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ISSN 2179-1643 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 322_miolo.pdf · Mauricio Godinho Delgado, Raimar...

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Revista SÍNTESE Trabalhista e Previdenciária ANO XXVII – Nº 322 – ABRIL 2016 EDIÇÃO ESPECIAL REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Supremo Tribunal Federal – Nº 21/91 Superior Tribunal de Justiça – Nº 19/91 Tribunal Superior do Trabalho – Nº 01/94 Tribunal Regional Federal 1ª Região – Nº 06/92 Tribunal Regional Federal 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal 3ª Região – Nº 21/2010 Tribunal Regional Federal 4ª Região – Nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal 5ª Região – Nº 09/98 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza CONSELHO EDITORIAL Arion Sayão Romita, Carlos Henrique Bezerra Leite, Érica Paula Barcha Correia, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Jorge Luiz Souto Maior, José Carlos Arouca, Marcus Orione G. Correia, Maria Garcia, Marisa Ferreira dos Santos, Mauricio Godinho Delgado, Raimar Machado, Sergio Pinto Martins, Wladimir Novaes Filho, Wladimir Novaes Martinez COMITÊ TÉCNICO Enoque Ribeiro dos Santos, Ilse Marcelina Bernardi Lora, Rúbia Zanotelli de Alvarenga, Thereza Christina Nahas COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Adir José da Silva Júnior, Alexandre Schumacher Triches, Aline Ortiz Vieira, Amauri Cesar Alves, Bruno Milano Centa, Bruno Sá Freire Martins, Cláudio Armando Couce de Menezes, Dirce Namie Kosugi, Erica B. Correia, Georgenor de Sousa Franco Filho, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Ilse Marcelina Bernardi Lora, Jorge Luiz Souto Maior, José Claudio Monteiro de Brito Filho, Luiz Eduardo Gunther, Luiz Marcelo Góis, Marcelo Tolomei Teixeira, Marco Antônio Villatore, Marco Aurélio Serau Junior, Marcus Orione Gonçalves Correia, Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro, Murilo Rezende dos Santos, Oscar Valente Cardoso, Rafael da Silva Marques, Ricardo Souza Calcini, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson, Rúbia Zanotelli de Alvarenga, Sérgio Henrique Salvador, Tatiana Sada Jordão, Valdete Souto Severo, Victor Emanuel Bertoldo Teixeira, Vinícius Pacheco Fluminhan, Wladimir Novaes Martinez ISSN 2179-1643
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Revista SÍNTESETrabalhista e Previdenciária

Ano XXVII – nº 322 – AbrIl 2016 EdIção EspEcIAl

rEposItórIo AutorIzAdo dE JurIsprudêncIASupremo Tribunal Federal – Nº 21/91

Superior Tribunal de Justiça – Nº 19/91Tribunal Superior do Trabalho – Nº 01/94

Tribunal Regional Federal 1ª Região – Nº 06/92Tribunal Regional Federal 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0

Tribunal Regional Federal 3ª Região – Nº 21/2010Tribunal Regional Federal 4ª Região – Nº 07/0042596-9

Tribunal Regional Federal 5ª Região – Nº 09/98

dIrEtor EXEcutIVo

Elton José Donato

GErEntE EdItorIAl E dE consultorIA

Eliane Beltramini

coordEnAdor EdItorIAl

Cristiano Basaglia

EdItorA

Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza

consElho EdItorIAl

Arion Sayão Romita, Carlos Henrique Bezerra Leite, Érica Paula Barcha Correia, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Jorge Luiz Souto Maior, José Carlos Arouca,

Marcus Orione G. Correia, Maria Garcia, Marisa Ferreira dos Santos, Mauricio Godinho Delgado, Raimar Machado, Sergio Pinto Martins,

Wladimir Novaes Filho, Wladimir Novaes Martinez

comItê técnIcoEnoque Ribeiro dos Santos, Ilse Marcelina Bernardi Lora,

Rúbia Zanotelli de Alvarenga, Thereza Christina Nahas

colAborAdorEs dEstA EdIçãoAdir José da Silva Júnior, Alexandre Schumacher Triches, Aline Ortiz Vieira, Amauri Cesar Alves, Bruno Milano Centa, Bruno Sá Freire Martins,

Cláudio Armando Couce de Menezes, Dirce Namie Kosugi, Erica B. Correia, Georgenor de Sousa Franco Filho, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Ilse Marcelina Bernardi Lora, Jorge Luiz Souto Maior, José Claudio Monteiro de Brito Filho, Luiz Eduardo Gunther, Luiz Marcelo Góis, Marcelo Tolomei Teixeira, Marco Antônio

Villatore, Marco Aurélio Serau Junior, Marcus Orione Gonçalves Correia, Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro, Murilo Rezende dos Santos, Oscar Valente Cardoso, Rafael da Silva Marques, Ricardo Souza Calcini, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson, Rúbia Zanotelli de Alvarenga, Sérgio Henrique

Salvador, Tatiana Sada Jordão, Valdete Souto Severo, Victor Emanuel Bertoldo Teixeira, Vinícius Pacheco Fluminhan, Wladimir Novaes Martinez

ISSN 2179-1643

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1989 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação mensal de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos trabalhistas e previdenciários.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected].

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE TRABALHISTA E PREVIDENCIÁRIA Nota: Continuação da Revista IOB Trabalhista e Previdenciária

v. 1, n. 1, jul. 1989

Publicação periódica Mensal

v. 27, n. 322, Abril 2016

ISSN 2179-1643

1. Direito trabalhista – periódicos – Brasil

CDU: 349.2(81)(05) CDD: 7340

Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Esta edição da Revista SÍNTESE Trabalhista e Previdenciária vem foca-da em grandes temas que têm suscitado inúmeras controvérsias nas searas trabalhista e previdenciária. São eles: “A Terceirização Trabalhista e o Pro-grama de Proteção ao Emprego” e “As Alterações na Legislação Previden- ciária na Obtenção de Benefícios”.

Apresenta-se uma coletânea de estudos, apresentando doutrinas que abrangem diversos temas, tanto quanto é possível, de cunho prático de grandes nomes do direito: Adir José da Silva Júnior, Alexandre Schumacher Triches, Aline Ortiz Vieira, Amauri Cesar Alves, Bruno Milano Centa, Bruno Sá Freire Martins, Cláudio Armando Couce de Menezes, Dirce Namie Kosugi, Erica B. Correia, Georgenor de Sousa Franco Filho, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Ilse Marcelina Bernardi Lora, Jorge Luiz Souto Maior, José Claudio Monteiro de Brito Filho, Luiz Eduardo Gunther, Luiz Marcelo Góis, Marcelo Tolomei Teixeira, Marco Antônio Villatore, Marco Aurélio Serau Junior, Marcus Orione Gonçalves Correia, Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro, Murilo Rezende dos Santos, Oscar Valente Cardoso, Rafael da Silva Marques, Ricardo Souza Calcini, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson, Rúbia Zanotelli de Alvarenga, Sérgio Henrique Salvador, Tatiana Sada Jordão, Valdete Souto Severo, Victor Emanuel Bertoldo Teixeira, Vinícius Pacheco Fluminhan, Wladimir Novaes Martinez.

Deixaremos de publicar, excepcionalmente nessa edição, as íntegras de repositório autorizado, levando a você a tabela de atualizações somente.

É com prazer que a IOB/SÍNTESE deseja a você uma excelente leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Edição EspecialTrabalhista

A Terceirização e o Programa de Proteção ao Emprego

1. Terceirização Interna e RedundânciasAmauri Cesar Alves ........................................................................................................ 9

2. A Terceirização na Organização Internacional do Trabalho e nos Estados Partes do Mercado Comum do Sul (Mercosul) – Atualizado com o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 no Caso Brasileiro – Consequências Sociais e EconômicasBruno Milano Centa e Marco Antônio Villatore............................................................ 42

3. Notas Críticas sobre TerceirizaçãoCláudio Armando Couce de Menezes .......................................................................... 73

4. Terceirização da Perícia Médica Previdenciária – MP 664/2014 e Lei nº 13.335/2015Dirce Namie Kosugi ..................................................................................................... 85

5. Programa de Proteção ao Emprego: Solução?Georgenor de Sousa Franco Filho ................................................................................. 89

6. Contrato de Facção e Responsabilidade por Terceirização de ServiçosGustavo Filipe Barbosa Garcia ................................................................................... 100

7. Fundo de Amparo ao Trabalhador e Programa de Proteção ao Emprego da Lei nº 13.189/2015: Parâmetros Constitucionais e LegaisGustavo Filipe Barbosa Garcia ................................................................................... 106

8. Terceirização: Lei Versus JurisprudênciaGustavo Filipe Barbosa Garcia ................................................................................... 112

9. A Terceirização no Direito do Trabalho e o Projeto de Lei nº 4.330/2004Ilse Marcelina Bernardi Lora ....................................................................................... 119

10. Juridicamente, a Terceirização Já Era: Acabou!Jorge Luiz Souto Maior ............................................................................................... 136

11. Trabalho Intermediado e PrecarizaçãoJosé Claudio Monteiro de Brito Filho .......................................................................... 153

12. O Fenômeno Jurídico da Terceirização: Aspectos Atuais e Relevantes no BrasilLuiz Eduardo Gunther ................................................................................................ 165

13. Considerações sobre o Programa de Proteção ao EmpregoLuiz Marcelo Góis ...................................................................................................... 184

14. A Terceirização no Brasil e a Medida Provisória nº 680/2015 Inserida na Modernidade Econômica e SocialMarcelo Tolomei Teixeira .......................................................................................... 196

15. A Terceirização e a Função Social do ContratoMaria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro ....................................................... 213

16. É, de Fato, Inconstitucional a Terceirização de Serviços?Rafael da Silva Marques ............................................................................................. 231

17. A Coibição da Intermediação de Mão de Obra pela Nova Lei da TerceirizaçãoRicardo Souza Calcini ................................................................................................ 236

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18. As Novidades do PPE: desde a MP 680 até a Recente Lei nº 13.189/2015Ricardo Souza Calcini ................................................................................................ 238

19. Da Terceirização da Relação de TrabalhoRocco Antonio Rangel Rosso Nelson .......................................................................... 243

20. Terceirização e Direito do TrabalhoRúbia Zanotelli de Alvarenga ..................................................................................... 268

21. Terceirização: o Perverso Discurso do Mal MenorValdete Souto Severo ................................................................................................. 285

22. Apontamentos sobre a Terceirização e o Poder do Término Desmotivado da Relação de Emprego por Iniciativa Patronal: Rotatividade da Força de TrabalhoVictor Emanuel Bertoldo Teixeira ............................................................................... 311

Previdenciário

Alterações na Legislação Previdenciária

1. As Alterações na Legislação Previdenciária Promovidas pela Medida Provisória nº 676/2015Alexandre Schumacher Triches e Aline Ortiz Vieira ................................................... 331

2. A Inconstitucionalidade das Alterações no Regime de Previdência Complementar dos Servidores FederaisBruno Sá Freire Martins .............................................................................................. 343

3. A Nova Pensão por Morte Introduzida pela Lei nº 13.135/2015Erica B. Correia .......................................................................................................... 353

4. Aposentadoria e Fator Previdenciário: Mudanças LegislativasGustavo Filipe Barbosa Garcia ................................................................................... 361

5. Cessação da Pensão por Morte no Caso de Simulação de Casamento ou União Estável: Artigo 74, § 2º, da Lei de Benefícios (Redação Dada pela Lei nº 13.135/2015)Marco Aurélio Serau Junior ........................................................................................ 366

6. Direitos Sociais em Depressão – Relato de Uma Viagem aos Dias de HojeMarcus Orione Gonçalves Correia ............................................................................. 377

7. As Novas Regras da Pensão por Morte: Comentários às Alterações da MP 664/2014 e da Lei nº 13.135/2015Oscar Valente Cardoso e Adir José da Silva Júnior...................................................... 383

8. A Nova Pensão por Morte PrevidenciáriaSérgio Henrique Salvador ........................................................................................... 402

9. Revisão dos Benefícios de Pensão por Morte Concedidos na Vigência da Medida Provisória nº 664/2014: uma Análise à Luz da JudicializaçãoTatiana Sada Jordão .................................................................................................... 404

10. O Novo Regime de Pensão por Morte no INSS e o Conflito com a Jurisprudência do STF e do STJVinícius Pacheco Fluminhan e Murilo Rezende dos Santos ........................................ 410

11. A Verdadeira Fórmula 95Wladimir Novaes Martinez ........................................................................................ 426

Tabelas Práticas.................................................................................................................. 432

Índice Alfabético e Remissivo ............................................................................................... 436

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Terceirização Interna e Redundâncias

AmAuRI CESAR ALvESDoutor, Mestre e Bacharel em Direito pela PUC-Minas, Professor da Universidade Federal de Ouro Preto – Ufop.

SUMÁRIO: Introdução; I – “Inconstitucionalidade” e desnecessidade da Súmula nº 331 do TST e do PL 4.330/2004, PLC 30/2015; II – Atividade-fim, atividade-meio e especialização na reestruturação produtiva pós-fordista; III – Insegurança jurídica? Atividade-fim, atividade-meio, empresa especiali-zada de objeto social único, serviços determinados específicos; IV – Terceirização e precarização: concubinato necessário no modelo atual; V – Terceirização e sindicato: atuação por um mínimo de civilidade na relação triangular; Conclusão; Referências.

INtrodução

Diz uma expressão muitíssimo comum que, em diversas situações fáticas, deve-se optar entre os males, elegendo o menor. Aparentemente o intérprete atual das relações terceirizadas terá que se valer do adágio: dos males, o menor... Tal opção se estabelece em decorrência da presença cada vez maior da terceirização no Brasil, bem como das alternativas que estão postas majoritariamente: PL 4.330/2004 (PLC 30/2015) que prevê tercei-rização em todas as atividades do contratante ou a ideia básica fixada na Súmula nº 331 do TST, que permite a relação trilateral em atividade-meio.

O ideal, conforme defende o Professor Márcio Túlio Viana, seria proi-bir definitivamente a terceirização interna1, sendo presumível a ilicitude da terceirização externa2. Infelizmente tal compreensão, ainda que funda-mentada constitucionalmente, não parece ter o merecido espaço no deba-te atual. O Congresso Nacional aparentemente concentra o debate entre a terceirização ampla, geral e irrestrita (Câmara dos Deputados) e restrita às atividades-meio do contratante (Senado da República). Aparentemente não haverá discussão sobre a essência da terceirização, que é a discriminação remuneratória que existe entre trabalhadores em igualdade de condições

1 “[...] na terceirização interna, a empresa realmente internaliza trabalhadores alheios – como acontece no trabalho temporário, nas empresas de asseio e conservação e, de um modo geral, nas chamadas ‘atividade- -meio’, que servem apenas de suporte ao objetivo central de seus negócios. Nesse último caso, naturalmente, a classificação de ‘atividade-meio’ se refere apenas à empresa tomadora, já que a empresa que fornece os empregados exerce (ao fornecê-los) uma ‘atividade-fim’.” (Viana, 2015)

2 “[...] na terceirização externa, a empresa quer, de fato, externalizar etapas de seu ciclo produtivo – uma prática cada vez mais disseminada. Assim, a fábrica A, ao invés de fazer um barco inteiro, faz só a sua estrutura, descartando os remos para B e os bancos para C.” (Viana, 2015)

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10 ����������������������������������������������������������������������������������������� RST Nº 322 – Abril/2016 – EDIÇÃO ESPECIAL – DOUTRINA TRABALHISTA

socioeconômicas: o empregado diretamente contratado pelo tomador dos serviços e o trabalhador terceirizado.

O presente artigo discutirá a terceirização conforme posta à apre-ciação do Congresso Nacional e do Poder Judiciário Trabalhista nos dias atuais, cabendo ressaltar, sempre, compreensão civilizatória no sentido do erro que será legalizar a desigualdade injusta.

De início, a discussão será concentrada na tese civilizatória mais am-pla, em perspectiva constitucional, consubstanciada na inconstitucionali-dade e desnecessidade tanto da Súmula nº 331 do TST quanto dos termos elementares do PL 4.330/2004 (PLC 30/2015).

Em seguida, sabendo que a citada inconstitucionalidade não está em pauta, é necessária a discussão sobre os conceitos de atividade-fim e ativi-dade-meio em modelos produtivos fordistas e toyotistas.

Outro ponto relevante diz respeito à crítica necessária àqueles que entendem inviável a distinção entre atividade-fim e atividade-meio, ao ar-gumento de que trazem insegurança jurídica. Ocorre que em substituição a tais conceitos o PL 4.330/2004 (PLC 30/2015) traz outros que também poderiam ser vistos como imprecisos, tais como “empresa especializada de objeto social único” e “serviços determinados específicos”.

Também importante, no cenário que se apresenta hoje para o fenô-meno da terceirização de serviços, revelar a irmandade umbilical entre ter-ceirização e precarização no Brasil.

Por fim proposta de atuação do sindicato para tentar minimizar os prejuízos advindos à classe trabalhadora com a relação terceirizada.

A análise será empreendida tendo como parâmetro a terceirização interna, que é aquela que mais precariza, que mais se mostra presente na realidade socioeconômica no Brasil e que em síntese justifica a edição da Súmula nº 331 do TST e a elaboração do PL 4.330/2004 (PLC 30/2015).

A redundância sistêmica no âmbito da discussão atual sobre terceiri-zação se deve ao fato de ser a terceirização interna, por si só, precarizante e discriminatória3, conforme desenvolvimento que seguirá, na linha doutri-nária de Márcio Túlio Viana (2015). Não existe terceirização que não seja fraudulenta. Não existe terceirização sem precarização. Não existe terceiri-

3 “De um lado, porque – se o Direito Civil está em alta – a norma civilista que mais poderia nos ajudar – a que reprime as discriminações – não chega ao ponto de levar o intérprete a concluir (como deveria) que o terceirizado é sempre discriminado. Ou seja: é discriminado pelo simples fato de ser terceirizado, pelo menos quando se trata de terceirização interna.” (Viana, 2015)

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RST Nº 322 – Abril/2016 – EDIÇÃO ESPECIAL – DOUTRINA TRABALHISTA����������������������������������������������������������������������������������������������11

zação que não considere o trabalhador terceirizado uma mera mercadoria a ser colocada no mercado para fazer a riqueza de contratante (tomador dos serviços) e contratada (interposta). Assim, falar-se em precarização na terceirização é redundância, embora seja possível e necessário optar pelo menor dos males.

I – “INcoNStItucIoNalIdade” e deSNeceSSIdade da Súmula Nº 331 do tSt e do Pl 4.330/2004, Plc 30/2015

O debate atual sobre terceirização é claramente marcado por amplo dissenso, com disputas ferrenhas sobre posições políticas e jurídicas bem marcadas. É claro o antagonismo entre forças neoliberais (aí incluídos par-tidos políticos, patrões, federações, confederações, sindicatos e principal-mente a Força Sindical) e progressistas (partidos políticos, Auditores Fiscais do Trabalho, Magistratura e Ministério Público Trabalhistas, Academia, fe-derações, confederações, sindicatos e principalmente a Central Única dos Trabalhadores). Não obstante o dissenso há aparente consenso, equivocado porém, com relação à necessidade de criação de regra geral regulamenta-dora da terceirização no país ou da manutenção da Súmula nº 331 do TST4. Tal consenso decorre de uma suposta ausência de lei geral sobre a matéria.

A ideia consensual de vazio normativo teria forçado o TST à edição de sua Súmula nº 331, que, na prática atual, “regulamenta” o fenômeno sociojurídico e fixa seus limites. Ainda com base em tal consenso a Câmara dos Deputados “votou”5 em 22.04.2015 o texto final do PL 4.330/2004, imediatamente enviado ao Senado da República e lá tramitando sob a refe-rência PLC 30/2015. Não obstante tal percepção consensual, outras leituras são possíveis a respeito da regulamentação da terceirização no Brasil. A primeira é no sentido de que há, sim, regra legal suficientemente abrangente para regular a terceirização: a Lei nº 6.019/1974. Uma segunda linha é no sentido da aplicação direta e imediata de normas constitucionais (regras e princípios) para fixar os limites (também constitucionais) sobre a terceiri-zação.

De início, sempre prioritariamente, a aplicação direta e imediata de princípios constitucionais nas situações triangulares de contratação de tra-balho. Partindo do consenso (equivocado) de inexistência de regra geral sobre terceirização deveria o intérprete, sem problemas ou dúvidas, aplicar

4 Alguns Ministros do TST entendem possível a manutenção da Súmula nº 331 como suficiente a dirimir situações controvertidas no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista.

5 Na verdade, a votação mais pareceu um atropelamento daqueles trágicos que são vistos diariamente nas ruas do país. As imagens constrangedoras da votação revelam uma infeliz tendência de arroubos ditatoriais na Câmara dos Deputados.

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12 ����������������������������������������������������������������������������������������� RST Nº 322 – Abril/2016 – EDIÇÃO ESPECIAL – DOUTRINA TRABALHISTA

normas constitucionais para a completa regulação da avença. Nesta esteira, princípios constitucionais como os da dignidade da pessoa humana (CR, art. 1º, inciso III), do valor social do trabalho (CR, art. 1º, inciso IV), da igualdade ou não discriminação (CR, art. 5º, caput), da vedação ao retro-cesso social (CR, art. 5º, § 2º), da prevalência dos direitos humanos (CR, art. 4º, inciso II), bem como os princípios e regras constitucionais trabalhis-tas específicos dos arts. 7º, 8º e 9º devem prevalecer também no âmbito das relações terceirizadas. Tais princípios constitucionais constituem nor-mas fundamentais inafastáveis e autoaplicáveis às relações de trabalho. No contexto da normatividade dos princípios e da melhor hermenêutica consti-tucional é possível a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas rela-ções jurídicas de emprego, sendo então oponíveis os valores constitucionais no âmbito da relação terceirizada independentemente de regulamentação infraconstitucional.

É cediço, entretanto, que o Poder Judiciário Trabalhista resiste à apli-cação direta e imediata de princípios constitucionais para dirimir situações controvertidas concretas, preferindo a aplicação da legislação infraconsti-tucional. Se é assim, que se aplique então a regra legal brasileira que trata das relações trabalhistas trilaterais: a Lei nº 6.019/19746. É muito simples. Caso haja necessidade de terceirização, deve o contratante (tomador dos serviços) demonstrar necessidade transitória de substituição de pessoal ou, então, necessidade decorrente de acréscimo extraordinário de serviços (Lei nº 6.019/1974, art. 2º). Em ambos os casos o prazo máximo da relação triangular será de três meses (Lei nº 6.019/1974, art. 10), devendo haver pagamento de salário equitativo7 (Lei nº 6.019/1974, art. 12, alínea a). Ain-da que não exatamente nesta mesma linha interpretativa, percebeu a Justi-ça do Trabalho mineira que as razões para a edição e a aplicação da Lei nº 6.019/1974 se verificam também nos casos de terceirização de trabalho permanente8.

6 Permitida também a terceirização de serviços de vigilância, nos termos da Lei nº 7.102/1983.7 “Remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora. O salário

equitativo, resultante deste preceito, é que tem propiciado, ao longo das últimas décadas, a interpretação jurisprudencial e doutrinária construtiva que vem aproximando as vantagens trabalhistas dos temporários do padrão geral dominante no Direito do Trabalho do país.” (Delgado, 2012)

8 “[...] se o trabalhador temporário, que normalmente fica na empresa tomadora de serviços por noventa dias (a não ser em virtude de prorrogação expressamente autorizada pelo órgão do MTE), tem assegurado, por preceito legal expresso, tal proteção, não se pode conceber, do ponto de vista lógico e jurídico, que trabalhadores que, como o reclamante, prestaram serviços de forma permanente à empresa tomadora, tenham menos direitos. Inteiramente cabível, portanto, a incidência por analogia daquele preceito legal ao caso dos autos, de resto autorizada expressamente pelo art. 8º, caput, da CLT.” (TRT, 3ª Região, 5ª Turma, Processo RO 00077-2008-140-03-00-6, Rel. Des. José Roberto Freire Pimenta, Publicação em 29.11.2008. Disponível em: www.trt3.jus.br)

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A análise anteriormente desenvolvida privilegia a função normativa ou eficácia direta dos princípios constitucionais9. Além da função interpre-tativa, os princípios constitucionais atuam também, de modo inequívoco, como instrumento fundamental de interpretação. A eficácia interpretativa dos princípios constitucionais diz respeito à revelação do sentido de uma norma, que deve ser feita “tendo em conta os valores e fins abrigados nos princípios constitucionais” (Barroso, 2012, p. 343). No que interessa ao cer-ne do presente item, é de se destacar a eficácia negativa dos princípios constitucionais, que implica “a paralisação de qualquer norma ou ato jurí-dico que esteja em contrariedade com o princípio constitucional” (Barroso, 2012, p. 344) em análise no caso concreto.

Especificamente no que concerne à “inconstitucionalidade”10 da Sú-mula nº 331 do TST, é possível afirmar que há dois vícios ou situações de contrariedade à norma constitucional. De início, o fato de não ser o Tribu-nal Superior do Trabalho competente para a criação de comandos gerais tendentes à fixação de obrigações ou restrições para os sujeitos da relação empregatícia. Tal competência constitucional cabe ao Poder Legislativo, nos termos dos arts 48 e seguintes da Constituição da República, observa-do sempre o princípio consagrado em seu art. 2º. Sendo assim, a Súmula nº 331 do TST não poderia restringir a aplicação da terceirização às ativi-dades-meio do tomador dos serviços, ainda que na prática tal medida tenha representado, ao longo dos últimos anos, controle civilizatório mínimo do trabalho terceirizado. Em verdade, a Súmula nº 331 do TST não poderia ir além dos permissivos contidos na Lei nº 6.019/1974, que traz as situações (excepcionais e transitórias) de terceirização lícita no Brasil. Outro ponto, já sinalizado anteriormente, diz respeito à permissão da jurisprudência con-solidada de tratamento desigual entre trabalhadores em situação de igual-dade substancial, o que fere o disposto no art. 5º, caput, da Constituição da República. Ora, se o empregado da interposta trabalha no interesse direto e imediato do tomador dos serviços, da mesma forma que seus empregados diretos, então há que se aplicar o princípio constitucional de igualdade, ga-rantindo a todos um mesmo patamar remuneratório. Márcio Túlio Viana, ao

9 A eficácia dos princípios é direta nas situações em que o “princípio incide sobre a realidade à semelhança de uma regra, pelo enquadramento do fato relevante na proposição jurídica nele contida” (Barroso, 2012, p. 342).

10 Tecnicamente sequer seria possível se falar de inconstitucionalidade de súmula, vez que não possui caráter normativo. Embora muitos não percebam ou até compreendam em sentido contrário, súmula de jurisprudência do TST não deve ser compreendida como norma jurídica, não sendo portanto suficiente a fixar o direito de alguém ou a afastá-lo no caso concreto. Trata-se apenas de orientação para decisões de 1º e 2º graus de jurisdição trabalhista, sem força vinculante ou cogente. A jurisprudência consolidada do TST tem natureza jurídica de decisão judicial reiterada e uniforme, de caráter persuasivo e não vinculativo. Inconstitucional é a norma, e não a jurisprudência, ainda que consolidada em súmula. O presente artigo preservará, entretanto, a compreensão ordinária.

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defender a isonomia, lembra que tanto o empregado terceirizado quanto o empregado contratado diretamente pela contratante (tomadora dos serviços) trabalham efetivamente na mesma empresa, que é aquela que se beneficia do trabalho de ambos: “Aliás, se trocarmos a forma pelo fundo, notaremos que – em última análise – quem desembolsa o valor que vai custear os salários é o tomador, embora quem os pague seja o fornecedor, depois de descontada a sua parte”(Viana, 2012).

Possível argumentar, na linha doutrinária de Sebastião Vieira Caixeta, ofensa à Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 23, ino-bservância à Convenção nº 100, da OIT e descumprimento do disposto no art. 7º, inciso XXXII, da Constituição da República (Caixeta, 2013). Com Gabriela Neves Delgado, é possível perceber agressão aos princípios cons-titucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho (art. 1º, incisos III e IV, Constituição da República)11.

Em análise preliminar, que demandará maior aprofundamento em es-tudo próprio, é relativamente simples perceber também a desconformidade do disposto no PL 4.330/2004 (atualmente em tramitação no Senado da República sob referência PLC 30/2015) com princípios constitucionais ele-mentares, já aqui citados, principalmente aqueles fundamentais previstos no art. 1º, incisos III e IV, que tratam da dignidade humana e do valor social do trabalho, e no art. 5º, caput, que exige igualdade ou não discriminação. Ora, se o empregado da contratada trabalha no interesse direto e imediato da contratante, da mesma forma que seus empregados diretos, então há de se aplicar o princípio constitucional de igualdade, garantindo a todos um mesmo patamar remuneratório. Aqui, o risco de precarização injustificada (inconstitucional) é ainda maior, visto o permissivo de que o contratante ter-ceirize toda e qualquer atividade sua. É de rigor, então, que a agregação sin-dical (enquadramento sindical) dos empregados diretos e terceirizados seja a mesma, em releitura que se espera possível (e cada vez mais necessária) do disposto no art. 8º da Constituição da República e no art. 511 da CLT12.

11 “Sabendo-se que a terceirização é uma modalidade de contrato precário prevista pelo Direito do Trabalho brasileiro e que, por óbvio, fragmenta direitos e piora a infra-estrutura de labor para os empregados terceirizados, é que se pode afirmar, sob o ponto de vista social, que tal fenômeno é uma afronta ao princípio da dignidade do ser humano. Apesar de considerado um processo de otimização de gastos e maximização dos lucros pelas grandes empresas, para o empregado constitui meio de labor que, na maioria das vezes, implica perda de renda efetiva. [...] Já que a terceirização fomenta hipótese de pactuação precária da força de trabalho, evidente concluir que é, por si só, uma afronta ao qualificativo “social” imputado ao trabalho pela Constituição de 1988.” (Delgado, 2003, p. 175-176)

12 Sobre o tema, ver: ALVES, Amauri Cesar. Pluralidade sindical: nova interpretação constitucional e celetista. São Paulo: LTr, 2015.

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É possível concluir que a Súmula nº 331 do TST não está em confor-midade com a Constituição da República, por contrariedade ao disposto em seus arts. 48 (e seguintes), 2º e 5º caput, além de ser desnecessária em face do já previsto pela Lei nº 6.019/1974. Também é imperioso concluir liminarmente, sem prejuízo de maior aprofundamento posterior, que o PL 4.330/2004, PLC 30/2015, não está em conformidade com a Constituição da República, por contrariedade ao disposto em seus arts. 1º, incisos III e IV, e 5º, caput, além de ser desnecessário em face do já previsto pela Lei nº 6.019/1974.

II – atIvIdade-fIm, atIvIdade-meIo e eSPecIalIzação Na reeStruturação ProdutIva PóS- -fordISta

As polêmicas instauradas no Brasil sobre a terceirização e as críticas à Súmula nº 331 do TST giram também, entre outros fatores, em torno da possibilidade ou não de se diferenciar atividade-fim e atividade-meio no modelo de organização empresarial prevalecente no país.

Ainda que seja “inconstitucional” e desnecessária a Súmula nº 331 do TST, muitos preferem seus termos à regra prevista no PL 4.330/2004, atual PLC 30/2015, que não traz qualquer controle civilizatório para as rela-ções triangulares de trabalho. Bem ou mal, a jurisprudência consolidada do TST fixou critérios para que haja, validamente, contratação de trabalhado-res terceirizados no Brasil, sendo centrais a tal construção os conceitos de atividade-fim e atividade-meio.

O TST, na prática, “regulamentou” a terceirização permanente em atividade-meio, entendendo ser possível tal prática desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta na linha do trabalho, ou seja, trabalha-dor-tomador dos serviços. Neste ponto, reside a possibilidade da precariza-ção injusta e excepcional da força produtiva por meio da terceirização, que será regra se aprovado o texto principal do PLC 30/2015.

No que concerne então à Súmula nº 331 do TST, deve o intérprete fazer a distinção entre o que é atividade-meio, e, portanto, apta à terceiriza-ção, e atividade-fim, que não permite contratação pela via da interposição. O senso comum indica que atividade-meio é aquela que não se refere ao objetivo essencial do empreendimento do tomador, ou seja, refere-se às tarefas que não são indispensáveis à realização do objetivo social do con-tratante.

O cerne do presente item não é a interpretação jurídica construída ao longo dos anos pelo Poder Judiciário Trabalhista sobre a distinção, mas

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a possibilidade ou não de se diferenciar atividade-fim e atividade-meio no atual modelo de organização empresarial prevalecente no país13. O foco é a construção elaborada pela Administração de Empresas e pela Sociologia do Trabalho.

A terceirização trabalhista é fenômeno jurídico e social que vem se desenvolvendo gradativa e amplamente no Brasil desde a década de 1970. É fácil verificar, no cotidiano das relações produtivas, em todos os ramos de atividade econômica, o trabalho terceirizado. A Administração de Empre-sas, responsável pelo desenvolvimento inicial da terceirização, conceitua o fenômeno como “um processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades para terceiros – com os quais se estabelece uma relação de par-ceria – ficando a empresa concentrada apenas em tarefas essencialmente ligadas ao negócio em que atua” (Giosa, 1993).

O léxico consagra o termo terceirização com sentido de “forma de organização estrutural que permite a uma empresa transferir a outra suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim, reduzindo a estrutura operacional, diminuindo os custos, economizando recursos e desburocratizando a administração” (Houaiss, 2009). Ou ainda, a “atribuição a empresas independentes, i.e., a terceiros, de processos auxiliares à atividade principal de uma empresa” (Ferreira, 2008). Atenção aos temas e aos termos próprios à Administração de Empre-sas: “parceria”, “concentração”, “processos auxiliares”. Em tese, então, o objetivo da terceirização parece ser “otimizar”, para usar também um termo deste ramo do saber, a “gestão” de mão de obra. Não há, e nem se poderia supor uma declaração em tal sentido, nenhuma referência à redução de custos por meio da precarização da exploração de trabalho.

A Sociologia do Trabalho situa a terceirização de serviços no contex-to pós-fordista do final do século XX, em que houve a substituição do mode-lo produtivo taylorista-fordista, cujo padrão é a grande fábrica com produ-ção em massa e em série de produtos, pela especialização flexível, também conhecida como toyotismo. No modelo taylorista-fordista, o industrial se ocupa de todo o processo produtivo, controlando tempos, movimentos, téc-nicas e modos uniformes de produção por meio de chefias ostensivas. Nada deve escapar ao controle patronal direto. No novo modelo pós-fordista ou toyotista, o padrão é a reestruturação da grande fábrica em pequenas e espe-cializadas “unidades de negócio”. A fragmentação da fábrica (sua especiali-

13 Inobstante não tratar o PL 4.330/2004 (PLC 30/2015) da diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, o tema ainda é relevante, vez que há uma pressão consistente para que a discussão seja retomada no Senado Federal.

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zação) fez surgir também alterações na clássica relação bilateral trabalhista. Com as crises econômicas e com o crescimento da concorrência global, o mercado não mais absorvia, como antes, a produção em larga escala da fábrica fordista. Era necessário diminuir os custos para não perder lucro e, como soe acontecer, os salários e os empregos sofreram redução sensível. Mas era necessário algo mais. Como não havia um mercado tão receptivo como antes, pois este se revelou mais “exigente”, era necessária, além dos cortes de praxe, uma “reengenharia” para adequar a grande fábrica ao mer-cado em retração. “Enxugar” a fábrica sem acarretar perda de mercado e muito menos de lucro.

Maria da Graça Druck (2001, p. 123) trata da terceirização no Japão, berço do toyotismo, em suas múltiplas faces. Contempla a autora no míni-mo quatro relações entre sociedades empresárias: “a) kogaisha – empresa fi-lial; b) kyoryoku gaisha – empresa cooperadora; c) kankei gaisha – empresa com a qual se tem relações, empresa coligada; d) shitauke gaisha – empresa subcontratada ou terceirizada”. Não há, neste contexto, uma clara distinção entre atividades (meio e fim) passíveis de terceirização. A citada autora des-taca que, no Brasil, o modelo de terceirização é apresentado teoricamente como “possibilidade de crescimento e multiplicação de oportunidades para as pequenas e médias empresas e até mesmo para trabalhadores se transfor-marem em empresários”.

Para o empregador capitalista, a terceirização é uma das estratégias para a readequação de suas estruturas para o mercado mais exigente. A tese é a da especialização, da ênfase em sua atividade preponderante, da redução de custos e aumento da lucratividade. Tais teses, ainda que mera-mente retóricas por ser a redução de custos o ponto central da terceirização, influenciaram diretamente a redação da Súmula nº 331 do TST e principal-mente do PL 4.330/2004 (PLC 30/2015).

A Súmula nº 331 do TST se sustenta amplamente e atua diretamente por meio da distinção entre atividade-fim e atividade-meio. O PL 4.330/2004 (PLC 30/2015) se sustenta teoricamente em especialização de atividades14, muito embora permita a terceirização em toda e qualquer atividade da con-tratante dos serviços. Assim, devem inicialmente a Administração de Em-presas e a Sociologia do Trabalho fixar seus contornos conceituais básicos.

Jerônimo Leiria, citado por Maria da Graça Druck (2001, p. 132), en-tende que a terceirização deve ser um chamamento à competitividade para

14 Em tal sentido, as regras do art. 2º, incisos II e III, bem como do art. 20 do PL 4.330/2004, em sua redação final, atual PLC 30/2015 no Senado da República.

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alcançar a modernidade, o que exige qualidade e produtividade. Para o autor citado, “tudo o que não é vocação de uma empresa deve ser entregue para especialistas”. Aqui, o cerne é a especialização do que não é vocação empresarial direta, ou seja, terceirização de atividades periféricas (ativida-des-meio). Há, hoje, na prática empresarial brasileira, diferentes formas de terceirização de serviços, inclusive em atividades-fim e independentemente do conteúdo da Súmula nº 331 do TST. No que concerne às atividades-meio são consideradas aquelas periféricas. São serviços de apoio que permitem à contratante centrar seus esforços empresariais na gestão de seu produto principal (Druck, 2001). As atividades-fim são aquelas essenciais à concre-tização dos objetivos centrais do empreendimento, que reúnem as tarefas necessárias à produção de bens ou serviços no âmbito do contratante.

Na mesma linha, a Administração de Empresas deverá contribuir para a conceituação do que seja especialização de atividades, caso aprovado e sancionado como está o texto do PLC 30/2015. A Confederação Nacional da Indústria tem centrado seus esforços argumentativos na ideia de espe-cialização, na certa para negar o principal objetivo da terceirização, que é redução de custos e fragmentação da representação sindical dos trabalha-dores15.

Enfim, é possível concluir pela possibilidade de se estabelecer dife-renciação entre atividade-fim e atividade-meio de uma sociedade empresá-ria contratante (tomadora) de serviços terceirizados. A análise, no plano dos fatos, é até relativamente simples. Sempre que for possível, abstrata e men-talmente, retirar a atividade terceirizada do contexto produtivo do tomador dos serviços e, mesmo assim, vislumbrar o resultado final, então a atividade é meio. Ao contrário, se do exercício de análise abstrata não for possível o resultado final sem a atividade terceirizada, a atividade será fim e, portanto, a terceirização será irregular. O argumento empresarial de que a atividade produtiva é dinâmica, e o que é meio hoje pode ser fim amanhã, não é empecilho à diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, nos termos aqui propostos. A análise é sempre do caso concreto, em cada momento e local de terceirização, sendo facilmente aplicável o conceito às mais diver-

15 A terceirização é uma tendência mundial que objetiva ganhos de especialidade, qualidade, eficiência, produtividade e competitividade. Tudo isso gera riqueza para o país, que, por sua vez, cria maiores oportunidades de emprego. Setores como construção civil, nanotecnologia, biotecnologia, naval, mecatrônica, hospitalidade, tecnologia da informação, entre outros, só serão mais eficientes, produtivos e competitivos com a terceirização de serviços especializados. Por exemplo, a construção de um prédio sem especialistas em terraplanagem, concretagem, hidráulica, eletricidade, pintura etc., por exemplo, não é viável. Os apartamentos ou salas deste prédio ficariam caríssimos se uma só empresa tivesse que comprar todos os equipamentos e contratar diretamente todos os empregados que trabalhariam em apenas uma das várias etapas da obra e no tempo restante ficariam ociosos.

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sas situações fáticas. Não se trata de conceito fechado, mas sim de ideia que se amolda a todos os casos de acordo com a realidade vivenciada.

III – INSeguraNça jurídIca? atIvIdade-fIm, atIvIdade-meIo, emPreSa eSPecIalIzada de objeto SocIal úNIco, ServIçoS determINadoS eSPecífIcoS

Um dos principais argumentos dos defensores do Projeto de Lei nº 4.330/2004 enquanto tramitou na Câmara dos Deputados foi existên-cia de insegurança jurídica acarretada tanto pela ausência de norma legal suficientemente abrangente sobre terceirização quanto pela pretensa im-precisão conceitual do disposto no inciso III da Súmula nº 331 do TST. Tal argumento, equivocado (falso), mas repetido à exaustão para que pudesse convencer, pode ser assim resumido na visão da Confederação Nacional da Indústria:

É necessário regulamentar a terceirização, pois não há no ordenamento jurí-dico nacional normas que tratem especificamente da matéria. Ante a ausência de legislação e diante dos inúmeros conflitos judiciais, o Tribunal Superior do Trabalho, na busca de uma solução para as divergências jurisprudenciais, consolidou entendimento, na sua Súmula nº 331, no sentido de que a tercei-rização somente é permitida se ligada à atividade meio da empresa contra-tante. Contudo, além de não por fim as demandas judiciais, esta certamente não é a solução mais adequada às exigências do mercado moderno. Na prá-tica não é possível diferenciar com precisão a atividade meio da atividade fim de uma empresa. Isso acarreta interpretações diferentes, insegurança e conflitos judiciais. Ainda, que fosse possível esta identificação, na dinâmica empresarial em pouco tempo uma atividade meio pode converter-se em ati-vidade fim e vice versa. (CNI. Disponível em: <http://www.portaldaindustria.com.br/cni/iniciativas/programas/terceirizacao/2013/06/1,17156/o-que-e.html>. Acesso em: 6 maio 2015)

As polêmicas instauradas no Brasil sobre terceirização e as críticas à Súmula nº 331 do TST giram também, entre outros pontos, em torno da possibilidade ou não de se diferenciar atividade-fim e atividade-meio no atual modelo de organização empresarial aplicado amplamente no país, conforme visto em perspectiva multidisciplinar.

Ainda que seja “inconstitucional” e desnecessária a Súmula nº 331 do TST, repita-se, são preferíveis seus termos à regra geral prevista no PL 4.330/2004, atual PLC 30/2015, que não traz qualquer controle civilizatório para as relações triangulares de trabalho. Além de não prever controle civi-lizatório (igualdade remuneratória) para as terceirizações, o PL 4.330/2015, conforme aprovado na Câmara dos Deputados, traz outros conceitos jurídi-

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cos que, em tese, poderiam ser vistos como imprecisos e que também pode-rão ensejar a tão temida “insegurança jurídica”. São eles: empresa especia-lizada de objeto social único e serviços determinados específicos. Assim, o temor da insegurança jurídica não se resolve com o texto do PL 4.330/2004 (PLC 30/2015).

O TST, na prática, “regulamentou” a terceirização permanente em atividade-meio, entendendo ser possível tal prática desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta na linha do trabalho, ou seja, traba-lhador-tomador dos serviços. O cerne do presente artigo é a possibilidade ou não de o operador do direito definir, juridicamente, o que vem a ser atividade-fim e atividade-meio. A melhor doutrina e a jurisprudência cons-truída ao longo das últimas décadas já fazem tal distinção com a segurança necessária.

O Professor Maurício Godinho Delgado (2015, p. 489) estabelece juridicamente o conceito de atividade-meio:

Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica em-presarial do tomador dos serviços. São, ilustrativamente, as atividades referi-das, originalmente, pelo antigo texto da Lei nº 5.645, de 1970: “transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras asseme-lhadas”. São também outras atividades meramente instrumentais, de estrito apoio logístico ao empreendimento (serviço de alimentação aos empregados do estabelecimento, etc.).

Segue o citado jurista com a conceituação de atividade-fim:

Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empre-sariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do to-mador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços. (Delgado, 2015, p. 489)

Na mesma linha, Sebastião Vieira Caixeta (2013) esclarece, em crítica à ideia de terceirização ampla e irrestrita para qualquer atividade empresarial:

Dessa forma, o sistema trabalhista – e a legislação correlata – define que o empregador deve contratar diretamente, ao menos, os empregados que serão

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responsáveis imediatos pela consecução do empreendimento econômico, ou seja, aqueles alocados na atividade-fim da empresa. Trata-se da clássica forma de contratação estabelecida no ordenamento jurídico pátrio, que leva, necessariamente, à conclusão de que a terceirização é sempre excetiva.

Há quem entenda (minoritariamente) que toda e qualquer atividade presente na rotina do tomador dos serviços será, para ele, essencial, vez que o capitalista não contrata esforços inúteis. Assim, toda e qualquer atividade terceirizada, ressalvados os casos do trabalho temporário, da vigilância e da conservação e limpeza, seria irregular.

O Professor Antônio Álvares da Silva, em crítica à dicotomia ativida-de-fim x atividade-meio, defende o seguinte:

O fim de toda empresa é o lucro e, para isto, organiza os fatores da produção de tal maneira que, entre o custo e o preço de venda, haja uma margem que se denomina “lucro”. Para atingir este fim, tudo o mais seria meio. Note--se que tanto a especialização como o meio se prestam à obtenção de um fim. São parte de um outro serviço que se executa em sentido amplo, maior naturalmente do que a especialização. Especialização e meio, na ativida-de econômica, são conceitos instrumentais que podem variar de empresa para empresa ou de atividade para atividade. O que é hoje especializado pode tornar-se genérico e o que é fim pode se transformar em meio para a obtenção de um novo fim. Se a discussão for levada para o interior da empresa para, por meio de raciocínio dedutivo, distinguir entre atividade--meio e atividade-fim, ou entre serviços especializados e genéricos, cairemos nas mesmas perplexidades insolúveis, que não podem ser mensuráveis em termos decisórios, a não ser com grande dose de arbítrio e discriminação. (Silva, 2011, p. 77)

É possível inferir, entretanto, em uma análise casuística em confor-midade com a jurisprudência do TST, que, se for possível, abstrata e men-talmente, retirar a atividade terceirizada do contexto produtivo do tomador dos serviços e, mesmo assim, vislumbrar o resultado final, então a atividade é meio. Ao contrário, se do exercício de análise abstrata não for possível o resultado final sem a atividade terceirizada, a atividade será fim e, portanto, a terceirização será irregular.

Sendo assim, somente no caso concreto de cada empreendimento será possível perceber se a atividade é fim ou meio. Eis a jurisprudência:

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA – FORMAÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DE SERVIÇOS – A terceirização dos serviços, figura jurídica importante e verdadeira necessidade de sobrevivên-cia das empresas em competitivo mercado, traduz realidade inatacável e não

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22 ����������������������������������������������������������������������������������������� RST Nº 322 – Abril/2016 – EDIÇÃO ESPECIAL – DOUTRINA TRABALHISTA

evidencia prática ilegal, por si só. Entretanto, constitui fraude aos princípios norteadores do Direito do Trabalho a dissimulação de intermediação de mão-de-obra sob a forma de contrato de prestação de serviços que tenha por objeto a realização de tarefa ínsita à atividade fim do tomador. Assim é que a terceirização é admitida na contratação de empresa especializada em ativi-dades paralelas ou de suporte, desde que não haja distorção em sua essência e finalidade, com a substituição dos empregados próprios por outros oriun-dos de empresa interposta. Observando-se, na hipótese, que o empregado oferecido por empresa prestadora se via engajado na atividade essencial do tomador de serviços, participando integrativamente do processo de produ-ção, trata-se, por certo, de intermediação fraudulenta de mão-de-obra, o que autoriza a confirmação da r. sentença recorrida. Recurso a que se nega pro-vimento. (TRT 3ª Região, 4ª Turma, Processo nº 00196-2007-088-03-00-0, Rel. Des. Caio Luiz de Almeida Vieira de Melo, Publicação em 15.12.2007)

É possível e necessário que se fixe, de qualquer modo, presunção de irregularidade da terceirização em atividade-meio, vez que a tutela justra-balhista mais ampla é conferida na relação bilateral, sendo esta o cerne do Direito do Trabalho. Compete então aos interessados na mão de obra tercei-rizada (contratante e contratado) provar sua validade jurídica excepcional16.

Não há, portanto, óbice jurídico, por impossibilidade conceitual, à manutenção da exigência de caracterização de atividade-meio para a va-lidade jurídica das relações terceirizadas no Brasil, podendo o Congresso Nacional regulamentar a situação nesta linha.

Iv – terceIrIzação e PrecarIzação: coNcubINato NeceSSárIo No modelo atual

A terceirização, em modelos teóricos nacionais e estrangeiros, é es-tratégia de gestão para melhorar a produtividade empresarial por meio da especialização de atividades periféricas, o que permite ao gestor dedicar-se ao que é essencial à obtenção do lucro. Na prática nacional e internacional, entretanto, a terceirização é sistema de rebaixamento do preço da mão de obra e de fragmentação da organização sindical dos trabalhadores17. Com a maestria de sempre, fundada na singeleza de suas sábias lições, Márcio Túlio Viana explica:

Quanto ao trabalhador terceirizado, não é diferente, sob alguns aspectos, do burro de carga ou do trator que o fazendeiro abastado aluga aos sitiantes

16 “Em síntese, considerada a autorização restritiva que a ordem jurídica, inclusive constitucional, confere à terceirização – mantendo-a como prática excetiva – as atividades-meio têm de ser conceituadas também restritivamente.” (Delgado, 2015, p. 490)

17 É simples: pergunte-se a um terceirizado qual é seu objetivo profissional. Em seguida, faça a mesma pergunta a um trabalhador empregado não terceirizado. O sonho de um é o pesadelo do outro.

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vizinhos. Jogado daqui para ali, de lá para cá, é ele próprio – e não apenas sua força de trabalho – que se torna objeto do contrato, ainda que dentro de certos limites. Num passe de mágica, e sem perder de todo sua condição humana, o trabalhador se vê transformado em mercadoria. Seu corpo está exposto na vitrine: a empresa tomadora vai às compras para obtê-lo, e de certo modo o pesa, mede e escolhe. (Viana, 2012)

O capitalista necessariamente vive de fazer contas. Um dos principais cálculos cotidianos que o empregador faz diz respeito ao preço da força de trabalho. Não é razoável supor uma relação triangular que não seja, antes de qualquer coisa, economicamente viável para quem produz (contratante) e para quem é mero intermediário de força produtiva (contratado). Perceba--se que necessariamente duas pessoas devem ganhar na relação trilateral: o contratante (tomador dos serviços) e o contratado. Nessa relação econômica trilateral, se dois ganham, alguém perde... Não há milagre da multiplicação do dinheiro para todos aqui. Márcio Túlio Viana fala sobre o intermediário, em crítica ácida e consistente:

O que esse intermediário quer não é o mesmo que o empresário quer. Ele não utiliza a força-trabalho para produzir bens ou serviços. Não se serve dela como valor de uso, mas como valor de troca. Não a consome: subloca-a.

O que ele consome, na verdade, é o próprio trabalhador, na medida em que o utiliza como veículo para ganhar na troca. Em outras palavras, o mercador de homens o utiliza tal como o fabricante usa os seus produtos e todos nós usamos o dinheiro.

Por isso, do seu ponto de vista, o que importa é antes a quantidade que a qualidade. Mas como, aos olhos de seu cliente, a qualidade também pesa, o mercador alardeia as virtudes de sua mercadoria – a mesma mercadoria que, ao comprar, ele deprecia, ofertando baixos salários.

[...]

É verdade que o trabalhador pode aceitar ou não ser negociado. Em teoria, o mercador lida com homens livres. Mas como a liberdade é condicionada pela necessidade, talvez não haja tanta diferença entre ele e o traficante do Brasil-Colônia, que em cima de um caixote, no cais do porto, exibia nos lei-lões os dentes e os músculos do escravo – não sem antes lamber-lhe o corpo, para sentir sua saúde. (Viana, 2015)

A viabilidade econômica necessariamente vem do rebaixamento do valor da mão de obra comparativamente ao custo de um empregado direto. O resto é discurso. Uma pergunta então se impõe, neste ponto: quais os reflexos da terceirização no mundo do trabalho?

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Maria da Graça Druck (2001, p. 97) explica os objetivos da terceiriza-ção no modelo japonês de reestruturação produtiva, que, afinal, é o berço do sistema triangular de relações no mundo:

Trata-se de parte integrante e indispensável do modelo, que precisa preservar este “trabalho sujo” como componente da estrutura produtiva da economia japonesa. É uma das formas de sustentação do “trabalho limpo”, “participa-tivo”, “qualificado” e “estável” das grandes corporações. A subcontratação aparece não só no plano econômico como forma de redução de custos, mas também como estratégia política, à medida que institui um amplo segmento de trabalhadores de “segunda categoria”, que se distanciam dos de “primeira categoria”. Desta forma, contribui, decisivamente, para dissolver qualquer identidade de classe, identidade esta, diga-se de passagem, muito fraca na sociedade japonesa, marcada por uma identidade muito mais corporativa dos trabalhadores, integrados às grandes empresas e que correspondem a 30% da força de trabalho. (Druck, 2001, p. 97)

A realidade japonesa lembra muito a brasileira. Lembra particular-mente o discurso da grande multinacional do vestuário que, surpreendida com trabalho escravo na fabricação de suas roupas, defendeu-se dizendo tratar-se de terceirização, pela qual ela não poderia responder... É o trabalho sujo que explora empregados de segunda classe para tentar sustentar uma marca aparentemente limpa.

O problema elementar da terceirização é, nos termos expostos por Márcio Túlio Viana (2012), a transformação do trabalhador em mercadoria, inserido que está, quase como objeto, em um contrato de marchandage. O sentimento (ou o não sentir-se nada) do trabalhador terceirizado interna-mente ao estabelecimento de seu tomador é o aspecto mais relevante a ser considerado:

Nas terceirizações internas, pode até acontecer, vez por outra, que ele se sin-ta exatamente como o tratam: objeto ou animal. No limite, porém, é também possível que nem mesmo o fato de ser convertido – já agora, sem disfarces – em trator ou burro de carga consiga realmente tocá-lo. Sua nova qualidade de mercadoria se espalha de tal maneira em seu corpo e em sua alma que ele já não percebe sua verdadeira condição humana. E, nesse caso, não sentir nada talvez seja ainda pior do que sentir-se coisa. (Viana, 2012, p. 205)

Assim, “terceirização que não precariza é uma contradição em seus próprios termos” (Viana, 2012, p. 212).

O ponto mais relevante da precarização de mão de obra decorren-te da terceirização está na desigualdade remuneratória existente entre o trabalhador empregado terceirizado, vinculado juridicamente à interposta

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(contratada), e o trabalhador empregado diretamente contratado pelo toma-dor dos serviços (contratante). Tal elemento distintivo precarizante se situa predominantemente no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, embora necessariamente irradie efeitos no plano do contrato individual.

A regra geral de fixação da agregação do trabalhador ao seu sindicato se dá por aplicação do conceito de categoria profissional, o que pressupõe, nos termos da lei, similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econô-mica ou em atividades econômicas similares ou conexas (CLT, art. 511, § 2º)18. Há, no plano jurídico, distinção entre os sindicatos representativos da categoria dos trabalhadores terceirizados e da categoria dos empregados do tomador. Regra geral, o patamar de direitos coletivos sindicais dos tercei-rizados é bastante inferior àquele percebido pelos empregados do tomador dos serviços.

Assim, como regra geral, trabalhadores em uma mesma circunstância fática e que prestam serviços ao mesmo tomador terão conteúdos jurídicos protetivos coletivos diversos, dada a multiplicidade de empregadores en-volvidos e (consequentemente) de sindicatos representativos de diferentes categorias profissionais.

Possível inferir que, para sua própria existência, o sindicato repre-sentativo dos terceirizados deve oferecer aos seus representados patamar jurídico protetivo inferior àquele estabelecido pelo ente representativo dos empregados do tomador. É que se a “ordem natural” se inverte, a terceiri-zação se inviabiliza economicamente. Se a terceirização se inviabiliza eco-nomicamente, deixa de existir, em situações fáticas diversas, o empregador interposto. Se o empregador interposto se extingue, o sindicato representa-tivo de tais trabalhadores também necessariamente tem o mesmo destino, dado o critério de agregação sindical por categoria profissional. Se o custo do trabalho do terceirizado (somado ao custo e lucro da interposta) for mais significativo do que aquele dos empregados diretamente contratados, todo o discurso da organização empresarial se esvai, com a transparência da relevância econômica do modelo trilateral. Infelizmente, então, o sindica-to dos trabalhadores terceirizados desempenha, regra geral, papel negativo na engrenagem do sistema precarizante. Em discurso confuso (para dizer o mínimo) proferido em 08.04.2015, o Sr. Deputado Paulo Pereira da Silva, Paulinho da Força Sindical, disse o seguinte em sessão da Câmara:

18 Nova leitura da agregação sindical é possível, conforme: ALVES, Amauri Cesar. Op. cit.

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A segunda emenda repara um problema grave. Na medida em que os tra-balhadores são terceirizados, com a confusão que é hoje a terceirização, eles saem da categoria a que pertencem. Na medida em que uma empresa terceiriza esse serviço, esse trabalhador perde a convenção coletiva do seu sindicato. Ele até tem os outros direitos, mas a convenção do seu sindicato normalmente é uma convenção melhor. Então, nós fizemos uma alteração no art. 8º, que já foi aceita aqui pelo Relator Arthur Maia. A emenda que muda o art. 8º diz o seguinte: “Quando o contrato de prestação de serviços especializados a terceiros se der entre empresas que pertençam à mesma categoria econômica, os empregados da contratada envolvidos no contrato serão representados pelo mesmo sindicato que representa os empregados da contratante, na forma do art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943”. Esta emenda é importante porque, quando é terceirizado, o que o trabalhador perde? Na medida em que tem os direitos garantidos na Constituição, como férias, dé-cimo terceiro, Fundo de Garantia, ele perde principalmente a convenção do seu sindicato. Eu quero repetir isso porque é isso que ele perde. Ele deixa de ter esses direitos que estão garantidos na convenção do seu sindicato. Esta emenda repõe esse direito. O trabalhador terceirizado continua na categoria em que estava antes. Portanto, ele não perde mais a convenção, de acordo com o art. 511 da CLT, que determina todas as categorias. (Brasil, Câmara dos Deputados, Notas Taquigráficas, Sessão de 08.04.2015, 19h26min. Dis-ponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=3&nuSessao=064.1.55.O&nuQuarto=164&nuOrador=2&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=19:26&sgFaseSessao=OD%20%20%20%20%20%20%20%20&Data=08/04/2015&txApelido=PAULO%20PEREIRA%20DA%20SILVA&txEtapa=Com%20reda%C3%A7%C3%A3o%20final>. Acesso em: 9 maio 2015)

O ouvinte crédulo da sessão legislativa pensou ser este o início do fim da terceirização, ao contrário de ser o começo da precarização desmedida. A fala na Tribuna deixava transparecer que haveria uma única representa-ção para empregados diretos e terceirizados. Se fosse verdadeiro, signifi-caria a inviabilidade econômica da terceirização por meio da positivação infraconstitucional do princípio da isonomia. Ocorre que, ao final, o texto era patético e não condizia minimamente com as premissas fixadas no dis-curso do parlamentar. Será que houve uma incompreensão por parte do deputado “sindicalista”, sobre o alcance da regra que leu em Plenário? Na verdade, o texto era e é óbvia constatação da desigualdade e da injustiça, ideias que permeiam todo o citado PL 4.330/2004 (PLC 30/2015), expressas aqui em seu art. 8º:

Art. 8º Quando o contrato de prestação de serviços especializados a tercei-ros se der entre empresas que pertençam à mesma categoria econômica, os

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empregados da contratada envolvidos no contrato serão representados pelo mesmo sindicato que representa os empregados da contratante, na forma do art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Será que existe, em tal realidade multifacetada que é a terceirização interna, uma única coincidência entre atividades econômicas de contra-tante (tomador dos serviços) e contratada (interposta) neste país? Será que bancos irão contratar outros bancos para terceirizar serviços bancários? Será que indústrias metalúrgicas contratarão outras indústrias metalúrgicas para o fornecimento de mão de obra interna ao seu estabelecimento? Não há, no art. 8º do PL 4.330/2004, nenhuma novidade em relação à Súmula nº 331 do TST ou ao disposto classicamente no art. 511 da CLT. A “emenda” encomendada pelo deputado é inútil19.

A situação de hoje (Súmula nº 331 do TST) e de amanhã (PLC 30/2015) é simples, embora grave e perversa: o trabalhador empregado do tomador dos serviços (contratante) trabalha lado a lado com o empregado da contra-tada; ambos são empregados celetistas, mas o primeiro terá patamar remu-neratório superior ao do segundo, vez que seus sindicatos são distintos, um mais atuante e comprometido do que o outro.

Além de reduzir gastos, o tomador dos serviços terceirizados conse-gue prejudicar sensivelmente a atuação dos sindicatos representativos dos interesses dos seus empregados, pois o fenômeno da terceirização, con-forme exposto, fragmenta a classe trabalhadora20 ao permitir e forçar a co-existência de diversos sindicatos, com patamares remuneratórios também diversos, em um mesmo espaço laborativo.

O problema se irradia para todo o Direito do Trabalho, pois este ramo jurídico especializado necessita da existência de um sindicato forte e atu-ante, com a classe trabalhadora coesa e organizada, para que sua estrutura possa prevalecer sobre os interesses do capital. Sindicatos fracos impõem fragilidades ao Direito do Trabalho.

Observe-se ainda que, na prática, a interposição normalmente enseja a contratação de prestação laborativa menos especializada, ao contrário do

19 Pouco crível que tenham pretendido as elites autoras do texto apenas repetir o óbvio. Pode ser (o tempo dirá) que se trate de uma estratégia para forçar uma interpretação conservadora (que não é conforme a Constituição da República) contra a estratégia protetiva de aplicação do direito que certamente virá do TST.

20 “[...] a terceirização também fragmenta por fora e por dentro a classe trabalhadora, neutralizando conflitos coletivos. A própria dissociação entre quem paga e quem dirige ‘tende a separar a reivindicação salarial [...] da contestação da organização do trabalho’. De resto, como já notamos, o terceirizado de hoje pode se tornar o empregado direto amanhã, e vice-versa, o que leva cada um a ambicionar ou a temer o destino do outro.” (Viana, 2012, p. 210)

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que defendem os administradores de empresas, pois os salários oferecidos devem ser menores do que aqueles praticados pela tomadora dos serviços, conforme já exposto. A fiscalização da segurança no trabalho tende a não ser tão efetiva, pois a responsável primeira é a interposta empregadora, mui-tas vezes despreparada ou apressada na realização das suas tarefas. São comuns, então, diversos acidentes envolvendo trabalhadores terceirizados e “quarteirizados”21. Máquinas e equipamentos de segunda classe, segunda linha e segunda-mão tendem a ser utilizados pelas interpostas, que buscam oferecer sempre serviços mais baratos para os tomadores dos serviços, o que aumenta em consequência o lucro de ambos (Viana, 2012) em detrimento da segurança do trabalhador.

Este é o contexto sociojurídico básico da terceirização de serviços e que precisa ser compreendido pelos operadores do Direito do Trabalho: tra-balhadores em igualdade de situação fática, que desenvolvem seu labor no interesse direto e imediato de um mesmo favorecido, mas com tratamento jurídico diferenciado.

v – terceIrIzação e SINdIcato: atuação Por um míNImo de cIvIlIdade Na relação trIaNgular

É necessário, de início, reafirmar que “terceirização que não preca-riza é uma contradição em seus próprios termos” (Viana, 2012, p. 212). Entretanto, é ingenuidade supor que o Brasil se verá livre deste mal em curto ou médio prazo, sobretudo se depender da classe política brasileira em ge-ral. Independentemente do resultado da normatização sobre terceirização que virá do Congresso Nacional, é (e será) possível uma nova interpretação do sistema sindical brasileiro, no sentido da possibilidade de igualdade da representação coletiva de trabalhadores terceirizados e empregados diretos do contratante22. Tal postura, fundamentada constitucionalmente e em con-sonância com as transformações sociais, econômicas, políticas, normativas e interpretativas havidas nos últimos anos, deverá solucionar (ou pelo me-nos minimizar) os graves problemas causados pela terceirização no Brasil.

Já visto que o ponto mais relevante da precarização de mão de obra decorrente da terceirização está na desigualdade remuneratória existente entre o trabalhador empregado terceirizado e o trabalhador empregado di-retamente contratado pelo tomador dos serviços (contratante). Tal distinção

21 Não bastasse a terceirização, surgem e se desenvolvem no Brasil fenômenos como a quarteirização e quinteirização. Em ambos os casos, há, entre o trabalhador e o tomador dos seus serviços, empresas interpostas (uma, no caso da terceirização, duas, no caso da quarteirização, e três, no caso da quinteirização).

22 Tal análise vale também enquanto vigente a Súmula nº 331 do TST e/ou seus pontos centrais (distinção entre atividade-fim e atividade-meio, diferença de agregação sindical, diferença remuneratória).

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precarizante se situa predominantemente no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, embora necessariamente irradie efeitos no plano do contrato in-dividual. Os Tribunais Trabalhistas aplicam a regra do art. 511 da CLT sem uma necessária percepção sobre as evoluções sociais e normativas havidas nos últimos anos, com destaque para a Constituição da República promul-gada em 198823. São hoje distintos os sindicatos representativos da categoria dos trabalhadores terceirizados e da categoria dos empregados do tomador, o que, em síntese, justifica economicamente a terceirização.

Uma releitura do sistema sindical é possível e urgente no Brasil, e pode ser feita tanto pela alteração e ampliação do conceito de categoria profissional em um ambiente jurídico de unicidade sindical24 como por meio do reconhecimento da pluralidade sindical. Ambas as possibilidades interpretativas serão aqui apresentadas em síntese25.

Inicialmente, os efeitos dos novos contornos da subordinação jurídica nas relações sindicais.

Embora a subordinação seja hoje reconhecida como o elemento fá-tico-jurídico mais significativo na distinção entre relações de trabalho sem vínculo empregatício e emprego, não faz referência a CLT aos seus termos no art. 3º, que fixa “dependência” como requisito para a caracterização da figura do empregado. Assim sendo, há espaço interpretativo amplo para que se reconheça a dependência prevista na norma básica celetista tanto como subordinação clássica quanto como objetiva, integrativa, reticular ou estrutural. Fato inconteste é, entretanto, que tal debate não tem sido sufi-cientemente estendido ao Direito Coletivo do Trabalho, embora possa haver influência de seus resultados fáticos no âmbito do sindicalismo brasileiro, conforme será visto. A análise é relativamente simples: a relação de em-prego clássica se ampliou por meio dos novos conceitos de subordinação, devendo tal ampliação repercutir positivamente nos critérios de agregação do trabalhador ao sindicato (“enquadramento sindical”).

23 A CLT, em seu art. 511, § 2º, define a categoria profissional. Destaque para a expressão mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas. O ponto de agregação é a vinculação dos trabalhadores a empregadores que tenham atividades econômicas idênticas, similares ou conexas. A regra, então, é a agregação do trabalhador ao sindicato conforme a atividade econômica preponderante do seu empregador. Excepcionalmente contempla a legislação brasileira a agregação por meio de sindicato organizado por ofício ou profissão. São sindicatos que agregam trabalhadores em virtude de sua profissão, independentemente da atuação econômica do empregador. São os denominados sindicatos de “categoria diferenciada”, como aeronautas, jornalistas, médicos, músicos etc. Tais trabalhadores serão representados por seus sindicatos específicos independentemente daquilo a que se dedica o seu empregador.

24 As ideias aqui lançadas referentes à ampliação do conceito de categoria profissional também (e melhor) atuam em um contexto de liberdade sindical com pluralidade, mas a análise presente terá em vista o sistema da unicidade.

25 Sobre o assunto: ver: ALVES, Amauri Cesar. Op. cit.

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Inicialmente, a subordinação objetiva, que antecede às demais pers-pectivas que são desenvolvidas atualmente no âmbito do Direito do Traba-lho como critério distintivo entre trabalho e emprego. Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena (1999) já destacava o seguinte em sua obra “Relação de Empre-go: estrutura legal e supostos”:

A subordinação, elementarmente, parte da atividade, e se concentra na ati-vidade. Seu exercício, porém, implica intercâmbio de condutas, porque essa atividade consuma-se por pessoas que se congregam, que se organizam e que compõem um quadro geral de ordem e de segurança no processo da produção de bens e/ou serviços.

[...]

Patenteia-se com isso que a integração (ou inserção) na empresa não se dá na pessoa do trabalhador, mas na de sua atividade. Dá-se o acoplamento da atividade do prestador na atividade da empresa.

[...]

Não se contrata a subordinação, mas a prestação de serviços, que se desen-volve subordinadamente ou não.

[...]

Tem-se, pois, conceitualmente, a subordinação como a participação integra-tiva da atividade do trabalhador na atividade do credor de trabalho.

Percebe-se o destaque para a atividade laborativa como essencial para a fixação da subordinação jurídica objetiva, com pouca relevância para as pessoas de empregado e empregador.

Ora, se hoje quem desenvolve parte substancial da atividade empre-sarial na “fábrica-mínima” pode não ser o empregado diretamente por ela contratado, então é importante repensar a ideia de categoria profissional. A subordinação objetiva pode, em diversas situações fáticas, exigir uma nova compreensão da agregação do trabalhador ao sindicato, que não mais con-sidere essencial a figura do empregador, mas sim as atividades básicas de-senvolvidas por diversos trabalhadores em um mesmo contexto produtivo.

A realidade social que ensejou a construção da regra legal celetista de “enquadramento” não é mais a mesma de hoje. Em certo sentido, o empre-gador tende a perder centralidade no sistema pós-fordista ou de especializa-ção flexível, pois boa parte das atividades essenciais de diversas empresas foi distribuída para outras tantas (terceirizadas), que parcelam as tarefas ne-cessárias à concretização do empreendimento. O trabalho se fragmenta na medida em que as atividades são postas sob a responsabilidade de diversos

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fornecedores de mão de obra (interpostos). Na terceirização, o trabalhador não produz diretamente para o seu empregador, mas para um contratante deste (tomador dos serviços), que é quem se apropria, em última análise, da mão de obra da pessoa natural. Sendo assim, não é mais possível fixar o ponto de agregação do trabalhador ao sindicato (enquadramento sindi-cal) somente pela vinculação a certo tipo de empregador, de acordo com o que ele desenvolve, mas sim, também e principalmente, pela percepção de quem é o destinatário final da atividade entregue, verificada a circunstância fática, in casu, com aplicação do conceito de subordinação objetiva.

A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, pode ser vista de acordo com o que empreende aquele que fixa a atividade cotidiana do trabalhador, e que dela se vale, em última análise, independentemente de quem seja o empregador direto. Assim, a agregação do trabalhador terceirizado deve se dar conforme a atividade preponderante do tomador dos seus serviços (con-tratante), destinatário final da atividade entregue, e não de seu empregador formal. Afinal, na terceirização, a mão de obra é empregada (aplicada) no estabelecimento do tomador dos serviços. A situação de emprego diz res-peito à atividade econômica de quem se apropria do trabalho do emprega-do terceirizado.

É também importante, neste contexto, a ideia de subordinação es-trutural. O Professor Maurício Godinho Delgado, com particular acuidade, reformulou recentemente, no sentido da necessária ampliação, seu conceito de subordinação jurídica. Para o citado autor, a subordinação pode se re-velar no plano dos fatos tanto em sua conformação clássica, que pressupõe ordens diretas quanto ao modo da prestação laborativa, quanto em sua for-ma estrutural.

Estrutural é, finalmente, a subordinação que se expressa pela inserção do tra-balhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua di-nâmica de organização e funcionamento. Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmoniza (ou não) aos objetivos do em-preendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços. (Delgado, 2011, p. 294)

Percebe-se o destaque para a vinculação do trabalhador à dinâmica operativa do tomador de serviços como essencial para a fixação da subordi-

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nação jurídica estrutural, com pouca relevância para as pessoas de empre-gado e empregador.

Ora, se hoje quem desenvolve parte substancial da atividade empre-sarial na “fábrica-mínima” pode não ser o empregado diretamente por ela contratado, pois o modelo não é mais o de estruturação fordista, então é importante repensar a ideia de categoria profissional, repita-se. A subordi-nação estrutural pode, em diversas situações fáticas, exigir uma nova com-preensão da agregação do trabalhador ao sindicato, que não mais considere essencial a figura do empregador e suas ordens diretas, mas sim a inserção do trabalhador na dinâmica do tomador dos seus serviços.

Não é mais possível fixar a agregação do trabalhador ao sindicato somente pela vinculação a certo tipo de empregador, de acordo com o que este desenvolve, mas sim pela percepção de quem é o destinatário final da atividade entregue, verificada a circunstância fática, in casu, com aplicação do conceito de subordinação estrutural.

A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas pode ser vista de acordo com quem fixa, estruturalmente, a dinâmica de organização e funcionamento da prestação laborativa entregue. Assim, a agregação do trabalhador terceiri-zado deve se dar conforme a atividade preponderante do tomador dos seus serviços (contratante), que é quem fixa a dinâmica da prestação laborativa, e não de seu empregador formal. Afinal, na terceirização, a mão de obra é empregada (aplicada) no estabelecimento do tomador dos serviços. A situa-ção de emprego diz respeito à atividade econômica de quem se apropria do trabalho do empregado terceirizado.

Por fim, a subordinação reticular e seus reflexos na agregação do tra-balhador ao sindicato. Sobre o tema “subordinação reticular”, original-mente proposto por José Eduardo de Resende Chaves Jr., os esclarecimentos de Luiz Otávio Linhares Renault e Dárlen Prietsch Medeiros:

A expressão subordinação reticular foi originalmente proposta por José Eduardo de Resende Chaves Júnior e Marcus Menezes Barberino Mendes.

De acordo com ela, esse pressuposto não poderia mais ser visto apenas sob o prisma jurídico. Indispensável a sua ampliação para o aspecto econômico, visando-se, com ela, a ampliação do alcance das normas trabalhistas.

Chaves Júnior explica que a nova organização produtiva concebeu a em-presa-rede, que se irradia por meio de um processo de expansão e fragmen-tação, que, por seu turno, tem necessidade de desenvolver uma nova forma

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correlata de subordinação: a reticular. Ou seja, o modelo atual apresenta empresas interligadas em rede, que no final dessa cadeia irão beneficiar uma empregadora. A partir daí, tem-se que, havendo subordinação econômica entre a empresa prestadora de serviços e a tomadora, esta seria diretamente responsável pelos empregados daquela, configurando a subordinação estru-tural reticular. (Renault; Medeiros, 2011. p. 183)

Percebe-se o destaque para a irradiação de poder econômico de uma empresa sobre outra e, consequentemente, sobre os empregados desta, e não mais na relação formal jurídica bilateral entre empregado e empre gador.

Ora, se hoje quem desenvolve parte substancial da atividade empre-sarial na “rede” não é mais empregado diretamente contratado pela empresa tomadora, mas sim trabalhador vinculado à empresa prestadora de serviços (terceirizado), então é importante repensar a ideia de categoria profissional. A subordinação reticular pode, em diversas situações fáticas, exigir uma nova compreensão da agregação do trabalhador ao sindicato, que não mais considere essencial a figura do empregador, mas sim o aspecto econômico da interligação fática.

Enfim, a similitude de condições de vida oriunda da profissão ou tra-balho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômi-ca ou em atividades econômicas similares ou conexas, pode ser vista de acordo com quem se apropria direta e finalmente, no âmbito da rede de empresas, da prestação laborativa entregue. Assim, a agregação do traba-lhador terceirizado deve se dar conforme a atividade preponderante do to-mador dos seus serviços (contratante), que é quem se apropria diretamente da prestação laborativa entregue no âmbito da rede de empresas, e não de seu empregador formal.

Um óbice à presente linha interpretativa pode ser lançado pelo leitor atento: se trabalhadores terceirizados, embora indiretamente contratados, são estruturalmente (ou por subordinação reticular, integrativa, objetiva) su-bordinados ao tomador dos seus serviços (contratante), então são emprega-dos deste, e não de quem é seu empregador formal (contratada). Tal possibi-lidade está suficientemente contemplada pela doutrina brasileira, sobretudo como decorrente do reconhecimento da “terceirização ilícita”, nos termos da Súmula nº 331 do TST. Seria então desnecessária qualquer releitura do conceito de categoria profissional para garantir direitos sindicais em isono-mia entre trabalhadores terceirizados e empregados diretos. Ocorre que a comprovação jurídica (e judicial) de cada vínculo direto demandaria uma profusão de processos (regra geral individuais), o que nem sempre garante a esperada justiça nos casos concretos. Ademais, tal interpretação ainda de-

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pende da aplicação da Súmula nº 331 do TST, que provavelmente não será mantida por muito tempo. A releitura do conceito de categoria profissional, em consonância com aspectos objetivos da subordinação jurídica, pode levar, imediatamente e sem exclusões injustas, a resultados mais efetivos no plano da igualdade remuneratória, por aplicação das regras autônomas advindas de sindicatos com melhor capacidade negocial coletiva. Ademais, há forçosamente a ampliação da base de representação, que pode, também, concorrer para maior efetividade do ente coletivo obreiro.

Por fim, a pluralidade sindical, que permitirá à classe trabalhadora a escolha da melhor representação.

A liberdade sindical, nos termos preconizados na Convenção nº 87 da OIT, tem ampla previsão normativa no direito interno brasileiro em âm-bito constitucional, inobstante a regra da unicidade prevista no inciso II do art. 8º da Constituição da República, sendo que sua aplicação e produção de efeitos não depende de regras infraconstitucionais e não se limita ou re-duz em decorrência destas26.

Antes de iniciar a análise específica dos efeitos decorrentes da liber-dade sindical no âmbito da terceirização, é importante ressalvar que os sin-dicatos brasileiros devem afirmar tal valor na prática, principalmente pela consagração de direitos por criatividade autônoma. Não deve a liberdade sindical com pluralidade significar perdas ou supressão de direitos por inter-médio de uma “mais livre” ou “mais ampla” negociação coletiva, que con-tinua restrita à observância ao princípio da adequação setorial negociada27. Há a necessidade, sempre, de se igualar as forças entre capital e trabalho para que a liberdade sindical plena possa construir e não destruir direitos. Liberdade, por si só, não garante direitos, e deve ser vinculada a instru-mentos que possibilitem ao sindicato atuação em igualdade de condições negociais com o capital.

Duas são, basicamente, as possibilidades de compreensão da liber-dade sindical e, de acordo com cada uma delas, os efeitos jurídicos decor-

26 Sobre o tema, ver: ALVES, Amauri Cesar. Op. cit.27 O princípio da adequação setorial negociada, com base na doutrina de Maurício Godinho Delgado (2013),

oferece um critério de harmonização entre as regras jurídicas oriundas da negociação coletiva e as regras originárias da legislação heterônoma estatal. A pergunta básica é: em que medida as normas autônomas juscoletivas podem se contrapor às normas imperativas estatais? A resposta consagra o princípio. As normas negociadas coletivamente prevalecem sobre as heterônomas se observados dois critérios: 1) quando as normas autônomas implementam um padrão salarial superior ao padrão geral heterônomo; 2) quando as normas autônomas transacionam parcelas de disponibilidade apenas relativa e não de indisponibilidade. Importante destacar que a renúncia a direitos trabalhistas é inaceitável na negociação coletiva. Normas indisponíveis são as constitucionais (nas quais não há ressalva) e as concernentes à saúde e à segurança do trabalhador.

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rentes: inconstitucionalidade da norma constitucional do inciso II do art. 8º ou interpretação restritiva do alcance da unicidade sindical apenas para a revelação do sindicato mais representativo. Ambas as possibilidades inter-pretativas e seus efeitos práticos no contexto da terceirização serão aqui analisados. Em todas as estratégias, o primeiro pressuposto será a maior am-plitude do princípio da liberdade sindical, aqui compreendida como direito fundamental do cidadão trabalhador, individual e coletivamente considera-do, que garante ao seu ente representativo atuação autônoma face ao Estado e ao empregador, competindo aos representados a definição de seu âmbito de atuação e sua estruturação interna. Também são pressupostos a ratifi-cação dos termos elementares da liberdade sindical por força de tratados internacionais de direitos humanos pelo Brasil e a sua consagração como direito fundamental de consequente aplicabilidade imediata no contexto da normatividade dos princípios constitucionais.

Em apertada síntese, afirma-se a inconstitucionalidade da regra cons-titucional do inciso II do art. 8º em face do disposto em seu caput e inciso I. Para tal compreensão, é necessário ter como pressuposto a existência, no seio da Constituição da República, de uma hierarquia normativa, sendo o princípio da liberdade sindical norma jurídica de grau superior à regra da unicidade, resolvendo-se tal contradição pelo reconhecimento de sua inconstitucionalidade. A regra da unicidade seria norma constitucional me-ramente formal que, em confronto com a norma constitucional material da liberdade sindical, seria inconstitucional.

Também possível argumentar a aplicabilidade direta e imediata do direito fundamental de liberdade sindical, que não pode ser limitado em seu conteúdo essencial, mas pode ser ponderado em face da regra da uni-cidade. A ideia aqui, ao contrário da anterior, é a preservação da integrida-de do Texto Constitucional. A colisão entre normas constitucionais poderia ser resolvida por ponderação ou por interpretação tópico-sistemática. No primeiro caso, em uma dada situação juscoletiva envolvendo sindicatos o intérprete, por ponderação, poderá restringir o alcance da regra da unicida-de (art. 8º, inciso II, da Constituição da República), pois tal medida limita-dora seria adequada, necessária e razoável, tendo em vista a importância do interesse consistente em liberdade sindical (art. 8º, caput e inciso I, da Constituição da República)28. O resultado da limitação da norma constitu-cional da unicidade será sua aplicação para a definição do sindicato mais

28 O problema de tal compreensão fundada em ponderação, que parte do pressuposto de não haver hierarquia entre normas constitucionais, é que, em outra situação concreta, o julgador poderá, em tese, afirmar a unicidade e limitar o direito fundamental de liberdade sindical, desde que tal medida se-lhe afigure pro-porcional.

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representativo em um cenário de pluralidade sindical. No segundo caso, a melhor interpretação das normas constitucionais em colisão será sempre a que consagra os princípios em patamar superior às regras, ainda que não possa, neste plano, haver supressão de um pelo outro. Assim, a liberdade sindical, enquanto princípio, prevalece sobre a regra da unicidade, sendo ambas preservadas internamente ao Texto Constitucional, havendo restrição do seu alcance à fixação do sindicato mais representativo.

Tais constatações, qualquer que seja a estratégia interpretativa, exi-gem uma nova leitura do sistema brasileiro de representação sindical e, especificamente, do modelo jurídico de terceirização adotado no Brasil.

O sistema jurídico coletivo sindical brasileiro é o da liberdade sin-dical ampla, que pressupõe o direito de constituir organizações conforme escolha dos interessados. As normas jurídicas estão consagradas no art. 2 da Convenção nº 87 da OIT; na alínea a do item 1 do art. 8º do Pacto Interna-cional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da ONU; e no art. 8º, caput e inciso I da Constituição da República, não obstando tal compreen-são a regra de seu inciso II.

Art. 2º Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espé-cie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas. (OIT, 2013).

a) O direito de toda pessoa de fundar com outras, sindicatos e de filiar-se ao sindicato de escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização interessada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econô-micos e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias; [...] (Brasil, 1992)

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindica-to, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interes-sados, não podendo ser inferior à área de um Município; [...] (Brasil, 1988)

Consequência lógica e jurídica é a inaplicabilidade, tal como hoje fixada, da regra da unicidade sindical no Direito brasileiro como restrição à

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liberdade sindical com pluralidade. É imperativa a releitura, constitucional, das regras celetistas de agregação do trabalhador ao sindicato (“enquadra-mento sindical”). A regra do art. 511 da CLT deve ser interpretada à luz do Texto Constitucional democrático de 1988, e não o contrário:

Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empre-gadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou ativi-dades ou profissões similares ou conexas.

§ 1º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem ativida-des idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.

§ 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social ele-mentar compreendida como categoria profissional.

§ 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissio-nal especial ou em consequência de condições de vida singulares.

§ 4º Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimen-sões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural. (Brasil, 2013)

Vale lembrar que a OIT admite que a ordem jurídica de cada país, mantendo observância à Convenção nº 87, estabeleça conceitos para o agru-pamento sindical (por profissão, por ramo, por atividade). É possível, então, criar definições de sistemas de agregação na organização das associações de base (sindicatos) e ainda assim preservar a liberdade sindical preconiza-da na ordem internacional (Loguercio, 2000, p. 237). No caso brasileiro, as definições constam da CLT em seu art. 511, em interpretação conforme o disposto no art. 8º, caput e inciso I da Constituição da República.

Possível e necessário implementar, doravante, uma releitura da CLT (art. 511), à luz deste contexto normativo constitucional de pluralidade sin-dical, que traz aos empregadores e trabalhadores diversas possibilidades de construção da representação coletiva: atividade, profissão, profissões si-milares, profissões conexas, profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto próprio, empresa, categoria econômica e categoria profissional, competindo aos interessados, inclusive trabalhadores terceirizados, a defini-ção da estrutura sindical pela aplicação dos diversos pontos de agregação. Em verdade, em um modelo de organização sindical plural, será mais re-

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levante a atuação do sindicato do que a sua estruturação básica, conforme entende Antônio Álvares da Silva:

A forma de organização é assunto que hoje se relega à liberdade sindical, conforme recomendação da Convenção 87 da OIT. O importante é que seja livre para constituir-se e para atuar. Portanto, num regime de pluralismo, onde cada sindicato lutará para adquirir a maior expressividade e represen-tação, importa menos o modo de formação e mais a forma de atuação. Só sobreviverão os que prestarem melhores serviços. (Silva, 1990, p. 34)

Assim, aqueles trabalhadores que optarem pela agregação em tor-no da categoria profissional deverão se inserir em um mesmo contexto de atividade econômica, independentemente de quem seja seu empregador, desde que envolvidos em uma mesma situação socioeconômica básica, aplicável, neste caso, o conceito aqui proposto de categoria profissional. Por categoria profissional, nestes termos, pode-se compreender o critério de agregação do trabalhador ao sindicato cujo núcleo é a prestação laborativa no interesse direto e imediato de um mesmo sujeito que se apropria, direta ou indiretamente, da disposição de trabalho, independentemente de ser ou não empregador. O que se deve compreender, para que se fixe a agregação por categoria profissional, não é mais quem é o empregador. O que se deve buscar é quem se aproveita, essencialmente, da força produtiva entregue. O ponto de agregação decorre de se identificar para quem o trabalho é entregue em essência e não quem é empregador direto. Portanto, todo e qualquer trabalhador (terceirizado ou diretamente contratado) que se insere em um mesmo contexto socioeconômico de prestação laborativa no inte-resse direto ou indireto daquele que se aproveita de seu trabalho pode optar por constituir representação por categoria profissional idêntica. Importante destacar que não há necessidade de qualquer alteração normativa, consti-tucional ou infraconstitucional, para que se compreenda tal agregação por categoria profissional, que, na prática, é apenas evolução interpretativa do disposto no art. 511 da CLT em resposta e em atenção às múltiplas possi-bilidades de interpretação do disposto no art. 3º da CLT e à reestruturação produtiva pós-fordista.

A “situação de emprego na mesma atividade econômica ou em ati-vidades econômicas similares ou conexas” prevista na CLT significa, hoje, repita-se, não mais agregação por vinculação a um único empregador, mas sim pela identificação de quem se aproveita, em essência, da prestação la-borativa entregue. É importante destacar, ainda, que a agregação por cate-goria profissional em tais termos independe da ideia de pluralidade sindical, pois mesmo a atuação interpretativa conservadora atual sobre a vigência do

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critério de unicidade permite sua aplicação às situações concretas, bastando a ampliação do conceito com nova leitura do art. 511 da CLT.

Márcio Túlio Viana recentemente concluiu de modo parecido com o aqui exposto, embora com fundamentação diferente:

Basta lembrar que, quando a CLT fez a categoria profissional corresponder à econômica, foi por concluir que as pessoas que trabalham num mesmo ramo de atividade empresarial se unem por laços de solidariedade. Ora: no caso dos terceirizados que ficam longo tempo na mesma empresa tomadora, esses laços se formam com o pessoal que está ali, e não com os outros terceiriza-dos, que eles nem conhecem. (Viana, 2015)

Em todos e em qualquer dos critérios de agregação não há exclusi-vidade da representação, podendo coexistir, a critério dos trabalhadores, múltiplos sindicatos representativos em uma mesma base e em concorrên-cia. A presente conclusão decorre do cenário de pluralidade sindical pos-sibilitado pela liberdade sindical em decorrência da inconstitucionalidade ou da inaplicabilidade (nos termos atuais) da regra do inciso II do art. 8º da Constituição da República.

Os avanços havidos no Direito, sobretudo no campo dos princípios, bem como as transformações sociais das últimas duas décadas, devem ilu-minar a interpretação das regras constitucionais e infraconstitucionais sobre as relações sociocoletivas, conforme já exposto. Normas constitucionais insculpidas nos arts. 1º, incisos III e IV; 5º, caput e incisos XVII, XXII e XXIII; 7º, caput e incisos XVII, XXVI e XXVII; 8º, caput e incisos I, II e VI; além dos arts. 170, inciso IV, e 193, não podem ser olvidadas pelo intérprete no momento de aplicação da regra trabalhista nos mais diversos contextos de contratação de trabalho terceirizado.

coNcluSão

Visto então que a terceirização é uma estratégia empresarial precari-zante aplicada em diversos países capitalistas, com destaque negativo para a atual situação brasileira. Por se referir, em última análise, à relação empre-gatícia, deve a situação ser tratada pelo Direito do Trabalho, com ênfase na centralidade do Texto Constitucional de 1988.

A Súmula nº 331 do TST não está em conformidade com a Cons-tituição da República, pois agride frontalmente o disposto nos arts. 48 (e seguintes), 2º e 5º, caput, além de ser desnecessária em face do já pre-visto pela Lei nº 6.019/1974. Também é imperioso concluir que o PL 4.330/2004 (PLC 30/2015) não está em conformidade com a Constituição

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da República, por contrariedade ao disposto em seus arts. 1º, incisos III e IV, e 5º, caput, além de ser desnecessário em face do já previsto pela Lei nº 6.019/1974.

Não obstante as conclusões supra, é cediço que a situação da terceiri-zação no Brasil não se resolverá em termos de inconstitucionalidade ou des-necessidade de novo regramento. É necessário, então, estabelecer diferen-ciação entre atividade-fim e atividade-meio de uma sociedade empresária contratante (tomadora) de serviços terceirizados. O argumento empresarial de que a atividade produtiva é dinâmica, e o que é meio hoje pode ser fim amanhã, não é empecilho à diferenciação entre atividade-meio e atividade--fim, nos termos aqui propostos. A análise é sempre do caso concreto, em cada momento e local de terceirização, sendo facilmente aplicável o con-ceito às mais diversas situações fáticas. Não se trata de conceito fechado, mas sim de ideia que se amolda a todos os casos de acordo com a realidade vivenciada.

Infelizmente, trabalhadores em igualdade de situação fática, que de-senvolvem seu labor no interesse direto e imediato de um mesmo favoreci-do, recebem hoje, e provavelmente no futuro próximo, tratamento jurídico injustificadamente diferenciado. Tal situação favorece a precarização da mão de obra, não sendo possível reconhecer terceirização que se dê em conformidade com princípios básicos da República. Não sendo esta, entre-tanto, a conclusão da maioria da doutrina e da jurisprudência, é necessária uma estratégia protetiva, que necessariamente partirá de uma melhor atua-ção dos sindicatos no país.

A “situação de emprego na mesma atividade econômica ou em ati-vidades econômicas similares ou conexas” prevista na CLT significa, hoje, repita-se, não mais agregação por vinculação a um único empregador, mas sim pela identificação de quem se aproveita, em essência, da prestação la-borativa entregue. Os sindicatos são então conclamados a assumir papel de destaque no cenário da terceirização, pois cabe a eles garantir, na prática, dos males o menor.

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VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

A Terceirização na Organização Internacional do Trabalho e nos Estados Partes do Mercado Comum do Sul (Mercosul) – Atualizado com o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 no Caso Brasileiro – Consequências Sociais e Econômicas1

BRunO mILAnO CEnTA Mestre em Direito, com Ênfase na Linha de Pesquisa Estado, Atividade Econômica e De-senvolvimento Sustentável pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Especialista em Derecho del Trabajo y Crisis Económica pela UCLM – Universidad de Castilla La-Mancha (Toledo/Espanha), Especialista em Direito do Trabalho pela PUCPR, Conciliador do Comitê Inter-sindical de Conciliação Prévia Sindipar/Sindesc – Cicop Saúde, Conselheiro Titular do Conselho Jurídico da Confederação Nacional de Saúde pelo Estado do Paraná, Coordenador Científico do Simpósio de Direito Aplicado em Saúde, Professor Titular da Disciplina de Direito do Trabalho da Pós-Graduação de Auditoria e Gestão em Saúde da Universidade Tuiuti do Paraná, na Pós--Graduação de Direito da Saúde e de Direito do Trabalho da Universidade Positivo, Membro da Comissão de Direito à Saúde da OAB/PR, Advogado Trabalhista Inscrito na OAB/PR sob nº 41.441.

mARCO AnTônIO vILLATOREPós-Doutor em Direito Econômico pela Universidade de Roma II, “Tor Vergata”, Doutor em Direito pela Universidade de Roma I, “La Sapienza”, Revalidado na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor Titular de Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, na Graduação e na Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado), Professor Adjunto da UFSC, Professor do Uninter, Advogado Trabalhista Inscrito na OAB/PR sob nº 18.716, Consultor do Mercosul para a Livre Circulação de Trabalhadores entre 2005 e 2006.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Noções; 1.1 A solução do jus ativismo: regramento trazido pela Súmu-la nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho; 1.2 Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 – antigo PL 4.330/2004 – do então Deputado Federal Sandro Mabel (PL/GO); 2 Das modalidades de contratação interposta previstas na legislação brasileira; 2.1 Contrato de trabalho temporário; 2.2 Contrato de empreitada; 2.3 Serviços de vigilância ostensiva e transporte de valores; 2.4 Cooperativas; 3 As regras da organização internacional do trabalho e a intermediação do trabalho; 4 Direito argentino: terceirização como prática neoliberal; 4.1 A terceirização nas normas laborais argentinas; 4.1.1 Lei

1 A base do presente artigo, mas agora atualizado com o PLC 30/2015, está na publicação “Terceirização na Organização Internacional do Trabalho e nos Estados Partes do Mercosul – Consequências Sociais e Econômicas” (Direito internacional do trabalho e a organização internacional do trabalho: um debate atual. São Paulo: Atlas, v. 1, 2014. p. 117-141); na publicação dos autores Michele Alessandra Hastreiter e Marco Antônio César Villatore (Trabalho temporário nos estados partes do Mercosul: questões jurídicas, econômicas e sociais. In: Trabalho e proteção social. Ponta Grossa: Estúdio Texto, v. 1, 2014. p. 207-232); e, por último, na palestra do segundo autor, Marco Antônio César Villatore, no dia 25 de junho de 2015, na Escola Judicial – TRT 9ª Região.

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nº 25.013/1998; 4.1.2 Decreto nº 1.694/2006; 4.1.3 Lei nº 20.744 – Lei de Contrato de Trabalho; 4.1.4 Lei nº 20.744 – Lei de Contrato de Trabalho; 5 O contrato temporário no Direito do Trabalho paraguaio; 6 Direito uruguaio: legislação e considerações sobre a responsabilidade solidária; 7 Direito venezuelano: Lei Orgânica do Trabalho, dos Trabalhadores e das Trabalhadoras (LOTT); 7.1 A proibição como princípio; 7.2 A alternativa dos contratistas; Considerações finais; Referências.

INtrodução

A terceirização de serviços é, atualmente, tema recorrente nas discus-sões do mundo do trabalho, pautada de forma constante tanto por emprega-dos quanto por empregadores.

A globalização mundial traz como consequência o fato de que os mais variados setores de produção não possuem mais endereço fixo, sendo facilmente transferidos para locais que apresentam maiores vantagens com-parativas no desempenho das atividades. Neste contexto, diversos fatores que compõem o custo final das mercadorias passam a influenciar as esco-lhas das empresas sobre o local de suas instalações. Os países que desejam manter e incentivar o ingresso de empresas para assegurar postos de traba-lho e arrecadações tributárias precisam, então, estar atentos a estes fatores para adotar medidas legislativas eficientes, que sejam capazes de assegurar os propósitos de desenvolvimento. Diante disto, há uma tendência cada vez maior por medidas flexibilizadoras do Direito do Trabalho, com a finalidade de desonerar a contratação de profissionais locais, evitando uma mudança dos postos de trabalho para ambientes de legislação menos rigorosa e com salários cada vez menores.

Portanto, a estrutura empresarial moderna do modelo toyotista faz com que as atividades empresariais sejam desenvolvidas de forma descen-tralizada, sendo que o modelo de produção não mais se limita à linha de montagem fordista, utilizando o trabalho de pessoas que não são seus em-pregados, rompendo o clássico modelo de responsabilidade trabalhista e de vínculo de emprego, fazendo com que as empresas se utilizem de outras empresas e de trabalhadores autônomos para o desenvolvimento de suas atividades, seja na prestação de serviços ou na produção de bens.

A terceirização é por vezes condenada sem a observância de critérios efetivamente abalizados para tanto, sendo demonizada com base em con-ceitos firmados exclusivamente com base na paixão. O problema que surge desta situação está na falta de segurança jurídica para todos os envolvidos na relação: empregadores, tomadores de serviços e trabalhadores.

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Independentemente da corrente político-ideológica, é incontestável que a regulamentação a respeito do tema no Brasil é quase que inexistente, baseando-se todo o sistema jurídico brasileiro apenas e tão somente nas frágeis disposições da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho2, cuja natureza jurídica e a própria conceituação tornam a interpretação ab-solutamente frágil e insegura.

Entendemos que as relações de trabalho na prestação de serviços de terceiros reclamam urgente intervenção legislativa, se não de acordo com o Projeto de Lei da Câmara nº 30/20153 (conversão do Projeto de Lei nº 4.330/20044), que será analisado no corpo deste trabalho, mas sim defi-nindo com clareza em que atividades a terceirização é lícita – dando cabo da zona nebulosa que atualmente se encontra na conceituação de ativida-de-meio e atividade-fim – e as responsabilidades do tomador e do prestador de serviços. Nesta linha, a análise das regulamentações da terceirização nos Estados Partes do Mercosul pode servir como ponto de partida.

Aspectos primordiais devem permear a discussão que se propõe, es-pecialmente o custo do trabalho, a suposta precarização de direitos e ga-rantias aliados ao enfraquecimento da representação sindical como efeitos reflexos da terceirização; o conceito de atividade-meio e de atividade-fim da empresa, assim como a análise de eventuais benefícios decorrentes da especialização de serviços nas organizações.

Neste trabalho, analisaremos algumas noções importantes, passando em seguida por uma análise das Convenções da Organização Internacional do Trabalho que, historicamente, regulamentam o trabalho temporário.

Após essa análise, far-se-á uma incursão comparativa no arcabouço jurídico dos Estados Partes do Mercosul, com a finalidade de identificar os preceitos legais que regem a terceirização do trabalho no Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela.

1 NoçÕeS

Como já analisamos, o fenômeno da terceirização carece de defini-ção na legislação brasileira, não havendo norma jurídica específica a dar norte à questão, até o momento.

2 Súmula nº 331 do TST. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html>. Acesso em: 28 nov. 2015.

3 PLC 30/2015. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120928>. Acesso em: 28 nov. 2015.

4 Lei nº 4.330/2004. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841>. Acesso em: 9 nov. 2015.

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Pode-se definir a terceirização como estratégia empresarial, com objetivo de potencializar ou de especializar determinada atividade na empresa.

Em que pese não se possa desconsiderar que por vezes o empresa-riado busque na terceirização a subcontratação de trabalhadores com con-dições de trabalho precarizadas, também não se pode esquecer o intuito especialista que a contratação de serviços de terceiros pode objetivar.

Como bem define Sergio Pinto Martins5:

O objetivo principal da terceirização não é apenas a redução de custo, mas também trazer agilidade, flexibilidade, competitividade à empresa e também para vencer no mercado. Esta pretende, com a terceirização, a transformação de seus custos fixos em variáveis, possibilitando o melhor aproveitamento do processo produtivo, com a transferência do numerário para aplicação em tecnologia ou no seu desenvolvimento e também em novos produtos.

Do conceito de Martins se pode extrair que, a despeito de eventual precarização ou fraude que possa se perpetrar na relação de trabalho, a terceirização pode sim ser utilizada para fins de competitividade e de agi-lidade.

Em linhas gerais, significa afirmar que a terceirização pode contribuir para a especialização no processo produtivo, trazendo ao mercado produ-tos e serviços de melhor qualidade, à medida que são executados em par-ceria com players que detêm o melhor know how a contribuir na produção.

Na lição de Fernando Basto Ferraz6, “para o tomador de serviços não importa a pessoalidade, mas o serviço. Não mais importa dirigir a prestação dos serviços, mas sim os resultados”.

Concluem Érica Okimura e Nancy Oliveira7:

Não se pode admitir a utilização da terceirização como meio de burlar a ga-rantia dos direitos trabalhistas já consolidados mediante a contratação pelos particulares, e pela própria Administração Pública, de empresas sem solidez econômica, incapazes de suportar os ônus dos contratos de trabalho. De

5 MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 12. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. p. 11.

6 FERRAZ, Fernando Basto. Terceirização e demais formas de flexibilização do trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 241.

7 OKIMURA, Érica Yumi; OLIVEIRA, Nancy Mahra de Medeiros Nicolas. Terceirização: aspectos da precarização da relação formal de emprego e enfoques sobre a responsabilidade da administração pública em face da nova redação da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/doutrina_22726460_TERCEIRIZACAO_ASPECTOS>. Acesso em: 9 nov. 2015.

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outra via, também não se pode impedir a adoção da terceirização quando a serviço da maior eficiência na gestão administrativa pública e privada.

A figura do empregado propriamente dito passa a ser secundária, haja vista que esta é uma das peças do processo produtivo. Ganha enfoque a relação comercial entre duas empresas – ou mesmo entre empresa e um trabalhador autônomo especializado – que visem produzir em parceria pro-dutos diferenciados, potencializando esforços e conhecimento.

Exemplo consagrado desta mentalidade é a indústria automobilística. Em verdade, os processos de fabricação de veículos atualmente nada mais são do que a concentração da linha de montagem de uma grande marca – em grande parte automatizada – de uma série de componentes produzidos por terceiros especializados. Determinada empresa produz os componentes plásticos; outra, motores; uma terceira, estofamentos; e daí em diante.

Do próprio exemplo mencionado no parágrafo anterior, já se verifica a dificuldade da delimitação do conceito consagrado no País pela Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho – que será analisada em pormeno-res a seguir –, de que a terceirização é lícita em atividades-meio da empresa.

Mas e o que é atividade-meio em uma fábrica de automóveis? Have-ria ilicitude na compra dos motores prontos de terceiros para instalação nos carros da montadora?

São dificuldades que a legislação atual não consegue transpor, o que indubitavelmente cria ambiente de incertezas e de insegurança jurídica quando da contratação de serviços terceirizados.

1.1 A solução do jus Ativismo: regrAmento trAzido pelA súmulA nº 331 do tribunAl superior do trAbAlho

A ausência de regramento adequado – ou sequer de um regramento – para o trabalho terceirizado foi solucionada, em parte, pela edição da Sú-mula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, sendo a fonte de interpreta-ção no Direito brasileiro para a aferição da legalidade de contratações nesta modalidade, devendo ser analisada com ressalvas por não se tratar de fruto do processo legislativo ordinário e democrático, e sim sujeita a mudanças de acordo com a evolução de entendimento dos Ministros do Tribunal Su-perior do Trabalho.

O jus ativismo, ou a criação de normativa por meio de orientação dos Tribunais Superiores, é fenômeno cada vez mais comum no Brasil, reflexo

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de um Poder Legislativo letárgico e pouco atuante em relação aos interesses e necessidades da Nação.

A referida súmula tem a seguinte redação:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divul-gado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando--se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, des-de que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do emprega-dor, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quan-to àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respon-dem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações tra-balhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Das disposições do enunciado, merecem destaque neste estudo espe-cialmente os seus incisos II e III, que estipulam as modalidades de contrata-ção que, sob a ótica do Tribunal Superior do Trabalho, seriam válidas para a terceirização.

A disposição do inciso I é exclusiva, visto que conceitua como ilegal a contratação por empresa interposta, salvo no contrato de trabalho tem-

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porário. Basicamente, o fundamento deste inciso é a Lei nº 6.019/19748, pormenorizada em nossa análise no corpo deste texto.

Em sequência, o inciso III exclui da formação de vínculo de empre-go a contratação de serviços de vigilância, conservação e limpeza – cujo embasamento é a Lei nº 7.102/19839, também já analisada. Passamos, en-tão, à autorização para a terceirização de “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a su-bordinação direta”.

A impropriedade da definição acerca da legalidade ou não das mo-dalidades de terceirização por meio da edição de súmula por si só se cons-titui falha, mas traria o mesmo problema se fosse replicada para o processo legislativo ordinário.

Tal afirmação se justifica dada a grande dificuldade, na prática em-presarial e até mesmo na defesa em processos judiciais da definição concre-ta e restrita dos conceitos de atividade-meio e atividade-fim.

Alguns dispositivos nos socorrem nesta tentativa de definição, ainda que por analogia. A citar o art. 580 da CLT10, em seu § 2º, que entende por atividade preponderante (ou fim) a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional.

Com base nestes conceitos, as atividades-meio seriam as que não se enquadrariam na definição de atividade preponderante.

Contudo, a prática nem sempre nos conduz a conclusões simplistas.

Já citamos o caso das montadoras de veículos, que compram seus motores de empresas especializadas e introduzem a peça em sua linha de montagem. Em que pese seja inimaginável um carro sem motor, não se verificam grandes discussões jurídicas acerca desta parceria comercial, em que pese nos pareça que a produção de motores é, sim, atividade-fim das fábricas de veículos.

Para demonstrar ainda mais a névoa que a ausência de regramento específico traz à questão da terceirização, notamos a questão dos serviços médicos e hospitalares.

8 Lei nº 6.019/1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6019.htm>. Acesso em: 28 nov. 2015.

9 Lei nº 7.102/1983. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7102.htm>. Acesso em: 28 nov. 2015.

10 Artigo 580 da CLT. Disponível em: <http://www.dji.com.br/decretos_leis/1943-005452-clt/clt578a591.htm>. Acesso em: 28 nov. 2015.

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O senso comum afirma que a prática de serviços médicos é atividade--fim da instituição hospitalar, já que, via de regra, se procura o hospital para a cura de doenças e outras mazelas que acometem nosso organismo; cura esta que é instrumentalizada pelo profissional médico.

Em contraponto, a disciplina da Receita Federal do Brasil11 conceitua serviços hospitalares como “aqueles prestados por estabelecimentos assis-tenciais de saúde que dispõem de estrutura material e de pessoal destinada a atender a internação de pacientes”.

Qual é atividade-fim, portanto, dos hospitais? A atenção à saúde ou o fornecimento de estrutura de apoio para que esta possa ser efetivada?

Em que pese este ensaio não busque pormenorizar tais questiona-mentos, o simples fato da sua formulação e difícil resposta já demonstra, por si só, que as soluções normativas hoje existentes são inócuas a assegurar ao empresário a efetivação da terceirização de serviços sem a convivência de um fantasma de insegurança jurídica e alto risco de condenações traba-lhistas.

1.2 projeto de lei dA CâmArA nº 30/2015 – Antigo pl 4.330/2004 – do então deputAdo FederAl sAndro mAbel (pl/go)

Única iniciativa concreta tramitando no Congresso Nacional, o Pro-jeto de Lei nº 30/2015 – conversão do antigo Projeto de Lei nº 4.330, que tramitava desde o ano de 2004 – caracteriza-se como única expectativa de evolução do ordenamento a respeito da matéria, mas de forma muito temerária.

O projeto de lei parte da desregulamentação atualmente existente para a abertura de mercado para a terceirização sem limites, em um aspecto liberal explícito.

São pontos de destaque do projeto:

Atividades terceirizadas: permite a terceirização de todas as ati-vidades da empresa, sejam meio e fim da contratante. (inerentes,

11 IN 791/2007: “Art. 27. Para os fins previstos nesta instrução normativa, são considerados serviços hospitalares aqueles prestados por estabelecimentos assistenciais de saúde que dispõem de estrutura material e de pessoal destinada a atender à internação de pacientes, garantir atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, que possuam serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida observação e acompanhamento dos casos” (Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/ins/2007/in7912007.htm>. Acesso em: 9 nov. 2015).

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acessórias ou complementares à atividade econômica da contra-tante)

Responsabilidade solidária pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas.

Filiação sindical: Quando o contrato de prestação de serviços especializados a terceiros se der entre empresas que pertençam à mesma categoria econômica, os empregados da contratada envolvidos no contrato serão representados pelo mesmo sindi-cato que representa os empregados da contratante, na forma do art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Manutenção de garantias contratuais: Na hipótese de contrata-ção sucessiva para a prestação dos mesmos serviços terceiriza-dos, com admissão de empregados da antiga contratada, a nova contratada deve assegurar a manutenção do salário e demais di-reitos previstos no contrato anterior.

Garantias: Além das cláusulas inerentes a qualquer contrato, deve constar do contrato de terceirização a exigência de pres-tação de garantia, pela contratada, em valor correspondente a quatro por cento do valor do contrato, limitada a cinquenta por cento do valor equivalente a um mês de faturamento do contrato em que ela será prestada.

Igualdade de condições: São asseguradas aos empregados da contratada, quando e enquanto os serviços forem executados nas dependências da contratante ou em local por ela designado as mesmas condições: I – relativas a: a) alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios; b) direito de utilizar os serviços de transporte; c) atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contra-tante ou local por ela designado; d) treinamento adequado, for-necido pela contratada, quando a atividade exigir.

Recolhimento antecipado dos tributos: A empresa contratante de serviços executados nos termos desta lei deverá reter, sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviço, a título de: I –imposto de renda na fonte, a alíquota de 1,5%, ou alíquota menor prevista na legislação tributária; II –Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a alíquota de 1%; III – contribuição para o PIS/Pasep, a alíquota de 0,65%; e IV – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, a alíquota de 3%.

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A Central Única dos Trabalhadores (CUT), sob a coordenação da Se-cretaria Nacional de Relações de Trabalho (SRT/CUT) e com a participa-ção do Dieese, elaborou um Dossiê Terceirização e Desenvolvimento: uma conta que não fecha, na qual destaca as seguintes críticas:

Questão salarial e benefícios: os terceirizados trabalham em áre-as menos remuneradas – com até 3 salários-mínimos. Os tercei-rizados recebem remuneração 27,1% inferior do que os traba-lhadores diretos;

Rotatividade da mão de obra: 5,8 anos para os empregados e 2,6 anos para os terceirizados;

Condições de segurança e saúde do trabalhador: de cada 10 aci-dentes de trabalho, 8 referem-se a empresas terceirizadas;

Banco Nacional de Devedores Trabalhistas: das 100 maiores devedoras na Justiça do Trabalho, inscritas no BNDT, 22 são empresas terceirizadas;

As ações trabalhistas contra empregados diretos são encerradas em média 31 meses antes que ações contra empresas terceiri-zadas;

85% dos trabalhadores submetidos às condições análogas a de escravo eram terceirizados;

Terceirização não combate o desemprego: estima-se que o tra-balhador terceirizado trabalha 3 horas a mais semanalmente, do que o trabalhador direto;

4 em cada 5 das ocorrências registradas de morte no trabalho foram empresas terceirizadas.12

Já as principais críticas pelo empresariado são as seguintes:

• Aresponsabilidadesolidárianodescumprimentodasobrigaçõestrabalhistas e previdenciárias – art. 15, caput;

• Asretençõesfiscaisprevistasnoart.18,acargodaempresacon-tratante.

Para o segmento empresarial, são pontos favoráveis à terceirização:

• Liberdadedecontratar;

12 Dieese/CUT. Disponível em: <http://cut.org.br/acao/dossie-terceirizacao-e-desenvolvimento-uma-conta-que-nao-fecha-7974/>. Acesso em: 28 nov. 2015.

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• Criaçãodenovosempregos;

• Maiorqualidadedotrabalho;

• Priorizaçãodaatividadeprincipal.

Com estas análises, podemos passar às modalidades de contratação terceirizada no Brasil.

2 daS modalIdadeS de coNtratação INterPoSta PrevIStaS Na legISlação braSIleIra

Em que pese não haja disposição concreta acerca da terceirização de serviços a respaldar legalmente a prática, mister se faz destacar as normati-vas em vigor que autorizam, em casos específicos, a contratação de serviços além da forma usual de vínculo de emprego direto prevista no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.

As modalidades elencadas no ordenamento jurídico pátrio são o tra-balho temporário, os serviços de segurança, os contratos de empreitada e as cooperativas, cujos pormenores abordaremos a seguir.

2.1 ContrAto de trAbAlho temporário

O contrato de trabalho temporário se encontra disciplinado na Lei nº 6.019/1974 e tem por escopo a prestação de serviços por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular ou permanente ou acréscimo extraordinário de serviços, conforme dispõe o seu art. 2º13.

São exemplos clássicos desta modalidade de contratação aquelas ocorridas em época de grande volume de vendas no comércio, quando ocorrem recrutamentos de pessoal para o trabalho em fábricas de chocolate em período de Páscoa ou reforço de pessoal para as vendas nos shoppings centers em período natalino.

Os contratos têm de ser obrigatoriamente escritos, constando no do-cumento a justificativa para a demanda de trabalho temporário, segundo inteligência do art. 9º14 da supracitada legislação.

Frise-se que este mesmo artigo determina que o contrato deve ser firmado entre a empresa tomadora de serviços e a de trabalho temporário, obrigando, nesta modalidade, a figura da empresa interposta.

13 “Art. 2º Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços.”

14 “Art. 9º O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora de serviço ou cliente deverá ser obrigatoriamente escrito e dele deverá constar expressamente o motivo justificador da demanda de trabalho temporário, assim como as modalidades de remuneração da prestação de serviço.”

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A nosso ver, este último aspecto é incongruente sob o viés protecio-nista do trabalhador ao qual não se pode esquecer, vez que a legislação cria um desnecessário “mercado” de empresas interpostas e aluguel de mão de obra em relação de trabalho na qual o foco e o aspecto temporal da presta-ção de serviços são absolutamente bem delimitados.

Por fim, o regramento ainda estabelece aspecto de temporalidade para a pactuação, que não pode exceder a três meses15, salvo autorização do Ministério do Trabalho e Emprego.

2.2 ContrAto de empreitAdA

De uso comum na construção civil, o contrato de empreitada e de subempreitada tem sua regulação, especialmente no que se refere aos as-pectos de responsabilidade, nas disposições do art. 45516 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Em seu caput, o artigo dispõe que cabe aos empregados o direito de reclamação contra o empregado principal caso se verifique o inadimple-mento por parte do subempreiteiro.

A disposição da lei determina a caracterização de responsabilidade subsidiária explícita do empreiteiro tomador, ainda que o parágrafo único autorize a possibilidade de ação regressiva deste contra o subempreiteiro.

2.3 serviços de vigilânCiA ostensivA e trAnsporte de vAlores

A contratação de serviços de vigilância por empresa terceirizada se encontra regulamentada pela Lei nº 7.102/1983, sendo que o seu art. 3º17 autoriza expressamente que os serviços de vigilância ostensiva e transporte de valores sejam realizados por empresa especializada contratada.

15 “Art. 10. O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo empregado, não poderá exceder de três meses, salvo autorização conferida pelo órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, segundo instruções a serem baixadas pelo Departamento Nacional de Mão de Obra.”

16 “Art. 455. Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

Parágrafo único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.”

17 “Art. 3º A vigilância ostensiva e o transporte de valores serão executados:

I – por empresa especializada contratada;

II – pelo próprio estabelecimento financeiro, desde que organizado e preparado para tal fim, com pessoal próprio, aprovado em curso de formação de vigilante autorizado pelo Ministério da Justiça e cujo sistema de segurança tenha parecer favorável à sua aprovação emitido pelo Ministério da Justiça.”

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Nesta modalidade específica de serviços, a legislação estimula a con-tratação de serviços especializados em virtude do grande – e justificado – número de exigências técnicas para a autorização de operação.

2.4 CooperAtivAs

O parágrafo único do art. 442 da CLT18 exclui em absoluto qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, o vínculo de empre-go entre ela e seus associados, bem como em face do tomador de serviços.

Tal disposição chegou a ter sua revogação proposta quando da edi-ção da Lei nº 12.690/201219, que atualiza as disposições sobre a organiza-ção e o funcionamento das Sociedades Cooperativas, mas foi vetada pela Presidência da República sob o argumento de que a disposição celetária disciplina a matéria de forma ampla e suficiente.

Vislumbra-se, a princípio, que a disposição legal não apresenta con-dicionantes ou requisitos a excluir a caracterização da relação de emprego.

Deve-se considerar, contudo, que tal amplitude de presunção fez da figura das cooperativas foco para um sem número de fraudes e precarização de direitos trabalhistas.

Proliferaram-se no Brasil sociedades de fachada, sem a mínima obser-vância dos regramentos legais de organização; com trabalhadores subordi-nados e trabalhado a salário fixo para cooperativas das quais deveriam ser “donos”.

O Poder Judiciário tem sido rígido em coibir que a fraca letra da lei prevaleça a contratos ilegais, declarando o vínculo de emprego sempre que se vislumbra a inobservância dos requisitos necessários à constituição das sociedades cooperativas.

3 aS regraS da orgaNIzação INterNacIoNal do trabalHo e a INtermedIação do trabalHo

Já em sua origem, no Tratado de Versalhes, mais conhecido como Tratado da Paz, que finalizou a Primeira Grande Guerra Mundial, no ano de 1919, a OIT se pronunciou a favor do monopólio do serviço de colo-cação em uma de suas primeiras Normas Internacionais do Trabalho. O fundamento conceitual para este monopólio teria caráter ético e ideológico,

18 Artigo 442 da CLT. Disponível em: <http://www.dji.com.br/decretos_leis/1943-005452-clt/clt442a456.htm>.

Acesso em: 9 nov. 2015.19 Lei nº 12.690/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/

L12690.htm>. Acesso em: 9 nov. 2015.

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já que o Tratado afirmava que “o trabalho não é uma mercadoria” e que a atividade de auxiliar o trabalhador desempregado a encontrar um emprego não poderia ser entendida como uma transação comercial. Uma das primei-ras ações da OIT, portanto, foi a de encorajar seus Estados Membros a insti-tuírem um Serviço Público de Emprego, conforme Cátia Alessandra Nunes20.

Neste sentido, a Convenção nº 2, de 1919, determinava: a necessida-de de se estabelecer agências públicas de colocação; o controle, por parte do Estado, das agências privadas; e a necessária gratuidade dos serviços de colocação. A Recomendação 1 também se mostrava a favor da adoção de medidas públicas destinadas a proibir a criação de agências remuneradas de colocação.

De acordo com a mesma autora21, devido às condições econômicas da época, na década de 1930, “as disposições da Organização Internacio-nal do Trabalho sobre a supressão das agências privadas vistas até então foram atenuadas através de convenções como a de 1933 – Convenção nº 34 e a Recomendação nº 42 daquele mesmo ano”.

Em 1º de julho de 1949, foi realizada, em Genebra, a 32ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, na qual foi redigida a Convenção nº 96, concernente aos escritórios remunerados de emprego, cujo conceito se encontra expresso no art. 1º deste instrumento:

Art. 1º Para os fins da presente convenção, a expressão “escritório remunera-do de empregos” designa:

a) os escritórios de colocação com fins lucrativos, quer dizer, toda pessoa, sociedade, instituição, agência ou outra organização que serve de inter-mediária para proporcionar emprego a um trabalhador ou um trabalhador para um empregador, com a finalidade de tirar de um e de outro proveito material direto ou indireto; esta definição não se aplica aos jornais ou ou-tras publicações, salvo aqueles cujo objeto exclusivo ou principal é agir como intermediário entre os empregadores e os trabalhadores;

b) os escritórios de colocação com fins não lucrativos, quer dizer, os serviços de colocação das sociedades, instituições agências, ou outras organiza-ções que, mesmo não percebendo proveito material, recebem do empre-gador ou do trabalhador, para os ditos serviços, uma taxa de entrada, uma quota ou uma remuneração qualquer.

20 NUNES, Cátia Alessandra. A intermediação do trabalho no capitalismo – Os desafios da experiência brasileira. Dissertação de Mestrado pela Unicamp, 2003. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?view=vtls000295261>. Acesso em: 9 nov. 2015.

21 NUNES, Cátia Alessandra. A intermediação do trabalho no capitalismo – Os desafios da experiência brasileira. Dissertação de Mestrado pela Unicamp, 2003. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?view=vtls000295261>. Acesso em: 9 nov. 2015.

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A convenção se mostrou mais flexível que as determinações anterio-res quanto à existência de serviços privados de colocação no emprego, mas determinou que deveria haver uma supressão progressiva dos escritórios remunerados de empregos com fins lucrativos ou uma regulamentação e fis-calização destas agências, em um espaço de tempo limitado, com duração especificada pela autoridade competente do país ratificador.

