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O jornalismo digital no mercado global · 2019. 10. 26. · jornalismo digital impõe repensar o...

Date post: 01-Apr-2021
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* Agradeço a Juan Tresserras pela su- gestão de bibliografia. ** Jornalista, doutorando na Faculdade de Ciências da Comunicação – Univer- sidade Autônoma de Barcelona, como bolsista da Capes. O jornalismo digital no mercado global * As relações cidade-jornal na imprensa de massas e na imprensa personalizada Digital journalism in the global market The city-newspaper relationships in the mass press and the personalized press ELIAS MACHADO GONÇALVES ** brought to you by CORE View metadata, citation and similar papers at core.ac.uk provided by Portal da Universidade Metodista de São Paulo
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* Agradeço a Juan Tresserras pela su-gestão de bibliografia.** Jornalista, doutorando na Faculdadede Ciências da Comunicação – Univer-sidade Autônoma de Barcelona, comobolsista da Capes.

O jornalismo digitalno mercado global*

As relações cidade-jornal na imprensade massas e na imprensa personalizada

Digital journalism in the global marketThe city-newspaper relationships in the mass

press and the personalized press

ELIAS MACHADO GONÇALVES* *

brought to you by COREView metadata, citation and similar papers at core.ac.uk

provided by Portal da Universidade Metodista de São Paulo

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Resumo

O advento do fenômeno dojornalismo digital impõe

repensar o espaço dacidade como centro de

referência para a delimitaçãodo público nas organizações

jornalísticas. Com apersonalização da produção

da notícia, o global podeconviver com o local. O

artigo discute aspectosparticulares da rotinajornalística nas redes

telemáticas e buscacompreender asrepercussões da

globalização dosmercados na relação

cidade-jornal.

Palavras-chaves: jornalismodigital, globalização,

personalização.

Abstract

The advent of digitaljournalism makes itnecessary to rethink the cityas the reference center inthe delimitation of thepublic in the journalisticorganizations. With thepersonalization of the newsprodution, the global canlive with the local. Thearticle discusses particularaspects of the journalisticroutines in the telematicnetworks and searches tounderstand therepercussions ofglobalization of the marketson the city-newspaperrelationships.

Key words: Digitaljournalism, globalization,personalization.

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A idéia da civilização não se separava daimagem da cidade, de uma enorme cidade

Eça de Queiroz“A cidade e as Serras”

Desde seu nascimento, no século XVII, o jornalismo sempreteve uma vinculação estreita com a história das cidades. Naqueleperíodo, uma de suas principais funções era estabelecer umenlace comunicativo entre os entrepostos comerciais mais impor-tantes, garantindo aos banqueiros o conhecimento da realidadedos mercados nas cidades européias e asiáticas. Até aqui, o jor-nalismo se caracterizava como uma atividade elitizada e queexercia uma influência muito reduzida em nível de um espaçopúblico, ainda não constituído. Com a fundação do Estado-Nação,no século XVIII, se constrói a base para que o jornalismo seja umdos meios mais eficazes de configuração do território nacional.A partir da capital do Estado, o conjunto de jornais tinha a pre-ocupação de pôr em contato o cidadão dos centros mais distantescom as orientações oficiais. As questões de comércio, ainda quenão de todo esquecidas, são substituídas pelos desafios políticos.É o apogeu da imprensa doutrinária.

Em meados do século passado na França e na Grã-Bretanha, na Europa, e nos Estados Unidos, na América doNorte, a imprensa experimenta uma nova grande revolução.A expansão capitalista chega ao jornalismo, que se estrutura

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para pôr em marcha uma produção industrializada. Com umademarcação territorial até certo ponto consolidada, o jornalis-mo passa a preocupar-se com os assuntos locais, explorandoao máximo o sentimento de comunidade, como forma decontraponto ao isolamento individual, que começava a orientaras relações pessoais nos grandes centros urbanos. Dentro domarco de uma nova reestruturação do capitalismo, quase cemanos depois, com o aparecimento da rádio e da televisão, deum lado, e com a diferenciação do público nas grandesmetrópoles do século XX, de outro, o jornalismo opta pelaregionalização e pela fragmentação de seus produtos. O de-senvolvimento das áreas metropolitanas ao redor das capitaisestaduais ou de algumas das regiões determina o aparecimen-to de edições estaduais ou regionais. A imprensa nacional,para sobreviver, tem de reconhecer as demandas específicasdo público local.

Em finais do século XX, o desenvolvimento das chama-das autopistas da comunicação está obrigando a mudançassubstanciais nas organizações jornalísticas. Passadas as últimastrês décadas, a automatização, que em um primeiro momentotinha como objetivo central a redução dos custos de produ-ção, o aumento da produtividade e a desregulamentação pro-fissional, provocou o desaparecimento de funções como as delinotipista ou revisor, redefiniu as rotinas – abreviando ohorário de fechamento – e hábitos dos profissionais, atravésda incorporação dos jornalistas nas tarefas de apuração, trans-missão e edição. O advento do fenômeno do jornalismo di-gital impõe repensar o espaço da cidade como centro dereferência para a delimitação do público nas organizaçõesjornalísticas. Com a personalização da produção da notícia,mais que nunca, o global pode conviver com o local. A in-tenção deste trabalho, mais além de discutir aspectos particu-lares da rotina jornalística nas redes telemáticas, é compreen-der as repercussões da globalização dos mercados na relaçãocidade-jomal.

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1. A cidade como espaço-mundo do jornal de massas nofinal do século passado

O jornalismo necessita de um período de quase duzentosanos para configurar-se como uma atividade de massas. É so-mente em meados do século passado que, dentro do marco demudanças do sistema capitalista, são postas as condições paraque assuma sua função de elemento fundamental nas socieda-des complexas. Com a emergência da indústria, ocorre o au-mento da população nas principais cidades européias ou norte-americanas. O deslocamento das pessoas desde o campo paraa cidade cria um mercado potencial para o consumo das notí-cias acerca dos fatos de cada comunidade. Como atividadedoutrinária, que se restringia a fazer a defesa aberta de umadeterminada posição política, o jornalismo não mais tinhapossibilidades de satisfazer aos interesses de um conjunto depessoas, preocupadas em compreender o funcionamento deuma sociedade, que desconheciam em sua complexidade.1

Nessa reestruturação geral do jornalismo a cidade tem um papelpredominante.

Enquanto que o jornalismo em seus princípios ocupava amaior parte de suas edições com a transcrição de notas oudocumentos oficiais, em finais do século passado o jornalismodescobre a cidade como fonte das notícias.2 0 mundo públicodeixa de limitar-se aos assuntos do governo ou do comérciopara se referir a todo fato que, na visão dos jornalistas, tivesse

1 Em alguns países europeus, como Espanha, ou latino-americanos, como oBrasil, a atividade doutrinária da imprensa se manteve até os anos 20 desteséculo. Cf. Josep Lluís Mompart, A genesi de la pr emsa de masses a Catalunya(1912-1920) (Barcelona, Portic, 1994), p. 52 e Nélson Werneck Sodré, Históriada imprensa brasileira (São Paulo, Martins Fontes, 1987).2 Ainda que sempre estivera localizado nas cidades, somente na última metadedo século passado o jornalismo descobre a cidade como problema. Cf. DavidPaul Nord, ‘The Public Community – The Urbanization of Journalism in Chi-cago’. Journal of Urban Histor y , vol 11, nº 4 (Londres, Sage Publications,August 1985), p. 411-441.

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interesse coletivo no seio de uma comunidade. O desenvolvi-mento, nestes anos, das empresas jornalísticas, como hoje asconhecemos, advém, em grande parte, da percepção de quenas emergentes cidades metropolitanas havia uma necessidadede reativar o sentimento perdido de comunidade, provocadopelo abastamento nas relações pessoais. A comunicação oral,de carecer interpessoal e assistemática, foi substituída pelacomunicação jornalística, sistemática e especializada.

