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mosaico laberinto

Date post: 22-Nov-2015
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ABSTRACT An image expresses, always, the vision of Man and the World in each historical context; recurrently used through time, the image of the maze, in Roman context – coherent with its cultural reference, the Greco-Roman mythology –, settles an apothropaic message. RESUMO «Uma imagem expressa, sempre, a visão do Homem e do Mundo em cada contexto histórico; recorrentemente utilizada ao longo dos tempos, a imagem do labirinto, no contexto romano – na coerência do seu referente cultural, a mitologia greco-romana – tem em vista uma mensagem apotropaica.» Conímbriga, Casa dos Repuxos. Labirinto quadrado de quatro sectores, em trança, com corredor pela esquerda e com cabeça de Minotauro no centro – Le Décor, II, est. 323b In Mosaicos de Conímbriga, X Colóquio Internacional, Museu Monográfico de Conímbriga, 2005, p.13.
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  • ABSTRACT

    An image expresses, always,the vision of Man and the World in

    each historical context; recurrently usedthrough time, the image of the maze,in Roman context coherent with itscultural reference, the Greco-Romanmythology , settles an apothropaic

    message.

    RESUMO

    Uma imagem expressa, sempre,a viso do Homem e do Mundo em cada contexto histrico;recorrentemente utilizada ao longodos tempos, a imagem do labirinto,no contexto romano nacoerncia do seu referente cultural,a mitologia greco-romana tem em vista uma mensagemapotropaica.

    Conmbriga, Casa dos Repuxos. Labirinto quadrado de quatro sectores, em trana, com corredor pelaesquerda e com cabea de Minotauro no centro Le Dcor, II, est. 323b In Mosaicos de Conmbriga, X Colquio Internacional, Museu Monogrfico de Conmbriga, 2005, p.13.

  • O LABIRINTO NO MOSAICO PAVIMENTAL ROMANO

    Francine Alves*

    No atrium/peristilado da chamada Casa dos Repuxos (Conmbriga), umdos painis do tesselado1 pauimentum apresenta padronizada2 imagem dolabirinto: em tcnica branca e negra, o campo de representao est divididoem quatro sectores preenchidos por meandros.

    Esta frmula iconogrfica, to querida da musivria da Antiguidade,configura a planta3 do labirinto espao estruturado por eixos ortogonais quegeram a contnua subdiviso do espao, com uma uniformidade que impede aorientao e caracteriza-se pela plida apetncia decorativa, bem manifesta,no caso concreto, por comparao aos restantes painis em opus tessellatum.

    Olhando o pavimental programa decorativo, torna-se claro que aadaptabilidade e facilidade de execuo do modelo musivrio no motivarama escolha; por isso, a colocao de tal modelo, em contexto arquitectnico toprivilegiado, como o atrium4, revela uma inteno que se prende, necessaria-mente, com o contedo intrnseco da imagem representada.

    O labirinto no mosaico pavimental romano 41

    * Doutoranda em Histria da Arte da Antiguidade.

    1 Na feitura do pauimentum (face visvel da estrutura base do edifcio) Vitrvio recomendava duastcnicas alternativas: supra nucleum exacta pauimenta struantur siue sectilia seu tesseris (Dearchitectura,VII,1,3); neste pavimento da Casa dos Repuxos optou-se pelas tesseras pequenas (opustessellatum).

    2 Cfr. A.PHILLIPS sobre the standard scheme with four sections; sem acompanharmos o entendi-mento de que a representao pavimental do tema do labirinto determinada por intenodecorativa, relevamos, aqui, a sua observao de que all the mazes occuring in antiquity are meandermazes - A. PHILLIPS, 1992, The Topology of Roman Mosaic Mazes, in LEONARDO (Oxford) 25,pp.323 e 322.

    3 Trata-se, pois, de uma imagem realista, um esquema realista: um documento grfico que projectaum limite horizontal do espao, o cho. Plasma-se, aqui, a funo comunicativa da arquitectura, pormeio de um significante, a forma arquitectnica, cujo tratamento, pelo seu realismo, levaria Plnio-o-Velho a dizer que o que se v nos pavimentos em mosaico deve ser entendido como um espaomuito maior do que o representado. (Naturalis Historia, XXXVI, 85).

    4 Esta denominao (diferentemente dos remotos tempos em que designava toda a casa, compostapor um nico compartimento sem janelas e com uma abertura no topo, para entrada de luz esada de fumos) visa o espao aberto em volta do qual se organizam os vrios compartimentos dahabitao.

