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História da Colposcopia: do Invento de Hinselmann aos ...

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História da Colposcopia: do Invento de Hinselmann aos Ensaios Clínicos Atuais CoIposcopy History: From HinseImann's Invention to Current ClinicaI TriaIs Paulo Naud* Luciano Serpa Hammes** Jean Matos* Karla Browers* Maria Claudia Moraes Mano* *Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil **Centro de Ciências da Saúde, Universidade do Texas, Estados Unidos A colposcopia, apresentada pelo médico alemão Hans Hinselmann, em 1925, permaneceu por vários anos estagnada, em vista das restrições alemães no pós-guerra. Na década de 60, a col- poscopia retoma sua difusão principalmente pela necessidade de um exame complementar ao ras- treamento citológico. Inúmeras nomenclaturas passaram a ser utilizadas, dificultando o estudo da técnica. Índices colposcópicos procuravam prever o resultado histológico através da pontua- ção dos achados colposcópicos, mas não tiveram reconhecimento e aplicação difundida. Numa tentativa de unificar a descrição colposcópica, a Federação Internacional de Patologia Cervical e Colposcopia apresentou, em 1975, 1990 e 2002 novas classificações colposcópicas internacio- nais. A colposcopia assumiu na atualidade um papel intermediário entre citologia e histologia. Entretanto, autores têm mostrado sensibilidade elevada da colposcopia, sugerindo que esta seja empregada como método de rastreio de patologia cervical, mas sua especificidade tem sido ques- tionada. A nova nomenclatura de 2002 procura apresentar mais detalhadamente quais achados Femina .Setembro 2006 vaL 34 nO 9 colposcópicos estão associados à normalidade, lesões de baixo grau, alto grau ou carcinoma, procurando melhorar a descrição colposcópica. Mas como será o desempenho da colposcopia com esta classificação? Até o momento, nenhum estudo científico abordou a nova Classificação Internacional, analisando-a em termos de sensi- bilidade, especificidade e valores preditivos dos achados colposcópicos. PALAVRAS-CHAVE: Colposcopia. História da colposcopia. Câncer de colo uterino. A história da colposcopia remonta a meados do século XIX quando médicos de Viena haviam identificado que mulheres com ulceração no colo uterino apresentavam grande possibilidade de desenvolver neoplasia ou de terem a doença (Wespi, 1988). Quase um século após, Hans Hinselmann, médico formado pela Universidade de Kiel, Alemanha, contribuiria definitivamente para o estudo do colo uterino através do desenvol- 597
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História da Colposcopia: do Invento deHinselmann aos Ensaios Clínicos AtuaisCoIposcopy History: From HinseImann's Invention toCurrent ClinicaI TriaIs

Paulo Naud*Luciano Serpa Hammes**Jean Matos*Karla Browers*Maria Claudia Moraes Mano*

*Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federaldo Rio Grande do Sul, Brasil**Centro de Ciências da Saúde, Universidade do Texas, Estados Unidos

A colposcopia, apresentada pelo médico alemãoHans Hinselmann, em 1925, permaneceu porvários anos estagnada, em vista das restriçõesalemães no pós-guerra. Na década de 60, a col­poscopia retoma sua difusão principalmente pelanecessidade de um exame complementar ao ras­treamento citológico. Inúmeras nomenclaturaspassaram a ser utilizadas, dificultando o estudoda técnica. Índices colposcópicos procuravamprever o resultado histológico através da pontua­ção dos achados colposcópicos, mas não tiveramreconhecimento e aplicação difundida. Numatentativa de unificar a descrição colposcópica,a Federação Internacional de Patologia Cervicale Colposcopia apresentou, em 1975, 1990 e 2002novas classificações colposcópicas internacio­nais. A colposcopia assumiu na atualidade umpapel intermediário entre citologia e histologia.Entretanto, autores têm mostrado sensibilidadeelevada da colposcopia, sugerindo que esta sejaempregada como método de rastreio de patologiacervical, mas sua especificidade tem sido ques­tionada. A nova nomenclatura de 2002 procuraapresentar mais detalhadamente quais achados

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colposcópicos estão associados à normalidade,lesões de baixo grau, alto grau ou carcinoma,procurando melhorar a descrição colposcópica.Mas como será o desempenho da colposcopiacom esta classificação? Até o momento, nenhumestudo científico abordou a nova ClassificaçãoInternacional, analisando-a em termos de sensi­bilidade, especificidade e valores preditivos dosachados colposcópicos.

