Atraso e desempenho institucional ─ o que a antropologia de Roberto DaMatta tem a dizer sobre o capital social brasileiro
Backwardness and institutional performance – what does the anthropology of Roberto DaMatta has to say about brazilian social capital
Hélio Afonso de Aguilar Filho
Doutorando do Programa de Doutorado em Economia - UFRGSE-mail: [email protected]
RESUMO: O presente trabalho, reconhecendo a importância das instituições para a explicação dos fenômenos econômicos, estuda as limitações informais brasileiras, ou as questões relacionadas ao primeiro nível da chamada análise institucionalista. Destaca, particularmente, a importância e o papel do capital social na busca dos incentivos ao desenvolvimento econômico. Ressalta que, para este fim, é de suma importância que haja normas de conduta de caráter universal, em contraposição àquelas compartilhadas por grupos limitados, que se situam, por exemplo, na esfera da lealdade familiar e pessoal. Busca, portanto, a caracterização das instituições ou, mais especificamente, do capital social brasileiro, a partir da obra de um importante estudioso desta realidade, Roberto DaMatta. Com isto, pretende também melhor entender a formação social do Brasil, juntamente com os incentivos para melhorar sua performance econômica.
Palavras-chaves: Desenvolvimento econômico; cultura; instituições; personalismo; limitações informais; restrições formais; Roberto DaMatta.
ABSTRACT: This paper addresses concerns on the role of informal organizations and raises questions connected to the first level of institutional analysis to demonstrate the importance of institutions in explaining economic phenomena. The importance of social capital in the pursuit of incentives to economic development is also emphasized. A particular emphasizes is given to the need of universally driven rules to oppose interests shared only by specific groups, especially those situated in the domains of family and personal loyalty. Based on the work the Brazilian anthropologist Roberto DaMatta this paper seeks to characterize institutions and the specificities of Brazilian social capital development,. The ultimate goal is to improve existent understanding of Brazilian society formation coupled with incentives to improve economic performance.
Key words: Economic developement; culture; instituitions; personalism; informal limitations; formal restrictions; Roberto Damatta.
Agenda Social. Revista do PPGPS / UENF. Campos dos Goytacazes, v.2, n.3, out-dez / 2008, p.96-116, ISSN 1981-9862
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1. Introdução
Apesar da imprecisão e baixa delimitação do campo da análise institucional em economia, seu
uso tem sido crescente e tem ganhado cada vez mais espaço entre as publicações acadêmicas.
Os autores têm reconhecido a necessidade de incorporar às análises tradicionais questões
relativas aos direitos de propriedade, à estrutura de governança, além das particularidades
culturais e a história de cada região e país para explicar sua trajetória de crescimento de longo
prazo.
Dentro da ótica institucionalista, as instituições importam por oferecerem aos agentes
econômicos as estruturas de incentivos, sejam políticos, econômicos ou sociais, para as
interações humanas. Oliver Williamson (2000), um dos principais expoentes do chamado
novo institucionalismo, destaca quatro níveis de análise para o economista que pretenda
incorporar as instituições aos estudos econômicos. A primeira seria a do embeddedness 1, e
estaria relacionada à teoria social e aos estudos sobre os costumes e as limitações informais
em geral. A segunda seria a do ambiente institucional, dizendo respeito aos estudos dos
teóricos da política positiva e dos direitos de propriedade, ou seja, seriam basicamente as
regras formais do jogo. A terceira seria a da governança, estando a cabo dos teóricos dos
custos de transação com preocupação em descrever o comportamento dos jogadores em
disputa. No quarto nível, situar-se-ia a teoria neoclássica e os pesquisadores da teoria da
agência, cuja preocupação seria com questões relativas à alocação e ao emprego de recursos.
1 O termo foi apresentado nas ciências sociais inicialmente por Karl Polanyi em 1957, sendo usado como parte de seu ataque ao liberalismo e às abordagens mais generalistas orientadas pelo princípio do mercado. Mark Granovetter retomou-o em seu clássico artigo de 1985, Economic Action in Social Structure: a theory of embeddedness, dando-lhe grande difusão ao descrever a maneira como os componentes sociais deviam ser considerados nas ações econômicas. A partir de então, o termo tem sido usado no sentido de retirar a economia ortodoxa de seu confinamento mediante sua articulação com as demais ciências sociais e a incorporação discreta de algumas variáveis de índole não econômica. Aqui, o termo é usado dentro da perspectiva de Williamson, referindo-se aos valores, às normas informais e à cultura de uma determinada sociedade.
