+ All Categories
Home > Documents > Linfoma Primário (Não Hodgkin) da Mama - Caso Clínico e … · A TC do tórax, abdómen e pelve...

Linfoma Primário (Não Hodgkin) da Mama - Caso Clínico e … · A TC do tórax, abdómen e pelve...

Date post: 30-Nov-2018
Category:
Upload: lyxuyen
View: 212 times
Download: 0 times
Share this document with a friend
4
ARP87 Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXIII, nº 89, pág. 87-90, Jan.-Abr., 2011 Casos Clínicos / Radiological Case Reports Recebido a 23/12/2009 Aceite a 05/07/2010 Linfoma Primário (Não Hodgkin) da Mama - Caso Clínico e Revisão da Literatura Primary Non-Hodgkin Lymphoma of the Breast: A Case Report and Review of the Literature Mónica Vieira 1 , Helena Martelo 2 , Manuel Matias 3 1 Interno Complementar de Radiologia 2 Assistente Hospitalar de Radiologia 3 Chefe de Serviço de Radiologia Serviço de Imagiologia, Hospital José Joaquim Fernandes, Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, Beja Director: Dr. Manuel Matias Resumo O linfoma primário da mama é uma neoplasia rara, representando cerca de 0,04 - 0,5% dos tumores da mama. As características imagiológicas podem sugerir a possibilidade de linfoma, mas não existem achados patognomónicos. A biopsia é essencial para o diagnóstico. O tratamento e prognóstico são similares aos do linfoma do mesmo tipo histológico e no mesmo estadio noutras localizações. Os autores apresentam um caso de linfoma não Hodgkin primário da mama numa mulher de 67 anos, que se apresentou com uma massa solitária da mama direita e fazem uma revisão da literatura. Palavras-chave Linfoma Primário; Mama; Imagiologia. Abstract Primary lymphoma of the breast is a rare tumor representing 0,1-0,5 % of all breast malignancies. The imaging characteristics may suggest the diagnosis; none of the findings are pathognomonic. Diagnostic biopsy is required. In general, therapy and prognosis are similar to lymphomas of same stage and histology in other localizations. The authors report a case of primary non-Hodgkin breast lymphoma in a 67 year old woman, which presented as a solitary mass on right breast. Clinical findings, diagnostic work-up, and follow-up are provided along with a review of the literature on primary breast lymphoma. Key-words Primary Lymphoma; Breast; Imaging. Introdução O linfoma primário da mama é uma neoplasia rara, constituindo 0,04 – 0,5% das neoplasias da mama e 1 - 2% de todos os linfomas extra-ganglionares. [1,2] A maioria são linfomas não Hodgkin (LNH). O linfoma B difuso de células grandes, o linfoma de Burkitt e o linfoma B da zona marginal são os tipos histológicos mais comuns [3-5]. Os critérios de diagnóstico incluem: adequada avaliação patológica, forte associação entre o tecido mamário e o infiltrado linfocitário, exclusão de linfoma disseminado no momento do diagnóstico ou de antecedentes de linfoma extra-mamário, confirmação de que a mama é o principal órgão envolvido, sendo que o envolvimento axilar ipsilateral é aceitável, caso seja concomitante com a lesão primária. [6] O envolvimento secundário é mais frequente e faz parte do longo espectro de tumores metastáticos da mama. Corresponde a cerca de 1 - 5% dos tumores malignos da mama e apresenta-se, tipicamente, sob a forma de múltiplas
Transcript

ARP87

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXIII, nº 89, pág. 87-90, Jan.-Abr., 2011

Casos Clínicos / Radiological Case Reports

Recebido a 23/12/2009Aceite a 05/07/2010

Linfoma Primário (Não Hodgkin) da Mama - Caso Clínicoe Revisão da Literatura

Primary Non-Hodgkin Lymphoma of the Breast: A Case Report andReview of the Literature

Mónica Vieira1, Helena Martelo2, Manuel Matias3

1Interno Complementar de Radiologia2Assistente Hospitalar de Radiologia3Chefe de Serviço de RadiologiaServiço de Imagiologia, Hospital José Joaquim Fernandes, Unidade Local de Saúde do BaixoAlentejo, BejaDirector: Dr. Manuel Matias

Resumo

O linfoma primário da mama é uma neoplasia rara, representando cerca de 0,04 - 0,5% dos tumores da mama.As características imagiológicas podem sugerir a possibilidade de linfoma, mas não existem achados patognomónicos. A biopsiaé essencial para o diagnóstico.O tratamento e prognóstico são similares aos do linfoma do mesmo tipo histológico e no mesmo estadio noutras localizações.Os autores apresentam um caso de linfoma não Hodgkin primário da mama numa mulher de 67 anos, que se apresentou com umamassa solitária da mama direita e fazem uma revisão da literatura.