É importante ressaltar os ensinamentos de Arnaldo Süssekind22 afir-mando que “as convenções aprovadas pela Conferência Internacional do Trabalho são classificadas como Tratados-Leis, os quais tem sido compara-dos a leis, porque formulam regras ou princípios, de ordem geral, destinados a reger certas relações internacionais; estabelecem normas gerais de ação; confirmam ou modificam costumes adotados entre as nações”.

O mesmo autor23 explica que as Convenções da OIT não podem ser consideradas leis supranacionais, uma vez que as conferências não consti-tuem um Parlamento Universal com poderes suficientes para impor normas aos distintos Estados, sem a aceitação de suas respectivas autoridades, sob pena de ferir a soberania. Sendo assim, os Estados só estarão vinculados aos tratados, e estes só gerarão direitos e obrigações no plano interno, se houver adesão do Estado ao tratado por meio de um ato soberano.

Neste sentido, o Brasil promulgou a Convenção nº 96 da OIT por meio do Decreto nº 62.859, de 1968. Contudo, esta convenção deixou de ter eficácia no País quando, em 1972, foi denunciada por meio do Decre-to nº 70.224. Por isto, entende-se que o Brasil não segue as restrições do documento no que tange a esta matéria. Argentina e Uruguai também rati-ficaram este instrumento. Na Argentina, a ideia era a de suprimir o seu fun-cionamento, mas, com o passar do tempo, partiu-se para o entendimento de que a regulamentação era o melhor caminho, como veremos a seguir. No Uruguai, a opção foi a de regulamentar o funcionamento destas agências, assim como no Brasil, como se verá de forma mais detalhada mais adian-te. Paraguai e Venezuela não se manifestaram a respeito da convenção, de modo que não estão comprometidos com seus preceitos. Mesmo assim, abordaremos mais adiante o regramento destes países.

Em 1997, a Organização Internacional do Trabalho concluiu a Con-venção nº 181, que, novamente, busca regulamentar a ação de agências de emprego, em substituição à Convenção nº 96. Porém, esta convenção não foi ratificada por Brasil, Argentina, Paraguai e Venezuela. O Uruguai ratifi-

22 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 189.23 Idem, ibidem.

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cou a convenção em 2004, sendo um dos 31 Estados Membros da OIT na qual este instrumento gera direitos e obrigações24.

O documento determina o que são e qual é a atuação exata das cha-madas “agências de emprego privadas” e estabelece diversas regras impor-tantes, entre as quais se destacam as mencionadas a seguir:

Art. 1º

1º A efeitos da presente Convenção, a expressão agência de emprego pri-vada designa toda pessoa física ou jurídica, independente das autoridades públicas, que presta um ou mais dos serviços seguintes em relação com o mercado de trabalho: a) serviços destinados a vincular ofertas e demandas de emprego, sem que a agência de emprego privada passe a ser parte nas rela-ções laborais que puderam se derivar; b) serviços consistentes em empregar trabalhadores com o fim de colocá-los a disposição de uma terceira pessoa, física ou jurídica (em avante ‘empresa usuária’), que determine suas tarefas e supervisione sua execução; c) outros serviços relacionados com a busca de emprego, determinados pela autoridade competente, prévia consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, como brindar informação, sem estar por ele destinados a vincular uma oferta e uma demanda específicas.

[...]

Art. 2º

[...]

3º A presente convenção tem como uma de suas finalidades permitir o fun-cionamento das agências de emprego privadas, assim como a proteção dos trabalhadores que utilizem seus serviços, no marco de suas disposições.

[...]

Art. 7º

1º As agências de emprego privadas não deverão cobrar dos trabalhadores, nem direta nem indiretamente, nem em todo nem em parte, nenhum tipo de honorário ou tarifa.

O reconhecimento pela Organização Internacional de Trabalho de que as agências privadas de emprego desempenham um papel importante em um mercado de trabalho bem estruturado é uma evidência de como a flexibilização do Direito do Trabalho é uma realidade que não pode mais

24 Até 29 de novembro de 2015. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=1000:11300:0::NO:11300:P11300_INSTRUMENT_ID:312326>. Acesso em: 28 nov. 2015.

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ser ignorada. Diante disto, passa-se agora à análise dos dispositivos acerca da matéria nos Estados Partes do Mercosul.

4 dIreIto argeNtINo: terceIrIzação como PrátIca NeolIberal

Na Argentina, a subcontratación moderna se desenvolve pela marca do neoliberalismo e da flexibilização a partir dos anos 1990.

Batistini25 se refere à expressão moderna justificando a existência de outras formas anteriores de terceirização no próprio capitalismo e corres-pondentes à produção fordista de massas. Afirma que é possível dizer que a organização de trabalho pré-capitalista teve uma forma similar, com a contratação, por parte dos comerciantes, de grupos de trabalhadores em seus domicílios para fabricar produtos com as normas e provisão de ma-térias primas de tais comerciantes, sendo tal forma denominada de putting out system.

A terceirização moderna foi fomentada nos governos neoliberais ao fim do século XX como resposta aos índices crescentes de desemprego e como ferramenta de fomento ao crescimento econômico, já que, em tese, a subcontratação viria a otimizar os custos de produção.

O fenômeno da terceirização argentina se desenvolve de forma ma-ciça no âmbito das montadoras de veículos, nas quais uma série de subsi-diárias se encarrega de produzir partes dos autos para posterior montagem na planta matriz, sob as coordenadas desta; e nos modelos de call center, resultado de uma política agressiva de marketing das empresas a canalizar as reclamações dos clientes no que Batistini26 denomina agujeros negros, ou buracos negros.

Estes sistemas se implementaram com grande presença de trabalha-dores precarizados, com contratos a prazo, submetidos a fortes pressões patronais – com monitoramento permanente, castigos, normas disciplinares estritas – e, especialmente nos call centers, expostos ao estresse de repre-sentar a empresa tomadora e responder pelas falhas desta, ainda que não partícipe do processo produtivo principal.

Igualmente comum na Argentina é a terceirização ou externalização de tarefas mediante a contratação de trabalhadores “independentes”; profis-sionais ou estudantes universitários que são contratados para tarefa especí-fica ou por prazo determinado (renovados por vários períodos), mediante o

25 BATISTINI, Osvaldo. La subcontratación en Argentina. Buenos Aires: Imprimac, 2010. p. 28.26 Idem, p. 30.

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pagamento de um montante pré-definido em contrapartida de uma factura personal, equivalente no Brasil ao Recibo de Pagamento Autônomo. Para tanto, o trabalhador deve se inscrever na Administración Federal de Ingresos Públicos (Afip) e pagar seus próprios impostos (monotributo), realizar seus recolhimentos à Seguridade Social e contratar um serviço de saúde.

A linha entre a legalidade e a ilegalidade é tênue, haja vista que, para a legislação argentina (Ley de Contrato de Trabajo nº 20.744), se es-tes trabalhadores cumprem uma duração diária, trabalham no ambiente do empregador e sob as ordens deste, configura-se inequívoca relação laboral; sendo tal contrato considerado en negro.

4.1 A terCeirizAção nAs normAs lAborAis ArgentinAs

Inexiste, no Direito argentino, norma única a regular a terceirização em seu território. São várias as normas que regulam aspectos parciais entre uma empresa principal e suas subcontratadas.

Abordaremos, a seguir, os aspectos mais relevantes da legislação vi-gente.

4.1.1 lei nº 25.013/1998Reforma a Lei nº 20.744 (Lei do Contrato de Trabalho). Em seu art. 17,

substitui o § 2º do Regime do Contrato de Trabalho da Lei originária, que modifica o § 2º do art. 30. Determina que os tomadores deverão exigir dos cedentes o número do código único de identificação laboral de cada um dos trabalhadores que prestem serviços e a constância de pagamento das remunerações, cópia assinada dos comprovantes de pagamento mensais à seguridade social, uma conta-corrente da qual seja titular e cobertura por risco do trabalho.

A responsabilidade de controle não pode ser delegada a terceiros, de-vendo os documentos serem exibidos sempre que a pedido do trabalhador e/ou da autoridade administrativa.

O descumprimento de tal formalidade implica na responsabilidade solidária do tomador, inclusive no que se refere às obrigações junto ao Se-guro Social, na forma do regime de solidariedade imposto no art. 32 da Lei nº 22.250 (Regime Legal de Trabalho dos trabalhadores da construção).

4.1.2 decreto nº 1.694/2006

Regulamenta as empresas de serviço eventual, de acordo com o es-tabelecido na Lei de Contrato de Trabalho (LCT) e suas modificações: Lei Nacional de Emprego nº 24.013 (LNE) e suas modificações. Derroga os De-

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cretos nºs 342/1992 e 951/1999, que anteriormente se destinavam à regu-lação da matéria.

Aludido decreto adveio da necessidade de regulação das empresas de serviço eventual em razão da insuficiência do Decreto nº 342, inclusive em relação às modificações perpetradas pelo Decreto nº 951 declaradas inconstitucionais, com disparidade normativa entre empresas dedicadas à mesma atividade. Viu-se a oportunidade de realocar a legislação em uma perspectiva de equidade, de sustentabilidade e de garantias; com a intro-dução do conceito de trabalho decente, da Organização Internacional do Trabalho, mediante a Lei nº 25.877, marcando uma diretriz nas relações la-borais, pelo que a regulação deve estar encaminhada a evitar o uso abusivo e fraudulento desta modalidade de contratação.

O diploma conceitua, em seu art. 2º, como Empresa de Serviços Eventuais a entidade que, constituída como pessoa jurídica, tenha por ob-jeto exclusivo colocar à disposição de terceira pessoa – denominadas “em-presas usuárias” – pessoal administrativo, técnico, comercial ou profissional para cumprir, de forma temporária, serviços determinados por exigências extraordinárias ou transitórias.

Reafirma, em seu art. 4º, a regra de indeterminação de prazo dos arts. 90 e 91 da Lei de Contrato de Trabalho, de forma a coibir a atuação de ser-viços eventuais fraudulentos. O mesmo artigo determina que os aportes à seguridade social dar-se-ão de acordo com a legislação aplicável à empresa usuária.

O decreto obriga, ainda, o estabelecimento de pautas claras em relação ao período de suspensão na prestação de serviços nas empresas usuárias27; enumera uma enunciação taxativa dos tipos de serviços que devem ser destinados aos trabalhadores eventuais (art. 6º), para evitar que sejam contratados desta forma aqueles que deveriam, de fato, ser contrata-dos por prazo indeterminado na própria empresa tomadora; que subsistam elementos jurídicos necessários para que a autoridade administrativa possa requerer a empresa tomadora que assuma a condição de empregadora, caso se verifique a intermediação de uma empresa de serviços eventuais não habilitada.

27 O art. 5º, a, do decreto dispõe que o período de suspensão não poderá superar 45 dias corridos ou 90 dias alternados em um ano. A alínea f do mesmo dispositivo autoriza a denunciação do contrato de trabalho se decorrido o prazo sem novo destino ao trabalhador, quando será credor das indenizações correspondentes à despedida sem justa causa.

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4.1.3 lei nº 20.744 – lei de contrato de trabalho

Além dos já referidos artigos mencionados nas disposições dos tópi-cos anteriores, diversos artigos da Lei Geral de Trabalho regulam a subcon-tratação.

O art. 29 determina a responsabilidade solidária pelas obrigações tra-balhistas, devendo reter dos pagamentos que efetue à empresa de serviços eventuais os aportes e as contribuições destinadas à Seguridade Social e depositá-los ao término. O trabalhador será representado pelo sindicato e regido pela convenção coletiva da categoria em que efetivamente preste serviços na empresa usuária.

O art. 31 do diploma define, no Direito argentino, o conceito de gru-po econômico e suas consequências sob o aspecto trabalhista. Dispõe que, sempre que uma ou mais empresas, ainda que de personalidade jurídica própria, estejam sob a direção, controle ou administração de outras, de tal modo relacionadas que se constituam como um conjunto econômico de ca-ráter permanente, serão para os fins das obrigações contraídas por cada uma delas com seus trabalhadores e com os organismos de seguridade social, so-lidariamente responsáveis, quando tenham mediado manobras fraudulentas ou de condução temerária.

O art. 100 garante os benefícios gerais da lei aos trabalhadores even-tuais, quando compatíveis com a modalidade de contratação e reúnam os requisitos à aquisição do direito.

No art. 101, cria-se a figura do contrato de trabalho de grupo ou por equipe, definido como aquele celebrado entre um empregador com um gru-po de trabalhadores que, atuando por intermédio de um delegado ou repre-sentante, se obrigue à prestação de serviços próprios da atividade daquele. O empregador terá para cada qual dos integrantes do grupo os mesmos deveres e obrigações previstos na Lei de Contrato, com as limitações que resultem da modalidade das tarefas a efetuar e da formação do grupo.

Destaque-se a peculiar possibilidade da pactuação do salário de for-ma coletiva, quando os componentes terão direito a participação que lhes corresponda segundo a contribuição ao resultado do trabalho.

Quando um trabalhador deixa o grupo, o delegado deverá substituí--lo mediante a aceitação do empregador, caso necessário pela natureza das tarefas ou qualidades pessoais exigidas na integração do grupo.

Ao trabalhador retirado, terá direito à liquidação da participação que lhe corresponda ao trabalho já realizado. Os trabalhadores incorporados

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pelo empregador para colaborar com o grupo correrão por conta deste, sem participação no salário comum.

O art. 102 disciplina contrato pelo qual uma sociedade, associação, comunidade ou grupo de pessoas, com ou sem personalidade jurídica, obrigue-se à prestação de serviços, obras ou atos próprios de uma relação de trabalho por parte de seus integrantes a favor de um terceiro, de forma permanente e exclusiva. Nesta hipótese, o contrato será considerado por equipe, na forma do parágrafo anterior.

4.1.4 lei nº 20.744 – lei de contrato de trabalho

Na continuidade das normas argentinas de regulação do trabalho, destaca-se a Lei nº 25.877, ou Lei de Regime Laboral.

O art. 40 deste diploma específico disciplina o regime de cooperati-vas, conferindo aos serviços de inspeção do trabalho habilitação para verifi-car o cumprimento das normas laborais e de seguridade social tanto em re-lação aos associados como a eventuais trabalhadores dependentes; e, caso fraude se verifique, a caracterização de vínculo de emprego.

Veda-se às cooperativas a atuação de empresas de provisão de servi-ços eventuais, nem de temporada, nem de qualquer outro modo que carac-terizem serviços próprios de agências de colocação.

5 o coNtrato temPorárIo No dIreIto do trabalHo ParaguaIo

O Paraguai, como se analisou anteriormente, não ratificou as Con-venções da OIT sobre o tema, não incidindo, portanto, as restrições às agên-cias privadas de emprego que estão previstas no instrumento.

A figura do intermediário é regulamentada pelo art. 25 do Código do Trabalho, promulgado pela Lei nº 213/1993. Neste artigo, informa que o intermediário deverá declarar sua condição de intermediário e o nome do empregador para quem está prestando o serviço, no contrato de trabalho. Caso contrário, será solidariamente responsável pelas obrigações pertinen-tes. O texto do artigo encontra-se disposto a seguir:

Art. 25. Serão considerados como representantes do empregador e, em tal conceito, obrigam a este em suas relações com os demais trabalhadores:

a) os diretores, gerentes, administradores, capitães de barco e, em geral, as pessoas que exerçam funções de direção ou administração, com o assenti-mento do empregador; e

b) os intermediários.

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Entende-se por intermediários as pessoas que contratam os serviços de outra ou outras para executar trabalhos em benefício de um empregador, ainda quando apareçam como empresários independentes organizando os servi-ços de determinados trabalhadores para realizar trabalhos nos quais utilize locais, equipamentos, materiais ou outros elementos de um empregador para benefício deste e em atividades ordinárias inerentes ou conexas do mesmo.

Todo intermediário deve declarar sua qualidade e o nome do empregador por conta de quem atua, ao celebrar contratos de trabalho. Em caso con-trário, responde solidariamente com o empregador das obrigações legais e contratuais pertinentes.28 (nossa tradução)

Como se pode perceber, neste ordenamento jurídico, há pouca regu-lamentação deste instrumento jurídico, não havendo vedação a esta moda-lidade de terceirização – o que é compatível com o caráter mais flexível da legislação trabalhista paraguaia.

6 dIreIto uruguaIo: legISlação e coNSIderaçÕeS Sobre a reSPoNSabIlIdade SolIdárIa

O Uruguai optou pela criação de uma legislação específica sobre o tema do trabalho terceirizado. A matéria é tratada por três diplomas legis-lativos: a Lei nº 18.099, de 24 de janeiro de 2007; a Lei nº 18.098, de 8 de fevereiro de 2007; e a Lei nº 18.251, de 17 de janeiro de 2008.

O intuito do legislador uruguaio na criação destas leis foi claro: am-pliar a proteção do trabalhador no que tange à responsabilidade trabalhis-ta, estabelecendo como regra a responsabilidade solidária entre empresa usuária e o fornecedor, intermediário ou subcontratante de mão de obra. Nas palavras de Jorge Rosenbaum e Alejandro Castello29:

A norma legal regula os processos de subcontratação, intermediações e fornecimento de mão de obra, estabelecendo, como elemento central ou

28 “Art. 25. Serán considerados como representantes del empleador y, en tal concepto, obligan a éste en sus relaciones con los demás trabajadores: a) los directores, gerentes, administradores, capitanes de barco y, en general, las personas que ejerzan funciones de dirección o administración, con el asentimiento del empleador; y b) los intermediarios. Se entiende por intermediarios las personas que contratan los servicios de otra u otras para ejecutar trabajos en beneficio de un empleador, aun cuando aparezcan como empresarios independientes organizando los servicios de determinados trabajadores para realizar trabajos en los cuales utilicen locales, equipos, materiales u otros elementos de un empleador para beneficio de éste y en actividades ordinarias inherentes o conexas del mismo. Todo intermediario debe declarar su calidad y el nombre del empleador por cuenta de quien actúa, al celebrar contratos de trabajo. En caso contrario, responde solidariamente con el empleador de las obligaciones legales y contractuales pertinentes.”

29 ROSENBAUM, Jorge; CASTELLO, Alejandro. Subcontratación e intermediación laboral: estudio de las Leyes nºs 18.099 y 18.251. 2. ed. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 2008. p. 26: “La norma legal regula los procesos de subcontratación, intermediaciones y suministro de mano de obra, estableciendo, como elemento central o medular, un amplio régimen de responsabilidad laboral solidaria para toda empresa privada, organismo público o entidad paraestatal que utilice subcontratistas, intermediarios y suministradores de mano de obra”.

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modular, um amplo regime de responsabilidade laboral solidária para toda empresa privada, organismo público ou entidade paraestatal que utilize subcontratistas, intermediários e fornecedores de mão de obra.

Desta forma, a regra estabelecida pela Lei nº 18.099, em seu art. 1º30, é a responsabilização solidária entre o tomador de serviços e o intermediá-rio, não importando a licitude da terceirização:

Art. 1º Todo patrão ou empresário que utilize subcontratistas, intermediários ou fornecedores de mão de obra, será responsável solidário das obrigações laborais destes frente aos trabalhadores contratados, assim como do paga-mento das contribuições ao seguro social aos entes provisionais que corres-pondam, de antes do acidente de trabalho e enfermidade profissional e das sanções e recuperações que se acresçam ao Banco de Seguros do Estado em relação a esses trabalhadores. (nossa tradução)

Esta realidade legislativa gerou um movimento do empresariado uru-guaio, preocupado com a repercussão financeira deste regramento, bem como com a falta de balisamento utilizada na legislação para estabelecer os limites do que se entenderia por terceirização e pela insegurança da uti-lização indiscriminada da responsabilidade solidária, inclusive para as em-presas seguidoras de suas obrigações, as quais figuram como verdadeiras fiadoras da responsabilidade trabalhista dos trabalhadores terceirizados.

Atendendo ao reclame empresarial, foi promulgada a Lei nº 18.251, em 17 de janeiro de 2008, trazendo como pontos principais a delimitação conceitual de terceirização por meio das categorias subcontratação, inter-mediação laboral e fornecimento de mão de obra, bem como estabelecendo a limitação da responsabilidade solidária por meio do que se denominou de Direito de Informação.

Assim, segundo a Lei nº 18.251, para haver terceirização é necessá-ria a existência de uma relação triangular formada pela empresa usuária, pelo intermediário, subcontratante ou fornecedor de mão de obra e pelo trabalhador formalmente ligado a empresa intermediária, mas que presta seu trabalho a empresa usuária. Desta forma, a legislação uruguaia define a subcontratação como a descentralização de parte das operações da empre-sa, há uma delegação parcial do ciclo produtivo. De outro lado, a interme-diação de mão de obra se dá quando uma empresa contrata trabalhadores

30 “Art. 1º Todo patrono o empresario que utilice subcontratistas, intermediarios o suministradores de mano de obra, será responsable solidario de las obligaciones laborales de éstos hacia los trabajadores contratados, así como del pago de las contribuciones a la seguridad social a la entidad provisional que corresponda, de la prima de accidente de trabajo y enfermedad profesional y de las sanciones y recuperos que se adeuden al Banco de Seguros del Estado en relación a esos trabajadores.”

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para prestar serviços em outra empresa, sendo o fornecimento de mão de obra espécie de intermediação caracterizada pela profissionalização da em-presa fornecedora.

De outro lado, a Lei nº 18.021 limitou a responsabilidade solidária, estabelecendo, em seu art. 4º, o Direito de Informação31. Ainda, em seu art. 6º, a Lei nº 18.021 estabelece que o empresário que exercer o Direito de Informação será responsabilizado de forma subsidiária, ou seja, a regra geral em matéria de responsabilização trabalhista na terceirização uruguaia é a responsabilidade solidária, contudo, ao empresário que exigir do intermedi-ário a exibição de documentação do cumprimento de suas responsabilida-des trabalhistas, administrativas e fiscais, com habitualidade, será aplicada a responsabilidade subsidiária.

Assim, em que pese o Uruguai possuir legislação em matéria de ter-ceirização, ao contrário do que acontece no Brasil, trazendo maior segu-rança jurídica a esta realidade empresarial, certo é que o modelo adotado desencoraja sua utilização, ampliando a responsabilidade do empresário usuário da mão de obra, por consequência dificultando o investimento e o desenvolvimento empresarial no país.

A legislação uruguaia, portanto, por meio da Lei nº 18.25132, traz o conceito de três espécies de terceirização: a subcontratação, a intermedia-ção laboral e o fornecimento de mão de obra:

Subcontratista: existe subcontratação quando um empregador, em ra-zão de um acordo contratual, encarrega-se de executar obras ou serviços, por conta e risco e com trabalhadores sob sua dependência, para uma ter-ceira pessoa física ou jurídica, denominada patrão ou empresa principal,

31 “Art. 4º (Información sobre el cumplimiento de las obligaciones laborales y de seguridad social). Todo patrono o empresario que utilice subcontratistas, intermediarios o suministradores de mano de obra tiene derecho a ser informado por éstos sobre el monto y el estado de cumplimiento de las obligaciones laborales, previsionales, así como las correspondientes a la protección de la contingencia de accidentes de trabajo y enfermedades profesionales que a éstos correspondan respecto de sus trabajadores.”

32 “(Subcontratista). Existe subcontratación cuando un empleador, en razón de un acuerdo contractual, se encarga de ejecutar obras o servicios, por su cuenta y riesgo y con trabajadores bajo su dependencia, para una tercera persona física o jurídica, denominada patrono o empresa principal, cuando dichas obras o servicios se encuentren integrados en la organización de éstos o cuando formen parte de la actividad normal o propia del establecimiento, principal o asesoría (mantenimiento, limpieza, seguridad o vigilancia), ya sea que se cumplan dentro o fuera del mismo.

(Intermediario). Intermediario es el empresario que contrata o interviene en la contratación de trabajadores para que presten servicios a un tercero. No entrega directamente los servicios u obras al público, sino a otro patrono o empresario principal.

(Empresa suministradora de mano de obra). Agencia de empleo privada o empresa suministradora de mano de obra es la que presta servicios consistentes en emplear trabajadores con el fin de ponerlos a disposición de una tercera persona física o jurídica (empresa usuaria), que determine sus tareas y supervise su ejecución.”

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quando referidas obras ou serviços se encontrem integrados na organização destes ou quando formem parte da atividade normal ou própria do esta-belecimento, principal ou acessório (manutenção, limpeza, segurança ou vigilância), independentemente que se cumpram dentro ou fora do mesmo.

Intermediário: é o empresário que contrata ou intervém na contrata-ção de trabalhadores para que prestem serviços a um terceiro. Não entrega diretamente os serviços a um terceiro. Não entrega diretamente os serviços ou obras ao público, senão a outro empregador ou empresário principal.

Agência de emprego privada ou empresa fornecedora de mão de obra: é a que presta serviços consistentes em empregar trabalhadores com o fim de colocá-los a disposição de uma terceira pessoa física ou jurídica (empresa usuária), que determine suas tarefas e supervisione sua execução.

7 dIreIto veNezuelaNo: leI orgÂNIca do trabalHo, doS trabalHadoreS e daS trabalHadoraS (lott)

7.1 A proibição Como prinCípio

Um dos últimos atos de Hugo Chávez na presidência venezuelana foi a consolidação e implantação da Ley Orgánica del Trabajo, los Traba-jadores y las Trabajadoras (LOTT) – Decreto nº 8.938; diploma editado em 30 de abril de 2012 em substituição à anterior Ley Orgánica del Trabajo, datada de 1997.

Atendendo aos princípios do governo revolucionário bolivariano, apresentados no intróito da lei como a “construção do socialismo e o en-grandecimento do país, baseado em princípios humanistas e nas condições morais e éticas bolivarianas”, a LOTT pode ser considerada como um dos regramentos mais restritivos e protetivos do mundo, já que garante condi-ções extremamente favoráveis e de pouca – ou nenhuma – flexibilidade quando trata de direitos trabalhistas.

A LOTT, tal qual as duas edições da Ley Orgánica del Trabajo (1991 e 1997), é apresentada em sua exposição de motivos33 como resultado da luta popular e consequência das contradições surgidas com a instauração do modelo neoliberal, que, na Venezuela, viveu seu momento de maior intensidade em 1989.

33 Venezuela, Exposición de Motivos, Ley del Trabajo. Disponível em: <http://www.lottt.gob.ve/ley-del-trabajo/exposicion-motivos/>. Acesso em: 9 nov. 2015.

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A onda privatista de então, entre outras medidas econômicas de gran-de impacto social, impulsionou uma série de lutas sociais que levaram ao reordenamento de uma série de regramentos dispersos, remodelando o con-trato social existente. A lei atenderia ao objetivo central, para qual o povo, em 1999, outorgou o poder constituinte originário para transformar o Estado e criar um novo ordenamento jurídico que permita o funcionamento efetivo de uma democracia social e participativa.

A Constituição da República Bolivariana da Venezuela é tida como um salto qualitativo de enorme importância na concepção doutrinária do Direito do Trabalho, a partir do reconhecimento do trabalho, tal qual a edu-cação, como processos fundamentais para alcançar os fins sociais do Estado (CRBV, art. 3º)34 e atender à “doutrina social do libertador”, Simón Bolívar.

Nesta esteira, no Título I da Exposição de Motivos – Normas e Princí-pios Constitucionais, a LOTT “proíbe expressamente a terceirização35, e, em geral, toda simulação ou fraude cometida pelo patronato com o propósito de desvirtuar, desconhecer ou obstaculizar a aplicação da legislação labo-ral, estabelecendo a primazia da realidade nas relações de trabalho”.

O Título II – Das relações de trabalho expõe regras rígidas para se acordar um contrato por prazo determinado, presumindo a fraude nesta mo-dalidade de contratação quando este não se justificar pela lei.

Em fiel cumprimento a estes princípios, o art. 47 da LOTT enten-de terceirização como fraude, cometida pelo empregador ou empregadora com o propósito de desvirtuar, desconhecer ou obstaculizar a aplicação da legislação laboral. O mesmo dispositivo define competência aos órgãos administrativos ou judiciais de abrangência laboral para estabelecer respon-sabilidade patronal em caso de simulação ou fraude laboral.

Reiterando a proibição, o art. 48 esclarece não serem permitidas:

34 “Art. 3º El Estado tiene como fines esenciales la defensa y el desarrollo de la persona y el respeto a su dignidad, el ejercicio democrático de la voluntad popular, la construcción de una sociedad justa y amante de la paz, la promoción de la prosperidad y bienestar del pueblo y la garantía del cumplimiento de los principios, derechos y deberes reconocidos y consagrados en esta Constitución. La educación y el trabajo son los procesos fundamentales para alcanzar dichos fines.” “Art. 3º O Estado tem como fins essenciais a defesa e o desenvolvimento da pessoa e o respeito a sua dignidade, o exercício democrático da vontade popular, a construção de uma sociedade justa e amante da paz, a promoção da prosperidade e o bem-estar do povo e a garantia do cumprimento dos princípios, direitos e deveres reconhecidos e consagrados nesta Constituição. A educação e o trabalho são os processos fundamentais para alcançar referidos fins.” (nossa tradução)

35 “Se prohíbe expresamente la tercerización, y en general toda simulación o fraude cometido por patronos o patronas, con el propósito de desvirtuar, desconocer u obstaculizar la aplicación de la legislación laboral, y en general se establece la primacía de la realidad en la relación laboral.”

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1. a contratação de entidade de trabalho para executar obras, ser-viços ou atividades que sejam de caráter permanente dentro das instalações da entidade de trabalho contratante, relacionadas de maneira direta com o processo produtivo da contratante e sem cuja execução se afetariam ou interromperiam suas operações;

2. a contratação de trabalhadores ou trabalhadores através de inter-mediários ou intermediárias, para evadir das obrigações deriva-das da relação laboral do contratante;

3. entidades de trabalho criadas pelo patronato para evadir as obri-gações com trabalhadores e trabalhadoras;

4. contratos e convênios fraudulentos destinados a simular a rela-ção laboral, mediante a utilização de formas jurídicas próprias do direito civil ou mercantil;

5. qualquer outra forma de simulação ou fraude laboral.

Estabelece-se, por fim, espécie de regra de transição para casos an-teriores à vigência da lei, determinando aos empregadores que cumpram com trabalhadores e trabalhadoras todas as obrigações derivadas da relação laboral em conformidade com a LOTT, incorporando os trabalhadores e trabalhadoras terceirizados que gozarão de inamovibilidade laboral até a conclusão do processo.

Para efetivação da incorporação, a LOTT estabeleceu, em suas dis-posições transitórias, já como cláusula primeira36, um lapso de três anos da promulgação da lei, até 7 de maio de 2015.

7.2 A AlternAtivA dos ContrAtistAs

Como única alternativa à execução de trabalho por terceiro, a LOTT estabelece, em seu art. 49, a figura dos contratistas, definidos como pes-

36 “Primera. En un lapso no mayor de tres años a partir de la promulgación de ésta Ley, los patronos y patronas incursos en la norma que prohíbe la tercerización, se ajustarán a ella, y se incorporarán a la nómina de la entidad de trabajo contratante principal los trabajadores y trabajadoras tercerizados. Durante dicho lapso y hasta tanto sean incorporados efectivamente a la nómina de la entidad de trabajo contratante principal, los trabajadores y trabajadoras objeto de tercerización gozarán de inamovilidad laboral, y disfrutarán de los mismos beneficios y condiciones de trabajo que correspondan a los trabajadores y trabajadoras contratados directamente por el patrono o patrona beneficiario de sus servicios.” “Primeira. Em um lapso não maior de três anos a partir da promulgação desta Lei, os patrões e empregadoras incursos na norma que proíbe a terceirização, ajustar-se-ão a ela, e se incorporarão da denominada entidade de trabalho contratante principal os trabalhadores e trabalhadoras terceirizados. Durante referido lapso e até serem incorporados efetivamente à nomina da entidade de trabalho contratante principal, os trabalhadores e trabalhadoras objeto de terceirização gozarão de inamobilidade laboral, e disfrutarão dos mesmos benefícios e condições de trabalho que correspondam aos trabalhadores e trabalhadoras contratados diretamente pelo empregador ou empregadora beneficiário de seus serviços.” (nossa tradução)

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soas naturais ou jurídicas que mediante contrato se encarregam de executar obras ou serviços com seus próprios elementos e recursos próprios, com trabalhadores e trabalhadores sob sua dependência. Neste mesmo artigo, a lei exclui esta hipótese como terceirização ou intermediação, definindo no Direito venezuelano expressamente os condicionantes para a não caracte-rização de fraude.

O artigo subsequente, 50, versa sobre responsabilidade, definindo a solidariedade do entre contratista e beneficiário quando o serviço é inerente ou conexo, ou seja, quando a atividade é de mesma natureza ou possui, nos termos da lei, relação íntima com a atividade do beneficiário.

A responsabilidade do executor da obra e do beneficiário dos serviços se estende aos trabalhadores contratados por subcontratistas, mesmo que o contratista não esteja autorizado a subcontratar. Os trabalhadores e traba-lhadoras gozarão dos mesmos direitos que correspondam aos trabalhadores empregados na obra ou serviço.

A inerência ou a conexão se presume quando o contratista realiza obras ou serviços para uma entidade de trabalho em volume que se consti-tua sua maior fonte de lucro.

Por fim, a lei estabelece que a fugira do contratista é desconstituída quando se verificar que sua contratação serve ao propósito de simular a re-lação laboral e fraudar a lei, considerando-se assim a figura da terceirização e reconhecendo o contrato como irregular, na forma já tratada em tópico específico.

coNSIderaçÕeS fINaIS

Pela análise da normativa existente, vislumbra-se um panorama de grande insegurança jurídica na terceirização de serviços no mundo, não sendo diferente no Brasil, justificado pelo frágil embasamento ao qual po-dem se socorrer os empresários na defesa desta modalidade de contratos.

A importância em regulamentar o tema é bastante grande e tem sido reconhecida pela maioria dos países, inclusive pela OIT. A última conven-ção sobre o tema, de número 181, ainda não teve a adesão de muitos Esta-dos Membros, mas representa um avanço significativo, na medida em que reconhece a existência e importância das agências privadas de intermedia-ção e se preocupa em assegurar garantias aos trabalhadores que nelas se inserem.

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Regulamentar estas situações de fato, que representam uma realidade no mundo contemporâneo, é essencial. Negar a existência destas agências só traz prejuízo aos trabalhadores que encontram nelas o seu meio de sub-sistência.

Na análise comparativa dos regramentos de diferentes Estados Partes do Mercosul, foi possível perceber uma certa uniformidade, mas com sensí-veis e importantes diferenças.

O modelo legal adotado no sistema uruguaio estabelece uma amplia-ção da responsabilidade trabalhista na terceirização ao adotar como regra a responsabilidade solidária, o que assegura maior segurança jurídica e pro-teção ao empregado, contudo gera dificuldades à atividade empresarial e afasta o investimento privado naquele país.

O sistema jurídico argentino traz uma série de regras sobre terceiriza-ção e situações análogas, inclusive impondo a responsabilização solidária em situações de fraude e de má-fé.

Na Venezuela, existe recente legislação impondo a proibição de ter-ceirização, sendo um dos últimos atos do então Presidente Hugo Chávez, antes de falecer.

No Brasil, impera a insegurança jurídica, na medida em que a maior fonte de direito a balizar as condutas dos empregadores é a jurisprudên-cia, suscetível à mudança constante de entendimento. Agrava-se a ques-tão quando esta jurisprudência é fundada em conceitos também sujeitos à interpretação e delimitação complexa, tais quais são a atividade-meio e a atividade-fim.

É mais do que necessária a adoção de novo marco regulatório. O Projeto de Lei nº 30/2015 pode ser uma boa alternativa a ser debatida com a sociedade. Não se podem, contudo, manter o empresariado brasileiro nave-gando na nau da incerteza, sobretudo considerando o volume de utilização do trabalho terceirizado e a importância que a terceirização de serviços especializados tem na produção de bens e serviços e, por conseguinte, no fomento da atividade econômica nacional.

Assim, a regulamentação da terceirização no Brasil e, por consequên-cia, a mitigação da insegurança jurídica que envolve o tema é medida de urgência atrelada substancialmente ao desenvolvimento econômico e social brasileiro.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Notas Críticas sobre Terceirização

CLÁuDIO ARmAnDO COuCE DE mEnEZESDesembargador no TRT da 17ª Região, Convocado junto ao Tribunal Superior do Trabalho (2014/2015) Ato TST GP nº 194/2014, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Univer-sidade Católica de São Paulo/SP, Doutorando em Direitos Fundamentais pela Universidade de Castilha, La Mancha, Doutorando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP.

A exponencial competitividade dos mercados, fruto da globalização e da evolução tecnológica, incrementou novas formas de prestação de ser-viços, visando à redução dos custos empresariais.

Nessa vertente capitalista, a persecução dos fins econômicos empre-sariais trilhou o caminho da intermediação de mão de obra, forma de con-tratação em que os empregados são contratados por empresa interposta para contribuir com o propósito empresarial da tomadora dos serviços, em uma assentada precarização do trabalho e sério comprometimento dos direitos trabalhistas.

Com efeito, o processo de terceirização, em apertada síntese, signi-fica a transferência de determinadas atividades do empreendimento eco-nômico para empresas especializadas que poderão desempenhá-las a um custo menor para a empresa contratante.

Em verdade, na terceirização, o trabalhador é colocado em segundo plano, um terceiro sem importância, mero instrumento ou modo pelo qual a empresa prestadora de serviços se desincumbe de sua prestação obrigacio-nal para com a empresa tomadora de serviços.

Não é por outra razão que vozes de vários segmentos da sociedade evidenciam os malefícios da terceirização.

Para Ruy Braga, Professor da Universidade de São Paulo (USP), es-pecializado em sociologia do trabalho, as tendências atuais relativas a re-formas na legislação do trabalho importarão em considerável aumento do número de trabalhadores terceirizados, que, segundo a sua análise, em 4 anos, passarão dos atuais 12 milhões para cerca de 30 milhões, sendo que as condições de trabalho oferecidas ao terceirizado são infinitamente menos vantajosas. O professor destaca, por exemplo, que o trabalhador terceiri-zado trabalha, em média, três horas a mais e traça um panorama bastante desanimador para o futuro:

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[Com a terceirização] O desemprego aumenta. Basta dizer que um traba-lhador terceirizado trabalha em média três horas a mais. Isso significa que menos funcionários são necessários: deve haver redução nas contratações e prováveis demissões.

[...]

Hoje o mercado formal de trabalho tem 50 milhões de pessoas com carteira assinada. Dessas, 12 milhões são terceirizadas. Se o projeto for transformado em lei, esse número deve chegar a 30 milhões em quatro ou cinco anos. Estou descontando dessa conta a massa de trabalhadores no serviço público, cuja terceirização é menor, as categorias que de fato obtêm representação sindical forte, que podem minimizar os efeitos da terceirização, e os traba-lhadores qualificados.

[...]

O mercado de trabalho no Brasil se especializou em mão de obra semiqua-lificada, que paga até 1,5 salário-mínimo. Quando as empresas terceirizam, elas começam por esses funcionários. Quando for permitido à companhia terceirizar todas as suas atividades, quem for pouco qualificado mudará de status profissional.

[...]

Portugal é um exemplo típico. O Banco de Portugal publicou no final de 2014 um estudo informando que, de cada dez postos criados após a flexibi-lização, seis eram voltados para estagiários ou trabalho precário. O resultado é um aumento exponencial de portugueses imigrando. Ao contrário do que dizem as empresas, essa medida fecha postos, diminui a remuneração, preju-dica a sindicalização de trabalhadores, bloqueia o acesso a direitos trabalhis-tas e aumenta o número de mortes e acidentes no trabalho porque a rigidez da fiscalização também é menor por empresas subcontratadas.

[...]

[Só há ganhos para] as empresas. Não há outro beneficiário. Elas diminuem encargos e aumentam seus lucros.

[...]

No Brasil, o trabalhador terceirizado recebe 30% menos do que aquele dire-tamente contratado. Com o avanço das terceirizações, o Estado naturalmente arrecadará menos. O recolhimento de PIS, Cofins e do FGTS também vão reduzir porque as terceirizadas são reconhecidas por recolher do trabalhador mas não repassar para a União. O Estado também terá mais dificuldade em fiscalizar a quantidade de empresas que passará a subcontratar empregados. O governo sabe disso.

[...]

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[Há um aumento na rotatividade dos trabalhadores porque] As empresas contratam jovens, aproveitam a motivação inicial e aos poucos aumentam as exigências. Quando a rotina derruba a produtividade, esses funcionários são demitidos e outros são contratados. Essa prática pressiona a massa salarial porque a cada demissão alguém é contratado por um salário menor. A rotati-vidade vem aumentando ano após ano. Hoje, ela está em torno de 57%, mas alcança 76% no setor de serviços [...].

[...]

Nos últimos 12 anos, o público que entrou no mercado de trabalho é com-posto por: mulheres (63%), não brancos (70%) e jovens. Houve um avanço de contratados com idade entre 18 e 25 anos. Serão esses os maiores afeta-dos. Embora os últimos anos tenham sido um período de inclusão, a estrutura econômica e social brasileira não exige qualificações raras [...].

[...]

Quem é terceirizado, além de receber menos, tem dificuldade em se orga-nizar sindicalmente porque 98% dos sindicatos que representam essa clas-se protegem as empresas em prejuízo dos trabalhadores. Um simples dado exemplifica: segundo o Ministério Público do Trabalho, das 36 principais libertações de trabalhadores em situação análoga à de escravos em 2014, 35 eram funcionários terceirizados. (Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceirizacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o--golpe-de-64-2867.html>)

O Ministro Miguel Rosseto, da Secretaria-Geral da Presidência, teceu críticas à terceirização ampla, geral e irrestrita e declara que ela precariza as relações de trabalho, reduz os salários e os fundos de Seguridade Social.

O jornalista Bernardo Mello Franco, correspondente do Jornal Folha de S.Paulo em Londres, comunga do mesmo pensamento, asseverando que:

[...] A terceirização pode elevar a produtividade de alguns setores, mas exer-cerá forte pressão para reduzir direitos e salários.

Os trabalhadores, que já sofrem os efeitos da crise, deverão ser ainda mais sacrificados. (Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/bernardomellofranco/2015/04/1614146-capital-sobe-trabalho-desce.shtml>)

Importante lembrar que, em 23 de agosto de 2013, dezenove Minis-tros desta col. Corte enviaram manifesto ao então Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e da Cidadania da Câmara, demonstrando preo-cupação com as tendências do mercado de trabalho atual, relativamente ao uso imoderado da terceirização.

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Na ocasião, inclusive, em debate perante a Câmara dos Deputados, acerca de tal relativização extremista dos direitos trabalhistas por meio da terceirização, o Ministro Alexandre Agra Belmonte deixou claro o repúdio majoritário desta Corte aos cruéis efeitos da intermediação ilícita de mão de obra.

Com efeito, a terceirização de forma desenfreada, como vem sendo praticada atualmente, representa um dos piores e maiores golpes contra os trabalhadores brasileiros, selando a face do capitalismo selvagem na econo-mia e nas relações entre patrões e empregados. As mudanças na legislação trabalhista, contudo, não podem ocorrer de forma temerária, de modo a afetar negativamente a classe trabalhadora.

Não se pode admitir que a terceirização dos serviços tenha lugar nas atividades finalísticas das empresas, entendidas estas como aquelas ativida-des que dizem respeito ao desiderato social perseguido pela empresa e a que converge toda a sua estrutura econômica e organizacional.

Isto porque os malefícios de tal permissão são certos e evidentes: pre-carização das relações empregatícias (inclusive com o recrudescimento de trabalho em condições análogas à de escravo), menores salários, menos benefícios, mais trabalho, maiores jornadas, diluição da ideia de classe/ca-tegoria e da ideia de representação sindical.

E é por esta razão que a terceirização vem recebendo duras críticas de diversos setores da sociedade, mormente daqueles maiores interessados, das Centrais Sindicais e da massa trabalhadora.

Cumpre registrar que, no dia 15 de abril do corrente ano, ocorreu paralisação geral com adesão maciça de trabalhadores em 18 Estados do País, no intuito de manifestar o inconformismo popular com a situação dos trabalhadores terceirizados e com o uso desmedido deste instituto por parte das grandes empresas (disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/po-litica/atos-contra-a-terceirizacao-8136.html>).

A jornalista Lilian Primi, em artigo publicado na Revista Caros Amigos nº 218/2015 (fls. 29/32) sobre o avanço da terceirização e a ameaça que representa aos trabalhadores, inicia a sua matéria com o depoimento do Juiz do Trabalho Guilherme Guimarães Feliciano, Presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), que destaca ser um ataque do capital, que busca o retorno às condições laborais do início do século passado, representando um grande aumento da insegurança nas rela-ções de trabalho, além de um imenso retrocesso social e jurídico.

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Em sua análise, a referida jornalista expõe os perigos da terceirização, apoiando-se em sólida análise de dados, estudos e testemunhos:

Existem hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF), 21 mil ações trabalhistas envolvendo terceirizados. Esse número apareceu em um levantamento da CUT sobre o tema, que também relacionou as categorias em que esse tipo de contratação está bastante avançada no Brasil e as consequências dessa situação para trabalhadores. “Essas 21 mil ações cobram principalmente o pagamento de verbas rescisórias e são apenas as que chegam até o STF. Mi-lhares não chegam sequer à primeira instância, inclusive porque boa parte das empresas sumiram”, conta Graça Costa, da CUT Nacional. O estudo da CUT, feito em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), reúne dados de 2013 e mostra que de cada dez acidentes ocorridos durante o trabalho, oito envolveram terceiriza-dos; e de cada cincos trabalhadores que morreram em acidentes durante o expediente, quatro eram terceirizados.

[...]

Graça relaciona ainda outros três pontos críticos nestes contratos: dos dez maiores flagrantes de empresas com trabalho similar ao de escravo naquele ano, oito eram terceirizados. “Foram libertados do que 3,5 mil trabalhadores escravizados, sendo que 3 mil eram terceirizados”, conta Graça [...].

[...]

Nessa rotina, acontece de muitos terceirizados ficarem eternamente sem fé-rias. “São casos em que o contrato é renovado anualmente. Ele é desligado assim que completa um ano, sendo recontratado por outra empresa em se-guida. Como é um contrato novo, recomeça a contagem para as férias do zero”, explica Emanuel.

[...]

Emanuel diz que uma nova modalidade de contrato de terceirizados tem ganhado espaço no parque da Petrobras, ainda mais radical, em que uma empresa é contratada para cuidar de tudo na unidade. “Está sendo usado no ARM Rio o armazém do pré-sal instalado em Duque de Caxias. O vencedor da licitação se responsabiliza por tudo, transporte, telefonia, alimentação, limpeza, segurança e administração geral. Isso está acontecendo no Brasil todo. O problema é que aumenta a precariedade”, conta Emanuel.

Mesmo nas empresas que são contratadas para uma atividade exclusiva, na maioria dos casos, segundo Emanuel, elas não passam de uma pessoa numa sala com um computador. “Elas só contratam depois de assinar o contrato. Por isso muitas absorvem a mão de obra que já trabalha no local. No caso da ARM Rio, a terceirizada sequer tem uma especialização”, diz o sindicalis-ta. Essas empresas são, na verdade, uma formalização do velho “gato”, que

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durante os anos de 1960 e 1970 tocaram o terror nas plantações de cana, contratando mão de obra supervisionando a colheita. “Não há nada espe-cífico na lei brasileira atualmente em vigor, mas presume-se que a empresa a ser contratada tenha idoneidade financeira. Se ela vai prestar um serviço, mas não tem um quadro de funcionários, certamente não é idônea”, explica o Juiz do Trabalho Guilherme Guimarães. Mas, na prática, é como se fosse perfeitamente legal, segundo o sindicalista.

Para José Dari Krein, pesquisador do Centro de Estudo Sindicais e de Econo-mia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp), a terceirização faz parte de um grupo de medidas que alteraram a organização do trabalho, adotadas pela indústria de todo o mundo, e uma característica do capitalismo contemporâneo. “É, na verdade, uma forma de aumentar o controle do capital sobre o trabalho”, explica. Com a organização de células de produção norteadas pelo estabelecimento de metas e com pagamento e bônus – os conhecidos PLRs –, os gestores passaram a controlar o compor-tamento do funcionário dentro da fábrica e, com a terceirização, segundo o Professor Dari, recuperaram o controle quase total tanto do valor pago pela mão de obra quanto das jornadas de trabalho, independente do quanto a categoria esteja organizada. “A terceirização, associada à legislação que regula o movimento sindical, esvazia a representatividade de classe. Os ter-ceirizados não são, na maioria das vezes, representados pelo sindicato da categoria principal”, explica. Reunidos em um sindicato menor e ameaçados pelo desemprego, os trabalhadores em geral cedem.

O pesquisador destrói os argumentos utilizados pela Confederação Nacional da Industria (CNI) para defender a terceirização, começando pela possibili-dade de estruturar o mercado por meio da regularização de uma situação de fato. Dari afirma que o Brasil tem 44% de informalidade. “São pessoas inseri-das sem proteção e de forma precária no mundo do trabalho. Além disso, há alta competitividade aqui e os salários já são muito baixos se comparados ao resto do mundo. Não vejo como contratos precários podem estruturar esse cenário”, diz.

Para dar um exemplo, o pesquisador cita os dados do Relatório Global dos Salários da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativos ao início da segunda década dos anos 2000. “Mesmo depois da elevação do seu valor real, o salário-mínimo brasileiro tinha a metade do poder de compra (em dó-lar) do salário-mínimo paraguaio, 40% do venezuelano, 31% do argentino, 1/3 do espanhol e apenas 22% do norte-americano”, conta. Segundo dados de 2012 do Bureau of Labor Statistics do EUA, o custo horário da mão de obra na manufatura brasileira em dólar era 24,5% do custo na manufatu-ra alemã, 31,5% da norte-americana, 59,6% da argentina, 57,7% da grega, 54,1% da Coréia e igual a da manufatura eslovaca.

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Outra tese derrubada é da falta de flexibilidade das leis trabalhista, o que seria corrigido com a terceirização. “Na realidade é muito flexível. Se não fosse, a taxa de rotatividade não seria tão alta”, argumenta. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de rotatividade brasileira é mais de 64%. A mesma base de dados mostra que do volume total de dispensas de contratados pela CLT, dois terços ocorrem com traba-lhadores com menos de um ano de emprego e um terço com menos de três meses, portanto, uma demissão sem custos”. A grande maioria tem renda em torno de um salário-mínimo, portanto, fica muito barato mesmo quando há pagamento das obrigações legais. Com menos de um ano, o custo de demis-são fica pouco acima do valor de um mês de salário do demitido”, garante o pesquisador, derrubando o argumento de que é muito caro demitir no Brasil.

Como se observa, portanto, trata-se de tema espinhoso, que movi-menta todos os pilares principiológicos em que está assentado o direito do trabalho neste país, e que preocupa não só os trabalhadores, mas todas as instituições e organizações voltadas à proteção das relações empregatícias, ante a grave ameaça que representa aos direitos e conquistas laborais.

Nesta senda, merecem ser lembradas as palavras de D. Odilo P. Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, que, em recente artigo pu-blicado na Revista LTr (v. 78, n. 12, dez. 2014), leciona:

O trabalho tem uma prioridade intrínseca em relação ao capital: “Este prin-cípio diz respeito diretamente ao próprio processo de produção, relativa-mente ao qual o trabalho é sempre uma causa eficiente primária, enquanto o ‘capital’, sendo o conjunto dos meios de produção, permanece apenas um instrumento, ou causa instrumental. Este princípio é uma verdade evidente, que resulta toda a experiência histórica do homem” (LE 12). Ele “pertence ao patrimônio estável da doutrina da Igreja” (LE 12).

Entre capital e trabalho deve haver complementaridade: é a mesma lógica intrínseca ao processo produtivo a mostrar a necessidade da sua recíproca compenetração e a urgência de dar vida a sistemas econômicos nos quais a antinomia entre trabalho e capital seja superada (LE 13). Em tempos nos quais, no interior de um sistema econômico menos complexo, o “capital” e o “trabalho assalariado” identificavam com uma certa precisão não só dois fatores produtivos, mas também e sobretudo duas concretas classes sociais, a Igreja afirmava que ambos são em si legítimos (Quadragesimo anno, Pio XI, 1931 = QA): “de nada vale o capital sem o trabalho, nem o trabalho sem o capital” (RN). Trata-se de uma verdade que vale também para presente, por-que “é inteiramente falso atribuir ou só ao capital ou só ao trabalho o produto do concurso de ambos; e é deveras injusto que um deles, negando a eficácia do outro, se arrogue a si todos os frutos” (QA).

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[...]

Atualmente, a conflituosidade dessa relação apresenta aspectos novos e, tal-vez, mais preocupantes: os progressos científicos e tecnológicos e a mundia-lização dos mercados, de per si fonte de desenvolvimento e de progresso, expõem os trabalhadores ao risco de serem explorados pelas engrenagens da economia e pela busca desenfreada de produtividade (cf. Discurso de João Paulo II à Pontifícia Academia das Ciências Sociais, 06.03.1999).

[...]

Os meios de produção não podem ser possuídos contra o trabalho, como não podem ser possuídos apenas para possuir e acumular (cf. LE 14). A sua posse passa a ser ilegítima quando a propriedade “não é valorizada, ou serve para impedir o trabalho dos outros, para obter um ganho que não provém da expansão global do trabalho humano e da riqueza social, mas antes da sua repressão, da ilícita exploração, da especulação, e da ruptura da solidarieda-de no mundo do trabalho (CA 43).

[...]

Os novos saberes e tecnologias, graças à sua enorme potencialidade, podem dar uma contribuição decisiva à promoção do progresso social; mas também podem se converter em causa de desemprego e de ampliação da distância entre áreas desenvolvidas e subdesenvolvidas, se permanecerem concentra-dos nos países mais ricos ou nas mãos de grupos restritos de poder.

[...]

Os desequilíbrios econômicos e sociais existentes no mundo do trabalho devem ser enfrentados restabelecendo a justa hierarquia dos valores e pondo em primeiro lugar a dignidade da pessoa que trabalha: “As novas realidades, que acometem com vigor o processo produtivo como a globalização das finanças, da economia, do comércio e do trabalho, jamais devem violar a dignidade e a centralidade da pessoa humana, nem a liberdade e a democra-cia dos povos. [...] (João Paulo II, 01.05.2000)”.

Com efeito, a flexibilização dos direitos trabalhistas por meio da auto-rização de uma terceirização ampla, geral e irrestrita, é nefasta e despropo-sitada, simplesmente porque põe em grave risco os direitos trabalhistas (que historicamente vem sendo conquistados a duras penas) em nome apenas do lucro, do capital, dos interesses econômicos de grandes empresas.

A legislação brasileira consagrou a possibilidade de terceirização dos serviços de vigilância (Lei nº 7.102/1983). A contratação de trabalhador temporário, por empresa interposta, também é tolerada, na forma e nos li-mites da Lei nº 6.019/1974.

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Além disso, a jurisprudência trabalhista, com o advento da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, passou a admitir a contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta (Súmula nº 331, III, do TST).

Mas, como se observa, o espaço concedido ao fenômeno da tercei-rização não é absoluto, restringindo-se, por construção jurisprudencial, tão somente à atividade-meio da empresa, isto é, por assim dizer, aquele servi-ço que não faz parte do processo necessário à realização do produto final do empreendimento; o que não ocorre no caso em que a atividade-fim da tomadora de serviços for terceirizada.

Quando ocorre na atividade-fim, em área útil ou necessária ao aten-dimento das finalidades empresariais, a terceirização configura manifesta fraude à legislação trabalhista e séria afronta a todo o arcabouço protecio-nista do direito do trabalho, ensejando a nulidade do contrato civil ou co-mercial, assim rotulado com o fim de fugir do cumprimento das obrigações trabalhistas.

Reforço! Não se trata apenas de ilegalidade pura e direta, mas tam-bém de fraude à lei!

Pontes de Miranda explica a diferença, ao atestar que

a violação da lei cogente ainda pode ter importância nulificante quando se trate de fraude à lei, que se dá pelo uso de outra categoria jurídica, ou de ou-tro disfarce, se tenta alcançar o mesmo resultado jurídico que seria excluído pela regra jurídica cogente proibitiva. O agere contra legem não se confunde com o agere in fraudem legis: um infringe a lei, fere-a, viola-a, diretamente; o outro, respeitando-a, usa de maquinação, para que ela não incida; transgride a lei, com a própria lei.

Os efeitos da decretação de fraude geram o consequente reconheci-mento de vínculo diretamente com a verdadeira empregadora, no caso a tomadora de serviços.

Não pode o Poder Judiciário desprezar os princípios norteadores do direito do trabalho, mas atuar como órgão calibrador de tensões sociais, solucionando conflitos de conteúdo social, político e jurídico, não podendo aceitar o “papel” de agente flexibilizador de direitos trabalhistas.

Releva transcrever, em parte, o art. 170 da Constituição da República, que tem por alvo fincar o primado do trabalho, verbis: “A ordem econômi-ca, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem

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por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social [...]”.

Igualmente, o art. 1º, inciso IV, erigiu “os valores sociais do trabalho” como um dos fundamentos do Estado.

Conclui-se, daí, que nosso ordenamento jurídico está voltado ao pri-mado do trabalho, aos valores sociais, à garantia da dignidade do trabalho. Nada disso restará assegurado se, de forma objetiva, não for imputado res-ponsabilidade a todos que de tal trabalho se valeram.

A praga da terceirização só cessará quando a relação de emprego for reconhecida diretamente com a tomadora de serviços, respondendo a prestadora solidariamente. O ser humano não pode ser tido como res, mer-cadoria, para ser negociado, alugado, vendido ou cedido de acordo com os interesses do capital.

Vale destacar brilhante artigo de Karen Artur e Eduardo Noronha so-bre as implicações da terceirização:

O estudo dos artigos jurídicos sobre o tema indica uma divisão entre os ju-ristas que a defendem como uma forma de modernização necessária, ideia passada pelos conceitos de especialização das empresas e os que denunciam como foi usada para fraudar a legislação trabalhista. O uso de cooperativas fraudulentas onde há a presença de relação de emprego com o tomador de serviços e o não cumprimento com as normas sobre cooperativas, servindo apenas como eliminação de direitos, foi uma das fraudes mais denunciadas pelos juristas. Com a edição da Súmula nº 331, outros debates foram deri-vados: a) o que deve ser considerado atividade-fim, já que o critério vem sendo definido no caldo das preferências e das pressões?; b) o que deve ser considerado subordinação – hierárquica? econômica?; c) é mesmo a respon-sabilidade subsidiária a melhor forma de responsabilização das empresas?; d) qual a responsabilização na terceirização em cadeia? (Artur, 2007).

Já os cientistas sociais trataram de pesquisar as formas pelas quais a terceiri-zação de serviços ou da produção vinha ocorrendo e quais as consequências delas para a organização das empresas e dos sindicatos e para a vida dos trabalhadores. Neste sentido, as cooperativas, os serviços de apoio realiza-dos dentro da empresa (limpeza) ou fora dela (call center), os trabalhos em áreas centrais da produção realizados por empresas (como no caso das mon-tadoras) e, mais recentemente, os serviços prestados em diferentes áreas por autônomos e PJs, bem como o uso de trabalhadores informais direta ou in-diretamente contratados são objetos de estudo desses pesquisadores (Druck, 1999; Lima, 2002; Krein, 2004; Leite, 2004; Marcelino, 2004).

Essa forma de flexibilização sem reforma na legislação tem sido criticada principalmente por diminuir os ganhos dos trabalhadores, piorar condições

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de trabalho, criar ambientes discriminatórios em que o mesmo trabalho re-cebe remuneração e tratamento social diferenciados (e que, numa visão de gestão de pessoal, podem mesmo ir contra a ideia de melhoramento do am-biente de trabalho), mas principalmente por dificultar a sindicalização dos trabalhadores, minando as bases dos sindicatos e prejudicando o acréscimo de direitos.

As discussões de sindicatos, juristas e pesquisadores mostram que suas pre-ocupações estão centradas na caracterização dos contratos precários de ter-ceirização na forma de responsabilização e nas garantias de participação dos sindicatos na negociação dessas garantias. Além desses temas, consideramos que há outro ponto muito importante em jogo: a proteção social dos traba-lhadores.

Uma expansão dos terceirizados com diminuição dos padrões celetistas pode acarretar dificuldades em manutenção das políticas públicas baseadas nessas relações. Pior, dada nossa experiência em precarização, se não se mantiver a fiscalização e não forem consolidadas garantias para a atuação sindical, bem com um modelo que invista em educação e desenvolvimento, podemos pensar na associação entre terceirização e aumento de informali-dade com uma inserção mundial que vise a atrair empresas buscando menos custos trabalhistas e não novos mercados ou mão de obra qualificada ou num serviço público em que a qualidade e a seriedade da mão de obra não tenham fundamentos em políticas estatais mas sim na sorte dos mercados.

Nessa toada, eis que merecem destaque as palavras do jurista Jorge Luiz Souto Maior:

A terceirização, ainda, visa a dificultar que se atinja a necessária responsa-bilidade social do capital. Nesse modelo de produção, a grande empresa não contrata empregados, contrata contratantes e estes, uma vez contrata-dos, ou contratam trabalhadores dentro de uma perspectiva temporária, não permitindo sequer a formação de um vínculo jurídico que possa ter alguma evolução, ou contratam outros contratantes, instaurando-se uma rede de sub-contratações que provoca, na essência, uma desvinculação física e jurídica entre o capital e o trabalho, tornando mais difícil a efetivação dos direitos trabalhistas, pois o empregador aparente, aquele que se apresenta de forma imediata na relação com o trabalho, é, quase sempre, desprovido de capa-cidade econômica ou, ao menos, possui um capital bastante reduzido se comparado com aquele da empresa que o contratou. Vale lembrar que o capital envolvido no processo produtivo mundial é controlado, efetivamente, por pouquíssimas corporações, que com a lógica da terceirização buscam se desvincular do trabalho para não se verem diretamente ligadas às obrigações sociais, embora digam estar preocupadas com ações que possam “salvar o mundo”!

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Frente ao exposto, é peremptório as lentes críticas do Judiciário sobre a terceirização, pois não se pode admitir a contramão de direitos conquis-tados arduamente pela classe trabalhadora em uma engenharia arquitetada para burlar direitos trabalhistas!

Na terceirização, o capital sobe, o trabalho desce... É ruim para os trabalhadores, péssimo para o País!

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Terceirização da Perícia Médica Previdenciária – MP 664/2014 e Lei nº 13�335/2015

DIRCE nAmIE KOSugIEspecialista em Direito Previdenciário.

Ao promover alterações no art. 60 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (que trata dos requisitos e procedimentos necessários para a conces-são do benefício de auxílio-doença), e no art. 2º da Lei nº 10.876, de 2 de junho de 2004 (dispõe sobre a competência funcional do Perito Médico e do Supervisor Médico-Pericial do INSS), a Medida Provisória nº 664, de 30 de dezembro de 2014, promulgada pela Presidente Dilma Rousseff, possibi-litou a terceirização da perícia médica do INSS, para instituições privadas e públicas, no período de 1º de janeiro a 16 de junho de 2015.

Embora a MP 664/2014 tenha sido alvo de debates na Câmara de De-putados e no Congresso Nacional, contrariando os requisitos necessidade e urgência – cumulativamente, para a edição de medidas provisórias –, art. 62 da Constituição Federal de 1988, os Poderes Executivo e Legislativo criaram e implantaram, respectivamente, a Lei nº 13.135, de 17 de junho de 2015, determinando a terceirização da perícia médica exclusivamente para o SUS.

Consequentemente, a partir de agosto de 2015, temos cidadãos brasi-leiros e estrangeiros, beneficiários e interessados, no LOAS; auxílio-doença; auxílio-doença acidentário; aposentadoria especial; e aposentadoria por in-validez, sob a égide de três legislações: anterior à MP 664/2014, durante a MP 664/2014 e posterior à Lei nº 13.135/2015.

Elias Tavares de Araújo bem esclarece que o exame médico-pericial visa a definir o nexo de causalidade (causa e efeito) entre a doença ou a lesão e a morte (definição da causa mortis); a doença ou a sequela de aci-dente e a incapacidade ou invalidez física e/ou mental; o acidente e a lesão; a doença ou o acidente e o exercício da atividade laboral; a doença ou acidente e sequela temporária ou permanente; bem como o desempenho de atividade e os riscos para si e para terceiros.

Assim, resta incontestável a necessária capacitação do médico para exercer a perícia médica previdenciária, que exige conhecimento da le-gislações constitucional, previdenciária (leis, decretos, instruções norma-

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tivas, etc.) e trabalhista. Ao perito médico compete o exame de aptidão/inaptidão física e/ou mental do indivíduo – impreterível para a concessão do benefício.

Pouco se escreve a respeito de questão essencial à efetividade da promoção da dignidade da pessoa humana em momento de necessária co-bertura do Estado.

A Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP) questiona a constitucionalidade da MP 664/2014 por meio da ADIn 5272. Também a Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) promoveram a ADIn 5234, tendo em vista a inexistência do pressuposto de urgência para a edi-ção da MP e a afronta à proibição do retrocesso social.

QuAdro comPArATivo – ArT. 60 – LEi nº 8.213/1991

LEGiSLAÇÃo ALTErAÇÕES TEXTo

Lei nº 8.213/1991Em vigor até 29.12.2014

“Art. 60. O auxílio-doença será devi-do ao segurado empregado a contar do 16º dia do afastamento da ativida-de, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapa-cidade e enquanto ele permanecer incapaz. [...].”

MP 664/2014Em vigor de 30.12.2014 a 16.06.2015

Introdução do § 5º e seus incisos I e II. Possi-bilita a terceirização da perícia médica com ins-tituições privadas e pú-blicas a critério do INSS e sob sua supervisão.

“Art. 60. O auxílio doença será devi-do ao segurado que ficar incapacita-do para seu trabalho ou sua atividade habitual, desde que cumprido, quan-do for o caso, o período de carência exigido nesta Lei: [...]

§ 5º O INSS a seu critério e sob sua supervisão, poderá, na forma do re-gulamento, realizar perícias médicas:

I – por convênio ou acordo de coope-ração técnica com empresas;

II – por termo de cooperação técni-ca firmado com órgãos e entidades públicos, especialmente onde não houver serviço de perícia médica do INSS.”

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QuAdro comPArATivo – ArT. 60 – LEi nº 8.213/1991

LEGiSLAÇÃo ALTErAÇÕES TEXTo

Lei nº 13.135/2015Em vigor a partir de 17.06.2015

Altera a redação do § 5º e seu inciso I. Possibilita a terceirização da perí-cia médica com o SUS, nos casos de impossi-bilidade de realização de perícia médica pelo órgão ou setor próprio competente, assim como de efetiva capacidade física ou técnica de implementação das ati-vidades e de atendimen-to adequado à clientela da previdência social.

“Art. 60. [...][...]

§ 5º Nos casos de impossibilidade de realização de perícia médica pelo órgão ou setor próprio competente, assim como de efetiva incapacidade física ou técnica de implementação das atividades e de atendimento ade-quado à clientela da previdência so-cial, o INSS poderá, sem ônus para os segurados, celebrar, nos termos do regulamento, convênios, termos de execução descentralizada, termos de fomento ou de colaboração, con-tratos não onerosos ou acordos de cooperação técnica para realização de perícia médica, por delegação ou simples cooperação técnica, sob sua coordenação e supervisão, com:

I – órgãos e entidades públicos ou que integrem o Sistema Único de Saúde (SUS);

II – (VETADO);

III – (VETADO).”

Diante de tantas aberrações legislativas promovidas, pairam no ar as pertinentes questões:

1. A insuficiência do atendimento à população, promovida pelo SUS, é pública e notória. Há médicos do SUS disponíveis para atender às perícias médicas da previdência social?

2. Os médicos do SUS estarão tecnicamente aptos a realizar as re-feridas perícias?

3. Pode a perícia médica da previdência social ser extinta, ficando ao exclusivo encargo do SUS?

Resta evidente que as referidas alterações proporcionam uma regres-são ímpar ao Sistema da Seguridade Social Brasileiro. Cabe ao Poder Judi-

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ciário a manutenção do Estado Democrático de Direito – mais especifica-mente ao Supremo Tribunal Federal –, guardião da Constituição Federal brasileira, exercer a sua nobre competência. É o que a Nação espera.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Programa de Proteção ao Emprego: Solução?*1

gEORgEnOR DE SOuSA FRAnCO FILhODesembargador do Trabalho de carreira do TRT da 8ª Região, Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa e Professor de Direito Internacional e do Trabalho da Universidade da Amazônia, Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Membro da Academia Paraense de Letras.

RESUMO: Este artigo objetiva examinar os pontos mais relevantes e instigantes do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), instituído pelo Governo Federal, por meio da Medida Provisória nº 680, de 06.07.2015, convertida na Lei nº 13.189/2015, a fim de tentar minimizar os graves problemas decorrentes da crescente elevação dos índices de desemprego no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Programa de Proteção ao Emprego (PPE); desemprego; Lei nº 13.189/2015.

ABSTRACT: This article aims to examine the most relevant and interesting points of Protection Pro-gram Employment (PPE), established by the Federal Government through the Provisional Measure nº 680 of 06.07.2015, converted into Law nº 13.189/2015 in order to try to minimize the serious problems arising from the increasing rise in unemployment rates in Brazil.

KEYWORDS: Protection Program Employment (PPE); unemployment; Law nº 13.189/2015.

SUMÁRIO: 1 O mundo e o desemprego; 2 Trabalho a tempo parcial; 3 Programa de Proteção ao Emprego; 4 Mecanismos para seu funcionamento; 5 Negociação para o acordo coletivo; 6 Exigências para sua implementação; 7 Previdência social e FGTS; 8 Exclusão do programa; Conclusão.

1 o muNdo e o deSemPrego

Perdido no espaço, girando em torno de si mesmo e em torno de uma minúscula estrela que nos ilumina, nosso planeta Terra busca, no universo infinito, resposta para suas dúvidas. E são tantas e tantas que a maioria nun-ca terá resposta.

Existe uma questão, todavia, que é tormentosamente apresentada a cada qual todos os dias: até quando meu emprego estará garantido? Essa dúvida não tem nada a ver com o movimento das estrelas, dos planetas, dos satélites naturais. É uma preocupação de todos em todos os lugares do planeta que nos acolheu.

* Este texto, originalmente, tratava apenas da Medida Provisória nº 680/2015 e, agora, está atualizado pela Lei de Conversão nº 13.189/2015.

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É o fantasma (fantasma???) do desemprego que toma corpo e, com seu terrível manto de terror, espalha medo e insegurança a todos, pouco impor-tando sexo, idade, cor, religião, nacionalidade, enfim...

Desde as grandes crises econômicas que atingiram todos os países, especialmente do hemisfério norte, os níveis de desemprego apenas aumen-taram. Hoje, o problema está pertíssimo do Brasil. As estatísticas são teme-rárias. Em nosso País, em março de 2015, o desemprego era de 6,2%, con-forme o IBGE2. Em números relativos, os registros oficiais dão conta de que se trata de um índice menor do que na Espanha (23,8%), Portugal (13,5%), França (10,4%), Argentina (6,9%) e Peru (7%)3. Logo, não seria necessário tanto alarde...

Todavia, se apurarmos o resultado em valores absolutos, a preocupa-ção brasileira deve aumentar – e muito – porque, em alguns casos, o núme-ro de desempregados brasileiros é maior que a população inteira de vários países. Eis exemplos no pequeno quadro a seguir:

País População Taxa de desemprego valores absolutos

Brasil 204,5 milhões 6,2% 12,6 milhões

Portugal 10,6 milhões 13,5% 1,1 milhão

Grécia 11,1 milhões Aprox. 24% 2,6 milhões

Fonte: www.ibge.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2015

O que se constata é que, sendo a população grega de 11,1 milhões de habitantes, os desempregados brasileiros representam 1,5 milhão de pes-soas a mais. Essa consideração apavora muito mais que os meros percentu-ais que colocam nosso País abaixo de taxas mais preocupantes.

A partir desses números, temos que reavivar os mecanismos para su-peração do fantasma do desemprego.

Outro aspecto que preocupa são os dados estatísticos acerca de mo-bilidade de mão de obra, inclusive no Brasil. Unindo mobilidade de mão de obra com economia informal crescente, desemprego alarmante e evidentes sinais de uma crise social sem precedentes, vários países cuidaram de criar mecanismos para evitar dispensas sucessivas.

2 Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/noticias/2015/04/indice-de-desemprego-no-brasil-e-menor-que -em-diversos-paises-europeus>. Acesso em: 22 jul. 2015.

3 Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/noticias/2015/04/indice-de-desemprego-no-brasil-e-menor-que -em-diversos-paises-europeus>. Acesso em: 22 jul. 2015.

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Instrumentos têm sido criados para encontrar soluções, ou, pelo me-nos, paliativos a esse mal. O trabalho a tempo parcial é um deles, e está presente desde 1998 no Brasil. Agora, ante a rápida elevação dos níveis de desemprego, o Governo Federal criou um Programa de Proteção ao Empre-go, visando precipuamente a preservar empregos.

2 trabalHo a temPo ParcIal

Até 1998, os contratos de trabalho no Brasil eram full time (tempo in-tegral). Após, com a Medida Provisória nº 1.709, de 06.08.1998, ingressou na ordem jurídica brasileira o trabalho a tempo parcial (part time). A última edição foi a Medida Provisória nº 2.164-41, de 24.08.2001, introduzindo disposições a respeito na CLT.

Consoante o art. 58-A da CLT, trabalho em regime de tempo parcial é o que possui duração de até 25 horas/semana, com o empregado prestando apenas um turno de trabalho. O salário dos empregados contratados a tem-po parcial será proporcional à sua jornada (§ 1º), podendo aqueles que se encontram em tempo integral optar por essa modalidade, desde que exista norma coletiva anterior (§ 2º).

Sendo o trabalho a tempo parcial, as férias devidas também o serão. Assim, o art. 130-A apresenta um escalonamento diverso daquele adotado para as férias regulares, considerando igualmente as faltas ao trabalho, mas não em número de dias, senão em número de horas trabalhadas por sema-na, como demonstrado na tabela a seguir, registrando que, se o empregado possuir mais de sete faltas injustificadas no período aquisitivo, suas férias serão reduzidas à metade (parágrafo único).

Trata-se de um mecanismo adotado para tentar reduzir as taxas de desemprego no Brasil, uma das muitas tentativas a respeito, nem sempre exitosas, e que, no mais das vezes, precariza o trabalho humano, colocando o homem-trabalhador como o principal responsável e também a principal vítima de todos os fracassos e insucessos da economia em geral.

3 Programa de Proteção ao emPrego

Como os índices de desemprego se elevaram estratosfericamente no Brasil, outra tentativa veio a ser feita com a Medida Provisória nº 680, de 06.07.2015, instituindo o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que, convertida, tornou-se a Lei nº 13.189, de 19.11.2015. Aquela medida pro-visória foi regulamentada pelo Decreto nº 8.479, da mesma data, que con-

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tinua a viger, e suas regras e procedimentos são objetos da Resolução MTE--CPPE nº 2, de 21.07.2015, igualmente vigente.

São os seguintes seus objetivos, elencados no art. 1º da Lei nº 13.189/2015:

1. preservar empregos em momento de retração da economia;

2. ajudar na recuperação econômico-financeira das empresas;

3. sustentar a demanda agregada durante momentos de adversida-de, facilitando a recuperação da economia;

4. estimular a produtividade do trabalho por meio da manutenção da relação de emprego;

5. fomentar a negociação coletiva; e

6. aperfeiçoar as relações de emprego.

Essa preservação do emprego opera-se mediante ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional, por meio do programa do seguro desemprego (parágrafo único do art. 1º).

O Decreto nº 8.479/2015 regulamentou o PPE, tendo criado um co-mitê com a finalidade de estabelecer as regras e os procedimentos para a sua adesão e funcionamento (arts. 1º e 2º).

O Comitê (CPPE) é composto por cinco Ministros de Estado, coorde-nado pelo Ministro do Trabalho e Emprego (art. 2º, § 1º), com competência para definir as condições de elegibilidade para adesão ao PPE, observado o disposto no art. 6º, bem como forma de adesão, considerações de perma-nência, regras de funcionamento e possibilidade de suspensão e interrupção da adesão (art. 3º). Foi o CPPE que editou a Resolução MTE-CPPE nº 2, de 21.07.2015.

4 mecaNISmoS Para Seu fuNcIoNameNto

A adesão das empresas ao PPE exige que estejam em situação de dificuldade econômico-financeira e podem aderir ao Programa até 31 de dezembro de 2016, por período de no máximo 24 meses (originalmente o prazo era de doze meses), respeitada a data de extinção do aludido pro-grama (art. 2º e § 1º). Consoante o decreto regulamentador, para efetuar adesão, as empresas devem comprovar o registro no CNPJ pelo menos há dois anos, tempo esse que também pode servir para adesão de uma filial, regularidade fiscal, previdenciária e relativa ao FGTS, situação de dificul-dade econômico-financeira, a partir de informações definidas pelo CPPE;

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e existência de Acordo Coletivo de Trabalho específico, registrado no MTE (art. 6º e parágrafo único).

Para ser considerada em dificuldade econômico-financeira, precisa-rá a empresa, nos termos do art. 4º e parágrafos da Resolução MTE-CPPE nº 2/2015, apresentar Indicador Líquido de Empregos (ILE) igual ou inferior a 1%, apurado com base nas informações da empresa disponíveis no Ca-dastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Esse indicador é o percentual representado pela diferença entre admissões e desligamentos, acumulada nos doze meses anteriores ao da solicitação de adesão ao PPE, em relação ao estoque de empregados, sendo considerado o estoque verifi-cado no 13º mês anterior ao da solicitação de adesão ao PPE.

Trata-se de um cálculo que, usando explicação do próprio MTE, pode ser assim efetuado: contratando em 12 meses 120 empregados e demitindo 80, o estoque de trabalhadores em 12 meses será de 1.200, apresentando uma geração negativa de 80 postos de trabalho. O resultado, nesta hipótese, será de -6,6%, como se demonstra:

(-80/1.200) x 100 = -6,6%

Com esse resultado, inferior a 1% de contratações (no caso, -6,6%), a empresa se encontrará habilitada a aderir ao PPE.

Para que seja efetuada essa adesão, a Resolução MTE-CPPE nº 2/2015 elenca, no art. 3º, a documentação necessária: solicitação de adesão ao PPE, conforme modelo devidamente preenchido; comprovação de registro no CNPJ há dois anos ou mais; certidões de débitos referentes a créditos tri-butários federais, à dívida ativa da União e de regularidade do FGTS, com-provação de regularidade que deve ser demonstrada durante todo o período de adesão, sob pena de exclusão do PPE; prova da dificuldade econômico--financeira por meio de demonstração do ILE.

O PPE contempla regras específicas. Uma delas cuida da redução temporária, em até 30%, da jornada de trabalho e consequente redução sa-larial, que fica na dependência de ser celebrado Acordo Coletivo de Traba-lho específico entre a empresa e o sindicato de trabalhadores representativo da categoria da atividade econômica preponderante (art. 5º).

O acordo coletivo previsto no art. 5º, § 1º, da Lei nº 13.189/2015 deve especificar o número total de empregados abrangidos e sua identificação, os estabelecimentos e setores da empresa que são atingidos, o percentual de redução de jornada e a redução proporcional ou menor do salário (incisos I a III), e terá duração de até seis meses, podendo ser prorrogada até o limite

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de 24 meses (IV). Ou seja, é possível haver várias prorrogações, desde que não seja ultrapassado esse limite.

A Lei nº 13.189/2015 acrescentou também a garantia no emprego equivalente, no mínimo, ao período de redução de jornada, acrescida de um terço (V), além de criar comissões paritárias que já estavam previstas anteriormente, no decreto regulamentador da medida provisória (VI), e que serão cuidadas adiante.

5 NegocIação Para o acordo coletIvo

Essas alterações podem ser feitas, mas ambas dependem da celebra-ção de um Acordo Coletivo de Trabalho Específico, o ACTE, entre a empre-sa que pretende aderir ao PPE e o sindicato profissional que representa a categoria de sua atividade econômica preponderante. Entendamos, então, que, em uma loja que se dedica à venda de roupas e sapatos, a categoria preponderante será a de comerciário. Trata-se de um estabelecimento co-mercial. O acordo, nesse caso, deve ser celebrado com o sindicato dos trabalhadores do comércio (categoria profissional preponderante), e os in-tegrantes de outras categorias, que exerçam atividade na mesma empresa (vigias, por exemplo), devem ser, em caráter excepcional, abrangidos por essa norma autônoma. De notar que esse comando legal contraria a Súmula nº 374 do TST4.

O Decreto nº 8.479/2015 cuida, no art. 8º, do ACTE, dispondo acer-ca das cláusulas mínimas que deverá conter para se adequar aos objetivos do programa: o período pretendido de adesão ao PPE; os percentuais de redução da jornada de trabalho e de redução da remuneração; os estabele-cimentos ou os setores da empresa a serem abrangidos pelo PPE; a relação dos trabalhadores abrangidos, identificados por nome, números de inscri-ção no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Programa de Integração So-cial (PIS); e a previsão de constituição de comissão paritária composta por representantes do empregador e dos empregados abrangidos pelo PPE para acompanhamento e fiscalização do Programa e do acordo, prevista também no art. 5º, § 1º, VI, da Lei nº 13.189/2015.

Um procedimento especial é exigido para a celebração do ACTE: uma assembleia-geral dos trabalhadores que serão abrangidos deve ser convocada para esse fim específico e deve ser promovida pelo sindicato

4 Súmula nº 374: “NORMA COLETIVA – CATEGORIA DIFERENCIADA – ABRANGÊNCIA – Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria (ex-OJ 55 da SBDI-1 – inserida em 25.11.1996)”.

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profissional, e as cláusulas do acordo devem ser votadas e aprovadas, uma a uma (art. 8º, § 1º, do Decreto). Como não há previsão de quórum, enten-demos que deva ser aplicado o da CLT (art. 612), referente à aprovação de Acordo Coletivo de Trabalho em geral, qual seja, a de 2/3 dos interessados em primeira convocação e de 1/3 em segunda. Celebrado, o ACTE deve ser registrado no sistema mediador do MTE, em que também serão registradas todas as alterações que vierem a ser efetuadas, referentes a prazo, seto-res abrangidos, percentual de redução de jornada e salário e as eventuais prorrogações da adesão e quanto aos empregados abrangidos (art. 5º, § 4º, da Resolução MTE-CPPE nº 2/2015). Essas últimas devem, inicialmente, ser aprovadas pela comissão paritária criada para esse fim na empresa (§ 5º seguinte). Observe-se que essas comissões paritárias não devem ser criadas na hipótese de acordo coletivo com microempresas e empresas de pequeno porte (art. 5º, § 1º, VI, in fine, da Lei nº 13.189/2015), que podem ter comis-sões especiais.

Nesse ponto, a lei instituidora do programa criou mais uma espécie de Acordo Coletivo de Trabalho. É o que denominou de Acordo Coletivo Múltiplo de Trabalho Específico (ACMTE), celebrado entre microempresas e empresas de pequeno porte com o sindicato de trabalhadores que represen-te a categoria da atividade econômica preponderante (art. 5º, § 4º, da lei). Nesse ACMTE, as comissões paritárias serão compostas por representantes do empregador e do sindicato de trabalhadores celebrando do acordo (§ 5º seguinte).

6 eXIgÊNcIaS Para Sua ImPlemeNtação

Parece-nos criticável a exigência consignada no § 2º do art. 8º do Decreto nº 8.479/2015, verbis: “§ 2º Para a pactuação do acordo coletivo de trabalho específico, a empresa demonstrará ao sindicato que foram esgo-tados os períodos de férias, inclusive coletivas, e os bancos de horas”.

Ora, se uma dada empresa encontra-se em dificuldade econômico--financeira, que se supõe seja gravíssima, se tiver que fazer essa demonstra-ção, significa que terá que conceder férias e, no mínimo, pagar mais 1/3 a todos os seus empregados que saem para esse fim, além de recolher encar-gos previdenciários, fiscais e de FGTS sobre esses valores. Nesse aspecto, não parece que a intenção tenha sido de apenas recuperação de empresas em situação de perigo.

Quanto ao banco de horas, a regra do decreto passou a figurar na lei de conversão (art. 5º, § 3º), ao determinar que a empresa deve demonstrar

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ao sindicato que foram esgotados os bancos de horas, além de fornecer as informações econômico-financeiras.

Esta parte final do § 3º anteriormente referido figura no Decreto re-gulamentador (art. 8º, § 3º), e, se futuramente forem modificadas cláusulas do ACTE, essas alterações deverão ser submetidas à Secretaria Executiva do CPPE (§ 4º do mesmo dispositivo).

Quanto à redução salarial, é prevista uma compensação pecuniária equivalente a 50% do valor da redução salarial e limitada a 65% do valor máximo da parcela do seguro-desemprego, enquanto perdurar o período de redução temporária da jornada de trabalho (art. 4º da Lei nº 13.819/2015), que será custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) (§ 1º). Ficou preservada a garantia constitucional do salário-mínimo. O salário reduzi-do que o empregador pagará não pode ser inferior ao valor fixado para o mínimo (§ 2º). Ademais, o ACTE que vier a ser celebrado fixará percentual único de redução salarial para os trabalhadores abrangidos (art. 5º, § 6º, da Resolução nº 2/2015).

Algumas medidas foram tomadas para garantir o cumprimento da norma e, com isso, manter os empregos. Uma delas prevê que, enquanto vigorar a adesão ao PPE, os empregados com jornada reduzida não podem ser dispensados arbitrariamente ou sem justa causa e, finda a adesão, terão garantidos seus empregos por 1/3 do período em que a empresa participou do PPE (art. 6º, I, da Lei nº 13.189/2015). Note-se, aqui, que nada obsta que o ACTE fixe uma garantia de emprego maior.

Como haverá redução de jornada, o art. 6º da lei refere, como tam-bém o art. 7º do decreto regulamentador, que as empresas aderentes não podem contratar outros empregados para executar as atividades dos traba-lhadores abrangidos pelo PPE, salvo caso de reposição ou aproveitamento de concluinte de curso de aprendizagem na empresa (art. 429 da CLT), e, ainda assim, esse contratado igualmente deve estar dentro da nova sistemá-tica.

A adesão ao PPE pode ser denunciada pela empresa. A regra está no art. 7º da Lei nº 13.189/2015, e, findo o prazo de trinta dias após ter sido comunicada a decisão ao sindicato de trabalhadores, aos seus empregados e ao Poder Executivo, dele não mais fará parte, podendo, após esse prazo, retornar à jornada normal de trabalho, mantida a garantia de emprego refe-rida anteriormente (§§ 1º e 2º).

Nada obsta, todavia, que a empresa retorne ao PPE, exigido o prazo de seis meses posteriormente à denúncia para essa nova adesão (art. 7º, § 3º, da lei).

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Impende observar que denunciar o ACTE não significa descumpri-lo, como claramente elucida o § 2º do art. 8º da lei.

7 PrevIdÊNcIa SocIal e fgtS

Quanto ao custeio da Previdência Social, a Lei nº 8.212, de 24.07.1991, foi alterada para tratar do PPE. A contribuição patronal passa a ser não apenas sobre a remuneração paga diretamente ao empregado, mas também sobre a compensação pecuniária que é custeada pelo FAT (art. 22, I, da Lei nº 8.212/1991), entendendo-se por salário contribuição também o valor dessa compensação que é de 50% a 65% do valor máximo do seguro desemprego (art. 28, § 8º, d, da mesma lei).

Igualmente foram feitas as adequações do FGTS, como se constata da previsão inserida no art. 15 da Lei nº 8.036/1990, e, até o dia sete de cada mês, o empregador deve depositar na conta vinculada do empregado o va-lor correspondente a 8% da remuneração paga ou devida no mês anterior, mais o valor da compensação pecuniária a ser paga no âmbito do PPE pelo FAT.

Nesse particular, verifica-se que o Estado atribuiu ao empregador efe-tuar os recolhimentos calculados sobre montantes que não são efetivamente pagos pelo empregador.

Essas medidas, no entanto, podem sofrer restrições para se torna-rem reais. As solicitações de adesão ao PPE dependem de disponibilidade orçamentária e financeira do FAT (art. 6º, parágrafo único, da Resolução nº 2/2015), o que, pelo menos, coloca a pretensão em regime de iminente perigo.

8 eXcluSão do Programa

Criou a Lei nº 13.189/2015 três formas de excluir as aderentes e, a partir daí, impedir a empresa que fizer adesão e violar as regras do PPE re-tornar a ele (art. 8º), uma a mais que a Medida Provisória nº 680/2015.

A primeira é o descumprimento do ACTE quanto à redução da jorna-da de trabalho ou das normas do Programa (inciso I). Hoje, são basicamente três: a Lei nº 13.189/2015, o seu regulamento, o Decreto nº 8.479/2015 e, também, a Resolução MTE-CPPE nº 02/2015. Descumprir esses comandos é motivo para ser retirada do sistema e, corolário, perder as vantagens obtidas e arcar com eventuais ônus.

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A segunda forma de exclusão é pela prática de fraude (inciso nº II), quando, além de ser excluída, a empresa ficará obrigada a restituir ao FAT os recursos recebidos, corrigidos monetariamente, e recolher multa admi-nistrativa de 100% do montante, revertida ao mesmo FAT (art. 8º, § 1º, da Lei nº 13.189/2015). O procedimento para aplicação dessas multas é o mes-mo daqueles utilizados pelo MTE nos diversos casos de violação de normas trabalhistas (Título VII da CLT).

A terceira é a que está prevista no inciso III do mencionado art. 8º: for condenada judicialmente, com o trânsito em julgado do decisório, ou autuada administrativamente, com decisão final no processo administrativo, pela prática de trabalho análogo ao de escravo, trabalho infantil ou trabalho degradante.

coNcluSão

Quando foi promulgada, há quase 30 anos, a Constituição atual foi festejada amplamente. Afinal, saímos de um regime em que havia muita restrição, inclusive à manifestação do pensamento, e ingressávamos em um modelo democrático de ampla liberdade. Vieram as crises econômicas, atreladas a inimagináveis escândalos. Entre idas e vindas, o mundo passou péssimos “bocados”, e os conflitos mundiais continuam e se ampliam.

No dia a dia em que vivemos, o cidadão do mundo vai se acostuman-do a conviver com esses problemas, sazonais, que vêm e vão com a noite e o dia.

Agora, vivemos, no Brasil, momentos de apreensão econômica, so-cial, política, legal, cultural, espiritual, e tantas quantas quisermos – e pu-dermos – incluir. Para onde vamos? Ninguém, convictamente, pode afirmar. O máximo que a inteligência humana permite é supor, é imaginar que o “fundo do poço é lá embaixo” e que “o fundo do poço não é ali em cima”.

Esse drama – não encontramos palavras para melhor definir o íntimo de cada qual – precisa ser superado e, como disse, no passado, o jornalista Antônio Maria, a profissão do brasileiro é a “esperança”, é com ela (espe-rança) que são tentados instrumentos como este PPE.

É uma tentativa como tantas já se fizeram. Almeja-se que dê certo e apresente bons resultados. O importante é que o gerenciamento desse mecanismo seja efetuado corretamente, suas regras sejam observadas, e o trabalhador, que sempre “paga a conta”, não seja, mais uma vez, penaliza-do como o culpado de tudo.

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Enquanto não tem o Parlamento brasileiro necessária coragem para regulamentar o inciso I do art. 7º da Constituição, que dorme há quase trinta anos em seu Texto, nem se consegue criar instrumentos verdadeiramente eficazes para combater as dificuldades econômicas pelas quais o trabalha-dor não foi responsável. Resta esperar que esse PPE pelo menos produza o mínimo resultado de, por algum tempo, afastar o fantasma do desemprego do meio de milhões de trabalhadores.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Contrato de Facção e Responsabilidade por Terceirização de Serviços

guSTAvO FILIPE BARBOSA gARCIALivre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27, Membro Pesquisador do IBDSCJ, Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Advogado, Consultor Ju-rídico, Ex-Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União, Ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

A terceirização é a transferência de certas atividades (periféricas) do tomador de serviços, passando a serem exercidas por empresas distintas e especializadas1.

Como consequência, embora o trabalhador preste serviços à empresa ou ente tomador, a relação de emprego existe com a empresa prestadora de serviços.

Portanto, a relação jurídica passa a ser triangular, envolvendo o em-pregado, a empresa prestadora de serviços (empregador) e o tomador.

O contrato de trabalho é mantido, assim, entre o empregado e o em-pregador, que, no caso, é uma empresa prestadora de serviços (art. 442, caput, da CLT).

O ente tomador é justamente quem terceirizou alguma atividade.

O vínculo entre o tomador e a empresa prestadora de serviços decor-re de contrato de natureza civil ou comercial, tendo como objeto a presta-ção de serviço.

Na verdadeira terceirização, portanto, o que se contrata é a prestação de serviço especializado, e não o simples fornecimento de mão de obra.

Com exceção das hipóteses de trabalho temporário (Lei nº 6.019/1974), a intermediação de mão de obra é manifestamente proibida, pois o trabalho humano jamais pode ser tratado como mercadoria2.

1 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 357.

2 Cf. Declaração de Filadélfia, da Organização Internacional do Trabalho, de 1944: “I – A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente os seguintes: a) o trabalho não é uma mercadoria [...]”.

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A terceirização é um fenômeno observado com grande frequência nos dias atuais, com o objetivo de diminuir custos, bem como com o fim de alcançar mais eficiência, produtividade e competitividade, aspectos estes cada vez mais almejados em tempos de globalização.

Cabe ao sistema jurídico estabelecer limites à terceirização, tendo em vista a necessidade de proteção da relação de emprego, preservando-se o valor constitucional do trabalho (arts. 1º, inciso IV, 170, caput, da Consti-tuição Federal de 1988), em respeito ao princípio magno da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III).

O Tribunal Superior do Trabalho aprovou verbete de jurisprudência a respeito da terceirização, que é a sua Súmula nº 331, atualmente com a seguinte redação:

Contrato de prestação de serviços. Legalidade.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando--se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, des-de que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do emprega-dor, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quan-to àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respon-dem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações tra-balhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

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Ainda quanto ao tema, mais recentemente, tem-se observado a inten-sificação, nas relações empresariais, do chamado “contrato de facção”, o qual pode ser entendido como a avença de natureza civil ou comercial, em que o contratante pactua com terceiro o fornecimento de produtos prontos e acabados, sem interferir na produção.

Como se pode notar, a rigor, o verdadeiro contrato de facção não tem como objetivo a prestação de serviços propriamente, muito menos o forne-cimento de mão de obra, mas sim a aquisição de um produto.

Logo, no contrato de facção, a jurisprudência majoritária tem enten-dido que não há terceirização de serviços, o que afasta a incidência da responsabilidade prevista na Súmula nº 331 do TST, exceto se houver a demonstração da prática de fraude (art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho)3.

No sentido anteriormente exposto, cabe fazer referência aos seguintes julgados:

Agravo de instrumento em recurso de revista. Responsabilidade subsidiária. Contrato de facção. O contrato de facção consiste no negócio jurídico in-terempresarial, de natureza fundamentalmente mercantil, em que uma das partes, após o recebimento da matéria-prima, se obriga a confeccionar e for-necer os produtos acabados para ulterior comercialização pela contratante. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que no contrato típico de facção – desde que atenda os requisitos acima referidos, sem desvio de finalidade – não se há de falar em responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelos créditos trabalhistas dos empregados da empresa faccio-nária. Todavia, é possível a condenação quando se evidenciar a descarac-terização dessa modalidade contratual. A exclusividade na prestação dos

3 “Agravo de instrumento em recurso de revista. Responsabilidade solidária. Contrato de facção. Des-caracterização. Intermediação ilícita de mão de obra. O contrato de facção consiste no negócio jurídico interempresarial, de natureza fundamentalmente mercantil, em que uma das partes, após o recebimento da matéria-prima, se obriga a confeccionar e fornecer os produtos acabados para ulterior comercialização pela contratante. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que no contrato típico de facção – desde que atenda aos requisitos acima referidos, sem desvio de finalidade – não se há de falar em responsabilidade da empresa contratante pelos créditos trabalhistas dos empregados da empresa faccionária. Todavia, é possível a condenação quando se evidenciar a descaracterização dessa modalidade contratual. A exclusividade na prestação dos serviços para a empresa contratante pode ser indício de fraude, assim como a interferência na forma de trabalho dos empregados da contratada. No caso em apreço, o Tribunal Regional, soberano na apreciação do conjunto fático-probatório dos autos, registrou que a atividade da recorrente não se limitava à mera fiscalização da fabricação dos produtos encomendados e que havia ingerência sobre as demais reclamadas, nas diretrizes para implantação de plano de ação para correção de irregularidades com os padrões de saúde e segurança, observância de normas de emprego do grupo Adidas, bem como para adequações internas. Vale dizer, o quadro fático delineado no acórdão regional reflete a existência de terceirização ilícita da atividade-fim da reclamada (diante do desvirtuamento do contrato de facção), o que caracteriza burla à legislação trabalhista, nos termos do art. 9º da CLT. Tal constatação permite, com fulcro no art. 942 do Código Civil, a responsabilização solidária dos coautores. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TST, AI-RR 269-53.2013.5.03.0041, 7ª T., Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 23.05.2014)

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serviços para a empresa contratante pode ser um indício de fraude, assim como a interferência na forma de trabalho dos empregados da contratada. No caso, o Tribunal Regional, soberano na apreciação do conjunto fático--probatório dos autos, registrou que as empresas reclamadas firmaram entre si um contrato de facção limitado à compra e venda de peças de roupas, sem ingerência da empresa contratante nas atividades da empresa contratada, inexistindo exclusividade na prestação dos serviços que revele a descaracte-rização do contrato de facção. Assim, conclusão em sentido contrário, como pretende a reclamante, demandaria o reexame de fatos e provas, procedi-mento vedado nesta instância extraordinária, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST, AI-RR 1463-68.2011.5.09.0663, 7ª T., Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 13.06.2014)

Agravo de instrumento. Rito sumaríssimo. Responsabilidade subsidiária. Contrato de facção. Tratando-se de contrato de facção, e estando evidencia-da a ausência de exclusividade ou ingerência na administração da prestação de serviços, não há falar em responsabilização subsidiária, ainda que haja uma fiscalização da qualidade dos produtos. Precedentes do TST. (TST, AI--RR 2093-59.2011.5.12.0011, 8ª T., Rel. Des. Conv. João Pedro Silvestrin, DEJT 13.06.2014)

Responsabilidade subsidiária. Contrato de facção. Inaplicabilidade da Sú-mula nº 331, item IV, do TST. A responsabilidade subsidiária prevista na Súmula nº 331, item IV, desta Corte somente tem lugar quando se trata de terceirização lícita de mão de obra, hipótese em que deve o tomador de serviços responder em decorrência das culpas in vigilando e/ou in eligendo na contratação da empresa interposta, que se torna inadimplente quanto ao pagamento dos créditos trabalhistas devidos ao empregado. Nos contratos de facção, no entanto, não existe contratação de mão de obra, uma vez que a contratada se compromete a entregar à contratante um produto fi-nal, acabado, produzido por seus empregados, sob sua responsabilidade e controle. Assim, a “empresa tomadora dos serviços”, por não ter nenhum controle sobre a produção da contratada, isenta-se de qualquer responsabi-lidade pelos contratos trabalhistas firmados com os empregados da empresa de facção, os quais não estão subordinados juridicamente à contratante. No caso, o Regional consignou que não se configurou a alegada ingerência nos serviços da empresa prestadora por parte da segunda reclamada, concluindo que “ainda que a primeira ré produzisse produtos exclusivamente em prol da segunda, essa opção ficou a cargo da própria empresa, que, a despeito da relação de dependência que criou para si, continuou a existir autonomamen-te, como se vê dos respectivos contratos sociais, sem sofrer qualquer tipo de ingerência por parte da segunda ré (o que, mais uma vez, não foi provado pela reclamante)”. Assim, para chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame do conteúdo fático dos autos, procedimento inviável nesta fase

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do processo, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Inaplicável o disposto na Súmula nº 331, item IV, do TST. Agravo de instrumento desprovido. (TST, AI-RR 37600-18.2009.5.01.0283, 2ª T., Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 13.06.2014)

Recurso de revista. Contrato de facção. Inaplicabilidade da Súmula nº 331, IV, do TST. A jurisprudência atual desta Corte é no sentido de que não se apli-ca aos contratos de facção o entendimento contido na Súmula nº 331, IV, do TST, nas hipóteses em que haja o fornecimento de produtos por um empre-sário ao outro, a fim de que este deles se utilize em sua atividade produtiva e, portanto, se ausente a presença das figuras do prestador e do tomador dos serviços. As provas dos autos demonstram claramente a existência de simples relação comercial entre ambas as reclamadas, haja vista que não há nos au-tos nenhuma prova de fiscalização e orientação da segunda reclamada sobre as atividades desempenhadas pelo reclamante, bem como ante a inexistência de prestação exclusiva por exigência da contratante. Dessa forma, evidencia--se típico contrato de facção a afastar a responsabilidade subsidiária. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, RR 3432-80.2011.5.12.0002, 7ª T., Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes, DEJT 30.05.2014)

Contrato de facção. Responsabilidade subsidiária. Inexistência. O contrato de facção destina-se ao fornecimento de produtos por um empresário a ou-tro, a fim de que deles se utilize em sua atividade econômica. O referido ajuste, ao contrário da terceirização a que alude a Súmula nº 331, IV, do TST, não visa à obtenção da mão de obra imprescindível à realização de atividades meio de uma das partes da avença, mas tão somente da matéria prima necessária à exploração do seu objeto social, motivo pelo qual aquele que adquire os bens em comento não pode ser responsabilizado subsidia-riamente pelos créditos trabalhistas devidos aos empregados de seu parceiro comercial. No caso dos autos, as reclamadas firmaram contrato de presta-ção de serviços de confecção de calçados, por meio de contrato de facção, no qual a segunda reclamada repassava modelagem e amostras para serem confeccionadas pela primeira reclamada, sem exclusividade, e a fiscaliza-ção operada pela segunda reclamada se dava com vistas à observância da qualidade da produção, não se dirigindo diretamente aos empregados da linha de produção. Portanto, tal atitude não configura, por si só, ingerência, sendo perfeitamente aceitável que a empresa contratante tenha interesse no controle da qualidade dos produtos que seriam adquiridos. Assim, constata--se que a reclamante se encontrava subordinada, exclusivamente, à primeira reclamada. Inaplicável ao caso dos autos o disposto na Súmula nº 331, IV, do TST, por inexistir terceirização de serviços na hipótese. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, RR 240-22.2010.5.04.0383, 7ª T., Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 23.05.2014)

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Sendo assim, tendo em vista a incidência, no direito do trabalho, do princípio da primazia da realidade, deve-se verificar, em cada caso em con-creto, a efetiva verdade dos fatos, e não a simples forma ou denominação atribuída ao negócio jurídico.

Deve-se distinguir, portanto, o verdadeiro contrato de facção do mero fornecimento de mão de obra, bem como da terceirização de serviços.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Fundo de Amparo ao Trabalhador e Programa de Proteção ao Emprego da Lei nº 13�189/2015: Parâmetros Constitucionais e Legais

guSTAvO FILIPE BARBOSA gARCIALivre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla, Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação de Direito, Membro Pesquisador do IBDSCJ, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27, Advogado, Consultor Jurídico, Ex-Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União, Ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

Com o objetivo de preservação de vínculos de emprego, evitando-se a dispensa de trabalhadores em razão de crises econômicas, a Medida Pro-visória nº 680, de 6 de julho de 2015, com início de vigência na data de sua publicação, ocorrida no Diário Oficial da União de 07.07.2015, posterior-mente convertida na Lei nº 13.189/2015, instituiu o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), ao qual podem aderir somente empresas que estiverem em comprovada situação de dificuldade econômico-financeira, conforme regulamentação decorrente do Decreto nº 8.479/2015.

Trata-se de previsão com enfoque nitidamente temporário, como ten-tativa de amenizar a situação de dificuldades da atual conjuntura, mesmo porque a referida adesão pode ser feita até 31 de dezembro de 2016 e o prazo máximo de permanência no programa é de 24 meses, respeitada a data de extinção do programa.

Como efeito prático de maior destaque, o acordo coletivo de trabalho específico para adesão ao PPE, celebrado entre a empresa e o sindicato de trabalhadores representativo da categoria da atividade econômica prepon-derante da empresa, pode reduzir em até 30% a jornada e o salário.

Entretanto, essa redução está condicionada à celebração de acordo coletivo de trabalho específico com o sindicato de trabalhadores represen-tativo da categoria, observado o disposto no art. 511 da CLT.

Na verdade, essa exigência decorre do art. 7º, inciso VI, da Constitui-ção da República, ao garantir a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”.

O art. 7º, inciso XIII, da Constituição da República também prevê a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e

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quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jor-nada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

Sendo assim, a redução do salário, como hipótese excepcional de fle-xibilização de condições de labor, ainda que acompanhada de redução da jornada de trabalho, só pode ocorrer por meio de negociação coletiva, na qual deve estar presente o sindicato da categoria profissional (arts. 7º, inciso XXVI, e 8º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988).

Frise-se que a mencionada redução temporária da jornada de traba-lho, decorrente de adesão da empresa ao PPE, deve ter duração de até seis meses, podendo ser prorrogado por períodos de seis meses, desde que o período total não ultrapasse vinte e quatro meses.

Importante registrar ainda que, segundo a sistemática em questão, os empregados de empresas que aderirem ao PPE e que tiverem seu salário reduzido fazem jus a uma compensação pecuniária equivalente a 50% do valor da redução salarial e limitada a 65% do valor máximo da parcela do seguro-desemprego, enquanto perdurar o período de redução temporária da jornada de trabalho.

A compensação pecuniária será custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), conforme o art. 4º, § 1º, da Lei nº 13.189/2015.

Essa determinação, entretanto, pode gerar questionamentos, no sen-tido de saber se haveria desvirtuamento na destinação de recursos do FAT.

Primeiramente, é preciso compreender que o programa do seguro-de-semprego, na realidade, tem por finalidade não apenas “prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escra-vo”, como normalmente se imagina, mas também “auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para tanto, ações inte-gradas de orientação, recolocação e qualificação profissional”, conforme a Lei nº 7.998/1990, a qual disciplina o programa do seguro-desemprego e o abono salarial do PIS/Pasep, bem como institui o FAT.

Nesse contexto, o PPE, de forma mais precisa, consiste em ação jus-tamente para auxiliar os trabalhadores na preservação do emprego, (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 13.1890/2015), amoldando-se, em tese, ao dis-posto no art. 2º, inciso II, da Lei nº 7.998/1990.

Ademais, é importante salientar que o FAT, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, é instituído e previsto na legislação infraconstitu-cional, e não por meio de norma jurídica de hierarquia superior.

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Logo, o FAT pode ter os seus contornos e objetivos definidos por mo-dificações legislativas, cabendo lembrar que, em caso de relevância e ur-gência, o Presidente da República pode adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (art. 62 da Constituição da Federal de 1988).

Em outras palavras, a destinação de recursos do FAT não decorre de determinação constitucional, mas, respeitando os parâmetros de adequação e pertinência, é estabelecido pela legislação ordinária.

Isso fica nítido ao se observar que, anteriormente, o FAT era destinado apenas ao custeio do Programa de seguro-desemprego, ao pagamento do abono salarial e ao financiamento de programas de desenvolvimento eco-nômico, o que foi ampliado pela Lei nº 12.513/2011, passando a determinar também o financiamento de programas de educação profissional e tecnoló-gica e de desenvolvimento econômico (art. 10 da Lei nº 7.998/1990).

A destinação dos recursos, assim, decorre do previsto na legislação ordinária, e não na esfera constitucional, podendo, inclusive, ser objeto de ajustes e de modificações, desde que não desvirtuem a finalidade do insti-tuto.

Nesse sentido, o art. 10, parágrafo único, da Lei nº 7.998/1990, ex-pressamente determina que o “FAT é um fundo contábil, de natureza finan-ceira, subordinando-se, no que couber, à legislação vigente”.

Confirmando o exposto, o art. 2º-A da Lei nº 7.998/1990, incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41/2001 (ainda em vigor, consoante o art. 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001), instituiu a bolsa de qualifica-ção profissional, custeada pelo FAT, à qual faz jus o trabalhador que estiver com o contrato de trabalho suspenso em virtude de participação em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, em conformidade com o disposto em convenção ou acordo coletivo celebrado para este fim.

A respeito do tema, o art. 476-A da CLT, também incluído pela Medi-da Provisória nº 2.164-41/2001, dispõe que o contrato de trabalho pode ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do em-pregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência for-mal do empregado, observado o disposto no art. 471 do mesmo diploma le-gal, no sentido de que ao empregado afastado do emprego são asseguradas,

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por ocasião de sua volta, todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria a que pertencia na empresa.

Como se pode notar, os recursos do FAT já são legalmente utilizados e destinados não apenas para o custeio do seguro-desemprego em sentido mais estrito, como se poderia supor à primeira vista, mas também para o financiamento da bolsa de qualificação profissional, em caso de suspensão do contrato de trabalho para participação do empregado em curso ou pro-grama de qualificação profissional oferecido pelo empregador, assim como, a partir da vigência da Medida Provisória nº 680/2015, para o custeio da complementação pecuniária, decorrente da adesão da empresa ao PPE.

É certo que também se pode questionar se, notadamente no atual momento de crise econômica, haveria recursos suficientes do FAT para o custeio dessa complementação pecuniária.

Não obstante, o objetivo da medida em exame é justamente a manu-tenção de vínculos de emprego pelas empresas em dificuldades econômico--financeiras, evitando, com isso, dispensas e suspensões de contratos de trabalho, que gerariam despesas na concessão de seguro-desemprego e de bolsa de qualificação profissional.

Vale dizer, propõe-se que o FAT, ao invés de utilizar todos os seus recursos com seguro-desemprego e bolsa de qualificação profissional, passe a aplicar parte deles na manutenção do emprego, o que geraria redução de dispensas e suspensões contratuais, com o custeio da complementação pecuniária.

Ressalte-se ainda que, na atualidade, constituem recursos do FAT: o produto da arrecadação das contribuições devidas ao PIS e ao Pasep; o produto dos encargos devidos pelos contribuintes, em decorrência da inob-servância de suas obrigações; a correção monetária e os juros devidos pelo agente aplicador dos recursos do fundo, bem como pelos agentes pagado-res, incidentes sobre o saldo dos repasses recebidos; o produto da arreca-dação da contribuição adicional pelo índice de rotatividade, de que trata o art. 239, § 4º, da Constituição Federal de 1988; outros recursos que lhe se-jam destinados (art. 11 da Lei nº 7.998/1990).

Logo, sem fazer juízo de mérito, quanto ao acerto ou não da medi-da em estudo, observa-se que, nesse modelo, o Estado também assume, em parte, os desdobramentos financeiros da flexibilização de condições de trabalho, configurando, com isso, certa divisão de responsabilidades, com fundamento no princípio da solidariedade (art. 3º, inciso I, da Constituição da República).

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Nesse contexto, cabe salientar que a ordem econômica, a qual é fun-dada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, devendo observar, entre outros, o princípio da busca do pleno emprego (art. 170, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988).

Na realidade, quando se alega a insuficiência de recursos para o custeio e a manutenção de direitos sociais prestacionais, como o seguro--desemprego, chegando a defender a sua redução e restrição, é necessário examinar com maior rigor a questão orçamentária envolvida, com destaque à desvinculação de recursos das contribuições sociais, o que certamente acaba gerando desequilíbrio financeiro da Seguridade Social.

Nesse enfoque, exemplificativamente, cabe alertar que o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 68/2011, dispõe que “são desvinculados de ór-gão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de interven-ção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais”. De todo modo, a previsão que pode gerar fundado questionamento jurídico é a de que a compensação pecuniária integra as parcelas remuneratórias para efei-to do disposto no art. 22, inciso I, e no art. 28, § 8º, da Lei nº 8.212/1991.

Com isso, a contribuição previdenciária a cargo da empresa, de 20% sobre a remuneração, incide também sobre o valor da compensação pecu-niária a ser paga no âmbito do PPE.

Quanto à contribuição previdenciária devida pelos segurados, da mesma forma, o valor da compensação pecuniária a ser pago no âmbito do PPE integra o salário de contribuição.

Essa modificação na base de cálculo da contribuição social para a Seguridade Social, a qual tem natureza tributária (arts. 149 e 195 da Consti-tuição da República), feita por medida provisória posteriormente convertida em lei, pode gerar controvérsias quanto à constitucionalidade formal e ma-terial, pois a compensação pecuniária, como examinado anteriormente, é custeada pelo FAT, não tendo, a rigor, natureza remuneratória.

Ademais, nos termos do art. 195, § 6º, da Constituição Federal de 1988, as contribuições sociais que custeiam a Seguridade Social só podem ser exigidas após 90 dias da data da publicação da lei que as houver insti-tuído ou modificado.

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De todo modo, cabe lembrar que o art. 195, inciso I, a, da Cons-tituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998, prevê a incidência da contribuição previdenciária de forma mais ampla, ou seja, não apenas sobre a “folha de salários”, mas também sobre os “demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo emprega-tício”.

Cabe, assim, acompanhar os possíveis desdobramentos legislativos e jurisprudenciais a respeito do importante, atual e controvertido tema.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Terceirização: Lei Versus Jurisprudência

guSTAvO FILIPE BARBOSA gARCIALivre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla, Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla, Membro Pesquisador do IBDSCJ, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Advogado e Consultor Jurídico, Ex-Juiz do Trabalho, Ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União, Ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

Observa-se, na atualidade, intenso debate sobre os limites da terceiri-zação, em especial a respeito da licitude da contratação de serviços inseri-dos na “atividade-fim” da empresa.

A discussão se intensifica quanto à validade e à adequação de futura lei que passe a autorizar a terceirização de modo mais amplo, ou seja, não mais restrita à “atividade-meio”, como dispõe a atual Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

Apesar da manifesta relevância do tema, chama a atenção o fato de que já existem leis autorizando, em certas hipóteses, essa ampliação da terceirização.

Ainda assim, a jurisprudência atual e majoritária não tem admitido a sua possibilidade.

Efetivamente, há normas legais prevendo, desde a década de 1990, casos em que expressamente se admite a terceirização não apenas de ativi-dades acessórias e complementares, mas também inerentes à empresa con-tratante ou tomadora.

Ou seja, há cerca de dez anos, temos previsão legal no sentido de que a contratação de terceiro para a realização de serviços não se restringe às atividades de apoio ou de mero suporte, mas inclui as que integram o núcleo de certas atividades empresariais.

Nesse enfoque, a Lei nº 9.472/1997, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, no art. 94, inciso II, prevê que no cum-primento de seus deveres a concessionária pode, observados as condições e limites estabelecidos pela Agência Nacional de Telecomunicações, “con-tratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias

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ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados”.

No mesmo sentido, a Lei nº 8.987/1995, que trata do regime de con-cessão e permissão da prestação de serviços públicos, no art. 25, § 1º, con-tém disposição no sentido de que a concessionária pode “contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou comple-mentares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados”.

Como se observa, a rigor, pode-se dizer que a terceirização de ativi-dade-fim já seria admitida pela lei nas hipóteses em questão.

A jurisprudência, por seu turno, no Estado Democrático de Direito, tem a função precípua de pacificar os conflitos sociais, aplicando as normas jurídicas em vigor, sem inovar em termos estritamente legislativos.

Não obstante, a jurisprudência majoritária, no âmbito trabalhista, no-tadamente na esfera do Tribunal Superior do Trabalho, firmou o entendi-mento de que, mesmo nesses casos expressamente previstos em lei, a tercei-rização de atividade-fim não é permitida, devendo prevalecer a proibição constante da mencionada Súmula nº 331.

Apenas exemplificando, pode-se fazer referência ao seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA – ATIVIDADE-FIM – SÚMULA Nº 331, I, DO TST

1. Consoante entendimento consolidado pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, a Lei Geral de Te-lecomunicações (Lei nº 9.472/1997), ao regulamentar matéria estranha ao direito do trabalho, não possibilitou, em seu art. 94, II, a terceirização ampla e irrestrita das atividades desempenhadas pelas concessionárias de serviço de telecomunicações.

2. A terceirização de serviços ligados à atividade-fim do empregador enseja a declaração de ilicitude, conforme entendimento consubstanciado na Súmula nº 331 do TST.

3. Em observância à diretriz perfilhada na Súmula nº 331, I, do TST, impõe--se, como consequência lógica, o reconhecimento do vínculo empregatício entre o trabalhador terceirizado e a empresa tomadora de serviços.

4. Há que se manter, todavia, a responsabilidade subsidiária aplicada, de modo a evitar-se a reforma para pior, ante a ausência de impugnação, me-diante recurso de revista, pelo reclamante.

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5. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (TST, AI-RR 301-24.2011.5.09.0021, 4ª T., Rel. Min. João Oreste Dalazen, DEJT 15.08.2014)

Aspecto interessante, ademais, é que essa proibição da terceirização de atividades que integrem o objeto principal da empresa, pela jurisprudên-cia trabalhista, normalmente ocorre sem a declaração de inconstitucionali-dade dos dispositivos legais que autorizam a contratação de terceiros para desenvolver, inclusive, as atividades inerentes da contratante.

Argumenta-se que as referidas leis são de direito administrativo, volta-das à concessão de serviços públicos, e que a questão da licitude da terceiri-zação, em si, deve ser solucionada conforme a interpretação dos princípios e regras de direito do trabalho, prevalecendo, assim, a previsão da Súmula nº 331 do TST.

A respeito do tema, pode-se fazer referência à decisão a seguir indi-cada:

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA – EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES – CALL CENTER – ATIVIDADE-FIM DA RECLAMADA TOMADORA DE SERVIÇOS – INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 25, § 1º, DA LEI Nº 8.987/1995 E 94, INCISO II, DA LEI Nº 9.472/1997 E APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 331, ITENS I E III, DO TST – VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE A TOMADORA DE SERVIÇOS E O TRABALHADOR TERCEIRIZADO RECONHECIDO – INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE À SÚMULA VINCULANTE Nº 10 DO STF – MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL

1. O serviço de call center é atividade-fim, e não atividade-meio, das empre-sas concessionárias de serviço de telecomunicações. Assim, em observância à Súmula nº 331, itens I e III, do TST, que consagrou o entendimento de que a terceirização só se justifica quando implicar a contratação da prestação de serviços especializados por terceiros em atividades-meio, que permitam a concentração dos esforços da empresa tomadora em suas atividades precí-puas e essenciais, tem-se que a terceirização desses serviços de teleatendi-mento pelas empresas telefônicas configura intermediação ilícita de mão de obra, devendo ser reconhecido o vínculo de emprego desses trabalhadores terceirizados diretamente com os tomadores de seus serviços.

2. Com efeito, o aumento desses serviços nos últimos anos ocorreu em razão da consolidação do Código de Defesa do Consumidor, que levou as empre-sas a disponibilizarem os Serviços de Atendimento do Consumidor (SAC). E, diante dessa exigência legal de manutenção de uma relação direta entre fornecedor e consumidor, o serviço de call center tornou-se essencial às con-cessionárias dos serviços de telefonia para possibilitar o necessário desen-volvimento de sua atividade, pois é por meio dessa central de atendimento

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telefônico que o consumidor, dentre tantas outras demandas, obtém informa-ções, solicita e faz reclamações sobre os serviços oferecidos pela empresa. Não é possível, portanto, distinguir ou desvincular a atividade de call center da atividade-fim da concessionária de serviços de telefonia.

3. Por outro lado, a Lei nº 8.987/1995, que disciplina a atuação das empre-sas concessionárias e permissionárias de serviço público em geral, e a Lei nº 9.472/1997, que regula as concessões e permissões no setor das teleco-municações, são normas de direito administrativo e, como tais, não foram promulgadas para regular matéria trabalhista e não podem ser interpretadas e aplicadas de forma literal e isolada, como se operassem em um vácuo normativo. Por isso mesmo, a questão da licitude e dos efeitos da terceiri-zação deve ser decidida pela Justiça do Trabalho exclusivamente com base nos princípios e nas regras que norteiam o direito do trabalho, de forma a interpretá-las e, eventualmente, aplicá-las de modo a não esvaziar de sentido prático ou a negar vigência e eficácia às normas trabalhistas que, em nosso País, disciplinam a prestação do trabalho subordinado, com a aniquilação do próprio núcleo essencial do direito do trabalho – o princípio da proteção do trabalhador, a parte hipossuficiente da relação de emprego, e as próprias figuras do empregado e do empregador.

4. Assim, não se pode mesmo, ao se interpretar o § 1º do art. 25 da Lei nº 8.987/1995 e o art. 94, inciso II, da Lei nº 9.472/1997, que tratam da possibilidade de contratar com terceiros o desenvolvimento de – atividades inerentes – ao serviço, expressão polissêmica e marcantemente imprecisa que pode ser compreendida em várias acepções, concluir pela existência de autorização legal para a terceirização de quaisquer de suas atividades-fim. Isso, em última análise, acabaria por permitir, no limite, que elas desenvol-vessem sua atividade empresarial sem ter em seus quadros nenhum empre-gado e sim, apenas, trabalhadores terceirizados.

5. Ademais, quando os órgãos fracionários dos Tribunais Trabalhistas inter-pretam preceitos legais como os ora examinados, não estão eles, em absolu-to, infringindo o disposto na Súmula Vinculante nº 10, tampouco violando o art. 97 da Constituição Federal, que estabelece a cláusula de reserva de Plenário para a declaração de inconstitucionalidade das leis em sede de con-trole difuso, pois não se estará, nesses casos, nem mesmo de forma implícita, deixando de aplicar aqueles dispositivos legais por considerá-los inconstitu-cionais.