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Dos quatro níveis da abordagem institucional, Williamson (2000) reconhece que os estudos
sobre as instituições informais, além de incipientes, são os que mais requerem pesquisas. Em
geral, as limitações informais, ou normas de comportamento, surgem de forma espontânea e
apresentam resistência maior à mudança. Uma questão importante passa a ser, então, a de
identificar e explicar a forma como essas limitações surgem e são mantidas no tempo, o que
poderá ajudar a entender o porquê da resistência a mudança.
Os trabalhos sobre o chamado capital social estariam também no primeiro nível da análise
institucional. Assim, autores como Putnam (1997), North (1990) e Lipset-Lens (2002),
destacam, dentro das limitações informais, aquelas instituições que incentivam as associações
impessoais e a cooperação complexa, e que com isto provêem as sociedades dos mecanismos
de coordenação necessários ao bom andamento econômico. Esses autores destacam também
que as regras que compõem tais mecanismos de coordenação podem ser contraproducentes aos
ganhos de eficiência e podem, mesmo assim, persistir num sistema social em função da
tradição, da socialização e do ritual. Quando não, podem entrar em conflito com as regras
formais, acarretando importantes conseqüências na maneira como as economias mudam.
Busca-se reapresentar aqui o argumento de Roberto DaMatta a fim de explicitar como surgem
as normas de conduta socialmente derivadas e como se opera o processo de mudança
institucional no Brasil. Propõe-se estudar, mais especialmente, as questões que estão no
primeiro nível da análise institucionalista, e como se estruturam os incentivos para os agentes
e as organizações na busca dos seus objetivos, sabendo-se que as instituições neste nível
possuem forte influência na aceleração ou estagnação do desenvolvimento econômico, se
fundadas em princípios universalistas ou personalistas. Isto porque elas podem incentivar ou
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não a redução dos custos de transação, gerando ou minando a confiança necessária às
inovações tecnológicas, além de garantir ou não a qualidade das políticas públicas 2.
O presente artigo está dividido em quatro seções contando com esta introdução. Na segunda
seção apresenta-se a discussão sobre a importância das instituições para o desempenho
econômico, abordando o papel das limitações informais, principalmente do capital social, e
sua relação com as instituições formais. Na terceira seção, de acordo com o pensamento de
DaMatta, analisa-se o comportamento das instituições brasileiras e o tipo de capital social que
daí deriva. Na quarta seção, concluí-se o trabalho.
2. Desempenho Institucional e Capital Social
Em economia, a percepção recente é que as variáveis econômicas, quando consideradas
isoladamente, são insuficientes para explicarem o fenômeno do desenvolvimento econômico.
Neste sentido, encontram-se trabalhos enfatizando o papel e a importância das instituições na
explicação do desempenho diferencial entre as nações e regiões ao longo do tempo. As
instituições e o sistema social seriam elementos-chave na busca de incentivos às atividades
produtivas e na resolução do problema do acesso e distribuição dos recursos produzidos.
2 O exemplo pode ser extraído da obra de Douglass North (1990, p.151) sobre o ambiente institucional mexicano em contraste ao inglês em fins do século XIX. No primeiro país, a natureza intervencionista e geralmente arbitrária do meio institucional obrigou todas as empresas, urbanas ou rurais, a operarem de modo altamente politizado, valendo-se de redes de parentesco, influência política e prestigio familiar para ganharem acesso privilegiado aos créditos subsidiados. Nesse sentido, o êxito ou fracasso na área econômica dependia sempre da relação do produtor com as autoridades políticas. Em casos como este, de baixa competição econômica, as empresas têm poucos incentivos à inovação e se tornam pouco competitivas internacionalmente. Já no caso da Inglaterra, a tradição de individualismo e da impessoalidade contidas nas suas limitações informais, juntamente com as restrições formais ao poder político, deram condições para o surgimento da organização econômica eficiente. A garantia e a especificação dos direitos de propriedade, por aproximar a taxa de retorno privada à social, foi historicamente fundamental no incentivo aos investimentos produtivos e às inovações tecnológicas. As patentes são um exemplo uma vez que se tornaram fonte de inovação e incentivo aos investimentos por garantir retorno ao investimento privado através do monopólio temporário da invenção.
