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Manin. as Metamorfoses Do Governo Representativo [Parte II]

Date post: 18-Jul-2015
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  • 5/15/2018 Manin. as Metamorfoses Do Governo Representativo [Parte II]

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    24dentes do controle dos lideres. Contrastandocom 0 que se passa no governo representativode tipo parlamentar, a liberdade da opiniao pu-blica sofre urn deslocamento. Recorrendo no-varnente a metaforaespacial, e como se urn cortevertical entre 0partido majoritario ea oposicaotomasseo lugar do corte horizontal entre os queestao do lado de dentro do Parlamento e os queestao do lade de fora.

    Talvez se possa alegar que a Republica deWeimar. nao constitui exatamente.um modelodegoverno representative viavel-Mas 0 regime foiderrotado porque os partidos que apoiavam aConstituicao nao conseguiram estabelecer entresi uma solucao decomprornisso. Quandoa con":"ciliayao e possivel, uma ordem politi ca. fundadaem campos solidamente unificados se torna via;..vel. A Austria posterior a SegundaGuerra.Mun-dial e lim exemplo perfeito deurn governo repre-.sentativodesse tipo. .4) Decisiies politicas tomadasapos debates .Na democracia departido, assessoes plenarias do.Parlamento nao s'ao maisum forum de debatesdeliberativos, Uma rigida disciplina comanda 0voto .-,no interiordecada campo de forcas. A l e m disso, .uma vez detenninadaa posicao do partido; os de-putadosnao podem mudar de opiniao em funcao.dos debates. Por ultimo, asposicces de cadacam- ..po, no interior do Parlamento.sao quase sempre asmesmas, qualquerque seja oassunto posto em ~ o -tacao 0partidoda maioria sistemati6ainente apoia.as iniciativasdo governo, enquanto a minorialhefaz o p o sic ao : Isso .su ge re qu e o s d ep uta do s n ao .a va -Iiam.as propostas em funcao doseumerito, mas\assent~msuasdecisges em.iconsideracoes.extrinsecas. 0arlamento nao e .mais limlugarondese chega a urn acordo de maioriasobre politicasespecificas a partir de posicoes inicialmente.diver- ....gentes.A posicao da.maioriaja estafixada antes de.comecar ..,mo.s de-.bat,.e..s, A.s sessoesdoParlam ..' entoe asvotacoes.apenas conferem umselo de valida de. . legal a decisoestomadasemoutros lugares,. ' Essa rupturacomospadroesdo parlamen- .ta rismo f o il objetode numerosas analises.no ini-

    cio do seculo XX. De modo geral, ela foi inter-pretada como uma indicacao de que a epoca dodebate publico havia chegado ao fim. Na realida-de, 0 debate deslocava-se para outros foruns: Everdade que, na dernocracia de partido, uma vezfixada a posicao do partido os deputados nao po-dem mudar de opiniao. Tambem everdade que asdecisoes partidarias sao tomadas antes dos deba-t e s parlamentares, Contudo, nas discussoes reali-zadas dentro dos partidos, antes dos debates noParlamento, as participantes efetivamente podemdeliberar. .Adirecao do partido e os integrantes do',grupo parlamentar discutem entre si sobre a posi-yaO coletiva a ser adotada, E claro que esse tipode debate exclui as posicoes dos outros partidos,mas esse modele de governo representativo incen-'tiva a discus sao entre os lideres dos diversos par-tidos. Ja observamos antes que esse sistema derepresentacao se fundamenta no principio da tran-.sigencia politica, tanto entremaioria e minoria.quantoentre os membros de uma coalizao.As elei-coes nao determinam as politicas especificas quedevem ser praticadas; elas determinama forca re-lativa dos varios partidos, cada urn com sua plata-.formapropria. A relacaode forcasentrepartidosnao indica as questoes em quese poderiatentar umacordo.inem define comprecisao de que rna-neira se poderiachegara urn meio-termo. 0 con-'\teudo exato da solucao ..de compromisso e , por-tanto, uma questao de negociacao entre .os parti-dos e seuslideres.Por outre lade.as organizacoes social-democratas,instiyucionalizaram um processode consultas e negociacaoentre gruposde interes- se, como sindicatos eassociacoes ernpresariais.Essefenomeno.iconhecido como "neocorporati-vismo",tem .sido objeto de grande atencao potparte da ciencia politica recente: 25As instituicoes

    " .

    .25.0 conceitode"neocorporativismo"pode ser mal.compreendi-.do se niiq se percebe que ele se baseia no reconhecimento deum conflito fundamentalentreos interesses.cenquanto o..corporarivismo tradicionaipresu!Dia uma complementaridadefuncionalv-- e; portanto, umabarmonia=-. e n t r e as forcas s o -ciais. Nao se trata de uma diferencaabstrata ou ideologicainosarra~josneocorporativistas, urn dos principaisinstrumentos do' .conflito social, 0direito de greve, permanece intocado, enquan-

    . to no corporativismo tradicional a greve eprcibida. Vei:Bergounioux &Manin, 1989, pp. 51-5. . .\

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    GOVERNO REPRESENTATIVO 25neocorporativistas, cujo objetivo e facilitar a con-,ciliayao entre interesses sociais opostos, incenti-yam a discussao. Os termos do acordo nao saofixados antes do cotejo das posicces; sao, antes,seuresultado. 0 principio da conciliacao, tantona politicaquanto nas esferas sociais, supoe a ne-gociacao e a discussao. E comum subestimar aimportancia do debate na democracia de partido,.porque .0 carater essencial da s o lu cao conci li at e-ria nessa forma de governo nao foi adequadamen-te reconhecido. Pensava-se que os representantes, dos diferentes campos estivessem rigorosamentecomprometidos com osdetalhes de suas platafor-mas politicas - caso em que, de Jato; naoseria,possivelnenhuma mudancade posicao e nenhum"debate. Mas, na realidade, quandoademocracia 'de partido e lima forma estavel de governo.relanaofunciona por rneio da rigida imposicao de pro-gramas pr~estabelecidos.

