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MULTILETRAMENTO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS: … · Web-Revista SOCIODIALETO • Bacharelado e...

Date post: 17-Dec-2018
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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 5 Número 13 julho 2014 Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 255 MULTILETRAMENTO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS: INTERFACES E PRÁXIS EM COMUNIDADES MÚLTIPLAS Cristina Arcuri Eluf (UESB) 1 [email protected] Silvana Fernandes de Andrade(UESB) 2 [email protected] RESUMO: Segundo Veiga-Neto(2001), a Modernidade é como um tempo de intolerância às diferenças. Nessa esteira, tem sido oneroso até mesmo para as agendas de LA, a exploração de temas atinentes à ideologia e interculturalidade (KUMARAVADIVELU, 2006), bem como sua atuação efetiva em frentes que contemplem as sociedades minoritárias, entendidas por Cavalcanti e César (2007) como populações que estão às margens do poder hegemônico. Haja vista a aprendizagem de LI como um direito de todos, uma prerrogativa do mundo pós-moderno, bem como um instrumento do qual o indivíduo pode se servir para participar ativamente da sociedade a qual faz parte (RAJAGOPALAN, 2004), objetiva-se repensar a docência em meio a conceitos como palavra, escola e, sobretudo, o papel da universidade, apresentando o projeto de extensão Helpers - Comunidades Educacionais de Vitória da Conquista: Comunidade Bem Querer, como alternativa à práxis do ensino de língua inglesa no ensino fundamental II. PALAVRAS-CHAVE: Interculturalidade; Ensino e Aprendizagem de Língua Inglesa; Multiletramentos. ABSTRACT: According to Veiga-Neto (2001), Modernity is like a time of intolerance to differences. Thus, it has been burdensome even for Applied Linguistics agendas to approach themes with regard to ideology and interculturality (KUMARAVADIVELU, 2006), as well as its effective action towards minorities, viewed by Cavalcanti & César (2007) as communities which are at the suburbs of hegemonic power. Once English learning is a right geared to everyone, prerogative of the postmodern world, as well as a tool with which an individual may take advantage of to take active part in the society to which he belongs (RAJAGOPALAN, 2004), it is aimed to rethink teaching in light of concepts such as word, school and, mainly, the role university has to play, by introducing the Extension Project Helpers Educational communities of Vitória da Conquista: Bem-Querer Community, as an alternative to the praxis of English teaching in Elementary schools. KEYWORDS: Interculturality; English teaching and learning; Multiliteracy. 1 Doutorado e Mestrado em Letras Modernas Língua Inglesa Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (USP). Professor Adjunto de Língua Inglesa na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. 2 Especialização em Inglês como Língua Estrangeira pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras: Cultura, Educação e Linguagens (PPGCEL). Bolsista FAPESB.
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Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e

I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 5 • N ú m e r o 1 3 • j u l h o 2 0 1 4

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MULTILETRAMENTO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS:

INTERFACES E PRÁXIS EM COMUNIDADES MÚLTIPLAS

Cristina Arcuri Eluf (UESB)

1

[email protected]

Silvana Fernandes de Andrade(UESB)2

[email protected]

RESUMO: Segundo Veiga-Neto(2001), a Modernidade é como um tempo de intolerância às diferenças.

Nessa esteira, tem sido oneroso até mesmo para as agendas de LA, a exploração de temas atinentes à

ideologia e interculturalidade (KUMARAVADIVELU, 2006), bem como sua atuação efetiva em frentes

que contemplem as sociedades minoritárias, entendidas por Cavalcanti e César (2007) como populações

que estão às margens do poder hegemônico. Haja vista a aprendizagem de LI como um direito de todos,

uma prerrogativa do mundo pós-moderno, bem como um instrumento do qual o indivíduo pode se servir

para participar ativamente da sociedade a qual faz parte (RAJAGOPALAN, 2004), objetiva-se repensar a

docência em meio a conceitos como palavra, escola e, sobretudo, o papel da universidade, apresentando o

projeto de extensão Helpers - Comunidades Educacionais de Vitória da Conquista: Comunidade Bem

Querer, como alternativa à práxis do ensino de língua inglesa no ensino fundamental II.

PALAVRAS-CHAVE: Interculturalidade; Ensino e Aprendizagem de Língua Inglesa; Multiletramentos.

ABSTRACT: According to Veiga-Neto (2001), Modernity is like a time of intolerance to differences.

Thus, it has been burdensome even for Applied Linguistics agendas to approach themes with regard to

ideology and interculturality (KUMARAVADIVELU, 2006), as well as its effective action towards

minorities, viewed by Cavalcanti & César (2007) as communities which are at the suburbs of hegemonic

power. Once English learning is a right geared to everyone, prerogative of the postmodern world, as well

as a tool with which an individual may take advantage of to take active part in the society to which he

belongs (RAJAGOPALAN, 2004), it is aimed to rethink teaching in light of concepts such as word,

school and, mainly, the role university has to play, by introducing the Extension Project Helpers –

Educational communities of Vitória da Conquista: Bem-Querer Community, as an alternative to the

praxis of English teaching in Elementary schools.