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    Tratando-se de uma imagem representativa de uma tipologia arquitec-tnica com existncia real, um humani impendii opus5, no dizer de Plnio-o-Velho,ela remete para um dos quatro6 remotos labirintos elencados pelo naturalistaromano, que encontrou a morte quando observava, de perto, os fenmenosvulcnicos que sepultariam Herculano e Pompeios...

    Dos labirintos mencionados por Plnio o cretense que sugerido, nafig. da pg. 40, pela temtica e centralidade da figurao que, interrompendo abicromia e o geometrismo, apresenta uma colorida7 cabea animal, o Mino-tauro.

    De facto, o desorientador espao agenciado em redor da figuraoevoca o labirinto/palcio8 de Cnossos, onde inmeras salas e mltiplos corre-dores, alguns sem sada, tambm se distribuam em volta de extenso ptio, localdo ritual sagrado do salto do touro9.

    5 Dicamus et labyrinthos, uel portentosissimum humani impendii opus, sed non, ut existimari potest,falsum (NH 36, 84).

    6 O labirinto de Heraclepolis (Egipto), o labirinto de Creta (construdo por Ddalo com base nopioneiro modelo egpcio), o labirinto de Lemnos e o etrusco labirinto do rei Porsina (ibidem).

    7 Aps a fase do branco e negro que percorreu os pauimenta desde finais da Repblica at finais doPrincipado, a policromia essa elaborata arte picturae ratione, no dizer de Plnio-o-Velho, (NH36,184) volta musivria ocidental, retomando-se, assim, uma tradio helenstica.O colorido ressurgimento ocorre, por via africana, em poca severiana (192-235), dizendo J. M.BLZQUEZ: La tcnica del mosaico en color es de origen sirio y lleg a Hispania, quiz a travs delnorte de frica, a finales del siglo II La introduccin de la policromia en el mosaico igualmente se dataen anos de crisis econmica, como fueron los aos de Marco Aurelio y de Commodo (1993, Mosai-cos romanos de Espaa, pp. 16-17).O regresso da cor, neste preciso perodo de crise, aponta para uma estreita relao com a expan-so dos cultos orientais, motivada por lincertitude devant l avenir, e, se Parler des cultes orientauxdans l Empire romain, cest avant tout tudier leur dveloppement dans la partie occidentale de l Empireet leur influence sur la societ , importa ter em conta que ces cultes ont apport quelquechose de nouveau: des liturgies associs des motions fortes par l utilisation de la musique et de lacouleur J. P. MARTIN, 2001, Histoire Romaine, pp. 303 e 305.

    8 A palaciana finalidade do labirinto corresponde, segundo F. G. ALONSO, ao sistema palacial quese desarroll en Mesopotamia y en el Proximo Oriente a partir del III milenio a.C. Alcanz su maximadifusin a partir del 1400 a.C., y perduro hasta el desarrollo de las ciudades-estado fenicias entre lossiglos X y VI e, continua: En las cultura minica y micnica el palacio era el centro de la vida poltica,administrativa, econmica y religiosa del Estado referindo que La sucesin de pasadizos y salasprofusamente decoradas ejercia un efecto psicolgico que la situaba en posicin de inferioridad respectoal monarca o los habitantes del palacio, un recurso de la arquitectura monumental empleada comosimbolo de prestigio del poder F. G.ALONSO, El laberinto del Minotauro El palacio de Cnossos,in Historia-National Geographic (Barcelona) 25 (2006), pp. 58-69.

    9 Vestgios de frescos do palcio do testemunho desta cerimnia, sem derramamento de sangue,que consistia em um homem, ou mulher, agarrar o touro pela frente e saltar para o seu dorso.

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    Registo histrico do ritual ficou na mitologia do povo grego, pela cria-o10 da lenda11 do Labirinto, lenda do Minotauro, formulao mtica da gregasujeio dominao cretense, no perodo de governao dos soberanos dadinastia dos Minos (sc.16 a.C.).

    Na lenda, que reflecte os receios e anseios dos Gregos, merece relevoa sagaz associao entre duas figuras emblemticas da civilizao minica, otouro sagrado e o soberano; a associao ganha toda a finura ao ter-se emconta que as variantes na configurao do emblema dos Minos tm comoobjecto de representao, no s o crescente lunar, ou o machado duplo(labrys12), mas tambm, os chifres de touro.

