinesas haver um altar ao es-pírito da terra, pois ele é tratado como sendo da família, a quem se conta os segredos, se pedem con-selhos e consolação nas horas mais difíceis. Como deus da Família protege-a e dá-lhe boa sorte, não sendo por isso esquecido nas alturas de grande ale-gria, sendo-lhe dadas generosas ofertas como agra-decimento.A celebração do seu aniversário acontece no segundo dia, do segundo mês lunar e em Macau, nos dois prin-cipais templos dedicados a Tu Di os festejos são sem-pre acompanhados com espectáculos de Ópera Yue.

Tu Dio espírito da terra

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Huai NaN Zi 淮南子 O LivrO dOs Mestres de Huainan

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Aqueles que têm criticas a fazer são punidos como se tivessem cometido um crime.

Huai Nan Zi (淮南子), O Livro dos Mestres de Huai-nan foi composto por um conjunto de sábios taoistas na corte de Huainan (actual Província de Anhui), no século II a.C., no decorrer da Dinastia Han do Oeste (206 a.C. a 9 d.C.).Conhecidos como “Os Oito Imortais”, estes sábios destilaram e refinaram o corpo de ensinamentos taois-tas já existente (ou seja, o Tao Te Qing e o Chuang Tzu) num só volume, sob o patrocínio e coordenação do lendário Príncipe Liu An de Huainan. A versão por-tuguesa que aqui se apresenta segue uma selecção de extractos fundamentais, efectuada a partir do texto ca-nónico completo pelo Professor Thomas Cleary e por si traduzida em Taoist Classics, Volume I, Shambhala: Boston, 2003. Estes extractos encontram-se organiza-dos em quatro grupos: “Da Sociedade e do Estado”; “Da Guerra”; “Da Paz” e “Da Sabedoria”.O texto original chinês pode ser consultado na íntegra em www.ctext.org, na secção intitulada “Miscellaneous Schools”.

Do EstaDo E Da sociEDaDE – 37

As sugestões úteis não devem ser rejeitadas apenas por terem origem em pessoas de baixa condição, nem se devem seguir sugestões inúteis apenas por terem origem em pessoas de alta condição. O certo e o errado não são questões de estatuto social. Os líderes iluminados escutam os seus ministros: se os seus planos são úteis, os líderes não os olham sobranceiramente devido à sua patente; e se dizem que algo é exequível, os líderes não se preocupam com o modo como o dizem.Mas os líderes ignorantes não são assim. No que se refere aos seus familiares e associados, mesmo que estes sejam desonestos, os líderes são incapazes de o ver; e quando se trata de estranhos e pessoas de baixa condição, mesmo quando estes são diligentes e leais, os líderes são incapazes de o saber. Aqueles que têm algo a dizer são tenazmente importunados pela sua escolha de palavras, enquanto aqueles que têm criticas a fazer são punidos como se tivessem cometido um crime. Se quiseres iluminar a terra e cuidar das suas comunidades deste modo, tal será como tapar os ouvidos para música ou os olhos para contemplar uma pintura – mesmo que tenhas bom ouvido e boa vista, muito longe estarás de entender.

tradução de Rui cascais ilustração de Rui Rasquinho

L e t r a s s í n i c a s

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