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hábitos alimentares, infecção natural e distribuição de triatomíneos ...

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HÁBITOS ALIMENTARES, INFECÇÃO NATURAL E DISTRIBUIÇÃO DE TRIATOMÍNEOS DOMICILIADOS NA REGIÃO CENTRAL DO BRASIL * Oswaldo Paulo Forattini** José Maria Soares Barata ** Jair Lício Ferreira Santos ** Antonio Carlos Silveira*** FORATTINI, O. P. et al. Hábitos alimentares, infecção natural e distribuição de triatomíneos domiciliados na região central do Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 16:171-204, 1982. RESUMO: Apresentam-se as informações obtidas no inquérito triatomí- neo levado a efeito na região central do Brasil. As características biogeográ- ficas incluem a existência de áreas abertas dos cerrados e amplas faixas transicionais com outras feições paisagísticas. Dentre estas destacam-se a floresta tropical atlântica e a presença de extensas inclusões florestadas (florestas, galerias e capões de matas de diferentes ordens de grandeza). No período de 1975/1980 foram examinados 3.160 triatomíneos coletados no ambiente domiciliar, objetivando detectar a presença de sangue ingerido e de infecção natural por Trypanosoma tipo cruzi. Por ordem de freqüência, as espécies encontradas foram Triatoma infestans (43,5%), Triatoma sordida (33,0%) e Panstrongylus megistus (23,5%) e algumas outras menos freqüentes. A presença de sangue foi detectada em 35,9% e a infecção em 2,2% desse total de espécimens examinados. Na mobilidade alimentar obteve-se coefi- cientes gerais de 54,0% para ave e 30,0% para homem. De maneira especí- fica, revelaram-se apreciáveis níveis de antropofilia para T. infestans e de ornitofilia para T. sordida. Quanto a P. megistus, se bem que encontrado frequentemente com sangue de mamíferos, apresentou também boa presença de sangue de ave. A presença de sangue humano em exemplares coletados no peridomicílio evidenciou a ocorrência de mobilidade espacial, em especial modo por parte de P. megistus e T. sordida. A distribuição geográfica mos- trou o caráter autóctone de T. sordida em relação ao domínio de cerrado, com poder invasivo para o das áreas florestadas. O inverso verificou-se com relação a P. megistus, enquanto que T. infestans revelou seu aspecto inva- sivo para ambas as regiões, sob influência da atividade humana. Os resultados permitem concluir que, na transmissão regional epidemiologicamente signi- cante da tripanossomíase americana, desempenha papel relevante o T. infestans em primeiro lugar, e o P. megistus, em segundo. Este poderá vir a ter maior atuação, na dependência de fatores vários, como a sua capacidade de invasão domiciliar. Quanto a T. sordida, na atualidade, representa risco potencial de * Realizado com auxílio financeiro do Centro Brasileiro de Estudos Entomológicos em Epidemiologia (CENTEP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processo PDE 10-1-01), com o apoio logístico da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) do Ministério da Saúde. ** Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil. *** Da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) do Ministério da Saúde, Esplanada dos Ministérios, Bloco 11 — 70000 Brasília, DP — Brasil.
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HÁBITOS ALIMENTARES, INFECÇÃO NATURAL E DISTRIBUIÇÃODE TRIATOMÍNEOS DOMICILIADOS NA

REGIÃO CENTRAL DO BRASIL *

Oswaldo Paulo Forattini**José Maria Soares Barata **Jair Lício Ferreira Santos **Antonio Carlos Silveira***

FORATTINI, O. P. et al. Hábitos alimentares, infecção natural e distribuição detriatomíneos domiciliados na região central do Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo,16:171-204, 1982.

RESUMO: Apresentam-se as informações obtidas no inquérito triatomí-neo levado a efeito na região central do Brasil. As características biogeográ-ficas incluem a existência de áreas abertas dos cerrados e amplas faixastransicionais com outras feições paisagísticas. Dentre estas destacam-se afloresta tropical atlântica e a presença de extensas inclusões florestadas(florestas, galerias e capões de matas de diferentes ordens de grandeza).No período de 1975/1980 foram examinados 3.160 triatomíneos coletados noambiente domiciliar, objetivando detectar a presença de sangue ingerido e deinfecção natural por Trypanosoma tipo cruzi. Por ordem de freqüência, asespécies encontradas foram Triatoma infestans (43,5%), Triatoma sordida(33,0%) e Panstrongylus megistus (23,5%) e algumas outras menos freqüentes.A presença de sangue foi detectada em 35,9% e a infecção em 2,2% dessetotal de espécimens examinados. Na mobilidade alimentar obteve-se coefi-cientes gerais de 54,0% para ave e 30,0% para homem. De maneira especí-fica, revelaram-se apreciáveis níveis de antropofilia para T. infestans e deornitofilia para T. sordida. Quanto a P. megistus, se bem que encontradofrequentemente com sangue de mamíferos, apresentou também boa presençade sangue de ave. A presença de sangue humano em exemplares coletadosno peridomicílio evidenciou a ocorrência de mobilidade espacial, em especialmodo por parte de P. megistus e T. sordida. A distribuição geográfica mos-trou o caráter autóctone de T. sordida em relação ao domínio de cerrado,com poder invasivo para o das áreas florestadas. O inverso verificou-se comrelação a P. megistus, enquanto que T. infestans revelou seu aspecto inva-sivo para ambas as regiões, sob influência da atividade humana. Os resultadospermitem concluir que, na transmissão regional epidemiologicamente signi-cante da tripanossomíase americana, desempenha papel relevante o T. infestansem primeiro lugar, e o P. megistus, em segundo. Este poderá vir a ter maioratuação, na dependência de fatores vários, como a sua capacidade de invasãodomiciliar. Quanto a T. sordida, na atualidade, representa risco potencial de

* Realizado com auxílio financeiro do Centro Brasileiro de Estudos Entomológicos emEpidemiologia (CENTEP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) (Processo PDE 10-1-01), com o apoio logístico da Superintendência de Campanhas deSaúde Pública (SUCAM) do Ministério da Saúde.

** Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de SãoPaulo — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil.

*** Da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) do Ministério da Saúde,Esplanada dos Ministérios, Bloco 11 — 70000 — Brasília, DP — Brasil.

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infestação ou reinfestação das habitações. O controle rotineiro, mediante adesinsetização domiciliar deverá fornecer bons resultados, com a eliminaçãoda transmissão nesse ambiente. Todavia, continuará o risco de reinfestação,pelo menos no peridomicílio face aos focos extradomiciliares de P. megistuse T. sordida. Isso implicará, necessariamente, vigilância cuja eficiência estarána dependência da continuidade das pesquisas.

UNITERMOS: Tripanossomíase americana. Triatomíneos, região centraldo Brasil. Triatomíneos, hábitos alimentares. Triatomíneos, infecção natural.Triatomíneos, domiciliação.

INTRODUÇÃO

Em publicação anterior descreveu-se pro-grama de estudos destinado à obtenção deconhecimentos mais detalhados sobre osaspectos regionais, no Brasil, do comporta-mento alimentar de populações domiciliadasde Triatominae. Nessa oportunidade, foifocalizada a região Nordeste e, com osdados obtidos, pôde-se conseguir subsídiospara melhor entendimento do mecanismo dedomiciliação desses insetos (Forattini ecol.16, 1981). Desse modo, a meta f ina lreside na possibilidade de avaliar opotencial de reinfestação das casas e aconseqüente probabilidade de retorno datransmissão domiciliar da tripanossomíaseamericana. Aspira-se, pois, a que tais infor-mações se constituam em elementos úteis naorientação da vigilância epidemiológica.