    A democracia do publico.1) Os representantes s a o eleitospe/os govern adosTem-se observado, nosultimos anos, lima nitida .'modific3,9aOnaS interpretacoesdos resultados elei-torais. Antes dos anos 70, a maioria dos estudos .concluia que as preferencias'politicas pod-lam serexplicadas pelascaracteristicas sociais, economi:'cas e culturais dos eleitores, Xarias pesquisas so:-ore 0 tema mostramque a situa9aO mudou.Osresultados eleitorais tendem a variar significati-

    .' .vamente de uma eleicao para a Dutra,'ainda que se.mantenham inalteradasas condicoes.socioecono-micas e c'ult:urais~oseleitores.26 " ..

    !II '! \L .1 .,'26.Um dos primeiros teoricosa comentarque as preferencias poll-

    ticas sao em grande parte umaresposta a escolha eleitoralofe-recida aoseleitores,independentemente das caracteristicas so-cioeconomicas'e culturais destes; foi VO, Key; ver especial-menteKey, 1963it.e 1963b.Na decada de 70, essa ideiafoiaproveitada e desenvolvida em varies outros estudos. V~r, por.:'exemplo: Pomper, 1975; e Nie et at, 1976,Pesquisasrecentesrealizadas na Franca ta~Mm chamam a atenyao(para 0 papel'determinante dos termos da escolha oferecidos ao eleitorado, 'Ver, especialmente: Lancelot,1985;eGaxie, 1985.' .

    A personalizaciio da escolha eleitoral

    (

    . .' .A personalidade dos candidatos parece ser urn dosfatores essenciais na explicacao dessas variacoes:as pessoas votam de modo diferente, de uma e1ei-vao para a outra, dependendo da personalidade doscandidatos, Cada vez mais os eleitores tendem avotar em uma pessoa, e nao em urn partido: Essefenomeno assinalaum afastamento do que se con-siderava como comportamento normal dos eleito-'res em uma democracia representativa, sugerindouma crise de representacao politica, Na realidade,a predominancia das legendas partidarias na de- "terminacaodo voto e caracteristica apenas de urntipo especifico de representacao: a democracia departido. Um outro aspecto que tam bem apro xim aa .s itu ac ao a tu al a do modele parlamentar e 0cara-terpessoal da relacao de representacao. Tem sidoobservado aindao aumento da importancia dosJatores pessoais no relacionamento entre 0 repre-.' sentante e seu eleitorado (Cain et aI., 1987). Esse.aspecto aparece de modo nitido na relacao qlle.seestabelece entre opoder executivo e os eleitoresno plano nacional. Ha muito tempo os ahalistasvem constatando uma tendencia a personalizacaodo podernos paisesdemocraticos, Nos paisesemque 0chefedo poder executive e eleitodiretamenteporsufragiouniversal, a escolha dopresidente da

    . Republica tende aser a eleicao.mais.importante.'Nos regimes parlamentaristas, onde 0 chefe do, poder executivo tambemeo liderda maioria.par-....amentar, as campanhase as eleicoes legislativasseconcentram emtorno da pessoa desse lider. Os. partidos continuam a exercer.um papel essencial,mas tendem a se tornar instrumentos a servicode

    umliqer.Aocontrariodoque acontece na repre-, sentacao parlamentarista, e ochefe do governo, enaoo membro do Parlamento, que 'se consideracomo 0representanteporexcelenci(l' Contudo, damesma mane ira que. acontece no parlamentaris-mo,a relacao derepresentacao tem.um carateres-sencialmente pessoal. . ,....' Essa nova situacaotem duascausas, Em pri-meirolugar, os canaisde comunicacao politica"afetam a naturezada.relacao de representacao..oscandidatosse comunicam diretamente com seuseleitores atr~ves do radi~:e da televisao.idispen-

    )

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    AS METAMORFOSES DO6sando a mediacao de uma rede de relacoes parti-darias. A era dos ativistas, burocratas de partidoou "chefes politicos" ja acabou, P O T outro lado, atelevisao realca e confere uma intensidade espe-cial a personalidade dos candidates. De certa m~-neira, ela faz recordar a natureza face a face darelacao de representacao que caracteriz9u a pri-.meiraforma de governo representativo..Os meios

    . "-de comunicacao de massa, no entanto, privilegiamdeterminadas qualidades pessoais: os candidatosvitoriosos nao sao os de rnaior prestigio local, masos "comunicadores", pessoas que dominam as tee-nicas da midia, 0 que estamos assistindo hoje emdia nao e a urn abandono dos principios do gover-

