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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII
A COMPLEXIDADE DA EXCLUSÃO ESCOLAR: para além
do óbvio
POR:
MÁRCIA REGINA DE SOUZA COSTA
SENHOR DO BONFIM
OUTUBRO DE 2008
1
MÁRCIA REGINA DE SOUZA COSTA
A COMPLEXIDADE DA EXCLUSÃO ESCOLAR: para além
do óbvio
Trabalho monográfico apresentado como
pré-requisito para conclusão do curso de
Licenciatura em Pedagogia, Habilitação
nas séries iniciais, do Ensino
Fundamental, pelo Departamento de
Ensino – Campus VII, do Estado da
Bahia.
Orientadora: Simone Ferreira de Souza
Wanderley
SENHOR DO BONFIM
OUTUBRO DE 2008
2
MÁRCIA REGINA DE SOUZA COSTA
A COMPLEXIDADE DA EXCLUSÃO ESCOLAR: para além
do óbvio
Aprovada em _______/________/__________
______________________________________________Orientador
_______________________________________________Avaliador
_______________________________________________Avaliador
3
Dedico este trabalho a minha linda
menina “Maria Paula”, fonte de inspiração
e sabedoria.
Também a minha querida família, pelo
apoio incondicional.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao universo cósmico transcendental e a todos que me apoiaram
nesta etapa tão especial da minha vida, particularmente a minha amiga-orientadora
Simone Wanderley.
5
Talvez pudéssemos avançar mais se
ouvíssemos os alunos, além dos pais de
nossos alunos, em geral impedidos de
dizer o que esperam da escola. Em nossa
escola autoritária, como a sociedade da
qual é parte, falam apenas os que
percebem como tendo direitos e são
assim reconhecidos. Fala a professora e
seus alunos devem ouvir. Fala a diretora
ou diretor e os professores e as
professoras devem ouvir. Fala a
Secretaria de Educação e a Universidade
e a escola deve atender. Falam os
governantes e o povo deve aplaudir.
Falam os poderosos e os subalternos
devem se curvar. Os que rompem com
esta histórica relação autoritarismo /
subserviência são acusados de “esquerda
burra” por quem ainda ontem era
companheiro de luta contra o
autoritarismo. (REGINA LEITE GARCIA)
6
RESUMO
O presente trabalho discute as formas de exclusão escolar presente na educação pública brasileira, nas duas últimas décadas do século XX e início do século XXI, numa análise econômica, política e social, abordando o papel das políticas públicas, particularmente as educacionais, sob os efeitos das orientações neoliberais, na visão dos professores que atuam no referido contexto. No Brasil, estas recomendações promoveram um quadro maior de exclusão, aumentando ainda mais o espaço entre ricos e pobres, presentes no reduzido número de anos que os alunos oriundos das camadas populares passam na escola e na deficiência da qualidade do ensino. O enfraquecimento dos obstáculos que impediam o acesso à escola não significou o fim das barreiras discriminatórias, mas sim seu deslocamento em direção ao interior da própria instituição escolar. Assim, o nosso objetivo neste estudo foi conhecer e analisar as atuais formas de exclusão escolar no contexto da educação básica e pública brasileira, a partir das políticas neoliberais em educação, sob a ótica dos professores. A relevância da pesquisa é desvelar as novas formas de exclusão educacional, escamoteadas pelas práticas neoliberais e propor estratégias de superação, particularmente para as camadas populares da sociedade brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Exclusão, Políticas neoliberais, Exclusão escolar.
LISTA DE FIGURAS
7
Figura 4.1 – Percentual em relação a faixa etária
Figura 4.2 – Percentual em relação ao estado civil
Figura 4.3 – Percentual em relação ao gênero
Figura 4.4 – Percentual em relação à formação acadêmica
Figura 4.5 – Tempo de atuação na área educacional
Figura 4.6 – Percentual em relação ao regime de trabalho
Figura 4.7 – Percentual da renda familiar
Figura 4.8 – Percentual de professores sindicalizados
SUMÁRIO
8
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
CAPÍTULO I
PROBLEMÁTICA.......................................................................................................12
1.1 A construção do pensamento burguês: do liberalismo ao neoliberalismo........12
1.2 Neoliberalismo e educação..............................................................................14
1.3 Neoliberalismo, educação e exclusão..............................................................15
1.4 Exclusão escolar / educação pública brasileira................................................18
CAPÍTULO II
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................................21
2.1 Educação e sociedade no contexto neoliberal.................................................21
2.2 Políticas públicas e políticas educacionais......................................................22
2.3 Políticas educacionais no contexto neoliberal: Lei 9394/96.............................23
2.4 Exclusão social.................................................................................................25
2.5 Exclusão e educação.......................................................................................26
CAPITULO III
METODOLOGIA........................................................................................................29
3.1 O paradigma da pesquisa................................................................................29
3.2 Lócus da pesquisa...........................................................................................29
3.3 Sujeitos da pesquisa........................................................................................30
3.4 Instrumentos para coleta de dados..................................................................30
3.5 Análise dos dados............................................................................................31
IV CAPÍTULO
ANÁLISE DE DADOS E INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS...............................32
4.1 Os dados do questionário: perfil dos professores.........................................32
4.1.1 Idade, estado civil, e gênero......................................................................33
4.1.2 Formação acadêmica e tempo de atuação na área educacional..............35
4.1.3 Renda familiar e sindicalização.................................................................37
4.1.4 Síntese dos dados relativos aos professores............................................38
4.2 Os dados da entrevista semi-estruturada: ouvindo os professores.................39
4.2.1 Excluir / exclusão.......................................................................................39
4.2.2 A exclusão sob o olhar pedagógico...........................................................42
4.2.3 Os sujeitos da exclusão.............................................................................45
9
4.2.4 Exclusão: Há luz no fim do túnel?.............................................................46
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................50
ANEXOS....................................................................................................................53
ANEXO 1...................................................................................................................54
QUESTIONÁRIO FECHADO.....................................................................................54
ANEXO 2...................................................................................................................57
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA.......................................................................57
10
INTRODUÇÃO
O presente trabalho discute as formas de exclusão escolar presentes na
educação pública brasileira, nas duas últimas décadas do século XX e início do
século XXI, numa análise econômica, política e social, abordando o papel das
políticas públicas, particularmente as educacionais, sob os efeitos das orientações
neoliberais, na visão dos professores que atuam no referido contexto.
No Brasil, estas recomendações promoveram um quadro maior de exclusão,
aumentando ainda mais o espaço entre ricos e pobres, presentes no reduzido
número de anos que os alunos oriundos das camadas populares passam na escola
pública e na deficiência da qualidade do ensino.
O enfraquecimento dos obstáculos que impediam o acesso à escola não
significou o fim das barreiras discriminatórias, mas sim seu deslocamento em
direção ao interior da própria instituição escolar. Assim, o nosso objetivo neste
estudo foi conhecer e analisar as atuais formas de exclusão no contexto da
educação básica e pública brasileira, a partir das políticas neoliberais em educação,
sob a ótica dos professores.
A relevância da pesquisa é desvelar as novas formas de exclusão
educacional, escamoteadas pelas práticas neoliberais e propor estratégias de
superação, particularmente para as camadas populares da sociedade brasileira.
O capítulo I traz uma visão histórica de como se deu a construção do
pensamento burguês e sua relação com o neoliberalismo e a educação.
O capítulo II apresenta pressupostos teóricos e reflexos a respeito das
políticas neoliberais, seus sentidos ou não para as classes menos favorecidas.
O capítulo III é o transcorrer metodológico, apresentando traços para a
aquisição de dados que fundamentam a pesquisa.
11
No capítulo IV estão dispostos todos os dados coletados e estipulados que
norteiam a pesquisa. È aqui que se apresentam os dados já “processados” e
comparados aos diversos autores também sujeitos desta pesquisa.
12
CAPÍTULO I
PROBLEMÁTICA
O presente trabalho discute as formas de exclusão escolar presentes na
educação pública brasileira, no final do século XX e na primeira década do século
XXI, numa análise econômica, política e social, abordando o papel das políticas
públicas, particularmente as educacionais, sob os efeitos das orientações
neoliberais, na visão dos professores que atuam no referido contexto.
1.1 A construção do pensamento burguês: do liberalismo ao neoliberalismo
Tendo como princípios básicos a universalidade, a individualidade e a
autonomia, idéias iluministas originadas no século XVII e desenvolvidas
especialmente a partir do século XVIII em países da Europa como Inglaterra,
Holanda e França, visavam, a todos os seres humanos, independente de barreiras
nacionais, étnicas ou culturais, a serem vistos como pessoas concretas e não
apenas como integrantes de uma coletividade. A noção de individualidade e
individualismo seriam a base para um novo paradigma de sociedade. Segundo Mota
(1997, p.254) “a partir desses princípios, a burguesia passou a pensar criticamente a
tradição cultural e o Estado, propondo a transformação da antiga ordem no processo
da história humana, num mundo completamente novo, o mundo burguês”.