Palavras-chave

Linfoma Primário; Mama; Imagiologia.

Abstract

Primary lymphoma of the breast is a rare tumor representing 0,1-0,5 % of all breast malignancies.The imaging characteristics may suggest the diagnosis; none of the findings are pathognomonic. Diagnostic biopsy is required.In general, therapy and prognosis are similar to lymphomas of same stage and histology in other localizations.The authors report a case of primary non-Hodgkin breast lymphoma in a 67 year old woman, which presented as a solitary masson right breast.Clinical findings, diagnostic work-up, and follow-up are provided along with a review of the literature on primary breast lymphoma.

Key-words

Primary Lymphoma; Breast; Imaging.

Introdução

O linfoma primário da mama é uma neoplasia rara,constituindo 0,04 – 0,5% das neoplasias da mama e 1 -2% de todos os linfomas extra-ganglionares. [1,2] Amaioria são linfomas não Hodgkin (LNH). O linfoma Bdifuso de células grandes, o linfoma de Burkitt e o linfomaB da zona marginal são os tipos histológicos mais comuns[3-5].

Os critérios de diagnóstico incluem: adequada avaliaçãopatológica, forte associação entre o tecido mamário e oinfiltrado linfocitário, exclusão de linfoma disseminadono momento do diagnóstico ou de antecedentes de linfomaextra-mamário, confirmação de que a mama é o principalórgão envolvido, sendo que o envolvimento axilaripsilateral é aceitável, caso seja concomitante com a lesãoprimária. [6]O envolvimento secundário é mais frequente e faz partedo longo espectro de tumores metastáticos da mama.Corresponde a cerca de 1 - 5% dos tumores malignos damama e apresenta-se, tipicamente, sob a forma de múltiplas

88 ARP

lesões mamárias com documentação prévia ou simultâneade lesões em outros órgãos. [4,7,8]Os linfomas da mama têm uma distribuição bi-modal com2 picos na 4ª e 7ª décadas.[3,9]

Caso clínico

Doente do sexo feminino, 67 anos, referenciada pelomédico assistente por ter notado tumefacção não dolorosaretro-areolar na mama direita com algumas semanas deevolução. Sem outras queixas nomeadamente na mamacontralateral. Negava astenia, anorexia, emagrecimento,suores nocturnos ou febre.Tinha antecedentes de ruptura de gravidez ectópica elaqueação tubária aos 45 anos. Menarca aos 14 anos,menopausa aos 50 anos. 4G, 5P, 1A, primeira gravidezantes aos 20 anos, e tempo de aleitamento superior a 6meses. Sem história familiar de neoplasia da mama ouovário.Ao exame físico apresentava nódulo de morfologiaesférica, consistência dura, superfície irregular, limitesimprecisos, móvel, não doloroso, com cerca de 3 cm naregião retro-areolar à direita associada a adenopatiasaxilares. Não tinha alterações da pele, região areolo-mamilar ou corrimento mamilar.A mamografia mostrou imagem nodular radiodensa, decontornos lobulados e limites parcialmente mal definidos,medindo 38 x 31 mm na região retro-areolar direita semmicrocalcificações, distorções do estroma, alterações dapele ou tecido subcutâneo associadas. No estudo ecográficoesta lesão correspondia a formação nodular sólida,hipoecogénica, de ecoestrutura heterogénea, morfologiaovalada de contornos lobulados, limites mal definidos, comvascularização, medindo 33 mm de maior eixo.(fig.1)A doente não possuía exames para estudo comparativo.Estes achados foram classificados como suspeitos demalignidade(BIRADS-4), tendo sido marcadamicrobiopsia, que mostrou infiltração por células atípicas

CD20+, diagnosticando linfoma não Hodgkin B difuso decélulas grandes.Para estadiamento, foram realizados: biopsia da medulaóssea, que mostrou ausência de infiltração por célulasneoplásicas; exame de líquido cefalorraquidiano, quetambém foi negativo para células neoplásicas; doseamentode DHL, que estava dentro dos limites da normalidade (140U/l); tomografia computorizada (TC) de tórax,abdómen e pelve revelou além da formação nodular jáconhecida, adenopatias milimétricas em ambas as regiõesaxilares, no mediastino e foco hipodenso nodular com 1cm no segmento II do fígado. (fig.2)Em 9/1/09 iniciou quimioterapia R-CHOP (ritoximab,ciclofosfamida doxorrubicina, vincristina, prednisolona)e cumpriu 6 ciclos.