O conhecimento dos fatos, que possibilitava aos indivíduosa formação do sentido comum, não resultava mais somente dapresença pessoal como ocorria nos pequenos povoados, maspassava a depender da mediação de uma organização comuni-cativa e de um profissional específico. A progressiva mutaçãoda cidade, com um substancial crescimento em sua populaçãoe em seus serviços, corresponde a uma semelhante transforma-ção no jornalismo, que agrega novas funções, adota inovaçõestecnológicas e, acima de tudo, se constitui enquanto uma cadeiaindustrial de produção. Foi quando surgiram nas redações orepórter, que saía à rua para observar, investigar e relatar osfatos, e a entrevista, enquanto técnica para coleta de dados,antes de consagrar-se como um gênero jomalístico.3

Esta metamorfose da imprensa só foi possível porque acidade industrial aportava e/ou reclamava todo um conjunto deinfra-estruturas, como escolas, bibliotecas, cafés, restaurantes,teatros ou avenidas, sem as quais não haveria o solo fértil paragestionar a demanda por uma atividade jornalística massiva. Ojornalismo atuava como uma espécie de autoconsciência dacidade para a população, ao mesmo tempo que a cidade seoferecia como a fonte e a base para o funcionamento dos jor-nais. Nas grandes avenidas, invadidas pela multidão durantetodo o dia, em que densas e continuadas ondas de gente secruzavam pela frente das vitrines, residia o ambiente perfeito

3 Cf. Michael Schudson, ‘Question authority: a history of the news interviewin American Journalism, 1860-1930s’. Media, Culture & Society, vol. 16 (Londres,Sage, 1994), p. 565-587.

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para o aparecimento, de um lado, do cenário desde onde aimprensa podia nutrir-se dos assuntos para preencher suaspáginas e, de outro, do protótipo do homem-massa, aquele quetem a sensação de solo, por causa do amontoamento de pes-soas a seu redor e que aparecia como o leitor em potencial danascente imprensa popular de massas.4

A contabilização do tempo, através do ritmo industrial deprodução, como que uniformizava os hábitos pessoais e, oalvoroço das multidões de pasteleiros, carregadores de carvão,vendedores de canções, artesões e obreiros pelas ruas, anun-ciava a definitiva hegemonia da metrópole capitalista, o berçodo jornalismo de massas, em meados do século passado, emcidades como Londres, Paris, Chicago, Nova Iorque ou Berlim.Diante do aumento do desemprego e da falta de infra-estruturanas crescentes metrópoles em setores como saneamento, água,hospitais ou previdência, o jornalismo ocupou uma funçãofundamental na criação de um espírito de comunidade pública.

A principal diferença entre a imprensa de massas de meadosdo século passado e a denominada “penny prese”, ou imprensapopular de massas que surgiu em finais do século XIX, estava emque a última acreditava, ao contrário da primeira, que a modernaurbanização havia borrado a evidente distinção entre vida públicae privada. O privado deveria estar a serviço do público. O espíritode defesa incondicional de uma cidade baseada em regras comu-nitárias e nos princípios da livre empresa e do mais absoluto in-dividualismo, que identificou a primeira fase do jornalismo demassas, perde forças à medida que a vida na metrópole impõe anecessidade aos indivíduos da interdependência:

A moderna vida urbana, por sua natureza, borrou a distinção entreprivado e público. Questões privadas tornaram-se públicas e ao contrário[...] O peculiar terror da vida urbana era que recompensava o individu-

4 A modo de paráfrase, esta imagem recorre ao cenário da Londres em meadosdo século passado, retratada no magistral conto de Edgar Alan Poe, ‘Umhomem entre a multidão’, em Edgar Alan Poe, Nar raciones Extraordinárias(Barcelona, Editorial Optima, 1996), p. 224-228.

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alismo ao mesmo tempo que fazia o individualismo insustentável;erosionava a comunidade tradicional ao mesmo tempo que fazia a co-munidade tradicional mais necessária para a sobrevivência; distinguia ni-tidamente em alguns casos entre público e privado enquanto que bor-rava em outros.5

A aceitação de que a vida nas metrópoles não significavao fim da noção de comunidade, mas a transformação do con-ceito tradicional de comunidade, se apresentou como um doseixos centrais do jornalismo na passagem do século XIX parao XX. A substituição, ou ao menos a perda da hegemonia doscontatos interpessonais com o processo de urbanização, fez daidéia de comunidade muito mais uma expressão simbólica dainterdependência dos indivíduos do que uma relação diretaentre pessoas de um mesmo lugar geográfico. O predomínio daurbanização nas mais importantes capitais da Europa e Américado Norte cobrou uma reestruturação dos poderes na cidade,com uma organização formal e institucionalizada da imprensa.Na articulação da correspondência dos interesses privados comoa expressão da esfera pública, o jornalismo executou a duplafunção de assumir a defesa da cidade como o espaço da comu-nidade pública e de obrigar-se a voltar sua cobertura sobre osproblemas da cidade, como forma de garantir (a submisso nívelprogramático) os negócios privados às demandas públicas.

2. A fragmentação do público como estratégia de mercadonas metrópoles

Nos anos 60, quase cem anos depois do desenvolvimento daimprensa de massas, o jornalismo se confrontou com a consolida-ção técnica do rádio e da televisão, presentes na maioria das casas.A falta de uma sintonia com as mudanças generacionais distanciavaos jovens de um jornalismo que seguia preocupado em moldar asopiniões individuais diante de um público pouco afeito a uma

5 O principal represantante desta tendência nos Estados Unidos foi o DailyNews , de Chicago. Cf. Paul David Nord, ‘The Public Community’, p. 436.

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opinião homogênea. Com o descompasso entre o local e o nacio-nal, a cidade deixou, em muitos casos, de ocupar o centro daatenção dos jornais para se limitar a oferecer-se como lugar delocalização para publicações vinculadas a cadeias nacionais ou aoconsumo de jornais nacionais.

Em finais dos anos 60, a máxima pluralidade permitida pelaconcentração de meios, em muitos países, assinalava que a exis-tência dos jornais na cidade estava sendo condicionada pela divi-são dos mercados. A implantação do modelo de jornal monopolistaproduziu, com a exceção dos grandes centros urbanos estaduaisou metropolitanos, o quase desaparecimento de competição. Dadaa índole da produção em escala do jornal moderno, cada publica-ção passou a destinar-se a uma parcela específica do público,definida a partir de sua situação socioeconômica, e competia comas demais somente nas bordas de sua circulação.

No desenho da estratégia para superar uma fase, em quehavia perdido o monopólio massivo das noticias e da publici-dade, o jornal decide explorar a lógica das circunstânciasdemográficas e geográficas e sua estruturação interna. O au-mento dos custos do papel e da aquisição das plantas industri-ais fez com que houvesse diminuído o número de cidades queeram sedes de jornais, inclusive aqueles de caráter monopolista.Dos sete mil lugares urbanos dos Estados Unidos somente umaquarta parte era sede de publicações jornalísticas.6 A cidade queemergiu como espaço e fonte do jornalismo no século XIXpassou, na grande maioria dos casos, a uma condição de mer-cado de consumo de um produto que vinha de fora, sem umavinculação direta com a comunidade pública local.7

6 Anthony Smith, Goodbye Gutember g . La revolución del periodismo electronico(Barcelona, Gustavo Gilli, 1983), p. 88.7 No começo dos anos 70, Daniel Morgaine observava que na França a im-prensa era antes de tudo um fenômeno parisiense. Originalmente, a imprensaregional trazia notícias de almanaque ou recompilava acontecimentos políticose fatos extraordinários, receitas e lendas, muito distinta da imprensa de Paris.

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A falta de legitimidade do jornalismo de cadeia ou a baixaaceitação dos diários nacionais em comunidades com umaantiga tradição de uma imprensa local, que estreitava as rela-ções pessoais, construindo uma esfera simbólica interdepen-dente, forçou o jornalismo a refazer seus projetos de desen-volvimento. O novo modelo pretendia, por um lado, aproveitarao máximo a produção em escala da notícia e, por outro, as-similar a demanda local como uma parte fundamental para avenda do regional ou nacional. Com a modernização dos par-ques de impressão e das rotinas produtivas, o jornalismo diver-sificou sua oferta noticiosa, criando edições de bairros, metro-politanas ou regionais. O processo de ampliação da oferta denotícias locais decorreu tanto da reconfiguração do campocomunicacional, com a supremacia dos meios eletrônicos,quanto das mutações sofridas cidades nos últimos cinqüentaanos. A ampliação dos centros urbanos regionais ou metropo-litanos permitiu o aparecimento das rádios e televisões locais.