Neste contexto, os economistas liberais do século XVIII pregavam
essencialmente o fim da intervenção do Estado na vida pública e particular dos
indivíduos, propondo também o fim da interferência estatal na economia.
Teoricamente, no plano internacional, o mundo se transformaria em uma vasta
oficina, executando-se o trabalho onde se exige menor esforço, graças à
colaboração da natureza e ao aproveitamento das aptidões humanas, mediante o
desenvolvimento de atividades diferentes e complementares, como a solidariedade
entre os homens e as nações. A visão de solidariedade numa noção específica de
colaboração com o progresso e o desenvolvimento do Estado.
13
Na Inglaterra, com a revolução industrial do século XVIII, o crescimento das
unidades industriais e aplicação de capitais, vê-se surgir uma categoria
relativamente nova, a dos chefes de indústria, os empresários, que dispõem de
capitais para investir nas novas formas de produção ou fazem empréstimos aos
menos favorecidos financeiramente, fortalecendo as instituições bancárias. Segundo
Remond (1981), a dissociação entre esses dois grupos se acentua e ganha todos os
aspectos da vida social porque não é apenas dentro da fábrica que eles se
diferenciam, mas ainda pelo acesso à instrução, pela participação na vida política,
pelo habitat.
Na França, a revolução de 1789 vem proclamar o culto à razão e a
decadência do governo absolutista, transformando as concepções filosóficas do
iluminismo numa doutrina política e social. Para Hill (1991, p. 89), o panfleto lançado
nas ruas na Europa do século XVIII, ilustra as contradições do novo regime, [...]
”antes éramos governados por um rei, lordes e comuns, agora o somos por um
general, uma corte marcial e a Câmara dos Comuns; e peço que me digas onde está
a diferença!”.
Atualmente, nas sociedades democráticas contemporâneas, ditas não-
autoritárias, a contribuição iluminista mostra-se presente e cada vez mais evidente a
partir de diversas confirmações políticas, sociais e econômicas de um mundo repleto
de diferenças em diversas partes do mundo. O fim do absolutismo e do domínio
pleno da aristocracia custou luta, guerra, revolução. Nesse contexto, educação
então passou a ser sinônimo de civilização, instrumento inicial da realização do
princípio que diz que todos são iguais. A própria ascensão da burguesia e as
relações capitalistas de produção exigiam isso. Só a partir daí vai se solidificando a
noção moderna de escola. Seja como aparelho ideológico do Estado, seja como
espaço de contradição.
Na América Latina, desde os processos da colonização européia, a partir do
século XVI e, especialmente, no contexto da complexa constituição histórica dos
estados nacionais, os sistemas educacionais foram se desenvolvendo em
velocidades diferentes. Esta instabilidade nos ritmos de desenvolvimento escolar
não apenas definiu algumas das evidentes diferenças que existem entre os sistemas
14
educacionais latino-americanos, como também foi configurando uma série de
diferenças internas que explicam como, historicamente, os sistemas escolares de
cada país se caracterizam por uma progressiva heterogeneidade institucional
pedagógica. Segundo Gentilli (2002) circuitos diferenciados nos quais o direito à
educação de qualidade, longe de se fundamentar em um princípio de igualdade, foi
se constituindo em um caro privilégio daqueles que têm condições de pagar por ele.
1.2 Neoliberalismo e educação
O século XX terminou com uma avalanche de reformas no campo
educacional latino-americano: mudaram as leis e normas que regulam o
funcionamento dos sistemas escolares, a própria organização da escola, os
currículos, a formação docente, a avaliação. Mas a realidade cotidiana das escolas
parece a expressão grotesca e cínica das promessas milagrosas exageradas
enunciadas pela modernização neoliberal, um novo tipo de estado surgido nas
últimas duas décadas, apoiado, segundo Gentili (2001,p.76) “nas idéias liberais dos
filósofos iluministas do século XVII agora, numa versão pós-moderna”.
Vinculado às experiências de governos neo-conservadores, característicos da
década de 80 do século XX, como Margaret Thatcher, na Inglaterra, Ronald Reagan,
nos Estados Unidos ou Brian Mulrony no Canadá, os atuais governos neoliberais
propõem noções de mercados abertos e tratados de livre comércio, redução do setor
publico e diminuição do intervencionalismo estatal da economia e regulação do
mercado.
Lomnitz e Melnick (1991) assinalam que, histórica e filosoficamente, o
neoliberalismo está associado com os programas de ajuste estrutural. O ajuste
estrutural define-se como um conjunto de programas e políticas recomendadas pelo
Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e outras organizações financeiras.
Este modelo de estabilização e ajuste tem resultado em uma série de
recomendações nas políticas públicas, incluindo a redução do gasto governamental,
desvalorizações da moeda para promover a exportação, redução das tarifas para
importações e um aumento das poupanças públicas e privadas.
15
No campo educacional, no Brasil, as recomendações neoliberais
promoveram, notadamente nos últimos anos do século passado, um quadro maior
de exclusão, aumentando ainda o espaço entre ricos e pobres. Para Gentili (2001,
p.48) “somos um dos países com menor escolaridade média em toda a América do
Sul”. Segundo estudo da UNESCO (2001), dos 15 anos que um estudante deve
passar na escola, da educação básica (fundamental e média) ao ensino superior, a
média nacional, em 1999, ficava em 5 (cinco) anos e meio. No Uruguai esta média é
de 8,1 e na Argentina de 9,2 anos.
Disputávamos, portanto, o indesejável título mundial de evasão e repetência.
A mesma UNESCO (2001) constatou que o percentual de 4,6% do Produto Interno
Bruto investido pelo Brasil (incluindo União, Estados e Municípios) é dos maiores da
América Latina e comparável ao da Inglaterra, EUA e Itália.
1.3 Neoliberalismo, educação e exclusão
Na década de 80 do século passado, o enfraquecimento dos obstáculos que
impediam o acesso à escola não significou o fim das barreiras discriminatórias, mas
sim seu deslocamento em direção ao interior da própria instituição escolar.
Tonalidades diferentes nos processos de exclusão e, conseqüentemente, novos
cenários de segregação e resistência reforçam a concepção de Gentili (2001, p.79)
quanto nos afirma que “a exclusão escolar não cessou, mas simplesmente,
deslocou-se”.
Assim, o papel e a função da educação pública foram expandidos, ainda que
seguindo as premissas estatais do passado, pois à medida em que esta postulava a
criação de um sujeito pedagógico disciplinado, paradoxalmente, a missão, a
ideologia e o treinamento dos professores, bem como as noções fundamentais do
currículo escolar e do conhecimento oficial, foram todos profundamente marcados
pela filosofia predominante no estado, isto é, uma filosofia liberal, ainda que
estatizante.
16
A partir do início da década de 90, o Banco Mundial aparece como
idealizador e patrocinador das políticas públicas e particularmente das educacionais.
Samoff (1994) um dos críticos mais agudos e informados das políticas
neoliberais definiu o Banco Mundial como:
um complexo financeiro e intelectual, caracterizando sua prática científica como propiciando a transnacionalização do conhecimento (expertise), mediante uma comunidade de experts prontos para serem contratados (intelectuais), onde há uma forte confluência de pesquisa e financiamento (p. 128).
Na análise de Gentili (1995) a naturalização do infortúnio vivido por muitos,
nunca é produto de causas naturais. Trata-se de uma construção histórica,
ideológica, discursiva, moral. Uma construção que tende a se superpor ao olhar
cotidiano, tornando os acontecimentos passíveis de uma invisibilidade artificial,
ainda que não por isso menos poderosa.
Entretanto, o problema mais grave não seja de que na América Latina, o
processo histórico de exclusão educacional, durante esses últimos vinte anos, não
tenha diminuído sua intensidade. A questão central reside no fato de que fomos nos
acostumando a isso. Ainda, segundo Gentili (1995)
reconhecemos, explicita ou implicitamente, por ação ou omissão, que a igualdade, os direitos e a justiça social são meros artifícios discursivos em uma sociedade na qual não há lugar para todos. Desta forma, a exclusão se normaliza e, quando isso acontece, acaba se naturalizando. Deixa de ser um “problema” para ser apenas um “dado”. Um dado que, em sua trivialidade, faz com que nos acostumemos com sua presença (p. 41).