A B C

D E F

Fig. 1 - Mamografia e ecografia mamária: na região retroareolar damama direita observa-se imagem nodular radiodensa, hipoecogénica,de contornos lobulados e limites parcialmente mal definidos.

Fig. 2 - TC de tórax, abdómen epelve revelou além da formaçãonodular já conhecida, adenopatiasmilimétricas em ambas as regiõesaxilares e foco hipodenso nodularde limites bem definidos nosegmento II do fígado.

A B

C

Foi enviada para reavaliação. A mamografia documentouevolução favorável traduzida por redução das dimensõesda massa, existindo, contudo, assimetria com discretoaumento da densidade na região retro-areolar e transiçãodos quadrantes superiores. (fig.3) O estudo ecográficomostrou pequena imagem ecogénica com atenuaçãoposterior, de significado pouco específico. Colocou-se ahipótese destes aspectos poderem corresponder aalterações sequelares ou a ausência de remissão completada neoplasia, pelo que efectuou Ressonância Magnética(RM) mamária, que excluiu sinais de persistência tumoralna mama direita.(fig.4)A TC do tórax, abdómen e pelve demonstrou, aspectosobreponível da lesão hepática em relação ao exameanterior, reforçando as características a favor debenignidade, correspondendo a provável quisto biliar enão foram visualizadas outras alterações, nomeadamenteenvolvimento ganglionar ou alterações esplénicas.A doente está a ser seguida e encontra-se em remissãocompleta.

Discussão

No que diz respeito ao linfoma primário da mama, existemduas variantes clínico-patológicas.[2]A maioria das doentes apresenta-se com uma tumefacçãomamária de crescimento rápido, unilateral, com

ARP89

consistência elástica, móvel e indolor. Em cerca de 10%dos casos há atingimento bilateral e existem adenopatiasaxilares associadas em 30 - 50% dos casos.[1,3] Podeexistir fixação cutânea ou alterações inflamatórias. A mamadireita é a mais atingida, especialmente o quadrante supero-externo [1,3,6,9]. Os homens raramente são afectados.Menos comummente, e geralmente em mulheres jovensdurante a gravidez ou no pós-parto, apresenta-se sob aforma de aumento difuso da consistência da mama comespessamento cutâneo, podendo mimetizar o carcinomainflamatório. Muitas vezes tem atingimento bilateral. Amaior parte são linfomas de Burkitt e têm mau prognósticodevido à rápida disseminação generalizada, inclusivamentepara o SNC. O linfoma B difuso de grandes células tambémse pode apresentar sob esta forma, mas tem melhorprognóstico. [6]Os sintomas B são incomuns. [1]

Mamograficamente, apresentam-se, geralmente, como umalesão solitária radiodensa ou isodensa, de contornoslobulados ou irregulares, limites mal definidos. Ascalcificações ou contornos espiculados não são comuns eesta última reflecte a ausência de reacção desmoplásicadestas neoplasias. [3,10]Menos frequentemente, podem apresentar-se sob a formade múltiplas massas ou de assimetria com aumento difusoda radiodensidade. [4,5,11] As alterações cutâneas esubcutâneas estão presentes numa pequena percentagemdos casos.[5] Não foi encontrada correlação entre o tipohistológico e as características mamograficas.[4]Os achados ecográficos são inespecíficos e incluem, maisfrequentemente, lesão hipoecogénica, heterogénea,hipervascular, de limites mal definidos, sem atenuaçãoposterior de ecos. Também podem surgir como massashipoecogénicas bem delimitadas, por vezes com haloenvolvente, massas iso/hiperecogénicas ou infiltraçãonodular difusa da mama associada a distorção daarquitectura. [4,5,7,8]A RM pode mostrar captação focal ou difusa, que podeser precoce ou tardia. [5]O diagnóstico definitivo requer biopsia, e embora a biopsiaaspirativa por agulha fina possa servir para o diagnóstico,a microbiopsia é geralmente necessária para distinguir osubtipo.Como os restantes linfomas, estes são estadiados de acordocom o sistema Ana Arbors. O estadiamento requeravaliação dos sintomas B como parte da história clínica eexame físico, exames de imagem como a TC tórax,abdómen e pelve para detectar eventual disseminaçãovisceral e ganglionar, biopsia da medula óssea paraidentificar envolvimento medular e exames laboratoriais,incluindo análise de líquido cefalorraquidiano para detectarenvolvimento cerebral e DHL sérico que tem papelprognóstico.[12]O tratamento e prognóstico são similares aos linfomas domesmo tipo histológico e no mesmo estadio, noutraslocalizações. [13] A cirurgia geralmente não é necessáriadada a sua sensibilidade à radio e quimioterapia. [13] Oprognóstico pode ser avaliado usando o Índex dePrognóstico Internacional (IPI) e depende do estadio e tipohistológico.[1] Outros factores de mau prognóstico incluem

