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O CONTRATO ENTRE A PRÁXIS ECONÔMICA E A … · Não abrange somente a cessão de direitos ... a...

Date post: 14-Dec-2018
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10049 O CONTRATO ENTRE A PRÁXIS ECONÔMICA E A REGULAÇÃO JURÍDICA: SOBRE A CIRCULAÇÃO DO CONTRATO E O MERCADO DE BOLSAS BRASILEIRO * CONTRACT BETWEEN ECONOMIC PRACTISE AND LEGAL DEREGULATION: ABOUT CIRCULATION OF CONTRACT AND BRAZILIAN STOCK EXCHANGES André Gomes de Sousa Alves Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa RESUMO Na chamada “era da financeirização”, o contrato tem desempenhado um papel decisivo na pactuação e na circulação da riqueza entre os agentes do mercado. Nesse contexto, merece destaque o fenômeno da cessão da posição contratual, operação pela qual se transfere a inteira posição, ativa e passiva, de todos os direitos e obrigações de que é titular um contratante, derivados de um pacto bilateral já ultimado, mas de execução ainda não concluída. Na legislação brasileira, não há disciplinamento específico para a matéria, restando ao mercado, nomeadamente ao de Bolsas, a adjetivação da mesma. Nesse ambiente, com respaldo no contrato futuro, as partes cedem a sua posição, buscando segurança nas chamadas Clearing Houses, na padronização contratual e nos ajustes diários. Trata-se de uma técnica da práxis econômica que aporta, com relevantes implicações, no mundo jurídico. PALAVRAS-CHAVES: GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA. CESSÃO DO CONTRATO. CONTRATO FUTURO. ABSTRACT Towards the "era of financialisation”, contract has played a decisive role in consensus and in the circulation of wealth among market players. In this context, an important phenomenon is the transference of the contractual position, operation whereby it transfers the entire position, active and passive, of all rights and obligations that holds a contractor, derived from a bilateral agreement that has been finalized, but with an unfinished execution. In Brazilian legislation, there is not specific discipline to the matter, leaving the market to the adjective of the same. In this environment, with support in the “futures contract”, the parties hand over their position, seeking safety in Clearing Houses, in the standardization of contract and in daily adjustments. This is a technique of economic practice that contributes, with significant implications, in the legal world. * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
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O CONTRATO ENTRE A PRÁXIS ECONÔMICA E A REGULAÇÃO JURÍDICA: SOBRE A CIRCULAÇÃO DO CONTRATO E O MERCADO DE

BOLSAS BRASILEIRO*

CONTRACT BETWEEN ECONOMIC PRACTISE AND LEGAL DEREGULATION: ABOUT CIRCULATION OF CONTRACT AND

BRAZILIAN STOCK EXCHANGES

André Gomes de Sousa Alves Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa

RESUMO

Na chamada “era da financeirização”, o contrato tem desempenhado um papel decisivo na pactuação e na circulação da riqueza entre os agentes do mercado. Nesse contexto, merece destaque o fenômeno da cessão da posição contratual, operação pela qual se transfere a inteira posição, ativa e passiva, de todos os direitos e obrigações de que é titular um contratante, derivados de um pacto bilateral já ultimado, mas de execução ainda não concluída. Na legislação brasileira, não há disciplinamento específico para a matéria, restando ao mercado, nomeadamente ao de Bolsas, a adjetivação da mesma. Nesse ambiente, com respaldo no contrato futuro, as partes cedem a sua posição, buscando segurança nas chamadas Clearing Houses, na padronização contratual e nos ajustes diários. Trata-se de uma técnica da práxis econômica que aporta, com relevantes implicações, no mundo jurídico.

PALAVRAS-CHAVES: GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA. CESSÃO DO CONTRATO. CONTRATO FUTURO.

ABSTRACT

Towards the "era of financialisation”, contract has played a decisive role in consensus and in the circulation of wealth among market players. In this context, an important phenomenon is the transference of the contractual position, operation whereby it transfers the entire position, active and passive, of all rights and obligations that holds a contractor, derived from a bilateral agreement that has been finalized, but with an unfinished execution. In Brazilian legislation, there is not specific discipline to the matter, leaving the market to the adjective of the same. In this environment, with support in the “futures contract”, the parties hand over their position, seeking safety in Clearing Houses, in the standardization of contract and in daily adjustments. This is a technique of economic practice that contributes, with significant implications, in the legal world.

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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KEYWORDS: FINANCIAL GLOBALIZATION. TRANSFERENCE OF CONTRACT. FUTURE CONTRACT.

INTRODUÇÃO

A relevância do tema em destaque deve-se às transformações sociais ocorridas nos últimos tempos, em razão da mudança nas relações entre Estado e mercado, representadas pelo processo de globalização econômico-financeira. São alterações que decorrem, em suma, da internacionalização da economia, das inovações tecnológicas, dos novos sistemas de cooperação internacional, da importância atribuída ao e-commerce e do regime de influências recíprocas entre os sistemas jurídicos de common law (anglo-americano) e de civil law (romano-germânico). Essas mudanças teriam operado inédita reformulação dos paradigmas contratuais.

Desde os primórdios, os contratos foram tidos como uma forma segura de permutar interesses, apegados, especialmente no curso do Estado moderno, aos dogmas jurídicos da segurança e da certeza. Mantiveram esse perfil durante o Welfare State. Todavia, com o contemporâneo quadro econômico (período do neoliberalismo), os mercados parecem voltar a ser os principais centros de estipulação das regras do jogo e os pactos se colocam, como nunca, sob a influência da riqueza e da busca do lucro e do investimento, ultrapassando as fronteiras nacionais e o campo de ingerências legislativas internas.

Enquanto triunfa como elemento da globalização e ressurge vitorioso no contexto da economia global, o contrato se apresenta como instrumento apto a gerar as condições propícias para uma maior mobilidade negocial. É como se tal convenção, concebida nos termos clássico e neoclássico, próprios dos sistemas de civil law, em meio a determinados dogmas jurídicos, onerasse pesadamente o mercado, que se apressa em encontrar formas de neutralizar essa influência. O contrato, então, se agiganta em sua feição mercadológica, e aparece como um meio de junção de vontades que melhor se adapta à atual onda de globalização, de modo mais dinâmico e flexível do que a lei.

No âmbito da economia financeira, o contrato assume feições diversas daquelas disciplinadas pelas estruturas jurídicas dos Estados nacionais. Em especial, uma novidade importante é poder ser negociado e integralmente cedido, sem que se esteja a falar de uma simples transferência de direitos ou deveres, mas da própria relação contratual como um todo. Não abrange somente a cessão de direitos creditícios ou a assunção de dívidas tratadas pelo Código Civil brasileiro, tampouco se refere à circulação de cártula creditícia. No mercado financeiro e de capitais, a cessão do contrato é largamente utilizada na intermediação das tratativas negociais, tendo como vantagem a possibilidade de, ao invés de ter que comprar determinado bem ou direito

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para só depois vendê-lo a terceiro, o intermediário ceder sua própria posição no contrato, para que o cessionário passe a agir e responder diretamente pelo vínculo.

Abrange um tema maior e mais intrigante, que precisa ser averiguado à luz do Direito, e não somente de acordo com as regras do mercado.

1 A ERA DA FINANCEIRIZAÇÃO E A SOFT LAW CONTRATUAL

Como fonte da obrigação, o contrato representa o mais importante e usual meio de formalização de acordo de vontades, exposição de um mútuo consenso, tendo como objetivo tornar concreta a junção dos interesses entre duas ou mais pessoas. No ambiente do mercado, o contrato se apresenta como o instrumento apto à circulação das riquezas, propulsor da expansão da economia. Nasceu e se desenvolveu com a própria necessidade de troca, peculiar ao ser humano.

Nos últimos tempos, embora autores como Batista Jr., Hirst e Thompson afirmem não haver grandes novidades nos acontecimentos derivados da globalização financeira[1], segundo anota Harvey aparece como um fenômeno realmente novo a transformação extraordinária dos mercados financeiros, que se traduz na explosão de novos instrumentos financeiros, ao lado da sua sofisticação e coordenação em escala global, além do seu grau de autonomia conseguida face à produção[2].