PALAVRAS-CHAVE: Colposcopia. História dacolposcopia. Câncer de colo uterino.

A história da colposcopia remonta a meadosdo século XIX quando médicos de Viena haviamidentificado que mulheres com ulceração no colouterino apresentavam grande possibilidade dedesenvolver neoplasia ou de já terem a doença(Wespi, 1988).

Quase um século após, Hans Hinselmann,médico formado pela Universidade de Kiel,Alemanha, contribuiria definitivamente parao estudo do colo uterino através do desenvol-

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vimento da colposcopia. Hinselmann julgavaque talvez unicamente o diagnóstico precocedo câncer de colo uterino apresentasse alguminteresse, já que neste estágio poderia ser rea­lizado tratamento efetivo e cura (De Pala, 1996;Wespi, 1988).

Nesta época, a literatura sobre neoplasiacervical era escassa, ainda mais quando se referiaa lesões precoces, difíceis de serem identificadasao exame clínico. Mesmo centros conceituados emanatomopatologia, como Viena, Chemnitz e NovaIorque, eram restritos quanto a descrições detalha­das de lesões incipientes (Guerra, 2004).

Motivado pela inexistência de informa­ções, Hinselmann escreveu então às fábricasde microscópios de Ernst Leitz e de CarIs Zeisssolicitando a construção de um aparelho paraexaminar o colo uterino através de aumento de10 vezes. A empresa Leitz aceitara o pedido eestava criado o colposcópio. O termo colposco­pia foi introduzido pelo próprio Hinselmann,derivado da palavra kolpos, que significa vagina,e skopeo, que significa olhar com atenção. Suaprimeira publicação sobre a técnica ocorreu em1925 (American Society for Colposcopy and Cer­vical Pathology, 2004).

Em 1928, Walter Schiller, patologista aus­tríaco-americano, publicou a técnica do uso dasolução de lugol para rastreamento de lesõesmalignas de colo uterino a olho nu. Schillerindicava biópsia das áreas que não se corassemuniformemente. Hinselmann, que já procuravaalgum método auxiliar, acresceu com sucessoesta técnica à colposcopia (ASCCP' 2004; Sosa,2002; Wespi, 1988).

Somente 10 anos após, Hinselmann introdu­ziria o uso de ácido acético na colposcopia. A partirdo uso deste reagente adjuvante, reconheceu-seadequadamente o epitélio colunar, a zona de trans­formação e a maioria dos achados relacionadoscom a zona de transformação atípica (Sosa, 2002;Wespi, 1988).

Nos anos seguintes ao uso do ácido acético,Hinselmann identificou a associação de leucopla­sia e tumores de colo uterino, sendo este seu pri­meiro achado colposcópico descrito claramente.A leucoplasia era apresentada como uma placabranca que recobria certas porções do colo ute­rino que, quando retirada, apresentava tambémalterações colposcópicas em sua base chamadasde "base de leucoplasia". Hinselmann apresentoua sua primeira classificação colposcópica baseadana intensidade da leucoplasia, variando numaescala de I a IV Quanto maior o grau da leuco­plasia, maior a chance do epitélio cervical ser outornar-se neoplásico (Sosa, 2002).

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ÃEsmooação da ~olposcopia

Na década de 40, já com o uso de lugol edo ácido acético, esperava-se que a colposcopiafosse difundir-se rapidamente entre os principaismeios científicos do mundo inteiro, mas váriosfatores contribuíam para que sua aceitação per­manecesse incerta.

Um dos principais empecilhos no desen­volvimento da colposcopia foi a Segunda GuerraMundial (1939-1945), que provocou o isolamentoda Alemanha da comunidade médica mundial. Nopós-guerra, a predominância dos Estados Unidosno meio científico inviabilizou ainda mais a difu­são de uma técnica não-americana (ASCCP' 2004;De PaIo, 1996; Wespi, 1988).