O medo não nos faz “ver” a exclusão. O medo nos leva a temê-la. E o temor é
sempre, de uma forma ou de outra, aliado do esquecimento, do silêncio. (Pinheiro,
1998, p. 31)
Na escola de muitas exclusões, a útil categorização oferecida por Robert
Castel (1997) nos permite, por exemplo, analisar que uma das poucas conquistas
que, em matéria de política educacional, os governos neoliberais e latino-
17
americanos costumam oferecer a seus críticos:é o avanço no processo de
universalização da escola básica, o que estaria indicando, segundo afirmam, uma
diminuição progressiva e tendencialmente total dos índices de exclusão educacional.
Mas, uma reflexão mais crítica nos faz perceber que a melhoria dos índices de
acesso e permanência, não significa necessariamente uma melhoria de qualidade.
Para Wanderley (2004, p. 67) “ter acesso à escola não é sinônimo de ter acesso à
educação de qualidade”.
Ainda nesta argumentação, para Gentili (1995)
a existência de processos de “exclusão includente” permite que se reconheça como – não tendo sido modificada durante as duas últimas décadas aquela estrutura histórica de discriminação educacional – a universalização também no acesso e permanência nos sistemas escolares (p. 35).
A realidade desses últimos vinte anos vem mostrando que a experiência dos
projetos internacionais não tem beneficiado convenientemente o setor educacional.
Vários estudos específicos foram realizados no âmbito do Banco Mundial e de seus
órgãos filiados, os quais constituem um conjunto de considerável aporte técnico para
a compreensão das dificuldades que impediriam o bom desempenho dos projetos e
também de indicações para superação das mesmas. No entanto, estes estudos não
têm sido levados em conta para a correção de problemas ou para a decisão para
futuros acordos. Por essa razão, o processo de negociação, onde cada projeto
constitui um fato isolado, não tem conexão com as experiências anteriores.
O exame dos efeitos dos projetos para além do limite de sua eficácia interna,
isto é, a consideração do alcance de sua eficácia para a correção de problemas
estruturais da educação brasileira, indica que estes apresentam efeitos pouco
significativos no que se refere à prática do desempenho escolar, especialmente com
respeito à intervenção no nível primário.
Assim, as práticas neoliberais na educação brasileira, tiveram um efeito de
“camuflar” os problemas, sem entretanto solucioná-los.
18
1.4 Exclusão escolar / educação pública brasileira
Há uma relação direta entre a exclusão escolar e a escola pública de
educação básica no Brasil. Todos os índices oficiais ou não mostram ser este o lócus
para sua consolidação.
Para Morrell (1989)
na educação pública, praticamente todas as condições “conspiram para baixar os padrões e inibir a pressão em favor da excelência: o apoio financeiro (via impostos) não está vinculada, de forma direta, com a satisfação dos clientes; a ausência de estímulos baseados no lucro e no prejuízo, por parte dos administradores escolares, leva à estratégias conservadoras, auto-interessadas, minimalistas e de sobrevivência (p. 25).
O mecanismo histórico mais eficaz de discriminação escolar (a negação do
direito à educação dos setores populares, impossibilitados assim de entrar e
permanecer na escola) tem diminuído tendencialmente sua intensidade. Entretanto,
não por isto, a exclusão escolar desapareceu ou está a caminho de desaparecer.
Como argumenta Wanderley (2004)
em outras palavras, que todos tenham acesso à escola não significa que todos tenham acesso ao mesmo tipo de escolarização. Os pobres podem ter acesso ao sistema escolar, desde que não se questione a existência de redes educacionais estruturalmente diferenciadas e segmentadas, nas quais a qualidade do direito à educação está determinada pela quantidade de recursos que cada um tem para se pagar por ela (p. 55).
Assim, contextualmente, as escolas públicas exercem o poder tanto através
da obrigatoriedade de freqüentá-las quanto através das decisões específicas que
tomam. Elas são também, minúsculas decisões jurídicas, com status legal, que
culminam em grandes e legitimadas decisões sobre as vidas das pessoas sem que
os seus sujeitos locais (pais, professores, aluno) percebam claramente o papel que
ocupam.
Chubb & Moe (1990) acrescentam uma outra dimensão a essa crítica:
19
o controle democrático das escolas monopolizadas envolve uma imposição das políticas dos grupos de interesse dominantes e dos que detêm cargos públicos na comunidade como um todo, criando, assim, um sistema de “ganhadores” e “perdedores”; e que os “perdedores” são obrigados a aceitar e a ajudar a financiar essas políticas e estruturas, mesmo que não concordem com elas . (p.28)
Trata-se de uma situação que está presenciando a progressiva fusão da
pedagogia nos processos produtivos do capitalismo avançado. Vagarosa, mas
seguramente, a educação dos mais pobres tem sido reduzida a um sub-setor da
economia. A escola pública vem sendo atacada por uma série de estratégias
privatizantes mediante a aplicação de uma política de descentralização autoritária e,
ao mesmo tempo, mediante uma política de reforma cultural que pretende apagar do
horizonte ideológico de nossas sociedades a possibilidade mesma de uma educação
democrática, pública e de qualidade para as maiorias.
Porém, quando afunilamos o olhar para contextos mais desfavorecidos, a
problemática acima descrita torna-se mais grave. Assim, o cenário da educação
pública nas regiões mais pobres do Brasil, afirma cada vez mais as diferenças
sociais e a pobreza impõe restrições que impede a vivência e o desenvolvimento
das condições reais do indivíduo.
Embora as políticas públicas atuais se caracterizem com destaque para o
combate a pobreza na região nordeste, a realidade é bastante paradoxal, ou como
argumenta Wanderley (2004):
quem é pobre, material e “culturalmente” tem menor ou quase nenhum acesso a uma educação de qualidade, tornando-se conseqüentemente, excluído, não do espaço escolar, mas, dos “bens educacionais”, promovidos segundo sistema de classificação, bens estes, cada vez mais indispensáveis à ascensão social, política e econômica nas sociedades contemporâneas. (p.44).
Neste cenário, o professor assume papel importante, seja como espectador,
como sujeito inibidor ou ainda propagador da exclusão escolar, quando ciente ou
não da sua condição de sujeito transformador. Motivo pelo qual o elegemos como
instrumento perceptivo das formas de exclusão escolar vivenciadas pelos alunos da
20
rede pública brasileira, mais especificamente da Escola Municipal Thomaz
Guimarães, localizada na cidade de Senhor do Bonfim – Bahia.
Diante disso, o problema de pesquisa deste estudo é conhecer e analisar as
atuais formas de exclusão escolar no contexto da educação básica e pública
brasileira, a partir das políticas neoliberais em educação, sob a visão dos
professores.
Tendo como objetivo:
Identificar e analisar as atuais formas de exclusão escolar, presentes na
educação básica e pública brasileira, na visão dos professores que aí atuam.
21
CAPÍTULO II
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
De acordo com a problemática da pesquisa, se faz necessário aprofundar os
conceitos em relação aos elementos que o estudo impõe. Buscamos aqui, refletir
sobre a exclusão escolar como um processo sócio-histórico caracterizado por
variados processos que abarcam desde a degradação das relações sociais às
desigualdades múltiplas postas em ação pela forma violenta da acumulação
capitalista em nosso país.
Para isso, elegemos conceitos que possibilitassem uma melhor compreensão
e discussão a respeito das novas formas de exclusão escolar no ensino público
brasileiro, são eles: educação e sociedade no contexto neoliberal; políticas públicas;
políticas educacionais no contexto neoliberal; exclusão social; exclusão educacional.
2.1 Educação e sociedade no contexto neoliberal
Em nossa questão de pesquisa, no plano teórico e filosófico, a perspectiva
neoliberal é de uma educação regulada pelo caráter unidimensional mercantilista, o
que significa a subordinação da mesma às regras do jogo do mercado, explicita
melancólico cinismo que orienta, teórica e politicamente, o campo educativo no
centro do poder vigente. Para Frigotto (1995), resulta do paradigma neoliberal uma
filosofia utilitarista e imediatista, atrelada a uma concepção fragmentária do
conhecimento, concebido como um dado, uma mercadoria e não como uma
construção, um processo.
Como objeto de análise, para Deacon e Parker (1998):
a educação moderna nunca deixou de promover e praticar a crença iluminista de que a razão humana é capaz de objetivamente descrever e explicar a natureza da realidade, tanto natural quanto social, dando assim à humanidade o conhecimento exigido para transformar o mundo e para construir uma sociedade melhor. (p. 139).
22
Embora a sabedoria convencional sustente que as instituições penais formais
são o resultado lógico, progressivo e pragmático das reformas sociais utilitárias e
humanitárias do iluminismo, hoje, depois de dois séculos de experiência, está se
tornando evidente que a educação moderna, tanto quanto a própria modernidade,
também envolve paradoxos e perigos: “o iluminismo” tanto pode ofuscar e cegar
quanto iluminar.