    no. representativo, mas auma mudanca do tipo de '..elite selecionada: uma nova elite esta tomando 0lugar dos ativistas e lideres de partido. A demo-cracia do publico eo reinado do "comunicador".o segundo .fator determinante da situacao-atual sao as novas condicoes em que os eleitosexercem 0poder. Reagindo a essas mudancas, os.candidatos e os partidos dao enfase.a individuali-dade dos politicos emdetrimentodasplataformas ,politicas. Como 0 ambito das atividades do go-....verno aumentou consideravelmente nas ultimasdecadas, tornou-se mais dificil para os politicos.fazer promessas muito detalhadas; os vro.g;ramas. ficariam muito extensos e seriam praticamente ile-giveis, Urn outro fator ainda mais importante e 0-aumento da complexidade das circunstancias po- .liticas com que os governostem sedefrontadodesde a SegundaGuerraMundial. A crescenteinterdependencia economica das nacoes impo,e a.cada governo a necessidade de enfrentar .decisoes .'tomadasporumnu.mero Gada vezmaior de-ate-.res. Issosignifica, po~ suavez.rque tambemos'.problemas a ser enfrentados pelospoliticos no. poder sao cada vezmenosprevisiveis. As .circuns-tancias dentro dasquaisse desenvolvea ayao dogoverno demandam urn poder discricionario, cuja-estrutura formal pode ser comparada a antiga no-yaO deprerrogativa, Locke definiu oconceito deprerrogativa comoaautoridadepara tomar deci -'.soes na ausencia de legislacaoprevia. A'necessi-.dade-desse poder ejustificada no Segundo Trata-do pela eventualidade de o governo ter deenfren--tarsituacoes imprevistas,aopasso que as leis sao .'. . ". .. . -./.

    constituidas por regras fixas previamente sancio-nadas." De modo analogo, e possivel pensar queos governos contemporaneos necessitam de umpoder discricionario relativamente aos programaspoliticos, ja que e cada vez mais dificil prever osacontecimentos que terao. de serenfrentados. Seas circunstancias atuais exigem urna determinadaforma de poder arbitrario, e de born senso que oscandidatos realeem suas, qualidades e aptidoespessoais para tomar decisoes adeqnadas.em vezde ficarem com as maos atadas por promessasmuito detalhadas. Os eleitores tambem estao cien-tes de que ogoverno tera de enfrentar imprevis-tos. Na opiniao dos eleitores, portanto, a confian-ca pessoal que ocandidato inspira e um criteriode escolha mais .adequado do que 0 exame dosprojetos para 0 futuro. Mais uma vez, a confian-ya,tao .importante nas origens do governo repre-sentativo, assumeuma importancia decisiva.

    Por eonseguinte, os eleitores conternporane-os devem conceder aos seus representantes umacerta margein de liberdade relativamente as plata-formaseleitorais. A bern dizer, isso sempre aeon-teceu no governo representative, desde que os .mandatos 'imperatives foram proibidos. A situa-.yaO atual apenas torn a.mais visi vel urn. aspecto.perrnanente da representacao politica. Mas 0po-der discricionario nao e 0mesmo que urn poderirresponsavel, Os eleitores mantem 0 poder fun-damental,que sempre tiveram nogoverno repre-.sentativo, de destituir os representantes quandoseus mandatos terminam. Hoje e especialmentedificil avaliar os.politicos levando em contasuasplataformas, mas eperfeitamente viavel julga-losmediante a analise de suafolhade services. Tam-bern .nesse sentido 0 conceito de poder discricio-

    '0 nario rnostra semelh!.nc;as com oconceitode po-der de prerrogativa para Locke. Segundo a defini-vao de Locke, 0poder de prerrogativa nao era ili-mitado, mas apenas uma capacidade de agirv'con-

    . 27YHa muitas coisas que alei nao podepreverde modoalgum, eestas devem S e T necessariamente deixadas a eriteriodaqueleque control a 0poder executive, para ser por ele determinadas..conforme requeiram o.interesse e 0bern publico." (Locke. 1988,' . c a p . ,X)", J 59) .. , :." . .

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    GOVERNO REPRESENTATIVO 27forme exijam 0 interesse e 0 bern publico". Nasatuais circunstancias, os eleitores e que determi-nam a posteriori, reelegendo ou destituindo 0 re-presentante, se as iniciativas por ele tomadas pro-moveram ou nao 0 bern publico.Os termos gerais da escolha eleitoral.Alem da personalidade dos candidatos, os estu-, dos contemporaneos revel am que 0comportamen-to dos eleitores varia de acordo com os termos da,escolha e1eitoral. Por exemplo, os cidadaos votamem diferentes partidos em eleicoes presidenciais,

    _... legislativas e municipais, sugerindo que as deci-SOI: '$ de voto levatn em conta a percepcao do queesta em jogo numa eleicao especifica, e nao sao,, decorrentes das caracteristicas socioeconomicaseculturais dos eleitores. Assim tambem, as deci-soesdo e le it o rado parecem ser suscetiveis as ques-toes levantadas durante as carnpanhas politicas,Os resultados da votacao variam significativamen-'te, atemesmo em periodos curtos de tempo, con-forme a enfase atribuida as questoes no transcor-, ',28rerdas campanhas. Os eleitores parecemrespon-der (aos termos especificosque os politicospro-.poem em cada eleicao), mais do que expressar ,(suas identidades sociais ou culturais), Desse pontode vista, a situacao atualrepresentaumafastamen-to do processo de formacao das.preferencias poli-: ticas na democraciadepartido.Hoje em dia, pre,..domina a dimensao reativado voto.

    / Toda eleicao implica urn fator de divisao e'diferenciac;aoentre os eleitores, De urn Iadc.todaeleicao visa necessariamente distinguiros quea po i am u rn c andid ate dosque sao contraries a ele., Por outro lado; aspessoasse mobilizam e se unemmais efetivamente quandotern adversarios. e per-cebem existir diferencas entre elaie os demais,Oscandidatos precisam, entao,nao so identificar" I . _.' . .. . '_ .

