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Longe de Um Final Feliz

Date post: 13-Dec-2015
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Capítulo sobre a felicidade nas organizaçoes
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A dministração 6 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia FAR FROM A HAPPY END? An analysis of new labor relations based on the movie in Good Company RESUMO Embora não seja uma novidade nas ciências sociais, a utilização do cinema como objeto de estudo, ainda é um campo pouco explorado, especialmente na área da Administração. Esse material de pesquisa, além de fonte de reflexão e aprendizado sobre a realidade, se mostra relevante quando é compreendido como veículo de culturas e ideologias. Assim, o presente artigo tem por objetivo analisar o discurso sobre as mudanças nas relações de trabalho presentes no filme Em Boa Companhia (IN GOOD COMPANY, 2004). Tendo como personagens principais dois profissionais em idades distintas - um jovem promissor e um profissional sênior, no final de carreira, a produção oferece um retrato sutil sobre as transformações ocorridas nas últimas décadas nas modernas corporações norte-americanas. A análise revela uma visão ao mesmo tempo saudosista e pessimista, onde a nova configuração do trabalho é retratada como disfuncional, aniquiladora da individualidade e do espírito humano. O filme parece sinalizar, assim, para os riscos apontados por autores como Ransome (1999) e Gorz (1999) sobre o efeito corrosivo desses novos arranjos na crença do trabalho como fonte de realização das expectativas materiais e psicológicas dos indivíduos. Palavras-chave: Mudança organizacional. Comportamento organizacional. Relações de trabalho. ABSTRACT Although it is not a novelty in Social Sciences, the use of movies as a case study methodology is little explored, especially in organizational analysis. This data can be used not only as a source to reflect and better learn the reality, but also as a way to understand culture and ideology. So, the objective of this article is to analyze the discourse on the changes in the labor relations presented in the movie In Good Company (2004). The main characters are two workers with different ages and different stages of their professional careers- a promising young man in an ascension phase and a senior professional, near from his retirement. With this background, the movie offers a subtle portrait on the transformations Maribel Carvalho SUAREZ Doutoranda em Administração de Empresas pela PUC-Rio. Mestre em Administração de Empresas pelo COPPEAD/ UFRJ tendo formação em Comunicação Social pela UFRJ. Contatos: Fone: (21)2598-9800 Fax: (21)2598-9840 E-mail: [email protected] Patrícia Amélia TOMEI Doutorado em doutorado sandwich - New School for Social Research (1986) e doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (1988), Mestrado em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1981). Possui graduação em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas - RJ (1978), é professora associada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/IAG desde 1979. Contatos: Fones: (21) 31141414 Fax: (21) 31131426 E-mail: [email protected]r LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI Artigo recebido em 14/11/2007 - Aprovado em 11/09/2008
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Administração

6 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007

LONGE DE UM FINAL FELIZ?Uma análise das novas relações de

trabalho a partir do filme emBoa Companhia

FAR FROM A HAPPY END? An analysis of new labor

relations based on the movie in Good Company

RESUMOEmbora não seja uma novidade nas ciências sociais, a utilização do cinema como objeto de estudo, ainda é um campo pouco explorado, especialmente na área da Administração. Esse material de pesquisa, além de fonte de reflexão e aprendizado sobre a realidade, se mostra relevante quando é compreendido como veículo de culturas e ideologias. Assim, o presente artigo tem por objetivo analisar o discurso sobre as mudanças nas relações de trabalho presentes no filme Em Boa Companhia (IN GOOD COMPANY, 2004). Tendo como personagens principais dois profissionais em idades distintas - um jovem promissor e um profissional sênior, no final de carreira, a produção oferece um retrato sutil sobre as transformações ocorridas nas últimas décadas nas modernas corporações norte-americanas. A análise revela uma visão ao mesmo tempo saudosista e pessimista, onde a nova configuração do trabalho é retratada como disfuncional, aniquiladora da individualidade e do espírito humano. O filme parece sinalizar, assim, para os riscos apontados por autores como Ransome (1999) e Gorz (1999) sobre o efeito corrosivo desses novos arranjos na crença do trabalho como fonte de realização das expectativas materiais e psicológicas dos indivíduos. Palavras-chave: Mudança organizacional. Comportamento organizacional. Relações de trabalho.

ABSTRACTAlthough it is not a novelty in Social Sciences, the use of movies as a case study methodology is little explored, especially in organizational analysis. This data can be used not only as a source to reflect and better learn the reality, but also as a way to understand culture and ideology. So, the objective of this article is to analyze the discourse on the changes in the labor relations presented in the movie In Good Company (2004). The main characters are two workers with different ages and different stages of their professional careers- a promising young man in an ascension phase and a senior professional, near from his retirement. With this background, the movie offers a subtle portrait on the transformations

1 INTRODUÇÃO mulheres e homens têm de si mesmos, seus papéis, seu lugar”.

Tendo em vista esses dois pressupostos, as possibilidades de

reflexão teórica geradas pela análise de obras de arte e a sua Ao longo da última década, diversas produções

importância na afirmação e transformação da cultura, o presente cinematográficas têm colocado o mundo corporativo na berlinda. Não

artigo tem por objetivo analisar o discurso sobre as mudanças nas apenas os documentários (THE CORPORATION, 2003; SUPER SIZE ME,

2003) – gênero que na sua essência procura fazer a crítica e a reflexão relações de trabalho, a partir do filme Em boa companhia (IN GOOD

sobre a realidade, mas também diversas obras ficcionais lançaram seu COMPANY, 2004). O interesse nessa produção em particular reside

justamente no fato de que, ao contrário dos filmes citados acima, essa olhar crítico para as empresas nesse início de século. Filmes como O

película não está centrada na crítica ao mundo empresarial. Closet (LE PLACARD, 2001), O Corte (LE COUPERET, 2005) e O que

Apresentada como uma comédia romântica, o filme traz a empresa você Faria? (EL MÉTODO, 2005) são exemplos de produções que têm

como cenário de fundo das relações pessoais desenroladas ao longo do em comum uma representação mordaz e pessimista sobre as novas

filme. Tendo como personagens principais dois profissionais em relações de trabalho - tema que, também no ambiente acadêmico, gera

idades distintas (um jovem promissor e um profissional sênior, no reflexões de autores como (ROUSSEAU, 1995); (KANTER, 1997);

final de carreira), o filme oferece um retrato sutil sobre as mudanças (CAPPELLI, 1999); (SENNETT, 1999), entre outros.

ocorridas nas relações de trabalho nas últimas décadas, através do Embora não seja uma novidade nas ciências humanas, a

choque gerado pela perspectiva de duas gerações distintas. Nesse utilização do cinema como objeto de estudo ainda é um campo pouco

sentido, a produção oferece uma visão oportuna sobre o trabalho e explorado, especialmente na área de Administração. Phillips (1995)

suas transformações nas modernas corporações norte-americanas.postula em seu artigo uma maior abertura do campo de estudos

Do ponto de vista conceitual, pretende-se, a partir desse organizacionais para utilização de narrativas ficcionais, como material

filme, refletir sobre como são retratadas as empresas e quais os de ensino, contextualização, fonte de dados e metodologia de análise.

impactos das recentes mudanças no mercado de trabalho. E, num Para o autor, o uso desse tipo de material se torna relevante por sua

outro sentido, qual o significado e os possíveis reflexos do ponto de vista capacidade de fortalecer a conexão entre a análise organizacional como

apresentado por essa produção para os indivíduos e as organizações? disciplina acadêmica e a experiência subjetiva de pertencimento a uma

Atrelado a esse primeiro objetivo, espera-se que o presente organização.

artigo possa servir ainda como uma possível referência para Num campo próximo, o de estudos do comportamento do

professores interessados em utilizar o filme para apresentação e consumidor, pesquisadores como Holbrook e Grayson (1986);

discussão de conceitos teóricos e sobre as novas relações de trabalho, McCracken (1989); Hirschman (2000); Brown (2005), entre outros,

contratos de trabalho, relação trabalho X vida familiar.vêm desenvolvendo trabalhos a partir da análise de filmes, séries de TV,

comerciais, revistas e livros. Para Belk (1986, p. 24, apud BROWN,

2005), “é possível aprender mais a partir de uma boa novela do que de 1.1 Um novo arranjo nas relações de trabalho.

um sólido trabalho de pesquisa em ciências sociais”. Ainda que essa Em um passado recente, as relações de trabalho entre

citação soe “pouco científica” e até mesmo exagerada, ela tem seu empregado e empregador eram caracterizadas por alguns princípios

mérito na medida em que expõe a importância do pensamento básicos, que implicavam principalmente um emprego de longo prazo,

acadêmico se debruçar sobre esse importante material de pesquisa. pontuado por promoções ao longo da hierarquia de cargos e salários.

Filmes, assim como outras formas de expressão artística, Estas promoções, normalmente baseadas em tempo de trabalho na

são veículos da cultura e das visões vigentes. Portanto, crenças e valores empresa, eram o principal fator motivacional do funcionário e tinham

codificados através das imagens da narrativa são representativos da uma relação direta com o conceito de progresso nesta forma

cultura que produz e consome tais filmes. Ou, nas palavras de tradicional de relacionamento. A nova lógica de mercado culminou

Hirschman e Stern (1994, p. 580): “o consumo de imagens com a ruptura desse contrato tradicional de trabalho (old deal),

cinematográficas tem um poderoso efeito sobre a imagem que acabando com os princípios de reciprocidade e comprometimento de

Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 7

Maribel Carvalho SUAREZDoutoranda em Administração de Empresas pela PUC-Rio. Mestre em Administração de Empresas pelo COPPEAD/ UFRJ tendo formação em Comunicação Social pela UFRJ. Contatos: Fone: (21)2598-9800 Fax: (21)2598-9840 E-mail: [email protected]

Patrícia Amélia TOMEIDoutorado em doutorado sandwich - New School for Social Research (1986) e doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (1988), Mestrado em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1981). Possui graduação em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas - RJ (1978), é professora associada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/IAG desde 1979. Contatos: Fones: (21) 31141414 Fax: (21) 31131426 E-mail: [email protected]

occurred in the last decades in the modern North American corporations. The analysis shows a vision at the same time nostalgic and pessimistic, where the “new deal” is portrayed as dysfunctional, destructive of the individuality and of the human spirit. The movie appointed for the risks identified by authors like Ransome (1999) and Gorz (1999) of the corrosive effect of these new arrangements in the belief of the work as a source of accomplishment of the material and psychological expectations of the individuals.Key-words: Organizational change. Organizational behavior. Labor relations.

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI

Artigo recebido em 14/11/2007 - Aprovado em 11/09/2008

Administração

6 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007

LONGE DE UM FINAL FELIZ?Uma análise das novas relações de

trabalho a partir do filme emBoa Companhia

FAR FROM A HAPPY END? An analysis of new labor

relations based on the movie in Good Company

RESUMOEmbora não seja uma novidade nas ciências sociais, a utilização do cinema como objeto de estudo, ainda é um campo pouco explorado, especialmente na área da Administração. Esse material de pesquisa, além de fonte de reflexão e aprendizado sobre a realidade, se mostra relevante quando é compreendido como veículo de culturas e ideologias. Assim, o presente artigo tem por objetivo analisar o discurso sobre as mudanças nas relações de trabalho presentes no filme Em Boa Companhia (IN GOOD COMPANY, 2004). Tendo como personagens principais dois profissionais em idades distintas - um jovem promissor e um profissional sênior, no final de carreira, a produção oferece um retrato sutil sobre as transformações ocorridas nas últimas décadas nas modernas corporações norte-americanas. A análise revela uma visão ao mesmo tempo saudosista e pessimista, onde a nova configuração do trabalho é retratada como disfuncional, aniquiladora da individualidade e do espírito humano. O filme parece sinalizar, assim, para os riscos apontados por autores como Ransome (1999) e Gorz (1999) sobre o efeito corrosivo desses novos arranjos na crença do trabalho como fonte de realização das expectativas materiais e psicológicas dos indivíduos. Palavras-chave: Mudança organizacional. Comportamento organizacional. Relações de trabalho.