Conforme sustenta Corazza:

Esta financeirização da economia se expressa de vários modos: como valorização financeira superior ao crescimento do produto real; como lógica, concorrência e macroestrutura financeiras, que envolvem e subordinam a dinâmica da acumulação real; como processo de integração dos mercados financeiros, que desconhecem fronteiras e poderes nacionais, na medida em que esses mercados perderam suas referências espaciais, assumindo mais a forma de redes articuladas de fluxos financeiros "desterritorializados", que operam ininterruptamente, em tempo real [...] Na verdade, tudo se passa como se vivesse efetivamente sob o domínio da riqueza abstrata, de caráter monetário, financeiro e mesmo fictício.[3]

Oriunda da saída dos Estados Unidos do sistema de Bretton Woods, da crise petrolífera e da liberalização dos mercados financeiros ingleses, a globalização atual pode ser

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sentida na revolução da informática, das telecomunicações e dos transportes, no surgimento das empresas transnacionais e, em última instância e sentido mais jurídico, com a pluralidade do sistema de Direito, que cada vez mais identifica uma confluência entre os sistemas de common law e civil law.

Em sede mais específica, nessa chamada "era da financeirização", do comércio do dinheiro e da riqueza (não mais da produção e comércio de mercadorias), o contrato facilita as trocas transnacionais e fortalece os nichos de poder do mercado, inclusive o financeiro, percebendo-se a intensificação de:

[...] nichos importantes de mercado onde predomina uma espécie de regulação interna corporis, normas uniformes calcadas em certos 'fatores reais de poder', destinadas a restaurar a autonomia privada e que se revelam arredias ao enquadramento jurídico-constitucional fornecido pelos Estados-nacionais.[4]

É como se o atual estágio da globalização, sobretudo sob seus aspectos financeiro e econômico, tivesse escolhido o contrato como a "norma jurídica" mais importante, exatamente por conta de sua flexibilidade e dinamicidade para lidar com um mundo cada vez mais interligado e transnacional.

O contrato, portanto, se apresenta como um softt law, adaptado a um direito mais flexível e moldado conforme as conjunturas do mercado, a ponto de revigorar uma nova compreensão de lex mercatoria, com normas destinadas a disciplinar de modo uniforme, para além da unidade política dos Estados, as relações comerciais que se estabelecem em torno da "unidade econômica dos mercados".

Assiste-se atualmente a uma descentralização de competências que cada vez mais tende a mitigar o papel dos gabinetes legislativos nacionais, ao tempo em que se vê fortalecido o papel supranacional ou global dos movimentos extra-estatais. Como alerta Feitosa:

Hoje, a disciplina jurídica dos contratos é o resultado patente da superação da exclusividade dos postulados do formalismo positivista e do monismo jurídico, bem assim, dos dogmas da segurança e da certeza do direito. Foi relativizada pela multiplicidade de leis positivas públicas (em âmbitos nacional, internacional e comunitário) e pelo pluralismo das fontes do direito, geradas a partir da atuação jurisprudencial e da normatividade empresarial privada em esfera global. Assiste-se ao fim do monopólio legal clássico.[5]

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O instrumento do contrato oscila, desde então, entre ser um símbolo liberal das negociações, resguardada a sua feição clássica; um instituto de satisfação do interesse público e coletivo, preservada a sua função social; ou um campo normativo semi-autônomo que se esquiva da regulação estatal[6]. As práticas econômicas sobressaem-se aos gabinetes político-legislativos, e o Estado não mais se encontra em posição de engessar as relações intersubjetivas que daí surgem.

São características que decorrem, em geral, da chamada globalização econômico-financeira e suas implicações no trinômio poupança - investimento - rendimento, capaz de reformular a rigidez legal e enaltecer a força do contrato e de seu elemento volitivo, como que revigorando a máxima de que "o contrato faz lei entre as partes", ou, de que o contrato é a própria lei.

Em vez de um contrato irrevogável, estático e intangível, tem-se hoje um instrumento tendente à dinamicidade da economia e à flexibilidade da estrutura negocial.

2 O CONTRATO COMO ACORDO DE VONTADES: ALICERCES DE UMA "RELAÇÃO CONTRATUAL"

O grande elemento da definição do contrato é o acordo, responsável pela ênfase de que ele só poderá existir caso duas ou mais pessoas entrem num consenso sobre um determinado objetivo; isso com um especial destaque à vontade, enquanto requisito psicológico que move os indivíduos a expressarem seus interesses a fim de fazer determinado ajuste.

De definição clássica, o contrato é encarado como acordo entre duas ou mais partes - não necessariamente sujeitos - que tenham a capacidade de contratar e, portanto, o poder de celebrar o respectivo acordo. Sua finalidade é constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica patrimonial. Como ato jurídico stricto sensu, tem por objetivo criar, modificar ou destituir uma relação, que sugere o comportamento de uma parte perante outra, como maneira de interligar valores de duas ou mais grandezas.

Todavia, embora ressalte Orlando Gomes, com absoluta robustez, que para a formação de um contrato "são necessárias duas ou mais declarações de vontade que se integrem, emitidas, em princípio, por duas vontades" [7], isso não quer dizer que esse nexo de vontades signifique sua inteira homogeneização, no sentido de, ao se somarem as

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vontades resulte o surgimento de apenas uma. Como anota Silva Cabral, "acordo de vontades não significa, no entanto, identidade de vontades, até porque os interesses são opostos; aliás, é por justamente tratar-se de interesses individuais que se fala em acordo, onde cada qual cede alguma coisa ao outro".[8]

Nesse sentido, entende Messineo que:

As declarações de vontade, sendo decorrência da proposta seguida da aceitação - que são complementares, no sentido de que se correspondem -, constituem um quê de coerente e de intrinsecamente ordenado na sua organicidade e nas suas cláusulas. Assim, as declarações de vontade, longe de serem idênticas e, portanto, permanecendo cada qual com seus interesses, levam a um resultado que é desejado pelas partes, de tal modo que um dos contratantes assume o papel de credor (ou adquirente) e a outra de devedor (ou alienante), ou de credor e devedor, ao mesmo tempo, como no caso dos contratos bilaterais. [9]

Segundo esse autor, o acordo se dá, portanto, quando ambas as partes querem alcançar uma espécie de efeito complexo (de resultado) do contrato, de modo que enquanto uma das partes tenciona dar, fazer ou não fazer, a outra quer que tal coisa se dê, que seja feita ou não feita. Conseqüentemente, o contrato tem o mister de harmonizar os interesses não coincidentes (de efeito exclusivo), haja vista que, defluindo da vontade das partes, só se aperfeiçoa quando, através de transigências comuns, alcançam os contratantes acordos satisfatoriamente conectados a sua autonomia volitiva.[10]

O contrato é essencialmente um acordo vinculativo de vontades opostas, mas harmonizáveis entre si. Seu elemento fundamental é o mútuo consenso. Se as declarações de vontade, apesar de opostas, não se ajustam uma à outra, não há contrato, porque falta o recíproco consentimento.

Segundo lição de Pereira da Silva, o contrato tem, então, como fundamento ético a vontade humana.[11] Não há contrato sem vontade, sendo ela a gênese do próprio acordo e da formalização de uma verdadeira relação contratual.

Como conseqüência desse quadro, na atualidade se fala de uma relação contratual que não é apenas sinônimo de relação obrigacional[12], mas se apresenta com um conteúdo muito mais amplo. Seria o caso de dizer que a relação jurídico-privada não mais pode ser encarada tão somente com base na prestação e na contraprestação (débito e crédito), sendo seu conteúdo muito mais rico.