Partindo-se da hipótese de que tal sinan-tropia é estimulada pela modificação doambiente, no sentido de transformá-lo emterreno aberto graças à destruição da co-bertura vegetal primitiva, procurou-se dis-t r ibu i r os dados obtidos pelas regiõesnaturais, identificadas mediante aspectospaisagísticos. Estes basearam-se na consi-deração de áreas nucleares e vizinhas, ouseja, de transição (Forattini11, 1980). Se-guindo essa conduta, no presente trabalhosão apresentados os dados obtidos nasfeições paisagísticas correspondentes aoscerrados e às áreas a eles adjacentes.

REGIÃO ESTUDADA

A região focalizada corresponde ao do-mínio dos chapadões recobertos por cer-

rados e penetrados por florestas-galeria(Ab'Sáber1,2, 1971, 1977). A delimitação daregião nuclear dos cerrados foi realizada porcritérios fitogeográficos em morfoclimáticos(Hüeck, 1972; Ab'Sáber, 1971), tornandopossível identificar um espaço poligonalirregular para o conjunto dos cerrados doBrasil Central, do Sul de Mato Grosso aoschapadões do Maranhão. Esta "core area"se apresenta como um continuum fisiográ-fico e ecológico, da ordem de 1,8 milhãode km 2 . No entanto, a delimitação linearda área nuclear em face das complexasáreas de transição que a envolvem, consti-tui-se numa tarefa bastante complexa edif íc i l . Dessa maneira, as linhas limítrofes,a exemplo do considerado em outrasocasiões, terão de ser forçosamente aproxi-madas, permitindo maior ou menor elasti-cidade. Em vista disso, neste trabalho serãoincluídos os dados obtidos em áreas dafloresta tropical atlântica, embora se tratede outro domínio paisagístico. Objetiva-se,assim, visão mais geral da região centro--oeste do Brasil, que tem nos cerrados asua parte dominante. Assim sendo, serãoaqui descritas as feições referentes a essedomínio e das áreas transicionais que, nasua parte setentrional, apresenta com odomínio da caatinga.

Com tais premissas pode-se considerar apresença de faixa delimitante oriental,estendendo-se de norte a sudoeste (Fig. 1).Na sua parte setentrional, a separação éfeita com o domínio das depressões inter-planálticas semi-áridas do nordeste, e quetêm na caatinga sua área nuclear. A des-

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crição desse limite foi feita em trabalhoanterior, ressaltando o aspecto de amplafaixa transicional que abrange grande partedo território do Estado do Piauí e que, emdireção sul, atinge a Chapada Diamantina,já em terras baianas (Forattini e col.16,1981). Dessa forma, o leste do Estado doMaranhão e o oeste do Estado da Bahia,incluída aqui a porção média da bacia dorio São Francisco, situam-se neste domíniocom a feição geral de campos cerrados(Galvão17, 1955; Kuhlmann 24, 1977). To-davia, o amplo caráter transicional dessaárea faz com que varie, conforme os estu-diosos do assunto, a sua inclusão no cer-rado ou na caatinga. Eis que para alguns,como Hueck19 (1972), Hueck e Seibert20

(1972) e Alonso3 (1977), ela é incluídano segundo desses domínios, adentrando aporção norte do Estado de Minas Gerais.De qualquer maneira, e para as finalidadesdas presentes pesquisas, quando do estudoda região nordeste, os municípios piauiensesnela englobados foram considerados comomais próximos à caatinga, enquanto queos do sudoeste baiano o foram como parti-cipantes de área transicional (Forattini ecol.16, 1981).

Ao sul do Estado da Bahia, a demarcaçãodos cerrados passa a apresentar aspectosde transição com o domínio florestalatlântico. Tal feição caracteriza-se pelodesenvolvimento de tipo de vegetação flo-

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restal conhecido como "mata de cipó". Essafeição florística, representada pela florestacaducifólia não espinhosa, estende-se emdireção meridional, entrando em territóriomineiro. Nesse percurso, interpõem-se entrea mata subcaducifólia tropical e as forma-ções xerofíticas ocidentais até, aproximada-mente, a altura do rio Araçuai (Alonso3,1977). Dessa maneira a linha limítrofe tomadireção sudoeste, percorrendo o Estado deMinas Gerais até o vale do Rio Grande,que constitui o limite norte do Estado deSão Paulo. Essa trajetória pode ser descritacomo iniciando-se no vale do rio Jequiti-nhonha, nos limites com o Estado da Bahia.Acompanhando, a partir de Joaima, a bordaoriental dessa bacia hidrográfica, atinge aSerra do Espinhaço na altura da SerraAzul de Minas após percurso, de acentuadasinuosidade, entre esta Itamarandiba. Apartir desse ponto, toma direção sul se-guindo o contorno daquele maciço monta-nhoso e, ao nível de Belo Horizonte, dirige--se para o vale do Rio Grande alcançando-ono município de Formiga. A seguir, acom-panha esse curso de água até a confluênciao rio Paranaiba, para a formação do rioParaná (Magalhães25, 1966; Moreira eCamelier 29, 1977; Alonso3, 1977). Seguindoa margem ocidental deste, perccorre a regiãomeridional do Estado de Mato Grosso doSul até a bacia do rio Ivinheima onde, essahipotética linha limítrofe inflete-se novamenteem direção oeste. Nesse percurso, e demaneira bastante sinuosa, atinge PontaPorã. Em tal região, delimitante com oterritório paraguaio, o cerrado conflui como chaco. Em terras brasileiras e em direçãosetentrional, volta a ocorrer a delimitaçãomas, desta vez, com a feição paisagísticacomplexa do Pantanal. Isso se observa apartir de Bela Vista, acompanhando o rioApa e, em seguida, subindo pela bacia dorio Paraguai, englobando o baixo percursodos rios que lhes são afluentes, desdeMiranda e Aquidauana ao sul, até Poconé, aonorte (Hueck e Seibert2 0 , 1972; Santos ecol.34, 1977). A delimitação norte e ocidentalcorresponde ao traçado da linha divisória

com a região amazônica e já descrita emtrabalho anterior (Forattini", 1980).

O domínio dos cerrados constitui extensosistema planáltico com alguns maciços deelevações. O aspecto paisagístico é monó-tono, caracterizado por formações vegetaisde tipo campestre, como os campos, camposcerrados e cerrados propriamente ditos, aolado de feição florestal seca conhecido comocerradão. No entanto, tal divisão é apenasfisionômica, uma vez que a composiçãoflorística é comum a essas várias moda-lidades. De qualquer maneira, observa-se opredomínio do aspecto savanóide, onde avegetação arbórea apresenta-se esparsa, emmaior ou menor grau, com indivíduos rara-mente ultrapassando os dez metros de altura.Ocorre ainda a presença de estrato arbustivodenso e, na superfície do terreno, de cober-tura herbácea representada por gramínease plantas rasteiras. Embora, de maneirageral, os solos sejam de fraca fertilidadeprimária, a variabilidade desse fator, aliadaao caráter perene dos cursos de água, fazcom que aquela feição genérica seja des-continuada pela existência de inclusõesflorestais. Estas são representadas, sejapelas matas-galeria que acompanham osrios, seja pelos enclaves determinados graçasà ocorrência de solos férteis. Alguns destesúltimos atingem extensões consideráveis, e,provavelmente, se correlacionam ao domíniodos "mares de morros" florestados. Emterritório de Minas Gerais podem ser men-cionados os que, sob a forma de florestasubcaducifólia tropical, constituem a ilhaflorestada denominada "Mata da Corda"situada na região leste do TriânguloMineiro, além dos que se encontram novale do rio Araguari, no oeste e sudoestede Belo Horizonte, na região de Arcos ePains, na de Patos de Minas e Tiros, eda denominada "Mata da Jaíba" ao nortede Montes Claros (Faissol8 1957; Azevedo 4,1959; Alonso3 , 1977). No que concerne aterras goianas destaca-se, com a mesmafeição, a grande mancha conhecida como"Mato Grosso de Goiás", abrangendo regiãoque se estende desde as cercanias deGoiânia e de Goiás até, ao norte, a Serra

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Dourada. Inclui os vales de afluentes dosrios Araguaia e Tocantis, entre estes orio das Almas, além de tributários do Para-naíba (Santos e col.34, 1977). Ademaisdessas inclusões ocorrem outras, de menoramplitude, e que juntamente com os acimamencionados e as matas galerias, fazemcom que o domínio dos cerrados incluapotencial de florestas classificadas como deprimeira classe (Weibel37, 1948; Hueck19,1972). Todavia, é de se assinalar que taisáreas florestadas encontram-se, na atuali-dade, praticamente destruídas em virtudedas alterações de origem antrópica que têmsofrido.