Não só a língua era um obstáculo, já que amaioria das publicações era em alemão, com termosdifíceis de serem traduzidos, mas os registros dasimagens colposcópicas eram precários, baseadosinicialmente em aquarelas. O aprendizado ocorriana maioria das vezes com o aluno acompanhandocaso a caso com o seu professor, dependendo dasorte de pacientes que lhe chegavam ao consultório(ASCCP' 2004; De Pala, 1996).(Figura 1)

Outra barreira para a difusão da colposcopiaera o aparelho utilizado. Os primeiros colposcópi­cos possuíam um suporte pesado, sem rodas e sembraços extensíveis. Além disso, apresentavam umcusto elevado, devendo a grande maioria ser im­portado da Alemanha (Sosa, 2002; Wespi, 1988).

O próprio Teste de Schiller, que era realizado aolho nu, foi outro obstáculo para a colposcopia. Eraum exame simples, barato e que se podia aprenderfacilmente, sem necessidade de aparelhos caros,pesados e difíceis de manusear (De PaIo, 1996).

Uma das maiores dificuldades que acolposcopia enfrentou foi a competição umnovo método de rastreamento mais fácil de ser

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aprendido, de ser organizado e de baixos custos,instituído por Papanicolau em 1943: o raspadocitológico do colo uterino. Os Estados Unidos,país dominante no pós-guerra, assumiu estemétodo como rastreamento de lesões de colouterino, deixando a colposcopia em segundoplano (De PaIo, 1996).

Mesmo assim, alguns países lentamentedifundiam o uso da colposcopia: Suíça, comWespi, Glatthaar e De Watteville; Áustria, comAntoine e Grunberger; Itália, com Cattaneo.Na América do Sul, principalmente no Brasile Argentina, iniciava-se o uso da colposcopia(Sosa, 2002).

!ft eolgoscogia nas mHéricasA Argentina e o Brasil foram os primeiros

países das Américas a utilizar a colposcopia. Emnosso País, dada a aceitação do método, é funda­da no dia 17 de maio de 1958, na cidade do Rio deJaneiro, a Sociedade Brasileira de Colposcopia,reconhecida em carta pelo idealizador da colpos­copia, Hinselmann:

"Meus caros amigos, felicito-os pela fun­dação da Sociedade Brasileira de Colposcopia.Estou convencido que a evolução prática e cien­tífica da colposcopia será colocada, com isto,em trilhos firmes. A primeira sessão ordináriade agosto confirmou esta minha opinião porqueas questões então discutidas mostraram logo aimportância da sociedade. Com grande prazergostaria de tomar parte na solução das pergun­tas levantadas. É para mim honra especial tersido nomeado presidente honorário. Agradeçotanto mais, como já fui alvo de honrarias dasua parte em outras ocasiões, ajudando-me nofortalecimento das idéias por mim defendidas,como ultimamente com a nomeação de Dr. Hono­ris Causa e como Sócio Honorário da Academiade Medicina. Só posso repetir, o que já exprimiem 1949, que sempre podem considerar-me comoum dos seus. Hans Hinselmann" (De PaIo, 1996;Guerra, 2004).

Nos anos seguintes, com a difusão da colpos­copia na Argentina, criaram-se novos centros decolposcopia e é fundada a Sociedade de PatologiaCervical Uterina e Colposcopia da Argentina em1964. Frente à difusão da colposcopia nestes doispaíses da América do Sul, em 1972 a Argentina se­dia o Primeiro Congresso Mundial de Colposcopiae Patologia Cervical Uterina (Sosa, 2002).

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Um dos maiores obstáculos à colposcopia,a citologia de Papanicolau acabou por ser umacolaboradora à sua ascensão na década de 60. Oraspado citológico era um exame que ganhavagrande número de adeptos em vista de sua fa­cilidade de execução e aprendizado, entretanto,frente a um diagnóstico citológico positivo, nãose estava apto a identificar qual a origem dessaalteração através da inspeção a olho nu. A col­poscopia, então, seria um exame útil nestes casos(Wespi, 1988).