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Fazendo uso dos ensinamentos de Mota Pinto, a relação contratual é uma sintonia mais extensa, compreendendo créditos, débitos, direitos potestativos, sujeições, deveres acessórios, deveres de comportamento, expectativas, ônus e encargos.[13]

Tem a relação contratual, como frisa Garcia Amigo, inclusive, um papel jurídico-econômico e social:

A relação contratual nada mais é do que relação da vida econômico-social, tomada em consideração pelo Direito, que a eleva ao nível da relação jurídica. Nela se destacam, ainda que não possam separar-se realmente, dois elementos: o elemento material, constituído por uma relação social que realiza o intercâmbio de bens e serviços, e um elemento formal, constituído pela especificação e determinação das conseqüências jurídicas atadas àquele suporte fático pela lei. A relação jurídica, porém, é um todo unitário e praticamente incindível, uma vez determinado pela norma.[14]

Como o próprio nome deixa subentender, mencionada relação é a aquela nascida em razão da celebração do contrato. Enquanto na obrigação se distinguem o sujeito ativo e o sujeito passivo (credor e devedor), na relação contratual cada parte é, ao mesmo tempo, sujeito ativo e passivo, no sentido de que cada qual tem direitos e deveres em relação à outra. Há uma situação jurídica, onde o contrato se apresentaria além do negócio, mas numa relação.

Nesse contexto, melhor utilizar a fórmula de Messineo, no sentido de ver a parte como núcleo ou centro ao qual se reporta o interesse de cada participante, constituindo o que ele chama de "centro de interesse". Aqui o que estabelece o número de partes no contrato é o número de centros de interesse (não necessariamente o número de pessoas), onde uma pluralidade de pessoas pode constituir uma única parte sempre que os interesses delas se concentrarem em torno de um único centro, ou porque existem interesses comuns àquelas pessoas, ou porque constituem uma unidade.[15]

Pretende-se com isso, então, demonstrar que o elemento subjetivo é apenas um dos componentes da relação contratual, e não a própria relação. Nada impede, portanto, que se modifique uma das partes porque a relação continuará como um todo.

3 COMPREENSÕES SOBRE A CESSÃO DO CONTRATO

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Considerando a vontade e seu significativo papel na confluência de méritos opostos, bem como a importância de se apreciar a relação entre os centros de interesse como uma afinidade que foge e escapa a uma simples construção obrigacional, o contrato revela-se com um manto circulatório que o viabiliza a distribuir a riqueza produzida.

Hodiernamente, ante sua capacidade de ajustamento à dinâmica do mundo dos negócios, o contrato deriva de atos de volição que atribui às ações do homem o valor jurídico de que necessitam para serem legítimas e produzirem os efeitos desejados. Nesse caso, enquanto instrumento capaz de resguardar uma soma de direitos e deveres, o contrato pode ser efetivamente transferido. Isso não significando apenas a transmissão de créditos e débitos de uma das partes, mas, muito mais do que isso, já que envolve a própria mudança da posição contratual.

Como dito alhures, é o caso de se falar na mudança subjetiva da relação contratual, que não é apenas sinônimo de relação obrigacional, mas se apresenta com um conteúdo muito mais amplo, ou, como alerta Mota Pinto, "uma unidade ou síntese funcional de vários vínculos singulares emergentes de um contrato".[16]

Do ponto de vista terminológico, embora a cessão em destaque possa assumir diferentes nomenclaturas, sempre se remete à mesma idéia, qual seja a de ceder, traspassar ou transferir a outrem direitos ou bens. [17] A expressão "cessão de contratos" é a utilizada pelo Código Civil Italiano (art. 1.406); a "cessão da posição contratual" pelo Código Civil português (art. 424°), assim como Cicala, Darcy Bessone e Nicolò; Orlando Gomes prefere "circulação de contrato"; Pontes de Miranda, por sua vez, faz uso de "transferência legal da posição subjetiva"; e Mossa, "venda do contrato".

Para uns, essa espécie de cessão significa apenas uma sucessão no contrato, sendo uma mera substituição do elemento subjetivo, com permanência da relação contratual; para outros, uma espécie de mera sub-rogação do cedente pelo cedido. Para uma terceira corrente, consiste na substituição da qualidade de parte, enquanto para uma quarta quer dizer transferência do complexo das relações contratuais e não simplesmente dos direitos e obrigações. Por último, há os que encaram a cessão estudada como uma cessão da própria posição contratual.

Contudo, de acordo com Silva Cabral, enquanto a primeira e a terceira correntes simplesmente encaram o efeito da cessão, mas não a sua natureza, a segunda apenas a vê como uma mera sub-rogação do cedente pelo cedido, limitando-a. Sobraria, portanto, conjugada à quarta corrente, a doutrina da transferência da posição no contrato,

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enquanto a balizada por este estudo. Por isso, ensina o doutrinador retromencionado, fazendo uso da nomenclatura cessão de contrato, que este é "o negócio jurídico que tem por objetivo a transferência por uma das partes (cedente) a um terceiro (cessionário), com a anuência da outra parte (cedido), da posição contratual".[18]

Com efeito, a cessão em apreço trata-se de negócio jurídico bilateral que consiste, com base na teoria unitária[19], na transferência de inteira posição ativa e passiva de conjunto de direitos e obrigações de que é titular uma pessoa, derivados de um contrato bilateral já ultimado, mas de execução ainda não concluída. Há clara substituição dos sujeitos que ocupam um dos pólos da relação contratual, sem que seja verificada qualquer alteração nos demais elementos objetivos, ou, como arremata Andreoli:

A cessão de contratos (pressupondo-se que esse seja bilateral, ao menos de acordo com a configuração típica da instituição) é o instituto que permite realizar a chamada circulação do contrato, quer dizer, transferência negocial a um terceiro (chamado cessionário) do conjunto de posições contratuais (entendido como resultante unitário de direitos e obrigações organicamente independentes), constituída na pessoa de um dos contratantes originários (chamado cedente), de tal forma que, mediante semelhante substituição negocial do terceiro na posição de "parte" do contrato, em lugar do cedente, esse terceiro se sub-roga na titularidade dos direitos e obrigações que em sua interdependência orgânica derivam do contrato celebrado pelo cedente.[20]

3.1 Principais características: partes, conteúdo, efeitos e requisitos

Na cessão do contrato há a formação de uma verdadeira relação trilateral, considerando-se a figura do cedente, a do cessionário e a do cedido. Enquanto o primeiro é aquele que, pretendendo sair da relação contratual, transfere sua posição no contrato; o segundo, por sua vez, é o que receberá essa posição deixada pelo cedente, suprindo o vínculo bilateral; por último, o cedido é o que permanece na relação contratual, aquele que antes se relacionava com o cedente e agora o faz com o cessionário.

Neste norte, deflui a existência de dois negócios distintos: o inicial, celebrado originariamente entre o cedente e o cedido, donde resulta o conjunto de direitos e deveres que constitui o objeto da cessão e, por outro lado, o negócio entre o cedente e o cessionário, através do qual se opera a referida transferência contratual.

Na cessão do contrato, conforme aponta Pontes de Miranda, "transferem-se os créditos, as dívidas, as pretensões, as obrigações e as ações e os direitos formativos, bem como as

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situações passivas que comportam e as faculdades ativas e passivas".[21] Em realidade, o que acontece é tão somente uma substituição das partes, mantendo imutável o conteúdo e a razão de ser do contrato inicial. Ao ocorrer a transferência da posição, o contrato será executado da mesma forma que foi pactuado expressamente no contrato-base.

Entre cedente e cessionário o principal efeito está na substituição do cedente pelo último, por força da sucessão. Assim, há um efeito sucessório, de modo que o cedente se retira da relação contratual e o cessionário passa a ocupar o seu lugar com todos seus direitos e deveres. Em outros termos, responde o cedente pela existência do contrato, por sua validade e pela posição que está cedendo.

Noutro ponto, no que tange à relação entre cedente e cedido, destaca-se que a cessão pode ocorrer com liberação do cedente ou sem ela. Embora a regra seja a liberação total do cedente quanto ao contrato-base e a uma possível inadimplência do cessionário, no entanto, se preferirem as partes, poderá ser acordado, mediante cláusula escrita, que o cedente ficará responsabilizado (solidariamente ou não) por possível inadimplência do cessionário. No caso, essa não desoneração total do cedente em nada impede a celebração e validade do contrato de cessão, havendo sim um negócio singular no qual o cedente assume posição diversa da anterior.