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Na definição consagrada de Douglass North (1990, p.03), instituições são “... as regras do jogo
em uma sociedade ou, mais formalmente, as limitações idealizadas pelo homem para dar
forma às interações humanas”. Essas regras estruturam, por conseguinte, incentivos ao
comportamento humano, sejam políticos, sociais ou econômicos. Adicionalmente, North
divide as instituições em regras formais, informais e enforcement. As instituições informais
provêm da informação transmitida socialmente e são partes constitutivas da herança que se
denomina cultura, elas definem a forma com que os indivíduos processam e utilizam a
informação. As instituições formais, em princípio, diferem apenas em grau das regras
informais, mas sua criação deriva das decisões de corpos políticos, jurídicos e econômicos,
baseadas nos modelos subjetivos dos governantes, os principais sujeitos, e daqueles que têm o
poder de colocar em pauta as regras que podem atender a seus interesses. O enforcement
refere-se às garantias de cumprimento (obrigatório), ou seja, levanta-se a questão de quais são
as possibilidades de que as sanções previstas nas regras venham a ser efetivamente
implementadas caso sejam necessárias.
Outro aspecto a ser destacado sobre as instituições é que as regras formais possuem
mecanismos de coordenação, como contratos, hierarquias, constituições, sistemas legais que
tornam os grupos bem sucedidos. Entretanto, as regras informais diminuem enormemente os
custos de transação 3, podendo, além disto, facilitar um grau maior de inovação tecnológica.
Quando, por exemplo, o nível de confiabilidade é maior entre as pessoas, os custos de
transação são menores, com isto pode-se dedicar menos recursos ao monitoramento das
atividades, sobrando mais recursos para investimentos. Dentre as limitações informais, um
tipo de instituição que tem merecido atenção por parte dos cientistas sociais é o chamado
3 Os custos de transação ocorrem devido à racionalidade limitada dos seres humanos e às incertezas próprias do meio que geram muitas vezes problemas na especificação dos direitos de propriedade e na elaboração de contratos; também surgem pela possibilidade de que os agentes manifestem uma conduta oportunista, tentando fugir dos compromissos assumidos nos contratos.
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capital social. Na definição de Putnam (1997, p.177), “o capital social diz respeito a
características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para
aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”, podendo ser visto como
um conjunto de valores ou normas informais partilhadas por membros de um grupo que lhes
permite cooperar entre si.
A incapacidade de cooperar para o mútuo proveito não significa necessariamente ignorância
ou irracionalidade. Os especialistas em teoria dos jogos estudaram esse dilema fundamental
em diversas circunstâncias, como no “drama dos bens comuns, bens públicos”, na “lógica da
ação coletiva” e no “dilema do prisioneiro”. Em todas essas situações, as partes têm a ganhar
se cooperarem mas, na falta de compromisso mútuo confiável, cada qual prefere desertar,
tornando-se um oportunista.
A confiança implica uma previsão do comportamento de um ator independente em função de
normas incutidas e sustentadas por meio de condicionamento e socialização e da existência de
sanções que fortalecem a confiança social, reduzindo os custos de transação e facilitando a
cooperação. Em comunidades pequenas a confiança é irrestrita, resultado do convívio íntimo
com a outra pessoa. Em contextos mais amplos e complexos também existem regras, que por
meio da socialização e da sanção, atuam no sentido de fomentar a cooperação. Essas regras,
entretanto, baseiam-se numa forma de confiança mais impessoal ou indireta. Algumas delas
são basicamente horizontais, congregando agentes que tem o mesmo status e poder. Em
oposição, existem tipos de intercâmbio vertical, caracterizados por relações de poder entre os
indivíduos. A confiança em sociedades complexas emana de duas fontes conexas: as regras de
reciprocidade e os sistemas de participação cívica. Um tipo especial de reciprocidade, a
reciprocidade generalizada, permite aos indivíduos cooperarem sem contrapartida no presente,
na expectativa de que cooperem com ele no futuro. Outra forma de intercâmbio a ser
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destacada é a dos sistemas de participação cívica. Tais sistemas caracterizam-se por uma rede
de intercâmbio e comunicação interpessoal horizontal. O fato de ser horizontal significa que os
integrantes desse sistema compartilham do mesmo status e poder.