ABSTRACTAlthough it is not a novelty in Social Sciences, the use of movies as a case study methodology is little explored, especially in organizational analysis. This data can be used not only as a source to reflect and better learn the reality, but also as a way to understand culture and ideology. So, the objective of this article is to analyze the discourse on the changes in the labor relations presented in the movie In Good Company (2004). The main characters are two workers with different ages and different stages of their professional careers- a promising young man in an ascension phase and a senior professional, near from his retirement. With this background, the movie offers a subtle portrait on the transformations

1 INTRODUÇÃO mulheres e homens têm de si mesmos, seus papéis, seu lugar”.

Tendo em vista esses dois pressupostos, as possibilidades de

reflexão teórica geradas pela análise de obras de arte e a sua Ao longo da última década, diversas produções

importância na afirmação e transformação da cultura, o presente cinematográficas têm colocado o mundo corporativo na berlinda. Não

artigo tem por objetivo analisar o discurso sobre as mudanças nas apenas os documentários (THE CORPORATION, 2003; SUPER SIZE ME,

2003) – gênero que na sua essência procura fazer a crítica e a reflexão relações de trabalho, a partir do filme Em boa companhia (IN GOOD

sobre a realidade, mas também diversas obras ficcionais lançaram seu COMPANY, 2004). O interesse nessa produção em particular reside

justamente no fato de que, ao contrário dos filmes citados acima, essa olhar crítico para as empresas nesse início de século. Filmes como O

película não está centrada na crítica ao mundo empresarial. Closet (LE PLACARD, 2001), O Corte (LE COUPERET, 2005) e O que

Apresentada como uma comédia romântica, o filme traz a empresa você Faria? (EL MÉTODO, 2005) são exemplos de produções que têm

como cenário de fundo das relações pessoais desenroladas ao longo do em comum uma representação mordaz e pessimista sobre as novas

filme. Tendo como personagens principais dois profissionais em relações de trabalho - tema que, também no ambiente acadêmico, gera

idades distintas (um jovem promissor e um profissional sênior, no reflexões de autores como (ROUSSEAU, 1995); (KANTER, 1997);

final de carreira), o filme oferece um retrato sutil sobre as mudanças (CAPPELLI, 1999); (SENNETT, 1999), entre outros.

ocorridas nas relações de trabalho nas últimas décadas, através do Embora não seja uma novidade nas ciências humanas, a

choque gerado pela perspectiva de duas gerações distintas. Nesse utilização do cinema como objeto de estudo ainda é um campo pouco

sentido, a produção oferece uma visão oportuna sobre o trabalho e explorado, especialmente na área de Administração. Phillips (1995)

suas transformações nas modernas corporações norte-americanas.postula em seu artigo uma maior abertura do campo de estudos

Do ponto de vista conceitual, pretende-se, a partir desse organizacionais para utilização de narrativas ficcionais, como material

filme, refletir sobre como são retratadas as empresas e quais os de ensino, contextualização, fonte de dados e metodologia de análise.

impactos das recentes mudanças no mercado de trabalho. E, num Para o autor, o uso desse tipo de material se torna relevante por sua

outro sentido, qual o significado e os possíveis reflexos do ponto de vista capacidade de fortalecer a conexão entre a análise organizacional como

apresentado por essa produção para os indivíduos e as organizações? disciplina acadêmica e a experiência subjetiva de pertencimento a uma

Atrelado a esse primeiro objetivo, espera-se que o presente organização.

artigo possa servir ainda como uma possível referência para Num campo próximo, o de estudos do comportamento do

professores interessados em utilizar o filme para apresentação e consumidor, pesquisadores como Holbrook e Grayson (1986);

discussão de conceitos teóricos e sobre as novas relações de trabalho, McCracken (1989); Hirschman (2000); Brown (2005), entre outros,

contratos de trabalho, relação trabalho X vida familiar.vêm desenvolvendo trabalhos a partir da análise de filmes, séries de TV,

comerciais, revistas e livros. Para Belk (1986, p. 24, apud BROWN,

2005), “é possível aprender mais a partir de uma boa novela do que de 1.1 Um novo arranjo nas relações de trabalho.

um sólido trabalho de pesquisa em ciências sociais”. Ainda que essa Em um passado recente, as relações de trabalho entre

citação soe “pouco científica” e até mesmo exagerada, ela tem seu empregado e empregador eram caracterizadas por alguns princípios

mérito na medida em que expõe a importância do pensamento básicos, que implicavam principalmente um emprego de longo prazo,

acadêmico se debruçar sobre esse importante material de pesquisa. pontuado por promoções ao longo da hierarquia de cargos e salários.

Filmes, assim como outras formas de expressão artística, Estas promoções, normalmente baseadas em tempo de trabalho na

são veículos da cultura e das visões vigentes. Portanto, crenças e valores empresa, eram o principal fator motivacional do funcionário e tinham

codificados através das imagens da narrativa são representativos da uma relação direta com o conceito de progresso nesta forma

cultura que produz e consome tais filmes. Ou, nas palavras de tradicional de relacionamento. A nova lógica de mercado culminou

Hirschman e Stern (1994, p. 580): “o consumo de imagens com a ruptura desse contrato tradicional de trabalho (old deal),

cinematográficas tem um poderoso efeito sobre a imagem que acabando com os princípios de reciprocidade e comprometimento de

Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 7

Maribel Carvalho SUAREZDoutoranda em Administração de Empresas pela PUC-Rio. Mestre em Administração de Empresas pelo COPPEAD/ UFRJ tendo formação em Comunicação Social pela UFRJ. Contatos: Fone: (21)2598-9800 Fax: (21)2598-9840 E-mail: [email protected]

Patrícia Amélia TOMEIDoutorado em doutorado sandwich - New School for Social Research (1986) e doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (1988), Mestrado em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1981). Possui graduação em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas - RJ (1978), é professora associada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/IAG desde 1979. Contatos: Fones: (21) 31141414 Fax: (21) 31131426 E-mail: [email protected]

occurred in the last decades in the modern North American corporations. The analysis shows a vision at the same time nostalgic and pessimistic, where the “new deal” is portrayed as dysfunctional, destructive of the individuality and of the human spirit. The movie appointed for the risks identified by authors like Ransome (1999) and Gorz (1999) of the corrosive effect of these new arrangements in the belief of the work as a source of accomplishment of the material and psychological expectations of the individuals.Key-words: Organizational change. Organizational behavior. Labor relations.

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI

Artigo recebido em 14/11/2007 - Aprovado em 11/09/2008

8 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007

Quando trabalhador e supervisor concordam nos termos de Para se entender os contratos contemporâneos, Rousseau

contrato, a performance tende a ser satisfatória para ambas as partes, (1995) afirma que é preciso entender as mudanças que ocorreram nos

já que um grau de previsibilidade se torna possível e um sabe o que últimos anos: as práticas estabelecidas de trabalho se alteraram;

esperar do outro. Comprometimentos compreendidos dos dois lados algumas formas de contrato social disseminadas, como o emprego

se baseiam na comunicação, costumes e práticas do passado. Um estável, se esvaíram e, por fim, as mudanças nas organizações

ponto fundamental do contrato psicológico é que o indivíduo reduziram a confiança entre empregados e patrões, tornando os

voluntariamente faz e aceita certas promessas da forma como ele ou contratos cada vez mais difíceis.

ela as entende. O que faz o contrato é o que a pessoa acredita que está Ainda que cada organização e cada trabalhador tenha sua

concordando, não o que ela pretende fazer. Entretanto, os termos que própria maneira de expressar os termos de seus contratos, eles tendem

cada parte compreende e concorda não necessariamente precisam ser a se enquadrar dentro de categorias gerais. A autora Kanter (1997)

mútuos. Tipicamente duas pessoas podem ter diferentes apresenta dois tipos básicos de termos – o transacional e o relacional.

interpretações dos termos (por exemplo, um serviço excelente Os termos do contrato transacional podem ser

significa coisas diferentes para clientes e vendedores). Apesar disso, exemplificados pela máxima “um dia justo de trabalho, por um dia

cada indivíduo do contrato psicológico tem a percepção de justo de salário”. O típico contrato transacional se caracteriza por:

concordância e reciprocidade, e talvez a concordância de fato ! Condições econômicas específicas como incentivo

(ROUSSEAU, 1995). primário;

Contratos normativos existem em organizações com muitos ! Envolvimento pessoal com o trabalho limitado;

membros, que identificam a si próprios de forma similar entre si. ! Trabalho por um tempo predeterminado;

Quanto mais os indivíduos partilham um contrato psicológico em ! Compromissos limitados em condições bem especificadas;

comum, mais eles reforçam as percepções uns dos outros, deixando ! Pouca flexibilidade (mudanças exigem renegociação do

para ele as decisões sobre cursos de ação, de violação e de mudança do contrato);

contrato, de acordo com as ações pessoais encontradas nos seus ! Uso das habi l idades já ex is tentes (nenhum

membros. Similarmente, a crença num grupo de obrigações desenvolvimento);

partilhadas pode criar pressões sociais para aderir a esses ! Termos objetivos prontamente compreendidos pelos

compromissos, institucionalizando o contrato como parte da cultura observadores externos.

partilhada da organização (ROUSSEAU, 1995).

Contratos implícitos são atribuições que pessoas (não fazem No outro lado desse contínuo, estão os contratos relacionais.

parte do contrato) fazem observando os termos, aceitação e Seus termos podem ser resumidos assim:

mutualidade. Essas interpretações refletem o quadro de referência ! Envolvimento emocional, bem como troca econômica;

comum na investigação ética, isto é, o “olhar de fora razoável”, que ! Relações que envolvem crescimento e desenvolvimento;

pode olhar para os seus termos sem o viés preconceituoso dos que ! Tempo indeterminado;

estão inseridos. Contratos implícitos formam parte da reputação e ! Termos escritos e não escritos;

imagem pública de uma organização. ! Dinâmico e subjetivo, permitindo mudanças ao longo do

Contratos sociais são culturais, com base no que é contrato;

partilhado pela sociedade, nas crenças coletivas sobre o ! Condições que afetam a vida pessoal e familiar;

comportamento apropriado. Contratos sociais derivam dos valores de ! Subjetividade e compreensão implícita, muitas vezes difíceis

toda a sociedade. Esses valores afetam a maneira como os outros de serem interpretadas por observadores externos.

contratos operam. As normas sociais afetam a natureza e, mais

1.3 As novas relações de trabalho e a vida familiarimportante, a interpretação das promessas.

Do ponto de vista pessoal, a nova realidade do trabalho traz Rousseau (1995) alerta para a importância de se

também impactos para a organização da vida pessoal e familiar dos compreender as diferentes formas que os contratos podem se

indivíduos. A lógica de curto prazo termina por permear também essa configurar numa organização. Contratos são criados por promessas,

esfera, impactada pelas constantes mudanças e o maior envolvimento confiança, aceitação e percepção de mutualidade. Os limites

exigido dos funcionários na gestão de suas carreiras. Em resumo, dois cognitivos, a limitação das informações e os diferentes quadros de

fatores contribuem para o prejuízo da família com esta nova lógica do referência faz com que as pessoas tenham diferentes pontos de vista ao

trabalho: observar a existência e o significado dos contratos. Contratos baseados

(1) A grande instabilidade do emprego tradicional e a aderência em algum grau de mutualidade são a base da flexibilidade que emerge

maior aos tipos de carreiras profissionais, a flexibilidade em organizações e empresas.

Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 9

longo prazo e com as práticas de promoção e desenvolvimento De maneira geral, um contrato pode ser descrito como a

(CAPPELLI, 1999; SENNETT, 1999). crença de que existem obrigações entre duas ou mais partes. Obrigação

Empresas e funcionários estabelecem atualmente relações é um compromisso de uma ação futura. No entanto, nem sempre fica

de curto prazo e com menor nível de comprometimento. A claro o que esse compromisso significa exatamente e qual a extensão

efemeridade deste tipo de relacionamento tornou mais difícil para as da reciprocidade ou compromisso real entre as partes. Pessoas podem

empresas reterem seus empregados durante um longo período, sendo concordar com os mesmos termos mesmo quando sustentam

mais fácil buscar recursos no mercado para atender suas necessidades diferentes pontos de vista. Contratos são voluntários – compromissos

(CAPPELLI, 1999). Outro desafio é manter um mínimo de motivação e são feitos livremente - e incompletos, de acordo com as fronteiras da

comprometimento por parte dos funcionários a fim de assegurar o racionalidade, cujos limites são estabelecidos pela busca de

nível do seu desempenho, já que não é mais possível utilizar a informação individual, pelas mudanças no ambiente organizacional

promoção com este objetivo (pois a lógica não é mais um que tornam impossível especificá-los do início ao fim. Tanto

relacionamento de longo prazo) e os interesses dos funcionários ficam empregado quanto empregador, são levados a preencher as lacunas - o

cada vez mais desvinculados dos da empresa (CAPPELLI, 1999). que fazem de maneira imprevisível. Esse caráter se acentua ainda mais

Na nova forma de relacionamento (new deal), os nos dias de hoje devido à complexidade dos trabalhos e das próprias

empregadores não detêm mais o controle, já que esta é organizações, que inviabiliza que todos os aspectos de um contrato

fundamentalmente um acordo negociado entre o empregador e o sejam detalhados (CAPPELLI, 1999).

empregado, sendo cada “vitória ou derrota” decorrente do poder de Contratos se tornam auto-organizadores. Pessoas

barganha de cada um deles em cada momento (CAPPELLI, 1999). trabalhando dentro de um contrato trabalham mais eficientemente e

Devido à já citada lógica de mercado de oferta e demanda, as empresas com menos supervisão do que se não houvesse nenhum contrato.

Organizações numa sociedade livre demandam comprometimento da tiveram maior poder à época dos downsizings, quando a oferta de

força de trabalho. Organizações em ambientes turbulentos exigem empregos estava escassa. Por outro lado, alguns funcionários

contratos flexíveis o bastante para se transformar, sem quebrar. No passaram a ter maior poder de barganha na medida em que as suas

entanto, uma vez criados, contratos tendem a resistir a revisões, habilidades tornaram-se mais importantes, raras e disputadas no

fazendo a resposta a mudança mais difícil (ROUSSEAU, 1995).mercado (CAPPELLI, 1999).

Rousseau (1995) aponta a existência de quatro pontos de De uma forma geral, o new deal significa uma noção implícita de

vista básicos para os contratos. O primeiro, que pode-se chamar de que os empregadores não podem mais oferecer segurança no trabalho.

psicológico, diz respeito ao indivíduo, a partir de uma perspectiva Isto aponta para um declínio no desenvolvimento interno, já que não

interna. Traz as crenças que ele carrega a partir de promessas feitas, há uma garantia de retorno destes investimentos, considerando que o

aceitas e esperadas entre ele e os outros (patrão, clientes, gerentes, funcionário pode deixar a empresa a qualquer momento.

organizações). Também de uma perspectiva interna, mas no nível do O fim das relações tradicionais entre empregados e

empregadores (old deal) trouxe diversos impactos para a forma como grupo, se destaca os contratos normativos. Pode ser definido como o

a carreira corporativa está estruturada. A lealdade em relação à contrato psicológico partilhado pelos membros de uma organização.

São as crenças comuns, disseminadas. O contrato social também diz organização foi substituída por uma grande ligação com a carreira,

respeito ao grupo, mas de uma perspectiva externa. São as obrigações trazendo à tona o conceito de empregabilidade, no qual a

mais amplas, associadas à cultura de toda a sociedade. Por fim, um responsabilidade pela carreira é do próprio empregado (CAPPELLI,

1999). Desta forma, os funcionários são encorajados a direcionar a sua último tipo de contrato é o implícito – também externo – mas que se

atenção para a gestão da carreira fora da empresa, já que têm poucas refere às interpretações que os elementos de fora podem fazer ao

razões para identificarem-se especificamente com o seu trabalho observar os termos contratuais no qual não estão inseridos.

corrente, já que este normalmente é temporário (CAPPELLI, 1999). Contratos psicológicos são as crenças individuais, moldadas

pela organização, observando os termos de acordo de troca entre os

1.2 Contratos de trabalho indivíduos e suas organizações. Eles têm o poder das profecias auto-

realizáveis: podem criar o futuro. Os que fazem e mantêm seus As mudanças nas relações de trabalho trouxeram novos

compromissos podem antecipar e planejar porque suas ações são arranjos nos chamados contratos de trabalho. Os contratos são acordos

prontamente especificadas e previsíveis tanto para eles próprios de troca entre empregados e empregadores. Além dos aspectos formais

quanto para os outros. Contratos psicológicos funcionam num e escritos, como cartas de oferta de trabalho, acordos de sindicatos etc,

contexto mais amplo de objetivos e como tal, se mantidas todas as incluem também comunicações verbais (promessas de treinamento,

demais condições, fazem os indivíduos e organizações mais produtivos condições de trabalho) e outras expressões de compromisso e

(ROUSSEAU, 1995).intenções futuras (tradição e cultura) (ROUSSEAU, 1995).

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI

8 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007

Quando trabalhador e supervisor concordam nos termos de Para se entender os contratos contemporâneos, Rousseau

contrato, a performance tende a ser satisfatória para ambas as partes, (1995) afirma que é preciso entender as mudanças que ocorreram nos

já que um grau de previsibilidade se torna possível e um sabe o que últimos anos: as práticas estabelecidas de trabalho se alteraram;

esperar do outro. Comprometimentos compreendidos dos dois lados algumas formas de contrato social disseminadas, como o emprego

se baseiam na comunicação, costumes e práticas do passado. Um estável, se esvaíram e, por fim, as mudanças nas organizações

ponto fundamental do contrato psicológico é que o indivíduo reduziram a confiança entre empregados e patrões, tornando os

voluntariamente faz e aceita certas promessas da forma como ele ou contratos cada vez mais difíceis.

ela as entende. O que faz o contrato é o que a pessoa acredita que está Ainda que cada organização e cada trabalhador tenha sua

concordando, não o que ela pretende fazer. Entretanto, os termos que própria maneira de expressar os termos de seus contratos, eles tendem

cada parte compreende e concorda não necessariamente precisam ser a se enquadrar dentro de categorias gerais. A autora Kanter (1997)

mútuos. Tipicamente duas pessoas podem ter diferentes apresenta dois tipos básicos de termos – o transacional e o relacional.

interpretações dos termos (por exemplo, um serviço excelente Os termos do contrato transacional podem ser

significa coisas diferentes para clientes e vendedores). Apesar disso, exemplificados pela máxima “um dia justo de trabalho, por um dia

cada indivíduo do contrato psicológico tem a percepção de justo de salário”. O típico contrato transacional se caracteriza por:

concordância e reciprocidade, e talvez a concordância de fato ! Condições econômicas específicas como incentivo

(ROUSSEAU, 1995). primário;

Contratos normativos existem em organizações com muitos ! Envolvimento pessoal com o trabalho limitado;

membros, que identificam a si próprios de forma similar entre si. ! Trabalho por um tempo predeterminado;

Quanto mais os indivíduos partilham um contrato psicológico em ! Compromissos limitados em condições bem especificadas;

comum, mais eles reforçam as percepções uns dos outros, deixando ! Pouca flexibilidade (mudanças exigem renegociação do

para ele as decisões sobre cursos de ação, de violação e de mudança do contrato);

contrato, de acordo com as ações pessoais encontradas nos seus ! Uso das habi l idades já ex is tentes (nenhum

membros. Similarmente, a crença num grupo de obrigações desenvolvimento);

partilhadas pode criar pressões sociais para aderir a esses ! Termos objetivos prontamente compreendidos pelos

compromissos, institucionalizando o contrato como parte da cultura observadores externos.

partilhada da organização (ROUSSEAU, 1995).

Contratos implícitos são atribuições que pessoas (não fazem No outro lado desse contínuo, estão os contratos relacionais.

parte do contrato) fazem observando os termos, aceitação e Seus termos podem ser resumidos assim:

mutualidade. Essas interpretações refletem o quadro de referência ! Envolvimento emocional, bem como troca econômica;

comum na investigação ética, isto é, o “olhar de fora razoável”, que ! Relações que envolvem crescimento e desenvolvimento;

pode olhar para os seus termos sem o viés preconceituoso dos que ! Tempo indeterminado;

estão inseridos. Contratos implícitos formam parte da reputação e ! Termos escritos e não escritos;

imagem pública de uma organização. ! Dinâmico e subjetivo, permitindo mudanças ao longo do

Contratos sociais são culturais, com base no que é contrato;

partilhado pela sociedade, nas crenças coletivas sobre o ! Condições que afetam a vida pessoal e familiar;

comportamento apropriado. Contratos sociais derivam dos valores de ! Subjetividade e compreensão implícita, muitas vezes difíceis

toda a sociedade. Esses valores afetam a maneira como os outros de serem interpretadas por observadores externos.

contratos operam. As normas sociais afetam a natureza e, mais

1.3 As novas relações de trabalho e a vida familiarimportante, a interpretação das promessas.

Do ponto de vista pessoal, a nova realidade do trabalho traz Rousseau (1995) alerta para a importância de se

também impactos para a organização da vida pessoal e familiar dos compreender as diferentes formas que os contratos podem se

indivíduos. A lógica de curto prazo termina por permear também essa configurar numa organização. Contratos são criados por promessas,

esfera, impactada pelas constantes mudanças e o maior envolvimento confiança, aceitação e percepção de mutualidade. Os limites

exigido dos funcionários na gestão de suas carreiras. Em resumo, dois cognitivos, a limitação das informações e os diferentes quadros de

fatores contribuem para o prejuízo da família com esta nova lógica do referência faz com que as pessoas tenham diferentes pontos de vista ao

trabalho: observar a existência e o significado dos contratos. Contratos baseados

(1) A grande instabilidade do emprego tradicional e a aderência em algum grau de mutualidade são a base da flexibilidade que emerge

maior aos tipos de carreiras profissionais, a flexibilidade em organizações e empresas.

Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 9

longo prazo e com as práticas de promoção e desenvolvimento De maneira geral, um contrato pode ser descrito como a

(CAPPELLI, 1999; SENNETT, 1999). crença de que existem obrigações entre duas ou mais partes. Obrigação

Empresas e funcionários estabelecem atualmente relações é um compromisso de uma ação futura. No entanto, nem sempre fica

de curto prazo e com menor nível de comprometimento. A claro o que esse compromisso significa exatamente e qual a extensão

efemeridade deste tipo de relacionamento tornou mais difícil para as da reciprocidade ou compromisso real entre as partes. Pessoas podem

empresas reterem seus empregados durante um longo período, sendo concordar com os mesmos termos mesmo quando sustentam

mais fácil buscar recursos no mercado para atender suas necessidades diferentes pontos de vista. Contratos são voluntários – compromissos

(CAPPELLI, 1999). Outro desafio é manter um mínimo de motivação e são feitos livremente - e incompletos, de acordo com as fronteiras da

comprometimento por parte dos funcionários a fim de assegurar o racionalidade, cujos limites são estabelecidos pela busca de

nível do seu desempenho, já que não é mais possível utilizar a informação individual, pelas mudanças no ambiente organizacional

promoção com este objetivo (pois a lógica não é mais um que tornam impossível especificá-los do início ao fim. Tanto

relacionamento de longo prazo) e os interesses dos funcionários ficam empregado quanto empregador, são levados a preencher as lacunas - o

cada vez mais desvinculados dos da empresa (CAPPELLI, 1999). que fazem de maneira imprevisível. Esse caráter se acentua ainda mais

Na nova forma de relacionamento (new deal), os nos dias de hoje devido à complexidade dos trabalhos e das próprias

empregadores não detêm mais o controle, já que esta é organizações, que inviabiliza que todos os aspectos de um contrato

fundamentalmente um acordo negociado entre o empregador e o sejam detalhados (CAPPELLI, 1999).

empregado, sendo cada “vitória ou derrota” decorrente do poder de Contratos se tornam auto-organizadores. Pessoas

barganha de cada um deles em cada momento (CAPPELLI, 1999). trabalhando dentro de um contrato trabalham mais eficientemente e

Devido à já citada lógica de mercado de oferta e demanda, as empresas com menos supervisão do que se não houvesse nenhum contrato.