KEYWORDS: Interculturality; English teaching and learning; Multiliteracy.

1Doutorado e Mestrado em Letras Modernas – Língua Inglesa – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, Universidade de São Paulo (USP). Professor Adjunto de Língua Inglesa na Universidade

Estadual do Sudoeste da Bahia. 2 Especialização em Inglês como Língua Estrangeira pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

(UESB). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras: Cultura, Educação e Linguagens

(PPGCEL). Bolsista FAPESB.

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1 Considerações iniciais

No intuito de fundamentar as bases da discussão empreendida aqui, delineamos

primeiramente, o contexto global em que o ensino e aprendizagem de línguas está

situado, para que então, em um segundo momento, apresentássemos a importância do

ensino de língua inglesa (LI) no tocante à visibilidade de comunidades que lutam por

reconhecimento e espaço, a exemplo da Comunidade do Bem Querer em Vitória da

Conquista, BA.

Dando seguimento, detemo-nos a repensar alguns conceitos primordiais,

respondendo à questão norteadora de como a educação em LI pode ser pensada, levando

em consideração o contexto de fatores de diversidade local e conectividade global cada

vez mais críticos (ROJO, 2013) e os impasses enfrentados até mesmo pela Linguística

Aplicada no tratamento de questões dessa natureza (KUMARAVADIVELU, 2006).

Como parte final da discussão, apresentamos a trajetória de um projeto de

extensão, bem como uma atividade de cunho praxista voltada para a importância do

vozeamento dos sujeitos oriundos de agrupamentos periféricos de Vitória da Conquista,

interior da Bahia.

2 Contextualização

A ideia de movimento e mudança é condição sine qua non para que a

humanidade se transforme. Contudo, conforme sinaliza Santos (2000),a atualidade tem

se revelado um momento singular, ímpar, “uma nova fase da história humana” deveras

divergente de todas as “ondas” e “levas” que a antecederam.

Esse momento histórico a que o teórico político Barber (1996) e o sociólogo

Ritzer (1993) intitulam como escola da homogeneização, tem sérios desdobramentos na

pós-contemporaneidade. Muito embora existam outras correntes de pensamento que

apontem para o recente surgimento de movimentos reversos à colonização, nascidos em

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várias partes do mundo (GIDDENS, 2000), ou até mesmo para a confluência da

homogeneização e heterogeneização a um só tempo (APPADURAI, 1996), é possível

dizer que até o presente momento “as práticas culturais e as instituições ocidentais ainda

permanecem na posição de dirigentes do desenvolvimento cultural global”

(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 133).

Sob a égide da cultura de consumo, os padrões ocidentais norte-americanos

cristalizam-se por meio da hegemonia linguística (KUMARAVADIVELU 2006),

fazendo emergir aquilo que Freire (1987) intitula como “uma cultura tecida com a trama

da dominação”, a pedagogia das classes dominantes:

Nessa ânsia irrefreada de posse, desenvolvem em si a convicção de que lhes é

possível transformar tudo a seu poder de compra. Daí sua concepção

estritamente materialista da existência. O dinheiro é medida de todas as

coisas. E o lucro, seu objetivo principal (FREIRE, 1987, p. 25).

Não obstante, a informação tornou-se mercadoria de grande valia e cobiça,

considerando-se a importância que se atribui para quem se informa e faz bom manejo

das informações que adquire. Segundo Castells (2000) essa competência é cada vez

mais requisitada pelo mercado de trabalho, mais especificamente, que tem recrutado

pessoas com a capacidade de inovar e criar e gerar uma cadeia infinita de

conhecimentos a partir dos conhecimentos que tem.

Ainda no âmbito do trabalho, ao revisitar as teorias de Kalantzis e Cope (2006),

Rojo (2013) aponta para o fato de que a modernidade tardia não mais se organiza como

em outrora, baseando-se na linha de produção e consumo em massa, e requer, como

prerrogativa do pós fordismo, “um trabalhador multicapacitado e autônomo, flexível

para a adaptação à mudança constante”, de modo que novas habilidades lhe são exigidas

(KALANTZIS & COPE, 2006, p. 130 apud ROJO, 2013, p. 14).

Fruto da revolução tecnológica a que se refere Castells (2000), a comunicação

eletrônica, notadamente via Internet, a qual norteia as relações econômicas por meio do

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uso do inglês, (KUMARAVADIVELU, 2006) tem, entre outras coisas, salientado a

relevância do conhecimento do idioma em questão.

3 Ensino de língua inglesa no ensino básico: balanços e perspectivas

Os Parâmetros Curriculares do Ensino Fundamental de Língua Estrangeira para

o terceiro e quarto ciclos (1998) ressaltam, entre outras coisas, a obrigatoriedade do

ensino de língua estrangeira a partir da 5ª série, 6º ano, em razão da nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Apontam, igualmente, para a perspectiva

pragmática de aprendizagem da língua inglesa, tendo em vista o panorama que já se

revelava na época de sua escrita e a ampliação das possibilidades de se agir

discursivamente no “futuro” que aos jovens aguardava:

Essas características do mundo moderno têm, por certo, implicações

importantes para o processo educacional como um todo, e, particularmente,

para o ensino de línguas na escola. Se essas megatendências forem descrições

exatas do panorama futuro, é importante que se considere como preparar os

jovens para responderem às exigências do novo mundo. No que se refere ao

ensino de línguas, a questão torna-se da maior relevância (BRASIL, 1998, p.