Além dessas matas de inclusão, há que seconsiderar a existência de outros aspectos,em especial modo, nas partes norte e nor-deste da extensão dos cerrados. No queconcerne à primeira, inclui a porção orientaldo Estado do Maranhão, seguindo a margemesquerda do rio Paraíba, e a parte meri-dional do Estado do Piauí, a oeste do rioUruçui-Preto. Alí a paisagem transicionalcaracteriza-se pela ocorrência de maiornúmero de árvores, e pelo fato de apenas15,0% das espécies vegetais presentes seremcomuns ao cerrado do planalto central. Porsua vez, a feição da caatinga apresentainclusões, entre as quais pode ser mencio-nada a que ocorre no oeste baiano, abran-gendo a região de Serra do Boqueirão, oalto curso do rio dos Cocos e Brejo Velho,e o município de Santana. Além disso é dese considerar que, para alguns, o norte doEstado de Minas Gerais pertence a essedomínio. De qualquer maneira, parece pontopacífico que a parte média e alta da baciado rio Jequitinhonha constitui mancha isola-da de aspecto semelhante ao da caatinga(Kuhlmann 2 4 , 1977; Alonso3 , 1977) (Fig. 2).

Quanto aos aspectos climáticos pode-sedizer que, apesar da enorme extensão destedomínio, são bastante uniformes, caracteri-zando o tipo de clima tropical semi-úmido.Não se apresentam aqui, de maneira acen-tuada, as influências orográficas, exceto nosconjuntos montanhosos mais elevados, quese encontram no Estado de Goiás. Nesse

particular, admite-se, porém, alguma respon-sabilidade por diversidades térmicas, àoposição de amplas superfícies baixas, commenos de 200 m, a extensas chapadas sedi-mentares e elevações cristalinas, onde aaltitude varia de 700 a 1.200 m. Na clas-sificação de Koeppen inclui-se, de maneirageral, como "clima de savanas", ou seja,do tipo Aw correspondente ao tropicalchuvoso com inverno seco e onde a tempera-tura média do mês mais frio é superior a18°C. Contudo, o extremo setentrional,compreendendo a parte norte maranhensee piauiense, classifica-se como Aw', umavez que a estação chuvosa prolonga-se aliaté o outono (Koeppen21, 1948). Pode-sedizer pois que o clima quente predominaem toda a região, pois apenas algumas áreasdo sul de Goiás e de Mato Grosso do Sulmostram, nos meses de inverno, a ocorrên-cia de temperaturas médias inferiores àquelenível. A grande amplitude latitudinal, quese estende entre os paralelos de 3 e 22°de latitude sul, contribui para a presençade diversificação térmica observando-se, aonorte de Goiás, que os valores médios noinverno chegam a ultrapassar os 24°C. Noque concerne ao ritmo estacional das chuvas,verifica-se o predomínio do regime tropicalcentrobrasileiro, com o máximo de precipi-tações no verão e o mínimo no inverno.Faz exceção, a referida parte setentrionaldo Maranhão-Piauí, onde ocorre o regimetropical da zona equatorial que, como semencionou, apresenta intensa pluviosidadeoutonal e mínima no período primaveril.Desse modo, na região do domínio dos cer-rados, considera-se a presença de climaquente e semi-úmido, com quatro a cincomeses secos, emprestando-lhe assim homo-geneidade bastante grande. Com exceção desua parte no extremo norte, esse aspectoé reforçado pelo sistema geral de circulaçãoatmosférica. Esta, com seu aspecto carac-terísticamete tropical, constitui fator pode-roso para o quadro de uniformidade quese verifica na variação estacional da tem-peratura e das precipitações, com máximosna primavera-verão e mínimos no inverno(Nimer 3 0 , 3 1 , 1979).

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Das descrições acima, ressalta a mono-tonia do conjunto paisagístico que caracte-riza este domínio de chapadões recobertospor cerrados e penetrados por florestas--galeria. Na sua área nuclear apresenta-secomo território marcadamente planáltico, emcondições topográficas e climáticas bastantefavoráveis (Ab'Sáber1,2 1971, 1977). A su-perfície do terreno é ligeiramente onduladae freqüentemente interrompida por rios devariada envergadura, o mais das vezesacompanhados pelas citadas matas de

galeria. A esse padrão de paisagem se con-trapõem formações diferentes, constituídaspor escarpas elevadas de amplitudes varia-das. Como já se mencionou, o aspecto dacobertura vegetal é o dos campos cerrados,cerrados e cerradões. A eles acrescentam-seas inclusões, florestadas ou não, tambémjá referidas. A distribuição geral dessasfeições vegetais pode ser observada na Fig.2. Todavia, é de se mencionar os aspectosencontrados no extremo norte da região,ou seja, nas porções setentrionais dos Esta-

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dos do Maranhão e do Piauí. Estabelece-sealí ampla área de caráter transicional entreo domínio da floresta amazônica, a oeste,o da caatinga, a leste, e o dos cerrados,ao sul. O limite norte é constituído pelacosta atlântica e a vegetação típica do lito-ral. Nessa extensão, as várias feições detransição manifestam-se pela descaracteri-zação, em maior ou menor intensidade, dosquadros paisagísticos desses domínios. Aesse respeito já se mencionou o grau dediversidade alí apresentado pelo cerrado,em comparação com os caracteres que eleapresenta em regiões mais meridionais. To-davia, o que distingue essa área é a riquezaem palmáceas, dentre as quais sobressaem,pela importância econômica, o babaçú(Orbignya) e a carnauba (Copernicia). Apartir daí, esses vegetais dispersam-se emdireção sul, atingindo territórios matogros-senses e mineiros (Santos 33 1943; Fialho 1 0

1953; Kuhlmann2 3 1953; Galvão 17 1955).

Sob o ponto de vista paleoecológico, aregião abrangida nesta descrição incluialguns possíveis refúgios, por ocasião daúltima época glacial. Em estudos com lepi-dópteros, Brown 7 (1979) situa-os no queele denomina de centro de endemismo eevolução do Araguaia. Com probabilidadevariável de 60,0 a 100,0%, abrange áreado sul do Estado de Goiás, correspondenteaos terrenos florestados da Serra Douradae do "Mato Grosso de Goiás". Além desses,outros possíveis refúgios estariam em áreasmenores localizadas em Mato Grosso doSul, na bacia do rio Paraná, e no oesteda Bahia. Tais centros de endemismo pode-riam incluir populações triatomíneas que,a partir deles, teriam se dispersado e domi-ciliado sob pressão da atividade antrópica(Forat t ini 1 1 , 1980).