Em última instância, entre cessionário e cedido é que mais se verifica a natureza da cessão, pois o cessionário sucede o cedente na fase em que se encontra o processo; a posição é transferida no estado em que se encontra na fase de execução do contrato que é alvo da negociação de cessão. Em conseqüência, o cessionário terá os mesmos meios de defesa contra o cedido que antes eram típicos do cedente, de modo que, todavia, o contrato cedido em trânsito só transfere relações jurídicas ainda existentes.

De forma pormenorizada, o instituto da cessão contratual oferece, portanto, as seguintes linhas de força: (i) existência de um contrato com prestações recíprocas (caso contrário apenas poderá haver transmissão de créditos ou de dívidas); (ii) transferência a um terceiro, e em bloco, do complexo de direitos e obrigações decorrentes de um acordo bilateral anterior; (iii) saída do cedente da relação contratual primitiva, não se criando uma nova relação, mas substituindo-se apenas um dos sujeitos do contrato inicial; (iv) autorização prévia do cedido (já que não é obrigado a aceitar o novo sujeito da relação contratual - o cessionário - sem o seu acordo), ou ratificação posterior; (v) limitação das garantias (o cedente apenas garante ao cessionário, no momento da cessão, a existência da posição contratual transmitida e, salvo convenção em contrário, não garante o cumprimento das obrigações); (vi) exoneração de dívidas (o cedente, abandonando a relação contratual ao transmitir ao cessionário a sua posição no contrato, fica exonerado de todas as dívidas para com o cedido).[22]

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3.2 Institutos afins e distinções

A cessão do contrato pode ser confundida com alguns institutos familiares ao direito brasileiro, entre os quais a sub-rogação, o subcontrato, a novação, a cessão de créditos e a assunção de dívidas.

Em relação à sub-rogação, a distinção que aqui se encaixa está em que o terceiro que entra na relação contratual por força de sub-rogação não substitui o contratante em toda a relação contratual, de modo que, conforme estipula Silva Cabral:

[...] tanto na cessão como na sub-rogação há substituição de um sujeito da relação jurídica por um terceiro, mas sub-rogação é sempre no tocante a determinado direito ou a um complexo de direitos, enquanto a cessão de contratos implica a substituição de uma das partes do contrato por um terceiro que substitui o contraente, que se afasta, não só dos direitos, mas também das obrigações e das conseqüências que a substituição da condição de parte possa implicar.[23]

Igualmente, no que tange à comparação com o subcontrato, Messineo chama a atenção para o fato de que na cessão (do contrato) é a inteira posição contratual (ativa e passiva) que se transfere a um novo sujeito (cessionário), que substitui o cedente. No contrato derivado, ao contrário, há duplicidade de contratos e coexistência de sujeitos, uma vez que o segundo contrato que tem um sujeito novo e um sujeito idêntico vem colocar-se ao lado do primeiro. Embora na cessão objeto desse estudo e na subcontratação o contrato-base fique inalterado, na cessão há substituição de uma parte por outra, enquanto no subcontrato a parte originária permanece, realizando-se um contrato paralelo para o fim de subcontratação.

Em relação à novação, por sua vez, a distinção está com base no fato de que na novação extingue-se a relação obrigacional, fazendo surgir ao mesmo tempo uma nova relação com objeto ou título diverso. Na cessão o que se visa é a circulação do contrato, no sentido de que o complexo de direitos e obrigações que compõe a relação contratual subsiste e permanece imutável. A esse respeito, aliás, ensina Sílvio Rodrigues:

Não se confunde a cessão de contrato com a novação, porque, enquanto nesta se dá ou a transmissão dos direitos ou a transmissão das obrigações, conforme se trate de novação

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subjetiva ativa ou de novação subjetiva passiva, na cessão de contrato ocorre a transferência dos direitos e obrigações do cedente ao cessionário.[24]

Em quarto lugar, segundo aponta Silva Cabral, as diferenças entre a cessão do contrato e a cessão de créditos são principalmente de duas ordens: (i) enquanto na cessão de créditos a relação contratual básica permanece sempre entre os contratantes primitivos, embora um ou mais créditos sejam cedidos para um terceiro, na cessão de contratos o cedente cede a sua posição contratual e em seu lugar passa a operar o cessionário; (ii) ao passo que na cessão de contratos o cessionário assume todos os direitos e obrigações do cedente, na cessão de créditos, embora transfira ao cessionário os elementos ativos constantes do contrato e relativos ao cedente em sua posição diante do cedido, não chega a alterar as obrigações assumidas pelo cedido e nem cria novas obrigações para o cessionário em relação ao cedido.[25] Dessa forma, a cessão de créditos, em essência, se distingue da cessão do contrato porque, como o próprio nome indica, no primeiro caso cedem-se apenas os créditos, enquanto no segundo os créditos e os débitos conjuntamente, ou, mais precisamente, cede-se a posição contratual.

Por último, referente à cessão de débitos ou assunção de dívidas, percebe-se que enquanto na cessão de dívidas cede-se a titularidade passiva, na cessão do contrato cedem-se também os créditos. Além disso, a finalidade da assunção de dívidas é a circulação da obrigação pelo seu lado passivo, ao passo que na cessão da posição contratual se almeja a mudança das partes. Isso somado ao fato de que o campo de aplicação da assunção de dívidas é todo o campo do direito das obrigações, com independência da causa constitutiva destas; a cessão em destaque nesse estudo, por sua vez, se caracteriza pelo campo puramente contratual.

3.3 A cessão de contrato no direito alienígena e a atipicidade da situação do Brasil

Com relação à presença legal da cessão do contrato, segundo Garcia Amigo, podemos dividir os Códigos em três correntes: os que a admitem expressamente; os que a admitem implicitamente; e os que se apresentam com configuração dúbia.[26]

Em relação aos primeiros, seriam aqueles que, principalmente a partir da década de 1940, começaram a reagir positivamente diante das pesquisas feitas pelos estudiosos do instituto, como o Código Civil italiano (1942) e o Código Civil português (1967). Nesse sentido, como exemplo, estipula a legislação civil italiana, em seu art. 1.406:

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Art. 1.406 - Cada uma das partes contratantes pode fazer-se substituir por um terceiro nas relações que derivam de um contrato com prestações recíprocas, desde que estas ainda não tenham sido cumpridas, contanto que a outra parte o consinta.[27]

Já dentre as legislações que admitem implicitamente a cessão, enquadram-se aquelas que admitem não só a cessão de créditos como a assunção de dívidas, mas sem possuírem uma regulamentação específica para a cessão de contratos. De acordo com Garcia Amigo, estes códigos, embora não tratando explicitamente da cessão de contratos, admitem-na implicitamente, uma vez que a transmissão da posição contratual consiste exatamente na transmissão, para o cessionário, de todos os direitos e deveres do cedente; além do mais, o princípio da autonomia da vontade permite que o cedente transfira a posição contratual como um todo [28]. Exemplos desses sistemas são o brasileiro, o alemão, o suíço, o austríaco, o russo e o mexicano.

Por último, há os sistemas que não regulam a assunção de dívidas nem a cessão de contratos, embora regulem a cessão de créditos e a sub-rogação. Nesse caso, exemplificado pela legislação francesa, como a cessão do contrato envolve também a transferência de dívida, surge a questão de se saber se tais sistemas admitiriam a própria cessão de contratos.

No contexto brasileiro não há definição legal nem do que seja contrato, e, embora a doutrina e a prática empresarial acatem a cessão do contrato como sendo um negócio jurídico bilateral em que se transfere a inteira posição contratual - nela incluídos os direitos e as obrigações, ou seja, a posição ativa e passiva vinculada ao titular-cedente no negócio jurídico -, não há também previsão expressa na legislação pátria contemplando a transmissão dos direitos e deveres contratuais, complexivamente.

O Código Civil prevê nos artigos 286 a 303 um título específico denominado "Transmissão das Obrigações", subdividido em dois capítulos, quais sejam, a cessão de créditos e a assunção de dívidas (cessão de débitos). Mas não há nada disciplinando a transferência da posição contratual.