    28. Ver,por exelllPio, Nie et al., 1976, pp. 319,349" "Um temasim-ples mas.importante atravessa quasetodo este livro:opublicoresponde (lOS estimulos politicos quelhe sao oferecidos: o com-portamento politico do eleitorado na o e determinado unicamen- 'te por fatores sociais e psicologicos, mas tambem pelas ques-tOes do memento e pela maneira como oscandidatos as.apre-sentam.t'fp.....19; aenfase e minha). ' , '

    .. ,. ' ;;

    a si proprios, como tambem definir quem s a o seusadversaries. Eles nao soseidentificam, como as-sinal am uma diferenca. Em todas as formas degoverno representativo, os politicosnecessitam dediferencas que Ihes sirvam debase para mobilizarseus adeptos. As clivagens sociais, que fora dosperiodos eleitorais dividem a massa dos cidadaos,constituern urn recurso essencial.

    Nas sociedades em que existe uma divisao,ao mesmo tempo duradoura e especialmente no-toria, os politicos sabem, antes da eleicao, qlleclivagens devem explorar, e iS80 lhes permite de-marcar 0divisor de aguas que irao propor durantea campanha. Nessas circunstancias, portanto, ostermos da escolha oferecidos pelos politicos re-"presentam uma transposicao para a esfera eleito-ral de uma clivagempreexistente. E isso que aeon-tece na democracia de partido. Mas em algumassociedades ocidentais a situacao atual e diferente.Nenhuma, linha divisoria socioeconomica ou cul-,tural e mais evidente do que as outras. E obvioque os cidadaos nao constituem uma massa ho-

    "mogenea quepossa serdividida de qualquer ma-neira pelas escolhas que Ihesao propostas, mas aslinhas de demarcacao social' e' cultural' sao muitonumerosas,se entrecruzam, mudam com muitarapidez. Urn eleitorado desse tipo e suscetivela" yarias possibilidades de corte. Os politicos devem'decidir, entre essespossiveis cortes, quais seraoos mais eficientes emais favoraveis.a seus propo-"'sit~s.Um~ Iinhaou outra de divisao.sempre podeser' provocada, Portanto, os articuladores.dos ter-,',nos da escolha conservam uma relativa autono-mia na selecao das clivagensque desejam explo-rar. Nessascondicoes, ainiciativa dos termos da"escolha eleitoral cabe ao politico e nao aoeleito-rado;e isso explicapor querazao as decisoeshoje ',em dia aparentam ser primordialmente reativas .

    . Rigorosamente falando, emtodas as formasde governo .representativo 0 voto constitui.iem'-l'arte,urhareac;ao doeleitorado aostermos quelhe sao oferecidos. Mas, quando ' esses termos ,espelham umarealidade social.rndependenternen- 'teda ac;ao dospoliticos.tem-se a.impressaoque 0eleitorado e a fontedos termos aos quais, na ver-dade; eleapenas respondecomseu voto. o ' . c a r a o . ;,fer reativodo voto e obscurecido por suadimenv

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    28 AS METAMORFOSES DOsao expressiva. Quando, inversamente, os termosda escolha decorrem prineipalmente de aco es re-lativamente independentes dos politicos, 0 votoainda e uma expressao do eleitorado, mas sua di-mensae reativa se torna mais importante e maisvisivel. Isso explica por que 0 eleitorado se apre- 'senta, antes de tudo, como urn publico que reageaos termos propostos nopalco da politiea. Por essa'razao, denominamos essa forma de governore-presentativo de "democracia do publico".

    Os politicos, no entanto, ternuma autono-mia apenas parcial ou relativa na selecao dos as-,suntos qu,e dividem 0 eleitorado; e1es nao podeminventar, com totalliberdade, os principios daclivagem que irao propor. Nem.toda divisao e pos-'sivel, porque 0 eleitoradoja se encontra divididopor fatores sociais, economicos e culturais ante-"riores ~s decisoes dos candidatos.Ademais, os po-liticos nao podem nem ao menos escolherentre asdecisoescomo melhor lhes aprouver, Eles sabem,que a utilidade das possiveis divisoes nao e a mes-,', -,rna em todososcasos: seumcandidato fomenta, uma linha de clivagem que nao mobiliza eficaz- '.:mente. os.eleitores.rou uma 'outra que funciona. contra ele, ,acaba perdendo aeleicao .-Os politicos,podem formularuma deterrninada opiniao que, aseu ver, divide oeleitorado em vez de uma outraqualquer, mas.e a eleicao que, em ultimo caso, in! "sancionar ou nffo sua iniciativa, Os candidatos nao ,sabemde anternao andy esta o divisor deaguasmaiseficiente, mas t e r n todointeresse em fazeressa. descoberta. Em comparacao com aauton~ ..mia que os politicos.usufrufamna.democracia departido,a iniciativa deles aumentanesse novo.sis-tema, mas, em compensacaaeles precisamestar_permanentemente empenhados em identifioar as\questoes que melhor 'dividem 0 eleitorado Baraexplora-las P9liticamente.Mas, seas: clivagensrnais eficazes sao aquelas que correspondem aspreocupaeoesdos eleitores, oprocesso tende a eriar 'uma convergencia entre os term o s da eseolha elei-' ," toral eas divisoesdopublico. Nademocraciadepartido, aocontrario, pode haverumacorrespon- 'dencia imediata entre essesdois aspectos, porque ...ospoliticossabem de antemao, e. com-razoavel.margemde seguranca, .quais .sao as c1ivagens fun-damentais do eleitorado, Na democracia do publi-

    I ,-_ - . ',.-, i" '

    I .

    co, a convergencia se estabelece com 0tempo atra-yes de um processo de ensaio e erro: 0 candidatotoma a iniciativa de propor lima linha divisoriadurante a eampanha, ou, com menos riscos, a par-tir das pesquisas de opiniao. 0publico, a seguir,responde a divisao proposta e, por fim, 0politicocorrige ou mantem a propostainicial, dependen-do da reacao do publico.