Com esta redistribuição do mercado, os jornais de cortenacionais ou metropolitanos foram obrigados, como uma ma-neira de manter ou atrair assinantes, a acrescentar a seus con-teúdos notas e ar tigos sobre as temáticas próximas a seus lei-tores.8 A estratégia se beneficiou da incorporação ao fluxo deprodução da notícia das novas tecnologias, com a massificação

Esta origem parisiense da imprensa diária influiu sempre profundamente naconcepção mesma dos jornais. Ainda nos anos 70 deste século, o diário cha-mado nacional era, na realidade, um diário de Paris. Esta característica favo-receu inclusive o surgimento de uma imprensa regional, cujo êxito remonta-se ao final do século passado. Ver Daniel Morgaine, Diez años para sobrevivir– El diário de masas de los años 80 (Madrid, Companhia Editora Nacional,1972), p. 73-74.8 Em seu clássico Diez años para sovivir la pr ensa o jornalista francês , DanielMorgaine advertia em 1972 que a vocação definitiva do diário de massas dosanos 80 era efetivamente o mercado nacional, incorporando as demandaspelas notícias específicas dos centros urbanos regionais. Em Daniel Morgaine,Diez años para sobrevivir, p. 90.

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dos computadores nas redações e das técnicas de transmissãode dados, estimulando a impressão descentralizada das edições.9

Para as organizações jornalísticas, a colocação em marcha, entreas décadas de 70 até 80, do plano de ocupação do espaço localsignificou, ao menos, três vantagens em relação à política dascadeias ou de distribuição dos diários nacionais.

Com a chegada das edições estaduais ou regionais aumen-tou a possibilidade de captar leitores em cada uma das comuni-dades, abriu uma complementação de ingressos em publicidadee otimizou a utilização das plantas de impressão. A decisãomaterializava ao mesmo tempo uma conquista de mercado, umlucro político ao atender a uma demanda das distintas comuni-dades abrangidas pelo jornal e uma fórmula eficiente para assi-milar os crescentes custos da atualização tecnológica da indústriada comunicação. O significado da mudança de estratégia para aindústria jornalística se mostra mais evidente caso se considereque, desde os anos 70, a maioria das quotas de publicidadearrecadadas pelos jornais – cerca 60% – procede dos comérciosminoristas, de nível local, enquanto que o percentual dos anún-cios nacionais não supera aos 15%. A publicidade classificadarepresenta um quarto do volume total de ingressos. Entre 1960e 1970, a publicidade nacional descendeu de 21% para 15%,enquanto que a local passou de 79% para 85%.

A adoção de modos de produção que incluem cada vezmais o jornal na vida cotidiana dos leitores, mapeando suacobertura zona por zona, é também uma das conseqüências dacrescente dependência da indústria jornalística dos ingressospublicitários locais para sua sobrevivência. O principal proble-ma dos jornais – nacionais, regionais ou municipais – em seu

9 El País acrescenta uma edição diferenciada como encarte da edição nacionalna Catalunha desde 1982. Hoje os principais jornais de Madrid como El Mundoe ABC são editados como encartes regionais. Em países da América Latina,como Brasil, alguns jornais como Diário Catarinense, do Grupo Brasil Sul,fundado em 1986, nasce com edições regionais, com suas redações interligadaspor meio dos terminais de computador.

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objetivo de captar a publicidade local, através de suas ediçõesBonificadas, decorre justo do falto de que a televisão é o meioque mais se encaixa no cenário comunicativo das grandesmegalópoles.10

La onda de la TV se expande desde un punto central y llega a un grancirculo de publico, en subúrbios y en pueblos distantes, tratando a todospor igual, borrando las diferencias históricas sutiles que antes podiahaber entre una comunidad y su vecina [...] La programación de TV estáhecha para que resulte adecuada a un apropiado denonominador co-mum del Busto del zona donde llega...’ .11

A relação que o jornal de massas mantinha com os nas-centes centros urbanos, em finais do século XIX, é muito similaràquela que ocupa hoje a TV nas megalópoles. A declinação douso dos meios de transporte massivos, como trens, metrôs eônibus, substituídos pelo aumento do uso do automóvel12 pri-vado, provocou a redução de antigos hábitos como a leitura dojornal a caminho do trabalho ou no momento de volta a casa.Com a dificuldade de organizar a distribuição em cidades sub-metidas a constantes engarrafamentos de tráfego nas tardes ede antecipar as notícias dos telejornais noturnos, uma das maissubstantivas transformações da indústria jornalística foi a quase

10 Entre as grandes vantagens da TV está a instataneidade de transmissão,garantindo um conhecimento imediato dos fatos aos distintos públicos. Aespecialização da TV, com a chegada do cabo, possibilitou a ampliação destaoferta noticiosa em todas as instâncias, desde o nível local até o mundial, atra-vés de cadeias como a norte-americana CNN. Cf. Lucia Newman, ‘O impactanteen vivo’, El País, 12 abr. 1997, p.12. Na Catalunha, nos últimos 17 anos, onúmero de cadeias locais de TV chega a cem. Cf. ‘Televions de fet – Ciencadenes demanet la legalitzaió despres de 17 ans de vida incerta’. El Quaderni.El País Cataluña , 10 abr. 1997, p. 1-3.11 Anthony Smith, Goodbye Gutember g, p. 99.12 Nos Estados Unidos em 1980, 87% de todas as viagens ao trabalho fizeram-se de carro, comparando-se com 69,5% em 1960. Em Manuel Castells, Laciudad informacional – Tecnologias de la información, r eestructuracióneconomica y el pr oceso urbano-regional (Madri, Alianza, 1995), p. 229-30.

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desaparição das edições vespertinas. A aposta da indústriajornalística pelos matutinos em vez dos vespertinos, que come-ça nos anos 70 até consolidar-se na década seguinte, é somenteuma das faces do planejamento dos editores para adaptar-se aospadrões das megalópoles. Diante de uma competição semcomparação da TV13 e da impossibilidade de maximizar osingressos com os mesmos produtos, a maneira encontrada pelojornal para sair da espécie de beco sem saída em que estava,em meados dos anos 80, foi reorientar outra vez sua produção– para se aproveitar e não se contrapor aos modos de sociabi-lidade das metrópoles.

O desafio consistia em acrescentar valor ao produto ofe-recido, com a criação de suplementos dominicais e cadernosdiários, por um lado, e redefinir o mercado, editando jornaisespecíficos para cada uma das faixas de público, por outro.Com o mesmo capital investido – uma vez que a infra-estru-tura para impressão e distribuição era a mesma – a empresajornalística passa a fazer chegar aos mesmos pontos um nú-mero maior de produtos. Da especialização de público, queé uma das características do cidadão da metrópole que pre-judicava o jornal generalista, a organização jornalística apro-veita as suas vantagens para potenciar seus ingressos. Depoisde repartir o mercado em distintas faixas, a última fórmulautilizada para fazer frente a diversificação dos costumes dapopulação foi a entrega de fascículos. De igual modo que naetapa anterior, a opção pelos fascículos não supõe aumentode investimentos em infra-estrutura, mas sim uma mais-valiada base em operação. Com a entrega de fascículos, ademaisdo aumento da circulação, o jornal cria outros produtos, in-clusive com a criação de empresas especializadas do mesmo

13 A degradação dos ingressos da imprensa escrita diante da TV foi uma dascausas da recente greve dos trabalhadores de parques gráficos franceses queimpediu a impressão dos diários franceses. Cf. Octavio Marti, ‘Una Huelga detalleres deja Francia sin la mayoria de los diários’. El País (11 abr.1997), p. 41.