Organizações numa sociedade livre demandam comprometimento da tiveram maior poder à época dos downsizings, quando a oferta de

força de trabalho. Organizações em ambientes turbulentos exigem empregos estava escassa. Por outro lado, alguns funcionários

contratos flexíveis o bastante para se transformar, sem quebrar. No passaram a ter maior poder de barganha na medida em que as suas

entanto, uma vez criados, contratos tendem a resistir a revisões, habilidades tornaram-se mais importantes, raras e disputadas no

fazendo a resposta a mudança mais difícil (ROUSSEAU, 1995).mercado (CAPPELLI, 1999).

Rousseau (1995) aponta a existência de quatro pontos de De uma forma geral, o new deal significa uma noção implícita de

vista básicos para os contratos. O primeiro, que pode-se chamar de que os empregadores não podem mais oferecer segurança no trabalho.

psicológico, diz respeito ao indivíduo, a partir de uma perspectiva Isto aponta para um declínio no desenvolvimento interno, já que não

interna. Traz as crenças que ele carrega a partir de promessas feitas, há uma garantia de retorno destes investimentos, considerando que o

aceitas e esperadas entre ele e os outros (patrão, clientes, gerentes, funcionário pode deixar a empresa a qualquer momento.

organizações). Também de uma perspectiva interna, mas no nível do O fim das relações tradicionais entre empregados e

empregadores (old deal) trouxe diversos impactos para a forma como grupo, se destaca os contratos normativos. Pode ser definido como o

a carreira corporativa está estruturada. A lealdade em relação à contrato psicológico partilhado pelos membros de uma organização.

São as crenças comuns, disseminadas. O contrato social também diz organização foi substituída por uma grande ligação com a carreira,

respeito ao grupo, mas de uma perspectiva externa. São as obrigações trazendo à tona o conceito de empregabilidade, no qual a

mais amplas, associadas à cultura de toda a sociedade. Por fim, um responsabilidade pela carreira é do próprio empregado (CAPPELLI,

1999). Desta forma, os funcionários são encorajados a direcionar a sua último tipo de contrato é o implícito – também externo – mas que se

atenção para a gestão da carreira fora da empresa, já que têm poucas refere às interpretações que os elementos de fora podem fazer ao

razões para identificarem-se especificamente com o seu trabalho observar os termos contratuais no qual não estão inseridos.

corrente, já que este normalmente é temporário (CAPPELLI, 1999). Contratos psicológicos são as crenças individuais, moldadas

pela organização, observando os termos de acordo de troca entre os

1.2 Contratos de trabalho indivíduos e suas organizações. Eles têm o poder das profecias auto-

realizáveis: podem criar o futuro. Os que fazem e mantêm seus As mudanças nas relações de trabalho trouxeram novos

compromissos podem antecipar e planejar porque suas ações são arranjos nos chamados contratos de trabalho. Os contratos são acordos

prontamente especificadas e previsíveis tanto para eles próprios de troca entre empregados e empregadores. Além dos aspectos formais

quanto para os outros. Contratos psicológicos funcionam num e escritos, como cartas de oferta de trabalho, acordos de sindicatos etc,

contexto mais amplo de objetivos e como tal, se mantidas todas as incluem também comunicações verbais (promessas de treinamento,

demais condições, fazem os indivíduos e organizações mais produtivos condições de trabalho) e outras expressões de compromisso e

(ROUSSEAU, 1995).intenções futuras (tradição e cultura) (ROUSSEAU, 1995).

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI

10 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007

tenho uma agenda, eu sou uma máquina. E vamos aumentar as como a retratada no filme, executivos de “confiança” da empresa

compradora podem assumir os postos de bem sucedidos diretores da vendas em 20%”. Foreman, então questiona esse ambicioso objetivo

organização adquirida. Esse arranjo delicado tira, em parte, o lembrando que apenas as novas revistas conseguem um desempenho

“controle” das mãos dos funcionários, gerando um cenário de dessa natureza. Duryea, explica que conseguirá novos anúncios a

incerteza permanente. partir da promoção casada com uma empresa de cereais, também

Na GLOBECOM, ao ser chamado para assumir a diretoria pertencente ao grupo GLOBECOM. Em troca de conteúdo para as caixas

comercial Duryea agradece a seu chefe, Mark Steckle, e reafirma as do biscoito, a empresa comprará espaço na revista. A estratégia parece

bases do seu compromisso com a empresa: “Eu vou bater sem dó! Eu uma trapaça aos olhos de Foreman, mas está dentro das regras do jogo,

vou ser um ninja assassino!” O chefe de Duryea, entusiasmado na visão de Duryea.

Uau! Você é um novo-eu! Não, eu sou um novo-eu!” A indiferença de Duryea aos questionamentos de Foreman, responde: . As

em parte, pode ser explicada pela própria cultura da GLOBECOM, onde falas acima expõem, por um lado, uma visão de negócios baseada

parece “valer tudo” para se ganhar “o jogo”. Esse valor é ilustrado num numa guerra. Competir é aniquilar o adversário e é isso que Duryea

campeonato de basquete promovido entre as diferentes áreas da promete fazer. A competição, entretanto, não está restrita ao lado de

empresa. Foreman se surpreende com a presença de um jogador fora da organização. Ainda que fique satisfeito com o que ouve, Steckle

excelente, mas que não pertencia ao departamento da outra equipe. deixa claro que existe uma disputa (e não uma parceria) entre os dois.

Esse é um artifício utilizado por Steckle para se sair bem no jogo. Duryea pode ser bom, mas ninguém é tão bom quanto ele mesmo.

Duryea, ainda que incomodado, se mostra menos surpreso que seu Em casa, ao contar a novidade à esposa, Duryea é

subordinado, deixando claro que na GLOBECOM vale mais a questionado se estaria preparado para assumir a direção comercial de

competitividade e o “vencer a qualquer custo”, do que preservar uma revista, já que nunca havia trabalhado nesse ramo. O jovem,

“Vender celulares, vender anúncios... é tudo a valores como confiança e credibilidade. então, responde:

mesma coisa. De qualquer modo, é só um trampolim!” Duryea expõe Na sua relação com os clientes anunciantes, Foreman

nessa cena o fato de que os interesses dos funcionários se tornam cada apresenta uma postura distinta de seu novo chefe, sobretudo no que

vez mais desvinculados dos da empresa. Os empregados terminam diz respeito à perspectiva do tempo dos negócios. Logo no início de uma

tendo seu foco na gestão da carreira fora da empresa, já que têm reunião com um cliente, este o informa que não será possível colocar

poucas razões para identificarem-se especificamente com o seu anúncios na revista, já que a política da empresa é investir em novas

trabalho corrente, já que este normalmente é temporário (CAPPELLI, mídias, como Internet e TV a cabo. Foreman não se impacienta e, ao

1999). contrário, explica com clareza os diferenciais da publicação, avisando

Nas palavras de Kanter (1997, p. 331), “se as pessoas são que nas próximas semanas mandará exemplares para que o cliente

encorajadas a contar consigo mesmas, como então a corporação pode conheça melhor a revista (o que faz a cada semana). O cliente se

contar com elas?”. Duryea sabe que seu desenvolvimento profissional mostra, então, surpreso com a reação do interlocutor, que responde:

“Estou na revista há vinte anos! Eu acredito nela!”. Além de um não será assegurado pela GLOBECOM. Como alerta a autora, o

conhecimento profundo do seu produto, Foreman, não tem a “conhecimento específico da empresa”, proveniente de uma longa

perspectiva de uma única negociação, mas de um relacionamento que experiência na organização, perde importância em relação a um

precisa ser construído ao longo do tempo. conhecimento mais geral. A segurança do funcionário vem do fato de

construir a chamada empregabilidade. E essa é elaborada a partir do As diferenças na perspectiva de tempo em relação à empresa

acúmulo de habilidades (obtidas em experiências diversas) e da dos dois personagens se manifestam também na organização do

reputação (gerada por uma produção vista como de qualidade e que se espaço. Foreman é desalojado de sua sala, para dar lugar a Duryea. Sua

nova sala, assim como a antiga, está repleta de objetos pessoais: fotos torne perceptível num curto espaço de tempo). A empregabilidade é,

da família, casa, diplomas, prêmios, criando uma individualidade e assim, um capital individual que pode ser investido em novas

permanência no ambiente. Já a sala de Duryea se caracteriza pela oportunidades à medida que elas surgem (dentro ou fora da empresa).

ausência de personalização. As estantes continuam vazias e a única Nesse sentido, os indivíduos têm mais estímulos para produzi-lo do

contribuição do seu dono é um aquário, com um peixe. Seu que para desenvolver o capital organizacional, que advém, por

computador de trabalho é um laptop, o que sinaliza sua mobilidade. O exemplo, do aprender bem um sistema e atender às exigências únicas

espaço parece indicar que Duryea está ali de passagem, sempre pronto de uma organização (KANTER, 1997). Assim, qualquer trabalho será

a assumir um novo desafio. Já Foreman está para ficar e isso se reflete sempre um “trampolim”.

no ambiente a sua volta.Para fazer com que esse trampolim alavanque sua carreira,

Duryea sabe que é preciso agir e apresentar resultados rápidos. Uma de

suas primeiras iniciativas é reunir a equipe e anunciar suas metas: “Eu

Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 11

resultante acaba por fazer com que as pessoas tenham que outros, são fundamentais para a compreensão do conjunto que

se mudar com maior freqüência (SENNETT, 1999); constitui um filme (PASSARELI, 2004). Por fim, a grade gerada por esse

(2) Como o trabalho é extremamente absorvente, o local de trabalho foi analisada à luz do referencial teórico apresentado.

trabalho passa a ser um lugar para desenvolver A análise a seguir procura destacar as seqüências mais

relacionamentos (tanto devido ao longo período que se relevantes para a discussão do tema desse artigo.

passa fisicamente no local, quanto ao envolvimento

emocional que as pessoas passam a ter com o trabalho) 2.1 Duas divisões sobre o trabalho.