    Conta a lenda que Teseu, filho do rei de Atenas no cumprimento daobrigao imposta cidade de enviar jovens, com regularidade, ao soberanominico, para o aprendizado dos costumes cretenses foi a Cnossos para seiniciar na prova do salto do touro; a difcil prova foi superada pelo heri que,no s venceu e matou o Minotauro, o monstro humano com cabea de touro,como conseguiu sair do labirinto, com a ajuda de um fio orientador que lhe foradado por Ariadne, filha de Minos...

    Este contedo lendrio identifica-se com o contedo das representaesantigas do labirinto, mas s por si, no d resposta cabal questo, atrs enun-ciada, sobre a inteno que presidiu colocao da imagem ilustrada na fig. dapg. 40, do atrium da Casa dos Repuxos, ou seja, no corao da casa, no peris-tilar corredor a que se acede, ultrapassado o ostium13 e atravessado o uestibulum14.

    A resposta encontra-se, coerentemente, na mitologia referente cultu-ral da Antiguidade na personagem herica da lenda do Labirinto; dos feitose proezas de Teseu, merece relevo, aqui, a proteco que dava aos viajantes(livrando-os de monstros como Procustes), ou a hospitalidade que concedeu adipo, banido de Tebas, no fim da vida

    10 Puede hablarse de una verdadera potica mitolgica griega en el sentido griego de poiesis comocreacin que impregna aqu y all toda su poesa pica y lrica, el drama o su mismo pensamientofilosfico, y es el fundamento de la mayora de sus creaciones plsticas como la arquitectura, la esculturao la cermica, Ricardo OLMOS, 1997, Mitos y ritos en Grecia, p.5.

    11 O mythos astcia presente e evocao de acontecimentos passados, F. JESI, 1988, O Mito, p.21.

    12 Alguns autores encontram aqui a origem do termo labirinto.

    13 Entrada da casa, junto rua.

    14 Compartimento situado entre o ostium e o atrium e que servia em alternativa do atrium parao dominus receber a salutatio dos clientes e conceder-lhes a sportula.

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    este referente de boa hospitalidade, inerente ao lendrio vencedor doMinotauro, que confere singular significado s representaes do labirinto; naconotao herica que afasta alternativa leitura do labirinto como um espaode recluso, espao de morte filia-se a exclusiva e positiva significao deespao de proteco, espao de vida (enfaticamente expresso em representa-es de maior amplitude narrativa, por meio do tema da muralha, como se verem duas ilustraes abaixo).

    Na identificao de tal significao com o contedo intrnseco daimagem do labirinto assenta a inteno que preside s suas representaes; talinteno na coerncia da mentalidade supersticiosa15 da Antiguidade visaum fim profilctico, apotropaico16, por meio da publicitao de importante etranquilizadora mensagem que diz estar-se em espao protegido, ao abrigo domau olhado, espao de hospitalidade; , em suma, uma mensagem de boasvindas.

    Mensagem de boas vindas que se plasma na fig. da pg. 40, e, por isso,justifica a especial colocao com a inerente derrogao da inteno decorativa. esta mensagem que vai determinar o acentuado acolhimento do lendriotema pela musivria de contexto romano; por isso, em Conmbriga como emoutros lugares do Imperium, representaes do tema do labirinto emlinguagem mais ou menos simplificada, vertida por imagens arquitectnicas animariam os pauimenta, independentemente do uso do respectivo contextoespacial, como, p.ex., em termas.

    Igual mensagem apotropaica e profilctica est vertida nesta represen-tao do tema do labirinto, em mosaico de Conmbriga, de contexto arquitec-tnico desconhecido.

    15 Relevada, p.ex., por M. RENARD, a propsito da representao do asarton, celebrizada por Sosus,em Prgamo. O tema consiste na representao de restos de alimentos (v.g., legumes, frutos,espinhas) no pavimento, e assenta na crena antiga que tinha por mau augrio varrer o choquando algum terminava a refeio Os antigos acreditavam na permanente presena da almados mortos na habitao, especialmente em redor da mesa para se alimentarem dos restos quecaam, por isso, procuravam no frustrar to corprea necessidade mantendo as almas alimentadaspara, desse modo, atrair benfeitorias para os vivos e evitar temidas vinganas Nesta crena assenta a potica da representao do tema do asartos oikos (sala no varrida) empavimentos helensticos ou romanos, e leva RENARD a concluir que, nos mosaicos: certainsdtails ne sont pas dus au hasard ou la fantaisie dun artiste le thme de lasarton(est) richeen valeurs symboliques. (1956, Pline lAncien et le motif de lasartos oikos, in Extrait de Hommages Max Niedermann, pp. 307-314).