6. A propósito, apesar da respeitável decisão monocrática proferida em 09.11.2010 no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da lavra do ilustre Mi-nistro Gilmar Mendes (RCL 10132 MC/PR), na qual, em juízo sumário de cognição e em caso idêntico a este, por vislumbrar a possibilidade de ter sido violada a Súmula Vinculante nº 10 daquela Corte, deferiu-se o pedido de medida liminar formulado por uma empresa concessionária dos serviços

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de telecomunicações para suspender, até o julgamento final da reclamação constitucional, os efeitos de acórdão proferido por uma das Turmas do TST, a qual adotou o entendimento de que aqueles preceitos legais não autori-zam, por si sós, a terceirização de atividades-fim por essas concessionárias de serviços públicos, verifica-se que essa decisão, a despeito de sua ilustre origem, é, data venia, isolada. Com efeito, a pesquisa da jurisprudência da-quela Suprema Corte revelou que foi proferida, mais recentemente, quase uma dezena de decisões monocráticas por vários outros Ministros do STF (Ministros Carlos Ayres Britto, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Luiz Fux) em que, em casos idên-ticos a este, decidiu-se, ao contrário daquele primeiro precedente, não ter havido violação da Súmula Vinculante nº 10, mas mera interpretação des-sas mesmas normas infraconstitucionais nem, muito menos, violação direta (mas, se tanto, mera violação oblíqua e reflexa) de qualquer preceito consti-tucional pelas decisões do TST pelas quais, ao interpretarem aqueles dispo-sitivos das Leis nºs 8.987/1995 e 9.472/1997, consideraram que essas não autorizam a terceirização das atividades-fim pelas empresas concessionárias dos serviços públicos em geral e, especificamente, na área de telecomunica-ções, negando-se, assim, provimento aos agravos de instrumento interpostos contra as decisões denegatórias de seguimento dos recursos extraordinários daquelas empresas.

7. Ressalta-se, aliás, que essa questão já foi igualmente decidida pelo Supre-mo Tribunal Federal no âmbito do exame de repercussão geral de matéria constitucional, erigida como requisito de admissibilidade dos recursos extra-ordinários, consoante o art. 543-A do CPC, o qual sinalizou pela inexistên-cia de repercussão geral, por não haver sequer questão constitucional a ser dirimida. É o que se constata dos julgamentos dos ARE 646.825, de relatoria do Ministro Luiz Fux, transitado em julgado em 19.12.2011, e ARE 646.831, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, transitado em julgado em 18.08.2011. A Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, a pro-pósito, amparada nessas decisões do Supremo, tem reiteradamente denega-do seguimento aos recursos extraordinários com matéria idêntica, em direta aplicação dos arts. 543, § 5º (“negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão in-deferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”), 543-B, § 2º (“negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamen-te não admitidos”), ambos do CPC, e 326 e 327 do Regimento Interno do STF. Acrescente-se que tais decisões monocráticas são perfeitamente válidas para a produção desses efeitos, nos termos do § 2º do art. 324 do citado Re-gimento Interno, que, nos casos como este, ora em exame, em que o Relator declara que a matéria é infraconstitucional, dispõe que a falta de manifes-tação contrária dos demais integrantes da Corte Suprema após delas terem sido comunicados por meio eletrônico “será considerada como manifestação

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de inexistência de repercussão geral, autorizando a aplicação do art. 543-A, § 5º, do Código de Processo Civil”.

8. O entendimento aqui adotado já foi objeto, também, de reiteradas de-cisões, por maioria, da SBDI-1 desta Corte em sua composição completa (E-ED-RR 586341-05.1999.5.18.5555, Redator designado Ministro Vieira de Mello Filho, data de julgamento: 29.05.2009, DEJT de 16.10.2009; E-RR 134640-23.2008.5.03.0010, Relª Min. Maria de Assis Calsing, data de julga-mento: 28.06.2011, DEJT de 10.08.2012).

9. Aliás, esse posicionamento também não foi desautorizado nem superado pelos elementos trazidos à consideração dos Ministros do TST na Audiência Pública ocorrida no TST nos dias 4 e 5 de outubro de 2011 e convoca-da pela Presidência desse Tribunal, os quais foram de grande valia para a sedimentação do entendimento ora adotado. Os vastos dados estatísticos e sociológicos então apresentados corroboraram as colocações daqueles que consideram que a terceirização das atividades-fim é um fator de precariza-ção do trabalho, caracterizando-se pelos baixos salários dos empregados ter-ceirizados e pela redução indireta do salário dos empregados das empresas tomadoras, pela ausência de estímulo à maior produtividade dos trabalhado-res terceirizados e pela divisão e desorganização dos integrantes da categoria profissional que atua no âmbito das empresas tomadoras, com a consequente pulverização da representação sindical de todos os trabalhadores interes-sados.

10. A questão da ilicitude da terceirização dos serviços de call center no âmbito das empresas concessionárias dos serviços públicos de telecomuni-cações foi novamente objeto de deliberação pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), em 08.11.2012, em sua composição com-pleta, no julgamento do Processo E-ED-RR 2938-13.2010.5.12. 0016 (DEJT de 26.03.2013), em que este Relator foi designado Redator, a qual, por sua maioria (oito votos contra seis), reafirmou e consolidou o entendimento pela ilicitude dessa terceirização de serviços.

11. É importante ressaltar, por fim, que decisões como esta não acarretam o desemprego dos trabalhadores terceirizados, pois não eliminam quaisquer postos de trabalho. Essas apenas declaram que a verdadeira empregadora desses trabalhadores de call center é a empresa concessionária tomadora de seus serviços que, por outro lado, continua obrigada a prestar esses serviços ao consumidor em geral – só que, a partir de agora, exclusivamente na forma da legislação trabalhista, isto é, por meio de seus próprios empregados.

12. Assim, diante da ilicitude da terceirização do serviço de call center prestado pela reclamante no âmbito da empresa de telecomunicações re-clamada, deve ser reconhecida a existência, por todo o período laborado, de seu vínculo de emprego diretamente com a concessionária de serviços de telefonia, nos exatos moldes do item I da Súmula nº 331 do TST, com o

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consequente pagamento, pela verdadeira empregadora e por sua litisconsor-te, coautora desse ato ilícito, de forma solidária, nos termos do art. 942 do Código Civil, de todos os direitos trabalhistas assegurados pela primeira a seus demais empregados.

13. Reconhecida, in casu, a existência de vínculo de emprego diretamente com a concessionária de serviços de telefonia, Telemar Norte Leste S.A., nos exatos moldes do item I da Súmula nº 331 do TST, não há como se concluir que o Tribunal de origem, ao deferir as vantagens previstas nos acordos co-letivos firmados entre a Telemar Norte Leste S.A. e o Sindicato, violou os arts. 7º, inciso XXVI, e 8º, inciso III, da Constituição Federal ou contrariou a Súmula nº 374 deste Tribunal.

Recurso de revista não conhecido. (TST, RR 2256-49.2011.5.03.0024, 2ª T., Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 06.06.2014)

Com isso, torna-se imprescindível aprofundar o debate a respeito dos limites da interpretação jurisprudencial, bem como da legitimidade de de-cisões que, argumentando essencialmente com base em princípios, afastam a incidência de previsões legais, mesmo que não sejam declaradas incons-titucionais.

Essa temática, portanto, impõe a necessidade de refletir se a disciplina jurídica das relações de trabalho, na República Federativa do Brasil, deve ser objeto de normas jurídicas, produzidas no exercício da função legislati-va, ou se os comandos legais estão subordinados à interpretação e ao con-vencimento, subjetivos, dos julgadores, coerentes com os critérios de justiça individualmente seguidos e defendidos.

Na verdade, cabe saber se a solução dos conflitos sociais, pelos Tri-bunais, permite, de modo legítimo e democrático, afastar a incidência da lei, em casos nitidamente abrangidos pela hipótese normativa, mesmo sem a declaração de sua inconstitucionalidade.

De todo modo, prevalecendo a atual tendência, um eventual disposi-tivo legal que autorize a terceirização de modo mais amplo, ou seja, além das atividades meramente acessórias, pode não ter aplicação pela jurispru-dência trabalhista, mantendo o previsto na Súmula nº 331 do TST.

Em síntese, como a jurisprudência tem o papel de aplicar as leis em vigor na decisão dos casos concretos, interpretando-as, a tão debatida mu-dança legislativa sobre a terceirização pode não ter a repercussão prática que se supõe, ou mesmo todo o alcance imaginado.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

A Terceirização no Direito do Trabalho e o Projeto de Lei nº 4�330/2004

ILSE mARCELInA BERnARDI LORAJuíza do Trabalho no Paraná, Mestre em Direito pela Unoesc.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Recarização das relações trabalhistas e os direitos fundamentais; 1.1 O papel dos direitos fundamentais; 1.2 Vinculação dos Poderes Públicos aos direitos fundamentais; 1.3 Proibição de retrocesso; 2 A terceirização no modelo jurídico brasileiro; 3 A terceirização e a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho; 4 A terceirização e o Projeto de Lei nº 4.330/2004; Conclusão; Referências.

INtrodução

A aprovação, pela Câmara dos Deputados, em dois turnos, no mês de abril de 2015, do Projeto de Lei nº 4.339/2004, que trata da terceirização no âmbito do Direito do Trabalho, reacendeu a polêmica em torno da matéria, máxime porque a nova legislação pretende admitir a modalidade inclusive nas atividades finalísticas, contrariando posição anterior, tanto da lei como da jurisprudência, que restringia significativamente a prática.

A terceirização é tema relevante, que guarda estreita vinculação com os direitos fundamentais sociais do trabalhador, circunstância que motivou o presente estudo, que busca examinar, entre outros aspectos, a possível inconstitucionalidade da nova legislação.

Inicialmente fez-se investigação acerca dos motivos que induzem à terceirização e do papel dos direitos fundamentais nesta seara, com desta-que para a vinculação dos Poderes Públicos a tais direitos, notadamente do Legislativo.

No contexto da vinculação do legislador aos direitos fundamentais, mereceu averiguação percuciente o chamado princípio da proibição de re-trocesso social, em razão da possibilidade de o Projeto de Lei mencionado configurar violação a dito princípio.

Empreendeu-se, por necessária, pesquisa sobre o modelo jurídico brasileiro da terceirização, com indicação das normas legais que discipli-nam o assunto e do entendimento da jurisprudência majoritária.

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Por último, fez-se análise do principal aspecto do Projeto de Lei nº 4.330/2004, qual seja a autorização para a prática da terceirização em qualquer atividade da empresa, com o desígnio principal de avaliar a cons-titucionalidade deste permissivo.

1 recarIzação daS relaçÕeS trabalHIStaS e oS dIreItoS fuNdameNtaIS

O Tratado de Versalhes, assinado em 1919 pelas potências europeias e que pôs fim, em caráter oficial, à Primeira Guerra Mundial, promoveu a consagração dos princípios universais do Direito do Trabalho. Com efei-to, o sentimento preponderante era de que a paz mundial exigia harmonia social, instalando-se então ambiente favorável para a implantação de um direito social, ainda que rudimentar. O Tratado em questão determinou a criação da OIT – Organização Internacional do Trabalho e estabeleceu, no preâmbulo, que “a Sociedade das Nações tem por objetivo estabelecer a paz universal e que tal paz não pode ser fundada senão sobre a base da jus-tiça social”. A OIT, por sua vez, impulsionou a ação legislativa de natureza internacional acerca das questões relativas ao trabalho, estabelecendo um rol de direitos do trabalhador havidos como fundamentais e obrigatórios para todos os estados signatários do Tratado. Em consequência, a maioria dos Estados Democráticos de Direito promoveu a constitucionalização dos direitos fundamentais sociais, havidos direitos fundamentais de segunda ge-ração. Cristalizou-se, assim, o chamado “Estado de bem-estar social”, ga-rantindo e incrementando os direitos sociais por meio de vigorosa atividade estatal intervencionista.

Todavia, encontra-se em andamento, presentemente, em âmbito mundial, progressivo e inquietante, processo de crise econômica e social e que atinge fortemente o Brasil. Em situações da espécie, as principais medi-das que são engendradas para conter a deterioração do cenário econômico--social são aquelas que alcançam principalmente os trabalhadores. Estes são alvo de deliberações que representam ameaça a direitos duramente con-quistados, sem que se observe, de parte do Estado, igual disposição para abrir mão da elevada carga tributária que oprime o empresariado, atitude que poderia minimizar a conflituosa relação entre trabalhadores e emprega-dores. Com efeito, é cediço que o essencial do chamado “custo” da contra-tação e manutenção de empregados não é representado pelos valores pagos diretamente ao trabalhador, e sim diz respeito às contribuições repassadas aos cofres públicos por força dos aludidos contratos.

Neste cenário de adversidade é apresentada, como medida para es-tancar a crise, a flexibilização, considerada

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movimento impulsionado pela ideologia neoliberal, que pretende suprimir ou relativizar as normas jurídicas que garantem a proteção do empregado na relação contratual com o seu empregador, com vistas a “baratear” a mão-de--obra e o “custo” da produção, viabilizando, pretensamente, a competitivi-dade das empresas no mercado globalizado. (Goldschmidt, 2009, p. 129).

Na esteira da flexibilização, surge como subproduto a terceirização.

A globalização é processo, iniciado a partir dos anos 80, que tem nuanças econômicas (formação de blocos regionais e empresas transnacio-nais), políticas (dificuldade dos Estados de estabelecer políticas independen-tes de desenvolvimento), sociais (síndrome de exclusão social), ambientais (destruição dos recursos naturais) e culturais (padronização do mundo ao molde americano de vida), com reflexos no Direito do Trabalho, na medida em que ameaça a regulação jurídica do tipo clássico. A terceirização tem por objetivo a redução do custo da mão de obra, destruindo o arcabouço de proteção dos direitos sociais (Goldschmidt, 2009, p. 119-128).

Com efeito, os modelos de produção capitalista sofreram profundas mudanças a partir do final do século XIX. Ao Taylorismo, que teve início a partir do último quarto do século XIX, fundamentado na divisão do trabalho em níveis (gerentes e não gerentes) e na eficiência, seguiu-se o Fordismo, implementado a contar do segundo quarto do século XX. Este modelo assen-tava-se na linha de produção em série, compartimentalização das atividades e pouca especialização. A redução da produtividade, o aumento do capital e a saturação do consumo em massa, com a consequente redução dos lu-cros, ensejaram a crise deste padrão. O capital, então, passou a empregar a denominada reestruturação produtiva, que implica maior racionalização de máquinas e equipamentos e aumento do controle sobre o trabalho. O Toyotismo reorganizou o processo de produção, exigindo trabalhadores de alta qualificação, aptos a executar diversas funções e dispostos a sugerir medidas capazes de impulsionar o processo produtivo. Uma de suas carac-terísticas é “a modificação de vários aspectos do processo de produção por meio da desregulamentação, da fragmentação da classe trabalhadora, da precarização do emprego e do trabalho, da terceirização da força de traba-lho e da ruptura do sindicalismo” (Hoffmann, 2003, p. 153).

A flexibilidade e a desregulamentação passaram a ser anunciadas como autêntica panaceia para todos os males, desde a crise de emprega-bilidade e empregos até as dificuldades financeiras das empresas. Estas, sob o argumento de necessidade de redução de custos, lançaram mão de processo de delegação a terceiros, muitas vezes sem qualquer idoneidade financeira, da execução de parte de suas atividades, e, não raro, de sua pró-

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pria atividade finalística, tudo em nome do crescimento econômico e sob a onírica promessa de criação de novos postos de trabalho.

Sob pressão do capital, o Estado foi paulatinamente reduzindo as normas de proteção, afastando-se progressivamente das relações laborais e abrindo espaço para a atividade dos sindicatos, com incontestável prestígio à negociação coletiva. Entretanto, o cenário econômico, com destaque para o agravamento do desemprego, determinou a perda, pelos sindicatos, de sua potencialidade de pressão e negociação. O desamparo, determinado pela rarefação das normas estatais e pela prostração dos sindicatos, motivou os trabalhadores a buscar nos direitos fundamentais, assegurados na Cons-tituição Federal, os meios para recompor o equilíbrio entre os seus direitos e os poderes empresariais, bem assim para estabelecer freio à opressora precarização das relações laborais.

1.1 o pApel dos direitos FundAmentAis

Os direitos fundamentais encerram critérios para a interpretação e aplicação do amplo conjunto de normas que forma o arcabouço jurídico, em que se incluem aquelas que disciplinam as relações de trabalho. A pró-pria Constituição Federal demonstra o cuidado com essa categoria de direi-tos, tendo reconhecido a valorização do trabalho humano como fundamen-to da ordem econômica (art. 170). Para Gomes (2005, p. 57-58), ao afirmar a dignidade humana como um valor supremo da ordem jurídica, a Carta Magna inova ao inserir, no rol de direitos fundamentais, os direitos civis e políticos, acompanhados dos direitos sociais,

a manter, assim, o trabalhador sob o manto protetor de suas normas inscul-pidas nos arts. 7º e 8º, no sentido de superar a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não serem direitos legais; mas, ao contrário, consagra os mesmos como verdadeiros direitos fundamentais.

No presente cenário econômico-social, recrudesce a importância acerca da percepção dos direitos fundamentais, de sua dimensão e eficácia, como instrumentos indispensáveis para organizar as atividades do Execu-tivo, demarcar a função legiferante e legitimar a função jurisdicional no exame das normas e regras que orientam a atividade econômica e sua cor-respondente força motriz, definida no trabalho humano.

1.2 vinCulAção dos poderes públiCos Aos direitos FundAmentAis

Os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Em razão de sua

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natureza de direitos subjetivos, facultam a seus titulares impor seus interes-ses em face dos órgãos que a eles se vinculam. Como elementos fundamen-tais da ordem constitucional objetiva, estabelecem a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito Democrático (Mendes, 2007, p. 2).

Por se encontrarem previstos na Constituição Federal, os direi-tos fundamentais tornam-se parâmetros de sistematização e de limitação dos poderes constituídos (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário). Sua constitucionalização não permite que haja simples autolimitações dos po-deres constituídos, suscetíveis a alterações ou supressão ao arbítrio destes. “Nenhum desses Poderes se confunde com o poder que consagra o direito fundamental, que lhe é superior. Os atos dos poderes constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à invalidade se os desprezarem” (Mendes et. al, 2007, p. 235).

Os direitos fundamentais foram concebidos originariamente como di-reitos de defesa, para colocar o cidadão a salvo de interferências indevidas do Estado. Atendida essa dimensão, ao Poder Público era conferida compe-tência negativa, o que determinava a obrigação de respeitar o núcleo básico de liberdades do cidadão. Trata-se da chamada eficácia vertical, necessária, ante a manifesta desigualdade do indivíduo perante o Estado, a quem são atribuídos poderes de autoridade. Para Canotilho (1999, p. 383), a função de direitos de defesa dos cidadãos, exercida pelos direitos fundamentais, compreende dupla perspectiva: (1) no plano jurídico-objetivo, representam normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo sua interferência na esfera jurídica individual; (2) no plano jurídico-subjetivo, significam o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberda-de positiva) e de exigir abstenções do Estado, a fim de evitar ações lesivas por parte deste (liberdade negativa).

Entretanto, com a transformação das relações sociais e o incremento de suas reivindicações, o mero dever de abstenção revelou-se insuficiente, circunstância que deu nascimento à chamada vinculação positiva dos po-deres públicos. Esta implica ação do Estado, a quem incumbe adotar políti-cas e ações aptas a fomentar a preservação dos direitos e das garantias dos indivíduos, concretizando assim o ideário do Estado Social.

A vinculação positiva do Estado abarca os Poderes Executivo, Judiciá-rio e Legislativo. Do primeiro exige-se o fomento de políticas públicas desti-nadas à efetivação dos direitos e das garantias do cidadão, além de interpre-tação e aplicação das leis em consonância com os direitos fundamentais. Ao Judiciário é confiada tarefa substancial na defesa dos direitos fundamentais, em especial diante do preceito insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição

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Federal, que consagra a inafastabilidade da jurisdição, incumbindo-lhe, no exercício de suas atribuições, imprimir a esses direitos a máxima eficácia possível, a par de recusar aplicação a preceitos que desrespeitem os direitos fundamentais.

No âmbito do Poder Legislativo, a atividade legiferante deve atuar de forma a manter coerência com o sistema de direitos fundamentais. De outra parte, “a vinculação aos direitos fundamentais pode assumir conteúdo posi-tivo, tornando imperiosa a edição de normas que dêem regulamentação aos direitos fundamentais dependentes de concretização normativa” (Mendes, 2007. p. 235).

A vinculação aos direitos fundamentais expressa, para o legislador, uma demarcação material de sua liberdade de conformação na esfera de sua ação regulamentadora e concretizadora. Além disso, a norma inserta no art. 5º, § 1º, da Constituição Federal determina limitação das possibilidades de restrição, pelo legislador, no âmbito de proteção dos direitos fundamen-tais. Embora apenas o legislador esteja autorizado a introduzir restrições aos direitos fundamentais, encontra-se ele vinculado a tais direitos, “podendo mesmo afirmar-se que o art. 5º, § 1º, da CF traz em seu bojo uma inequívoca proibição de leis contrárias aos direitos fundamentais, gerando a sindicabili-dade não apenas do ato de edição normativa, mas também de seu resultado, atividade, por sua vez, atribuída à Jurisdição Constitucional” (Sarlet, 2008, p. 387).

Aspecto controvertido no que respeita à vinculação do legislador aos direitos fundamentais é aquele pertinente à chamada proibição de retro-cesso.

1.3 proibição de retroCesso

O princípio da proibição de retrocesso social implica garantia ao ci-dadão contra a atuação regressiva do Estado, proibindo a elaboração de leis que, embora não sejam retroativas, determinem redução dos direitos sociais anteriormente assentados.

A corrente que defende a proibição de retrocesso afirma que, relati-vamente aos direitos fundamentais que dependem de ação legislativa para sua concretização, uma vez alcançando determinado grau de sua realiza-ção, normatização posterior não pode reverter os progressos obtidos. “A realização do direito pelo legislador constituiria, ela própria, uma barreira para que a proteção atingida seja desfeita sem compensações” (Mendes et. al, 2007, p. 236).

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Mendes (2007. p. 236) informa que o segmento que admite a revisão, pela ação legislativa, de direitos conquistados argumenta que o princípio da proibição de retrocesso não pode ser genericamente acolhido, em razão da liberdade assegurada ao legislador de conformar tais direitos, afirmando ainda que a aplicação de forma indistinta de tal princípio conduziria à des-truição da autonomia do Poder Legislativo.

Para Sarlet (2007, p. 436), a problemática da proibição de retrocesso guarda estreita vinculação com a noção de segurança jurídica, princípio inafastável do Estado de Direito e umbilicalmente associado à própria con-cepção de dignidade da pessoa humana. A dignidade não será adequada-mente respeitada e protegida quando as pessoas estiverem sujeitas a um tal grau de instabilidade jurídica que não lhes seja possível, com um mínimo de segurança e serenidade, confiar nas instituições e em uma certa perenidade das suas próprias posições jurídicas.

Dito de outro modo, a plena e descontrolada disponibilização dos direitos e dos projetos de vida pessoais por parte da ordem jurídica acabaria por transformar os mesmos (e, portanto, os seus titulares e autores) em simples instrumento da vontade estatal, sendo, portanto, manifestamente incompatí-vel mesmo com uma visão estritamente kantiana da dignidade. (Sarlet, 2007, p. 437)

A dignidade da pessoa humana reclama proteção diante de atos de caráter retroativo e também em face de medidas retrocessivas, que não po-dem ser consideradas como propriamente retroativas, na medida em que respeitam os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Emenda constitucional ou lei ordinária que conduza à supressão de certos conteúdos da Constituição ou à revogação de normas legais regulamentado-ras de dispositivos constitucionais, destacadamente em matéria de direitos sociais, ainda que com efeitos tão somente prospectivos, podem configurar ofensa ao princípio da proibição de retrocesso.

A vedação de retrocesso também decorre do princípio da maximi-zação da eficácia das normas de direitos fundamentais. O art. 5º, § 1º, da Constituição Federal estende sua proteção aos direitos fundamentais em face do poder constituinte reformador e também diante do legislador ordi-nário e demais órgãos estatais,

que, portanto, além de estarem incumbidos de um dever permanente de de-senvolvimento e concretização eficientes dos direitos fundamentais (inclusi-ve e, no âmbito da temática versada, de modo particular os direitos sociais), não pode – em qualquer hipótese – suprimir pura e simplesmente ou restrin-gir de modo a invadir o núcleo essencial do direito fundamental ou atentar,

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de outro modo, contra as exigências da proporcionalidade. (Sarlet, 2007, p. 452-453)

A proibição de retrocesso, embora não deva ser havida como regra geral de cunho absoluto, sob pena de ofensa à autonomia do legislador, não pode comprometer o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados pelo legislador. Para Canotilho (1999, p. 338-339), os direitos sociais e econômicos, tais como os direitos dos trabalhadores, o direito à as-sistência e à educação, uma vez alcançado determinado nível de concreti-zação, passam a representar, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. O princípio da proibição de retrocesso social, segundo o mestre português, pode assim ser formulado:

o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas [...] deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse nú-cleo essencial. (Canotilho, 1999, p. 340).

Não se trata de assegurar, em abstrato, um status quo social, e sim de resguardar direitos fundamentais sociais, destacadamente no seu núcleo essencial.

A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reservisibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. (Canotilho, 1999, p. 340)

No sistema jurídico brasileiro, o princípio da proibição do retrocesso se encontra manifestamente contemplado no caput do art. 7º da Constitui-ção Federal, que prescreve que

são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social: [...] (destacou-se). No dispositivo em ques-tão encontra-se elencado rol de direitos fundamentais sociais. Atendido o que consta no caput, imperativo concluir que é permitido ao legislador ape-nas estipular outros direitos que determinem avanço de tais direitos e nunca o retrocesso. (Goldschmidt, 2011, p. 360)

Ao discorrer sobre as normas programáticas e a constitucionalidade das leis, Silva (2008, p. 159) afirma que a última parte do caput do art. 7º da Constituição Federal (“além de outros que visem à melhoria de sua con-dição social”) é de natureza programática, acrescentando que o legislador,

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ao outorgar outros direitos aos trabalhadores, tem ampla discricionariedade, achando-se, entretanto, condicionado ao objetivo proposto, qual seja a me-lhoria da condição social do trabalhador.

Qualquer providência do Poder Público, específica ou geral, que contrave-nha a esse fim é inválida e pode ser declarada sua inconstitucionalidade pelo juiz, sendo de notar que este também goza de discricionariedade, já que a Constituição não deu o sentido do que se deva entender por melhoria da condição social do trabalhador. (Silva, 2008, p. 159)

2 a terceIrIzação No modelo jurídIco braSIleIro

O modelo clássico trabalhista assenta-se na relação de emprego típi-ca, gerada pelo contrato de trabalho de prazo indeterminado, com empre-gador único.

Entretanto, as pressões determinadas pelos novos modos de produ-ção, que demandam especialização em todas as áreas, provocaram o sur-gimento do fenômeno da descentralização das atividades empresariais. Em lugar do modelo tradicional, em que a relação jurídica de emprego era, no plano formal e fático, estabelecida com o tomador do serviço, surge relação trilateral, que engloba o trabalhador, que tem vínculo jurídico com empresa terceirizante, mas que, no cotidiano, trabalha no âmbito e em pro-veito da tomadora dos serviços. A este processo convencionou-se chamar terceirização, que consiste em transferir para outras empresas atividades havidas secundárias. Desta forma, a empresa pode centrar suas atenções na atividade-fim, delegando a outros parceiros econômicos as chamadas atividades de suporte. Não obstante seus resultados economicamente vanta-josos, o processo trouxe também consequências socialmente nefastas, com destaque para a precarização das relações de trabalho, redução salarial, fragmentação das relações trabalhistas e utilização abusiva pelas empresas, que passaram, não raro, a utilizar o expediente com o único propósito de reduzir o custo da mão de obra.

A prática da terceirização, entretanto, mostrou-se irreversível, forçan-do o legislador brasileiro e o aplicador do Direito a normatizá-la e a extre-mar seus contornos, com o intuito de evitar a fraude e a simulação.

O fenômeno, cujas raízes são encontradas no período da II Guerra Mundial, quando as empresas produtoras de armas, em face da sobrecarga de trabalho, passaram a delegar serviços a terceiros, chegou ao Brasil na década de cinquenta, trazida por multinacionais preocupadas em centrar seus interesses na sua atividade principal.

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A Consolidação das Leis do Trabalho, em consonância com o modelo econômico e social vigente no período em que editada, apenas fez menção à empreitada e à subempreitada (art. 455) como figuras de subcontratação de mão de obra.

Em meados da década de 60, introduziu-se no Brasil, por meio do Decreto-Lei nº 200/1967 e da Lei nº 5.645/1970, a descentralização ad-ministrativa. Esta legislação autorizava a contratação de trabalhadores por interpostas empresas, para realização de serviços de apoio, assim conside-rados aqueles de transporte, conservação, custódia, operação de elevado-res, limpeza e outras atividades assemelhadas, conforme disposto no art. 3º, parágrafo único, da Lei n º 5.645/1970.

No setor privado, como reação à multiplicação de empresas que eram criadas com o único propósito de fornecer mão de obra a outras em-presas, surgiu a Lei nº 6.019/1974, que limitava a contratação de trabalha-dores, mediante empresa interposta, para atender necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da tomadora ou acréscimo extraordinário de serviços. Esta lei autoriza a terceirização em atividade per-manente, mas estabelece restrição temporal relevante. O prazo máximo do contrato entre a tomadora e a fornecedora de mão de obra em relação a um mesmo empregado é de noventa dias, salvo autorização do Ministério do Trabalho.

A Lei nº 7.102/1983 autorizou a terceirização permanente das ativi-dades de vigilância no setor bancário, sendo a prática posteriormente permi-tida também para outros estabelecimentos, públicos ou privados, inclusive segurança de pessoas físicas, além do transporte de valores ou garantia do transporte de qualquer tipo de carga, conforme modificações introduzidas no art. 10 da Lei nº 7.102 pela Lei nº 8.863, de 28 de março de 1994.

3 a terceIrIzação e a Súmula Nº 331 do trIbuNal SuPerIor do trabalHo

Não obstante a normatização jurídica, claramente restritiva, na prá-tica, a terceirização passou a ser realizada de forma mais ampla do que aquela permitida pela legislação, circunstância que determinava o reiterado exame pela Justiça laboral da matéria. Na tentativa de unificar o entendi-mento sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho editou, em 1986, o Enunciado nº 256, que foi revisto, em dezembro de 1993, pelo Enun-ciado nº 331 (atualmente denominado Súmula, por força da Resolução nº 129/2005 do TST).

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Segundo o atual entendimento jurisprudencial predominante (Súmu-la nº 331 do TST), mostra-se lícita a terceirização nas seguintes situações: (a) necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora ou necessidade resultante de acréscimo extraordiná-rio de serviços (art. 2º da Lei nº 6.019/1974); (b) atividades de vigilância; (c) conservação e limpeza; (d) serviços especializados ligados à atividade--meio do tomador. Ressalva-se, contudo, que, exceto no que respeita ao trabalho temporário, nas demais situações, para que seja havida lícita a ter-ceirização, não deve haver pessoalidade e subordinação direta do trabalha-dor ao tomador do serviço.

A experiência, contudo, demonstra que persistem as práticas abusi-vas, com a indiscriminada utilização da fórmula terceirizante para exercício de atividades finalísticas da tomadora do serviço. Carmen Camino registra:

Açodadamente, muitos vislumbraram no referido verbete um amplo espec-tro para a terceirização, esquecidos que a referência a serviços especializa-dos reduz significativamente o campo para serviços terceirizados. O que se diz explicitamente é que, quando necessários e permanentes, os serviços de apoio que demandam especialização na sua consecução podem ser contra-tados de terceiros.1

A situação alcança contornos mais graves no âmbito da Administra-ção Pública, pois, ainda que verificada ilicitude na contratação de traba-lhadores por meio de empresa interposta, a exigência de concurso público para investidura em cargo ou emprego público, expressamente prevista no art. 37, II, da Constituição Federal, inviabiliza o reconhecimento do vínculo de emprego, circunstância que implica conferir-se tratamento vantajoso à ilicitude.

A jurisprudência majoritária acolheu a vedação constitucional. Se-gundo o inciso II da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, “a contratação irregular de trabalhador, por meio de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública dire-ta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da Constituição da República). Esse entendimento é alvo de críticas, na medida em que representa manifesto benefício ao tomador do serviço, responsável pela prática ilícita, a par de representar violação ao princípio da proteção que informa todo o Direito do Trabalho e, por consequência, o instituto da nulidade trabalhista.

No que respeita à responsabilidade do contratante dos serviços, nos termos do inciso IV da Súmula nº 331, havendo inadimplemento das obri-

1 CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. Porto Alegre: SíNTESE, 2003. p. 259.

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gações trabalhistas, por parte do empregador, o tomador do serviço respon-derá, de forma subsidiária, quanto àquelas obrigações, sendo indispensável, entretanto, que tenha participado da relação processual e conste no título executivo judicial. O inciso V da mesma Súmula admite que “os entes inte-grantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiaria-mente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsa-bilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”.

4 a terceIrIzação e o Projeto de leI Nº 4.330/2004

Tema assaz polêmico diz respeito aos novos contornos que se preten-de imprimir à terceirização no âmbito do Direito do Trabalho por meio do projeto de Lei nº 4.330/2004.

Dito projeto de lei tramitou durante cerca de dez anos na Câmara dos Deputados, tendo sido aprovado no mês de abril de 2015, com remessa ao Senado para apreciação no dia 27 daquele mês.

Diferentemente do entendimento hoje predominante, estampado na Súmula nº 331 do TST, que é fruto de interpretação da legislação e dos prin-cípios que orientam o Direito do Trabalho, o projeto de lei pretende ampliar a terceirização, permitindo-a inclusive na atividade finalística da empresa, esta entendida aquela principal e essencial ao funcionamento do empre-endimento. A prevalecer a nova legislação, será afastado o modelo clás-sico trabalhista, fundamentado na relação de emprego típica, gerada pelo contrato de trabalho de prazo indeterminado, firmado diretamente com o tomador do serviço.

Segundo o Projeto de Lei nº 4.330, o contrato de prestação de servi-ços poderá alcançar todas as atividades, sejam elas essenciais, acessórias ou complementares da atividade econômica do contratante.

A proposta é alvo de veementes e fundadas críticas, na medida em que manifestamente fomenta a precarização das condições de trabalho, máxime porque, segundo ensina a experiência, o inadimplemento das obrigações trabalhistas, quando se trata de terceirização, é regra geral, circunstância que motivou a fixação de entendimento majoritário, no âmbito da Justiça do Trabalho, no sentido de atribuir responsabilidade subsidiária do tomador do serviço pelos créditos trabalhistas (TST, Súmula nº 331, IV).

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Abdala (1996, p. 589) explica que a jurisprudência do Tribunal Su-perior do Trabalho orientou-se nesse sentido pelas seguintes razões: (a) o conteúdo do art. 455 da Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê a responsabilidade do empreiteiro principal, nos contratos de subempreitada, em face do inadimplemento do subempreiteiro em relação aos direitos dos empregados deste; (b) a teoria da culpa extracontratual, fundada no dever geral de não causar dano a outrem; (c) a teoria do risco e o princípio da pro-teção, que justificam a preocupação de não deixar ao desabrigo o trabalha-dor e autorizando a responsabilização indireta daquele que se beneficiou da atividade dos trabalhadores. E acrescenta:

Havia uma grita muito grande por parte dos obreiros, mormente quando seu empregador, ou seja, a empresa prestadora de serviços não cumpria suas obrigações legais e nem tinha o obreiro como fazê-la cumprir. E a realidade demonstrava ter existido um boom nesse tipo de atividade, com muitas pes-soas aventureiras ou inescrupulosas criando empresas de prestação de servi-ço que não tinham condições de cumprir, ou, o que é pior, não cumpriam dolosamente suas obrigações trabalhistas; verdadeiras empresas fantasmas que apareciam e desapareciam, como que por milagre (do demônio natural-mente), para reabrirem acolá e novamente irem embora, como as pombas de Raimundo Correia vão-se dos pombais ao alvorecer. (Abdala, 1999, p. 589)

Embora o artigo supramencionado tenha sido escrito em 1996, passa-das quase duas décadas, a experiência demonstra que a realidade descrita pelo doutrinador não sofreu alterações, mostrando-se a terceirização, tanto lícita quanto ilícita, prática adotada de forma maciça e indiscriminada, em geral com inadimplemento de parte da prestadora dos serviços das obri-gações trabalhistas mais básicas, circunstância que compromete o núcleo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Apregoa-se que a terceirização dos serviços promove redução de cus-tos, estimula a criação de postos de trabalho e permite às empresas con-centrar esforços em sua atividade principal, o que fomenta a eficiência e a competitividade. A realidade, entretanto, demonstra a falácia de tal argu-mentação.

Exame cuidadoso indica que a presença de empresa de prestação de serviços na intermediação de mão de obra implica aumento de custos e não sua redução. Com efeito, é cediço que todos os empreendimentos econômicos têm por objetivo o lucro. Desta forma, havendo contratação de trabalhadores por meio de empresa interposta, além dos custos diretos dos encargos trabalhistas, existe ainda o lucro da própria empresa que realiza a intermediação de mão de obra, o que determina majoração do valor pago

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pela tomadora do serviço. Não bastasse isso, a possível – e por que não di-zer previsível, segundo comprova a experiência – responsabilidade solidária e/ou subsidiária da tomadora do serviço na hipótese de inadimplemento dos créditos trabalhistas determina a conclusão de que a terceirização prudente e responsável se afigura inviável.

A terceirização não contribui para a criação de postos de trabalho. Ao contrário, fomenta a precarização, na medida em que atua como mecanis-mo de redução de garantias e de direitos para boa parte dos empregados ter-ceirizados, a quem são pagos salários mais baixos e concedidos benefícios menores do que aqueles assegurados aos empregados da empresa tomadora dos serviços, além de serem seus contratos menos duradouros.

As estatísticas demonstram que a terceirização potencializa os riscos à saúde e à integridade física dos trabalhadores terceirizados. Com efei-to, a contenção de dispêndios em intermediação desta espécie de mão de obra implica redução de investimento no treinamento e nas condições de segurança e saúde de tais trabalhadores, de modo que quatro em cada cin-co mortes por acidente de trabalho no Brasil ocorrem com empregados de empresas prestadoras de serviços e a cada dez acidentes de trabalho oito acontecem em empresas que utilizam mão de obra terceirizada. Tal circuns-tância onera a Previdência Social e, indiretamente, toda a sociedade.

O empregado terceirizado, em razão da grande rotatividade, não se integra à empresa em que trabalha e tampouco lhe são assegurados os mes-mos direitos garantidos aos empregados diretamente contratados. A terceiri-zação dificulta a capacidade de reivindicar e debilita a organização coleti-va, além de esvaziar a função social da propriedade.

A possibilidade, aberta pelo Projeto de Lei nº 4.339, de terceirização de todas as atividades da empresa afronta a Constituição Federal, na medi-da em que esta estabeleceu o valor social do trabalho como fundamento da República (art. 1º, IV), determinou a eliminação de todas as formas de discriminação (art. 7º, XXXI), a melhoria da condição social dos trabalha-dores (art. 7º, caput) e a organização da economia consoante os ditames da justiça social (art. 170), objetivos que não serão atingidos se for permitida a utilização do trabalho humano como simples mercadoria, que deve ser adquirida com o menor custo possível e que é, em última análise, o objetivo da terceirização indiscriminada.

Os princípios constitucionais, com sua inequívoca carga normativa, representam alicerce inquebrantável ao reconhecimento da inconstitucio-nalidade de normas que retirem direitos conquistados dos trabalhadores.

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Com efeito, a Constituição Federal, em diversos dispositivos, de que são exemplos o art. 1º, inciso III (princípio da dignidade da pessoa humana) e inciso IV (valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado de Direito), art. 3º, inciso I (construção de sociedade livre, justa e solidária como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil), art. 4º, inciso II (prevalência dos direitos humanos), art. 6º (consagração dos direitos sociais) e art. 170, inciso III (função social da propriedade), conferiu manifesta prevalência à proteção do trabalho humano e dos cré-ditos trabalhistas. A concretização de tais princípios é que deve orientar a interpretação de todas as normas que integram o ordenamento jurídico, com a consequente asseguração, a quem trabalha, de condições adequadas de remuneração, segurança e saúde, postura indispensável para assegurar o chamado mínimo existencial, elemento fundamental da dignidade humana.

O projeto em questão também infringe o princípio da proibição de re-trocesso antes analisado e contemplado expressamente, no que respeita aos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores, no art. 7º, caput, da Cons-tituição Federal, que estabelece limites à ação do legislador, permitindo-lhe apenas estipular outros direitos que impliquem melhoria da condição social dos trabalhadores. Tal circunstância sujeita o Projeto de Lei nº 4.339/2004 à declaração de inconstitucionalidade.

coNcluSão

A crise econômica e social que atinge fortemente o Brasil vem pro-vocando a tentativa de implementação de medidas que representam séria ameaça a direitos duramente conquistados pelos trabalhadores, destacando--se, entre elas, a ampliação da possibilidade de terceirização dos serviços.

Neste cenário, de possível avanço da precarização das relações labo-rais, recrudesce a importância da percepção dos direitos fundamentais, de sua dimensão e eficácia, como mecanismos indispensáveis para sistemati-zar as atividades do Executivo, demarcar a função legiferante e legitimar a função jurisdicional no exame das normas e regras que disciplinam a ativi-dade econômica e o trabalho humano.

Os Poderes Públicos encontram-se vinculados aos direitos funda-mentais. Do Executivo exige-se a concretização de políticas públicas que promovam a efetivação dos direitos e das garantias do cidadão, além de interpretação e aplicação das leis em conformidade com os direitos judi-ciais. Ao Judiciário incumbe a defesa dos direitos fundamentais, devendo, no exercício de seus misteres, imprimir a esses direitos a máxime eficácia

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possível, a par de recusar aplicação a preceitos que impliquem desrespeito a tais direitos.

O Poder Legislativo, por sua vez, deve atuar de forma a manter coe-rência com o sistema dos direitos fundamentais e com o princípio da proi-bição de retrocesso, resguardando o núcleo essencial dos direitos funda-mentais sociais. Especificamente quanto aos direitos fundamentais sociais do trabalhador, o preceito estampado no caput do art. 7º da Constituição Federal somente permite ao legislador infraconstitucional estipular outros direitos que determinem o avanço de tais direitos e nunca o retrocesso.

A terceirização, autorizada, como regra geral, em atividades de apoio, enfrenta justificável resistência, na medida em que provoca a precarização dos direitos dos trabalhadores.

O Projeto de Lei nº 4.330/2004, que pretende ampliar a terceiriza-ção, permitindo-a em todas as atividades, sejam elas essenciais, acessórias ou complementares da atividade econômica do contratante, reveste-se de inconstitucionalidade, na medida em que afronta princípios constitucionais, com destaque para o princípio da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho, da prevalência dos direitos humanos, da função social da proprie-dade e da vedação de retrocesso.

referÊNcIaSABDALA, Vantuil. Terceirização: atividade-fim e atividade-meio – responsabilidade subsidiária do tomador de serviço. Revista LTr, São Paulo, v. 60, n. 5, maio 1996.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Juridicamente, a Terceirização Já Era: Acabou!

JORgE LuIZ SOuTO mAIORJuiz do Trabalho, Titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí/SP e Professor da FAC, Direito, USP.

SUMÁRIO: 1 Alienação e otimismo; 2 O paradoxal impulso do avanço; 3 Superação da Súmula nº 331 do TST; 4 Fim da terceirização; 5 Conclusão.

1 alIeNação e otImISmo

Permitam-me interromper essa onda de pessimismo que tem sido es-palhada diariamente pela grande mídia e que se encontra estampada tam-bém nos discursos da intelectualidade de esquerda.

Sei que em um momento complexo como este, em que tantos, por tantas razões diferentes, nem sempre muito bem compreendidas, apostam no caos, ou o assumem como inexorável, podendo-se identificar um proces-so de dessolidarização ou desumanização, falar em otimismo pode parecer meio idiota. Mas ser otimista quando está tudo bem é fácil, embora o que se devesse exigir nas épocas de bonança fosse uma boa dose de pessimismo para evitar os mascaramentos. Então, em momentos de depressão, o papel da razão não é aprofundar o desespero e sim tentar trazer à tona fatores fa-voráveis para impulsionar ações positivas, sem se deixar levar, é claro, pelas banalidades da autoajuda e sem reforçar as lógicas de alienação.

Não se trata apenas de ser otimista pelo resultado prático da vontade, guardando o pressuposto necessário do pessimismo na formulação teórica, mas de encontrar na realidade elementos de otimismo que reforçam e dão base material para a mobilização, até porque a vida social é repleta de con-tradições, decorrente que é de um percurso dialético.

O otimismo preconizado no presente texto, portanto, não vem de uma ilusão, de um sonho fugaz ou de mera “força de vontade”, mas de constatações extraídas de dados da realidade, que, diante de uma visualiza-ção que se pauta apenas pelo pessimismo e o desespero, poderiam passar despercebidos.

Nos jornais de cada manhã e em cada programa jornalístico no rádio e na TV é notória a insistência em destacar a existência de uma crise que é ao mesmo tempo econômica, institucional, política e moral. Uma insis-

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tência que tenta nos conduzir a um vazio existencial, ao mesmo tempo em que indica como possibilidade de redenção a percepção exclusiva de que o “inferno são os outros”.

Essa forma de descrever a realidade busca espraiar o desânimo, re-duzindo, ou mesmo eliminando, a crença na capacidade da ação coletiva para promover mudanças na realidade social no sentido da justiça social. Impulsiona-se o individualismo e o “salve-se quem puder”, isso quando não se vai ao ponto de propugnar uma mobilização para impor retrocessos.

Esse é um dado concreto, que pode ser verificado nos documentos produzidos pela grande mídia e em algumas das manifestações “domini-cais” que ocorreram recentemente no País.

Na linha do otimismo realista, há de se perceber que essa autêntica luta da grande mídia não se dá por acaso. Bem ao contrário, é reveladora de que o conservadorismo está em desespero com relação às mudanças que vêm ocorrendo no Brasil nas últimas décadas, cabendo, neste passo, uma ressalva, porque, no momento complexo de exposição de ideias partidaria-mente comprometidas, é sempre muito perigoso ser otimista e dizer o que acabei de dizer, pois alguém já entenderá, conforme a sua conveniência, que eu esteja fazendo uma defesa do Partido dos Trabalhadores ou da Pre-sidenta Dilma. Pois bem, não estou nem de longe tratando desse embate partidário, e quando falo de mudanças positivas havidas nas últimas déca-das estou no plano da dinâmica social, que transcende as formas Estado e Direito. Falo, aliás, de mudanças que se deram a despeito da repressão e das estruturas retrógadas, levadas a efeito por todos os governos de todos os partidos no poder durante esse mesmo período. Verifique-se, por exem-plo, o caso da terceirização, que começou no governo Collor, avançou no governo FHC, foi consolidada no governo Lula e procura uma generali-zação no governo Dilma, o que demonstra, claramente, a importância de nos afastarmos de qualquer tipo de retórica partidária-eleitoral se quisermos compreender a realidade e interagir com ela.

Sem procurar diminuir retoricamente a gravidade do momento e sem tentar minimizar os erros dos diversos partidos no que tange ao acatamento da lógica neoliberal, que impõe redução de direitos trabalhistas e sociais como forma de salvar o capitalismo e também no que se refere aos ajustes com setores específicos do grande capital para sustentação da “governabi-lidade”, da qual se alimentam a corrupção e o favoritismo, o fato incontes-tável é que diversos segmentos da sociedade, carregando consigo a marca comum da opressão, organizaram-se e, se não obtiveram vitórias definitivas

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e plenas, atingiram um estágio de mobilização e consciência que é impos-sível que retrocedam.

Os avanços verificados no que se refere às questões de gênero, de raça, de etnia, de orientação sexual, da essência dos direitos sociais e tra-balhistas, da emergência da construção da justiça social e até mesmo da consciência da existência de uma sociedade de classes, são mudanças que, mesmo ainda longe de um patamar ideal, se apresentam como irreversíveis. Por mais pessimista ou reacionário convicto que se queira ser, é impossível reverter o processo de avanço nas temáticas referidas, que incluem, ainda, o relevante protagonismo assumido pela juventude nas mobilizações que resultaram em junho de 2013.

E, como dito, embora os avanços na condição dos oprimidos ainda estejam muito aquém do necessário, que é o fim das diversas formas de opressão, a capacidade de organização e de mobilização dos grupos dire-tamente envolvidos é um aprendizado que não tem como ser extraído da inteligência social.

Assim, pode-se dizer que há uma espécie de “utopia” da direita con-servadora em querer manter inalterada a realidade de uma sociedade ainda economicamente desigual e ao mesmo tempo oligárquica, elitista, racista, machista, LGBTfóbica e opressora.

Dentro desse contexto do percurso irreversível de avanços sociais e humanos, destacando-se a perda do medo de lutar por direitos, a insistência da grande mídia em ver crise em tudo e em difundir o desânimo apresenta--se como uma tentativa quase desesperada de impedir que “o medo acabe”. Como diz o escritor moçambicano Mia Couto, na sociedade estruturada no medo, aqueles que se situam em uma posição de privilégio têm “medo de que o medo acabe”1...

Mas está acabando...

2 o ParadoXal ImPulSo do avaNço

Segundo decreta a sabedoria popular: “não mexe, senão fede!”. Mas a soberba dos que se integram à classe economicamente dominante da so-ciedade pouco se importa em saber o que o povo diz e assim acaba por des-conhecer qualquer limite na defesa de seus interesses exclusivos. Foi desse modo que quebraram a regra de ouro da dominação, já expressa por Pascal,

1 Mia Couto. Disponível em: <https://www.google.com.br/?gws_rd=ssl#q=mia+couto+medo>. Acesso em: 12 jun. 2015.

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no sentido de que o “[O povo] não deve sentir a verdade da usurpação: ela foi um dia introduzida sem razão e tornou-se razoável; é preciso fazer que ela seja vista como autêntica, eterna, e esconder o seu começo se não qui-sermos que logo tenha fim”.

Fato é que, não satisfeitos em explorar o trabalho, auferindo lucros não só por meio da mais-valia como também pelas formas já extremamente precarizadas das relações de trabalho, os representantes do capital, sentindo um momento político favorável para levar adiante seus anseios, que, em certa medida, guardam relação com estruturas culturais escravistas e colo-nialistas, vieram a público pleitear a ampliação da terceirização.

Paradoxalmente, foi aí que a coisa desandou.

Ocorre que, impulsionado pela força da grande mídia, que, por ra-zões particulares, se mostrou bastante interessada no tema, o debate a res-peito da terceirização acabou atingindo a todas as pessoas da sociedade, in-dependente do credo ou profissão. Hoje não há cidadão brasileiro que não tenha sido ao menos informado sobre a terceirização, sendo que a grande maioria procurou inclusive firmar uma posição a respeito. Jornalistas, políti-cos, professores, estudantes, advogados, juízes, procuradores, empresários, atletas, operários, empregados domésticos, médicos, ferroviários, enfermei-ros, dentistas, rodoviários, servidores públicos etc., todos, enfim, ficaram sabendo do PL 4.330 e da pretensão de se alargarem as possibilidades do trabalho terceirizado.

Formaram-se, a partir daí, dois grandes grupos: o dos defensores da ampliação da terceirização e o dos opositores da ideia, entre os quais me incluo.

O projeto de lei, agora no Senado, no qual ganhou o número PLC 30, ainda não foi definitivamente votado, mas, independente do resultado, já é possível extrair dois efeitos de toda essa discussão.

Primeiro, que 12 milhões de trabalhadores terceirizados, na sua maio-ria mulheres, saíram da invisibilidade a que foram submetidos há décadas.

Segundo, que todas as pessoas da sociedade, entre elas os próprios terceirizados, tomaram consciência das perversidades da terceirização.

E estes são efeitos necessários, inevitáveis e irreversíveis.

Dito de outro modo, independente de qualquer resultado a que se chegue no processo legislativo, não será possível reconduzir esses trabalha-dores à condição de pessoas invisíveis, e não haverá retórica suficiente para

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suprimir a consciência adquirida de forma pública e unânime em torno dos males da terceirização.

Há de se ter, inclusive, a percepção de que muito já se fez durante esse longo período de extenso debate, sendo de se destacar a formação de um Fórum Nacional de Combate à Terceirização, formado por professo-res, sociólogos, economistas, advogados, sindicalistas, juízes do trabalho, procuradores do trabalho, auditores fiscais do trabalho e demais entidades e profissionais ligados à defesa dos direitos dos trabalhadores, que conse-guiram difundir, inclusive junto à grande mídia, a perspectiva da classe tra-balhadora sobre o tema, chegando à realização de audiências públicas nas assembleias estaduais de todo o País.

Esse poder de organização e de mobilização para uma ação coletiva multidisciplinar, por si, já é um avanço que não pode ser desconsiderado.

Já é um dado da realidade, portanto, a percepção pública da condi-ção precária de vida e de trabalho dos terceirizados.

O efeito inevitável de tudo isso, ou seja, do que já foi feito, é que a terceirização, tal qual fora juridicamente concebida desde 1993, quando editado o Enunciado nº 331, do TST (hoje, Súmula nº 331), não se sustenta mais, isto porque se há um ponto em comum entre defensores e opositores do PL 4.330 é o de que a terceirização, no modo como se encontra regula-da, é um grande mal para os trabalhadores terceirizados.

Diante das evidências denunciadas, os defensores da ampliação da terceirização não tiveram como deixar de reconhecer que a terceirização gera riscos aos terceirizados e à eficácia dos seus direitos, tanto que, para atingirem o objetivo de conseguirem ampliar essa forma de exploração do trabalho, ofereceram aos terceirizados, conforme previsto no PLC 30, a res-ponsabilidade solidária entre as empresas tomadora e prestadora dos servi-ços, superando a responsabilidade subsidiária prevista na Súmula nº 331. Além disso, vislumbraram a necessidade de que as empresas prestadoras de serviços, preenchendo os requisitos da especialidade e da qualificação técnica, detenham capital integralizado compatível com a execução dos serviços, isto é, com o custo pertinente ao número de trabalhadores contra-tados, oferecendo, ainda, caução, seguro garantia ou fiança bancária como garantia aos trabalhadores.

Aliás, no afã de venderem o seu peixe, de sentirem a glória de ven-cer o debate, acabaram reconhecendo a relevância do respeito aos direitos trabalhistas constantes da CLT, chegando a dizer que a “nova” regulamen-tação garantiria aos terceirizados a aplicação da CLT, destruindo o discurso

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histórico de que a CLT é ultrapassada e que gera custos insuperáveis às empresas.

Por outro lado, os opositores da ampliação da terceirização valeram--se de imagens e de dados estatísticos que explicitam como o trabalhador terceirizado sofre cotidianamente com a precariedade das condições de tra-balho, a invisibilidade, a discriminação, as jornadas excessivas, os acidentes de trabalho, os baixos salários etc. O que tem ocorrido, basicamente, é que a terceirização, que já atinge 12 milhões de trabalhadores, provocou todos esses efeitos nefastos e que a ampliação da terceirização, mesmo com as garantias oferecidas, tenderá a multiplicar os mesmos problemas, causando, sobretudo, um esfacelamento da organização sindical, que tornaria impossí-vel qualquer mobilização de resistência e de luta dos trabalhadores.

Cumpre perceber que, para rejeitar o projeto de lei de ampliação da terceirização, juristas, políticos e instituições, pintando o quadro sombrio de uma situação futura, pautaram-se não em projeções, mas em imagens do presente e em dados construídos ao longo dos últimos 22 (vinte e dois) anos, durante os quais esteve vigente a Súmula nº 331 do TST, que, a des-peito de limitar a terceirização à atividade-meio, manteve o terceirizado sem qualquer garantia jurídica, possibilitando as formas mais perversas de exploração, cabendo verificar, inclusive, que a jurisprudência não foi efi-ciente para coibir a utilização da terceirização ao ponto da mera maldade, consagrada nas alterações constantes de local e de horário de trabalho e de variações dos tomadores de serviços, além de não ter impedido, também, as fragilizações dos trabalhadores nas subcontratações e na exploração em rede do trabalho.

Neste aspecto da ineficiência do tratamento jurídico dado à tercei-rização para a proteção de direitos fundamentais e o respeito às normas constitucionais, destaque-se ainda a convivência conivente e supressiva da Constituição com a terceirização no serviço público, em que enormes per-versidades contra os trabalhadores se efetivam. No âmbito da Administra-ção Pública, são inúmeros os casos de terceirizados trabalhando há anos sem usufruir férias ou receber a integralidade de seus direitos, inclusive res-cisórios, valendo lembrar que a contratação das empresas terceirizadas se dá por licitação, ganhando aquela que oferece o menor preço, o que carre-ga consigo a lógica da precarização, constituindo, ainda, uma porta aberta para a corrupção, o favoritismo e o desvio temerário do dinheiro público.

Ou seja, após difundidos todos esses discursos e revelada a realidade do trabalho terceirizado, é inevitável reconhecer que os males da terceiri-

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zação não são culpa do PL 4.330, e sim da terceirização em si, sendo certo que o que preconiza o projeto de lei é a formação de um futuro ainda pior.

Mas há de se reconhecer que, em certa medida, as garantias jurídi-cas concedidas pelos defensores da ampliação da terceirização, assumidas como necessárias diante do reconhecimento das perversidades da terceiri-zação, são superiores àquelas que, presentemente, os que se dizem contrá-rios à ampliação da terceirização conseguiram oferecer aos 12 milhões de terceirizados durante 22 (vinte e dois) anos.

Ocorre que, uma vez que já foram oferecidas essas garantias, não há mais como se possa simplesmente retirá-las...

Essa melhoria das garantias aos terceirizados, por si, obviamente, não é motivo para justificar a ampliação da terceirização, mas, paradoxalmente, é razão mais que suficiente para evitar que os 12 milhões de terceirizados sejam mantidos na situação precária em que se encontram.

Nesta medida, a obstrução do projeto de lei que amplia a terceiri-zação, mantendo-a nos padrões da Súmula nº 331 do TST, é um efeito im-possível de ser produzido, vez que representaria a legitimação de todos os efeitos perversos da terceirização denunciados à exaustão.

O resultado inevitável de tudo isso, repita-se, é que já não será mais possível fazer vistas grossas para todos os efeitos nefastos provocados pela Súmula nº 331 do TST, que autorizou, sem qualquer garantia jurídica, a terceirização nos setores público e privado.

Se o PL 4.330 é nefasto para os trabalhadores porque amplia a tercei-rização, à Súmula nº 331 do TST, também é porque é a culpada dos males sofridos atualmente pelos 12 milhões de terceirizados.

Mas aí, cabe reparar, já não é mais mera questão de opinião ou de conveniência. Trata-se mesmo da produção de um efeito social e político, que repercute juridicamente, que extrapola a intenção dos contentores, que é a superação da Súmula nº 331 do TST.

3 SuPeração da Súmula Nº 331 do tSt

De fato, juridicamente falando, a terceirização, tal como regulada na Súmula nº 331 do TST, acabou.

Primeiro, porque se, contrariando a lógica do PL 4.330, que generali-za a terceirização, estabelece-se o raciocínio de que a terceirização só pode ser vislumbrada como forma excepcional de contratação, a Súmula nº 331 do TST não é parâmetro adequado para tanto, pois, como bem destacam até

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mesmo os defensores da ampliação da terceirização, neste ponto, críticos da Súmula, a diferenciação baseada em atividade-meio e atividade-fim é insustentável.

De fato, não se pode dizer, criteriosamente, o que é atividade-meio e o que é atividade-fim, e é exatamente por conta disso que a experiência da terceirização acabou se situando nas atividades de limpeza e de vigilância, não por atenderem ao postulado fixado na Súmula, mas por expressarem um fator cultural de discriminação e de preconceito no que tange à posição social da mulher e do trabalho doméstico, refletidos em tais modalidades de serviço.

Além disso, se a rejeição à ampliação da terceirização se dá por meio da defesa da eficácia de direitos fundamentais, esses mesmos argumentos servem para afastar a possibilidade de terceirização em “atividades-meio”, em que a dignidade, como todos agora sabem, encontra-se perdida.

Segundo, porque, após todo esse debate, chegou-se a um consenso em torno das perversidades da terceirização, tanto que até mesmo o proje-to de lei em discussão, que é nefasto aos trabalhadores, procura eliminar algumas das fragilidades jurídicas nas quais as perversidades se sustentam. Então, diante do padrão jurídico estabelecido no projeto de lei, que é, in-clusive, considerado prejudicial aos trabalhadores, não se pode mais ficar dizendo que há uma diversidade de direitos trabalhistas entre terceirizados e efetivos e que há uma responsabilidade subsidiária, e não solidária, da empresa tomadora de serviços pelas obrigações assumidas pela prestadora, até porque, convenhamos de uma vez, essa criação da jurisprudência tra-balhista é uma autêntica aberração jurídica, vez que estabelece uma ordem obrigacional em favor do devedor, ou, inversamente falando, em prejuízo do credor, contrariando até mesmo o padrão jurídico do direito das obriga-ções do Direito Civil.

Terceiro, porque, se a terceirização pudesse ter alguma razão de or-dem econômica que a sustentasse, não poderia, jamais, gerar o efeito per-verso de conduzir à total ineficácia os direitos fundamentais dos terceiriza-dos. Assim, estão fora de qualquer parâmetro jurídico, mesmo se pudessem ser preservados os dispositivos da Súmula nº 331 do TST, as práticas de utilização dos trabalhadores terceirizados como verdadeiras “coisas”, em que se efetivam variações constantes de horários e de locais de trabalho dos terceirizados, assim como trocas promíscuas de tomadores, chegando ao ápice das estratégias perversas de supressão do pagamento de verbas rescisórias, com transferências abusivas para imputação de justas causas por abandono de emprego.

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E quarto, porque, se o debate público realizado conduziu a uma va-lorização dos preceitos constitucionais, não é concebível que se mantenha, sob o ensurdecedor silêncio jurídico, a prática inconstitucional da tercei-rização no serviço público, vez que a Constituição garante à cidadania o acesso ao serviço público por meio de concurso público de provas e títulos, sem qualquer modalidade excepcional para o implemento das atividades integradas à dinâmica permanente dos entes administrativos, em todas as suas esferas.

Como efeito imediato da correção dessa grave injustiça, praticada ao longo de 22 anos, com ofensa direta à Constituição, há de se reconhecer, ju-dicialmente, ao terceirizado, que, nos termos do padrão fixado pela própria Constituição (art. 19 do ADCT), tenha prestado serviços à administração por cinco anos ou mais, o direito à relação de emprego público com a adminis-tração, com todos os efeitos constitucionalmente assegurados.

A objeção a esse efeito com o argumento de que contraria a Consti-tuição é insustentável, e digamos assim para evitar qualquer adjetivação que desvia o foco do debate, pois, afinal, enquanto os terceirizados ficaram – e ainda estão – submetidos a diversas inconstitucionalidades, nenhuma voz se ergueu para garantir a esses trabalhadores a eficácia das normas consti-tucionais.

Em suma, o efeito necessário, já concretizado, é o da rejeição plena da Súmula nº 331 do TST, que, na forma anteriormente referida, representa o fim da terceirização.

Poderia se dizer que somente restaria, então, a possibilidade de uma empresa contratar outra para a realização de serviços desvinculados da di-nâmica permanente da contratante, ou seja, em atividades ocasionais, para satisfação de necessidades desvinculadas do processo produtivo visto como um todo, que exigissem expertise específica de alta tecnologia e grau de in-vestimento, como, por exemplo, um condomínio que contrata uma empresa para manutenção do elevador. No entanto, nestes casos, já não se trataria mais, propriamente, de terceirização.

4 fIm da terceIrIzação

E por mais paradoxal que pareça, a decretação do fim dos fundamen-tos jurídicos para a terceirização pode ser vislumbrada mesmo que o PLC 30 seja aprovado.

Ora, a rejeição jurídica à terceirização, tal qual conhecida atualmen-te, parte do pressuposto de que a terceirização fere direitos fundamentais

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dos trabalhadores, tais como a vida, a saúde, o lazer e a própria dignidade, e é mais que evidente que algo ruim em pequena escala não se transforma em algo positivo em grande escala.

Não é lógico o argumento de que a generalização da terceirização elimina a discriminação de que são vítimas os terceirizados porque, se todos são terceirizados, ninguém mais seria discriminado, pois, se tal argumento fosse válido, era só negar escola a todas as pessoas para resolver o problema da evasão escolar.

Por outro lado, se a ampliação da terceirização não transforma a ín-dole da terceirização e nem elimina a discriminação de que são vítimas os terceirizados, acaba, de fato, extinguindo a terceirização ela própria. A pro-posição lógica não é “se todos são terceirizados ninguém é discriminado”, mas sim, se todos são terceirizados ninguém é terceirizado.

O efeito, porém, dessa proposição generalizante não pode ser o re-baixamento de todos os trabalhadores à condição social e de trabalho dos ex-terceirizados e sim a elevação de todos aos patamares até alcançados pelos empregados, tidos por efetivos, vez que o princípio constitucional é o da melhoria da condição social dos trabalhadores (art. 7º da CF), cumprindo destacar que as garantias aos terceirizados, vislumbradas no projeto de lei, solidariedade etc., não são eficazes para eliminar as agressões a direitos fundamentais que a terceirização representa, na medida em que esfacela a classe trabalhadora, favorecendo ao processo de reificação, da comerciali-zação da mão de obra, ou seja, da contratação não de pessoas, com nome, história e ambições, mas de força de trabalho líquida.

Mesmo com responsabilidade solidária, caução financeira, requisitos estatutários para a constituição de empresas prestadoras de serviços, a ter-ceirização destrói os vínculos básicos de categoria e de socialização pelo trabalho, e seu efeito concreto, se isso fosse juridicamente possível, é o rebaixamento total dos direitos dos trabalhadores, que se veem, inclusive, impossibilitados de formular práticas coletivas de resistências, conduzidos a uma lógica individualista e atomizada, sendo bastante evidente, aliás, a consciência do próprio setor econômico em torno desses efeitos, tanto que entrega garantias aos terceirizados em troca da ampliação do modelo, sem perderem, por certo, a projeção do aumento de lucros.

Além disso, se uma empresa pode empreender sem ter empregados, contratando serviços de outras empresas, a contratante não é uma empresa, não é empreendedora de nada, sendo mera contratante de empresas contra-tadas, que, por sua vez, adotando o mesmo instrumento jurídico, poderão

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não ter empregados, valendo-se de outras contratadas. O resultado é que só se chegará uma relação de emprego ou por opção da empresa ou quando, nas subcontratações formalizadas, as empresas que se situarem no final da rede não tiverem mais condições econômicas de contratarem outras em-presas.

O efeito dessa situação de generalização da terceirização não é ape-nas uma questão de presunção de precarização das condições de trabalho dos trabalhadores, que já é, por si, muito grave, mas uma quebra da estru-tura jurídica trabalhista como um todo, provocando uma reação sistêmica que, naturalmente, provoca um expurgo da terceirização, sob pena de uma corrosão irremediável.

Ora, a relação de emprego é o vínculo jurídico básico da efetivação dos direitos trabalhistas. Esses direitos não existem apenas para satisfazer necessidades básicas do trabalhador. Existem para melhorar, de forma pro-gressivamente constante, a condição de vida dos trabalhadores, fazendo com que o modelo de sociedade capitalista se apresente como viável para promover justiça social, conferindo a todas as pessoas condições dignas de vida.

A relação de emprego, portanto, não pode existir apenas na periferia do capitalismo, formando-se entre trabalhadores sem representação sindical e empresas subcapitalizadas, porque nestas condições não se pode extrair do capital produzido, diretamente, as necessárias repercussões sociais ao projeto do Estado Social, nem tão pouco assegurar a eficácia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. A reparação de um acidente do trabalho do empregado de uma empresa terceirizada, subcapitalizada, será muito menor que a reparação de um acidente de um empregado de uma empresa capitalizada.

Também não se pode vislumbrar a formação da relação de emprego com as empresas centrais do capitalismo apenas como fruto de uma opção gerencial destas, ou seja, quando estas empresas resolvam não terceirizar determinadas atividades por quaisquer motivos que sejam, criando, inclu-sive, uma discriminação odiosa entre terceirizados e efetivos, que apenas favorece a sua demonstração de poder frente aos trabalhadores, transfor-mando a subordinação em mera submissão, isto porque os interesses eco-nômicos das empresas não se sobrepõem à consagração constitucional dos direitos trabalhistas como direitos fundamentais (art. 7º da CF) e ao projeto, também constitucional, de desenvolvimento de um capitalismo com res-peito aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF),

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tendo-se estabelecido, inclusive, o princípio de que a economia respeite aos ditames da justiça social (art. 170 da CF).

No projeto constitucional, a relação de emprego, portanto, não pode se configurar como efeito último de uma exploração reticular do trabalho, quando a empresa, considerada empregadora, não seja mais apta a cumprir, de fato, uma função social trabalhista. De uma generalização da relação de emprego, cuja função de ordem pública é apreender parcelas do capital produzido pelo trabalho, para garantir a rede de proteção social que orga-niza e viabiliza o modelo de produção capitalista, a ampliação ilimitada da terceirização conduziria a relação de emprego a uma condição periférica, desvinculada do capital e sem força, portanto, para conduzir qualquer pro-jeto social. De forma concreta, seria o fim do Direito do Trabalho, da Justiça do Trabalho e do Estado Social.

Ocorre que, como dito, a Constituição Federal estabelece um valor social à livre iniciativa, exige uma função social da propriedade e deter-mina que o desenvolvimento econômico obedeça aos ditames da justiça social, sendo que o social em questão atende pelo nome de direitos sociais, conforme fixados nos arts. 6º e 7º da mesma Carta, tidos como direitos fun-damentais e integrados ao conteúdo das cláusulas pétreas da Constituição.

Ou seja, a ampliação ilimitada da terceirização cria um problema metodológico insuperável, fazendo com que o efeito seja o aniquilamento da terceirização, ela própria, porque, ademais, não se pode, em nome da terceirização, destruir a Constituição Federal.

Lembre-se que é exatamente para impedir que o capital, pelo uso do poder econômico que detém, consiga se desvincular do trabalho e, conse-quentemente, das obrigações sociais, que a Constituição, além dos disposi-tivos já referidos, conferiu aos trabalhadores o direito à relação de emprego, que é, inclusive, uma relação jurídica qualificada, porque é protegida con-tra a dispensa arbitrária (art. 7º, I), não prevendo qualquer tipo de subterfú-gio para o capital.

Nunca é demais lembrar que os arts. 2º e 3º da CLT estipulam que a relação de emprego se forma entre o trabalhador e a empresa, fixando uma responsabilidade solidária que equivale a uma multiplicidade de emprega-dores na associação de empresas para a exploração do trabalho, entendida como grupo econômico, tudo para ampliar o potencial de aplicação do Direito do Trabalho, evitando, assim, que seja minado o projeto constitucio-nal. É por isso que as leis que afastam a relação de emprego só se avaliam como constitucionais quando se apoiam em justificativas de excepcionali-

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dade, não se podendo conceber formas de exploração do trabalho alterna-tivas à relação de emprego.

A terceirização, é verdade, não exclui formalmente a relação de em-prego, mas traz elemento muito mais grave, porque, como visto, destrói a funcionalidade da relação de emprego e, por consequência, do próprio Di-reito do Trabalho. Ao implodir a essência da relação de emprego, a tercei-rização ilimitada, baseada, pois, em vício jurídico insuperável, traz consigo o germe de sua própria destruição.

É impossível, ademais, não se vislumbrar a atuação futura corretiva da jurisprudência diante de conflitos trabalhistas originados em relações jurídi-cas em que um grande conglomerado econômico tenha terceirizado todos os seus empregados, sendo estes empregados não das empresas contratadas pelo grande capital, mas de empresas contratadas pelas contratadas da pri-meira, e que dessa relação promíscua advenham baixos salários, acidentes, jornadas excessivas... Para conferir eficácia aos preceitos jurídicos básicos da condição humana dos trabalhadores, trazidos na Constituição como direitos fundamentais, a jurisprudência terá todos os argumentos jurídicos possíveis para afastar a lei infraconstitucional da terceirização, atraindo o capital para a sua responsabilidade social por meio da declaração direta do vínculo de emprego, superando as intermediações.

Generalizando-se a terceirização, o efeito corretivo inevitável, para a plena eficácia do projeto constitucional, é a rejeição da terceirização, para manter a regra da relação de emprego, essencial ao projeto constitucional.

E se a esse resultado não se chegar por uma questão de consciência jurídica, pode-se vislumbrá-lo como efeito de um instinto de sobrevivência da Justiça do Trabalho, que estaria fortemente ameaçada com o estímulo ao acatamento da lógica da eficiência econômica, integrada às já introduzidas estratégias de gestão, e com o excesso estrondoso de serviço que certamente adviria da generalização da terceirização.

De um ponto de vista metodológico, só se poderia entender juridica-mente válida a terceirização como uma forma excepcional de contratação, para não quebrar a regra geral e o projeto constitucional baseado na relação de emprego e na fixação de responsabilidades sociais diretamente ao capi-tal. A generalização da terceirização, portanto, gera, como efeito reverso, o fim da terceirização, já que não se pode chegar ao fim da relação de empre-go ela própria e do projeto constitucional que carrega consigo simplesmente para atender a um postulado setorial integrado a uma lei.

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Ocorre que, como visto, não há parâmetros jurídicos válidos para se chegar a uma terceirização nem mesmo perifericamente, diante dos precei-tos constitucionais aplicáveis às relações de trabalho no Brasil, apoiados, ainda, nos tratados de convenções de Direitos Humanos, sendo que, até por isso, nenhuma relevância possuem os argumentos em defesa da ampliação da terceirização que parte do exemplo ocorrido em outros países, porque, afinal, temos uma Constituição e ela deve ser respeitada para a garantia de todos os cidadãos.

Cabe acrescentar que não comovem os argumentos de aqui ou ali, em algum lugar do planeta, a generalização da terceirização ter sido adota-da, porque temos uma Constituição Federal e esta deve ser aplicada antes de se pensar nas formas jurídicas existentes em quaisquer outros países.

Aliás, na linha dos avanços necessários advindos da consciência já produzida, apresenta-se como também inevitável à reavaliação da compre-ensão em torno da constitucionalidade da Lei nº 9.637/1998, com as altera-ções introduzidas pela Lei nº 9.648/1998, conforme definido na ADI 1923, pois se juridicamente a terceirização de serviços não existe mais, muito menos ainda se poderão encontrar argumentos para justificar a terceiriza-ção da própria administração, que tanto precariza as condições de trabalho quanto favorece ao favoritismo e à corrupção, além de privatizar a atuação do Estado em áreas essenciais à efetivação dos direitos sociais.

Na linha do otimismo, no mínimo há de conferir aos trabalhadores que executem esses serviços, ainda que atuando para entes privados, o status de servidores públicos, com todas as garantias constitucionais, vez que pressupostamente necessárias ao projeto do Estado Social.

5 coNcluSão

Então, se aprovado for o PLC 30, que amplia a terceirização de forma ilimitada, o efeito será o da extinção da terceirização, e como os parâmetros hoje aplicados para a terceirização não mais se sustentam, o efeito já pro-duzido é o do fim jurídico da terceirização.

Em suma, por todos os ângulos que o fato social da terceirização se submeta a uma análise jurídica, pautada pela prevalência dos Direitos Humanos e a eficácia dos direitos trabalhistas, considerados, constitucio-nalmente, como direitos fundamentais, sobretudo diante da visibilidade que o fato adquiriu e de todas as avaliações feitas a seu respeito, é impossível manter o padrão jurídico da Súmula nº 331 do TST, ou vislumbrar uma fór-mula jurídica para regular a terceirização.

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Esse resultado se impõe a juristas, mas, sobretudo, aos sindicatos, pois todas as Centrais Sindicais foram unânimes na rejeição do projeto de lei, destacando as perversidades da terceirização, e será, no mínimo, uma incoerência histórica, se, desde já, deixarem de integrar os terceirizados aos efeitos plenos de suas ações coletivas. A não imediata incorporação dos terceirizados revelaria que as preocupações expressas pelas entidades referidas não tiveram em vista as condições de vida e de trabalho dos tercei-rizados, mas tão somente os seus interesses particulares.

A situação nos coloca, a todos, diante de um sério dilema: ou agimos em conformidade com as falas que estão sendo expressas contra a tercei-rização, sendo que todos os fatos e dados se referem ao padrão de análise jurídica da terceirização, baseado na Súmula nº 331 do TST, resultando no fim da terceirização; ou, na lógica do mal menor, concebendo que a Súmula nº 331 TST é o garante necessário para que a terceirização não se amplie, nos contentamos em barrar o PL 30 e assim deixamos tudo como está, mas com isso legitimamos os atentados, que foram tornados públicos, aos direitos fundamentais dos 12 milhões de terceirizados. Nesta última hi-pótese, porém, perderemos, por consequência, todo moral para expressar argumentos futuros em defesa de uma ordem jurídica pautada pela proteção da dignidade humana.

Pertinente, para uma melhor reflexão, a trama do filme Força Maior (2015, do roteirista Ruben Östlund), que trata da história de uma família, composta por um casal e dois filhos, que sai de férias durante cinco dias nos Alpes franceses. Na cena principal, os quatro membros da família estão almoçando em um restaurante a céu aberto próximo de um penhasco e uma avalanche vai se aproximando assustadoramente sobre o restaurante. Um dos filhos fica desesperado e começa a chamar pelo pai, mas este, diante do perigo, pega o seu celular e suas luvas e sai correndo, deixando para trás a mulher e os filhos. Só que era apenas fumaça e não uma avalanche pro-priamente dita. Abaixando a poeira, ele retorna ao local e senta-se à mesa e continua almoçando como se nada houvesse ocorrido.

Claro que a situação não foi tratada como normal pela mulher e esta submete o comportamento do marido a um julgamento, ainda que este não admitisse que tivesse agido daquela forma.

Pois bem, a questão é que, depois de tudo que já se passou em tor-no da discussão da terceirização, é inconcebível que se retorne à sala de audiências, aos gabinetes, aos escritórios, aos sindicatos e às mesas de ne-gociação e se proceda da mesma forma anterior, julgando e avaliando a ter-ceirização dentro dos parâmetros da Súmula nº 331 do TST, como se nada

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tivesse ocorrido, sendo a situação, nesta nossa história, ainda mais grave, porque, para continuar agindo da mesma forma, ter-se-ia que negar vigên-cia à CLT e à Constituição, cujas existências e relevância também foram exaltadas no correr do debate. Além disso, a preservação dos mesmos pa-drões jurídicos significaria legitimar e dar continuidade a todas as situações fáticas de supressão de direitos fundamentais dos terceirizados, que foram exaustivamente denunciadas publicamente.

Forçando um pouco o argumento, imaginemos a situação de que ti-vesse havido uma proposta para a ampliação da escravidão a todas as pes-soas que não tivessem meios próprios de sobrevivência e no debate público da proposta se explicitassem todos os males humanos da escravidão, vindo a sociedade como um todo a tomar conhecimento do que se passava nos navios negreiros e nos cafezais, mas, ao final do debate se contentasse em manter a escravidão nos limites estritos dos negros e negras.

Claro que a condição dos terceirizados não se assemelha à dos escra-vos (embora muitos trabalhem em condições análogas à dos escravos), mas, se na hipótese imaginada, a sociedade, toda ela, não seria historicamente perdoada por ter se tornado cúmplice e até corresponsável pelas atrocida-des de que tiveram conhecimento, não é exagero algum dizer que o mesmo se poderá dizer de todos nós que, tendo conhecido as atrocidades da tercei-rização, nos contentemos em mantê-la do jeito que está, sendo que, no nos-so caso, a situação é ainda mais grave porque não se trata de uma realidade que não possamos mudar, já que a ordem jurídica historicamente concebi-da não só possibilita, como de fato exige, a rejeição inconciliável e radical a todas as formas de rebaixamento da condição humana, não havendo, por certo, qualquer argumento econômico que, juridicamente, as justifiquem.

Mas, partindo do necessário pressuposto da sinceridade de todos que se manifestaram sobre a terceirização e no respeito a uma ordem jurídica que explicita a prevalência dos Direitos Humanos, o valor social do trabalho e da livre iniciativa, a proteção da dignidade humana como princípio funda-mental da República e o desenvolvimento da economia sob os ditames da justiça social, tomando por base a eficácia de direitos trabalhistas que tem como objetivo central melhorar a condição social dos trabalhadores, diante do conhecimento público da condição a que são submetidas 12 milhões de pessoas, só se pode acreditar que, independente de qualquer alteração legislativa, já que normas e princípios jurídicos não faltam, a terceirização não encontrará mais guarida nas práticas sindicais, nos discursos, nas peças jurídicas e nas decisões judiciais.

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Enfim, após tudo o que já ocorreu até aqui, é impossível que as coisas retornem ao ponto em que estavam, como se nada tivesse ocorrido. Há um processo histórico em curso, que já produziu efeitos necessários, inevitáveis e irreversíveis, que nos obrigam a afirmar, inclusive, que, juridicamente fa-lando, a terceirização já era, acabou!

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Trabalho Intermediado e Precarização

JOSé CLAuDIO mOnTEIRO DE BRITO FILhODoutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, Professor do Programa de Pós-Gradua-ção e do Curso de Graduação em Direito do Cesupa, Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA, Titular da Cadeira nº 26 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Precarização do trabalho; 2 O trabalho intermediado; Conside-rações finais.

coNSIderaçÕeS INIcIaIS

Este texto trata da intermediação do trabalho, e de como esta inter-mediação contribui para a precarização das relações entre trabalhadores e empregadores.

Seus objetivos são, de um lado, verificar as condições em que se pode considerar que o trabalho humano está sendo precarizado, e, de ou-tro, quais as hipóteses de intermediação do trabalho, e como essas hipóteses estão sendo manejadas no Brasil.

O tema é importante em um contexto de trabalho decente1, e o res-peito a condições dignas na prestação de serviços é a premissa básica, en-tendemos, para a aceitação como válida (e não precária) de qualquer forma de trabalho intermediado.

Esse texto adotará como metodologia de trabalho a análise do disci-plinamento legal a respeito, com apoio na doutrina a respeito. Iniciará com uma discussão referente à precarização do trabalho, seguindo adiante com a análise do trabalho intermediado e com algumas considerações finais.

1 PrecarIzação do trabalHo

Antes de adentrarmos no trabalho intermediado, é preciso relembrar que tomamos como premissa que essa forma de trabalho é uma das formas possíveis de precarização do trabalho e, por isso, necessário iniciar com esta.

1 Trabalho decente pode ser definido como o trabalho humano que é prestado em condições que preservem a dignidade do trabalhador. Ver mais, a respeito, em nosso Trabalho decente (3. ed. São Paulo: LTr, 2013).

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Não há uma definição precisa para trabalho precário, embora exista o consenso de que, por precarização do trabalho, compreende-se toda es-pécie de trabalho em que as condições de sua prestação estejam abaixo das condições oferecidas pela legislação trabalhista em geral.

Assim é que Câmara Rufino exemplifica o trabalho precário, por exemplo, com o “trabalho escravo” e com o “trabalho infantil”, como for-mas não admitidas, e o trabalho avulso e o eventual, o contrato por prazo determinado, o trabalho temporário e o contrato que envolve terceirização como formas admitidas2.

Nos exemplos citados, em maior ou menor escala, as condições ofe-recidas para e pela prestação dos serviços são inferiores às garantidas pela legislação trabalhista ao trabalhador que se encontra em uma relação jurídi-ca de emprego que podemos chamar de padrão no Brasil, ou seja, subme-tido a contrato individual de trabalho por prazo indeterminado, em que o empregador é o próprio tomador dos serviços.

Pretendemos aqui, todavia, trabalhar com formas mais restritas de precarização do trabalho humano, no caso com as hipóteses admitidas de trabalho precário subordinado, até chegar à hipótese escolhida, que é o trabalho intermediado.

Assim, excluam-se, de plano, as espécies de trabalho humano que não envolvem o trabalhador subordinado, como o trabalho avulso e o tra-balho eventual.

Excluam-se, também, as hipóteses de trabalho humano exigido à mar-gem da legislação trabalhista, como o trabalho em que há a redução à con-dição análoga à de escravo, que existem no plano fático, no Brasil, mas em terreno à margem da legalidade.

Exclua-se, ainda, a hipótese do contrato por prazo determinado, pois não consideramos que nesse caso exista trabalho precário, mas sim presta-do, em alguns aspectos, com condições de trabalho distintas, próprias dos contratos em que a sucessividade não é a regra, como a impossibilidade de aquisição de estabilidade, ou como a inexistência de verbas próprias da extinção do contrato por prazo indeterminado, como obrigatoriedade de concessão e pagamento do aviso-prévio.

Consideramos trabalho precário, então, para os fins deste estudo, toda forma de trabalho subordinado em que as condições de trabalho sejam

2 Terceirização e trabalho precário. Revista Genesis, Curitiba, n. 43, p. 44-46, jul. 1996.

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inferiores às previstas na legislação trabalhista geral e/ou relativas a uma determinada categoria de empregados.

Essa forma de trabalho precário, a propósito, é denominada por Giovanni Alves de “subproletarização tardia”, e que, segundo o autor,

é constituída pelos trabalhadores assalariados em tempo parcial, temporários ou subcontratados, seja na indústria ou nos serviços interiores (ou exteriores) à produção do capital. Nesse caso, tende a predominar o que alguns soció-logos e economistas denominam “informalização” nas relações de trabalho (um eufemismo para a nova precariedade do trabalho assalariado).3

É problema mundial, aparecendo com vigor até nos países desen-volvidos. Como afirmava Octavio Bueno Magano em 1997, amparado em Janice Castro,

nos Estados Unidos da América do Norte, a sua incidência tem se mostrado avassaladora. Mais de 90% dos postos de trabalho criados no referido país, em fevereiro de 1993, tiveram a forma de emprego precário e os prognós-ticos são no sentido de que, no ano 2000, os trabalhadores atípicos serão mais numerosos do que os detentores de empregos permanentes de jornada plena.4

Passando para a casuística, podemos começar com o trabalhador por tempo parcial5. Previsto hoje em dia na legislação trabalhista brasileira, com diversos artigos específicos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, o trabalhador a tempo parcial, a pretexto de laborar em jornada reduzida, tem parte de seus direitos trabalhistas reduzidos, como se pode exemplificar com as férias, que, para o trabalhador subordinado que labora em jornada normal é de, no máximo, 30 dias, nos termos do art. 130 da CLT, e para o trabalhador a tempo parcial pode chegar apenas até 18 dias, caso tenha jornada semanal de 22 a 25 horas, agora conforme o art. 130-A também da CLT.

O trabalho a tempo parcial que, inicialmente, foi concebido como forma de possibilitar a criação de novos postos de trabalho, reduzindo o desemprego, acabou alastrando-se, sendo considerável o número de países que já o adotam.

3 Desemprego estrutural e trabalho precário na era da globalização. Disponível em: <www.economiabr.net/2003/10/01/desemprego.html>. Acesso em: 13 out. 2003.

4 Política do trabalho. São Paulo: LTr, v. III, 1997. p. 279.5 Até pouco tempo atrás utilizávamos, na casuística, também o trabalho doméstico. Agora, com o avanço da

legislação, podendo ser citada a recente Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, o trabalho doméstico não deve ser mais enquadrado como trabalho precário.

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Ele pode, a propósito, adaptar-se a um estilo de vida das pessoas. Como afirma a OIT, “La posibilidad de optar por un regimén de dedicación parcial puede interesar a muchos asalariados deseosos de dedicar más tiem-po a sus familias sin abstenerse de trabajar”6.

Nessa hipótese, contanto que os direitos trabalhistas sejam iguais aos dos trabalhadores que trabalham em jornada mais ampliada, com apenas a diferença óbvia do padrão salarial menor, o trabalho não será, necessaria-mente, considerado precário.

O problema é que não são todos os países que garantem aos traba-lhadores a tempo parcial os mesmos direitos, tendo o Brasil como exemplo, como visto anteriormente, mas não só ele. Verifique-se a análise feita pela OIT:

En algunos países – España, Portugal y Suecia, entre ellos –, las disposiciones legales no establecen prácticamente ninguna diferencia de derechos entre los trabajadores a tiempo completo y a tiempo parcial. En otros países se han previsto condiciones o requisitos que traban el acceso de muchos trabaja-dores sujetos a regímenes de dedicación parcial a ciertas prestaciones; esas barreras aparecen cuando se estipula un monto mínimo de ingresos o un número determinado de horas de trabajo para tener derecho a las ventajas previstas. Por ejemplo, en el Reino Unido, las porporciones de mujeres y de hombres empleados a tiempo parcial a quienes no se aplicaban en 1988 los principales derechos derivados de la relación de trabajo eran del 54 y del 63 por ciento, respectivamente.7

Por fim, que é o que nos interessa neste texto, há a hipótese do traba-lhador subordinado intermediado, visto a partir do item seguinte.

2 o trabalHo INtermedIado

Por trabalhador subordinado intermediado vamos entender aquele que trabalha para tomador dos serviços intermediado por prestador de ser-viços que figura como seu real empregador.

Aí podem enquadrar-se duas hipóteses distintas: a locação de mão de obra e a terceirização8.

6 El trabajo en el mundo. Ginebra/Suiza: Oficina Internacional del Trabajo, n. 7, 1994. p. 47.7 Idem, p. 48.8 Estamos excluindo, por óbvio, a intermediação feita pelas agências de colocação de mão de obra que, segundo

Arion Sayão Romita, “... se limitam a uma tarefa de mediação, aproximando o trabalhador que procura emprego da empresa que precisa de um empregado, e se afastam em seguida” (Política de emprego. Curitiba: Genesis, 1993. p. 20).

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A locação de mão de obra, no Brasil, é também chamada de traba-lho temporário. Não confundir, então, com a chamada marchandage, que, segundo Amauri Mascaro Nascimento, caracteriza-se como “a instituição pela qual o empregador encarrega terceiro de contratar os serviços de que necessitará”9, ao que acrescentaríamos, em caráter permanente.

É que, não obstante esteja vedada a contratação de trabalhadores, em caráter permanente, por interposta pessoa, em caráter temporário ela é garantida pela Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974.

Por essa Lei, que é regulamentada pelo Decreto nº 73.841, de 13 de março de 1974, é admitido o trabalho temporário nas empresas urbanas, sendo o trabalhador, que é denominado trabalhador temporário, contratado por empresa de trabalho temporário para prestar serviços a outrem, que recebe a denominação de empresa tomadora ou cliente.

A prestação de serviços, nos termos do art. 2º da indicada Lei, só pode ocorrer para “atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços”.

O trabalhador temporário, embora goze de uma série de direitos, en-tre eles o de perceber a mesma remuneração dos empregados da empresa tomadora que pertençam à mesma categoria, deve ser considerado traba-lhador a título precário.

É que, além de trabalhar por período determinado, é contratado por terceira empresa, a de trabalho temporário, sem os mesmos direitos dos empregados da empresa tomadora, no tocante, pelo menos, às vantagens obtidas por meio da contratação coletiva10, além de estar sujeito a mudanças até em seu salário, por conta de prestar serviços cada vez para uma empresa tomadora diferente.

É trabalhador, ainda, sujeito aos mais variados tipos de fraudes. É que não é possível, por exemplo, que a empresa tomadora forme seu quadro de pessoal com trabalhadores contratados por intermédio de empresa de trabalho temporário, substituindo-os toda vez que o limite máximo de per-manência é alcançado.

A outra hipótese de intermediação do trabalho é a terceirização, que consiste na entrega de parte dos serviços de uma empresa para outra. É o

9 Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 444.10 Até porque a empresa que os contrata tem enquadramento sindical distinto da tomadora, como se verifica do

art. 3º da Lei nº 6.019/1974.

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que Romita denomina de “exteriorização do emprego” ou de “fracionamen-to da empresa”11.

Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, consiste em

procedimento adotado por uma empresa que, no intuito de reduzir os seus custos e aumentar a sua lucratividade e, via de regra, a sua competitividade no mercado, contrata outra empresa que passará a prestar aqueles serviços que eram realizados habitualmente pelos empregados daquela.12

Admitida anteriormente apenas para os serviços de vigilância, nos termos da Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, atualmente já se admite a terceirização de forma mais ampla, desde que o serviço não constitua parte da atividade-fim do tomador dos serviços. É o que se verifica da jurispru-dência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho que, além da vigilância, aceita a terceirização dos serviços “de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”13.

Aliás, nessa fórmula pode-se vislumbrar a principal diferença entre a locação de mão de obra e a terceirização. Enquanto na primeira a contrata-ção leva em consideração o trabalhador em si, necessário para o exercício de determinado trabalho, na segunda o que se pretende é que a empresa prestadora, por seus próprios empregados, preste serviço determinado.

A terceirização, embora não regulamentada por lei, vem sendo utili-zada em larga escala, como forma de o tomador dos serviços concentrar-se somente em sua atividade-fim, deixando para terceiros a tarefa de executar outros serviços14.

11 Política de emprego. Curitiba: Genesis, 1993. p. 43.12 Direito do trabalho: primeiras linhas. Curitiba: Juruá, 1996. p. 90.13 Item III da Súmula nº 331. Cabe observar que essa questão está em discussão, tanto no plano judicial, como

no legislativo. No plano Judicial, no ARE (Recurso Extraordinário com Agravo) 713211, no Supremo Tribunal Federal, em que é Relator o Ministro Luiz Fux, e que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual, onde será discutido o que é a atividade-fim de um empreendimento, para fins de terceirização. O processo está concluso para o Relator desde 31 de julho de 2015 (disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4304602>. Acesso em: 28 ago. 2015). Já no plano legislativo em razão do PLC (Projeto de Lei da Câmara) 30-2015, de autoria do então Deputado Federal Sandro Mabel, e que “Dispõe sobre os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes”. Nesse projeto, discute-se a possibilidade de a terceirização ocorrer em qualquer atividade da empresa tomadora dos serviços. O PLC, aprovado na Câmara, está atualmente em tramitação no Senado, encontrando-se, em 25 de agosto de 2015, na Secretaria Geral da Mesa (disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120928>. Acesso em: 28 ago. 2015).

14 Segundo Elvécio Moura dos Santos, a terceirização não está definida em lei, “mas é termo de uso corrente nos dias atuais, principalmente no meio empresarial” (A terceirização e a atuação do Ministério Público do Trabalho. Revista do MPT, Brasília: Procuradoria-Geral do Trabalho; São Paulo: LTr, n. 15, p. 53, mar. 1998).

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Como vimos, tem sido o fenômeno reconhecido até pelo Tribunal Superior do Trabalho. A propósito, veja-se o que dela pensa o Ministro Francisco Fausto, hoje ex-integrante da Corte:

A terceirização é, agora, a realidade mais palpável. Em vez de repudiá-la, temos de enfrentá-la, compatibilizando o atual sistema às necessidades mais prementes, de forma inclusive a evitar a infiltração de terceiros no comando empresarial, interferindo na essência da atividade industrial, bem como a contratação de serviços através de empresa interposta para a execução in-direta de trabalho permanente, vinculado à atividade-fim da tomadora dos serviços de terceiros.15

A terceirização, de fato, em si não é proibida. Como afirma Mascaro, “nada impede que empresas contratem outras empresas para prestação de serviços, caso em que entre a contratante e a contratada haverá um vínculo jurídico de direito civil ou comercial”16. De fato, o empresário, ao organizar sua atividade produtiva, deve ter o mínimo de flexibilidade que lhe permita competir com as outras empresas do setor.

O problema é que a terceirização precariza o trabalho, além de ser atividade propícia às fraudes.

Começando com a precarização, verifica-se, em primeiro lugar, que o trabalhador das empresas prestadoras normalmente tem direitos a menor em comparação com os empregados das prestadoras. É que, além de, via de regra, ser a empresa terceira de menor porte, seu enquadramento sindi-cal usualmente é distinto do da tomadora. Além do mais, o contrato que as empresas prestadoras mantêm com as tomadoras também é precário, o que ocasiona instabilidade no contrato que mantêm com seus empregados, além de uma alta rotatividade de mão de obra17.

Assim, embora não sejamos totalmente contrários à terceirização, acreditamos que ela somente deveria ser permitida se os trabalhadores ti-vessem garantidos todos os direitos trabalhistas concedidos aos empregados da empresa tomadora, com salários equivalentes aos pagos para a categoria à qual pertencem os empregados da tomadora, não os pagos na categoria da prestadora, quando fosse o caso, bem como se fosse obrigatório estabelecer um fundo que garantisse, de imediato, o pagamento desses direitos.

15 Terceirização no direito do trabalho. In: RODRIGUES, Aluisio (Coord.). Direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr, v. II, 1997. p. 124.

16 Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 445.17 Tome-se como exemplo as empresas de asseio e conservação, em que são comuns as dispensas em massa

porque o contrato mantido com uma determinada tomadora acabou, e a prestadora foi substituída por outra.

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Menos que isso é manter relação de emprego abaixo das condições mínimas necessárias à preservação da dignidade do trabalhador, em com-paração com outros que laboram em favor da mesma empresa e da mesma categoria econômica.

Dito isso, aos que eventualmente perguntarem qual seria, então, a vantagem da terceirização, a resposta seria simples: a possibilidade de a em-presa concentrar seus esforços nas atividades efetivamente definidas como sua finalidade básica, nunca a de despender menos recursos, visto que, para que tal ocorra, é preciso que os trabalhadores sejam desprotegidos, o que não é admissível.

Quanto às fraudes, embora aparentemente o trabalhador esteja pro-tegido contra a inadimplência de seu real empregador, o prestador de ser-viços, pois o entendimento uniforme é de que o tomador responde pelos débitos trabalhistas das empresas que lhe prestam serviços18, não é assim tão simples.

Primeiro porque a fraude não ocorre apenas pelo não pagamento dos créditos trabalhistas dos trabalhadores. Ela acontece, muitas vezes, na pró-pria atividade prestada. Nem sempre é simples definir, dentro de uma em-presa, o que é atividade-fim e o que é atividade-meio19.

Segundo porque é frequente o desvirtuamento da terceirização, com as tomadoras pretendendo não a execução dos serviços sob a direção da prestadora, mas a própria subordinação dos trabalhadores. A esse respeito, afirma Ophir Cavalcante Júnior que, se o trabalho terceirizado ocorre na to-madora, com sua supervisão técnica e administrativa, “enfim, sob a direção e integral responsabilidade da contratante, haverá desvio na utilização da terceirização pela ausência de autonomia da contratada”20.

Além do mais, nos últimos anos apresentou-se uma das grandes frau-des de que se tem notícia e que acontece por intermédio das chamadas “cooperativas de trabalho”.

18 Ainda a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, item IV.19 Elvécio Moura dos Santos, procurando apresentar parâmetros que permitam a separação da atividade-meio da

atividade-fim, informa que a última pode ser identificada como: “I – aquela que consta dos atos constitutivos (contrato ou estatuto social) como sendo o objeto social da empresa; II – aquela que, por representar a vocação principal da empresa, recebe a maior concentração dos seus esforços; III – aquela que faz com que a empresa se torne especializada em seu segmento, fruto da busca da eficiência e da competitividade” (A terceirização e a atuação do Ministério Público do Trabalho. Revista do MPT, Brasília: Procuradoria-Geral do Trabalho; São Paulo: LTr, n. 15, p. 59, mar. 1998). Ver, a respeito, nota feita anteriormente, a respeito do julgamento dessa questão pelo Supremo Tribunal Federal.

20 A terceirização das relações laborais. São Paulo: LTr, 1996. p. 136.

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Tem sido frequente a utilização de cooperativas formadas por pro-fissionais os mais variados (garis, professores, técnicos de informática etc.), para prestar serviços a empresas, dentro da forma de intermediação do tra-balho chamada de terceirização.

Amparadas em única disposição, o art. 442, parágrafo único, da CLT, que prescreve que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade co-operativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”, foram constituídas socie-dades cooperativas “de trabalho”, com o único objetivo de prestar serviços a empresas, substituindo a mão de obra destas21.

Ocorre que essa figura, da cooperativa de trabalho para fins de inter-mediação, não guarda nenhuma relação com as atividades que estão sendo desenvolvidas, devendo ser entendida como pura e simples agressão a todo o ordenamento jurídico, no tocante ao regular desenvolvimento da relação que envolve o trabalho humano subordinado.

Começando com a disposição retroindicada, e que supostamente am-pararia a existência e atuação desse tipo de cooperativa de trabalho22, ela, segundo Maria Lúcia Cardoso de Magalhães,

ocorreu em dezembro de 1994 e em poucos anos já causou nefastas conse-quências ao direito do trabalho e aos trabalhadores, que em muitos casos es-tão sendo arregimentados e enganados por arremedos de cooperativas frau-dulentas, em desrespeito às mais elementares garantias trabalhistas e valores do direito do trabalho.23

Não deveria ter causado. É que, não obstante a disposição, genérica como é, possa dar a falsa ideia de que, qualquer que seja a cooperativa e qualquer que seja a circunstância em que ela atua, jamais se reconhecerá relação de emprego entre os cooperados e a cooperativa, ou entre os pri-meiros e a empresa tomadora dos serviços, é evidente que essa disposição

21 Essa disposição da CLT, a propósito, como lembra Raimundo Simão de Melo, “teve origem no Movimento dos Sem-Terra – MST, que, com objetivos ideais, criou cooperativas de produção e, alguns dos associados, ao se desligarem da mesma, ajuizavam reclamações trabalhistas, obtendo em alguns casos o reconhecimento de relação de emprego. Como isso inviabilizava o movimento, solicitou-se a alguns membros do Congresso Nacional apresentação de projeto de lei, o qual teve fácil aprovação. Lamentável é que os interessados inicialmente na alteração certamente não tinham a ideia da dimensão e consequências nefastas da alteração legislativa no campo do Direito do Trabalho brasileiro” (Cooperativas de trabalho. Revista do MPT, Brasília: Procuradoria-Geral do Trabalho; São Paulo: LTr, n. 12, p. 81, set. 1996).

22 Na verdade, como denomina Rodrigo de Lacerda Carelli, cooperativas de mão de obra (Cooperativas de mão de obra: manual contra a fraude. São Paulo: LTr, 2002).

23 Cooperativas de trabalho – uma questão polêmica. Revista do MPT, Brasília, Procuradoria-Geral do Trabalho; São Paulo: LTr, n. 18, p. 80, set. 1999.

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só terá aplicação quando a relação estabelecida ocorrer com o cumprimen-to das normas vigentes.

Ora, todas as vezes em que alguém, de forma subordinada, pres-ta serviços a alguém com onerosidade, temos, por expressa definição do art. 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, o reconhecimento da exis-tência do trabalhador como empregado e, portanto, de uma relação de em-prego.

A disposição que supostamente ampara a inexistência de relação de emprego entre cooperados, cooperativa e tomadores, então, na interpre-tação sistemática que se está dando, só é válida quando a relação entre cooperativa e cooperados contiver, como afirma Ronaldo Curado Fleury, os requisitos que revelem a condição efetiva de cooperados, com a realidade, diferentemente, mostrando “a adesão às cooperativas pelos trabalhadores, como se estivessem preenchendo uma proposta de emprego, a inexistência de assembleias e o ‘sumiço’ das sobras líquidas do exercício”24.

E essa é questão que não pode ser, simplesmente, ignorada: os traba-lhadores que prestam serviços sob o manto de associados das cooperativas de trabalho não preenchem nenhum dos requisitos para a caracterização como cooperados, mas, por outro lado, possuem todos os necessários para seu reconhecimento como empregados.

Seria, então, apenas questão de não preencherem os cooperados os requisitos que tipificam o empregado e, por outro lado, preencherem os de verdadeiro associado para serem reconhecidos como efetivamente sócios de cooperativa de trabalho e poder esta, dessa forma, intermediar o trabalho junto de tomadoras de serviços?

Não, pois esta é somente a forma mais aberta de fraude. É que não acreditamos que a Lei nº 5.674/1971 admita a existência de cooperativas de trabalho com o objetivo social de intermediar serviços tipicamente subordi-nados25 junto de empresas ou até a entes públicos.

Da mesma forma não é essa hipótese admitida pela Lei nº 12.690/2012, que “dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho”, pois essa cooperativa, nos termos do art. 2º da referida lei, é “[...] sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão

24 Cooperativas de trabalho e serviços. Revista do MPT, Brasília, Procuradoria-Geral do Trabalho; São Paulo: LTr, n. 16, p. 80, set. 1998.

25 O destaque em “tipicamente subordinados” tem o condão de demonstrar que essa característica é importante, afastando qualquer possibilidade de atuação de cooperativa.

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para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e con-dições gerais de trabalho”, e não uma cooperativa intermediadora de mão de obra.

Assim entende Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

[A] verdadeira cooperativa de trabalho deve ser criada e formada por pro-fissionais autônomos, que exerçam a mesma profissão, unindo esforços para obter vantagens ao próprio empreendimento, prestando serviços sem nenhu-ma intermediação nem subordinação (seja perante terceiros, seja em face da cooperativa).26

Não é possível, então, que as cooperativas de trabalho realizem in-termediação do trabalho, a não ser o rigorosamente autônomo e eventual27, sob pena de desvio da finalidade que justifica sua existência e, portanto, sob pena de fraude.

Nesse ponto concordamos com Marcelo Mauad, para quem

as cooperativas de mão de obra destinam-se à intermediação da força de trabalho. Devem reunir, exclusivamente, trabalhadores autônomos ou even-tuais. A vantagem que apresentam aos trabalhadores é que permitem agrupá--los, de forma a permitir-lhes melhores condições de contratar seus serviços no mercado.28

Por qualquer dos ângulos que se analise a questão, então, a resposta só pode ser uma: por desvio de finalidade, ou por, indo mais além, serem apenas forma mascarada de empresas de locação de mão de obra, em ca-ráter permanente e sem reconhecer os direitos trabalhistas, as cooperativas de trabalho, quando atuam na intermediação do trabalho, não constituem nada mais do que uma forma ilícita de superexploração do trabalho.

26 Cooperativas de trabalho: a Lei nº 12.690/2012 e o direito do trabalho. Rev. TST, Brasília, v. 78, n. 3, p. 78, jul./set. 2012. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/documents/1295387/6051320/Cooperativas +de+trabalho>. Acesso em: 28 ago. 2015.

27 Novamente destacamos por que a autonomia e a eventualidade, opostos da subordinação e da continuidade que caracterizam o trabalho do empregado, são elementos importantes na análise. No caso do trabalho autônomo e eventual, acreditamos que é possível a intermediação. Imagine-se que uma empresa, pretendendo a reforma de suas instalações, pretende a contratação, em caráter autônomo e, evidentemente, eventual, de arquiteto, ou arquitetos, para a elaboração do projeto. Não vemos por que não poderá contratar os serviços via cooperativa, favorecendo aqueles que, no mercado dos profissionais liberais, não estão vinculados a escritórios ou empresas do ramo. Cássio Casagrande, a propósito, afirma: “sempre que o empregador puder contratar um trabalhador autônomo, poderá contratar, também, uma cooperativa de trabalhadores autônomos. O que não podemos admitir é o que vem ocorrendo, ou seja, os empregadores simplesmente substituem seus empregados por cooperados” (In: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva e outro [Coords.]. Cooperativas de trabalho: anais do seminário. São Paulo: LTr, 2004. p. 143).

28 Cooperativas de trabalho: sua relação com o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 309.

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É por isso que entendemos haver o acerto de Rodrigo Carelli ao in-vestir contra o que denomina de cooperativas de mão de obra. Como diz o autor mencionado, são elas “[...] meras intermediadoras de mão de obra, [...] que realizam terceirização, no sentido de fornecimento de mão de obra, com nítida fraude ao Direito do Trabalho”29.

As cooperativas de trabalho que existem para fins de intermediação são, ressalte-se, forma de superexploração do trabalho em que os trabalha-dores não têm garantido nenhum dos direitos reconhecidos pela legislação trabalhista (limites à jornada de trabalho, férias, 13º salário, FGTS etc.), a não ser a mera retribuição pelo serviço prestado, e em valores que chegam a ser mais baixos que os pagos aos empregados na mesma função. É o caso, até, em certas situações, de se considerar o trabalho como prestado em condições degradantes, na forma definida pelo art. 149 do Código Penal brasileiro.

coNSIderaçÕeS fINaIS

Como visto nessas breves linhas, há uma linha tênue entre interme-diação do trabalho e trabalho em condições precárias, e, por isso, não é in-comum que essa triangulação possa resultar em uma prestação de serviços em situação que configura o trabalho indigno.

Assim, ainda que existam razões para justificar, em condições espe-ciais, o trabalho intermediado, ele deve ocorrer, sempre, nas hipóteses ex-pressamente previstas no ordenamento jurídico, e jamais com a finalidade de substituição permanente de mão de obra, ou nas atividades finalísticas do empreendedor.

Agir em contrário é aviltar o trabalho humano, deixando-se de lado todo o arcabouço jurídico construído para a proteção do trabalhador, e que deixa claro que essa relação entre pessoas deve ocorrer em condições espe-ciais e sob rigoroso controle.

29 Cooperativas de mão de obra: manual contra a fraude. São Paulo: LTr, 2002. p. 13.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

O Fenômeno Jurídico da Terceirização: Aspectos Atuais e Relevantes no Brasil

LuIZ EDuARDO gunThERDesembargador do Trabalho no TRT da 9ª Região-PR, Professor do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, Doutor em Direito do Estado pela UFPR, Membro da Academia Brasi-leira de Direito do Trabalho, da Academia Paranaense de Direito do Trabalho, do Instituto Histó-rico e Geográfico do Paraná, do Centro de Letras do Paraná e da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, Coordenador do Grupo de Pesquisa.

RESUMO: Procura-se compreender, no estudo, o fenômeno da terceirização, sua natureza jurídica e suas características. Descreve-se esse sistema como pactuação com terceiros visando à realização de serviços não essenciais da empresa. Analisa-se, quando essas atividades são regulares, quais setores a admitem e questiona-se a dificuldade para estabelecer regras a respeito. Presentemente a matéria encontra-se em funda polêmica, que pode ser resumida em três frentes de entendimento: (a) setores da doutrina e do Judiciário Trabalhista afirmam a necessidade de manter incólume a redação da Súmula nº 331 do TST; (b) demandas tramitando no STF que podem modificar a atual compreensão do problema; (c) tramitação de projeto de lei desde 2004 no Congresso Nacional, cujo objeto é estender a terceirização a todas as atividades (menos às domésticas). Com larga ocorrência no Brasil, a prática da terceirização (que atinge mais de 8 milhões de trabalhadores), merece normas claras, que tragam aos empresários e trabalhadores segurança jurídica na contratação e que permi-tam a construção de um Brasil menos conflitivo e que respeite o trabalho decente.

PALAVRAS-CHAVE: Terceirização; regulamentação; papel do STF e do Congresso Nacional.

ABSTRACT: The text approaches the phenomenon of outsourcing, its legal status and features. This system is described as an arrangement with third parties to perform companie’s non-essential ser-vices. It analyses its regularization, which sectors admit it and the difficulty to establish its rules. At present the matter is in deep controversy, which can be summarized in three points: (a) sectors of doctrine and Labor Courts affirm the need to maintain the wording of Precedent 331 of TST unsca-thed; (b) claims being processed by the Supreme Court may change the current understanding of the problem; (c) a draft law since 2004 in Congress aims to extend outsourcing to every labor activity (except for domestic labor). The practice of outsourcing reaches more than 8 million workers in Brazil and has to have clear rules to bring to employers and workers legal certainty and to allow the cons-truction of a less conflictive country that respects the decent labour.

KEYWORDS: Outsourcing; regulation; Congress and Supreme Court roles.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O significado jurídico do vocábulo terceirização; 2 Setores e/ou atividades que admitem a terceirização – dificuldades para a regulamentação; 3 A terceirização no serviço público; 4 A garantia da responsabilidade solidária; 5 O papel do TST, do STF e do Congresso nacional na compreensão do problema e as possíveis soluções; Referências.

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INtrodução

Quando se pensa no significado da terceirização, logo surge a per-gunta: qual o papel do Direito para compreender a realidade da vida? E depois: há autonomia no Direito? Sem a resposta a essas perguntas, fica-se em dúvida a respeito do papel da terceirização, como pode ela ser efetiva-mente compreendida, dimensionada, e, mais importante, aceita (ainda que parcialmente) ou rejeitada (totalmente).

Nesse sentido, A. Castanheira Neves apresenta a seguinte indagação: “O Direito hoje e com que sentido?”, refletindo sobre o problema atual da autonomia do Direito1.

Absolutamente imprescindível é a análise do sentido do Direito, no mundo contemporâneo, para tentar desvendar o fenômeno jurídico existen-te no complexo vocábulo que se passou a conhecer como “terceirização”.

Como se poderia esclarecer esse fenômeno, tão atual e debatido? Se-gundo Indalécio Gomes Neto, “a terceirização de serviços, obras, tarefas e atividades é uma tendência econômica de reorganização da produção capitalista”2.

Observem-se os vocábulos que o autor empregou: “tendência eco-nômica” e “reorganização da produção capitalista”. Trata-se, portanto, de fenômeno de inegável conteúdo econômico.

O mesmo autor esclarece que “a terceirização hoje é tomada como uma ferramenta de gestão empresarial, que consiste na contratação de ser-viços especializados”. E diz mais: que essa contratação de serviços especia-lizados permite “à empresa contratante concentrar energia em sua principal vocação”3.

Têm-se, assim, as expressões “contratação de serviços especializa-dos” e “empresa contratante”. Entra-se no mundo dos contratos, da empre-sa, do Direito.

Mas Direito em qual sentido? Há autonomia no Direito? Pode-se es-clarecer, compreender e aplicar o vocábulo terceirização em sentido jurí-dico?

Para que se possa conferir à palavra Direito o sentido de Direito e, ao mesmo tempo, garantir a sua autonomia, torna-se indispensável revelar sua

1 NEVES, A. Castanheira. O direito hoje e com que sentido? O problema atual da autonomia do direito. 3. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2012.

2 GOMES NETO, Indalécio; BRITO, Rider Nogueira de. A terceirização no Brasil. Curitiba: íthala, 2012. p. 42.3 Idem.

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dimensão ética. Seriam três, segundo A. Castanheira Neves, as condições constitutivas e de emergência do Direito enquanto tal: (a) uma condição mundano-social; (b) uma condição humano-existencial; e (c) uma condição ética4.

A primeira condição (mundano-social) manifesta-se pela pluralidade humana na unicidade do mundo, que partilhamos por meio de um certo tipo situacional-comunicativo, como, por exemplo, as relações sociais. A segunda condição (humano-existencial) revela-se pelo problema institucio-nal de integração ou de ordem, possibilitando a existência humana. A ter-ceira e última condição (ética) reconhece a cada homem a dignidade de su-jeito ético, a dignidade de pessoa e assim “simultaneamente com um valor indisponível para o poder e a prepotência dos outros e comunitariamente responsabilizado para com os outros”5.

Juridicamente falando, então, como se pode dizer o que o fenômeno em estudo significa? Como é possível enunciá-lo, estabelecer seus caracte-res, sua natureza jurídica?

1 o SIgNIfIcado jurídIco do vocábulo terceIrIzação

O primeiro passo para entender o significado jurídico da terceiriza-ção é buscar sua origem.

O vocábulo terceirização foi adotado no Brasil, inicialmente, no âmbito da administração de empresas, e depois os Tribunais do Trabalho também passaram a utilizá-lo, como revela Sergio Pinto Martins6. Nesse sentido, o fenômeno pode ser descrito como “a contratação de terceiros visando à realização de atividades que não constituam o objeto principal da empresa”7.

A terceirização poderia ser uma solução para todos os problemas empresariais? Alice Monteiro de Barros acredita que não, e menciona a necessidade de cautela “do ponto de vista econômico, pois implica pla-nejamento de produtividade, qualidade e custos”. Além do mais, enfatiza a necessidade de cuidados redobrados do ponto de vista jurídico, pois o uso de mão de obra terceirizada pode implicar “reconhecimento direto de vínculo empregatício com a tomadora de serviços, na hipótese de fraude”,

4 NEVES, A. Castanheira. Op. cit., p. 70-71.5 Idem, p. 71-72.6 MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 13. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014.

p. 8.7 Idem.

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ou “responsabilidade subsidiária dessa última, quando inadimplente a pres-tadora de serviços”8.

Pode-se dizer que existem duas formas básicas de terceirização: a terceirização externa e a terceirização interna. A primeira forma (externa) surgiu no “setor automotivo e hoje invade a indústria em geral”. Nesse caso, “uma empresa fabrica o produto, ou parte dele, e o vende à outra, que o completa e/ou monta”. A fábrica, na verdade, externaliza etapas de seu ciclo produtivo, “ao invés de produzir por si mesma”, organizando-se em rede. Na segunda forma (interna), “exemplo mais visível é o das empresas de asseio e conservação, mas que envolve também os call centers”, o que equi-vale dizer: “uma empresa negocia os próprios trabalhadores, alugando-os à outra”. Segundo Márcio Túlio Viana, que nos dá todas essas explicações, essa última situação configura “o que sempre se chamou de marchandage”9.

Como saber sobre a regularidade da terceirização? Existem limitações a serem observadas? Onde se apoiar para saber o que se pode ou não fazer quando se trata desse fenômeno?

Pode-se dizer que a terceirização compõe medidas com a finalidade de adequar “as relações de emprego às transformações que emergem no sistema de produção”. Coloca-se, desse modo, a terceirização ao lado de outras modificações na utilização da força de trabalho, “como trabalho em tempo parcial, trabalho temporário, jobsharing e banco de horas”10.

Essa realidade, da contratação da mão de obra por empresa interpos-ta, venceu as resistências e “somente se consolidará depois que o Poder Le-gislativo disciplinar a relações de trabalho no âmbito desse setor”. Devem, pois, ser fixadas as hipóteses, “os limites, as obrigações, os direitos e as garantias dos respectivos atores”. Incluem-se nesse rol as empresas presta-doras, as tomadoras de serviços e os respectivos empregados11.

Pela explicação dada, vê-se a multiplicidade de sentidos (e dificulda-des) contidos no vocábulo terceirização.

8 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2012. p. 358.9 VIANA, Márcio Túlio. Audiência pública sobre terceirização: um depoimento sintético. In: VIANA, Márcio

Túlio: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; FATTINI, Fernanda Carolina; FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; BENEVIDES, Sara Costa (Coord.). O que há de novo em direito do trabalho: homenagem a Alice Monteiro de Barros e Antônio Álvares da Silva. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 680.

10 CHAHAD, José Paulo Z.; ZOCKUN, Maria Helena. A terceirização do trabalho no Brasil: um estudo de caso. In: ______; CACCIAMALI, Maria Cristina (Org.). Mercado de trabalho no Brasil: novas práticas trabalhistas, negociações coletivas e direitos fundamentais no trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 106.

11 PEREIRA, João Batista Brito. A terceirização, a lei e a Súmula nº 331 do TST. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra; DELGADO, Mauricio Godinho; PRADO, Ney; ARAÚJO, Carlos (Coord.). A efetividade do direito e do processo do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 75.

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2 SetoreS e/ou atIvIdadeS Que admItem a terceIrIzação – dIfIculdadeS Para a regulameNtação

Quais os setores e atividades que admitem a terceirização? Quais as dificuldades para estabelecer regras a esse respeito?

Estudos voltam-se a compreender (e limitar) a terceirização apenas aos “serviços especializados”. Nessa linha, a especialização do serviço teria sido “um dos elementos principais na construção da doutrina da terceiriza-ção”. A justificativa apresenta-se na dinâmica das empresas de repassarem a terceiros a execução de atividades periféricas, “concentrando seus esforços no objeto principal da instituição (atividade-fim)”12.

A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – Anamatra, na I Jornada de Direito do Trabalho, com o apoio do TST, em novembro de 2007, aprovou o Enunciado nº 10, no qual se vê a defesa dessa especiali-zação:

Terceirização. Limites. Responsabilidade solidária. A terceirização somente será admitida na prestação de serviços especializados, de caráter transitório, desvinculados das necessidades permanentes da empresa, mantendo-se, de todo modo, a responsabilidade solidária entre as empresas.13

Esclarece Alberto Emiliano de Oliveira Neto que, no segmento eco-nômico da construção civil, pode se apurar a existência de serviços espe-cializados, tais como: “instalações elétricas, instalações hidráulicas, gesso e pintura”. Considera, entretanto, que tais serviços jamais poderiam ser ter-ceirizados, pois representam a atividade principal de qualquer construtora aqueles de: “fundação, alvenaria, reboco e carpintaria”14.

Quanto aos setores da energia elétrica e da telecomunicação, pode ou não haver terceirização?

Segundo Georgenor de Sousa Franco Filho, a Lei nº 8.987, de 13.02.1995, em um primeiro momento, e a Lei nº 9.472/1997, em seguida, são claras: “não somente aquelas atividades essencialmente consideradas meio, mas também aquelas inerentes à atividade dessas empresas podem ser terceirizadas”15.

12 OLIVEIRA NETO, Alberto Emiliano de. Terceirização na construção civil. In: RAMOS FILHO, Wilson; WANDELLI, Leonardo Vieira; ALLAN, Nasser Ahmad (Coord.). Trabalho e regulação no estado constitucional. Curitiba: Juruá, v. IV, 2013. p. 27.

13 Idem, p. 27-28.14 Idem, p. 27.15 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A terceirização nos serviços públicos de energia elétrica e de

telecomunicações. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho, Edição especial, a. XVIII, n. 18, 2010, Homenagem ao Professor Emérito Amauri Mascaro Nascimento. São Paulo: LTr, 2010. p. 64.

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Aprofundando seu entendimento, esse autor afirma a possibilidade de terceirização em praticamente todas as atividades dos setores de energia elétrica e das telecomunicações, “exceção àquelas que são nítida, exclusiva e irremediavelmente só da empresa: transmissão, emissão ou recepção”16.