Como ilustrado pela figura 1, o capital social é um tipo de instituição informal que contribui
para aumentar o grau de confiança entre os membros de uma organização, justamente no
ponto em que a cooperação é baixa e a coerção de um terceiro, geralmente o Estado, é
demasiadamente onerosa.
FIGURA 1: INSTITUIÇÕES E CAPITAL SOCIAL
Nota: F = Regras Formais; I= Limitações Informais; E = Enforcement; CS= Capital Social.
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Em seu estudo sobre a Itália, Putnam (1997) constatou que o atraso econômico de
determinadas regiões do país se deve, fundamentalmente, às poucas virtudes cívicas existentes
nesses lugares. Nessas regiões, o incentivo tem sido para a formação de associações
compartilhadas por grupos limitados, com os agentes dispostos em relações simétricas de
hierarquia e dependência pessoal. O particularismo desse tipo de associação remete ao
conceito de familismo amoral, desenvolvido por Banfield, para caracterizar culturas
deficientes em valores comunitários que estimulam os laços de família 4. Nesta cultura
ninguém defenderá os interesses do grupo maior, salvo quando houver vantagens particulares
em fazê-lo, e é pequena a lealdade para com a grande comunidade, ou a aceitação de normas
de comportamento que exigem apoiar outros. Além disso, salienta Lipset-Lens (2002, p.185),
“o familismo amoral favorece a corrupção e estimula desvios de normas universalistas e de
mérito”. Tudo é permissível desde que atenda aos interesses da família.
A importância de valores compartilhados universalmente para o desenvolvimento das relações
econômicas foi ressaltada por Weber. Para o autor, a relevância da reforma protestante está
menos nas virtudes que ela difundia – honestidade, reciprocidade e frugalidade entre os
empresários – do que no fato de que essas virtudes eram pela primeira vez praticadas fora do
âmbito familiar 5. A lealdade pessoal, como sugere Weber, é uma obrigação particularista que
4 Na perspectiva do capital social, parece haver uma relação inversa entre laços de confiança e reciprocidade dentro e fora da família: quando na família esses laços são muito fortes, fora eles tendem a ser fracos e vice-versa. Isto pode ser exemplificado pelos casos da China e da América Latina. Nesses lugares, as relações familiares, em geral, são fortes, entretanto, na esfera pública, a confiança, a honestidade e a cooperação são baixas. 5 Bendix (1986) também enfatiza este aspecto da teoria de Weber, para quem a ética comercial puritana se aplicava igualmente a crentes e não crentes. Os controles sociais eram reforçados pela desvalorização de todos os vínculos pessoais. Inconscientemente, os teólogos puritanos produziram uma profunda despersonalização da vida familiar e grupal ao exigir que o homem fosse sóbrio em seu amor aos parentes e associados para não pôr em risco o trabalho fruto de sua “vocação”. O ódio seria tão perigoso para a alma quanto o amor. O necessário distanciamento emocional dentro da comunidade reduzia, pois, a distância social entre seus membros e os forasteiros do outro lado da “porteira”, por isto, quando a relação do individuo com seus parentes e associados é caracterizada pelo distanciamento, a rejeição ao estrangeiro torna-se menos imperativa.
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foi muito forte nas sociedades pré-capitalistas e feudais, no entanto, ela é a antítese do
mercado. O oposto do particularismo é o universalismo, ou seja, o compromisso de tratar os
outros segundo um padrão similar. Normas de mercado expressam o universalismo; por
conseqüência, o capitalismo exibe valores universais e é por eles sustentado 6.
Mais recentemente, a Nova Economia Institucional também tem reiterado a importância do
intercâmbio impessoal como pré-requisito fundamental para as economias que pretendem
aprofundar a divisão do trabalho, aumentando a escala de produção e os círculos virtuosos de
crescimento. Esse é, particularmente, o caso dos países do Terceiro Mundo que, segundo
Douglass North (1994), precisam criar uma infra-estrutura institucional que permita
ultrapassar as organizações sociais, políticas e econômicas centradas em laços familiares, além
da necessidade de promover organizações e instituições que possam aparar as inseguranças
associadas à extrema interdependência que caracteriza uma economia com alta especialização
e mercados impessoais. Um primeiro passo nessa direção é, segundo o autor, o
reconhecimento da importância das liberdades políticas e da educação.