38).

Todavia, o “futuro” vislumbrado pelo documento já assentou suas bases na

contemporaneidade, revelando que muito ainda há de se fazer em prol do ensino de

língua inglesa na preparação plena dos sujeitos, instrumentalizando-os para responder às

exigências da atualidade. A exemplo, é válido ressaltar que os Parâmetros em questão

ainda aludem à aprendizagem de línguas como algo compartimentado, secionado em

habilidades, sendo possível o ensino de uma ou duas delas em detrimento de outras,

vindo a valorizar a habilidade de leitura em detrimento das demais:

No Brasil, tomando-se como exceção o caso do espanhol, e o de algumas

línguas nos espaços das comunidades de imigrantes (polonês, alemão,

italiano etc.) e de grupos nativos, somente uma pequena parcela da população

tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de

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comunicação oral, dentro ou fora do país. Deste modo, considerar o

desenvolvimento de habilidades orais como central no ensino de Língua

Estrangeira no Brasil não leva em conta o critério de relevância social para a

sua aprendizagem. (...) o uso de uma língua estrangeira parece estar, em

geral, mais vinculado à leitura de literatura técnica ou de lazer (BRASIL,

1998, p. 21).

Por razões que os próprios Parâmetros já previam, os cursos de idioma, nessa

esteira, tomaram fortemente a cena no Brasil, impulsionados de igual maneira pela

mercantilização do ensino a que Rajagopalan (2004, p. 12) se refere:

A demanda pelo aprendizado de inglês cresceu em proporções geométricas,

como fica evidenciado pelo estupendo número de escolas de idioma que se

proliferaram por todo o país, quase tão rapidamente quanto as filiais do MC

Donald’s. O conhecimento da língua é simplesmente pressuposto por

corporações multinacionais quando anunciam vagas de trabalho. E o público

em geral resignou-se há bastante tempo ao fato de que o inglês oferece um

passaporte para o sucesso profissional.

No entanto, a mercantilização da educação em línguas, sobretudo da língua

inglesa, traz consigo implicações muito sérias. Segundo o autor, “compreensivelmente,

cada vez mais pessoas ficam preocupadas quando se dão conta da expansão do inglês e

do modo arrogante e agressivo como essa língua é comercializada” (RAJAGOPALAN,

2004, p.12). Isso evidencia que a LI não é objeto de rejeição sumária, em muitos dos

casos, mas a sua imposição colonizadora o é. A comercialização irrefreada de que

também trata Freire, tem avançado sobre os mais variados setores da sociedade, a

exemplo da esfera educacional, portanto.

Por essa razão, educar para a língua inglesa e para o novo panorama que se

revela demanda, segundo Rojo (2013), uma epistemologia intercultural e uma

pedagogia do pluralismo: “Uma maneira particular de aprender e conhecer o mundo em

que a diversidade local e a proximidade global tenham importância crítica”

(KALANTZIS & COPE 2006, p. 130 apud ROJO 2013, p. 14)

Nessa esteira, fica evidente a relevância de uma docência engajada na mudança

social, na diversidade cultural e igualdade econômica através das tecnologias da(s)

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escrita(s) e de outros modos de inscrição, cuja raiz está na Pedagogia dos

Multiletramentos.

3.1 Multiletramentos, interculturalidade e epistemes de margem

A noção de multiletramentos data de 1990, tendo surgido nos Estados Unidos,

na cidade de New Hampshire, mais conhecida como Nova Londres (COPE;

KALANTZIS, 2000).

O grupo de teóricos ali formado ficou mundialmente famoso, sob a alcunha de

Grupo de Nova Londres. Dentre as muitas questões abordadas, “a multiplicidade dos

canais de comunicação e a crescente diversidade linguística e cultural da atualidade”

(NEW LONDON GROUP, 1996, p. 60, tradução nossa) era foco de seus estudos e

atenção. Isso implica considerar, respectivamente, tanto o contexto global, a economia

global, quanto os seus desdobramentos, a exemplo das novas tecnologias. Trata-se,

portanto, de um campo atento e sensível às questões sociais e culturais.

No tocante ao ensino de línguas, é importante lembrar, contudo, que uma

abordagem intercultural nas salas de aula ainda é deveras cara às agendas de Linguística

Aplicada (LA) modernista, agarradas ao estruturalismo e modernismo, ao período o

qual se originaram.