No mesmo diapasão desse posicionamento doutrinário inclina-se aresto do colendo Tribunal Superior do Trabalho, esclarecendo:

A Lei Geral de Telecomunicações (LGT; Lei nº 9.472/1997) ampliou as hipó-teses de terceirização de serviços. Assim, a previsão contida no art. 94, inciso II, no sentido de que é possível a contratação de empresa interposta para a prestação de atividades inerentes ao serviço de telecomunicações, autoriza a terceirização das atividades preceituadas no § 1º do art. 60 da LGT.17

Nesse mesmo julgado resta esclarecido tornar-se irrelevante discutir se a função desempenhada pela reclamante “enquadra-se como atividade--fim ou meio, ante a licitude da terceirização, uma vez respaldada em ex-pressa previsão legal”18.

A empresa Petrobras, em 2000, tinha 38 mil empregados próprios e 49 mil terceirizados. Em 2006 esses números saltaram para 62 mil e 176 mil, respectivamente. Dois anos depois a diferença ficou bem maior: 74 mil efetivos contra 260 mil prestadores de serviços. Esses terceirizados assumem tarefas que, em tese, só poderiam ser exercidas por funcionários próprios, como “fiscalizar plataformas em alto mar”. Além disso, normalmente eles são chefiados diretamente pelos concursados, quando, na verdade, “deve-riam ser orientados pelas empresas terceirizadas”. O Ministério Público do Trabalho combateu essas irregularidades e, no ano de 2006, firmou acordo com o Governo Federal “para substituir os terceirizados em contratos irregu-lares até 2010”. A previsão era reduzir o processo, mas isso não aconteceu. A empresa mudou, em 2010, a forma de contabilizar os empregados, “ex-cluindo os terceirizados que atuam fora das suas unidades”. Desse modo, mesmo sem demitir ninguém, “da noite para o dia, a empresa fez desapare-cer quase 20 mil prestadores de serviços dos seus relatórios”. Os números foram calibrados em 2011, com nova maquiagem, alterando a nomenclatu-ra “empregados terceirizados” para “empregados de empresas prestadoras de serviço”. A empresa encerrou o ano de 2012 “com 85 mil efetivos e o

16 Ibidem, p. 65.17 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. TST-RR 3540-87.2009.5.03.0016 – Ac. 8ª T. 18.810, Relª Min.

Dora Maria da Costa. LTR, n. 75/04, p. 488-492.18 Idem.

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impressionante saldo de 360 mil terceirizados”. Trata-se de número superior ao dobro, comparado com os seis anos anteriores19.

A admissibilidade da terceirização em atividade-fim é reconhecida em algumas situações por parte da doutrina trabalhista. Alice Monteiro de Barros recorda autores que, de forma exemplificativa, com amparo no art. 170 da Constituição, consideram regular a delegação, pela indústria automobilística, “de determinados serviços vinculados à atividade-fim das empresas, decorrentes das novas técnicas de produção ou de novas tecno-logias”. Também menciona “os serviços ligados à perfuração de poços de petróleo em empresas que o exploram, entre outras”20.

Quando se estuda a terceirização, os contratos de franquia surgem quase sempre como um possível exemplo. A Lei nº 8.955, de 1994, em seu art. 2º, conceitua a franquia empresarial:

Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franque-ado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribui-ção exclusiva ou semiexclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique carac-terizado vínculo empregatício.21

Segundo Alice Monteiro de Barros, a jurisprudência do c. TST posi-ciona-se no sentido de “afastar a responsabilidade subsidiária do franque-ador, nos casos de franquia típica”. Isso ocorre, naturalmente, porque as partes do contrato de franquia “mantêm total autonomia na condução de seus negócios, inexistindo subordinação entre elas”. Essa orientação, con-tudo, não pode prevalecer se constatado o desvirtuamento do contrato de franquia, por exemplo, com a inserção de cláusulas que atribuem ao fran-queado a obrigação de prestar serviço ao franqueador, “revelando que a intenção deste último era transferir ao primeiro a execução de uma parcela da sua atividade empresarial”. Nessa situação seria possível concluir, inega-velmente, pela existência de uma forma de terceirização, “de molde a impor ao franqueador responsabilidade subsidiária pelo pagamento do crédito tra-balhista deferido aos empregados do franqueado”22.

19 FARHAT, Rodrigo. Estatal descumpre Constituição e terceiriza sem limite. Labor – Revista do Ministério Público do Trabalho, a. I, n. 2, 2013. p. 18-22.

20 BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 358.21 BRASIL. Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o contrato de franquia empresarial

(franchising) e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8955.htm>. Acesso em: 14 jan. 2015.

22 BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 363.

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Embora não se possa afirmar que a terceirização está sempre levando à ilicitude, pode-se dizer, com toda a certeza, que não existem critérios cla-ros e estáveis para saber onde, quando e como a empresa pode terceirizar seus serviços.

3 a terceIrIzação No ServIço PúblIco

Os serviços da Administração Pública são os com maior frequência terceirizados. Quando são regulares ou irregulares essas terceirizações?

A terceirização no setor público é um dos aspectos relevantes do fe-nômeno que se estuda neste artigo. O § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/1993 estabelece que: “a inadimplência do contratado, com referência aos encar-gos estabelecidos neste artigo (comerciais, trabalhistas e fiscais), não trans-fere à Administração Pública a responsabilidade de pagamento”23.

O maior problema, no setor público, relaciona-se “à inadimplência das terceirizadas com os trabalhadores ao fim do contrato”. Quase sempre, a exigência da licitação pelo menor preço “leva à contratação de empresas frágeis financeiramente”24.

Normalmente os estudiosos do Direito Administrativo, quanto a esse aspecto, interpretam a terceirização por dois caminhos: o da licitude e o da ilicitude. Sendo lícita a terceirização, consideram que se aplica a norma citada em sua literalidade, isto é, “o Poder Público se exime de responsa-bilidade, mesmo porque o contrato se faz entre pessoas jurídicas autôno-mas, ambas capazes de responder por seus atos”. Entretanto, sendo ilícita a terceirização, “o extremo oposto acontece, pois não só a Administração responde solidariamente, como o administrador paga por improbidade administrativa”25.

O Supremo Tribunal Federal, por intermédio da Ação Direta de Constitucionalidade nº 16, reconheceu a constitucionalidade da Lei nº 8.666/1993. Em razão disso, o Tribunal Superior do Trabalho alterou a redação da Súmula nº 331. A partir dessa mudança, os entes integrantes da Administração Direta e Indireta passaram a responder subsidiariamente “apenas” quando evidenciada a sua conduta culposa no que toca ao cum-

23 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acesso em: 12 jan. 2015.

24 MAIA, Samantha. Direitos ameaçados. Terceirização. Decisão do STF afetará o sistema trabalhista criado há 70 anos. Revista Carta Capital, 17 set. 2014. p. 42.

25 VIANA, Márcio Túlio. A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da matéria. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli; TEIXEIRA, Érica Fernandes (Org.). Novidades em direito do trabalho e processo do trabalho: estudos em homenagem aos 70 anos da CLT. São Paulo: LTr, 2013. p. 221.

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primento dos deveres que lhe são impostos pela Lei de Licitações, “princi-palmente a fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora”. Isso significa, também, que, “comprovada a inexistência de culpa da Administração Pública, o trabalha-dor ficará sem receber o pagamento das verbas às quais possui direito”26.

Constatada, e comprovada, em determinada ação judicial movida por trabalhador terceirizado contra seu empregador, e contra o ente público, que contratou este último, o inadimplemento das obrigações (trabalhistas) decorrentes daquele contrato administrativo pelo contratado, caberá à Ad-ministração Pública, com exclusividade, para evitar que sua conduta seja considerada omissa e ilícita, nos termos e para os efeitos dos arts. 186 e 927, caput, do Código Civil, alegar e comprovar, cabalmente, no curso da instrução processual, que:

a) praticou todos esses atos administrativos detalhadamente esta-belecidos nos apontados preceitos da Lei nº 8.666/1993 e na Instrução Normativa nº 06/2013, do Ministério do Planejamen-to, Orçamento e Gestão (MPOG);

b) fiscalizou, no curso e no encerramento daquele contrato admi-nistrativo, a plena observância dos direitos trabalhistas do cor-respondente reclamante;

c) uma vez constatado seu inadimplemento, tomou todas as medi-das e as providências legalmente previstas para prevenir ou res-sarcir o trabalhador terceirizado vítima daqueles atos ilícitos27.

Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, “ao substituir a tradicional solidariedade passiva entre o tomador e o intermediário da locação ilegal de serviços”, parece evidente que a Súmula nº 331, item IV, do TST pretendeu, de forma inequívoca, “amenizar a posição jurídica do tomador dos servi-ços”, que, desse modo, só responde (subsidiariamente) pela dívida quando esgotado o patrimônio ou a solvabilidade do terceiro-intermediário”. Adver-te esse doutrinador, no entanto, responder “tanto o tomador privado quanto o ente público”. Para ele, as razões que determinam tal responsabilidade, de ordem social e jurídica, “não autorizam haja semelhante diferenciação

26 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos; FONTES, Camila de Abreu. Responsabilidade da Administração Pública à luz da nova redação da Súmula nº 331 do TST. In: REIS, Daniela Muradas; MELLO, Roberta Dantas de; COURA, Solange Barbosa de Castro (Coord.). Trabalho e justiça social: um tributo a Mauricio Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2013. p. 191-202. p. 201.

27 PIMENTA, José Roberto Freire. A responsabilidade da Administração Pública nas terceirizações, a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADC 16-DF e a nova redação dos itens IV e V da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Revista Eletrônica do TRT9. Disponível em: <http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/?numero=10>. Acesso em: 16 jan. 2015. p. 41.

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de tratamento”. Não seria menor, nem diferente, a culpa in vigilando, que se encontra na base de tal responsabilidade, “quando se trata de contratante público”28.

Pelo que se verifica dessas incursões doutrinárias, a matéria merece, sim, reflexão adequada e, talvez, para não subsistir dúvida, equacionamen-to legal.

4 a garaNtIa da reSPoNSabIlIdade SolIdárIa

Um dos aspectos mais relevantes da terceirização gira em torno da questão de como responsabilizar as empresas que praticam essa atividade irregularmente ou não cumprem as condições contratuais, deixando os tra-balhadores “a ver navios”.

Segundo estudo do Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros de São Paulo, há hoje cerca de 8,2 milhões de trabalhadores que “precisam de uma resposta do Estado consistente e efetiva” quanto à tercei-rização. Parece, realmente, não haver mais capacidade de tolerância para a “omissão do direito positivo”. A delimitação do objeto da terceirização, bem como a definição da responsabilidade solidária das empresas, “confi-gura meio hábil de impedir o uso abusivo do instituto”29.

A responsabilidade por ato de terceiro é objetiva, porque o fato ge-rador é o risco inerente à atividade (Código Civil, arts. 933 e 942 e CLT, art. 2º), o que pode e deve, sem qualquer problema, ser aplicado ao toma-dor de serviços, “incluindo todos aqueles que participam da cadeia produ-tiva e que auferem benefícios da atividade desenvolvida”30.

Invocando o Estatuto dos Trabalhadores da Espanha (art. 42), há quem considere conveniente a edição de lei atribuindo ao tomador dos serviços “a responsabilidade solidária de todas as empresas integrantes da cadeia produtiva, para assegurar ao obreiro maior garantia”31.

Tendo em vista, no processo de terceirização, um descompasso com a higidez, saúde e segurança no meio ambiente laboral, considera-se possí-

28 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 4. ed. rev. ampl. e atual. Curitiba: Juruá, 2013. p. 286.

29 MELO, Luis Antônio Camargo de. Terceirização. In: REIS, Daniela Muradas; MELLO, Roberta Dantas de; COURA, Solange Barbosa de Castro (Coord.). Trabalho e justiça social: um tributo a Mauricio Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2013. p. 167.

30 CAIXETA, Sebastião Vieira. Apontamentos sobre a normatização do instituto da terceirização no Brasil: por uma legislação que evite a barbárie e o aniquilamento do direito do trabalho. In: REIS, Daniela Muradas; MELLO, Roberta Dantas de; COURA, Solange Barbosa de Castro (Coord.). Trabalho e justiça social: um tributo a Mauricio Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2013. p. 187.

31 BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 361.

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vel a responsabilização solidária do tomador do serviço a partir das normas de saúde e segurança no trabalho. Segundo Francisco Milton Araújo Júnior, “entrelaçando as atividades produtivas e as respectivas responsabilidades”, verifica-se que a leitura do art. 942, parágrafo único, do Código Civil, esta-belece que “são solidariamente responsáveis com os autores os coautores”. Desse modo, é possível estabelecer claramente que o sistema produtivo, “ao adotar o processo de terceirização, e, por conseguinte, ao conectar as em-presas tomadoras e prestadoras de serviço”, fixa que o conjunto produtivo “assume e divide a lucratividade e o ônus das atividades”. Neste último se insere a responsabilidade solidária das empresas (tomadoras/terceirizadas) no caso de acidente de trabalho32.

Os critérios da Súmula nº 331 do TST, segundo Márcio Túlio Viana, embora possam prevalecer, como regra geral, podem ser aperfeiçoados, es-pecialmente no que diz respeito à responsabilização, de modo a:

a) substituir o critério da responsabilidade subsidiária pelo da res-ponsabilidade solidária;

b) aplicar o critério da solidariedade entre contratante e contrata-da não só no caso da terceirização lícita, mas na hipótese de terceirização ilícita, independentemente do reconhecimento do vínculo de emprego com o tomador;

c) no caso de uma cadeia de tomadores e fornecedores, aplicar o critério de solidariedade entre todos33.

O cerne de toda a controvérsia em torno da terceirização da mão de obra, segundo Guilherme Augusto Caputo Bastos, “está na responsabiliza-ção pelo adimplemento dos créditos trabalhistas”. Tomando por base “o princípio da segurança jurídica”, depende-se, na terceirização, de uma defi-nição clara sobre qual empresa, tomadora ou prestadora dos serviços, “será demandada no polo passivo da demanda, o que é essencial ao trabalhador”. Recorda esse autor que, no Direito Comparado, existe uma tendência para que a responsabilização pelo adimplemento dos débitos trabalhistas, nos casos de terceirização, “se dê de forma solidária e não subsidiária entre to-mador e prestador de serviços, ao contrário, portanto, do previsto na Súmula nº 331, IV”. Cita, nesse sentido, os ordenamentos jurídicos da Argentina,

32 ARAÚJO JÚNIOR, Francisco Milton. A terceirização e o descompasso com a higidez, saúde e segurança no meio ambiente laboral – Responsabilidade solidária do tomador do serviço a partir das normas de saúde e segurança no trabalho. Revista Trabalhista Direito e Processo, a. 13, n. 49, São Paulo: LTr, p. 49-50, nov. 2014.

33 VIANA, Márcio Túlio. Audiência pública sobre terceirização: um depoimento sintético. In: VIANA, Márcio Túlio: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; FATTINI, Fernanda Carolina; FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; BENEVIDES, Sara Costa (Coord.). Op. cit., p. 681.

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Chile, Colômbia, Venezuela, México e Espanha. Quanto à Espanha, faz re-ferência ao art. 42 do Estatuto dos Trabalhadores, enfatizando que esse país atribui “responsabilidade solidária a todas as empresas integrantes da cadeia produtiva e estende aos trabalhadores das terceirizadas os mesmos direitos dos trabalhadores inseridos na empresa tomadora”. Considera imprescin-dível, assim, “a adoção da responsabilização solidária pelo adimplemento dos débitos trabalhistas”. Trata-se de medida importante, “a imprimir maior proteção ao trabalhador terceirizado”, que, desse modo, “poderá acionar, indistintamente, a empresa com a qual se forma o vínculo empregatício, bem como a empresa tomadora dos serviços”34.

Outras razões, subjacentes ao próprio contrato triangular de tercei-rização, recomendam a responsabilidade solidária, no dizer de Sebastião Vieira Caixeta:

a) necessidade de satisfação imediata do crédito alimentar;

b) possibilidade de ajustar garantias no contrato de terceirização;

c) possibilidade de controle, pelo tomador, das obrigações traba-lhistas e previdenciárias, evitando o inadimplemento;

d) possibilidade de retenção de repasses das faturas devidas para ressarcimento de pagamentos feitos;

e) condição mais favorável do tomador para fazer a cobrança re-gressiva35.

Parece claro que um dos aspectos essenciais é a responsabilização solidária na atividade terceirizada, cujos critérios devem ser estabelecidos de forma objetiva.

5 o PaPel do tSt, do Stf e do coNgreSSo NacIoNal Na comPreeNSão do Problema e aS PoSSíveIS SoluçÕeS

Quando se perquire sobre a terceirização, avulta o ativismo judicial do TST, e agora, possivelmente, do STF. É o papel do Congresso Nacional? Não deveria este último poder constituído assumir efetivamente o seu papel nessa questão?

Indaga-se a quem está lendo este texto se já ouviu falar no vocábulo crowdsourcing? Significa, ao pé da letra, segundo Hélio Zyllberstajn, “ter-

34 BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Terceirização – aspectos polêmicos. In MARTINS FILHO, Ives Gandra; DELGADO, Mauricio Godinho; PRADO, Ney; ARAÚJO, Carlos (Coord.). A efetividade do direito e do processo do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 100.

35 CAIXETA, Sebastião Vieira. Op. cit., p. 187.

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ceirização em massa”. Na verdade, significa contratar trabalhos realizados em pequenas tarefas na Internet, quase na forma de pesquisa. Os interes-sados (dezenas, centenas, milhares, por isso a palavra crowd) enviam suas respostas ou sugestões que, se aproveitadas, são pagas pelos contratantes. Para evitar problemas com o Fisco, no Brasil, segundo esse autor, os paga-mentos são pequenos, “situando-se abaixo da faixa da isenção tributária”. Embora esse exemplo de contratação de trabalhadores seja, evidentemente, um caso extremo, ilustra muito bem “o controle existente entre a velocida-de e a diversidade das mudanças no mercado de trabalho” e “a lentidão na percepção e na evolução do Direito do Trabalho e mais genericamente das políticas de regulamentação do mercado de trabalho”36.

Seria mesmo necessário regulamentar via marco legal a terceirização? Ou seria suficiente o entendimento jurisprudencial reiterado do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema?

Guilherme Augusto Caputo Bastos assevera, de forma contundente, que a demora no estabelecimento de um marco regulatório para o trabalho terceirizado “contribui para a existência de fraude aos direitos dos traba-lhadores, que muitas vezes acabam se submetendo a empregadores apro-veitadores e oportunistas”. Considera, pois, urgente que o Poder Legislativo equacione a polêmica em torno da “questão referente à terceirização da mão de obra”. Registra esse estudioso do tema que, se de um lado, não se pode admitir o “aviltamento das conquistas trabalhistas”, de outro não se pode fechar os olhos “para a nova realidade do mercado mundial, e exigir novas fórmulas para o seu enfrentamento”37.

Conforme notícia veiculada pelo site do STF no mês de junho de 2014, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal reconheceu a reper-cussão geral da matéria discutida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 791.932, “que trata da possibilidade de terceirização de callcenter de empresas de telefonia”.

A manifestação do relator da ARE, Ministro Teori Zavascki, foi no sentido de que “a matéria transcende os limites subjetivos da causa, pois a questão está reproduzida em inúmeras demandas, muitas delas já em fase de recurso no STF”.

36 ZYLLBERSTAIN, Hélio. Visões econômicas da flexibilização dos direitos trabalhistas. In: MANNRICH, Nelson; VOGEL NETO, Gustavo Adolpho; FLORINDO, Valdir; FREDIANI, Yone (Coord.). Novos temas e desafios no mundo do trabalho. Anais da Academia Nacional de Direito do Trabalho, 2012. São Paulo: LTr, 2013. p. 205.

37 BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Op. cit., p. 100.

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No entendimento do TST, “não é legítima a terceirização dos serviços de callcenter pelas empresas de telecomunicações por se tratar de ativida-de-fim”. O recurso empresarial ao STF afirma que o TST deixou de aplicar o art. 94, inciso II, da Lei nº 9.272/1997 (Lei Geral das Telecomunicações), que permite a terceirização de “atividades inerentes, acessórias ou comple-mentares ao serviço”, sem declarar, em Plenário, sua inconstitucionalidade.

Para o Ministro Teori Zavascki, relator da matéria no STF, “a ques-tão possui repercussão geral do ponto de vista jurídico, já que envolve a declaração ou não de inconstitucionalidade do art. 94, inciso II, da Lei nº 9.472/1997”38.

Notícia do site do c. TST de outubro de 2014 dá conta de que o so-brestamento de todos os processos que discutam a validade de terceirização da atividade de callcenter, nas concessionárias de telecomunicações, foi determinado pelo Ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 791.932, com reper-cussão geral reconhecida.

Enquanto o mérito desse recurso não for julgado, “a tramitação de todas as causas sobre a matéria estão suspensas, em todas as instâncias da Justiça do Trabalho”. Duas exceções, apenas, foram consideradas: (a) os processos ainda em fase de instrução (sem sentença de mérito); e (b) as exe-cuções em andamento (decisões transitadas em julgado).

No reconhecimento do pedido, o Ministro afirmou que a decisão a ser proferida pelo STF no caso repercutirá decisivamente sobre a qualifi-cação jurídica da relação de trabalho estabelecida entre as operadoras de serviços de callcenter e seus contratados, “afetando de modo categórico o destino das inúmeras reclamações ajuizadas por trabalhadores enquadrados nesse ramo de atividade perante a Justiça do Trabalho”39.

Na dicção de Bruno Milano Centa e Marco Antônio César Villatore, é importante regulamentar o tema da terceirização, o que tem sido reconheci-do por inúmeros Países, inclusive pela OIT. Essa organização internacional, por meio da Convenção nº 181 (embora sem grande número de adesões), reconheceu a existência e a importância “das agências privadas de interme-diação e se preocupa em assegurar garantias aos trabalhadores que nelas se

38 STF analisará terceirização de callcenter em empresas de telefonia. Notícias STF, 27 de junho de 2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=270044>. Acesso em: 15 jan. 2015.

39 MINISTRO determina sobrestamento de processos sobre terceirização de callcenter em empresas de telefonia. Notícias do TST, 2 de outubro de 2014. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/stf-determina-sobrestamento-de-processos-sobre-terceirizacao-de-call-center-em-empresas-de-telefonia>. Acesso em: 15 jan. 2015.

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inserem”. Para esses articulistas, é essencial regulamentar essas situações de fato, que representam uma realidade no mundo contemporâneo, pois “negar a existência dessas agências só traz prejuízo aos trabalhadores que encontram nelas o seu meio de subsistência”40.

Para os autores citados (Centa e Villatore), é imprescindível a adoção de um novo marco regulatório, pois impera no Brasil a insegurança jurídica. A jurisprudência, como a maior fonte de Direito a balizar as condutas dos empregadores, nesse particular, é “suscetível à mudança constante de en-tendimento”. Essa situação se agrava quando as decisões judiciais fundam--se em conceitos “também sujeitos à interpretação e delimitação complexa, tais quais são a atividade-meio e a atividade-fim”41.

Interessante e denso trabalho sobre o tema, analisando a autorização constitucional para a prática excepcional da terceirização em atividade--meio (CF, arts. 37, XXI, e 173, § 1º, III), conclui que “a terceirização em ati-vidade-fim das empresas estatais viola a Constituição em dupla dimensão”:

a) na afronta ao regime de emprego socialmente protegido (art. 7º);

b) no desrespeito à regra do concurso público, como exigência de impessoalidade (art. 37)42.

Reconheceu o Plenário Virtual do STF (no ARE 713.211-MG) a reper-cussão geral contida no exame dos parâmetros a serem observados “para a identificação de que tarefas podem ser terceirizadas por empregadores”. Como exposto pelo Relator Ministro Luiz Fux, reconheceu-se “a ausência de balizas legais para o tema, objeto de milhares de ações nos Tribunais Trabalhistas do país”. A empresa alega que “não existe definição jurídica sobre o que sejam exatamente “atividade-meio” e “atividade-fim”, susten-tando, ainda, que tal distinção é incompatível “com o processo de produção moderno”43.

Segundo o site do STF, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324. A pretensão da entidade é que o STF reconheça a inconsti-

40 CENTA, Bruno Milano; VILLATORE, Marco Antônio César. Terceirização na Organização Internacional do Trabalho e nos Estados-partes do Mercosul – consequências sociais e econômicas. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Coord.). Direito Internacional e a Organização Internacional do Trabalho: um debate atual. São Paulo: Atlas, 2015. p. 139.

41 Idem, p. 140.42 DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Os limites constitucionais da terceirização. São Paulo:

LTr, 2014. p. 159.43 STF definirá limites para terceirização. Migalhas, terça-feira, 20.05.2014. Disponível em: <http://www.

migalhas.com.br/Quentes/17,MI201171,101048-STF+definira+limites+para+terceirizacao>. Acesso em: 16 jan. 2015.

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tucionalidade da interpretação adotada “em reiteradas decisões da Justiça do Trabalho” relativas à terceirização, tomadas, no seu entendimento, “em clara violação aos preceitos constitucionais fundamentais da legalidade, da livre iniciativa e da valorização do trabalho”44.

O relator da ADPF é o Ministro Luís Roberto Barroso. Em manifes-tação recente, o Presidente do TST defendeu súmula contra terceirização de atividade-fim. Conforme o Ministro Barros Levenhagen, diante da falta de leis e roupagem jurídica sobre essa forma de contratação, formulou-se uma “fonte subsidiária de Direito” e não “regra de hermenêutica”. Para ele, o objetivo foi preservar princípios constitucionais como “o valor social do trabalho e o da isonomia salarial”45.

Sobre essa intensa discussão doutrinária e jurisprudencial, a Revis-ta Eletrônica do TRT9 (Paraná), que, em sua história iniciada em 2011, já conta com mais de um milhão de acessos, publicou duas edições sobre a terceirização, a nº 10 (agosto de 2012) e a nº 35 (novembro e dezembro de 2014). Podem ser acessadas pelo site <http://www.mflip.com.br/pub/esco-lajudicial/>.

Espera-se, assim, um comportamento ativo do Congresso Nacional, que tem em suas mãos, desde o ano de 2004, o PL 4.330/2004, cujo objeto é a extensão de todas as atividades (excetuando apenas o trabalho domésti-co) à possibilidade de terceirização.

Esse Projeto prevê que todas as funções de uma empresa podem ser exercidas por terceirizados, inclusive a atividade-fim. A responsabilidade pelo vínculo empregatício cabe somente à empresa prestadora de serviços. Regulamenta-se a responsabilidade da empresa contratante em fiscalizar o uso dos equipamentos de segurança e procedimentos contra acidente de trabalho46.

Pelo que se constata, esse Projeto ainda não obteve consenso, e exis-tem outros em tramitação (e que podem tramitar de forma aglutinativa). O que importa, sem dúvida, é que exista uma definição legal, que possa evitar a imensa quantidade de demandas a respeito desse tema.

44 ASSOCIAÇÃO questiona entendimento da Justiça do Trabalho sobre terceirização. Notícias do STF de 29.08.2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=273986>. Acesso em: 16 jan. 2015.

45 PRESIDENTE do TST defende súmula contra terceirização de atividade-fim. Consultor Jurídico. 02.01.2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jan-02/presidente-tst-defende-sumula-atividade-fim-tercei- rizada>. Acesso em: 16 jan. 2015.

46 BRASIL. Câmara dos Deputados. PL 4.330/20014. Dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841>. Acesso em: 16 jan. 2016.

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Existe, assim, a promessa da implementação de normas claras sobre a terceirização, que podem trazer não só aos jurisdicionados, mas espe-cialmente a empresários e trabalhadores um caminho mais adequado sobre o qual podem seguir seus passos diariamente na construção de um Brasil menos conflitivo e mais direcionado ao trabalho decente dentro da Justiça Social.

referÊNcIaSARAÚJO JÚNIOR, Francisco Milton. A terceirização e o descompasso com a higidez, saúde e segurança no meio ambiente laboral – Responsabilidade solidária do tomador do serviço a partir das normas de saúde e segurança no trabalho. Revista Trabalhista Direito e Processo, a. 13, n. 49, São Paulo: LTr, p. 41-53, nov. 2014.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Considerações sobre o Programa de Proteção ao Emprego

LuIZ mARCELO gÓISMestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Especialista em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Professor da Fundação Getúlio Vargas, Membro do Instituto Nacional de Direito Social Cesarino Junior, Advogado associado da Barbosa, Müssnich & Aragão.

SUMÁRIO: Introdução; I – Finalidade do PPE; II – Redução de jornada e salários; III – Formato e abrangência; IV – Efeitos sobre os empregados que recebem salário-mínimo; V – Compensação pe-cuniária; VI – Prazo de duração do PPE; VII – Elegibilidade; VIII – Vedação à contratação e à despedida sem justa causa durante a permanência no PPE; Conclusão.

INtrodução

Muitas vezes, ouvimos falar que o direito do trabalho destina-se a proteger o empregado.

Essa finalidade – que é questionada por autores de peso como Arion Sayão Romita1 – é modernamente convidada a uma nova perspectiva. De simples proteção ao empregado hipossuficiente, a finalidade do direito do trabalho recebe um alargamento de propósito, passando também a se preo-cupar com o crescimento e a manutenção do emprego2.

Essa expansão de perspectiva da disciplina surge da constatação de que o capitalismo moderno – sistema econômico em que o mundo ociden-tal encontra-se inserido – é marcado por momentos de pujança econômica, intercalados por outros de crise. Trata-se de um movimento cíclico, próprio do sistema.

Nos momentos de crise como a que o Brasil atualmente atravessa, passa-se a se questionar de que adianta existir um belo ordenamento traba-lhista, que confere ao empregado uma vasta gama de direitos e garantias, se o trabalhador acaba excluído desse sistema ao ser mandado embora. Sem emprego, não há FGTS, férias ou 13º salário; não há integração social do trabalhador.

1 O princípio da proteção em xeque. São Paulo: LTr, 2003.2 Sobre essa nova finalidade do direito do trabalho, vide GOIS, Luiz Marcelo. A caminho de um direito

trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.

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A crise econômica gera, assim, um fenômeno devastador para a dis-ciplina trabalhista no Brasil. Ficamos com um direito do trabalho tão belo quanto ineficaz: desempregados e trabalhadores relegados à informalidade escapam por entre os dedos de um ordenamento que pretende protegê-los. Cria-se um direito do trabalho de exclusão, em que um número crescente de trabalhadores não consegue ser por ele tutelado, em virtude de simples-mente não estar inserido em uma relação de emprego.

É simples: sem emprego, o direito do trabalho se enfraquece.

Constatando esse fenômeno, no início de julho de 2015, o Governo Federal editou a Medida Provisória no 680 (MP 680), que instituiu o chama-do Programa de Proteção ao Emprego – PPE, diploma este convertido na Lei nº 13.189 em novembro do mesmo ano.

Trata-se de uma das medidas adotadas pelo Governo Federal na ten-tativa de combater os reflexos sobre o mercado de trabalho irradiados pela crise econômica que o País atravessa. Ela é uma tentativa de resposta ao preocupante – e crescente – índice de desemprego registrado em 2015 no Brasil (8,5%), que caminha, segundo analistas mais pessimistas, para a casa dos dois dígitos em 2016.

O presente artigo propõe-se a repassar as principais regras que disci-plinam esse Programa de Proteção ao Emprego, sugerindo, quando possível, um estudo um pouco mais aprofundado sobre questões que podem suscitar alguma polêmica em sede jurisprudencial e doutrinária.

I – fINalIdade do PPe

A partir de 06.07.2015, as empresas em dificuldades econômico--financeiras passaram a poder aderir ao Programa de Proteção ao Em-prego, previsto na Medida Provisória no 680/2015, convertida na Lei nº 13.189/2015.

O Programa foi instituído com a finalidade de apresentar uma respos-ta à situação de crescente desemprego, desencadeada mais fortemente no ano de 2015 em virtude da crise política e econômica que do Brasil.

De acordo com a Exposição de Motivos da MP 680, o PPE traz bene-fícios em três níveis distintos.

Em primeiro lugar, ele beneficia o empresário, ao lhe permitir que ajuste “seu fluxo de produção à demanda”, mantenha em seus quadros os seus empregados “já qualificados” e reduza “custos com demissão e admis-são”. Em segundo plano, beneficiam-se os trabalhadores, que preservariam

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“os empregos e a maior parte de seus rendimentos” em um período de incer-tezas no mercado de trabalho. Por fim, o PPE seria atrativo para o Governo, pois permitiria “a economia com os gastos do seguro-desemprego e com outras políticas de mercado de trabalho”.

Esse racional de beneficiamento tríplice do PPE coloca a Lei nº 13.189/2015 em consonância com a Constituição Federal, em especial com o art. 1º, IV, o qual consagra como fundamento da República, em pa-tamar de igualdade, a proteção ao trabalho e à livre iniciativa.

II – redução de jorNada e SalárIoS

O PPE permite que as empresas participantes reduzam as jornadas de trabalho de seus empregados em até 30%, com a diminuição proporcional dos salários.

Cabe à empresa determinar o percentual da redução, de acordo com sua realidade econômico-financeira, o qual deverá ser negociado com o sindicato profissional.

A exigência de negociação sindical, aliás, nem precisaria constar ex-pressamente da Lei nº 13.189/2015, na medida em que o art. 7º, VI, da Constituição Federal já impõe essa formalidade para que qualquer redução em salários possa validamente ser levada a efeito em nosso ordenamento.

Releva notar que a autorização para redução de jornada, com a dimi-nuição proporcional de salários, não é algo novo no ordenamento brasilei-ro. Antes mesmo da edição da Constituição Federal de 1988, o art. 503 da CLT já a previa nas hipóteses de força maior.

Especificamente nos casos de dificuldade econômico-financeira, a Lei nº 4.923/1965 permitia que as reduções fossem levadas a efeito me-diante negociação coletiva de trabalho. Tal diploma, entretanto, limitava a redução salarial a 25% durante um prazo máximo de 3 meses.

Embora a doutrina majoritária tenha entendido que essas limitações não foram recepcionadas pelo Texto Constitucional atual – diante da consa-gração do princípio da autonomia privada coletiva pelos arts. 7º, XXVI, e 8º, III, da Constituição Federal3 –, alguns autores preferem fazer uma interpreta-

3 “Já no que se refere ao art. 2º da Lei nº 4.923, de 23 de dezembro de 1965, entendemos que ele não contraria o art. 7º, VI, da Constituição, pois a redução salarial se processa mediante acordo com o sindicato, quando motivos ligados à conjuntura econômica o autorizem, ficando também reduzida a jornada; todavia, no que se refere ao percentual de redução e ao período em que persistirá, entendemos que a matéria deverá ficar a cargo da negociação em convenção ou acordo coletivo.” (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 677 e 678)

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ção mais restritiva dessa autonomia coletiva, condicionando seu exercício aos limites impostos pelo art. 2º daquele diploma4.

Qualquer que seja o posicionamento que se adote, fato é que os li-mites estabelecidos naquela lei foram alargados pela Lei nº 13.189/2015. E, mesmo estes, só precisam ser observados caso a empresa tenha a intenção de ser inserida no PPE. Nada obsta, a nosso ver – e aqui perfilhamo-nos com a corrente majoritária descrita anteriormente –, que sindicato e empresa ne-gociem um Acordo Coletivo de Trabalho prevendo uma redução de jornada e de salário superior a 30%. Neste caso, a empresa não estará inserida no PPE e as regras a ele relativas não se aplicarão ao caso concreto.

De outro lado, o inciso III do art. 5º da Lei nº 13.189/2015 prevê que a diminuição de jornada pode ser acompanhada da redução proporcional ou menor de “salário”, mas silencia se essa redução também incide sobre outros benefícios, como anuênios, gratificações, prêmios, cestas básicas, etc.

Somos da opinião de que todo e qualquer benefício que tenha como base de cálculo o salário do trabalhador acaba sofrendo automaticamente a redução proporcional, como efeito direto da diminuição da base sobre a qual ele é calculado. Todavia, outras parcelas de natureza remuneratória que sejam estabelecidas em valor fixo, dissociado do salário-base, não são proporcionalmente afetadas de forma automática com a redução do salário, sendo necessária expressa pactuação com o sindicato profissional para que tal efeito seja obtido.

O mesmo racional aplica-se relativamente à participação nos lucros ou resultados: se o plano que regulamenta o benefício previr o cálculo do valor a ser distribuído com base em múltiplos do salário-base, a redução decorrente da adesão ao PPE incide automaticamente; já se o montante a ser distribuído tiver sido estipulado em valor fixo, será necessário um adita-mento ao programa de PLR para que este sofra efeito do PPE.

“A Lei nº 4.923 está derrogada pela Constituição na parte que previu o prazo de três meses de redução, limite de 25% da redução, proibição de retirada de gratificações, de admissão de novos empregados por seis meses e de prestação de horas extras. Todas essas condições podem ser negociadas em acordo ou convenção coletiva, que pode prever outras situações, prazos maiores ou menores, etc., dependendo do que for pactuado.” (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 319)

4 Nesse sentido, Mauricio Godinho Delgado: “Desse modo, a redução permitida pela norma autônoma negociada teria de se enquadrar nas situações de força maior ou prejuízos devidamente comprovados (art. 503 da CLT) ou, pelo menos, conjuntura econômica adversa (Lei nº 4.923, de 1965), respeitando o percentual máximo de 25% de redução e o salário-mínimo legal (art. 503 da CLT)” (Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 1126 e 1127).

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III – formato e abraNgÊNcIa

A redução da jornada de trabalho, com consequente diminuição de salário, está condicionada à celebração de Acordo Coletivo de Trabalho específico com o sindicato que represente a categoria profissional prepon-derante na empresa que aderir ao PPE. Tal avença deve abranger todos os empregados da empresa, ou, pelo menos, todos de um estabelecimento ou setor específico (art. 5º, § 6º, da lei).

Novamente aqui, cabe à empresa – em acordo com o sindicato – de-terminar quais setores devem experimentar os efeitos do PPE.

De acordo com o art. 5º, § 1º, da Lei nº 13.189/2015, o acordo cole-tivo de adesão ao PPE deverá conter, pelo menos, os seguintes dados (além daqueles previstos no art. 613 da CLT): (i) o número de empregados abran-gidos e suas respectivas identificações; (ii) os estabelecimentos ou os setores da empresa a serem abrangidos pelo PPE; (iii) os percentuais de redução da jornada de trabalho e da remuneração; (iv) o período pretendido de adesão ao PPE; (v) o prazo de garantia de emprego, o qual dura toda a extensão do PPE até, pelo menos, mais um terço desse período; e (vi) salvo nas micro e pequenas empresas, a previsão de constituição de comissão paritária com-posta por representantes do empregador e dos empregados abrangidos pelo PPE para acompanhamento e fiscalização do Programa e do acordo.

Ante a omissão da lei, entendemos que composição da comissão pa-ritária em questão (número de participantes e forma de escolha) fica a cargo da livre negociação entre empresa e empregados (estes representados pelo sindicato).

Iv – efeItoS Sobre oS emPregadoS Que recebem SalárIo-míNImo

Em qualquer caso, o valor do salário pago para cada trabalhador que for incluído no PPE, após a redução, não poderá ser inferior a um salário--mínimo.

Aqui nos parece fazer mais sentido que o art. 4º, § 2º, da Lei nº 13.189/2015 esteja fazendo referência ao mínimo nacional e não ao salá-rio-mínimo profissional, não só porque a lei é um ato de caráter federal com aplicação indistinta a todas as categorias de trabalhadores, mas também por se tratar de uma norma de exceção, que tem por propósito, ao mesmo tempo, proteger o trabalhador e proporcionar um alívio nas finanças das empresas.

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Uma eventual limitação da redução ao piso profissional atingiria com muito menos eficiência esse segundo propósito.

Resta apenas a dúvida sobre se esse limite de redução diz respeito ao salário-mínimo mensal ou à sua expressão em salário-hora. É que seria pos-sível imaginar que, diante da redução de jornada proporcionada pelo PPE, teria incidência, no caso, a regra prevista na Orientação Jurisprudencial nº 358 do TST, que autoriza o pagamento do salário-mínimo de forma proporcional ao tempo trabalhado. A prevalecer essa interpretação, em-pregados que fossem incluídos no PPE não poderiam receber menos que R$ 616,00 por mês (equivalente ao salário-mínimo atual de R$ 880,00, re-duzido em 30%).

No entanto, esta não nos parece a melhor interpretação.

Isto porque, como se sabe, o legislador não emprega palavras inúteis nas normas que edita. A prevalecer a interpretação de que o art. 4º, § 2º, da Lei nº 13.189/2015 refere-se ao mínimo-hora, seria totalmente desne-cessário que ele fosse inserido no corpo da lei, pois a determinação de sua observância já estaria embutida no art. 7º, IV, da Constituição Federal.

A Lei nº 13.189/2015, ao expressamente prever que o salário-míni-mo deve ser respeitado pelo empregador após a redução de que trata o PPE, quis se referir à sua expressão mensal em termos absolutos (ou seja, R$ 788,00, em 2015, e R$ 880,00, em 2016). Portanto, empregados que já recebem o salário-mínimo mensal, na prática, acabam excluídos da redu-ção salarial decorrente da diminuição da jornada de trabalho.

Isso não significa, todavia, que eles fiquem excluídos do PPE. Seus efeitos a ele também se estendem, já que, como visto, o art. 5º, § 6º, da Lei nº 13.189/2015 determina que todos os empregados da empresa, do esta-belecimento ou do setor da empresa afetado pelo PPE sofrem seus efeitos.

Assim, na prática, os empregados que recebem remuneração equiva-lente ao salário-mínimo acabam se beneficiando da redução de jornada sem que, em contrapartida, o empregador possa abater-lhes proporcionalmente os salários. Eles também são agraciados com a garantia de emprego tratada no art. 5º, § 1º, V, da Lei, mas não recebem a compensação pecuniária tra-tada a seguir.

v – comPeNSação PecuNIárIa

O Governo Federal ficará responsável por pagar aos empregados abrangidos pelo PPE uma compensação pecuniária, equivalente a 50% do

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valor dos salários que restarem reduzidos com o Programa. Desse modo, embora o empregador possa ter uma economia de até 30% sobre a folha salarial, o impacto sofrido pelos trabalhadores, em regra, não será superior a 15% dos seus vencimentos (metade daquilo foi reduzido).

Esse impacto só superará esses 15% caso o empregado tenha salário mensal superior a R$ 6.683,07 e a redução de jornada imposta pela empre-sa seja de 30%. Isso porque o valor da compensação pecuniária a ser paga pelo Governo Federal está, em princípio, limitada a 65% do maior valor de benefício do seguro-desemprego (R$ 1.542,24) por empregado, que, atual-mente, corresponde a R$ 1.002,46.

Essa compensação pecuniária será quitada com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e, segundo a Exposição de Motivos da MP 680, estimava-se que, em 2015, fossem destacados R$ 29,7 milhões para essa finalidade, sendo tal valor elevado para R$ 67,9 milhões no ano de 2016.

Um aspecto relevante – e no mínimo questionável – diz respeito ao tratamento previdenciário conferido a essa compensação pecuniária. É que a Lei nº 13.189/2015 alterou a Lei no 8.212/1991 para incluir essa com-pensação pecuniária no conceito de salário de contribuição, para efeito de cálculo da contribuição previdenciária patronal incidente sobre a folha de salários.

Trata-se de uma norma que certamente gera questionamentos, na medida em que se está atribuindo ao empregador a obrigação de recolher contribuição previdenciária sobre algo que ele não está pagando ao traba-lhador. Mais que isso, sobre algo que tem caráter precário (não habitual) e que não se confunde com o conceito de salário conforme a definição que lhe emprega o direito do trabalho.

Idêntico fenômeno ocorre com relação ao recolhimento de FGTS, já que a Lei nº 13.189/2015 também altera a Lei nº 8.036/1990 para incluir a compensação pecuniária na base de cálculo desse benefício.

As críticas justificam-se por um duplo viés. Sob a perspectiva axioló-gica, o alargamento da base de cálculo do INSS e do FGTS colide com o es-pírito de desoneração que justificou a criação do PPE. De outro lado, o viés legalista revela que a verba a ser paga a título de compensação pecuniária encontra justificação no inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 7.998/1990 (conforme prevê o art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 13.189/2015). Isso significa que ela está inserida dentro da lógica do seguro-desemprego e do

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abono salarial, ambos institutos que estão isentos da incidência de recolhi-mentos de FGTS e INSS.

É possível, assim, que a Lei nº 13.189/2015 venha a ser questionada perante os Tribunais, diante do que, para nós, representa uma injustificável oneração aos cofres patronais estabelecida pelo Poder Legislativo.

vI – Prazo de duração do PPe

A adesão da empresa ao PPE deverá ser feita até dia 31 de dezem-bro de 2016 e terá duração de até 6 meses, prorrogáveis por períodos de 6 meses até (i) o limite de 24 meses (art. 5º, § 1º, IV, Lei nº 13.189/2015) ou (ii) 31 de dezembro de 2017 (art. 11 da lei), o que ocorrer primeiro.

A nosso ver, embora a lei não fale expressamente que a prorrogação pode ocorrer por “até” 6 meses, entendemos que o prazo dessa prorrogação não precisa ser exatamente de 6 meses. Ele tampouco precisaria ser idên-tico ao inicial. Nada mais natural, na medida em que exigir que salários e jornada permanecessem reduzidos necessariamente por 6 meses ao final do prazo inicial do PPE poderia importar em perdas para empresa e traba-lhadores, caso a saúde do empreendimento fosse restabelecida, digamos, já 2 meses após a prorrogação. Nesse caso, não faria sentido exigir que a empresa continuasse no PPE por outros 4 meses, não podendo se valer da integralidade do tempo de trabalho da mão de obra; que os empregados tivessem que ficar privados da totalidade dos seus vencimentos; e que o Poder Público precisasse continuar a pagar a compensação pecuniária sem crise econômica a justificá-lo.

Até seria possível defender que o prazo de prorrogação seria compul-soriamente de 6 meses diante da possibilidade de denúncia da empresa ao PPE a qualquer tempo, prevista no art. 7º da Lei nº 13.189/2015. Mas esta não nos parece a melhor solução, já que, ainda que a empresa possa retirar--se do PPE a qualquer tempo, ela precisaria, para tanto, observar inúmeras formalidades, que complicariam, em termos práticos, o processo de denún-cia. Além disso, seria necessário aguardar 30 dias para que a denúncia pro-duzisse seus efeitos, o que representaria uma perpetuação desnecessária dos efeitos do PPE na vida de empregados, empregador e Poder Público.

Assim, nada obsta, por exemplo, que um acordo coletivo inicialmen-te firmado por 6 meses seja prorrogado por apenas 1 mês. Tudo depende da persistência na situação de dificuldade financeira do empregador após a expiração da primeira avença.

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Caso, no entanto, a empresa descumpra qualquer regra referente ao PPE, seja condenada por prática de trabalho análogo a escravo, infantil ou degradante ou cometa fraude no âmbito do Programa, ela será automatica-mente excluída dele e não mais poderá se beneficiar de seus termos, fican-do, ainda, obrigada a restituir ao FAT os recursos recebidos pelos emprega-dos, devidamente corrigidos, e a pagar multa administrativa correspondente a 100% desse valor.

vII – elegIbIlIdade

Qualquer empresa é elegível a participar do PPE desde que comprove estar atravessando dificuldade econômico-financeira.

De acordo com o art. 3º, VI, da Lei nº 13.189/2015 e com a Resolu-ção nº 2/2015 do Comitê do Programa de Proteção ao Emprego (CPPE), essa condição deve ser demonstrada a partir dos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que precisa apontar um Indicador Líquido de Emprego (ILE)5 não superior a 1%.

Tal critério não passa isento de críticas, na medida em que o ILE nada mais representa do que um comparativo do efetivo de empregados da em-presa existente 12 meses antes do pedido de adesão ao PPE e aquele verifi-cado no mês imediatamente inferior. Contudo, sabe-se que as dificuldades econômicas das empresas precedem a efetiva redução do quadro de em-pregados. Da forma como foi posto, o critério do ILE acaba funcionando como um estímulo a que as empresas levem a cabo demissões para estarem aptas a, então, participar do PPE. Além disso, ele acaba alijando empresas de menor porte (que têm, por conseguinte, menor turnover de empregados) da adesão ao PPE.

A nosso ver, o mais correto seria a apresentação de balanços eco-nômico-financeiros demonstrando níveis de lucratividade negativos, bem como a contração nas receitas e na capacidade de gerar dividendos por parte das empresas.

Em todo caso, o art. 3º da Lei nº 13.189/2015 prevê que a empresa aderente ao PPE precisa apresentar, ainda, solicitação de adesão ao Progra-ma ao CPPE e indicar a relação de empregados abrangidos, especificando os respectivos salários de cada um. Além disso, elas deverão possuir CNPJ

5 Resultado do total de admissões em 12 meses indicadas no Caged menos o total de demissões no mesmo período dividido pela quantidade de empregos registrado no 13º mês anterior à solicitação de adesão ao programa multiplicado por 100 (cf. Resolução nº 2/2015 do CPPE).

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com, no mínimo, dois anos de atividade e certidões de regularidade junto à Fazenda Federal, FGTS e Previdência Social.

Por fim, o empregador necessita certificar-se de que não há saldo de banco de horas acumuladas com relação aos empregados afetados, uma vez que esta circunstância também deve ser comprovada ao sindicato no início das tratativas do Acordo Coletivo de Trabalho a que alude o PPE.

No âmbito da negociação desse acordo – que, na prática, formalizará os termos do PPE –, fica a empresa obrigada a fornecer ao sindicato suas in-formações econômico-financeiras, sendo vedado às partes incluir na avença coletiva outros temas que não o próprio PPE.

vIII – vedação À coNtratação e À deSPedIda Sem juSta cauSa duraNte a PermaNÊNcIa No PPe

Uma vez em vigor o Acordo Coletivo de Trabalho que formaliza o PPE, a empresa fica proibida de dispensar arbitrariamente ou sem justa cau-sa os empregados que tiverem sua jornada de trabalho temporariamente reduzida. Esse período de garantia de emprego vigora durante todo o tempo em que o trabalhador afetado estiver com sua jornada de trabalho reduzida, estendendo-se, após o término da redução, pelo prazo equivalente a um terço do tempo total em que vigeu o acordo coletivo do PPE.

Ou seja, se a empresa celebrar um acordo coletivo prevendo redução salarial por 6 meses, ela ficará impossibilitada de dispensar os trabalhadores por ele afetados por 8 meses (os 6 da vigência do acordo mais 2). Se, por hipótese, esse prazo de seis meses for prorrogado para 12, a garantia do emprego perdurará por 4 meses após o término de vigência do acordo de redução de jornada.

Note-se que a Lei nº 13.189/2015 não exige que os salários tenham sido objeto de redução para efeito de aquisição da garantia de emprego, o que reforça a conclusão exposta no Capítulo IV supra de que os empregados que recebem salário-mínimo também fazem jus ao benefício em questão se trabalharem no setor da empresa afetado pelo PPE.

Ao criar a garantia de emprego, o art. 6º, I, da Lei nº 13.189/2015 pro-íbe as empresas de “dispensar arbitrariamente ou sem justa causa”. Dian-te dessa expressão, alguém poderia questionar se a garantia de emprego é absoluta (que só admite despedida por motivo disciplinar) ou se é relativa (admitindo o término do contrato por outros motivos, a exemplo do que acontece com o membro da Cipa – art. 165 da CLT).

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Entendemos que não há outra interpretação senão a de que se trata de uma estabilidade absoluta. Isso se deve a dois motivos: (i) a rigor, o sim-ples fato de o empregador ter aderido ao PPE já pressupõe a existência um motivo (de natureza econômica ou financeira) para efetuar uma despedida não arbitrária; portanto, seria um contrassenso que o texto legal autorizasse a rescisão contratual na existência de um dos motivos previstos no art. 165 Consolidado; e (ii) o art. 10, II, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, ao prever a estabilidade da gestante e do dirigente sindical (am-bas que só autorizam despedidas por motivo disciplinar), utiliza a mesma expressão da Lei nº 13.189/2015 – “dispensa arbitrária ou sem justa causa”.

Desse modo, caso o empregador rescinda sem justa causa o contrato de trabalho de empregado abrangido pelo PPE, ele não só será excluído do programa (ou seja, a demissão de um afetará toda a coletividade) como também ficará sujeito a ter de reintegrar o empregado demitido dentro da quarentena.

Por fim, a Lei nº 13.189/2015 estabelece a vedação a que o emprega-dor faça novas admissões nos setores abrangidos pelo PPE enquanto estiver participando do programa, com exceção das situações de (i) reposição (o que poderia ocorrer em caso de pedido de demissão, afastamento previ-denciário ou despedida por justa causa) ou (ii) aproveitamento de aprendiz que concluiu o programa de aprendizado durante a vigência do PPE. Em ambos os casos, os empregados contratados já ingressariam na empresa na condição de beneficiados pelo PPE, detentores de estabilidade provisória e submetidos às regras de jornada e salário previstas no acordo coletivo respectivo.

coNcluSão

Entendemos ser salutar o passo dado pelo Governo Federal na dire-ção de flexibilizar as condições de trabalho no momento de crise, tendo em mira a preservação dos postos de trabalho em nosso País. É louvável, so-bretudo, a participação financeira do Poder Público na atenuação da perda experimentada pelos trabalhadores durante a vigência do PPE.

Ao longo da história, medidas como essa foram adotadas em períodos de crise e se mostraram eficientes para combater, em curto prazo, cenários de recessão econômica.

A par das considerações já feitas neste estudo e dos elogios à iniciati-va do Poder Público, cabe apenas criticar a excessiva quantidade de entra-ves e procedimentos burocráticos colocados ao empregador para participar

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do PPE. A nosso ver, esses obstáculos podem acabar tornando a adesão ao PPE menos atrativa ao empresariado, que pode acabar optando pelo cami-nho mais fácil: a demissão.

Evidência da possível pouca atratividade do PPE está no fato de que, até o final de fevereiro de 2016, apenas 83 empresas haviam conseguido efetuar com sucesso sua adesão ao programa em todo o Brasil, benefician-do pouco mais de 54 mil trabalhadores6. Um número, a nosso ver, bastante tímido, ante a projeção feita pela Organização Internacional do Trabalho de que 700 mil brasileiros perderão seus postos de trabalho só no ano de 20167.

6 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/03/programa-de-protecao-ao-emprego-ja-beneficiou-mais-de-54-5-mil-trabalhadores>. Acesso em: 21 mar. 2016.

7 Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/4401038/brasil-tera-700-mil-novos-desempregados-em-2016 -diz-relatorio-da-oit>. Acesso em: 21 mar. 2016.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

A Terceirização no Brasil e a Medida Provisória nº 680/2015 Inserida na Modernidade Econômica e Social

mARCELO TOLOmEI TEIxEIRADoutorando em Direitos e Garantias pela FDV, Mestre em Sociologia, Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade Federal de Santa Cataria – UFSC, Juiz do Trabalho na 17ª Região.

RESUMO: Neste artigo, foram discutidas a evolução do neoliberalismo e a mundialização do capital – ênfase no capital financeiro como rompimento do Estado do Bem-Estar Social, tendo referência o modelo de intervenção na economia de Keynes e modelo de exploração da mão de obra de Ford. Paradigmas rompidos pelo neoliberalismo, crescimento do capital financeiro e do modelo “toyotis-ta”. Buscou-se definir os reflexos no Brasil com a situação da terceirização e da Medida Provisória nº 680/2015, que procura remediar a crise econômica e a evolução do desemprego.

PALAVRAS-CHAVE: Neoliberalismo; Estado do Bem-Estar Social; “toyotismo”; terceirização; desem-prego.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A ascensão do neoliberalismo e a mundialização do capital; 2 A força de trabalho na atualidade; 3 A terceirização e seus aspectos legais e sociais no Brasil; 4 A Medida Pro-visória nº 680/2015; Considerações finais; Referências.

INtrodução

Porque o Direito nunca está sozinho, é sempre necessário contextua-lizar suas inovações com o mundo que nos rodeia: o continente histórico, econômico e social. Portanto, este artigo desafia uma análise também socio-lógica e econômica para tentar compreender o fenômeno da terceirização, da crise econômica e do desemprego.

Destarte, mesmo evitando cair em uma morosidade regressiva, não podemos esconder nossas saudades, “pequena melancolia”, com um tempo passado diferente: em que havia trabalho subordinado e a política tinha que ser pensada em termos de integração desses trabalhadores – versão refor-mista, típica do Estado Social, que ordenava a redução das desigualdades, produção de oportunidades salariais e de meios de participação cultural; promoção de ensino público, saúde, saneamento básico, construções de casas populares e demais “bondades” sociais. Ademais, rondava ainda a versão “revolucionária”, que prometia uma transformação total da estrutura social para garantir a todos uma real igualdade de condições, o que ame-

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drontava as classes dominantes e excitava uma política de consenso. Sem cair na armadilha em querer pensar o presente ou futuro tendo o passado como organizador, “colocando vinho novo em odres velhos”, é certo, po-rém, que o presente atual oferecido deve ser recusado quando pensado com ideais sociais.

Com efeito, o problema que enfoca este trabalho é justamente saber como se figurou um novo estado de coisas – principalmente a partir dos anos setenta e como reflete nos institutos jurídicos em comento: a terceiri-zação e as medidas do governo para salvaguardar empregos diante de uma crise econômica que se apresenta. Aliás, crises sempre cíclicas e eternas.

Nossa teoria de base é crítica, focada principalmente em autores como Chesnais, Castel e Bourdieu – todos autores franceses – e, entre os nacionais, destaque para Leda Paulani, professora de economia da Uni-versidade de São Paulo, e para o sociólogo Ricardo Antunes. Os juristas Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim são importantes pela de-fesa de uma terceirização digna. O professor José Pastore também é utiliza-do, respeitosamente, como crítica à defesa que faz de um projeto de terceiri-zação mais amplo. O método é dialético, já que aborda as mudanças sociais analisando principalmente os interesses econômicos e sociais em jogo.

No primeiro capítulo, analisamos as mudanças políticas e econômi-cas atuais e suas rupturas. No segundo capítulo, analisamos o mundo do trabalho com sua nova fórmula de produção e a precarização das relações trabalhistas. No terceiro, a terceirização e, no quarto e último capítulo, a Medida Provisória nº 680/2015.

1 a aSceNSão do NeolIberalISmo e a muNdIalIzação do caPItal

A invocação de Keynes é sempre necessária. Sem dúvidas, é um dos principais teóricos econômicos, senão o principal do Estado Social. O que nos invoca a fazer uma análise essencial de como as ideias econômicas inserem-se nos paradigmas do Estado Liberal e Social e o atual estado da arte. O caminho é longo. Mas, quando falamos em liberalismo, é difícil não invocar a figura de Locke, pensador ligado à filosofia dos naturais, daí sua visão de mundo com tolerância política e religiosa, exigindo o direito de de-fesa contra o arbítrio, pois os homens nascem livres. A propriedade privada é um dos pilares dessa sociedade burguesa, junto com a vida e a liberdade. Destarte, uma verdadeira perspectiva de luta em face do autoritarismo e amarras econômicas da sociedade medieval. É bem verdade que, com a invenção da moeda, Locke vai admitir a acumulação da propriedade sem

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limites e a possibilidade de o homem alienar sua força de trabalho, isto é, típicas concepções capitalistas (Bobbio, 1997, p. 200-2001).

Podemos também invocar outros ilustres pensadores do liberalismo. Bentham discorda das premissas contratualistas e considera que a obediên-cia civil só se justifica se contribuir mais para a felicidade geral do que a não obediência. James Mill, outro membro do utilitarismo acredita que a felicidade alheia é desejada, porque é intimamente relacionada com a pró-pria. Adam Smith parte da ideia de que cada um agindo livremente em fun-ção de seus próprios interesses, e movido conscientemente apenas por eles, produzirá um resultado que não fazia parte de suas interações: o progresso e a riqueza da nação. O laissez-faire apareceria, portanto, como uma con-clusão lógica desse tipo de raciocínio. John Stuart Mill vai afirmar, em seus Principles of Political Economy, que não é por razões de eficiência, mas por seu papel na promoção do progresso individual e social que se deve manter o Estado, tanto quanto possível, ausente da vida econômica (Paulani, 2005, p. 120).

A perspectiva de um Estado não intervencionista na vida econômica começa a sair de cena, até pelas severas crises sociais que o capitalismo vai passando – notadamente a crise de 1929. Keynes publica Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936, e tem a concepção de que a criação de empregos, no sistema capitalista, depende da demanda efetiva, ou seja, da proporção da renda que é gasta em consumo ou investimento. Assim, aposta no capitalista investidor em detrimento do capitalista mone-tarista ou rentista. Destarte, a ideia de intervenção do Estado aparece nítida: regulando a taxa de juros, aumentando os gastos públicos e expandindo o consumo.

É claro que ele só o fará se essa taxa de juros for conveniente inferior à sua perspectiva de lucros ou, como chamou Keynes da “eficiência marginal do capital”. Sendo os juros elevados demais, a inversão não absorve toda a renda poupada e a diferença permanece entesourada, com a consequente queda da demanda efetiva, de nível de atividade, etc. (Singer, 1978, p. XII)

Todavia, após a Segunda Guerra, há uma reação veemente con-tra tal intervencionismo. O economista austríaco Hayek está na ponta de lança de tais ataques. Para ele, o referido intervencionismo estatal é uma ameaça letal não só à liberdade econômica como também à política. So-mam-se a ele Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins e Ludwig Von Mises. Abertura, estado mínimo e desregulamentação são palavras de or-

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dem. Curiosamente, tais economistas na época de suas críticas “remavam contra a maré”1.

Com a crise, a partir dos anos 1970, após duas décadas de crescimen-to acelerado, tais economistas entram em jogo. O Estado e suas interven-ções econômicas são doravante rejeitados. Então:

[...] o neoliberalismo2 acaba por exigir uma profissão de fé nas virtudes do capitalismo e da livre concorrência, não mais por uma questão de opção ide-ológica, em obediência a uma dada visão de mundo, mas por uma questão de respeito às coisas “tais como elas são [...] exige rendição incondicional [...] não dar lugar ao dissenso”. (Paulani, 2005, p. 114)

Passa a prevalecer a ideia do mercado livre e, no campo individual, as pessoas são lançadas à sorte da loteria natural ou de suas competências individuais para a sobrevivência. “Ele já nasce assim, com essa idéia de inexorabilidade da sociedade de mercado, por injusta e lotérica que seja. Hayek concede que ela é mesmo amoral, mas é o que de melhor pode con-seguir” (Paulani, 2005, p. 127). Vale citar as palavras precisas da professora de Economia da Universidade de São Paulo:

Depois de mais de duas décadas de crescimento acelerado e “controlado” monetariamente pelo sistema que se estruturou a partir de Breton Woods, as dificuldades de valorização do capital investido na produção começaram inevitavelmente a se fazer sentir. Começa a se constituir com isso, já em meados dos anos de 1960, uma massa de capitais que procura valorizar-se na esfera financeira [...] O choque do petróleo engordou essa massa cigana à busca de valorização financeira com os chamados petrodólares, e a recessão aberta de 1974-1975 botou mais lenha na fogueira. A situação dramática en-tão enfrentada pelos países em desenvolvimento e os créditos que lhes foram concedidos provocaram a chamada crise da dívida, na qual a América Latina está até hoje atolada [...] inaugurando um novo modo de regulação do capi-talismo, um modo justamente “desregulado”, presidido pelas finanças e não pela produção, um modo rentista, curto-prazista, “flexível”, sem concessões sociais, um mundo dos credores, do câmbio flexível, do trabalho desarrai-

1 “Friedman foi descrito com desprezo pela revista Time, em 1969, como um ‘duende ou praga’ e era reverenciado como progetas por muitos poucos.” Finalmente, depois de passar décadas no limbo intelectual, chegaram os anos de 1980, e Margareth Thatcher o chama de “batalhador intelectual pela liberdade” e Ronald Reegan foi visto em sua campanha eleitoral carregando um exemplar de Capitalismo e liberdade, o manifesto de Friedman – “[...] Quando Friedman morreu a revista Fourtune escreveu que ele trazia a maré da história consigo” (Klein, 2007, p. 18).

2 “Entre os vocábulos que ganharam o debate intelectual e a mídia, na última década do milênio que findou, ao lado de ‘globalização’, ‘pós-modernismo’ e outras mais, encontram-se, certamente, ‘neoliberalismo’. Carregado de conotações políticas e ideológicas e muitas vezes utilizado pura e simplesmente como sinônimo de ‘liberalismo’, o termo acabou por ser automatizar, para ganhar vida própria, de modo que, no mais das vezes e utilizado sem que se saiba a que se refere, ou, no jargão da linguística, sem que reconheça a relação que de fato existe entre este signo e seu referente.” (Paulani, 2005, p. 115)

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gado e da estabilidade monetária a qualquer preço. [...] Objetivamente, o Estado ia se retirando de cena, as privatizações iam acontecendo no mundo desenvolvido e no não-desenvolvido, os mercados iam se desregulando, os gastos públicos iam minguando etc. A receita estava sendo aplicada e a pregação sobre as virtudes inatas do mercado financeiro finalmente se fazia ouvir. (Paulani, 2005, p. 135)

Naomi Klein aponta com razão que: “Em muitos cantos o neolibe-ralismo é frequentemente tratado como ‘uma segunda pilhagem colonial’, na primeira as riquezas foram extraídas da terra, e na segunda, foram ar-rancadas do Estado” (Klein, 2007, p. 286). Podemos acrescentar que está sendo arrancado, com o desmanche do Estado Social, a dignidade humana em nome dos interesses das organizações; uma verdadeira esperança de se viver bem, uma afronta, em nome do dinheiro.

Por seu turno, a globalização é a expressão das “forças de mercado”, por fim liberadas (pelo menos parcialmente, pois a grande da liberação está longe de concluída dos entraves nefastos erguidos durante meio século). De resto, para os turiferários da globalização, a necessária adaptação pressupõe que a liberalização e a desregulamentação sejam levados a cabo, que as empresas tenham absoluta liberdade de movimentos e que todos os campos da vida social, sem exceção, sejam submetidos à valorização do capital pri-vado” (Chesnais, 1996, p. 25). O capital produtivo perde expressão para o capital financeiro. E sua liberdade leva a investir em países de acordo com a força de trabalho de cada país, quanto mais barata terá a capacidade de absorver a engrenagem de montagens. Destarte, o investimento internacio-nal valoriza o valor da força do mercado de trabalho, as matérias primas e seu consumo interno.

A nova empresa multinacional executa operações complexas com vá-rios operadores vindos de horizontes muito diferentes; empresas industriais, firmas de engenharia, bancos internacionais, organismos multilaterais de financiamento. A base de sua competitividade está alicerçada na defini-ção de um know-how e na P&D. Lucros que não passam pela produção se valorizam de forma intensa: mais-valias imobiliárias, sobre estoques, espe-culações com títulos etc.; vendas que tem origem no domínio do mercado, mais do que na produção; lucros monetários; vendas de certas categorias de serviços, patentes e licenças (Chesnais, 1996, p. 82). A utilização das tecno-logias de telecomunicação e de informática e o surgimento da teleformática permitiram às grandes companhias gerenciar melhor as economias de cus-tos de transação, obtidas pela integração, e reduzir os custos burocráticos associados à sua internacionalização (1996, p. 102)

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O capital monetário é fruto de uma política de taxas positivas de juros reais, que países pobres ou em desenvolvimento passam a suportar. Assim como planos de ajuste estrutural imposto pelo FMI e pelo Banco Mundial deram o quadro de um conjunto de medidas, impondo aos países devedores o pagamento dos juros da dívida e a reorientação de suas políticas econô-mica.

E vem dos anos 1980 o fortalecimento do capital financeiro, que atua com plena liberdade. O capital nasce sempre do setor produtivo, mas se valorizam no financeiro, que não cria nada, apenas faz alguém perder. Daí o oferecimento de diversos mercados (câmbios, de crédito. de ações, de fundos, entre outros) e o círculo tradicional: as empresas, tanto as não ban-cárias como as bancárias, aplicam seus títulos a curto prazo (papéis comer-ciais) e tomam empréstimos e prazo mais longo. A dívida pública (compras de títulos) também é lucrativa, o capital se torna sócio do Estado, ou seja, fica com parte dos impostos cobrados.

Claro, que quem paga a pior conta são os pobres: tende a diminuir o número de empregos e de investimentos estatais em políticas sociais com tal círculo. E Keynes apregoava justamente contra esse capital rentista, plane-jando sempre uma taxa de juros baixa, apenas capaz de remunerar a depre-ciação devida ao desgaste e obsolescência, e uma certa margem destinada a remunerar os riscos, bem como o exercício de habilidade e julgamento: “[...] Tal estado de coisa seria perfeitamente compatível com certo grau de individualismo. Mas não deixaria de implicar a eutanásia do capitalista, de tipo cumulativo, de explorar o valor conferido ao capital por sua escassez” (Chesnais, 1996, p. 221).

2 a força de trabalHo Na atualIdade

O movimento da mundialização (ou globalização) é excludente quan-to aos países em desenvolvimento. Os investimentos são especulativos, giro mesmo de capital financeiro. Ademais, com já vimos também, os Estados pobres ou em desenvolvimento são onerados no pagamento de dívida ex-terna e têm suas políticas fiscais ditadas ou pressionadas pelos Estados ricos, via principalmente pelas atuações do FMI (Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial. A pressão para liberação, de privatização, de desregula-mentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, são sensíveis desde a década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reegan. Citamos importante síntese feita por François Chesnais

Ora, um mercado não-integrado nessa terceira dimensão permite que as companhias explorem a seu bel-prazer as diferenças de remuneração do tra-

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balho, entre diversas regiões (depois de mandar pelos ares a legislação traba-lhistas e as convenções salariais nacionais), entre diferentes países (como no seio da CEE), entre continentes. A liberalização do comércio exterior e dos movimentos de capitais, permitiram impor, às classes operárias dos países capitalistas avançados, a flexibilização do trabalho e o rebaixamento dos sa-lários. [...] Vide ainda o nivelamento da cultura e, com isso, a homogeneiza-ção da demanda a ser atendida a nível mundial. [...] As legislações em torno do emprego do trabalho assalariado, que haviam sido estabelecidas graças às grandes lutas sociais e às ameaças de revolução social, voaram pelos ares, e as ideologias neoliberais se impacientam de que ainda restem alguns cacos delas. (Chesnais, 1996, p. 40/42)

A liberalização, com a desregulamentação, que a protege e acentua seus efeitos, desenvolveram ao capital uma liberdade de escolha quase total no momento em que as novas tecnologias ampliam as opções como em ne-nhuma época anterior da história do capitalismo – (Chesnais, 1996, p. 211). A palavra-chave desse regime de economia internacional é a “competitivi-dade”. O sucesso de uma empresa significa cada vez mais, a falência ou a absorção de outras. Países em desenvolvimentos podem concentrar todas as fobias relativos à “concorrência desleal” e ao dumping social (Chesnais, 1996, p. 219).

Podemos ainda lembrar que surge, em junção de individualismo e “competitividade”, a ideia de “empregabilidade”. Ou seja, exigir do em-pregado que estude, conheça as novas tecnologias, geralmente se exige o conhecimento da informática e muitas vezes do inglês. Caso não se esforce, pode receber a culpa pela sua situação de desemprego, pouco importando saber de sua subjetividade: idade, tempo que deixou de estudar, as condi-ções de ensino que lhe são dadas etc. Muitas vezes, o mercado vai exigir essa formação do Estado, esse já tão debilitado pelas razões anteriormente expostas pelo próprio mercado.

Agrava tal quadro já caótico para qualquer política geradora de em-pregos, o novo paradigma de produção, que rompe com o “fordismo” e passa para o “toyotismo”. O modelo fordista apregoava fábricas gigantes-ca, com toda a produção feita no mesmo espaço geográfico. O trabalho era preso a estatutos com garantias mínimas, e salários razoáveis ante o lema que trabalhador também era consumidor – consumo em massa. As atividades, excetuadas as de gerências, eram simples e repetitivas. Tinha filiais no exterior em que a produção eram para os mercados internos dos próprios países que acolhiam as fábricas. O status de uma empresa poderia ser medida também pelo número de trabalhadores contratados, paradigma

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totalmente quebrado, já que o importante no novo modelo é produzir muito com poucos trabalhadores.

Muito mudou, e o sociólogo Ricardo Antunes faz análise detalhada do novo paradigma, merecendo a transcrição direta:

1) é uma produção muito vinculada à demanda [...]; 2) fundamenta-se no tra-balho operário em equipe, com multivariedade de funções, rompendo com o caráter parcelar típico do fordismo; 3) a produção se estrutura num pro-cesso produtivo flexível, que possibilita ao operário opera simultaneamente várias máquinas (na Toyota, em média 5 máquinas); 4) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção; 5) funciona segundo o sistema de kanban, placas ou senhas de comando para reprodução de peças e de estoque. No toyotismo, os estoques são mí-nimos quando comparados ao fordismo; 6) [...] Enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25% da produção, tendência que vem se intensificando cada vez mais. [...] e transfere a “terceiros” grande parte do que antes era produzido por dentro de seu espaço produtivo. [...] “gerência participativa”, sindicalismo de empresa, entre tantos outros pontos, são leva-dos para um espaço ampliado do processo produtivo; 7) organiza os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), constituindo grupos de trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, com vistas a melhorar a produtividade das empresas, [...] 8) o toyotismo implantou o “emprego vitalício para uma parcela dos trabalhadores das grandes empre-sas (cerca de 25% a 30% da produção trabalhadora, onde se presenciava a exclusão das mulheres), além de ganhos salariais intimamente vinculados ao aumento da produtividade”. (1994, p. 55)

A ideia da terceirização da cadeia produtiva é a tônica. A produção deve ser feita de forma enxuta, “sem gordura” – é a chamada lean produc-tion. O sistema “toyotista” de terceirização e o just in time são adotado de forma veloz, servindo os grandes grupos, que vão emitir pedidos para tercei-ros – essa cadeia de produtividade acaba por impor aos assalariados desses “terceiros” salários cada vez mais precários. Com a informática, há plenas possibilidades de se controlar a produção dos “terceiros” e dos estoques necessários. Podemos ainda relembrar que a qualidade das mercadorias não deixam de ser precárias, a par de toda a parafernália utilizada, é que pre-valece a ideia de mercadorias com durabilidade menor geradora de uma sociedade consumista e destruidora da ecologia sem precedentes.

Com precarização do mercado de trabalho, os sindicatos dos em-pregados se enfraquecem, o movimento sindical passa muitas vezes a ser parceiro dos empregadores, lutando, com seus acordos e convenções co-

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letivas, para tornar possível o empreendimento. Tudo bem diferente da época fordista de movimento sindical forte impondo compromissos. Isto é feito sob a ameaça do desemprego, com o apoio das novas teorias e políti-cas governamentais em matéria de salário e de emprego, e também com o consentimento de dirigentes sindicais que julgam que “não há alternativa” (Chesnais, 1996, p. 130).

As dualidades são terríveis. Produção e lucro necessitando cada vez menos de trabalhadores. Sendo ainda que o “toyotismo” utiliza os trabalha-dores flexíveis utilizando de sua inteligência como nunca antes da histó-ria do trabalho. Contudo, como afirma Leda Paulane: “Mesmo plenamente consciente de que seu uso inteligente pelo capital não visa a outra coisa que não o aumento da exploração de sua força de trabalho, o trabalhador nem por isso se torna mais combativo e organizado” (Paulani, 2004, p. 200). Perverso tipo de exploração, portanto, é o que temos nos tempos modernos para as relações de trabalho.

3 a terceIrIzação e SeuS aSPectoS legaIS e SocIaIS No braSIl

Podemos definir duas modalidades de terceirização: a) a interna, tam-bém chamada de pessoal, de serviços ou clássica; e b) a externa, também chamada de material ou de cadeia produtiva. A interna (dentro da própria empresa) é a que mais interessa ao Direito do Trabalho, já que a externa é revelada a partir da transferência de etapas importantes da própria cadeia produtiva da empresa a terceiros que, usualmente, disporão de estabele-cimento próprio para o desempenho de tais produções, ou seja, a grande empresa acaba tendo domínio informal sobre seus fornecedores tal o pre-domínio econômico mas tais fornecedores são obviamente pessoas jurídi-cas distintas “independentes” da empresa receptora de suas mercadorias ou serviços.

É bem verdade que mesmo a terceirização externa poderá gerar a responsabilidade, no mínimo, subsidiária da empresa “cabeça” – a que fi-naliza o produto (teoria da subordinação objetiva ou boa-fé objetiva). A lei brasileira não obriga que a empresa se responsabilize pelos atos de ilícitos trabalhistas de seus fornecedores. Contudo, é sabido que há tendência da jurisprudência trabalhista em ampliar a responsabilidade solidária/subsidiá-ria, notadamente quando os fornecedores têm vida econômica vinculada a um único comprador ou tomador de serviços (p. ex., é o caso de uma marca de roupas que apenas coloca sua etiqueta em uma calça desenvolvida por uma outra empresa, ou de uma empresa de informática que forneça serviços

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técnicos para um único tomador etc.). Claro que tal posicionamento não é unânime, mas plausível de ser notado.

Não há conceito legal para terceirização. Podemos defini-la como o fenômeno empresarial em que as empresas preferem a contratação de serviços prestados, exemplo primeiro é da indústria de armamento america-no que, na Segunda Guerra Mundial, passou a subcontratar a prestação de serviços de outras empresas para limpeza e conservação de suas instalações (no caso, terceirização interna). Enquadra-se atualmente em uma caracteri-zação da administração de empresa “toyotista” como anteriormente já des-crevemos – empresa enxuta, com os empregados fazendo várias funções e amplo uso da terceirização (interna ou externa), que superou o modelo “fordista”.

Argumentos contrários à terceirização: afeta o núcleo do contrato in-dividual de trabalho da CLT; tendo como espelho a empresa tomadora, é uma forma de baratear a mão de obra, já que reduz direitos do empregado quanto a promoções, salários, fixação na empresa e vantagens decorrentes de convenções e acordos coletivos; pulverização dos sindicatos; contrato de trabalho mais curto; apatia do trabalhador terceirizado que não se iden-tifica com a empresa; a terceirização faz com que a empresa locadora da mão de obra não invista o suficiente em medidas de proteção à saúde e prevenção de acidentes; há uma sentida rotatividade de mão de obra maior; impossibilita a participação dos trabalhadores nos benefícios pela empresa beneficiária de seu trabalho.

Argumentos favoráveis são a necessidade de se modernizar a admi-nistração empresarial, visando a novos métodos de racionalização adminis-trativa focada em sua atividade-fim; o aumento de produtividade e eficiên-cia; além de redução de custos.

Curiosamente, chegou-se até a se falar em um retorno à primeiriza-ção. Isso porque, para a própria empresa, tem se notado resultados aquém do esperado quanto ao movimento de terceirização; notadamente, por uma possível apatia do trabalhador terceirizado, que não tem o envolvimento e consequente produção com a tomadora de serviços, não veste, em suma, a “camisa da empresa”. Contudo, toda a movimentação das entidades de re-presentações dos empresários recentemente na defesa de uma terceirização mais abrangente denota que tal fator não sensibiliza.

Na atualidade, 25,5% do mercado formal da mão de obra no Brasil está terceirizada, sendo que nos estados do Ceará, Minas Gerais, Espírito

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Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina a terceirização é mais recorrente (Delgado e Amorim, 2014, p. 12).

A Lei nº 6.019/1974 (trabalho temporário) firmou sistemática absolu-tamente diversa do modo bilateral clássico, já que permite que o tomador de serviços utilize um empregado de outra empresa (a prestadora) lhe dando ordens diretas e utilizando-o até em suas atividades-fins. Contudo, tais con-tratações são justificadas e têm prazo limitado de, no máximo, seis meses, além de outras exigências.

A Lei nº 7.102/1983 autorizou a terceirização de serviços de vigilân-cia patrimonial ostensiva e de transporte de valores por estabelecimentos financeiros. Na administração pública, a Lei nº 5.645/1970 veio possibilitar a contratação indireta – a terceirização, para atividades de transporte, con-servação, custódia, operação de valores, limpeza e outras assemelhadas, que foi permitido também para as empresas públicas e empresas de econo-mia mista pelo TST no ano de 1993.

A rigor, em tal ano, o TST flexibilizou seu entendimento a respeito do tema e passou a reconhecer a legalidade da contratação de quaisquer “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador”, não apenas para as empresas estatais. Foi então cancelada a Súmula nº 256, que previa: “Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a con-tratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços”. Enfim, foi editada a Súmula nº 331, ampliando e limitando a terceirização, representando em nosso sentir pacto entre o capital e o trabalho – equilíbrio considerável.

A Súmula nº 331 do TST prevê então:

I – A contratação de trabalhadores por empresas interpostas é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso do trabalhador temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – A contra-tação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vín-culo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviço de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especia-lizados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pesso-alidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações tra-balhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que haja parti-

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cipado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respon-dem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações contra tuais e legais da prestadora de serviços como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação.

O primeiro inciso visa coibir que o real empregador, tendo relação de pessoalidade e subordinação com o trabalhador, passe suas responsabilida-des para um terceiro, sendo certo que tal só é possível diante do contrato de trabalho temporário, que, por sua vez, só pode ser utilizado, como já vimos, em situações peculiares.

O segundo inciso dinamiza princípio de moralidade administrativa de status constitucional, ou seja, o art. 37, II, da CF/1988, que dispõe que a investidura em cargo ou emprego público só é possível mediante concurso. De modo que, mesmo que presentes todos os elementos característicos do contrato de trabalho, não poderá ocorrer o reconhecimento do vínculo de emprego. Deve ser conhecida a Súmula nº 363 do TST, que preconiza os efeitos da contratação ilegal, in verbis: “A contratação de servidor públi-co, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário-mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”. Há críticas veementes por conta de tais limitações de direitos, pois, se a CF proíbe o ingresso no aparato estatal sem concurso público, também assegura o respeito ao trabalho como um dos valores essenciais da ordem jurídica, daí se presente o contrato de trabalho, para muitos todos os direitos deveriam ser garantidos a tais trabalhadores.

O terceiro inciso define a terceirização lícita. E as exigências são cla-ras: o que pode terceirizar são os serviços de vigilância, de conservação e limpeza e os serviços especializados ligados à atividade-meio. Além disso, não pode ocorrer pessoalidade e subordinação direta entre os trabalhadores da empresa terceirizada e o tomador dos serviços. Há exceção imposta por lei ordinária: a Lei Geral de Telecomunicações tem previsão em seu art. 94, II, no sentido da terceirização lícita até de atividades-fim; contudo, a licitu-de da terceirização não afasta a responsabilidade subsidiária da tomadora.

O quarto inciso cria uma responsabilidade objetiva: o tomador é res-ponsável de forma subsidiária (a execução primeiro se volta para o principal

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e, na falta de condições para adimplir, ela se volta para o subsidiário) pelo inadimplemento trabalhista da empresa terceirizada, desde que tenha sido citado na reclamação trabalhista. Portanto, temos como caracterizada a cul-pa do tomador (culpa in contrahendo, in eligendo ou in vigilando).

O quinto inciso abre exceção para os entes públicos, já que são os mesmos isentos de responsabilidade por encargos trabalhistas de empre-gados pertencentes às empresas prestadoras de serviços – vide art. 71 da Lei nº 8.666/1993. De modo que tem que ser demonstrada sua conduta culposa, só assim será caracterizada a responsabilidade subsidiária, com certeza caberá à jurisprudência trabalhista definir melhor o que caracteriza tal “culpa”.

O sexto inciso define que até, por exemplo, a condenação da empre-sa terceirizada em multas (arts. 467 e 477 da CLT) ou em dano moral faz com que a tomadora seja responsabilizada de forma subsidiária.

A matéria voltou a ser “badalada” ante a proposta de lei para sua regulamentação. Recebeu tratamento da grande mídia, propaganda maciça da Fiesp (Federação da Indústria do Estado de São Paulo) e foi veemente-mente rejeitada por setores populares e operadores jurídicos (exemplo da Central Única dos Trabalhadores e da Associação Nacional da Magistratura Trabalhista). Por várias razões, seu primeiro ímpeto foi de imediata votação na Câmara dos Deputados, e diríamos de forma açodada. São várias as pro-postas de emendas.

Não vamos detalhar as entranhas de todo projeto, sua grande polêmi-ca está na possibilidade de não colocar rédeas na terceirização no sentido de que a própria atividade-fim possa ser também terceirizada. Daí um empresa de engenharia, por exemplo, possa contratar engenheiros que trabalhariam normalmente no fim social do empreendimento mas sendo empregado de um terceiro. O que, sem sombras de dúvidas, acarreta perplexidades.

O professor paulista José Pastore, sempre vinculado às propostas de modificações da legislação trabalhista e que foi recentemente entrevistado diversas vezes, defende tal amplitude de terceirização em suas obras teóri-cas e aponta que uma terceirização correta teria que observar os seguintes parâmetros:

1) a contratação deve buscar eficiência/eficácia/efetividade com segurança; 2) a contratação não deve implicar em transferir ou alienar a gestão, deci-são e competência que são da empresa contratante; 3) a terceirização deve ter caráter complementar em relação ao trabalho executado diretamente pela contratante; 4) devem ser preservadas as equipes próprias na execução das atividades essenciais; 5) convém contratar apenas os serviços de apoio,

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abrangendo, além de outros, transporte, alimentação, conservação, limpeza e assemelhados; 6) a responsabilidade técnica é da empresa contratada e deve seguir os parâmetros definidos pela empresa contratante; 7) são ainda de sua responsabilidade: a) garantia da qualificação dos trabalhadores de acordo com as exigências da empresa contratante; b) fornecimento de trans-porte e alimentação; c) manutenção de programas de segurança e medicina do trabalho compatíveis com a natureza e porte dos serviços contratados; d) manutenção de refeitório, vestiário e instalações em condições sanitárias adequadas; e) pleno cumprimento das exigências legais. (Pastore, 2005, p. 124)

O professor ainda aponta que os trabalhadores terceirizados correm mais riscos, seus contratos são mais instáveis e são alvos mais constantes de acidentes e doenças profissionais. E que são consideráveis as diferenças de capacitação entre trabalhadores terceirizados e os fixos. Aduz também que os terceirizados tendem a ser descomprometidos, como já falamos alhures de tal problema, e que os atritos com sindicatos de trabalhadores são fre-quentes (Pastore, 2005, p. 121).

Em suma, a terceirização digna tratada pelo professor em nada se compara com o projeto da lei em questão – que, ao contrário de ser uma terceirização de atividades complementares da empresa, acena para uma terceirização ampla. O que não deixa de ser um déficit civilizatório, um retrocesso, uma precarização das relações trabalhistas que se amolda a mo-dernidade vivida. Não se vislumbram em tal projeto outras razões que não seja o intuito de baratear os custos da contratação do trabalhador.

A rigor, os parâmetros fixados pelo TST nos parecem muito mais equi-librado, poderia ser o marco para legislação com um ou outro aperfeiçoa-mento, mas suas restrições são corretas: a terceirização é um complemento das atividades essenciais da empresa (segurança, limpeza, atividades de informática etc.) e nunca pode figurar uma relação de subordinação direta com o tomador. O contrário disso seria difundir uma anomalia das relações trabalhistas, pois haveria cada vez mais um distanciamento das responsa-bilidades patrão-empregado, o que constatam as pesquisas, inclusive, do entusiasta professor José Pastore.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu aponta que os países ligados às leis trabalhistas estatais resistem bem melhor ao “bote” neoliberal: “[...] uma das grandes diferenças entre a França e a Inglaterra é que os ingleses tha-cherizados descobrem que não resistiram tanto como teriam sido capazes, em grande parte porque o contrato de trabalho era um contrato common law, e não como na França, uma convenção garantida pelo Estado” (1998,

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p. 47). Portanto, os retrocessos preconizados são sempre mais difíceis (não impossíveis) em países como o Brasil, que possuem constituição e legisla-ção trabalhista protetoras e abrangentes dos direitos trabalhistas.

4 a medIda ProvISórIa Nº 680/2015

A referida medida tem como escopo, segundo referência em seu pró-prio corpo (art. 1º), o seguinte: possibilitar a preservação dos empregos em momentos de retração da atividade econômica; favorecer a recuperação econômica-financeira das empresas; sustentar a demanda agregada durante momento de adversidades, para facilitar a recuperação da economia; es-timular a produtividade por meio do aumento da duração do vínculo em-pregatício; e fomentar a negociação coletiva e aperfeiçoar as relações de emprego. Veremos que o governo empregará recursos públicos, o que, de certa forma, é contraditório com as restrições que criou recentemente para obtenção do seguro-desemprego, abono salarial e seguro-defeso recaindo em verdadeiro retrocesso social em nome do ajuste fiscal (Medida Provisó-ria nº 665/2014).

De toda sorte, lançada por meio de um programa – Programa de Pro-teção ao Emprego –, fica caracterizado que somente as empresas que se encontrem em situação de dificuldades econômico-financeiro podem ade-rir, cabendo ao Poder Executivo federal estabelecer que condições seriam estas e julgar o pedido da empresa. Sem dúvidas que haverá controvérsias para descortinar o sentido de tais “dificuldades econômico-financeiro”, já que, mesmo sem cogitar em má-fé, o sentido de dificuldades goza de con-siderável raio de subjetividade, sendo natural, inclusive, que o empresário considere sempre que sua empresa passe por dificuldades.

O prazo para a empresa se inserir é até 31 de dezembro de 2015, e sua duração é de, no máximo, 12 meses.

Outra condição essencial do programa é que tudo depende de acordo coletivo, daí a participação necessária dos sindicatos. Negociações traba-lhistas, com sindicatos fragilizados pelo desemprego e pela terceirização, que fragmenta a unidade de classe, faz com que, na nova situação do mer-cado de trabalho, fragilize os negociadores representantes dos trabalhado-res, porque perdem associados e receitas e têm que fazer uma política de curto prazo, muitas vezes como forma de garantir empregos. Gerou-se o paradoxo de uma negociação quando o capital só tem chantagem para ofe-recer.

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Enfim, os signatários são tripartites: empresa-sindicato-governo fede-ral. Lembramos que a Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso VI, de forma seca, permite a redução salarial por meio de convenção ou acordo coletivo, mas nada fala sobre prazo, valor máximo de tal redução, sua re-lação com a diminuição da jornada e muito menos atribui como condição a situação financeira e econômica da empresa. Com efeito, pelo comando constitucional, reduções salariais podem ocorrer, independente da adesão ao plano.

No plano, a redução é da jornada, de forma temporária e de até 30% com a redução proporcional do salário. O grande incentivo parece ser a participação do governo federal que garante o pagamento aos empregados de parte das perdas, nos seguintes termos do art. 4º:

Os empregados que tiverem seu salário reduzido, nos termos do art. 3º, farão jus a uma compensação pecuniária equivalente a cinqüenta por cento do valor da redução salarial e limitada a 65% (sessenta e cinco por cento) do valor máximo da parcela do seguro-desemprego, enquanto perdurar o período de redução temporária da jornada de trabalho.

As empresas, enquanto durar o programa, ficam proibidas de dispen-sar arbitrariamente (conceito difícil) ou sem justa causa.

Traçadas as linhas mestres da MP em comento, resta saber se tal vai ter ou não eficácia prática. Com certeza, é uma típica defesa do Estado em prol da produtividade e dos empregos. E, de fato, o sucesso do trabalho assalariado tem sinergia com o estado social e o desenvolvimento. Estado social, que como já vimos, encontra-se cada vez mais retraído com as acep-ções do neoliberalismo. Sobre desenvolvimento é deveras questionável, ante o tema já abordado do monopólio financeiro no mundo atual, protago-nizando ajustes fiscais e interferências nas políticas fiscais dos países (vide os juros exorbitantes) e a precarização das relações de emprego, sobrando aos países pobres vender matérias primas – os famosos commodities.

coNSIderaçÕeS fINaIS

Os paradigmas do estado social, que modelou-se precipuamente após a Segunda Grande Guerra Mundial, se firmou nas democracias ocidentais e vive seu declínio a partir do início dos anos 1970. Em tal período, a par de vários defeitos que podemos considerar, não podemos deixar de recordar que um mundo melhor se descortinou para os pobres, com a intervenção maciça do Estado na vida da sociedade e uma produção no estilo “fordista” muito mais favorável à força de trabalho.

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Fragmenta tal compromisso a evolução do neoliberalismo, do capital financeiro e do “toyotismo”. A possibilidade de um capital se valorizando sem necessitar dos trabalhadores é perversa quando o Estado não se intro-mete mais na vida econômica e se mostra cada vez mais debilitado para tal. O resultado é o esgarçamento do tecido social, sem o Estado-assistente. E, cada vez mais, a precarização do mercado de trabalho é sentida.

O resultado é sentido no Brasil com a possibilidade de retrocessos sociais – vide exemplo do seguro-desemprego diminuído e da própria ter-ceirização que tem projeto de ser ampliada.

A terceirização, tendo as limitações impostas pela Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, já é nefasta e, se ampliada, tende a ser muito mais. A Medida Provisória nº 665/2014 é uma intervenção do governo para tentar conter a “onda” de desemprego vigente, só o tempo poderá mostrar sua eficácia.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

A Terceirização e a Função Social do Contrato

mARIA DO PERPETuO SOCORRO WAnDERLEy DE CASTRODesembargadora Federal do Trabalho, TRT 21, Mestre em Direito, Processo e Cidadania, na Unicap, Recife/PE, 2012.

RESUMO: Neste artigo, analisa-se o contrato de prestação de serviços em seu uso na terceirização em face do princípio solidarista da Constituição da República. Para tanto, é considerada a evolução do contrato com a enunciação do princípio da função social do contrato, desaguando no princípio da relativização dos efeitos relativos deste contrato e sua eficácia indireta. Por outro lado, atenta-se para o princípio do Direito do Trabalho da primazia da realidade, porquanto o trabalhador, mediante o contrato de trabalho, surge na execução daquele ajuste como terceiro por ele afetado. Daí, formula--se a conclusão de que a interpretação do contrato civil se realiza com atração de regras do Direito do Trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Princípio constitucional da solidariedade; contrato; função social; eficácia indire-ta; terceirização; Direito do Trabalho.

ABSTRACT: In this article, we analyze the contract for services rended applied in outsourcing due to the principle of solidarism inserted into the Republic Constitution. Therefore, it is considered the evolution of the contract with the enunciation of the principle of the social function of the contract, ending up in the principle of relativity of the relative effects of the contract and its indirect effect. On the other hand, attentive to the principle of the primacy of reality on the Labor Law, because the employee by the employment contract, arises in the implementation of that adjustment as a third party affected by it. Then, it is concluded that the interpretation of civil contract takes place with attraction of Labor Law rules.

KEYWORDS: Constitutional principle of solidarity; contract; social function; indirect effectiveness; outsourcing; Labor Law.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O contrato de prestação de serviços e a terceirização; 2 O princípio da soli-dariedade; 3 A função social do contrato; 4 O princípio da relatividade dos contratos; 5 O fato social e o princípio da primazia da realidade no Direito do Trabalho; Conclusão; Referências.

INtrodução

A Constituição da República enuncia como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o que constitui um princípio jurídi-co a ser observado na totalidade das relações sociais, como elemento do sistema e informante de sua interpretação (2). O mercado, cujas relações econômicas têm foco na obtenção de lucros e de maior riqueza com sua crescente concentração em grupos, levou à flexibilização do trabalho, sen-

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do a terceirização proposta como meio de alcançar maior produtividade e o contrato de prestação de serviços a forma contratual utilizada (3). Nesse quadro, cabe atentar para a nova visão do contrato, a partir do princípio solidarista (4), e a superação do conceito personalista e individualista do contrato, estabelecendo a compreensão do princípio da relatividade dos contratos (5), de modo a reler a posição do terceiro tida tradicionalmente como aquele que, por não integrar a relação contratual, não pode ser afeta-do pelos efeitos dela decorrentes, e redesenhar o seu papel diante da reali-dade que o afirma como uma categoria que ingressa no contrato durante sua execução e é atraído para o círculo contratual. A reflexividade do sistema jurídico no Direito do Trabalho em cujo âmbito se processam e repercutem com intensidade as mudanças da sociedade afetando a relação de trabalho exige o exame daquele que, como destinatário da prestação de serviços, sem ser o empregador, interfere sobre ele, colocado então sob o princípio específico da primazia da realidade (6).

1 o coNtrato de PreStação de ServIçoS e a terceIrIzação

O contrato de prestação de serviços tem por objeto a realização one-rosa de uma atividade, material ou imaterial. Figura antiga1 que apresentava a distinção entre locatio operarum (locação de serviços) e locatio operis (empreitada), encontra-se no Código Civil atual com feição residual, pois sua normatização confere expressamente a precedência à forma contratual sujeita ao Direito do Trabalho e às leis especiais.

Presencia-se o crescimento dos contratos de prestação de serviços, não apenas sob a constatação de que a atual sociedade de serviços au-mentou sua ocorrência no modo de vida, mas porque houve sua adoção na indústria, no comércio e em outros setores, o que configura uma nova realidade a qual torna necessária a reflexão em torno do direito contratual.

Roppo2 destaca a transformação do contrato porque, em alguns as-pectos, ele está em declínio, enquanto que, em outros, tem expansão e re-lançamento. Isto significa que o contrato está diferente de como era no pas-

1 Sob a denominação genérica de locação de serviços (locatio operarum), compreende o Código Civil uma grande variedade de prestações do trabalho humano. “É o contracto pelo qual uma pessoa se obriga a prestar certos serviços a uma outra, mediante remuneração. Comprehende várias espécies: o trabalho dos operários urbanos e rurais; dos artistas mecânicos e liberaes; dos empregados do commercio e dos profissionais, como professores, médicos, advogados (abstrahindo do mandato); a recovagem, abarcagem, a albergaria, entre outras. Em todos esses casos, há locação de atividade, de trabalho, de serviço. Na empreitada há, também, locação de serviço; mas de uma forma particular, que o Codigo mantendo a tradição, destacou em seção especial” (BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, v. 4, 1934. p. 411).

2 ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p. 347-348.

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sado e deve ser apreendido segundo os fatos, por não ser governado por leis abstratas, mas sujeito a um princípio de relatividade sob o qual ele existe na variedade de suas formas históricas e das suas concretas transformações. Assim ocorre na teoria geral dos contratos e na espécie em causa o contrato de prestação de serviços.

A antiga e criticada expressão “locação de serviços” remonta ao Di-reito romano. Anota Blanco que a locatio operarum era uma convenção pela qual o trabalhador punha à disposição do senhor a própria energia ou força de trabalho, e evoluiu da primitiva concepção da locação do servo à locação do homem livre, para se caracterizar pela relação ou estado de subordinação em que se encontrava o trabalhador frente ao patrão ou em-presário e como objeto da prestação a própria pessoa3.

Caio Mário Pereira comenta no direito civil brasileiro anterior que o Direito moderno é refratário à locação como categoria abrangente de coisas e de serviços e ainda da empreitada, e dissociou a prestação de serviços das outras espécies, sobrevivendo o contrato civil de prestação de serviços enquanto civil no seu objeto e disciplina. Aduz que seu objeto é a prestação da atividade intelectual, material ou física resultante da energia humana aproveitada por outrem, visando à obtenção de uma atividade em função de um resultado decorrente da distinção entre contrato civil e contrato de trabalho do elemento estatutário ou legal4.

No Código Civil brasileiro de 1916, bem como no atual, o contrato de locação de serviços é um contrato por prazo determinado, tendo-lhe sido prevista a duração pelo prazo de quatro anos, ainda que destinado à execução de certa e determinada obra5.

Esse contrato tem como objeto o serviço a ser prestado e não a sim-ples utilização de mão de obra, o que é reforçado com a revisão do nome anterior de “locação de serviços” para o nome atual “prestação de serviços”. É sob essa forma contratual entre as empresas que se realiza a terceirização.

Com o incremento da atividade industrial e comercial, de serviços e empreendimentos em geral, as empresas passaram a contratar entre si a rea-lização de serviços destinados às suas atividades com o objetivo anunciado

3 BLANCO, Jose Martín. El contrato de trabajo. Estudio sobre sunaturaleza jurídica. Madri: Revista de Derecho Privado, 1957. p. 22-24.

4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 10. ed, Rio de Janeiro: Forense, v. III, 1996. p. 237-243.

5 Código Civil: “Art. 598. A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta, ou se destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos quatro anos, dar-se-á por fino findo o contrato, ainda que não concluída a obra”.

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de concentração na atividade principal, despontando a redução de custos. Na atual contratação de prestação de serviços, as empresas contratadas de-terminam a seus empregados a execução dos serviços para uma empresa que é a contratante civil e está à margem do contrato de trabalho.

O fenômeno da terceirização se tornou uma prática no mercado, ca-racterizando-se por formar uma relação triangular: as empresas contratam entre si e a contratada estabelece relações de emprego em que o empregado executa serviços que têm como destinatária e beneficiária a contratante, que, no entanto, não é sua empregadora.

Por não haver legislação, no Brasil, sobre a terceirização, a interpre-tação das normas legais sobre a espécie contratual adotada para o víncu-lo entre as empresas foi dada na Súmula nº 256, do Tribunal Superior do Trabalho, editada em 19866; e posteriormente cancelada com a edição da Súmula nº 331. A ementa de ambas tem referência expressa a Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade.

Na fase inicial, o Tribunal Superior do Trabalho vinculou o contrato de prestação de serviços à existência de lei e previsão específica de sua ce-lebração na atividade, afirmando ilegais os contratos sem tais elementos e a consequente formação do vínculo empregatício direto com o tomador de serviços; reputou regulares apenas as situações correspondentes à contrata-ção de trabalho temporário e serviço de vigilância, objeto, respectivamente, das Leis nºs 6.019, de 1974, e 7.102, de 1983.

Após, com a Súmula nº 331, de 1993, o TST afirmou as possibilida-des de utilização dos serviços terceirizados na contratação de serviços de vigilância, de conservação e limpeza e de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, e reputou ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)7.

6 Súmula nº 256. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE – Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.02.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços. Resolução Administrativa nº 4/1986.

7 Súmula nº 331. Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – [...]. III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

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Essa mudança de orientação, explica Abdala8, decorreu da conside-ração da realidade socioeconômica e da necessidade desse procedimento pelas empresas, uma vez que, se a ordem econômica é fundada na valoriza-ção do trabalho humano, também se funda na livre iniciativa, conforme os arts. 170 e 173 da Constituição da República.

A terceirização trouxe o contrato de prestação de serviços como a forma de sua implantação. O contrato de trabalho e o contrato de pres-tação de serviços que tiveram na locatio operarum uma origem comum, distinguiram-se em sua evolução, e se reencontram nesse fenômeno que constitui um procedimento administrativo de gestão. Vieira de Mello Filho e Queiroz Dutra9 veem nesse procedimento a intensificação da exploração do trabalho, heterogeneização e fragmentação da classe trabalhadora, com a contratação precária de trabalhadores por meio das quais muitas grandes empresas enxugaram seus quadros e trataram como periféricas e descartá-veis à execução dos fins empresariais cada vez mais atividades.

O trabalho terceirizado, porém, não pode ser tido como uma realida-de inexorável, até porque as novas relações sociais, surgidas com a globali-zação, são caracterizadas pela alteração, mutabilidade e aceleração.

Buscando um contraponto a essa contratualidade entre as empresas, os sindicatos passaram a inserir, nos instrumentos coletivos, cláusulas limi-tativas à terceirização. Roppo, ao analisar a teoria dos contratos, afirma que há uma recuperação da contratualidade nos contratos coletivos, tanto em sua parte normativa, ao dispor sobre salários e condições de trabalho, quan-to nas previsões obrigatórias em que surgem obrigações assumidas pelos empresários em relação ao volume dos investimentos a efetuar, a sua colo-cação territorial, ao aumento dos empregos que se vinculam a conseguir. Considera, assim, que o contrato vê exaltado o seu papel de instrumento de mediação social e assume funções novas10. São essa nova contratualidade e mediação social que, nessa realidade, informam a inserção de cláusulas nos instrumentos coletivos para limitar a terceirização. Nesse contexto, o Tribunal Superior do Trabalho julgou que o Poder Normativo, por lhe ser próprio o objetivo de melhorar as condições de trabalho, pode estabelecer a disciplina da terceirização, e perfilhou a Cláusula obrigacional de que a

8 ABDALA, Vantuil. Terceirização: atividade-fim e atividade-meio – responsabilidade subsidiária do tomador de serviço. Revista LTr, São Paulo, n. 60-05, p. 587-590, maio 1996.

9 MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; DUTRA, Renata Queiroz. Centralidade da pessoa humana na constituição versus centralidade do cidadão trabalhador: o desafio de reler o trabalho a partir da Constituição Federal de 1988. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; FRAZÃO, Ana de Oliveira. (Coord.). Diálogos entre o Direito do trabalho e o Direito constitucional: estudos em homenagem a Rosa Maria Weber. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 572.

10 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 337.

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atividade-fim da empresa não poderá ser objeto de terceirização, ficando, portanto, terminantemente proibida essa modalidade de contratação11. As-sim reconduz o contrato de prestação de serviços ao seu espaço residual entre os contratos de atividade, promovendo um diálogo, ainda que tímido, entre as disciplinas do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços.

A análise da terceirização, considerada sua realização por meio de dois contratos regidos por normas de diferentes ramos do Direito, o Direito Civil e o Direito do Trabalho, ocorre a partir do princípio da solidariedade enunciado na Constituição da República, desdobrado na função social dos contratos, como matéria da teoria geral dos contratos expressa no Código Civil12.

2 o PrINcíPIo da SolIdarIedade

A vida social deriva de uma dupla fonte: a similitude das consciên-cias e a divisão do trabalho social. Na similitude decorrente do trabalho, o indivíduo tem uma fisionomia que é uma atividade pessoal que o distingue dos outros, mas, ao mesmo tempo, deles depende na mesma medida e por conseguinte da sociedade que resulta de sua união13. A solidariedade é um conceito relevante para a vida social por explicar o fenômeno pelo qual as pessoas se juntam. Na sociedade primitiva, não havia a divisão do trabalho, mas uma hierarquia estatutária configurada pela consciência coletiva e fu-são dos costumes e vivência, da qual resulta uma solidariedade mecânica. Depois, com a solidariedade orgânica, a sociedade é substituída pelo grupo e a agregação de indivíduos tendo como objetivo o bem-estar do grupo. A passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica aponta-da por Durkheim como aquela decorrente do trabalho traz, ainda, segundo o autor, como espécie, a solidariedade contratual.

No Direito Civil, a solidariedade surge como meio de reparação aos inconvenientes da pluralidade de credores (solidariedade ativa) ou de deve-dores (solidariedade passiva) de uma mesma obrigação. A noção de plurali-dade nela está presente, no plano social e no plano jurídico. Destaca Supiot que a solidariedade mudou ao passar do direito civil ao direito social, e dei-xou de designar apenas uma relação de direito que liga diretamente credo-

11 Processo: RO 8760-73.2011.5.02.0000, Julg. 08.06.2015, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, DEJT 19.06.2015.

12 “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”13 DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

p. 216.

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res e devedores para se tornar o princípio de organização de instituições de um novo tipo, em que são consideradas as capacidades e as necessidades de cada um. O dever de solidariedade impregna a declaração dos direitos de segunda geração correspondentes aos direitos econômicos e sociais, e o princípio de solidariedade deve fazer evoluir a interpretação dos direitos econômicos e sociais14. Considera o autor que a solidariedade pode servir para conter os efeitos de desestruturação social ligados à globalização, seja pelo reconhecimento àqueles cujas condições de vida e de trabalho são afe-tadas pelo novo sistema, do direito de se organizar, agir e negociar em um plano internacional, seja como base a regras limitadoras da mercantilização dos homens e das coisas. Vê, então, na solidariedade uma forma de proteger os homens contra os riscos da existência e de lhes dar meios concretos para exercer as liberdades e de lutar contra a fuga às responsabilidades facilitadas pela organização reticular da economia contemporânea. São incisivas as palavras de Supiot: São todos aqueles que se beneficiam de uma operação econômica que devem ser considerados como solidariamente responsáveis pelos danos daí resultantes para o meio ambiente e para os consumidores, independentemente das montagens jurídicas utilizadas pela empresa15.

Na Constituição da República, a solidariedade é enunciada como princípio16 e objetivo fundamental do Estado brasileiro. Ao comentar o art. 3º, no qual ela está proclamada, Streck e Bolzan de Morais17 averbam que a Constituição do Brasil tem caráter compromissório expresso em sua opção finalística, a ser vista dentro das especificidades histórico-factuais do Estado brasileiro e diante da globalização excludente e do neoliberalismo, cujas desregulamentações constituem contraponto aos direitos sociais fun-damentais e condições negativas ao cumprimento desses objetivos. Consi-deram que a Constituição determina a realização substantiva dos direitos sociais, de cidadania e aqueles relacionados diretamente à terceira dimen-são de direitos, mediante a transformação das estruturas da sociedade.

Ora, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como fi-nalidade e objetivo essencial da República brasileira importa sua realização pelos Poderes Públicos e por todos os destinatários do Texto Constitucional, e impregna a interpretação da totalidade do ordenamento jurídico. O princí-

14 SUPIOT, Alain. Homo Juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 2006. p. 237.

15 Idem, p. 237/238.16 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre,

justa e solidária; [...].”17 STRECK, Lenio L.; BOLZAN DE MORAIS, Jorge Luiz. Comentário ao Artigo 3º. In: ______; CANOTILHO, J.

J.; MENDES, Gilmar; SARLET, Ingo W. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 146/150.

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pio da solidariedade é, no Direito brasileiro, um princípio jurídico inovador, e a ele Bodin de Moraes se refere como base à igualdade substancial e à justiça social, integrante do conjunto de instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, em uma sociedade que se desenvol-va como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados18.

Enquanto a solidariedade fática decorre da necessidade da coexis-tência humana, a Constituição afirma a solidariedade como valor na ordem jurídica e social, o que envolve a compreensão dos interesses em comum dentro de uma reciprocidade em que “cada um, seja o que for que possa querer, deve fazê-lo pondo-se de algum modo no lugar de qualquer outro”. É o conceito dialético de “reconhecimento” do outro19, além do sentido individual, para alcançar a solidariedade entre grupos. Cabe atentar a que as empresas às quais o entendimento jurídico atribuiu personalidade e os grupos econômicos por elas formados também são atraídos ao conceito dia-lético de reconhecimento do outro, isto é, os trabalhadores cujos serviços concorrem para sua atividade.

Sob o reconhecimento do outro, a solidariedade atrai a responsabili-dade pessoal daqueles que ela liga, o que, para Supiot, significa a respon-sabilidade social das empresas, referindo-se àquelas que operam em escala internacional e à vinculação das diversas entidades de uma linha ou rede transnacional, de modo a tornar possível imputar responsabilidades nos pa-íses em que têm a sua sede, as entidades “em situação de exercer uma gran-de influência sobre as actividades de outros”, e obrigá-las a responder pelos incumprimentos desses princípios, o que encorajaria as boas práticas de subcontratação e desencorajaria as más20. Essa observação tem pertinência ao mundo em rede e às relações em cadeia que marcam a sociedade atual de modo a que as empresas não sejam circunscritas aos negócios direta-mente celebrados, mas estejam vinculadas também pelos efeitos que, por meio deles, deflagram na sociedade. É uma noção de solidariedade social, delineada na identidade de interesses, superando a divisão anômica do tra-balho em que a divisão não engendra a solidariedade, mas o antagonismo.

Se, na concepção liberal do direito privado, o individualismo é o tra-ço central, a solidariedade propõe sua superação de modo a inserir nas relações entre particulares o objetivo do desenvolvimento dos interesses co-muns. Como afirma Fachin, as normas de direito privado não possibilitam,

18 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. p. 47/48.

19 Idem, p. 45/47.20 SUPIOT, Alain. Op. cit., p. 237/238.

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mais, o encastelamento de vontades atomizadas, pois passam a amalgamar interesses que, embora muitas vezes conflitantes, não podem superar nem negar a existência do sujeito presente al otro lado del rio, na poética ilustra-ção de Jorge Drexler21.

O contrato deixou de ser tido, nos últimos anos, como instrumento necessariamente decorrente ou representativo de interesses antagônicos e passou a ser visto sob a existência de uma affectio – a affectio contractus que se desenvolve como uma parceria, na qual, além de uma função econômi-ca, exerce uma função social por meio da qual são atendidos os interesses superiores da sociedade, que, em determinados casos, podem não coincidir com os do contratante que aderiu ao contrato. Ressalva-se que, ao analisar a função social do contrato na área civil, Wald afirma que ela não significa maior proteção à parte economicamente mais fraca, nem a consideração do interesse de uma das partes em detrimento da outra, como é adotado no Direito do Trabalho e no direito do consumidor, afirmando, todavia, o solidarismo contratual no regime legal dos contratos, mediante os princípios da função social do contrato, aplicação da teoria da imprevisão e a boa-fé objetiva22.

O princípio da solidariedade, aplicado no âmbito dos contratos, con-forme Negreiros, com base em Antônio Junqueira Azevedo, é o fundamento constitucional do princípio da função social; expressa que,

numa sociedade que o constituinte quer mais solidária, não deve ser admiti-do que, sob o pretexto de que o direito de crédito é um direito relativo, possa tal direito ser desrespeitado por terceiros, que argumentam não ter consenti-do para a sua criação. Esta ótica individualista e voluntarista deve ser supe-rada diante do sentido de solidariedade presente no sistema constitucional.23

A afirmação constitucional da solidariedade como fundamento da sociedade brasileira, em face da teoria dos princípios, cuja normatividade é atualmente reconhecida com sua positividade e concretude, leva a que os institutos jurídicos sejam examinados segundo esse princípio, os quais, como diz Bonavides, fazem a congruência, o equilíbrio e a essencialidade

21 FACHIN, Luiz Edson; GONÇALVES, Marcos Alberto Rocha. Princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da isonomia substancial. In: TEPEDINO, Gustavo; VIEIRA DE MELLO, Luiz Philippe; FRAZÃO, Ana; DELGADO, Gabriela Neves (Coord.). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 26.

22 WALD, Arnold. O novo Código Civil e o solidarismo contratual. In: NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org.). Doutrinas Essenciais – Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. I, 2010. p. 105.

23 NEGREIROS, Tereza apud CAITLIN, Mulholland. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. p. 258, nota 5.

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de um sistema jurídico legítimo, e estão no ápice da pirâmide normativa24. Logo, no direito privado, a promoção da solidariedade também está pre-sente e o princípio impede que as normas regentes das correspondentes relações jurídicas perfilhem as vontades em desconsideração aos interesses que fomentam as relações e todos os que delas decorrem, o que se expressa na atribuição da função social do contrato.

3 a fuNção SocIal do coNtrato

A partir do solidarismo constitucional, o direito civil foi vinculado a observar o interesse comum nas situações e contratações desenvolvidas em seu âmbito, materializado ademais no princípio da função social25.

A polissemia do termo “função” foi tida como conveniente para in-cluir na noção de “funcionalização”, além da necessidade de uma análise funcional e não meramente estrutural, a afirmação de que todos os atos, normas e situações jurídicas somente têm sua existência justificada em fun-ção dos valores que orientam o ordenamento, portanto, a dignidade huma-na e a solidariedade social26.

Desse modo, o interesse social vincula a liberdade de contratar em observância à ordem constitucional e à previsão do Código Civil de 2002, que assegura seu exercício em razão e nos limites da função social do con-trato. Aponta Souza que, após superada a resistência de parte de alguns autores em aceitar a função social como figura autônoma, essa função ba-seou o reconhecimento do fenômeno designado como a “relativização da relatividade dos pactos” – sendo mitigado o antigo princípio segundo o qual o contrato só produz efeitos inter partes, surgindo a admissão da chamada “tutela externa” do crédito, em face de terceiros que pudessem incentivar o inadimplemento ou prejudicar, de qualquer modo, o curso da relação contratual. Defender a função social do contrato equivaleria a dizer, nessa formulação, que os negócios são socialmente relevantes e devem ser pro-tegidos27.

A função social do contrato deve ser interpretada mediante o princí-pio da solidariedade e, como tal, sua aplicação tem aspecto promocional, para que a execução do contrato ocorra para o cumprimento dos direitos e

24 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 294.25 Código Civil: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do

contrato”.26 SOUZA, Eduardo Nunes. Função negocial e função social do contrato: subsídios para um estudo comparativo.

RDPriv, a. 14, 54, abr./jun. 2013, p. 70.27 Idem, p. 89-90.

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justo equilíbrio de todas as partes que, nele ou em razão dele, estão vincu-ladas. Indaga Souza: como pressupor que as partes em um contrato devam celebrá-lo perseguindo interesses socialmente relevantes além de seus pró-prios interesses? Como tornar essa diretriz eficaz, na prática, em sede de relações obrigacionais, de modo a reconhecer os legitimados para alegar o descumprimento da promoção de valores como o trabalho, o consumidor, a livre-concorrência etc.?28 Esse aspecto suscita reflexão no âmbito da ter-ceirização, pois ela ocorre à sombra de dois contratos típicos que, tendo por objeto a prestação de atividade humana, eram originariamente um mesmo. Ora, a função social do contrato redimensiona a liberdade de contratar a ser sopesada às circunstâncias em que, por meio dele ou como sua decor-rência, um contratante viola ou enseja a violação de interesse socialmente relevante, como são todos os direitos fundamentais, entre os quais os direi-tos sociais. Como o negócio não pode ser alheio aos valores juridicamente protegidos, o contrato não pode servir à postergação de direitos de uma das partes, de modo que, no contrato triangular, a ausência de liame trabalhista diretamente com uma das partes não torna o objetivo do contrato estranho a ela.

Na existência de contrato entre empresas com a terceirização de ati-vidades da contratante e obtenção de serviços destinados ao seu empreen-dimento por meio da prestação pelos empregados da contratada, os dife-rentes contratos têm uma finalidade única e, ainda que oriundos de ramos jurídicos distintos, a todos se aplicam o princípio da solidariedade e o seu exame conjunto sob a perspectiva da função social dos contratos. Como afirma Roppo, o contrato adquire relevância cada vez maior com a progres-siva afirmação do primado da iniciativa da empresa e em sua evolução, de mecanismo funcional e instrumental da propriedade, ele se tornou mecanis-mo funcional e instrumental da empresa29.

Como a função social do contrato traz consigo a modificação ou rein-terpretação do princípio da relatividade dos pactos e do conceito da relati-vidade do contrato com a produção de efeitos inter partes, passando a ad-mitir a “tutela externa” do crédito, em face de terceiros, esse conceito deve ser aplicado em todas as situações em que um terceiro atua no contrato. Vai, portanto, além das situações surgidas de incentivo ao inadimplemento, para, sob o mesmo enfoque, tutelar os fatos que prejudicam, de qualquer modo, o curso da relação contratual. Como tal, abrange a situação não pre-vista nas normas legais em que dois contratos sob regimes jurídicos diversos

28 Idem, p. 92-93.29 ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p. 67.

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se desenvolvem paralelamente, mas estão ligados por uma finalidade última que é a atividade exercida por um dos contratantes. Ao orbitarem, tanto o contrato civil de prestação de serviços como o contrato de trabalho da exe-cução subordinada dos serviços ajustados, em torno do interesse do contra-tante, a função social do contrato em expressão da solidariedade reconduz ao interesse que funda a constelação contratual.

4 o PrINcíPIo da relatIvIdade doS coNtratoS

Pelo princípio da relatividade dos contratos, aquele que não integra a relação contratual não pode ser afetado pelos efeitos dela decorrentes. Esse princípio traduz uma concepção personalista e individualista do contrato que não condiz ao espírito da nova teoria dos contratos. O sentido do efeito relativo do contrato dado nos séculos XVIII e XIX teve alargada a noção de partes e terceiros, e como parte não é entendida uma categoria evolutiva, suscetível de incluir pessoas que venham a integrar posteriormente o círculo contratual”30.

O princípio subsiste com a ampliação da definição de terceiro, o que leva, em sua aplicação, a atrair para o âmbito do contrato pessoas que prati-caram atos a ele vinculados ou sobre as quais seus efeitos se projetaram ou levaram a que nele tivessem participação. Como assinala Caitlin, a partir de referência ao entendimento de Jacques Ghestin, Jean-Luc Aubert e Catherine Guelfucci-Thibierge, atualmente se tornou generalizado o entendimento de que um contrato não é fechado de modo a se limitar às partes que o cele-bram, mas a ele se integram as relações contratuais com terceiros, pois o contrato é o instrumento primordial do comércio jurídico. Com efeito, na sociedade complexa, igual complexidade apresentam os institutos jurídi-cos e há, nos contratos, as novas situações objetivas de contratação e sua dinâmica, o que interfere na concepção restritiva do princípio da relativi-dade dos contratos. A previsão, no Código de Defesa do Consumidor, da possibilidade de indenização a pessoas que não fazem parte dos contratos de consumo, como usuários e bystanders, fornece elemento de positividade jurídica para a reconfiguração do princípio na sociedade atual e a produção e circulação de riquezas.

Daí, tornar-se relativizado o princípio da relatividade do contrato: em seu sentido originário ele significava que o contrato somente vinculava e produzia efeitos entre as partes contratantes, o que foi relativizado, ao in-fluxo do princípio da solidariedade, desde a norma legal que rege relações

30 CAITLIN, Mulholland. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord.). Op. cit., p. 260 e 262.

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na sociedade de consumo até a interpretação do sistema para que os efeitos que decorram dos contratos firmados em paralelo a um contrato matriz ou dele decorrentes retornem à economia contratual e às partes originárias, obrigando-as. Daí Caitlin31, sob as noções de fato jurídico e eficácia indireta ou reflexa do contrato, asseverar as repercussões fora do âmbito contratual e em relação a terceiros como determinantes de tratamento jurídico adequa-do à noção atual de contrato sob a perspectiva dos princípios solidaristas. As situações criadas ou modificadas pelo contrato não são a ele estranhas, pois o pacto incidindo sobre a esfera de terceiros deflagrou efeitos jurídicos em igual medida e tutela.