Tem-se aventado a hipótese de que oaspecto aberto do domínio dos cerrados fossedevido à atuação humana que teria des-truído a cobertura florestal primitiva aliexistente. Todavia isso não corresponde à

verdade, a não ser em regiões mais intensa-mente povoadas e nas inclusões florestadasas quais, na atualidade, acham-se pratica-mente destruídas (Hueck18,19, 1957, 1972).Até pouco tempo atrás, os cerrados eramconsiderados impróprios para a exploraçãoagrícola, motivo pelo qual sua utilizaçãoera relativamente reduzida. A construção deBrasília, em pleno domínio dessa feiçãopaisagística, até certo ponto obedeceu aesse conceito. Contudo, o desenvolvimentodas técnicas agrícolas, com o preparoadequado do solo, pôde transformá-los emáreas produtivas. Tal fato, indo ao encontrode topografia e de condições climáticasfavoráveis, resultou na abertura de novasfronteiras para a exploração agropecuária.Daí a incorporação, ao plano nacional dedesenvolvimento brasileiro, do potencial derecursos naturais dessa região, visando oaumento da produtividade. Em conseqüência,foram estimuladas as atividades para talobjetivo e encontra-se em andamento verda-deiro processo de transformação da paisa-gem natural. Ao lado disso, tem-se procura-do estimular as pesquisas destinadas aoestudo das condições para a melhor utiliza-ção dessas extensas áreas (Weibel37, 1948;Faissol 8, 1957; Ferri 9, 1977). É de se preverpois, para futuro próximo, a intensa ocupa-ção dessa grande região aberta. As modifi-cações daí resultantes poderão dar origema estímulos que tendam a modificar o com-portamento de populações naturais. Entreestas, e para o assunto focalizado nestetrabalho, importa considerar as de triato-míneos que assim poderão ser atraídas parao processo de domiciliação.

MATERIAL E MÉTODOS

A coleta do material, o processamentoem laboratório e o tratamento dos dadosobtidos, obedeceram à mesma metodologiajá descrita por ocasião de trabalho anterior,exceção feita do teste de duas proporçõescom aproximação normal, cuja utilização foi

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julgada desnecessária neste t rabalho (Fo-rat t ini e col.16, 1981). A procedência dosespécimens submetidos a exame inc lu iu o totalde 1.513 localidades, situadas em 198 muni-cípios da área descrita, e cuja localizaçãoestá representada na Fig. 3. A Tabela 1expõe a distribuição dessas unidades, deacordo com as regiões biogeográficas e osEstados considerados. A distribuição indi-vidual, segundo esses mesmos critérios,acrescida das espécies encontradas, encontra--se no f i n a l deste artigo. Todavia, do ma-terial coletado excluiu-se o obtido nos doismunicípios, de Corumbá (Estado de Mato

Grosso do Sul) e de Cristália (Estado deMinas Gerais). Tal ati tude just i f icou-se pelofato de a exigüidade desse número nãopermitir obter nenhuma informação útil refe-rente às regiões do Pantanal e da Caatingade inclusão, das quais foram, respectiva-mente, os únicos representantes nesta pes-quisa. Por outro lado, cabem aqui asmesmas ponderações, tanto as referentes apossíveis causas de erro como as concer-nentes aos critérios seguidos, e que já foramexpostas em trabalhos anteriores (Fo-r a t t i n i 1 1 , 1980; Forat t in i e col.16, 1981).

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RESULTADOS

Esta pesquisa implicou o exame de 3.160triatomíneos, com a distribuição específicaseguinte:

Além dessas, foi possível registrar o en-contro esporádico de outras quadro espécies,no total de 26 exemplares. Os resultadosreferentes a estas serão relatados em pará-grafo adiante.

No que concerne à distribuição relativaao domicílio e peridomicílio, obteve-se 859triatomíneos no primeiro e 1.197 no se-gundo, excluídos 1.104 insetos para os quaisessa informação não foi conseguida. Assim,desses 2.056 exemplares, 41,8% foramobtidos em moradias e 58,2% em anexosdo ambiente peridomiciliar.

A presença de sangue ingerido pôde serdetectada em 1.133 do total já mencionadode espécimens examinados, e correspondendoa 35,9%. Por sua vez, a infecção naturalpor Trypanosoma cruzi foi detectada em2,2% dos tritomíneos, ou seja, em 69desses insetos. A distribuição que se obser-vou para essas espécies acha-se represen-tada nos mapas das Figs. 4, 5 e 6.

Mobilidade e especificidade alimentares -A maioria dos triatomíneos que se reve-laram portadores de sangue ingerido, o foipara uma só fonte. Os dados gerais acham--se expostos na Tabela 2 onde se verificaque 73,7% dos insetos positivos acusaramconteúdo sangüíneo procedente de um sóhospedeiro. A ocorrência de fontes múltiplasfoi de 26,3%, da qual 22,2% correspon-deu a dois, a 3,8% a três e 0,3% a quatrotipos de sangue. Esta última foi muito poucofreqüente e incluiu um exemplar de P.megistus e dois de T. sordida.

Considerando-se as reações positivas paraos vários soros, de acordo com as diversas

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fontes, foi possível obter os resultados se-guintes:

Observa-se pois que a ave e o homemforam os hospedeiros mais freqüentementeutilizados representando, em conjunto, 84,0%das reações positivas. A Tabela 3 mostraa distribuição desses resultados pelasespécies. Verifica-se assim que o T. infestansfoi responsável por 57,4% das reações posi-tivas para sangue humano, e o T. sordidao foi por 51,7% das para sangue de ave.Por sua vez, o P. megistus mostrou apre-ciável positividade para os vários hospe-deiros, em que pese o escasso compareci-mento de cão e roedor. Assinale-se ainda

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que só foi detectado sangue de marsupialem T. infestans o qual, por outro lado,revelou a menor positividade em relaçãoà ave, correspondente a 15,5% das reaçõespositivas para esse hospedeiro. Assim pois,os resultados evidenciaram apreciável mobi-lidade alimentar destacando-se, nesse parti-cular, o T. infestans que transitou por todosos tipos de sangue que foram testados.

Com a finalidade de detectar possívelespecificidade alimentar em relação aosangue humano, procedeu-se à comparação

do número de insetos que se revelarampositivos para esse hospedeiro, com o da-queles que mostraram positividade paraoutros tipos de sangue. Paralelamente,levou-se em consideração também o com-portamento desses dados relativamente aonúmero de fontes utilizadas. Os resultadosencontram-se na Tabela 4. Pode-se observarque dos 1.133 triatomíneos que acusaram aexistência de sangue no conteúdo intestinal,o total de 39,1% revelou a presença desangue humano. Em relação às espécies

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nota-se que, para T. infestans e P. megistus,respectivamente 70,8% e 31,9% evidenciaramalimentação em homem. Por sua vez, oT. sordida mostrou pequena participação,restrita a 18,9% dos exemplares reativos,mas com 81,1% de espécimens positivos paraoutros hospedeiros.

Foi feita a comparação do número deinsetos positivos para homem e com umasó fonte, com o dos de igual positividademas revelando mais de uma fonte. Comoresultado, observou-se que os coeficientes

para o hospedeiro humano, tendem aaumentar com a multiplicidade de repastos.As diferenças entre os dois grupos foramsignificantes para as três espécies. A análisecom o emprego do teste exato de Fisherrevelou significância (P>0,99), com valoressuperiores ao crítico de 0,95.

Da mesma forma procedeu-se quanto àanálise da distribuição dos espécimens compositividade para sangue de ave e de mamí-feros. Os dados obtidos encontram-se naTabela 5. Verifica-se, inicialmente, que dos

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1.133 com sangue no tubo intestinal, 70,5%revelaram a utilização de ave como fontede alimentação sanguínea. Nesse particulardestacaram-se T. sordida e P. megistus quemostraram 93,0% e 79,6%, respectivamente,para esse tipo de alimento. Destacou-se arelativa baixa positividade para esse hospe-deiro apresentada pelo T. infestans, e repre-sentada pelo coeficiente de 34,4%.