Conforme salienta Kumaravadivelu (2006), muito embora hoje a Linguística

Aplicada explore o planejamento linguístico, evita ainda as questões atinentes à

ideologia, se esforçando “para preservar as macroestruturas da dominação linguística e

cultural” expressas também através da linguagem:

Apesar de argumentos persuasivos para apresentar um modo de LA que

“procura conectá-la a questões de gênero, classe social, sexualidade, raça,

etnia, cultura, identidade política, ideologia e discurso” (PENNYCOOK,

2001, p. 10), o campo continua a ignorar a proposição fundamental de que a

investigação em LA deve ser intercultural, interlinguística e interdisciplinar”

(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 139).

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Mas o que realmente se entende por Interculturalidade? Segundo Grima

Camilleri (2003, p. 10) compreende-se por interculturalidade “um outro nível de

conhecimento, composto também de habilidades cognitivas, afetivas e comportamentais

que permitem a transferência entre uma cultura e outra”. Conforme adverte a autora, seu

caráter dinâmico não deve ser confundido com os pressupostos do multiculturalismo,

pois este outro campo trata a cultura como um construto histórico e imutável, estático,

que pode ser adquirida por meio de informações a seu respeito.

Ademais, o trabalho no campo da interculturalidade torna-se ainda mais oneroso

quando pensado para as sociedades minoritárias, entendidas, por Cavalcanti e César

(2007, p. 45) como “populações que estão distantes do poder hegemônico”.

De acordo com as autoras, educar para esses contextos cultural e socialmente

complexos é ainda muito caro às agendas de LA no país no tocante a pouca afinação dos

instrumentos com a cultura local e os sujeitos de pesquisa. Mais urgente o é “quando se

trata da educação bilíngue e de seus movimentos por afirmação identitária e

autonomia”. (CAVALCANTI e CÉSAR, 2007, p. 47)

Devido à instabilidade discursiva inaugurada pela Pós Modernidade, Veiga Neto

(2001) salienta a necessidade criada pela própria sociedade de um retorno aos ideais

iluministas de organização social. Um verdadeiro retrocesso que, intitulado episteme de

ordem, faz questão de delimitar um grande abismo entre os arranjos sociais:

(...) a Modernidade é como um tempo de intolerância às diferenças, mesmo

que essa intolerância esteja encoberta e recalcada sob o véu da aceitação e da

possível convivência – nessa forma de racismo que se costuma chamar de

amigável. Vista a partir dessa perspectiva, a Modernidade caracteriza-se

como um tempo marcado pela vontade de ordem, pela busca de ordem

(VEIGA-NETO, 2001, p. 110).

Segundo o autor, ainda que a tentativa seja a de inclusão do outro, incorre-se no

erro da exclusão e no difícil diálogo da diversidade, muitas das vezes. À custa de

oposições, dicotomias, violências, relações de poder se solidificam: de um lado “os

anormais”, a que o autor caracteriza como “os sindrômicos, deficientes, monstros e

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psicopatas (...), os surdos, cegos, aleijados, os rebeldes, os pouco inteligentes, os

estranhos e os GLS, os “outros”, os miseráveis, o refugo”; e do outro, o “normal”, que

“depende do anormal para a sua própria satisfação, tranquilidade e singularidade”

(VEIGA-NETO, 2001, p. 113).

As sociedades minoritárias, entendidas por Cavalcanti e César (2007, p. 45)

como os contextos de surdos, índios, imigrantes, descendentes e afro-brasileiros no

Brasil, podem ser pensadas, por extensão de sentido, como os “anormais”,

caracterizados por Veiga-Neto. Trata-se, é válido lembrar, de “populações que estão

distantes das fontes do poder hegemônico, embora, algumas vezes, sejam

numericamente majoritárias em relação à sociedade ou os grupos dominantes”,a

exemplo dos alunos de escolas públicas oriundos de bairros periféricos em todo o

Brasil.

Desse modo, uma vez que “a aprendizagem de uma língua estrangeira,

principalmente da língua inglesa, passa a ser uma exigência para que as pessoas

enfrentem essa rápida evolução e esse crescente desenvolvimento”, (LIMA, 2009, p. 09)

e torna-se igualmente imprescindível em espaços “onde as comunidades plurais

precisam lutar para serem viabilizadas e aceitas” (CAVALCANTI e CÉSAR, 2007, p.

47), é necessário um retorno à questão basilar que o New London Group (1996) já

empreendia em seus momentos iniciais: “O que (seria) uma educação apropriada para

todos no contexto de fatores de diversidade local e conectividade global cada vez mais

críticos?” (ROJO, 2013, p. 14).

4 Por um novo par de óculos

Levando-se em conta a complexidade do quadro contemporâneo, Moita Lopes

(2008) sugere que a Linguística Aplicada deva utilizar um novo par de óculos,

rediscutindo, trazendo a tona posicionamentos mais críticos, engajados com a realidade

social.

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Desse modo, foram elencados alguns conceitos para revisitação. O papel da

palavra, a priori. Mais do que um mero instrumento na tessitura das relações sociais, ela

carrega consigo a peculiaridade e o exclusivismo humano como condição ao seu acesso,

bem como a possibilidade real de materialidade do enunciado (BAKHTIN, 1986). Meio

pelo qual um indivíduo acessa o outro, ela também é sinônimo de disputa e poder, senão

a própria arena de conflitos. É por ser a representação maior do empoderamento dos

sujeitos é que tem sido apropriada e transformada em veículo de dominação.