    16 Termo de raz grega, apotropein, significa fazer girar, obrigar a dar a volta. R OLMOS, op.cit., p.21.

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    Em tcnica branca e negra, a composio acompanha o mesmo esque-ma padro: o campo est dividido em quatro sectores com meandros e apre-senta, no centro, a figurao de um busto de personagem hbrida, o Minotauro.

    A cabea humana do Minotauro apresenta-se como um desvio darepresentao clssica, o que no altera a inteno da representao, o conte-do da mensagem, dada a voluntria hibridez da personagem, expressamentemitolgica17, coerente com a romanidade do seu contexto histrico, que adatao atribuda corrobora.

    Diferentemente da fig. anterior, esta composio de superfcie rectangu-lar contornada, tambm em tcnica bcroma, por uma cercadura geomtricaque apresenta uma linha de torres e aparelho isdomo com merles em T,configurando, deste modo, o tema da muralha.

    Desta variante da representao do tema do labirinto, frequente noImperium, decorrem modelos simplificados, como o que se apresenta, tambm

    Conmbriga, Museu. Labirinto em Conmbriga - sc.II d.C. In A. M. Alarco, MuseuMonogrfico de Conmbriga. Lisboa, IPM, 1994, p.58, estampa X.

    17 A propsito de modelos iconogrficos como este, R. OLMOS, op.cit., p.21, observa: Tanto el mitocomo la iconografia del arcasmo se muestram obsesionados por la anttesis de fuerzas que emergemde la naturaleza: se concibe el mundo poblado de dmones, de monstruos, de seres fabulosos, muchaveces terrorficos y amenazantes. Pero tambin el mundo es una unidad de opuestos y estos seresfabulosos, como las esfinges, las sirenas, los centauros, las quimeras, mezclan y sintetizan en su complejanaturaleza diversos elementos del mundo animal y hasta humano. Pues el hombre es una parte ms deesse universo de fuerzas contrapuestas.

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    em Conmbriga18, na denominada Casa de Cantaber, onde a inteno apo-tropaica expressa por linguagem mais concisa: a imagem arquitectnicareserva-se moldura da composio de superfcie preenchida com temticageomtrica.

    Neste mosaico, a moldura arquitectnica, uma cortina de torres commuralha, expressa, igualmente mas por narrativa mais simplificada, a mensagemde espao protegido inerente s representaes do tema do labirinto.

    Tal significao decorre da estreita relao entre muralha e pomoerium(post murum), limite circundante do espao urbano, espao dos vivos; no exte-rior do pomoerium no s era vedada a tomada de auspcios da cidade comoera o espao reservado aos mortos.

    Esta representao e a coetnea ilustrada na fig. anterior, convergem notratamento tendencialmente realista das suas torres, tratamento esse clara-mente desenvolvido na imagem da fig. seguinte.

    Trata-se de um mosaico tem por contexto de origem um comparti-mento do complexo residencial da Villa19 de Torre de Palma (Monforte), e inse-

    18 A concentrao, em Conmbriga, de mosaicos com a representao do labirinto apontada por J. M. BAIRRAO OLEIRO, O tema do labirinto nos mosaicos portugueses, in VI Colquio Internacionalsobre Mosaico Antiguo (Palencia-Merida) (1990), p.273.

    19 No obstante o contexto rstico convm ter em conta que as Villae romanas...revelam sempre apreocupao, por parte dos seus proprietrios, e logo a partir do sc. II, de transplantar para o campoa magnificncia da vida citadina, sobretudo nos aspectos arquitectnicos, J. MACIEL, 1999, A Antigui-dade Tardia no Ager Olisiponense O mausolu de Odrinhas, p.47.

    Conmbriga, Casa de Cantaber.A simplificao do tema do labirinto na Casa de Cantaber.Compartimento de funo indeterminada.In Mosaicos de Conmbriga, X Colquio Internacional.Museu Monogrfico de Conmbriga, 2005, p.64.

  • 20 A funcionalidade deste tipo de cercadura apontada por A. BALIL: La orla de dentellones...es fre-quente en los mosaicos figurados, singularmente en todos aquellos cuya composicin implica subdivi-siones, durante el siglo III d.C., probablemente su utilizacin debi aparecer a fines del siglo II d.C., quizsen Africa, y es possible alcancen los primeros aos del siglo IV d.C. Alberto BALIL e Tomas MAANES,Estudios sobre mosaicos romanos VII, in Studia Archeologica (Valladolid) 59 (1980), p.8.