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grupo para a sua comercialização e espaços alternativos paraa venda de publicidade.14

A distribuição dos fascículos é outro caso de assimilaçãodas mudanças na vida individual nas grandes cidades.15 Amaioria do material entregue atende a demandas concretas dopúblico dos centros metropolitanos: guias para ensino de com-putador, para cozinhar ou de viagem. O jornal volta a aprendercom exemplos do passado, priorizando os serviços como fez oeditor norte-americano Melville Stone, com o Daily News, nofinal do século XIX. Com a diferença que Stone trouxe as ori-entações para o campo da cobertura jornalística e que a moder-na empresa jornalística do século XX a apresenta como umproduto integrado, suplementar ao conteúdo do jornal. Apesarde todas estas tentativas, o movimento de baixa na circulaçãototal dos diários permanece constante, em países como EstadosUnidos desde 198916 e recentemente obrigou os editores aprojetar outras campanhas promocionais para se enfrentar acompetição da televisão por cabo e dos diários digitais.17

14 Na Espanha, El Periódico da Catalunha costuma vender a preços reduzidosaos finais de semana anexado ao jornal livros editados pelas Ediciones B,pertencente ao Grupo Zeta, proprietário do El Periódico . A medida apresentadacomo uma entrega ao público de produtos agregados representa uma impor-tante fonte adicional de vendas para o grupo editorial como um todo. É atípica economia em rede em que a lucratividade de uma empresa depende dasrelações que mantém com as demais.15 Cf. Elias Machado Gonçalves, ‘O ocaso da notícia no jornalismo contem-porâneo’. Comunicação apresentada ao Congresso da Intercom, Vitória, EspíritoSanto, 1994.16 No período de fevereiro a novembro de 1996 houve uma perda de leitores emtrês dos seis principais jornais espanhóis. Ver: ‘El País sigue en cabeza y Cataluñacrece en la prensa de información general’. El País (12 dic. 1996), p. 35.17 Uma agressiva campanha publicitária com técnicas de venda próprias decereais e sabões permitiu ao Los Angeles Times melhorar seus resultados em17 mil exemplares em seis meses. El The New York Times estudia probar lasventas por correo. Ver ‘La crisis obliga a los diários de EEUU a potenciarpromociones’. El País (13 dic. 1996), p. 40.

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3. Do Estado à aldeia global como área de abrangência dosjornais

Com o aparecimento das redes telemáticas e a progressivaparticipação dos diários no ambiente digital nos últimos cincoanos, de um lado, e o aumento do significado das cidades nadistribuição dos poderes políticos e econômicos,18 de outro, háuma necessidade de rediscussão da relação Estado-Nação-cida-des-diários. Antes da implantação do Estado Moderno comomodelo de organização política, presenciava uma descen-tralização dos poderes entre as principais cidades. Em umasociedade baseada nas relações familiares e interpessoais, atarefa de garantir um sentimento de unidade coletiva estavadestinada à família e à Igreja.

Diante da incapacidade destas instituições em seguirmantendo a homogenização social depois do aparecimento doEstado Moderno, a burguesia emergente, em meados do séculopassado, em plena revolução industrial, em países como França,recorreu a outras instituições como a escola ou o jornalismo19

para assegurar a coesão da nação, a nova formação socialnascente. A aceitação de um sistema centralizado, em todooposto ao caráter de gestão das cidades, onde a populaçãoparticipava diretamente das decisões ou ao menos estava pró-xima dos poderes político-administrativos, exigia a criação de

18 Ver Elias Machado Gonçalves, ‘O ocaso da notícia no jornalismo contem-porâneo’.19 Em 1870, a tiragem da imprensa dos estados era estimada em 300 mil exem-plares diários enquanto que a dos diários parisienses ultrapassava um milhão.O mais importante era que a imprensa dos estados era muito influenciadapelos principais títulos da capital como Le Temps , Le Figaro , Le Petit Parisien ,Le Journal ou Le Matin , sobretudo nas grandes cidades onde, graças aos trans-portes ferroviários, as edições chegavam em 24h após a sua partida de Paris.Ver Michel Matihen, La Presse Quotidienne Régionale (Paris, Presses Univer-sitares de France, 1983), p. 4.

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todo um aparato comunicacional,20 que estivesse capacitado aforjar uma opinião pública em uma sociedade complexa, geo-graficamente distanciada.

O jornalismo cumpriu uma função fundamental na recons-tituição do território, mediando as reações de resistência àcentralização e construindo um espaço simbólico comum entreo local e o nacional:

A imprensa tinha a função de formar uma consciênciaindividual de pertencimento a uma comunidade [...] Mais doque relatar a realidade o jornal devia reativar um conjunto deimagens sociais para permitir aos indivíduos o reconhecimentode un território geograficamente abstrato.21

A imprensa de massas representava, de uma certa maneira, uma manifes-tação da autoridade nacional, a instância que unificava o Estado-Nação.22

Quase cem anos depois, a crescente transformação por quepassa o capitalismo nas sociedades contemporâneas começa aquestionar o significado do território nos limites do Estado-Nação.Dos fatores clássicos empregados para definir a nação –homogeneidade étnica, um território, uma língua comum, umamemória coletiva, uma tradição comum, uma religião – parecerazoável perceber que um dos conceitos que mais impõe umaatualização é o de território, ao menos enquanto um espaçogeográfico contínuo. Em uma economia de mercados globa-lizados, o planejamento, a produção e o consumo alcançam uma

20 Em países como Espanha a participação da Igreja é majoritária no controledos jornais até princípios do século XX, quando mantinha propriedade de 70%da imprensa. Cf. Josep Lluís Mompart, A genesi de la pr emsa de masses aCatalunya (1912-1920) , p. 52.21 Cf. Isabelle Pallart. ‘De la production des territories’. Medias Pouvoirs , nº 16(Paris, 1989), p. 58-65.22 As funções da imprensa são distintas, dependendo dos países, em naçõescomo os Estados Unidos onde há uma força muito grande do poder local, areferência à comunidade política no jornalismo refletia mais as autoridadeslocais. Cf. Paul David Nord, ‘The Public Community’.

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escala mundial. O novo cenário, ao mesmo tempo que resultados avanços nas tecnologias da comunicação e da evoluçãoeconômica, força um redesenho do jornalismo, em que o marcode referência territorial do global substitui o nacional.

A descentralização espaço-temporal das redes comunica-tivas produziu uma redefinição na noção de territorialidade, queassumiu uma acepção de organização e produção de umamaterialidade simbólica compartida. O território como que sevai distanciando de sua acepção restringido à noção de espaçogeográfico, para assumir também um valor de mercado,construído em um movimento permanente pelas corporações decomunicação. Esta ampliação do antigo conceito de território,que inf lui sobre as organizações jornalísticas, nao significa queseja certo, como propõe Paillart, que mais que um lugar deunificação política do território, o jornal hoje se estrutura so-mente em função de ocupar um mercado.23 Até porque pareceque o discurso da nação ou do mundo como mercados é aforma atual de garantir a implantação de um projeto de unifi-cação tanto em nível nacional quanto mundial, em que o eco-nômico, mais que caminhar ao lado do político, é um instru-mento para sua consolidação.

Na etapa atual de reorganização geopolítica mundial nãose pode confundir a necessidade econômica de sublinhar oterritório (seja local, nacional ou global) como mercados, maisque nunca enfatizado jornalisticamente, com o fim mesmo doterritório enquanto espaço geográfico contínuo.24 Tanto para a

23 Cf. Isabelle Pallart. ‘De la production des territories’, p. 64.24 A eclosão de movimentos nacionais ou a falta de consenso nos processosde unificação como a comunidade européia sugerem que a mundialização dasrelações econômicas distante está de converter-se em sinônimo de extensãodos territórios nacionais. Nas últimas eleições britânicas uma das principaislinhas de ação do primeiro ministro John Major era defender uma não incor-poração do Reino Unido à Comunidade Européia. Cf. Lola Galan, ‘El candidatoconservador vaticina que un gobierno laborista resultará más caro y rendiráa la Unión europea’. El País (Madrid, 30 de abril), p. 2.

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economia nacional do século passado como para o mercadoglobal de agora, o território como sinônimo de espaço geográ-fico continuo é fundamental. O que passa é que hoje a noçãodo território não se restringe a seus aspectos geográficos esta-belecidos pelos limites do Estado nacional.