Também procedeu-se à comparação dosnúmeros de espécimens positivos para ave,com uma ou mais fontes. Pôde-se verificarque, em relação a esse fator, a presençade sangue aviário sofreu variação apenasno que concerne ao T. infestans. No casodeste inseto, a comparação dos positivospara esse hospedeiro, dentre os que acusa-ram uma só fonte com os portadores damesma positividade mas com mais de umafonte, forneceu no teste exato de Fisher deP = 0,998. Assim sendo, para exemplaresdessa espécie que mostraram a presençade sangue de ave, a utilização desse hospe-deiro foi significativamente maior dentre osque revelaram uma só fonte do que na-queles que apresentaram multiplicidade san-güínea. Por sua vez, esses representantesde T. infestans mostraram aumento na fre-

qüência de utilização de sangue de outroshospedeiros, com a ocorrência de fontesmúltiplas. Aliás, é de se notar que, em todosos casos, nesta espécie predominou a positi-vidade para mamíferos.

Mobilidade - A ocorrência de possívelmobilidade espacial desses triatomíneos foiobservada mediante a distribuição dos dadosobtidos pelos ecótopos domiciliares e perido-miciliares. Nesse sentido, procurou-se obser-var a presença de tipos de sangue nessasduas situações, em especial modo o humano.Na Tabela 6 pode-se observar essa distri-buição nas reações positivas para as quaisfoi possível registrar essas informações.Verifica-se que em 927 reações houve 27,3%de positividade para homem, correspondendoa 253 resultados. Desses, 152 (60,1%) foramobtidos no domicílio e 101 (40,0%) noperidomicílio. Para as três espécies foi de-tectada a ocorrência de sangue humano nosecótopos peridomiciliares, com percentuaisde 22,2% para P. megistus e T. infestanse de 13,2% para T. sordida, do total res-pectivo de reações positivas obtidas nesseambiente. Todavia, a postividade geral parasangue humano no peridomicílio foi de 16,6%contra 83,3% para outros hospedeiros. As-

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sinale-se outrossim que, no domicílio, essescoeficientes foram de 47,3 e 52,6%, res-pectivamente. Chama pois a atenção queelevada proporção das reações obtidas emtriatomíneos no meio domiciliar foram posi-tivas para tipos de sangue que não o dohomem. Por sua vez, a existência de rea-tividade para esse hospedeiro no peridomi-cílio foi apreciável. Não obstante, obser-vando-se os dados referentes a T. sordidapôde-se notar a franca predominância desangue de hospedeiros não humanos emambos os tipos de ecótopos. Esse aspectorepetiu-se para P. megistus, embora não demaneira tão acentuada no domicílio. Poroutro lado, para T. infestans esse fatoobservou-se no peridomicílio, mas noambiente domiciliar houve predomínio dapresença do homem nas reações positivas alíobtidas.

Infecção natural - Já se referiu que ocoeficiente geral para a presença de T.cruzi foi de 2,2%, correspondendo a somente69 exemplares dos 3.160 investigados. Paracada espécie, em relação ao respectivo totalde examinados, a positividade foi a seguinte:

Em relação à pesquisa de sangue inge-rido, foi positiva apenas em 19 desses in-setos. Representaram, pois, 1,7% dos 1.133exemplares que, nas reações realizadas,acusaram a presença de conteúdo sangüíneono tubo intestinal. Na Tabela 7 pode-seobservar os resultados relativos à ocor-rência de infecção natural segundo o númerode fontes sangüíneas. Verifica-se que, emconjunto, 1,6% dos triatomíneos que acusa-ram um só hospedeiro e 2,0% dos que reve-laram mais de um mostraram a presençado parasito. Não houve pois dessemelhançaapreciável, bem assim como para os coefi-cientes relativos a cada espécie, tendo a

análise pelo teste exato de Fisher reveladoa não significância das diferenças observa-das. Distribuindo a presença da infecçãonatural com a de sangue humano, obteve-seos resultados apresentados na Tabela 8.Da mesma forma, não se detectou diferençaentre os coeficientes de infecção natural,com e sem sangue desse hospedeiro, tantonos valores gerais como nos específicos.Muito provavelmente a ausência de signi-f icância nas diferenças obtidas decorreramdo número reduzido de espécimens encontra-dos com infecção natural.

Distribuição biogeográfica - Com afinalidade de observar a distribuição biogeo-gráfica dos hábitos alimentares, foramconsideradas as regiões correspondentes àsfeições paisagísticas do cerrado, da florestaatlântica e das florestas de inclusão (Fig.3). Os resultados relativos à positividadepara sangue humano, e referentes aos 1.133triatomíneos que mostraram a presença deconteúdo sangüíneo, acham-se expostos naTabela 9. Foi possível observar a presençade P. megistus e de T. infestans nas trêsregiões, ao lado da ausência de T. sordidana floresta atlântica. No que concerne àpositividade para homem, observou-sealguma variabilidade para as duas primeirasespécies. Quanto à terceira, sua presençapraticamente limitou-se ao cerrado o que,neste caso particular, tornou dispensável arealização de testes para fins comparativos.No que diz respeito a P. megistus verificou--se que as distribuição geográfica obtidapraticamente limitou essa espécie à florestaatlântica. E isso porque as áreas das flo-restas de inclusão, nas quais foi encontrada,restringiram-se ao leste e sudoeste do ter-ritório do Estado de Minas Gerais, em boaparte incluído naquela paisagem ou apre-sentando caráter transicional entre ela ea do cerrado. Isso pode ser facilmente obser-vado nos mapas das Figs. 2 e 4. Isto posto,a aplicação do teste do qui quadrado paraos coeficientes referentes a esse triatomíneoe comparando, em conjunto, os das trêsregiões, somente revelou diferença signifi-cante em relação ao das florestas deinclusão, que se mostrou maior do que os

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outros dois. O valor observado foi de 26,12enquanto é de 5,99 o referente ao nívelcrítico a 5,0% com dois graus de liberdade.Por sua vez, não diferiram entre si oscoeficientes obtidos para a floresta atlânticae para o cerrado no teste exato de Fisher(P = 0,82 para valor crítico de 0,95). Con-tudo, levando em consideração as ponde-rações acima expostas, procedeu-se à com-paração do coeficiente relativo aos dados,em conjunto, das duas feições paisagísticasflorestais (38,8%) com o do cerrado(21,8%). A aplicação do mesmo teste deFisher resultou em valor de P > 0,99, reve-lando pois diferença significante entre osdois. Quanto aos dados referentes a T.infestans, a comparação das três regiõespelo teste do qui quadrado revelou que oscoeficientes relativos à floresta atlântica efloresta de inclusão são significativamentemaiores do que o do cerrado. O valor obser-vado foi de 29,11 para o mesmo nível críticosupracitado. Por sua vez, também não dife-riram entre si, no teste exato de Fisher,os coeficientes obtidos para a floresta atlân-tica e as de inclusão (P = 0,48). Todavia,considerou-se que a ocorrência deste triato-míneo na primeira dessas duas regiõeslimitou-se a áreas do sudoeste do Estado deMato Grosso do Sul, de freqüente carátertransicional com o cerrado. Por sua vez, ao

contrário de P. megistus, foi encontradoem manchas florestadas inclusas no cerradoe mais afastadas da floresta atlântica, ouseja, no assim chamado "Mato Grosso deGoiás". Tais aspectos podem ser observadosnos mapas das Figs. 2 e 5. Em vista disso,comparou-se igualmente o coeficiente dosdados, em conjunto, das duas feições paisa-gísticas florestais (85,4%) com o do cerrado(59,4%). A aplicação do teste de Fisherresultou em valor de P > 0,99, implicandopois significância para a diferença obser-vada entre os dois.