4 CIRCULAÇÃO DO CONTRATO, INÉRCIA LEGISLATIVA E ATUAÇÃO DO MERCADO: IN CASU, O CONTRATO FUTURO

Embora a legislação brasileira não trate especificamente do instituto da cessão do contrato, não representa isso uma barreira ao sistema de mercado, que se apressa a dinamizar e assegurar a flexibilidade das suas relações. Nesse contexto, respondendo a

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essa lacuna legislativa pátria, e com inegável contribuição atual, como menciona Sílvio Rodrigues:

A enorme utilidade da cessão do contrato impôs a difusão do instituto, a despeito de não haver lei expressa sobre o assunto. E, se o legislador brasileiro até agora não o disciplinou com pormenor, isso se deve, decerto, ao fato de acreditar que o não vedando, estava a permiti-lo. [29]

O mercado, então, rouba o espaço, fornecendo bases para, a despeito da passividade da legislação brasileira, concretizar a circulação do próprio contrato. Em sede específica, a circulação segue a vida econômica e se vê, pouco a pouco, regulada pela prática comercial de mercados organizados como os de Bolsa, onde prepondera o costume como fonte de direito. É similar à própria "reificação" do contrato, evitando que o mesmo seja entendido apenas como gerador de direitos passíveis de cessão para vir a ser todo o contrato objeto da própria circulação.

Como mote para o desenrolar do estudo, surgido aos tempos medievais, para estipulação convencional da entrega futura de safras agrícolas em produção, o contrato futuro representa hoje uma evolução do contrato a termo de compra e venda[30], estando desenvolvido exclusivamente em mercados organizados como os de Bolsas. Espelha, ademais, o mais característico instrumento financeiro de pactuação de riscos, haja vista a relação existente entre o especulador (tomador de risco) e o hedger (o qual procura evitar o risco), a introdução dos ajustes diários resultantes das oscilações de preços, a padronização contratual e a participação obrigatória das Clearing Houses ou Câmaras/Caixas de liquidação nas negociações.

Em vistas desse intrincado esquema, nesse contrato as partes podem ceder livremente suas posições, enquanto não liquidado financeiramente o contrato, restando inalterado o seu conteúdo e sua unidade. Isso sem que esteja se falando de uma circulação de coisa móvel, como ocorre nos títulos de crédito; muito menos de uma cessão civil de direitos ou deveres. Aqui, o que aparece é um título escritural padronizado - não uma cártula -, ensejado pela anotação da operação que implique na transferência dos direitos que incorpora no registro no sistema de registro e liquidação financeira autorizado, como representativo da autonomia dos direitos incorporados, restando as partes desvinculadas de qualquer relacionamento direto entre si. É, em outros termos, a expressão da própria cessão do contrato, não regulada pelo direito brasileiro, mas, portanto, disciplinada pelo mercado.

4.1 O território do contrato futuro: mercado de Bolsas

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Em sentido geral, a Bolsa é um mercado onde são efetuadas transações de compra e venda de títulos, commodities (matérias-primas ou mercadorias agrícolas ou minerais) e valores mobiliários, em mercado livre e aberto, organizado pelos corretores e fiscalizado pelas autoridades competentes.

No cenário brasileiro, as Bolsas são entidades privadas, constituídas sob a forma de sociedade anônima, com fins lucrativos[31] e que têm como objetivo precípuo organizar, promover o funcionamento e desenvolvimento de mercados livres e abertos para a negociação de seus ativos financeiros.

São elas reguladas e fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), como um local de encontro entre compradores e vendedores para formação de preços com transparência e liquidez, através de serviços de informação, registro, compensação e liquidação adequados à realização das operações respectivas de compra e venda.

Consoante as disposições do caput do artigo 3º da Instrução CVM 461/2007, ao explanar o mercado de Bolsas:

Art. 3º - Considera-se mercado organizado de valores mobiliários o espaço físico ou o sistema eletrônico, destinado à negociação ou ao registro de operações com valores mobiliários por um conjunto determinado de pessoas autorizadas a operar, que atuam por conta própria ou de terceiros.

§1º Os mercados organizados de valores mobiliários são as bolsas de valores, de mercadorias e de futuros, e os mercados de balcão organizado.[32]

Em termos econômico-sociais, segundo divulga a CVM, têm as Bolsas as principais funções: (i) levantar capital para negócios, (ii) mobilizar poupanças em investimentos, (iii) facilitar o crescimento de companhias, (iv) redistribuir a renda, (v) aprimorar a governança corporativa, (vi) criar oportunidades de investimento para pequenos investidores, (vii) atuar como termômetro da economia e (viii) ajudar no financiamento de projetos sociais.[33]

4.2 O subterritório do contrato futuro: mercado futuro

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O contrato futuro localiza-se no chamado mercado futuro de Bolsas, ambiente organizado onde podem ser assumidos compromissos padronizados de compra e venda de contratos sobre uma determinada mercadoria ou ativo financeiro derivado para liquidação numa data futura pré-estabelecida.

Nos mercados futuros de Bolsas as negociações entre compradores e vendedores se portam exclusivamente sobre o preço, na medida em que as especificações da mercadoria ou do ativo, as datas de vencimento, as modalidades da eventual entrega, etc., são anteriormente definidas de forma extremamente precisa em contratos padronizados. O objeto da negociação passa a ser não mais a mercadoria ou o ativo subjacente, mas o contrato que representa um compromisso padronizado de compra ou de venda, a um preço fixado no momento da realização do negócio para um vencimento específico.[34]

Nesse contexto, o mercado futuro engendra as seguintes facilidades: (i) caracteriza-se por ser uma forma de aplicação bastante eficiente, pois não requer o desembolso de um montante significativo de dinheiro na abertura da posição a futuro como ocorre quando da compra de ações a vista[35]; (ii) elimina o custo do empréstimo de ações para aqueles investidores que queiram adotar posições vendedoras a descoberto; (iii) possibilita mudar a exposição de um ativo para outro sem os custos de lidar com as ações subjacentes no mercado a vista, bastando realizar uma operação de natureza oposta no próprio mercado futuro e uma operação de abertura de posição no outro papel também no mercado futuro.

Especificamente, descendente direito do contrato de venda e compra a termo, o contrato futuro modulou-se com base na evolução que se deu sobre os contratos a termo para entrega futura das safras agrícolas em produção para ser utilizado especialmente como instrumento financeiro de transferência de riscos. Com isso, sintetizando o já descrito no curso do trabalho, o contrato futuro caracteriza-se por: (i) padronização acentuada; (ii) elevada liquidez; (iii) risco de crédito baixo e homogêneo; (iv) negociação transparente em Bolsa; (v) possibilidade de encerramento da posição com qualquer participante em qualquer momento, graças ao ajuste diário do valor dos contratos e a participação da Clearing House; (vi) utilização do mecanismo das margens depositadas em garantia para evitar a acumulação de perdas decorrentes da falta de pagamento de ajustes diários negativos.

4.3 A importância das Clearing Houses, dos ajustes diários e da padronização contratual

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As chamadas Clearing Houses, os ajustes diários e a padronização dos contratos futuros tornam referidas convenções instrumentos que, com as características descritas, possibilitam a cessão da posição contratual entre os sujeitos da negociação, de modo que, através das interferências das vontades dos sujeitos - que, em sentido oposto, ou pretendem se precaver ou arriscar no mercado -, referido contrato acaba por circular.

Sobre as Clearing Houses, Câmaras de Compensação ou Caixas de Liquidação, representam elas a instituição interveniente que angula as prestações, estipulando em favor das partes durante toda a execução do contrato, prestando o del credere às liquidações solutórias, bem como exercendo o depósito, a administração e a cobrança dos valores de oscilações de preços, no ajuste diário, além da aplicação dos recursos depositados como margens de garantia.[36] São os responsáveis pelo asseguramento do resultado pretendido com o diferimento, de modo que apenas as Bolsas não são suficientes para essas negociações.

Os agentes de compensação são sempre associações mercantis, cujo objeto é a prestação da compensação de negócios futuros, ou seja, a administração de contratos de Bolsa, com prestação ou execução diferida, de modo a receber as margens e proceder aos ajustes diários. As partes outorgam à Caixa de Liquidação a provisão e os encargos do negócio, fazendo dela a principal responsável pela solução tempestiva do contrato, sem que qualquer delas tenha que interpelar moratoriamente a outra. A Clearing House administra as margens que são depositadas em suas mãos, com o poder de aplicá-las diariamente, em favor do patrimônio do depositante, em garantia da outra parte no contrato.