    Observa-se, alem disso, que a escolha finaloferecida aos eleitores nao e resultante de urn pla-no eonsciente ou deliberado. Cada candidato pro-poe.a questao ou 0 termo que the parece mais efi-eaz e vantajoso. Mas a escolha finalmente apre-sentada e a clivagem que ela provoea decorrem dacombinacao dos termos oferecidos pelo conjuntodos candidatos. A configuracao final da escolha eproduto da pluralidade de acoes deseoordenadas.

    .Nas dernocracias, a politica e frequen-temente .analisada por meio de uma analogia como funcionamento do mercado. A metafora teatral, 'do publico e do palco parece, no entanto, maisapropriada doquea da oferta e demanda na des-,cricao doprocesso eleitoral contemporaneo. A

    i metafora teatral expressa a diferenca entre aque-les que tomam a iniciativa dos termos da escolha.eaqueles quefazemasescolhas, e realca a inde-pendenciaparcial dos primeiros. A metafora do'.mercado, aocontrario, contem muitas dificulda-des que se torn am visi veis ao desdobra-la emtodas as suas implicacoes Ha razoes, sem duvi-da, paradescrever os politicos comoempresa-rios que competem para ganhar votos emaximizarseus beneficios ,- as reeompensas materiais esimbolicasdopoder, Mas caracterizar os eleito-res como consumidores e bem menos apropria-{do. Urn consumidor queentra num mercado eco-'nomico sabe 0qucquer: suas.preferencias

    " .independem dosprodutos que lhesaoofertados.Ateoria economica supoe que/as preferencias dos'consumidores saoexogenas. Na politica, entre-tanto; esse supostonaoe realistaecontraria a.experiencia. Namaiorparte das vezes, quandoum cidadao entra no que se poderia chamar demercado'politico, suas preferencias.nao estao ain- "da f o rma da s, A o - co n tra rio , elas se.firm am .a me- 'dida que ele vai tomando conhecimento dos de-

    ' : , . _ , . , . , , : - ' , _ - I .hates publicos, Na politicaademanda naoe,

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    GOVERNO REPRESENTATIVO 2 9exogena; de modo geral, as preferencias naopreexistem a acao dos politicoS.29

    Ainda nao foi suficienternente valorizado fato de que 0 proprio Schumpeter, considerado "como 0 fundador dasteorias economicas da de-mocracia, admitia que, em politica, nao existe pro-:priamente uma demanda. Schumpeter insistia que'na esfera dos "assuntos nacionais e internacionais", 'nao se justificava.ahipotese de que as individuostern volicoes claramente definidas e independen-tes das propostas dos politicos. Essas volicoesexistem, mas somentequando se re1a~ionam comassuntos de importancia imediata para as pessoas"e das quais elas tern conhecimento direto, "ascoi-, sas que lhes dizem respeito diretamente, sua fa- '.mflia, sua cidade OU seu bairro, sua classe, sua'paroquia, seu sindicato ouqualquer outro grupodo quai participem ativamente" (Schumpeter, '., 1975, p. 258). Dentro desse "campo limitado", a ., experiencia direta da realidade permite a forma-Sao de preferencias bem definidas e.independen-tes. Quando; ao contrario, "nos afastamosdaspre-ocupacoes privadas de ordem familiar ou profis-.sional para penetrar no dominic dos assuntos na-cionais e internacionais.que nao se ligam direta.e.'.inequivocamente aquelas preocupacoesparticula-res", sensode realidade enfraquecef'Schumpeter,op.cit.). Assim escreveSchurnpeter:I '

    Esse empobrecimento dosenso de realidade ex-plica nao so umempobrecimento do sensa de res-'ponsabilidade, como tambem urna falta de e fe ti vavoliciio. As pessoastem, naturalmente, suas for- ,mulasprontas, suas aspiracces, suas fantasias e

    " , suas reclamacdes.elas tern sobretudo suas sirnpa-\tias e antipatias. Mas habitualmente isso niio 'se.. " . ' , . . - ' . _ " . '.comparaao quechamamos=de vontade -" acontrapartida psiquicadeuma a~ao .responsavelque visa objetivos precisos'tfldem, ibidem, p.261;a enfase ~ minha),

    o que chama a atencaonesse trecho eo -fatode, Schumpeter negar nao so .a natureza racional 'ou '

    , '

    , 29.Manin, 1987, pp.318c68contem urn ap;ofu~damento des-se ponto, ,

    responsavel da vontade do individuo, alem do li-" 'mitado circulo de suas preocupacoes de ordemparticular, quanto a propria existencia da volicao.Em trecho posterior, ele observa que os eleitoresnao tern urna vontade politica independente dainfluencia dos politicos. "A vontadeque observa-mos ao analisar os processos politicos", escreveSchumpeter, "e, em grande parte,Jabricada, e naoespontdnea (Idem, ibidem, p. 263).