Por outro lado, como observa Gentili (1995) os que possuem educação ou
tem possibilidades de possuí-la, tampouco devem sentir a pressão do Estado sobre
suas costas, já que isto questiona o sentido mesmo que a sociedade adquire nas
sociedades de mercado. Nelas, a educação transforma-se – apenas para as
minorias – em um tipo específico de propriedade, o que supõe: direito a possuí-la
materialmente; direito a usá-la e desfrutá-la; direito a excluir outros de seu usufruto;
direito de vendê-la ou aliená-la no mercado; e direito de possuí-la como fator
gerador de renda. Acrescenta que, nos discursos dominantes a qualidade da
educação possui, também, o status de uma propriedade com atributos específicos.
Com efeito, para neo-conservadores e neoliberais, a qualidade não é algo que –
inalienavelmente – deve qualificar o direito à educação, mas um atributo
potencialmente adquirível no mercado dos bens educacionais.
2.2 Políticas públicas e políticas educacionais
Assumindo que as políticas envolvem ação, ou a sua ausência, na definição
de valores e na distribuição de recursos, e que a sua elaboração se traduz no
exercício do poder político através da linguagem que é utilizada para legitimá-las.
John A. Codd (1988) apud Teodoro (2003) defende que o estudo das políticas
constitui um processo de pesquisa que pode proporcionar tanto uma base de
informação sobre a qual as políticas são construídas como uma apreciação crítica
sobre as políticas existentes. No primeiro caso, os objetivos dominantes situam-se
ao nível de proporcionar informação que apóie o processo de elaboração das
políticas e de produzir recomendações para a sua implementação prática, enquanto,
no segundo caso, predominam objetivos centrados na análise dos processos que
influenciam ou determinam a construção das políticas e os seus efeitos sobre
23
determinados grupos sociais, bem como os valores, os pressupostos e as ideologias
que estão na base de sua construção.
Para Torres e Morrow (1995, p. 313) uma teoria crítica do poder e do Estado é
um ponto de partida necessário para o estudo das políticas – deslocando assim a
análise da estrita dimensão da escolha e da preferência individual modelada pelo
comportamento organizacional para uma abordagem de caráter mais histórico-
estrutural, no qual os indivíduos têm escolhas,
Segundo Demo (2002), a educação é a política social mais perto da gestão do
sujeito capaz de história própria, porque pode motivar o surgimento da consciência
crítica e autocrítica, permanecendo como impulso fundamental do saber pensar e do
aprender a aprender; ao mesmo tempo, é a política social mais próxima da
politicidade, já que está na raiz da competência política capaz de se contrapor à
pobreza política.
Todavia, não é qualquer educação que é capaz de motivar tamanho impacto,
já que no contexto do sistema, sua tendência mais imediata é de reproduzi-lo,
sobretudo em sua versão instrucionista geralmente predominante.
2.3 Políticas educacionais no contexto neoliberal: Lei 9394/96
Dois elementos condicionam radicalmente a formulação da política pública: a
privatização e a redução do gasto público, políticas claramente compatíveis, das
quais a primeira pode-se considerar, se não exclusivamente, ao menos como parte
estratégica importante da segunda. Frigotto (1998, p. 224) elucida também que, “a
demora do governo – quase dez anos – para aprovar até mesmo o projeto
minimalista de LDB, projeto substitutivo do Senado, hoje lei 9.424/96, nada teve de
inocente”:
Tratava-se de uma estratégia, ao mesmo tempo de não aprovar uma
legislação que lhe impusesse restrições ao projeto de reforma estrutural, já posto
como algo a ser efetivado, e, neste vácuo, por medidas provisórias, projetos de lei, ir
fazendo a sua política de ajuste pontual e tópico no campo educacional.
24
Esse conjunto de medidas nos permite perceber por que era uma questão
essencial derrotar o projeto de LDB longamente negociado na Câmara, e entender
que para Saviani, (1998, p.98) “a LDB minimalista se correlaciona com a ideologia
da desregulamentação, flexibilização e privatização. Assim, é um projeto elaborado
em “parceria” entre técnicos do Banco Mundial e outros organismos internacionais e
o MEC”.
Teodoro (2003) aponta outra perspectiva para o campo da análise das
políticas educacionais, que se situam no que se pode designar de educação
comparada e que pretende abarcar no seu objeto de estudo tanto o local como no
global.
Então qualquer estudo da educação enquanto política pública deve abordar
as questões do contexto organizacional no qual o poder (enquanto expressão de
dominação) é exercido.
No contento neoliberal das políticas educacionais a descentralização e
autonomia constituem um mecanismo de transferir aos agentes econômicos, sociais
e educacionais a responsabilidade de disputar, no mercado, a venda de seus
produtos e serviços. Opera-se uma metamorfose dos planos dos direitos para o
plano dos serviços os quais cada cidadão deve comprar. A privatização fecha o
circuito do ajuste. O ponto crucial aqui é, sobretudo, a diluição e esterilização da
possibilidade do Estado fazer política econômica e social. Para Garcia (2002,p 152)
“o modelo neoliberal não só não consegue resolver o problema da pobreza e do
desemprego como gera inevitavelmente méis pobreza e mais desemprego”.
Vale ressaltar que se tratam de estratégias que afetam o plano econômico-
social, ético-político, cultural e educacional. A subserviência do governo brasileiro a
estas estratégias ditadas pelos organismos internacionais, guardiões do grande
capital concentrado no G7, e cujos princípios básicos na cartilha conhecida como
“Consenso de Washington”, levou a Hebert de Souza (1996) a escrever um artigo
com o título: Quem governa o Brasil? Para Souza , nessa versão globalizada, o
25
slogan adequado seria: “Basta de intermediários, o Banco Mundial para a
Presidência”.
2.4 Exclusão social
Por exclusão social, podemos designar desigualdade social, miséria, injustiça,
exploração social e econômica, marginalização social, entre outras significações. De
modo amplo, exclusão social pode ser encarada como um processo complexo,
dotado de contornos materiais, políticos, relacionais e subjetivos, sendo parte
integrante do sistema social e produto de seu funcionamento.
Para Apple (2002):
o caráter construído e histórico das relações de poder são definidas por diversos e múltiplos eixos”. O que caracteriza as relações de exclusão não é simplesmente a ênfase nas múltiplas diferenças entre os indivíduos e os grupos sociais, como querem certas conclusões apressadas, mas a noção de que a diferença não é um fato da natureza e sim um produto social, construído no contexto de relações sociais de poder. (p.65)
A exclusão social se apresenta historicamente de formas variadas. Castel
(1997), apud Demo (1988) categorizou três formas qualitativamente diferenciadas de
exclusão:
Inicialmente, a supressão completa de uma comunidade mediante práticas de
expulsão ou extermínio. È o caso da colonização espanhola e portuguesa na
América, do Holocausto perpetrado pelo regime Nazista e das lutas no continente
africano.
Na segunda categoria está a exclusão como mecanismo de confinamento ou
reclusão. È o destino dado antigamente aos leprosos e, em nossas sociedades
modernas, aos meninos delinqüentes, aos indigentes e aos loucos confinados em
asilos, aos “deficientes” escondidos em instituições “especiais” como também aos
idosos enclausurados, etc.
26
Finalmente, a terceira modalidade da prática excludente consiste em segregar
excluindo. Esta forma de exclusão significa que determinados indivíduos estão
dotados das condições necessárias para conviver com os incluídos, só que em uma
condição inferiorizada, subalterna.
Esta última categoria identifica-se com a noção atual de exclusão social, nos
moldes neoliberais. São os subcidadãos, os que participam da vida social sem os
direitos daqueles que possuem as qualidades necessárias para uma vivência ativa e
plena nos assuntos da comunidade.
A exclusão de alguns, no mercado das possibilidades da escolha é
considerada como sendo tão-somente um “probleminha” técnico na utopia do
mercado. E, entretanto, é evidente que a desigualdade, assim gerada está
relacionada com um conjunto de outras desigualdades de consumo que são vividas
pelos mesmos grupos sociais.
No pano de fundo desta discussão está a questão da pobreza política,
reconhecida hoje até mesmo em ambientes neoliberais como a questão social mais
dura. Garantir a sobrevivência das pessoas é direito radical decisivo, mais ainda
mais relevante que isso é gestar a competência política de saber garantir a
sobrevivência com as próprias mãos. Portanto, para Demo (2002) excluído
irremediável é aquele que nem sequer consegue e é coibido de saber que é
excluído.