Reconhecer que a desterritorialização não é o mesmo queo fim do território parece-me o primeiro passo para se compre-ender o espaço territorial como resultado de uma permanenteconstrução. Ao contrário do processo levado a cabo pelo jor-nalismo no século XIX, em que o nacional se definia comouma forma de contraposição ao local e sua afirmação pressu-punha um apagamento destas articulações, o global convive deforma plural com o local e o nacional:

O localismo é em grande parte uma reação do Estado nacional queperdia legitimidade e buscava explorar uma tendência política em ex-pansão para rehabilitar sua coerência, reconstituir-se oferecendo umnovo modelo de organização, mais autônomo e horizontal.25

O amplo predomínio do capitalismo na geopolítica mun-dial, depois da queda do muro de Berlim, consagrou comomodelo aquele do jornalismo enquanto negócio, tipificado naindústria jornalística inspirada nas empresas norte-americanas.Na busca da rentabilidade, um jornal não costuma colocarseus interesses políticos diante dos econômicos, ainda quemantenha uma determinada vinculação com certas tendênciaspolítico-ideológicas. Nem a posição de unidade nacional e lin-güística de El País é incompatível com a edição de “Qua-derni”, um suplemento em catalão, nem o diário nacionalistaVasco Egin vê-se impedido de tirar suas edições metade em

25 Isabelle Pallart. ‘De la production des territories’, p. 61-62. Em níveljornalístico, uma das estratégias da imprensa nacional é a de adquirir jornaislocais ou regionais, explorando seu patrimônio e seu prestígio. O Grupo espa-nhol Zeta administra ocho periodicos regionales. Ver José Luiz Rodrigues, ‘ElGrupo Zeta adquire o Diario de Cordoba’. El País (16 de mayo de 1997), p. 28.

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castelhano, metade em euskera. Os dois casos, em vez deborrar a noção de território – Espana para El País; EuskalHerria para Egin – mais bem, são maneiras distintas para suaconstituição, onde o desafio de ocupação do mercado, antesde suprimir o diverso, deve incorporá-lo como elemento es-sencial. A compreensão da atual geografia política passa porperceber-se que a globalização do mundo não impõe o fimdo Estado-Nação enquanto espaço geográfico, mas a sua subs-tituição, em parte, em nível das decisões políticas e/ou eco-nômicas pelos blocos econômicos como Nafta, ComunidadeEconômica Européia ou Mercosul e políticos como o Grupodos Sete ou Organização das Nações Unidas.

O fio da art iculação simbólica entre estas duas instân-cias de poderes é uma das ações básicas do jornalismo, queinstitui um quadro de referência comum para as pessoas. Aespecificidade da criação deste ambiente interpessoal imagi-nado decorre de sua base de abrangência. No século passadoa comunidade pública representava o estabelecimento de umespaço compartido pelos habitantes das grandes metrópoles,enquanto que hoje amplia seus horizontes até o mercadoglobal. Antes o desafio era atingir, por acima de tudo, o mer-cado local ou nacional. A formação da experiência acercados fatos de áreas geográf icas distanciadas aparecia comouma espécie de valor agregado e restringido aos profissio-nais ou viajantes. Agora, para os projetos dos gruposjornalísticos, o global é o mais estratégico, ainda que o localseja o ponto desde onde o jornal desenvolve suas táticas deintervenção no mercado mundial .

O problema consiste em compatibilizar um planejamentoorganizacional enquadrado no mercado global com uma deman-da crescente por conteúdos locais. A oposição nacional – globalparece pouco produtiva para elucidar a questão, uma vez queem nível da comunidade pública o espaço geográfico não seapresenta enquanto uma abstração conceitual, mas sim comoum espaço vivido, praticado:

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A distinção entre lugares e não-lugares passa pela oposição de lugarcom o espaço... Certeau não opõe os lugares aos espaços como oslugares aos não-lugares. O espaço, para ele, é um lugar praticado, umcruze de elementos em movimento.26

Na estruturação do Estado-Nação a centralização jurídico-institucional foi fundamental para que o indivíduo tivesse aexperiência do espaço nacional. O diário estreitava uma relaçãoque estava garantida no plano legal.

Como na reorganização da geopolítica mundial ainda faltamuito para se chegar até uma legislação comun consensual,27

a comunidade pública mundial segue sendo para a maioria dosindivíduos um não-lugar, um espaço desvinculado de sua vidacotidiana.28 Diante de um excesso de fatos e de uma supera-bundância espacial há uma tendência das pessoas a reagircomo se fossem o personagem Zé Fernandes, de Eça deQueiroz, que entre as últimas noticias dos diários de Londresou Paris e uma guia da cidade, opta pela segunda, que conti-nha os dados para um habitante das serras de Portugal planejarseus deslocamentos na metrópole parisina.29 É que uma dascaracterísticas centrais da cidade informacional materializada emmetrópoles, como Nova Iorque, Tóquio ou Londres, está emque sua lógica mescla uma interdependência entre esferas dis-

26 Para ampliar a noção de espaço como lugar praticado ver Marc Augé, Losno lugar es. Espacios del anonimato (2ª ed. Barcelona, Gedisa, 1996), p. 85.27 Ainda são constantes as sobreposições entre as normativas nacionais ecomunitárias. Veja-se os recentes desentendimentos em relação à normativaespanhola para a televisão digital ou a polêmica entre União Européia e Es-tados Unidos em torno da Lei Helms-Burton. Cf. Xavier Vidal-Folch, ‘Bruselasexpresa su desacuerdo com el Gobierno por la imposición de un solodescodificador’. El País (1º de mayo de 1997), p. 28.28 Entre as decisões da Cumbre Européia de Cidades e regiões está a quedefende a necessidade de aproximar a União Européia dos cidadãos. Ver ‘Lacumbre de Amsterdam pide acercar Europa al ciudadano’. El País (Cataluña,17 de mayo de 1997), p. 1.29 Cf. Eça de Queiroz, p. 28-29.

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tintas de relações, extraindo das contradições sociais as basespara a estruturação de sua economia, contrastando

el carácter cosmopolita de los nuevos productores informacionales allocalismo de los sectores segmentados de la fuerza de trabajoreestrucutrada.30

4. A hibridização entre o massivo e o personalizado nosjornais digitais

A divisão rígida entre cidade-campo que inquietava emfinais do século passado um típico habitante dos pequenospovoados, como o personagem da obra de Eça de Queiroz,mudou muito hoje, quando o princípio metropolitano da or-ganização industrial do território orienta as relações a nívelplanetário, ainda que com matizações, dependendo das carac-terísticas de cada lugar. A evidência de que há un desenvol-vimento desigual, com imensas regiões sem adequar-se aospadrões dos centros urbanos, não impede que se reconheçaque está em marcha um processo de implantação mundial deum tipo de civilização que se constitui de maneira contíguaem forma de uma extensa rede, relações distanciadas noespaço, telemediadas.

No ambiente de Telépolis,31 parece cada dia mais difícilque se repita a situação vivida por Zé Fernandes que, paraorientar-se na metrópole, teve de escolher entre um guia dasruas e os jornais. Com a hegemonia do teleurbanismo a funçãodas ruas tradicionais e dos guias não desaparece, mas desem-penha um papel complementar. Para os gregos, o centro dapólis era a praça, enquanto que na cidade moderna a vidaestava organizada na distinçao entre casa, trabalho e rua.

30 Ver Manuel Castells, La ciudad informacional, p. 321.31 Telépolis é um dos nomes com que se conceitualiza as cidades com suasestruturas baseadas nas tecnologias da comunicação. Ver Javier Echevarria,Telépolis (4ª ed. Barcelona, Destino, 1995), p. 30.