    Se nao existe, em politica, uma demandaexogena, a analogia entre a escolha eleitoral ~ 0mercado cai por terra. 0 iinico elemento validona rnetafora do mercado e a ideia de que a inicia-tiva da proposta das altemativas deescolha per-,:tence a atores distintos e relativamente indepen-dentes daqueles que, afinal de contas, fazem asescolhas. Sendo assim, arnetafora do palco e do 'publicoe mais adequada, embora ainda imperfei-ta, para descreveressa realidade.

    Nodemocracia do publico os representan-,tes politicos sao.atores que tomam a iniciativa deproporum principio de divisao no interior do elei-,.torado. Eles buscam identificar essas clivagense

    , ,'traze-Ias ao palco. Mas e 0publico que, afinal, da',0 veredicto. '2)AindependiHcia parcial'dos representantes ,Os estudos eleitorais reconhecem. que a eleicaodos representantes vern sendo atualmente mui-to influenciada por uma "imagem", quer seja aimagernda pessoa do candidato, quer seja a daorganizacao ou partido a que ele pertence. A pa-

    '. lavra "imagem" pode,no entanto, se prestar a\ ' " . ",' , "J confusao. N o vocabulario jornalistieo, ela e.freqtientemente empregada, emoposicao a de.'."substancia", no sentido .de percepcoes vagas e'superficiais destituidas deconteudopolitico. Naverdade,as 'pesquisa~de opiniao revelam queasimagens elaboradaspelos eleitores nab dei-xamde ter umconteudo politico. Para citar ape-nas urn exemplo, sabe-se.quenas ~lei

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    30 AS METAMORFOSES .D Omanda interna). Entretanto, ficou provado quea vitoria socialista resultou em grande parte deuma percepcao, embora vaga, que incluia umconteudo: a ideia de que a crise era conseqiien-cia das medidas postasem pratica pelo governoanterior e que era possivel retomar 0 crescimentoda economia e do emprego (Cohen, 1986, pp.78-80). Uma campanha eleitoral e urn processode construcao de antagonismos: ela joga varias.imagens umas contra as outtas. Considerada iso-~~;: -.~ladamente, cadaimagem, na verdade, pode sig-nificar quase tudo. Oerro esta exatamente emexaminarcada uma delas em separado. Os e1ei-tores recebemuma variedade de imagens quecompetem entre si. Embora sejamvagas, as.imagens naosao totalmente indeterminadas ou Os canais de comunicacao com a opiniao publicailimitadas, pois a campanha eleitoral cria um sao politicamenterieutros, isto e , nao tern uma base'sistema de diferencas. Uma coisa pelo menos a partidaria. Razoes economicas e tecnologicascau-imagem dos candidates nao podedesignar: a saram o declinio da imprensa de opiniao. Atual-imagem de seus adversaries. Uma campanhaelei-mente,os partidos politicos .naocostumam sertoral pode ser comparada a uma linguagem, comov-proprierarios de jornais de grande circulacao, Pordefiniu 0 fundador da Iinguistica contemporfinea.t vvoutro lado, 0 radio e a televisao nao tern oficial- .Ferdinand de Saussure: 0 significad~ decada ter-mente uma orientacao partidaria, 0resultado dessa.mo e oresultado da. coexistencia de varios ter- neutralizacao da midia em relacaoas clivagensmos que se distinguem uns dos outros. partidariase que as pessoas recebem as rnesmasE bern verdade que essas imagens sao re~informac;oes sobre um dadoassuntc.va despeitopresentac;oespoliticas muito simplificadas e de suaspreferencias politicas.Isso nao significa....squematizadas,Evidentemente,a irnportancia que os assuntos ou os fatos -.. -diferentemente dosdessas rcpresentacoesesquernaticas decorredav.jjulgamentos -.-.sejam percebidos de maneira"ob-fatode que muitos eleitores naoestaosuficien- jetiva", semdistorcoes, massimplesmente que elestemente capacitadospara compreender osdeta- sao.percebidos de maneirarelativamente unifor-Ihes tecnicos das medidas propostas e as razoes rneatravesdoamplo espectro das preferencias~queas justificam, Mas a utilizacao de represen- . politicas. Ao coritrario, quando grande parteda.tacoes .simplificadas tambem e.um meio de re- .:' imprensa se encontra sob controle dospartidossolver o problemados custos da inforrnacao.po- (como. acontece nademocracia de partido), as'litica. Ja seobservou que urn dos maiorespro- pessoasescolhemsuafonte de informacaode.blemas enfrentadopelo cidadao nas grandes de-: acordocomsuas inclinacoespartidarias; os fa-.mocracias e a desproporcao dos custos necessa- ,tos OU08assuntos saopercebidos pel~6tica do;los,para~onseguir a.informacao necessaria e a partido em que votam, . ~influencia queele esperaexerc~rsobteo resul=.". Umacomparacao entre oes~andalo de'tado das eleicoes. Esse problema nao ocorre.na.uvWatergateeocaso Dreyfusjduassituacoes nasdemocraciadepartido, porque adec~saodos quaisa opiniao publica teve.um papel fundamen-eIeitoressedefinepor u rn sentimento de iden-' tal.pode exemplificaroargumento. Descobriu-setida~edeclasse.,IgUalmente.p9deria sedizer queque,_durante a crise de Watergate, os americanos.a 'identifi cacao partidaria e uma solucao para 0 . tinham, de modo geral, a.mesma compreensao dos..problema dos custos da informacao .nademo- fatos.rindependenterriente de,suapreferencia par-craciadepartido. Sejacomofor, quando aiden- "tidariae do .julgarnentoque faziarn~N6.caso

    tidadesociale a identificacao partidaria perdemimportancia na determinacaodo voto, surge anecessidade de encontrar caminhos alternativospara obter .inforrnacao politica,

    Ja que os representantes sao escolhidos apartir dessas imagens esquematicas, sobra-lhes urnespaco de liberdade, apos e1eitos,para agir. A causade sua eleicao foium compromisso relativamentevago que naturalmente se presta a diversas inter-pretacoes. Fica assegurada, portanto, a indepen-dencia parcialdos representantes, que senipre ca-. racterizou 0governo representativo.3) A liberdadeda 'opinido publica

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    GOVERNO REPRESENTATIVO.Dreyfus, ao contrario, parece que ate mesmo aI percepcao dos fatos foi diferenteentre os variessetores da opiniao publica: cada segmento do pu-blico frances percebia os fatos atraves da otica dosorgaos de imprensa que refletiam suas inclinacoespartidarias (Lang &Lang, 1983,pp. 289-291).