Estabelecer instituições baseadas na iniciativa individual e no espírito de concorrência entre os
cidadãos não é tarefa fácil. Como argumenta Brett (1997), essas relações institucionais,
normalmente encontradas nas modernas democracias ocidentais, constituem-se em um modelo
tipo-ideal, que não podem ser transferidas de forma automática para outras sociedades. Para
que essas regras sejam funcionais, é necessário, em primeiro lugar, que existam estruturas
progressivas, conduzidas por elites igualmente progressistas. Em segundo lugar, é necessário
que as pessoas já tenham internalizado os valores do sistema requeridos para sustentar tais
condutas.
6 O reconhecimento das obrigações coletivas e o auto-sacrifício dos agentes, segundo Brett (1997), importam mais do que a racionalidade auto-interessada do homo economicus neoclássico. Somente onde se criaram elos entre auto-interesse e solidariedade de grupo foi possível estabelecer instituições universais.
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Os aspectos salientados acima remetem-nos à questão da mudança institucional. Duas
considerações são importantes a esse respeito. A primeira é que, do ponto de vista do capital
social, as regras ganham certa estabilidade no tempo, nesse caso, agir cooperativamente ou
desertar tornam-se opções racionais para agentes inseridos dentro do contexto governado por
essas regras. Isto ocorre porque é mais fácil para um agente individual adaptar-se às regras do
jogo vigente do que mudá-las. E também porque quando o desenvolvimento toma determinado
rumo, a cultura organizacional, os costumes e os modelos mentais do mundo social reforçam
essa trajetória.
A segunda consideração é que as chamadas limitações informais, por persistirem no tempo,
acabam entrando em conflito com as regras formais causando importantes consequências na
maneira em que mudam as economias. Isto mostra que o problema da mudança institucional é,
em sua abrangência, muito mais complexo do que aquilo que está contido nas propostas de
reforma das instituições formais. Para a maior estabilidade do sistema político-econômico, é
desejável que as regras formais mudem em conformidade com as limitações informais. North
(1990) cita o caso dos Estados Unidos no século XIX, em que as características
adaptativamente eficientes da sua matriz institucional (tanto as normas formais quanto as
informais) tornaram-se um meio acolhedor para a promoção dos incentivos ao crescimento
econômico. Do outro lado, estaria a América Latina onde, na ausência de um sistema de
crenças compartilhadas e de instituições que limitassem o âmbito da política, acabou-se
gerando um sistema de poder concentrado, baseado na distribuição paternal de transferências e
de regalias.
Com a retomada das pesquisas em economia institucional tornou-se de interesse estudar as
características das instituições do Terceiro Mundo, instituições estas que tenderiam a perpetuar
o subdesenvolvimento. Esse interesse tem se direcionado, particularmente, para as instituições
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invisíveis que dificultam o crescimento econômico. Sabe-se, como assinalado por Lipset-Lens
(2002), que o surgimento de economias modernas teria sido facilitado pela ênfase na
racionalidade, na família reduzida, na realização material, na mobilidade social e no
universalismo – elementos que caracterizam a modernidade como distinta do tradicionalismo.
Estas, teoricamente, foram marcadas pelo declínio do familismo e dos valores que sustentam
sistemas particularistas de ajuda mútua, contrários aos valores que sustentam o mercado.
A seguir, estuda-se a obra de Roberto DaMatta, importante cientista social cujos trabalhos na
esfera da antropologia cultural têm procurado melhor caracterizar a identidade cultural do
Brasil, de modo que se devidamente relidos podem oferecer uma melhor compreensão das
instituições brasileiras que se encontram no nível denominado por Williamson de
embeddedness e, por conseguinte, ajudam também na caracterização do capital social
brasileiro. Por fim, podem mostrar a forma como as instituições situadas nesse nível interagem
com as regras formais e como se dá o processo de mudança institucional no Brasil.
3. A Antropologia de Roberto DaMatta e o Capital Social Brasileiro
Roberto DaMatta, nas múltiplas atividades que exerce, é acima de tudo antropólogo. Seus
estudos se concentram nos dilemas, contradições e soluções das questões sociais do Brasil.
Sua contribuição, conforme assinala Souza (2001), é significativa para a ciência social
brasileira, não só pelo questionamento radical do que seja a singularidade da formação
brasileira, mas também pela preocupação acerca dos pressupostos da teorização científica.