(KANTER, 1997). O filme Em Boa Companhia, uma produção norte-

A união destes dois fatores resulta que os poucos americana de 2004, tem sua história centrada em dois personagens

relacionamentos pessoais que são desenvolvidos acabam por se perder principais: Dan Foreman e Carter Duryea. O primeiro trabalha há 20

a cada mudança, resultando em uma vida sem o estabelecimento de anos na Waterman Publishing, como diretor comercial de publicidade

laços fortes (SENNETT, 1999). de uma revista de esportes (Sports América). Aos 51 anos de idade, é

pai de uma família harmoniosa e estável. Já o segundo é um jovem

2 METODOLOGIA ambicioso, de 26 anos, executivo de Marketing da multinacional

GLOBECOM. Extremamente focado no trabalho, Duryea ainda no

A metodologia de análise utilizou como referência o trabalho início do filme encerra um casamento de apenas sete meses de

de Hirschman (1988), baseando-se em uma abordagem que concilia o duração. A história dos dois se encontra quando a GLOBECOM compra

estruturalismo (Levi-Strauss, 1966, 1978) e a análise sintática da a Waterman Publishing e Duryea é escolhido para gerenciar a área de

narrativa (GREIMAS, 1976). O estruturalismo, como método, se vendas da revista, assumindo a posição de chefe de Foreman. A história

concentra na estrutura das relações entre dois ou mais signos. O caminha enfocando paralelamente os desafios corporativos vividos

método dá especial atenção às oposições binárias (por exemplo, pobre pelos personagens e os seus desdobramentos na vida pessoal desses

dois profissionais.x rico; jovem x velho, urbano x rural, etc), já que estas se constituem na

primeira operação lógica e uma das formas básicas de produção de A entrada dos executivos da GLOBECOM na Waterman

Publishing coloca em choque dois mundos distintos. De um lado, a significado (JAKOBSON; HALLE, 1956).

lógica tradicional de relacionamento com a força de trabalho (old deal) Tendo em vista os objetivos deste trabalho, a análise do filme

Waterman PublishingEm Boa Companhia old deal estabelecida nas práticas da , do outro, o novo se concentrou na oposição binária x

new dealnew deal tipo de relação ( ), através do comportamento dos executivos , sendo o personagem Dan Foreman entendido como a

da multinacional. personificação das antigas relações de trabalho e Carter Duryea, como

representação do new deal. A diferença de postura dos funcionários fica evidente logo no

A análise estrutural permite identificar relações sem, no início do filme, quando a notícia da compra é veiculada em cada

empresa. Foreman reage à notícia de que mudanças serão entanto, explicar como elas se processam. Nesse sentido, a análise

sintática da narrativa, através da observação dinâmica e concreta das implementadas na Waterman Publishing:“Isso é uma piada! Esse foi

categorias “ator” e “ação”, permite tornar visível a lógica binária do o nosso melhor ano. Nossa equipe deu um duro danado. Eu não vou

texto. Para isso, inicialmente, o filme foi dividido em seqüências. tolerar isso!”. Nessa cena, é possível vislumbrar as bases do contrato

Seqüências são unidades narrativas, que podem ser psicológico de Foreman, que poderia ser sintetizada no raciocínio

determinadas por um corte, uma alteração de plano, um novo cenário, subjacente: “eu trabalho e apresento bons resultados para a

a entrada de novos personagens ou mudanças na trilha sonora empresa, que por sua vez, compromete-se comigo e os demais

funcionários, premiando nosso desempenho com uma certa (PASSARELI, 2004). Para cada seqüência, foi realizada, então, a análise

estabilidade”. Nesse sentido, a venda da Waterman e a mudança de sintática da narrativa, através da observação dinâmica e concreta das

cargos quebram a lógica vigente da hierarquia e das promoções categorias “ator” e “ação”. O ator é quem inicia a ação (o equivalente

ao sujeito numa frase), já a ação tem o mesmo papel do verbo. O objeto baseadas no tempo de serviço, onde o funcionário é promovido

é o resultado da ação na análise sintática. seguindo sua experiência e longevidade dentro da companhia.

Assim, as cenas foram detalhadas em planilhas que Com a venda da empresa onde trabalhava, Foreman se

defronta com uma realidade cada vez mais comum para os distinguiam “ator”, “ação” e “resultado”. Nessa mesma tabela, foram

funcionários das grandes corporações em todo o mundo. A anotados os contextos das cenas e os produtos utilizados pelos

manutenção do seu cargo ou emprego não depende mais do seu personagens, bem como observações consideradas relevantes para a

desempenho no trabalho. Departamentos inteiros podem ser extintos, compreensão do significado da cena. Esse conjunto de detalhes, que

eliminando postos de trabalho de ótimos funcionários. Em aquisições, incluem elementos como o cenário, o figurino, a trilha sonora, dentre

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI

10 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007

tenho uma agenda, eu sou uma máquina. E vamos aumentar as como a retratada no filme, executivos de “confiança” da empresa

compradora podem assumir os postos de bem sucedidos diretores da vendas em 20%”. Foreman, então questiona esse ambicioso objetivo

organização adquirida. Esse arranjo delicado tira, em parte, o lembrando que apenas as novas revistas conseguem um desempenho

“controle” das mãos dos funcionários, gerando um cenário de dessa natureza. Duryea, explica que conseguirá novos anúncios a

incerteza permanente. partir da promoção casada com uma empresa de cereais, também

Na GLOBECOM, ao ser chamado para assumir a diretoria pertencente ao grupo GLOBECOM. Em troca de conteúdo para as caixas

comercial Duryea agradece a seu chefe, Mark Steckle, e reafirma as do biscoito, a empresa comprará espaço na revista. A estratégia parece

bases do seu compromisso com a empresa: “Eu vou bater sem dó! Eu uma trapaça aos olhos de Foreman, mas está dentro das regras do jogo,

vou ser um ninja assassino!” O chefe de Duryea, entusiasmado na visão de Duryea.

Uau! Você é um novo-eu! Não, eu sou um novo-eu!” A indiferença de Duryea aos questionamentos de Foreman, responde: . As

em parte, pode ser explicada pela própria cultura da GLOBECOM, onde falas acima expõem, por um lado, uma visão de negócios baseada

parece “valer tudo” para se ganhar “o jogo”. Esse valor é ilustrado num numa guerra. Competir é aniquilar o adversário e é isso que Duryea

campeonato de basquete promovido entre as diferentes áreas da promete fazer. A competição, entretanto, não está restrita ao lado de

empresa. Foreman se surpreende com a presença de um jogador fora da organização. Ainda que fique satisfeito com o que ouve, Steckle

excelente, mas que não pertencia ao departamento da outra equipe. deixa claro que existe uma disputa (e não uma parceria) entre os dois.

Esse é um artifício utilizado por Steckle para se sair bem no jogo. Duryea pode ser bom, mas ninguém é tão bom quanto ele mesmo.

Duryea, ainda que incomodado, se mostra menos surpreso que seu Em casa, ao contar a novidade à esposa, Duryea é

subordinado, deixando claro que na GLOBECOM vale mais a questionado se estaria preparado para assumir a direção comercial de

competitividade e o “vencer a qualquer custo”, do que preservar uma revista, já que nunca havia trabalhado nesse ramo. O jovem,

“Vender celulares, vender anúncios... é tudo a valores como confiança e credibilidade. então, responde:

mesma coisa. De qualquer modo, é só um trampolim!” Duryea expõe Na sua relação com os clientes anunciantes, Foreman

nessa cena o fato de que os interesses dos funcionários se tornam cada apresenta uma postura distinta de seu novo chefe, sobretudo no que

vez mais desvinculados dos da empresa. Os empregados terminam diz respeito à perspectiva do tempo dos negócios. Logo no início de uma

tendo seu foco na gestão da carreira fora da empresa, já que têm reunião com um cliente, este o informa que não será possível colocar

poucas razões para identificarem-se especificamente com o seu anúncios na revista, já que a política da empresa é investir em novas

trabalho corrente, já que este normalmente é temporário (CAPPELLI, mídias, como Internet e TV a cabo. Foreman não se impacienta e, ao

1999). contrário, explica com clareza os diferenciais da publicação, avisando

Nas palavras de Kanter (1997, p. 331), “se as pessoas são que nas próximas semanas mandará exemplares para que o cliente

encorajadas a contar consigo mesmas, como então a corporação pode conheça melhor a revista (o que faz a cada semana). O cliente se

contar com elas?”. Duryea sabe que seu desenvolvimento profissional mostra, então, surpreso com a reação do interlocutor, que responde:

“Estou na revista há vinte anos! Eu acredito nela!”. Além de um não será assegurado pela GLOBECOM. Como alerta a autora, o

conhecimento profundo do seu produto, Foreman, não tem a “conhecimento específico da empresa”, proveniente de uma longa

perspectiva de uma única negociação, mas de um relacionamento que experiência na organização, perde importância em relação a um

precisa ser construído ao longo do tempo. conhecimento mais geral. A segurança do funcionário vem do fato de

construir a chamada empregabilidade. E essa é elaborada a partir do As diferenças na perspectiva de tempo em relação à empresa

acúmulo de habilidades (obtidas em experiências diversas) e da dos dois personagens se manifestam também na organização do

reputação (gerada por uma produção vista como de qualidade e que se espaço. Foreman é desalojado de sua sala, para dar lugar a Duryea. Sua

nova sala, assim como a antiga, está repleta de objetos pessoais: fotos torne perceptível num curto espaço de tempo). A empregabilidade é,

da família, casa, diplomas, prêmios, criando uma individualidade e assim, um capital individual que pode ser investido em novas

permanência no ambiente. Já a sala de Duryea se caracteriza pela oportunidades à medida que elas surgem (dentro ou fora da empresa).

ausência de personalização. As estantes continuam vazias e a única Nesse sentido, os indivíduos têm mais estímulos para produzi-lo do

contribuição do seu dono é um aquário, com um peixe. Seu que para desenvolver o capital organizacional, que advém, por

computador de trabalho é um laptop, o que sinaliza sua mobilidade. O exemplo, do aprender bem um sistema e atender às exigências únicas

espaço parece indicar que Duryea está ali de passagem, sempre pronto de uma organização (KANTER, 1997). Assim, qualquer trabalho será

a assumir um novo desafio. Já Foreman está para ficar e isso se reflete sempre um “trampolim”.

no ambiente a sua volta.Para fazer com que esse trampolim alavanque sua carreira,

Duryea sabe que é preciso agir e apresentar resultados rápidos. Uma de

suas primeiras iniciativas é reunir a equipe e anunciar suas metas: “Eu

Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 11

resultante acaba por fazer com que as pessoas tenham que outros, são fundamentais para a compreensão do conjunto que

se mudar com maior freqüência (SENNETT, 1999); constitui um filme (PASSARELI, 2004). Por fim, a grade gerada por esse

(2) Como o trabalho é extremamente absorvente, o local de trabalho foi analisada à luz do referencial teórico apresentado.

trabalho passa a ser um lugar para desenvolver A análise a seguir procura destacar as seqüências mais

relacionamentos (tanto devido ao longo período que se relevantes para a discussão do tema desse artigo.

passa fisicamente no local, quanto ao envolvimento

emocional que as pessoas passam a ter com o trabalho) 2.1 Duas divisões sobre o trabalho.