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    re-se como um painel da composio de superfcie desenvolvida por esquemacompartimentado e orientadamente figurado.

    Variante tardia da imagem do labirinto, mostra a evoluo na represen-tao de um alado de edifcio fortificado com merles e seteiras e apresenta,em primeiro plano, a imagem de Teseu junto a um Minotauro que, em desvioda verso clssica, tem cabea humana e corpo animal.

    A moldura da composio no segue frmula de motivos de arquitec-tura militar, mas no rejeita a inspirao no ornatus arquitectural (dentculos) e,coerentemente, verte um discurso espacial que se traduz na delimitao doespao de representao20.

    O contedo intrnseco da imagem do labirinto, ou seja, a sua significao,mantm-se, apesar da alterao do esquema visual: o intencional enquadra-mento do Minotauro na arquitectnica tipologia defensiva (o labirinto) eviden-cia um carcter apotropaico que sustenta, necessariamente, a tradicionalmensagem profilctica.

    Contudo, os mencionados desvios da representao clssica, mormentea opo pela verticalidade na representao espacial, em detrimento da tradi-cional horizontalidade, apontam para um contexto histrico de transio, con-firmado na ilustrao seguinte.

    Villa romana de Torre de Palma (Monforte). A representaoinovadora do labirinto (Torre de Palma) sc. IV d.C.In: J. Lancha, O Mosaico das Musas, Torre de Palma.Lisboa, MNA, 2002, p.38, estampa XI.

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    O mosaico da fig. desta pgina, contemporneo do anterior e perten-cente a outro compartimento do mesmo complexo residencial da Villa deTorre de Palma, apresenta substancial divergncia de tratamento: uma tranapolcroma, de dois cordes em meandro fraccionado de susticas de voltasimples, enquadra21 rectngulos figurados.

    Claramente inspirado no labirinto, o esquema compositivo22 deste mo-saico consubstancia uma metamorfose do contedo intencionalmente funcio-nal em contedo ornamental, rejeitando a forma arquitectnica, a conotaoespacial. Nesta rejeio da forma, do significante (a planta/alado) dilui-se arespectiva conotao cultural (significado) e, omisso o referente (Teseu), perde--se a prpria significao: mensagem apotropaica.

    Espelha-se, aqui, um Homem novo em busca de uma nova esttica:afasta-se da mimesis, desse modo de representar quod est ou quod potest

    Villa romana de Torre de Palma (Monforte).Mosaico dos Cavalos de Torre de Palma.O labirinto na inspirao ornamental. Museu Nacional de Arqueologia, fotografia de Jos Pessoa, DDF-IMP, 1993.

    21 Esta funo de delimitao de espaos de representao apontada por F. ACUA CASTRO-VIEJO a propsito de um mosaico de Tralhariz: El tema base de todo el esquema compositivo es eldoble trenzado o sogueado simple ... siendo su funcin primordial la de servir o bien de elemento deseparacin entre las distintas partes de la composicin o bien como borde u orla de todo el conjunto F. ACUA CASTROVIEJO, Mosaicos Romanos de Hispania Citerior III Conventus Bracarensis, inStudia Archeologica (Santiago de Compostela) 35 (1974), p.44.

    22 Note-se que da divergncia no tratamento de dois mosaicos coevos e contguos que decorremas opostas significaes, sendo o tema del trenzado, de gran amplitud geogrfica y cronolgicaF. ACUA CASTROVIEJO, op. cit., p.31.

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    esse23 e vai a caminho do Sublime (altitude24), esttica de paixo com eleva-o, exaltao generosa que primazia a temtica do divino, tal como ele esem mistura, como afirma Longino25.

    O desejo de um caminho diferente j manifesto na contempornea econtgua fig. anterior: tal desejo imprime-se na quebra com a frmula tradicional(planta), atitude nada coerente com o formalismo da mentalidade romana,bastante rgido na manuteno das frmulas de representao26. A opo porum esquema visual novo (alado) para significao antiga (mensagem apotro-paica) expressa o desejo de um caminho diferente, mas feito sem rupturas e,com um sentido novo, plasmado na representao vertical da espacialidadelabirntica: caminho de elevao, caminho do Sublime.

    , assim, sugerido um contexto histrico novo27 que a datao atribudapor J.LANCHA28 (295-330) clarifica ser o tempo de clivagem iniciado comDiocleciano (284-305), perodo de reorganizao do Imperium, da tetrarquia,das reformas e das perseguies religiosas que terminariam na poca constan-tiniana (312-337).