Segundo ensina Almeida Salles, ao tentar enquadrar a posição contratual da Clearing House:

[...] a Câmara de Compensação exerceria, portanto, uma estipulação em favor de terceiros, cabendo a eles exigir das partes contratantes o cumprimento das obrigações, assegurando-se por meio das avaliações de crédito e garantia que entender suficientes para o fiel cumprimento desta posição no negócio jurídico.[37]

Ela garante o fiel cumprimento de todas as obrigações assumidas pelos contratantes, promovendo assim a liquidez necessária para o dinamismo e desenvolvimento do mercado de futuros. O sistema de liquidação consiste no registro dos contratos negociados nos pregões e das garantias, bem como na liquidação e compensação das obrigações. As operações são compensadas pela Clearing, que adquire total responsabilidade pelo cumprimento das obrigações, na qualidade de terceiro garantidor.[38]

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As Clearing asseguram, então, a integridade financeira das transações; atuam como a vendedora de todos os compradores e a compradora de todos os vendedores; administram as margens de garantias e os ajustes diários, assim como as entregas físicas na Bolsa. A sua função precípua é reduzir ao máximo o risco de crédito entre os agentes, facilitando, inclusive a troca de posição dos sujeitos no contrato futuro.

Noutro compasso, a padronização dos contratos futuros também fornece uma importante significância na cessão do contrato futuro. Até porque, segundo expõe Noênio Spinola: "o que caracteriza uma operação no mercado futuro é, em primeiro lugar, a necessidade de padronização dos contratos. Os débitos e créditos são também acertados diariamente, e não apenas no vencimento do contrato". [39]

No contrato futuro, a quantidade do bem objeto é padronizada de tal modo que permite a assinatura de um contrato para cada lote padrão da coisa, permitindo assim que se lhe atribua uma identidade com a própria coisa, a ponto de tender à sua "reificação". Devido a essa reificação do contrato futuro é que passa ele a poder ser encarado como dotado de um mercado próprio, onde se fala em circulação do contrato futuro e convivem em conjunto e necessariamente a entidade organizadora de mercado (Bolsa) e a entidade assecuratória da liquidação (Clearing House).

Expõe, nesse sentido, Schouchana que:

O contrato futuro deve ser bem desenhado, porque nesse mercado todos devem estar cientes das cláusulas do contrato, de forma que só resta apregoar o preço e a quantidade de contratos que se deseja negociar no pregão. O contrato padroniza todo o restante, ou seja, a mercadoria ou ativo, a cotação, a unidade de negociação, os meses de vencimento, o ponto para formação de preço e entrega, as condições de liquidação física e financeira, os ativos aceitos como margem de garantia e os custos operacionais da Bolsa. [40]

Uma operação iniciada entre "A" e "B" pode transformar-se facilmente em uma operação entre "B" e "C", caso "A" queira ou precise desfazer sua obrigação antes de seu vencimento. Como o contrato é padronizado, o que foi negociado entre "A" e "B" é o mesmo entre "B" e "C".

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No caso, a padronização dos contratos possibilita a mudança de posições, pois garante a liquidação antecipada do contrato, dando liberdade de ação necessária a redirecionamentos quando ocorrem mudanças de conjuntura. Ela possui, portanto, a finalidade de torná-los jurídica e economicamente fungíveis, facilitando a sua circulação e negociação no mercado, e permitindo, na maioria dos casos, sua cessão total ou parcial a terceiros interessados.

Em última instância, há também nesse mercado de pactuação de contratos futuros a existência dos ajustes diários dos preços dos ativos financeiros, que permite a liquidação financeira diária de lucros ou prejuízos das posições. Desta forma, se um investidor pactuou determinado certo contrato futuro, e, em determinada data, o seu preço caiu, isto significa que ele terá de realizar um depósito neste dia, de forma a compensar a sua perda.

No mercado futuro os contratos têm seu preço diariamente reavaliado, para refletir as novas condições de mercado, expressas através dos preços dos novos negócios que vão sendo fechados até o encerramento do dia. Ou seja, a diferença entre o preço de ajuste e o preço de negociação determina o resultado do diário; assim, se alguém fez um negócio a R$ 200,00, envolvendo um contrato que no fechamento do mercado está valendo R$ 220,00, há um diferença de R$ 20,00 que resulta em ganho para a parte compradora (pois está comprando por menos aquilo que vale mais) e em perda para a parte vendedora, configurando o ajuste diário, que resulta em crédito em conta de quem ganhou e em débito para quem perdeu.

Após o pagamento do resultado diário, o contrato fica ajustado ao novo preço, havendo a certeza de que todos os participantes estão equiparados e posicionados ao mesmo preço, pois lucros já foram recebidos e prejuízos já foram pagos.

Portanto, no mercado futuro, ao final de cada dia, calcula-se o valor da perda e do ganho de cada parte (comprador e vendedor). O participante que faz jus ao ajuste positivo irá recebê-lo no mesmo dia de seu pagamento pela parte que incorreu um ajuste negativo. Caso o pagamento do ajuste diário negativo devido não seja efetuado, a Bolsa intervém, utilizando a margem depositada em garantia na Clearing House para saldar o prejuízo e encerrar a posição inadimplente, de forma a evitar o risco de acumulação de perdas que possam afetar a segurança do mercado.

Os contratos futuros permitem, dessa forma, controlar o risco e assegurar a rentabilidade do investimento, garantindo o preço de um bem ou ativo subjacente no futuro e, simultaneamente, tirar partido de uma previsão da evolução dos preços. Conseqüentemente, o risco para a Bolsa acaba sendo reduzido, uma vez que qualquer

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diferença desfavorável ao vendedor ou comprador seja compensada de forma gradual, sem a necessidade de ajuste apenas no último dia, como no caso do mercado a termo.

4.4 Entre a circulação do contrato e o mercado futuro de Bolsas brasileiro

Descrevendo o contrato futuro e sua circulação, expõe Almeida Salles que:

[...] poderíamos dizer que há nesse instrumento jurídico um continente pré-delineado pela entidade do mercado e um conteúdo padronizado nele mencionado, ambos perfazendo o rol de direitos e obrigações que cabem, indissociavelmente a cada parte, sendo certo que o interveniente não se pode deslocar de sua posição contratual, enquanto às partes (os comitentes) é lícito pretender ceder suas posições, sem afetação ou alteração da unidade do contrato, apenas sub-rogando o cessionário na condição de titular dessa posição, de ora em diante, sem qualquer vínculo com os fatos pretéritos, pois estes já estariam preclusos.[41]

Desse modo, uma vez vislumbrado o modelo do ato jurídico que se pode clivar em continente e conteúdo, ambos pré-desenhados e padronizados pelo interveniente, o que se apresenta perante as partes após a escolha convencionada, dentro dos limites da pré-disposição, é um único todo, indissociável e, portanto, passível de circulação como coisa móvel, tal como preconizado pelos tratadistas, para os títulos de crédito.

No Brasil, desde a promulgação da Lei n. 6.404/76, com a extinção dos títulos ao portador e endossáveis pela Lei n. 8.021/90, predomina no mercado de valores mobiliários o título escritural, cuja titulação se dá pelo extrato expedido pela entidade escrituradora, onde, no entanto, não há as características dos direitos que o título confere. Igualmente, o mesmo se verifica nos contratos futuros, no qual o agente de compensação escritura as posições em aberto dos comitentes, sem especificar os direitos exercitáveis, cuja descrição há de se encontrar no formulário anexo ao contrato, já que é padronizado para cada tipo ou espécie de objeto.

Especificamente, ocorre então, no contrato futuro, uma espécie de tradição ficta, já que se trata de sistemas de negociação escritural, a par da existência dos regramentos regulamentares e formulares, mas que por serem homogêneos e imutáveis, o que resta é o registro escritural dos créditos de cada parte signatária do contrato original, que se faz nele substituir pelo seu cessionário de posição contratual, transmitindo-lhe, assim, virtualmente o contrato futuro em curso.