2.5 Exclusão e educação
A educação como um empreendimento cultural constitui-se em e através de
seu trabalho. Esse trabalho é a arena onde se condensam as grandes contradições
em torno da educação e da justiça social. Podemos acrescentar também que, nos
discursos dominantes, a qualidade da educação possui o status de uma propriedade
com atributos específicos.
Assim sendo, a qualidade como propriedade supõe, em conseqüência,
diferenciação interna no universo dos consumidores de educação, tanto como a
27
legitimidade de excluir outros (as maiorias) de seu usufruto. Na perspectiva
conservadora, A qualidade, como a propriedade em geral, não é algo universalizável,
já que critérios diferenciais de concessão e formas também diferenciais de
aproveitamento do bem educação estimulam a competição, princípio fundamental na
regulação de qualquer mercado. Para Gentili (1995, p.246) “levado a extremos (e
alguns tecnocratas neoliberais o levam), este argumento reconhece que o Estado
pouco ou nada pode fazer para melhorar a qualidade educacional sem produzir o
efeito perverso contrário: o de nivelar por baixo”.
Na verdade, o que pretendem os opressores é segundo Freire (1987, p.102)
“transformar a mente dos oprimidos e não a situação que os oprime”, e isto para
que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os dominem. Para isto se servem
da concepção e da prática educativa alienante, a que juntam toda uma ação social
de caráter paternalista, em que os oprimidos recebem o nome simpático de
“assistidos”.
O mercado é numa análise mais crítica, o regulador da exclusão educacional.
À perspectiva fragmentária do mercado, particularmente no campo educacional,
junta-se o condicionamento dos processos educativos e de conhecimento veiculados
pelas posturas pós-modernistas que desqualifica a particularidade, o subjetivismo, o
local, o dialeto, o capilar, o fortuito, o acaso. Nega-se não só a força do estrutural,
mas a possibilidade de espaços de construção de universalidade, no conhecimento,
na cultura, na política, etc.
Segundo Sacristán (2000) “as políticas de tendência neoliberal em educação
supõem uma alteração significativa, nos equilíbrios forjados e consensos frágeis”
(p.50).
A visão mercadológica quer apontar as finalidades da educação. Na análise
de Gentilli (1995) a educação para o emprego pregada pelos profetas neoliberais,
quando aplicada ao conjunto das maiorias excluidas, não é outra coisa senão a
educação para o desemprego e a marginalidade. Segundo o autor, reduzir e confinar
cinicamente a educação a uma propriedade que só potencializa o acesso ao
28
trabalho é nos resignarmos a sofrer uma nova forma de violência e exclusão em
nossas sociedades não democráticas.
Trata-se aqui na visão neoliberal da necessidade de possuir educação para
exercitar uma “cidadania responsável”, que contribua para a modernização da
economia e oriente com eficiência a “compra” das melhores ofertas eleitorais que, no
mercado político, prometam realizar tal modernização.
29
CAPITULO III
METODOLOGIA
3.1 O paradigma da pesquisa
O presente trabalho apresenta um problema de relevância humana, voltada
para o aspecto educativo-social e tem como papel fundamental o de servir como
veículo inteligente e ativo entre o conhecimento acumulado na área e as novas
evidências que serão estabelecidas a partir da pesquisa qualitativa, na busca de
uma metodologia que, considerando também o contexto do fenômeno social que se
estuda, segundo Marconi e Lakatos (2002, p.125) “privilegie a prática e o propósito
transformador do conhecimento que se adquire e da realidade que se procura
desvendar em seus aspectos essenciais e acidentais”.
Sem exageros que imobilizem o nosso trabalho, buscamos apoiar-nos em
técnicas e métodos que reúnam características de índole fenomenológica, na busca
de uma metodologia para a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto
do pesquisador com a situação estudada, elevando a importância do sujeito no
processo da construção do conhecimento.
3.2 Lócus da pesquisa
A coleta de dados foi realizada na escola municipal Thomaz Guimarães, onde
a autora do presente estudo desenvolveu seu estágio de conclusão de curso de
Pedagogia nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. A referida instituição é de
ensino público, tendo como entidade mantenedora a Prefeitura do Município de
Senhor do Bonfim – Bahia, e está inserida na comunidade do bairro Santos Dumont
e Buriá, atendendo a alunos com perfil sócio-econômico de classe baixa.
A escola funciona nos períodos matutino, vespertino e noturno, com uma
média total de 390 alunos, sendo torno de 60% assistidos por programas federais
como a bolsa escola e a bolsa família. Tem um quadro funcional composto por 32
30
funcionários, sendo, entre estes, 20 professores e funciona nos períodos matutino,
vespertino e noturno.
Quanto à gestão escolar, a diretora está responsável pela supervisão geral da
escola, ficando o período noturno a cargo da vice-diretora. As normas de
funcionamento referentes a alunos, professores e funcionários seguem segundo
orientação da SEMEC (Secretaria Municipal de Educação e Cultura) de Senhor do
Bonfim – Bahia.
3.3 Sujeitos da pesquisa
Foram investigados um total de 12 professores que compõem o quadro
funcional de ensino básico da escola municipal Thomaz Guimarães. A opção pela
abordagem na ótica do professor reconhece que, se a exclusão é realizada nas
escolas, ela certamente ocorre em boa parte, através daquilo que os/as
professores/as vivenciam e percebem em suas práticas e através de seus trabalhos;
neste caso, buscou-se entender e mostrar que o contexto educacional pode ser
refletido além dos paradigmas metodológicos e das relações sujeito/objeto, para um
estudo mais amplo que alcance as questões políticas, sociais e educacionais.
Tentando compreender as novas formas de exclusão escolar dentro do
contexto neoliberal, os sujeitos (professores entrevistados) tiveram participação
efetiva para o resultado da mesma, através das opiniões cedidas.
3.4 Instrumentos para coleta de dados
Os nossos instrumento de coleta de dados no presente estudo foram o
questionário fechado e o questionário semi-estruturado.
O questionário fechado, embora de emprego usual no trabalho positivista,
aqui foi utilizado a partir do ponto de vista da “neutralidade”, onde é segundo
Marconi e Lakatos (2002, p.137) “possível concluir que todos os meios que se usam
na investigação quantitativa podem ser empregados também no enfoque qualitativo,
importando o enfoque metodológico adotado”. Assim, o mesmo foi utilizado pela
31
necessidade de caracterizar os sujeitos de pesquisa de acordo com seus traços
gerais e com o propósito de traçar o perfil sócio-econômico-profissional.
O segundo instrumento de coleta de dados utilizado foi o questionário semi-
estruturado, onde buscamos conhecer as percepções dos sujeitos em relação às
formas de manifestação da exclusão escolar, através de uma série organizada de
perguntas escritas, cujas respostas foram preenchidas pelo próprio sujeito
investigado.
3.5 Análise dos dados
Buscamos aqui, através da interpretação e análise dos dados coletados, a
explicação e compreensão do foco de estudo, partindo de princípios que sustentam
que é impossível se conceber a existência isolada de um fenômeno social. Tais
suportes teóricos e amplos, não tornam fáceis os estudos qualitativos,
reconhecendo-se que cada situação tem suas próprias características. No caso
particular da presente pesquisa, estudamos os sujeitos em seus contextos
educacionais, e os processos e produtos centrados nestes. Partimos então para a
reflexão, à luz das bases teóricas que possibilitaram descobertas e respostas para a
problemática inicial.
32
IV CAPÍTULO
ANÁLISE DE DADOS E INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS
Esta etapa do trabalho significa a analogia interpretativa entre os dados e a
teoria, o que nos permitiu perceber que, repete-se de maneira reiterada o termo
“exclusão” no contexto dos nossos pesquisados e que também representa um
recorte do sistema escolar público brasileiro. Nas mais diversas situações, a
expressão aparece descrevendo processos de degradação, de relações sociais de
maneira ampla, de relações referentes ao mundo do trabalho, dos direitos sociais e
relações de perdas e ganhos.
Para melhor elucidação do nosso problema de pesquisa e entendimento dos
objetivos propostos, retomamos constantemente às categoria levantadas,
procurando desvendar-se dimensões contraditórias. Trata-se de uma aproximação
crítica com o tema da exclusão, com o intuito de levantar alguns problemas,
cuidados e impasses, analisando elementos que possibilitem a problematização da
exclusão e particularmente da exclusão escolar como categoria explicativa das
relações econômicas, políticas e sociais no Brasil contemporâneo.
Como forma de organização deste capítulo, apresentamos os seguintes
momentos: o perfil dos professores, formado através da análise do questionário e a
análise/interpretação dos discursos dos professores do ensino básico, resultado da
triangulação dos dados percebidos nos questionários (fechado e semi-aberto),
procurando-se desvendar também mensagens implícitas.