Em segundo lugar, o espaço escolar precisa ser repensado. Usualmente

celebrado pelos teóricos como o lugar onde o difícil diálogo da diversidade pode ser

melhor empreendido, a palavra franqueada - quando bem gerida- e as relações de poder,

atenuadas, o âmbito escolar ainda enfrenta muitos desafios. Uma melhor abordagem

acerca da ideologia é um desses impasses, afinal, vale lembrar que tudo “o que acontece

em sala de aula está intimamente ligado a forças sociais e políticas” (CELANI, 2001, p.

21). Urge, portanto, não passar ao largo de questões dessa natureza, mas enfrenta-las

com criticidade.

É Rojo (2013, p. 17) quem salienta o papel negligenciado muitas das vezes pela

escola e o que ainda lhe falta rumo à formação plena dos estudantes:

As escolas precisam ensinar aos alunos novas formas de competências nesses

tempos, em especial “a habilidade de se engajarem em diálogos difíceis que

são parte inevitável da negociação da diversidade” (KALANTZIS & COPE,

1999, p. 39, tradução nossa). (...) Isso implica negociar uma crescente

variedade de linguagens e discursos: interagir com outras línguas e

linguagens, interpretando ou traduzindo, usando interlínguas específicas de

certos contextos, usando o inglês como língua franca: criando sentido da

multidão de dialetos, acentos, discursos, estilos e registros presentes na vida

cotidiana, no mais pleno plurilinguismo bakhtiniano. Ao invés da gramática

como norma para a língua padrão, uma gramática contrastiva que, como

Ártemis, permite atravessar fronteiras”.

Nesse sentido, a responsabilidade que recai sobre a aula de língua(s) está sujeita

a um ônus muito grande, principalmente se pensado o papel do professor que, a um só

tempo, necessita fazer confluir o uso da palavra para a transmissão crítica de

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conhecimentos, bem como para ter acesso ao outro, parte constitutiva da docência.

Esses são fatos imprescindíveis ao ensino de LI.

Em terceiro plano, é primordial um retorno à questão basilar que alude à

formação de professores e o papel da universidade nessa esteira. É o docente quem

precisa reinventar o uso da palavra e, juntamente a comunidade escolar, pode e deve

melhor engendrá-la. Para tanto, uma boa formação docente se faz essencial e, nessa

seara, as universidades têm papel de destaque.

Em Que pesquisa? Qual ensino?, Sobral (2013, p. 239) conceitua a

Universidade através de uma concepção moderna: “um espaço de promoção de ciência e

de cidadania em benefício da sociedade de que é parte”, sendo designada a ela, por essa

razão “a promoção de cidadania mediante a produção e disseminação de

conhecimentos”.

Para o autor, o tripé que a define (ensino, pesquisa e extensão) precisa ser

revisitado:

Ensino parece óbvio: ensinam-se saberes julgados relevantes para uma boa

formação. Pesquisa também parece óbvio: pesquisam-se tópicos julgados

relevantes para uma boa formação, o que implica estar a pesquisa atrelada à

produção de saberes que devem ser levados ao conhecimento dos

“discípulos”. Extensão, em contrapartida, não parece óbvio, e tem implícitos

e pressupostos outros. (...) Seriam ensino e pesquisa algo que se passa

“intramuros”, uma função precípua, ao passo que extensão é algo que ocorre

“extramuros”, uma função acessória, mas não fundamental? (SOBRAL,

2013, p. 240).

Assim sendo, que destino teria toda a maciça produção de conhecimentos em

Letras, por exemplo, desenvolvida ano após ano pelos discentes universitários e também

professores em formação? Afinal de contas, que parte o âmbito universitário tem

quando o assunto é extensão e relevância social?

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5 Projeto Helpers comunidades múltiplas: ensino e aprendizagem de língua inglesa

para comunidades

5.1 Breve histórico

O projeto Helpers, idealizado em 1996, passou por vários momentos ao longo de

sua trajetória. Foi desenvolvido, inicialmente, com o propósito de minimizar a

dificuldade de aquisição da Língua Inglesa (LI) por parte de alunos ingressantes na

graduação de Letras em universidades da cidade de São Paulo. Embora apresentasse um

caráter “intramuros”, o projeto sempre vislumbrou a possibilidade de viabilizar a

assistência voluntária: do estudante de graduação para outros membros da comunidade.

O objetivo do projeto era oportunizar novos cenários de aprendizagem por meio

de práxis alternativas em ações integradas de extensão e de colaboração a partir do

conhecimento linguístico dos próprios alunos da graduação que apresentassem maior

afinidade e facilidade com a LI. Tais discentes tornavam-se assim, alunos-formadores,

os Helpers, multiplicadores que ministravam aulas de acompanhamento para colegas de

sala inscritos em diferentes módulos oferecidos pelo projeto.