(KANTER, 1997). O filme Em Boa Companhia, uma produção norte-

A união destes dois fatores resulta que os poucos americana de 2004, tem sua história centrada em dois personagens

relacionamentos pessoais que são desenvolvidos acabam por se perder principais: Dan Foreman e Carter Duryea. O primeiro trabalha há 20

a cada mudança, resultando em uma vida sem o estabelecimento de anos na Waterman Publishing, como diretor comercial de publicidade

laços fortes (SENNETT, 1999). de uma revista de esportes (Sports América). Aos 51 anos de idade, é

pai de uma família harmoniosa e estável. Já o segundo é um jovem

2 METODOLOGIA ambicioso, de 26 anos, executivo de Marketing da multinacional

GLOBECOM. Extremamente focado no trabalho, Duryea ainda no

A metodologia de análise utilizou como referência o trabalho início do filme encerra um casamento de apenas sete meses de

de Hirschman (1988), baseando-se em uma abordagem que concilia o duração. A história dos dois se encontra quando a GLOBECOM compra

estruturalismo (Levi-Strauss, 1966, 1978) e a análise sintática da a Waterman Publishing e Duryea é escolhido para gerenciar a área de

narrativa (GREIMAS, 1976). O estruturalismo, como método, se vendas da revista, assumindo a posição de chefe de Foreman. A história

concentra na estrutura das relações entre dois ou mais signos. O caminha enfocando paralelamente os desafios corporativos vividos

método dá especial atenção às oposições binárias (por exemplo, pobre pelos personagens e os seus desdobramentos na vida pessoal desses

dois profissionais.x rico; jovem x velho, urbano x rural, etc), já que estas se constituem na

primeira operação lógica e uma das formas básicas de produção de A entrada dos executivos da GLOBECOM na Waterman

Publishing coloca em choque dois mundos distintos. De um lado, a significado (JAKOBSON; HALLE, 1956).

lógica tradicional de relacionamento com a força de trabalho (old deal) Tendo em vista os objetivos deste trabalho, a análise do filme

Waterman PublishingEm Boa Companhia old deal estabelecida nas práticas da , do outro, o novo se concentrou na oposição binária x

new dealnew deal tipo de relação ( ), através do comportamento dos executivos , sendo o personagem Dan Foreman entendido como a

da multinacional. personificação das antigas relações de trabalho e Carter Duryea, como

representação do new deal. A diferença de postura dos funcionários fica evidente logo no

A análise estrutural permite identificar relações sem, no início do filme, quando a notícia da compra é veiculada em cada

empresa. Foreman reage à notícia de que mudanças serão entanto, explicar como elas se processam. Nesse sentido, a análise

sintática da narrativa, através da observação dinâmica e concreta das implementadas na Waterman Publishing:“Isso é uma piada! Esse foi

categorias “ator” e “ação”, permite tornar visível a lógica binária do o nosso melhor ano. Nossa equipe deu um duro danado. Eu não vou

texto. Para isso, inicialmente, o filme foi dividido em seqüências. tolerar isso!”. Nessa cena, é possível vislumbrar as bases do contrato

Seqüências são unidades narrativas, que podem ser psicológico de Foreman, que poderia ser sintetizada no raciocínio

determinadas por um corte, uma alteração de plano, um novo cenário, subjacente: “eu trabalho e apresento bons resultados para a

a entrada de novos personagens ou mudanças na trilha sonora empresa, que por sua vez, compromete-se comigo e os demais

funcionários, premiando nosso desempenho com uma certa (PASSARELI, 2004). Para cada seqüência, foi realizada, então, a análise

estabilidade”. Nesse sentido, a venda da Waterman e a mudança de sintática da narrativa, através da observação dinâmica e concreta das

cargos quebram a lógica vigente da hierarquia e das promoções categorias “ator” e “ação”. O ator é quem inicia a ação (o equivalente

ao sujeito numa frase), já a ação tem o mesmo papel do verbo. O objeto baseadas no tempo de serviço, onde o funcionário é promovido

é o resultado da ação na análise sintática. seguindo sua experiência e longevidade dentro da companhia.

Assim, as cenas foram detalhadas em planilhas que Com a venda da empresa onde trabalhava, Foreman se

defronta com uma realidade cada vez mais comum para os distinguiam “ator”, “ação” e “resultado”. Nessa mesma tabela, foram

funcionários das grandes corporações em todo o mundo. A anotados os contextos das cenas e os produtos utilizados pelos

manutenção do seu cargo ou emprego não depende mais do seu personagens, bem como observações consideradas relevantes para a

desempenho no trabalho. Departamentos inteiros podem ser extintos, compreensão do significado da cena. Esse conjunto de detalhes, que

eliminando postos de trabalho de ótimos funcionários. Em aquisições, incluem elementos como o cenário, o figurino, a trilha sonora, dentre

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI

12 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007

Ora vamos! Eu sei que as coisas fugiram um pouco ao Kanter (1997) procura discutir três justificativas comuns controle. Andei ocupado demais no trabalho. Devíamos ter

para o excesso de horas de trabalho que dominam as novas relações. A tido uma lua de mel de verdade. Eu devia ter desligado o celular. Ele tocou demais. A culpa é minha. É tudo culpa primeira abordagem é a psicológica e caracteriza os workaholics: minha! Mas, a boa notícia é que eu posso mudar! Foi uma boa lição para mim, obrigado!trabalhar muito é um vício e, por isso, as pessoas não conseguiriam

largar o trabalho. A segunda perspectiva, sociológica, vê as

Nas palavras de Kanter (1997, p. 202), “a invasão da vida organizações como “vorazes”, ansiosas por consumir mais e mais das

pessoal ameaça relacionamentos que não se acomodam facilmente às pessoas, valorizando justamente os que estão dispostos a “estar

exigências do local de trabalho”. A autora cita ainda pesquisas do final sempre lá”, agüentando o máximo que for possível. O terceiro ponto de

da década de 1980, que evidenciam o estigma relacionado a altos vista é o do chamado “trabalho de fachada” e descreve a manipulação

executivos divorciados. No entanto, Kanter (1997) chama atenção para que os indivíduos fazem para controlar as impressões dos demais.

o fato de que alguns recrutadores tenderiam a aceitar mais homens Administrar essa impressão se torna cada vez mais importante num

solteiros e divorciados, porque estes poderiam concentrar suas contexto de redução de segurança do emprego, onde é preciso mostrar

energias no trabalho e reduzir custos de realocação da família nas que se é insubstituível. Kanter (1997), entretanto, lembra que uma

situações de mudança. outra explicação precisa ser considerada: quando o trabalho é mais

No filme, para o personagem de Foreman, a família ocupa o excitante, as pessoas querem realizá-lo por mais tempo. Tratados como

centro das suas atenções e afetividade. Ele acompanha os namoros das empresários, gerenciando a própria parte dos negócios, os

filhas, se ressente da ausência de notícias da mais velha (que foi para a funcionários tendem a se comportar como tais.

universidade), tem tempo para jogar tênis com ela e acompanhar a A convocação extra de Duryea pode ser explicada por todas

esposa numa ultra-sonografia. Ao final, no momento do nascimento do essas perspectivas. Com a vida pessoal esvaziada, sem outros interesses

seu bebê temporão, usa pela primeira vez o jargão muito utilizado por além da sua profissão, o jovem tem bons motivos para continuar sua

Duryea nas suas reuniões de trabalho: “Eu estou vibrando!”. A cena jornada de trabalho ao longo do final de semana. A solidão de Duryea é

indica que, ao contrário do jovem, Foreman mantém no núcleo destacada ao final da reunião quando este procura, em vão, uma

familiar o centro de sua vida emocional. É por ela, e não pelo trabalho, companhia entre os colegas de trabalho para beber ao final do

que ele é capaz de vibrar. Kanter (1997) chama atenção para o fato de domingo.

que, na nova realidade, o trabalho que ocupa o tempo e o intelecto das O prolongamento da jornada também é reforçado pelo

pessoas, também tende a tomar um espaço importante na emoção dos exemplo do seu chefe e serve para demonstrar publicamente o ritmo

indivíduos, afinal, quando as pessoas trabalham muitas horas, a que Duryea está conseguindo imprimir a sua equipe. Essa última

empresa passa a ser o lugar mais provável para suprir as necessidades questão fica evidente, especialmente, porque as horas extras no final de

pessoais. E, “se as amizades e os romances nascem entre os colegas de semana não são justificadas por um acontecimento excepcional (que

trabalho, então as pessoas nunca estão efetivamente fora dele” poderia exigir uma reação imediata da empresa), mas numa situação

(KANTER, 1997, p. 291).aparentemente de rotina.

Se o trabalho se expande para além das fronteiras de tempo e

espaço antes delimitadas, começa também a interferir na dinâmica 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

externa a ele: a da família. Sennet (1999) compara duas gerações de

O filme apresenta, através dos seus dois personagens trabalhadores através da história pessoal de um pai e seu filho. Se o

primeiro, um empregado típico do old deal, via o trabalho como um principais - Dan Foreman e Carter Duryea – o choque entre as duas

lógicas de organização do trabalho (old e new deal). Trata-se de um meio de servir à sua família, vivendo uma vida sob controle e previsível

retrato de uma sociedade em transição, onde as relações de longo (uma carreira que se iniciava numa empresa quase invariavelmente

terminaria nela), seu filho vive uma experiência no new deal em que o prazo, envolvimento e vínculo entre empresas e funcionários vão

trabalho existe também para servir à sua casa, mas termina sendo substituídas pela visão de curto prazo, de baixo envolvimento e o

competindo com ela, num conflito entre o tempo que precisa ser foco na própria carreira por parte dos empregados.

Como um filme de ficção e entretenimento, Em Boa destinado ao trabalho e o tempo destinado à mulher e aos filhos. A vida

profissional também se tornou menos previsível e controlável – com as Companhia parece apresentar uma visão simplificada e maniqueísta

mudanças de emprego e cidades - e isso repercute numa dinâmica de da realidade – o que pode ser percebido na síntese a seguir (Quadro

incerteza e mudança também na vida familiar. comparativo 1). A divisão e a existência de um lado bom (old deal) e

Esse conflito fica evidente na cena em que a esposa de outro mau (new deal) não é tão simples quando se trata do cotidiano

Duryea decide abandoná-lo. O jovem tenta fazer um último apelo: dos indivíduos e das empresas. As novas relações de trabalho não

trazem apenas uma faceta perversa, mas muitas vezes terminam

Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 13

2.2 Compromisso e lealdade O discurso parece apontar para a realidade hoje cada vez

Numa lógica dominada pela visão de curto prazo, confiança, mais presente nas empresas: a idéia de uma organização não mais

lealdade e compromisso mútuo entre os funcionários não encontram compacta e estável, mas de uma articulação num sistema de rede,

espaço para serem construídos (SENNET, 1999). Nas palavras do autor, flexível e frouxo, que se articula de acordo com necessidades e

“o distanciamento e a cooperação superficial são uma blindagem interesses passageiros. A lógica mais imediata também faz com que as

melhor para lidar com as atuais realidades, do que o comportamento empresas não se atenham mais às fronteiras nacionais, mas busquem

baseado em valores de lealdade e serviço (SENNET, 1999, p. 25). Assim, em países em todo o mundo o arranjo mais lucrativo, no curto prazo,

o foco do trabalho deve estar nas tarefas a serem desempenhadas e não comprando produtos do Japão ou da Índia, abrindo mão de uma força

nas pessoas envolvidas nela. Essa é uma realidade aonde as relações de trabalho local, por outra, num país distante cujos custos podem ser

profissionais não chegam a se aprofundar, como fica evidente numa mais vantajosos.

conversa de Duryea com seu chefe (Steckle). O jovem pretende Diante deste discurso, Dan Foreman questiona as idéias do

apresentá-lo a Foreman, mas esse diz preferir não conhecê-lo, porque CEO:Somos seres humanos com outros seres humanos como é melhor“não se envolver pessoalmente”. E pergunta: “nós não clientes. Não vejo como essa empresa pode ser como seu próprio país. O fato de vendermos coisas diferentes não havíamos decidido demiti-lo”? Não se envolver pessoalmente significa que devemos agir conforme nossas próprias leis. Além disso, países, pelo menos os democráticos, têm certas também é a postura que Steckle mantém em relação a Duryea. Ao ser obrigações com seus cidadãos, não têm? Como se encaixam

perguntado se está tudo bem, o jovem começa a contar o seu processo nisso as demissões e a obsessão com os lucros?

de separação, mas é rapidamente interrompido pelo chefe, que retoma

a discussão profissional. ROUSSEAU (1995) chama atenção para a importância dos

Foreman, ao contrário, expõe uma lógica de comunicados públicos para criar nos funcionários o senso de

comprometimento com seus colegas de trabalho, na situação em que comprometimento mútuo. Ao fazer seu discurso, Teddy K. tinha por

Duryea comunica que será preciso demitir dois funcionários da objetivo sinalizar e estimular uma mudança na cultura da empresa que

equipe. Mesmo não sendo mais o chefe daquelas pessoas, Foreman estava adquirindo. O CEO propunha, então, mudanças no próprio

pede a Duryea que ele faça isso, já que foi o responsável pela contrato psicológico e normativo dos funcionários – o que eles devem

contratação deles há oito anos. No entanto, na cena da demissão, o dar e podem esperar da empresa. Ao contestar o discurso, Foreman

experiente executivo anuncia aos funcionários que “será preciso deixa evidente sua resistência e não aderência às novas “cláusulas”

deixá-los partir”, eufemismo que havia sido utilizado por Duryea e deste novo contrato.

duramente criticado por Foreman. Afinal, ele expõe uma lógica em que Ao final do pronunciamento, Duryea e Steckle vão à sala de

a decisão parece fugir ao controle e vontade da empresa (que assume Foreman. O segundo decide demiti-lo sumariamente pela ousadia de

uma postura “passiva”, ao “deixá-los partir”, enquanto que a ação contestar a fala do CEO. Duryea, entretanto, intervém, dizendo que,

termina recaindo nas mãos dos próprios funcionários). Esse então, seria necessário demitir os dois. Mais do que isso, a demissão

momento é extremamente difícil para o experiente executivo, já que ele significaria um grande prejuízo para a Waterman, já que eles estariam

é acusado por um dos funcionários demitidos de ter se transformado, prestes a fechar um grande acordo de publicidade. Acuado, Steckle

deixando de ser um chefe preocupado com os companheiros de recua, demonstrando a relação de “dependência” que em parte os

trabalho para assumir o novo discurso da organização. novos arranjos podem criar para as empresas. Como deter na empresa

o conhecimento e os recursos que os funcionários possuem, se as

2.3 O embate ideológico: old deal x new deal relações hoje são tão efêmeras e de curto prazo? Como evitar que esse

O embate entre as duas lógicas acontece na visita de Teddy conhecimento termine, por exemplo, nas mãos da concorrência?