    Nesse mesmo sentido, descobriu-se que urndos aspectos mais evidentes das ultimas eleicoesfrancesas foi a homogeneizacao da imagem dospartidos no interior do eleitorado. Ao que se sabe,,durante as eleicoes parlamentares de J986, os elei-tores tinham aproximadamente a -mesrna percep-ao das posicoes dos varies partidos. E claro quehavia divergencias no modo, de avaliar os parti-dos, e 0 voto expressou essas diferencas, mas osassuntos tratados eram percebidospelo eleitorado, ' ,

    -'.~.;

    . QUADRO

    o mcdeloparlamentarElei~ao dosrepresentantes

    Escolha de pessoasconfiaveisImportancia de relacdeslocaisInfluencia dos"notaveis"

    Independencia parcial, Deputado votasegundo,dosre,presentantes sua consciencia

    .Liberdadeda opinHiopublica '

    Nao-coincidenciadasexpressoes eleitorais enao-eleitorais da opiniao.Povo chega vasportas do'Parlamento"

    Debate parlamentar Parlamento,

    de modo quase identico, a despeito do partido emque votararn(Grunberg et aI., 1986, pp. 125-127).

    Pode-se sugerir, portanto, que a percepcaodos temas e dos problemas publicos (diferente-mente do julgamento dessas questoes) tende hojeemdia a ser homogenea e independente das pre-ferencias politicas expressas nas eleicoes, Mas aspessoas podem assumir posicoes divergentes .arespeito de urn assuntoespecifico, A opiniao pu-blica, entao, se divide em relacao ao tenia em ques-tao; mas a divisao resultante nao reproduz asclivagens eleitorais, ou coincide com elas: 0pii-, blico pode estar dividido em certas linhas de opi-niaodurante as eleicoese.em tendencias diferen-, tes quanta a questces especificas. Assim, volta acena uma possibilidade que desaparecera na demo-

    A democracia de partido A democracia do publico'Fidelidade a urn partido Escolha de pessoas confiaveis ', ',Pertencimento a umaclasse Respostaaos termos da

    '.escolbaPresenca do "ati:vista" Presenca do "comunicador"

    Lideres definem prioridadesI - ' ,g o programa ' Irnagens determinamescolha dos lideres

    Coincidencia dasexpressoes eleitorais enao-eleitoraisda opiniao '

    , Nao-coincidenoiaentre expressoes eleitorais enao-eleitorais da opiniao

    Presencada oposicao Pesquisas de opiniao

    Discussao '.de~tro do partidoNegociacoes entre.partidos ,\

    Negociacoes entregoverno-e grupos de interesse

    31

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    32 AS METAMORFOSES DOcracia de partido: asmanifestacoes eleitorais e nao-eleitorais do povo podem nao ser coincidentes., Essa nao-coincidencia decorre principal-mente da neutralizacao dos canais de cornunica-cao atraves dos quais a opiniaopubica e forma-da, mas tambem tern origem no carater nao-partidarista das novas instituicoes que exercemurn papel crucial na expressao da opiniao publi-ca: os institutos de pesquisa.

    Cabe notar que as pesquisas realizadas poresses institutes funcionarn de acordo com a mes-'rna estrutura formal que caracteriza a democracia c ,do publico: 0palco e 0 publico. Os tecnicos res-ponsaveis pela elaboracaodos questionarios naosabem de antemao que perguntas poderao estimu-lar respostas mais significativas e trazer a tona as',clivagens mais importantes do publico. Assim, eles 'tomam decisoes de maneira relativamente auto-noma. Desse pontdde vista, as pesquisas de opi-niao certamente nfio sao uma expressao esponta- 'nea da vontade popular -, urn efeito cia ideologiada democracia direta que, apesar disso, ronda ospesquisadores. A rigor, aspesquisas saoconstructos. Masinteressa aos institutosde pes-quisa oferecer aos clientes resultados dealgumvalor preditivo e que revelem clivagenssignifica- . ,,',tivas. Assim como os politicos.os pesquisadores

    . ,ttabalham por ensaio e erro." 0aspectomais importante dessas organiza-, 9Qe~de pesquisa e que, assimcomo o s meios de ,.'comunicacao de massa, elas sao mdependentes de,partidos politicosfoque nao significa que nao

    \ "_ . - ;, - . --'. ..introduzam distorcoesjElas.podem revel at, seminconvenientes, linhas divisorias inexploradas pe~.Ioscandidatos. Desse modo, as pesquisas de opi-niaocontribuem para desfazer a associacao entreasexpressoes eleitorais.e nao-eleitorais da vonta-de popular.' '

    Em certo .sentido, reencontramos na demo-cracia do publico urna configuracaosemelhanteadoparlamentarismo, exceto pelo fatode que as