4.1 Os dados do questionário: perfil dos professores
Os dados abaixo foram evidenciados após análise do questionário fechado,
aplicado aos 12 professores que atuam no ensino básico, representando 100% do
universo dos entrevistados. (cf. Anexo 1).
33
4.1.1 Idade, estado civil, e gênero
Dos 12 professores pesquisados, encontramos uma distribuição por faixa
etária que vai dos 20 aos 50 anos, sendo que 33,3% estão na faixa dos 20 aos 29
anos, 50% na de 30 a 39 anos e 16,7%, na de 40 a 50 anos.
Detalhando a análise dos dados acima, percebe-se que 67% dos professores
estão em uma faixa etária que vai dos 30 aos 50 anos, o que poderia indicar,
inicialmente, indivíduos amadurecidos e experientes.
33,00%17,00%
50,00%
Dos 20 aos 29 anos
Dos 30 aos 39 anos
Dos 40 aos 50 anos
Figura 4.1 – Percentual em relação a faixa etária
Quanto ao estado civil, há um relativo desequilíbrio entre o número de
casados e solteiros, pois, 66,6% são casados, enquanto 33,3% são solteiros, não
havendo divorciados.
34
67,00%
33,00%
Casados
Solteiros
Figura 4.2 – Percentual em relação ao estado civil
Os professores pesquisados são, majoritariamente, do sexo feminino, (91,6%)
e a minoria (8,3%) são do sexo masculino. Esta constatação confirma um traço
histórico no Brasil: a presença predominante de mulheres no magistério,
principalmente na educação básica.
92,00%
8,00%
Feminino
Masculino
Figura 4.3 – Percentual em relação ao gênero
35
4.1.2 Formação acadêmica e tempo de atuação na área educacional
Dos 12 professores questionados, 8,3% possuem o ensino médio incompleto,
16,6% o ensino médio, 16,6% estão com a formação superior em curso, 25%
possuem formação superior e 33,3% são pós graduados, o que nos faz constatar
uma certa disparidade ao nível de formação docente, principalmente quando
relacionado ao ensino na Educação infantil na escola pública brasileira, onde existe
uma certa carência na preparação dos professores que aí atuam.
8,00%17,00%
17,00%25,00%
33,00%
Ensino médioIncompleto
Ensino médioCompleto
Formação superiorem curso
Formação superior
Pós-graduação
Figura 4.4 – Percentual em relação à formação acadêmica
36
25,00%
42,00%
8,00%
25,00%De 1 a 5 anos
De 6 a 10 anos
De 11 a 15 anos
De 16 a 25 anos
Figura 4.5 – Tempo de atuação na área educacional
Quanto ao tempo de atuação na área há uma grande variação sendo que,
25% dos professores atuam em menos de 5 anos, 41,6% de 6 a 10 anos, 8,3% entre
11 e 15 anos e, 25% entre 16 e 25 anos.
A sobrecarga de trabalho é outro dado relevante que aparece na análise da
carga horária dos pesquisados, pois, apenas 33,3% atuam com carga horária de 20
horas semanais. Os demais, trabalham em regime de 40 horas (50%) e 60 horas
(16,6%), deslocam-se entre variados turnos buscando cumprir carga horária
semanais. Este fato se reflete diretamente na qualidade de trabalho me nas
condições de vida dos profissionais da educação.
37
33,00%17,00%
50,00%
20 horas semanais
40 horas semanais
60 horas semanais
Figura 4.6 – Percentual em relação ao regime de trabalho
4.1.3 Renda familiar e sindicalização
Dos professores entrevistados quanto a renda familiar, 25% recebe um salário
mínimo, 33,3% de 2 a 3 salários e 41,6% recebe de 4 a 5 mínimos. Dados que
confirmam a baixa valorização do trabalho no magistério que cada vez precisa
trabalhar mais e paradoxalmente ganhar menos.
25,00%
42,00%
33,00%
Até 1 salário mínimo
De 2 a 3 salários mínimos
De 4 a 5 salários mínimos
Figura 4.7 Percentual da renda familiar
38
Dos 12 professores entrevistados, 41,6% estão sindicalizados, enquanto
58,3% não têm vínculos associativos, o que nos alerta que embora o número de
sindicalizados esteja abaixo da maioria, já vislumbramos um processo de
organização e união da referida classe na reivindicação pela melhoria e valorização
de seus direitos trabalhistas.
42,00%
58,00%
Sindicalizados
Não sindicalizados
Figura 4.8 Percentual de professores sindicalizados
4.1.4 Síntese dos dados relativos aos professores
Após a análise dos dados retirados do questionário sócio-econômico é
possível formatar o perfil global dos professores entrevistados.
O universo pesquisado envolveu 12 professores, onde constatamos a
predominância de mulheres (92,0%), enquanto os homens representam apenas 8,%.
A idade varia entre 20 e 50 anos, observando-se um elevado percentual que vai dos
30 aos 50 anos (67,0%), sendo que o grupo mais jovem, entre 20 e 29 anos,
corresponde a 33,o% do total. Quanto ao estado civil, há um relativo desequilíbrio:
67,0% são casados e 33,0% são solteiros. Os dados referentes à formação revelam
uma certa disparidade, ou seja, 8,0% possuem o ensino médio incompleto, 17,0% o
ensino médio, 17,0% estão com a formação superior em curso, 25% possuem
formação superior e 33,0% são pós graduado., o que nos faz ver uma certa
39
disparidade ao nível de formação docente, principalmente quando relacionado ao
ensino infantil da educação básica brasileira, onde existe uma certa carência na
preparação dos professores que aí atuam. Quanto ao tempo de magistério, há uma
grande variação sendo que, 25% dos professores atuam em menos de 5 anos,
42,0% de 6 a 10 anos, 8,0% entre 11 e 15 anos e, 25% entre 16 e 25 anos.
Finalmente, ao delinearmos o perfil sócio-econômico dos professores percebemos
que quase 60% ganha de 01 a 05 salários mínimos, indicando que pertencem à
classe média e média baixa, enquanto um percentual de 40% têm rendimento entre
04 e 06 salários mínimos. A carga horária semanal de trabalho aponta para uma
sobrecarga, fato evidenciado nos percentuais de 17,0% dos que dedicam 60 horas
semanais e 50% 40 horas, enquanto 33,0% dedica 20 horas semanais. Finalmente,
apontamos um fato relevante quanto à organização de classe dos pesquisados:
estes já aparecem em quase 50% como sindicalizados.
4.2 Os dados da entrevista semi-estruturada: ouvindo os professores
A opção metodológica deste trabalho selecionou instrumentos de coleta de
dados que permitissem perceber a opinião dos professores do ensino básico acerca
das formas de exclusão escolar na escola pública brasileira alinhada aos princípios
neoliberais.
Após a triangulação, interpretação e análise dos dados, resultantes dos
instrumentos de coleta de dados, apresentamos as categorias que atenderam aos
nossos questionamentos iniciais, elucidando assim o problema que originou o
presente estudo, quais sejam: excluir/exclusão; a exclusão sob o olhar pedagógico;
os sujeitos da exclusão; há luz no fim do túnel?
4.2.1 Excluir / exclusão
Teoricamente, a exclusão é um termo amplo o suficiente para descrever
variados processos que abarcam desde a degradação das relações sociais às
desigualdades múltiplas postas em ação pela forma violenta da acumulação
capitalista no processo de globalização.
40
Aqui, nesta categoria originada da análise e interpretação de dados da fala
dos professores percebemos uma noção do termo exclusão, no que se refere à sua
conceituação, com variações que apresentamos abaixo em subcategorias:
4.2.1.1 Excluir como afastamento, impedimento, negação dos direitos
Quando perguntamos aos sujeitos da pesquisa sobre o significado do termo
exclusão tivemos variadas interpretações que mos permitiram categorizar os seus
conceitos:
Para mim, é o ato de tornar alheio a um indivíduo o direito de ser, de agir e de pensar. (P 9)1
Excluir algo ou alguém é você achar-se superior a algo ou a alguma pessoa ignorando-a e desprezando-a. (P1)
É o resultado de uma dinâmica “perversa” de acumulação e reprodução do capital, cada vez mais acelerada pela concentração de capitais no regime de mercado e espaços globalizados. (P12)
Nas falas acima os pesquisados indicam a exclusão como ocultação de
direitos. Percebemos um sentido contemporâneo do termo, identificado com os
efeitos das políticas neoliberais. A invisibilidade dos excluídos, ou seja, o
agravamento dos níveis de opressão.