Afirma-se que, se não tivesse sido inventa­da na década de 20, a colposcopia deveria surgirpor necessidade neste período. A colposcopiapassou a ser reconhecida principalmente comoum método de esclarecimento e de localizaçãodos achados citológicos, mas seu potencial comoexame diagnóstico, que era o principal objetivodo método iniciado por Hinselmann, era passívelde discussões. A colposcopia assumia o posto demétodo intermediário. Era indicada após um exa­me citológico anormal, com o objetivo de identi­ficar qual o local do colo uterino mais alterado eque deveria ser submetido à biópsia, eliminandoa necessidade de conização diagnóstica (De PaIo,1996; Wespi, 1988).

Além disso, a colposcopia permitia maiorexatidão nos tratamentos locais, maior controleda recuperação após tratamento, melhor reconhe­cimento da existência de processos inflamatóriosainda não sintomáticos e identificação mais acu­rada da estimulação estrogênica em mulherespós-menopáusicas.

Posteriormente, processos infecciosos espe­cíficos como herpes e papilomavírus humano, alar­garam as indicações de colposcopia, valorizandoainda mais sua importância. A colposcopia aumen­tara seus limites, incluindo o estudo da genitáliaexterna feminina (vulvoscopia), paredes vaginais(vaginoscopia) e genitália masculina (peniscopia)(Wespi, 1988).

A nomenclatura utilizada para a descriçãodos achados colposcópicos foi um dos principaisempecilhos para a colposcopia. O estabelecimentode uma terminologia para a colposcopia dependiade observações subjetivas e opiniões diversas.Além disso, um achado colposcópico que inicial­mente poderia parecer importante em alguns anos

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era contestado e caía em desuso pela sua poucarelevância clínica. Um exemplo disso é a "basede leucoplasia". Hinselmann constatou que apósa remoção das placas superficiais e queratiniza­das da leucoplasia, um pequeno pontilhado eravisível, descrito então como base de leucoplasia.Posteriormente, identificou-se que o pontilhadoocorria mesmo sem a presença de leucoplasia,sendo o termo colocado em desuso (De PaIo, 1996;Wespi, 1988).

Outro fator que prejudicava a colposcopiaera desenvolver uma nomenclatura que procu­rava repetir os achados histológicos, não estandoorientada em descrever as características visuaisda lesão. Em outras palavras, tentava-se preverqual o resultado histológico. Wespi afirma queaté 80% das colposcopias que se detinham nestacomparação imediatista, com uso de nomencla­tura similar, erravam nos resultados histológicos(Wespi, 1988).

Após a primeira nomenclatura propostapor Hinselmann em 1933 (Quadro 1), Alemanha,vários outros países propuseram a sua própriaclassificação colposcópica, entre eles França, Es­panha, Itália e Argentina.

Com o crescente uso da colposcopia, eranecessário que uma nomenclatura internacio­nal fosse proposta. No 20 Congresso Mundialde Patologia Cervical e Colposcopia em Graz,Áustria, 1975, a Federação Internacional de Pa-

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tologia Cervical e Colposcopia (IFCPC) aprovoua primeira terminologia internacional que erabaseada na Classificação Colposcópica Alemã.Foram propostos novos termos como pontilhado,ceratose e epitélio branco. Erosão foi excluída dogrupo de lesões suspeitas. O questionamento querecaía sobre esta nova nomenclatura era o fato dereunir todos os achados colposcópicos anormaissobre uma mesma classificação de "zona de trans­formação atípica". A denominação de "atípica"poderia fazer referência a atipias celulares, queestavam presentes em menos de 20% dos casosde achados colposcópicos anormais (De PaIo,1996; Stafl, 1976).

Posteriormente à primeira Classificação In­ternacional Colposcópica, várias outras sugestõesde terminologia surgiram, merecendo destaque aClassificação Italiana proposta em 1987, que emmuito influenciou as classificações internacionaisposteriores. Ao contrário da Classificação Inter­nacional, que era substancialmente descritiva, aclassificação italiana apresentava claramente cor­relação entre achados colposcópicos e histológi­cos, sendo os achados colposcópicos enumeradosnuma graduação ascendente de gravidade: zonade transformação anormal (ZTA) grau 0, ZTA grau1, ZTA grau 2 e suspeita de neoplasia invasora.