Desse modo, o projeto sobreviveu informalmente até 2005. Naquele ano, foi

autorizado e oficializado pela diretoria de uma instituição de ensino superior de São

Paulo, segundo parâmetros da análise feita pelo MEC. A partir dessa regulamentação

do projeto, os alunos de Letras, alunos-formadores do projeto passaram a receber 20h/s

de regência certificados pela instituição- aspecto que contribuiu para o estágio em LI de

inúmeros alunos desde 2005 até 2011.

Nesse sentido, o projeto cresceu a cada semestre letivo se expandindo para

diferentes campi da universidade, para diversos bairros de São Paulo e inclusive para

cidades do interior e de outros estados do Brasil. O projeto adquiriu, assim, proporções

não esperadas na época de sua implantação.

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Em 2008, a partir de um redimensionamento das propostas, ações pedagógicas

passaram a ser planejadas concomitantemente às reuniões de áreas e de departamentos.

Foi aí criada uma rede de comunicação nacional.

Os módulos foram igualmente reestruturados a partir da Pedagogia de

Multiletramentos (NEW LONDON GROUP, 1996; COPE & KALANTZIS, 2000;

LANKSHEAR & KNOBEL, 2003; MONTEMÓR, 2013 ROJO, 2012) e das tendências

pedagógicas da Linguística de Corpus(BERBER SARDINHA, 2007; GRANGER,

2002; MEUNIER, 2002; O´KEEFE ET AL, 2007; SEIDLHOFER, 2007; TAGNIN,

2009).A partir de 2008,o projeto começou a se estender para toda a comunidade

discente da universidade.

Tendo registrado avanços significativos, a exemplo da socialização e integração

da comunidade não discente no mesmo ano, a construção conjunta de aulas híbridas

através de ações didático-pedagógicas específicas para diferentes linguagens, o projeto

também abriu espaço para as discussões em torno do que significa ser um sujeito

nacional na contemporaneidade. Segundo Brydon e Tavares (2013), as nossas vidas se

tornam globais de maneiras tais que transformam nossa experiência com relação ao que

significa estar no mundo.

A necessidade de atenção aos movimentos tecnicistas e globalizadores da

sociedade atual abriu caminho para a introdução das TICs (tecnologias de informação e

comunicação) como ferramentas importantes para as aulas do projeto, além de

promover reflexões críticas a respeito das dimensões da LI como língua internacional.

Por meio da inserção das tecnologias digitais e de práticas de (multi)letramentos

críticos de caráter multimodal e multisemiótico (KRESS & VAN LEEUWEN, 2003;

ROJO, 2012), procurava-se trabalhar características multiculturais de nossa sociedade

globalizada.

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5.2 Projeto Helpers: o contexto global e os desafios locais

Sob a ótica de Rajagopalan (2003), vivemos em um mundo globalizado,

queiramos assim ou não. Entre outras coisas, isso significa que os destinos dos

diferentes povos que habitam a terra se encontram cada vez mais interligados e

imbricados uns nos outros – fenômeno que o autor chama de "transnacionalização" da

nossa vida cultural e econômica. (RAJAGOPALAN, 2003 apud ROBINS, 1997).

Como afirma Santos (1994) a globalização constitui um “estágio supremo da

nacionalização, a amplificação em sistema mundo de todos os lugares e todos

indivíduos”. Conforme salienta o autor, com a instantaneidade da informação

globalizada os lugares se aproximam e torna-se possível uma tomada de conhecimento

imediata, de acontecimentos instantâneos e cria-se, entre lugares e acontecimentos, uma

relação unitária na escala do mundo (SANTOS, 1994, p.49).

Tendo em vista o apelo “extramuros” que o Helpers sempre empreendeu

esforços para desenvolver e, considerando a língua inglesa como a língua globalmente

dominante, possibilidade real e instrumento para que os sujeitos venham a intervir

discursivamente no mundo em que vivem, eis que o projeto Helpers se estendeu para

algumas comunidades de São Paulo, tendo suas ações transformadas.

A partir de então, as intervenções e as práxis das aulas passaram a ser

desenvolvidas a partir do cenário da vida real dos meninos e meninas de diferentes

faixas etárias da rede pública de São Paulo, oriundos de comunidades situadas na Vila

Dalva, divisa entre a cidade de São Paulo com o município de Osasco. Juntos, formaram

o primeiro grupo Helpers EMEF, sob a supervisão de alunos dos cursos de Letras e Pós

Graduação.

A possibilidade de acesso dos alunos a uma variedade de materiais, textos,

ferramentas, corpora online, (filmes e documentários de acesso livre na internet ia,

paulatinamente, redesenhando os caminhos que costumeiramente apontavam para a

abordagem tradicional e monolítica de ensino e aprendizagem de LI. Todos os esforços

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empreendidos nessa seara foram levando o projeto a um patamar de força

democratizante, igualitária e transformadora, uma vez que as atividades que passaram a

ser desenvolvidas através dele começaram a ser compartilhadas em rede, ou melhor, em

uma micro rede formada por uma wiki e blog.

As atividades construídas pelos formadores eram fundamentadas em uma

relação de ensino-aprendizagem com potencial para a criação de condições que

conduzissem à aprendizagem plena e equitativa participação social.