Para Galvão (1997),
Antigamente falava-se em oprimidos, oriundos das práticas desumanas do chamado capitalismo selvagem. Esse capitalismo assumiu novas posturas, mais radicais e elitizantes, de cunho liberal, tornou-se neoliberal e hoje não oprime: simplesmente exclui. A exclusão dos pobres, dos mais fracos, dos incapazes, deixa de ser um assunto sócio-econômico para converter-se num problema ético e de segurança. (p.53 )
O sentido de colocar à margem e a negação dos direitos foram os conceitos
mais presentes nas falas dos professores. Estes apreendem o sentido clássico da
exclusão, presente no contexto pessoal e profissional dos pesquisados. Têm ainda
conotações de discriminação social, racial e de gênero. 1Em vista de manutenção do anonimato dos entrevistados atribuímos-lhes um código (P) acrescido de algarismos arábicos (1, 2, 3...)
41
Excluir é o ato de não tornar acessível o direito que deve ser igual para todos. (P9)
A exclusão está presente no desemprego, nos atos de vandalismo, na falta de renda e de oportunidades. (P11)
Embora de maneira assistemática os professores indicaram a ausência de
condições sociais, políticas e econômicas que formatam a sociedade capitalista
atual, onde as políticas públicas são promotoras das desigualdades, seja por
ausência ou negação dos direitos dos filhos do povo.
Para Demo (2002)
Na verdade, o Estado realiza as políticas sociais que lhe foram cometidas pela cidadania, não o contrário e só as faz bem sob estrito controle democrático. Quando se instala a idéia de que o Estado cuida dos pobres, sendo estes, ademais, segmentos expressivos, por vezes majoritários da população, o assistencialismo se torna regra, dentro da contradição flagrante de tratar como resíduo social e econômico, o que, na verdade, é a representação mais legítima da respectiva sociedade. ( p. 76)
A perversidade que a exclusão coloca aos seus sujeitos está diretamente
ligada à exploração capitalista neoliberal que faz com que aqueles que estão à
margem do consumo e da produção tornem-se invisíveis.
4.2.1.2 Exclusão como alienação ou auto-exclusão
Nesta subcategoria conceitual temos na visão de alguns dos pesquisados
que os excluídos são os culpados por sua própria situação de exclusão. Notamos a
idéia do determinismo neoliberal, onde os mais pobres não lutam por seu próprio
progresso.
Tenho um aluno muito calado e os demais sempre o excluem de suas equipes em trabalhos de grupo e não gostam que ele brinquem em seu time.(P5)
42
A criança vem para escola suja, despenteada e com mau cheiro. Isto é um motivo de críticas e eu respeito. Nenhum colega quer brincar ou sentar próximo.(P7) Um aluno estudou cinco anos na mesma série, sem conseguir aprovação, chegou um momento que os colegas teceram comentários e esse aluno resolveu desistir. (P9)
Percebemos nas falas acima que o fato das crianças serem excluídas do
grupo é justificada pelos professores como “culpa” da própria criança, seja por sua
timidez, condição de aprendizagem, seja por questões pessoais do tipo higiene.
Para Garcia (2002, p 157) “ questões políticas, sociais e econômicas são no
contexto neoliberal pasteurizadas e freqüentemente apresentadas como se as
vítimas fossem culpadas por seu próprio destino miserável”.
4.2.2 A exclusão sob o olhar pedagógico
Nesta categoria os professores apontam causas e contextos variados,
acerca de suas visões do processo da exclusão escolar. Assim aparecem duas
subcategorias, a saber:
4.2.2.1 A exclusão da escola
A progressiva expansão da escola a todas as camadas e grupos sociais
conduziu a consolidação de modelos de organização escolar e de organização
pedagógica capazes de abranger um sempre crescente número de alunos, porém,
esse processo não fez com que a exclusão educacional desaparecesse.
Para os professores do presente estudo a exclusão é entendida como a
falta de apoio aos educandos, incluindo aí as crianças e adolescentes com
necessidades especiais.
A exclusão escolar pode ser entendida de varias formas, com por exemplo a falta de respeito e comprometimento com as escolas públicas por parte dos governantes. (P10)
43
É excluir do espaço escolar todo e qualquer individuo tido como “especial”. (P12)
Aceitar a criança especial na escola e não existirem profissionais preparados para lhe dar com a situação. (P3)
A tentativa de mascarar e fortalecer uma realidade valorizada a partir do
acúmulo do capital e refletida na educação pública brasileira nos mostra que a
exclusão escolar está longe de ser um problema resolvido. Por um outro lado, dentro
de seus próprios princípios e acompanhando a massificação, as políticas públicas
continuam afirmando a igualdade de todos.
A exclusão escolar pode ser entendida de várias formas. Pode acontecer dentro da própria escola, entre alunos ou na relação aluno-professor ou, fora dela, como exemplo a falta de respeito e comprometimento com as escolas públicas por parte dos governantes. (P1)
O ato de não tornar acessível o direito que deve ser igual para todos. (P9).
Está presente através do desemprego, nos atos de vandalismo, falta de renda e oportunidades. (P11)
Para Garcia (2002)
A injusta distribuição de bens materiais, culturais e de educação é justificada pelas “diferenças” – uns são mais capazes do que outros, uns se esforçam mais do que outros, uns têm mais méritos do que outros. Os outros são os que fracassam na escola e no trabalho, condenados ao analfabetismo e as posições subalternas na sociedade. (p. 167)
Embora no Brasil contemporâneo as questões de acesso à escola não se
apresentem como uma problemática, visto que o número de vagas aumentou
consideravelmente nos últimos anos, a aceitação de um público diferenciado, com
necessidades especiais ainda é um fator de exclusão.
4.2.2.2 A exclusão na escola
44
Nesta subcategoria os professores apontam uma forma de exclusão
característica dos tempos neoliberais, ou seja as questões tradicionais de exclusão
escolar como acesso parecem superadas. Apontam agora novas nuances do
fenômeno voltadas à qualidade da educação para as camadas populares e
distanciamento entre o ensino público e privado.
A partir do momento em que alguns alunos não possuem o livro didático (estes de certa forma estão excluídos), quando vejo alguns do ginásio que não lêem o suficiente para interpretar um texto (estes são excluídos), já que freqüentam a escola... (P3) Através dos diversos alunos que iniciam o ano e não concluem, que chegam ao ensino fundamental II e não sabem ler e escrever satisfatoriamente e, acima de tudo, através dos conteúdos programáticos que muitas vezes não se aproxima da realidade do aluno. (P10)
Ocorre rotineiramente, quando o aluno não consegue acompanhar a turma em termos de aprendizagem ou comportamento, ou até por deficiência física ou mental. (P12)
Nas falas acima aparecem de maneira explícita a relação da exclusão
escolar como a falta de preparo da escola pública em trabalhar pedagogicamente
com as dificuldades de aprendizagem ou ainda sem as condições materiais básicas.
Para Gentili, (1988)
A escola tem muito a ver com isso, não apenas à medida que ela deixa de atender às necessidades dos excluídos, mas também na medida em que se transforma em espaço de dualidade e discriminação: Uma escola para os ricos, outra escola para os pobres. (p.22)
A desigualdade, segundo os neoliberais é necessária para que o indivíduo
lute em ter qualidade de vida e ascensão social, através de seu esforço e dedicação.
A educação vista como mercadoria não foge destes parâmetros de competição,
onde uns terão mais poder de compra que os outros. Nesse contexto se insere
também a educação pública básica brasileira.
4.2.3 Os sujeitos da exclusão
45
De fato, o problema da exclusão não é apenas saber, de maneira mais ou
menos incisiva, quem é excluído, mas de conhecer também os processos e os
efeitos dessa exclusão sobre os atores. Assim, foram apontados pelos professores
como sujeitos da exclusão: os que excluem e os excluídos.
São responsáveis, a mídia, as autoridades e governantes e a própria população em geral. Ao mesmo tempo que a exclusão escolar é condenada, ela fica mascarada, acontecendo de forma quase imperceptível pelos leigos e desinformados. O sucesso dos poderosos está na ignorância das classes menos favorecidas. (P1)
Todos temos um pouco de culpa. Sociedade, família, professores, coordenadores mas a parcela maior é do governo.(P3)
A própria organização do sistema escolar, ao currículo e à prática pedagógica. (P8)
As falas acima indicam uma percepção da exclusão como efeito de um
conjunto de fatores ou atores, que detentores de poderes a produzem de forma
intencional ou não. Indicam ainda o aspecto da desinformação e do caráter de
mascaramento de manifestação da exclusão. Os sujeitos que promovem a exclusão
aparecem também de forma institucionalizada como o governo, o sistema
educacional e a própria família.