K., o “legendário” CEO da GLOBECOM, à Waterman Publishing. No seu

pronunciamento aos funcionários, o executivo anuncia: 2.4 Trabalho e vida pessoal A cada dia o mundo se torna mais complexo. E, para sobreviver As diferenças no contrato psicológico de Duryea e Foreman num mundo complexo, precisamos de vínculos complexos para interagir com ele. Nessa sala eu vejo isso [mostrando as ficam evidentes numa reunião convocada num domingo. Para Duryea, duas palmas das mãos separadas e abertas]. O que estamos

trabalhar no final de semana estava “dentro do acordo”. Já Foreman tentando alcançar é isso [enganchando as duas mãos uma na outra]. Isto é indestrutível. Isto é inevitável. O que estamos reage com impaciência e lembra que trata-se de um domingo. Duryea construindo aqui? Uma empresa? Ou estamos construindo

parece, mais uma vez, não entender a reação do subordinado. Essa um novo país sem fronteiras nacionais? Uma nova democracia para um novo consumidor. Uma nova democracia com um indiferença pode ser entendida quando Duryea encontra seu chefe, novo eleitorado. Vídeos musicais 24 horas por dia em Kuala Lumpur. Computadores com peças fabricadas no Japão, Mark Steckle, no final de semana e esse diz, com satisfação: “Domingo Groelândia, Idaho, Índia...

é um bom dia para ralar para valer!”. Duryea, então, fica orgulhoso de

contar que toda a sua equipe estará trabalhando à tarde.

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI

12 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007

Ora vamos! Eu sei que as coisas fugiram um pouco ao Kanter (1997) procura discutir três justificativas comuns controle. Andei ocupado demais no trabalho. Devíamos ter

para o excesso de horas de trabalho que dominam as novas relações. A tido uma lua de mel de verdade. Eu devia ter desligado o celular. Ele tocou demais. A culpa é minha. É tudo culpa primeira abordagem é a psicológica e caracteriza os workaholics: minha! Mas, a boa notícia é que eu posso mudar! Foi uma boa lição para mim, obrigado!trabalhar muito é um vício e, por isso, as pessoas não conseguiriam

largar o trabalho. A segunda perspectiva, sociológica, vê as

Nas palavras de Kanter (1997, p. 202), “a invasão da vida organizações como “vorazes”, ansiosas por consumir mais e mais das

pessoal ameaça relacionamentos que não se acomodam facilmente às pessoas, valorizando justamente os que estão dispostos a “estar

exigências do local de trabalho”. A autora cita ainda pesquisas do final sempre lá”, agüentando o máximo que for possível. O terceiro ponto de

da década de 1980, que evidenciam o estigma relacionado a altos vista é o do chamado “trabalho de fachada” e descreve a manipulação

executivos divorciados. No entanto, Kanter (1997) chama atenção para que os indivíduos fazem para controlar as impressões dos demais.

o fato de que alguns recrutadores tenderiam a aceitar mais homens Administrar essa impressão se torna cada vez mais importante num

solteiros e divorciados, porque estes poderiam concentrar suas contexto de redução de segurança do emprego, onde é preciso mostrar

energias no trabalho e reduzir custos de realocação da família nas que se é insubstituível. Kanter (1997), entretanto, lembra que uma

situações de mudança. outra explicação precisa ser considerada: quando o trabalho é mais

No filme, para o personagem de Foreman, a família ocupa o excitante, as pessoas querem realizá-lo por mais tempo. Tratados como

centro das suas atenções e afetividade. Ele acompanha os namoros das empresários, gerenciando a própria parte dos negócios, os

filhas, se ressente da ausência de notícias da mais velha (que foi para a funcionários tendem a se comportar como tais.

universidade), tem tempo para jogar tênis com ela e acompanhar a A convocação extra de Duryea pode ser explicada por todas

esposa numa ultra-sonografia. Ao final, no momento do nascimento do essas perspectivas. Com a vida pessoal esvaziada, sem outros interesses

seu bebê temporão, usa pela primeira vez o jargão muito utilizado por além da sua profissão, o jovem tem bons motivos para continuar sua

Duryea nas suas reuniões de trabalho: “Eu estou vibrando!”. A cena jornada de trabalho ao longo do final de semana. A solidão de Duryea é

indica que, ao contrário do jovem, Foreman mantém no núcleo destacada ao final da reunião quando este procura, em vão, uma

familiar o centro de sua vida emocional. É por ela, e não pelo trabalho, companhia entre os colegas de trabalho para beber ao final do

que ele é capaz de vibrar. Kanter (1997) chama atenção para o fato de domingo.

que, na nova realidade, o trabalho que ocupa o tempo e o intelecto das O prolongamento da jornada também é reforçado pelo

pessoas, também tende a tomar um espaço importante na emoção dos exemplo do seu chefe e serve para demonstrar publicamente o ritmo

indivíduos, afinal, quando as pessoas trabalham muitas horas, a que Duryea está conseguindo imprimir a sua equipe. Essa última

empresa passa a ser o lugar mais provável para suprir as necessidades questão fica evidente, especialmente, porque as horas extras no final de

pessoais. E, “se as amizades e os romances nascem entre os colegas de semana não são justificadas por um acontecimento excepcional (que

trabalho, então as pessoas nunca estão efetivamente fora dele” poderia exigir uma reação imediata da empresa), mas numa situação

(KANTER, 1997, p. 291).aparentemente de rotina.

Se o trabalho se expande para além das fronteiras de tempo e

espaço antes delimitadas, começa também a interferir na dinâmica 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

externa a ele: a da família. Sennet (1999) compara duas gerações de

O filme apresenta, através dos seus dois personagens trabalhadores através da história pessoal de um pai e seu filho. Se o

primeiro, um empregado típico do old deal, via o trabalho como um principais - Dan Foreman e Carter Duryea – o choque entre as duas

lógicas de organização do trabalho (old e new deal). Trata-se de um meio de servir à sua família, vivendo uma vida sob controle e previsível

retrato de uma sociedade em transição, onde as relações de longo (uma carreira que se iniciava numa empresa quase invariavelmente

terminaria nela), seu filho vive uma experiência no new deal em que o prazo, envolvimento e vínculo entre empresas e funcionários vão

trabalho existe também para servir à sua casa, mas termina sendo substituídas pela visão de curto prazo, de baixo envolvimento e o

competindo com ela, num conflito entre o tempo que precisa ser foco na própria carreira por parte dos empregados.

Como um filme de ficção e entretenimento, Em Boa destinado ao trabalho e o tempo destinado à mulher e aos filhos. A vida

profissional também se tornou menos previsível e controlável – com as Companhia parece apresentar uma visão simplificada e maniqueísta

mudanças de emprego e cidades - e isso repercute numa dinâmica de da realidade – o que pode ser percebido na síntese a seguir (Quadro

incerteza e mudança também na vida familiar. comparativo 1). A divisão e a existência de um lado bom (old deal) e

Esse conflito fica evidente na cena em que a esposa de outro mau (new deal) não é tão simples quando se trata do cotidiano

Duryea decide abandoná-lo. O jovem tenta fazer um último apelo: dos indivíduos e das empresas. As novas relações de trabalho não

trazem apenas uma faceta perversa, mas muitas vezes terminam

Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 13

2.2 Compromisso e lealdade O discurso parece apontar para a realidade hoje cada vez

Numa lógica dominada pela visão de curto prazo, confiança, mais presente nas empresas: a idéia de uma organização não mais

lealdade e compromisso mútuo entre os funcionários não encontram compacta e estável, mas de uma articulação num sistema de rede,

espaço para serem construídos (SENNET, 1999). Nas palavras do autor, flexível e frouxo, que se articula de acordo com necessidades e

“o distanciamento e a cooperação superficial são uma blindagem interesses passageiros. A lógica mais imediata também faz com que as

melhor para lidar com as atuais realidades, do que o comportamento empresas não se atenham mais às fronteiras nacionais, mas busquem

baseado em valores de lealdade e serviço (SENNET, 1999, p. 25). Assim, em países em todo o mundo o arranjo mais lucrativo, no curto prazo,

o foco do trabalho deve estar nas tarefas a serem desempenhadas e não comprando produtos do Japão ou da Índia, abrindo mão de uma força

nas pessoas envolvidas nela. Essa é uma realidade aonde as relações de trabalho local, por outra, num país distante cujos custos podem ser

profissionais não chegam a se aprofundar, como fica evidente numa mais vantajosos.

conversa de Duryea com seu chefe (Steckle). O jovem pretende Diante deste discurso, Dan Foreman questiona as idéias do

apresentá-lo a Foreman, mas esse diz preferir não conhecê-lo, porque CEO:Somos seres humanos com outros seres humanos como é melhor“não se envolver pessoalmente”. E pergunta: “nós não clientes. Não vejo como essa empresa pode ser como seu próprio país. O fato de vendermos coisas diferentes não havíamos decidido demiti-lo”? Não se envolver pessoalmente significa que devemos agir conforme nossas próprias leis. Além disso, países, pelo menos os democráticos, têm certas também é a postura que Steckle mantém em relação a Duryea. Ao ser obrigações com seus cidadãos, não têm? Como se encaixam

perguntado se está tudo bem, o jovem começa a contar o seu processo nisso as demissões e a obsessão com os lucros?

de separação, mas é rapidamente interrompido pelo chefe, que retoma

a discussão profissional. ROUSSEAU (1995) chama atenção para a importância dos

Foreman, ao contrário, expõe uma lógica de comunicados públicos para criar nos funcionários o senso de

comprometimento com seus colegas de trabalho, na situação em que comprometimento mútuo. Ao fazer seu discurso, Teddy K. tinha por

Duryea comunica que será preciso demitir dois funcionários da objetivo sinalizar e estimular uma mudança na cultura da empresa que

equipe. Mesmo não sendo mais o chefe daquelas pessoas, Foreman estava adquirindo. O CEO propunha, então, mudanças no próprio

pede a Duryea que ele faça isso, já que foi o responsável pela contrato psicológico e normativo dos funcionários – o que eles devem

contratação deles há oito anos. No entanto, na cena da demissão, o dar e podem esperar da empresa. Ao contestar o discurso, Foreman

experiente executivo anuncia aos funcionários que “será preciso deixa evidente sua resistência e não aderência às novas “cláusulas”

deixá-los partir”, eufemismo que havia sido utilizado por Duryea e deste novo contrato.

duramente criticado por Foreman. Afinal, ele expõe uma lógica em que Ao final do pronunciamento, Duryea e Steckle vão à sala de

a decisão parece fugir ao controle e vontade da empresa (que assume Foreman. O segundo decide demiti-lo sumariamente pela ousadia de

uma postura “passiva”, ao “deixá-los partir”, enquanto que a ação contestar a fala do CEO. Duryea, entretanto, intervém, dizendo que,

termina recaindo nas mãos dos próprios funcionários). Esse então, seria necessário demitir os dois. Mais do que isso, a demissão

momento é extremamente difícil para o experiente executivo, já que ele significaria um grande prejuízo para a Waterman, já que eles estariam

é acusado por um dos funcionários demitidos de ter se transformado, prestes a fechar um grande acordo de publicidade. Acuado, Steckle

deixando de ser um chefe preocupado com os companheiros de recua, demonstrando a relação de “dependência” que em parte os

trabalho para assumir o novo discurso da organização. novos arranjos podem criar para as empresas. Como deter na empresa

o conhecimento e os recursos que os funcionários possuem, se as

2.3 O embate ideológico: old deal x new deal relações hoje são tão efêmeras e de curto prazo? Como evitar que esse

O embate entre as duas lógicas acontece na visita de Teddy conhecimento termine, por exemplo, nas mãos da concorrência?