Delineava-se, assim, uma abordagem intercultural na qual o global e local eram,

simultaneamente, valorizados e trabalhados em classe, haja vista a possibilidade de

diálogo e entendimento entre grupos de fronteira de variados tipos, premissa elementar

do campo de estudos interculturais (KRAMSCH, 2001).

Partindo desse pressuposto, tornou-se adequado que o projeto Helpers

começasse a pensar sobre como lidar com o papel variante do Inglês como língua

global, considerando previamente os aspectos locais das comunidades, bem como a sua

posição no sistema global, na história, suas necessidades atuais e esperanças,

transpondo essas inquietações para o maior número de espaços.

6 Projeto Helpers comunidades educacionais de Vitória da Conquista – BA:

comunidade do Bem-Querer

A atual fase do Helpers EMEF acontece sob a forma de um Projeto de Extensão

na Universidade do Sudoeste da Bahia, UESB, no Campus de Vitória da Conquista com

o apoio da PROEX (resolução CONSEPE 57/2012). Conta com a parceria da Escola

Municipal do Parque Imperial e da Vila do Bem Querer, localizada dentro do campus da

UESB e atende a meninos e meninas de algumas zonas rurais no entorno da

universidade.

Iniciado em maio de 2012 e em andamento, o Projeto Helpers Comunidade do

Bem Querer: aprendendo inglês com a internet encontra-se ainda em fase inicial.

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Ambientado em uma cidade do sudoeste da Bahia, encontrou diferentes desafios

para sua realização, revelando a todos uma realidade diversa de todas as outras por onde

atuou desde 1996. Entretanto, desde os primeiros momentos, ainda em estudos de

campo, contou com a intensa colaboração voluntária de discentes da graduação de

Letras Modernas, da Especialização em Língua Inglesa como Língua Estrangeira e do

Mestrado em Letras. Esses mesmos alunos seguem atuando nos bastidores e frentes de

trabalho com empenho e energia para que continuem a ampliar seu espaço de atuação

em uma comunidade local, fazendo cumprir a meta primeira do projeto.

Durante os primeiros meses de sua instalação, os alunos-formadores da UESB se

dedicaram intensamente à coleta de dados e à projeção de intervenções pedagógicas,

contrariando, já de início, as crenças de que a educação efetiva acontece no âmago do

espaço escolar.

As instalações do colégio eram, de fato, suficientes para a realização das aulas.

Todavia, como calendário escolar letivo do município e o calendário letivo da

universidade diferiam, foi impossível tocar um projeto dessa natureza dentro da

comunidade escolar em questão. Por outro lado, a disposição da diretoria da escola em

ajudar, oportunizando o espaço do início de aulas e selecionando trinta e sete alunos do

5º ao 9º ano do ensino fundamental, representou um grande ato de cooperação.

Esses meninos e meninas residem na zona rural mais próxima, a vila do Bem

Querer, e independem, portanto, de transporte escolar para chegar ao colégio e, de igual

forma, à universidade.

Durante as pesquisas de campo e análise dos espaços disponíveis para as aulas,

decidiu-se que as mesmas aconteceriam no laboratório de Línguas do Campus

UESB/VC – CAALE – Centro de Aprendizagem Autônoma de Línguas Estrangeiras,

vinculado à área ALEL – Área de Línguas Estrangeiras e Literaturas do Departamento

de Estudos Linguísticos e Literários (DELL). O espaço que, em um primeiro momento,

parecia ideal para a feitura do projeto, tornou-se somente uma das opções disponíveis

que pudesse acomodá-lo.

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Finalmente, em julho do ano seguinte as aulas tiveram início. No espaço do

laboratório CAALE, a disposição física das salas e dos computadores se mostraram

excelentes, atrativas, entretanto os espaços abertos da universidade também passaram a

ser opção, a exemplo dos quiosques do campus. Neles, os meninos e meninas hoje

transitam livremente, começando a posicionar mais confortavelmente dentro da

universidade- lugar que no inicio, parecia pertencer somente aos adultos.

7 Apresentação de uma proposta praxista

As primeiras proposições de atividades surgiram das reflexões acerca da

abordagem intercultural, bem como das contribuições da pedagogia dos

Multiletramentos (1996), caracterizando-se como um “braço”, por assim dizer, das

atividades que já haviam sendo desenvolvidas nas comunidades “extramuros” em São

Paulo, mas com uma nova roupagem e um olhar voltado para as peculiaridades da

comunidade em questão.

Distribuídos em duas turmas com duas horas de atividades cada, os alunos foram

motivados, na primeira semana, a debater sobre o lugar do inglês como língua

estrangeira, sendo a eles lançadas questões que aludiam às suas experiências de mundo.

Pretendia-se aplicar, em primeiro lugar, um dos quatro pilares que dão suporte à

Pedagogia dos Multiletramentos, a prática situada (Situated Practice). Muitas perguntas

lhes foram lançadas, baseadas no seu cotidiano, culminando em uma reflexão sobre as

palavras em língua inglesa que se deparavam com frequência, os meios em que

encontravam esses vocábulos, as expressões de que se serviam em LI, etc.