5 o fato SocIal e o PrINcíPIo da PrImazIa da realIdade No dIreIto do trabalHo

O sistema jurídico se marca por sua reflexidade que no Direito do Trabalho é intensificada, pois nele as mudanças e variações constantes na sociedade são imediatas. Tais mudanças nas relações de trabalho ocorreram de forma tão rápida e igual absorção na realidade e a prática social que in-formam nova situação, o que se constata na identificação de trabalhadores como terceirizados e não como exercentes de uma função ou profissão.

Na relação dialógica entre a sociedade e o Direito, a reflexão do Di-reito do Trabalho sobre o seu sentido e finalidade se agiganta, porquanto o trabalho dá ao ser humano um modo de estar no mundo. Ao lado, constata--se a exigência de um comportamento flexível em que ameaça às pessoas, suas narrativas e suas histórias de vida têm a instabilidade como um modo normal32.

A terceirização verifica-se com o uso de um contrato civil, uma in-terferência quanto ao destinatário da prestação de serviços que é alterado, desfazendo o conceito tradicional de empregador para desdobrá-lo com um terceiro. A empresa contratante e tomadora de serviços se reputa estranha ao vínculo empregatício, mas recebe desse estranho a força de trabalho, cuja prestação lhe é assegurada por meio de outro contrato, a prestação de serviços. Daí os contratos na terceirização exigirem compreensão sobre o terceiro já reconhecido e ampliado no Direito Civil para, então, interpretar esse fenômeno também sob os princípios do Direito do Trabalho. Embora eles tenham sido estruturados na fase de formação desse ramo do Direito, advindo muitos deles do Tratado de Versalhes e da atuação da Organiza-ção Internacional do Trabalho, constituem as pautas diretivas do Direito do

31 Idem, p. 273.32 SENNET, Richard. A corrosão do caráter. Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Tradução

de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999.

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Trabalho, tanto para a interpretação das normas e sua aplicação como para a informação da legislação. Como expressa Plá Rodriguez33, os princípios e as normas se relacionam em uma interação ou implicação recíproca, mas correspondem a uma concepção do Direito laboral.

Ao influxo das mudanças ocorridas com o delineamento de novas for-mas de trabalho e contratos atípicos34, os princípios do Direito do Trabalho e sua adequação ou subsistência a esses vínculos foram alvo de questiona-mento. Romita35 refutou os princípios clássicos quanto à sua especificidade para o Direito do Trabalho e propôs novos princípios, como adaptação da superestrutura jurídica às novas realidades, apontando então: princípio da liberdade do trabalho; princípio de não mercadorização do trabalho; e o princípio da dignidade do trabalhador como pessoa humana. O princípio da não mercadorização do trabalho foi afirmado pela OIT e tem grande relevância no quadro da globalização, e o princípio da dignidade do traba-lhador como pessoa humana exprime nas relações de trabalho um princípio fundamental da República brasileira, enunciado na Constituição.

Subsistem, todavia, os princípios clássicos, nos quais se encontra o princípio da primazia da realidade. Seu conteúdo e a atribuição de relevân-cia dos fatos sobre as formas buscam na realidade que cerca o trabalho os elementos para a aplicação das normas de Direito do Trabalho. Ele enfrenta as formas de contratações engendradas e, assim, alcança a terceirização, formada pelo contrato civil e contratos de trabalho. Com efeito, os contratos determinados pela ação do mercado multiplicaram os contratos de pres-tação de serviços (formais e informais) na indústria, comércio e em outros setores, o que provocou a reação no meio trabalhista pela necessidade de adequar e aplicar o direito à nova realidade, e pela permanência do princí-pio da proteção ao trabalhador e, em especial, o empregado, de eventuais ameaças à sua dignidade, bem como de tentativas de precarização das rela-ções de trabalho, como assinala Fichtner36.

O princípio da primazia da realidade expressa o tratamento do tra-balhador dentro do mundo real de sua prestação de serviços. Usualmente

33 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr USP, 1978. p. 19.

34 Adota-se a expressão contratos atípicos no sentido de contratos de trabalho em que, embora haja a aplicação das normas trabalhistas, se dão sob regimes particulares de duração, a prazo determinado ou como tempo parcial de trabalho.

35 ROMITA, Arion Sayão. Os princípios do direito do trabalho ante a realidade. Revista LTr, São Paulo, n. 74-09, set. 2010, p. 1038-1046.

36 FICHTNER, Priscila Mathias de Morais. Locação de serviços x prestação de serviços: evolução jurisprudencial. In: TEPEDINO, Gustavo; VIEIRA DE MELLO, Luiz Philippe; FRAZÃO, Ana; DELGADO, Gabriela Neves (Coord.). Diálogos ente o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 374.

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identificado como a prevalência dos fatos sobre as formas, o que implica qualificar segundo a realidade em vez do texto, por meio dele se afasta o véu que encobre as circunstâncias relevantes da condição do trabalhador e as formas de contratação que visam inibir os direitos sociais correspon- dentes.

Esse princípio tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e conduz à interpretação racional da vontade das partes, dentro da teoria de interpretação dos contratos, adquirindo grande realce no Direito do Tra-balho, dado o caráter dinâmico do contrato pelo qual o modo como ele é executado mostra sua verdadeira natureza, segundo Plá Rodriguez37. Como o princípio tem ambiente na teoria contratual, incide sobre as duas espécies que estão conjugadas na terceirização o contrato civil de prestação de ser-viços e o contrato de trabalho.

Serve o princípio da primazia da realidade para dar uma conforma-ção à oposição entre o mundo real e o mundo formal e conter os mecanis-mos por meio dos quais ocorrem as crescentes investidas contra as relações trabalhistas38, o que enseja uma interpretação do contrato na complexidade das relações contratuais em uma mesma realidade: a diversidade de espé-cies contratuais sob a finalidade igual de um serviço prestado com subordi-nação desdobrada na subordinação jurídica ao empregador que estabelece a empresa em que haverá a prestação de serviços e a subordinação fática das ordens cotidianas para a efetiva execução do serviço.

Assim, a terceirização é um mecanismo em que há a celebração de contratos paralelos que estão vinculados pela finalidade e instaura vínculos empregatícios em que a realidade laboral da prestação de serviços é cana-lizada para o tomador de serviços, e tem uma assincronia entre contrato de trabalho e atividade real. O vínculo contratual com o prestador de serviços constitui a formalidade que leva à execução do contrato civil existente.

Como princípio da primazia da realidade é conciliado o contrato com os fatos empanados pelos registros formais. Delgado entende que sobre esse princípio amplia a noção da prevalência da intenção dos agentes sobre o envoltório formal, aduzindo que o conteúdo do contrato não se circuns-creve ao transposto no correspondente instrumento escrito, incorporando

37 RODRIGUEZ, Américo Plá. Op. cit., p. 227.38 CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. A flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil. Desregulação

ou regulação anética do mercado? São Paulo: LTr, 2008.

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amplamente todos os matizes lançados pelo cotidiano da prestação de ser-viços39.

Com o princípio da primazia da realidade, amplia-se o polo do obri-gado trabalhista na terceirização, havendo a inserção quanto a esses efeitos do terceiro beneficiado pela prestação, indo além do vínculo existente entre as partes. Essa noção de terceiro, na esfera do contrato de trabalho, institui na interpretação das obrigações respectivas a consideração da interferência que o tomador de serviços exerce sobre a realidade do contrato de trabalho, desde a admissão do trabalhador para que haja a prestação do serviço até sua dispensa, que frequentemente está vinculada à rescisão do contrato de prestação de serviços. Na terceirização, portanto, o princípio atua para con-ciliar os dois contratos cujas filosofias são diferentes, mas não antagônicas, e que devem ser interpretados sob um mesmo princípio, o da solidariedade.

coNcluSão

A Constituição da República, ao enunciar o princípio da solidarieda-de como objetivo da sociedade na sua construção prospectiva, vincula a ação e a interpretação à sua observância. No campo das relações econômi-cas, tanto quanto à atividade das empresas como nos contratos de trabalho, esse princípio se reflete como a responsabilidade pelo bem-estar de todos, empresas e trabalhadores.

O contrato tem nas relações complexas que marcam a sociedade atual uma atuação múltipla e simultânea que cada um deles, guardando seu sentido próprio, funcionalizam a ação comum. O contrato de prestação de serviços se tornou instrumento da terceirização, mediante uma renovada utilização dessa forma contratual civil, enquanto a forma originária desse contrato e que tinha desaguado no trabalho subordinado do contrato de trabalho é para ele atraída, sob uma justaposição. São dois contratos que se reúnem sob a mesma noção de prestação de serviços, seja entre empresas como meio de realizar a atividade de uma delas, seja entre uma empresa e seus empregados.

São os múltiplos fios que se entrelaçam no tapete e lhe conferem cor, forma e desenho. A função social do contrato, desse modo, deve ser lida em simultaneidade ao princípio da proteção do trabalhador, segundo o interes-se de todas as partes sob o signo do princípio da solidariedade, no nome do solidarismo contratual. O amálgama do contrato de prestação de serviços

39 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 90-91.

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do Direito civil e do contrato de trabalho, do Direito do Trabalho ante a pre-valência dos fatos sobre as formas no princípio da primazia da realidade e a relativização do terceiro coloca-se sob o princípio da solidariedade eviden-ciando que o crédito do trabalhador não é alheio à empresa tomadora dos serviços, pela inexistência do vínculo trabalhista, pois, pela contratação dos serviços, ela consentiu e concorreu para a criação do contrato de trabalho.

referÊNcIaSABDALA, Vantuil. Terceirização: atividade-fim e atividade-meio – responsabilidade subsidiária do tomador de serviço. Revista LTr, São Paulo, n. 60-05, p. 587-590, maio 1996.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

É, de Fato, Inconstitucional a Terceirização de Serviços?

RAFAEL DA SILvA mARquESJuiz do Trabalho no RS.

Com a recente discussão a respeito do PLC 30/2015 em apreciação no Senado Federal, começou-se a ouvir algumas vozes que sustentam a sua inconstitucionalidade1. Mas será que a lei que poderá, em sendo aprovada, regulamentar a terceirização no Brasil, em especial a atividade-fim2 de uma empresa, é, de fato, inconstitucional?

Para que se responda a essa questão, devem ser analisados alguns parâmetros.

Primeiro, não se pode negar, e é corrente, que o valor médio salarial dos terceirizados é inferior ao dos contratados de forma direta. De outro lado, a terceirização da atividade-fim não garante o padrão salarial dos em-pregados contratados diretamente3. Antes pelo contrário, é fato a redução significativa no ganho dos trabalhadores terceirizados em empresas de tele-comunicações, por exemplo, que exercem trabalho ligado à atividade-fim. O mesmo ocorre com as subcontratações havidas pelos bancos privados, que terceirizam parte de sua atividade-fim, ao arrepio do art. 17 da Lei nº 4.595/19654, às empresas de cobrança e de captação de clientes. Estes empregados são contratados por um salário, na média, inferior em 50% ao salário dos empregados bancários, já bastante defasado nos últimos anos, substituídos por caixas eletrônicos e acessos via Internet e telefone celular5.

1 Disponível em: <http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/-Terceirizar-atividade-finalistica-e-inconstitu-cional-e-atinge-direitos-fundamentais-/4/33268>. Acesso em: 14 abr. 2015, às 17h49min.

2 Atividade-fim é a atividade principal da empresa. Aquela atividade para a qual foi criada e desenvolve seu mister. A atividade-meio é a atividade de mero apoio à atividade principal. Exemplo da primeira é a solda em uma empresa metalúrgica. Exemplo da segunda é o serviço de limpeza na mesma empresa.

3 Interessante é destacar que a lei de terceirização, como está sendo proposta, não garante a terceirização de atividade-fim em todo o ambiente da empresa. É que, nos exatos termos do art. 2º, II, do PLC 30/2015, há referência expressa à contratação por parte da contratante, junto à empresa contratada, apenas de parcela de sua (contratante) atividade, de onde se pode entender que, ainda que terceirize, deve permanecer com empregados contratados de forma direta. Não poderá, pela nova norma, haver empresa sem empregados. Apenas algumas parcelas de sua produção poderão ser delegados a terceiro.

4 “Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.”

5 Faz parte desta nossa modernidade trocar o contato com o outro pelo computador e pelo telefone celular, transformando as relações interpessoais, que seriam a regra, em exceção, a fim de agilizar a tramitação dos

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Depois, a terceirização da atividade-fim cria (o que a terceirização de atividade-meio já faz com bastante generosidade) empregados de segunda categoria dentro da mesma empresa, no mesmo ambiente empresarial. Ora, se o objeto a ser perseguido pelos trabalhadores é o mesmo, a obtenção de lucro ao tomador do trabalho, a inclusão interna e a sensação de pertença6 devem (ou deveriam) ser as mesmas. Se o trabalho destina-se a garantir o acúmulo de dinheiro nas mãos do tomador dos serviços, como se justifi-ca que dois trabalhadores que geram exatamente a mesma quantidade de riqueza, ou seja, que exerçam as mesmas atividades, recebam salários di-versos? Quanto a isso, chamo a atenção para a Declaração da OIT sobre os Princípios de Direitos Fundamentais, havida na 86ª Sessão da entidade, em Genebra, na Suíça, que, em seu item 2, letra “d”, repudia toda e qualquer forma de discriminação em matéria de emprego7, o que, aliás, é o que faz a Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 5º, cabeça8, bem como a CLT, em seu art. 4619.

De outro lado, não há, pela legislação nacional, espaço para dupla exploração da “mais-valia” e dupla alienação10. Isso quer dizer que, como é inerente ao contrato de emprego a sujeição, a exploração econômica do empresário sobre o empregado, o limite para que isso ocorra deve levar em conta o que preceitua a Constituição Federal. E é nesta mesma Constituição, em seu art. 7º, cabeça11, que constam os limites interpretativos em matéria

processos para, uma vez resolvida a questão, ter-se mais tempo para... se voltar mais uma vez ao mundo virtual. Acho que esta é uma definição razoável do que é “modernidade”: é a exclusão do outro.

6 Sobre a sensação de pertença, ver JOUNIN, Nicolas. L’illegalité sous-traitée? Les conséquences du recours à des employeurs intermédiaires dans le secteur du bâtiment. Revue Droit Social, numero 1, janvier 2007.

7 Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/international_labour_standards/pub/decla-racao_oit_293.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2015, às 17h59min.

Neste mesmo sentido, o Juiz Guilherme Rocha Zambrano, no Processo nº 0020163-04.2015.5.04.0013, faz constar que, “conforme a Declaração de Filadélfia da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, de 10 de maio de 1944, I, a, o trabalho não é uma mercadoria, de modo que toda e qualquer forma de intermediação de mão de obra deve ser repelida e considerada incompatível com a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição), por consagrar a exploração de um ser humano por outro. Por essa razão, é inadmissível a aprovação do PL 4.330/2004, que autoriza a terceirização sem limites”.

8 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...].”

9 “Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.”

10 Importante fazer constar que a supressão da alienação e, no caso da terceirização, sua redução eliminam muitas outras formas de alienação. Ver RANCIÈRE, Jaques. Le concept de critique et la critique de l’éconimie politique des <Manuscrits de 1844> au <Capital>. Lire le capital, Louis Althusser, Paris; PUF, 2eme

édition, 2008. p. 90. “Dans Le 3e maniscrit (p. 88), Marx Declare que l’aliénation économique est l’aliénation de la vie réelle (par opposition à l’aliénation religieuse qui ne se passe que dans la ‘consiencie’). Em conséquence, La suppression de l’aliénation économique entraîne ça suppression de toutes les autres aliénations”.

11 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...].”

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laboral. Se toda e qualquer alteração legislativa, se serve para os legislado-res, em razão da harmonia entre os poderes, serve para os juristas, deve vir para a melhoria da condição social dos trabalhadores, é evidente que toda e qualquer interpretação deve ter por objetivo a melhoria da condição so-cial do trabalhador. De que forma, há melhoria na condição social (e não apenas econômica) do trabalhador quando está ele sujeito à dupla explo-ração da “mais-valia”, dupla alienação? Quando ele está exposto à dupla subordinação? Quanto ele se sujeita a dois senhores? Este conceito de dupla exploração da “mais-valia”, dupla subordinação e dupla sujeição aplica--se perfeitamente à terceirização, em razão de que, pelo que preceitua o art. 6º, cabeça e parágrafo único, da CLT12, a subordinação jurídica é estru-tural e envolve não apenas ordens diretas, mas ordens estruturais fazendo referência não só à atividade-fim, mas, igualmente e pelos mesmos motivos, também à atividade-meio da empresa tomadora.

Ainda, se é direito dos trabalhadores “relação de emprego”, nos exa-tos termos do inciso I do art. 7º da CF/1988, e se os incisos do art. 7º da CF/1988 sujeitam e condicionam o caput, como justificar que uma lei possa garantir tamanho retrocesso, em situação em que haja dupla exploração da “mais-valia”, dupla subordinação, dupla alienação e dupla sujeição? Ou seja, como pode haver dois senhores, quando a regra, aquela prevista na época da aprovação da Constituição, era a contratação direta, sem interme-diários, nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT13? A lei da terceirização altera, por via transversa, sem legitimação democrática, a Constituição. E o pior é que, para a doutrina14, as normas de direitos sociais são, assim como as que preveem os direitos e deveres individuais e coletivos, cláusulas pétreas. Ora, uma lei que autoriza a subcontratação de trabalhadores, uma vez aprovada,

12 “Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.” (destaco para bem demonstrar)

13 “Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

§ 1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.”

14 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 641/642.

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“revogará” em parte o que preceitua o art. 7º, I, primeira parte, da CF/1988 e o fará por quorum simples, dando à CF/1988 a hierarquia de lei ordinária, retirando seu caráter de fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico nacional15.

Por fim, não se pode perder de vista que a Constituição é fruto do processo de entendimento comunicativo. Há uma presunção de que os de-putados eleitos atuaram sem estarem sujeitos às pressões do poder adminis-trativo e do dinheiro e que os debates da assembleia nacional constituinte foram abertos a todos em igualdade de condições, com os mesmos espaços para deliberações, reuniões e acessos. Este debate fruto do processo comu-nicativo de formação da Constituição é que é a regra quanto à forma de se ler e interpretar a Constituição. E mesmo nos casos em que a Constituição autoriza a ação estratégica/instrumental (meios/fins), a forma, nestes casos, de interpretação dessas situações devem ter por conta o processo de for-mação da Constituição, aquele comunicativo. Se fazem parte do processo comunicativo as ações de coordenação e de entendimento, ainda que se tenha uma situação em que haja sujeição (como, por exemplo, a relação de emprego), a forma que deve ser lida, interpretada e aplicada esta relação é com base no entendimento, inclusão do outro e democracia, comunicativa, portanto. Isso, aliás, está escrito nos arts. 1º, III e IV16, 3º, I, III e IV17, e 4º, II18, sem falar do preâmbulo, sem função vinculante conforme o STF, que assegura os direitos sociais, a igualdade e a justiça como valores supremos19.

15 Os direitos sociais dos trabalhadores foram pensados sob a lógica da contratação direta (relação empregado--empregador). Isso porque esta era a regra na época. Não se tinha como parâmetro, salvo exceções, os contratos triangulares de emprego/trabalho, como, por exemplo, a terceirização. É por isso que alterar, por via legislativa, este “binômio” empregado-empregador é alterar, por via transversa, a Constituição Federal. Note--se que a mutação constitucional, que bem poderia ser invocada aqui, limita-se à própria Constituição, no caso da parte trabalhista, ao que consta do art. 7º, caput, melhoria da condição social dos trabalhadores.

16 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; [...] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...].”

17 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

18 “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

[...]

II – prevalência dos direitos humanos; [...].”19 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um

Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

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Se a terceirização, no mundo fático, cria dois tipos de empregados dentro do mesmo campo de trabalho e se permite a dupla exploração da “mais-valia”, dupla subordinação, dupla alienação e dupla sujeição, é ela, então, inconstitucional.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

A Coibição da Intermediação de Mão de Obra pela Nova Lei da Terceirização

RICARDO SOuZA CALCInIBacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde obteve o título de Es-pecialista em Direito Social, Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, Assessor de Desembargador no Tribunal Regional de São Paulo da 2ª Região, Professor, Palestrante, Articulista e Comentarista de Direito do Trabalho, Colunista do site Mega Jurídico, do Jornal Jurid e da FocoFiscal Gestão Educacional, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC), do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), da Academia Brasileira de Direito do Estado (ABDET) e do Instituto Brasiliense de Direito Aplicado (IDA).

O Projeto de Lei (PL) nº 4.330/2004, de autoria do Deputado Federal Sandro Mabel, foi aprovado na Câmara dos Deputados e, atualmente, segue seu trâmite perante o Senado Federal, com atual denominação de Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 30/2015.

Importante notar que nem todas as questões trazidas originalmente pelo PL 4.330/2004 foram mantidas no PLC 30/2015. Outras, porém, foram acrescidas ao longo dos últimos dez anos de discussão envolvendo o tema, em especial aquelas surgidas em audiências públicas. No caso, uma dessas inovações, a exemplo da estipulação da responsabilidade solidária pelos créditos trabalhistas devidos aos terceirizados, deu-se com a inclusão do § 3º ao art. 4º, o qual, até o presente momento, tem a seguinte redação:

Art. 4º É lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante que obedeça aos requisitos previstos nesta Lei, não se configurando vínculo de emprego entre a contratante e os empregados da contratada, exceto se verificados os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

[...]

§ 3º É vedada a intermediação de mão de obra, salvo as exceções previstas em legislação específica. (destacou-se)

Logo, se aprovado o PLC 30/2015 e mantida a redação do § 3º do art. 4º, não será permitido o uso da terceirização como instrumento de in-

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termediação de mão de obra, exceto nas hipóteses previstas em legislação específica. Isso significa dizer que, segundo a futura lei de terceirização, a modalidade de contratação de serviços determinados e específicos, como nos casos, por exemplo, das atividades de call center, não se confunde (mui-to menos viabiliza e/ou fomenta) com a intermediação da mão de obra.

É de se destacar que a ideia principal do legislador é, em síntese, evitar o mero fornecimento de mão de obra por empresa interposta. Para tal finalidade, e também a título exemplificativo, o ordenamento jurídico dispõe sobre os “serviços de vigilância e de transporte de valores”, discipli-nados na Lei nº 7.102/1983. Desta forma, a finalidade primordial do PLC 30/2015 é aperfeiçoar a prestação de serviços por empresas terceirizadas que efetivamente possuam qualificação técnica para a sua execução, além de capacidade econômica compatível com o objeto do contrato.

Nesse sentido, se a terceirização de serviços for utilizada com o pro-pósito apenas de ofertar mão de obra, restará caracterizada a prática de ato com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, art. 9º). Nesse contex-to, será imperativo o reconhecimento de vínculo empregatício entre a con-tratante dos serviços terceirizados e os empregados da contratada, afinal, a força de trabalho deve ser vista como meio de colaboração, livre e eficaz, na produção de riquezas, e não considerada como simples “artigo ou mer-cadoria de comércio”, conforme dispõe o Tratado de Versalhes, de 1919.

Essa é a razão pela qual o labor na modalidade de contrato tempo-rário (Lei nº 6.019/1974), que se traduz em mais um exemplo de legislação específica autorizadora da intermediação de mão de obra, não será objeto de revogação pelo atual PLC 30/2015, embora isso tivesse constado do tex-to inicial do PL 4.330/2004.

De resto, a terceirização passará a ser definida, nos termos do inciso I do art. 2º do PLC 30/2015, como a “transferência feita pela contratante da execução de parcela de qualquer de suas atividades à contratada para que esta a realize na forma prevista nesta lei”. Conclui-se, daí, que será solucio-nada a controvérsia então existente no âmbito da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, por meio do seu Verbete Sumular nº 331, faz expressa alusão à atividade-fim e à atividade-meio e diferenciação entre estas, para justificar a ilicitude ou não da terceirização e, consequentemen-te, impor responsabilidade à empresa contratante pelos débitos trabalhistas devidos e inadimplidos pela empresa terceirizada.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

As Novidades do PPE: desde a MP 680 até a Recente Lei nº 13�189/2015

RICARDO SOuZA CALCInIBacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde obteve o título de Es-pecialista em Direito Social, Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, Assessor de Desembargador no Tribunal Regional de São Paulo da 2ª Região, Professor, Palestrante, Articulista e Comentarista de Direito do Trabalho, Colunista do site Mega Jurídico, do Jornal Jurid e da FocoFiscal Gestão Educacional, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC), do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), da Academia Brasileira de Direito do Estado (ABDET) e do Instituto Brasiliense de Direito Aplicado (IDA).

O Programa de Proteção ao Emprego (PPE), instituído originalmente pela Medida Provisória (MP) nº 680, de 6 de julho de 2015, recentemente foi objeto de nova normatização pelo ordenamento jurídico pátrio, traduzi-da pela Lei nº 13.189, de 19 de novembro de 2015. E aqui fica o primeiro destaque desta importantíssima lei ordinária, pois essa não é resultado da conversão daquela, tanto que permanecem regidas pela MP 680/2015 as adesões ao PPE já aprovadas pelo Governo Federal.

À época da edição da citada MP, a maior justificativa trazida pela Presidente da República residia no argumento de ser necessária a preser-vação dos empregos formais considerados indispensáveis à retomada do crescimento econômico brasileiro. Passados alguns meses, o que se eviden-ciou, em verdade, foi uma piora significativa do cenário econômico. Assim, a “crise brasileira” ganhou proporções ainda maiores em razão da eleva-ção da taxa de juros e do expressivo aumento da inflação, o que repercute diretamente na desaceleração da atividade empresarial, propiciando mais desemprego e acentuada defasagem do poder de compra dos trabalhadores ativos.

Diante deste cenário, a novel Lei nº 13.189/2015 – que, frise-se, já nasce com prazo temporário de vigência, porquanto o PPE será extinto em 31 de dezembro de 2017 – terá como principal finalidade combater os efei-tos da crise econômica na vigência do atual mandato da Presidente Dilma Rousseff. Espera-se que o programa atenda milhões de trabalhadores, com a preservação de milhares de postos de trabalho, como ocorreu na Alemanha,

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país de origem do modelo conhecido pela expressão “kurzarbeit”, que, em literal interpretação, significa “trabalho curto”.

Se comparada com a proposta originária trazida pela MP 680/2015, é certo que a Lei nº 13.189/2015 manteve os mesmos objetivos que justi-ficaram a criação do Programa de Proteção ao Emprego, quais sejam: (i) possibilitar a preservação dos empregos em momentos de retração da ati-vidade econômica; (ii) favorecer a recuperação econômico-financeira das empresas; (iii) sustentar a demanda agregada durante momentos de adversi-dade, para facilitar a recuperação da economia; (iv) estimular a produtivida-de do trabalho por meio do aumento da duração do vínculo empregatício; e (v) fomentar a negociação coletiva e aperfeiçoar as relações de emprego.

No entanto, novas diretrizes legais foram trazidas pela mencionada lei ordinária, entre as quais se destacam o prazo máximo de 24 meses, res-peitada a data de extinção do programa (31.12.2017), a prioridade de ade-são às empresas que demonstrem cumprir com a cota de pessoas com de-ficiência, a garantia de emprego aos trabalhadores afetados pelo programa e o tratamento diferenciado que passou a ser conferido às microempresas e empresas de pequeno porte.

Além disso, impende mencionar que a Lei nº 13.189/2015 buscou estabelecer um maior diálogo entre sindicatos e empresas, que, doravan-te, passam a lhes fornecer suas informações econômico-financeiras, como também devem demonstrar, para aderir ao programa, que foram esgotados os bancos de horas, até porque é vedada a prestação de horas extras pelos empregados abrangidos pelo PPE.

No mais, como dito inicialmente, as adesões já feitas pelas empresas ao programa continuam a ser regidas pela MP 680/2015, em especial pelo Decreto nº 8.479/2015, que a regulamenta, como também pela Portaria nº 1.013/2015 do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Resolução nº 2/2015 do Comitê do Programa de Proteção ao Emprego (CPPE). A propósito, interessante notar que a maior parte da redação dada ao texto da Lei nº 13.189/2015 é resultante justamente da incorporação de artigos dessas regulamentações ora citadas.

Destarte, reitera-se, a novel legislação aplica-se às futuras adesões ao PPE, o que representa dizer que as novas solicitações e/ou as prorrogações em tramitação passam a ser reguladas pela Lei nº 13.189/2015. No entan-to, faculta-se às empresas que já aderiram ao programa a possibilidade de prorrogar os prazos já em curso, além de adotar as novas condições trazidas

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pelo novo regramento legal, desde que o façam mediante termo aditivo ao Acordo Coletivo de Trabalho Específico (ACTE).

E por falar no ACTE para adesão ao PPE, este continua a ser exigido entre a empresa e o sindicato dos trabalhadores. Assim, para a redução de até 30% da jornada de trabalho e do salário, o ACTE deverá ser aprovado em assembleia dos trabalhadores abrangidos pelo programa, com a identi-ficação e o número total de empregados afetados, os estabelecimentos e/ou setores específicos da empresa que serão abrangidos pelo programa, além da constituição de comissão paritária (representantes dos empregados e do empregador) para acompanhar e fiscalizar o cumprimento do ACTE e do PPE. O acordo coletivo, porém, não disporá sobre outras condições de tra-balho, senão as referentes à redução da jornada de trabalho e dos salários.

Ainda, passa a ser permitida a celebração do chamado Acordo Cole-tivo Múltiplo de Trabalho Específico (ACMTE) a grupo de microempresas e empresas de pequeno porte, desde que partícipes do mesmo setor econô-mico. A comissão paritária, neste caso, será composta por representantes do empregador e do sindicato de trabalhadores que celebrar o referido acordo coletivo múltiplo, ressaltando-se que cada microempresa ou empresa de pequeno porte deverá, individualmente, demonstrar o cumprimento dos re-quisitos legais para a adesão ao PPE.

O período mínimo de duração do programa não mudou, qual seja, 6 meses, prorrogáveis por outros iguais períodos de 6 meses, desde que o total das prorrogações não ultrapasse o prazo máximo de 24 meses. Em contra-partida, a garantia de emprego conferida aos trabalhadores deve ser equiva-lente, pelo menos, ao período de redução da jornada acrescido de um terço.

De mais a mais, as empresas que se encontrem em situação de difi-culdade econômico-financeira poderão aderir ao PPE até a data limite de 31.12.2016, e não mais até o final do ano de 2015. Neste viés se enqua-dram os empreendimentos cujo Indicador Líquido de Emprego (ILE) seja igual ou inferior a 1%, critério matemático relacionado à situação de fragili-dade econômica de toda e qualquer empresa, independentemente do setor em que atua.

No caso, relembre-se que o ILE é um percentual que representa a diferença acumulada entre o número de admissões e demissões realizadas nos últimos 12 meses divida pelo número de empregados no mês anterior ao da solicitação de adesão ao PPE. Esses dados deverão estar devidamente registrados no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

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Continua a ser necessário que a empresa tenha registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) há pelo menos 2 anos e comprove suas regularidades fiscal, previdenciária e a relativa aos depósitos do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS). Isso se dá por meio da apresenta-ção da Certidão de Débitos Relativos a Créditos Tributários Federais e à Dí-vida Ativa da União e do Certificado de Regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (CRF/FGTS). Ressalte-se que tais regularidades, porém, devem ser observadas ao longo da vigência de todo o período de adesão ao PPE, como condição para permanência no programa.

Os empregados afetados permanecem recebendo do Fundo de Am-paro ao Trabalhador (FAT) uma compensação pecuniária equivalente a 50% do valor da redução salarial, limitada a 65% do valor máximo da parcela do seguro-desemprego. Em nenhuma hipótese o salário pago pelo empregador será inferior ao salário-mínimo, em conformidade com o inciso IV do art. 7º da Constituição Federal.

Ademais, o programa mantém a limitação ao poder potestativo de dispensa do empregador, ao proibir, na vigência do PPE, dispensas arbitrá-rias ou sem justa causa dos empregados atingidos – e, após o seu término, pelo prazo equivalente a um terço do período de adesão. De igual forma, não será permitida a contratação de empregados para executar, total ou parcialmente, as mesmas atividades exercidas pelos trabalhadores afetados, salvo nos casos excepcionais de reposição da mão de obra, além da hipóte-se em que houver o aproveitamento do trabalhador concluinte da aprendi-zagem, nos termos do art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde que os novos empregados também estejam abrangidos pela adesão.

Importante consignar que, pela MP 680/2015, exigia-se que o perío-do de férias coletivas fosse usufruído (CLT, arts. 129 e seguintes), o que não se reproduziu na Lei nº 13.189/2015. Ficou mantida, no entanto, a obriga-toriedade de se esgotar o banco de horas (CLT, art. 59, § 2º) em favor dos empregados atingidos pelo PPE.

Mais um relevante dado de destaque trazido pela lei é a possibilidade, a qualquer momento, de denúncia ao Programa de Proteção ao Emprego. Para tanto, deverá a empresa comunicar o ato ao sindicato que celebrou o Acordo Coletivo de Trabalho Específico, aos trabalhadores envolvidos pelo programa e ao Poder Executivo, tudo com antecedência mínima de 30 dias, além de indicar as razões da denúncia e a superação da situação de dificul-dade econômico-financeira.

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Efetivada a denúncia, e após o decurso de novo prazo de 30 dias, a empresa terá o direito de exigir de seus empregados o integral cumprimento da jornada de trabalho. No entanto, caso queira aderir novamente ao PPE, em vista de superveniente situação de dificuldade econômico-financeira, terá de ser respeitado agora um lapso de 6 meses do ato da denúncia an-terior. Registre-se que tal situação em nada altera a garantia provisória de emprego dos trabalhadores, que deve ser mantida nos termos da adesão original ao PPE e seus acréscimos.

Sobreleva assinalar que a Lei nº 13.189/2015 enfatiza que toda e qualquer empresa poderá ser excluída do PPE, sendo inclusive impedida de aderir novamente ao programa, caso descumpra os termos do ACTE, os pró-prios preceitos da lei do programa e suas regulamentações, ou, ainda, venha a cometer eventual fraude no âmbito do PPE. A novidade fica por conta de condenação judicial transitada em julgado ou atuação administrativa após decisão final em processo administrativo por prática de trabalho análogo ao de escravo, trabalho infantil ou degradante, fatos estes que também passam a representar a exclusão da empresa ao PPE, ou mesmo impor vedação a eventual nova adesão aos seus termos.

Além disso, em todas as situações anteriormente mencionadas, a em-presa ficará obrigada a restituir ao FAT os recursos recebidos, além de pagar multa administrativa correspondente a 100% do aludido valor, que será cal-culada, inclusive em dobro, se configurado o ato fraudulento. Frise-se, po-rém, que o ato de denúncia não constitui hipótese legal de descumprimento do ACTE, não evidenciando justificativa para a exclusão e/ou impedimento à nova adesão da empresa ao programa.

De resto, destaca-se que a fabricante de assentos de carro “Grammer do Brasil” foi a primeira empresa a aderir ao PPE. No mesmo sentido, tam-bém já aderiram ao programa empresas como Volkswagen, Mercedes-Benz, Rassini NHK, Caterpillar, Pricol, KLL, Fundição Batatais, Trefilação União de Metais, Dalpino, Parks, Verdés, Sergipe Industrial Têxtil e Fernandez Mera (Notícia, Economia UOL, 27.10.2015).

À guisa de conclusão, diga-se ficou mantida a regra de que os en-cargos previdenciários e aqueles relativos ao FGTS, durante o período de adesão ao PPE, devem incidir sobre a compensação pecuniária paga pelo FAT. Tanto que o art. 9º da Lei nº 13.189/2015, que trata justamente da compensação pecuniária, faz expressa menção aos arts. 22, I, e 28, § 8º, da Lei nº 8.212/1991 e ao art. 15 da Lei nº 8.036/1990.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Da Terceirização da Relação de Trabalho*

The Outsourcing of the Relationship of Work

ROCCO AnTOnIO RAngEL ROSSO nELSOnEspecialista em Ministério Público e Direito, Cidadania pela Escola Superior do Ministério Pú-blico do Rio Grande do Norte, Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar, Mestre em Direito Constitucional pela UFRN, Ex-Professor do Curso de Direito e de outros cursos do Centro Universitário Facex, Professor efetivo de Direito do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), campus João Câmara.

RESUMO: Em uma economia global, hiperconectada pela rede de computadores, com políticas ne-oliberais que propugna por uma flexibilização/desregulamentação do direito trabalhista, a temática da terceirização é matéria corrente. O objetivo do presente ensaio é exatamente aferir a dimensão jurídica sobre a terceirização, no Brasil, cotejando os limites constitucionais autorizantes da Carta de 1988, em face do pleito do “mercado” pelo uso da terceirização sem barreiras. Nesse estudo, será trazida à baila a proposta do Projeto de Lei nº 4.330/2004, que oferta uma nova modelagem jurídica à questão da terceirização e sua compatibilidade com o plexo de direitos fundamentais sociais. A pesquisa em tela, fazendo uso de uma metodologia de análise qualitativa, usando-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, tem por linha de fundo analisar o tema da terceirização da relação de trabalho e sua adequação aos vetores axiológicos sociais escul-pidos na Constituição Federal.

PALAVRAS-CHAVE: Relação de trabalho; Projeto de Lei nº 4.330/2004; terceirização; direitos sociais; mínimo existential.

ABSTRACT: In a global economy, the hyper-computer network, with neoliberal politics that advoca-tes for greater flexibility/deregulation of labor law, the issue of outsourcing is a matter stream. The purpose of this paper is exactly measure the legal dimension of outsourcing in Brazil, comparing the autorizantes constitutional limits of the 1988 Charter, given the election of the “market” for the use of outsourcing without barriers. In this study will be brought up the Proposed Bill nº 4.330/2004 that offer a new legal modeling the issue of outsourcing and its compatibility with the plexus of fundamental social rights. This research, using a qualitative analysis methodology, using the methods of hypothetical-deductive approach of descriptive and analytical character, has as bottom line exa-mining the topic of outsourcing the employment relationship and proportionality with the axiological vectors social carved in the Federal Constitution.

KEYWORD: Working relationship; Project of Law nº 4.330/2004; outsourcing; social rights; existential minimum.

* Artigo de investigação elaborado de estudo desenvolvido na linha de pesquisa “Democracia, Cidadania e Direitos Fundamentais”, inscrito no Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Brasil.

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SUMÁRIO: Das considerações iniciais; 1 Contextualização da terceirização no Brasil; 1.1 Primeiro momento: significado da relação de emprego; 1.2 Da proibição da terceirização; 1.3 Do processo de mitigação da terceirização; 1.4 A terceirização, hoje, no Brasil – Uma construção jurisprudencial; 2 Do Projeto de Lei nº 4.330/2004; 3 Da terceirização e sua avaliação no âmbito do Superior Tribunal Federal; 4 Do direito do trabalho na ótica da teoria dos sistemas; 4.1 Algumas concisas ponderações; 4.2 Do plexo normativo trabalhista como promotor da dignidade da pessoa humana; Considerações finais; Referências.

daS coNSIderaçÕeS INIcIaIS

Desenvolve-se a discussão, que já atravessa décadas1, que veio a to-mar novo fôlego com a crise financeira do subprime, nos Estados Unidos, em 20082, da imperiosa necessidade de reforma na legislação trabalhista,

1 Podemos falar que esse debate, no Brasil, começa a se desenvolver, fortemente, a partir das décadas de 1980 e 1990. “No Brasil, o fenômeno da terceirização encontrou espaço considerável para a sua inserção. Contando com o apoio da frágil legislação trabalhista brasileira, a terceirização adentrou as áreas industriais, passando nas décadas seguintes (1980/1990) a se expandir por outras áreas do mundo do trabalho brasileiro” (OLIVEIRA, Fernanda Sousa. Terceirização e flexibilização das normas trabalhistas. Prolegómenos. Derechos y Valores, Bogotá, v. XVI, n. 31, enero/junio 2013, p. 189-201. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=87628085011>. Acesso em: 8 jan. 2015, p. 196).

2 “Alguns fatores foram inéditos e específicos. E é esse o caso, por exemplo, do crescimento descontrolado de derivativos, da multiplicação de operações não padronizadas fora de mercados regulados, das arbitragens com taxas de juros e taxas de câmbio, da opacidade de novos tipos de operações e de fundos de investimento, dos níveis elevados e não controlados de alavancagem, dos conflitos de interesses de agências de classificação de risco, das políticas de remuneração que incentivam os executivos financeiros a uma excessiva exposição de risco e da coexistência de operações entre um conjunto de instituições regulamentadas e outras instituições em mercados com pouca ou sem nenhuma regulamentação. Foi a conjugação desses fatores que levou prejuízos iniciais estimados entre US$ 300 e US$ 400 bilhões no mercado americano de hipotecas subprime a se converterem numa perda de ativos originados em crédito do sistema financeiro dos Estados Unidos que, pelas estimativas, teria ultrapassado US$ 2,2 trilhões.

[...]

Combinando, assim, fatores novos e antigos, que puseram em xeque modos tradicionais de formulação e implementação de política econômica, solaparam os esquemas de crescimento até então prevalecentes e revelaram as crescentes dificuldades enfrentadas pelas autoridades governamentais para neutralizar o chamado ‘risco sistêmico’, a crise de 2008 evidenciou o déficit de informação das autoridades nacionais sobre a situação de liquidez global dos bancos. Entreabriu a falta de transparência do setor. E atingiu todos os mercados – do monetário ao de crédito, das bolsas de valores e de mercadorias às operações com opções de compra, contratos futuros e swaps. A crise não se circunscreveu apenas a bancos comerciais, a bancos de investimento, a caixas de depósitos. Ela também envolveu instituições não financeiras, como é o caso de seguradoras, de grandes empresas do setor de construção civil e até mesmo de companhias industriais e comerciais. Na busca de valorização dos ganhos financeiros decorrentes de operações cada vez mais complexas, elas assinaram contratos de derivativos cambiais vendendo dólares em valor equivalente a anos de exportação – com a depreciação cambial entre 2007 e 2008, contudo, os prejuízos foram tão vultosos que elas ficaram insolventes, perderam parte expressiva de seu patrimônio e tiveram de ser vendidas, incorporadas ou absorvidas.

Em vez de terem se expandido para financiar a produção e o comércio, desenvolvendo sistemas e mecanismos de gestão de riscos que os habilitassem a financiar as inovações do setor real da economia, os mercados monetário e de crédito e as bolsas de valores cresceram em sentido inverso, com base em títulos negociados por investidores financeiros – como fundos de pensão, fundos de cobertura (hedge) e fundos mútuos. Nesse ambiente, bancos e instituições financeiras não bancárias passaram a operar com crescente tolerância a risco, buscando retornos cada vez mais elevados. Com isso, multiplicaram-se as operações especulativas e de curto prazo, em detrimento de investimentos produtivos de médio e longo prazo, o que resultou numa riqueza financeira progressivamente desconectada da riqueza real e num regime de acumulação caracterizado

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principalmente no que tange à figura da Consolidação das Leis do Traba-lho, que, juntamente com o plexo de direitos fundamentais sociais previsto na Constituição Federal de 1988, tornam a figura do empregado um custo altíssimo de empresa, o que limita a possibilidade do agente econômico de se adaptar às crises3, bem como fazer frente a uma concorrência, o qual não se limita mais ao ambiente de mercado local4 ou mesmo nacional, mas sim global5. “[...] essa renovação tecnológica intensa eliminava as antes imper-meáveis barreiras do espaço e do tempo, extremando a competição capita-lista no plano das diversas regiões do globo”6.

Além das instabilidades econômicas e do fator concorrência, citado supra, somam-se ao desenvolvimento tecnológico (robotização, microele-trônica, microinformática, hiperconectividade gerada pela Internet7, etc.)

pela ausência de uma regulação firme e eficiente. Nesse contexto, a expansão do crédito bancário hipotecário acabou gerando um círculo vicioso, que levou à formação das chamadas ‘bolhas de ativos’. À medida que a demanda por residências aumentou, o preço dos imóveis se elevou, fomentando com isso maior disponibilidade de crédito. E, quanto maior o crédito, maior a demanda, produzindo desse modo uma oferta ainda mais vigorosa de financiamentos. A confiança de que esse processo se manteria por longo tempo criou a sensação de que a aquisição de ativos financiado por crédito abundante seria uma operação bastante rentável, o que levou à sua difusão no mercado.” (FARIA, José Eduardo. O Estado e o direito depois da crise. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21-23)

3 Cf. CASSAR, Vólia Bomfim. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexi-bilização das normas trabalhistas. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 40.

4 “‘As pessoas dispõem agora não apenas de seu próprio sistema de acesso às informações para entender melhor o que está ocorrendo em seus países ou fora dele, não apenas para discuti-las entre si, mas também do mecanismo de comando e controle para se organizar e tomar uma providência’, acrescenta Mundie. ‘No passado, somente governos e exércitos dispunham desses tipos de sistemas de comando e controle. Agora as pessoas dispõem. E quanto mais essas ferramentas penetram em grandes volumes, mais cai o preço de sua produção e uso, e então mais elas penetram e mais longe se difundem. E, quanto mais se difundem, mais impossível se torna controlar qualquer coisa do centro’. Mais impossível se torna também manter qualquer coisa no nível ‘local’. Tudo agora flui instantaneamente dos cantos mais remotos de qualquer país para essa plataforma global onde tudo é compartilhado.” (FRIEDMAN, L. Thomas; MANDELBAUM, Michael. Éramos nós – A crise americana e como resolvê-la. Tradução Ivo Korytovski. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 80)

5 “É comum ocorrerem crises, em princípio localizadas, ou restritas à esfera interna de certos países, mas que acabam alcançando outras regiões, todo o território nacional, e mesmo outros Estados nacionais, em curto espaço de tempo.” (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho e reforma trabalhista: o debate sobre a desregulamentação e a flexibilização. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 150, p. 51-57, mar./abr. 2013. p. 52)

6 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso do direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 99.7 “Se a Terra Plana 1.0 girava em torno de produzir mercadorias e serviços nessa nova plataforma global, a

Terra Plana 2.0 gira em torno de tudo isso – mas também de gerar e compartilhar ideias nessa plataforma. Como Craig Mundie, superintendente de Estratégia e Pesquisa da Microsoft, nos disse que o PC, a Internet e os mecanismos de busca fizeram para as páginas da web ‘foi permitir que qualquer pessoa com conectividade achasse qualquer coisa que lhe interessasse’, e o que o PC, o smartphone, a Internet e o Facebook estão fazendo ‘é permitir que qualquer um ache qualquer pessoa’ que lhe interesse – ou ao menos qualquer dos 500 milhões de pessoas que já usam as redes sociais. Elas podem encontrar qualquer um que compartilhe seu interesse especial em tricô, culinária etíope, os New York Yankees, crianças com síndrome de Down, pesquisas sobre câncer, lançar uma jihad contra os Estados Unidos ou derrubar o governo do Egito, da Tunísia ou da Síria.

Quando tantas pessoas conseguem encontrar qualquer coisa ou pessoa mais facilmente que nunca, e podem permanecer em contato mais facilmente que nunca para colaborar na produção de mercadorias, enciclopédias ou revoluções, você está na Terra Plana 2.0 – um mundo hiperconectado. E isso tem implicações profundas.” (FRIEDMAN, L. Thomas; MANDELBAUM, Michael. Op. cit. p. 80)

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novas formas de organização de produção e o desafio de combater o de-semprego/subemprego8, entre outros fatores9, vindo à tona o debate sobre a necessidade de flexibilização das relações de trabalho10.

Assim lapida a Professora Alice Monteiro de Barros:

[...] Muitos sustentavam que a predominância de normas imperativas nos institutos jurídicos era o fato gerador da crise das empresas, uma vez que lhes retirava as possibilidades de adaptarem-se a um mercado turbulento. Afir-mavam que a rigidez daí advinda impedia a competitividade das economias europeias e o aproveitamento das oportunidades de inovação tecnológica [...].11

Um dos desdobramentos lógicos da pauta de flexibilização das re-lações de trabalho é a possibilidade de terceirização12 da mão de obra de forma indiscriminada, ou seja, evitar o vínculo empregatício (o que redu-ziria sensivelmente os custos sociais), usando terceiros interpostos para a prestação tanto das atividades-meio como das atividades-fins desenvolvidas pela empresa.

A questão da terceirização, especificamente, ganha um noval contor-no, em 2015, em decorrência da severa crise econômica e política pela qual o Brasil vem passando, fruto de uma gestão da política macroeconômica temerária, em que o cenário fora maquiado com fitos eleitorais, empurran-do o Brasil para os horrores da alta da inflação, para um sistema cambiário desgovernado, em que se observam o aumento do desemprego, a queda do consumo, o déficit na contas públicas, a elevada dos juros, o que acarretou, até mesmo, a perda de grau de investimento do Brasil pela agência Standard & Poor’s (S&P).

Nesse cenário de crise, em que não se vislumbra uma melhora a curto prazo, a terceirização seria uma das formas que o empresariado teria para

8 Cf. SCABIN, Roseli Fernandes. O direito do trabalho como limitador do poder econômico. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Coord.). CLT 70 anos de consolidação: uma reflexão social, econômica e jurídica. São Paulo: Atlas, 2013. p. 31.

9 Cf. CASSAR, Vólia Bomfim. Op. cit., p. 42.10 Cf. BARROS, Alice Monteiro de. Curso do direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 68.11 Idem, ibidem.12 “Os direitos sociais trabalhistas sofreram forte impacto com a globalização e modificação do processo

produtivo, haja vista a alteração das estruturas sociais e econômicas que daí decorreram. A terceirização se apresenta como um fenômeno integrante do movimento de flexibilização das relações de trabalho, e não tem, ainda, no Brasil, regulamentação legal, por meio da qual sejam estabelecidos ou assegurados os direitos dos trabalhadores, que são em número cada vez maior nela envolvidos.” (CASTRO, Maria do Perpétuo Socorro W. de. Terceirização – Uma expressão do direito flexível do trabalho na sociedade contemporânea. São Paulo: LTr, 2014. p. 127)

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diminuir suas despesas, diminuindo os custos sociais, fragilizando a situa-ção jurídica do trabalhador em favor do capital13.

A partir dessa realidade, galgada pelo dinamismo econômico, vê-se no direito do trabalho um empecilho à expansão do capital14 e à livre orga-nização do mercado15, que se encontra cada vez mais globalizado e interco-nectado entre si16. De tal sorte, propaga-se um discurso fervoroso de que a Consolidação das Leis do Trabalho está fora do seu tempo, não sendo mais um uma fonte normativa, a contento17, aos anseios desse mercado hiperco-nectado.

É nesses termos que é composto parte de justificativa do Projeto de Lei nº 4.330/2004:

No Brasil, a legislação foi verdadeiramente atropelada pela realidade. Ao tentar, de maneira míope, proteger os trabalhadores simplesmente ignorando

13 “A escassez de capital após o estouro das ponto-com levou as companhias de capital de risco a verificar, com redobrado cuidado, se as empresas em que investiam estavam utilizando os meios mais eficientes, de maior qualidade e menor preço para inovar. No apogeu da bolha, diz Haque, não era raro que um investimento de 50 milhões de dólares numa empresa iniciante desse, por ocasião da abertura de seu capital, um retorno de 500 milhões. Depois do estouro, a oferta pública dessa mesma empresa provavelmente chegaria a meros 100 milhões – de modo que os investidores de risco só se dispunham a fornecer 20 milhões para acompanhar os primeiros passos da empresa, até a oferta pública inicial.

‘‘Para o capital de risco, a grande questão passou a ser como fazer as empresas em que investiam atingirem logo o ponto de equilíbrio ou darem lucro, para que parassem de drenar seu capital e pudessem ser vendidas com um bom retorno e liquidez’, salienta Haque. A solução encontrada por muitos desses investidores foi começar a terceirizar o maior número possível de funções desde o princípio. Como era preciso obter retorno o mais rápido possível, tudo o que fosse possível terceirizar seria terceirizado.” (FRIEDMAN, L. Thomas. O mundo é plano – Uma breve história do século XXI. Tradução Cristian Serra S. Duarte. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. p. 133)

14 “A flexibilização tem sido voltada para o capital, para o aumento da produção. Visa a maximizar lucros em decorrência da internacionalização das economias.” (MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 07)

15 “Na verdade, a globalização que nos é oferecida não vem acompanhada de um comportamento liberal ou neoliberal dos países centrais, já que impõem barreiras monetárias e alfandegárias. A alta proteção trabalhista e a visão do bem-estar social praticados na era da administração econômica nacional ocasionam sociedades ocidentais não competitivas em relação às economias industrializadas e, por isso, alguns defendem que tais direitos devem ser drasticamente reduzidos, diminuindo os gastos, possibilitando melhor competitividade no mercado.” (CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho..., cit. p. 26)

16 “Com o aumento da competição no mundo cada vez mais globalizado as empresas tendem a se concentrar na sua atividade-fim, delegando as atividades-meio para parceiros estratégicos ou meros fornecedores de serviços, dependendo da importância da atividade para os resultados da organização. Este processo de desverticalização ou terceirização exige uma análise de cada situação específica e a adequada decisão quanto à sua execução ou não.” (OLIVEIRA, Fernanda Sousa. Terceirização e flexibilização das normas trabalhistas. Prolegómenos. Derechos y Valores, Bogotá, v. XVI, n. 31, enero/junio, 2013. p. 189-201. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=87628085011>. Acesso em: 8 jan. 2015, p. 195)

17 “A legislação trabalhista brasileira pode ser comparada a urna máquina ultrapassada, que foi criada para trabalhar, mas que parecia não ter nascido para semelhante fim. A CLT não tem mais a mesma finalidade que tinha quando de sua criação, necessitando ser revista. Urna das formas dessa revisão é verificar mecanismos de flexibilização, de forma a adaptar à realidade de fato à norma jurídica.” (MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 02)

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a terceirização, conseguiu apenas deixar mais vulneráveis os brasileiros que trabalham sob essa modalidade de contratação.18

Fazendo uso de uma metodologia de análise qualitativa e utilizando--se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, buscar-se-á fazer uma apreciação da construção normativa, no sistema jurídico brasileiro, sobre a terceirização e o desdobramento em re-lação à temática, em caso de aprovação do Projeto de Lei nº 4.330/2004, o qual se encontra em trâmite legislativo extremamente turbulento, já tendo sido aprovado na Câmara dos Deputados, no dia 22 de abril de 2015, e remetido ao Senado por meio do Ofício nº 140/2015.

1 coNteXtualIzação da terceIrIzação No braSIl

1.1 primeiro momento: signiFiCAdo dA relAção de emprego

Com o movimento refratário ao pensamento liberal do século XIX, o qual deu ensejo ao Estado Social de cunho intervencionista e à constituição dos direitos fundamentais de 2º dimensão com o fito de colocar o capital e o trabalho no mesmo patamar de igualdade, a relação de emprego passa a ter uma forte carga axiológica de viés protetivo.

Encerra-se a relação de emprego, nos ditames da CLT de 1943 e do arcabouço normativo constitucional da Constituição de 1934 e seguintes, em uma relação jurídica bilateral, entre empregador e empregado, de cará-ter contínuo, com a premissa de busca de maior integração do empregado à atividade empresarial, respaldado em um manto de direitos e garantias mínimas para a promoção da dignidade da pessoa humana do trabalhador.

Tem-se a transmutação da figura do trabalhador visto de forma pe-jorativa, como um ser que exercia uma atividade inferior, cuja relação era explicada como uma contração de locação (locatio operarum), nos termos civilista19, para uma realidade em que o trabalho torna-se sinônimo de ati-vidade dignificadora do homem, esculpido em uma matriz jurídica de con-tornos próprios (direito do trabalho), vindo o trabalhador a deixar de ser um objeto do direito e a galgar o status de sujeito de direito.

Em síntese, com a relação de emprego, erguido no seio do Welfare State, tem-se a construção de um instituto jurídico, o qual simboliza a pro-

18 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=246979>. Acesso em: 20 fev. 2015.

19 “Os processos de terceirização que estamos enfrentando talvez nada mais sejam do que o retorno a sistemas de locação de serviços e de empreitada do Direito Civil, embora sob outros rótulos, diante da necessidade de competitividade interna e externa e das crises econômicas que proliferam nos nossos tempos.” (MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização do trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 160)

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teção máxima ao trabalhador no contexto de economia capitalista, propor-cionando um processo de horizontalização dessa relação bilateral, sob os auspícios da normatividade do princípio da igualdade.

1.2 dA proibição dA terCeirizAção

É nesses termos da razão de ser da relação de emprego, descrita no tó-pico anterior, que, inicialmente, no Brasil, qualquer forma de terceirização era completamente vedada.

O telos do microssistema trabalhista sempre foi da perpetuação do vínculo trabalhista, tanto que, antes do advento da Lei nº 5.107/1966, que institucionalizou o FGTS como forma alternativa, tinha-se o regime de esta-bilidade decenal previsto no art. 492 da CLT20, em que o trabalhador com mais de 10 anos de serviço só poderia ser demitido em face de falta grave ou circunstância de força maior.

Na Constituição Federal de 1988, reconhece-se essa finalidade pro-tetiva na redação do art. 7º, I: “relação de emprego protegida contra des-pedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; [...]”.

Esse direito fundamental, promotor da proteção contra a despedida arbitrária, consectário do princípio da continuidade da relação de emprego, fora construído em um longo processo histórico, vindo a ser consolidado como diretriz constitucional desde da Constituição de 193421, compondo, ex-pressamente, como direito social nas Constituições seguintes (193722, 194623

20 CLT, art. 492: “O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas”.

21 Constituição Federal de 1934: “Art. 121. [...]

[...]

g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;

[...].”22 Constituição Federal de 1937: “Art. 137. [...]

[...]

f) nas empresas de trabalho contínuo, a cessação das relações de trabalho, a que o trabalhador não haja dado motivo, e quando a lei não lhe garanta, a estabilidade no emprego, cria-lhe o direito a uma indenização proporcional aos anos de serviço;

[...].”23 Constituição Federal de 1946: “Art. 157. [...]

[...]

XII – estabilidade, na empresa ou na exploração rural, e indenização ao trabalhador despedido, nos casos e nas condições que a lei estatuir;

[...].”

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e 1967)24, com a consagração na Constituição Cidadã, transformando-se em um direito irreversível no termos do chamado efeito cliquet dos direitos fundamentais25.

1.3 do proCesso de mitigAção dA terCeirizAção

A ruptura com a vedação absoluta à terceirização, permitindo a triangularização da relação empregatícia, deu-se por meio de duas edi-ções legislativas, as quais regulamentaram situações especialíssimas: a Lei nº 6.019/1974 (dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas) e a Lei nº 7.102/1983 (dispõe sobre segurança para estabelecimentos finan-ceiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores).

Com a Lei nº 6.019/1974, buscou-se atender à demanda do empre-sariado quando da necessidade transitória de substituição de mão de obra (v.g., um funcionário de férias, de licença-maternidade, afastado face aci-dente de trabalho, etc.) ou quando do acréscimo de serviços extraordinários (v.g., época natalina, carnaval, etc.)26.

Ter-se-ia uma relação contratual em que a empresa tomadora do ser-viço (cliente) firmaria um contrato escrito com a empresa de trabalho tem-porário, a qual forneceria um trabalhador, vindo este a prestar um serviço para o cliente pelo prazo máximo de 3 meses27.

Já a Lei nº 7.102/1983 vem permitir que a vigilância ostensiva e o transporte de valores de estabelecimentos financeiros sejam executados por

24 Constituição Federal de 1967: “Art. 158. [...]

XIII – estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido, ou fundo de garantia equivalente;

[...].”25 “É esse movimento histórico de ampliação e aprofundamento que justifica o princípio da irreversibilidade

dos direitos já declarados oficialmente, isto é, do conjunto dos direitos fundamentais em vigor. Dado que eles se impõem, pela sua própria natureza, não só aos Poderes Públicos constituídos em cada Estado, como a todos os Estados no plano internacional, e até mesmo ao próprio Poder Constituinte, à Organização das Nações Unidas e a todas as organizações regionais de Estados, é juridicamente inválido suprimir direitos fundamentais, por via de novas regras constitucionais ou convenções internacionais.” (COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 79)

26 Lei nº 6.019/1974: “Art. 2º Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços”.

27 Lei nº 6.019/1974: “Art. 10. O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo empregado, não poderá exceder de três meses, salvo autorização conferida pelo órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, segundo instruções a serem baixadas pelo Departamento Nacional de Mão-de-Obra”.

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empresa especializada contratada28. Tem-se a primeira modalidade de ter-ceirização, no Brasil, na qual se autoriza uma prestação intermitente.

Não se ignora o grande marco que foi o Decreto-Lei nº 200/1967, que veio reestruturar a Administração Pública Federal, quando do Regime Militar, vindo a permitir a terceirização na esfera pública, a qual passa a ser regida pelo princípio da descentralização29.

Tal descentralização seria executada, entre os planos principais, “da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões”30. A ideia era desincumbir a Administração Pública Federal de atividades executivas, transferindo-as para a órbita privada, de forma a desburocratizar a máquina estatal, acelerando as tomadas de decisão e reduzindo os custos, na busca da concretização dos ditames do princípio da eficiência:

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesu-rado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encar-gos de execução.

Com a Lei nº 5.645/1970, a qual veio por determinar as diretrizes de classificação de cargos do serviço civil da União e das Autarquias Federais, em seu art. 3º, parágrafo único, especificou que as atividades em âmbito da Administração Pública Federal poderiam ser terceirizadas:

28 Lei nº 7.102/1983: “Art. 3º A vigilância ostensiva e o transporte de valores serão executados:

I – por empresa especializada contratada; ou

II – pelo próprio estabelecimento financeiro, desde que organizado e preparado para tal fim, com pessoal próprio, aprovado em curso de formação de vigilante autorizado pelo Ministério da Justiça e cujo sistema de segurança tenha parecer favorável à sua aprovação emitido pelo Ministério da Justiça.”

29 Decreto-Lei nº 200/1967: “Art. 6º As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais:

[...]

III – descentralização.”30 Decreto-Lei nº 200/1967: “Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser

amplamente descentralizada.

§ 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais:

a) dentro dos quadros da Administração Federal, distinguindo-se claramente o nível de direção do de execução;

b) da Administração Federal para a das unidades federadas, quando estejam devidamente aparelhadas e mediante convênio;

c) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões.”

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As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acordo com o art. 10, § 7º, do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.

Tal modelação de gestão pública, mais tarde, na década de 1990, se alinharia com o processo de desestatização, realizado pelo governo, inicia-do com a Lei nº 8.031/1990 e seguido pela Lei nº 9.491/1997, reflexo, claro, da ideologia neoliberal.

No prelúdio da década de 1980, com o Estado Social em crise e o afloramento das ideias neoliberais, tem-se uma impulsão da terceirização, face à formação de um mercado de serviços e à gradual expulsão dos em-pregados do âmbito das empresas.

O TST não se omitiu, vindo a pronunciar-se contrário à prática da terceirização (marchandage – fornecimento comercial de mão de obra, no sistema francês), reconhecendo a legalidade apenas nas hipóteses da Lei nº 6.019/1974 e da Lei nº 7.102/1983.

O conjunto jurisprudencial contrário à intermediação de mão de obra fora consolidado na Súmula nº 256, de 30 de setembro de 1986:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE

Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contra-tação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo em-pregatício diretamente com o tomador dos serviços.

1.4 A terCeirizAção, hoje, no brAsil – umA Construção jurisprudenCiAl

No início da década de 1990, tem-se o ápice do pensamento neolibe-ral, por assim dizer, repercutindo no Brasil um forte processo de terceiriza-ção, apesar de a legislação autorizá-la apenas em situações muito adstritas e a Súmula nº 256 do TST vetar o seu uso de forma generalizado.

Nesse bojo, o Ministério Público do Trabalho requereu, em 1993, ao TST, a revisão de sua súmula, ampliando as hipóteses de terceirização dentro da Administração Pública Federal, também, para o âmbito das em-presas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do Decreto-Lei nº 200/1967 e do art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 5.645/1970.

Nesse ínterim, o TST realizou a revisão de forma mais ampla que a solicitada pelo Ministério Público do Trabalho, alargando a hipótese de

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terceirização não só para as empresas públicas e sociedades de economia mista, mas para todas as entidades de natureza privada, desde que o serviço prestado esteja ligado à atividade-meio do tomador.

De tal sorte, houve o cancelamento Súmula nº 256 do Tribunal Su-perior do Trabalho, sendo publicado um novo verbete, na figura da Súmula nº 331, que assim sintetizou a matéria da terceirização no ordenamento jurídico brasileiro:

Súmula nº 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divul-gado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando--se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, des-de que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do emprega-dor, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quan-to àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respon-dem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações tra-balhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Constata-se que a terceirização, no Brasil, é ilustrada pela normati-vidade criada pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, nos termos da Súmula nº 331, vindo a configurar fraude, nas balizas do art. 9º

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da CLT31, todas as formas de terceirização praticada fora dos parâmetros sumulados.

De tal sorte, pode-se lapidar como formas de terceirização lícitas, no sistema jurídico trabalhista brasileiro, as situações da Lei nº 6.079/1974 (trabalho temporário) e da Lei nº 7.102/1970 (serviços vigilância ostensiva e transporte de valores de estabelecimentos financeiros), os serviços de con-servação e limpeza e os serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador (Súmula nº 331, III, do TST).

Afere-se que não deve haver o vínculo de pessoalidade e subordina-ção direta entre o terceirizado e o tomador do serviço, nas hipóteses pres-critas na Súmula nº 331 do TST, em face de configurar fraude trabalhista, o que acarretaria o reconhecimento do vínculo empregatício. Excepciona tal regra no caso do trabalhador temporário, em que este será duplamente su-bordinado, ficando sobre o comando tanto do tomador do serviço (cliente) quanto da empresa de trabalho temporário.

Outro detalhe fulcral é que o conceito de atividade-fim se determinou por via de exclusão. Ou seja, será considerada atividade-fim aquilo que não for determinado ou fixado como atividade-meio32.

Assim lapida os respectivos conceitos o Professor Mauricio Godinho:

31 CLT: “Art. 9º Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

32 Cf. DELGADO, Gabriela Neves; AMORIN, Helder Santos. Os limites constitucionais da terceirização. São Paulo: LTr, 2014. p. 48.

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Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empre-sariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do to-mador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.

Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresa-rial do tomador dos serviços.[...]33

Não há dúvida de que a definição de atividade-fim e atividade-meio se torna elemento nevrálgico para o aspecto de reconhecimento da terceiri-zação licita ou ilícita no ordenamento jurídico brasileiro.

2 do Projeto de leI Nº 4.330/2004

Dos diversos projetos de lei que tratam sobre terceirização (são quase trinta projetos de lei), o que se encontra mais adianta em sua tramitação é o Projeto de Lei nº 4.330/2004, do Deputado Federal Sandro Mabel, o qual fora apresentado no dia 26 de outubro de 2004.

O respectivo projeto sofreu diversas emendas, sendo sua culminân-cia no mês de abril de 2015, com as pressões dos mais diversos segmentos da sociedade e dos debates acalorados, nas diversas sessões plenárias da Câmara dos Deputados, tendo sido sua versão final aprovada no Plenário no dia 22 de abril de 2015, com a denominação de Projeto de Lei nº 4.330-I/2004, sendo remetido ao Senado Federal pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados por meio do Ofício nº 140/2015.

O cerne normativo trazido nesse projeto de lei, se aprovado no Sena-do Federal e sancionado pela Presidente da República, seria a autorização que liberaria de forma generalizada o uso da terceirização, no âmbito das empresas privadas e equiparadas, independentemente de a prestação de serviços estar relacionada às atividades-meio ou atividades-fim da atividade econômica organizada, como se extrai da redação do art. 4º do respectivo projeto:

Art. 4º É lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante que obedeça aos requisitos previstos nesta Lei, não

33 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso do direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 438.

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se configurando vínculo de emprego entre a contratante e os empregados da contratada, exceto se verificados os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. (grifos nossos)

No próprio conceito de terceirização dado no projeto de lei supra, não é feita qualquer distinção entre a atividade-meio e a atividade-fim, dei-xando de ter relevância normativa para traçar os limites da terceirização:

Art. 2º Para os fins desta Lei, consideram-se:

I – terceirização: a transferência feita pela contratante da execução de par-cela de qualquer de suas atividades à contratada para que esta a realize na forma prevista nesta Lei;

[...].

Em evento da Anamatra, o Professor Mauricio Godinho criticou du-rante o respectivo projeto, tendo em vista que o mesmo deveria restringir a já epidemia que é a terceirização, no Brasil, a qual precariza o trabalhador, causando redução de salários e aumento dos acidentes de trabalhos, fragi-lizando a organização sindical, comprometendo até mesmo a existência de categorias profissionais:

Eu nunca vi um projeto de precarização do trabalho tão impactante como esse, de tamanha amplitude e efeitos danosos, que desrespeita dezenas de milhões de pessoas que vivem do trabalho. [...]

[...]. É como se o brasileiro fosse o problema do Brasil. Trata-se de uma visão retrógrada, com saudades do século XIX ou embevecida pela precarização de certas realidades asiáticas. É como se o trabalhador fosse uma matéria--prima que tem de ser cada vez mais barata, ao invés de ser um partícipe e coconstrutor das empresas e do Brasil. [...]

A terceirização, ao reverso do que o projeto faz, tem de ser restrita. O pro-jeto teria de restringir a terceirização, pois ela já se tornou uma epidemia; epidemia restringe-se e se controla; ou seja, coloca-se o fenômeno dentro de margens de segurança, ao invés de se instigar a sua generalização. O PL não regulamenta, restringindo, a terceirização; ele, na verdade, desregulamenta, liberaliza, generaliza o fenômeno da terceirização.34

3 da terceIrIzação e Sua avalIação No ÂmbIto do SuPerIor trIbuNal federal

Como se já não bastasse o drama vivido com o Projeto de Lei nº 4.330-I/2004, a matéria da constitucionalidade da terceirização fora ven-

34 Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/index.php/noticias/mauricio-godinho-afirma-que-regulamenta-cao-da-terceirizacao-vai-esvaziar-o-papel-da-justica-do-trabalho>. Acesso em: 10 jul. 2015.

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tilada no STF, no qual houve uma espetacular mudança de entendimento desaguando no reconhecimento da repercussão geral sobre a terceirização.

Segue a contextualização do caso.

A Súmula nº 331 do TST, desde sua publicação em 1993, tem sido respaldada por uma jurisprudência de mais de duas décadas, permanecen-do firme os julgados da Justiça do Trabalho sobre os limites da terceirização, nos termos do verbete retro.

Nas diversas tentativas de questionar as decisões da Justiça do Traba-lho, em sede de recurso extraordinário, em face da violação da liberdade de contratar, proveniente do princípio da livre iniciativa, postulado da or-dem econômica, o qual é derivado do princípio da legalidade, o STF negou veementemente o recebimento do recurso em face de sua jurisprudência que inadmite o cabimento do recurso extraordinário quando para aferição da violação do princípio da legalidade venha a depender da verificação de normas infraconstitucionais.

Em suma, não cabe o recurso extraordinário quando da violação in-direta ou reflexa do princípio da legalidade.

Tal entendimento fora cristalizado na Súmula nº 636 (verbete aprova-do em 2003) do STF:

Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucio-nal da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpreta-ção dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida.

Todavia, o STF, em 2014, no Recurso Extraordinário com Agravo nº 713.211/MG, interposto pela Cenibra (Celulose Nipo-Brasileira S.A.), empresa multinacional de celulosa, controlada por capital japonesa, a qual está entre as três maiores produtoras de papel do Brasil, recebeu o aspirado recurso incumbindo-se na apreciação da constitucionalidade da terceiriza-ção da atividade-fim das empresas, face à pretensa violação da liberdade de contratar inferida no princípio da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal).

Tudo teve início com a ação civil pública (ACP) interposta pelo Mi-nistério Público do Trabalho (MPT), na Justiça do Trabalho de Minas Gerais, contra a Cenibra, embasado nas investigações decorrentes da CPI das Car-voarias, realizada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, instalada em 200135, em que se constatou a intensa precarização das condições de

35 Relatório disponível em: <http://dspace.almg.gov.br/xmlui/handle/11037/14441>.

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trabalhos dos serviços terceirizados que envolviam, entre outras atividades, a de florestamento e reflorestamento, em que são feitos o plantio, o corte e o replantio para fins de extração de madeira, praticados no domínio da Cenibra.

No Processo nº 01261-2006-013-03-00-0, da 13º Vara da Justiça do Trabalho de MG, o pleito da ACP do MTP foi de procedência parcial, em 2007, em que houve o reconhecimento dos serviços de florestamento e reflorestamento como atividades ínsitas ao objeto social da Cenibra, bem como a intermediação fraudulenta de mão de obra, determinando no mérito da sentença condenatória que a ré:

[...] abstenha-se de contratar terceiros para a prestação de serviços relacio-nados à sua atividade-fim, especialmente o florestamento, o reflorestamento, a colheita florestal, o reparo e o beneficiamento de madeira e ao objeto dos contratos firmados com seus empreiteiros, provendo este tipo de mão de obra, que lhe é essencial, por meio da contratação direta de trabalhadores, com vinculação a seus quadros funcionais e subordinação à sua disciplina interna, garantida toda a gama de direitos trabalhistas, sociais e os contempla-dos em acordos ou convenções coletivas da respectiva categoria profissional, sob pena de pagamento de multa diária correspondente a R$ 1.000,00, em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, ou, na sua extinção, aos cofres da União, pelo descumprimento da referida ordem judicial.36

No recurso ordinário, interposto ao TRT da 3º Região, a 7ª Turma confirma a condenação feita pelo juiz monocrático, bem como reconhece as práticas antissindicais perpetradas pela ré e a configuração dos danos morais coletivos solicitados pelo MPT. O respectivo acórdão fora publicado em setembro de 2008.

Extrai-se desse recurso ordinário o seguinte trecho que retrata a pre-carização dos terceirizados da Cenibra:

[...] pelo Relatório Circunstanciado de Ação Fiscal Trabalhista do Ministério do Trabalho e Emprego (f. 3399 e seguintes, 19º volume), que teve como investigada a reclamada, verifica-se que “este procedimento de terceirizar parte das atividades da empresa teve início por volta do ano de 1994. Os empregados que exerciam as funções de trabalhador florestal, operador de motosserra, entre outras funções na Cenibra foram demitidos e contratados, na sua grande maioria, pelas empresas prestadoras de serviços [...] Nas áreas em que o relevo permite a colheita totalmente mecanizada, tais atividades são realizadas por trabalhadores registrados na Cenibra, onde são utiliza-das máquinas modernas com alta produtividade, restando às terceirizadas

36 TRT da 3ª R., Processo nº 1261-2006-013-03-00-0.

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os trabalhos em local de relevo acentuado e em atividades mais perigosas, insalubres ou penosas”.37

Contra o acórdão do TRT da 3º Região, a Cenibra interpõe recurso de revista, não sendo recebido pelo TRT. Em face de tal decisão, a Cenibra agrava da decisão ao TST, alegando diversas matérias de orbita processual e material, como por exemplo, cerceamento de defesa, ilegitimidade ativa e passiva ad causam, litisconsórcio passivo necessário, que a terceirização era de atividade-meio, dentre outros.

No acórdão desse agravo de instrumento em recurso de revista (junho de 2011), a 8ª Turma do TST nega o provimento sob o seguinte fundamento, nos termos da jurisprudência do STF, já citado anteriormente:

A alegação de afronta ao art. 5º, II, da Carta Magna não impulsiona o recurso de revista, por tratar este dispositivo de princípio genérico cuja violação só se perfaz, quando muito, de forma reflexa ou indireta. Esse é o entendimento consagrado neste Tribunal.38

Não resiliente, a Empresa Cenibra, contra a decisão do TST, interpôs recurso extraordinário (RE) ao STF, em maio de 2012, não sendo recebido pelo TST, mais uma vez, pelo entendimento da inadmissibilidade do RE quando da ofensa reflexa aos preceitos constitucionais, conforme a consa-grada jurisprudência do STF.

Nesse ínterim, a decisão de não recebimento do RE pelo TST é agra-vado ao STF, em que o Ministro Relator Luiz Fux, monocraticamente, nega o seu seguimento (em 19 de abril de 2013), nos termos da já citada Súmula nº 636 do STF, em que a controvérsia gira em torno da interpretação de normas infraconstitucionais, só maculando a norma constitucional de forma oblíqua.

Registre-se finalmente que esta Suprema Corte firmou jurisprudência no sen-tido de que a verificação de ofensa aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da motivação das de-cisões judiciais, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando dependente do reexame prévio de normas infraconstitucionais, re-vela ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a instância extraordinária.39

37 TRT da 3ª R., Processo nº 1261-2006-013-03-00-0.38 TST, AI-RR 126140-27.2006.5.03.0013.39 STF, Recurso Extraordinário com Agravo nº 713211/MG.

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Ainda, quando do agravo interno, a 1ª Turma do STF negou o provi-mento nos termos do voto do Relator, de forma unânime:

A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da neces-sidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso extraordinário. Precedentes: AI 503.093-AgRg, Relª Min. Ellen Gracie, DJe 11.12.2009; RE 421.119-AgRg, Rel.: Min. Carlos Britto, DJ 11.02.2005; RE 402.557-AgRg, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJe 27.04.2007 e RE 405.745-AgRg, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 19.06.2009.40

Apesar de toda uma plêiade argumentativa, em que se percebe um uníssono pensamento, desde da decisão do TRT da 3ª Região, passando pelo TST e nas manifestações iniciais da Suprema Corte, a 1ª Turma, quando da análise dos embargos declaratórios, já nos idos de 2014, em uma virada de rompante, confere efeitos modificativos à decisão embargada, reconhe-cendo os requisitos admissionais do recurso extraordinário.

2. O thema decidendum, in casu, cinge-se à delimitação das hipóteses de ter-ceirização de mão de obra diante do que se compreende por atividade-fim, matéria de índole constitucional, sob a ótica da liberdade de contratar, nos termos do art. 5º, inciso II, da CRFB. Patente, outrossim, a repercussão geral do tema, diante da existência de milhares de contratos de terceirização de mão de obra em que subsistem dúvidas quanto à sua legalidade, o que pode-ria ensejar condenações expressivas por danos morais coletivos semelhantes àquela verificada nestes autos.

3. Embargos de declaração providos, a fim de que seja dado seguimento ao Recurso Extraordinário, de modo que o tema possa ser submetido ao Plenário Virtual desta Corte para os fins de aferição da existência de Repercussão Ge-ral quanto ao tema ventilado nos termos da fundamentação acima.41

Em seguida, em maio de 2014, o STF reconhece a repercussão geral da matéria (tema de nº 725), vislumbrando que a interpretação sobre a ati-vidade-fim pode repercutir no direito fundamental da livre iniciativa, vindo a ofender diretamente o princípio da legalidade, face a uma obrigação não fundada em lei que comprometeria a liberdade empresarial.

3. O thema decidendum, in casu, cinge-se à delimitação das hipóteses de terceirização de mão de obra diante do que se compreende por atividade--fim, matéria de índole constitucional, sob a ótica da liberdade de contratar, nos termos do art. 5º, inciso II, da CRFB.

4. Patente, assim, a repercussão geral do tema, diante da existência de milha-res de contratos de terceirização de mão de obra em que subsistem dúvidas

40 STF, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 713.211/MG.41 STF, Embargos Declaratórios no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 713.211/MG.

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quanto à sua legalidade, o que poderia ensejar condenações expressivas por danos morais coletivos semelhantes àquela verificada nestes autos.42

De tal sorte, o STF traz para si a responsabilidade para determinar a compatibilidade ou não da figura da terceirização no sistema jurídico bra-sileiro, tema esse tão caro para o direito do trabalho, gerando uma grande preocupação, tendo em vista que um possível entendimento quanto de sua viabilidade, mesmo no que se refere à atividade-fim do objeto social da empresa, comprometeria toda a eficácia da proteção das normas trabalhis-tas dos direitos sociais fundamentais, devolvendo o trabalhador para época escura do capitalismo industrial do século XIX.

Não há dúvida de que pretensa ação gera forte apreensão, pois seu deslinde, em que o STF reconheça a inconstitucionalidade da terceirização das atividades-fim, não se apresenta de forma clarividente, isso decorrente de um contexto em que houve uma mudança repentina de entendimento no seio da Suprema Corte.

4 do dIreIto do trabalHo Na ótIca da teorIa doS SIStemaS

4.1 AlgumAs ConCisAs ponderAções

Está a se analisar o Direito; de tal sorte, tem-se que estudar a figura do trabalhador dentro de um isolamento jurídico que é constituído por uma estrutura normativa de regras e princípios.

Ultrapassar essa realidade constituiria uma contaminação do sistema jurídico, desvirtuando-se em algum hibridismo espúrio. “[...] o sistema jurí-dico é operativamente fechado”43, isso a partir de uma visão luhmanniana.

Sendo assim, a lógica sistêmica jurídica opera em termos exclusiva-mente jurídicos, a partir de uma linguagem binária lícito/ilícito44. A partir disso, tem o Direito a função única de garantir uma expectativa de direito, normativa45.

Com isso, extrai-se a seguinte asserção: o sistema jurídico distingue--se do sistema político e do sistema econômico46, o qual possui uma outra lógica, uma outra linguagem, com outras funções.

42 STF, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº 713.211/MG.43 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e diferenciação social. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 101.44 Idem, p. 105.45 Idem, idem.46 Idem, p. 111.

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O direito positivo moderno trata de todo e qualquer tema ou caso, desde que juridicamente. A partir desse tratamento, constrói sua diferença com outros sistemas e opera com elevado grau de complexidade interna.47

A inobservância da premissa supra acarreta atribuir ao direito funções além de suas possibilidades48, vindo o mesmo a ser reduzido a uma mera técnica do sistema político ou econômico49, quedando-se, assim, as frontei-ras entre os sistemas e, consequentemente, anulando ou corrompendo os limites impostos pelo Direito ao demais sistemas. Ter-se-iam a politização do Direito e a mercantilização do Direito50.

É ululante que o sistema operativo fechado, o qual é o direito, não possui controle sobre os sistemas que estão em seu entorno (político, eco-nômico, das ciências). Da mesma forma, esse ambiente externo ao Direito não consegue suprir o conteúdo típico e único deste.

Nas palavras do Professor Campilongo:

[...] A unidade, os limites e a especificidade do sistema jurídico são constru-ídos a partir de dentro do próprio sistema jurídico, não são oferecidos pela economia nem pela ciência. A unidade do sistema jurídico é resultante do funcionamento do próprio sistema jurídico. A diferenciação entre o sistema jurídico, a ciência, a economia, a política, é uma diferenciação construída no interior do Direito. Isto limita muito o socorro que eu possa ter – com critérios hermenêuticos, ou, pelo menos, com critérios juridicamente admis-síveis – de elementos exteriores ao sistema jurídico.51

4.2 do plexo normAtivo trAbAlhistA Como promotor dA dignidAde dA pessoA humAnA

No momento que se busca desanuviar qual a função do Direito e como desenvolve o seu programa no meio das interações complexas dos sistemas, revela-se de forma palmar que não se pode coadunar com a lógica econômica do neoliberalismo que prega um discurso de flexibilização dos direitos trabalhistas, no qual está imbuída a prática da terceirização da mão

47 Idem, p. 88.48 “Transformar o Direito é o que está ao alcance do sistema jurídico. Pretende transformar, com a norma

jurídica, a realidade econômica me parece um ambição, um imperialismo que vai além das possibilidades do Direito.” (Idem, p. 94)

49 “Questão interessante e de grande importância para a presente reflexão é o fato de que, a nosso ver, dentre os ramos da ciência jurídica o direito do trabalho é, talvez, desde suas origens, o mais interdependente da Economia e dos ciclos econômicos, com todas as suas consequências no mercado de trabalho”. SCABIN, Roseli Fernandes. O direito do trabalho como limitador do poder econômico. (CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Coord.). Op. cit.. p. 35)

50 Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Op. cit., p. 105: “[...] A política não pode operar economicamente. O mesmo se diga do direito [...]” (p. 109).

51 Idem, p. 94.

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de obra como forma de redução do custo social, em um discurso hipócrita de que a terceirização ampliaria os postos de trabalho, omitindo o fato de que tal ampliação dar-se-ia com a precarização da forma de trabalho.

Não se pode conceber o direito como forma de maximizar os lucros das entidades privadas, mas sim como uma geradora de expectativas de direito a um mínimo existencial52 para o trabalhador.

Pele filtro jurídico, não se vê no trabalhador uma mão de obra ge-radora de despesas, como na economia53, mas sim um ser humano, uma pessoa, que deve buscar uma normatividade que origine um status de pro-moção da dignidade humana.

É isso que constitui o direito do trabalho, um limite jurídico à racio-nalidade econômica54, de forma a impedir que o capital se maximize, que o mercado se expanda de forma que desconsidere a pessoa do trabalhador, despersonalizando-o e, consequentemente, coisificando-o55.

Nessa esteira é o pensamento do Professor Gustavo Felipe:

O direito do trabalho, portanto, exerce o relevante papel de assegurar pata-mares mínimos de dignidade e justiça social, impedindo que a busca pela obtenção de lucros e a concorrência acabem impondo níveis inaceitáveis de exploração do trabalho humano, em afronta aos valores magnos da liberda-de, justiça, solidariedade e bem comum.

52 “A garantia de direitos mínimos ao trabalhador faz parte de um conjunto de valores humanos civilizatórios (mínimo existencial), que encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana previsto constitucionalmente corno maior patrimônio da humanidade.” (CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho..., cit., p. 29)

53 “A economia deve estar a serviço do homem e não o homem a serviço da economia.” (MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização do trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 179)

54 “O poder econômico, que se intensificou a partir da Revolução Industrial, não é ilegítimo, e pode estar previsto e reconhecido no ordenamento jurídico. O que o legislador deve fazer é coibir os abusos, no sentido de proteger as partes mais fracas da relação jurídica. Nessa ordem de ideias, o Estado deve limitar o poder econômico, coibindo e punindo os abusos: é o que ocorre não só nas relações trabalhistas, mas também nas relações de consumo e nas relações empresariais, para proteção de pequenas e médias empresas.” (SCABIN, Roseli Fernandes. O direito do trabalho como limitador do poder econômico. CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Coord.). Op. cit., p. 40).

55 “Apesar das crises, é necessário firmar um projeto nacional, para que os Estados não fiquem à mercê das exigências externas, fazendo triunfar os interesses da nação, mesmo num mundo globalizado. A nossa Carta estabelece um Estado forte, intervencionista e regulador. A desregulamentação desmedida e a minimização dos direitos enfraquecem o Estado, único agente capaz de, através de políticas públicas, erradicar as desigualdades sociais que se avolumam em nosso país” (CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho..., cit., p. 290. “[...] Chega-se à não esperada escravidão virtual’. ‘O trabalhador competente é aquele que trabalha 24 horas por dia. Realidade triste que precisa de releitura. Escravizou-se o homem ao mercado tecnológico e as redes de informação permitem que o trabalhador se submeta a jornadas desgastantes, ambientalmente prejudiciais à sua saúde, em troca de algo que ainda não se sabe o que é. Como afirmado, o sistema capitalista vem procurando uma nova vítima para se alimentar, o próprio ser humano, o que denota sua voracidade pela já reconhecida e tão afirmada acumulação primitiva” (KOLLER, Carlos Eduardo; VILLATORE, Marco Antônio César. A consolidação das leis do trabalho: institutos em crise e os impactos na sociedade hegemônica e capitalista brasileira. CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Coord.). Op. cit., p. 12).

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Em conclusão, por qualquer ângulo que se analise a questão, deve-se asse-gurar a dignidade da pessoa humana, por meio da construção de uma socie-dade livre, justa e solidária, com a necessária valorização social do trabalho e o respeito à livre iniciativa [...]56

A proposta de terceirização ampla e indiscriminada das relações de trabalho utiliza argumentos extraídos não do sistema jurídico, mas sim de uma lógica mercadológica, extrassistêmica57. É um discurso falacioso, que prega a redução de gastos com a mão de obra, o que geraria a manutenção das vagas de trabalho ou possibilidade de aumentar a sua demanda, além de uma maior capacidade concorrencial (lógica econômica)58, isso em de-trimento de direitos que proporcionam um patamar civilizatório mínimo ao trabalhador e de dignificação de sua atividade. Ou seja, manutenção das vagas de emprego ou mesmo o seu aumento, só que se rebaixando a um nível que não proporcionará ao trabalhador, sujeito de direito, uma melhor qualidade de vida, mas sim mais trabalho às custas da sua dignidade.

No escólio de Vólia Bomfim:

A “superexploração” acarreta excesso de trabalho e pouco descanso para repor o mínimo de energia. A recuperação física e mental do trabalho e do estresse dele decorrente fica esquecida, e este desconforto é agravado pelos salários cujos valores são cada vez mais insuficientes para uma subsistência mínima. Tais práticas são realizadas em nome e em busca da maior lucrati-vidade.59

E nesse ínterim, o “capital” aumenta, se expande, se multiplica, na proporção em que se aumenta a desigualdade social, desigualdade entre classes, fomentando a concentração de renda, abstraindo o homem como sujeito, como indivíduo.

Colaciona-se, aqui, a conclusão trazida por um estudo desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho sobre o aumento vertiginoso

56 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Op. cit., p. 57.57 “[...]. Daí porque as decisões judiciais devem pautar-se por critérios intrassistêmicos e respeitar as

expectativas normativas construídas pela jurisprudência, afastando qualquer elemento concernente aos efeitos que determinada decisão possa ocasionar ao Erário [...]” (Parecer constante da obra coletiva Crédito-Prêmio de IPI. São Paulo: Manole, 2005. p. 26-27). Trata-se de afirmação importante. Boa parte dos problemas aqui arrolados encontra solução fácil: orientação por critérios extrassistêmicos e propensão para o abandono das expectativas normativas em nome de expectativas cognitivas, motivadas política ou economicamente. Prefiro a cautela do Professor Paulo de Carvalho”. (CAMPILONGO, Celso Fernandes. Op. cit., p. 90).

58 “[...] nota-se que a doutrina flexibilizadora habilmente pretende convencer de que favorece o direito do trabalho constitucionalizado, quando enfrenta, pela desregulação, a crise.” (SOARES FILHO, José. Sociedade pós-industrial. Os impactos da globalização na sociedade, no trabalho, na economia e no Estado. Curitiba: Juruá, 2007. p. 103)

59 CASSAR, Vólia Bomfim. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização das normas trabalhistas. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 41.

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do emprego formal, no Brasil, na década de 200060, indo em divergência frontal à afirmação de que a legislação trabalhista seria um obstáculo à cria-ção de empregos, bem como o exagero do processo de flexibilização, reco-mendando que o governo, ao invés de se concentrar em desregulamentar o mercado de trabalho, deveria concentrar os esforços em políticas que incentivassem a formalização da atividade empresarial, seja com incentivos fiscais, simplificação de registros, entre outros61.

coNSIderaçÕeS fINaIS

Não se nega a realidade fática decorrente da globalização e do pro-cesso de aplanamento do mundo. Todavia, no contexto atual em que se apresenta a realidade brasileira, a adoção sem restrição da terceirização acarretará uma maior vulnerabilidade ao trabalhador, ocasionando menores salários, fragilização do movimento sindical, maiores riscos para a saúde do trabalhador, em um discurso meramente mercantilista, chocando-se, fron-talmente, com os vetores axiológicos dos direitos sociais esculpidos pelo constituinte originário de 1988.

A matéria em apreço tem que ser tratada pelo viés da lógica jurídica, não podendo, assim, comprometê-la em face dos fatores econômicos, sob pena de desvirtuar a função do Direito e, casuisticamente, alijar milhares de trabalhadores da constituição de um vínculo de emprego e, consequente-mente, da proteção ao trabalho, garantia construída historicamente, firman-do-se como um mínimo existencial, promotor da dignidade da pessoa do trabalhador.

Fica-se, então, no aguardo do desfecho da matéria no âmbito do Con-gresso Nacional e do STF, na esperança de que os direitos dos trabalhadores sejam salvaguardados, de sorte que o Projeto de Lei nº 4.330-I/2004 não seja aprovado na esfera do Senado (e o sendo, sofra veto presidencial) e que o STF proclame pela inconstitucionalidade da terceirização da atividade--fim, consolidando os direitos fundamentais sociais, vindo a consolidar a consagrada jurisprudência do TST.

60 Cf. BERG, Janine. Laws or luck? Understanding rising formality in Brazil in the 2000s. International Labour Office. Brasília: ILO, 2010. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/employment/pub/laws_luck_245.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2013.

61 “The labour market flexibility debate has been exaggerated, at least in the case of Brazil. The experience of the 1990s and 2000s does not support the claim that labour regulations caused growing informality, and the strong growth in formal jobs in the 2000s at the same time that the minimum wage nearly doubled in real terms, demonstrates that labour laws are not an impediment and that some policies, such as the minimum wage, can be important for stimulating growth and job creation. Rather than focusing on deregulating the labour market, governments should take steps to encourage firms to register their businesses and their workers, either through simplifying registration, lowering taxes or providing incentives to develop high-road competitiveness strategies.” (Idem, p. 24)

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referÊNcIaSBARROS, Alice Monteiro de. Curso do direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.

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______. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União. Brasília/DF, 27 de fevereiro de 1967. Dispo-nível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200.htm>. Acesso em: 20 jun. 2015.

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______. Lei nº 9.601, de 21 de janeiro de 1998. Dispõe sobre o contrato de trabalho por prazo determinado e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília/DF, 22 de janeiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9601.htm>. Acesso em: 20 dez. 2013.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Terceirização e Direito do Trabalho

RúBIA ZAnOTELLI DE ALvAREngADoutora e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas, Professora Titular do Centro Univer-sitário UDF, Brasília, Advogada.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Considerações sobre o Projeto de Lei nº 4.330/2004; 2 Terceirização e direito do trabalho; Conclusão; Referências.

INtrodução

O ponto de apoio para a preservação da relação jurídico-laboral clás-sica está em se alcançarem mecanismos jurídicos que possam proteger os direitos humanos dos trabalhadores, tendo em vista que

a terceirização existe para reduzir custos com a mão de obra com precariedade das condições de trabalho e da proletariedade social, como também para provocar a dilaceração da organização político-sindical da classe trabalhadora. (Coutinho, 2015, p. 224)

Espera-se, com o estudo ora perpetrado, destacarem-se, por meio da utilização de uma interpretação fundada nos princípios constitucionais do trabalho, medidas eficazes contra o retrocesso social dos direitos humanos trabalhistas, com vistas a estabelecer limites à terceirização, pois o seu obje-tivo é alterar as condições sociais de trabalho com o fim de se incrementar/aumentar o lucro do empregador.

Para se atingir o objetivo principal colimado, serão apresentadas, logo de início, as valiosas considerações do Professor Dr. Ruy Gomes Braga Neto.

Ruy Gomes Braga Neto (Itajubá, 1972) é um sociólogo brasileiro espe-cialista em sociologia do trabalho. É graduado em Ciências Sociais (1993), Mestre em Sociologia (Dissertação “Crise contemporânea e restauração do capital: da crítica ao economicismo dominante à análise das lutas de clas-ses”, 1996), Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp (Tese “A nostalgia do fordismo: elementos para uma crítica da Teoria Francesa da Regulação”, 2002) e livre-docente da Universidade de São Paulo (Tese “A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista”, 2012). Ele realizou pesqui-sas na Universidade da Califórnia, Berkeley, de Pós-Doutorado e é Professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

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Humanas da USP, onde coordena o Centro de Estudos dos Direitos da Ci-dadania (Cenedic). Publicou as seguintes obras: A pulsão plebeia: trabalho, precariedade e rebeliões sociais (2015); A política do precariado: do po-pulismo à hegemonia lulista (2012); Hegemonia às avessas (co-organizado com Chico de Oliveira, 2010); Infoproletários: degradação real do trabalho virtual (co-organizado com Ricardo Antunes, 2009); Por uma sociologia pú-blica (com Michael Burawoy, 2009); Revolução invisível: desenvolvimento recente da nanotecnologia no Brasil (com Paulo Roberto Martins, 2007); A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial (2003); A restauração do capital: um estudo sobre a crise contemporânea (1997); Novas tecnologias: crítica da atual reestruturação produtiva (com Osvaldo Coggiola e Claudio Katz, 1994).

É, pois, o acadêmico especialista mais qualificado para embasar este artigo.

1 coNSIderaçÕeS Sobre o Projeto de leI Nº 4.330/2004

Na contramão dos princípios constitucionais do trabalho, foi apro-vado pela Câmara dos Deputados Federais, em abril de 2015, o Projeto de Lei nº 4.330/2004, do Ex-Deputado Sandro Mabel, o qual flexibiliza, radi-calmente, direitos conquistados, a duras penas, ao longo de mais de quatro décadas, pela classe trabalhadora, em especial no tocante à possibilidade de se terceirizarem as atividades-fim, como bem atestam a manchete a se-guir e alguns fragmentos da entrevista concedida à revista Carta Capital pelo Professor Dr. Ruy Gomes Braga Neto da Universidade de São Paulo (USP), especializado em Sociologia do Trabalho.

Leia-se:

Lei da terceirização é a maior derrota popular desde o golpe de 1964

Para Ruy Braga, professor da USP especializado em sociologia do trabalho, o Projeto de Lei nº 4.330 completa desmonte iniciado por FHC e sela “início do governo do PMDB”.

Especialista em sociologia do trabalho, Ruy Braga traça um cenário delicado para os próximos quatro anos: salários 30% mais baixos para 18 milhões de pessoas. Até 2020, a arrecadação federal despencaria, afetando o consumo e os programas de distribuição de renda. De um lado, estaria o desemprego. De outro, lucros desvinculados do aumento das vendas. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), a aprovação do texto-base do Projeto de Lei nº 4.330/2004, que facilita a terceirização de trabalhadores, completa o desmonte dos direitos trabalhistas iniciado pelo Ex-Presidente Fernando

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Henrique Cardoso na década de 1990. “Será a maior derrota popular desde o golpe de 1964”, avalia o professor em entrevista à Carta Capital.

(Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceiri-zacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html>. Acesso em: 10 nov. 2015)

Não há como se eximir, nesta oportunidade, de se fazer a transcrição de alguns trechos da entrevista que elucidam, categoricamente, as detrações sofridas pelos direitos trabalhistas em vários aspectos, como: a generaliza-ção da terceirização das atividades-fim; o aumento do desemprego; a queda na arrecadação de impostos; a perda do poder aquisitivo; o aumento da rotatividade dos trabalhadores e a precarização do trabalho.

Na entrevista, Braga, ao definir atividade-fim, “pressente” uma possí-vel generalização da terceirização dessa atividade.

Veja-se:

Carta Capital: Qual a diferença entre atividade-meio e atividade-fim?

Ruy Braga: Uma empresa é composta por diferentes grupos de trabalhadores. Alguns cuidam do produto ou serviço vendido pela companhia; enquanto outros gravitam em torno dessa finalidade empresarial. Em uma escola, a finalidade é educar. O professor é um trabalhador-fim. Quem mexe com se-gurança, limpeza e informática, por exemplo, trabalha com atividades-meio.

Carta Capital: Uma lei para regular o setor é mesmo necessária?

Ruy Braga: Não. A Súmula do TST [Tribunal Superior do Trabalho] pacificou na Justiça o consenso de que não se podem terceirizar as atividades-fim. O que acontece é que as empresas não se conformam com esse fato. Não há um problema legal. Já há regulamentação. O que existe são interesses de empresas que desejam aumentar seus lucros.

(Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceiri-zacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html>. Acesso em: 10 nov. 2015)

Ao se tomar por exemplificação a atividade profissional de profes-sor como atividade-fim, pode-se pensar: “O professor está garantido. Não há como mexer com ele”. Triste engano. Pense-se em uma escola federal, um Instituto Federal de Ciência e Tecnologia (Ifes), por exemplo. Em tais instituições, é grande a saída dos professores efetivos em busca de Mes-trado, Doutorado e Pós-Doutorado. Ocorre uma vacância que obriga os institutos a promoverem processos de seleção que, mesmo sendo simpli-ficados, demandam recursos onerosos para a contratação dos professores

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que suprirão, por um prazo mínimo de dois anos, a falta dos que, por direito adquirido, buscam qualificação e, obviamente, melhor retribuição salarial por titulação. Nesses processos, há editais, formação de bancas avaliadoras (cujos professores avaliadores são remunerados), além do gasto de tempo entre as etapas do processo. Com a aprovação da Lei de Terceirização das atividades-fim, será “muito prático” para a instituição terceirizar tal traba-lho. Como se sabe, muitas empresas ofertadoras de serviço surgirão, entre as quais as que manterão grupos de trabalhadores ávidos por uma vaga mercadológica. Todavia, os questionamentos que ficam são: Como avaliar, suponha-se, o professor terceirizado somente por referências? E a prática de ensino em sala de aula? Sabe-se que, às vezes, excelentes currículos não representam a realidade prática daqueles que os detêm. Eis o risco que se corre. As empresas e os órgãos governamentais buscarão “os melhores” por um preço mais acessível; entretanto, eles estarão aptos a desempenharem a contento suas tarefas?

Além disso, deve-se levar em conta que o profissional terceirizado será inserido em um contexto no qual suas expectativas de progressão já estão fadadas ao fracasso. Ele sabe que não atingirá a atividade-fim, pois é contratado por um tempo determinado. Logo, enfrentará certa desconfiança por parte do corpo efetivo, mesmo que seja recebido com a “boa recepti-vidade” que determina a política da “boa educação”. Porém, com o passar do tempo, ele constatará o que já pressentia: não tem voto nas decisões de colegiados; não pode progredir em termos de titulação; não recebe alguns benefícios salariais pertinentes aos efetivos; vive a desconfiança por parte dos discentes e dificilmente recebe, por parte destes, a respeitabilidade que merecem, pois os alunos os veem apenas como substitutos. Tudo isso con-tribuirá para que tal educador tenha sua autoestima diminuída, trazendo--lhe, não raro, abalos psicológicos, visto que, por melhor que ele seja, suas expectativas de crescimento estão engessadas. Agora, imagine-se esse qua-dro em outras funções laborais em que o terceirizado não tenha formação superior, como é o caso de trabalhadores dos setores de alimentação, de limpeza, de manutenção civil, entre outros. Estes colaboradores (como são denominados no setor privado) terão, ainda mais do que aqueles que detêm formação superior, pouquíssimas possibilidades de progresso nas suas fun-ções terceirizadas.

Pode, como se vê, ocorrer uma grande frustração em função do fe-nômeno ora analisado – uma espécie de “fantasmagorização” que atingirá (é sabido que já atinge) esses novos milhões –, como se estima, em termos numéricos, como se verá a seguir, de terceirizados, caso o Projeto de Lei se torne Lei.

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No que se refere à questão do aumento do desemprego, o Professor Ruy Braga é enfático em suas considerações:

Carta Capital: O desemprego cai ou aumenta com as terceirizações?

Ruy Braga: O desemprego aumenta. Basta dizer que um trabalhador tercei-rizado trabalha em média três horas a mais. Isso significa que menos fun-cionários são necessários: deve haver redução nas contratações e prováveis demissões.

Carta Capital: Quantas pessoas devem perder a estabilidade?

Ruy Braga: Hoje o mercado formal de trabalho tem 50 milhões de pessoas com carteira assinada. Dessas, 12 milhões são terceirizadas. Se o projeto for transformado em lei, esse número deve chegar a 30 milhões em quatro ou cinco anos. Estou descontando dessa conta a massa de trabalhadores no serviço público, cuja terceirização é menor, as categorias que de fato obtêm representação sindical forte, que podem minimizar os efeitos da terceiriza-ção, e os trabalhadores qualificados.

(Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceiri-zacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html>. Acesso em: 10 nov. 2015)

Os números são preocupantes. Segundo o especialista, será gerado um contingente de 18 milhões de empregos terceirizados, segmento, muito provavelmente, oriundo da demissão de trabalhadores que se encontravam em atividades-fim. Ou seja: mesmo que não se percam os direitos adquiri-dos, pois os terceirizados também são regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), os trabalhadores sofrerão perda de salário, perda de status e perda de segurança – visto que estarão submetidos a um regime no qual a garantia de continuidade (manutenção do emprego) é tênue, como será visto, segundo vários próceres em jurisprudência trabalhista, no decor-rer deste trabalho. Mister se faz ressaltar, ainda, a perda de autoestima que afetará os novos transmigrados para o regime de terceirização, que sofrerão abalos psicológicos em função da nova realidade a ser enfrentada.

Quando trata da queda da arrecadação de impostos, Ruy Braga con-figura um “círculo desvirtuoso”: terceirização gera desemprego, que gera perda de poder aquisitivo, que gera menos consumo, que gera menos im-postos, que gera menos investimentos em geração de empregos, que gera mais terceirização.

Leia-se:

Carta Capital: A arrecadação de impostos pode ser afetada?

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Ruy Braga: No Brasil, o trabalhador terceirizado recebe 30% menos do que aquele diretamente contratado. Com o avanço das terceirizações, o Estado naturalmente arrecadará menos. O recolhimento de PIS, Cofins e do FGTS também vão [sic] reduzir, porque as terceirizadas são reconhecidas por re-colher do trabalhador, mas não repassar para a União. O Estado também terá mais dificuldade em fiscalizar a quantidade de empresas que passará a subcontratar empregados. O governo sabe disso.

(Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceiri-zacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html>. Acesso em: 10 nov. 2015)

Na formulação de um quadro cada vez mais sombrio, o especialista explica como se processará a perda do poder aquisitivo dos novos tercei-rizados, constatando que o fenômeno está presente em outros países que aderiram à forma de terceirização que o Projeto de Lei nº 4.330/2004 pro-põe para o Brasil:

Carta Capital: Por que os trabalhadores pouco qualificados correm maior risco?

Ruy Braga: O mercado de trabalho no Brasil se especializou em mão de obra semiqualificada, que paga até 1,5 salário-mínimo. Quando as empresas terceirizam, elas começam por esses funcionários. Quando for permitido à companhia terceirizar todas as suas atividades, quem for pouco qualificado mudará de status profissional.

Carta Capital: Como se saíram os países que facilitaram as terceirizações?

Ruy Braga: Portugal é um exemplo típico. O Banco de Portugal publicou no final de 2014 um estudo informando que, de cada dez postos criados após a flexibilização, seis eram voltados para estagiários ou trabalho precário. O re-sultado é um aumento exponencial de portugueses imigrando. Ao contrário do que dizem as empresas, essa medida fecha postos, diminui a remunera-ção, prejudica a sindicalização de trabalhadores, bloqueia o acesso a direitos trabalhistas e aumenta o número de mortes e acidentes no trabalho, porque a rigidez da fiscalização também é menor por empresas subcontratadas.

Carta Capital: E não há ganhos?

Ruy Braga: Há: o das empresas. Não há outro beneficiário. Elas diminuem encargos e aumentam seus lucros.

(Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceiri-zacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html>. Acesso em: 10 nov. 2015)

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Também, como consequência do cenário, advém, segundo o profes-sor, o aumento da rotatividade:

Carta Capital: Por que a terceirização aumenta a rotatividade de trabalha-dores?

Ruy Braga: As empresas contratam jovens, aproveitam a motivação inicial e, aos poucos, aumentam as exigências. Quando a rotina derruba a produtivi-dade, esses funcionários são demitidos e outros são contratados. Essa prática pressiona a massa salarial, porque, a cada demissão, alguém é contratado por um salário menor. A rotatividade vem aumentando ano após ano. Hoje, ela está em torno de 57%, mas alcança 76% no setor de serviços. O Projeto de Lei nº 4.330 prevê a chamada “flexibilização global”, um incentivo a essa rotatividade.

(Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceiri-zacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html>. Acesso em: 10 nov. 2015)

Ainda no rol das negatividades, Ruy Braga cita a precarização do trabalho, dando ressonância ao que dizem os teóricos extremamente con-ceituados que alicerçam a tese de que o Projeto de Lei nº 4.330/2004, caso se torne lei, representará um retrocesso sem precedentes na história do tra-balhismo brasileiro, destituindo o trabalhador de direitos que vão além dos direitos inerentes ao labor digno, mas também aos relacionados à dignidade humana:

Carta Capital: Qual o perfil do trabalhador que deve ser terceirizado?

Ruy Braga: Nos últimos 12 anos, o público que entrou no mercado de traba-lho é composto por: mulheres (63%), não brancos (70%) e jovens. Houve um avanço de contratados com idade entre 18 e 25 anos. Serão esses os maiores afetados. Embora os últimos anos tenham sido um período de inclusão, a estrutura econômica e social brasileira não exige qualificações raras. O perfil dos empregos na agroindústria, comércio e indústria pesada, por exemplo, é menos qualificado e deve sofrer com a nova lei, porque as empresas terceiri-zam menos trabalhadores qualificados.

(Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceiri-zacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html>. Acesso em: 10 nov. 2015)

Em suma, essas são algumas das consequências do nefasto projeto em análise. Ele fere, de forma agressiva, direitos instituídos, principalmente na Constituição de 1988, a mais democrática e mais voltada para a garantia da dignidade humana. Tal projeto é fruto da concepção neoliberalista –

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bandeira ferrenhamente defendida pelo capitalismo em seus preceitos mais aviltantes.

No tópico a seguir, vê-se o pessimismo de vários próceres do direito do trabalho em relação a ela, fato que converge para as considerações teci-das na Introdução do presente artigo.

2 terceIrIzação e dIreIto do trabalHo

A globalização neoliberal capitalista, nascedoura no final do século XX, resulta no enfraquecimento do ramo justrabalhista, na queda de salá-rios, na desvalorização da força de trabalho e da informalização da econo-mia, com a consequente precarização das condições de vida; gerando o robustecimento do capital comercial, do industrial e das instituições finan-ceiras mundiais.

Por meio dela, o trabalhador já não é visto como cidadão pleno, de-tentor de direitos, e, sim, como ser humano supérfluo e descartável – um instrumento capaz apenas de gerar produção e lucratividade – a serviço do capital. Logo, o empregado homem passa a ser considerado um elemento residual; e o lucro, o elemento preponderante a reger as relações trabalhis-tas na sociedade contemporânea.

A terceirização é fruto desse mecanismo de flexibilização empresarial que acarreta a precarização das condições de trabalho, já que constitui uma

forma de flexibilização de atividades e de serviços e tem, como finali-dade, não só a redução dos custos da produção, mas também proporcionar maior agilidade, bem como criar melhores condições de competitividades para as empresas. (Cortez, 2015, p. 17)

Como esclarece Julpiano Chaves Cortez, no setor privado, a tercei-rização, para os empregadores, significa a forma de administração da em-presa, por meio da qual se busca a constante redução dos custos de produ-ção. Para os empregados terceirizados, terceirização significa a forma de exclusão, fator de discriminação e de precarização das condições de traba-lho, com lesão dos valores sociais do labor e da dignidade do trabalhador (Cortez, 2015, p. 16).

Por conseguinte, qualquer terceirização sempre redundará em algum tipo de precariedade nas condições de trabalho em relação ao pessoal con-tratado diretamente pelos donos dos negócios mais lucrativos, haja vista que “precariedade” é sinônimo de mortes, mutilações, acidentes e adoecimen-tos laborais (Coutinho, 2015, p. 200).

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Como observa Grijaldo Fernandes Coutinho, a função primordial do direito do trabalho

é assentar as bases materiais concretas para a efetividade dos direitos humanos da classe trabalhadora, enquanto a terceirização trafega exata-mente na via oposta, qual seja, a por demais tortuosa dilaceração da digni-dade humana obreira. (Coutinho, 2015, p. 258)

Destarte,

essa pulverização dos trabalhadores conduz necessariamente ao esfacela-mento e ao enfraquecimento sindicais, trazendo consigo a consequente re-tração dos movimentos em defesa do trabalho – direito do trabalho, condi-ções dignas de trabalho, meio ambiente de trabalho saudável e ampliação de conquistas sociais. (Coutinho, 2015, p. 146)

No tocante ao conceito de terceirização, assinala Mauricio Godinho Delgado:

Trata-se de fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno, insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. (Delgado, 2001, p. 427)

Por isso,

essa dissociação entre relação econômica de trabalho (firmada com a em-presa tomadora) e relação jurídica empregatícia (firmada com a empresa terceirizante) traz graves desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o direito do trabalho ao longo de sua história. (Delgado, 2001, p. 428)

Consoante ensina Laércio Lopes da Silva, a terceirização cria um caos na possibilidade de o empregado se integrar verdadeiramente na estrutura da empresa, pois, contratado por uma empresa para trabalhar em outra, não pode se integrar à estrutura da tomadora e fica marginalizado em relação ao processo de ascensão na prestadora, criando espantalhos de trabalhado-res utilizados tão somente como meio de aumento do lucro das empresas sem qualquer ganho concreto para eles próprios ou para a sociedade (Silva, 2015, p. 17).

Como assevera o autor:

As desigualdades salariais que são explicadas, em termos, pela teoria do capital humano não encontram essa possibilidade na terceirização que do

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capital humano se utiliza sem qualquer valorização dessa ferramenta, pois a única ideia é a valorização do capital financeiro – o lucro. A terceiriza-ção impossibilita a análise das características individuais que afetam ou que possibilitam a integração ao processo de produção de bens e de serviços desumanizando essa relação, vulnerando o disposto no inciso IV do art. 1º da CF/1988. (Silva, 2015, p. 17)

O trabalhador terceirizado, com frequência, situa-se à margem do contexto produtivo. São a ele direcionadas as mesmas atividades dos de-mais trabalhadores, mas sem que lhe sejam reconhecidos e, consequente-mente, destinados os mesmos direitos, as mesmas prerrogativas e a proteção típica do empregado celetista (Silva, 2015, p. 111).

Nesse sentido,

há uma forte tendência de se diminuir, propositalmente, a importância do terceirizado dentro do processo de produção, e a própria convivência com os demais empregados celetistas, como medida tendente a transmudar a na-tureza da relação com ele mantida e, eventualmente, afastar o vínculo de emprego, o que se reveste de evidente engano, diante da prevalência da aná-lise da relação de natureza trabalhista sob o aspecto do contrato realidade. (Silva, 2015, p. 112)

Para Julpiano Chaves Cortez, são exemplos de restrições de direitos dos trabalhadores resultantes da terceirização:

A impossibilidade de acesso dos terceirizados ao quadro de carreira da empresa tomadora de serviços, a fragilização da categoria profissional e a precarização das normas no meio ambiente de trabalho. (Cortez, 2015, p. 13)

Insta destacar que, por meio do trabalho decente ou digno, o homem tem acesso a todos os atributos essenciais à sobrevivência. Reduzir o desen-volvimento humano à acumulação do lucro e à riqueza, a fim de atender a um processo de competição e de lucratividade entre as empresas, é o mes-mo que assassinar os valores da pessoa humana, haja vista que “a dignidade humana não pode ser, em nenhuma hipótese, relativizada para otimizar o lucro capitalista”.

Por isso, pode-se afirmar que ninguém é livre, se não forem assegu-radas condições dignas de vida em um sistema político que privilegie as determinações do mercado econômico. Sem dignidade, não há cidadania. E “a cidadania é o direito a ter direitos”, ou seja, “o direito a ser sujeito de direitos” (Lafer, 2012, p. 154).

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Dessa maneira, “a emancipação do ser humano somente pode ocor-rer em um ambiente materialmente igualitário” (Quaresma, 2001, p. 406).

O mundo dos trabalhadores terceirizados, para Grijaldo Fernandes Coutinho:

É o da discriminação salarial e sindical e, como seu desdobramento, o da inferioridade no plano do respeito aos seus direitos imateriais. A indiferença com a qual são tratados no ambiente de trabalho os torna – quando não seres extraterrenos, no sentido da invisibilidade social que lhes é dispensada – ví-timas de preconceitos manifestados por inúmeros gestos. A proibição a eles imposta de acessar determinados espaços físicos da empresa e a qualidade de serem as vítimas mais frequentes de ofensas verbais dos representantes patronais, entre tantas outras atitudes, compõem o cotidiano laboral dos em-pregados terceirizados. (Coutinho, 2015, p. 150)

Razão pela qual, em decorrência da discriminação,

os trabalhadores terceirizados encontram-se quase sempre em uma linha muito tênue entre emprego e desemprego, sendo ameaçados de dispensa pela alta rotatividade de mão de obra vigente no segmento das empresas prestadoras de serviços. (Coutinho, 2015, p. 150)

Sobre tal temática, segue-se aqui a assaz coerente visão de Laércio Lopes da Silva. Para o autor, a terceirização surgiu na contramão, visto que,

para além da precarização da relação de trabalho como um todo, traz uma indisfarçável intenção de reduzir custos, diferenciando salários dos empre-gados da prestadora dos salários dos empregados da tomadora, reduzindo, da mesma forma, o nível de emprego, ao contrário do que apregoam os en-tusiastas da terceirização. (Silva, 2015, p. 17)

Ainda, consoante o autor em comento:

A festejada flexibilização das relações traz, em verdade, como faceta franca-mente negativa, a precarização do trabalho e do próprio trabalhador enquan-to pessoa, atingindo-lhe a personalidade e ferindo-lhe a própria dignidade, na medida em que o afasta do centro de fruição de sua mão de obra, privan-do-o, cada vez mais, de valores essenciais ao desenvolvimento humano no campo profissional, como reconhecimento profissional e pessoal, inserção no meio corporativo, valorização da força de trabalho e aumento da autoes-tima, esta inequivocamente constatada ao oportunizar-se ao trabalhador am-biente propício ao desenvolvimento de seus expoentes. (Silva, 2015, p. 112)

Neste ínterim, é imprescindível estabelecer o controle jurídico civili-zatório do processo de terceirização, tendo em vista que, segundo o efetivo posicionamento de Grijaldo Fernandes Coutinho:

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Dada a relação inexorável entre terceirização e trabalho precário, pela pró-pria matriz econômica do regime de subcontratação empresarial, tem-se que esse modo de recrutamento de trabalhadores ofende os princípios consti-tucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da ordem econômica pautada pela valorização do trabalho humano e da justiça social, além de outros desdobramentos daí decorrentes previstos nas normas constitucionais antes citadas. (Coutinho, 2015, p. 224)

De tudo o que foi exposto, adota-se, no presente artigo, o entendi-mento de que o PL 4.330/2004 é inconstitucional por acarretar o retrocesso dos direitos sociais trabalhistas e por afrontar os princípios do direito consti-tucional do trabalho. O referido projeto de lei permite a terceirização – sem maiores restrições – das atividades-fim e das atividades-meio da empresa.

Concorde Grijaldo Fernandes Coutinho, liberada a terceirização, a Constituição de 1988 será de um vazio estrondoso e monumental em ter-mos de direitos humanos. No ritmo temporal e na extensão material das mu-danças regressivas reivindicadas, o risco é de a Constituição não valer para os trabalhadores brasileiros, porquanto os seus direitos ali previstos terão nenhuma ou reduzidíssima efetividade (Coutinho, 2015, p. 254).

Perspectiva sob a qual assinala Laércio Lopes da Silva que a Consti-tuição Federal de 1988 enuncia, no inciso IV do art. 1º, como fundamento do Estado Democrático de Direito, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Em consonância com o autor, isso suscita – sem maiores esforços hermenêuticos – três questões, quais sejam: a) não existe liberdade de con-tratar sem observância de parâmetros mínimos que assegurem os valores sociais do trabalho; b) a livre iniciativa está condicionada à observância dos valores sociais do trabalho de forma absolutamente inseparável, de maneira que não existe sem aqueles; c) observar a proporcionalidade entre a liber-dade de contratar com os valores sociais do trabalho. Por isso, há flagrante inconstitucionalidade, pois o legislador constituinte limitou, de forma obje-tiva, a relação entre a iniciativa privada e a manutenção dos valores sociais do trabalho (Silva, 2015, p. 79).

Como afirma com exatidão Grijaldo Fernandes Coutinho, a proteção à dignidade humana é o eixo da Constituição de 1988, daí derivando a lei-tura de que nenhuma de suas normas pode ser interpretada para relegar a condição de humano da pessoa trabalhadora, como é o que se verifica dian-te da presença de condições laborais degradantes inerentes à terceirização (Coutinho, 2015, p. 224).

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coNcluSão

Em 11 de abril de 2015, três dias após a aprovação do PL 4.330/2004 pela Câmara dos Deputados, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, uma das principais lideranças sindicais no Congresso, Deputado Federal pelo PT desde 2003, deu entrevista à Revista Carta Capital. A matéria reitera categoricamente os pontos de vista do Professor Dr. Ruy Braga, especialista em Direito do Trabalho da USP, transcritos na Introdução do trabalho ora apresentados, e dos teóricos que embasam a tese de que a terceirização, em qualquer ramo laboral, consiste em processo que desrespeita a dignidade do trabalhador.

Observem-se a manchete e alguns trechos da entrevista cedida por Vicente Paulo da Silva:

Terceirização é derrota da esquerda e do PT

Para o deputado sindicalista, empresários estão querendo aumentar o lucro por meio da supressão de direitos trabalhistas

Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, é uma das principais lideranças sin-dicais no Congresso. Deputado Federal pelo PT desde 2003, filiou-se, em 1977, ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Frustrou--se, como muitos sindicalistas, com a aprovação, na última quarta-feira, 8, do texto-base do Projeto de Lei nº 4.330/2004, que libera a terceirização de trabalhadores em toda a cadeia produtiva.

Vicentinho admite, com poucas palavras, que o PT e a esquerda saíram da votação historicamente derrotados. Ele próprio padece de dupla derrota: além de assistir à flexibilização de direitos trabalhistas, viu engavetado seu projeto que regulamentava as mesmas terceirizações. “A minha proposta não permitia que as atividades-fim fossem terceirizadas [...] Agora pode terceiri-zar até a alma”.