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O que importa compreender, portanto, é que da incorporação resulta a autonomia dos direitos incorporados, em relação às partes originalmente contratantes, desvinculando-os de qualquer relacionamento pessoal entre elas. No mercado futuro, cada nova parte cessionária da posição contratual da que a antecede adquire os direitos incorporados ao documento ex novo, como os houvera adquirido o cedente, originariamente, sem sub-rogação nas suas condições pessoais, apenas naquelas de titular dos direitos, no estado em que se encontram.

Desde que o contrato contenha prestações correspectivas ainda não executadas, segundo a boa doutrina de Messineo - pois a ausência do sinalagma impede a alteração da posição dos sujeitos, em relação às prestações ainda não executadas, - é permitido ao contrato futuro circular.

Conforme ressalta Betti, essa fungibilidade decorre da fungibilidade dos sujeitos, que compõem as partes no contrato futuro e que encontram no que respeita aos direitos neles constituídos, a segurança prestada, pela estipulação em favor das mesmas partes, pelas Caixas de liquidação, que assegura o adimplemento tempestivo.[42] Tem-se assim a fungibilidade, econômica e jurídica, dos contratos futuros, a permitir-lhes a circulação como coisa móvel, substituindo-se as partes por meio da "tradição" indistinta dos contratos de mesma modulação, objeto, preço e termo, revestida da forma de cessão de posição contratual, autonomamente, e sem as implicações da cessão de crédito civil.

Situado sob o manto dos ajustes diários, o contrato futuro pode, assim, ser entendido como uma espécie da venda e compra que se caracteriza pela possibilidade novatória de suas obrigações, diariamente, até seu termo final, sendo certo que cada nova obrigação é idêntica à anterior, exceto na variabilidade do preço, que é ajustado diariamente, entre o último ajuste e a cotação do objeto no mercado á vista, evitando o distanciamento entre este e o valor acordado para o termo.

Essa novação nem mesmo altera a natureza da prestação, isto é, o devedor contrai para com seu credor um novo débito, extinguindo o anterior por simples substituição, sem alteração das partes ou do objeto. Dessa forma, nem há que se falar em novação com alteração das características das obrigações, extinta e nova, já que ambas mantém-se absolutamente idênticas e, desde o seu início, dependentes das variações de preços inerentes ao mercado subjacente e comparativo de que derivam. Tal animus novandi é um desejo das partes contratantes, que o manifestam na escolha daquele negócio jurídico.

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Ademais, como já ressaltado, a padronização dos contratos futuros possui a finalidade de torná-los passíveis de serem trocados entre os sujeitos, facilitando a sua circulação e negociação no mercado e, permitindo, na maioria dos casos, sua cessão total ou parcial a terceiros interessados.

Segundo especialistas em mercados derivativos, padronizam-se os contratos para que eles se assemelhem a uma moeda: intercambiáveis, de alta liquidez (grande facilidade de serem transferidos para outras pessoas) e, em decorrência disto, aplicáveis a um grande número de indivíduos.

De acordo com Noênio Spinola, "com o advento da padronização, os contratos futuros passaram a ser fungíveis ou intercambiáveis entre si." [43] Isso tudo para realçar sua circulabilidade, a possibilidade de mudança dos sujeitos contratantes e a sua liquidação financeira (e não física) como elementos de um intricado jogo do mercado do qual se pode valer especuladores e hedgers para alcance de seus objetivos.

Diante desse quadro, a compra e venda transacionada neste mercado possui uma característica muito marcante: aquele que vende, não necessita ter a mercadoria vendida no momento da formalização do contrato e nem ao menos entregá-la no vencimento deste. Por outro lado, o comprador não precisa disponibilizar-se dos seus recursos financeiros no momento da assinatura do contrato. Isto porque os contratos futuros podem, conforme dito, a livre critério, ser liquidados mediante troca de posições pelas partes envolvidas. A sua fungibilidade permite ao comprador que na data de vencimento de seu contrato assuma a posição de vendedor em outro contrato no mercado à vista, liquidando suas obrigações perante a Câmara de Compensação apenas pela diferença dos preços. Todo o relacionamento é feito diretamente entre comprador e a Bolsa de Futuros (através de suas corretoras), que assume o risco de adimplência das obrigações contraídas nos contratos por ela comercializados.

Em qualquer caso, a saída do mercado de um dos participantes não implica na saída do outro, pois a bolsa e a respectiva Clearing House é a contraparte central dos negócios. Assim, qualquer um dos dois personagens tem total liberdade para rever e modificar sua estratégia de acordo com o cenário, "hedgeando" (se protegendo) ou especulando, sem prejuízo da outra parte ainda interessada em manter o negócio.

Por tudo isso é que o contrato futuro circula, à moda da cessão do contrato estampada anteriormente. Até porque no caso em apreço estão presentes os dois principais requisitos ali exigidos, senão: um contrato bilateral com prestações recíprocas e o consentimento do cedido, que é previamente concretizado quando este já entra no jogo da proteção versus especulação do contrato futuro. A garantia, pelo cedente, da

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existência da sua posição no contrato, no mercado futuro é transparentemente aberta a todos, de modo que quando o cessionário assume a posição daquele já o sabe das condições em que se achará, a depender do seu objetivo de se precaver ou não de riscos. E, transferido o contrato, o cedente exonera-se de qualquer obrigação com o contrato futuro original, inclusive a respeito dos ajustes diários e das margens de garantia.

Não se origina na cessão da posição contratual uma nova relação jurídica, mas apenas ocorre a substituição de um dos sujeitos no contrato bilateral. Neste norte, o contrato futuro, padronizado e garantido pela Câmara intermediadora, perfeitamente torna-se passível de circulação e, conseqüentemente, de ter o vínculo bilateral cedido, ou, transferido entre os agentes econômicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto da atual globalização econômico-financeira, o Estado não mais se coloca em posição de chefe-regulador de todas as negociações. É como se o mercado roubasse o espaço e ditasse as regras do jogo, em prol de uma maior mobilidade negocial, limitando-se os gabinetes legislativos a atuar apenas onde a complexidade da barganha de valores o permite, e regulando somente o mínimo necessário ao bom andamento da partida.

São tempos onde a velocidade das informações e a afirmação do capital como motor das negociações intersubjetivas mostram-se muito fortes, levando o contrato, como instrumento garantidor das pactuações, a adquirir um papel de extrema importância. Conforme ressalta Eros Grau, vivencia-se uma nova revolução industrial, onde o cotidiano molda-se pelas mudanças acarretadas por essa nova revolução.

In casu, o contrato futuro delineado representa mais uma resposta dessa chamada "era da financeirização" ao Estado. Isso porque, embasado na sugestão de Irineu Strenger, ao explicar que os contratos internacionais do comércio "não são uma especialização do direito, mas uma profissionalização das atividades comerciais" [44], deve-se seguir o mesmo entendimento no mercado financeiro objeto desse estudo. Conseqüentemente, o mercado dá conta de fazer valer as suas vezes, criando instrumentos que, a despeito de sua importância no contexto de barganha de bens e valores, ainda prescindem de uma investigação jurídica mais ampla.

Em sede específica, embora a legislação brasileira não tenha ainda disciplinado com pormenor o instituto da cessão do contrato, o mercado futuro de Bolsas preenche essa

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lacuna, edificando-se como um nicho de confluência de interesses, organizado e autoregulado, que suscita a ordem de que a dinamicidade mercadológica e a internacionalização de suas tratativas e contratações é um tema que o Direito não pode se furtar a resolver.

Desta feita, com esta prerrogativa os regulamentos das Bolsas de futuros vêm consolidando os contratos futuros como uma unidade indissociável em relação aos direitos e obrigações que os mesmos incorporam. Como são padronizados e contam com a segurança de instituições anguladoras das negociações, os contratos futuros podem ser trocados entre si, podendo, em outras palavras, serem fungíveis ou intercambiáveis entre si.

Nesse cenário, ainda com fundamento na máxima de que o mercado tem poderes para se apressar em formular técnicas que viabilizem a facilitação do alcance de seu objetivo, o contrato futuro circula, até que se perfeccione a sua respectiva liquidação. A cessão da posição contratual, conseqüentemente, tem especial destaque.