A zona de transformação não era mais "atí­pica" pois poderia confundir-se com atipias celu­lares e, sim, "anormal". O epitélio "acetomudo,iodo claro, de limites nítidos", que antes não eradescrito pela nomenclatura internacional, estavainserido nesta classificação italiana como o acha­do colposcópico de menor significado histológico(ZTA grau O), já que o índice esperado de atipiasneste achado era de menos de 1% (Quadro 2) (DePaIo, 1996; Mossetti et al., 1987).

No 7° Congresso Mundial de Patologia Cer­vical e Colposcopia, ocorrido em Roma, 1990, ocomitê de nomenclatura IFCPC apresentou umanova proposta fruto do compromisso de autoresamericanos e europeus em aprovar uma termino­logia atualizada, que realmente fosse destinada aouso internacional, em substituição à nomenclatu­ra de 1975 (Stafl et al., 1991).

Apesar desta intenção dos autores em pro­porcionar uma nomenclatura estritamente descri­tiva, os achados colposcópicos estavam agrupadosem "alterações maiores" e "alterações menores",o que não ocorria na terminologia de 1975, e queacabava por relacioná-los com o grau de gravidadeesperado na histologia. A nova nomenclatura nãoera meramente descritiva e, sim, procurava preverem parte o diagnóstico definitivo das lesões comoa Classificação Italiana fazia.

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Outras características desta nova nomen­clatura devem ser destacadas: a) não mais seutiliza o termo "atípico" e sim "anormal", poiso primeiro em línguas latinas pode representargravidade, causando erros de interpretação ede conduta terapêutica, principalmente paraprincipiantes; b) introduz-se entre os achadoscolposcópicos anormais o "epitélio iodo negati­vo"; c) os achados colposcópicos estão situadosem relação à zona de transformação.

~Nova Têrminologia illternacionãl âe 2002Pela segunda vez, a IFCPC apresenta uma

atualização em sua terminologia. Mais acentuada­mente que nas versões anteriores, esta atualizaçãoprocura correlacionar achados colposcópicos ediagnóstico histológico. Para isso, no texto dapublicação desta terminologia, há descrição deta­lhada de características dos achados que estão as­sociados a lesões de alto grau (alterações maiores),

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que estão associadas com baixo grau (alteraçõesmenores) e que são indicativos de epitélio normal(Quadro 3).

Segundo a nova terminologia internacional,os achados colposcópicos podem ser assim divididosem relação ao diagnóstico histológico:• achados colposcópicos sugestivos de meta­

plasia: epitélio acetobranco tênue, pontilhadofino, mosaico regular, área iodo negativa ouparcialmente positiva;

• achados colposcópicos sugestivos de LSIL (al­terações menores): epitélio acetobranco tênue,pontilhado fino, mosaico fino, área iodo negativaou parcialmente positiva;

• achados colposcópicos sugestivos de HSIL(alterações maiores): epitélio acetobranco denso,pontilhado grosseiro, mosaico grosseiro, vasosatípicos, área iodo negativa;

• achados colposcópicos sugestivos de neoplasiainvasora: erosão, epitélio acetobranco denso, ponti­lhado grosseiro, mosaico grosseiro, vasos atípicos;

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•Alterações maiores

• miscelânea: condiloma, ceratose, erosão, infla­mação, atrofia, deciduose, pólipo.

Outras características são importantes nestanova Classificação Internacional:• suprime-se a descrição das lesões como perten­

centes ou não à zona de transformação;• epitélio acetobranco não é mais classificado

como "plano ou micropapilar", passando a serdenominado de "tênue ou denso" (Figura 2);

• erosão não é mais qualificada como "alteraçãomaior" e, sim, como "miscelânea";

• leucoplasia não é mais denominada "achadocolposcópico anormal" e passa ser "miscelânea",renomeada de "ceratose" (Figura 3);

• "área iodo negativa" é considerada "alteraçãomaior" e não mais "alteração menor";

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• a zona de transformação passa a ser classificadaem três graus, dependendo de sua exposiçãono colo uterino.

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Ds [nâices ~olgoscógicos

Diferentemente das classificações colposcó­picas, alguns autores apresentaram índices colpos­cópicos que atribuem pontos ou categorizações aosachados colposcópicos individualmente, procuran­do-se prever qual o tipo histológico de lesão que seestá lidando e, indiretamente, diminuir o númerode amostragens histológicas desnecessárias, au­mentando a especificidade da técnica.