(Disponível em: <https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-in-stant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=’Terceiriza%C3%A7%C3%A3o+%C3%A9+derrota+da+esquerda+e+do+PT’+Para+o+deputado+sindicalista%-2C+empres%C3%A1rios+est%C3%A3o+querendo+aumentar+o+lucro+por+meio+da+supress%C3%A3o+de+direitos+trabalhistas>. Acesso em: 12 nov. 2015)

Logo, ao responder à primeira pergunta, Vicentinho deixa clara a questão da perda de salário a que estarão submetidos os novos terceirizados e a perda de direitos trabalhistas garantidos aos trabalhadores, até então em atividades-fim, caso o Senado aprove o PL 4.330/2004 sem alterações e a Presidenta Dilma Rousseff não vete cláusulas que gerem retrocessos ainda

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maiores aos que já são inerentes às leis de terceirização vigentes até a apro-vação do supracitado projeto de lei:

Carta Capital: Seu Projeto de Lei nº 1.621/2007 também tentava regulamen-tar a terceirização. De que forma ele pretendia igualar os direitos de terceiros e efetivos?

Vicentinho: O meu projeto foi rejeitado na quarta-feira 8 com a aprovação do texto do Ex-Deputado Sandro Mabel. O meu assegurava a existência da terceirização, mas com dignidade, porque o texto do Mabel só se preocupa em aumentar a lucratividade do empresário. O meu projeto não permitia que as atividades-fim fossem terceirizadas. Em uma metalúrgica, por exemplo, quem é terceirizado é o restaurante, o setor de limpeza, a manutenção civil, nunca a linha de montagem. Nunca o ferramenteiro, o prensista, o funileiro. Agora todos podem ser terceirizados com salário menor. Mas, principalmen-te, meu projeto dava ao trabalhador proteção trabalhista compartilhada tanto pela empresa contratante quanto pela contratada.

(Disponível em: <https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-ins- tan t&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=’Terceiriza%C3%A7%C3%A3o+%C3%A9+derrota+da+esquerda+e+do+PT’+Para+o+deputado+sindicalista%2C+empres%C3%A1rios+est%C3%A3o+querendo+aumentar+o+lucro+por+meio+da+supress%C3%A3o+de+direitos+trabalhistas>. Acesso em: 12 nov. 2015)

Ou seja: a diminuição de salário e a não responsabilização quanto aos direitos trabalhistas pelas empresas contratantes gerarão a estas o tão almejado lucro sem aumento de produtividade ou conquista de novos mer-cados, mas à custa do sacrifício do trabalhador, que, como visto ao longo deste artigo, gera o abjeto lucro legal – entenda-se a palavra “legal” no sen-tido denotativo, isto é, criado por lei contra a dignidade laboral.

Isso sem se falar na real possibilidade do aumento de calotes que mui-tas empresas contratadas para prestarem serviço à contratante – caso mal administradas – podem impingir aos seus empregados, como tem sido inú-meras vezes constatado por ações trabalhistas impetradas por sindicatos de trabalhadores terceirizados em todas as regiões do País. Além disso, ainda poderá ocorrer a chamada “quarteirização”, conforme alerta o Deputado:

Carta Capital: Não é assim no texto-base aprovado?

Vicentino: Não. Muitas empresas terceirizadas recebem o dinheiro da con-tratante e desaparecem sem pagar o trabalhador. E este não pode responsabi-lizar a contratante. Para conseguir processá-la, a ação contra a empresa que sumiu terá de ter transcorrido todas [sic] as instâncias jurídicas. O problema

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é que uma causa trabalhista prescreve em cinco anos. No meu texto, as duas empresas eram mutuamente responsáveis.

Carta Capital: E como vai ficar a sindicalização para o trabalhador terceiri-zado?

Vicentino: Em uma categoria forte, como a de metalúrgicos, o trabalhador terceirizado tem mais força também, mas, em geral, os sindicatos de terceiros são frágeis. Além de tornar fácil a troca de mão de obra, existe até quartei-rização.

Carta Capital: O que caracteriza a quarteirização?

Vicentino: É quando uma empresa terceirizada por uma montadora, por exemplo, também contrata outra terceirizada para executar o serviço. É como um bolo dividido em cada vez mais pedaços, e o menor é entregue ao trabalhador.

Quanto às perdas salariais, Vicentinho explicita:

Carta Capital: Em que proporção os salários podem ser afetados?

Vicentino: Segundo o Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Es-tudos Socioeconômicos], o salário médio é 27% menor. Mas deve aumentar, porque não vai haver mais comparação com quem é empregado direto. Isso sempre influenciou muito os acordos coletivos. Sem isso, o empresário vai economizar muito. É a sanha de quem descobriu que terceirizar é lucrar. Não é dinheiro extra conseguido com aumento de vendas, de produção, mas pela supressão de direitos.

(Disponível em: <https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-ins-tan t&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=’Terceiriza%C3%A7%C3%A3o+%C3%A9+derrota+da+esquerda+e+do+PT’+Para+o+deputado+sindicalista%2C+empres%C3%A1rios+est%C3%A3o+querendo+aumentar+o+lucro+por+meio+da+supress%C3%A3o+de+direitos+trabalhistas>. Acesso em: 12 nov. 2015)

Como se constata, a dilapidação do patrimônio histórico-concreto--laboral é inversamente proporcional à manutenção de direitos conquis-tados ao longo de décadas pelos trabalhadores e pelos sindicatos de tra-balhadores. Caso se torne lei, o PL 4.330/2004 consistirá no maior golpe às conquistas trabalhistas e ao justrabalhismo neste País. Cabe, agora, ao Senado, como Casa que pode legitimar, ou não, anseios dos vários segmen-tos sociais, rejeitá-lo, modificando-lhe o escopo explicitamente favorável ao lucro de empresários, fazendeiros, entre outros, que o buscam por meio do sofrimento de milhões de trabalhadores brasileiros.

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Este não é um gênero panfletário; entretanto, não se pode finalizá-lo sem se deixar de expressar veementemente o que sua autora pensa, recor-rendo a Vinícius de Morais, em um de seus poemas mais brilhantes: “Ope-rário em construção”.

E foi assim que o operário

Do edifício em construção

Que sempre dizia sim

Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas

A que não dava atenção:

Notou que sua marmita

Era o prato do patrão

Que sua cerveja preta

Era o uísque do patrão

Que seu macacão de zuarte

Era o terno do patrão

Que o casebre onde morava

Era a mansão do patrão

Que seus dois pés andarilhos

Eram as rodas do patrão

Que a dureza do seu dia

Era a noite do patrão

Que sua imensa fadiga

Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!

E o operário fez-se forte

Na sua resolução.

(Disponível em: <http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias--avulsas/o-operario-em-construcao>. Acesso em: 16 nov. 2015)

Décadas de lutas foram necessárias para conquistas trabalhistas his-tóricas. Mais uma vez, é preciso levantar bandeiras contra o capitalismo neoliberalista selvagem e exigir do Senado e da Presidenta Dilma que não compactuem com a aprovação de um projeto que representará um retroces-so histórico para a dignidade dos trabalhadores brasileiros.

Não à terceirização! Não ao lucro que denigre a dignidade humana!

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referÊNcIaSCORTEZ, Julpiano Chaves. Terceirização trabalhista. São Paulo: LTr, 2015.

COUTINHO, Grijaldo Fernandes. Terceirização. Máquina de moer gente trabalhadora. São Paulo: LTr, 2015.

DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao direito do trabalho: relações de trabalho e relação de emprego. São Paulo: LTr, 2001.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com Hannah Arendt. Editora Companhia das Letras, 2012.

QUARESMA, Regina; GUIMARAENS, Francisco. Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

SILVA, Laercio Lopes da. A terceirização e a precarização nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2015.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Terceirização: o Perverso Discurso do Mal Menor

vALDETE SOuTO SEvEROJuíza do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Especialista em Processo Civil pela Unisinos, Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previden- ciário pela Unisc, Master em Direito do Trabalho, Direito Sindical e Previdência Social pela Uni-versidade Europeia de Roma – UER (Itália), Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade da República do Uruguai (Udelar), Mestre em Direitos Fundamentais pela Pontifícia Universidade Católica – PUCRS, Doutoranda em Direito do Trabalho pela USP, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e Renapedts – Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social, Diretora e Pesquisadora da Femargs – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS.

RESUMO: Este artigo trabalha o tema da terceirização e de sua discussão a partir do PL 4.330, sob a perspectiva do quadro político atual e das circunstâncias históricas e atuais das relações de trabalho no Brasil. A partir da reflexão acerca do perverso discurso do “mal menor”, pelo qual regulamentar a terceirização seria a única saída para um caminho sem volta, propõe-se a rediscussão dos efeitos perversos da terceirização, seja em atividade-meio ou em atividade-fim. A proposta final é de comba-te a qualquer forma de terceirização, como condição de possibilidade de realização, ainda que parcial, do projeto social contido na Constituição de 1988.

PALAVRAS-CHAVE: Terceirização; atividade-fim; atividade-meio; Direito do Trabalho; Constituição.

SUMÁRIO: 1 Contextualizando o tema: compreendendo a terceirização e a atualidade da discussão acerca da necessidade ou não de regulamentá-la; 2 A perversidade do discurso do capital, quan-do se arvora defensor dos direitos dos trabalhadores terceirizados; 3 A realidade da terceirização; 3.1 Terceirização e trabalho infantil; 3.2 Terceirização e escravidão; 3.3 Terceirização e morte; 3.4 Outros efeitos da terceirização; 4 A regulamentação da terceirização: o que muda com o PLC 30/2015?; 5 As perspectivas para o futuro; 6 Para concluir; Referências.

1 coNteXtualIzaNdo o tema: comPreeNdeNdo a terceIrIzação e a atualIdade da dIScuSSão acerca da NeceSSIdade ou Não de regulameNtá-la

O tema da terceirização retornou ao cenário político quando a atual composição da Câmara dos Deputados – a mais conservadora desde 1964, segundo o DIAP1 – desarquivou projeto proposto pelo Deputado Sandro Mabel em 2004, que “regulamenta” e amplia as hipóteses de terceirização nas relações de trabalho. O projeto, em realidade, tramitou em 2011 e 2013 e apenas não foi aprovado em razão da forte reação de setores organizados

1 Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Informação disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,congresso-eleito-e-o-mais-conservador-desde-1964-afirma-diap,1572528>. Acesso em: 26 maio 2015.

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da sociedade, como a magistratura do trabalho e o Movimento Humanos Direitos2.

Segundo o Dieese, existiam cerca de 12,7 milhões de trabalhadores terceirizados em 20103, número que certamente já aumentou e que segu-ramente não contempla as crianças e adolescentes que também trabalham informalmente como terceirizados ou mesmo os trabalhadores que, em tal condição, estão sujeitos à situação de escravidão. São números modestos, portanto.

A terceirização não é algo novo. Ao contrário do que nos dizem, Marx já se referia à prática comum de introdução de “atravessadores” na relação entre capital e trabalho, denunciando a precarização e a maximização da exploração do trabalho que provoca. Atualmente, a terceirização é definida como uma técnica empresarial que promove o “enxugamento” da empre-sa, por meio do repasse de parte das atividades. Segundo o senso comum, trata-se de um caminho sem volta. Na realidade, porém, a terceirização é uma máscara. O vínculo de trabalho segue sendo exatamente o mesmo. As fórmulas (tomador dos serviços, empresa cliente, prestadora, terceirizados) não conseguem alterar essa realidade: a empresa prestadora (melhor seria dizer empresa locadora) não passa de uma “intrusa na relação de empre-go, mera intermediária da mão de obra, enquanto a suposta “tomadora” é o verdadeiro empregador, que aparece “mascarado de ‘empresa cliente’”4.

O metabolismo da sociedade capitalista consiste na produção – cir-culação – de mercadorias, em um círculo perene, cujo objetivo central é a acumulação. O volume da acumulação do capital, sua possibilidade de re-produção e expansão, está diretamente relacionado ao grau de exploração da força de trabalho e à força produtiva do trabalho, ou seja, à reunião dos trabalhadores para que, somando esforços, produzam mais e melhor do que fariam individualmente. Em outras palavras, o trabalho coletivo torna-se im-portante para potencializar a acumulação de capital justamente porque se trata de um conjunto de forças de trabalho exploradas pelo mesmo capital, que lucra mais com a conjunção dessas forças individuais dos trabalhadores do que se explorasse cada um deles individualmente. Pois bem, o fenômeno da terceirização não elimina o trabalho coletivo.

2 Uma campanha lançada em 2013 contou inclusive com a edição de vídeos em que atores globais esclarecem os efeitos da terceirização e conclamam ao seu combate. Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/index.php/tv-anamatra/reportagens-debates-e-entrevista/todos-contra-a-terceirizacao-video-3>. Acesso em: 13 jun. 2015.

3 Disponível em: <http://www.cut.org.br/system/uploads/ck/files/dossie-terceirizacao-e-desenvolvimento.pdf>. 4 MACHADO FILHO, Sebastião. “Marchandage”. A degradação do Direito do Trabalho e o retrocesso ao trabalho

escravo no Brasil pelas chamadas “empresas prestadoras de serviço”. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 20, n. 79, jul./set. 1983.

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A força produtiva social continua sendo explorada de forma conjunta, embora pulverizada em vários ambientes, sob contornos jurídicos diversos. A terceirização corresponde, portanto, a uma forma complexa de coopera-ção, que reorganiza o trabalho coletivo sem mudar-lhe as características5. Dentro do processo de trabalho, sequer se sustenta a divisão em atividade--fim ou atividade-meio que o projeto de lei discute, na medida em que é justamente a congregação de todas as atividades necessárias à consecução do empreendimento que o torna não apenas viável, mas lucrativo. Tanto a limpeza e conservação quanto a vigilância, a montagem, a sistematização tecnológica, todas as tarefas que se fazem necessárias à realização de um produto ou serviço formam a empresa.

Marx observou, já em meados do século XIX, que ao estabelecer um local para o trabalho já foi possível pensar a interposição de sujeitos, ora para lucrar com o capitalista, ora para ser explorado com o trabalhador. O fracionamento das atividades, especialmente com a introdução das máqui-nas no ambiente de trabalho, facilitou a exploração da força de trabalho mais barata (feminina e infantil), a ampliação da quantidade produzida em detrimento da qualidade e a alteração da própria configuração da explora-ção capitalista. O trabalho domiciliar “se converteu no departamento exter-no da fábrica, da manufatura ou da grande loja”6.

Em outra obra, concluída em 1866, Marx já se referia à transferência da função despótica de supervisão direta e contínua dos trabalhadores para “uma espécie particular de assalariados”:

Do mesmo modo que o exército necessita de oficiais militares, uma massa de trabalhadores que coopera sob o comando do mesmo capital necessita de oficiais (dirigentes, gerentes) e suboficiais [...] que exerçam o comando durante o processo de trabalho em nome do capital [...] O capitalista não é capitalista por ser diretor da indústria; ao contrário, ele se torna chefe da indústria por ser capitalista.7

É claro que hoje o quadro não é exatamente o mesmo, pois a história se repete em um movimento contínuo de recuos e evoluções, sem jamais se repetir integralmente. Hoje, a presença de atravessadores na exploração da força de trabalho é bem mais complexa. Em Brasília, em um estudo de cam-

5 ALVES, Giovanni. Terceirização e acumulação flexível do capital: notas teórico-críticas sobre as mutações orgânicas da produção capitalista. Revista Estud. Sociol., Araraquara, v. 16, n. 31, p. 409-420, 2011.

6 Segundo Marx, o capital não controla apenas os trabalhadores que “concentra espacialmente em grandes massas e comanda diretamente”. Além disso, movimenta também, “por fios invisíveis, um outro exército: o dos trabalhadores domiciliares, espalhados pelas grandes cidades e pelo campo”. MARX, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 533-4.

7 Idem, p. 407-8.

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po recente que fizemos em nome do grupo de pesquisa Trabalho e Capital, da USP, pudemos entrevistar pessoas que trabalham há muitos anos no Mi-nistério da Justiça, no STF ou no TST como terceirizados. Já “passaram” por várias prestadoras de serviços. Essas pessoas estão há anos sem tirar férias, porque, quando muda a empresa prestadora, “zera” o contrato. A remune-ração volta a ser a inicial e o tempo de serviço volta a ser contado do início. O resultado desse trabalho está no vídeo “Terceirizado, um trabalhador bra-sileiro”, disponível na Internet8.

O fato é que a prática da locação de força de trabalho foi coibida, tanto em nível mundial quanto no Brasil, em razão dos efeitos perversos que gera, não apenas para o trabalhador, mas para a própria comunidade9.

A volta do atravessador na relação entre capital e trabalho no Brasil é identificada com o Decreto nº 200, de 1967, que estabelece a “descentra-lização” como princípio a ser executado da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões10. Portanto, já na década de 1960 verificou-se o repasse de atividades para terceiros, afetando de forma especial alguns setores que, não por acaso, constituíam-se como ca-tegorias profissionais organizadas, como é o caso dos servidores públicos e dos bancários.

O Poder Judiciário Trabalhista resistiu a essas involuções. Em 1986, o TST consolidou jurisprudência acolhendo apenas de forma excepcional a terceirização, nas hipóteses expressamente previstas em lei (Enunciado nº 256). Em 1993, porém, esse entendimento foi alterado, permitindo a ter-ceirização sem qualquer autorização legal, em atividades de conservação e limpeza e nos serviços especializados ligados à atividade-meio11.

8 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=iu5Xhu82fzc>. Acesso em: 13 jun. 2015.9 O art. L 125-1 do Código do Trabalho francês, por exemplo, estabelece: “Toda operação com fim lucrativo

de fornecimento de mão-de-obra que tiver por efeito causar um prejuízo ao trabalhador afetado ou frustrar a aplicação das disposições da lei, do regulamento ou da convenção ou acordo coletivo de trabalho é proibida”.

10 Outros dois exemplos de leis que permitem essa intermediação são a Lei nº 6.019, de 1974, que dispõe sobre trabalho temporário, e a nº 7.102/1983, que trata da função de vigilante. Fora essas autorizações específicas e – é importante que se registre – anteriores à Constituição de 1988, editadas em pleno regime militar, não há outras formas de intermediação autorizadas pelo ordenamento jurídico.

11 Essa alteração jurisprudencial, em grande medida responsável pelo momento em que vivemos hoje, ocorreu porque, em abril de 1993, após receber denúncia do sindicato dos trabalhadores bancários, de terceirização não abrangida pelas hipóteses legais, o MPT instaurou inquérito contra o Banco do Brasil. As partes assinaram Termo de Compromisso, que não foi cumprido. Houve, então, um pedido formal do Subprocurador-Geral Ives Gandra Filho, aos Ministros do TST, de “revisão” do Enunciado nº 256, que culminou na edição da Súmula nº 331, em dezembro de 1993. BIAVASCHI, Magda; DROPPA, Alisson. A história da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho: a alteração na forma de compreender a terceirização. Texto baseado nos resultados apresentados no Relatório Científico Final da Pesquisa “A Terceirização e a Justiça do Trabalho”, financiada pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/918/669>. Acesso em: 1º mar. 2015.

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A súmula admitiu a “quebra” da espinha dorsal do Direito do Traba-lho na medida em que regulou a interposição de terceiro em uma relação social que é claramente formada por duas partes: o capital e o trabalho. Desse momento em diante, os metalúrgicos, os professores, os vendedores, os motoristas, os instaladores, os comerciários e tantas outras categorias pro-fissionais organizadas foram sendo predatoriamente desarticuladas, perde-ram direitos e identidade de classe.

A distinção arbitrária, criada pela Súmula nº 331 do TST, entre ativi-dade-meio e atividade-fim, além de não ter amparo no ordenamento jurí-dico, mal esconde os seguintes fatos: (a) a terceirização já invadiu as cha-madas “atividades-fim”, havendo decisões que chancelam a contratação de terceirizado para prestar serviços de motorista em empresa de transporte, professor em escola, vendedor em loja, apenas para citar alguns exemplos; (b) a terceirização na atividade-meio é igualmente nociva e precarizante, pois os efeitos individuais e sociais desse repasse de força de trabalho em nada se alteram, em uma e em outra modalidade de terceirização; (c) seguir considerando o critério ilegal da Súmula nº 331, quando diferencia ativi-dade-meio e atividade-fim, implica chancelar a intermediação de força de trabalho e todos os seus efeitos deletérios, justamente para os trabalhadores que mais sofrem com esse processo de precarização, notadamente os em-pregados em serviço de limpeza e conservação, telemarketing e segurança.

A partir de então, estava iniciado o movimento que culmina hoje na tentativa de regulamentação e ampliação dessa forma de intermediação de força de trabalho. O que precisamos perceber é que o desarquivamento do projeto de lei sobre a terceirização não aparece como algo isolado no cená-rio político. Ao contrário, é acompanhado de decisões recentemente profe-ridas pelo STF, ampliando as possibilidades de atravessamento da força de trabalho, como a ADI 192312, ou sobrestando o andamento de demandas

12 A ação foi proposta em 1998 e apenas agora julgada, reconhecendo a possibilidade de transpasse, pelo administrador, de serviços públicos ao setor privado. A atuação do Estado na saúde, na educação, na cultura, no desporto e lazer, na ciência e tecnologia e no meio ambiente pode, segundo o STF, se realizar mediante uma gestão compartilhada com o setor privado, por intermédio da formalização de “instrumentos de colaboração público/privada”, pelos quais se reserva a participação do Estado como entidade de “fomento”, não apenas com transferência de recursos financeiros, mas também pela cessão de bens públicos e até de servidores públicos. Esses convênios serão firmados com ONGs, alçadas ao status de Organizações Sociais, por meio de deliberação do próprio ente público. Pelo artifício jurídico legitimado pela decisão do Supremo permitiu-se, enfim, a terceirização da atividade-fim no setor público, mediante a “terceirização” da própria administração, indo bem além (e sem limites) das hipóteses já previstas no art. 175 da Constituição (concessão e permissão de serviços públicos). Assim, um ente público poderá, por exemplo, transferir para uma Organização Social de cunho privado, uma atividade escolar ou de saúde.

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que discutem terceirização na atividade-fim, como na liminar proferida no ARE 79193213.

O próprio Governo Federal, embora eleito em razão da promessa de garantir as conquistas históricas dos trabalhadores, apresenta como um de seus primeiros atos a edição de duas medidas provisórias (664 e 665) que retiram direitos trabalhistas.

O Congresso, por sua vez, revela sua ânsia neoliberal, aprovando projetos como o PL 3.842/2012, que altera o conceito de trabalho em con-dição análoga à de escravo (retirando as expressões “jornadas exaustivas” e “condições degradantes de trabalho”), e a PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal para dezesseis anos14.

A tramitação do PL 4330 na Câmara dos Deputados foi feita em regi-me de urgência e a portas fechadas. A primeira votação teve como resultado 324 votos a favor e apenas 137 contrários ao projeto. Em segunda votação, a Câmara aprovou uma emenda aglutinativa alterando alguns pontos do projeto, por 230 votos a favor e 203 contra. Encaminhado ao Senado, o projeto (agora PLC 30/2015) passa pela análise das comissões.

É preciso compreender, portanto, que a ineficácia do combate ao PL 4330, hoje PLC 30/2015, se dá por duas razões principais: porque os mais de doze milhões de terceirizados continuarão em sua condição de preca-riedade e total invisibilidade, se a situação continuar sendo regulada pela Súmula nº 331 do TST, como ocorre atualmente; e porque os três poderes de Estado estão afinados, dançando a mesma música, cuja melodia é ditada pelo capital internacional15.

13 A existência de uma ação com repercussão geral junto ao STF (ARE 791932) e a determinação, pelo Ministro Luiz Fux, de “sobrestamento de todas as causas que apresentem questão idêntica à que será resolvida com foros de repercussão geral no presente caso” revela um processo dialético, repleto de contradições, em que o Poder Judiciário ora atua como guardião da Constituição, ora como instrumento de poder político-econômico. Todas essas lides envolvendo relações de trabalho de milhões de brasileiros que já foram gravemente afetados por outra decisão do STF, em que reconheceu a constitucionalidade do art. 71 da Lei de Licitações, para o efeito de determinar que a responsabilidade da Administração Pública, quando terceiriza, se restringe aos casos em que há prova da culpa. Há também em tramitação no STF o ARE 713211, que discute o conceito de atividade-fim.

14 A PEC 171 é de 1993. Mais um projeto desengavetado pela Câmara dos Deputados, em razão da nova cena política conservadora, obtida a partir das últimas eleições. Trata-se de uma proposta que, a exemplo do PL 4330, afeta diretamente as conquistas sociais das últimas décadas, tornando letra morta os mais básicos direitos da Constituição.

15 Trata-se de um movimento de âmbito internacional, que tem como referências tanto o Consenso de Washington em 1989, quanto à edição do Documento 319 do Banco Mundial em 1996, denominado “O setor judiciário na América Latina e no Caribe. Elementos para reforma”. Entre as indicações desse documento está a de que um Poder Judiciário justo e eficiente tem que ser previsível e relevante ao desenvolvimento econômico. Sugere a criação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, maior previsibilidade e informatização (PJE). Em 15.12.2004, o Presidente da República, o Presidente do STF, o Presidente do Senado Federal e o Presidente da Câmara dos Deputados firmaram o Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano. Foram apontados 26 projetos de lei importantes para o aprimoramento do desempenho

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2 a PerverSIdade do dIScurSo do caPItal, QuaNdo Se arvora defeNSor doS dIreItoS doS trabalHadoreS terceIrIzadoS

Capital e trabalho constituem uma totalidade: um complementa o outro; um não existe sem o outro. Não é possível conceber trabalho assa-lariado em uma racionalidade diversa daquela capitalista. Por isso, Marx já referia que o capitalismo é tendencialmente favorável à maximização da exploração. O trabalhador assalariado é vendedor (da força de trabalho) e comprador (das demais mercadorias – consumidor). Já o capitalista, por sua vez, é comprador (da força de trabalho) e vendedor (da mercadoria).

Nessa relação, ambos buscam o maior proveito possível. Marx afirma que o capital “tem boas razões para negar os sofrimentos das gerações de trabalhadores que o circundam”, porque admiti-lo seria também reconhecer sua tendência natural a promover o “apodrecimento futuro da humanidade e seu irrefreável despovoamento final”16. Isso porque, historicamente, o ca-pital sempre se opôs a qualquer limite em sua ânsia predatória, sobretudo limites determinados pela proteção a quem trabalha. A história do Direito do Trabalho no Brasil tem bons exemplos disso.

O trabalho a partir dos onze anos em regime de 56 horas semanais foi defendido por Jorge Street, o primeiro diretor do Departamento Nacio-nal do Trabalho no Brasil, quando da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1931. Em sua manifestação, Street referiu que “seus trabalhadores”, sujeitos a jornadas de dez horas, saíam do trabalho “marchando firmes e bem dispostos”, nunca se queixavam desse regime de trabalho, nem participaram da greve geral daquele ano. Acrescentou que os

da prestação jurisdicional, relativos ao processo civil, penal e trabalhista. Os compromissos fundamentais firmados no Pacto se referem às seguintes medidas: reforma constitucional do Judiciário; reforma do sistema recursal e dos procedimentos; coerência entre a atuação administrativa e as orientações jurisprudenciais já pacificadas. A discussão acerca da extinção da Justiça do Trabalho em meados da década de 1990 entra nesse quadro de busca de harmonia dos poderes de Estado em nome de um desenvolvimento econômico predatório, sem amarras. Em 2009, foi firmado no Brasil o 2º Pacto Republicano de Estado por um sistema judiciário mais acessível, ágil e efetivo, assinado no dia 13.04.2009 pelos presidentes dos três Poderes, e tendo como foco principal fortalecer as garantias aos direitos fundamentais dos cidadãos. Os compromissos, desta vez, foram: conferir prioridade às proposições legislativas relacionadas à continuidade da Reforma Constitucional do Poder Judiciário e aos temas relacionados à concretização dos direitos fundamentais, à democratização do acesso à Justiça, à efetividade da prestação jurisdicional e ao aperfeiçoamento dos serviços públicos prestados à sociedade; fortalecer a mediação e a conciliação e promover a informatização. Entre as propostas: (a) estratégia Política (relação Congresso/Governo); (b) alterações na legislação infraconstitucional (para conferir maior agilidade ao processo judicial; institucionalizar mecanismos de conciliação, regras inibidoras de recursos protelatórios, fortalecimento dos juizados especiais e adequação do estatuto da magistratura aos princípios norteadores da reforma do Judiciário); (c) alterações na Constituição. Na cerimônia de abertura do Ano Judiciário 2011, o Presidente do STF, Ministro Cezar Peluso, apresentou a proposta do III Pacto Republicano. A proposta é de construir uma cultura de solidariedade, interação e respeito institucionais entre os poderes, nos limites que nos outorga a Constituição da República, simplificar os procedimentos processuais e ampliar as competências dos tribunais de segunda instância, em especial a redução do número de recursos.

16 MARX, Karl. Op. cit., p. 342-3.

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trabalhadores “aceitaram com prazer o trabalho em horas suplementares, que, naturalmente, lhes proporcionava um excedente de ganho”. Esse em-presário, que empregava na época cerca de 300 crianças entre 11 e 15 anos, em regime de 10 horas de trabalho por dia, referiu que as crianças podiam “até fazer lanche durante o trabalho” e mesmo sentar para descansar de vez em quando. Ao fim da jornada, as crianças saíam das fábricas “em revoada alegre e gritante, correndo e brincando”. Por isso, afirmava que tirá-las do trabalho significaria deixá-las “ao abandono, entregues a si mesmas, nas ruas, à disposição de todas as seduções e de todos os vícios”17.

Também não é novidade que muitos empresários e donos de terra defenderam a escravidão no final do século XIX, opondo-se a sua abolição, representados por parlamentares como Domingos Andrade Figueira, do RJ, que contestou o discurso do Sr. Joaquim Nabuco, na sessão que discutiu a aprovação da Lei Áurea, criticando o governo pela insegurança social e o prejuízo econômico que adviriam da abolição, sobretudo porque a lei per-mitia a libertação dos escravos sem indenização aos proprietários18.

O discurso é sempre o mesmo, recheado de expressões vazias de conteúdo, como “segurança jurídica” e “estabilidade econômica”. O ob-jetivo também não se altera: evitar conquistas sociais mínimas e impedir a imposição de limites ao capital.

Como pressuposto dessa defesa (declarada ou disfarçada) do trabalho escravo ou infantil (e, portanto, da terceirização, que potencializa essas for-mas de exploração do trabalho) está a ideia de que existem diferentes tipos de seres humanos. Os filhos da classe média ou alta, que devem estudar e se preparar para assumir funções públicas e empreendimentos privados, não se confundem com os filhos da pobreza, que precisam trabalhar desde cedo para auxiliar no sustento da família. Os ricos, que devem trabalhar no máximo oito horas por dia, fruir descanso, viajar e consumir, se opõem aos pobres, que podem se sujeitar a trabalhos insalubres, por doze ou mais horas consecutivas, que não precisam descansar nem fruir férias. É apenas para essas pessoas que o discurso do mal menor, representado pela falácia de que é melhor regulamentar a terceirização (ainda que ela viabilize o tra-balho infantil e a escravidão) do que combatê-la, se apresenta.

17 Jorge Street era considerado um industrial com muita consciência social, porque instituiu benefícios para seus quase quatro mil operários e fez uma vila operária para que residissem, na qual havia intensa prática religiosa e disciplina de caserna, com toque de recolher. A Vila Maria Zélia foi, inclusive, transformada em presídio durante a revolta militar de 1935 (PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michael M. A Classe Operária no Brasil. 1889-1930. Documentos. Condições de vida e de trabalho, relações com os empresários e o Estado. São Paulo: Funcamp, v. II, 1981. p. 175-83).

18 Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/125-anos-da-lei-aurea/1888-2013-a-abolicao-da-escravatura>. Acesso em: 26 maio 2015.

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O que parece exagero é apenas o retrato da realidade.

3 a realIdade da terceIrIzação

Os impactos da terceirização são muitos e de várias ordens, a come-çar pelo fato de que a terceirização quebra a noção de relação de trabalho, que tanto a Constituição quanto a CLT albergam e que qualificam como uma relação entre dois sujeitos: empregado e empregador. Esse disfarce per-mite uma quebra da própria noção de proteção e estimula a fraude (hoje já verificada) na contratação de pessoas como se fossem empresas (a chamada Pejotização).

Alguns desses efeitos serão brevemente elencados, configurando um quadro que não é completo e mesmo assim afigura-se assustador.

3.1 terCeirizAção e trAbAlho inFAntil

No último Relatório Mundial sobre o Trabalho Infantil, publicado pela OIT, há referência à direta ligação entre pobreza e trabalho infantil19. A precarização das condições de vida e dos vínculos de trabalho é determi-nante, portanto, para impedir que a retórica de proteção se torne realidade. É mesmo óbvio que em um país sem garantia de emprego, como o Brasil, no qual (de acordo com pesquisas oficiais) cerca de doze milhões de pessoas trabalham em empregos precários, como terceirizados, haja um verdadeiro estímulo à exploração de crianças e adolescentes.

Algumas das principais marcas internacionais já foram autuadas pela constatação da prática de trabalho infantil em suas prestadoras de serviços. Samsung20, Nike21, Le Lis Blanc22, Zara23, BV Financeira24 são apenas alguns dos nomes de empregadores já flagrados explorando trabalho infantil por meio de interpostos. Em 2010, a empresa Philip Morris admitiu a presença

19 Disponível em: <http://www.ilo.org/ipec/Informationresources/wcms_233016/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 26 maio 2015.

20 Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/samsung/58865-ong-denuncia-trabalho-infantil-fabrica-samsung-china.htm>. Acesso em: 20 maio 2015.

21 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/como-a-nike-esta-lutando-contra-o-uso-de-mao-de-obra-escrava>. Acesso em: 20 maio 2015.

22 Disponível em: <http://www.tst.jus.br>. Acesso em: 20 maio 2015.23 Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2011/08/roupas-da-zara-sao-fabricadas-com-mao-de-obra-es-

crava/>. Acesso em: 19 maio 2015.24 Processo nº 0000049-30.2013.5.15.0006. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-05/bv-

financeira-condenada-nao-impedir-trabalho-infantil-terceirizada>. Acesso em: 18 maio 2015.

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de pelo menos 72 crianças de 10 anos em suas plantações, envolvidos na colheita do tabaco, submetidas ao envenenamento por causa da nicotina25.

A chamada “costura doméstica”, realizada em ambientes clandesti-nos, tem sido uma das atividades que mais propicia a ocorrência de traba-lho infantil. É parte da chamada “terceirização externa”, que, ao permitir e estimular a exploração de força de trabalho fora do ambiente da fábrica, viabiliza essa triste realidade26.

Por fim, é de referir um estudo do Instituto Observatório Social, que revelou recentemente que a Faber-Castell, a Basf e a ICI Paints estavam en-volvidas na cadeia de exploração de mão de obra infantil, porque compram talco das empresas Minas Talco e Minas Serpentinito, que utilizam crianças na mineração da pedra-sabão, na Mata dos Palmitos, em Ouro Preto/MG. O estudo descobriu crianças a partir dos cinco anos de idade trabalhando nas jazidas, carregando pedras de até 20 quilos e esculpindo pedra-sabão: “cortam, talham e lixam o minério”27.

3.2 terCeirizAção e esCrAvidão

A terceirização aguça e promove a exploração de força de trabalho em condições análogas à de escravo. No Manual de Combate ao traba-lho em situação análoga à de escravo, o Ministério do Trabalho observa que provavelmente com o intuito “de elidir a responsabilidade pelo vínculo empregatício, a adoção da terceirização ganhou espaço”, havendo necessi-dade de que a fiscalização volte suas atenções para o “desvendamento da cadeia produtiva envolvida”, pois essa prática tem incentivado a exploração de trabalho escravo28. A existência de uma figura interposta entre trabalha-dor e tomador de serviços aprofunda a “subsunção do primeiro ao capital,

25 Disponível em: <http://forum.antinovaordemmundial.com/Topico-cinco-multinacionais-envolvidas-na-ex-plora%C3%A7%C3%A3o-do-trabalho-infantil#ixzz3ahPDiSdv>. Acesso em: 20 maio 2015.

26 Em um artigo no qual trata a questão do trabalho infantil no setor calçadista da cidade de Franca, de 2006, a autora Elisiane Sartori observa que, em 1989, “o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Calçados de Franca (conhecido como “Sindicato dos Sapateiros”) iniciou o monitoramento nas indústrias e, percebendo o aumento da utilização de mão-de-obra infantil, fez uma tentativa, fracassada, de chamar a sociedade para discutir o problema, o que os levou a buscar parcerias com agentes externos à cidade, com intuito de diagnosticar a demanda, a necessidade e os malefícios dessa incorporação precoce. Dessa maneira, foi realizado um estudo de caso preliminar – ‘Estudo de Caso de Crianças Trabalhadoras no Setor de Calçados de Franca’ –, cujo resultado constatou uma grande parcela das crianças e dos adolescentes trabalhadores da ‘banca de pesponto’ sem registro na Carteira Profissional” (SARTORI, Elisiane. Trabalho Infantil em Franca: um laboratório das lutas sociais em defesa da criança e do adolescente. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n26/30393.pdf>. Acesso em: 20 maio 2015.

27 Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2006/02/multinacionais-beneficiam-se-da-exploracao-de-trabalho -infantil/>. Acesso em: 24 maio 2015.

28 Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC88201350B7404E56553/combate %20trabalho%20escravo%20web.pdf>. Acesso em: 7 maio 2015.

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pois o trabalhador muitas vezes sequer percebe sua participação no proces-so produtivo que integra a adoção da terceirização pelas empresas”29.

Assim, potencializa-se a capacidade de exploração do trabalho e re-duz-se a possibilidade de atuação dos “agentes que poderiam impor limites a esse processo”. A terceirização (qualquer que seja a modalidade) tende a promover o trabalho análogo ao de escravo mais do que uma gestão do trabalho estabelecida sem a figura de ente interposto. Por isso, a terceiriza-ção está vinculada às piores condições de trabalho (degradantes, exaustivas, humilhantes etc.) apuradas em todo o País30.

Durante audiência da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CLP), que debateu o PL 4.330, da terceirização, agora em abril, a representante do Dieese referiu que nas dez maiores operações de resgate de trabalhadores em situação análoga à de escravidão, quase 3 mil dos 3.553 casos envolveram empregados terceirizados31.

No meio rural, a terceirização, por meio da figura do “gato”, agencia-dor de mão de obra, é sinônimo de trabalho precário, geralmente associa-do à informalidade, à subcontratação e à escravidão. De 1995 a 2014 (até maio), foram realizadas 1.587 operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo no campo. Foram inspecionados 3.773 estabelecimen-tos e resgatados 46.588 trabalhadores, que atuavam em lavouras (temporá-rias e permanentes), pecuária, reflorestamento, carvão vegetal, extrativismo, cana-de-açúcar e desmatamento”32.

O governo americano, por seu escritório de assuntos internacionais, divulgou recentemente uma lista com o rol de empresas que exploram tra-balho infantil ou análogo a escravo em sua cadeia produtiva. A lista inclui mais de cem produtos produzidos em cinquenta e oito países. Empresas brasileiras de treze setores, entre os quais pecuária, carvão vegetal, cana--de-açúcar, produção de tijolos, cerâmica, algodão, calçados, mandioca, abacaxi, arroz, sisal, tabaco e madeira, são citadas. O setor mais afetado é o agropecuário, seguido pelo setor de manufatura e pelo de mineração. No re-latório constam sessenta produtos agropecuários (com predominância para

29 Disponível em: <https://indicadoresdeemprego.files.wordpress.com/2013/12/terceirizac3a7c3a3o-e-os-limi-tes-da-relac3a7c3a3o-de-emprego-degradac3a7c3a3o-e-morte.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2014.

30 FIGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e trabalho análogo ao escravo: coincidência? Disponível em: <https://indicadoresdeemprego.files.wordpress.com/2013/12/tercerizac3a7c3a3o-e-trabalho-anc3a1logo-ao-escravo1.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2014.

31 Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2015/04/para-dieese-relacao-entre-terceirizacao-mortes-no-servico-e-trabalho-escravo-e-gritante-3622.html>. Acesso em: 26 maio 2015.

32 Disponível em: <http://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2014/estpesq74trabalhoRural.pdf>. Acesso em: 26 maio 2015.

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o algodão), trinta e oito manufaturados (como tijolos e tapeçarias) e vinte e três de mineração. O Brasil é um dos países que mais produtos tem na lista, “atrás apenas da Índia (19) e Mianmar (14), e empatado com Bangladesh”33.

Em 2013, três fábricas de uma rede de lojas de roupas femininas fo-ram surpreendidas, em uma ação conjunta da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP), do Ministério Público do Trabalho e de outras entidades, mantendo cativos trabalhadores bolivianos que recebiam pouco mais de dois reais por peças vendidas a mais de duzen-tos reais. Na reportagem sobre o trabalho escravo descoberto em São Paulo, consta que, “segundo a SRTE/SP”, a diretoria da empresa “assumiu a respon-sabilidade pelo caso, fazendo o registro e regularizando o pagamento de encargos de todos os trabalhadores, incluindo direitos retroativos referentes ao período em que ficou comprovado que os costureiros trabalharam para o grupo”. A empresa regularizou a situação dos trabalhadores e fez questão de esclarecer que não sabia do que estava ocorrendo, afinal tratavam-se de trabalhadores quarteirizados34.

Em outra reportagem recente, lê-se:

Mais uma vez, trabalhadores foram resgatados da escravidão produzindo pe-ças da grife M. Officer. Ao todo, seis pessoas, sendo cinco homens e uma mulher, foram libertados em uma oficina na Vila Santa Inês, no extremo leste de São Paulo. A fiscalização aconteceu em 6 de maio. Todos eram imigrantes bolivianos e estavam submetidos a condições degradantes e jornadas exaus-tivas. O grupo trabalhava em uma sala apertada sem ventilação, um local com fios expostos ao lado de pilhas de tecido e bastante sujeira acumulada35.

A situação tem se repetido com uma insistência assustadora.

3.3 terCeirizAção e morte

A relação entre acidentes e doenças no ambiente de trabalho e a “téc-nica da terceirização” vem demonstrada em inúmeras pesquisas. No setor elétrico, o número de trabalhadores que perderam a vida em serviço revela a perversidade da terceirização: em 2013, 79 trabalhadores morreram du-rante atividades no exercício dos seus trabalhos. Desses, 61 eram terceiri-

33 Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2009/09/11/ult1859u1437.jhtm>. Acesso em: 24 maio 2015.

34 Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2013/07/roupas-da-le-lis-blanc-sao-fabricadas-com-escravidao/>. Acesso em: 26 maio 2015.

35 Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2014/05/de-novo-fiscalizacao-flagra-escravidao-na-producao-de-roupas-da-m-officer/>. Acesso em: 2 ago. 2014.

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zados36. Na construção civil, de um total de 135 trabalhadores mortos em acidentes de trabalho, 75 eram terceirizados37. Nas áreas de terraplenagem ocorreram 19 mortes, das quais 18 com terceirizados. Nos serviços especia-lizados, 30 em 34 óbitos envolveram terceirizados38.

De acordo com o estudo feito pelo Dieese e pela CUT, em 2011, em 2005, a cada dez acidentes de trabalho, oito envolveram trabalhadores ter-ceirizados. Entre 2006 e 2008, morreram 239 trabalhadores por acidente de trabalho, entre os quais 193, ou 80,7%, eram trabalhadores terceirizados. A taxa de mortalidade média entre os trabalhadores diretos no mesmo período foi de 15,06 enquanto que entre trabalhadores terceirizados foi de 55,53. Em 2009 e 2010, “o número de trabalhadores acidentados com afastamen-to das empresas contratadas é quase o dobro dos trabalhadores diretos”. Em 2009, foram “4 mortes de trabalhadores diretos contra 63 de terceiriza-dos; em 2010, 7 mortes de trabalhadores diretos contra 75 de trabalhadores terceirizados”39.

Na Petrobras, no período de 1995 a 2013, período em que o quadro de empregados cresceu de 46.226 pessoas para 86.108, o número de ter-ceirizados passou de 29.000 para 360.180. Nesse período, 52 trabalhadores empregados morreram enquanto trabalhavam. Entre os terceirizados, foram 268 mortos no mesmo período, em acidentes de trabalho40.

As principais atividades “terceirizadas”, como serviços de limpeza, vigilância e em call centers possuem altos índices de doenças profissio-nais, ligadas não apenas a transtornos físicos como LER/Dort, mas também a transtornos psíquicos. Nas empresas de call centers, por exemplo, a maioria dos trabalhadores são jovens que recém ingressaram no “mercado de traba-lho”. A remuneração é pouco mais de um salário-mínimo e, com os descon-tos, muitas vezes nem alcança os 800 reais. O trabalho é determinado pela cobrança de metas que se alteram constantemente, por determinação do empregador ou, na maioria das vezes, das grandes empresas tomadoras dos serviços. Os critérios de fixação e pagamento não são claros, os empregados não dispõem das informações que lhes permitam saber quanto ganharão ao

36 Disponível em: < http://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2010/estPesq50TercerizacaoEletrico.pdf>. Aces- so em: 26 maio 2015.

37 Disponível em: <http://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2010/estPesq50TercerizacaoEletrico.pdf>. Aces- so em: 26 maio 2015.

38 Disponível em: <http://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2010/estPesq50TercerizacaoEletrico.pdf>. Aces - so em: 26 maio 2015.

39 Disponível em: <http://www.sinttel.org.br/downloads/dossie_terceirizacao_cut.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2014.

40 COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Terceirização: máquina de moer gente trabalhadora. A inexorável relação entre a nova marchandage e a degradação laboral, as mortes e mutilações no trabalho. São Paulo: LTr, 2015. p. 203.

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final do mês. A remuneração é paga também sob a forma de comissões, cujo cálculo constitui um mistério.

O ambiente de trabalho, dividido em “pontos de atendimento”, é rui-doso e ao mesmo tempo fragmentado. Cada um em seu computador, com seu head-set, ouvindo e tentando convencer pessoas que muitas vezes se-quer pretendem participar daquele diálogo. As jornadas, que deveriam se limitar a seis horas, não raras vezes são bem mais extensas. Em pelo menos duas ações trabalhistas já ouvi testemunhas, convidadas a depor pela pró-pria empresa, que informaram sobre a adoção de um sistema de “convite”. O operador que realiza jornada à tarde, por exemplo, é “convidado” a vir também pela manhã. E via de regra aceita, porque com isso poderá melho-rar sua baixa remuneração. Algumas vezes o faz sem sequer a perspectiva do ganho, pois em um dos casos que recentemente instruí, a testemunha – supervisor – chegou a mencionar que esse trabalho em turno inverso não é remunerado, porque os trabalhadores, afinal de contas, são convidados e não obrigados a trabalhar. Existem ainda outras situações patológicas, em que o assédio institucional é a regra e supervisores, também eles subremu-nerados, exercem a função de algoz de seus próprios colegas.

O resultado é o adoecimento, a fuga do emprego e a instabilidade, tanto emocional quanto financeira. É preciso compreender que essas con-dições negativas não são naturais. Os trabalhadores em call centers, assim como os auxiliares de limpeza, porteiros e vigilantes, poderiam (e podem) ser bem remunerados, deveriam ter sua jornada efetivamente restrita aos li-mites constitucionais, deveriam ter sua remuneração especificada de modo claro, não poderiam estar sujeitos a metas variáveis, inatingíveis e cujos critérios lhe são inacessíveis. Têm direito a pertencer ao ambiente de traba-lho em que atuam e que não podem ser adoecedor. Têm direito à limitação da jornada; as horas extras não podem ser habituais. O que ocorre, então, é uma opção administrativa ditada pela lógica da terceirização, na qual a necessidade de atender às exigências da tomadora, inclusive quanto aos valores do contrato, faz com que a precarização das condições de trabalho se imponha.

3.4 outros eFeitos dA terCeirizAção

Existem ainda muitos outros efeitos negativos potencializados ou oca-sionados pela prática da terceirização. No âmbito da Seguridade Social, a permissão para terceirizar implica redução real do salário de milhões de brasileiros e a precariedade nos vínculos (contratos mais curtos), o que au-menta a rotatividade e, portanto, o uso de benefícios sociais como o seguro

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desemprego. Daí porque a edição da MP 665 não é algo que possa ser exa-minado de forma isolada. Está dentro do contexto político de precarização, que se consolida com a tentativa de aprovação do PLC 30/2015.

O aumento do número de acidentes e doenças profissionais também aumenta a procura por benefícios previdenciários. Essas consequências, especialmente a redução da remuneração, trazem consigo efeitos diretos sobre o mercado de trabalho, pois a circulação de riqueza depende da existência de sujeitos capazes de consumir e, portanto, bem remunerados. Como referiram os Ministros do TST em um manifesto contra o PL 4330, a terceirização provoca um significativo aumento do número de dependentes do INSS, uma drástica redução na arrecadação e circulação de riquezas e, por consequência, a redução da arrecadação fiscal41.

É preciso perceber que qualquer redução de direitos sociais implica, em última análise, piora das condições sociais de vida da maior parte da população, o que significa dar muitos passos atrás em relação ao projeto de sociedade que temos previsto na Constituição de 1988, promover um retro-cesso que certamente terá custos históricos que hoje sequer conseguimos projetar integralmente.

Há, ainda, relação direta entre terceirização e racismo. Muitos estudos apontam que a terceirização, além de tudo o mais que provoca em termos de retrocesso social, tem estimulado o estigma da diferença, aumentando a segregação. Os serviços de limpeza e manutenção, por exemplo, mantêm a maioria absoluta de mulheres negras como empregadas. Dados revelados por uma pesquisa do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado do Rio de Janeiro apontam que 92% dos trabalhadores nos serviços de limpeza terceirizados são mulheres, enquanto 62% são negros42. Nos serviços de telemarketing, a escolha de mulheres e negros para o trabalho é por vezes justificada pela invisibilidade que esse trabalho promove. Longe dos olhos do consumidor, o atendente não precisa preencher o requisito perverso e racista da “boa aparência”43.

A terceirização também promove a fragmentação da classe trabalha-dora. A divisão dos trabalhadores em contratados diretamente e terceiriza-dos, e dos próprios terceirizados em terceirizados da empresa X, da empresa Y e da empresa Z, retira-lhes a condição de reconhecimento como classe.

41 Disponível em: <http://www.viomundo.com.br/denuncias/ministros-do-tst-sao-unanimes-pl-4-330-provoca-ra-gravissima-lesao-social-de-direitos-trabalhistas.html>. Acesso em: 7 maio 2015.

42 Disponível em: <http://cascavel.ufsm.br/tede//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5630>. Acesso em: 7 maio 2015.

43 Disponível em: <http://www.esquerdadiario.com.br/Telemarketing-tambem-e-uma-questao-de-genero>. Acesso em: 7 maio 2015.

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Não estão mais “todos no mesmo barco”. Ao contrário, há necessariamen-te uma disputa interna, uma concorrência entre o trabalhador diretamente contratado e aquele terceirizado, que almeja fazer parte dos quadros da em-presa. Questões salariais, de condições do ambiente de trabalho, de assédio moral coletivo, não são mais identificadas (como já ocorre em ambientes invadidos pela terceirização) como questões comuns. Cada grupo trava a sua luta. Essa divisão, que se impõe muito mais pela fragmentação que a terceirização promove do que por eventual previsão legislativa de que a or-ganização sindical seja desse ou daquele modo, também significa um duro golpe para um sistema sindical que já é deficitário, porque luta contra uma história de constantes tentativas de cooptação estatal de suas forças.

O Direito do Trabalho e, portanto, as relações trabalhistas foram cons-truídas no tempo pela organização e resistência. Pulverizando os trabalha-dores, atrelando cada setor da fábrica a uma empresa prestadora diferente, por exemplo, o capital consegue aniquilar essa “sensação de pertencimen-to” a um mesmo grupo, eliminando a possibilidade de resistência coletiva organizada.

A ficção de que o empregado é contratado por uma empresa, quando na realidade a sua força de trabalho reverte em benefício de outra, também permite a redução do salário por vários subterfúgios. Quando troca a “pres-tadora” é como se um novo contrato iniciasse, embora o trabalhador muitas vezes continue desempenhando as mesmas tarefas, no mesmo local. Essa manobra jurídica permite o ajuste de um novo patamar salarial, inclusive inferior àquele que vinha sendo praticado até então pela “prestadora” ante-rior. Além disso, a alteração da denominação da função e o pagamento por meio de rubricas como participação nos lucros ou gratificações específicas poderão ser alterados/suprimidos a cada “nova” contratação.

Há uma facilitação à burla do direito às férias, porque a lei permite a perpetuação de uma prática que hoje já existe, de a empresa terceirizada ser substituída por outra a cada dois anos, como já ocorre, especialmente em âmbito público. Aliás, há pesquisa do Dieese demonstrando que as empre-sas prestadoras duram em média 2,3 anos, ou seja, apenas o tempo necessá-rio para ganhar dinheiro com a exploração da força de trabalho e dar lugar a outro atravessador. Assim, quando os empregados teriam o direito de exigir a fruição das férias, inicia-se, de forma fictícia, outro “contrato”.

No caso da terceirização pela Administração Pública, esse é um fato ainda mais recorrente. A lógica econômica e desvirtuada de licitar pelo menor preço faz com que prestadoras de serviço sem qualquer patrimônio

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(muitas vezes sem sede própria) ganhem licitação, trabalhem por seis meses ou um ano e depois sumam no ar sem deixar vestígios.

Por fim, é preciso mencionar o que talvez seja o pior efeito da ter-ceirização: a invisibilidade. A terceirização cria uma classe de indivíduos invisíveis, para que os quais não são negados apenas direitos, mas também o próprio reconhecimento da condição de trabalho. Nas atividades de lim-peza e conservação, por exemplo, seres humanos trabalham sem que os empregados da “tomadora dos serviços” saibam seus nomes ou mesmo os cumprimentem44. Na ânsia de evitar a configuração de vínculos, o ambiente de trabalho torna-se verdadeiramente inóspito, pela condição de invisibili-dade que lhes é relegada. A lógica de não enxergar o terceirizado produz um ambiente facilitador de discriminação, na medida em que pessoas re-alizando as mesmas tarefas são sujeitas a regramentos diferentes, comem em local diferente, vestem uniformes diferentes e não se reconhecem como colegas.

Nesse contexto, a terceirização aparece na lógica das relações de trabalho como uma verdadeira perversão. É o retorno à regulação da re-lação entre trabalho e capital sob a ótica civilista liberal, em que o sujeito figura em um “contrato” como coisa a ser “alugada”45. Como refere Souto Maior, a terceirização apresenta-se na realidade da vida como “uma estraté-gia de destruição da classe trabalhadora, de inviabilização do antagonismo de classe, servindo ao aumento da exploração do trabalhador, que se vê reduzido à condição de coisa invisível, com relação à qual, segundo a trama engendrada, toda perversidade está perdoada”46.

Um estudante da USP, que se fez passar por trabalhador do serviço de limpeza da universidade, comprovou empiricamente a invisibilidade a que esses seres humanos estão sujeitos. O estudo relata que os trabalhadores que prestam serviços terceirizados de limpeza são em regra pessoas vindas do Nordeste, negros ou mulatos47. É interessante reproduzir seu relato, para que se tenha a medida do drama social que a terceirização potencializa:

44 Ontem mesmo, em um ambiente de trabalho do comércio, ouvi uma das empregadas se referir à moça que fazia a limpeza como a “tia da limpeza”. Esse tipo de expressão, “tio da limpeza”, “tia do cafezinho”, são formas de tornar o trabalhador invisível, negando-lhe até mesmo o direito de ser reconhecido e chamado por seu próprio nome.

45 Já há inclusive empresa com atuação na cidade de São Leopoldo, cuja denominação social inclui a expressão “Locadora de Mão de Obra”.

46 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Terceirização: desabafo, desmascaramento e enfrentamento. Disponível no Blog da Boitempo: <http://blogdaboitempo.com.br/2015/04/13/terceirizacao-desabafo-desmascaramento-e-enfrentamento/>. Acesso em: 14 jun. 2015.

47 Em reportagem sobre seus estudos, Braga referiu que “trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400,00 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida: ‘Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um

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Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente à lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar não senti o gosto da comida voltei para o trabalho atordoado.

[...] Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais.48

Em sua tese de doutorado, na qual deu sequência a esse estudo, Fernando Braga da Costa observa que a invisibilidade é o “desaparecimento de um homem no meio de outros homens”, a expressão de dois fenômenos sociais: a reificação e a humilhação. Uma forma de violência simbólica e material que “abafa a voz e abaixa o olhar” desses seres humanos49.

Inúmeros estudos revelam a terceirização estando a provocar o que o autor francês Christophe Dejours denomina banalização da injustiça so-cial50 e que Baumann identifica como a invisibilidade dos seres humanos submetidos à terceirização51. Essa “engenharia” gera, também, uma “cum-plicidade do consumidor, que quer adquirir um produto mais barato, pouco se importando que o preço baixo seja efeito de sonegação de impostos e de supressão de direitos”, que pretende eficiência, mesmo sabendo que os serviços públicos são prestados por pessoas subremuneradas52 e invisíveis.

sinal da própria existência’, explica o pesquisador. O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. ‘Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão’, diz”. Em seu estudo, narra que os garis são carregados na caçamba da caminhonete junto com as ferramentas. É como se eles fossem ferramentas também. Disponível em: <http://www.cmqv.org/website/artigo.asp?cod=1461&idi=1&id=1202>. Acesso em: 14 jun. 2015.

48 Idem. O psicólogo social Fernando Braga da Costa permaneceu oito anos trabalhando como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo, para constatar que, “ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são ‘seres invisíveis, sem nome’”. A dissertação de mestrado, pela USP, comprovou a invisibilidade desses terceirizados.

49 Tese de doutoramento disponível em: <file:///C:/Users/vsevero/Downloads/costafernando_do%20(1).pdf>. Acesso em: 14 jun. 2015.

50 DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. São Paulo: LTr, 2010.51 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar,

2008; Sociedade individualizada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.52 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. PL 4.330, o Shopping Center Fabril: Dogville mostra a sua cara e as possibilidades de

redenção. Disponível em: <http://www.abrat.net/portal/textos/mostraConteudo.asp?codConteudo=3141>. Acesso em: 10 dez. 2014.

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4 a regulameNtação da terceIrIzação: o Que muda com o Plc 30/2015?

O projeto de lei que amplia as possibilidades de terceirização e que, antes sob o nº 4.330, recebeu no Senado Federal o título de PLC 30/2015, pode implicar, caso aprovado, o maior retrocesso experimentado pela so-ciedade brasileira nas últimas décadas. O projeto não traz novidade em re-lação àquilo que já vem ocorrendo nas relações de trabalho no Brasil. Ainda assim, promove retrocesso porque chancela uma prática absolutamente ile-gal, que deve ser coibida pelo Estado – e não regulamentada.

De acordo com o projeto de lei, a terceirização pode ocorrer em qualquer tipo de atividade. Ou seja, teremos empresas sem empregados. Com isso, perde-se o discurso da especialização, tão caro àqueles que de-fendem essa forma de precarização. Também permite sucessivas contra-tações do trabalhador por diferentes empresas prestadoras para a mesma contratante, de tal sorte que a verdadeira empregadora possa, em lugar de contratar empregados, contratar uma empresa, que contrata outra empresa, que contrata outra empresa, que por sua vez contrata o empregado. Essa distância (apenas formal) entre o empregado e o verdadeiro beneficiário da sua força de trabalho provoca não apenas redução real da remuneração (porque, afinal de contas, todos esses “atravessadores” precisam lucrar com o negócio de repasse de força de trabalho), mas também a invisibilidade, o descomprometimento, a fragmentação da classe trabalhadora em prejuízo direto à organização sindical.

Parece mesmo evidente que, nessa “cadeia” de contratações, todas as empresas, inseridas que estão em um contexto capitalista de produção, precisam auferir lucro, sob pena de não haver justificativa para que existam. É também muito fácil concluir que, se todas lucram, alguém precisa perder, pois do contrário essa contratação do trabalhador (por meio de um ou mais “atravessadores”) custaria caro demais à tomadora. O raciocínio é simples: contratar por intermédio de outra empresa só será mais atrativo (barato) do que contratar diretamente se houver rebaixamento das condições de trabalho.

Para a sociedade, a consequência é uma drástica redução na arreca-dação e circulação de riquezas. Todos nós – consumidores, trabalhadores e empresários – pagamos por isso. É a terceirização que permite que roupas de grife sejam confeccionadas por pessoas mal remuneradas, muitas vezes reduzidas à condição de escravos, sem qualquer controle de qualidade. É a terceirização que provoca o distanciamento insuperável entre o consumidor e a empresa de telefonia. É a terceirização que nos retira a possibilidade de

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exigir serviços públicos de qualidade, desde a limpeza das ruas até a atua-ção em processos judiciais e administrativos.

A disposição legal prevista no PLC 30/2015 sobre a forma de orga-nização coletiva, mesmo ruim, não é o mais relevante quando se trata de examinar a fragilização da organização sindical que a terceirização promo-ve. O movimento de fragmentação que já está instaurado nos ambientes de trabalho, pela terceirização que já existe, vem retirando essa possibilidade de identificação e de luta comum, razão pela qual a terceirização em si é extremamente nociva à organização coletiva dos trabalhadores.

O projeto permite que a terceirizada seja uma empresa individual, potencializando uma prática lesiva que hoje já ocorre e tem até apelido: a “Pejotização”. Ou seja, a criação de empresa em nome próprio para a prestação de serviços, com prejuízo à própria caracterização da relação de emprego e, portanto, supressão dos direitos que daí decorrem. A ampliação das possibilidades de terceirizar e a autorização para quarteirizar, quinteri-zar e assim por diante sem dúvida dá margem ao calote institucionalizado.

Por fim, a festejada responsabilidade solidária, que a lei fixa de modo restritivo, também não constitui novidade. O ordenamento jurídico já ga-rante responsabilidade solidária por parte de quem se beneficia da força de trabalho (art. 2º, § 2º, da CLT). Esse dispositivo, embora endereçado a hipó-teses diversas daquelas hoje praticadas nas relações de trabalho, serve per-feitamente ao objetivo de identificar a figura do empregador, dissociando-o da denominação social utilizada para assinar a CTPS, e repassando-a a todo o capital que se beneficia do trabalho humano. E o faz para reafirmar a res-ponsabilidade da empresa ao empregar força de trabalho. É, pois, suficiente para determinar a responsabilização das chamadas tomadoras do serviço.

Existem, ainda, regras do direito civil compatíveis com o Direito do Trabalho, tais como os arts. 186, 187 e 927 do Código Civil, que, mesmo lá onde se presume a igualdade material, estabelecem o dever de ressarcir o dano causado, independentemente de culpa por quem assume o risco do resultado lesivo. Do mesmo modo, os artigos do direito comum que tratam da condição de garante e que, no âmbito processual, determinam a possibi-lidade de excussão dos bens (arts. 595 e ss. do CPC), secundados pelo art. 4º da LEF, diretamente aplicável ao processo do trabalho na fase de execução: todos eles tratam da responsabilidade (sem culpa) de quem assume os riscos de um resultado lesivo. Essa é a condição da tomadora dos serviços, mesmo para quem insiste em ver nela um terceiro na relação capital e trabalho.

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A informação de que a lei, caso aprovada, gerará empregos é menti-rosa. Compõe o discurso do mal menor, e não se sustenta por ângulo algum. O emprego da grande empresa será extinto e, em seu lugar, trabalhos precá-rios, mal remunerados e muitas vezes informais é que surgirão. Retornare-mos à situação de barbárie que determinou o surgimento de um Direito do Trabalho, necessário tanto para assegurar condições mínimas de existência digna quanto para manter o sistema capitalista de produção, como revelam várias experiências históricas.

5 aS PerSPectIvaS Para o futuro

O quadro atual é bastante preocupante. A harmonia dos poderes do Estado em sua verdadeira cruzada pelo desmanche dos direitos trabalhistas dificilmente poderá ser coibida sem a organização e a resistência efetiva dos movimentos sociais, dos sindicatos, dos estudantes e de todos aqueles que acreditam na razão de ser das normas de proteção a quem trabalha.

O que há de positivo nesse movimento do parlamento brasileiro, que desengavetou um projeto de lei de 2004 e agora atua intensamente para aprová-lo em regime de urgência, é o saudável despertar democrático pro-vocado. Os movimentos sociais foram para a rua nos dias 15 de abril e 29 de maio e seguem mobilizados com o objetivo principal de levar ao conhe-cimento do público o drama da terceirização.

A mobilização enuncia o que a discussão acerca da terceirização muitas vezes esconde. O projeto de lei não regulamentará nada, apenas chancelará uma prática que já vem promovendo precarização. Por isso, as discussões públicas acerca da matéria não se limitam e nem poderiam limitar-se ao debate acerca das cláusulas desse projeto. O que estamos dis-cutindo é a burla sistemática à Constituição, por meio do disfarce da tercei-rização. Todos os dias, nas salas de audiência da Justiça do Trabalho, des-filam trabalhadores que foram despedidos sem nada receber ou passaram anos sem fruir férias e, na maioria das vezes, sequer conseguem fazer com que a terceirizada venha responder ao processo.

Com a aprovação do PLC 30/2015, qualquer produto ou prestação de serviço poderá ser terceirizado e o que está ruim ficará muito pior. Portanto, o que está em jogo não é apenas o Direito do Trabalho, tampouco a opo-sição entre o que estabelece a Súmula nº 331 e essa pretensa legislação es-pecífica. O que está em jogo é todo o projeto de sociedade que instituímos em 1988, pois a possibilidade de que existam “atravessadores” na relação de trabalho nos prejudica como consumidores, trabalhadores e membros da sociedade. Todos sentimos os efeitos do aviltamento das condições sociais

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de quem trabalha e do comprometimento da qualidade dos bens e serviços, que a terceirização necessariamente promove. É preciso, portanto, apro-veitar a oportunidade histórica de debater, de forma crítica, comprometida e real, o drama da terceirização, para extirpá-la de uma vez por todas de nossas relações sociais de trabalho.

6 Para coNcluIr

Diante do drama da terceirização e da suposta necessidade de apro-vação de um projeto de lei que regulamente a barbárie, a pergunta a ser feita é: em que tipo de sociedade queremos viver e o que devemos fazer para construí-la?

De acordo com a Constituição de 1988, todos somos destinatários das normas jurídicas, cujo escopo central é a garantia da dignidade huma-na, sintetizada na fórmula da busca do “bem de todos”. Os trabalhadores, portanto, embora vendam sua força de trabalho, devem ser tratados como sujeitos de direito e, desse modo, protegidos contra qualquer espécie de exploração que os reduza à condição de coisa.

Não é por razão diversa que a Constituição de 1988, em uma mu-dança histórica importantíssima, insere os direitos trabalhistas no capítulo dos direitos e das garantias fundamentais, fixando parâmetros mínimos que, como o próprio caput do art. 7º evidencia, não exclui outros que promo-vam a melhoria da condição social. Trata-se de um “acordo” que retrata a tentativa de continuação da sociedade capitalista, buscando minimizar seus males.

A doutrina trabalhista reconhece que o trabalho, na relação de trocas, precisa apresentar-se e existir como se mercadoria fosse; uma mercadoria que se sujeita ao controle e à direção do capital. Essa é a base do capitalis-mo e é exatamente daí que se extrai o conceito de subordinação objetiva, estrutural, reticular53. A evolução da função do Direito, com a criação de normas tipicamente trabalhistas, decorre do (re)conhecimento de que o tra-balhador é também objeto da relação de compra e venda de força de traba-lho, mas ainda assim precisa figurar como sujeito de direitos, consumidor e constituinte de uma sociedade que se pretende viável.

A necessidade desse reconhecimento e da construção de normas de proteção ao trabalhador destina-se a minimizar efeitos reconhecidos e tole-rados, que decorrem objetivamente dessa relação de trocas, como a perda

53 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005.

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da saúde do trabalhador em razão do ambiente de trabalho, por exemplo. Há, portanto, uma alteração na função que o Estado e o Direito assumem diante da realidade do capital.

O Estado que está projetado na Constituição de 1988 é guiado pelos ditames da Justiça Social a tal ponto que o art. 170 determina que a própria ordem econômica deve se sujeitar aos ditames da justiça social. Inaugura uma nova racionalidade, coletiva e não mais individualista, cujos elementos primários para a sua construção foram encontrados justamente na realidade das relações de trabalho.

É o desenvolvimento histórico da forma capital que fomentou a indus-trialização na mesma medida em que forneceu condições para o desenvol-vimento da organização cada vez maior e da pressão cada vez mais forte da classe trabalhadora. E foram essas condições que determinaram a neces-sidade de criação de um Direito próprio e de atribuição de nova função ao Estado. Então, a partir de 1988 no Brasil não é mais possível sustentar juridi-camente o discurso do Estado Liberal, que pressupõe a autonomia plena da vontade e a igualdade de todos.

A lógica do Estado Social é incompatível, portanto, com qualquer for-ma de precarização do trabalho, porque implicaria o retrocesso social que a Constituição coíbe. Implicaria um retorno à realidade da fase inicial de consolidação do sistema do capital. Uma realidade que já se revelou histori-camente insustentável, inclusive sob a perspectiva estritamente econômica. No que tange às relações sociais entre capital e trabalho, a moldura jurídica atual é muito clara: relação jurídica de emprego. A função do Estado, por-tanto, é zelar pelo cumprimento da Constituição, conferindo existência real ao que o projeto social ali contido apresenta como dever-ser.

Nessa medida, a prática de terceirizar, precarizando as relações de trabalho, seja em atividade-meio ou atividade-fim, no âmbito público ou privado, revela-se completamente oposta ao projeto de sociedade insculpi-do na Constituição, contrária à regra do art. 37 e avessa à função democrá-tica que o Estado deve desempenhar.

Hoje, compactuar com essa realidade é bem mais grave do que foi há dois séculos. Não há como simplesmente fingir que não avançamos, que a lógica dos direitos fundamentais sociais não existe ou simplesmente não vincula. Nesse ponto não é possível transigir. Aceitar formas de terceiriza-ção lícita implica chancelar o retrocesso social evidenciado pelas conse-quências que anteriormente elenquei e que – todos sabemos – não esgotam

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o rol de males provocados pela intermediação de terceiros na exploração da força de trabalho.

A consolidação do projeto social que inauguramos em 1988 depende da definição de limites, sem os quais o discurso constitucional perderá qual-quer possibilidade de tornar-se realidade.

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Edição Especial – Doutrina Trabalhista

Apontamentos sobre a Terceirização e o Poder do Término Desmotivado da Relação de Emprego por Iniciativa Patronal: Rotatividade da Força de Trabalho

vICTOR EmAnuEL BERTOLDO TEIxEIRAServidor Público Federal, Mestrando em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP e Pesquisador do GPTC – Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – FDUSP.

Somos “escravizados” e temos nossos direitos negados. Após a integração dos bancos, somos “convidados” a trabalhar aos sá-bados e domingos com pagamento de horas extras (que nem sempre são pagas corretamente e não temos direito a nenhum outro dia para descanso), mas no fundo não temos opção de escolha porque os superiores informam que se não compare-cermos seremos mandados embora. Somos obrigados a atender todos os produtos [...] nos pressionam, nos humilham.

Terceirizado do setor bancário1

Na linha dos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital, vinculado ao Departamento de Direito do Trabalho e da Segu-ridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o presente artigo pretende expor como a rotatividade das trabalhadoras e dos trabalhadores reflete a manifestação de poder consistente na possibilidade de rompimento sem motivação da relação de emprego, exacerbada com a terceirização.

1 Poder Na relação de emPrego e o térmINo deSta Por INIcIatIva PatroNal

Em primeiro lugar, cumpre recordar que, conforme prelecionado por Karl Marx, as mercadorias não se trocam no mercado por si próprias, de modo que, para elas se referirem umas às outras como mercadorias, seus guardiões devem se reconhecer reciprocamente como proprietários priva-dos, apropriando-se da mercadoria alheia enquanto alienam a própria, me-

1 DIEESE/CUT. Terceirização e desenvolvimento, uma conta que não fecha. São Paulo: 2011. p. 34. Disponível em: <http://www.sinttel.org.br/downloads/dossie_terceirizacao_cut.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2015.

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diante um ato de vontade. Assim, o conteúdo dessa relação jurídica (ou de vontade), cuja forma é contrato, é reflexo da relação econômica2.

Ocorre que o trabalhador não possui outra mercadoria senão a força de trabalho, comprada por aquele possuidor de dinheiro, meios de produ-ção e meios de subsistência, o qual, nesta relação, empreende a valorização de suas posses3. Este trabalho é, portanto, obrigatório, como meio de satisfa-zer as necessidades da existência física4.

Trata-se do trabalho estranhado. De forma breve, importante reme-morar que ele se manifesta no seu produto (trabalho fixado em um objeto), não pertencente ao trabalhador, e no próprio ato de produção, visto como infelicidade e mortificação, além de arrancar do homem sua vida genérica, já que a pessoa faz de sua essência mero meio para sua existência5.

Nesse sentido, não sendo sua atividade genuinamente livre, então o obreiro se relaciona como algo sob jugo, domínio e violência a serviço de outro homem6. Pondere-se que a muda coação das condições econômicas sela o domínio do capitalista sobre o trabalhador, sendo certo ainda que a constante existência de uma superpopulação mantém o salário apropriado às necessidades de valorização do capital7.

Não por outro motivo que, conforme alertado por Evaristo de Moraes, a suposta liberdade contratual de trabalho culmina na organização pura e simples do domínio do mais forte, haja vista que, considerada a desigualda-de das forças econômicas entre empregador e empregado, a liberdade sem limitações constitui causa letal de usurpação e de opressão8.

Como se percebe, os atributos das relações de trabalho não podem ser vistos como algo natural ou inerente da condição humana, embora, em virtude do desenvolvimento do capitalismo, tudo isso aparente ser prove-

2 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Trad. Regis Barbosa; Flavio Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, v. 1, Livro Primeiro, t. 1, 1985. p. 79.

3 MARX, Karl. Op. cit., v. 1, Livro Primeiro, t. 2, 1985. p. 262.4 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 83-85.5 Explique-se o que o referido autor quer dizer com vida genérica. “O homem é um ser genérico (Gattungswesen),

não somente quando prática e teoricamente faz do gênero, tanto do seu próprio quanto do restante das coisas, o seu objeto, mas também – e isto é somente uma outra expressão da mesma coisa – quando se relaciona consigo mesmo como [com] o gênero vivo, presente, quando se relaciona consigo mesmo como [com] um ser universal, [e] por isso livre. [...] O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e consciência. Ele tem a atividade vital consciente. [...] Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico. Ou ele somente é um ser consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto, precisamente porque é um ser genérico. Eis por que a sua atividade é atividade livre. O trabalho estranhado inverte a relação a tal ponto que o homem, precisamente porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio para sua existência.” (Idem, p. 80-85)

6 Idem, p. 87. 7 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política, v. 1, Livro Primeiro, t. 2, 1985. p. 277.8 MORAES, Evaristo de. Apontamentos de direito operário. 4. ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 16-17.

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niente de leis naturais do processo de produção. Enfim, aquelas circunstân-cias decorrem de um processo histórico, o qual separou o trabalhador – pro-dutor direto assalariado em tal conjuntura – da propriedade das condições de seu trabalho, bem como transformou os meios sociais de subsistência e produção em capital9.

Revela-se aí a importância de uma crítica política do poder privado patronal, que deriva da correlata força econômica, pois os espaços do tra-balho organizados para a produção de bens e serviços em uma sociedade de mercado não são simplesmente neutros, mas sim locais nos quais há manifestação de autoridade10.

Aliás, na esteira do exposto por Jorge Luiz Souto Maior, o Direito do Trabalho, cuja difusão historicamente data do início do século XX, adota como premissa a crítica ao modelo capitalista de produção e seu efeito alie-nante para os trabalhadores, que fazem do Direto do Trabalho instrumento de luta para melhores condições. Isso porque consiste em fonte de irradia-ção do Direito Social, buscando a preservação da paz mundial e da digni-dade humana, além de ter como princípio fundamental a busca da melhoria progressiva da condição social e humana do trabalhador11.

No que se refere ao tema do término da relação de emprego por iniciativa patronal, Antonio Baylos Grau e Joaquín Pérez Rey alertam que ela não pode deixar de ser encarada como um ato de força da autoridade empresarial, tratando-se de violência consistente na supressão do trabalho12.

Diante deste acontecimento, a pessoa se vê privada de uma esfera social e culturalmente determinante, tendo em vista que do trabalho depen-de sua participação na sociedade, cultura, educação e família. Assim, são retirados dela os referenciais que conferem segurança na vida social, com a expulsão para o deserto da falta de trabalho e da precariedade13.

Entretanto, justamente por ser violenta, a cessação unilateral por ato do empregador acaba por se apresentar de modo a ocultar essa caracterís-

9 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. v. 1, Livro Primeiro, t. 2, 1985. p. 262 e 277. 10 BAYLOS GRAU, Antonio; PÉREZE REY, Joaquín. A dispensa ou a violência do poder privado. Trad. Luciana

Caplan. São Paulo: LTr, 2009. p. 44-45. Tanto é assim que, no final do século XIX e no início do século XX, as fábricas brasileiras eram frequentemente comparadas a estabelecimentos prisionais, havendo inclusive previsão de castigos físicos nos regulamentos internos. (DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. Indústria, trabalho e cotidiano: Brasil, 1889 a 1930. 4. ed. São Paulo: Atual, 1991. p. 14-15)

11 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, v. I, parte I, 2011. p. 619-623.

12 BAYLOS GRAU, Antonio; PÉREZE REY, Joaquín. Op. cit., p. 42.13 Idem, p. 42-43.

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tica, o que corresponde ao enfoque em termos de aspecto da relação con-tratual, da organização do processo produtivo e do custo do empregador14.

Por isso, a importância, repita-se, de se ter em mente que o rompi-mento por parte do empregador necessita ser tratado no âmbito da crítica do autoritarismo do poder privado no local de trabalho. Uma violação privada contra o trabalhador, o qual não pode ser avaliado senão como cidadão, jamais como mera energia produtiva vinculada à produção dirigida pela empresa15.

A lógica democrática, por sua vez, busca ordenar e orientar tais atos de força, utilizando do ordenamento jurídico trabalhista, a qual se pauta em duas linhas de atuação: limitação da arbitrariedade empresarial e reparação do dano pela perda do emprego. Evidentemente, a intensidade da proteção depende do contexto histórico e político de cada país. De todo modo, ela reflete o grau de institucionalização da assimetria do poder na empresa em um sistema jurídico, bem como o deslocamento real do autoritarismo em-presarial diante de controles democráticos efetivos16.

Ademais, pondere-se que o Direito Social não apenas desautoriza condutas indesejadas, pensadas na perspectiva dos interesses exclusivos de uma classe dominante, mas também confere limites ao capital, estabelecen-do retornos econômicos à sociedade para viabilização de projetos relativos à política de emprego e do seguro social, ao mesmo tempo em que organiza o processo produtivo, preservando a dignidade do trabalhador, elemento central da produção de riquezas, e fixando margens para a concorrência17.

Pois bem, no cenário brasileiro, a doutrina trabalhista reiteradamente tem se manifestado no sentido de que a corriqueira prática da denúncia vazia do contrato de emprego por iniciativa do empregador consiste em situação em desconformidade com o disposto no art. 7º, I, da Constituição da República, bem como com a sistemática prevista na Convenção nº 158 da OIT18.

14 Idem, ibidem.15 Idem, p. 46-47.16 BAYLOS GRAU, Antonio; PÉREZE REY, Joaquín. Op. cit., p. 45-46.17 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 583.18 Vide, por exemplo: DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014.

p. 1166-1167 e 1219-1220. O autor explica o que se sucedeu com a Convenção nº 158: “Ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto Legislativo nº 68, publicado em 29.08.1992, com depósito do instrumento ratificado perante a Repartição Internacional do Trabalho da OIT em 5 de janeiro de 1995, iniciou sua vigência no Brasil em 5 de janeiro de 1996 (art. 16, item III, Convenção nº 158). Entretanto, lamentavelmente, foi denunciada pelo Presidente da República em fins do mesmo ano de 1996, com depósito da denúncia na OIT em 20.11.1996, com efeitos a contar de 20.11.1997, sendo declarada a denúncia pelo Decreto nº 2.100, de 25.12.1996, expedido pelo então Presidente da República. Ademais, em setembro de 1997 (pouco mais de 20 meses depois do início de sua vigência no Brasil), o Supremo Tribunal Federal, acolheu arguição de

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Recorde-se que, apesar de ter surgido como dita opção a ser rea-lizada pelo empregado no início da relação de emprego (art. 1º da Lei nº 5.107/1966), a Constituição de 1988 tornou o FGTS aplicável a qualquer empregado (art. 7º, III), embora também estipule, além do aviso-prévio pro-porcional ao tempo de serviço nos termos da lei (art. 7º, XXI)19, a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, conforme lei complementar, ainda não promulgada, a qual preverá indenização compensatória, entre outros direitos (art. 7º, I).

Como quer que seja, na prática vigora, segundo Mauricio Godinho Delgado, o direito potestativo de denúncia vazia do contrato de trabalho por ato empresarial20, aplicando-se, desse modo, o art. 10, I, do ADCT, o qual impõe indenização de 40% do montante de todos os depósitos do FGTS realizados durante a vigência do contrato, que, em regra, são de 8% da remuneração paga ou devida ao mês (art. 15 da Lei nº 8.036/1990).

Conforme a Rais – Relação Anual de Informações Sociais – do Minis-tério do Trabalho e Emprego, essa é a principal forma de encerramento da relação de emprego, correspondendo a 52,14% do total de desligamentos em 200921.

Apesar de ainda existir debate sobre a viabilidade jurídica da manu-tenção desta modalidade de ruptura contratual na atualidade22, o fato é que esta sistemática consiste em prática em consonância com a chamada “libe-ralização do mercado de trabalho” levada a cabo pela Ditadura, por meio da criação do FGTS ainda em 1966 (Lei nº 5.107).

Por isso, Valdete Souto Severo diz que, conquanto tenha a Consti-tuição de 1988 promovido mudança, tudo restou exatamente como estava antes, diante da supremacia do discurso empresarial prevalecente, consoli-dando-se interpretação menos ajustada à ordem constitucional23.

Ainda que partindo do panorama jurídico espanhol, o alarme de Antonio Baylos Grau e Joaquín Pérez Rey também serve para a realidade

inconstitucionalidade da Convenção nº 158 da OIT, por considerar não auto-executável, dependendo de lei complementar, a regra do art. 7º, I, da Constituição da República” (p. 1220).

19 Em 2011, foi editada a Lei nº 12.506.20 DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 1225.21 DIEESE. Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: 2011. p. 63-64. Disponível em:

<http://www.dieese.org.br/livro/2011/livroRotatividade11.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2015. 22 Amauri Mascaro Nascimento, por exemplo, assevera inexistir atualmente óbice à dispensa imotivada (Curso

de direito de trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1189-1192). Jorge Luiz Souto Maior, ao contrário, rechaça essa tese (Curso de direito do trabalho: a relação de emprego. São Paulo: LTr, v. II, 2008. p. 434-458).

23 SEVERO, Valdete Souto. O dever de motivação da despedida na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 105.

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nacional. De fato, a mera monetização do rompimento patronal faz com que a privação do trabalho não seja questionada, de modo que o assunto fica restrito ao quanto irá se pagar pelo ato, marginalizando-se, consequen-temente, a perspectiva de manutenção do posto de trabalho24.

No mais, embora a reparação patrimonial busque atenuar os danos ocasionados pela perda do emprego, não se pode negar que igualmente cumpre papel de proteção dos interesses empresariais, tendo em vista que estabelece custo extintivo mais ou menos fixo, ou seja, previsível. Abre-se a possibilidade, consequentemente, de se realizar o cálculo do montante necessário para o rompimento25.

Isso vai ao encontro do pensamento neoliberal, segundo o qual deve haver o afastamento da atuação administrativa e judicial do Estado e da ação sindical no que se refere à relação de emprego, com intuito de privilegiar negociação individual e menos regulamentada das condições de trabalho.

Como ensina David Harvey, o neoliberalismo valoriza a capacidade empreendedora individual das pessoas no contexto de um arcabouço insti-tucional definido por sólidos direitos de propriedade privada, livres merca-dos e livre comércio26.

A elevada taxa de exploração do trabalho constitui fator crucial à neoliberalização, a qual se mostra hostil à solidariedade restritiva à acumu-lação do capital, de modo que a palavra flexibilização se torna um lema27. Consequentemente, ocorre ataque às organizações dos trabalhadores e afrouxamento dos contratos de trabalho, os quais se tornam mais inseguros para os obreiros, além de se verificar a redução dos salários e da proteção ao trabalho28.

24 A dispensa ou a violência do poder privado. Trad. Luciana Caplan. São Paulo: LTr, 2009. p. 135-136. Os autores argumentam que, de modo geral, a solução da reintegração tem perdido cada vez mais espaço para a indenização na Espanha, em contexto de afrouxamento das garantias relativas ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador.

25 Idem, p. 136-137.26 HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. Trad. Adail Sobral; Maria Stela Gonçalves. São

Paulo: Loyola, 2013. p. 12.27 Idem, p. 85-86.28 Idem, p. 62-63. Oscar Ermida Uriarte assevera que a adoção da palavra da palavra flexibilidade resulta

de uma tomada de posição ideológica, a qual a evoca como algo positivo, em oposição à rigidez, vista como algo negativo, rude, inadaptável, grosseiro, tosco. Escondem-se, todavia, as condições negativas advindas (A flexibilidade. Trad. Edilson Alkmim Cunha. São Paulo: LTr, 2002. p. 18). Jorge Luiz Souto Maior, com perspicácia, descreve este fenômeno linguístico: “À onda de redução de direitos trabalhistas apelidou-se, eufemisticamente, flexibilização, que abalou a efetividade dos princípios da irrenunciabilidade e da irredutibilidade. Pela utilização de palavras mais dóceis para uma mesma situação procurou-se (e tem-se conseguido) burlar a regra fundamental do Direito do Trabalho de perseguição da melhoria progressiva da condição econômica e social do trabalhador” (A supersubordinação – Invertendo a lógica do jogo. Revista do TRT da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 48, n. 78, p. 161, jul./dez. 2008. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_78/jorge_luiz_souto_maior.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2015).

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O resultado disso é concentração de renda, por meio da restauração (ou criação em alguns países) de poder de uma elite econômica29. Assiste-se à disseminação do poder monopolista de corporações em todo o planeta, as quais ainda influenciam os meios de comunicação e os processos políticos, para convencer que vivemos melhores sob o regime neoliberal de liber-dades30.

Pois bem, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvol-vimento Econômico – OCDE, o Brasil proporciona uma baixa proteção ao emprego, encontrando-se na 21ª colocação no índice de proteção, entre 40 países analisados (a Turquia ficou em primeiro lugar, e os Estados Unidos da América, em último), tendo em vista a pouca guarida no plano individual e a ausência no plano coletivo31.

Nesse contexto, exacerba-se a coisificação do empregado, que aca-ba por ser meramente descartado em nome de maior competitividade. Isso porque a cessação da relação de emprego por iniciativa do empregador banaliza-se como algo sem notável importância na organização da empre-sa, cuja cultura faz apologia à mobilidade, à adaptabilidade e à mudança pessoal. Nessa linha, a perda do posto de trabalho não se revelaria como algo problemático, tendo em vista que se enfatiza a capacidade de adap-tabilidade e de requalificação profissional do trabalhador, a qual deve ser adquirida e fortalecida32.

O efeito econômico do término do emprego (para o empregado) aca-ba se esvaziando em face da retórica da administração empresarial e dos fundamentos da autoridade da empresa, os quais se baseiam na individuali-zação da autonomia dos obreiros, buscando eliminar os espaços derivados

29 HARVEY, David. Op. cit., p. 27.30 Idem, p. 47.31 DIEESE. Op. cit., p. 36-39. Pontue-se que, além de algumas hipóteses de estabilidade (por exemplo, antigos

contratados que já haviam adquirido a estabilidade da CLT; o servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional), dos diversos casos de garantias de emprego (gestante; acidentado; representante dos empregados na Cipa; representante dos empregados em comissão de conciliação prévia; dirigente sindical; representante dos trabalhadores no Conselho Nacional da Previdência Social e no Conselho Curador do FGTS; empregados eleitos diretores de cooperativas por eles criadas) e da proteção contra o rompimento discriminatório, prevista na Lei nº 9.029/1995, saltam aos olhos novas situações demandando a investigação a respeito dos motivos relacionados ao fim do vínculo. A Súmula nº 443 do TST, por exemplo, consagra a presunção da discriminação na despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. A Lei nº 12.984/2014 (art. 1º, III), por seu turno, pune com reclusão, de um a quatro anos, e multa a conduta discriminatória consistente na demissão do portador do HIV e do doente de Aids em virtude de tais condições. Quanto à dispensa coletiva, o TST sistematicamente tem se manifestado no sentido da necessidade de negociação coletiva prévia, por força da Constituição e das convenções da OIT ratificadas pelo país (RO 51548-68.2012.5.02.0000, Relª Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT 16.05.2014; RO 6-61.2011.5.05.0000, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, DEJT 22.02.2013; RO 173-02.2011.5.15.0000, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 31.08.2012).

32 BAYLOS GRAU, Antonio; PÉREZE REY, Joaquín. Op. cit., p. 34-35.

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da subjetividade coletiva, como a sindical. Consequentemente, o trabalha-dor é caracterizado de modo isolado, e a perda do posto de trabalho des-crita como resultado de um déficit pessoal, em virtude de uma atuação sem competitividade33.

Há, pois, desmoronamento ideológico e político da dimensão cole-tiva do trabalho, sendo certo ainda que, em substituição ao papel dos tra-balhadores e dos cidadãos como sujeitos históricos dotados de carga social e política positiva, a figura patronal assume o posto de sujeito central na determinação da sociedade34.

Ademais, não se pode perder de vista que o rompimento patronal imotivado inviabiliza a efetividade mais intensa dos direitos do empregado, principalmente no curso da relação de emprego. Este acaba por se ver, na maioria das vezes, impotente diante da insistente prática de desrespeito às leis trabalhistas35. A lesão se consuma por meio da prescrição prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição36, sendo o caso agravado pela insuficiência história da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e pelo sindica-lismo pouco combativo37.

De fato, essa sistemática limita consideravelmente as possibilidades de o trabalhador efetivar seus direitos no curso da relação, fazendo com que se submeta a jornadas excessivas, ambientes insalubres e revistas, já que há apenas duas alternativas, quais sejam: aceitar ou perder o emprego. Isso é potencializado em uma conjuntura de desemprego, pois o empregado é alertado que muitos outros aguardam a possibilidade de substituí-lo38.

Nesse contexto, Valdete Souto Severo afirma que a prescrição no curso da relação de emprego, não protegida contra a dispensa arbitrária,

33 Idem, p. 35-36. 34 Idem, p. 37.35 Este descumprimento unilateral é chamado por Oscar Ermida Uriarte de flexibilização de fato (op. cit., p. 17). 36 Marcio Túlio Viana propõe inclusive que não seja aplicada a prescrição nesse contexto (Os paradoxos da

prescrição: quando o trabalhador se faz cúmplice involuntário da perda de seus direitos. Revista do TRT da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 47, n. 77, p. 163-172, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_77/Marcio_Viana.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2015).

37 Comprometido, entre outros fatores, pela falta de emprego seguro, em uma espécie de retroalimentação.38 O dever de motivação da despedida na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2011. p. 55-56. O Capital já indicava que, “se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa” (MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. v. 1, Livro Primeiro, t. 2. p. 200). Na sequência, conclui-se que “o sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, enquanto, inversamente, a maior pressão que a última exerce sobre a primeira obriga-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames do capital” (idem, p. 203).

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consiste no “buraco negro para onde vão os direitos fundamentais que a Constituição de 1988 consagra”39. A referida autora assevera ainda que a or-ganização e luta por melhores condições de trabalho igualmente se mostra afetada, diante da possibilidade da perda da fonte de subsistência a qual-quer instante40.

Inevitável deixar de mencionar também outra peculiaridade da re-alidade pátria, qual seja, a escravidão. Conforme alertado por Jorge Luiz Souto Maior, essa herança escravagista reflete nas expressões comumen-te utilizadas para se referir ao término da relação de emprego, tais quais: dispensa do empregado, pedido de demissão, demissão por justa causa, rescisão indireta41.

Explique-se. A cessação do vínculo por iniciativa patronal, chamada de dispensa, remete à noção de “jogar fora”, consolidando-se na expressão “mandar embora”. De outra parte, o término da relação por ato de vontade do empregado, intitulado de pedido de demissão, acaba por dar a ideia de que tal ação dependa da aceitação do empregador. A carga cultural diferen-ciada reflete-se de forma ainda mais intensa nas hipóteses de rompimento faltoso: a dispensa por justa causa, em caso de falta do empregado; rescisão indireta, em caso de falta do empregador42.

2 terceIrIzação

O receituário neoliberal repercute também no tratamento conferido à intermediação da força de trabalho. De fato, não se pode olvidar que o Direito do Trabalho se assentou na recusa dessa forma de vínculo, pois con-substancia contraponto aos tradicionais objetivos tutelares e redistributivos juslaboralistas43.

39 SEVERO, Valdete Souto. Op. cit., p. 59. Impossível deixar de constatar, nesse ponto, que o Supremo Tribunal Federal reforçou essa lógica no julgamento do ARE 709212, tendo em vista que reconheceu a inconstitucionalidade da prescrição trintenária do FGTS, adotando entendimento de que também nessa hipótese vigora o prazo quinquenal no curso da relação de emprego (Prazo prescricional para cobrança de valores referentes ao FGTS é de cinco anos. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 13 nov. 2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=279716>. Acesso em: 2 abr. 2015).

40 Idem, p. 62-63.41 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: a relação de emprego. v. II. p. 432. Esse é o motivo

pelo qual se tomou o cuidado neste artigo de se evitar tais expressões.42 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: a relação de emprego. v. II. p. 432. Aliás, pretende-

se investigar as interligações entre o término da relação de emprego por iniciativa imotivada do empregador no Brasil e o escravismo, o autoritarismo e o neoliberalismo, nos termos do projeto de pesquisa aprovado no processo seletivo de ingresso no programa de pós-graduação (mestrado) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, junto ao Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social.

43 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 452-453. Veja-se também Pedro Vidal Neto: “O Direito do Trabalho tradicionalmente tem procurado combater a utilização de meios dessa natureza. Nessa linha de idéias, proíbe-se a intermediação, destinada a afastar a responsabilidade do empregador real pela utilização de mão-de-obra, mediante o expediente de contratação

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Pedro Vidal Neto afirma ainda que:

A locação de serviços por interposta pessoa ou se constitui em marchandage¸ procedimento mediante o qual o intermediário explora o trabalho alheio como mercadoria, objeto de comércio, ou visa subtrair o beneficiário dos serviços, o empregador real, dos ônus da relação de emprego. Em ambos os casos o procedimento atenta contra a moral e contra a dignidade do tra-balho, procurando ladear a aplicação das normas de proteção. Em tais hi-póteses e à luz do disposto no art. 9º da CLT, é natural que se reconheça a responsabilidade do tomador de trabalho.44

O referido autor conclui, no entanto, não constituir a terceirização espécie de marchandage45. Márcio Túlio Viana, por outro lado, acredita existir aproximação das figuras, tendo em vista que a empresa fornecedora da força de trabalho simplesmente aluga os trabalhadores para a tomadora, comercializando pessoas como forma de obter rendimento46.

Oportuno recordar que o agenciamento de trabalhadores ainda era prática comum quando do surgimento do Direito do Trabalho, motivo pelo qual, em 1919, inclusive constou no Tratado de Versalhes que o trabalho humano não é um mero artigo de comércio (art. 427)47. Em 1944, essa ideia

por meio de interposta pessoa, que figura na relação de trabalho como empregador aparente” (VIDAL NETO, Pedro. Aspectos jurídicos da terceirização. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, n. 80, p. 25, dez. 1992). Nesta linha, o TST, antes de editar a conhecida Súmula nº 331 em 1993, tinha entendimento, consolidado na Súmula nº 256, no sentido de refutar a contratação de trabalhadores por empresa interposta, impondo consequentemente a formação do vínculo diretamente com o tomador, salvo nas hipóteses legais (Leis nº 6.019/1974 e 7.102/1983). Por isso, importante o alerta de Márcio Túlio Viana no sentido de que a terceirização é “uma das formas mais potentes – e ao mesmo tempo mais sutis – de semear o caos no Direito do Trabalho, subvertendo os seus princípios e corroendo seus alicerces” (A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da matéria. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 78, n. 4, p. 199, out./dez. 2012. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35819/010_viana.pdf?sequence=3>. Acesso em: 2 abr. 2015).

44 VIDAL NETO, Pedro. Op. cit., p. 25.45 Idem, p. 28.46 70 anos de CLT: uma história de trabalhadores. Brasília, Tribunal Superior do Trabalho, 2013. p. 119.

Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35179/2013_viana_marcio_tulio_70_anos_clt.pdf?sequence=1>. Acesso em: 2 abr. 2015. O aludido autor está se referindo à terceirização interna, que será explicitada adiante.

47 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: a relação de emprego. v. II. p. 227. Destaque-se parte do art. 427 do Tratado de Versalhes: “[...] Among these methods and principles, the following seem to the HIGH CONTRACTING PARTIES to be of special and urgent importance: First. — The guiding principle above enunciated that labour should not be regarded merely as a commodity or article of commerce” (International Labour Office. Official Bulletin, Geneva, Volume I, 1923. p. 345. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/english/bureau/leg/download/partxiii-treaty.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2015). Interessante notar que Karl Marx indica existir tráfico de carne humana no século XIX na Inglaterra. Com efeito, os fabricantes encomendavam famílias das regiões agrícolas, bem como crianças pobres e órfãs das workhouse (O capital: crítica da economia política. v. 1, Livro Primeiro, t. 1. p. 213-214). Márcio Túlio Viana também ressalta tal fenômeno: “No início, para recrutar mão de obra, o industrial recorria com freqüência aos gatos – que lhe ofereciam bandos de mendigos, mães solteiras ou crianças, dentre as quais podiam estar os seus próprios filhos” (As várias faces da terceirização. In: VIANA, Márcio Túlio (coord.). O que há de novo em direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 501).

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foi ratificada na Declaração da Filadélfia, anexo da Constituição da OIT, de modo bastante destacado, como segue ipsis litteris: “A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a organização, principal-mente os seguintes: a) o trabalho não é uma mercadoria; [...]”48.

A subcontratação se manifesta como método recorrente no capitalis-mo. Conforme alertam Annie Thébaud-Mony e Graça Druck, a consolida-ção das fábricas na época da Revolução Industrial, embora tenha diminuído sua importância, não eliminou a utilização do trabalho em domicílio, re-munerado por produção, na busca de menores custos e da preservação da dispersão dos operários49.

A esse respeito, Karl Marx descreve que:

Ao lado dos trabalhadores fabris, dos trabalhadores manufatureiros e arte-sãos, que concentra espacialmente em grandes massas e comanda direta-mente, o capital movimenta, por fios invisíveis, outro exército de trabalhado-res domiciliares espalhados pelas grandes cidades e pela zona rural.50

Nesse contexto, o autor de O Capital indica ocorrer uma intensifica-ção da exploração do trabalho, principalmente infantil e feminino, pois a capacidade de resistência do operariado diminui com sua dispersão e inter-mediários (parasitas) se colocam entre o empregador propriamente dito e o trabalhador51.

Por isso, Annie Thébaud-Mony e Graça Druck advogam que a ter-ceirização e a subcontratação seriam fenômenos velhos e novos, ou seja, práticas existentes desde a Revolução Industrial, como visto, mas para as quais são conferidas amplitude e centralidade no contexto da acumulação flexível52.

De fato, segundo o Ministério Público do Trabalho, havia, em 2012, aproximadamente 8 milhões de trabalhadores terceirizados e 31 mil em-presas terceirizadas53. Na mesma linha, levantamento do Dieese e da CUT,

48 ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Constituição e declaração da Filadélfia. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2015.

49 Terceirização: a erosão dos direitos dos trabalhadores na França e no Brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (org.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 23-24.

50 O capital: crítica da economia política. v. 1, Livro Primeiro, t. 2. p. 71.51 Idem, p. 72.52 Terceirização: a erosão dos direitos dos trabalhadores na França e no Brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO,

Tânia (org.). Op. cit., p. 27-28.53 Aumento de terceirização preocupa Ministério Público do Trabalho (entrevista com o Procurador-Geral do

Trabalho). Repórter Brasil. São Paulo, 19 dez. 2012. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2012/12/aumento-de-terceirizacao-preocupa-ministerio-publico-do-trabalho/>. Acesso em: 2 abr. 2015.

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aponta que, em 2011, os terceirizados perfaziam 25,5% do mercado formal de trabalho54.

Márcio Túlio Viana indica que a terceirização se manifesta de duas maneiras. A terceirização externa, cujo exemplo típico é a indústria de au-tomóveis, na qual ocorre a externalização de etapas do processo produtivo, sendo a produção dividida entre diversas parceiras. A terceirização interna, por sua vez, consiste na exploração por uma empresa de empregados de outra, como ocorre na contratação de serviços de conservação e limpeza55.

Ressalte-se ainda que, para o aludido autor, a primeira modalidade estaria inserida na figura do grupo econômico do art. 2º, § 2º, da CLT, con-siderado, de forma ampla, como organização em rede para produzir. A se-gunda seria aquela contemplada pela Súmula nº 331 do TST, bem como de forma parcial pela legislação56.

Não se pode perder de vista ainda que a terceirização externa cinde a classe trabalhadora em termos objetivos, por meio da sua produção em rede. Por outro lado, terceirização interna separa os trabalhadores subjeti-vamente, tendo em vista que proporciona uma diferenciação entre aqueles contratados diretamente pela tomadora do trabalho e os terceirizados. En-fim, ambas as formas servem ao capitalismo, já que se busca produzir sem unir os trabalhadores (terceirização externa) e reunir sem os unir (terceiriza-ção interna)57.

Ao se percorrer a aludida produção em rede, nota-se uma crescente fragilidade das empresas, as quais acabam por receber as pressões daquela que fica em evidência, bem como perpetuam a precarização. No contexto da terceirização interna, o trabalhador terceirizado se vê transformado em mercadoria a ser adquirida pelo tomador58, enfim, consonante Jorge Luiz Souto Maior, “são tratados como coisa ou simplesmente não são vistos. Es-tão por ali, mas deve ser como se não estivessem”59.

54 DIEESE/CUT. Op. cit., p. 5.55 VIANA, Márcio Túlio. A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da matéria.

Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 78, n. 4, p. 198-199, out./dez. 2012. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35819/010_viana.pdf?sequence=3>. Acesso em: 2 abr. 2015.

56 Idem, p. 207-208. A esse respeito, podem ser mencionadas as Leis nºs 6.019/1974 e 7.102/1983.57 Idem, p. 202. 58 VIANA, Márcio Túlio. A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da

matéria. Op. cit., p. 201-202.59 Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, v. I, parte I, 2011. p. 651.

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De todo modo, ambas as formas se baseiam na lógica da externaliza-ção de custos e da precarização, em uma busca de desresponsabilização60. Contudo, conforme aponta Victor Araújo Filgueras, o tomador dos serviços continua gerindo a atividade terceirizada, de modo que o trabalhador ter-ceirizado se insere no processo de acumulação daquele61.

O referido autor traça ainda relação entre trabalho análogo ao escra-vo e terceirização, ressaltando inclusive que prevalecem os terceirizados entre as pessoas submetidas àquelas condições. Isso porque a terceirização consiste em estratégia de gestão de força de trabalho destinada a driblar os marcos da relação de emprego, cujo limite seria o trabalho análogo ao escravo62.

Enfim, a terceirização promove a supremacia empresarial, tendo em vista que incrementa a exploração do trabalho e diminui a perspectiva de atuação dos agentes limitadores desse fenômeno, como o Estado e os sindi-catos. Assim, incorpora maior propensão às piores condições de trabalho63.

Não se pode perder de vista ainda o contexto global no qual a ter-ceirização atualmente se insere. Conforme indicado por Ricardo Antunes, o capital, a partir da década de 1970, inaugurou uma reorganização da produção de modo global, bem como de seu esquema ideológico e políti-co de autoridade. As manifestações mais palpáveis deste fenômeno são o neoliberalismo, a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos trabalhistas e a desmontagem do setor produtivo estatal64.

No que se refere à organização da empresa, ocorre o processo de lio-filização, qualificado pela redução do trabalho vivo e ampliação do traba-lho morto, por meio da substituição de trabalhadores manuais pelo maqui-nário tecnocientífico e do aumento da exploração do trabalho intelectual,

60 VIANA, Márcio Túlio. A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da matéria. Op. cit., p. 198.

61 Terceirização e trabalho análogo ao escravo: coincidência? Jun. 2014. p. 5. Disponível em: <https://indicadoresdeemprego.files.wordpress.com/2013/12/tercerizac3a7c3a3o-e-trabalho-anc3a1logo-ao-escravo1.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2015.

62 Idem, p. 2. 63 Idem, p. 7. “Na média, nos quatro últimos anos abrangidos [entre 2010 e 2013], em 90% dos 10 maiores

resgates [pelo Ministério do Trabalho e Emprego], os trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravos eram terceirizados.” Na mesma linha, Annie Thébaud-Mony e Graça Druck consideram a terceirização como “principal forma ou dimensão de flexibilização do trabalho, pois ela viabiliza um grau de liberdade do capital para gerir e dominar a força de trabalho quase sem limites, conforme demonstra a flexibilização dos contratos, a transferência de responsabilidade de gestão e de custos trabalhistas para um ‘terceiro’” (op. cit., p. 28).

64 ANTUNES, Ricardo. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 85-86.

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além do crescimento dos obreiros terceirizados e precarizados. Emerge-se a acumulação flexível do toyotismo65.

Assiste-se, em pequena proporção, ao surgimento de trabalhadores intelectualizados, polivalentes e multifuncionais, da era informacional, en-tretanto, ao mesmo tempo, há uma multidão de desempregados e de traba-lhadores precarizados, sem qualificação, sob as formas do trabalho terceiri-zado, parcial e temporário66.

Os trabalhadores, flexíveis, são dispostos em função direta das neces-sidades da produção, pois o toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de obreiros, potencializando-os por meio de horas extras, trabalhos temporários ou subcontratação, dependendo das condições do mercado, em um contexto de flexibilização do Direito67.

Fica claro, desse modo que, tal qual o término da relação de emprego por iniciativa patronal desmotivada, a terceirização se coaduna com as im-posições da agenda neoliberal. O neoliberalismo já foi tratado no capítulo anterior, contudo ainda se mostra importante trazer uma reflexão de David Harvey:

Se não existirem mercados (em áreas como a terra, a água, a instrução, o cuidado de saúde, a segurança social ou a poluição ambiental), estes devem criados, se necessário pela ação do Estado. Mas o Estado não deve se aven-turar para além dessas tarefas. As intervenções do Estado nos mercados (uma vez criados) devem ser mantidas num nível mínimo, [...].68

Considerando isso, dizer que a intermediação da força de trabalho consistiria no mercado da terceirização não seria inoportuno. Ainda que não haja uma criação deste negócio pelo Estado, já que, como visto, existe desde os primórdios do capitalismo, hoje o Estado tem cumprido um papel de incentivo a tal prática de modo explícito, em prejuízo à classe trabalha-dora69.

65 ANTUNES, Ricardo. Op. cit., p. 50 e 86.66 Idem, p. 27 e 32.67 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e centralidade do mundo do trabalho.

8. ed. São Paulo/Campinas: Cortez/Unicamp, 2002. p. 36.68 HARVEY, David. Op. cit., p. 12.69 Tanto é assim que Jorge Luiz Souto Maior, ao abordar o Projeto de Lei nº 4.330/2004, o qual busca legalizar

a terceirização em toda a atividade empresarial, como se verá adiante, enfatiza “a formação de uma espécie de shopping center fabril, onde o objeto principal de comércio é o próprio ser humano” (PL 4.330, o Shopping Center Fabril: Dogville mostra a sua cara e as possibilidades de redenção. Migalhas. 14 ago. 2013. Disponí- vel em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI184300,81042-PL+4330+o+Shopping+Center+Fabril+Dogville+mostra+a+sua+cara+e+as>. Acesso em: 2 abr. 2015).

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Frise-se que todo o exposto não se resume a meras questões concei-tuais e dogmáticas inócuas. Há repercussões diretas na vida dos terceiriza-dos e das terceirizadas. O aludido estudo do Dieese e da CUT indica remu-neração 27,1% menor para estas pessoas e jornada superior em 3 horas, ou seja, trabalham mais e ganham menos70. A chance de um terceirizado falecer por força de um acidente de trabalho é cinco vezes maior, segundo dados do Dieese expostos pelo coordenador de Saúde do Trabalho do Mi-nistério da Saúde71.

No mais, o cotidiano forense confirma a fragilidade da situação, pois são postulados frequentemente salários, adicionais e verbas rescisórias em face de empresas fornecedoras de força de trabalho que simplesmente desa-pareceram, deixando os trabalhadores à deriva72.

Por isso, não se pode aceitar o Projeto de Lei nº 4.330/2004, cuja intenção é legalizar a terceirização para qualquer tipo de serviço, represen-tando desse modo a legitimação da perversidade, conforme enfatiza Jorge Luiz Souto Maior73. Enfim, os efeitos visados com tal proposta são:

Empresas constituídas sem empregados, com setores inteiros da linha de produção, da administração, do transporte e demais atividades geridos por empresas interpostas cujo capital social é bastante reduzido se comparado com a contratante, gerando, por certo, uma redução de ganhos, além de um grande feixe de relações jurídicas e comerciais, que se interligam promis-cuamente, mas que servem para evitar que os diversos trabalhadores, das variadas empresas, se identifiquem como integrantes de uma classe única e se organizem.74

3 rotatIvIdade da força de trabalHo

Nos termos do proposto em estudo do Dieese, pode-se definir rota-tividade como a “substituição do ocupante de um posto de trabalho por

70 DIEESE/CUT. Op. cit., p. 6.71 Brasil é o quarto país em número de acidentes fatais no trabalho. Conjur. Brasília, 4 jul. 2014. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2014-jul-04/brasil-quarto-pais-numero-acidentes-fatais-trabalho>. Acesso em: 2 abr. 2015.

72 “É impossível ir à Justiça do Trabalho e não se deparar, nas milhares audiências que ocorrem a cada dia, com ações nas quais trabalhadores terceirizados buscam direitos de verbas rescisórias, que deixaram de ser pagas por empresas terceirizadas, que sumiram. Esses trabalhadores, além disso, que já passaram, durante o vínculo de emprego, por um processo de segregação, de discriminação, de fragilização, quando não de invisibilidade, ainda se veem obrigados a suportar anos de lide processual para receber parte de seus direitos.” (SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. PL 4.330, o Shopping Center Fabril: Dogville mostra a sua cara e as possibilidades de redenção).

73 Idem.74 Idem.

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outro, ou seja, a demissão seguida da admissão, em um posto específico, individual, ou em diversos postos, envolvendo vários trabalhadores”75.

No Brasil, muito embora o postulado neoliberal acerca da necessida-de da flexibilização dos contratos tenha ganhado força a partir da década de 1990, já havia a consolidação, nos meados da década de 1960, de um regime marcado pela instabilidade dos vínculos empregatícios, cuja raiz se encontra no governo militar76.

A estratégia consistia em relegar ao livre-arbítrio dos patrões a forma de dispor e remunerar a força de trabalho, o que resultou em elevada rotati-vidade e baixos salários, em um contexto de repressão da atividade sindical e política, bem como de política de contenção de remuneração no setor público e privado77.

O FGTS (Lei nº 5.107/1966) surge em tal momento. Por isso, Oscar Ermida Uriarte diz que ele pode ser tido como antecedente remoto da des-regulamentação imposta na América Latina, bem como promotor da rotati-vidade no emprego, diante da completa liberdade de encerramento do vín-culo em um sistema “pré-pago”, já que o empregador, como se sabe, realiza depósitos na conta pessoal do empregado no curso da relação78.

Depois do golpe, a industrialização brasileira caracterizou-se por um arranjo entre taxas de crescimento elevadas e de exclusão social, com uma notável flexibilidade do mercado de trabalho, manifestada em significativa rotatividade no emprego79.

No que se refere à Constituição de 1988, o Oscar Ermida Uriarte é enfático: “O FGTS continua sendo um estímulo à extinção da relação de trabalho”80.

Não é surpreendente desse modo que se mantinha aquele diagnóstico em meados da década de 1990. Nesta época, já se alertava que o desemba-raço para o empregador iniciar e terminar uma relação de emprego no Brasil provoca um vínculo bastante flexível, de modo que as empresas se valem de um núcleo relativamente enxuto de empregados fixos e de uma grande

75 DIEESE. Op. cit., p. 11. 76 BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade; PRONI, Marcelo Weishaupt. Sobre o regime de trabalho no Brasil:

rotatividade de mão-de-obra, emprego formal e estrutura salarial. In: OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de; MATTOSO, Jorge Eduardo Levi (Org.). Crise e trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996. p. 113-114.

77 Idem, p. 116-117.78 URIARTE, Oscar Ermida. Op. cit., p. 29. 79 MANZANO, Marcelo Prado Ferrari. Custo de demissão e proteção do emprego no Brasil. In: OLIVEIRA, Carlos

Alonso Barbosa de; MATTOSO, Jorge Eduardo Levi (Org.). Op. cit., p. 255.80 URIARTE, Oscar Ermida. Op. cit., p. 30.

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margem daqueles cuja permanência acaba por ser determinada pelo ritmo da atividade econômica, bem como pelas estratégias de redução de salários. Tudo isso resultou em proporção significativamente grande de empregados com pouco tempo de serviço81.

Muito embora o país tenha experimentado um ciclo de crescimento a partir dos meados da primeira década deste século, com redução significa-tiva do desemprego, aumento das ocupações formais e expansão da massa salarial, o quadro não se alterou, persistindo a rotatividade e insegurança na população82.

Entre 2001 e 2010, os cálculos do Dieese, baseados na Rais, indicam elevação da taxa de rotatividade de 45,1% para 53,8%, ou seja, para cada 100 contratos constantes na aludida relação, aproximadamente metade se refere ao volume de desligamentos substituído pelo volume de admissões equivalentes, durante o decorrer de cada ano. Revela-se, assim, um regime por meio do qual milhões de pessoas têm vínculos desligados, enquanto outros tantos milhões são admitidos, em um movimento permanente e in-cessante durante todos os meses de cada ano83.

Ainda que limitada à potencial demanda do seguro-desemprego e do FGTS, descontando nessa linha os desligamentos decorrentes de transferên-cia, pedido do trabalhador, aposentadoria e falecimento, a referida entidade indica a manutenção de taxas elevadas, sendo de 37,28% em 201084.

Salta aos olhos ainda que 79% dos desligamentos em 2009 se deram em relação a empregos de até 2 anos de duração (em 63,6% dos términos o tempo de trabalho nem mesmo durou um ano)85, o que reflete o diminuto tempo médio de emprego no Brasil, que era de 5 anos em 200986. Em uma comparação com 25 países, o Brasil supera apenas os Estados Unidos da América no que se refere ao tempo médio de emprego, sendo a Itália a campeã, com 11,7 anos87.

81 BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade; PRONI, Marcelo Weishaupt. Sobre o regime de trabalho no Brasil: rotatividade de mão-de-obra, emprego formal e estrutura salarial. In: OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de; MATTOSO, Jorge Eduardo Levi (Org.). Op. cit., p. 119-120.

82 DIEESE. Op. cit., p. 35-36.83 Idem, p. 13.84 Idem, p. 14.85 Idem, p. 53-54.86 Idem, p. 56.87 Idem, p. 58-59.

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Embora o levantamento exposto nos últimos parágrafos não especi-fique a situação dos terceirizados88, outros dados podem auxiliar no enten-dimento da questão. No também aqui já mencionado estudo do Dieese e da CUT, com base na Rais de 2010, indicou-se uma permanência no traba-lho em média de 2,6 anos para terceirizados, com elevada rotatividade de 44,9%, sendo que, por sua vez, os contratados diretamente teriam média próxima de seis anos e uma taxa de rotatividade de 22%89.

Essa maior precariedade no vínculo não é de todo inesperada. Isso porque, como exposto no capítulo anterior, a terceirização não só permite a intensificação da exploração, bem como solapa a proteção ao emprego, resultando em condições de trabalho concretamente piores.

Pois bem, não só os trabalhadores são diretamente prejudicados em virtude desta insegurança, mas essa sistemática afeta também os fundos or-ganizados para sua proteção em caso de rompimento imotivado patronal, quais sejam, o FGTS e o seguro-desemprego90.

Nessa linha, a Medida Provisória nº 665, de 30 de dezembro de 2014, ao elevar o período de carência para o seguro-desemprego (de 6 meses para 18 meses na primeira solicitação e de 6 meses para 12 meses na segunda solicitação), sob a alegação da necessidade de redesenho para acerto de contas em virtude de distorção91, somente pode ser entendida como um agravamento na crise da insegurança da classe trabalhadora. Justamente a vítima de um sistema que permite amplamente o rompimento patronal do vínculo empregatício, como visto.

Criticando também a Medida Provisória nº 664, de mesma data, a qual, por sua vez, abala benefícios previdenciários (pensão por morte, au-xílio-doença, auxílio-reclusão), Jorge Luiz Souto Maior argumenta que, na esteira da lógica neoliberal, está se tentando resolver entraves próprios do modelo capitalista por meio da supressão dos direitos dos trabalhadores,

88 “Neste caso [da terceirização], haverá o fechamento de postos de trabalho em uma e a contratação em outra, o que, do ponto de vista da realização da atividade produtiva, representa uma substituição para a realização de certas tarefas. [...] Como este tipo de contratação não é informada nem pela contratante nem pela contratada, torna-se impossível precisar a criação e a destruição de postos de trabalho nas empresas que se utilizam da ‘terceirização’. É possível detectar no mercado de trabalho apenas a movimentação de empregos, realizada pelas empresas que oferecem a ‘mão de obra terceirizada’, comumente denominadas de ‘locadoras de mão de obra’.” (idem, p. 83).

89 DIEESE/CUT. Op. cit., p. 6-7. A diferença dos percentuais apontados pelos estudos mencionados deve se dar pela diferente metodologia de cálculo e abrangência de dados coletados.

90 DIEESE. Op. cit., p. 12.91 Vide exposição de motivos disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Exm/

ExmMP%20665-14.doc>. Acesso em: 2 abr. 2015. Recorde-se que esta medida provisória afeta também o abono salarial vinculado ao PIS/Pasep e o seguro-defeso do pescador artesanal.

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que não são os culpados, mas, ao contrário, responsáveis pela produção de riquezas92.

Além de diversas inconstitucionalidades presentes nos aludidos textos, cumpre frisar que José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva e Sandro Sardá apontam que o contingente daqueles não beneficiados pelo seguro--desemprego deve subir aproximadamente de 3,2 milhões para 8 milhões, ou seja, quase 65% do total dos rompimentos imotivados93. Acrescente-se ainda que, considerando a maior rotatividade entre os terceirizados, de todo esperado que eles também sintam mais o peso de tais medidas.

Não por outro motivo os mencionados autores indicam violação ao art. 7º, II, da Constituição, sendo certo ainda que ressaltam que jovens, so-bretudo os de baixa escolaridade, serão os mais afetados por tal política, com o incremento de sua vulnerabilidade no que tange à rotatividade94.

Havia, por óbvio, outro caminho. Uma nova ratificação da Conven-ção nº 158 da OIT, que limita o rompimento patronal ao estipular a regra da motivação (art. 4º)95, poderia causar menores índices de rotatividade e estaria em acordo com o disposto no art. 7º, I, da Constituição. Além disso, caberia a regulamentação do § 4º do art. 239 do texto constitucional, o qual estipula, para o custeio do seguro-desemprego, contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o índice médio da rotatividade do setor, na forma estabelecida por lei.

coNcluSão

O recado de Evaristo de Moraes parece não ter sido compreendido, mesmo após mais de 100 anos.

Isso porque prevalece uma lógica jurídica que não consegue conter a violência patronal consistente na supressão do trabalho pelo rompimento do vínculo de modo imotivado. As elevadas taxas de rotatividade e as com-parações com outros países comprovam este fenômeno, que não pode ser encarado como uma mera questão de término contratual.

92 Tragédias anunciadas: as medidas provisórias de Dilma. 2 fev. 2015. Disponível em: <http://blogdaboitempo.com.br/2015/02/02/tragedias-anunciadas-as-medidas-provisorias-de-dilma/>. Acesso em: 2 abr. 2015.

93 SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira; SARDÁ, Sandro. Apontamentos sobre a redução de direitos previdenciários (MP 664/2014) e ao seguro-desemprego (665/2014) – ou: nunca uma vaca tossiu tão alto e de forma tão inconstitucional. p. 24. Disponível em: <https://www.sinait.org.br/docs/Apontamentos_mp_664_mp_665.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2015.

94 SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira; SARDÁ, Sandro. Op. cit., p. 24-26. O maior contingente de desligamentos na última década se concentra na faixa até 29 anos (DIEESE. Op. cit., p. 74).

95 “Art. 4º Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”

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Ademais, a terceirização, que ganha força com o neoliberalismo, exacerba a dominação inerente à relação de emprego, pois cinde a classe trabalhadora e afasta a efetivação do Direito do Trabalho como promotor de melhores condições de vida. Há nítida precarização do trabalho e, no limite, exploração análoga à escravidão.

Assim, a maior rotatividade dos terceirizados só pode ser vista como combinação entre a licença para o término patronal desmotivado da relação de emprego e a terceirização, legitimadas pelos poderes Executivo, Legisla-tivo e Judiciário.

Nesse ponto, relembre-se que, como prelecionado por Walter Ben-jamin, muitas vezes a sociedade não segue o caminho mais democrático e libertário, pois o progresso científico, industrial e técnico pode ser acompa-nhado pela barbárie social e política96.