Assim sendo, tanto para P. megistus comopara T. infestans, dentre os espécimens queacusaram conteúdo intestinal sanguíneo, adistribuição geográfica dos coeficientes depositividade para sangue humano varioude maneira significante, de acordo com asregiões consideradas. Para ambas essaspopulações, os valores foram maiores nasáreas florestadas, atlântica e de inclusão,do que nas do cerrado. Em se tratando daprimeira dessas espécies, a possível maiorantropofilia que se observou nas regiões demata acompanha a distribuição eminente-mente florestal desse triatomíneo. O mapada Fig. 7 fornece idéia dessa distribuição.

Outras espécies - Como se mencionou,além das três espécies que predominaram

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no material coletado, foi possível encontraroutras, cujos representantes totalizaram 26exemplares. Foram as seguintes (Fig. 5):Rhodnius nasutus ( 1 n ) — Mun. MontesClaros, Estado de Minas Gerais (V. 1980).Rhodnius neglectus (1 [] 3 nn) — Mun.Itaberai, 1n, Est. Goiás (X. 1975); Mun.Itaporanga, In, no peridomicílio, Est. Goiás(XI . 1975); Mun. Perdizes, In, no perido-micílio, Est. Minas Gerais ( I I I . 1978); Mun.Montes Claros, 1 [], Est. Minas Gerais(V. 1980).

Triatoma brasiliensis (1 [] 4 [] 1n) —Mun. Barão de Grajaú, 3[], no domicílio,Est. Maranhão ( IV. 1978); Mun. Loreto, 1 []1 [] 1 n, Est. Maranhão (VII .1978) .

Triatoma pseudomaculata (4 [] [] 2 []9 nn) — Mun. Itaberai, 2[] 2 nn, Est.Goiás (X. 1975); Mun. Petrolina, 4 nn, Est.Goiás (X. 1975); Mun. S. Felix de Balsas,2 nn, no peridomicílio, Est. Maranhão( X I I . 1980); Mun. S. João dos Patos, 2[]2 [] 1 n, no peridomicílio, Est. Maranhão(V. 1980).

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Somente foi encontrada infecção naturalem três exemplares de T. pseudomaculatacoletados em Petrolina, Estado de Goiás.Quanto à presença de sangue ingeridoobteve-se positividade apenas para sanguede ave. Essa reatividade correspondeu acinco espécimens, assim distribuídos, um deR. nasutus (Montes Claros, Est. MinasGerais), um de R. neglectus (Perdizes, Est.Minas Gerais) e três de T. pseudomaculata(um de S. Felix de Balsas e dois de S.João dos Patos, Est. Maranhão).

COMENTÁRIOS

Os dados acima expostos resultaram decoletas no ambiente domiciliar da regiãocentral do Brasil, no período de 1975 a1980. Foram abrangidos 198 municípiosdistribuídos por quatro Estados e três feiçõespaisagísticas principais. A exemplo do quefoi apresentado em publicação anterior, comessa amostra pretendeu-se conseguir infor-mações sobre hábitos alimentares e infecçãonatural por Trypanosoma tipo cruzi. Aolado disso, objetivou-se obter dados a res-peito da distribuição geográfica e aspectosbiogeográficos que permitissem apreciaçãodo papel desempenhado pelas populaçõestriatomíneas domiciliadas, na transmissãoregional da tripanossomíase americana (Fo-rattini e col.16, 1981).

Quanto à presença de sangue no conteúdointestinal, o coeficiente geral foi de 35,9%dos espécimens examinados, ou seja, cor-respondendo a 1.133 triatomíneos. De ma-neira constante, a maioria revelou a ocor-rência de um só hospedeiro, e isso tantono aspecto genérico como no concernentea cada espécie (Tabela 2). Por sua vez,a multiplicidade sanguínea foi detectada em36,3% dos insetos que reagiram positiva-mente às provas efetuadas. A presença defontes múltiplas, na maioria dos casos,implicou a ocorrência de dois hospedeiros,perfazendo 84,6% do total de espécimensque acusaram mais de um tipo de sangue.De qualquer modo, a freqüência mais ele-vada de multiplicidade sanguínea foi obser-

vada em T. infestans, com 40,5% enquantonas outras duas espécies, P. megisttus eT. sordida, esses coeficientees foram de 23,4e 16,9%, respectivamente. Assim sendo,pôde-se observar a ocorrência de apreciávelmobilidade alimentar, em especial modo noque respeita ao primeiro desses triatomíneos.E isso concorda com aspecto análogo obser-vado em outras regiões, tanto do Brasilcomo da Argentina, onde essa espécierevelou coeficientes de 34,7 e 35,6% dealimentações múltiplas (Minter28 , 1976).Mesmo no que concerne às outras duasespécies, a presença de multiplicidade san-guínea foi digna de nota, sobretudo emP. megistus. Em T. sordida foi obtido menorcoeficiente, o que poderia indicar mobilidadealimentar mais baixa, mesmo assim, porém,bastante apreciável. Esses dados forampouco inferiores aos que, em trabalho ante-rior, foram registrados para essas mesmasespécies na região nordeste (Forattini ecol.16, 1981). Contudo indicam, da mesmamaneira, a possibilidade de considerávelfreqüência na troca de hospedeiros utiliza-dos nos repastos sanguíneos.

Considerando-se essa mobilidade emrelação aos vários tipos de fontes testadasobserva-se que, da totalidade de reaçõesobtidas, 54,0% o foram para ave, 30,0%para homem e os restantes 16,0% para osoutros hospedeiros. Esses resultados con-cordam com os encontrados no nordeste,sem alteração sensível do quadro geral. Aobservação dos dados expostos na Tabela 3permite evidenciar nítida preponderância desangue de mamíferos (76,5%) em T.infestans, ao passo que nas outras duasespécies houve maioria para sangue de ave.Neste particular, destacaram-se os resul-tados obtidos em T. sordida, onde o quadrogeral para hospedeiro aviário (77,9%) foiequivalente ao de para mamífero naquele tria-tomíneo. A interpretação desses resultados,à luz dos conhecimentos disponíveis, permiteverificar a uniformidade de comportamentopor parte de T. infestans, ao lado da varia-bilidade apresentada pelos outros dois. Comefeito, em relação àquele nota-se que, em

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que pese o ecletismo alimentar demonstrado,foi marcante a positividade para mamíferosem geral e para o homem em particular.A participação deste último hospedeiro, nototal de reações para essa espécie que reve-laram sangue ingerido, foi de 48,4%, alémde ter contribuído com 57,4% do total geralde reações para sangue humano. Esse quadroapresenta-se razoavelmente uniforme, quandose consideram outras pesquisas levadas aefeito com esse triatomíneo, e pode ser atri-buído à elevada domiciliação de que é dotado(Barretto5 1968; Minter2 8 1976; Knierime col.22 1975; Marsden e col.27 1979; Scho-field3 6 1980; Forattini e col.16 1981).No que respeita a T. sordida, suacontribuição foi de cerca de 52,0% dototal de posittividade para sangue de ave,o que concorda com ulgumas observações emoutras regiões meridionais do Brasil (Forat-tini e col.12 1971; Rocha e Silva e col.32

1977). Todavia, esse aspecto não é cons-tante pois com freqüência tem-se registradovariações apreciáveis, com a associaçãodessa espécie a sangue de mamíferos (Bar-retto 6 1971; Forattini e col.16 1981). Aexplicação dessas discrepâncias possivel-mente reside na ocupação do peridomicílio,por parte desse triatomíneo, com a disponi-bilidade de hospedeiros diversos represen-tados por animais domésticos alí abrigados.As sistemáticas campanhas de controle ea vigilância subseqüente têm limitado esseinseto aos anexos das habitações humanas,os quais, a mais das vezes, servem de abrigoa aves. Da mesma forma, os achados rela-tivos a P. megistus mostraram marcante pre-sença do hospedeiro aviário correspondendoa cerca de 33,0% da positividade totalobtida para esse tipo de sangue. Do con-junto de reações conseguidas nessa espéciede triatomíneo, o percentual correspondentea ave (32,8%) foi pouco diferente daquelerelativo aos vários mamíferos, incluindo ohomem (38,1%). Assim sendo, não se obser-vou a preponderância por parte dessesúltimos hospedeiros que se verificou quandodas investigações realizadas na regiãonordeste. Esse inseto contribuiu com cercade 24,0% das reações para sangue humano,

e predominou apenas naquelas positivas paracão. Contudo, em relação a este último, éde se ressalvar o reduzido número de reaçõesobtidas. A explicação para esse quadro de-verá ser encontrada, muito provavelmente,nos mesmos fatores supracitados e relacio-nados com o controle antitriatomíneo a queestá sendo submetida a região central doBrasil, principalmente o Estado de MinasGerais, e que data de tempo relativamentebem anterior ao das demais regiões (Mar-ques 26, 1979).