Para DaMatta existem duas interpretações do Brasil, a primeira, que tem como principal
expoente o sociólogo Gilberto Freyre, baseia-se nos microprocessos, ou no conjunto de
costumes que têm marcado a formação e a própria estrutura da sociedade brasileira. A
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segunda, tendo como referência Caio Prado Junior, é inteiramente institucional, partindo dos
macroprocessos históricos e econômicos e focalizando as leis e a lógica da economia política.
Estas duas maneiras de ver o Brasil não são contraditórias, mas faces diferentes de uma
mesma moeda. Ambas falam antes de uma sociedade que atua por meio de códigos
complementares: o código da casa e o código da rua.
A base para a compreensão da dualidade brasileira está, segundo DaMatta, na classificação de
Dumont (1985), que divide as sociedades em dois tipos, a saber, as modernas e individualistas
e as de tipo tradicional. Nas primeiras, o indivíduo como ser moral, racionalmente normativo
de todas as instituições, é o centro do sistema, tendo como atributos a igualdade e a liberdade 7
. Nas tradicionais, o princípio básico da sociedade é a hierarquia. Nestas, a diferença e a
complementariedade são a base do sistema 8. Á classificação de Dumont, DaMatta acrescenta
as sociedades de tipo relacional. Um sistema relacional é aquele em que podem conviver
dimensões e esferas de vida com valores diferentes. Este é segundo Barbosa (1992), o caso do
Brasil, cuja peculiaridade histórica e estrutural, fruto, sobretudo, da herança católica e latina e
da incorporação recente de valores ocidentais, deu contornos a uma sociedade
individualista/hierárquica e semi-tradicional.
7 Neste ponto, DaMatta (1985) procura complementar Karl Polanyi, além de conceber a idéia de uma grande transformação que permitiu que a terra e a energia humana passassem a serem vendidas num espaço social demarcado pelo dinheiro e pelo preço, sustenta que teria havido uma outra revolução que complementou a primeira, criando a cidadania e o individuo com um papel social central dentro do sistema.8 Na Índia, exemplo de sociedade tradicional prevalece o todo sobre as partes, não existe a noção de individuo propriamente dita. No ocidente, ocorreu a revolução individualista que instituiu o indivíduo como centro moral do sistema. Prevalece, também, a noção de cidadão com deveres e direitos. Para o caso das sociedades relacionais, destaca-se a coexistência de diversas concepções de mundo e, principalmente, de diversas éticas concorrentes. Este é o caso do Brasil, onde existem duas tradições, uma tomista, centralizadora e legalista, e outra, igualitária, individualista e liberal.
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Para se entender melhor os desvios do Brasil em relação à modernidade 9, DaMatta propõe
explorar as diferenças entre as sociedades de tipo moderno e individualista e as de tipo
relacional. Destaca as categorias fundamentais que compõem cada uma destas sociedades. Nas
modernas e individualistas, o indivíduo é visto numa contigüidade estrutural com o mundo das
leis impessoais que o submetem e o subordinam (Souza, 2001). Nas sociedades relacionais,
predomina a noção de pessoa, cuja compreensão advém em referência a um sistema social
onde as relações de compadrio, de família, de amizade e de troca de interesses e favores
constituem um elemento fundamental. Nesta perspectiva, a relação explica a distorção do
binômio cidadão-indivíduo, inviabilizando o funcionamento da democracia 10.