Daí a importância da atuação dos trabalhadores para a efetivação do Direito Trabalho, conforme proposto por Márcio Tulio Viana, segundo o qual se faz necessário o ambiente de pressão representado pela sanção paralela da greve, pois “a norma exige que as mesmas forças que a fize-ram brotar continuem a existir”, já que o empregador tende “a aplicar a lei como, quando e quanto quer, e assim mesmo se quiser”97.

De todo modo, sempre é bom ter em mente que os rumos da história não estão dados previamente, na esteira da reflexão de Michael Löwy em leitura das teses Sobre o conceito de história, de Walter Benjamin:

Se a história é aberta, se o “novo” é possível, é porque o futuro não é conhe-cido antecipadamente; o futuro não é o resultado inevitável de uma evolução histórica dada, o produto necessário e previsível de leis “naturais” da trans-formação social, fruto inevitável do progresso econômico, técnico e científi-co – ou o que é pior, o prolongamento, sob formas cada vez mais aperfeiço-adas, do mesmo, do que já existe, da modernidade realmente existente, das estruturas econômicas e sociais atuais.98

São Paulo, abril de 2015.

96 LöWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. Trad. Wanda Nogueira Caldeira Brant [tradução das teses]; Jeanne Marie Gagnebin; Marcos Lutz Müller. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 83-85.

97 As várias faces da terceirização. In: VIANA, Márcio Túlio (coord.). O que há de novo em direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 502.

98 LöWY, Michael. Op. cit., p. 149.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

As Alterações na Legislação Previdenciária Promovidas pela Medida Provisória nº 676/2015

ALExAnDRE SChumAChER TRIChESMestre em Direito Previdenciário pela PUCSP, Pós-Graduado em Direito Público pela PUCRS, Advogado e Professor, Autor de obras de Direito.

ALInE ORTIZ vIEIRAGraduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil, Especialista em Direito Previden-ciário pela Faculdade IDC, Atua como Juíza Leiga no Posto JEC da Escola Superior da Magis-tratura, adjunto ao 5º Juizado Especial Cível da Comarca de Porto Alegre/RS, Ministra aulas de Direito Previdenciário e Direito Empresarial.

RESUMO: Trata o presente artigo sobre as diversas modificações legislativas acerca do instituto da aposentadoria, bem como os reflexos na vida do Segurado da Previdência Social. Em especial com o advento da Medida Provisória nº 676/2015, que tornou a aplicação do fator previdenciário facul-tativa nas aposentadorias por tempo de contribuição, trazendo importantes reflexos na Previdência Social com a adoção da fórmula 85/95, sua progressiva e os novos parâmetros para a concessão do benefício.

PALAVRAS-CHAVE: Aposentadoria; evolução legislativa; regras transitórias; fator previdenciário; apli-cação da fórmula 85/95.

ABSTRACT: Comes this article about the various legislative changes about the Retirement Institute, as well as reflections on the life of the Insured Social Security. Especially with the advent of Provisio-nal Measure nº 676/2015 which made the application of the voluntary pension factor in retirements by contribution time, bringing important effects on Social Security, by adopting the 85/95 formula, its progressive and new parameters for granting the benefit.

KEYWORDS: Retirement; legislative developments; transitional rules; Social Security Factor; applica-tion of the formula 85/95.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aposentadoria; 1.1 Espécies de aposentadoria; 2 Principais regras transi-tórias sobre a aposentadoria; 3 O fator previdenciário; 3.1 A não aplicação do fator previdenciário e as inovações da fórmula 85/95; 3.2 Os reflexos da aplicação da fórmula 85/95 na vida do segurado; Conclusão; Referências.

INtrodução

Trata o presente artigo sobre as diversas modificações legislativas acerca do instituto da aposentadoria, bem como os reflexos na vida do se-gurado da Previdência Social.

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No primeiro capítulo, aborda-se o conceito de aposentadoria e as suas espécies.

O segundo capítulo aborda a evolução legislativa e as regras transitó-rias sobre aposentadoria.

O terceiro capítulo vem demonstrar o que é o fator previdenciário, a possibilidade de não aplicação e os reflexos da fórmula 85/95 na vida do segurado.

1 aPoSeNtadorIa

O art. 2031 da Carta Magna prescreve que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à Seguri-dade Social. Os objetivos da assistência social são a proteção à família, à maternidade, à adolescência e à velhice.

Por ter a preocupação com a velhice é que surgiu o instituto da apo-sentadoria, concedida àqueles que preenchem os requisitos exigidos em lei para tal.

No presente trabalho trataremos apenas sobre a aposentadoria por tempo de contribuição, a qual está prevista no art. 522 da Lei nº 8.213/1991 e no art. 201, § 7º, I, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Existente no ordenamento jurídico desde a Lei Eloy Chaves (Decre-to nº 4.682/1923), era denominada de aposentadoria ordinária, porém era concedida apenas aos ferroviários que completassem 30 anos de serviço e 50 anos de idade.

A constituição de 1891 foi a primeira a conter o verbete “aposenta-doria”.

Mas questionamos: o que vem a ser aposentadoria? Aposentadoria é o ato de aposentar-se; pensão; descanso; cessação, conforme aduz o dicio-nário.

Já o conceito de aposentadoria no dicionário jurídico3 demonstra que é o direito que tem o empregado, depois de certo número de anos de ativi-dade ou por invalidez, de retirar-se do serviço recebendo uma mensalidade.

1 “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e a velhice [...].”

2 Art. 52 Lei nº 8.213/1991: “A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do sexo masculino”.

3 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário universitário jurídico. 17. ed. São Paulo: Rideel, p. 38.

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Trata-se de um benefício requerido de forma voluntária pelo segura-do, resultante do planejamento previdenciário que fez ao longo da sua vida laboral.

1.1 espéCies de AposentAdoriA

No ordenamento pátrio, o legislador preocupou-se com a qualidade de vida do segurado, trabalhadores urbanos inscritos no RGPS, apresentan-do as seguintes modalidades de aposentadoria, quais sejam: aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, aposentadoria por idade e aposentadoria por invalidez, ambas previstas no art. 201, § 7º4, da CRFB.

Não se esqueceu de preocupar-se com o trabalhador rural, possibili-tando ao homem do campo também o merecido descanso por desenvolver um trabalho árduo.

A aposentadoria por tempo de contribuição é o benefício que tem di-reito aquele(a) regularmente inscrito(a) ao RGPS, tendo preenchido o tempo exigido por lei de cessar sua atividade laboral percebendo uma mensali-dade.

A aposentadoria por tempo de contribuição se apresenta como um benefício de prestação continuada que visa à proteção dos segurados traba-lhadores contra os riscos fisiológicos, uma vez que também garante a possi-bilidade de cessar o exercício da atividade remunerada com a manutenção de uma renda que possa prover a sua subsistência e a de seus dependentes.

A aposentadoria por tempo de contribuição é um benefício que sofre constantes ataques, pois alguns especialistas aduzem não se tratar de um be-nefício previdenciário, porque não há qualquer risco social a ser protegido. O tempo em que o segurado contribuiu não traz a suspeita de incapacidade para o trabalho.

Essa questão sobre o risco social da aposentadoria por tempo de con-tribuição causa bastante tormenta, pois há afirmações que de fato não se constitui contingência social, visto que, por si só, não diminui ou tira a capacidade de se sustentar autossustento do segurado.

4 Art. 201, § 7º: “É assegurada a aposentadoria no regime geral da previdência, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: I – 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher; II – 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, reduzido em 5 (cinco) anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal; [...]”.

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Além do Brasil, apenas Irã, Iraque e Equador não possuem a exigência de idade mínima para a aposentadoria e, de todos, Brasil é o único país que não condiciona esta ao afastamento da atividade.

Já a aposentadoria especial é concedida àqueles segurados expostos permanentemente a agentes nocivos, químicos ou biológicos em ambiente insalubre.

A aposentadoria especial é devida ao segurado que tenha exercido atividade laboral durante 15, 20 ou 25 anos a condições que prejudiquem a sua saúde ou integridade física.

No que concerne à aposentadoria por idade, trata-se daquela devida ao segurado que tenha preenchido a carência exigida por lei – 180 contri-buições mensais e que tenha 65 anos se do sexo masculino ou 60 anos se do sexo feminino.

A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, seja considerado incapaz para o exercício de sua atividade, não sendo possível a sua reabilitação.

2 PrINcIPaIS regraS traNSItórIaS Sobre a aPoSeNtadorIa

Todas as propostas de alteração na legislação previdenciária visavam extinguir o benefício em questão, justamente pela não existência de risco a ser coberto.

Duas das alterações legislativas possuem maior relevância nos dias de hoje. A primeira foi trazida pela Emenda Constitucional nº 20/1998 e a segunda foi proposta pela Lei nº 9.876/1999.

A Emenda Constitucional nº 20/1998, conhecida como a Reforma da Previdência, modifica os requisitos para a obtenção de aposentadorias.

O PBPS denomina ainda aposentadoria por tempo de serviço, porém, a referida Emenda tornou o RGPS totalmente contributivo, sendo que de lá para cá começou a ser denominada aposentadoria por tempo de contri-buição.

Antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 20/1998, era devida a aposentadoria àqueles segurados que completassem 255 (vinte e

5 Art. 52 da Lei nº 8.213/1991: “A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do sexo masculino”.

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cinco anos) de serviço se do sexo feminino e 30 (trinta anos) de serviço se do sexo masculino.

Com a vigência da referida emenda, passou-se a conceder aposenta-dorias por tempo de contribuição somente a quem preencher os seguintes requisitos, quais sejam: 60 anos de idade e 35 anos de contribuição se ho-mem e 55 anos de idade e 30 anos de contribuição se mulher.

Cumpre salientar que se extinguiu a aposentadoria proporcional, con-forme era previsto do regime anterior.

A Lei nº 9.876/1999 alterou de forma substancial a forma de contri-buição previdenciária, com reflexos na Lei nº 8.212/1991 – Plano de Cus-teio da Seguridade Social.

Enquanto a EC 20/1998 alterou as regras de concessão para aposen-tadorias, a Lei nº 9.876/1999 trouxe aspectos inovadores sobre o cálculo do salário-de-benefício.

Durante a vigência da Lei nº 8.212/1991, o PBC – Período Básico de Cálculo era calculado com base dos 36 últimos salários-de-contribuição até o limite de 48 meses, sendo que, após a promulgação a Lei nº 9.876/1999, passou-se a considerar todo o período contributivo do segurado.

Tal norma somente é válida para os segurados filiados no RGPS após a data de 28.11.1999, pois, para os que já eram filiados, também houve mudança, porém o período é menor, sendo considerado a partir de julho de 1994.

3 o fator PrevIdeNcIárIo

O fator previdenciário é uma fórmula, e apenas isso, bastante com-plexa e criada para ser aplicada como multiplicador do salário-de-benefício das aposentadorias por tempo de contribuição e por idade. Portanto, en-tre as espécies de aposentadorias já tratadas em capítulos anteriores, terá aplicabilidade o fator previdenciário apenas no que tange à modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade, sendo que, no caso dessa última, de forma optativa – apenas para aqueles casos em que a aplicação da fórmula resultar em vantagens ao postulante do benefício.

O fator previdenciário foi instituído pela Lei nº 9.876/1999, fruto de uma forte onda reformista na Previdência Pública brasileira, que se inicia nos anos noventa, já relatada em capítulo anterior, em especial pela Emen-da Constitucional nº 20/1998, que passou a exigir uma correlação entre

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contribuição e o benefício. Segundo Santos: “Os argumentos centrais para criação do fator previdenciário em 1999, e para sua manutenção, basearam--se em dois pilares: o déficit da Previdência Social e o aumento da expecta-tiva de sobrevida humana”6.

A questão envolvendo o déficit da Previdência Social, diante do au-mento da expectativa de sobrevida humana bem como do aumento do tra-balho, foi a tônica da instituição do fator previdenciário, visando, conforme explicitam Castro e Lazzari7, à redução de despesas com a concessão de aposentadorias por tempo de contribuição a pessoas que se aposentam com idades bem abaixo daquela considerada ideal pelos atuários da Previdência Social.

Antes das alterações promovidas no sistema pela Lei nº 9.876/1999, o cálculo da renda mensal inicial das aposentadorias era feito pela média das últimas 36 contribuições do segurado. Na época, o sistema de finan-ciamento era de repartição simples, no qual a relação entre contribuição e benefício individual é relativizada, dando-se ênfase maior na cotização coletiva, por meio da solidariedade entre gerações: a geração que trabalha custeia o benefício de quem se retira.

Com as alterações promovidas na Previdência pela Lei nº 9.876/1999, o salário-de-benefício passa à consideração de forma mais individualista à vida contributiva do trabalhador, pois inclui na média os 80% maiores sa-lários-de-contribuição de todo o período contributivo, com o multiplicador fator previdenciário, para os casos específicos das aposentadorias por tempo de contribuição e aposentadoria por idade.

Veja-se, portanto, que, além de a legislação em comento criar um mecanismo de desincentivo a aposentadorias precoces (que comprovada-mente, passados quinze anos de sua instituição, demonstrou-se ineficaz, frise-se), também passou a mitigar o viés da solidariedade intergerações, para um sistema mais capitalizado na história de vida previdenciária indivi-dual de cada segurado.

O fator possui quatro elementos em sua fórmula: alíquota de contri-buição, idade do trabalhador, tempo de contribuição à Previdência Social e expectativa de sobrevida do segurado, esta conforme tabela da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE pode variar8. A idade

6 SANTOS, Matusalém dos. Alternativa ao ineficaz e perverso fator previdenciário. Revista de Previdência Social, São Paulo, n. 384, p. 919-921, nov. 2012. Mensal.

7 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. Florianópolis: Conceito, 2010/2012.

8 Para consulta da tabela de sobrevida do IBGE sugerimos acessar o site do instituto: www.ibge.org.br.

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do postulante ao benefício é considerada quando da aposentação, após ser transformada em número de dias, com base no ano com 365 dias. O tem-po de contribuição é o período que efetivamente o segurado verteu paga-mentos para a Previdência Social – não esqueçamos o vetor do equilíbrio financeiro e atuarial, que passa a exigir, a partir da EC 20/1998, o efetivo recolhimento da contribuição para cômputo de tempo, esse também trans-formado em dias. A alíquota será sempre de 31% ou 0,31, correspondente a 20% da empresa e 11% do segurado.

Para as mulheres e professores, exceto os do magistério universitário, foi criado um bônus de cinco anos para o cálculo do fator previdenciário. Esse adicional tem por finalidade adequar o cálculo ao preceito constitucio-nal, que garante às mulheres e professores aposentadoria com redução de tempo com relação ao homem.

Um primeiro aspecto que deve ser levado em consideração com re-lação ao fator previdenciário é que sua incidência, mesmo que muito criti-cada desde sua instituição, se dá em um contingente estatístico de benefício bastante restrito, considerando a universalidade da população beneficiária da Previdência Social. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, compreende um universo não maior do que 20% do total de beneficiários da Previdência Social, pois as concessões das aposentadorias por tempo de contribuição reduzem a cada ano que se avança, diante das alterações do perfil do emprego no Brasil e no mundo, bem como o aumento dos riscos não programados na sociedade pós-industrial9.

Todavia, mesmo diante de um percentual de benefícios com inci-dência de fator bastante estatisticamente restrito, principalmente tendo em vista a universalidade dos participantes do sistema, a injustiça da fórmula instituída em 1999 foi convencendo a todos os setores, inclusive a própria Previdência Social, diante da ineficácia da ferramenta, no que tange ao seu principal objetivo, que era desincentivar o trabalhador a postular a aposen-tadoria. E isto por diversos motivos.

Os dados confirmam que, mesmo diante da aplicação do fator previ-denciário nas aposentadorias por tempo de contribuição, o índice de pos-tulações precoces, com alta incidência de redução de renda mensal inicial, em razão da aplicação da fórmula cresceu vertiginosamente, deixando o fator previdenciário de cumprir com o seu principal objetivo, que era o de desincentivar os trabalhadores a requerem o benefício jovens, mesmo

9 Ministério da Previdência Social. Fator previdenciário. Acesso em: 27 ago. 2015.

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que completados os requisitos10. A maior comprovação dessa afirmação foi o surgimento da tese jurisprudencial da desaposentação, segundo a qual os segurados jubilados, que continuavam trabalhando, passaram a postular junto ao Poder Judiciário o cancelamento do pedido de aposentadoria ori-ginal, para a concessão de um novo, considerando as contribuições realiza-das quando do retorno ao trabalho após a jubilação.

Assim, a aplicação da fórmula não modificou a idade média dos re-querimentos da aposentadoria, que se estabilizou em 54 anos entre os ho-mens e em 51 anos entre as mulheres desde 2002. Os segurados, sejam homens ou mulheres, preferem cumprir o tempo mínimo obrigatório para pedirem a aposentadoria, de 35 e 30 anos, respectivamente, mesmo saben-do que podem ter um desconto significativo no valor do benefício, pois a regra é continuar na ativa para acumular o valor da aposentadoria e do salário11.

Matusalém dos Santos já em 2012 apresentava seu ponto de vista sobre a ineficácia deste perverso dispositivo legal como elemento de equilí-brio atuarial do sistema previdenciário. Segundo o autor:

O fato é que, passados doze anos desde sua criação, o fator previdenciário gerou uma economia aproximada de R$ 31 bilhões, segundo declarações na imprensa pelo Exmo. Ministro da Previdência. Porém, esta quantia, frente ao gasto total da Previdência Social com benefícios no mesmo período, que foi de R$ 2.391.961.627.000,00 (dois trilhões, trezentos e noventa e um bilhões, novecentos e sessenta e um milhões, seiscentos e vinte e sete mil reais), re-presenta uma redução de apenas 1,29% nas despesas.12

Os dados trazidos por Santos são muito significativos. Segundo o au-tor, o resultado da aplicação do fator é inócuo por quatro motivos básicos:

1) enquanto a Previdência Social dispõe de um rol de dez benefícios aos se-gurados, sendo eles: aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, auxílio--doença, salário-família, salário-maternidade, auxílio-acidente, pensão por morte e auxílio-reclusão (Lei nº 8.213/1991, art. 18), somente um des-tes benefícios tem seu valor reduzido pelo fator previdenciário. É que o fator previdenciário é aplicado apenas em duas espécies de benefícios, a aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria idade, porém nesta última sua aplicação só ocorre se resultar em aumento da renda;

10 Idem.11 Idem.12 SANTOS, Matusalém dos. Alternativa ao ineficaz e perverso fator previdenciário. Op. cit.

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2) quando por conta da aplicação do fator previdenciário a renda da apo-sentadoria por tempo de contribuição fica abaixo do salário-mínimo, e isso ocorre para muitos segurados que no período básico de cálculo têm salários-de-contribuição próximos de dois salários-mínimos, o benefício é pago no valor de um salário-mínimo por força Constitucional. A elevação do valor real do salário-mínimo contribui bastante para este fenômeno e, inclusive, após a aposentadoria os novos aumentos reais do salário--mínimo representam sutil recuperação do valor perdido pela aplicação do fator previdenciário;

3) quando o cálculo do fator previdenciário é maior que 1 (um), os segurados recebem benefícios com renda maior que suas médias contributivas, mes-mo que tenham contribuído pelo valor mínimo;

4) o fator previdenciário tem sido um elemento de desestabilização do sis-tema previdenciário na medida em que muitos segurados pressionam o sistema para obter benefícios que não incidem o fator ou, mesmo no caso da aposentadoria por tempo de contribuição, insistem em estratégias para aumentar seus tempo de serviço para além dos 35 anos e assim diminuir os efeitos negativos do fator. Tal fato aumenta a demanda sobre a perícia técnica da autarquia.13

No mesmo sentido é o posicionamento de Giambiagi14, que, ao ana-lisar o que aconteceu depois da aprovação do fator previdenciário, afirma que houve um aumento no número de aposentadorias por invalidez. Sua conclusão é a de que o trabalhador se convence de que a aposentadoria por tempo de contribuição não é favorável, e o avançar dos anos gera uma pressão maior nas postulações de benefício por incapacidade.

3.1 A não ApliCAção do FAtor previdenCiário e As inovAções dA FórmulA 85/95

Na tentativa de resolver os problemas que envolvem o fator previ-denciário, vários projetos de lei foram propostos no Congresso Nacional nos últimos anos, visando adequar sua aplicação, eliminá-lo ou, em outros casos, alterar os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, com o estabelecimento de idade mínima.

O advento da Medida Provisória nº 676/2015 trouxe mudanças ao sistema, porém não extinguiu o fator previdenciário, ele foi mantido de for-ma paralela a uma fórmula alternativa, para a jubilação integral, com vigên-cia imediata, denominada de fórmula 85/95.

13 Idem.14 GIAMBIAGI, Fábio. Reforma da Previdência: o encontro marcado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

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De acordo com a mudança legislativa, para garantir a aposentadoria por tempo de contribuição integral, deve o segurado computar tempo de contribuição e idade, que, somados e respeitados um tempo de contribui-ção mínimo de 30 anos para as mulheres e 35 anos para os homens, devem atingir o número 85 ou 95, respectivamente para mulheres e homens.

Segundo a MP 676, no período situado entre 18 de junho de 2015 e 31 de dezembro de 2016, fará jus à aposentadoria integral o postulante ao benefício que somar tempo de contribuição – que não poderá ser inferior a 35 anos para homens e 30 para mulheres – com a idade e alcançar o núme-ro 85, no caso da mulher, ou 95, no caso do homem. Nesse caso, fará jus ao benefício sem a aplicação do redutor.

O texto da MP 676 prevê uma progressividade na fórmula 85/95, pois, entre os anos de 2017 a 2022, passará a ser de 90/100, de acordo com o seguinte cronograma: (a) até 31 de dezembro de 2016 será mantida a fórmula 85/95; (b) de janeiro/2017 a dezembro/2018 será 86/96; (c) de janeiro a dezembro/2019 será 87/97; (c) de janeiro a dezembro/2020 será 88/98; (d) de janeiro a dezembro/2021 será de 89/99; e (e) de janeiro/2022 em diante será de 90/100.

3.2 os reFlexos dA ApliCAção dA FórmulA 85/95 nA vidA do segurAdo

A edição da MP 676 dando vigência imediata à fórmula 85/95, mes-mo que com a progressividade e a redução de alguns direitos, pode ser con-siderada um avanço, pois permite a aposentadoria integral de uma forma mais clara e justa. A fórmula parece querer respeitar a transição demográfica brasileira e não traz risco ao equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social, tratado pelo art. 201 da Constituição.

Porém, por meio de sua progressividade para o patamar de 90/100, muito provavelmente não será mais vantajosa para os segurados. Um exem-plo: segurado que iniciou aos 15 anos no mercado de trabalho terá que contribuir por 45 anos para se aposentar aos 60 anos de idade, ou, de outro modo, se contar com 35 anos de contribuição, somente gozará do benefício aos 70 anos de idade, de outra forma pode se aposentar por idade, ou seja, o benefício por tempo de contribuição, neste caso, se tornará sem eficácia15.

O que se espera é que a reforma garanta equanimidade, e não o sa-crifício de apenas um grupo de segurados que iniciarem mais cedo no mer-

15 CROCHES, Rodrigo Gama, FERREIRA MELO, Rosália de Fátima. Fator Previdenciário: Retrocesso social e propostas legislativas de alteração do cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=69f00c668860dd2a>. Acesso em: 27 ago. 2015.

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cado de trabalho, cuja velhice será suportada com um benefício reduzido, pois a cada ano o fator se mostra mais desfavorável financeiramente para os segurados que vislumbram a aposentadoria por tempo de contribuição. Pois, se existe um déficit, este benefício não é o único a colocar em risco o sistema previdenciário, como já foi abordado, sendo assim, não é justo que a reforma da Previdência Social se volte tão somente para este benefício16.

Não esqueçamos que:

É cediço que a previdência social e os benefícios que a integram são garan-tias constitucionais e constituem, também, direitos sociais, os quais estão protegidos na esfera constitucional por integrar em o núcleo intangível da Carta Maior, conforme dispõe o artigo 60, § 4º, tendo em vista que os direitos sociais são também direitos de titularidade individual.17

Verifica-se que, na esfera dos direitos fundamentais sociais concre-tizados, sempre haverá um direito subjetivo mínimo a ser tutelado e que não se encontra disponível ao alvedrio dos Poderes, pois visa resguardar a dignidade humana18.

No caso do segurado, a dignidade está afetada a um benefício apto a proporcionar condições de vida compatíveis com a vida quando em exer-cício de atividade laboral. Mesmo que se partisse do pressuposto de que a aposentadoria por tempo de contribuição não protege de imediato nenhum risco social, uma vez que o beneficiário poderá exercer atividade laborativa após a concessão do benefício, há que se levar em consideração que no futuro será possivelmente a única renda a ser paga ao idoso e, a partir desse momento, responsável pela garantia de sua subsistência19.

Dessa maneira, a inserção do fator previdenciário se mostrou como verdadeiro retrocesso social, na medida em que penaliza o segurado, ten-do se transformado em uma política injusta e violadora dos direitos sociais fundamentais. O que resta é acompanhar as alterações promovidas pela MP 676 na legislação previdenciária, e a forma como ela irá dialogar com o di-reito social da aposentadoria. Somente o tempo e a experiência permitirão a obtenção de conclusões sobre as paradigmáticas mudanças na legislação previdenciária nesse ano de 2015.

16 Idem.17 Idem.18 Idem.19 Idem.

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coNcluSão

O presente trabalho pretende uma reflexão sobre as alterações legis-lativas do sistema previdenciário brasileiro.

Em um primeiro momento, a criação e a utilização da fórmula do fator previdenciário visava a reduzir os pedidos de aposentadoria a quem já possuía tempo exigido por lei, porém ainda era muito “novo” para deixar de contribuir em um sistema que é totalmente contributivo, ou seja, aqueles que contribuem garantem a concessão/manutenção do benefício de outrem.

Com todas essas alterações legislativas, o que pudemos perceber é que o fato de ser utilizada a fórmula do fator não reduziu o pedido de con-cessão dos benefícios, pelo contrário, ao se aposentar e ter a sua renda diminuída, o segurado se viu obrigado a voltar a trabalhar. Ainda, manter o segurado trabalhando por mais tempo em razão da diminuição de seu salário-de-benefício não ajudará a cobrir os déficits da Previdência, pelo contrário, estimulará a todos aqueles que já possuem tempo para se aposen-tar de fazê-lo o quanto antes, pois a legislação previdenciária é uma das que mais sofre alteração ao longo dos anos.

No entanto, como não podemos saber se de fato as inovações terão aplicabilidade, resta-nos aguardar e estudar caso a caso para melhor orien-tar os segurados que, de certa forma, estão em uma linha tênue para obter a tão sonhada aposentadoria, porém não sabem se esta sofrerá outra altera-ção legislativa, o que pode acarretar na mudança de seus planos, seja pela questão financeira, seja pela questão de aumento de tempo de contribuição.

referÊNcIaS

BALERA, Wagner. Legislação previdenciária anotada. São Paulo: Conceito.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário universitário jurídico. 17. ed. São Paulo: Rideel.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15. Rio de Janeiro: Impetus.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 33. ed. São Paulo: Atlas.

PAIXÃO, Floriceno. A previdência social em perguntas e respostas. 42. ed. Paixão Editores.

SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado. Rio de Janeiro: Saraiva.

VIANNA, João Ernesto Aragónes. Curso de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Atlas.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

A Inconstitucionalidade das Alterações no Regime de Previdência Complementar dos Servidores Federais

BRunO SÁ FREIRE mARTInSServidor público efetivo do Estado de Mato Grosso, Advogado, Pós-Graduado em Direito Públi-co e em Direito Previdenciário, Professor da LacConcursos, de Pós-Graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação, e de Pós-Graduação (Mato Grosso) no Instituto Infoc – Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo) e no Com-plexo Educacional Damásio de Jesus – curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo), Fundador de site Jurídico, Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE), Membro do Co-mitê Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, Colunista em jornal jurídico. Autor de livros jurídicos e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Emenda “Jabuti”; 2 Princípio da facultatividade; 3 Princípio da igualdade; Conclusão.

INtrodução

A Lei nº 13.183/2015 fez mais do que simplesmente converter o teor da Medida Provisória nº 676/2015, uma vez que a redação originária da MP, publicada no Diário Oficial da União, trazia apenas a criação da regra 85/95 progressiva no âmbito do regime geral.

Após sua tramitação no Congresso Nacional, retornou sob a forma de projeto de lei de conversão, contendo a dita regra outras alterações em be-nefícios, a desaposentação e, também, modificações relacionadas à filiação dos servidores federais no Funpresp.

Na previdência complementar do servidor público federal (Funpresp), com o intento de aumentar a arrecadação do Fundo, estabeleceu-se a filia-ção automática dos servidores recém-nomeados, entre outras mudanças, as quais merecem ser analisadas à luz do ordenamento constitucional pre-videnciário brasileiro, com o objetivo de se discutir a sua compatibilidade com o mesmo.

1 emeNda “jabutI”

Antes de discutir a nova redação da lei, é preciso verificar se as novas regras do Funpresp se constituem em matéria que poderia ser incluída no

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texto do projeto de conversão por intermédio de emenda apresentada no âmbito do Congresso Nacional.

Isso porque o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.127, decidiu que:

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido for-mulado na ação direta com cientificação do Poder Legislativo de que o Supremo Tribunal Federal afirmou, com efeitos ex nunc, não ser compatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida a sua apreciação, vencidos os Ministros Rosa Weber (Relatora), Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que julgavam procedente o pedido, e, em maior extensão, o Ministro Dias Toffoli, que o julgava improcedente. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 15.10.2015.

Essa decisão da Corte Suprema apenas ratifica posicionamento ante-rior, senão vejamos:

PROJETO DE LEI – INICIATIVA EXCLUSIVA DO EXECUTIVO – EMENDA PARLAMENTAR – DESVIRTUAMENTO – A ausência de pertinência temá-tica de emenda da casa legislativa a projeto de lei de iniciativa exclusiva do Executivo leva a concluir-se pela inconstitucionalidade formal. CARGO PÚBLICO – PROVIMENTO – INADEQUAÇÃO – A teor do Verbete nº 685 da súmula do Supremo, “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido” (ADIn 3926, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, Julgado em 05.08.2015, Acórdão Eletrônico DJe-182, Divulg. 14.09.2015, Public. 15.09.2015)

A inserção de emendas em projetos de conversão de medidas provi-sórias com assuntos estranhos ao texto originalmente publicado foi denomi-nada folcloricamente de “Emenda Jabuti”.

A partir do julgamento da ADIn 5.127, restou definitivamente veda-da, já que foi dado efeito ex nunc à decisão, passando, a partir de então, a permitir-se que as medidas provisórias somente sejam emendadas pelo Po-der Legislativo quando o assunto a ser inserido detenha pertinência temática com o seu conteúdo original.

A atribuição de efeito ex tunc à decisão proferida na ADIn impediu sua aplicação direta ao projeto de conversão da MP 676/2015, uma vez que a sua tramitação foi concluída antes da respectiva notificação do Congresso Nacional.

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Entretanto, não havia nenhum impedimento para que a Presidente da República promovesse o seu veto, utilizando-se dos argumentos dos Minis-tros da Corte Suprema.

Mas, em não tendo sido adotada tal postura e tendo entrado em vigor a norma, é preciso enfrentar o tema diretamente.

Nesse aspecto, cabe lembrar que, por força do art. 24, XII, da Consti-tuição Federal, a competência para legislar sobre previdência social é con-corrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal.

O dispositivo em questão tem o intuito de autorizar os entes federa-dos a legislar sobre a matéria relacionada a seus servidores públicos, pois as regras afetas ao Regime Geral são de competência exclusiva da União.

No caso da Medida Provisória nº 676/2015, o intento inicial do Go-verno fora o de promover alterações apenas no Regime Geral, o que le-gitimaria aos parlamentares promover alterações em seu texto, desde que relacionadas ao INSS.

Isso porque o Funpresp é a unidade gestora do sistema de previdên-cia complementar dos servidores públicos federais, matéria afeta ao regime jurídico estatutário.

Nessa condição, toda norma atinente a ele reveste-se da natureza de lei federal e não de norma geral.

As leis federais são aquelas que disciplinam a organização, o funcio-namento e as relações jurídicas da União, enquanto pessoa jurídica de direi-to público interno, enquanto as leis nacionais se aplicam, indistintamente, à União, aos Estados-Membros, aos Municípios e ao Distrito Federal.

Como norma de caráter federal relacionada ao regime jurídico único dos servidores federais, as alterações na Lei nº 12.618/2012 devem observar o rito constitucional lançado no art. 61, que outorga legitimidade exclusiva ao chefe do Poder Executivo federal para apresentar projetos de lei que te-nham por objetivo reger as relações jurídicas existentes entre a União e seus servidores, in verbis:

Art. 61. [...]

[...]

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimen-to de cargos, estabilidade e aposentadoria [...].

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A locução constitucional “regime jurídico dos servidores públicos” corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. Precedentes” (ADIn 2.867, Rel. Min. Celso de Mello, Julgamen-to em 03.12.2003, Plenário, DJ de 09.02.2007). No mesmo sentido: AI 348.800, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, Julgamento em 05.10.2009, DJe de 20.10.2009.

Portanto, a diretriz contida no art. 61 da Lei Maior abarca as relações existentes entre a União e seus servidores, até porque esse é o texto expres-samente nele contido e, em assim sendo, as normas oriundas do exercício da competência ali prevista devem, necessariamente, originar-se do Presi-dente da República.

Afastando, assim, qualquer relação jurídica ou mesmo de pertinência temática entre a matéria originária da Medida Provisória e a alteração apre-sentada no Congresso Nacional.

A dita pertinência temática consiste na possibilidade de se promove-rem emendas que não desfigurem o texto da medida provisória ou que nela insiram matéria afeta a proposta inicial.

No presente caso, a ausência de pertinência temática evidencia-se pela inclusão em texto de caráter geral de norma federal cuja competência é exclusiva do Presidente da República, conforme já mencionado.

Ainda que pairem dúvidas se tal argumento realmente evidencia a ausência de pertinência temática, não se pode perder de vista o fato de que o Regime Geral de Previdência Social e o Regime Próprio, apesar de se constituírem em regimes básicos de previdência, são distintos e autônomos.

Entre as várias diferenças que ensejam essa distinção, é possível enu-merar duas que dão bem a amplitude desse afastamento, sendo a primeira a exigência de idade mínima para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição e a segunda a imposição de contribuição previdenciária aos aposentados e pensionistas.

Quanto à autonomia, basta frisar que a aplicação das normas do INSS no âmbito da Previdência do Servidor Público só pode ocorrer de forma subsidiária, conforme estabelece o § 12 do art. 40 da Constituição Federal.

O fato de os Regimes Próprios também integrarem a competência legislativa específica dos demais entes federados, conforme autorizam os parágrafos do art. 24 da Constituição Federal.

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Fica claro que se trata de assuntos distintos, não guardando qualquer pertinência material, induzindo a inconstitucionalidade da emenda apre-sentada, senão vejamos:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 3º DA LEI Nº 15.215/2010 DO ESTADO DE SANTA CATARINA – CONCESSÃO DE GRATIFICAÇÃO A SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS – DISPOSITI-VO INCLUÍDO POR EMENDA PARLAMENTAR EM PROJETO DE CONVER-SÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA – MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO – SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS – REMUNERAÇÃO – AUMENTO DA DESPESA PREVISTA – VEDAÇÃO – MATÉRIA ESTRANHA AO OBJETO ORIGINAL DA MEDIDA PROVISÓRIA SUBMETIDA À CONVERSÃO – INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – VÍCIO DE INICIA-TIVA – ARTS. 2º, 61, § 1º, II, A E C, 62 E 63, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – PRECEDENTES – 1. Segundo a jurisprudência reiterada desta Suprema Corte, embora o poder de apresentar emendas alcance matérias de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, são inconstitucionais as alterações assim efetuadas quando resultem em aumento de despesa, ante a expressa vedação contida no art. 63, I, da Constituição da República, bem como quando desprovidas de pertinência material com o objeto original da iniciativa normativa submetida a cláusula de reserva. Precedentes. 2. Incons-titucionalidade formal do art. 3º da Lei nº 15.215/2010 do Estado de Santa Catarina, por vício de iniciativa. Ação direta de inconstitucionalidade julga-da procedente. (ADIn 4433, Relª Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, Julgado em 18.06.2015, Processo Eletrônico DJe-198, Divulg. 01.10.2015, Public. 02.10.2015)

2 PrINcíPIo da facultatIvIdade

Após as alterações promovidas na Lei nº 12.618/2012, os §§ 2º e 3º de seu art. 1º passaram a contar com a seguinte redação:

§ 2º Os servidores e os membros referidos no caput deste artigo com remune-ração superior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que venham a ingressar no serviço público a partir do início da vigência do regime de previdência complementar de que trata esta Lei, serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previ-dência complementar desde a data de entrada em exercício.

§ 3º Fica assegurado ao participante o direito de requerer, a qualquer tempo, o cancelamento de sua inscrição, nos termos do regulamento do plano de benefícios.

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Por força do novo texto, a filiação dos servidores federais ao regime de previdência complementar da União passou a ser obrigatória, conforme se depreende da análise conjunta dos parágrafos que preveem a filiação automática a partir do ingresso no serviço público (§ 2º) aliada ao cancela-mento da inscrição somente a pedido do servidor (§ 3º).

Ocorre que a Constituição Federal, ao regular a previdência comple-mentar dos servidores públicos, estabeleceu que:

Art. 40 [...].

§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituí- do por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida.

O art. 202, caput, da Constituição Federal impõe a facultatividade ao regime de previdência complementar, segundo a qual a filiação/inscrição dos seus segurados pressupõe a manifestação expressa do interessado para a adesão ao respectivo fundo.

Acerca da facultatividade, o Professor Jerônimo Jesus dos Santos (Pre-vidência privada. Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005. p. 67) afirma que:

c) facultatividade: a previdência privada é regime facultativo porque o parti-cipante não é obrigado a aderir ou filiar-se a ele. Em consequência, suas receitas são arrecadas sob a forma de contribuições voluntárias das pes-soas físicas e/ou das pessoas jurídicas instituidoras ou patrocinadoras, en-quanto que as receitas do regime da previdência social são arrecadadas sob a forma de tributos (contribuição previdenciária), ou seja, trata-se de obrigações compulsórias oriundas e regidas por lei, cuja arrecadação é efetuada por atividade administrativa plenamente vinculada, nos termos do art. 3º do Código Tributário Nacional – CTN.

Já Fábio Zambitte Ibrahim (Curso de direito previdenciário. 20. ed. Impetus, p. 34) leciona que:

O regime complementar possui caráter facultativo, já que o ingresso é volun-tário, e autônomo, pois a obtenção do benefício complementar independe da concessão da prestação pelos regimes básicos (daí sua verdadeira nature-za implementar).

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Portanto, a previsão legal de que todos os servidores estarão automa-ticamente inscritos no regime complementar contraria o disposto no caput do art. 202 aplicado ao Funpresp por força do § 15 do art. 40 ambos da Constituição Federal.

É bem verdade que alguns podem questionar a aplicabilidade do princípio da facultatividade no âmbito do regime complementar dos ser-vidores públicos pela inserção da expressão “no que couber” no parágrafo supramencionado, já que essa levaria ao entendimento de que os preceitos contidos no art. 202 seriam de aplicação subsidiária e, nessa condição, sua utilização no Regime Próprio exige omissão constitucional ou legal, além de compatibilidade com o mesmo.

Ocorre que todas essas condições estão presentes para o reconhe-cimento da aplicabilidade do princípio facultatividade, uma vez que não há qualquer previsão constitucional que regule a filiação dos servidores públicos ao regime complementar, caracterizando, assim, a omissão e, ao mesmo tempo, afastando a incompatibilidade, motivos que levaram os Pro-fessores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari (Manual de direito previdenciário. 14. ed. Conceito Editorial, p. 132) a concluir que:

Finalmente, merece atenção o fato de que, mesmo no âmbito dos entes fede-rativos que criarem fundos de previdência complementar para seus agentes públicos, não obrigatoriedade de adesão, por parte de novos ingressantes em cargos públicos efetivos ou vitalícios. Apenas a contribuição destes se limi-tará a 11% do valor estabelecido como “teto” para o regime de que trata o art. 40, caput, da Constituição. Caberá a cada pessoa atingida pela alteração decidir se irá ou não contribuir para o fundo de previdência complementar.

Até porque a facultatividade é característica inerente ao regime com-plementar, cuja existência tem por objetivo permitir aos segurados a manu-tenção do seu padrão de vida anterior à inativação, cabendo aos regimes básicos, cuja natureza é obrigatória, assegurar os recursos necessários ao custeio dos mínimos sociais.

Tanto que o Mestre Wladimir Novaes Martinez (Dicionário Novaes de direito previdenciário. LTr, p. 383), ao conceituar previdência comple-mentar, afirma que é aquela que complementa, suplementa ou implementa as prestações da previdência básica (LC 109/2001), no que é acompanhado por Sérgio Pinto Martins (Direito da seguridade social. 27. ed. Atlas, p. 460):

A previdência complementar demonstra que o benefício previdenciário do INSS não é suficiente para atender a todas as necessidades do segurado,

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principalmente quando o limite máximo é de aproximadamente 10 salários--mínimos.

A Previdência Privada tem por objetivo complementar, complementar o be-nefício oficial. Visa não prover a subsistência básica do trabalhador, mas complementar a que o Estado não pode prover. Não substitui o sistema ofi-cial, apenas complementa.

Permitindo-se afirmar, então, que a facultatividade da previdên-cia complementar se constitui em princípio constitucional de aplicação obrigatória também aos Regimes Próprios, ensejando, consequentemen-te, a inconstitucionalidade do disposto nos §§ 2º e 3º do art. 1º da Lei nº 12.618/2012 com a redação que lhes fora imposta pela Lei nº 13.183/2015.

Até porque a previsão contida no § 3º, que autoriza o cancelamento da filiação automática a qualquer tempo, não desnatura a ofensa ao princí-pio da facultatividade, já que se limita a inverter a lógica do sistema, tornan-do a filiação obrigatória e o seu cancelamento facultativo.

3 PrINcíPIo da Igualdade

Em decorrência da obrigatoriedade de filiação, estabeleceu, ainda, que:

§ 4º Na hipótese do cancelamento ser requerido no prazo de até noventa dias da data da inscrição, fica assegurado o direito à restituição integral das contribuições vertidas, a ser paga em até sessenta dias do pedido de cance-lamento, corrigidas monetariamente.

Regra que, ao invés de auxiliar, na verdade, induz mais uma inconsti-tucionalidade, por proporcionar tratamento desigual entre pessoas que, em tese, encontram-se em situações idênticas.

O art. 5º estabelece que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviola-bilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-dade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

[...].

O princípio da igualdade é conceituado por Inocêncio Mártires Coelho, em coautoria com Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo

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Gonet Branco (Curso de direito constitucional. 4. ed. Saraiva, p. 179), como o seguinte:

Quanto ao princípio da isonomia, significa em resumo tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade. Como, por outro lado, no texto da nossa Constituição, esse princípio é enunciado com referência à lei – todos são iguais perante a lei –, alguns juristas cons-truíram uma diferença, porque a consideram importante, entre a igualdade na lei e a igualdade diante da lei, a primeira tendo por destinatário precípuo o legislador, a quem seria vedado valer-se da lei para fazer discriminações entre pessoas que mereçam idêntico tratamento; a segunda, dirigida princi-palmente aos intérpretes/aplicadores da lei, impedir-lhes-ia de concretizar enunciados jurídicos dando tratamento distinto a quem a lei encarou como iguais.

A definição do prazo de 90 (noventa) dias entre a inscrição e o pedido de cancelamento como marco temporal para reconhecimento do direito à restituição integral das contribuições, proporciona tratamento legalmente distinto entre os servidores federais, além de não se revestir de qualquer lógica jurídica.

Isso porque não há previsão no mesmo sentido, em favor daqueles que optarem pelo desligamento a partir do 91º dia, restando-lhes apenas, como alternativa para o recebimento dos valores pagos a título de contri-buições, o resgate em que os valores das contribuições não são devolvidos integralmente por terem descontadas as parcelas do custeio administrativo que sejam da responsabilidade do segurado.

Assim, não se pode ignorar que a lei promoveu tratamento diferen-ciado entre os servidores, ainda que ambos tenham ingressado no serviço público no mesmo dia.

Os Professores Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (Curso de direito constitucional. 12. ed. Saraiva, p. 131) afirmam que:

A Constituição da República instituiu o princípio da igualdade como um dos seus pilares estruturais. Por outras palavras, aponta que o legislador e o apli-cador da lei devem dispensar tratamento igualitário a todos os indivíduos, sem distinção de qualquer natureza. Assim, o princípio da isonomia deve constituir preocupação tanto do legislador como do aplicador da lei.

Não se permitindo sequer cogitar que o disposto no novo § 4º se constitui em uma espécie de resgate, uma vez que o § 5º expressamente

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afirma que a hipótese contida no texto do referido parágrafo não se carac-teriza como tal.

A forma pela qual a alteração foi promovida criou novo instituto dis-tinto do resgate sem estabelecer regramentos isonômicos para a aplicação de um e de outro.

Teria andado melhor o legislador se optasse pelo resgate para todos ou pelo saque, na nova modalidade estabelecida, até porque, na forma pre-conizada hoje pela lei, a principal diferença entre os dois é que o primeiro ocorre quando o cancelamento da inscrição se dá após o prazo de 90 (no-venta) dias, enquanto que o direito ao segundo estará caracterizado quando o dito cancelamento se der dentro dessa noventena.

O fato é que os servidores federais, além de serem compulsoriamente filiados ao Regime Complementar, têm regramento distinto para a restitui-ção dos valores pagos, nos casos de cancelamento da inscrição, pela sim-ples inobservância do prazo legalmente estabelecido.

Então, há de se reconhecer que a fixação do prazo de 90 (noventa) dias para a restituição integral fere a isonomia entre os segurados do Regime Complementar.

coNcluSão

Não resta outra alternativa senão a de reconhecer que as modifica-ções introduzidas no Regime de Previdência Complementar, pela ausên-cia de pertinência temática, e os novos §§ 2º, 3º e 4º do art. 1º da Lei nº 12.618/2012, por contrariedade aos princípios da facultatividade e da igualdade, encontram-se revestidos de inconstitucionalidade.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

A Nova Pensão por Morte Introduzida pela Lei nº 13�135/2015

ERICA B. CORREIAMestre e Doutora em Direito Previdenciário pela PUC/SP, Diretora da Escola Paulista de Direi-to Social, Membro do Grupo de Pesquisa Brasil-Alemanha “Law Network Germany-Brazil – Globalization and the Social State”. Coautora das obras Curso de Direito da Seguridade Social, Direitos Fundamentais Sociais, Direito Previdenciário e Constituição, Renda Mínima, entre outras.

SUMÁRIO: Introdução; I – As modificações introduzidas pela Lei nº 13.135/2015; I.2 A perda da pensão por morte em caso de simulação ou fraude no casamento ou união estável; I.3 A pensão sem carência e o limite temporal de 4 meses; I.4 A nova pensão por morte com carência de 18 contribuições mensais; I.5 Análise constitucional da nova pensão por morte; Conclusão; Referências.

INtrodução

Em 17 de junho de 2015, foi editada a Lei nº 13.135, resultante da conversão, em parte, da Medida Provisória nº 664/2014, que alterou signifi-cativamente o benefício de pensão por morte para os segurados do RGPS e para os servidores públicos federais, regidos pela Lei nº 8.112/1990.

Longe da pretensão de esgotarmos tão debatido tema, trataremos, em um primeiro momento, da análise dos dispositivos legais sobre a pensão por morte para, em último tópico, lançarmos olhar sob o viés constitucional.

I – aS modIfIcaçÕeS INtroduzIdaS Pela leI Nº 13.135/2015I.1 A primeira novidade vem com a introdução de dispositivo que

estabelece a perda do benefício de pensão por morte ao dependente con-denado pela morte do segurado. Referida disposição legal já existe na Lei nº 8.112/1990, que trata do Regime Próprio dos Servidores Públicos Fede-rais.

Em relação ao citado dispositivo legal (art. 74, § 1º, da Lei nº 8.213/1991, introduzido pela Lei nº 13.135/2015), cabe destacar o se-guinte:

a) a morte do segurado ou segurada, já que a redação do artigo não é clara quando faz referência somente à morte do segurado1, deve ser resultante de crime doloso e somente este; e

1 “Art. 74 [...] § 1o Perde o direito à pensão por morte, após o trânsito em julgado, o condenado pela prática de crime de que tenha dolosamente resultado a morte do segurado.”

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b) a cessação do benefício se opera somente após o trânsito em julgado do processo criminal no qual sobrevenha a condenação do(a) dependente.

i.2 A perdA dA pensão por morte em CAso de simulAção ou FrAude no CAsAmento ou união estável

Outra novidade trazida pela Lei nº 13.135/2015 encontra-se no art. 74, § 2º, do RGPS, ao prever o cancelamento da pensão por morte uma vez constatada judicialmente a simulação ou a fraude na união estável ou no casamento, com o fim específico de obtenção do benefício de pensão2.

O escopo do novo artigo é evitar casamentos entre pessoas idosas, de uma lado, com pessoas bem mais jovens, a fim de que estas usufruam, posteriormente, da pensão deixada pelo(a) cônjuge ou companheiro(a) de idade bem mais avançada. Lastreado em valoração moral e não legal, o novo dispositivo vem, a nosso ver, para restringir a concessão do benefício (objetivo puramente econômico), já que não cabe ao sistema de previdên-cia social – RGPS – a ingerência na intimidade e liberdade dos cidadãos, lembrando que o casamento e a união estável estão protegidos pela Carta Maior3.

Referido artigo assemelha-se (e quem sabe tenha se espelhado) ao disposto no art. 1.641, inciso II, do Código Civil, o qual impõe como obri-gatório o regime de separação de bens no casamento da pessoa maior de sessenta anos. Cabe destacar que parte da doutrina civilista já se posicionou pela inconstitucionalidade deste dispositivo4.

2 Lei nº 8.213/1991, art. 74: “§ 2º Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa”.

3 Nos termos da CF/1988: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”

4 Neste sentido, confira-se o seguinte aresto:

“ANULAÇÃO DE DOAÇÃO – PRELIMINARES – REJEIÇÃO – CASAMENTO REALIZADO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA – CÔNJUGE SEXAGENÁRIO – VALIDADE DA DOAÇÃO FEITA À ESPOSA DESDE QUE OBSERVADA A LEGíTIMA – PRINCíPIO DA LIVRE DISPOSIÇÃO DOS BENS – Alargar o sentido da norma prevista no art. 1.641, II, do CC para proibir o sexagenário, maior e capaz, de dispor de seu patrimônio da maneira que melhor lhe aprouver, é um atentado contra a sua liberdade individual. A aplicação da proibição do cônjuge, já de tenra idade, fazer doação ao seu consorte jovem, deve ser aplicada com rigor naquelas hipóteses onde se evidencia no caso concreto que o nubente mais velho já não dispõe de condições para contrair matrimônio, deixando claro que este casamento tem o único objetivo de obtenção de vantagem material. [...] o atualíssimo Diploma Civil de 2002, que tantas inovações progressista nos trouxe, nesta parte manteve este censurável atentado contra a liberdade individual de pessoas maiores e capazes, fazendo uma odiosa discriminação contra estas pessoas, ferindo o seu direito de livre disposição do patrimônio adquirido com seu trabalho, [...] alargar o sentido da norma para proibir o sexagenário, maior e capaz, repita-se, de dispor de seu patrimônio da maneira que melhor lhe aprouver é, como dito acima, um atentado contra a sua

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a) Sob o viés constitucional, podemos afirmar que referida disposi-ção ofende vários princípios constitucionais ao retirar do segu-rado (e principalmente se for ele idoso) seu direito à escolha do parceiro conjugal.

Vê-se, aqui, nos casos de casamento do segurado maior de 60 (ses-senta) anos, a violação ao princípio da igualdade, já que, na condição de idoso, há tratamento diferenciado e restritivo ao suprimir, ainda que me-diante devido processo legal, seu direito à intimidade e à liberdade5.

Cumpre ressaltar que o novo artigo, introduzido pela Lei nº 13.135/2015, viola não somente princípios como o da isonomia e o da li-berdade; atenta, principalmente, contra o princípio de proteção à dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1º, inciso III, do Texto Constitucional.

A CF/1988 tem como objetivo fundamental, entre outros, promover o bem de todos, sem preconceitos de idade ou qualquer outra forma de discriminação6.

b) Por outro lado, no plano infraconstitucional, o Estatuto do Idoso, em seu art. 2º, dispõe que:

O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preser-vação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Sabemos que as normas que definem direitos e garantias fundamen-tais têm aplicação imediata (art. 5º, inciso LXXVIII, § 1º, da CF) e, nesse diapasão, ressaltamos o art. 4º do Estatuto do Idoso, que diz que o idoso não “será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação [...]”7.

Portanto, diante das considerações anteriormente expendidas, o novo art. 74, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 (introduzido pela Lei nº 13.135/2015) é inconstitucional.

liberdade individual (Minas Gerais, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Ap. 1.0491.04.911594-3/001, Relª Desª Vanessa Verdolim Hudson Andrade, DJMG 29.03.2005).” (grifo nosso)

5 Conforme CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].”

6 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil [...] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

7 A CF, por sua vez, dispõe, em seu art. 5º, inciso XLI, que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

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i.3 A pensão sem CArênCiA e o limite temporAl de 4 meses

Da leitura do art. 26 da Lei nº 8.8213/1991, depreende-se que o be-nefício de pensão por morte independe de carência.

Entretanto, verificando-se a alteração promovida pela Lei nº 13.135/2015, no art. 77 do RGPS, § 2º, inciso V, letra b, percebemos que, para o(a) cônjuge ou companheiro(a), o benefício será de 4 (quatro) meses nas seguintes condições:

a) se o óbito ocorrer sem que o segurado(a) tenha contribuído com pelo menos 18 contribuições mensais; ou

b) o casamento ou a união estável tiver sido iniciado(a) em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado(a).

Percebe-se que a concessão do benefício de pensão por morte, sem carência, a partir da publicação da Lei nº 13.135, de 18.06.2015, será de duração limitada no tempo, no caso 4 (quatro) meses, podendo-se concluir que estamos diante de um novo tipo de benefício sem carência: a pensão por morte temporária.

A Lei nº 13.135/2015 estabeleceu outros tipos de pensão por morte com duração limitada no tempo, mas sujeita à carência de 18 (dezoito) con-tribuições mensais, como a seguir discorreremos.

i.4 A novA pensão por morte Com CArênCiA de 18 Contribuições mensAis

Como mencionamos anteriormente, embora o art. 26 da Lei nº 8.213/1991 disponha que o benefício de pensão por morte independe de carência, a alteração significativa no tocante à sua duração vem disci-plinada no art. 77, § 2º, inciso V, letra c (incluído pela Lei nº 13.135/2015), ao instituir requisitos determinantes para a duração do benefício no tempo.

Tais requisitos são a necessidade de 18 (dezoito) contribuições men-sais do segurado para o RGPS até a data do óbito e, concomitantemente, a comprovação de ao menos 2 (dois) anos de casamento ou união estável.

Vencidas tais premissas, a duração do benefício de pensão por morte dependerá de um terceiro elemento: a idade do(a) cônjuge ou companheiro(a).

Reza o novo dispositivo legal que:

Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.

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[...]

§ 2º O direito à percepção de cada cota individual cessará:

[...]

V – para cônjuge ou companheiro:

[...]

c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável;

1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;

2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;

3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;

4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;

5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;

6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.

Colhe verificar que a pensão, como benefício vitalício, ocorrerá so-mente ao cônjuge ou companheiro(a) que contar com pelo menos 44 (qua-renta e quatro) anos de idade (desde que cumpridos os outros dois requisitos anteriores de 18 contribuições mensais – carência – e 2 anos de casamento ou união estável).

A exceção no tocante à exigência da carência de 18 contribuições mensais e 2 anos de casamento ou união estável ocorre no caso de o fale-cimento do segurado(a) decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho (art. 77, § 2º-A, da Lei nº 8.213/1991), quando, então, a duração do benefício dependerá da idade do(a) cônjuge ou companheiro(a) ou, se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência (art. 77, § 2º, inciso V, a, da Lei nº 8.213/1991). Aqui, não há exigência de carência (18 contribuições mensais) ou comprovação de união estável ou casamento.

Por fim, resta acrescentar que, após decorridos 3 (três) anos de vigên-cia deste dispositivo e desde que nesse período se verifique o incremento mínimo de um ano inteiro na média nacional única, para ambos os sexos, correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira ao nas-cer, poderá haver alteração nas idades fixadas na alínea c do inciso V do

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§ 2º, mediante ato do Ministro de Estado da Previdência Social (cf. art. 77, § 2º-B, da Lei nº 8.213/1991, introduzido pela Lei nº 13.135/2015).

i.5 Análise ConstituCionAl dA novA pensão por morte

Perceba-se que a pensão por morte, que independia de carên-cia, passou a tê-la prevista na Lei nº 8.213/1991, por intermédio da Lei nº 13.135/2015.

Referida disposição cria restrição não admitida constitucionalmente, na medida em que atenta contra cláusula pétrea referente a direito social, nos moldes do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal.

Trata-se de disposição que tende à abolição do benefício, tendo em vista que, sem qualquer razão plausível (a não ser supostamente atuarial), fere flagrantemente o conceito constitucional de pensão.

Na forma do art. 201, IV, da Constituição Federal, esposa e com-panheira são dependentes presumidas, que sequer precisam demonstrar dependência (perceba-se da interpretação literal desta disposição, que se fala em pensão por morte a cônjuge e companheira ou dependente). Logo, ambos são casos de situação em que a pensão deverá se dar imediatamente, não havendo como impor limites temporais ao tempo de casamento ou de união estável, já que, se assim o faz, a disposição infraconstitucional atenta contra os termos literais da própria Constituição. Além disso, cria uma res-trição ao casamento e seus efeitos legais, que conspira contra os próprios dispositivos da Carta Fundamental, no que se refere à proteção da família.

Portanto, nada obsta que a lei verse sobre pensão, mas não pode fazê--lo de forma a modificar ou dificultar o acesso ao benefício como previsto, de maneira literal, inclusive, no Texto Constitucional.

A disposição contida no art. 77, § 2º, inciso V, letra c, da Lei de Be-nefícios anteriormente citada cria uma dependência presumida por número de anos ali indicados. Não é possível tal presunção, na medida em que a dependência é aquilatada no instante do falecimento e dura enquanto esta persistir (a própria jurisprudência, ao tratar de pretensão de se suspender o benefício pelo simples advento de casamento posterior, assentou que so-mente em melhora da condição financeira do pensionista seria possível a suspensão).

Desse modo, criou-se a presunção de que, após o número de anos ali indicado, a dependência teria deixado de existir, ferindo o Texto Constitu-cional, que não previu a pensão por morte em vista de uma contingência

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que se espraia durante um lapso certo de tempo. Tais presunções cons-piram contra a natureza da contingência, que é certa e não submetida a um elemento aleatório, v.g., a dependência deixará de existir depois de um número de anos, anos estes determinados pela idade do(a) cônjuge ou companheiro(a) dependente.

A álea previdenciária restringe-se à ocorrência da contingência (ha-verá possibilidade de doença, de morte enquanto segurado, de se ter filhos, etc.), não podendo atingir a contingência durante o seu percurso.

O sujeito contribui e não deve ser submetido na contingência a uma presunção, sob pena de não se ter concretizada a relação jurídico-previden-ciária na forma constitucionalmente prevista.

A situação torna-se mais grave ainda em casos de segurados que muito contribuíram para o sistema e que serão tratados de forma seme-lhante àqueles que tenham simplesmente cumprido a carência legal, pois o que irá determinar a duração do benefício será a idade do cônjuge ou companheiro(a) supérstite.

coNcluSão

Entre as diversas modificações na Lei nº 8.213/1991, introduzidas pela Lei nº 13.135/2015, no tocante à concessão do benefício de pensão por morte, a primeira novidade se dá por meio do dispositivo que estabelece a perda do benefício concedido ao dependente condenado pela morte do segurado, tal qual o Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais, que já tem em seu bojo artigo semelhante.

Outra inovação da Lei nº 13.135/2015 encontra-se no art. 74, § 2º, do RGPS, ao prever o cancelamento da pensão por morte uma vez constatada judicialmente a simulação ou a fraude na união estável ou no casamento, com o fim específico de obtenção do benefício de pensão. Referida dispo-sição traduz-se como inconstitucional na medida em que fere o princípio da igualdade, atenta contra a liberdade e a intimidade constitucionalmente asseguradas ao(a) segurado(a) e, consequentemente, se esbarra na proteção constitucional da dignidade da pessoa humana.

A Lei º 13.135/2015, ao instituir a carência na concessão do benefício de pensão por morte ao(à) cônjuge ou companheiro(a) (18 contribuições mensais), aliada à comprovação de casamento ou união estável de pelo menos 2 anos até a data do óbito, condicionando a duração do benefício à idade do(a) cônjuge supérstite, também fere o conceito constitucional de pensão.

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Estamos, aqui, diante de mais um caso de economicização dos direito sociais, constitucionalmente assegurados e introduzidos pela CF/1988 pelo poder constituinte originário. A discussão jurídica sobre as modificações (restritivas) na concessão do benefício de pensão por morte recairá, mais uma vez, sobre o Poder Judiciário.

referÊNcIaSCORREIA, Érica Paula Barcha; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CANOTILHO, J. J. Gomes (Coord.). Direitos fundamentais sociais. São Paulo: Saraiva, 2010.

______; ______. Curso de direito da seguridade social. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (Coord.). Direito previdenciário e Constituição. São Paulo: LTr, 2004.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

Aposentadoria e Fator Previdenciário: Mudanças Legislativas

guSTAvO FILIPE BARBOSA gARCIALivre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla, Membro Pesquisador do IBDSCJ, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, titular da Cadeira 27, Profes-sor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Advogado e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

Os tempos atuais são de intensas mudanças legislativas, em especial nas áreas trabalhista e previdenciária.

Discute-se a respeito de modificações nos requisitos para a aposenta-doria, com destaque à modalidade por tempo de contribuição.

No Regime Geral de Previdência Social, de acordo com a previsão constitucional em vigor, é assegurada a aposentadoria por tempo de contri-buição quando o segurado tem 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher.

Esse requisito de tempo de contribuição é reduzido em cinco anos para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio (art. 201, §§ 7º e 8º, da Constituição da República).

A aposentadoria por idade, diversamente, é devida quando o segura-do completa 65 anos de idade, se homem, e 60 anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia fami-liar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal (art. 201, § 7º, inciso II, da Constituição da República).

Cabe destacar que a concessão das prestações pecuniárias do Regi-me Geral de Previdência Social depende do preenchimento do período de carência de 180 contribuições mensais para as referidas aposentadorias por idade e por tempo de contribuição (art. 25, inciso II, da Lei nº 8.213/1991).

O cálculo do valor da aposentadoria, por se tratar de benefício de prestação continuada, é feito com base no chamado salário de benefício.

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Para as aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, o salá-rio de benefício consiste na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, mul-tiplicada pelo fator previdenciário (art. 29, inciso I, da Lei nº 8.213/1991).

O salário de contribuição, por seu turno, é justamente a base de cál-culo das contribuições previdenciárias do segurado.

Nesse sentido, entende-se por salário de contribuição para o empre-gado a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua for-ma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetiva-mente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho ou sentença normativa (art. 28, inciso I, da Lei nº 8.212/1991).

O fator previdenciário é calculado segundo fórmula que considera a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar.

A expectativa de sobrevida do segurado na idade da aposentadoria deve ser obtida a partir da tábua completa de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), consideran-do-se a média nacional única para ambos os sexos.

Na aplicação do fator previdenciário, ao tempo de contribuição do segurado devem ser adicionados: cinco anos, quando se tratar de mulher; cinco anos, quando se tratar de professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; dez anos, quando se tratar de professora que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio (art. 29, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei nº 8.213/1991).

Entretanto, é garantido ao segurado com direito à aposentadoria por idade a opção pela não aplicação do fator previdenciário (art. 7º da Lei nº 9.876/1999).

Com isso, o fator previdenciário é obrigatório apenas no cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição, podendo acarretar a diminuição do salário de benefício e, por consequência, da sua renda mensal.

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Tendo em vista a previsão do art. 201, caput, da Constituição da Re-pública, no sentido de que devem ser observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial na Previdência Social, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser constitucional a previsão legal do fator previdenciário, como se observa na seguinte decisão:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO – PREVIDÊNCIA SO-CIAL: CÁLCULO DO BENEFÍCIO – FATOR PREVIDENCIÁRIO – AÇÃO DI-RETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.876, DE 26.11.1999, OU, AO MENOS, DO RESPECTIVO ART. 2º (NA PARTE EM QUE ALTE-ROU A REDAÇÃO DO ART. 29, CAPUT, INCISOS E PARÁGRAFOS DA LEI Nº 8.213/1991, BEM COMO DE SEU ART. 3º – ALEGAÇÃO DE INCONS-TITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI, POR VIOLAÇÃO AO ART. 65, PA-RÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DE QUE SEUS ARTS. 2º (NA PARTE REFERIDA) E 3º IMPLICAM INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL, POR AFRONTA AOS ARTS. 5º, XXXVI, E 201, §§ 1º E 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E AO ART. 3º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15.12.1998 – MEDIDA CAUTELAR – 1. Na inicial, ao sustentar a inconstitucionalidade formal da Lei nº 9.876, de 26.11.1999, por inobser-vância do parágrafo único do art. 65 da Constituição Federal, segundo o qual “sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora”, não chegou a autora a explicitar em que consistiram as alterações efetuadas pelo Senado Federal, sem retorno à Câmara dos Deputados. Deixou de cumprir, pois, o inciso I do art. 3º da Lei nº 9.868, de 10.11.1999, segundo o qual a petição inicial da ADIn deve indicar “os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações”. Enfim, não satisfeito esse requisito, no que concer-ne à alegação de inconstitucionalidade formal de toda a Lei nº 9.868, de 10.11.1999, a ação direta de inconstitucionalidade não é conhecida, nesse ponto, ficando, a esse respeito, prejudicada a medida cautelar. 2. Quanto à alegação de inconstitucionalidade material do art. 2º da Lei nº 9.876/1999, na parte em que deu nova redação ao art. 29, caput, incisos e parágrafos, da Lei nº 8.213/1991, a um primeiro exame, parecem corretas as objeções da Presidência da República e do Congresso Nacional. É que o art. 201, §§ 1º e 7º, da CF, com a redação dada pela EC 20, de 15.12.1998, cuidaram apenas, no que aqui interessa, dos requisitos para a obtenção do benefício da aposentadoria. No que tange ao montante do benefício, ou seja, quanto aos proventos da aposentadoria, propriamente ditos, a Constituição Federal de 05.10.1988, em seu texto originário, dele cuidava no art. 202. O texto atual da Constituição, porém, com o advento da EC 20/1998, já não trata dessa matéria, que, assim, fica remetida “aos termos da lei”, a que se referem o caput e o § 7º do novo art. 201. Ora, se a Constituição, em seu texto em vigor, já não trata do cálculo do montante do benefício da aposentadoria, ou melhor, dos respectivos proventos, não pode ter sido violada pelo art. 2º da Lei nº 9.876, de 26.11.1999, que, dando nova redação ao art. 29 da Lei

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nº 8.213/1991, cuidou exatamente disso. E em cumprimento, aliás, ao caput e ao § 7º do novo art. 201. 3. Aliás, com essa nova redação, não deixaram de ser adotados, na lei, critérios destinados a preservar o equilíbrio financeiro e atuarial, como determinado no caput do novo art. 201. O equilíbrio finan-ceiro é o previsto no orçamento geral da União. E o equilíbrio atuarial foi buscado, pela lei, com critérios relacionados com a expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria, com o tempo de contribuição e com a idade, até esse momento, e, ainda, com a alíquota de contribuição correspondente a 0,31. 4. Fica, pois, indeferida a medida cautelar de suspensão do art. 2º da Lei nº 9.876/1999, na parte em que deu nova redação ao art. 29, caput, inci-sos e parágrafos, da Lei nº 8.213/1991. 5. Também não parece caracterizada violação do inciso XXXVI do art. 5º da CF, pelo art. 3º da lei impugnada. É que se trata, aí, de norma de transição, para os que, filiados à Previdência Social até o dia anterior ao da publicação da lei, só depois vieram ou vierem a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. 6. Enfim, a ação direta de inconstitucionalida-de não é conhecida, no ponto em que impugna toda a Lei nº 9.876/1999, ao argumento de inconstitucionalidade formal (art. 65, parágrafo único, da Constituição Federal). É conhecida, porém, quanto à impugnação dos arts. 2º (na parte em que deu nova redação ao art. 29, seus incisos e parágra-fos, da Lei nº 8.213/1991) e 3º daquele diploma. Mas, nessa parte, resta inde-ferida a medida cautelar. (STF, Pleno, MC-ADIn 2.111/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, J. 16.03.2000, DJ 05.12.2003)

O Projeto de Lei de Conversão nº 4/2015 previa que o fator previ-denciário não seria aplicado quando: o total resultante da soma da idade do segurado, considerada na data de requerimento da aposentadoria, com o respectivo tempo de contribuição (desde que este não fosse inferior a 35 anos, se homem, e a 30 anos, se mulher), fosse igual ou superior a 95 anos, se homem, e a 85 anos, se mulher, somando-se as frações de tempo e de idade; ou o segurado fosse pessoa com deficiência.

Trata-se da chamada “fórmula 85/95”, mas essa previsão foi vetada.

De acordo com as razões do veto:

A alteração realizada pelos dispositivos não acompanha a transição demo-gráfica brasileira e traz risco ao equilíbrio financeiro e atuarial da Previdên-cia Social, tratado pelo art. 201 da Constituição. Como alternativa à propos-ta vetada, o governo editará medida provisória para enfrentar a questão de modo a preservar a sustentabilidade da Previdência Social.

Com isso, a Medida Provisória nº 676, em vigor na data de sua publi-cação (Diário Oficial da União de 19.06.2015), passou a tratar da possibi-lidade de não se aplicar o fator previdenciário no cálculo da aposentadoria

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por tempo de contribuição, dispondo, ainda, sobre uma escala progressiva para a “fórmula 85/95”, em razão do provável aumento da expectativa de sobrevida da população brasileira.

Nesse sentido, de acordo com a Medida Provisória nº 676/2015, o segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de con-tribuição pode optar pela não incidência do fator previdenciário (no cálculo de sua aposentadoria) quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição (incluídas as frações), na data de requerimento da aposentadoria, for: igual ou superior a 95 pontos, se homem, observando o tempo mínimo de contribuição de 35 anos; ou igual ou superior a 85 pon-tos, se mulher, observando o tempo mínimo de contribuição de 30 anos.

Quanto ao futuro, a medida provisória dispõe que as somas de idade e de tempo de contribuição previstas anteriormente serão majoradas em um ponto em: 1º de janeiro de 2017; 1º de janeiro de 2019; 1º de janeiro de 2020; 1º de janeiro de 2021; e 1º de janeiro de 2022.

Desse modo, a partir de 2017, teríamos a fórmula “86/96”, aumentan-do progressivamente até chegar a “90/100” em janeiro de 2022.

Cabe salientar que as medidas provisórias têm força de lei, mas de-vem ser submetidas de imediato ao Congresso Nacional (art. 62 da Consti-tuição da República).

A rigor, defende-se que a matéria em questão não deveria ser objeto de medida provisória, pois esta exige os requisitos constitucionais da urgên-cia e da relevância, mas sim respeitar o processo legislativo pautado pelo amplo debate, bem como fundado no legítimo diálogo democrático.

Cabe, assim, acompanhar os desdobramentos legislativos e jurispru-denciais a respeito do importante e controvertido tema.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

Cessação da Pensão por Morte no Caso de Simulação de Casamento ou União Estável: Artigo 74, § 2º, da Lei de Benefícios (Redação Dada pela Lei nº 13�135/2015)

mARCO AuRéLIO SERAu JunIORMestre e Doutor em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo, onde pesquisa o acesso à Justiça na Área Previdenciária e os Meios Alternativos à Solução do Conflito Previ-denciário, Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional, Especialista em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo, Professor Universitário e de Cursos de Pós-Graduação. Autor de diversos artigos jurídicos publicados no Brasil e no exterior, além de diversas obras.

RESUMO: O artigo analisa, com a perspectiva dos direitos previdenciários como direitos fundamen-tais, alteração legislativa operada no benefício da pensão por morte pela Lei nº 13.135/2015, fruto da conversão da Medida Provisória nº 664/2014. Examina-se criticamente a possibilidade de cessação do benefício da pensão por morte no caso de simulação ou fraude no casamento ou união estável. Compara-se essa inovação legal com outra, advinda do mesmo diploma, que é a exigência de com-provação de 2 anos para o casamento ou união estável como requisito para obtenção desse benefí-cio, questionando qual o instituto mais conveniente e a pertinência de manter ambos na legislação em vigor.

PALAVRAS-CHAVE: Direito previdenciário; pensão por morte; casamento; união estável; fraude.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A previsão contida no artigo 74, § 2º, da Lei nº 8.213/1991; 2 Análise crítica: relevância da regra contida no artigo 74, § 2º, e exagero da regra contida no artigo 77, § 2º, inciso V, ambos da Lei de Benefícios; Conclusões; Referências.

INtrodução

Este trabalho é dedicado ao estudo das alterações impostas ao bene-fício da pensão por morte, em particular a possibilidade de cessação do be-nefício da pensão por morte no caso de simulação ou fraude de casamento ou união estável, fruto da conversão da Medida Provisória nº 664/2014 na Lei nº 13.135, de 17.06.2015.

O artigo utiliza, para analisar essa importante alteração legislativa, a perspectiva dos direitos previdenciários como direitos fundamentais (Serau Jr., 2011).

Outrossim, ainda em termos metodológicos, contrasta essa inovação legal, em relação à qual se tecem encômios, com outra, advinda do mesmo

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diploma, que é a exigência de comprovação de 2 anos para o casamento ou união estável como requisito necessário à obtenção da pensão por morte.

1 a PrevISão coNtIda No artIgo 74, § 2º, da leI Nº 8.213/1991

O benefício previdenciário da pensão por morte foi, sem dúvida, o que mais sofreu transformações com a minirreforma previdenciária perpe-trada pela Medida Provisória nº 664/2014, posteriormente convertida na Lei nº 13.135/2015.

Introduziram-se diversas novas regras para a obtenção desse benefí-cio, como a exigência de tempo de contribuição de 18 meses, inexistente até então; e a extinção da vitaliciedade desse benefício para os cônjuges e companheiros(as), mediante a aplicação de uma tabela de expectativa de vida que deverá ser revista a cada três anos1.

1 Veja-se a redação dada pela Lei nº 13.135/15 ao art. 77, § 2º, da Lei nº 8.213/1991:

“§ 2º O direito à percepção de cada cota individual cessará:

[...]

V – para cônjuge ou companheiro:

a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas b e c;

b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado;

c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável:

1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;

2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;

3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;

4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;

5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;

6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.

§ 2º-A. Serão aplicados, conforme o caso, a regra contida na alínea a ou os prazos previstos na alínea c, ambas do inciso V do § 2º, se o óbito do segurado decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, independentemente do recolhimento de 18 (dezoito) contribuições mensais ou da comprovação de 2 (dois) anos de casamento ou de união estável.

§ 2º-B. Após o transcurso de pelo menos 3 (três) anos e desde que nesse período se verifique o incremento mínimo de um ano inteiro na média nacional única, para ambos os sexos, correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira ao nascer, poderão ser fixadas, em números inteiros, novas idades para os fins previstos na alínea c do inciso V do § 2º, em ato do Ministro de Estado da Previdência Social, limitado o acréscimo na comparação com as idades anteriores ao referido incremento.”

A interpretação mais adequada a esse novo dispositivo legal dá a entender que a pensão por morte ainda independe de carência, visto que o art. 26, inciso I, da Lei nº 8.213/1991 não foi alterado. Entretanto, o art. 77, § 2º, inciso V, alíneas a e b, da mesma lei passa a exigir, cumulativamente, dezoito meses de contribuição e vigência de casamento ou união estável por ao menos dois anos, ensejando, assim, a pensão por morte nos termos da escala prevista nos diversos itens desse dispositivo (de três anos à vitaliciedade, conforme a idade do cônjuge ou companheiro supérstite). Não preenchidos qualquer um destes requisitos, é possível a concessão de uma pensão por morte provisória, de apenas quatro meses. A ideia de que se trata

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Neste trabalho, analisaremos especificamente outro requisito novo, consistente na possibilidade de cessação do benefício de pensão por mor-te, para os cônjuges e companheiros, no caso de fraude ou simulação de casamento ou de união estável, matéria tratada no art. 74, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, conforme redação dada pela Lei nº 13.135/2015, adiante transcrito:

Art. 74. [...]

§ 2º Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no ca-samento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Regra similar é instituída no âmbito dos regimes próprios destinados aos servidores públicos federais civis, com alteração do art. 220, inciso II, da Lei nº 8.112/1990:

Art. 220. Perde o direito à pensão por morte:

[...]

II – o cônjuge, o companheiro ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a forma-lização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será assegurado o direito ao contradi-tório e à ampla defesa.

Recorrendo aos clássicos, colhemos de De Plácido e Silva (2010: 640) a seguinte definição de fraude:

Derivado do latim fraus, fraudis (engano, má-fé, logro), entende-se geralmen-te como o engano malicioso ou a ação astuciosa, promovidos de má-fé, para ocultação da verdade ou fuga ao cumprimento do dever.

Nestas condições, a fraude traz consigo o sentido do engano, não o como se evidencia no dolo, em que se mostra a manobra fraudulenta para induzir ou-trem à prática do ato, de que lhe possa advir prejuízo, mas o engano oculto para furtar-se o fraudulento ao cumprimento do que é de sua obrigação ou para logro de terceiros. É a intenção de causar prejuízo a terceiros.

de tempo de contribuição e não tempo de carência é reforçada pela previsão do novo § 5º, acrescentado ao art. 77 pela Lei nº 13.135/2015.

Esse entendimento restou consagrado no Memorando Circular Conjunto nº 39/Dirben/Dirat/INSS.

Também é importante frisar que tais requisitos (tempo de contribuição e tempo mínimo de casamento e união estável) se aplicam tão somente a cônjunges e companheiros, e não aos demais dependentes previstos no rol do art. 16 da Lei de Benefícios.

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[...]

Ao fraudulento, aquele que comete a fraude, não aproveita o ato lesivo: nemini fraus sua patrocinari potest.

Simulação, por sua vez, é assim definida pelo mesmo mestre:

Do latim simulatio, de simulare (usar fingimento, usar artifício), simulação é o artifício ou o fingimento na prática ou na execução de um ato, ou contrato, com a intenção de enganar ou de mostrar o irreal como verdadeiro, ou lhe dando aparência que não possui.

Simulação, pois, é o disfarce, o simulacro, a imitação, a aparência, o arreme-do, ou qualquer prática que se afasta da realidade ou da verdade, no desejo de mostrar ou de fazer crer coisa diversa.

[...]

No sentido jurídico, sem fugir ao sentido normal, é o ato jurídico aparentado enganosamente ou com fingimento, para esconder a real intenção ou para subversão da verdade. Na simulação, pois, visam sempre os simuladores a fins ocultos para engano de terceiros.

Praticamente, a simulação resulta da substituição de um ato jurídico por ou-tro, ou da prática de um ato sob aparência de outro, como com a alteração de seu conteúdo ou de sua data, para esconder a realidade do que se pretende.

Assim, a doação que se faz sob aparência de venda, a venda que se promove sob aspecto de um depósito ou a locação contratada sob modalidade de ven-da revelam simulações. Indicam contratos que se realizam sob fingimento ou sob disfarce, escondendo a realidade dos verdadeiros contratos. (De Plácido e Silva, 2010: 1291)

Quanto ao aspecto probatório (De Plácido e Silva, 2010: 640),

a prova da fraude se faz por todos os meios permitidos em Direito, admitin-do-se mesmo sua evidência em face de indícios e conjecturas, tanto bastan-do a verificação do prejuízo ocasionado a outrem pela prática do ato oculto ou enganoso.

É importante frisar que nenhum desses dois dispositivos legais foi re-gulamentado até o presente momento2.

No caso da pensão por morte no RGPS – Regime Geral de Previdên-cia Social, cremos que serão utilizados como base os preceitos contidos na própria Lei de Benefícios (Lei nº 8.213/1991) e os aspectos procedimentais

2 Data de fechamento e envio do artigo: 22.09.2015.

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contidos no Decreto nº 3.048/1999, possivelmente acrescidos de algum procedimento específico ou mais específico em relação ao MOB3.

Para o RPPS – Regime Próprio de Previdência Social destinado aos servidores públicos, é provável e desejável que venha regulamentação in-fralegal sobre o processo apuratório de fraude ou simulação de casamento e união estável aqui discutido4.

Em ambos os casos, aplicam-se as regras gerais contidas na Lei nº 9.784/1999 – Lei Geral do Processo Administrativo Federal, bem como as garantias inerentes ao processo administrativo previdenciário (Mauss; Tri-ches, 2015: 42-47) e, sobretudo, as garantias constitucionais decorrentes do devido processo legal (Serau Jr., 2014: 73-124).

É importante sublinhar que o próprio Código Civil de 2002 já for-nece parâmetros suficientes sobre a nulidade ou anulabilidade do casa-mento ou união estável forjados, os quais podem e devem ser observados pelo INSS no procedimento apuratório mencionado no art. 74, § 2º, da Lei nº 8.213/1991.

Os arts. 138 a 1395 do Código Civil estabelecem a possibilidade e as condições de anulação do negócio jurídico no caso de erro essencial sobre seu conteúdo. Outrossim, os arts. 166 a 1696 do mesmo diploma legal indi-

3 O MOB é o processo de Monitoramento Operacional de Benefícios, destinado à apuração de irregularidades (Mauss; Triches, 2015: 311-318). A apuração administrativa da fraude no casamento ou união estável, para fins previdenciários, sem prejuízo de outras possibilidades legais (no âmbito cível, por exemplo), pode se enquadrar na moldura maior do MOB ou ganhar contornos próprios, com desenho administrativo específico. Ambos os caminhos são igualmente válidos.

4 Em relação aos servidores públicos federais, cogita-se se a descoberta, em vida, de união estável ou casamento forjados podem suscitar, ademais, a sujeição do servidor a sindicância e processo administrativo disciplinar.

5 “Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

[...]

Art. 139. O erro é substancial quando:

I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.”6 “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV – não revestir a forma prescrita em lei;

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

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cam as condições em que nulo o ato jurídico, especialmente face à ilicitude de seu objeto. Por sua vez, os arts. 178 e 1797 e 1.5608, todos do Código Civil, estabelecem os prazos que devem ser observados para a anulação de negócio jurídico, prazos esses que podem impor alguma limitação ao lapso para o INSS desconstituir o casamento/união estável fraudulenta para fins previdenciários.

Do direito de família também se extraem regras importantes para a hipótese ora tratada. O art. 1.548, inciso I, do Código Civil dispõe ser nulo o casamento contraído “pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil”. Ademais, o art. 1.550, incisos III e IV, estabelece ser anulável o casamento nos casos de vício da vontade, nos termos dos

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.”7 “Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:

I – no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.”

8 “Art. 1.560. O prazo para ser intentada a ação de anulação do casamento, a contar da data da celebração, é de:

I – cento e oitenta dias, no caso do inciso IV do art. 1.550;

II – dois anos, se incompetente a autoridade celebrante;

III – três anos, nos casos dos incisos I a IV do art. 1.557;

IV – quatro anos, se houver coação.

§ 1º Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de anular o casamento dos menores de dezesseis anos, contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade; e da data do casamento, para seus representantes legais ou ascendentes.

§ 2º Na hipótese do inciso V do art. 1.550, o prazo para anulação do casamento é de cento e oitenta dias, a partir da data em que o mandante tiver conhecimento da celebração.”

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arts. 1.556 a 1.5589 daquele diploma legal, e do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento.

De outra parte, o art. 182 do Código Civil estabelece que, “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equi-valente”. No mesmo rumo seguem os arts. 1.563 e 1.56410, que estabelecem a eficácia ex tunc da sentença que reconhece a nulidade do casamento e a necessidade de reparação dos danos causados pelo casamento nulo pelo cônjuge que deu causa a isso.

É importante sublinhar que já defendíamos, veementemente, que a legislação previdenciária incorporasse uma medida nesse sentido (pos-sibilidade de cassação da pensão por morte no caso de casamento ou união estável fraudulentas) desde a entrada em vigor da Medida Provisória nº 664/2014, que reduziu o alcance do benefício da pensão por morte (Se-rau Jr.; Caetano Costa, 2015: 256).

Essa medida salutar, inexistente na redação original daquela medida provisória, entretanto, foi insuficiente para afastar da legislação previden-ciária reformada a exigência dos dois anos de casamento ou união estável como requisito para obtenção da pensão por morte, questão que analisare-mos no tópico a seguir.

9 “Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

II – a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;

III – a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;

IV – a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

Art. 1.558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares.”

10 “Art. 1.563. A sentença que decretar a nulidade do casamento retroagirá à data da sua celebração, sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a resultante de sentença transitada em julgado.

Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá:

I – na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;

[...].”

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2 aNálISe crítIca: relevÂNcIa da regra coNtIda No artIgo 74, § 2º, e eXagero da regra coNtIda No artIgo 77, § 2º, INcISo v, amboS da leI de beNefícIoS

Para melhor compreender a introdução da possibilidade prevista no art. 74, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, deve-se analisar certos trechos da Expo-sição de Motivos da Medida Provisória nº 664/2014, da qual resultou a Lei nº 13.135/2015:

[...]

7. De igual maneira, é possível a formalização de relações afetivas, seja pelo casamento ou pela união estável, de pessoas mais idosas ou mesmo acome-tidas de doenças terminais, com o objetivo exclusivo de que o benefício pre-videnciário recebido pelo segurado em vida seja transferido a outra pessoa. Ocorre que a pensão por morte não tem a natureza de verba transmissível por herança, e tais uniões desvirtuam a natureza da previdência social e a cobertura dos riscos determinados pela Constituição Federal, uma vez que a sua única finalidade é de garantir a perpetuação do benefício recebido em vida para outra pessoa, ainda que os laços afetivos não existissem em vida com intensidade de, se não fosse a questão previdenciária, justificar a forma-ção de tal relação. Para corrigir tais distorções, se propõe que formalização de casamento ou união estável só gerem o direito à pensão caso tais eventos tenham ocorrido 2 anos antes da morte do segurado, ressalvados o caso de invalidez do cônjuge, companheiro ou companheira após o início do casa-mento ou união estável e a morte do segurado decorrente de acidente.

[...]

20. Outro ponto a ser destacado e visando a contemplar os mesmos requisi-tos a serem previstos para o RGPS, propõe-se que o cônjuge, companheiro ou companheira somente terá direito ao benefício se a data do casamento ou a união estável contar com pelo menos 2 (dois) anos após a data do faleci-mento do servidor. Tal proposta visa a resguardar a concessão desse benefí-cio aos dependentes do servidor que, de fato, tenham tido convívio familiar que gere a dependência ou relação econômica com o segurado e que afaste eventuais desvirtuamento na concessão desse benefício. Assim, com as pro-postas de alteração no pagamento da pensão por morte, buscou-se adequar o regramento anterior à nova realidade da família brasileira em consonância com as modificações que estão sendo propostas para o RGPS. (grifos nossos)

O tema da duração necessária do casamento/união estável para fins de obtenção de pensão por morte, tal como burilado pela minirreforma pre-videnciária efetuada pela Lei nº 13.135/2015, está carregado de falso mo-ralismo.

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Tarifa-se, por meio da aposição de uma medida arbitrária de tempo11, qual é o tipo de relação familiar considerada válida para a concessão de um benefício previdenciário relevantíssimo como a pensão por morte.

O direito de família contemporâneo, sucedâneo do fenômeno da constitucionalização do direito civil, não mais tolera o enrijecimento de di-reitos em meros critérios temporais. Os relacionamentos afetivos hodiernos são diversos daqueles de anos atrás, pois, na modernidade líquida (Bauman, 2004), as relações se transformam com muita rapidez, diante da fragilidade dos laços humanos.

Sempre se poderá alegar a existência de casamentos forjados, com o único intuito de fraudar a autarquia previdenciária, conforme sugerido na Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 664/2014, bem como situa-ções popularmente conhecidas como a das “viúvas negras”.

Mas esse tipo de episódio deve ser analisado à luz do caso concreto, sob a hipótese de que as fraudes e a má-fé são excepcionais e devem ser comprovadas (e exemplarmente reprimidas, inclusive no âmbito do direito penal12), não podendo dar azo a que sejam considerados fatores estruturan-tes do regime previdenciário.

Conforme o magistério de João Marcelino Soares (2015: 73-74):

Antes, como inexistia tal prazo, verificavam-se falsos casamentos, muitas ve-zes ocorridos próximo ao óbito, tão somente para gerar direito à pensão por morte, realizados como verdadeiros acordos comerciais, inclusive pela troca de prestação de serviços de cuidadores de idosos. Mas isto era exceção e deveria ser tratado como tal, criando-se dispositivo que evitasse estes conlui e não uma regra de generalização para todos os casos.

É perfeitamente possível um casamento celebrado há menos de 2 anos em que o segurado faleça por causa não acidentária e que não haja nenhum intento fraudatório no recebimento do benefício. Imagine-se, por

11 A título de mera argumentação: por que não fixar o período mínimo de casamento ou união estável em cinco anos ou, em caminho oposto, em tão somente um ano? O tempo de namoro ou noivado (curto, longo, etc.) deve ser considerado para a consagração da legitimidade da união afetiva? Como tratar os casos de legítimas uniões familiares que ainda não atingiram esse lapso mínimo e, agora, na vigência do novo regime jurídico, não ensejam a implementação da pensão por morte? Avulta a sensação de exercício totalmente aleatório da criação de normas jurídicas e violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

12 Aqui, a figura penal aplicável seria a do estelionato contra a Previdência Social ou estelionato previdenciário, prevista no art. 171, § 3º, do Código Penal:

“Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

[...]

§ 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.”

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exemplo, um segurado casado há menos de 2 anos que venha a falecer por um colapso cardíaco, por contrair dengue ou qualquer outra patologia que leva ao óbito rapidamente: como não se trata de acidente, o cônjuge supérs-tite restará desprotegido. Portanto, andou mal o legislador a generalizar uma presunção de má-fé ao invés de criar dispositivo inibidor a ser aplicado ao caso concreto.

De outra parte, não se pode desconsiderar, especialmente quanto à união estável, o aspecto probatório e sua intensa dificuldade no contexto social brasileiro, permeado por grande informalidade na constituição das relações familiares. Segundo Martinez (2015: 39-40),

a prova da união estável, sempre onerosa e com ênfase para demonstrar o seu começo, assume grande importância. De regra, é consabido que esse tipo de união entre homem e mulher, de regra, se caracteriza pela informali-dade. Mais ainda se for uma união homoafetiva.

coNcluSÕeS

A análise que se fez neste trabalho demonstra a importância da altera-ção promovida no benefício da pensão por morte com a introdução da regra contida no art. 74, § 2º, da Lei de Benefícios, a partir da Lei nº 13.135/2015, que estabeleceu a faculdade da cassação da pensão por morte no caso de casamento ou união estável fraudulentos ou simulados.

Entretanto, a partir da introdução desse dispositivo legal, torna-se dis-pensável e desnecessária a regra contida no art. 77, § 2º, inciso V, do mesmo diploma legal, que carrega a exigência de tempo mínimo de casamento ou união estável (dois anos) para a obtenção do benefício da pensão por morte.

Se os objetivos propalados pelo legislador reformador eram de, no-tadamente, evitar fraudes no benefício da pensão por morte, escopo sério e que efetivamente deve ser buscado, apenas a primeira regra mencionada (art. 74, § 2º, da Lei de Benefícios) já seria satisfatória.

A permanência das duas regras, inclusive aquela contida no art. 77, § 2º, inciso V, da Lei nº 8.213/1991, revela um fundamentalismo fiscal e um ímpeto de restrição do alcance dos benefícios sociais.

Outrossim, generaliza indevidamente a presunção de fraude e má-fé por parte dos segurados e dependentes, colocando esse elemento como fator estruturante de uma gama importante dos benefícios previdenciários (benefícios por dependência econômica).

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Essa situação é grave e inadequada em termos democráticos e de exercício da cidadania.

Por todos os argumentos que expusemos ao longo do trabalho, cre-mos merecer elogios a introdução da regra contida no art. 74, § 2º, e repro-vação a manutenção da regra contida no art. 77, § 2º, inciso V, ambos da Lei de Benefícios.

referÊNcIaSBAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. São Paulo: Jorge Zahar, 2004.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 28. ed. atualizada por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. A nova pensão por morte. Revista Síntese Direito de Família, São Paulo: Síntese, n. 89, abr./maio 2015.

MAUSS, Adriano; TRICHES, Alexandre Schumacher. Processo administrativo previden-ciário. 2. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a IN 77/2015. Caxias do Sul: Plenum, 2015.

SERAU JR., Marco Aurélio. Curso de processo judicial previdenciário. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014.

______. Seguridade Social como direito fundamental material. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2011.

______; CAETANO COSTA, José Ricardo. A microrreforma previdenciária introduzida pela Medida Provisória nº 664/2014: redução da proteção social e o predomínio do econômico sobre as normas de direitos sociais. In: SERAU JR., Marco Aurélio; FOL-MANN, Melissa (Org.). Previdência Social – Em busca da justiça social: homenagem ao Professor Doutor José Antonio Savaris. São Paulo: LTr, 2015.

SOARES, João Marcelino. Novas regras da pensão por morte e auxílio-reclusão – Deta-lhamento técnico e interpretação crítica. Revista Síntese Direito Previdenciário, São Paulo: IOB, v. 67, jul./ago. 2015.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

Direitos Sociais em Depressão – Relato de Uma Viagem aos Dias de Hoje

mARCuS ORIOnE gOnçALvES CORREIAProfessor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Definitivamente, o ano de 2015, mesmo antes de terminar, já entra para a história como o ano da depressão dos direitos sociais. Neste contexto é que devem ser analisadas todas as recentes medidas do Governo Dilma, que atentam contra os direitos previdenciários e os dos trabalhadores em atividade.

Não apenas no Brasil, mas no mundo, há uma onda de contenção dos direitos sociais e de uma elevada superstição em políticas públicas vol-tadas para o mercado, mais especificamente para o mercado financeiro. Alguns poucos países, é claro, ocupam uma posição privilegiada no capi-talismo, sustentando os direitos sociais (Suécia e Alemanha, por exemplo). Não obstante, de uma forma geral, não apenas para a sua periferia (países da América do Sul, por exemplo), mas também para a sua não periferia (vejam--se exemplos como Espanha e Itália), o capital age com soberba, ao decretar o fim da história e a sua definitiva vitória, entendendo que os direitos so-ciais são desnecessários para a sua estratégia de acumulação. Fica distante o tempo em que os direitos sociais eram importantes instrumentos de aco-modação da classe trabalhadora no processo de luta de classes – como o foi desde modelos fascistas até modelo de um capitalismo fincado no bem-estar social. Os direitos sociais passam a ser considerados, neste momento de autoproclamação de vitória do capital, desnecessários, já que alguns ele-mentos como o medo como forma de coação dos trabalhadores alcançaram um nível de importância tática (de conotação única e com especificadas próprias) jamais visto na história da humanidade. Não se buscam mais di-reitos, já que o medo de se perder os poucos que são possuídos é mais forte do que nunca. Esta consolidação do medo, no entanto, não resistirá para sempre como certamente hoje está incrustado na percepção do capital.

Em recente viagem acadêmica à Alemanha, onde participei de um grupo de estudos sobre seguridade social no Brasil e na Alemanha com professores alemães, algumas impressões no sentido anteriormente citado me ficaram bastante claras.

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Assim, para compreender a situação no debilitado direito social do Brasil, esta viagem foi bastante produtiva.

Cheguei inicialmente em Paris na quinta-feira, poucos dias antes do plebiscito na Grécia, que se daria no domingo, a respeito da aceitação ou não, pelo povo grego, do acordo proposto pela União Europeia. Como se sabe, o acolhimento do acordo pela Grécia é momento extremamente im-portante para os direitos sociais, na medida em que a sua realização implica-ria uma drástica redução destes, com comprometimento claro à diminuição de pensões e aposentadorias do povo grego. Da mesma forma, o aumento do IVA (imposto único) em cerca de 20% implicaria uma dificuldade clara aos trabalhadores gregos, que, enfim, seriam os responsabilizados pelo pa-gamento da dívida da Grécia com os bancos credores. Na Europa, o acordo estava sendo nominado de “agreecement”, em alusão a uma junção entre as palavras inglesas Greece (“Grécia”, no português) e agreement (“acor-do”, em inglês). Por outro lado, o não acolhimento do acordo criava uma expectativa da saída da Grécia da Comunidade Europeia, que estava sendo chamada pelos jornais europeus de “Greexit”, uma junção da mesma pala-vra Greece e da palavra exit (“saída”, em português).

Era engraçado como um ar de incerteza pairava na Europa. De todas as viagens que havia feito ao continente, nunca havia percebido tal clima. No entanto, ao mesmo tempo em que o assunto dominava os noticiários, nas ruas, parecia menos importante na vida das pessoas do que efetiva-mente deveria ser. Nos poucos dias que passei em Paris, não vi uma única manifestação de rua em apoio aos gregos. Aliás, uma primeira observação: se, aqui no Brasil, a esquerda prestou incondicional solidariedade ao povo grego, lá o apoio era difuso, tanto na teoria quanto na prática diária dos europeus. Apenas vi, nos dias antecedentes, uma singela notícia de que uma centena de pessoas, em Lisboa, fizera algum ato de solidariedade. No sábado, quando deixava Paris em direção a Berlim, Angela Merkel fazia o caminho oposto de Berlim para Paris, onde conversaria a respeito das táticas para o seguimento das negociações face ao resultado do plebiscito grego.

No domingo, os olhos da Europa, e certamente do mundo, estavam voltados para a Grécia. Não é desconhecida de ninguém a vitória do Ox (palavra que significa “não”, que era desconhecida de quase todos e que passou a ser a vedete do dia na Europa e no mundo): o povo grego, com folgada margem de mais de 60%, dava ao governo a possibilidade de dizer não ao acordo proposto pela Troika. Um ato de coragem, diante da sempre presente ameaça de ser expulsa da comunidade europeia.

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Vale a pena voltar no tempo, quando visitei a Grécia pela primeira vez (realizei apenas duas viagens à Grécia, uma próxima ao ingresso na Comunidade e outra em estágio mais avançado desta união): sempre ouvi, do povo grego nas ruas, que o ingresso na zona do euro havia encarecido a vida em cerca de 30%. Os preços teriam subido nesta proporção e os salários reduzidos em igual montante. No entanto, nos primeiros anos com ingresso de dinheiro da União Europeia, havia uma sensação de fartura, que foi se diluindo quando fiz a segunda viagem. Nesta segunda viagem, fui a um show de rock ontológico, em que o Black Sabbath de Ozzy Osbourne era acompanhado pelos guitarristas Zakk Wylde do Black Label Society e o genial Slash da formação original do Guns N’ Roses. A volta para Atenas, como em todo o show, se pronunciava difícil, já que não havia planejado como voltar. Por sorte, encontrei um taksi (táxi em grego). A volta merece aqui ser relatada: o taxista passou a falar da vida na Grécia e nas dificulda-des pelo custo elevado de vida. Naquela época, havíamos recém passado pela crise de 2008, e o taxista, já ali, colocava a Alemanha como a grande vilã das dificuldades pela qual a Grécia passava: na sua versão, os alemães simplesmente teriam destruído a única indústria de um país tradicionalmen-te agrícola e que vivia do turismo – a indústria naval. Independentemente da exatidão do prognóstico, já que não se pode resumir a percepção da economia de um país a um diálogo em um táxi, naquela conversa já estava prenunciada, alguns anos antes, o que aconteceria em julho de 2015.

Retornando ao assunto. Na Grécia, com a vitória do não ao acordo, uma onda de incertezas tomou contou da Europa. Já em Berlim, imediata-mente passei a ouvir os comentaristas a respeito do tema, passando com-pulsivamente por todos os noticiários das televisões portuguesa, espanhola, inglesa, francesa e italiana. Pairava no ar claramente o clima de incerteza. O que aconteceria depois daquele ato, por muitos na mídia europeia chamado de rebeldia, do povo grego? A Grécia continuaria na zona do euro? Existi-riam condições para a continuidade dos acordos? Outros se entusiasmariam com a ousadia do partido grego, o Syriza, de ter convocado o plebiscito e tomariam o mesmo caminho (lembre-se aqui que os mais importantes representantes de movimentos como o espanhol “Podemos” e o italiano “5 Stelle” foram indagados a respeito e insistiram na necessidade de que a Europa não se curvasse aos banqueiros, que o povo grego tinha dado uma demonstração de força democrática)?

No entanto, nos dias seguintes, a coisa não ficou fácil para o Primei-ro-Ministro grego Aléxis Tsípras. Ele teve que demitir o mais importante interlocutor grego, o seu Ministro das Finanças Yanis Varoufakis. E, apesar de alguns dizerem que teria havido uma mudança nos rumos da negocia-

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ção por parte da Troika, a realidade é que as pequenas modificações pon-tuais não trouxeram nenhuma alteração substancial nos principais pontos de negociação dos credores da dívida grega. Ou a Grécia faria um pacote recessivo ou não teria acordo. Aqui no Brasil se fala da democracia posta em cheque, na medida em que os credores teriam desconsiderado a von-tade popular de uma nação europeia. Na Europa, não raras vezes, ouvi as pessoas e a mídia dizerem que a Grécia é que teria afrontado a democracia ao fazer o plebiscito. Afinal, a democracia europeia não pertencia a este ou àquele povo, já que não era nacional, mas continental. Aliás, este argu-mento foi muito utilizado também por alguns alemães com quem conversei. Afinal, diziam eles, se a Grécia pegou o dinheiro emprestado e o usou mal, por que não deveria pagar pelo uso inadequado com o suor de seu povo?

A verdade é que, de forma constrangedora, o primeiro-ministro grego voltou para seu país com a proposta que diminuía os benefícios sociais, entre outras temeridades, do povo grego e teve que fazer um esforço para aprová-la no congresso grego. E aprovou, a despeito de dizer contra ela constantemente, pasmem, com o apoio indispensável dos partidos de direi-ta! O resultado todos sabem: não teve outra saída, recentemente, a não ser pedir a sua renúncia.

É interessante esta noção de soberania europeia. Considerando o tem-po de existência da comunidade europeia, cada vez mais as gerações novas cedem à ideia de que há uma Europa, em especial uma Europa econômica – mais do que uma Europa como identidade de uma única manifestação cultural e, neste aspecto, dá a impressão de que as pessoas continuam sen-do francesas, italianas ou espanholas. Assim, em um trem, saindo de Praga para uma cidade próxima, deparei-me com um grupo de espanhóis que ocupava a mesma cabine que eu. Era impressionante como, para um casal deles, o fato de a Espanha estar totalmente precarizada nas suas relações de trabalho poderia ser facilmente transposto com a sua ida para a Alemanha. Ali, diziam, teriam mais condições de trabalho decente, sendo a mudan-ça importante inclusive para os futuros filhos, que aprenderiam uma nova língua e viveriam em um novo ambiente cultural. Parecia simples cruzar a fronteira e continuar a vida normalmente – a despeito de se saber que a coi-sa, na realidade, não é tão simples assim, como qualquer um pode depre-ender. No entanto, o fato serve para ilustrar: nas novas gerações, o conceito de cidadania europeia tem raiz muito mais econômica do que de qualquer outra natureza. Enfim, muito mais baseada nas supostas oportunidades do que nas reais identidades. Aliás, aqui, para os direitos humanos, há um largo campo de pesquisa sobre universalidade, economia e identidades.

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Fiquei bastante impressionado também com outra coisa que me pa-rece estar subliminar a tudo aquilo. A Alemanha, em matéria de direitos so-ciais, esta anos luz à frente de quase todos os demais países da Europa uni-ficada. Assim, a sua condição econômica, além da preservação dos direitos sociais, era surpreendente se comparada com a situação da Itália, Espanha ou Portugal, por exemplo. Aliás, muito melhor mesmo do que a de um país como a França, que estaria mais próxima de sua condição. A preservação dos direitos sociais ali, e certo tanto na França, é patente. Muitos poderiam dar a resposta mais pronta da estabilidade econômica. Embora isso faça parte da solução da questão, não representa a sua totalidade. A questão é muito mais complexa e remete ao fato de que, para alguns trabalhadores fi-carem bem no capitalismo, muitos outros trabalhadores devem perder direi-tos. Além disso, redunda na questão do fetichismo da mercadoria, conceito que remete à aparência de opulência em detrimento da essência da miséria universal no capitalismo.

Tanto Paris quanto Berlim – mais especificamente esta segunda –, quando cheguei, estavam em obras gigantescas de sua malha viária de me-trô e de manutenção de seus monumentos históricos. Viajando pelo interior da Alemanha de carro e de ônibus, percebi também que as estradas alemãs passavam por intensas e grandes obras. Percebi que, de certa forma, um pe-daço da receita keynesiana estava em prática. O Estado investindo em gran-des obras públicas com fins específicos. No entanto, perguntando a um dos professores alemães, percebi que as obras não eram resultado do esforço majoritário do próprio Estado. Usando um estatuto próprio de contratações, a iniciativa privada estava recebendo altas quantias pela recuperação das obras de interesse público. Na realidade, mais importante do que o serviço público em si, parecia que o interesse girava em torno de manter os países com elevado potencial de circulação da mercadoria força de trabalho.

Assim, ao lado do fracasso do povo grego e da democracia burguesa em todo o episódio, estava a opulência de alguns países. Cada vez mais o processo de acumulação passa para uma etapa concentrada também na perspectiva territorial, concentrando em poucos países, em que trabalhado-res, de forma aparentemente opulenta, resgatam para si as falsas migalhas de uma opulência (esta sim real e desenfreada) do capital.

É neste contexto que devem ser analisadas medidas como a do ajuste fiscal, com impacto significativo nos benefícios previdenciários (em espe-cial as pensões por morte), e a da redução dos direitos trabalhistas (como a iniciativa do governo de prestigiar o negociado em detrimento do nego-

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ciado ou as tentativas de aumentar a incidência da terceirização, atingindo também a atividade-fim).

No capitalismo periférico, em que a figura do sujeito de direito é tam-bém relevante, há fraturas mais intensas nas noções de sujeito livre, igual e proprietário, decorrente da teoria de Pachukanis (marxista do início XX, autor de importante obra sobre a teoria geral do direito à luz do marxis-mo). Assim, por estas bandas de cá, de forma ainda mais soberba, protegido pela falta de força coercitiva do direito (conhecida como impunidade), o capital avança de forma ainda mais intensa sobre a suposta produção do bem coletivo – conceito de impossível concretude, mas que é básico para a compreensão da figura do sujeito de direito pachukaniana. Esta soberba, alimentada pela figura do Estado, promove uma intensificação, jamais vista anteriormente, no processo de acumulação, com a diminuição dos direitos dos trabalhadores (ativos e inativos). Produz-se uma aceleração no processo de captação de mais-valia, que tende, em certo espaço de tempo, a intensi-ficar a luta de classes.

Se a Europa não se apresenta, no momento, como alternativa para um mundo que supere o capitalismo, os países do capitalismo periférico (quer pela incompletude sempre presente da construção de estados de bem-estar social, quer pela aceleração do processo de acumulação) apresentam con-dições mais reais de dar os passos gigantescos no sentido da superação do capital. Esperemos agora para ver qual será o papel do Brasil neste processo. Lembramos apenas que a resposta não será dada pela classe burguesa, mas sim pela classe trabalhadora, na medida em que os capitalistas já disseram, faz muito tempo, que não desejam direitos sociais e que agirão com cada vez maior soberba pela sua redução – apostando no medo que incute nos trabalhadores. No entanto, vale lembrar que o medo tem bases primitivas, apesar da sofisticação da forma de ser incutido na sociedade capitalista. Es-tas bases, fincadas no imaginário a partir de dados da realidade, não resiste a outros dados da natureza humana, como a fome. No entanto, para se evi-tar qualquer naturalização do processo, medo e fome não são apenas dados da natureza, mas possuem importante papel na construção de uma nova sociedade – que o diga a grande revolução burguesa, ocorrida na França no século XVIII.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

As Novas Regras da Pensão por Morte: Comentários às Alterações da MP 664/2014 e da Lei nº 13�135/2015

OSCAR vALEnTE CARDOSOJuiz Federal Titular da 3ª Vara Federal de Umuarama/PR, Doutorando em Direito pela UFRGS, Mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC, Professor de Graduação, Pós-Gradua-ção e da Escola Superior de Magistratura de Santa Catarina – ESMAFESC.

ADIR JOSé DA SILvA JúnIORAnalista Judiciário Federal, Diretor de Secretaria da 3ª Vara Federal de Umuarama/PR, Mestre em Direito, Estado e Sociedade pela UFSC, Especialista em Direito Previdenciário pelo Cesusc e em Direito Processual Civil pela Unisul, Professor de Graduação, Pós-Graduação e da Escola Superior de Magistratura de Santa Catarina – ESMAFESC.

RESUMO: O artigo analisa, sob a perspectiva do princípio da seletividade (e, incidentalmente, da uni-versalidade da cobertura e do atendimento), as recentes modificações legislativas promovidas pela Medida Provisória nº 664/2014, posteriormente convertida (e substancialmente alterada) pela Lei nº 13.135/2015, sobre o benefício de pensão por morte. Para esse fim, serão relembradas as princi-pais características da pensão por morte no Regime Geral de Previdência Social, a delimitação teóri-ca dos princípios da seletividade e da universalidade, as mudanças pretendidas com a MP 664/2014 (Executivo), quais foram efetivamente efetuadas pela Lei nº 13.135/2015 (Legislativo) e que conse-quências causarão sobre a concessão do benefício (Executivo) e suas possíveis controvérsias futuras (Judiciário).

PALAVRAS-CHAVE: Direito sociossecuritário; direito previdenciário; pensão por morte; princípio da seletividade; novas regras de concessão.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aspectos gerais da pensão por morte; 2 Princípios da universalidade e da seletividade; 3 Alterações promovidas pela MP 664/2014; 4 Lei nº 13.135/2015: as mudanças finais?; Conclusões; Referências.

INtrodução

Entre todos os benefícios previdenciários, o de pensão por morte – destinado aos dependentes, ao lado do auxílio-reclusão – é o que gera o maior número de controvérsias.

Entre elas, estão a não contributividade por parte dos dependentes, a possibilidade de presunção absoluta de dependência e a remuneração de pessoas que se encontram em idade produtiva para o trabalho. Tais questões ocupam o centro das discussões acerca da desoneração do Regime Geral de

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Previdência Social (RGPS) de parte de suas prestações, dando aplicação ao princípio da seletividade, sobre o qual se tratará neste artigo.

Em razão disso, são inúmeros os projetos de lei que tramitam com a intenção de mudar as “regras do jogo” na concessão, no cálculo e no termo final desse benefício.

Recentemente, por meio da Medida Provisória nº 664/2014, a Pre-sidência da República promoveu uma série de alterações, que alteravam substancialmente algumas importantes (e antigas) regras da pensão por morte.

Contudo, após acirrados debates no Congresso Nacional, e um nú-mero elevado de emendas apresentadas ao texto (517 emendas legislativas, no total), a MP 664/2014 foi convertida na Lei nº 13.135/2015, que, por sua vez, suprimiu do texto final várias dessas inovações.

Entretanto, o Poder Executivo sinalizou com alterações na sistemática do benefício que, apesar de não serem implementadas nesta oportunida-de, ainda permanecem como objetos de discussão e, portanto, merecem atenção.

Por esta razão, procurar-se-á, neste artigo, além de apresentar carac-terísticas gerais do benefício de pensão por morte – a título de contextuali-zação –, tratar do princípio da seletividade e sua combinação com o prin-cípio da universalidade (de atendimento e cobertura) e, por fim, relacionar as alterações promovidas pela Medida Provisória nº 664/2015 e quais foram mantidas pela Lei nº 13.135/2015.

1 aSPectoS geraIS da PeNSão Por morte

A relação de prestação da Previdência Social estabelece o ofereci-mento de benefícios (obrigação de pagar) e serviços (obrigação de fazer) aos segurados e aos dependentes em decorrência da vinculação daqueles ao RGPS.

Em favor dos dependentes, o art. 18 da Lei nº 8.213/1991 estabelece a existência de dois benefícios: o auxílio-reclusão e a pensão por morte.

A pensão por morte está prevista nos arts. 74/79 da Lei nº 8.213/1991 e regulamentada nos arts. 105/115 do Decreto nº 3.048/1999, além de ter fundamento constitucional no art. 201, V, que assegura, em seu § 2º, o valor não inferior a um salário-mínimo (com exceção da divisão em cotas).

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Possui três requisitos para a sua concessão: (a) óbito do segurado; (b) qualidade de segurado (não necessariamente na data do falecimento); (c) e a qualidade de dependente do postulante do benefício.

Independentemente de estar exercendo atividades laborativas ou aposentado, o falecimento do segurado é suficiente para atender ao pri-meiro requisito (caput do art. 74 da Lei nº 8.213/1991). Não somente a morte biológica1 gera direito ao benefício, mas também o óbito presumido, com ou sem declaração de ausência. O art. 6º do atual Código Civil dispõe que “a existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”. Por sua vez, conforme o art. 7º:

Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for en-contrado até 2 (dois) anos após o término da guerra.

Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

Verificam-se, assim, três situações de morte: biológica (art. 6º), presu-mida com declaração de ausência (art. 6º), e presumida sem decretação de ausência (art. 7º). Fala-se ainda em morte civil para designar a exclusão dos indignos da sucessão, nos termos do art. 1.816 do Código Civil2, porém, tal situação não produz efeitos no direito previdenciário.

A Justiça Federal possui competência para declarar a ausência para fins previdenciários, desde que preenchidos os requisitos constantes do art. 78 da Lei nº 8.213/1991, que trata da concessão de pensão provisória aos dependentes do segurado ausente por mais de seis meses3.

1 Há controvérsia no direito civil e na medicina legal acerca do termo adequado para designar o óbito que põe fim à personalidade: morte biológica, clínica, natural, cerebral, encefálica etc. Por não se tratar de assunto com interesse para este artigo, opta-se por utilizar a primeira expressão, em contraposição à morte presumida.

2 O citado dispositivo prevê que “são pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão”. Na lição de Sílvio de Salvo Venosa: “Não temos também a denominada morte civil, embora haja resquício dela, como, por exemplo, no art. 157 do Código Comercial e no art. 1.599 do Código Civil de 1916 (novo, art. 1.816). Por esse dispositivo do Código Civil, os excluídos da herança por indignidade são considerados como se mortos fossem: seus descendentes herdam normalmente” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2002. p. 188).

3 “Art. 78. Por morte presumida do segurado, declarada pela autoridade judicial competente, depois de 6 (seis) meses de ausência, será concedida pensão provisória, na forma desta Subseção. § 1º Mediante prova do desaparecimento do segurado em consequência de acidente, desastre ou catástrofe, seus dependentes farão jus à pensão provisória independentemente da declaração e do prazo deste artigo. § 2º Verificado o reaparecimento do segurado, o pagamento da pensão cessará imediatamente, desobrigados os dependentes

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Por ser exigida somente a qualidade de segurado, a concessão da pensão por morte independe de carência (art. 26, I, da Lei nº 8.213/1991, e art. 30, I, do Decreto nº 3.048/1999), ou seja, basta que o segurado tenha recolhido uma contribuição, para que o benefício seja devido aos seus de-pendentes. Ainda, mesmo que não tenha recolhido contribuição no mês de sua morte, os dependentes terão direito ao benefício se estiver mantida a qualidade de segurado, conforme as regras do art. 15 da Lei nº 8.213/19914.

Além disso, entende-se que, caso o segurado preencha os requisitos e tenha o direito (em tese) ao recebimento de qualquer modalidade de apo-sentadoria (por invalidez, por tempo de serviço/contribuição, por idade e especial), seus dependentes têm direito à pensão por morte, ainda que tenha ocorrido a perda da qualidade de segurado na data do óbito5. Nesse sentido, o art. 102, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 prevê que “não será concedida pen-são por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta lei, salvo se preenchidos os requisitos

da reposição dos valores recebidos, salvo má-fé.” Acerca do tema, especialmente a competência: “[...] 1. O reconhecimento da morte presumida do segurado, com vistas à percepção de benefício previdenciário (art. 78 da Lei nº 8.213/91), não se confunde com a declaração de ausência prevista nos Códigos Civil e de Processo Civil, razão pela qual compete à Justiça Federal processar e julgar a ação” (STJ, REsp 256547/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, J. 22.08.2000, DJ 11.09.2000, p. 303). Igualmente, no STJ: CC 20120/RJ, 2ª Seção, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, J. 14.10.1998, DJ 05.04.1999, p. 74; CC 22684/RJ, 2ª Seção, Rel. Min. Nilson Naves, J. 11.11.1998, DJ 18.12.1998, p. 284.

4 Sobre o assunto: “[...] 1. A qualidade de segurado indica a existência de vínculo entre o trabalhador e a Previdência Social, cabendo ao art. 15 da Lei nº 8.213/91 estabelecer condições para que ele mantenha tal qualidade no chamado período de graça, no qual há a extensão da cobertura previdenciária, independentemente de contribuições. [...] 4. Ocorrendo o óbito durante o chamado ‘período de graça’, não há falar em perda da qualidade de segurado do de cujus, razão pela qual seus dependentes fazem jus à pensão por morte” (STJ, AgRgRD-REsp 439021/RJ, 6ª Turma. Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 18.09.2008, DJe 06.10.2008). Da mesma forma: “[...] Apenas é possível a concessão de pensão por morte nos casos em que falecido possua, na data do óbito, qualidade de segurado ou direito adquirido a qualquer aposentadoria” (TNU, Incidente de Uniformização nº 200563060152932, Rel. Juiz Fed. Cláudio Roberto Canata, J. 29.10.2008, DJ 16.01.2009). Nesse sentido: 1ª Turma Recursal do Amazonas, Processo nº 200232007002245, Rel. Juiz Fed. Vallisney de Souza Oliveira, J. 02.09.2002, DJ 12.09.2002; 1ª Turma Recursal da Bahia, Processo nº 200433007246010, Relª Juíza Fed. Cynthia de Araújo Lima Lopes, J. 24.09.2004; 1ª Turma Recursal de São Paulo, Processo nº 200261840024665, Rel. Juiz Fed. Aroldo José Washington, J. 25.05.2004; 2ª Turma Recursal de São Paulo, Processo nº 200361840067801, Rel. Juiz Fed. Ricardo de Castro Nascimento, J. 02.03.2004. Doutrinariamente: “[...] é necessário que na data do óbito esteja presente a qualidade de segurado, isto é, que o falecido não tenha perdido esta qualidade” (DUARTE, Marina Vasques. Direito previdenciário. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 210).

5 Nesse sentido entende o STJ: “[...] 1. É da jurisprudência da Terceira Seção que a pensão por morte é garantida aos dependentes do de cujus que tenha perdido a qualidade de segurado, desde que preenchidos os requisitos legais de qualquer aposentadoria antes da data do falecimento, o que, na hipótese, não ocorreu” (Ag-REsp 775352/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, J. 30.10.2008, DJe 15.12.2008). Também: Ag-REsp 964594/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, J. 28.02.2008, DJe 31.03.2008; EREsp 263005/RS, 3ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, J. 24.10.2007, DJe 17.03.2008. Igual é o entendimento da TNU: “[...] Apenas é possível a concessão de pensão por morte nos casos em que falecido possua, na data do óbito, qualidade de segurado ou direito adquirido a qualquer aposentadoria” (Incidente de Uniformização nº 200563060152932, Rel. Juiz Fed. Cláudio Roberto Canata, J. 29.10.2008, DJ 16.01.2009). Igualmente: Incidente de Uniformização nº 2002618400070558, Rel. Juiz Fed. Joel Ilan Paciornik, J. 10.10.2005, DJ 14.11.2005.

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para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior”6. Sobre o assunto, o STJ editou a Súmula nº 416, com o seguinte teor: “É devida a pen-são por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito”.

Conforme destacado anteriormente, a pensão por morte é um bene-fício concedido aos dependentes do segurado do RGPS. Enquanto os segu-rados possuem vinculação direta com a Previdência Social, por exercerem uma atividade considerada de filiação obrigatória (ou espontânea e faculta-tivamente efetuarem sua inscrição), os dependentes têm uma ligação indire-ta, derivada do vínculo que têm com o segurado.

Portanto, o benefício de pensão por morte é devido a quem tem uma ligação com o segurado, mas não qualquer espécie de vínculo. Dependen-tes, no rol do art. 16 da Lei nº 8.213/1991 (e do art. 16 do regulamento) são, a partir das alterações promovidas pela Lei nº 13.146/2015: (a) cônjuge, companheiro(a) e filho(a) não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos, inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz (dependentes preferenciais); b) os pais; c) o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos, inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz.

A existência de um dependente na primeira categoria (preferencial) exclui o direito à percepção do benefício pelos integrantes das demais, as-sim como a existência de um na segunda categoria (desde que não haja na categoria anterior) exclui o direito daqueles situados na terceira.

A renda mensal da pensão por morte corresponde a 100% do va-lor da aposentadoria que o segurado estiver percebendo no momento do óbito; caso não seja aposentado, o benefício será de 100% do valor da aposentadoria por invalidez que seria devida ao segurado na data de seu falecimento7.