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Imagem 1: Formação de banco de dados com palavras cognatas.

Ainda sob a perspectiva da Pedagogia dos Multiletramentos, em um segundo

momento os alunos receberam imagens de anúncios, folhas de revistas, textos em geral,

retirados de diversos meios, a exemplo de sites da internet, gibis, romances infantis,

dentre outros. Os estudantes retiraram esses materiais sob a instrução de que eles

deveriam agir sobre a linguagem a partir daquele instante (Overt Instruction),

procurando o maior número possível de cognatos que encontrassem e os listando em

folhas de ofício a priori, para que, em um segundo momento, as registrassem nos

computadores do laboratório de línguas da universidade de modo a compor um banco

de dados.

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Imagem 2: listagem de palavras cognatas

Em terceira instância, foi aberto um espaço para que os alunos pudessem

estabelecer relações sociais entre os significados e contexto de uso (Critical Framing),

momento no qual muitas curiosidades e dúvidas acerca dos vocábulos listados e não

listados foram levantadas, a exemplo da origem das palavras “notebook” e “personal

trainer”, pondo em cheque a “nacionalidade” das mesmas: pertencentes à língua inglesa

ou portuguesa, afinal?

O trabalho culminou com uma importante reflexão de cunho intercultural. De

acordo Lima (2008, p. 92), a Cultura pode ser entendida como “um grupo de padrões

comuns de comportamento e de interações, construções cognitivas e compreensão

afetiva que são adquiridos por meio de um processo de socialização”.

De volta ao laboratório, os alunos foram encorajados a digitar no site de busca

Google a seguinte inscrição, tal qual estava na lousa:“Kachru’s circles- images”,

podendo abrir qualquer uma das figuras que lhes fossem apresentadas, até mesmo para

confrontar dados.

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Imagem 3: Círculos de Kachru (1982)

Os círculos de Kachru, (1982) como bem observado por um dos alunos,

possuem um centro em comum e, por essa razão são chamados círculos concêntricos.

Na perspectiva do autor, os três círculos representam a classificação do inglês

como língua mundial. Intitulados como inner, outer e expanding circles, eles revelam,

através dos números que os acompanham, a expansão crescente da língua inglesa, ao

passo que abrem espaço para questionamentos sobre o real pertencimento dessa língua.

Convidados a se posicionarem, os alunos trouxeram muitas dúvidas,

inquietações importantes acerca da pronúncia dita perfeita, associando o que sabiam aos

círculos de Kachru.

Essas elucubrações, por seu turno, foram lançadas naquela manhã, enriquecendo

as discussões sobre o que significa estar no mundo e fazer uso da língua inglesa,

engajando os alunos, de alguma forma, nos difíceis diálogos sobre a diversidade que

são, em grande parte, de responsabilidade dos educadores na contemporaneidade.

Considerações finais

Neste trabalho, defendemos a proposição de que é preciso engajar os grupos

minoritários, a exemplo dos alunos oriundos da comunidade Bem Querer aqui

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apresentados, nos difíceis diálogos sobre a diversidade, instrumentalizando-os

adequadamente, tornando- os críticos, preparando-os para agir discursivamente no

mundo em que vivem, em conformidade aos Parâmetros Curriculares de Língua

Estrangeira para o Ensino Fundamental (1998).

Essa tarefa que recai sobre a escola e sobre o professor de línguas, em particular,

haja vista as demandas do contexto global, deve, de fato, ser pensada e melhor

trabalhada nesses espaços, não cabendo ao professor e escola a isenção de posturas e

ações nesse sentido.

Todavia, a universidade, através dos cursos de formação de professores de

línguas, pode e deve corroborar nessa seara, na difícil vestidura do novo par de óculos a

que anseia a Linguística Aplicada Crítica (MOITA LOPES, 2006): seja preparação de

seus alunos para essa prematura, mas necessária atuação, contribuindo e aprimorando o

seu fazer docente; seja no engajamento desses mesmos alunos pelos efetivos

movimentos desconstrução das práticas curriculares que se apresentam (práticas estas

que, por seu turno, ainda estão longe de considerar as transformações advindas das

tecnologias de nosso tempo e que abrem um grande fosso entre professores e alunos).

Cientes de que não existem fórmulas para dirimir as crises instauradas no campo

do ensino e aprendizagem de línguas, mas conscientes das responsabilidades do fazer

professoral que deve incluir o compartilhamento do conhecimento através de escolhas

informadas, responsabilidades assumidas perante a cidadania local e global, levando em

conta a participação plena do alunado na sociedade do conhecimento (BRYDON e

TAVARES, 2013), acreditamos que os projetos de extensão são de importância ímpar.

Nesse contexto educacional, empreendimentos dessa grandeza possuem papel

fundamental para promoção da cidadania, integração, inclusão, interação e trocas de

uma multiplicidade de conhecimentos e de saberes que existem entre a universidade e

suas comunidades sociais locais.

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Recebido Para Publicação em 30 de junho de 2014.

Aprovado Para Publicação em 20 de julho de 2014.


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