De posse dos conceitos de sociedade individualista e de sociedade relacional, DaMatta
contrapõe então o caso brasileiro ao dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, sociedade
moderna e individualista, a comunidade pode ser entendida como igualitária porque não é
formada por famílias, parentelas e facções que, objetiva e efetivamente, têm propriedades,
tamanhos e interesses diferentes, mas por indivíduos-cidadãos. No Brasil, sociedade
relacional, a comunidade, por contraste, é necessariamente heterogênea, complementar e
hierarquizada 11. Sua unidade básica não está alicerçada em indivíduos (ou cidadãos), mas em
relações pessoais, familiares e de amizade. Assim, no caso do Brasil, se o indivíduo não tem
nenhuma ligação com uma pessoa ou instituição de prestígio na sociedade, ele é tratado como
9 Segundo Souza (2001), DaMatta, juntamente com Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, faz parte do grupo de autores que enfatizam a permanência do personalismo como o núcleo da formação social brasileira. Personalismo este que teria íntima ligação com a herança ibérica. Neste sentido, estes autores teriam construído uma sociologia da “inautenticidade", onde o Brasil é visto como “o outro”, um desvio da modernidade, tendo sido sua modernização epidérmica e de fachada.10 Neste modelo dicotômico, o cidadão é a entidade que está sujeita à lei, ao passo que a família e as teias de amizade, as redes de relações, ainda que altamente formalizadas política, ideológica e socialmente, são entidades rigorosamente fora da lei. 11 Quanto maiores e mais numerosas as diferenças entre os indivíduos menor é o incentivo para a interação e a confiança entre eles. Estas diferenças podem incluir sangue e tipo étnico, linguagem, cultura, educação, renda, riqueza, ocupação, status social, direitos políticos e econômicos e distância geográfica.
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um inferior. Mas se ele tem proximidade com o poder, ou com aquilo que representa o centro
do poder, ele pode ser diferenciado e tratado com privilégios.
Por ter o seu funcionamento orientado, fundamentalmente, por relações pessoais, a sociedade
brasileira estimula valores compartilhados por grupos limitados. Valores estes que mudam
conforme o espaço em que se encontram os agentes. Existem, assim, espaços de significação
social, dado que o brasileiro separa lugares e cada ambiente contém visões de mundo ou éticas
particulares. A coexistência dessas diversas éticas sociais reflete um quadro em que não teria
se operado a revolução burguesa que deveria criar o indivíduo como categoria social única.
Enquanto as sociedades que passaram pela revolução individualista instituíram um código de
conduta hegemônico, fundado na idéia de cidadão, as sociedades relacionais fazem uso de
muitos códigos de relacionamento operados simultaneamente.
Em consonância com o pensamento de Weber, DaMatta (1994) conclui que a modernidade
exige um tipo de racionalidade que esteja apoiada em regras explícitas (em normas e
instituições mais do que em pessoas), válidas para todos, portanto, impessoais e independentes
da vontade ou motivação dos indivíduos. As perguntas que cabem, então, são as seguintes: por
que, apesar do alardeado credo liberal que se tem no Brasil, privilegiam-se as relações
pessoais? Por que as noções de cidadania e a categoria de indivíduo não funcionam no Brasil?
A resposta a ambas as questões segundo DaMatta:
é uma mescla de questões culturais, históricas e estruturais (...). No Brasil, o Estado nasceu operando a partir de leis e instituições que ele criava como seus instrumentos de progresso, mudança e controle (...). Predomina uma organização burocrática onde o todo predomina sobre as partes (1985, p. 76).
Conforme visto na seção anterior, o capital social positivo gera relações que, por um lado,
aumentam o grau de confiabilidade e o intercâmbio impessoal e, por outro, reduzem os custos
de transação. No caso dos valores constatados para o Brasil, depreende-se que estes, por
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diminuírem o grau de confiança e por aumentarem o oportunismo e os tipos de maximização
míope de riqueza, elevam os custos de transação da sociedade. Estabelecem-se, portanto,
relações, no geral, semelhantes às vigentes no sul da Itália, estudadas por Banfield, onde
predomina o familismo amoral. O próprio DaMatta argumenta sobre este tipo de
comportamento e sobre os seus custos sociais, enfatizando que no Brasil há “... uma enorme
desconfiança de sistemas universais governados por regras únicas e que valem para todos”
(1994, p.169-171). O autor complementa dizendo o seguinte: “... jogamos com dois pesos e
duas medidas, repassando os lucros para os amigos e os gastos para a sociedade ou para o
governo” (Id. Ibid.)