6 O §1º do citado dispositivo prevê: “A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos”.

7 Nos termos do art. 75 da Lei nº 8.213/1991: “O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no art. 33 desta lei”. Igualmente dispõe o § 3º do art. 39 do regulamento: “O valor mensal da pensão por morte ou do auxílio-reclusão será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no § 8º do art. 32”.

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Havendo mais de um dependente, o benefício é dividido em cotas individuais iguais, ainda que sejam inferiores ao salário-mínimo (art. 77 da Lei nº 8.213/1991, e art. 113 do Decreto nº 3.048/1999).

O art. 74 da Lei nº 8.213/1991 versa sobre o início do benefício: (a) a data do óbito do segurado, se a pensão por morte for requerida até 30 dias após; (b) a DER, caso o pedido seja formulado em prazo superior a 30 dias a partir da data do falecimento; (c) da decisão judicial, nas hipóteses de declaração de morte presumida. Se o dependente for incapaz, o benefício será devido desde o óbito, mesmo que pleiteado em lapso temporal superior a 30 dias8.

Se o dependente for incapaz, o benefício será devido desde o óbito, mesmo que pleiteado em lapso temporal superior a 30 dias9.

Por fim, as hipóteses de extinção da pensão por morte foi um ponto substancialmente alterado, que será analisado especificamente adiante.

2 PrINcíPIoS da uNIverSalIdade e da SeletIvIdade

Há, na doutrina de Direito Previdenciário, uma disparidade quanto ao número e ao conteúdo do que se poderia identificar como seus princípios.

Sem adentrar no mérito desta questão, há um conteúdo mínimo asse-gurado expressamente pelos arts. 194 e 195 da Constituição de 1988, que compreendem tanto a relação de custeio quanto a prestacional.

8 O revogado art. 105, I, b, do regulamento, preceituava expressamente que o benefício de pensão por morte seria devido desde o óbito ao dependente menor de 16 anos de idade, independentemente da DER, e também caso formulasse o requerimento em até 30 dias após completar essa idade. Sobre o assunto: “PREVIDENCIÁRIO – PENSÃO POR MORTE – CÔNJUGE E FILHAS DO DE CUJUS – ESPOSO FALECIDO – DIB DATA DO ÓBITO – INTERESSE de MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ – INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO OU DECADÊNCIA – NÃO APLICAÇÃO DO ART. 74 DA LEI Nº 8.213/91 – RECURSO PROVIDO – DIB FIXADA NA DATA DO ÓBITO COM EFEITOS FINANCEIROS DIFERENCIADOS” (1ª Turma Recursal do Mato Grosso, Processo nº 200836007002828, Rel. Juiz Fed. José Pires da Cunha, J. 06.02.2009, DE 19.02.2009). Ainda: “[...] Em se tratando de pensionista menor impúbere, a data de início do benefício de pensão por morte será sempre a data do óbito do instituidor, não incidindo a regra do art.74, II, da Lei nº 8.213/1991, visto que contra o incapaz não corre prazo prescricional” (Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Incidente de Uniformização nº 200670950126565, Relª Juíza Fed. Luísa Hickel Gamba, J. 22.08.2008, DE 10.09.2008).

9 O revogado art. 105, I, b, do regulamento, preceituava expressamente que o benefício de pensão por morte seria devido desde o óbito ao dependente menor de 16 anos de idade, independentemente da DER, e também caso formulasse o requerimento em até 30 dias após completar essa idade. Sobre o assunto: “PREVIDENCIÁRIO – PENSÃO POR MORTE – CÔNJUGE E FILHAS DO DE CUJUS – ESPOSO FALECIDO – DIB DATA DO ÓBITO – INTERESSE DE MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ – INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO OU DECADÊNCIA – NÃO APLICAÇÃO DO ART. 74 DA LEI Nº 8.213/91 – RECURSO PROVIDO – DIB FIXADA NA DATA DO ÓBITO COM EFEITOS FINANCEIROS DIFERENCIADOS” (1ª Turma Recursal do Mato Grosso, Processo nº 200836007002828, Rel. Juiz Fed. José Pires da Cunha, J. 06.02.2009, DE 19.02.2009). Ainda: “[...] Em se tratando de pensionista menor impúbere, a data de início do benefício de pensão por morte será sempre a data do óbito do instituidor, não incidindo a regra do art.74, II, da Lei nº 8.213/91, visto que contra o incapaz não corre prazo prescricional” (Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Incidente de Uniformização nº 200670950126565, Relª Juíza Fed. Luísa Hickel Gamba, J. 22.08.2008, DE 10.09.2008).

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Assim, reconhecem-se como princípios – entre tantos outros – dois que merecem maior atenção, no contexto em que aqui se tratam as alterações promovidas pela Medida Provisória nº 664/2014 e pela Lei nº 13.135/2015: a seletividade e a universalidade de cobertura e de atendimento.

Em primeiro lugar, ao formular as diretrizes do regime de Previdência Social (o RGPS, neste caso), o legislador deve procurar, dentro das possibi-lidades evidenciadas pelos recursos disponíveis, atender ao maior número de pessoas possível (universalidade no atendimento) e ao maior número de infortúnios/fatos geradores possível (universalidade na cobertura). Em outras palavras, a Previdência Social deve atender a todos os que dela necessita-rem (universalidade de atendimento), e sua proteção deve buscar abranger todos os riscos sociais possíveis (universalidade de cobertura). Relaciona-se ao princípio da igualdade previsto no caput do art. 5º da Constituição, ao garantir a proteção social para os mais necessitados.

Em virtude da universalidade, qualquer pessoa (nacional ou estran-geira) que resida no território brasileiro tem direito às prestações e serviços da Seguridade Social10.

Em um sistema de repartição, como o do RGPS brasileiro, essa diretriz deve servir de norte à atividade legislativa, assim como ao administrador e ao julgador, no exercício de suas funções.

Porém, a Constituição realiza uma distinção entre os ramos da Se-guridade Social, por meio de um princípio aplicável a somente um deles. Enquanto na Saúde e na Assistência Social o princípio da universalidade de cobertura e atendimento não encontra limitações, na Previdência Social existe uma restrição, decorrente do seu caráter contributivo (previsto no ca-put do art. 201 da Constituição)11. Nesse sentido, a doutrina ressalva que a cobertura do sistema previdenciário está ligada, em regra, à contribuição12. Marcelo Leonardo Tavares salienta que, por ter natureza de seguro (criando um vínculo entre o segurado e o Estado), a Previdência Social depende de

10 Nesse sentido: BRAGANÇA, Kerlly Huback. Direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 14; MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 75.

11 “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, [...]”.

12 BRAGANÇA, Kerlly Huback. Op. cit., p. 14; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 11. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. p. 102; DUARTE, Marina Vasques. Direito previdenciário. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 20; EDUARDO, ítalo Romano; EDUARDO, Jeane Tavares Aragão; TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 18; HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 7. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 84-85; KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 24; VIEIRA, Marcos André Ramos. Manual de direito previdenciário. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2002. p. 28.

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filiação e contribuição, mas também é universal, pois mesmo quem não exerce atividade econômica pode se filiar, facultativamente13.

A realidade econômica e social impõe restrições e dificuldades na implementação desse mandado de otimização e, frente a estas restrições, apresenta-se outro princípio como diretriz aos agentes públicos, que é o da seletividade.

Presente também no trato das questões relacionadas ao Direito Tri-butário – embora com peculiaridades aqui não aplicáveis –, o princípio da seletividade atua em um segundo momento, em que a escassez de recursos exige que se suprima o atendimento a determinados cidadãos assim como a cobertura a determinados infortúnios em favor de outros tantos que, como resultado deste juízo de ponderação, apresentam-se como de proteção mais urgente.

O princípio da seletividade leva em consideração a reserva do pos-sível, que relaciona os limites do Estado (principalmente dos recursos pú-blicos) com a efetivação dos direitos sociais. Até mesmo os direitos funda-mentais devem ser satisfeitos as possibilidades orçamentárias e financeiras do ente federativo (binômio necessidade do beneficiário/possibilidade do Poder Público). Em consequência da impossibilidade de se atender todos os direitos sociais, o Estado deve selecionar quais serão satisfeitos e em quais condições (por meio do estabelecimento de requisitos) e situações.

A seletividade significa que, diante da impossibilidade da eliminação de todas as desigualdades sociais, o legislador deve selecionar quais riscos sociais serão tutelados para tentar reduzi-las, em conformidade com a ca-pacidade econômica da Previdência Social14. Em outras palavras, “como os recursos são finitos e as necessidades da população são ‘infinitas’, o sistema tem de estabelecer preferência, de acordo com as possibilidades econômi-co-financeiras”15. Logo, os benefícios e serviços são escolhidos de acordo com opções políticas e observadas as condições econômico-financeiras do orçamento do RGPS. Como consequência desse princípio, apenas terão di-reito aos benefícios e serviços as pessoas que preencherem os requisitos legais. Para Marcelo Leonardo Tavares, a seletividade complementa o prin-cípio da universalidade, pois enquanto este busca a maior proteção possível (de pessoas e riscos), aquela autoriza o Poder Público a utilizar critérios de opção por determinados fatores subjetivos e objetivos16. Exemplo da aplica-

13 TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 3.14 SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 7.15 EDUARDO, ítalo Romano; EDUARDO, Jeane Tavares Aragão; TEIXEIRA, Amauri Santos. Op. cit., p. 18.16 TAVARES, Marcelo Leonardo. Op. cit., p. 4.

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ção prática da seletividade está no art. 201, IV, da Constituição, que restrin-ge a concessão dos benefícios previdenciários de salário-família e auxílio--reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda.

Dentro do rol de benefícios previdenciários, é possível afirmar, sem qualquer receio de equívoco, que os benefícios destinados aos dependentes dos segurados – auxílio-reclusão e pensão por morte – são os que se apre-sentam como os mais criticados e, por consequência, sobre os quais pairam os pedidos mais recorrentes de supressão ou redução de sua oferta.

Sem desconsiderar a importância das críticas formuladas ao benefí-cio de auxílio-reclusão – que mereceriam um outro artigo com este único objeto –, mantém-se aqui o foco nas críticas apresentadas ao benefício de pensão por morte.

Assim é que se podem elencar algumas das críticas apresentadas sob esse aspecto ao benefício da pensão por morte: a dependência presumi-da da primeira categoria de dependentes; a vitaliciedade do benefício para cônjuges e companheiros; a inexigibilidade de carência para a concessão do benefício; e a integralidade do benefício se comparado ao que haveria de ser pago – caso cumprido o fato gerador – para o segurado na percepção de uma aposentadoria.

As alterações promovidas pela MP 664/2014 e pela Lei nº 13.135/2015 tiveram como objeto alterar as regras de concessão e cálculo da pensão por morte, tendo como fundamento justamente a combinação entre tais objeti-vos e, como seu fim, a efetivação dos equilíbrios financeiro e atuarial.

Em seguida, passa-se à análise dessas mudanças.

3 alteraçÕeS PromovIdaS Pela mP 664/2014

De início, deve-se deixar claro novamente que nem todas as inova-ções trazidas pela medida provisória foram mantidas. Ao contrário, a maior parte delas não entrou em vigor. A título ilustrativo, e para destacar a sinali-zação dada pelo Executivo federal para negociar alterações legislativas futu-ras com o Congresso Nacional, neste tópico serão vistas todas as mudanças promovidas pela MP 664/2014, inclusive aquelas que não foram mantidas pela Lei nº 13.135/2015.

A Medida Provisória nº 664, de 30 de dezembro de 2014, modificou diversas regras dos benefícios de pensão por morte, auxílio-doença e apo-sentadoria por invalidez.

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A pensão por morte foi o benefício previdenciário que teve o maior número de alterações, com dois objetivos principais: reduzir o valor de sua Renda Mensal Inicial (RMI) e limitar o acesso dos dependentes do segurado ao benefício.

Desde o Fórum Nacional de Previdência, em 2007, o Ministério da Previdência Social realiza pesquisas e desenvolve propostas de alteração da regulamentação da pensão por morte no RGPS, com o objetivo de re-duzir as despesas com seu custeio, especialmente a partir da redução da RMI (que é integral desde 1995) e do afastamento de seu caráter vitalício. A MP 664/2014 alcançou na íntegra o primeiro objetivo, e parcialmente o segundo.

Uma mudança importante pretendida com a MP 664/2014 foi o acréscimo do requisito carência para a concessão da pensão por morte (ao lado do óbito, da qualidade de segurado do falecido e da qualidade de de-pendente do postulante). Desde a sua redação original, a Lei nº 8.213/1991 não prevê qualquer período de carência para a pensão, consistente no “[...] número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o benefi-ciário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências” (art. 24).

O RGPS observa a lógica dos seguros privados, ao dispensar a carên-cia para um fato imprevisível, um evento não programado.

Contudo, a MP 664/2014 inseriu o inciso IV ao art. 25 da Lei nº 8.213/1991, fixando a carência de 24 contribuições para a pensão por morte17.

Recorda-se, ainda, da regra da recuperação das contribuições para a carência após a perda da qualidade de segurado desde que, no retorno, seja efetuado o recolhimento de 1/3 da carência (parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.213/1991)18. Portanto, caso o segurado que já tivesse recolhido (pelo menos) 24 contribuições viesse a perder essa qualidade e, posterior-mente, retornasse ao RGPS, deveria recolher, no mínimo, 8 contribuições (1/3 da carência de 24), para que seus dependentes tivessem direito à pen-são por morte.

17 “IV – pensão por morte: vinte e quatro contribuições mensais, salvo nos casos em que o segurado esteja em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez.”

18 “Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.”

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Como exceção da MP 664/2014, não seria exigido o período de ca-rência quando, na data do óbito, o segurado recebesse benefício de auxílio--doença ou de aposentadoria por invalidez. Recorda-se que esses dois be-nefícios, por sua vez, exigem a carência de 12 contribuições (art. 25, I, da Lei nº 8.213/1991), dispensada nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa, ou de doença profissional do trabalho, ou de doença especificada em norma regulamentar.

Assim, a MP 664/2014 levaria a três situações diferenciadas de carên-cia. A pensão por morte seria concedida com a carência de: (a) 24 contribui-ções, como regra; (b) o recebimento, pelo segurado, de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez na data do óbito, benefícios que exigem a carência de 12 contribuições; (c) e a pensão poderia ser deferida ainda que o segurado tivesse recolhido apenas uma contribuição, desde que na data de seu falecimento estivesse recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez em alguma das hipóteses de dispensa de carência (acidente de qualquer natureza ou causa, ou de doença profissional do trabalho, ou de doença especificada em norma regulamentar). Ressalta-se que a dispensa de carência não isenta da filiação ao RGPS, o que pressupõe, no mínimo, o recolhimento de uma contribuição.

Contudo, tais regras de carência para a pensão por morte não foram mantidas pela Lei nº 13.135/2015.

A renda mensal inicial do benefício também sofreu modificação sig-nificativa pela MP 664/2014, voltando a ser inferior a 100% do salário de benefício: voltaria a ser de 50% da aposentadoria que o segurado recebe ou (em caso negativo) de aposentadoria por invalidez calculada na data do óbito. Esse percentual seria acrescido de uma cota de 10% para cada dependente, até o total máximo de 5 cotas (e, consequentemente, no li-mite de 100%). Assim, por exemplo, se o segurado falecido tivesse como dependente apenas sua esposa, a RMI da pensão corresponderia a 60% da aposentadoria; caso houvesse também um filho menor de 21 anos de idade, o benefício seria deferido no percentual de 70% (mas será dividido em duas partes iguais para os dependentes).

Recorda-se que a Lei nº 3.807/1960 (LOPS – Lei Orgânica da Previ-dência Social) estabelecia regra similar, de 50% do valor da aposentadoria que o segurado recebia (ou a que teria direito) na data do óbito, acres-cido de 10% por dependente (art. 37)19. Na redação originária do art. 75

19 “Art. 37. A importância da pensão devida ao conjunto dos dependentes do segurado será constituída de uma parcela familiar, igual a 50% (cinqüenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito se na data do seu falecimento fosse aposentado, e mais tantas parcelas iguais, cada

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da Lei nº 8.213/1991 o valor era de 80%, acrescido de no máximo duas cotas de 10%, mas passou a ser de 100% com a entrada em vigor da Lei nº 9.032/1995, que modificou o caput do citado art. 75. Esse valor total seria dividido em cotas iguais entre todos os dependentes. Por exemplo, um benefício concedido para mulher e filho (70%) seria dividido no percentual de 35% da RMA (segurado falecido aposentado) ou da RMI da aposentado-ria por invalidez (segurado falecido não aposentado) para cada dependente.

Além disso, o § 1º do art. 75 da Lei nº 8.213/1991 (inserido pela MP 664/2014) preveria expressamente que a cota individual cessa com a perda da qualidade de cada dependente20. Logo, no exemplo citado, de benefício concedido para mulher e filho no percentual de 70% (35% para cada um), quando o segundo completasse 21 anos de idade (e não fosse inválido ou civilmente incapaz) o benefício passaria a corresponder a 60% da aposenta-doria do segurado (a que recebia ou teria direito) e essa cota seria recebida integralmente pela esposa. Haveria, portanto, uma redução do valor abso-luto (de 70% para 60%) e um aumento do valor relativo (cota recebida pela dependente, de 35% para 60%).

Em suma, e independentemente das mudanças, as cotas da pensão por morte permanecem individuais e personalíssimas.

Ainda que mantido o percentual de 100%, não há uma garantia, para o futuro, de que as cotas permanecerão sempre nesse patamar (o que, reite-ra-se, observa-se apenas desde 1995).

Por sua vez, o § 2º do art. 75 da Lei nº 8.213/1991 (também incluído pela MP 664/2014) disporia sobre o rateio da pensão por morte e o acrésci-mo de uma cota de 10%, quando um dos dependentes fosse filho órfão de pai e mãe21. Contudo, essa regra não se aplicaria quando o filho recebesse mais de uma pensão, por exemplo, em virtude do óbito do pai e da mãe. Porém, se a mãe não fosse segurada, o filho receberia a pensão do pai e duas cotas de 10%).

Contudo, a Lei nº 13.135/2015 também não manteve essas normas da MP 664/2014 acerca da renda mensal inicial e das cotas, mantendo-se a

uma, a 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos forem os dependentes do segurado, até o máximo de 5 (cinco).”

20 “§ 1º A cota individual cessa com a perda da qualidade de dependente, na forma estabelecida em regulamento, observado o disposto no art. 77.”

21 “§ 2º O valor mensal da pensão por morte será acrescido de parcela equivalente a uma única cota individual de que trata o caput, rateado entre os dependentes, no caso de haver filho do segurado ou pessoa a ele equiparada, que seja órfão de pai e mãe na data da concessão da pensão ou durante o período de manutenção desta, observado: I – o limite máximo de 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento; e II – o disposto no inciso II do § 2º do art. 77.”

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regra do caput do art. 75 da Lei nº 8.213/1991, de 100% do valor da apo-sentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.

4 leI Nº 13.135/2015: aS mudaNçaS fINaIS?

Na deliberação legislativa sobre a MP 664/2014, com um número de emenda superior a 500, discutiram-se não apenas as mudanças pretendidas pelo Executivo, mas também outras inovações promovidas pelos parlamen-tares (que abrangeram, inclusive, a extinção do fator previdenciário, que será objeto de outro texto). Com isso, a maior parte das “novas” regras da pensão por morte foi excluída e, por enquanto, as mudanças vistas no tópi-co anterior permanecem no passado.

A primeira modificação realizada pela MP 664/2014, e mantida pela Lei nº 13.135/2015, foi a inserção do § 1º ao art. 74 da Lei nº 8.213/1991.

O texto originário, previsto na MP 664/2014, era o seguinte: “Não terá direito à pensão por morte o condenado pela prática de crime doloso de que tenha resultado a morte do segurado”.

A Lei nº 13.135/2015 realizou uma pequena mudança de redação, para fazer um esclarecimento importante, e manteve o restante do conteú- do da norma. Assim, o art. 74 da Lei nº 8.213/1991 teve acrescentada a seguinte regra: “§ 1º Perde o direito à pensão por morte, após o trânsito em julgado, o condenado pela prática de crime de que tenha dolosamente re-sultado a morte do segurado”.

Em suma, exclui-se o direito ao benefício de quem, mesmo sendo dependente do segurado, for condenado pela prática de crime doloso que tenha dado causa ao óbito (e, em consequência, provocado o fato gerador da pensão). A regra foi criada após alguns casos rumorosos no país, em que filhos foram coautores do homicídio dos pais. Contudo, mesmo em data anterior à mudança, na prática, o Judiciário mantinha os indeferimentos ad-ministrativos e não reconhecia o direito à pensão por morte do dependente que tivesse dado causa ao óbito.

A norma do § 1º do art. 74 da Lei nº 8.213/1991 estabelece três re-quisitos para a exclusão do direito do dependente ao benefício: (a) a prática de crime doloso contra a vida, que tenha dado causa à morte do segurado; (b) a qualidade de dependente do agente do delito; (c) e a condenação do dependente por esse delito, em ação penal, com decisão transitada em julgado (acréscimo realizado pela Lei nº 13.135/2015, para esclarecer a necessidade de coisa julgada).

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Trata-se de exclusão absoluta: não há possibilidade de, após o trânsi-to em julgado da condenação em ação penal, ser reconhecido o direito ao dependente em processo previdenciário.

Além disso, a MP 664/2014 inclui um § 2º ao art. 74 da Lei nº 8.213/1991, que exclui o cônjuge, o companheiro ou a companheira do direito ao benefício quando o início da relação se deu em período inferior a 2 anos antes da morte22. Essa regra teria duas exceções: ainda que o ca-samento ou a união estável tenha um período inferior a 2 anos na data do falecimento, o cônjuge ou companheiro/a tem direito à pensão quando (a) o óbito for causado por acidente posterior ao casamento ou ao início da união estável; (b) ou se cônjuge ou companheiro/a dependente seja incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação.

Contudo, apesar de manter a inserção do § 2º ao art. 74 da Lei nº 8.213/1991, a Lei nº 13.135/2015 também promoveu mudanças, retiran-do a fixação de tempo mínimo para caracterizar a fraude:

§ 2º Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no ca-samento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Assim, de uma regra de presunção absoluta de fraude contra o RGPS que era prevista na MP 664/2014, a redação final sancionada do § 2º do art. 74 permite a constatação, caso a caso, da ocorrência de simulação ou fraude no fato gerador da dependência dos dependentes preferenciais côn-juges e companheiros.

Outra exigência importante está na necessidade de processo judicial prévio para o cancelamento do benefício.

Desse modo, o INSS pode: (a) indeferir o requerimento de pensão por morte formulado por alegado cônjuge ou companheiro, quando constatar a existência de simulação ou fraude no casamento ou na união estável; (b) e, após a concessão (administrativa ou judicial), a pensão erroneamente con-

22 O dispositivo teria a seguinte redação: “§ 2º O cônjuge, companheiro ou companheira não terá direito ao benefício da pensão por morte se o casamento ou o início da união estável tiver ocorrido há menos de dois anos da data do óbito do instituidor do benefício, salvo nos casos em que: I – o óbito do segurado seja decorrente de acidente posterior ao casamento ou ao início da união estável; ou II – o cônjuge, o companheiro ou a companheira for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade remunerada que lhe garanta subsistência, mediante exame médico-pericial a cargo do INSS, por doença ou acidente ocorrido após o casamento ou início da união estável e anterior ao óbito”.

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cedida nessas hipóteses de simulação ou fraude só pode ser cancelada por meio de processo judicial.

A terceira mudança diz respeito às regras de duração e cessação da pensão por morte, que foram substancialmente alteradas pela MP 664/2014 e pela Lei nº 13.135/2015, principalmente para o cônjuge ou companheiro.

Inicialmente, padronizações de texto (em comparação ao rol de de-pendentes do art. 16 da Lei nº 8.213/1991) foram realizadas pela medida provisória e pela lei citadas, com o fim de esclarecer o termo final da pensão por morte concedida a filhos e irmãos do segurado falecido.

A MP 664/2014 alterou o inciso III do § 2o do art. 77 da Lei nº 8.213/1991, fixando a cessação da pensão para o inválido na data da cessação da invalidez e para o deficiente mental no dia da cessação da interdição23.

Por sua vez, a Lei nº 13.135/2015 modificou os incisos II e III da cita-da norma, que passa a ter a seguinte redação:

Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.

[...]

§ 2º O direito à percepção de cada cota individual cessará:

[...]

II – para filho, pessoa a ele equiparada ou irmão, de ambos os sexos, ao com-pletar 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se for inválido ou com deficiência;

III – para filho ou irmão inválido, pela cessação da invalidez.

Entretanto, conforme já adiantado, as transformações principais estão na fixação de um período de duração da pensão por morte para os de-pendentes cônjuges e companheiros, estabelecido no inciso V do § 2º do art. 77 da Lei nº 8.213/1991:

§ 2º O direito à percepção de cada cota individual cessará:

[...]

IV – pelo decurso do prazo de recebimento de pensão pelo cônjuge, compa-nheiro ou companheira, nos termos do § 5º.

V – para cônjuge ou companheiro:

23 “III – para o pensionista inválido pela cessação da invalidez e para o pensionista com deficiência mental, pelo levantamento da interdição.”

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a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afas-tamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas b e c;

b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segu-rado;

c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável:

1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;

2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;

3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;

4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;

5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;

6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.

§ 2º-A. Serão aplicados, conforme o caso, a regra contida na alínea a ou os prazos previstos na alínea c, ambas do inciso V do § 2º, se o óbito do segu-rado decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, independentemente do recolhimento de 18 (dezoito) contri-buições mensais ou da comprovação de 2 (dois) anos de casamento ou de união estável.

§ 2º-B. Após o transcurso de pelo menos 3 (três) anos e desde que nesse perío do se verifique o incremento mínimo de um ano inteiro na média nacio-nal única, para ambos os sexos, correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira ao nascer, poderão ser fixadas, em números inteiros, novas idades para os fins previstos na alínea c do inciso V do § 2º, em ato do Ministro de Estado da Previdência Social, limitado o acréscimo na compara-ção com as idades anteriores ao referido incremento.

[...]

§ 5º O tempo de contribuição a Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) será considerado na contagem das 18 (dezoito) contribuições mensais de que tratam as alíneas b e c do inciso V do § 2º.

Há, dessa forma, seis regras de duração da pensão por morte para o cônjuge ou companheiro: (a) a cessação da invalidez ou deficiência, quan-

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do o dependente for inválido ou tiver deficiência (regra nova, que não se aplicava aos cônjuges e companheiros), desde que observados os períodos mínimos previstos nas regras seguintes; (b) pelo prazo de 4 meses, a partir da concessão, quando o segurado tiver recolhido até 18 contribuições para o RGPS; (c) pelo prazo de 4 meses, a partir da concessão, quando o casamen-to ou a união estável entre segurado e dependente tiver iniciado em data inferior a 2 anos antes do dia do óbito; (d) excepcionalmente, o prazo de 4 meses não se aplica quando o falecimento do segurado tiver sido causado por acidente de qualquer natureza ou por doença profissional ou do traba-lho (mesmo que tiver recolhido menos de 18 contribuições ou o casamento ou a união estável não observar o prazo mínimo de 2 meses), aplicando-se, neste caso, a regra a para o dependente inválido ou com deficiência, ou as regras e ou f, quando o dependente não for inválido ou portador de defi-ciência; (e) por um período variável entre 3 a 20 anos, quando observados três requisitos, que são (e.1) a idade mínima do dependente, variável até 44 anos, na data do óbito do seu cônjuge ou companheiro, (e.2) o recolhi-mento de pelo menos 18 contribuições ao RGPS pelo segurado falecido, (e.3) e a existência do casamento ou da união estável por um período supe-rior a 2 anos até a data do óbito; (f) e a pensão é vitalícia em uma hipótese, quando observados três requisitos, que são (f.1) a idade mínima de 44 anos do dependente na data do óbito do seu cônjuge ou companheiro, (f.2) o recolhimento de pelo menos 18 contribuições ao RGPS pelo segurado fale-cido, (f.3) e a existência do casamento ou da união estável por um período superior a 2 anos até a data do óbito.

Por exemplo, a pensão por morte pode ser concedida pelo período de apenas 4 meses, quando: o segurado tiver recolhido menos de 18 contribui-ções, ou o beneficiário for cônjuge ou companheiro e essa união tiver sido mantida por período inferior a 2 anos. Da mesma forma, quando o segurado tiver recolhido mais de 18 contribuições, mas o casamento tiver perdurado por 16 meses antes do falecimento, a pensão por morte será deferida ao cônjuge ou companheiro pelo prazo de 4 meses.

Assim, o § 2º do art. 77 prevê um prazo de duração da pensão por morte, que não é mais necessariamente vitalícia, quando concedida ao côn-juge ou companheiro. Com o uso de um critério já existente no cálculo do fator previdenciário, a pensão por morte passa a ter um prazo, fixado com base na expectativa de sobrevida do dependente-beneficiário.

Destaca-se, por fim, que a MP 664/2014 e a Lei nº 13.135/2015 não alteraram a exigência da qualidade de segurado na data do óbito e a veda-

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ção ao recebimento de mais de uma pensão por falecimento de cônjuge ou companheiro (art. 124, VI, da Lei nº 8.213/1991).

coNcluSÕeS

O artigo tratou do benefício de pensão por morte no RGPS, partindo de suas características básicas, no intuito de analisar suas recentes mudan-ças legislativas.

Em seguida, foram destacados os princípios diretamente relacionados às reformas legais da pensão por morte. Na universalidade, a cobertura tem ligação com os fatos sociais selecionados pelo Poder Público para integrar suas políticas sociais, enquanto o atendimento se relaciona com as pessoas beneficiadas. Em outras palavras, a cobertura diz respeito ao objeto e o atendimento com os sujeitos da proteção social. Por sua vez, a seletividade leva em conta a reserva do possível, o que leva a Administração Pública a selecionar quais riscos sociais serão satisfeitos e em quais condições (por meio do estabelecimento de requisitos) e situações.

Viu-se que a MP 664/2014 trazia como inovações ao benefício de pensão por morte: (a) a instituição de carência, de 24 contribuições; (b) a redução da renda mensal inicial, com parâmetros similares aos existentes antes da entrada em vigor da Lei nº 9.032/1995, a partir de 50%; (c) o rateio das cotas da pensão e as regras das cotas remanescentes após a cessação para cada dependente.

Contudo, tais mudanças não foram mantidas na Lei nº 13.135/2015, que refletiu a intenção do Legislativo (em detrimento dos interesses do Exe-cutivo) e manteve as alterações sobre a pensão por morte em três aspectos: (a) a exclusão absoluta do direito dos dependentes à pensão, observados os requisitos previstos no § 1º do art. 74 da Lei nº 8.213/1991, relacionados à prática de crime doloso contra a vida, que tenha dado causa à morte do segurado, e com condenação penal transitada em julgado; (b) a possibilida-de de cancelamento da pensão por morte, por meio de processo judicial, concedida em casos de fraude ou simulação no casamento ou união está-vel, nos termos do § 2º do art. 74 da Lei nº 8.213/1991; (c) e a imposição de período de duração e data de cessação da pensão por morte para cônjuges e companheiros, previstas no § 2o do art. 77 da Lei nº 8.213/1991.

Portanto, ainda que constantes do rol de dependentes do art. 16 da Lei nº 8.213/1991, não tem direito à pensão por morte: (a) quem for con-denado pela prática de crime doloso que tenha dado causa ao falecimento do segurado; (b) e o suposto cônjuge ou companheiro que tiver praticado

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simulação ou fraude no ato jurídico (casamento ou união estável) que deu origem ao reconhecimento da qualidade de dependente.

Ademais, a pensão por morte não é mais necessariamente vitalícia, quando concedida ao cônjuge ou companheiro, de acordo com as regras vistas anteriormente.

Destaca-se, por fim, que a Lei nº 13.135/2015 entrou em vigor na data da sua publicação, em 18 de junho de 2015, com algumas exceções, entre as quais está a regra inserida no art. 77, § 2º, IV, da Lei nº 8.213/1991, sobre a cessação da pensão por morte para filho ou irmão com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, que entrará em vigor no prazo de 2 anos a partir da publicação da Lei nº 13.135/2015.

As modificações promovidas pela Lei nº 13.135/2015, sobre a pensão por morte e outros benefícios do RGPS, certamente não se tratam da “fron-teira final” pretendida pelo Poder Executivo federal. Além de não conter a maior parte das mudanças pretendidas por meio da MP 664/2014, esta deve ser vista como uma sinalização da maior parte das características futuras da pensão por morte no Regime Geral de Previdência Social.

referÊNcIaSBRAGANÇA, Kerlly Huback. Direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previ-denciário. 11. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009.

DUARTE, Marina Vasques. Direito previdenciário. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005.

EDUARDO, Ítalo Romano; EDUARDO, Jeane Tavares Aragão; TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 7. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2002.

VIEIRA, Marcos André Ramos. Manual de direito previdenciário. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2002.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

A Nova Pensão por Morte Previdenciária

SéRgIO hEnRIquE SALvADOREspecialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP e em Direito Processual Civil pela PUC/SP, Ex-Presidente da Comissão de Assuntos Previdenciários da 23ª Subseção da OAB/MG, Professor do IBEP/SP, Professor dos Cursos Êxito, FEPI e Unisal, Sócio do Escritório Advocacia Especializada Trabalhista & Previdenciária, Advogado em Minas Gerais. Escritor pelas Editoras Conceito, LTr e Revista dos Tribunais. Palestrante.

Vivemos uma acalorada discussão acerca de profundas reformas de direitos dos trabalhadores, tudo ao argumento principal de ajustes e metas econômicas.

Por certo, questões como direitos dos domésticos, prescrição do FGTS, alteração de critérios para acessibilidade do seguro-desemprego, ter-ceirização, entre outros, possuem destacadas e polêmicas discussões em todo o País.

No campo previdenciário, essas alterações não foram diferentes, ou seja, também atraíram o olhar governamental.

Especificamente, no apagar das luzes do ano de 2014, precisamente no dia 30 de dezembro, o mundo jurídico conheceu a edição da Medida Provisória nº 664/2014, que pretendia alterar significativamente e basica-mente dois benefícios: auxílio-doença e pensão por morte.

Cabe aqui, de forma sucinta, uma análise das mudanças introduzidas na pensão por morte.

O primeiro comentário, como não poderia deixar de ser, envolve a forma, o caminho adotado da mudança, quer seja via medida provisória, instrumento esse altamente equivocado para a mudança proposta.

Pois bem, a MP existiu, foi parcialmente aprovada e seu conteúdo foi convertido também na Lei nº 13.135/2015, que trouxe as mudanças para a pensão por morte.

Agora, a pensão por morte deixará de ser vitalícia, pois dependerá da idade da viúva pensionista, que, conforme o caso, receberá somente por certa época. Por exemplo, somente será ad eternum na ocasião de a viúva ou o viúvo ter mais de 44 anos de idade.

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Também, que outros requisitos foram incrementados à obtenção des-se benefício.

O primeiro deles é o tempo mínimo de contribuições nos 18 meses que antecederem o óbito, ou seja, deverá ser verificada a existência desses recolhimentos, algo semelhante à carência, mas sem sê-lo.

Outro pressuposto é o período de convivência conjugal ou pela via da união estável, ou seja, deverá a viúva ou o viúvo também comprovar que conviviam dentro desses relacionamentos ao período mínimo de vinte e quatro meses antes do óbito.

E mais, a pensão penal, ou seja, se comprovado que o pensionista agiu dolosamente para a prática do óbito do instituidor do benefício, após o trânsito em julgado, terá a pensão cancelada.

Inovou a legislação ainda quanto à pensão do dependente inválido, ampliando as hipóteses de cabimento.

Em linhas gerais, essas as mais destacadas mudanças, sendo certo que vigentes desde a edição da Lei nº 13.135/2015, que não reproduziu, a contragosto do governo, todo o conteúdo da MP 664/2014.

Por óbvio que alguns benefícios merecem reformas, aprimoramentos e alterações, tendo em vista que a norma deve encampar os fenômenos sociais.

Lado outro, essa nova pensão por morte, de longe, foi construída em meio a um debate técnico, científico, maduro, em tempo razoável com toda a sociedade, mas, infelizmente, em um curso espaço de tempo, onde a pressa e a pressão política conduzem a desajustes e retiradas de direitos mínimos.

Temos o princípio que veda o retrocesso social, devendo ser essa a base de qualquer discussão politizada sobre eventual reforma previden-ciária, pois só assim terá supremacia sobre as frágeis questões econômicas.

A sociedade, a bem da verdade, espera reformas, mas democratica-mente construídas, longe do equivocado caminho das medidas provisórias, aliás, que sempre dão as caras no apagar das luzes.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

Revisão dos Benefícios de Pensão por Morte Concedidos na Vigência da Medida Provisória nº 664/2014: uma Análise à Luz da Judicialização

TATIAnA SADA JORDãOProcuradora Federal.

RESUMO: O presente artigo aborda a revisão automática realizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) na renda mensal dos benefícios de pensão por morte concedidos na vigência da Medi-da Provisória (MP) nº 664/2014, que estabeleceu o valor mensal da pensão por morte em percentual menor. Começa discorrendo acerca do referido benefício. Em seguida, faz uma análise dessa revisão, sob a ótica da judicialização, procurando demonstrar que a expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas não é vantajoso para a sociedade e que a solução dos conflitos de interesses, através de meios alternativos, como a revisão automática realizada pela Autarquia Federal, impede ônus indevido, além de preservar o modelo institucional contemporâneo.

PALAVRAS-CHAVE: Medida Provisória nº 664/2014; revisão; pensão por morte; judicialização.

INtrodução

O benefício previdenciário de pensão por morte encontra amparo na Constituição da República, no art. 201, I e V, bem como nos arts. 74 a 79 da Lei nº 8.213/1991, sendo devido em razão da ocorrência do evento morte do segurado, independentemente se este estava na atividade ou aposentado.

A pensão por morte tem por objetivo proteger a família do segurado falecido, mantendo a sua subsistência com uma qualidade de vida digna, dando, assim, efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Nas lições de Ionas Deda Gonçalves (2005: 180):

Esse fato cria situação de necessidade social, pois aqueles que dependiam economicamente do segurados ficam desamparados sem o auxílio financeiro de quem provinha sua subsistência. Mister se faz a cobertura previdenciária dessa situação, pois nenhum regime previdenciário pode ser considerado completo sem a previsão desse risco social clássico.

Em linhas gerais, são dois os requisitos para a concessão do benefício. O primeiro é a condição de segurado do de cujos na data do falecimento.

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O segundo é a existência de beneficiários na condição de dependentes do segurado.

No que concerne aos dependentes do segurado, o art. 16 da Lei nº 8.213/1991 elenca os beneficiários. Há três classes de dependentes. A primeira classe é composta do cônjuge, da companheira, do companheiro, da ex-mulher e do ex-marido que recebem pensão alimentícia, bem como do filho não emancipado menor de 21 anos ou inválido ou que tenha defici-ência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente. A segunda classe é composta dos pais. A terceira classe, por sua vez, é composta do irmão não emancipado menor de 21 anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente.

Ressalte-se que, atualmente, o conceito de entidade familiar deve comportar interpretação que se coadune com os ditames da nossa Carta Magna. Assim, a união estável homoafetiva – união duradoura, pública e contínua entre duas pessoas do mesmo sexo, estabelecida com o objetivo de constituição de família – deve ser qualificada como entidade familiar, a fim de justificar a concessão de pensão por morte ao companheiro homos-sexual. Nesse sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, colocan-do uma pá de cal sobre esse assunto tão debatido há anos.

O enteado e o menor de 21 anos que estejam sob tutela do segurado possuem os mesmos direitos dos filhos, portanto, são considerados benefi-ciários de primeira classe. Contudo, a legislação exige a comprovação da dependência econômica (art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/1991). Trata-se de exceção à regra, tendo em vista que a dependência econômica dos depen-dentes da primeira classe é presumida (art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/1991). Por sua vez, os demais dependentes devem comprovar essa dependência.

Vale destacar que, no âmbito do direito civil, a menoridade cessa aos 18 anos, conforme dispõe o Código Civil de 2002. Já na seara do direito previdenciário, a menoridade cessa apenas aos 21 anos. É bem verdade que tramita no Congresso Nacional projeto de lei para estender o direito à pensão por morte aos filhos e dependentes até os 24 anos, quando estudan-tes. Contudo, não é menos verdade que, atualmente, a legislação previden-ciária é clara: a pensão deve se extinguir aos 21 anos. Em razão do imenso déficit previdenciário existente, não se pode permitir privilégio desse tipo que beneficie uma classe de dependentes em detrimento de outras classes. Ademais, é preciso lembrar que a Previdência Social tem cunho social, de-vendo priorizar a classe mais pobre, que apenas remotamente conseguiria

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beneficiar-se do mencionado projeto de lei, já que, com raríssimas exce-ções, consegue chegar à universidade.

O art. 16, § 1º, da Lei nº 8.213/1991 traz a chamada cláusula da exclusão, ao estabelecer que, em havendo dependentes de uma classe, os dependentes das classes seguintes não têm direito ao benefício. Já o art. 77, caput, da Lei nº 8.213/1991 trata da cláusula de concorrência, ao determi-nar que, na hipótese de haver mais de um dependente da mesma classe, o benefício será rateado entre todos, em igualdade de condições, de modo que a pensão por morte será rateada entre todos em cotas iguais. Por fim, o art. 77, § 1º, da Lei nº 8.213/1991 discorre sobre a cláusula da reversão, em que a cota-parte daquele cujo direito ao benefício cessar por algum motivo será revertida em favor dos demais.

Na contramão da judicialização: o INSS revisa automaticamente as pensões por morte concedidas na vigência da MP 664.

Recentemente, o Governo Federal promoveu algumas alterações, nas regras do benefício de pensão por morte, que fazem parte do pacote de ajuste fiscal. Entre essas alterações, a MP 664/2014 estabeleceu o valor mensal da pensão por morte em 50%, acrescido de 10% para cada depen-dente, com vigência a partir de 01.03.2105. Contudo, quando da conversão dessa medida provisória na Lei nº 13.135, de 17.06.2015, manteve-se o cálculo da pensão em 100%. Assim, as pensões que foram concedidas entre 01.03.2015 a 17.06.2015 devem ser revistas.

O INSS revisou administrativamente os 44.718 benefícios de pen-são por morte concedidos de acordo com os critérios estabelecidos na MP 664/2014. Esses benefícios tiveram a renda mensal alterada conforme a Lei nº 13.135/2015, com efeitos financeiros no mês de agosto.

Além de receber o pagamento com a renda mensal atualizada, os beneficiários que têm direito à revisão também receberam, na folha de agosto, as diferenças decorrentes dos meses em que o benefício foi pago com base na regra da MP 664/2014. A Autarquia Federal estima que foi pago o valor de R$ 96 milhões a título de atrasados decorrentes dessa revisão.

QuAntidAde de beneFíCios de pensão por morte (ConCedidos nA vigênCiA dA mp 664), revisAdAs, por unidAde dA FederAção

UF QUANTIDADE

Alagoas

Amazonas

350

212

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UF QUANTIDADE

Bahia

Ceará

Mato Grosso do Sul

Espírito Santo

Goiás

Maranhão

Mato Grosso

Minas Gerais

Pará

Paraíba

Paraná

Pernambuco

Piauí

Rio de Janeiro

Rio Grande do Norte

Rio Grande do Sul

Santa Catarina

São Paulo

Sergipe

Distrito Federal

Acre

Amapá

Rondônia

Roraima

Tocantins

1.323

762

447

981

1.034

347

408

5.148

425

436

2.701

1.109

291

5.482

447

3.674

2.158

15.782

251

544

64

52

155

31

104

Fonte: INSS (2015)

Trata-se de revisão automática que não dependeu da iniciativa do beneficiário. Essa postura do INSS está em consonância com a mudança de paradigma na resolução dos conflitos. A expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas não é vantajoso para a sociedade. Assim, devemos olhar com ressalva aquela ideia de que o Judi-ciário é visto como “guardião das promessas” (Garapon, 1996: 15) – única autoridade a quem ainda é possível pedir salvação –, sendo frequentemente acionado para dar efetividade aos direitos. É preciso criar meios alternativos de resolução dos conflito. E foi exatamente isso que o INSS fez ao revisar automaticamente os benefícios de pensão por morte concedidos na vigên-cia da MP 664/2014, evitando, dessa forma, a judicialização de diversas demandas.

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Uma obra de grande influência no tema judicialização foi The Global Expansion of Judicial Power, organizada por Neal Tate e Torbjörn Vallinder (1995). Eles afirmam que a judicialização da política pode se dar de diversas formas, com destaque para duas que consideram as principais. A primeira é a mais comum e resulta da atuação do Judiciário por meio da revisão judicial dos atos do Legislativo e do Executivo, com base na Constituição e nos mecanismos de checks and balances. A segunda ocorre por meio da utilização de procedimentos tipicamente judiciais pelo Executivo – como no caso dos Tribunais ou juízes administrativos – e Legislativo – como no caso das Comissões Parlamentares de Inquérito.

Em nosso País, a judicialização passou a ser objeto de estudo somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. O livro intitulado A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, de autoria de Luiz Werneck Vianna et cols (1998), pode ser considerado pioneiro no tratamen-to desta questão em nosso meio acadêmico. Nele a judicialização é estu-dada a partir das transformações ocorridas com o advento da Constituição de 1988, que ampliou os instrumentos de proteção judicial, permitindo um maior protagonismo do Poder Judiciário.

Contudo, essa mesma judicialização possui aspectos negativos. O Ju-diciário, cada vez mais, está abarrotado de demandas, às vezes descabidas, que poderiam ser resolvidas pelo diálogo direto entre as partes. A conversão dos litígios os mais banais em demandas judiciais acaba assoberbando o Judiciário e acarretando gastos excessivos ao Estado. Assim, a incapacidade de diferentes atores em resolverem suas desavenças por meio do diálogo, em última análise, enseja a banalização da atuação do Judiciário, o que é algo indesejável.

A judicialização tem exposto o Judiciário “à questão social em sua expressão mais bruta”, fazendo-o tomar conhecimento “dos dramas vividos pelos segmentos mais pobres da população, dos seus clamores e expectati-vas em relação à justiça” (Vianna et cols, 1999: 155).

É, portanto, dentro deste contexto de mudança de paradigma para resolver os conflitos de interesse que o INSS decidiu promover a revisão au-tomática de 44.718 benefícios de pensão por morte, evitando, dessa forma, o ajuizamento de demandas idênticas, as chamadas ações de massa.

coNcluSão

Vimos que as alterações trazidas pela MP 664/2014 para o cálculo do benefício de pensão por morte fazem parte do ajuste fiscal realizado pelo Governo Federal. Contudo, inúmeras pressões foram exercidas, por diversos setores, como sindicatos, parlamentares, etc., para que fosse der-

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rubada a nova regra e, com isso, mantida a forma de cálculo anterior. Com efeito, a medida provisória convertida na Lei nº 13.135/2015 manteve o valor mensal da pensão por morte em 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.

Diante desse quadro, o INSS, na contramão da judicialização, deci-diu revisar automaticamente 44.718 benefícios de pensão por morte con-cedidos de acordo com os critérios estabelecidos na MP 664/2014. Essa postura assumida pelo INSS impediu que diversas ações fossem ajuizadas, contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura de resolução de con-flito de interesses através de meios alternativos, evitando-se, dessa forma, a judicialização de demandas. E mais, impediu ônus indevido, consistente na condenação ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios.

Com efeito, em última análise, o INSS, ao promover a revisão auto-mática das pensões por morte, preservou o modelo institucional contempo-râneo, na medida em que, em primeiro lugar, permitiu que não fosse sub-traída da Administração Pública atribuição que lhe é peculiar, no sentido de dar cumprimento aos mandamentos legais. Em segundo lugar, permitiu que não fosse suprimida da Administração Pública o poder/dever de analisar o caso concreto, evitando a produção desnecessária de lides. Por fim, evitou que fosse subvertida a organização constitucional dos Poderes, visto que o Judiciário, ao determinar a revisão dos benefícios, estaria assumindo atribui-ções típicas do Poder Executivo.

referÊNcIaSGARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessa. Rio de Janeiro: Revan, 1996.

GONÇALVES, Ionas Deda. Direito previdenciário. São Paulo: Saraiva, 2005.

INSTITUTO Nacional do Seguro Social. Pensão por morte: benefícios concedidos na vigência da MP 664 são revisados pelo INSS, 2015. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/2015/08/pensao-por-morte-beneficios-concedidos-na-vigencia-da--mp-664-sao-revisados-pelo-inss/> Acesso em: 17 nov. 2015.

VALLINDER, T.; TATE, C. Neal. The Global Expansion of Judicial Power. New York: New York University, 1995.

VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

O Novo Regime de Pensão por Morte no INSS e o Conflito com a Jurisprudência do STF e do STJ

vIníCIuS PAChECO FLumInhAnAdvogado em Campinas/SP, Especialista em Direito Previdenciário pela EPD, Mestre em Direi-to pela Unimep, Doutorando em Direito no Mackenzie, Professor Universitário.

muRILO REZEnDE DOS SAnTOSAdvogado em Campinas/SP, Mestre em Direito pela PUC-SP, Doutorando em Direito na USP, Professor Universitário.

PALAVRAS-CHAVE: Previdência Social; pensão por morte; dependência econômica; presunção legal; constitucionalidade.

RESUMO: No texto serão abordadas as recentes mudanças promovidas no regime geral de previ-dência em relação ao benefício de pensão por morte. O propósito do artigo é mostrar que, entre todas as mudanças efetuadas pela Lei nº 13.135/2015, há uma que merece maior reflexão: o fim da vitaliciedade do benefício para determinados cônjuges e companheiros(as). Essa alteração parece afrontar a jurisprudência firme do STF e do STF, pois ela implica a quebra de uma prestação de cará-ter alimentar – que substitui outra prestação de caráter alimentar (salário) – ao mesmo em que as duas Cortes ressaltam em seu pensamento a irrenunciabilidade da proteção alimentar a quem dela necessita. O fim da vitaliciedade está amparado em uma nova presunção legal que, infelizmente, não comporta exceção. Deste modo, é necessário compreender até que ponto a regra ora vigente se mostra compatível com a ordem jurídica.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A pensão por morte antes e depois da Lei nº 13.135/2015; 1.1 Como era?; 1.2 As razões da mudança segundo o Ministério da Previdência Social; 1.3 Como ficou?; 2 As restri-ções da vitaliciedade para cônjuges e companheiros são legítimas?; 2.1 O caráter substitutivo dos benefícios previdenciários; 2.2 A natureza alimentar da prestação previdenciária e sua irrenunciabi-lidade; 2.3 A ausência de motivação factível para a restrição da vitaliciedade; 3 O futuro da recente reforma à luz do pensamento do STF e do STJ; Conclusão; Referências.

INtrodução

A pensão no regime geral de previdência sempre foi vista por alguns doutrinadores como uma prestação generosa, especialmente por: (1) ter lon-ga duração para os cônjuges e companheiros(as) viúvos; (2) não pressupor prazo mínimo de carência; e (3) basear-se na presunção, nem sempre plau-sível, de dependência econômica do supérstite em relação ao de cujus.

Em meio à recente política de ajuste fiscal do Governo Federal, a pensão sofreu alterações significativas. Amparado no discurso de que as

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mudanças eram necessárias para ajustes técnicos, a nova disciplina trazida pela Lei nº 13.135/2015 aumentou as exigências para a concessão e manu-tenção do benefício.

Entre todas as medidas, as restrições quanto à duração do pagamento do benefício para cônjuges e companheiros parecem ter sido criadas de modo aparentemente incompatível com a jurisprudência consagrada do Su-perior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, deixando assim sérias dúvidas quanto à sua legitimidade. O propósito do presente artigo é apresentar algumas reflexões sobre essas dúvidas.

Deste modo, procurar-se-á primeiramente compreender as novas re-gras para a concessão de pensão. Em seguida, far-se-á uma incursão quan-to aos fundamentos jurídicos e econômicos das prestações previdenciárias, especialmente com os parâmetros do pensamento do STF e do STJ sobre a matéria. Finalmente, o texto tentará verificar se existe compatibilidade entre a jurisprudência dos referidos Tribunais e o fim da vitaliciedade da pensão.

1 a PeNSão Por morte aNteS e dePoIS da leI Nº 13.135/2015

Antes de fazer o cotejo do pensamento do STF e do STJ com as no-vas regras envolvendo a pensão, é mister primeiramente comparar seu atual regime jurídico com a disciplina que vigorava até a edição da Lei nº 13.135/2015.

1.1 Como erA?

Mantendo uma tradição anterior à sua edição, a Lei nº 8.213/1991 exigia basicamente três requisitos para a concessão de pensão no INSS: (1) a morte, conhecida ou presumida, de uma pessoa; (2) a coberta secu-ritária da pessoa falecida pelo sistema previdenciário; (3) e a existência de dependentes para o recebimento da prestação.

Por se tratar de benefício cujo fato gerador está atrelado a um evento com data incerta, a legislação não previa um número mínimo de contribui-ções como pré-requisito para a concessão. Assim, com apenas uma única contribuição previdenciária vinculando o INSS ao falecido, o benefício, em tese, já poderia ser concedido para os dependentes.

Por outro lado, especificamente no caso de cônjuges ou compa-nheiros(as) viúvos, não havia previsão de duração mínima do matrimônio ou da união estável condicionando a concessão do benefício, ou seja, o supérstite poderia se habilitar na pensão ainda que o óbito ocorresse ime-diatamente após a formalização do casamento.

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No caso da união estável, em que pese a Lei nº 9.278/1996 exigir uma convivência duradoura entre os companheiros, tampouco havia na le-gislação previdenciária a previsão de período mínimo de convivência para o supérstite se habilitar no benefício, até porque nem mesmo a lei específica da união estável estabelece um parâmetro temporal.

Para alguns dependentes a duração do benefício poderia levar muitos anos, como é o caso, por exemplo, de filhos menores ou seus equiparados – que recebiam a prestação até completarem os 21 anos. Para os cônjuges e companheiros, porém, a pensão sempre foi vitalícia sob a égide da Lei nº 8.213/1991.

Os técnicos do Ministério da Previdência Social e a própria doutri-na1 sempre apontaram inconsistências neste regime jurídico da pensão por morte, seja porque ele estimulava a prática de fraudes contra o INSS, seja porque gerava gastos desnecessários com dependentes que na verdade não precisavam da prestação previdenciária. Faltava um pretexto político para a alteração legislativa. E ele veio...

1.2 As rAzões dA mudAnçA segundo o ministério dA previdênCiA soCiAl

Em meio à decisão política anunciada no início de 2015 de conter os gastos públicos, o Governo Federal resolveu alterar as regras da pensão por morte por meio da Medida Provisória nº 664, de 30.12.2014.

Na ocasião, o Poder Executivo justificou o ato normativo apontando os defeitos do benefício com os seguintes argumentos na Exposição de Mo-tivos formulada pelo Ministério da Previdência Social, verbis:

Como é do conhecimento de Vossa Excelência, a pensão por morte no âm-bito do RGPS é um benefício concedido aos dependentes do segurado fale-cido, visando preservar a dignidade daqueles que dele dependiam. Ocorre, entretanto, que as regras de acesso a tal benefício têm permitido distorções que necessitam de ajuste [...] Entre os principais desalinhamentos podem ser citados: a) ausência de carência para pensão por morte previdenciária [...] b) ausência de tempo mínimo de casamento ou união estável; c) benefício vitalício para cônjuges, companheiros ou companheiras independentemente da idade.

1 A título de exemplo, podem-se citar os seguintes trabalhos: STEPHANES, Reinhold. Reforma da previdência sem segredos. Rio de Janeiro: Record, 1998; MARTINS, Bruno Sá Freire. As(os) viúvas(os) e o sistema previdenciário. In: Revista Síntese Previdenciária, São Paulo: SíNTESE, n. 48, p. 229-235, maio/jun. 2012; MARTINEZ, Wladimir Novaes. Reforma da Previdência Social. Revista de Direito Social, n. 40, p. 09-32, out./dez. 2010; SALVADOR, Sérgio Henrique. O subjetivismo da dependência econômica no Direito Previdenciário. In: Revista Síntese Previdenciária, São Paulo: SíNTESE, n. 50, p. 25-28, set./out. 2012.

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De fato, a estipulação de um prazo de carência seria um meio eficaz para evitar recolhimentos repentinos dos segurados falecidos, geralmente post mortem, que vinham sendo feitos apenas para garantir a qualidade de segurado e assim permitir o pagamento da pensão.

Não raro se observava que, quando o de cujus não detinha a qualida-de de segurado, estranhamente, uma única contribuição era feita para o mês do óbito, uma vez que o recolhimento se dá sempre no mês seguinte ao da competência a ser recolhida.

Resultado: como a legislação não previa prazo de carência para a pensão, este recolhimento era o bastante para a concessão do benefício. Daí a preocupação do Ministério da Previdência em apontar como desajuste técnico na Exposição de Motivos a “ausência de carência”.

Por outro lado, mesmo quando o de cujus vinha contribuindo de forma contínua ou recebendo aposentadoria, o Ministério da Previdência Social observou, em alguns casos, uma discrepância muito grande entre a idade dos falecidos e a idade dos cônjuges/companheiros, o que sugeriria a prática de fraude.

O Ministério observou, ademais, a concessão de pensões motivadas por casamentos formalizados em datas próximas às dos óbitos. E, ao lado destas constatações, surpreendeu-se com as estatísticas das pensões por conta do aumento no número de concessões deste benefício, que passou de 5,9 milhões em dezembro/2005 para 7,4 milhões em outubro/20142.

Resultado: o diagnóstico feito pelo Governo Federal é de que em tais casos havia nítida finalidade de fraudar o INSS, haja vista a ausência de um prazo mínimo razoável para a caracterização da união estável para fins previdenciários, bem como de prazo razoável para o casamento gerar uma pensão. Daí a proposta de estipulação de um prazo mínimo de convivência entre cônjuges e companheiros, antes do óbito, como pré-requisito para a concessão da pensão.

Por fim, o problema da duração vitalícia do benefício também não passou despercebido pelo Ministério da Previdência Social, sobretudo quan-do cônjuges e companheiros supérstites apresentam pouca idade, verbis:

Submetemos, também, à apreciação de Vossa Excelência, que o prazo de duração da pensão por morte varie em função da idade do dependente, sen-do vitalícia somente para cônjuge, companheiro ou companheira que tenha expectativa de sobrevida de até 35 anos, sendo reduzida a duração do be-

2 Conforme Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 664/2014.

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nefício quanto maior seja a expectativa de sobrevida, após esse limite [...] a medida visa estimular que o dependente jovem busque seu ingresso no mercado de trabalho, evitando a geração de despesa à conta do RGPS para pessoas em plena capacidade produtiva [...].

Neste tocante, o ex-ministro da Previdência Social, Reinhold Stephanes, já nos anos 1990 defendia uma revisão legislativa da pensão, para que a sua concessão fosse orientada por “critérios relativos à idade, à renda e capacidade laboral do cônjuge beneficiário”3.

A falta de critérios revela o absurdo da proteção previdenciária quan-do, por exemplo, o cônjuge ou o companheiro supérstites recebem pensão vitalícia apesar de eventualmente auferirem renda no trabalho até maior do que o valor do benefício, hipótese em que a proteção previdenciária mostra--se claramente desnecessária.

Resultado: a proposta de alteração da Lei nº 8.213/1991 limitou no tempo a manutenção do benefício em função da idade do cônjuge ou com-panheiro supérstite, de modo a permitir maior tempo de gozo da pensão quanto maior a idade do dependente na data do óbito, e reservar a vitalicie-dade apenas para beneficiários com idade mais avançada.

1.3 Como FiCou?

A Lei nº 13.135, de 17 de junho de 2015, alterou a Lei nº 8.213/1991 nos três aspectos polêmicos abordados no item anterior.

Como pré-requisitos para a concessão da pensão aos cônjuges e companheiros(as) foram estipuladas duas novas regras: (1) um número mí-nimo de contribuições antes da data do óbito, cuja natureza jurídica asse-melha-se à carência; e (2) um prazo mínimo de convivência entre cônjuges/companheiros.

O legislador estipulou um mínimo de 18 (dezoito) contribuições pré-vias à data do óbito para a concessão da pensão, exceto nos casos em que o óbito decorre de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, conforme § 2º-A do art. 77 da Lei nº 8.213/1991, inserido pela Lei nº 13.135/2015.

Caso o de cujus não tenha cumprido a carência de 18 (dezoito) con-tribuições, o benefício pode ser concedido, porém, o INSS pagará apenas 04 (quatro) prestações da pensão, conforme art. 77, § 2º, inciso V, alínea b,

3 STEPHANES, Reinhold. Op. cit.. p. 221.

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inserida pela retromencionada lei, ainda que o beneficiário seja inválido ou deficiente.

A doutrina tem se posicionado a respeito deste novo requisito afir-mando não se tratar de carência propriamente dita, nos tradicionais moldes dos arts. 24 a 26 da Lei nº 8.213/1991, mas apenas de um requisito que exi-ge ao menos um histórico de 18 (dezoito) contribuições do segurado, ainda que de forma intercalada4.

Esta distinção é deveras importante, pois a se entender que não se trata propriamente de um prazo de carência, a qualidade de segurado não precisaria estar necessariamente atrelada aos ditames do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.231/1991.

A ausência de alteração na redação do art. 25 parece corroborar esta tese, até porque a pensão pode ser concedida na ausência de 18 (dezoito) contribuições anteriores à data do óbito, porém limitada a 04 (quatro) pres-tações.

Portanto, a nova regra não criou um prazo de carência. Ela apenas estabeleceu um requisito específico para definir a duração do benefício aos cônjuges e companheiros(as), fato este já confirmado em Memorando do próprio INSS5.

Quanto ao prazo de convivência mínima entre cônjuges e/ou companheiros(as), a lei agora só permite o recebimento contínuo da pensão se os supérstites comprovarem a convivência com o de cujus por no mínimo 02 (dois) anos antes do óbito, conforme art. 77, § 2º, V, c, inserida pela Lei nº 13.135/1915, exceto se o óbito decorre de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho.

Caso o matrimônio ou a união estável não tenham duração compro-vada de pelo menos 02 (dois) anos anteriores ao óbito, o benefício poderá ser pago em apenas 04 (quatro) parcelas, de acordo com a nova redação do art. 77, § 2º, V, b, dada pelo novel diploma legal.

Por outro lado, no que tange à manutenção da pensão, o legislador positivou a duração do benefício de forma proporcional à idade do bene-ficiário na data do óbito. A vitaliciedade foi mantida apenas no caso de

4 CEREZA, Valber Cruz. Reformas previdenciárias e contraprestação. In: BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm; SERAU JR., Marco Aurélio; FOLMANN, Melissa (Org.). Previdência em tempo de reformas. Porto Alegre: Magister, 2015. p. 271.

5 FOLMANN, Melissa. Pensão por morte e auxílio-reclusão para cônjuge e companheiro(a) após a edição da Lei nº 13.135/2015. In: BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm; SERAU JR., Marco Aurélio; FOLMANN, Melissa (Org.). Previdência em tempo de reformas. Porto Alegre: Magister, 2015. p. 254.

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dependentes com 44 (quarenta e quatro) anos ou mais de idade na data do óbito. Não sendo este o caso, a duração da pensão terá prazo predetermina-do pelas idades dos beneficiários conforme o quadro a seguir:

idade do beneficiário na data do óbito duração da pensão

menos de 21 anos 3 anos

entre 21 e 26 anos 6 anos

entre 27 e 29 anos 10 anos

entre 30 e 40 anos 15 anos

entre 41 e 43 anos 20 anos

44 anos ou mais Vitalícia

Das três novas regras que incidem sobre a pensão por morte aos côn-juges e companheiros(as), as duas primeiras estão claramente atreladas ao propósito de proteger o Regime Geral de Previdência contra fraudes. Daí a sua aceitação ser menos resistida pela doutrina. O fim da vitaliciedade, contudo, ainda merece reflexão.

2 aS reStrIçÕeS da vItalIcIedade Para côNjugeS e comPaNHeIroS São legítImaS?

Apresentadas as mudanças na lei bem como as justificativas que lhes deram amparo, resta agora refletir acerca da legitimidade das mudanças. Elas teriam amparo constitucional? São aceitáveis pelos princípios jurídicos que regem a matéria?

Nossa análise está assentada em duas premissas básicas inerentes às prestações previdenciárias: (1) a sua finalidade; (2) o seu caráter alimentar.

2.1 o CAráter substitutivo dos beneFíCios previdenCiários

Os sistemas previdenciários têm como objetivo primordial oferecer prestações pecuniárias aos seus beneficiários quando estes sofrem o revés de algum risco social.

Conforme Sérgio Pinto Martins, a Previdência Social é a área da Se-guridade Social que “tem por objetivo proporcionar meios indispensáveis de subsistência ao segurado e a sua família, contra contingências de perda ou redução da remuneração”6. No mesmo sentido é a lição de Wladimir

6 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 300.

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Martinez, quando afirma que “a prestação substitui a fonte de ingressos do obreiro”7.

Os segurados vertem contribuições justamente com o propósito de receberem uma contraprestação que compense a perda da renda devido a contingências sociais como a velhice, a invalidez etc., ou seja, para que não fiquem desamparados.

Deste modo, pode-se afirmar que os benefícios previdenciários só existem em virtude da sua vocação de oferecer uma renda substitutiva àque-la oriunda do trabalho.

A Constituição Federal confirma este conceito quando prevê, no art. 201, § 2º, que “nenhum benefício que substitua o salário de contribui-ção ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário-mínimo”. Resta patente, pois, o caráter substitutivo da prestação previdenciária.

Os riscos sociais que geram as prestações previdenciárias foram elei-tos pelo constituinte e estão dispostos expressamente nos incisos do art. 201 da Constituição Federal, a saber: doença; invalidez; idade avançada; pro-teção à maternidade, especialmente à gestante; desemprego involuntário; reclusão; e morte.

Portanto, só há efetiva proteção previdenciária aos beneficiários do regime geral (INSS) quando a legislação infraconstitucional contempla pres-tações pecuniárias voltadas à cobertura dos riscos expressamente elencados pela CF.

Embora o legislador tenha certa liberdade para dar a forma final aos benefícios previdenciários, definindo seus titulares, valores, prazos de ca-rência e outros aspectos secundários dos benefícios, conclui-se da leitura da Constituição que para cada risco social dos incisos do art. 201 deve haver uma prestação correspondente, sem o que não há efetiva proteção previdenciária.

2.2 A nAturezA AlimentAr dA prestAção previdenCiáriA e suA irrenunCiAbilidAde

O conceito jurídico de alimentos compreende a obrigação imposta a alguém de prestar a outrem, periodicamente, o necessário para a sua sub-sistência de forma digna, consistindo em valor que permita a alimentação, moradia, saúde, educação e lazer.

7 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 111.

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Trata-se de instituto afeto originariamente ao Direito de Família, mas que tem aplicação também em outras áreas do Direito, pois sempre que uma prestação é destinada à subsistência de alguém, como ocorre com o salário, os honorários profissionais ou a indenização por morte, afirma-se que aquela prestação tem natureza alimentar.

Os benefícios previdenciários indiscutivelmente compõem esse rol, pois, por meio deles, o Estado busca garantir o sustento daqueles que, sem esse auxílio, não poderiam subsistir de forma digna.

Ao pagar os benefícios previdenciários a quem deles necessita, a Pre-vidência Social nada mais faz do que cumprir o superior mandamento que emana da Constituição Federal.

A Constituição estabelece, em seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana como um dos princípios orientadores da República Federativa do Brasil. Além disso, a solidariedade social, prevista em seu art. 3º, I, é alçada pela Carta Magna como um dos objetivos a serem seguidos pela nação bra-sileira. Não fosse o bastante, a alimentação é um direito social garantido a todos os brasileiros pelo art. 6º da Constituição.

Por isso, está correta a lição de Edgard de Moura Bittencourt de que a legislação que disciplina os alimentos é de ordem pública, pois, além de tutelar o interesse da pessoa beneficiada, tutela também o interesse do Esta-do em proteger a família, pois essa proteção resulta em benefícios à própria coletividade8.

Sendo de ordem pública, os alimentos são absolutamente irrenunciá-veis, conforme o entendimento consagrado na Súmula nº 379 do Supremo Tribunal Federal, verbis: “no acordo de desquite, não se admite a renún-cia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”.

Atualmente, a matéria é da competência do Superior Tribunal de Jus-tiça, que tem jurisprudência afirmando que, na ação de separação ou de divórcio, o cônjuge pode renunciar ao direito de receber alimentos9. Não obstante, a Corte Superior entende que essa renúncia opera efeitos somente em relação ao ex-cônjuge, não produzindo efeitos em relação à Previdên-cia. Tal entendimento está consolidado na Súmula nº 336, verbis: “A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão pre-

8 BITTENCOURT, Edgard de Moura. Alimentos. 4. ed. São Paulo: Leud, 1979. p. 11.9 Nesse sentido, exemplificativamente, os seguintes julgados do STJ: EDcl-REsp 832.902/RS, Quarta Turma,

Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 06.10.2009, DJe 19.10.2009; AgRg-Ag 1044922/SP, Quarta Turma, J. 22.06.2010, DJe 02.08.2010.

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videnciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente”.

A Súmula nº 336 é oriunda de controvérsias envolvendo a concessão de pensão por morte, tanto no regime geral quanto no regime próprio de pre-vidência, nas hipóteses em que o de cujus era separado(a) ou divorciado(a) e não tinha obrigação formalizada de pagar alimentos aos ex-cônjuges ou ex-companheiros(as).

Segundo dispõe o art. 76, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 (que suscitou a interpretação do STJ), o cônjuge divorciado ou separado judicialmente, ou de fato, só tem direito à pensão previdenciária quando comprova que vinha recebendo alimentos do de cujus.

Portanto, a renúncia aos alimentos na separação ou no divórcio é razão suficiente para a recusa da concessão do benefício pelo INSS.

O disposto no art. 76, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 possui a utilidade de indicar a inexistência da dependência econômica do ex-cônjuge ou ex--companheiro(a) de forma bem objetiva, pois, se não há previsão de paga-mento de alimentos na separação ou no divórcio, não se pode inferir a priori que haja dependência econômica.

Todavia, em todos os precedentes que resultaram na edição da Súmu-la nº 336 percebe-se que o fator determinante para a concessão ou não do benefício na visão do STJ foi a efetiva comprovação da dependência econô-mica, independentemente da renúncia formal aos alimentos na separação ou divórcio.

Para aquele colendo Tribunal, a proteção social está acima de regras técnicas que levam à presunção da dependência econômica. Não importa que tenha havido renúncia formalizada na sentença ou acordo da separa-ção/divórcio/dissolução de união estável. Importa saber se o(a) pretendente à pensão previdenciária era de fato amparado pelo de cujus.

A inteligência da Súmula nº 336 é muito clara: a matéria fática se so-brepõe à presunção legal. O STJ não vê no art. 76, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 uma proibição, mas tão somente uma presunção legal que pode ceder frente à prova efetiva da necessidade do benefício.

Portanto, é a necessidade do cônjuge/companheiro(a) supérstite que determina o direito ou não à prestação previdenciária. Em alguns preceden-tes, aliás, o STJ corrobora a tese da Súmula nº 379 do STF afirmando que não faz sentido uma prestação de natureza alimentar deixar de ser paga pelo INSS quando há prova da dependência econômica superveniente.

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Em suma, se o direito a alimentos é irrenunciável e se ele vinha sendo prestado pelo alimentante em vida, então pela mesma razão (necessidade) deve ser mantido na morte por meio da prestação previdenciária.

Conclui-se, portanto, por dedução lógica, que a pensão previdenciá-ria também seria irrenunciável se comprovada a necessidade de fato do supérstite na data do óbito.

2.3 A AusênCiA de motivAção FACtível pArA A restrição dA vitAliCiedAde

Conforme já exposto, o Governo Federal apresentou na Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 664/2014 todas as razões que exigiram ajuste técnico no benefício de pensão.

A estipulação de um prazo de carência e de um prazo de convivência mínima no casamento e na união estável foram medidas que procuraram evitar as fraudes que vinham vitimando o INSS. As explicações técnicas foram claras a este respeito.

A Exposição de Motivos, entretanto, não abordou com profundidade as restrições criadas quanto à duração do benefício. A proposta de acabar com a vitaliciedade para pensionistas jovens baseou-se no seguinte argu-mento, verbis:

Senhora Presidenta, a medida visa estimular que o dependente jovem bus-que seu ingresso no mercado de trabalho, evitando a geração de despesas à conta do RGPS para pessoas em plena capacidade produtiva, permitindo, ao mesmo tempo, o recebimento de renda por certo período para que crie as condições necessárias ao desenvolvimento de atividade produtiva.

O foco da mudança feita pela Lei nº 13.135/2015 foi eliminar a vita-liciedade para pensionistas com menos de 44 anos de idade, ou seja, pes- soas que provavelmente perderam seus cônjuges ou companheiros precoce-mente.

A perda precoce do cônjuge ou companheiro(a) é um fato marcante e doloroso para a família. A dor exige tempo para ser superada. As adaptações econômicas dos entes da família também, especialmente quando o óbito atinge o provedor do lar.

O mercado de trabalho é competitivo e não oferece oportunidade para todos de forma igual. O tempo que uma advogada de 35 anos levará para adaptar-se ao tornar-se viúva e com um filho evidentemente não é igual ao tempo que levará uma dona de casa com a mesma idade e baixo grau de instrução sendo mãe de quatro filhos.

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Ocorre que a nova lei estabeleceu tratamento jurídico igual para situações que podem ser bem diferentes. Os prazos estabelecidos para a pensão paga aos supérstites jovens podem ser até desnecessários em alguns casos, mas em outros eles são manifestamente insuficientes!

A Lei nº 8.213/1991 sempre recebeu críticas por prever a presunção absoluta de dependência econômica para os cônjuges e companheiros(as). Esse desajuste vem sendo debatido há muito tempo na doutrina, já que a opção do legislador foi evitar a casuística na análise do direito à pensão adotando um critério objetivo de dependência econômica por meio das relações de parentesco.

O modelo obviamente provoca eventuais desacertos, pois nem sem-pre o falecido era provedor do lar e nem sempre o supérstite dependia do fa-lecido. Daí a presunção ser tão criticada. O propósito da Lei nº 13.135/2015 foi quebrar esta presunção.

Todavia, a pretexto de aperfeiçoar a falha técnica da presunção ab-soluta da dependência, a nova regra trazida para a duração da pensão im-plica a presunção de que, após os períodos elencados na nova redação do art. 77, § 2º, V, c, da Lei nº 8.213/1991, o pensionista não necessitará mais do benefício, ou seja, o legislador apenas trocou uma presunção por outra!

Resultado: com essa nova presunção as distorções continuarão. Muitos(as) viúvos(as) que não necessitam do benefício – ou não necessitam por muito tempo – vão recebê-lo, e outros que têm mais necessidade ficarão desprotegidos. Portanto, as razões trazidas na Exposição de Motivos da MP 664/2014 não justificam satisfatoriamente as mudanças implementadas.

3 o futuro da receNte reforma À luz do PeNSameNto do Stf e do Stj

A troca de uma presunção legal por outra indica que o legislador optou por estabelecer um critério objetivo na lei, até mesmo para facilitar a rotina administrativa do INSS.

A escolha de um critério prático não é tarefa fácil. A generalidade da regra invariavelmente torna imprópria sua aplicação diante de circunstân-cias excepcionais que são contrárias ao seu texto.

No caso da pensão, a generalidade pode eventualmente levar à con-cessão da pensão a quem não precisa e à recusa de proteção previdenciária a quem dela precisa.

A técnica da presunção legal de (in)dependência econômica não é infalível, e, por isso, a Lei nº 13.135/2015 comete um claro deslize à

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medida que mantém essencialmente as falhas que já vigoravam na Lei nº 8.213/1991.

O pretexto de que a antiga dependência econômica gerava distorções técnicas no benefício só serviu para a adoção de uma nova – e também distorcida – presunção legal.

Segundo Igor Ajouz, a presunção no direito se presta a “facilitar e acelerar a construção de convicção ou solução jurídica a partir da revelação de uma premissa e da confiança em um prognóstico”10, premissa esta geral-mente amparada estatisticamente.

Portanto, a presunção não é prova. É apenas um caminho que nos aproxima da verdade. E desta verdade mais nos distanciamos quanto mais equivocadas forem as premissas que amparam a presunção.

Além de a concessão da pensão no INSS continuar sendo amparada por uma presunção, agora a manutenção do benefício também obedece a uma presunção, qual seja a de que, a partir de determinada idade, o cônjuge ou companheiro(a) supérstite não necessitam da prestação previdenciária. Uma presunção, aliás, que não comporta exceção!

O legislador reputou imprópria a presunção absoluta de dependên-cia vitalícia e a substituiu por outra presunção baseada em prazos mais ou menos aleatórios. A nova regra, aliás, é muito pior em termos de proteção previdenciária. Se antes a distorção na presunção implicava a concessão do benefício, hoje o benefício pode ser cessado por conta de uma presunção.

A Lei nº 13.135/2015 poderia ter procurado outros caminhos para corrigir as distorções técnicas do benefício de pensão.

Poderia ter reduzido seu valor paulatinamente a partir de determina-do momento na vida do viúvo(a), nos moldes do que chegou a ser cogitado na redação da Medida Provisória nº 664/2014. Poderia ensejar uma análise casuística para a manutenção do benefício a partir de determinado prazo. Poderia até prever a cessação do benefício ressalvando seu restabelecimen-to em caso de necessidade superveniente.

O legislador tinha várias opções... Mas optou pela mais simplista.

Ora, não se pode admitir que uma mera presunção elimine a prote-ção previdenciária! As propostas mencionadas anteriormente conciliariam

10 AJOUZ, Igor. A presunção da dependência econômica em favor de cônjuges e companheiros de segurados do regime geral de previdência social: a inconsistência do sistema previdenciário brasileiro. In: Revista de Direito Social, n. 41, p. 165-185, jan./mar. 2011. p. 169.

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melhor a necessidade da prestação previdenciária pelo supérstite e o dever do Estado em oferecer uma prestação previdenciária para o risco morte, conforme determina o art. 201, V, da Constituição Federal.

A flexibilidade no amparo previdenciário não seria um mal em si. O mal em si está em uma presunção que elimina por completo este amparo!

A eliminação do benefício por conta de uma presunção não parece compatível com o pensamento do STJ e do STF expressos em suas Súmulas nº 336 e 379, respectivamente. A ratio dos verbetes reside no fato de que a ausência da renda familiar antes oferecida pelo seu provedor precisa ser suprida em caso de necessidade.

Do ponto de vista previdenciário, esta lógica é ainda mais clara por-que o sistema de prestações previsto no art. 201 da Constituição tem por ob-jetivo justamente substituir a renda antes obtida com o trabalho do de cujus.

Se a renda não mais existe em função do óbito e o sistema previden-ciário nega o amparo, é de se concluir que o propósito de substituição de renda em caso de necessidade do cônjuge/companheiro(a) supérstite acaba sendo negado. Uma negativa, portanto, inconstitucional.

O conflito não se dá apenas com súmulas do STJ e do STF. As novas regras sobre a duração da pensão atentam contra a própria lógica da pro-teção previdenciária na medida em que o art. 201, V, da CF pode ter sua vigência negada por conta de uma mera presunção.

coNcluSão

De acordo com as lições do Direito de Família, sendo uma norma de ordem pública, os alimentos são absolutamente irrenunciáveis. Este enten-dimento está consagrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal por meio de sua Súmula nº 379.

Por outro lado, embora o Superior Tribunal de Justiça venha admitin-do a possibilidade da renúncia aos alimentos (a despeito de previsão expres-sa contrária no Código Civil), a Corte ressalva que a renúncia opera efeitos somente em relação ao ex-cônjuge ou ex-companheiro(a), não produzindo efeitos em relação à Previdência Social. É o que se depreende de sua Súmu-la nº 336.

Entre as recentes mudanças que atingiram a pensão por morte no regi-me geral de previdência, promovidas pela Lei nº 13.135/2015, encontra-se o fim da vitaliciedade do benefício para os supérstites que tenham menos

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de 44 anos de idade na data do óbito do segurado. A regra para tais depen-dentes não comporta exceção.

A proposta de alteração foi motivada pela ideia de que os beneficiá-rios jovens não podem ter ao seu favor uma presunção absoluta de depen-dência econômica.

A Lei agora presume que o ex-cônjuge ou ex-companheiro que ti-nham menos de 44 anos de idade na data do óbito terão renda própria, para si ou sua família, capaz de substituir a renda que supostamente seria auferida pelo de cujus.

Todavia, a referida presunção colide com o entendimento consagra-do do STF e do STJ na matéria, eis que para ambos a situação real de de-pendência econômica tem peso maior do que qualquer presunção legal. A presunção deve, pois, ceder diante de circunstâncias fáticas que mostrem a necessidade da prestação alimentar.

Ademais, por não prever exceções, a nova sistemática de manuten-ção da pensão pode negar vigência ao art. 201, V, da Constituição. Se antes a presunção da dependência econômica vitalícia era criticada por promover a concessão desnecessária do benefício, agora a nova presunção pode ser criticada por promover o fim da pensão quando ela é necessária.

Deste modo, havendo real necessidade econômica de manutenção da pensão após os prazos criados pela Lei nº 13.135/2015, o benefício deve ter o pagamento mantido. Do contrário, ter-se-á a violação do entendimento sumulado do STF e do STJ bem como a negativa do comando constitucional de amparo à morte por meio de prestação previdenciária (art. 201, V) quan-do ela mostra-se necessária.

referÊNcIaS

AJOUZ, Igor. A presunção da dependência econômica em favor de cônjuges e compa-nheiros de segurados do regime geral de previdência social: a inconsistência do sistema previdenciário brasileiro. In: Revista de Direito Social, n. 41, p. 165-185, jan./mar. 2011.

BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm; SERAU JR., Marco Aurélio; FOLMANN, Melissa (Org.). Previdência em tempo de reformas. Porto Alegre: Magister, 2015.

BITTENCOURT, Edgard de Moura. Alimentos. 4. ed. São Paulo: Leud, 1979.

CEREZA, Valber Cruz. Reformas previdenciárias e contraprestação. In: BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm; SERAU JR., Marco Aurélio; FOLMANN, Melissa (Org.). Previdên-cia em tempo de reformas. Porto Alegre: Magister, 2015. p. 263-275.

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FOLMANN, Melissa. Pensão por morte e auxílio-reclusão para cônjuge e companheiro(a) após a edição da Lei nº 13.135/2015. In: BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm; SERAU JR., Marco Aurélio; FOLMANN, Melissa (Org.). Previdência em tempo de reformas. Porto Alegre: Magister, 2015. p. 237-262.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2001.

MARTINS, Bruno Sá Freire. As(os) viúvas(os) e o sistema previdenciário. In: Revista Síntese Previdenciária, São Paulo: Síntese, n. 48, p. 229-235, maio/jun. 2012.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

SALVADOR, Sérgio Henrique. O subjetivismo da dependência econômica no Direito Previdenciário. In: Revista Síntese Previdenciária, São Paulo: Síntese, n. 50, p. 25-28, set./out. 2012.

STEPHANES, Reinhold. Reforma da previdência sem segredos. Rio de Janeiro: Record, 1998.

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Edição Especial – Doutrina Previdenciária

A Verdadeira Fórmula 95

WLADImIR nOvAES mARTInEZAdvogado Especialista em Direito Previdenciário.

Diante da Medida Provisória nº 676, de 17.06.2015 (DOU de 18.06.2015), e da repercussão da matéria publicada na Folha de São Paulo de 19.05.2015, na condição de criador desse mecanismo matemático de definição do direito à aposentadoria por tempo de contribuição, explicitam--se as diferenças entre o Fator 85/95, aprovado pelo Congresso Nacional e rejeitado pela Presidência da República em 17.06.2015, e a verdadeira Fórmula 95.

fator 85/95

A expressão aritmética desse indigitado Fator 85/95 é simples: 30 anos de contribuição e 55 anos de idade = 85 anos, para as mulheres, e 35 e 60 = 95, para os homens.

Tanto quanto a Fórmula 95, o Fator 85/95 não tem nada a ver com o quantum da renda mensal da aposentadoria por tempo de contribuição, a despeito de que registram alguns equivocados comentaristas – sustenta-ram que, então, no caso de aprovação do Projeto de Lei vetado, seria as-segurada uma renda mensal inicial igual ao limite da previdência social de R$ 4.663,75 –, os 95 anos apenas definem o direito àquela prestação.

Na ocasião da criação da Fórmula 95, se instituto técnico em 1990, esse total (95 anos) foi escolhido porque era o percentual máximo do salário de benefício vigente no País (Decreto nº 89.312/1984). E até hoje, ou seja, 25 anos depois, ninguém nunca indagou a razão de ser desse número, mos-trando o pouco interesse que se tem por fórmulas matemáticas.

Com o crescimento da expectativa de vida do brasileiro nos últimos 25 anos, aquele total terá de ser maior enquanto se pretender manter a es-drúxula aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil. A implantação progressiva da mencionada Medida Provisória nº 676/2015 não é capaz de sofrear os efeitos da baixa natalidade nem afetar a assustadora tábua de mortalidade brasileira.

Ainda que não seja a Fórmula 95 original, apreciada adiante, no Fator 85/95 descrito como X + Y = 95, o X representa o tempo de contribuição e

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o Y, a idade do segurado na data de entrada do requerimento. Logo, duas variáveis pessoais (X e Y) e uma constante (95).

varIáveIS PreSeNteS

Note-se: duas variáveis aritméticas representando dados da pessoa, e não números fixos.

Convém avultar a diferença entre números variáveis, ou seja, pessoais (30, 35, 55, 60, etc.) e o número fixo (95 anos).

deSIgualdadeS regIoNaIS

Diante da diversidade econômica e social do País e das diferentes expectativas de vida dos estaduanos (em média, os moradores da região sudeste vivem 8 anos mais que os da região nordeste; as mulheres, 7 mais que os homens), os mais pobres começaram a trabalhar mais cedo, em ativi-dades que, na prática, têm sido usualmente obstaculizadoras desse registro na CTPS, e em toda a sua vida recebem salários menores. Sendo mulheres, menos ainda.

Tais desigualdades não são apenas territoriais; elas maculam as ca-pitais e metrópoles quando se tratam de empreendimentos industriais e co-merciais, que abraçam a informalidade. Pior ainda, na medida em que, com a desoneração da folha de pagamento, a fiscalização da Receita Federal do Brasil se tornou virtual e o fato de os contribuintes individuais e domésticos não serem verificados.

coNSeQuÊNcIaS da INformalIdade

Tal cenário é agravado com a alta informalidade e a política de vali-dação administrativa tão somente do CNIS, quer dizer, apenas o tempo de contribuição registrado na Dataprev acaba sendo sopesado pelo INSS nas totalizações. Filosoficamente, o preenchimento da CTPS vem perdendo a eficácia que detinha como prova da filiação e tempo de serviço, prevalecen-do o preenchimento da GFIP (uma providência própria dos formalizados).

Convindo lembrar que, diferentemente dos despossuídos, a classe média tem a seu dispor a previdência complementar e o seguro privado, o que a faz se olvidar dos seus irmãos impedidos desses regimes protetivos por falta de capacidade contributiva.

PrecocIdade laboral

Cada caso é um caso, e, destarte, comparando-se os obreiros de mes-mo nível, de modo geral, o segurado que começou a trabalhar e se filiou

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mais jovem pagará contribuições por mais tempo sem ofender o princípio do equilíbrio atuarial nem a ideia técnica do fator previdenciário. Aportará mais contribuições do que quem se inscreveu mais tarde (caso dos profissio-nais liberais da dita classe média).

Como se verá adiante, uma terceira variável da expressão original de 1990, então descrita (Z), tem o papel de permitir que o pobre obreiro ou obreiro pobre que iniciou sua vida profissional precocemente, sem causar prejuízo ao plano de benefícios do RGPS, possa se aposentar em igualdade de condições (dentro de certos parâmetros etários e limites fixados na lei).

HIPóteSeS PoSSíveIS

Detendo um limite de idade pessoal (e não nacional) e levando em conta a idade mínima de 16 anos, como exemplo, admitem-se as seguintes hipóteses:

X = 39,5 anos de contribuição;

Y = 55,5 anos de idade;

Logo: 39,5 + 55,5 = 95 anos.

Desde já e sempre, é bom atender ao atuário assistente. Nessa cir-cunstância, quem tem mais tempo de contribuição aposenta-se antes, terá cotizado mais do que aquele que tem menos tempo de contribuição. O que se aposenta mais tarde terá a renda mensal inicial maior, todavia receberá menos mensalidades.

Mutatis mutandis, as contas “fecham”.

Pode ser também 40 + 55 = 95 (começou a trabalhar com 15 anos), 35 + 60 = 95 (começou a trabalhar com 25 anos) e 34 + 61 = 95 (começou trabalhar com 27 anos), e assim por diante.

Observe-se que, sendo assim, a versão que tramita no Congresso Na-cional não sopesará a condição social dos segurados, sabendo-se, repete-se ad nauseam, que, em alguns Estados nordestinos, as pessoas vivem 8 anos menos do que as das Regiões Sul e Sudeste.

PeríodoS coNSIderadoS

No ensejo, convém destacar que o tempo de contribuição utilizado nessas avaliações pode ser o tempo de serviço comum, o tempo de contri-buição (inclusive do facultativo), o período de atividade especial convertido para o comum e o de gozo de benefício por incapacidade.

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caSoS PartIculareS

De igual modo, o total de 95 anos é diminuído nas circunstâncias legais da LC 142/2013 para as pessoas com deficiência que provem uma limitação leve, média ou grave. No caso da limitação grave, seria exigido apenas 20 anos de contribuição da mulher e 25 anos dos homens.

Mesmo o tempo de contribuição socialmente convertido conforme explanação que se segue levará em conta esses diferentes tempos de ser-viço.

fórmula 95

A Fórmula 95, por outro lado, é diferente. E a diferença é grande.

Ela se expressa assim: X/Z + Y = 95, em que Z é ≥ 35. Por exemplo, Z variando de 0,5 a 1,0. Complicado? Nem tanto; de todo modo, socialmente justa, como se verá.

Portanto, destarte, com três variáveis e uma constante, cuja soma, aliás, em vez dos 95, em 2022, seria 100.

X ainda quer dizer o tempo de contribuição e Y, a idade do segurado. Como antecipado, comparece uma nova variável (Z), que pretende repre-sentar a condição individual socioeconômica do brasileiro.

SolIdarIedade SocIal

Desde Otto van Bismarck (1883), a essência, o âmago, a nuclearidade mais íntima da Previdência Social é a solidariedade das pessoas, das gera-ções e das regiões.

Trabalhadores contribuem anonimamente para custear quem não dis-põem de recursos para tanto; gerações de jovens financiam os mais velhos; o urbano coopera com o rural; e regiões mais ricas reforçam os esforços pecuniários das mais pobres.

Daí a atividade financeira pagar contribuição maior (22,5%) que as não financeiras. Conforme a faixa salarial, os segurados contribuem com 8%, 9% e 11%. Uma solidariedade contributiva que, de resto, pouco tem a ver com o cálculo da renda mensal inicial em si mesmo.

aPlIcação da SolIdarIedade

A aposentadoria por invalidez de um jovem de 16 anos vítima de acidente no primeiro dia de trabalho sob o regime de repartição simples se

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manterá até os 84 anos (conforme tábua de moralidade do IBGE), fomenta-do pelas contribuições dos que se aposentarão, em média, por volta de 60 anos de idade.

Por outro lado, muitos segurados contribuirão e falecerão sem se ju-bilar nem deixar dependentes. O capital pessoal acumulado jazerá no FPAS à disposição dos que precisam.

É assim no mundo inteiro. Traduzido pelo “amai-vos uns aos outros”, bela mensagem pregada por Jesus Cristo.

eXemPlo PrátIco

Para melhor elucidar a questão da solidariedade em face das dispari-dades usuais, vejamos um exemplo prático. Comparemos dois brasileiros, adotando números arredondados para facilitar a compreensão da expo sição.

Um médico com 35 anos de contribuição e 60 anos de idade (cuja soma dá 95 anos) e uma remuneração média de R$ 10.000,00 pelo menos durante o período básico de cálculo (PBC) da renda mensal inicial (RMI).

Um servente de pedreiro com 17,5 anos de contribuição anotados na CTPS ou CNIS, 60 anos de idade e auferindo R$ 788,00 por mês no PBC.

Se a lei introdutora decidir que Z variará de 0,5 a 1,0, conforme uma escala salarial de R$ 788,00 até R$ 4.663,75 (são meros exemplos), o direito do ajudante de pedreiro será:

17,5/0,5 + 60 = 95 anos. Porque 17,5/0,5 é igual a 35 anos.

Não se pode olvidar que Z tem como limite 35 anos, caso contrário, quem tivesse pago por 35 anos pelo salário-mínimo chegaria a 35/0,5 = 70 + 60 = 130!

comParação INter-regIoNal

Pretende-se reconhecer a precocidade laboral e desfazer as desigual-dades entre pessoas previdenciariamente tidas como iguais. Esse médico começa a contribuir com 25 anos de idade, provém de boa família, reside bem, alimenta-se condignamente, veste-se à altura, transporta-se no seu au-tomóvel particular e obtém a renda mensal da classe média. Tem um bom plano de saúde e pode se filiar a um fundo de pensão associativo.

O servente de pedreiro mora na periferia das metrópoles ou nos Es-tados do Nordeste, é subnutrido, usa calça jeans e sandálias havaianas, vai ao trabalho de ônibus ou trem superlotado e recebe algo como R$ 1.000,00

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por mês. Nessas condições, o único benefício a que terá direito, quando não for por invalidez, será a aposentadoria por idade. A saúde atendida pelo SUS.

reNda meNSal INIcIal

Voltemos à distinção entre definição do direito e definição do valor da mensalidade inicial. A Fórmula 95 também poderá indicar o percentual do salário de benefício (SB). Se alguém somar 96 pontos, receberá 96% da sua media dos salários de contribuição e assim por diante, até 100% (limite convencionado do RGPS).

A Fórmula 95 admite que brevemente possamos abandonar a aposen-tadoria por tempo de contribuição, seguindo os caminhos dos países seme-lhantes ao Brasil, e quando mais cedo o fizermos, melhor será para todos nós. Deixará de ser uma prestação de poucos para ser de todos, enquanto for possível.

Enquanto ela existir, a Previdência Social possa ser um instrumen-tal fático, real e efetivo, à disposição do legislador para dar substância ao princípio constitucional da igualdade e realizar o sonho da solidariedade da Seguridade Social. Ou, então, se não quisermos assim, retiremos esses postulados fundamentais da dignidade humana da Carta Magna. Otto von Bismarck e Eloy Marcondes de Miranda Chaves aplaudiriam.

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Tabelas Práticas

tabela única para atualização de débitos (atualização: março/2016)PODER JUDICIÁRIO FEDERAL – JUSTIÇA DO TRABALHO

tabela única para atualização de débitos trabalhistasAté 31 de março de 2016 – Para 1º de abril de 2016** TR prefixada de 1º março/2016 a 1º abril/2016 (Banco Central) = 0,2168%

Mês/Ano 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

JAN 0,002824577 0,000872386 0,000266262 0,164003868 0,035711688 0,003455008 0,193273324 0,015373547 0,002936394 0,000233748 0,009078502

FEV 0,002824577 0,000872386 0,000229082 0,140402250 0,030651180 2,823642060 0,123805858 0,012788503 0,002340129 0,000184402 0,006418624

MAR 0,002824577 0,000872386 0,200316548 0,117373558 0,025984384 2,385840343 0,071655202 0,011951872 0,001863012 0,000145888 0,004589321

ABR 0,002082469 0,000623828 0,200537139 0,102500706 0,022398400 1,991353279 0,038875435 0,011015550 0,001499165 0,000115959 0,003235334

MAIO 0,002082469 0,000623828 0,198985056 0,084739340 0,018778001 1,794658671 0,038875435 0,010112504 0,001238160 0,000090437 0,002216437

JUN 0,002082469 0,000623828 0,196237728 0,068648201 0,015943286 1,632398288 0,036890714 0,009278378 0,001033437 0,000070281 0,001513546

JUL 0,001608053 0,000464314 0,193776763 0,058166583 0,013338312 1,307697103 0,033656340 0,008481149 0,000853727 0,000054029 2,833867312

AGO 0,001608053 0,000464314 0,191497938 0,056445010 0,010753235 1,015608190 0,030378500 0,007706633 0,000690215 0,041442691 2,698249205

SET 0,001608053 0,000464314 0,188333928 0,053069773 0,008912013 0,785223588 0,027471966 0,006883995 0,000560149 0,031080464 2,641944093

OUT 0,001192909 0,000365585 0,185149358 0,050217424 0,007186528 0,577582631 0,024343789 0,005894841 0,000446761 0,023087553 2,579038759

NOV 0,001192909 0,000365585 0,181714946 0,045995075 0,005647566 0,419693816 0,021408662 0,004921801 0,000357209 0,016910242 2,514783525

DEZ 0,001192909 0,000365585 0,175926949 0,040761322 0,004449705 0,296771190 0,018354477 0,003770917 0,000289730 0,012419390 2,443411476

Mês/Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

JAN 2,375170453 1,804530370 1,646693324 1,499925759 1,391476087 1,316070937 1,289048489 1,260248587 1,225892455 1,171436643 1,150515460

FEV 2,326288160 1,782206452 1,634532403 1,482932832 1,384328798 1,313248766 1,287286195 1,256991721 1,219941580 1,169939121 1,148356550

MAR 2,283964023 1,765216245 1,623789378 1,476346848 1,372936173 1,310198623 1,286812648 1,255521505 1,214940883 1,169403534 1,147252893

ABR 2,232618268 1,750965140 1,613597927 1,463185495 1,357173955 1,307267729 1,284598001 1,253318172 1,210363289 1,167328025 1,144237826

MAIO 2,157813352 1,739489726 1,603637733 1,456311704 1,348956114 1,305569184 1,282615078 1,250371047 1,205320229 1,166308671 1,141950499

JUN 2,089950568 1,729307564 1,593512555 1,449725600 1,341229292 1,302323793 1,280276013 1,247748281 1,199741432 1,164508341 1,139072064

JUL 2,031320562 1,718824453 1,583166561 1,442637920 1,337073668 1,299542771 1,278412089 1,245777461 1,194764045 1,162461247 1,135672995

AGO 1,972337800 1,708826112 1,572817422 1,434742532 1,333163499 1,297535484 1,275299084 1,242477441 1,188270148 1,160196544 1,132756148

SET 1,922272220 1,698170094 1,563017304 1,429383772 1,329248861 1,294913284 1,270932161 1,239402483 1,183491211 1,157875004 1,128843576

OUT 1,885702786 1,687002140 1,552963419 1,422963362 1,325649722 1,293570558 1,268867713 1,236984179 1,179523294 1,155877648 1,125874645

NOV 1,855020743 1,674578443 1,542853102 1,410421890 1,322653911 1,291870457 1,265182237 1,233569658 1,175745624 1,154598353 1,123515263

DEZ 1,828711077 1,661047549 1,519552288 1,401820321 1,320016518 1,290325936 1,262747660 1,230316701 1,173661201 1,153276698 1,121352174

Mês/Ano 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

JAN 1,118813586 1,096470447 1,080848821 1,063462864 1,055975932 1,048752630 1,036235859 1,033242460 1,031272491 1,022486088 1,004451203

FEV 1,116217265 1,094075516 1,079758265 1,061509686 1,055975932 1,048003308 1,035341324 1,033242460 1,030112584 1,021589133 1,003127075

MAR 1,115408594 1,093287256 1,079495948 1,061031161 1,055975932 1,047454442 1,035341324 1,033242460 1,029559711 1,021417534 1,002168000

ABR 1,113101135 1,091240090 1,079054614 1,059507589 1,055140261 1,046186464 1,034236759 1,033242460 1,029285921 1,020095491 1,000000000

MAIO 1,112150246 1,089853796 1,078025100 1,059026791 1,055140261 1,045800564 1,034002040 1,033242460 1,028813695 1,019001084

JUN 1,110054464 1,088016136 1,077232258 1,058551501 1,054602414 1,044161230 1,033518354 1,033242460 1,028192667 1,017827528

JUL 1,107908445 1,086979158 1,075999162 1,057857547 1,053981619 1,042999329 1,033518354 1,033242460 1,027714780 1,015985547

AGO 1,105971888 1,085384728 1,073943634 1,056746906 1,052769881 1,041719056 1,033369549 1,033026557 1,026632709 1,013649085

SET 1,103284288 1,083795883 1,072255904 1,056538768 1,051813782 1,039560928 1,033242460 1,033026557 1,026015048 1,011760129

OUT 1,101608741 1,083414521 1,070147713 1,056538768 1,051075927 1,038519293 1,033242460 1,032944955 1,025120118 1,009821272

NOV 1,099547090 1,082178673 1,067472626 1,056538768 1,050580053 1,037875810 1,033242460 1,031995519 1,024057147 1,008016922

DEZ 1,098139275 1,081540564 1,065748245 1,056538768 1,050227177 1,037206812 1,033242460 1,031781940 1,023562766 1,006711218

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RST Nº 322 – Abril/2016 – TABELAS PRÁTICAS �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������433

ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO – TR – DIÁRIA (PRO RATA DIE) mês mArço Ano 2016

DIA/MÊS TR DIÁRIA TR ACUMULADA ÍNDICE 1º Março 0,009844% 0,000000% 1,00000000 02 Março 0,009844% 0,009844% 1,00009844 03 Março 0,009844% 0,019690% 1,00019690 04 Março 0,009844% 0,029536% 1,00029536 05 Março - 0,039383% 1,00039383 06 Março - 0,039383% 1,00039383 07 Março 0,009844% 0,039383% 1,00039383 08 Março 0,009844% 0,049232% 1,00049232 09 Março 0,009844% 0,059081% 1,00059081 10 Março 0,009844% 0,068931% 1,00068931 11 Março 0,009844% 0,078782% 1,00078782 12 Março - 0,088634% 1,00088634 13 Março - 0,088634% 1,00088634 14 Março 0,009844% 0,088634% 1,00088634 15 Março 0,009844% 0,098487% 1,00098487 16 Março 0,009844% 0,108341% 1,00108341 17 Março 0,009844% 0,118196% 1,00118196 18 Março 0,009844% 0,128052% 1,00128052 19 Março - 0,137909% 1,00137909 20 Março - 0,137909% 1,00137909 21 Março 0,009844% 0,137909% 1,00137909 22 Março 0,009844% 0,147767% 1,00147767 23 Março 0,009844% 0,157626% 1,00157626 24 Março 0,009844% 0,167486% 1,00167486 25 Março - 0,177347% 1,00177347 26 Março - 0,177347% 1,00177347 27 Março - 0,177347% 1,00177347 28 Março 0,009844% 0,177347% 1,00177347 29 Março 0,009844% 0,187209% 1,00187209 30 Março 0,009844% 0,197072% 1,00197072 31 Março 0,009844% 0,206935% 1,00206935 1º aBrIL - 0,216800% 1,00216800

LIMITES DE DEPÓSITOS RECURSAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 397/2015 do TST, DJe de 13.07.2015, vigência a partir de 01.08.2015)

Recurso Ordinário R$ 8.183,06

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recursos em Ação Rescisória R$ 16.366,10

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

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434 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ RST Nº 322 – Abril/2016 – TABELAS PRÁTICAS

INSS – JANEIRO/2016Tabela de contribuição dos segurados empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso, para pagamento de remuneração a partir de 1º de janeiro de 2016.

Salário-de-contribuição (R$) Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%) Até 1.556,94 8,00%

De 1.556,95 até 2.594,92 9,00%

De 2.594,93 até 5.189,82 11,00%

IR FONTE – TABELA PROGRESSIVA MENSAL PARA CÁLCULO A PARTIR DE ABRIL/2015 – MP 670/2015 – DOU 11�03�2015 Base de cálculo em R$ Alíquota % Parcela a deduzir do imposto em R$ Até 1.903.98 – – De 1.903,99 até 2,826,65 7,5 142,80 De 2.826,66 até 3.751,05 15,0 354,80 De 3.751,06 até 4.664,68 22,5 636,13 Acima de 4.664,69 27,5 869,36 Dedução por dependente 189,59

TABELA DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DAS PARCELAS RELATIVAS A BENEFÍCIOS PAGOS COM ATRASO (ART� 175, DECRETO Nº 3�048/1999)

Março/2016 (Portaria nº 243, de 09.03.2016)

MêsFator Simplificado

(Multiplicar)

jul/94 7,257298

ago/94 6,841345

set/94 6,487146

out/94 6,390648

nov/94 6,273952

dez/94 6,075290

jan/95 5,945093

fev/95 5,847440

mar/95 5,790118

abr/95 5,709613

maio/95 5,602053

jun/95 5,461688

jul/95 5,364062

ago/95 5,235274

set/95 5,182414

out/95 5,122480

nov/95 5,051756

dez/95 4,976609

jan/96 4,895828

fev/96 4,825377

mar/96 4,791359

abr/96 4,777504

maio/96 4,744294

jun/96 4,665907

jul/96 4,609669

MêsFator Simplificado

(Multiplicar)

ago/96 4,559965

set/96 4,559783

out/96 4,553863

nov/96 4,543866

dez/96 4,531179

jan/97 4,491652

fev/97 4,421788

mar/97 4,403294

abr/97 4,352802

maio/97 4,327271

jun/97 4,314328

jul/97 4,284338

ago/97 4,280485

set/97 4,280485

out/97 4,255378

nov/97 4,240959

dez/97 4,206049

jan/98 4,177226

fev/98 4,140787

mar/98 4,139959

abr/98 4,130459

maio/98 4,130459

jun/98 4,120981

jul/98 4,109474

ago/98 4,109474

MêsFator Simplificado

(Multiplicar)

set/98 4,109474

out/98 4,109474

nov/98 4,109474

dez/98 4,109474

jan/99 4,069592

fev/99 4,023324

mar/99 3,852283

abr/99 3,777488

maio/99 3,776356

jun/99 3,776356

jul/99 3,738226

ago/99 3,679718

set/99 3,627125

out/99 3,574579

nov/99 3,508272

dez/99 3,421703

jan/00 3,380128

fev/00 3,345998

mar/00 3,339653

abr/00 3,333652

maio/00 3,329324

jun/00 3,307166

jul/00 3,276693

ago/00 3,204276

set/00 3,147001

MêsFator Simplificado

(Multiplicar)

out/00 3,125435

nov/00 3,113914

dez/00 3,101817

jan/01 3,078421

fev/01 3,063410

mar/01 3,053030

abr/01 3,028799

maio/01 2,994956

jun/01 2,981836

jul/01 2,938928

ago/01 2,892076

set/01 2,866280

out/01 2,855429

nov/01 2,814617

dez/01 2,793388

jan/02 2,788369

fev/02 2,783081

mar/02 2,778080

abr/02 2,775028

maio/02 2,755737

jun/02 2,725485

jul/02 2,678872

ago/02 2,625058

set/02 2,564535

out/02 2,498573

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RST Nº 322 – Abril/2016 – TABELAS PRÁTICAS �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������435

MêsFator Simplificado

(Multiplicar)

nov/02 2,397633

dez/02 2,265337

jan/03 2,205781

fev/03 2,158932

mar/03 2,125142

abr/03 2,090441

maio/03 2,081905

jun/03 2,095948

jul/03 2,110723

ago/03 2,114953

set/03 2,101921

out/03 2,080080

nov/03 2,070968

dez/03 2,061075

jan/04 2,050005

fev/04 2,033130

mar/04 2,025231

abr/04 2,013753

maio/04 2,005530

jun/04 1,997540

jul/04 1,987602

ago/04 1,973198

set/04 1,963381

out/04 1,960049

nov/04 1,956722

dez/04 1,948151

jan/05 1,931539

fev/05 1,920592

mar/05 1,912178

abr/05 1,898321

maio/05 1,881202

jun/05 1,868125

jul/05 1,870182

ago/05 1,869621

set/05 1,869621

out/05 1,866821

nov/05 1,856056

dez/05 1,846087

jan/06 1,838732

fev/06 1,831771

MêsFator Simplificado

(Multiplicar)

mar/06 1,827568

abr/06 1,822647

maio/06 1,820462

jun/06 1,818099

jul/06 1,819372

ago/06 1,817373

set/06 1,817737

out/06 1,814833

nov/06 1,807063

dez/06 1,799505

jan/07 1,788416

fev/07 1,779696

mar/07 1,772253

abr/07 1,764489

maio/07 1,759913

jun/07 1,755349

jul/07 1,749924

ago/07 1,744342

set/07 1,734111

out/07 1,729787

nov/07 1,724613

dez/07 1,717229

jan/08 1,700732

fev/08 1,689077

mar/08 1,680506

abr/08 1,671979

maio/08 1,661347

jun/08 1,645549

jul/08 1,630710

ago/08 1,621306

set/08 1,617909

out/08 1,615486

nov/08 1,607448

dez/08 1,601363

jan/09 1,596733

fev/09 1,586579

mar/09 1,581675

abr/09 1,578518

maio/09 1,569884

jun/09 1,560521

MêsFator Simplificado

(Multiplicar)

jul/09 1,553994

ago/09 1,550428

set/09 1,549189

out/09 1,546714

nov/09 1,543011

dez/09 1,537323

jan/10 1,533642

fev/10 1,520264

mar/10 1,509696

abr/10 1,499052

maio/10 1,488189

jun/10 1,481817

jul/10 1,483449

ago/10 1,484488

set/10 1,485528

out/10 1,477549

nov/10 1,464079

dez/10 1,449153

jan/11 1,440510

fev/11 1,427095

mar/11 1,419430

abr/11 1,410124

maio/11 1,400043

jun/11 1,392108

jul/11 1,389052

ago/11 1,389052

set/11 1,383243

out/11 1,377046

nov/11 1,372654

dez/11 1,364874

jan/12 1,357948

fev/12 1,351058

mar/12 1,345809

abr/12 1,343391

maio/12 1,334848

jun/12 1,327547

jul/12 1,324104

ago/12 1,318435

set/12 1,312528

out/12 1,304311

MêsFator Simplificado

(Multiplicar)

nov/12 1,295116

dez/12 1,288160

jan/13 1,278697

fev/13 1,267041

mar/13 1,260486

abr/13 1,252968

maio/13 1,245619

jun/13 1,241275

jul/13 1,237809

ago/13 1,239420

set/13 1,237440

out/13 1,234108

nov/13 1,226626

dez/13 1,220037

jan/14 1,211316

fev/14 1,203732

mar/14 1,196077

abr/14 1,186349

maio/14 1,177167

jun/14 1,170147

jul/14 1,167112

ago/14 1,165597

set/14 1,163503

out/14 1,157829

nov/14 1,153446

dez/14 1,147365

jan/15 1,140295

fev/15 1,123665

mar/15 1,110780

abr/15 1,094257

maio/15 1,086542

jun/15 1,075891

jul/15 1,067670

ago/15 1,061513

set/15 1,058866

out/15 1,053493

nov/15 1,045443

dez/15 1,033966

jan/16 1,024743

fev/16 1,009500

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Índice Alfabético e Remissivo

índice geral

DOUTRINAS

Trabalhista

Assunto

A TerceirizAção e o ProgrAmA de ProTeção Ao emPrego

•A Coibição da Intermediação de Mão de Obra pela Nova Lei da Terceirização (Ricardo Souza Calcini) ...................................................236

•Apontamentos sobre a Terceirização e o Po-der do Término Desmotivado da Relação de Emprego por Iniciativa Patronal: Rotatividade da Força de Trabalho (Victor Emanuel Bertoldo Teixeira) ............................................................311

•As Novidades do PPE: desde a MP 680 até a Recente Lei nº 13.189/2015 (Ricardo Souza Calcini) ..............................................................238

•A Terceirização e a Função Social do Contra-to (Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro) ...............................................................213

•A Terceirização na Organização Internacional do Trabalho e nos Estados Partes do Mercado Comum do Sul (Mercosul) – Atualizado com o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 no Caso Brasileiro – Consequências Sociais e Econô-micas (Bruno Milano Centa e Marco AntônioVillatore) ..............................................................42

•A Terceirização no Brasil e a Medida Provisó-ria nº 680/2015 Inserida na Modernidade Eco-nômica e Social (Marcelo Tolomei Teixeira) ......196

•A Terceirização no Direito do Trabalho e o Projeto de Lei nº 4.330/2004 (Ilse Marcelina Bernardi Lora) ....................................................119

•Considerações sobre o Programa de Proteçãoao Emprego (Luiz Marcelo Góis) ........................184

•Contrato de Facção e Responsabilidade por Ter-ceirização de Serviços (Gustavo Filipe BarbosaGarcia) ..............................................................100

•Da Terceirização da Relação de Trabalho (RoccoAntonio Rangel Rosso Nelson) ...........................243

•É, de Fato, Inconstitucional a Terceirização deServiços? (Rafael da Silva Marques) ...................231

•Fundo de Amparo ao Trabalhador e Programa de Proteção ao Emprego da Lei nº 13.189/2015: Parâmetros Constitucionais e Legais (Gustavo Filipe Barbosa Garcia) .......................................106

• Juridicamente, a Terceirização Já Era: Acabou! (Jorge Luiz Souto Maior) ....................................136

•Notas Críticas sobre Terceirização (Cláudio Armando Couce de Menezes) ..............................73

•O Fenômeno Jurídico da Terceirização: Aspec-tos Atuais e Relevantes no Brasil (Luiz EduardoGunther) ............................................................165

•Programa de Proteção ao Emprego: Solução? (Georgenor de Sousa Franco Filho) ......................89

•Terceirização da Perícia Médica Previdenciá-ria – MP 664/2014 e Lei nº 13.335/2015 (DirceNamie Kosugi) .....................................................85

•Terceirização e Direito do Trabalho (Rúbia Zanotelli de Alvarenga) ......................................268

•Terceirização Interna e Redundâncias (Amauri Cesar Alves) ...........................................................9

•Terceirização: Lei Versus Jurisprudência (GustavoFilipe Barbosa Garcia) .......................................112

•Terceirização: o Perverso Discurso do Mal Menor (Valdete Souto Severo) .......................................285

•Trabalho Intermediado e Precarização (José Claudio Monteiro de Brito Filho) .......................153

Autor

AmAuri cesAr Alves

•Terceirização Interna e Redundâncias ...................9

Bruno milAno cenTA e mArco AnTônio villATore

•A Terceirização na Organização Internacional do Trabalho e nos Estados Partes do Mercado Comum do Sul (Mercosul) – Atualizado com o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 no Caso Brasileiro – Consequências Sociais e Econô-micas ...................................................................42

cláudio ArmAndo couce de menezes

•Notas Críticas sobre Terceirização .......................73

dirce nAmie Kosugi

•Terceirização da Perícia Médica Previdenciária– MP 664/2014 e Lei nº 13.335/2015 ..................85

georgenor de sousA FrAnco Filho

•Programa de Proteção ao Emprego: Solução? ......89

gusTAvo FiliPe BArBosA gArciA

•Contrato de Facção e Responsabilidade por Ter-ceirização de Serviços ......................................100

•Fundo de Amparo ao Trabalhador e Programa de Proteção ao Emprego da Lei nº 13.189/2015:Parâmetros Constitucionais e Legais ..................106

•Terceirização: Lei Versus Jurisprudência ............112

ilse mArcelinA BernArdi lorA

•A Terceirização no Direito do Trabalho e o Pro-jeto de Lei nº 4.330/2004 .................................119

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RST Nº 322 – Abril/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������437 Jorge luiz souTo mAior

• Juridicamente, a Terceirização Já Era: Acabou! ..136

José clAudio monTeiro de BriTo Filho

•Trabalho Intermediado e Precarização...............153

luiz eduArdo gunTher

•O Fenômeno Jurídico da Terceirização: Aspec-tos Atuais e Relevantes no Brasil ........................165

luiz mArcelo góis

•Considerações sobre o Programa de Proteçãoao Emprego .......................................................184

mArcelo Tolomei TeixeirA

•A Terceirização no Brasil e a Medida Provi-sória nº 680/2015 Inserida na Modernidade Econômica e Social ...........................................196

mArco AnTônio villATore e Bruno milAno cenTA

•A Terceirização na Organização Internacional do Trabalho e nos Estados Partes do Mercado Comum do Sul (Mercosul) – Atualizado com o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 no Caso Brasileiro – Consequências Sociais e Eco-nômicas ...............................................................42

mAriA do PerPeTuo socorro WAnderley de cAsTro

•A Terceirização e a Função Social do Contrato..213

rAFAel dA silvA mArques

•É, de Fato, Inconstitucional a Terceirização deServiços? ............................................................231

ricArdo souzA cAlcini

•A Coibição da Intermediação de Mão de Obrapela Nova Lei da Terceirização .........................236

•As Novidades do PPE: desde a MP 680 até aRecente Lei nº 13.189/2015 ..............................238

rocco AnTonio rAngel rosso nelson

•Da Terceirização da Relação de Trabalho .........243

rúBiA zAnoTelli de AlvArengA

•Terceirização e Direito do Trabalho ..................268

vAldeTe souTo severo

•Terceirização: o Perverso Discurso do Mal Menor ................................................................285

vicTor emAnuel BerToldo TeixeirA

•Apontamentos sobre a Terceirização e o Poder do Término Desmotivado da Relação de Em-prego por Iniciativa Patronal: Rotatividade daForça de Trabalho ..............................................311

Previdenciário

Assunto

AlTerAções nA legislAção PrevidenciáriA

•A Inconstitucionalidade das Alterações no Re-gime de Previdência Complementar dos Servi-dores Federais (Bruno Sá Freire Martins) ............343

•A Nova Pensão por Morte Introduzida pela Lei nº 13.135/2015 (Erica B. Correia) ......................353

•A Nova Pensão por Morte Previdenciária (SérgioHenrique Salvador) ............................................402

•Aposentadoria e Fator Previdenciário: Mudan-ças Legislativas (Gustavo Filipe Barbosa Garcia) .. 361

•A Verdadeira Fórmula 95 (Wladimir Novaes Martinez) ...........................................................426

•As Alterações na Legislação Previdenciária Pro-movidas pela Medida Provisória nº 676/2015 (Alexandre Schumacher Triches e Aline OrtizVieira) ................................................................331

•As Novas Regras da Pensão por Morte: Co-mentários às Alterações da MP 664/2014 e da Lei nº 13.135/2015 (Oscar Valente Cardoso e Adir José da Silva Júnior) ....................................383

•Cessação da Pensão por Morte no Caso de Simulação de Casamento ou União Estável: Artigo 74, § 2º, da Lei de Benefícios (Redação Dada pela Lei nº 13.135/2015) (Marco AurélioSerau Junior) ......................................................366

•Direitos Sociais em Depressão – Relato de Uma Viagem aos Dias de Hoje (Marcus OrioneGonçalves Correia) ............................................377

•O Novo Regime de Pensão por Morte no INSS e o Conflito com a Jurisprudência do STF e do STJ (Vinícius Pacheco Fluminhan e MuriloRezende dos Santos) ..........................................410

•Revisão dos Benefícios de Pensão por Morte Concedidos na Vigência da Medida Provisória nº 664/2014: uma Análise à Luz da Judicializa-ção (Tatiana Sada Jordão) ..................................404

Autor

Adir José dA silvA Júnior e oscAr vAlenTe cArdoso

•As Novas Regras da Pensão por Morte: Co-mentários às Alterações da MP 664/2014 e da Lei nº 13.135/2015 ............................................383

AlexAndre schumAcher Triches e Aline orTiz vieirA

•As Alterações na Legislação Previdenciária Pro-movidas pela Medida Provisória nº 676/2015 ...331

Aline orTiz vieirA e AlexAndre schumAcher Triches

•As Alterações na Legislação Previdenciária Pro-movidas pela Medida Provisória nº 676/2015 ..........................................................................331

Page 438: ISSN 2179-1643 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 322_miolo.pdf · Mauricio Godinho Delgado, Raimar Machado, Sergio Pinto Martins, ... de repositório autorizado, levando a você

438 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RST Nº 322 – Abril/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Bruno sá Freire mArTins

•A Inconstitucionalidade das Alterações no Re-gime de Previdência Complementar dos Servi-dores Federais ....................................................343

ericA B. correiA

•A Nova Pensão por Morte Introduzida pela Lei nº 13.135/2015 ............................................353

gusTAvo FiliPe BArBosA gArciA

•Aposentadoria e Fator Previdenciário: Mudan-ças Legislativas ..................................................361

mArco Aurélio serAu Junior

•Cessação da Pensão por Morte no Caso de Si-mulação de Casamento ou União Estável: Arti- go 74, § 2º, da Lei de Benefícios (Redação Da-da pela Lei nº 13.135/2015)...............................366

mArcus orione gonçAlves correiA

•Direitos Sociais em Depressão – Relato de UmaViagem aos Dias de Hoje ..................................377

murilo rezende dos sAnTos e vinícius PAcheco FluminhAn

•O Novo Regime de Pensão por Morte no INSS e o Conflito com a Jurisprudência do STF e do STJ .... 410

oscAr vAlenTe cArdoso e Adir José dA silvA Júnior

•As Novas Regras da Pensão por Morte: Co-mentários às Alterações da MP 664/2014 e daLei nº 13.135/2015 ............................................383

sérgio henrique sAlvAdor

•A Nova Pensão por Morte Previdenciária ..........402

TATiAnA sAdA Jordão

•Revisão dos Benefícios de Pensão por Morte Concedidos na Vigência da Medida Provisó-ria nº 664/2014: uma Análise à Luz da Judi-cialização ..........................................................404

vinícius PAcheco FluminhAn e murilo rezende dos sAnTos

•O Novo Regime de Pensão por Morte no INSS e o Conflito com a Jurisprudência do STF edo STJ ................................................................410

WlAdimir novAes mArTinez

•A Verdadeira Fórmula 95 ...................................426

•TABELAS PRÁTICAS ..........................................432

• ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ..................436


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