A B

C D

E

Fig. 3 - Mamografia e ecografiamamária: assimetria traduzida pordiscreto aumento da densidade naregião retro-areolar e transição dosquadrantes superiores da mamadireita. O estudo ecográfico mostroupequena imagem ecogénica comatenuação posterior, de significadopouco específico.

A B

C D

Fig. 4 - RM mamária: ausência de alterações valorizáveis ou assimetriassuspeitas.

90 ARP

idade> 60 anos, DHL sérico elevado, status EasteanCoopetive Oncology Group (ECOG) > 2.[13]

Conclusão

O linfoma apresenta-se mais frequentemente sob a formade uma massa densa, hipoecogénica, hipervascular lobularou irregular, de limites mal definidos. Estas característicasimagiológicas devem alertar para a possibilidade dediagnóstico de linfoma da mama. Contudo não existemachados patognomónicos, podendo estes ser indistinguíveisde outros carcinomas mamários, fiboadenomas, tumorfilóide, doença metastática ou outras entidades.

Bibliografia1. Giardini, R.; Piccolo, C.; Rilke, F.- Primary Non-Hodgkin’sLymphomas Of The Female Breast. Cancer, 1992; 69:725-735.

2. Brogi, E.; Harris, N. L.- Lymphomas Of The Breast: Pathology AndClinical Behavior. Semin Oncol, 1999; 26:357-364.

3. Brustein, S.; Filippa, D. A.; Kimmel, M.; et al. - Malignant LymphomaOf The Breast: A Study Of 53 Patients. Ann Surg, 1987;205:144–150.

40. Liberman L.; Giess C. S.; Dershaw D. D.; et al.- Non-HodgkinLymphoma Of The Breast: Imaging Characteristics And CorrelationWith Histopathologic Findings. Radiology, 1994;192: 157–160.

5. Yang, W. T.; Lane, D. L.; Le-Petross, H. T.; Abruzzo, L. V.; Macapinlac,H.A.- Breast Lymphoma: Imaging Findings Of 32 Tumors In 27 Patients.Radiology, 2007, 245:692-702.

6. Wiseman, C.; Liao, K. T.- Primary Lymphoma Of The Breast. Cancer,1972; 29:1705-1712.

7. Jackson, F. I.; Lalani, Z. H.- Breast Lymphoma: Radiologic ImagingAnd Clinical Appearances. Can Assoc Radiol J, 1991,42:48–54.

8. Petrek, J. A.- Lymphoma. In: Harris JR, Hellma, S, Henderson IC, etal, eds. Breast diseases.2nd ed. Philadelphia, Pa: Lippincott,1991; pp806–807.

9. Abbondanzo, S. L.; Seidman, J. D.; Lefkowitz M. et al.- PrimaryDiffuse Large B-Cell Lymphoma Of The Breast: A ClinicopathologicStudy Of 31 Cases. Pathol Res Pract 1996,192:37–43.

10. Mori, K.; Inoue, Y.; Nishi, T.: et al. - Primary Malignant LymphomaOf The Breast: Mammographic And Ultrasonographic Findings. BreastCancer, 1998; 5:93-.

11. Meyer, J. E.; Kopans, D. B.; Long J. C. - Mammographic AppearanceOf Malignant Lymphoma Of The Breast. Radiology, 1980,135:623-626.

12. American Joint Committee on Cancer.- Non-Hodgkin’s Lymphoma.In:,Beahrs, O.H.; Henson, D.E.; Hutter, R.V.P.; Kennedy, B.J. eds.Manual for Staging of Cancer. 4th ed. Philadelphia, Pa: JB LippincottCo; 1992:261-265.

13. Wong, W. W.; Schild, S. E.; Halyard, M. Y.; Schomberg, P. J.- PrimaryNon-Hodgkin Lymphoma Of The Breast: The Mayo Clinic Experience.J Surg Oncol, 2002,80:19-25.

CorrespondênciaMónica Alexandra Alves VieiraServiço de ImagiologiaHospital José Joaquim Fernandes - Unidade Local de Saúde do BaixoAlentejoRua Dr. António Fernando Covas Lima7801-849 Beja


Recommended