O contrato futuro impõe-se, então, como uma realidade econômica à frente dos dogmas jurídicos da completude e da certeza, a tal ponto de o mercado de Bolsas brasileiro coadunar-se com a experiência estrangeira, a despeito da inércia jurídico-estatal. Resta lembrar, portanto, de que se está diante de um novo mecanismo técnico do Direito, criado, como todo o sistema jurídico, da práxis econômico-social.

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[1] Esses doutrinadores afirmam não haver grandes novidades nos fenômenos da globalização financeira, a tal ponto de classificarem tais transformações como recorrentes na história do capitalismo, que, segundo os mesmos, sempre operou dessa forma e a globalização financeira não passa de um mito.

[2] HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1994.

[3] CORAZZA, Gentil. Globalização financeira - a utopia do mercado e a re-invenção da política. Economia - Ensaios, Universidade federal de Uberlândia, Uberlândia, v. 19, n. 02, p. 125-140, 2005, p. 125. Disponível em: <http://www.anpec.org.br/encontro2003/artigos/A24.pdf> Acesso em: 17 out. 2008.

[4] FEITOSA, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer. Paradigmas inconclusos: os contratos entre a autonomia privada, a regulação estatal e a globalização dos mercados. Coimbra: Coimbra, 2007, p. 324.

[5] Idem, ibidem. p. 331.

[6] Idem, ibidem.

[7] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 65.

[8] CABRAL, Antonio da Silva. Cessão de Contratos. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 17.

[9] MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. v.1. Milano: Giuffrè, 1973, p. 378.

[10] Idem, ibidem.

[11] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. III. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 7.

[12] A relação obrigacional envolve um conjunto de créditos, direitos acessórios e potestativos etc., que surge conquanto a sua base fática, o contrato, se perfeccione. Ela é, pois, aquela que se estabelece entre credor e devedor da obrigação nascida com a realização do fato previsto na hipótese legal como capaz de gerar o vínculo ligando esses dois pólos de sujeição. Na teoria clássica o vínculo era apenas pessoal entre credor e devedor, estando esse passível de sofrer execução sobre sua própria pessoa; na teoria patrimonialista, consideravam-se apenas os bens do devedor como garantia do cumprimento da obrigação; na teoria moderna, por sua vez, a relação obrigacional constitui numa atividade pessoal, passível de ter o patrimônio como garantia de responsabilidade, mas que, podendo ter a troca da pessoa do devedor, possibilita também a substituição dos patrimônios, sem que a identidade da obrigação sofra com isso.

[13] MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Cessão da posição contratual. Coimbra: Atlântida, 1970, p. 67.

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[14] GARCIA AMIGO, M. La cesion de contratos en el derecho español. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1964, p. 33-34.

[15] Op. cit., p. 100.

[16] Op. cit., p. 67.

[17] Por isso, este estudo utilizará tais expressões indistintamente.

[18] Op. cit., p. 70.

[19] Do ponto de vista da natureza jurídica, com base na teoria unitária considera-se não a transferência singular de créditos e de dívidas, mas oferece-se uma transferência integral de elementos ativos e passivos de contrato. Para os partidários dessa teoria, exatamente porque a relação contratual é um complexo de direitos e deveres. transmitem-se não apenas os débitos e créditos, mas uma posição contratual como uma realidade, transferindo-se, em suma, um quadro unitário de relações formado por créditos, débitos, direitos potestativos, exceções, encargos, faculdades etc. Em sentido contraposto, a teoria atomística se apóia no pensamento de que um contrato envolve, ao mesmo tempo, créditos e débitos, de modo que os institutos da cessão de créditos e da assunção de dívidas, embora objetivem fenômenos diversos, juntos conseguem o mesmo efeito da cessão da posição contratual. Por último, a teoria intermediária busca conciliar as duas teorias supramencionadas, enxergando na cessão de contratos um negócio jurídico complexo resultante de uma cessão de créditos e de uma assunção de dívidas.

[20] Op. cit., p. 2.

[21] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de direito privado. v. 23. Rio de Janeiro: Borsoi, 1957, p. 416.

[22] Cf. Antonio da Silva Cabral, op. cit., p. 226-227.

[23] Op. cit., p. 132.

[24] RODRIGUES, Sílvio. LIMONGI, França R. (Coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito. v. 14. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 185.

[25] Op. cit., p. 157-161.

[26] Apud Antonio da Silva Cabral, op. cit., p. 171-209.

[27] IL CODICE CIVILE ITALIANO. Art. 1.406 - Ciascuna parte può sostituire a se un terzo nei rapporti derivanti da un contratto con prestazioni corrispettive, se queste non sono state ancora eseguite, purché l'altra parte vi consenta.

[28] Op. cit., p. 137.

[29] RODRIGUES, Sílvio. Tratado de direito civil. v. II. São Paulo: Max Limonad, 1967, p. 379.

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[30] No contrato a termo de Bolsas, o acordo é celebrado diretamente entre as partes, que assumem o compromisso de compra e venda de quantidade e qualidade de determinados ativos reais (mercadoria) e devem honrar a liquidação do contrato no vencimento especificado, não havendo, entre outras coisas, agentes intervenientes na contratação nem ajustes diários dos ativos financeiros transacionados.

[31] Esse fato tem contornos recentes, ocorrido a partir de 2007 e relacionado à desmutualização das Bolsas, que consiste na transformação de uma Pessoa Jurídica sem fins lucrativos em uma sociedade empresária, com interesses comerciais e que, portanto, busca lucros para distribuí-los entre seus sócios.

[32] Comumente, para fins de classificar as Bolsas com base no seu objeto transacionado, elas são vistas de três tipos: as de valores, as de mercadorias e as de futuro. As primeiras correspondem àquelas em que são negociados títulos e contratos correspondentes a títulos de empresas de capital aberto; as segundas são as chamadas Bolsas de commodities, ou seja, de matérias-primas ou mercadorias agrícolas ou minerais, que ainda não têm passado por um processo industrialização; por último, nas Bolsas de futuros vemos as contratações dos chamados contratos de derivativos, representativos de ativos atrelados a outros ativos do mercado à vista, dos quais resultam seus preços.

[33] COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. O que é bolsa de valores. Disponível em: <http://www.portaldoinvestidor.gov.br/academico/entendendoomercadodevaloresmobiliarios/oqueebolsadevalores/tabid/92/default.aspx>. Acesso em: 17 dez. 2008.

[34] Cf. FAHRI, Maryse. O futuro no presente: um estudo dos mercados de derivativos financeiros. Tese (Doutorado em Economia). Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.

[35] Ao invés disso, apenas um depósito de margem é requerido. Dessa forma, o investidor pode aplicar a diferença de dinheiro entre o que desembolsaria se comprasse a ação a vista e o que efetivamente desembolsou para constituir as garantias exigidas por sua atuação no mercado futuro de Ações e ainda aplicar em ativos de menor risco, aumentando assim sua rentabilidade.

[36] Cf. Marcos Paulo de Almeida Sales. O contrato futuro. São Paulo: Cultura, 2000, p. 63.

[37] Op. cit., p. 65.

[38] Aliás, como se verá mais adiante, tal qualidade só pode ser conferida em decorrência da padronização dos contratos do mercado de futuros quanto à qualidade, dimensão e liquidação, o que o torna idêntico e intercambiável com todos os demais contratos que visem à comercialização do mesmo bem ou ativo financeiro. Referida padronização confere à parte contratante a possibilidade de liquidação de contratos mediante compensação, através da assunção em outro contrato de uma posição oposta, sendo que tal compensação será sempre realizada por intermédio das Clearing Houses.

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[39] Cf. SPINOLA, Noênio. O futuro do futuro. São Paulo: Futura, 1998, p. 65.

[40] SCHOUCHANA, Félix. Introdução aos mercados futuros e de opções agropecuários. São Paulo: Bolsa de Mercadorias e Futuros, 1997, p. 21.

[41] Op. cit., p. 81.

[42] Apud Marcos Paulo de Almeida Salles, op. cit. p. 93.

[43] Op. cit., p. 65.

[44] STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. 3. ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 41.


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