Segundo Galvão, é importante que se preste bem atenção no discurso dos
que promovem a exclusão, pois agem em sistema de modelo assimétrico,
desproporcional, excludente e elitista. (Galvão, 1997 p.59)
Outros sujeitos apontados pelos professores como promotores da exclusão
são a família e a própria escola. Aparecem como descompromissados,
despreparados ou omissos. Nestas falas percebemos a descontextualização com o
cenário mais amplo de ação da exclusão. A desestruturação familiar aparece como
“culpa’ da própria família, não atrelada a fatores.políticos, econômicos ou sociais
mais amplos.
Os professores também aparecem como promotores da exclusão, na
incapacidade de resolver as questões que se apresentam na escola, fruto da
desigualdade social. Assim falam:
46
Todos envolvidos no processo. Nós, professores, às vezes valorizamos e incentivamos em sala de aula os alunos que mais participam e deixamos de lado os mais quietos. (P4)
A família e a escola, quando não tem um compromisso social. (P9)
Famílias desestruturadas (afetivamente, financeiramente, dentre outros) e a escola, que muitas vezes não está preparada para receber essa clientela (comunidade escolar, falta de preparo dos professores, dentre outros). (P10)
Consensualmente todos os pesquisados indicam os alunos, principalmente
os mais pobres ou com dificuldades de aprendizagem como os sujeitos da exclusão:
Um aluno estudou cinco anos na mesma série, sem conseguir aprovação, chegou um momento que os colegas teceram comentários e esse aluno resolveu desistir. (P9)
Teve uma criança que era muito violenta, batia nos colegas e a professora gritou que tirasse ele da sala porque ela não agüentava mais. (P2)
Podemos constatar a dificuldade dos professores em lidar com a
individualidade dos alunos e comportamentos muitas vezes agressivos, reflexo da
vivência exterior ao meio escolar que muitas vezes se potencializam e emergem na
sala de aula. Assim estes percebem claramente os alunos como os sujeitos da
exclusão – os excluídos, mas ao mesmo tempo estes, os professores, não
apresentam formas de superação à problemática.
4.2.4 Exclusão: Há luz no fim do túnel?
Nesta última categoria, apresentamos as sugestões dos pesquisados para
amenizar ou solucionar o problema da exclusão na escola pública brasileira. As
respostas apontaram desde a reformulação das políticas públicas, investimento nos
profissionais de educação, até o maior acompanhamento das famílias.
Um comprometimento maior por parte dos docentes com os alunos; a valorização do docente por parte das autoridades; a valorização do ensino público; conscientização da população, principalmente a classe baixa para que exijam seus direitos e uma maior iniciativa dos estudantes por uma educação de qualidade. (P1)
47
Percebemos na fala acima a necessidade de busca de direitos dos atores que
compõem o contexto escolar: professores e alunos na busca da valorização pessoal
e profissional. Para Gentili (2002, p.46) “no processo de transformação social, nas
estratégias de resistências e oposição, articulam-se tanto a necessidade de realizar
uma análise crítica, dialética e relacional, quanto a perspectiva militante que define a
prática do intelectual orgânico”.
Outro importante elemento desta categoria é a percepção dos sujeitos sobre a
importância de investimento na educação e nas relações sociais.
Para mudar a cultura da exclusão, devemos reconstruir as relações sociais, pervertidas por um sistema econômico, social e ambientalmente desumano e insustentável. (P11)
A educação é a base para o desenvolvimento de qualquer país. (P01)
Aparecem nestas falas a preocupação em resgatar as relações sociais no
contexto escolar, assim como o crédito dado à educação de intermediar o processo.
Para Sacristán (2000)
... admitir o pressuposto de que a educação é intencional, pois não é uma ação espontânea, pressupõe elaborar planos, dar coerência ao que se faz, coordenar para encaminhar esforços e estabelecer práticas adequadas aos fins pretendidos. (p 49)
Finalmente, percebemos neste estudo que os professores pesquisados vêm
múltiplas possibilidades de superação da exclusão escolar e apontam para ações
conjuntas, como indicam as falas abaixo:
Para começar, que aceitem a opinião do professor que é quem acompanha o aluno e sabe das condições reais deste. (P3)
Uma melhor distribuição do dinheiro destinado à educação pública. (P6)
48
Uma mudança radical no modelo estrutural da escola. Estrutura física, metodológica, valorização do quadro profissional e recursos metodológicos e técnicas suficientes. (P8)
As famílias deveriam ser conscientizadas a trabalharem em parceria com a escola e a mesma adequar suas metodologias às necessidades da realidade local, investindo para ter retorno. (P9)
Para Demo (2002)
Caso fossem mais elaboradas as idéias em torno da participação crítica, da organização consciente, da discussão pública, chegar-se-ia mais facilmente ao desafio mais central de superação da pobreza política. (...) A referência fundamental para o nosso ponto de vista aqui, é que pobreza política é mais preocupante que a pobreza material e a superação daquela é mais estratégica que desta, embora não se trate de “duas” pobrezas, mas de faces do mesmo processo de exclusão social. (p 95)
Assim, para os nossos pesquisados se as causas da exclusão são variadas, a
sua superação passa também por uma junção de forças e ações, embora estes não
vislumbrem com clareza que a organização política, de caráter não alienatório possa
transformar o contexto no qual estão inseridos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
49
No mundo contemporâneo, o processo de globalização tem sido com
freqüência acompanhado pelos contraditórios esforços de democratização e pelo
fortalecimento do poder das minorias capitalistas. Assim, acompanhamos em alguns
contextos sociais a expectativa da ação do Estado como dono absoluto das políticas
sociais, a ponto de fazê-lo redentor das massas excluídas.
Dentro desta problemática e chamando atenção para as contradições
históricas da sociedade brasileira percebemos ainda mais claramente que o
silêncio, a atenuação, a ocultação dócil da exclusão fazem com que esta se torne
ainda mais poderosa, mais intensa e menos dramática.
O nosso estudo preocupou-se em conhecer como os professores, importantes
atores sociais, percebem a exclusão educacional e como situam-se neste cenário.
Assim, com um perfil de insipiente formação acadêmica, grande carga horária
semanal de trabalho e baixos salários, apresentaram conceitos e posicionamentos
contraditórios quando à temática da exclusão. Ora percebem-se excluídos, ora são
os que excluem.
Constatamos também o pouco aprofundamento sobre o contexto neoliberal
onde estão inseridos e a visão fragmentada do problema. Embora todos posicionem-
se contra os processos de exclusão e já tenham uma visão conceitual da questão,
falta a estes sujeitos a elaboração das estratégias de superação, o que nos leva a
perceber o grande distanciamento entre o ver, o sentir e o agir
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53
ANEXOS
54
ANEXO 1
QUESTIONÁRIO FECHADO
55
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII
QESTIONÁRIO DO PERFIL SÔCIO-ECONÔMICO
Este questionário é um instrumento de pesquisa monográfica, relativo à
conclusão do curso de licenciatura em pedagogia. Manterei sigilo quanto à autoria
das idéias externadas. Não precisa assinar.
Agradeço a importante colaboração.
1. Gênero:
( ) Masculino ( ) Feminino
2. Idade:
( ) 20 a 30 ( ) 31 a 40 ( ) 41 a 50 ( ) acima de 51
3. Grau de instrução:
( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio
( )Superior ( ) Pós Graduado
4. Estado civil:
( ) Casado ( ) solteiro ( ) Divorciado
56
5. Tempo que atua na área de educação
( ) 0 a 5 anos ( ) 6 a 10 anos ( ) 11 a 15 anos
( )16 a 25 anos ( ) Acima de 26 anos
6. Renda familiar em salários
( ) Mínimo ( ) 2 a 3 mínimos
( ) 4 a 6 mínimos ( ) 7 a 10 mínimos
7. Regime de trabalho em horas semanais
( ) 20 horas ( ) 40 horas
8. Você exerce uma outra atividade profissional
( ) Sim ( ) Não
9. Você é sindicalizado
( ) Sim ( ) Não
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ANEXO 2
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
58
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII
ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1. O que você entende por exclusão?
2. O que você entende por exclusão escolar?
3. Poderia nos dizer de que forma a exclusão escolar está presente no seu dia-a-
dia?
4. Você poderia descrever alguma situação de exclusão presenciada em sua prática
pedagógica?
5. Por que você pensa que o aluno se sentiu excluído nessa situação?
6. A que se deve, segundo seu ponto de vista, a exclusão escolar?
7. Quem você aponta como os principais responsáveis pela exclusão escolar?
8. O que pode significar para a comunidade na qual está inserida a escola a questão
da exclusão escolar?
59
9. Para você, quais atitudes poderiam amenizar o problema da exclusão na escola
pública brasileira?
60