Objetivando detectar possíveis preferênciasna escolha de determinados hospedeiros, osdados foram distribuídos por número e poralguns tipos de fontes, como mostram asTabelas 4 e 5. Observou-se, assim, a positi-vidade para sangue humano destacando-se,nesse particular, o T. infestans com cercade 71,0% dos correspondentes espécimensportadores de conteúdo intestinal sangüíneo.Por sua vez, em P. megistus e em T.sordida esse coeficiente foi bem inferior,correspondendo a cerca de 32,0% para oprimeiro e a 19,0% para o segundo. Asdiferenças registradas em relação à presençade um ou mais tipos de sangue foram signi-ficantes para as três espécies, indicando quea positividade para o hospedeiro humanomostra tendência ao aumento com a multipli-cidade de fontes utilizadas. Em relação aT. infestans esse aspecto discordou do obser-vado na região nordeste onde o aumentoda positividade para homem não sofreuinfluência da multiplicidade de hospedeiros.É de se invocar, pois, os fatores já mencio-nados relativos à existência de campanhade controle domiciliar mais antiga, condicio-nando probabilidade de recurso do triato-míneo a outras fontes sangüíneas lançandomão assim do caráter oportunista da escolhapara o repasto sanguíneo (Schofield35,1979). Por sua vez, procedendo-se a com-paração análoga com a focalização dosangue de ave, obteve-se feição inversa nomesmo T. infestans, como se pode observarna Tabela 5. Com efeito, nesse triatomíneo,a positividade para o hospedeiro aviárionão aumentou com o número de fontes, ouseja, foi significativamente maior nos espé-

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cimens que revelaram apenas um tipo desangue ingerido. O mesmo não se observouquanto a P. megistus e T. sordida cujareatividade para ave não apresentou modi-ficação com o número de fontes. Ressalte-seque, em tal possível ornitofilia, esses doistriatomíneos andaram relativamente pró-ximos com cerca de, respectivamente, 80,0e 93,0% dos correspondentes representantesportadores de sangue ingerido, É de seconsiderar a hematofagia sobre aves do-mésticas como bom indício de colonizaçãoperidomiciliar, pelo menos em parte. Dessaforma, os achados supracitados reforçama hipótese de pressão seletiva regional exer-cida pelas atividades de controle, decor-rentes de campanhas sistemáticas visandoo meio domiciliar. Como resultado, é lícitoadmitir que essas populações triatomíneas,tenham tendido a se acantonarem em anexosque constituem, no seu conjunto, o ambienteperidomiciliar.

Em resumo, nesta região central doBrasil, ao que tudo indica, mantém-se aapreciável antropofilia do T. infestans,embora esse inseto revele ecletismo que lhepermite adaptar-se ao convívio com outroshospedeiros. Este último aspecto tornou-semais acentuado em relação a P. megistusque demonstrou considerável ornitofilia.Quanto a T. sordida sua maior tendênciapara sugar aves pareceu bastante evidentenestas observações, ao lado de papel discretona procura de sangue de mamíferos.

Os resultados expostos na Tabela 6mostram a presença de espécimens comsangue humano, no peridomicílio. Obvia-mente esse fato traduz mobilidade espacial.Contudo convém considerar que somente9,5% das reações de T. infestans com essapositividade o foram nesse ambiente, en-quanto esses coeficientes para P. megistuse T. sordida foram de cerca de 46,0 e 75,0%,respectivamente. Parece lógico supor queo primeiro desses triatomíneos apresentapouca tendência ao abandono do domicílio,somente fazendo-o sob pressões seletivascomo as já mencionadas campanhas decontrole, Quanto aos demais, o deslocamento

é bastante evidente, com a possibilidade deconsiderável número de exemplares poderemser encontrados fora das habitações apósa execução do repasto sanguíneo. Quantoà presença de reatividade para outros hospe-deiros, no domicílio, as condsiderações nãopodem ser estritamente análogas, uma vezque comumente a habitação humana constituitambém abrigo para diversos animais do-mésticos. Contudo, serve para evidenciar aspossibilidades de intercâmbio entre hospe-deiros diversos nesse ambiente. De resto,essas observações sobre mobilidade espacialconfirmam as efetuadas em outras regiões(Forattini e col.13, 14, 15, 16 1973, 1975, 1977,1981).

O coeficientee de infecção natural foibaixo, correspondendo ao valor geral de2,2%, descendo para 1,7% ao se considerarapenas o número de espécimens que acusa-ram conteúdo sanguíneo no tubo intestinal.Tanto a distribuição dessa positividade pelonúmero de fontes (Tabela 7) como pelapresença de sangue humano (Tabela 8),não revelou diferenças significantes paraqualquer das três espécies triatomíneas. Emoutras palavras, os dados obtidos nãopermitiram detectar qualquer influência donúmero de hospedeiros e da presença dohomem, na infecção natural revelada poresses triatomíneos. Tais achados confirmamos obtidos na região nordeste. Todavia, éde se considerar o pequeno número deespécimens infectados nas presentes ob-servações, o que possivelmente possa terinfluído para a falta de significância nasdiferenças registradas.

A distribuição geográfica observada mos-trou os aspectos representados nos mapasdas Figs. 4 a 6. Inicialmente pode-se observarcerta semelhança na distribuição apresen-tada por T. infestans e T. sordida, estandoeste último limitado à feição paisagísticado cerrado (Figs. 5 e 6). A presença dosdois triatomíneos nas florestas de inclusão,torna-se particularmente significativo ao seconsiderar a grande mancha situada no suldo território goiano e conhecida como "MatoGrosso de Goiás". Sendo área sujeita a

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profundas transformações de origem an-trópica, face à exploração agropecuária, éde se admitir que ambas as espécies alípenetraram mediante invasão propiciadapela atividade humana. Tais consideraçõesvêm ao encontro das hipóteses levantadassobre as direções de dispersão desses triato-míneos a partir de seus possíveis centrosde endemismo, situados na Bolívia e noBrasil Central, respectivamente. Quanto aoP. megistus, a sua distribuição apresentanítida influência das áreas do domíniotropical atlântico, representado pelas suasflorestas. E a tal ponto de não ter sidoencontrado nas manchas de matas deinclusão mais afastadas dessa feição paisa-gística (Fig. 4). Sua presença no cerradorepresenta, muito provavelmente, processosecundário de dispersão para as áreasabertas, à semelhança do observado nacaatinga da região nordeste. Inclua-se,neste mesmo aspecto, o seu encontro noEstado do Maranhão, no extremo norte daregião aqui focalizada (Forattini11 , 1980).A comparação desses quadros com o dosaspectos paisagísticos biogeográficos repre-sentado na Fig. 2 permite o estabelecimentodessas associações e das hipóteses supra-citadas.