As principais críticas a estes índices colpos­cópicos são o uso de nomenclatura particular, nãose descrevendo os achados colposcópicos segundoa nomenclatura internacional, e a validade realdas categorizações.

Um dos índices colposcópicos mais difun­didos é o índice de Reid, publicado pela primeiravez em 1984 e revisado em 1985. Segundo os ar­tigos originais, pontuando-se as característicasdos achados colposcópicos em relação a margensperiféricas, cor, atipia vascular e coloração por iodo,Reid conseguia predizer o diagnóstico histológicoem 97% dos casos. Várias restrições são apresenta­das a estes estudos: não incluíram colposcopias ebiópsias negativas, além de possuírem um númeropequeno de pacientes, 52 e 72, respectivamente(Reid et aL, 1985; Reid et aL, 1984).

Estudos posteriores, Carriero, 1991; e Gonzalez,1993, alcançaram resultados semelhantes com o usodo Índice de Reid, porém sofrem restrições científicasimportantes por não incluírem casos de colposcopiasnormais e biópsias negativas (Carriero et aL, 1991;Gonzalez Sanchez et aL, 1993).

Vários outros índices colposcópicos foramapresentados também com o objetivo de prever osresultados histológicos, mas não alcançaram reconhe­cimento: Coppleson, Sianturi e Kierkegaard (Copple­son, 1991; Kierkegaard et aL, 1995; Sianturi, 1993).

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Alguns países europeus e sul-americanosdefendem o uso da colposcopia como método derastreamento primário para o câncer de colo uterinoe lesões pré-malignas, baseados no fato de que váriosestudos têm mostrado que esta técnica é superiorà citologia em termos de sensibilidade. Na únicametanálise sobre colposcopia publicada até então,Mitchell, 1998, mostrou que a colposcopia possuisensibilidade média de 96% (87-99%) em diferenciarcolo uterino normal de colo uterino anormal (lesãointraepitelial de baixo grau -LSIL, lesão intraepitelialde alto grau -HSIL ou carcinomas). Quando Mitchellanalisa a sensibilidade em diferenciar colo uterinonormal ou L8IL de H8IL ou carcinoma, a sensibili­dade é de 85% (64-99%) (Mitchell et aL, 1998).

Em 2.825 mulheres examinadas por Massad,identificou-se sensibilidade de 89% na diferencia­ção entre colo normal e colo anormal. Em 1996,Hilgarth identificou sensibilidade de 97 e 85% nacolposcopia em identificar NIC II e IIl, respectiva­mente (Hilgarth et aL, 1996; Massad et aL, 2003).

Outros autores têm sugerido o uso da colpos­copia simultaneamente à citologia em rastreamentoprimário para patologia cervical. Pete, 1998, encon­trou melhor sensibilidade quando associou citologiae colposcopia (sensibilidade da citologia isoladamen­te: 47%; sensibilidade da colposcopia isoladamente:87%; sensibilidade da associação: 96%). Gullotta,1997, em comparação semelhante havia encontradoos seguintes resultados, respectivamente: 70, 92 e97,8% (Gullotta et aLo, 1997; Pete et aLo, 1998).

Apesar do bom desempenho da colposcopiaem termos de sensibilidade, a especificidade nagrande maioria dos estudos é baixa. Isto signifi­ca que grande parte dos casos identificados pelacolposcopia como alterados, na verdade, não são.Na metanálise de Mitchell, 1998, a colposcopiaapresenta especificidade de apenas 48% (23-87%)em diferenciar colo uterino normal de colo ute­rino com lesões displásicas ou carcinomatosas.Elevando-se o ponto de corte para diferenciaçãoentre colo uterino normal ou LSIL de H8IL ou car­cinoma, a especificidade da colposcopia aumentapara 69% (30-93%). Estudos posteriores mostraramresultados semelhantes como Pete, Massad e Tatti(Massad et aL, 2003; Mitchell et aL, 1998; Pete et aL,1998; Tatti et aL, 2004).