K., o “legendário” CEO da GLOBECOM, à Waterman Publishing. No seu

pronunciamento aos funcionários, o executivo anuncia: 2.4 Trabalho e vida pessoal A cada dia o mundo se torna mais complexo. E, para sobreviver As diferenças no contrato psicológico de Duryea e Foreman num mundo complexo, precisamos de vínculos complexos para interagir com ele. Nessa sala eu vejo isso [mostrando as ficam evidentes numa reunião convocada num domingo. Para Duryea, duas palmas das mãos separadas e abertas]. O que estamos

trabalhar no final de semana estava “dentro do acordo”. Já Foreman tentando alcançar é isso [enganchando as duas mãos uma na outra]. Isto é indestrutível. Isto é inevitável. O que estamos reage com impaciência e lembra que trata-se de um domingo. Duryea construindo aqui? Uma empresa? Ou estamos construindo

parece, mais uma vez, não entender a reação do subordinado. Essa um novo país sem fronteiras nacionais? Uma nova democracia para um novo consumidor. Uma nova democracia com um indiferença pode ser entendida quando Duryea encontra seu chefe, novo eleitorado. Vídeos musicais 24 horas por dia em Kuala Lumpur. Computadores com peças fabricadas no Japão, Mark Steckle, no final de semana e esse diz, com satisfação: “Domingo Groelândia, Idaho, Índia...

é um bom dia para ralar para valer!”. Duryea, então, fica orgulhoso de

contar que toda a sua equipe estará trabalhando à tarde.

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI

14 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 15

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SUPER Size me. Direção: Morgan Spurlock , EUA: Fortíssimo Filmes, 2004. 1 DVD (100 min.)

THE CORPORATION (A Corporação). Direção: Jennifer Abbott e Mark Achbar. EUA, 2003.

sendo valorizadas pelos próprios funcionários, que encontram como deveriam ser. Assim, uma questão para reflexão estaria nos

trabalhos e responsabilidades mais desafiadores, mobilidade e impactos gerados pelo descasamento, de um lado, entre as práticas e o

possibilidade de mudanças antes atravancadas, maior liberdade, com cotidiano dos trabalhadores nas empresas (cada vez mais

novos caminhos e escolhas para a própria carreira. assoberbados pelas demandas do trabalho) e, do outro, as

representações sugeridas por filmes como Em Boa Companhia, onde

Quadro comparativo 1. Dan Foreman x Cater Duryea (old deal x se evidencia a nostalgia de uma vida mais tranqüila, sob controle e

equilibrada entre trabalho e vida familiar. new deal)

No plano individual esse descasamento talvez termine por

gerar ainda mais angústias para os trabalhadores, que como

malabaristas chineses precisam correr de um lado para o outro para

não deixar os “pratos” da vida familiar e profissional desabar aos seus

pés.

Numa perspectiva mais ampla, outra conseqüência possível

é que, diante de tanta pressão, o trabalho deixe de conferir sentido à

vida dos homens e mulheres, a exemplo, do que acontecia com as

gerações anteriores (GORZ, 1999; RANSOME, 1999). No seu lugar,

estariam outros substitutos, como mediadores da subjetividade,

identidade e do sentido da vida. Gorz (1999) cita, por exemplo,

pesquisas que, na década de 1990, mostram que apenas para 10% dos

alemães, o trabalho era o elemento mais importante de suas vidas.

Para os europeus, entre 16 e 34 anos, o trabalho estava atrás de

prioridades como ter amigos (95%), ter tempo livre (80%), estar em

forma (77%), ter tempo para a família (74%) e ter uma vida social ativa

(74%). Essa é, não por acaso, a escolha do personagem Duryea, que ao

final do filme rejeita uma oportunidade de voltar ao mundo

corporativo. Numa conversa com Foreman explica que precisa “se

encontrar” e termina feliz, correndo numa praia (não mais numa

esteira confinada ao escritório).

Deixando de ser o mediador da realização do ego no campo

social, o trabalho talvez se torne apenas um meio de ganhar a vida. As No filme, entretanto, a dicotomia é clara e, como “o crime

empresas, por sua vez, se tornariam apenas provedoras de salários. não compensa”, a Waterman é novamente vendida. Os personagens de

Que impactos para as organizações essa nova visão pode Steckle e Duryea são demitidos pela nova empresa e Foreman assume

trazer? Como essas novas relações de trabalho, dentro de uma visão novamente a diretoria, fazendo tudo voltar a ser como antes, com

mais imediata e exclusivamente baseada no lucro aos acionistas e antigos funcionários demitidos sendo recolocados na editora.

remuneração aos funcionários, vão afetar a atuação das empresas?O final, digno de um “conto de fadas corporativo”, reforça a

Tendo em vista o fato de que ainda são muitos recentes, os mensagem presente em todo o filme. O herói não é o jovem e

impactos gerados por essas mudanças ainda parecem longe de serem ambicioso executivo tão valorizado pela sociedade americana, mas sim

compreendidos. Colling e Porras (1995) realizaram uma pesquisa o profissional que consegue “driblar” a voracidade e a lógica das novas

sobre organizações com longas histórias de sucesso e perceberam que relações de trabalho e manter um equilíbrio entre vida pessoal e

nessas empresas a maximização do retorno aos acionistas não estava profissional. O trabalho, na dinâmica como se apresenta nas empresas

entre as forças dominantes das suas visões. A conclusão dos autores é contemporâneas, é retratado como algo disfuncional, capaz de

que “negócios são mais do que atividade econômica, mais do que aniquilar a individualidade e o espírito humano. Seus protagonistas

apenas fazer dinheiro”. Assim, o que acontecerá com as empresas e são infelizes, inseguros, vazios e sem um final feliz à sua espera.

seus lucros quando o trabalho, através dessas novas relações, não Uma obra de arte percorre sempre um caminho de mão

significar para os indivíduos nada além do que uma fonte de recursos dupla: de um lado precisa se alimentar das representações presentes

financeiros? na sua cultura, para que possa ser compreendida por sua platéia; de

outro tem a capacidade de reforçar e, em alguns casos, transformar

esse mesmo imaginário, “dizendo” aos indivíduos quem eles são ou

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI

14 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 Revista Científica Symposium, Lavras, v. 5, n. 2, p. 6-15, jul./dez. 2007 15

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THE CORPORATION (A Corporação). Direção: Jennifer Abbott e Mark Achbar. EUA, 2003.

sendo valorizadas pelos próprios funcionários, que encontram como deveriam ser. Assim, uma questão para reflexão estaria nos

trabalhos e responsabilidades mais desafiadores, mobilidade e impactos gerados pelo descasamento, de um lado, entre as práticas e o

possibilidade de mudanças antes atravancadas, maior liberdade, com cotidiano dos trabalhadores nas empresas (cada vez mais

novos caminhos e escolhas para a própria carreira. assoberbados pelas demandas do trabalho) e, do outro, as

representações sugeridas por filmes como Em Boa Companhia, onde

Quadro comparativo 1. Dan Foreman x Cater Duryea (old deal x se evidencia a nostalgia de uma vida mais tranqüila, sob controle e

equilibrada entre trabalho e vida familiar. new deal)

No plano individual esse descasamento talvez termine por

gerar ainda mais angústias para os trabalhadores, que como

malabaristas chineses precisam correr de um lado para o outro para

não deixar os “pratos” da vida familiar e profissional desabar aos seus

pés.

Numa perspectiva mais ampla, outra conseqüência possível

é que, diante de tanta pressão, o trabalho deixe de conferir sentido à

vida dos homens e mulheres, a exemplo, do que acontecia com as

gerações anteriores (GORZ, 1999; RANSOME, 1999). No seu lugar,

estariam outros substitutos, como mediadores da subjetividade,

identidade e do sentido da vida. Gorz (1999) cita, por exemplo,

pesquisas que, na década de 1990, mostram que apenas para 10% dos

alemães, o trabalho era o elemento mais importante de suas vidas.

Para os europeus, entre 16 e 34 anos, o trabalho estava atrás de

prioridades como ter amigos (95%), ter tempo livre (80%), estar em

forma (77%), ter tempo para a família (74%) e ter uma vida social ativa

(74%). Essa é, não por acaso, a escolha do personagem Duryea, que ao

final do filme rejeita uma oportunidade de voltar ao mundo

corporativo. Numa conversa com Foreman explica que precisa “se

encontrar” e termina feliz, correndo numa praia (não mais numa

esteira confinada ao escritório).

Deixando de ser o mediador da realização do ego no campo

social, o trabalho talvez se torne apenas um meio de ganhar a vida. As No filme, entretanto, a dicotomia é clara e, como “o crime

empresas, por sua vez, se tornariam apenas provedoras de salários. não compensa”, a Waterman é novamente vendida. Os personagens de

Que impactos para as organizações essa nova visão pode Steckle e Duryea são demitidos pela nova empresa e Foreman assume

trazer? Como essas novas relações de trabalho, dentro de uma visão novamente a diretoria, fazendo tudo voltar a ser como antes, com

mais imediata e exclusivamente baseada no lucro aos acionistas e antigos funcionários demitidos sendo recolocados na editora.

remuneração aos funcionários, vão afetar a atuação das empresas?O final, digno de um “conto de fadas corporativo”, reforça a

Tendo em vista o fato de que ainda são muitos recentes, os mensagem presente em todo o filme. O herói não é o jovem e

impactos gerados por essas mudanças ainda parecem longe de serem ambicioso executivo tão valorizado pela sociedade americana, mas sim

compreendidos. Colling e Porras (1995) realizaram uma pesquisa o profissional que consegue “driblar” a voracidade e a lógica das novas

sobre organizações com longas histórias de sucesso e perceberam que relações de trabalho e manter um equilíbrio entre vida pessoal e

nessas empresas a maximização do retorno aos acionistas não estava profissional. O trabalho, na dinâmica como se apresenta nas empresas

entre as forças dominantes das suas visões. A conclusão dos autores é contemporâneas, é retratado como algo disfuncional, capaz de

que “negócios são mais do que atividade econômica, mais do que aniquilar a individualidade e o espírito humano. Seus protagonistas

apenas fazer dinheiro”. Assim, o que acontecerá com as empresas e são infelizes, inseguros, vazios e sem um final feliz à sua espera.

seus lucros quando o trabalho, através dessas novas relações, não Uma obra de arte percorre sempre um caminho de mão

significar para os indivíduos nada além do que uma fonte de recursos dupla: de um lado precisa se alimentar das representações presentes

financeiros? na sua cultura, para que possa ser compreendida por sua platéia; de

outro tem a capacidade de reforçar e, em alguns casos, transformar

esse mesmo imaginário, “dizendo” aos indivíduos quem eles são ou

LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI LONGE DE UM FINAL FELIZ? Uma análise das novas relações de trabalho a partir do filme em Boa Companhia Maribel Carvalho SUAREZ / Patrícia Amélia TOMEI


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