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Telépolis facilita a confusão dos três lugares, na ágora contem-porânea, o espaço contruído pelos meios de comunicação.32

O próprio conceito moderno de rua tende a perder suarelevância na constituição da experiência individual, aindaque, por enquanto, desde o guia telepolitano se divise somen-te uma pequena parte da cidade. As atividades de comunica-ção, ócio e de simbolização de espaço são, em muitos casos,substituídas pelo campo comunicacional. Para ir ao banco,fazer a feira, estudar ou conversar com os amigos, o cidadãonão necessita mais sair obrigatoriamente a rua como faziaantes. Com a ampliação de Telépolis, os meios de comunica-ção são como uma encruzilhada de ruas. A crescente utiliza-ção das redes telemáticas impõe substanciais transformaçõesna vida doméstica das pessoas:

Telépolis es una nueva forma de ciudad y no simplemente una aldeaglobal, porque ha modificado la estructura doméstica en las aldeas, enlas ciudades y en los pueblos, sin excluir de su dominio de influenciaa los viajeros e incluso a los nómades. El ambito que los seres huma-nos habian utilizado tradicionalmente para descansar, para estar tran-qüilos o para tumbarse en la cama ha pasado a ser el lugar principalde trabajo...33

Dentro do marco geral da reorganização da economiacapitalista, um sistema emergente de produção, consumo eregulação social está substituindo o clássico regime dofordismo. A produção em cadeia para o mercado de massasdá lugar a um sistema de produção híbrido, que planeja oritmo da produção a partir do consumo individual. 34 O novoestágio não significa uma ruptura radical com a sociedade in-dustrial, mas sim representa uma maneira distinta de cons-

32 Ibid., p. 54.33 Javier Echevarria, Telépolis, p. 186.34 Ver Gaëtan Tramblay, ‘La societat de la informació: del fordismealgatesisme’. Análise 19 (Bellaterra, Facultad de Ciências de La Comunicación,1996), p. 57-78.

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tituição da indústria. A mais-valia não se resume somente àexploração do trabalho na fábrica, uma vez que nas socie-dades telematizadas o tempo de ócio ganha contornos detempo de trabalho.35

O jornalismo digital, em sua fase atual, ainda não con-seguiu superar a transição entre os dois modelos. Diante deuma crescente demanda pessoal a produção segue estruturadapara o mercado de massas enquanto que o que particularizaaquilo que Tramblay chama gatesismo,36 a economia quesurge a partir das novas tecnologias vinculadas ao computa-dor, é justo sua capacidade de pensar a produção, de modocomplementar, para um mercado de massas e para um mer-cado pessoal. O atraso na adoção pelas empresas jornalísticasdas novas tecnologias da informação, o receio em aprofundaro processo que conduz a expansão dos jornais multimedia,com edições personalizadas e massificadas e uma obstinadatentativa de voltar seus investimentos para a indústria jorna-lística em papel, resultam de uma característica contraditória,inerente ao desenvolvimento tecnológico. A tecnologia digitalnasce como uma resposta a uma demanda de antigas empre-sas jornalísticas, interessadas em explorar ao máximo distintosmercados.37 O que passa é que, uma vez colocadas no mer-cado, são o elemento central a dilapidar as bases de proces-sos e formas das organizações precedentes. Além do mais, ocurto prazo de substituição de uma tecnologia pela outra faz

35 Javier Echevarria, Telépolis , p. 78.36 Ver Gaëtan Tramblay, ‘La societat de la informació’, p. 76.37 É esta crença de que os jornais em papel podem ter um futuro garantido,ao menos por uns 20 anos, que fez com que no ano passado 64 jornais en-comendassem novas rotativas: sete brasileiros; três em América Latina; 13norte-americanos; 24 na Europa; seis na Austrália; seis na Ásia e dois noOriente Médio. Ver Ali Khammel, Vida longa para os jornais impr essos. Con-ferência apresentada no III Congresso de Jornalistas de Língua Portuguesa.Lisboa, 21 a 24 de abril de 1997, p. 1.

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com que o tempo de sua exploração às vezes seja insuficientepara recuperar os investimentos.38

Ao esquecer-se da mutiplicidade de públicos de um jorna-lismo com abrangência global, a empresa jornalística produz, demaneira desnecessária, uma contraposição entre a experiência dolocal e do global. A maioria dos acessos às páginas dos jornaisdisponibilizados nas redes são de pessoas distanciadas de seuspaíses, antes impossibilitadas de conhecer as novidades de suanação.39 O fenômeno ocorre entre outros por dois fatores. Emprimeiro lugar, grande parte dos ornais digitais são transposiçõesdas edições em suporte papel, por definição centradas nos es-paços nacionais. Em segundo lugar, porque a diversificaçãocultural reforça a necessidade de uma identidade pessoal comun.Para os indivíduos socializados nos limites do Estado-Nação ocritério de atribuição da identidade ainda segue sendo baseadono lugar de nascimento ou no lugar de residência.40

A globalização de espaços domésticos, ao mesmo tempoque favorece à pluralidade cultural e faz com que na sociabi-lidade contemporânea os laços de pertencimento sejam maisdifusos,41 aumenta a tendência do indivíduo a buscar uma iden-

38 A implantação da Plataforma digital na Espanha exige um investimento de128 milhões de pesetas, cerca de R$80 milhões. No caso de que a exploraçãodo serviço seja feita em forma de monopólio – o que é pouco provável emum mercado regido pela legislação de Televisão sem fronteiras da ComunidadeEconômica Européia – o equilíbrio entre ingressos e gastos somente seriaalcançado no quarto ano de funcionamento. Joaquin Prieto, ‘Dos espresasdigitales son viables’. El País (7 de febrero de 1997), p. 35.39 Só 45% dos visitantes das páginas de El País são internautas espanhóis. Cf.Mariló Ruiz Elvira, ‘El País Digital – Un regalo de cumpleaños’. Especial Simo,El País (5 de noviembre de 1996), p. 50.40 Ver Javier Echevarria, Telépolis, p. 149.

41 A rápida expansão das redes digitais está modificando nossas formas depensar, nossa sexualidade, nossas comunidades e multiplicando nossas iden-tidades. Ver Sherry Turkle, Life on the screen. Identity in the Age the Inter net(Londres, Phoenix, 1996), p. 9.

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tidade coletiva que o diferencie dos demais.42 O contato fisico,mediado pela família ou amigos íntimos, não desaparece, masconvive com mediações simbólicas, onde a identidade resultanão de uma imposição do território ou de uma língua nacional,mas de uma adesão à comunidade pública, que pode situar-semuito distante em termos geográficos. É o duplo sentido doprocesso de mundialização que permite que a intenção dealguns periódicas digitais seja a de colocar-se como meio deunificação de uma identidade nacional perdida na aldeia global.Mais que alcançar um público massivo ou personalizar suaspublicações, El Diário Vasco , de San Sebastián, nasceu com oobjetivo de atingir aos bascos dispersos pelo mundo, calculados,somente na América do Sul, em 10 mil. Em suas edições empapel as noticias são específicas para cada uma das cidades daProvíncia de Guipúzcua, valorando sempre os assuntos locais.

Como quase não é acessada pelos habitantes da área deabrangência do diário impresso, a edição de El Diário Vascodigital é preparada de forma diferenciada, com a preocupaçãode cobrir não o local – as comarcas guipuzcuanas –, mas onacional, os sete estados de Euskal Herria, o espaço simbólicoda identidade vasca.43 Neste sentido, o processo de globalizaçãoda comunicação produz efeitos diretos no modo como se es-trutura o jormalismo nos espaços nacionais. Para a comunica-ção-nação o local era tudo aquilo que se loalizava nas cidades(estabelecendo uma hierarquia desde as capitais federais),enquanto que para a comunicação-mundo o local é o nacional.Ao longo da constituição da sociedade de comunicação de

42 A mundialização da economia, ao contrário do que defende o sociólogoVicente Verdu, não significa o fim das identidades nacionais ou as suas trans-formações em simples valores agregados nos processos econômicos, mas, aocontrário, um reforço das comunidades identitárias particulares. Cf. VicenteVerdu, ‘El fin de la identidad’. El País (1º de mayo de 1997), p. 26.43 Cf. Emy Armañanzas et alli, El Periodismo electronico (Barcelona, Ariel,1996), p. 152.

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massas,44 no século passado, o diário nacional, muitas vezes,era somente uma metáfora para os jornais editados nas capitaisdos países ou dos estados.