Embora a colposcopia apresente sensibili­dade maior que a citologia na grande maioria dosestudos de rastreamento, sua especificidade baixatem sido alvo de críticas. A literatura tem eviden­ciado que a colposcopia em grande parte dos casossuperestima o grau da lesão e, assim, lesões de

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baixo grau que não precisariam amostragem his­tológica e que poderiam ser apenas acompanhadassem intervenção alguma, são submetidas a biópsiasdesnecessárias (Benedet et alo, 2004).

Além do impacto psicológico, os custos tam­bém são fator a ser considerado. Análises norte­americanas de custo-efetividade têm demonstradoque a presença de exames falso-positivos é a prin­cipal causa de aumento de despesas nos progra­mas de rastreamento de câncer de colo uterino,incluindo neste caso o seguimento mais freqüentedas pacientes e as colposcopias realizadas.

Mas os resultados são controversos sobre custo­efetividade dependendo da região onde são realizados,pois sabe-se que a colposcopia nos Estados Unidosapresenta custos mais elevados que em outros paísescomo Itália, Brasil e Argentina. Checchini, 1997, apre­sentou um estudo de 3.0 00 mulheres rastreadas paracâncer de colo uterino, mostrando que o rastreamentoprimário por colposcopia é mais custo-efetivo que acitologia na Itália (Cecchiniet alo, 1997; Fahsetal., 1996;Massad et al., 2003; Sankaranarayanan et at., 2001).

A atual Classificação da IFCPC de 2002,diferentemente das classificações anteriores, nãosó lista os achados colposcópicos, mas tambémapresenta quais estão associados a epitélio normal,LSIL, HSIL ou carcinoma. Não se trata de um ín­dice colposcópico, no entanto, procura sugerir ce­nários que possam prever o diagnóstico histológicomais claramente do que nas versões anteriores.

É possível que este detalhamento maior emais objetivo dos achados colposcópicos na novaClassificação Internacional forneça condições de semelhorar a especificidade da colposcopia? Utilizan­do esta nova nomenclatura, poderão ser diminuídasas amostragens histológicas desnecessárias com se­gurança? Qual o impacto da nova nomenclatura?

Até o momento, nenhum artigo científico abor­dou a nova Classificação Internacional da IFCPC ana­lisando sensibilidade, especificidade e valores pre­ditivos (base de dados pesquisada: PubMed, Lilacs,SciElo, The Cochrane Library e National GuidelineClearinghouse, acessadas em julho de 2005).

Como a Classificação Colposcópica de 2002é baseada em painel de experts, é necessário queestudos sejam desenvolvidos para testar sua realvalidade e sugerir possíveis mudanças para umamelhor adequação à prática clínica.

Já passado quase um século após o iníciodos estudos de Hinselmann sobre câncer de colouterino, a colposcopia parece tomar um rumo deunificação de sua nomenclatura. Maiores e melho­res estudos poderão ser realizados com pesquisa­dores compartilhando as mesmas descrições. E opapel real da colposcopia poderá ser definido maisclaramente, não somente sob a opinião de especia-

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listas, como vem ocorrendo, mas através de artigoscientíficos especializados e bem conduzidos.

Cotposcopy was introduced in 1925 by Hans Hinset­mann, German physician, and was not acknowted­ged due to after-war Germany restrictions. During60's, cotposcopy was widespread as an importantauxitiary methodfor cytotogyc screening. There aredifferent nomenclatures with difficuUiesfor coUa­borative studies. Cotposcopic indexes appeared as atoH to predict histotogical resuUs but were not weUaccepted. Internationat Federation ofCervicat Pa­thotogy and Cotposcopy tried to unify the differentnomenclatures presenting the new internationatclassification in 1975, 1990 and 2002. Nowadays,cotposcopy is an intermediate method betweencytology and histology. Many authors argue thatcolposcopy have a high sensitivity and coutd be pta­ced as a cervicat cancer screening method, but withlow specificity. The new 2002 nomendature descri­bes more details of colposcopic views associatedto normat epithetium, LSIL, HSIL or carcinoma.However would the new nomendature aUow bettercolposcopic performance? Until now, no scientificpaper analyzed the new Internationat ColposcopicCtassification and its sensitivity, specificity andpredictive vatues.

KEYWORDS: Cotposcopy. History of cotposcopy.Cervical cancer.

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