    ,.pesquisas acabam por conferir urn carater bastan~i" te peculiar-a manifestacao nao-eleitoraldavonta- 'depopular, D e 'urn lado, aspesquisasreduzemoacustos daexpressaopoliticaindividl~aL Participarde uma manifestacao publica .implica urn gasto detempo' e energia;' assinar uma peticao\pode, as ve-" . '- - '_ l

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    zes, envolver riscos. Em contrapartida, responderanonirnamente a urn questionario impoe apenasurn custo minimo. Ao contrario do que se veri fica110 tipo parlarnentarde govemo representativo, emque os altos custos das manifestacoes de rua e daspeticoes reservarn para as pessoas mais intensa-mente motivadas a capacidade de expressao poli-ticanao-eleitoral, as pesquisas de opiniao dao vozaos cidadaos "apaticos" e nao-engajados. Por ou-tro lado, porserern pacificas, as pesquisas facili-tam a expressao de opinioes .politicas, ao passoque asmanifestacoes publicas.sempre comportamurn risco de violencia, sobretudo quando asopi-nioes estao muito polarizadas. Por conseguinte, apresencado povo "nasportas do Parlamento" emais freqiiente do que se verifica no modele par--Iamentar: 0 povo nao se fazpresente apenas emocasioes excepcionais.,4) As decisiies -politicas silo 'tomadasapos debatesCDm a notavelexcecao do Congresso dos Esta-"dos Unidos, Parlamento naoeoforum do deba- '

    t e publico. Cadapartido .se reune em torno de seulider .e vota disciplinadamente COl]1, eIe.30 Assim,.na democracia do publico oParlamento tern tao I''pouca importancia como forum de discussaoquan- ', to .nadernocracia de partido,embora por raz5es 'diferentes.Mas as discussoes.dentro dos partidos,e as consultas entre.o governo e osgrupos de.inte-resse ou .associacoes sao de fato relevantes.

    A'grande novidade introduzida pelo tercei-ro.tipo de representacao se en contra em outroas-'pecto:,Durante'as ultimas decadas, osestudoselei-toraistem acentuado a importanciada instabili-dadeeleitoral. Vern aumentando 0mimerodoselei-toresflutuantes quenaodepositarn seu veto a par-tir de uma identificacao .partidariaestavel, Urnsegmento crescentedo eleitorado tende a.votarde'acordo com os problemase as questoespostas emjogo em cada eleicao. Na verdade, semprehouve.um eleitorado instivel,mas,no passado, de se

    \

    ~ o.Vejao topico "Personalizacao da escolha eleitoral", na pagina 2S. ,

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    GOVERNO REPRESENTATIVO,.

    compunha de cidadaos pouco inforrnados, poucointeressados em politicae com urn nivel baixo deescolaridade. A novidade introduzida pelo eleito-rado fiutuante de hoje e que ele e bem-inforrnado,interessado em politica e razoavelmente instrui-. do. Boa parte desse fenomeno se deve aneutralizacao da midia informativa e de opiniao:os eleitores interessados.ern politica, e que bus-cam se informar, sao expostos a opinio esconflitantes, enquanto na democracia de partido"as opinioes do mais ativo e interessado dos cida-daos eram reforcadas pelas fontes de informacaoa que ele recorria. A existencia de um eleitoradobem-inforrnado e interessado, que pode ser em-purrado de um lado para 0outro, estimula os po-Iiticos a expor suas ideias diretamente aopublico ..Pode-se conqllistar 0apoio de uma maioria a umadeterminada orientacao politica.falando diretamen-: .

    . te ao eleitorado. 0 debate de temas especificos .'nao fica mais restrito aos muros do Parlamento,(como noparlamentarismo), nem as comissoes

    , consultivas entre partidos (como na democraciade partido); odebatese processa no meio dopro-prio povo. Em consequencia, oforrnato de gover-no representative quehoje esta nascendo seca- .t.racteriza pela presenca de um novo protagonista,o eleitor fiutuante, epela existencia.de urnnovoforum, os meiosdecornunicacao de massa.Boa parte da insistenciana ideia de que.existe uma .:

    , crise de representacao se deve a percepcao de queo governo representativo vern se afastandoda for- .mula dogoverno do povo pelopovo. A situacao..

    c corrente, no entanto, toma outroscontornosquan- ..dosecompreende que a representacao nuncafoiuma forma indireta ou mediadade autogovernodo povo.Ogoverno representativo nao foiconce-,bido comoum.tipo particular de democracia, mas'como u rn sistema politico originalbaseado em',principios distintos daqueles que organizam a de.;mocracia, Alem disso, no memento emque ospartidoscle massa e as plataformaspoliticas.pas-.s:lram adesempenhar U rn papelessencial.na re-.presentacao, seconsolidou.a crenca de que 0 go-verno representative caminhava.em direcao ade-mocracia, Urn exame 'maisminucioso da denio-cracia de partido revela, porem.que os principios '. elaboradosnofinal do seculo XVIII mantiveram

    " " - . . . ,

    . sua forca apos a emergencia dos partidos de mas-sa; apenas foram postos ern pratica de uma nova,maneira em virtude da mudanca das circunstan-cias externas. Quando se reconhece a existenciade uma diferenca fundamental entre governore-presentativo e autogoverno do povo, 0 fenomenoatual deixa de ser visto como sinalizador de umacrise de representacao e passa a ser interpretadocomo umdeslocamento e um rearranjo damesmacombinacao de elementos que sempre esteve pre-sente des de 0 final do seculo XVIII.

    /

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