Ao se distribuir, pelas várias regiões paisa-gísticas, os resultados da positividade emrelação a sangue humano, obteve-se osdados apresentados na Tabela 9. Tomando--se em conjunto os dados correspondentesàs regiões florestadas, tanto atlântica comode inclusão, e comparando-os com os docerrado, obteve-se diferenças significantes,com valores maiores para os primeiros doque para os segundos, no que concerne aT. infestans e P. megistus. Deixando deconsiderar T. sordida, dado o ser espéciecaracterística do cerrado, e T. infestans,em virtude da elevada domiciliação queempresta predominante caráter antrópico aoseu mecanismo dispersivo, restou observara distribuição biogeográfica da alimentaçãode P. megistus em sangue humano, comoestá representada no mapa da Fig. 7. Amenor antropofilia observada para essetriatomíneo no domínio dos cerrados

(21,8%), em comparação com a verificadanas áreas florestadas (38,8%), poderá serexplicada pela sua mais recente introduçãonaquela região. É sabido que as áreascobertas por florestas têm sido as maisvisadas pelo processo de exploração agro-pecuária, ensejando convivência mais antigaentre o triatomíneo e o homem. Por suavez, as regiões dos cerrados, sobre teremsido colonizadas irregularmente, só emtempos recentes têm sido objeto de atençõesobjetivando sua exploração econômica. Dessamaneira, alí as populações de P. megistustendem a manter maior ecletismo alimentar,para o qual também contribuem as cam-panhas de controle encetadas há mais temponessas regiões do que nas outras. De qual-quer maneira, esse aspecto de distribuiçãogeográfica vem ao encontro da hipóteseque associa a instalação de áreas abertasao estímulo para a domiciliação triatomínea(Forat t ini1 1 , 1980).

Em resumo, comparando-se investigaçãocom a realizada na região nordeste (Forat-tini e col.16, 1981) verifica-se não ter havidodesproporção no que concerne ao númerode municípios e localidades pesquisadas. Eisque, para 238 e 2.114, o que dá em médiacerca de 9,0 localidades por área municipalnordestina, obteve-se 198 e 1.513, o quefornece a média de 7,6 por município daregião central. Não obstante, o número detriatomíneos coletados foi substancialmentemenor, com a cifra de 3.160 exemplarescontra 15.342 obtidos no nordeste. Tendosido semelhantes os processos utilizados,resta ponderar que tal diversidade se devaa outros fatores. Entre eles, ressalta o fatoda região central do Brasil ser das que hámais tempo se encontra sujeita a campanhascontinuadas de controle e de vigilância. Porsua vez, a menor riqueza faunística limitoupraticamente a duas espécies, ou seja, P.megistus e T. sordida como sendo as quese encontram atualmente em processo maisrecente de domiciliação, se comparadas coma terceira, T. infestans, cuja adaptação àhabitação humana é mais antiga e maisacentuada.

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CONCLUSÕES

1. A mobilidade alimentar observada foiapreciável, embora T. sordida tenharevelado menor diversidade em fontesdiversas.

2. Tornou-se visível maior tendênciaantropófila por parte de T. infestans,e menor em P. megistus e T. sordida.Observou-se preponderância para avespor parte deste último, enquanto apre-ciável grau de ornitofilia foi tambémdetectado em P. megistus.

3. A mobilidade espacial, detectada pelapresença de sangue humano em exem-plares coletados no peridomicílio, foimais evidente em P. megistus e T.sordida. Essa exofilia foi sensivelmentemenor em T. infestans.

4. Pela distribuição geográfica obtidaobserva-se o caráter invasivo de T.infestans e T. sordida para regiõesflorestadas sujeita à exploração agro-pecurária. Quanto a P. megistusmostrou-se invasivo em relação aocerrado.

5. A antropofilia de P. megistus mostrou--se inferior no cerrado do que nas áreasflorestadas. A explicação poderá ser en-contrada na mais prolongada convivên-cia com o homem que o triatomíneotem exercido nessas últimas áreas.

6. Os dados biogeográficos concordamcom a hipótese de que os espaçosabertos estimulam a domiciliação triato-mínea.

7. Considerando os dados obtidos, aspopulações triatomíneas domiciliadasnessa região podem ser assim clas-sificadas:

a) Invasiva dispersada pelo homem, apartir das regiões sul-ocidentais:

T. infestans

b) Invasiva, em relação ao cerrado, disper-sada pelo homem, a partir da regiãooriental (atlântica) :

P. megistus

c) Invasiva, em relação a floresta, tendono cerrado seu centro de dispersão:

T. sordida

d) Domiciliada, antropófila, com algumatendência para o peridomicílio:

T. infestans

e) Com tendência à domiciliação comecletismo alimentar ornitófilo, e invasãodo peridomicílio:

P. megistusT. sordida

8. Em decorrência, o papel principal natransmissão da tripanossomíase ameri-cana, nessa região, cabe ao T. infestans.Segue-lhe, em importância, o P.megistus. Quanto ao T. sordida, ao quetudo indica, sua atuação nesse sentidoseria apenas secundária.

AGRADECIMENTOS

Às Diretorias regionais da SUCAM naspessoas dos Doutores Benedito de Souza,Carlos Alberto Silveira Matos, EdwardFerreira de Carvalho, Edyr PedrosoDaubian, Ernani Wilson Bezerra Carneiro,Francisco Alcântara Lobo, Hamilto Ramalho,Horácio Velloso da Silveira Neto, IvanFrota da Silveira, Joaquim RodriguesCavalcanti, Nelson Oscar Schuffner, Paulode Araújo Magalhães e Raimundo CostaDamasceno, pela diligência no envio domaterial que serviu a estas pesquisas,

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FORATTINI, O. P. et al. [Feeding habits, natural infection and distribution ofdomiciliary triatominae bugs in the central region of Brazil]. Rev. Saúde públ.,S. Paulo, 16:171-204, 1982.

ABSTRACT: This is the presentation of data obtained by a study carriedout in central Brazil, where the biogeographical characteristics include the"cerrados" (savannah), ample strips of transitional vegetation, and forests.These include the Atlantic tropical forest and the larger forested areas.From 1975 to 1980, a total of 3,160 bugs collected in domiciliar environmentswere examined to discover the blood feeding habits and the natural infectionby Trypanosoma of the cruzi type. Methods were the same as those describedin a previous paper. In order of frequency, the species found were: Triatomainfestans (43.5%), T. sordida (33.0%) and Panstrongylus megistus (23.5%),and some other rare ones. Blood was detected in 35.9% and the infectionrate was 2.2% of the total specimens examined. Feeding mobility wasobserved, and the general blood containing rates were 54.0% from birdsand 30.0% from humans. High evel of anthropophily was observed for T.infestans, and good degree of ornitophily was detected for T. sordida. ForP. megistus considerable ornitophily was found too, but with good levelsfrom mammal hosts. The presence of human blood in specimens collectedin peridomiciliar dwelling places indicated frequent spacial morbility,specially for P. megistus and T. sordida. Geographical distribution confirmedthe autochthonous pattern of T. sordida in the "cerrado" and of P. megistusin the Atlantic tropical forest. They become invasive to other biogeographicalsystem from these regions. T. infestans showed invasive character for bothareas, as a results of human influence. Results permit the conclusion that,in the regional epidemiological transmission of South American trypanoso-miasis, T. infestans play the most important role, followed by P. megistus.Depending on several factors, T. sordida may become a potential risk forinfestation dwellings. Routine control through the application of domiciliarychemicals will break transmission. However, at least in the peridomiciliaryenvironment, reinfestation will continue mainly by P. megistus and T. sordida.This will be due to natural foci supplied by the human environment, deman-ding greater efforts in epidemiological surveillance and in its increasedefficiency by research development.

UNITERMS: Trypanosomiasis, South American. Triatominae, Brazilcentral region. Triatominae, food habits. Triatominae, natural infection.Triatominae, domiciliation.

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Recebido para publicação em 28/04/1982

Aprovado para publicação em 28/06/1982

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