    Nesse dinmico contexto, uma nova esttica emerge29, sem rupturas,como o demonstra a tranquila convivncia dos dois mosaicos de Torre de Pal-ma: no primeiro, a composio revela a procura de um esquema visual novo,reformulando a forma mas mantendo-lhe a significao pela voluntria manuten-o dos referentes mitolgicos (Teseu e Minotauro); diferentemente, no segundo,apresenta outra linguagem com os mesmos vocbulos (meandros), em que

    23 Vitrvio, De architectura,VII, 5, 1.

    24 Expressivo termo de J. PIGEAUD na introduo sua traduo da obra denominada Do Sublime,cuja autoria (uexata quaestio) atribuda a Longino J. PIGEAUD, 1993, Longin, Du sublime, Paris,p.8.

    25 Idem, pp. 62-66.

    26 On souligne toujours avec raison le formalisme pointilleux des pratiques religieuses et lextraordinairerigidit du respect des rites prescrits car on pensait que la divinit exigeait certaines formules,M. CBEILLAC-GERVASONI, 2001, Histoire Romaine, p.90.

    27 Antiguidade Tardia.

    28 J. LANCHA e P. ANDR, 2000, A Villa de Torre de Palma, Lisboa, p. 143.

    29 A Arte revela-se, assim, de acordo com o contexto histrico em que surge. Ao afirmar-se mais oesprito que a matria, ao sublinhar-se mais a alma que o corpo, ao falar-se mais de Deus que doHomem, os fenmenos artsticos revelaro paralelamente uma preocupao maior com ocontedo do que com a forma, expressaro mais as sensibilidades do que os cnones, tenderomais para o Absoluto do que para o concreto e o mensurvel, M. JUSTINO MACIEL, 1996,Antiguidade Tardia e Paleocristianismo em Portugal, p.17.

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    estes se secundarizam e tornam-se mero suporte do que querem evidenciar(o retrato).

    A rejeio ou subalternizao da forma a potica do Sublime, veja-sea teoria do Belo em Plotino, ao entender que a Beleza est na ideia, na alma,no tem forma30, teoria que paulatina mas determinadamente, ir impregnar amusivria tardia: os significantes (forma) perdem o significado (contedo) ou,ganham novos significados.

    A consciente desvinculao entre contedos e as formas convencionaisocorreria em poca constantiniana31, tempo de liberalizao da religio crist,merecendo realce a tentativa de Constantino apontada por A. GRABAR decriar uma iconografia religiosa original atravs do signo simblico e no daimagem figurativa corporizada no monograma XP, funo de smbolo deCristo, reproduzido no labarum32.

    Neste contexto tardio, tempo de crise, tempo de medo, o Homemprocura a salvao: guiado pela religio crist, o olhar procura o Sublime, olharerguido como em retrato de Constantino

    A arte paleocrist onde o brilho das cores convida paixo generosa, exaltao com elevao adquire a vocacional dimenso didctica, bempatenteada nas representaes do labirinto.

    Acompanhando a tendncia de maior inrcia da forma e maior dina-mismo de contedo33 a musivria tardia acolhe a forma tradicional34 e, porcrist interpretatio, d-lhe nova significao: a (antiga) imagem do labirinto(expurgada dos referentes mitolgicos) a descrio de um caminho difcil, demeandros, caminho de trevas e de luz, mas caminho nico da Salvao.

    30 PLOTIN, Ennades, texte tabli et traduit par mile BRHIER, 1997, Paris, Les Belles Lettres, tomeI, p.97.

    31 Afirma J. MACIEL: A transparncia da Arte Crist torna-se formalmente e de modo progressivoclara e objectiva nos seus signos, medida que a pax constantiniana vai permitindo a sua mais livreexpresso. Consequentemente, vo-se formando tipologias artsticas em que a ideologia e arespectiva liturgia se definem como plenamente funcionais e condicionantes de novos compor-tamentos., in Antiguidade Tardia..., op. cit., p. 17.

    32 A. GRABAR, 1979, Les voies de la cration en Iconographie Chrtienne, Paris, Flammarion, p. 40.

    33 M. JUSTINO MACIEL, Antiguidade Tardia..., op. cit., p. 120.

    34 Idem, op. cit., p.108: Tendo a Arte Paleocrist surgido no primeiro contexto (romano) e sendo formal-mente uma manifestao de Arte romana.

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