Com um pequeno conteúdo local – a maioria das notíciasvinculava-se às principais metrópoles urbanas –, o periodismodito nacional tinha, para os habitantes dos povoados distanci-ados, mais uma função política, de definição do território, queconhecimento de suas realidades. Ademais de uma opção porrepresentar os interesses do Estado-Nação, o principal impedi-mento para desenvolver uma tarefa jornalística de caráter na-cional advinha da precária infra-estrutura de transportes. Emalguns países, o atraso na chegada das edições dos jornais atodas as regiões possibilitava que se dissesse que até 1920 nãohavia qualquer diário de expressão nacional.45

5. O jornalismo digital e a unificação do espaço nacionalA expansão nas redes telemáticas repõe em outros

parâmetros a questão da unificação do território nacional.Agora, por vez primeira, se pode ter um jornal nacional, quechegue a todos seus assinantes ao mesmo tempo, independen-temente da cidade onde viva a pessoa. A superação, ao menosem tese, do obstáculo da distribuição, faz com que o espaçofísico que separava os habitantes de um mesmo país tenda adesaparecer através do ciberespaço. Como se fora somente porironias a unificação territorial pode, inclusive, dar-se através deemissões feitas desde fora do Estado Nacional. A grande mai-oria dos canais digitais em funcionamento nos países europeussão difundidos desde Luxemburgo.46 A tecnologia digital

44 Ver Josep Lluís Mompart, A genesi de la premsa de masses a Catalunya(1912 -1920 ) .45 Na Espanha, a média do tempo de distribuição variava entre 7 e 20h. Cf. JosepLluís Mompart, A genesi de la premsa de masses a Catalunya (1912-1920), p. 92.46 O sistema Astra emite para 22 países mais de 250 canais de televisão digital e64 canais analógicos, atingindo 67 milhões de casas. Luis Prados, ‘Luxemburgo– el quiosco digital de Europa’. El País (22 de marzo de 1997), p. 28.

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maximiza a possibilidade da leitura simultânea em lugares dis-tintos, uma característica que nascera com o livro impresso eque ficava prejudicada por causa das dificuldades de distribui-ção. Esta questão é de extrema importância porque, ainda quede modo correto seja sublinhada a característica global dasociedade digital, não se observa com a mesma intensidade apotencialidade que supõe para a unificação do território nacio-nal e para a reinserção dos estados nacionais ou nacionalidadesminoritárias em um mercado econômico mundial.47

No processo de desenvolvimento de uma imprensa nacionalde massas, impulsionado por uma burguesia nativa no séculopassado, o local se opunha ao nacional e a integração políticado território supunha um predomínio dos fatos da administraçãocentral sobre os fait-divers de cada comunidade, enquanto quena globalização da comunicação, desenvolvida pelas multina-cionais,48 se constituem as bases para uma imprensa de caráter

47 Entre os casos das políticas elaboradas a partir das facilidades proporcio-nadas pelo suporte digital destaca-se aquelas adotadas pelo Governo espanholou por algumas nacionalidades minoritárias – Catala, Vasca e Galega. O Bo-letim Oficial do Estado – BOE – foi a primeira publicação digital em linha emEspanha e agora chega a todos os povos às cinco da manhã. Antes haviaenormes dficuldades para o funcionamento da Justiça uma vez que a chegadado BOE em alguns lugares chegava com um atraso de até vários dias. Atravésda criação de canais específicos para o mercado estrangeiro, o Estado Naçãoou as nacionalidades minoritárias buscam explorar o novo suporte para ocuparespaço político a nível global. Esta política questiona a tese de que na eco-nomia das redes o componente político desaparece e que a comunicaçãoobedece somente a orientações de mercado. O canal compartido pelas auto-nomias de Catalunha, Galícia e Euskadi que emite para os Estados Unidosassim como o canal de TV Galícia dirigido a América Latina são deficitários esua razão de existência antes de economia é política. A crescente preocupaçãodo Estado francês com o avanço do inglês a nível mundial e sua intenção delançar um canal de TV para reduzir a perda de influência da língua galega, temevidente caráter político.48 Em nível internacional, com exceção do mercado japonês, a maioria domercado mundial de telecomunicações é dominado por três grandes alianças:Concert – faturamento de 58.300 milhões de dólares; Global One, faturamento

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nacional, que valorize a exploração do local. Nos últimos anos,um dos esforços da imprensa nacional foi a descentralização deseus parques de impressão, aproveitando as tecnologias de trans-missão de dados para insertar cadernos locais nas edições nacio-nais distribuídas nas regiões.49 Com a implantação de jornalismodigital, a aposta da imprensa de caráter nacional nas ediçõeshíbridas, para ser competitiva nos mercados locais, deve reduzir-se ou pelo menos ganhará outros contornos.

Ao poder retirar inúmeras distintas a preços muito redu-zidos é mais aconselhável a uma empresa jornalística nacionalque transforme seus distintos encartes locais em novas publi-cações. À diferença do jornal impresso que é o mesmo paratodos os leitores, ao menos nos aspectos gerais, o jornalismodigital possibilita uma produção personalizada. Com as vanta-gens de excluir a necessidade de impressão e distribuição, osuporte digital não somente individualiza a produção e o con-sumo da notícia como multiplica as opções de mercado para asempresas jornalísticas.50

de 92 milhões de dólares e Unisource, que conta com a participação da japo-nesa KDD, faturamento de 26.600 milhões. A maior empresa do mundo é ajaponesa NTT, com faturamento de 84.080 milhões de dólares. Entre as quinzemaiores empresas nove são norte-americanas, uma alemã, uma mista comcapitais norte-americanos e inglês, uma francesa, uma italiana e uma espanho-la. Pablo Fernandez, ‘El acuerdo abre mercados al grupo español y la de unamayor infraestructura tecnológica’. La Vanguardia (19 de abril de 1997), p. 61.49 El País, que editava então 10 edições distintas – nacional, Madrid, Catalunha,Comunidade Valenciana, Andaluzia, Galícia, Canárias, América e Europa, estreouno dia 29 de março a décima primeira edição, País Basco, com um caderno de16 páginas sobre assuntos locais. Ver ‘El País estrenará en el próximo jueves suedición del País Vasco’. El País (25 de mayo de 1997), p. 33.50 A previsão é de que somente no mercado norte-americano a inversão empublicidade chegue a cinco bilhões de dólares no ano 2.000. Na Europa ospaíses com maiores investimentos são Reino Unido, Alemanha e Países Baixos,com cifras valoradas hoje em milhão de dólares. Ver: ‘Investimento Publicitárioem Internet deverá atingir cinco mil milhões de dólares no ano 2.000’. Meios(Lisboa, Associação de Imprensa Não Diária de Portugal, fevereiro-março de1997), p. 16.

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Para a atual Telépolis televisiva, o indivíduo isolado nadaproduz, porque suas bases econômicas são dependentes de umsujeito coletivo e mostrai:

...Telépolis tiene sus fundaciones jurídicas (o ideológicas) en lo indivi-dual, mas no así sus bases econômicas, al menos por lo que al consumose refere....51

Na futura metrópole das redes telemáticas, ao contrário dascidades baseadas na comunicação analógica centralizada pormeio da televisão, o indivíduo terá uma função econômica fun-damental. O consumo que na cidade televisiva foi convertido emtempo mostrai – coletivo –, nas sociedades digitais depende dasdemandas pessoais para pôr em marcha o sistema produtivo.

Nas economias telemáticas a produção tende a respondersempre à demanda. Esta característica não determina o final daeconomia massiva, mas aponta para a abertura de novos mer-cados. Ademais do jornal generalista e massivo que pode vircom a publicidade, presenta-se a viabilidade para se criar osdiários personalizados. Para a empresa editora do jornal digital,o indivíduo passa a ocupar uma função central porque, com aintrodução do jornal por assinatura, cada assinante recebe umconjunto de notícias de acordo com suas preferências pessoais.

No jornalismo digital muda não somente a definição dosconteúdos como também a área de abrangência. Os dois sãoadequados aos gostos dos consumidores/produtores, que agorainterferem na edição e não mais dependem apenas da área deinfluência do jornal ou das intuições dos jornalistas acerca doque é mais importante para seu público:

...las condiciones de mercado de las nuevas tecnologias de lacomunicación, determinadas por la naturaleza procesual de suinformación, exigen un modelo de localización flexible, dispuesto simul-taneamente a llegar hasta el mercado mundial, a penetrar en un merca-

51 Javier Echevarria, Telépolis, p. 160-161.

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do regional específico o desarrollar una relación a la medida del cliente,localizada en un lugar determinado, de acuerdo con las cambiantescondiciones de un mercado en expansion...52

É justamente a flexibilidade das novas tecnologias da in-formação e seu potencial a aproximar a indústria do consumi-dor que, às vezes, induz a muitos equívocos. Não se deveesquecer que a tecnologia da informação é somente um dosinstrumentos utilizados pelo capital para reorganizar o sistemaprodutivo e que os resultados da automatização dependem doproduto elaborado e do tipo de gestão adotado pela indústria.O sonho de uma redistribuição espacial generalizada começa adistanciar-se diante das tendências da nova estrutura empresa-rial, baseada na liderança da grande empresa e na hierarquiaverticalizada. A falta de infra-estrutura em transportes e comu-nicações das pequenas comunidades, seu reduzido valor comomercado e dificuldades de acesso aos centros financeiros ou detomadas de decisão são razões mais que suficientes para se crerque haja uma forte reversão no quadro de localização dascorporações jornalísticas nas grandes metrópoles ou nos cen-tros regionais mais expressivos.53

O modelo de estrutura de gestão da indústria que está emdesenvolvimento sugere que não se está nem dando umadescentralização nem uma reconcentração generalizada. Muitasvezes, a predominância de extensas redes e conexões estraté-gicas compensa as vantagens de uma localização concreta:

52 Manuel Castells, La ciudad informacional, p. 158.53 Os mais significativos jornais digitais seguem o mesmo critério de localizaçãoe estão localizados nos principais centros urbanos e industriais como Califórnia,Nova Iorque, Londres, Barcelona, Madri, Tóquio, Buenos Aires ou São Paulo.Os países com mais pessoas conectadas às redes na Europa são Alemanha,com 24,5%; Reino Unido, com 20,1% e França, com 8,3%. O percentual espa-nhol representa somente 4% da EU. Cf. ‘Internet creció 300% en España’. ElPaís (27 de mayo de 1997), p. 32.

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Lo que es crucial es la relación entre los dos procesos. Por un lado,importa lo que está centralizado y lo que está descentralizado. La tomade decisiones a alto nível está cada vez más centralizada: la gestiónorganizativa está fundamentalmente descentralizada dentro de las áreasmetropolitanas principales; reparto del servício y la entrega de lainformación están esparcidas a lo largo del território. Por otro lado, lacaracterística fundamental de todos estos espacios es su nível deinterrelación por medias de los flujos comunicativos...54

No caso da indústria dos jornais digitais, a submissão desua implantação a um determinado tipo de operação das novastecnologias da informação produziu o paradoxo de um incre-mento da centralização. Apesar de que, a nível de tendênciageral, o suporte digital possibilitasse uma crescente descen-tralização das etapas de produção, vinculando sua localizaçãoespacial aos usuários, em sua etapa preliminar o jornalismodigital apresenta um modelo de produção que supera em cen-tralização aquele consolidado pelos diários em papel, editadosdesde as principais áreas metropolitanas. Enquanto para osjornais em formato papel a fórmula híbrida parece inques-tionável, como um meio de agilizar a distribuição e estreitar aaproximação com seus leitores,55 o jornal digital padrão obedecea uma única edição para todas as regiões e suas atividades sãocentradas na edição. O jornalismo digital, ao menos por agora,não apresenta uma rotina específica de produção da notícia,dependendo de material recolhido pelos outros meios.

Como o desenvolvimento das atuais tecnologias da infor-mação, ocorre, sob o signo da exploração privada, a tendênciaà sua exploração privada parece ainda mais acentuada. Enquan-to no século passado os transportes ferroviários foram indispen-sáveis para a formação dos mercados nacionais, sendo funda-mentais para a chegada dos jornais a todos os lugares dosestados, agora há o risco de que as autopistas da informação,

54 Ver Manuel Castells, La ciudad informacional, p. 246.55 Cf. ‘El País estrenará el próximo jueves su edición del País Vasco’, p. 33.

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que são o meio para a formação de uma sociedade mundial,fiquem restringidas apenas aos complexos urbanos maiscêntricos. O sistema nacional de transportes ferroviários foipossível porque, como se tratava de um serviço público, ogoverno estendia as linhas em todas as direções do território,independentemente de suas condições de lucratividade. Porsuposto que, um provedor privado, ao deter o poder para gerare explorar a tecnologia, tenderá a estabelecer uma hierarquiaespacial para o fornecimento dos serviços, escalonando-os deacordo com suas potencialidades enquanto mercados.

ConclusõesO nascimento e evolução do jornalismo sempre estiveram

vinculados às cidades. O jornal de massas e a produção indus-trial da notícia, em meados do século passado, foram resultadode um conjunto de mudanças por que passava a sociedadecapitalista. Por um lado, em uma cidade metropolitana em quecomeçava a predominar as relações mais impessoais e onde oindivíduo tendia a isolar-se, constituindo-se no protótipo dohomem-massa, o jornalismo representou uma função essencialao constituir uma tarefa fundamental na unificação do territórionacional, principalmente em estados centralistas como a França.

Com a enorme crise por que passava o capitalismo nos anos70 e a ampliação das cidades, ocorre uma crescente automatizaçãode todos os setores da sociedade. A imprensa, que se confrontavacom a crise do papel e uma forte competição dos meios eletrôni-cos – rádio e TV –, aproveita-se das novas tecnologias paramaximizar a produtividade, reestruturar suas rotinas industriais eestimular a desregulamentação de seus profissionais. O computa-dor, que chega aos departamentos de publicidade e administraçãoem finais dos anos 60, havia dominado todos os setores da cadeiade fabricação da notícia em meados dos anos 80.

A megalópoles consolidada na segunda metade destesécuIo obrigou o jornalismo a adaptar-se às mudanças de há-bitos de consumo de seus habitantes. Em resposta às diferenças

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de bairros ou cidades, a imprensa passa a editar publicaçõesespecíficas para os distintos públicos. A medida, mais além deuma busca de oferecer um jornal de acordo com as necessida-des de seus potenciais leitores, resultava de que então opercentual de ingressos de publicidade local representava umíndice fundamental para a sobrevivência dos diários. A fórmulaelaborada pelos diários para fazer frente a constante perda deleitores durante os anos 80 nos centros mais antigos, comoLondres, Nova Iorque ou Paris, foi a edição de produtos agre-gados aos jornais, como fascículos, livros, vidros, entre outros.

O processo de implantação das novas tecnologias de in-formação nos jornais, mais do que uma ação isolada das em-presas jornalísticas, estava enquadrado dentro do marco geralde reestruturaçao do sistema capitalista, que tinha como pontocentral o desenvolvimento de uma economia baseada noprocessamento da informação. Esta estratégia contou com oapoio dos governos das mais importantes economias mundiais,como Estados Unidos e Reino Unido, através da mudança naforma de intervenção estatal da sociedade. O Estado passoude uma função de redistribuição da riqueza a outra de estí-mulo à maximização do capital.

É no seio desta reorganização do sistema capitalista quenasce a cidade informacional, com uma sociedade múltipla ediversa, interligada em uma série de redes produtivas. A cidadeinformacional é o lugar onde emerge o jornal digital. A explo-ração sob o modelo de gestão dos conglomerados de comuni-cação reflete uma tendência à concentração e à centralizaçãoda produção da notícia. Este modelo está em contradição comas enormes potencialidades de personalização do suporte digi-tal. “La ciudad informacional es nuestra circunstância”, disseManuel Castells. Penso que as novas tecnologias da comunica-ção podem e poderão estimular modos distintos de sua apro-priação, onde a meta seja a plena democratização do saber eda cultura e que o paradigma técnico-econômico, baseado nainformação centralizada, não seja nosso inexorável destino.


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