Na segunda seção, ressaltou-se também a importância do capital social no incentivo às
inovações tecnológicas. Em primeiro lugar porque, com custos de transação menores, sobram
mais recursos para investimentos produtivos. Em segundo porque, de acordo Douglass North,
existem valores que estimulam o potencial criativo das sociedades além de fomentarem um
maior nível de concorrência entre os agentes econômicos. Estes valores atuam no sentido de
reduzirem os chamados custos de transformação (que incluem os custos de produção). Para
isto, North pressupôs educação universal e o respeito às liberdades fundamentais (dentre os
quais figura a garantia dos direitos de propriedade). Sobre a capacidade do sistema social
brasileiro ser competitivo e gerar inovações, DaMatta apresenta argumenta contrariamente a
estas expectativas:
Há na realidade vários mercados que operam simultaneamente. Alguns são financiados pelo Estado e seus empresários desfrutam todos os lucros e nenhum risco. Outros operam na dura base da lei da oferta e da procura. E há, ainda, aquela esfera dominada pelos letrados, tecnocratas ou, para usarmos a expressão definitiva de Raymundo Faoro, os “donos do poder”, esses que vivem num universo sem competição, pagos pelo Estado e sustentados pelos misteriosos laços de simpatia e lealdade pessoais (DaMatta ,1985, p.21).
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Outra questão é que o capital social positivo tende a melhorar a qualidade das políticas
públicas. Isto é fundamental no mundo moderno, cuja exigência de impessoalidade das regras,
divorcia e neutraliza os interesses da esfera pública em relação aos interesses da esfera
privada. No entanto, não é o que ocorre para o caso do Brasil. Nesse caso, o autor
complementa afirmando que:
No fundo, vivemos em uma sociedade onde existe uma espécie de combate entre o mundo público das leis universais e do mercado; e o universo privado da família, dos compadres, parentes e amigos[...] A obediência às leis configura na sociedade brasileira uma situação de pleno anonimato e grande inferioridade. Todos os brasileiros navegam socialmente realizando um cálculo personalizado de sua atuação. O resultado é que toda instituição brasileira está sujeita a dois tipos de pressão, uma universalista, que vem das normas burocráticas e legais, a outra é determinada pelas redes de relação. E como prestígio social é algo que se localiza na teia de relações - e nas relações - tanto quanto nos indivíduos, uma pessoa pode efetivamente colocar à disposição de outra suas redes de relações pessoais, fazendo com que todas as instituições possam se tornar eficientes (DaMatta, 1985, p. 82-83).
Também é ponto importante do debate a forma como as regras do jogo mudam na sociedade
brasileira. Do ponto de vista da abordagem do capital social, as regras sociais condicionam
profundamente o processo de mudança histórica. Dir-se-á que em função disso, o processo de
mudança institucional é incremental. Isto quer dizer que as sociedades que usam reformas no
âmbito da política como estratégias de mudança institucional, vêem-se constantemente
frustradas com os resultados alcançados. As mudanças, nesse caso, ocorrem de forma
meramente epidérmicas e de fachada. Este caso pode ser ilustrado com o exemplo brasileiro,
que segundo DaMatta, tem uma tradição política mudancista:
...isto é, uma tradição caracterizada pela preferência por mudar superficial e institucionalmente na vã e messiânica esperança de corrigir o sistema de uma vez por todas [...] o plano político foi tomado como esfera privilegiada da mudança, como o domínio que importa corrigir. Era como se preferíssemos mudar a frágil esfera pública para não mexermos na formidavelmente forte esfera da “casa” e dos laços de família (1994, p.157).
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Para uma compreensão efetiva do que seja o processo de mudança institucional no Brasil, é
preciso ter em vista outra perspectiva. No caso da perspectiva damattiana, o sistema ritual
brasileiro é um modo complexo de estabelecer e, até mesmo, de propor uma relação
permanente e forte entre a casa e a rua. Para a Nova Economia Institucional, a importância
atribuída às limitações informais está em se pressupor que os agentes processam informação
através de modelos subjetivos imperfeitos, fundados no hábito e nas convenções sociais, e que
só poderão corrigir suas opções de maneira incompleta no tempo. Estas limitações informais,
ao persistirem no tempo, entram em conflito com as regras formais. Para o caso brasileiro, a
relação entre limitações informais, regras formais e mudança institucional, de acordo com as
inferências da leitura de DaMatta, é muito mais complexa, refletindo antes a forma como
partes separadas, mas complementares, reforçam sua unidade. Isto pode ser constado a partir
da leitura do seguinte trecho:
O que parece singular entre nós não é a presença mútua de universalismo e particularismo, fenômeno de resto comum a todas as sociedades nacionais contemporâneas, mas suas presenças múltiplas e fortemente contextualizadas no nosso sistema. Assim, os dois operam simultaneamente no Brasil tendo, ao que tudo indica, a mesma importância ideológica e o mesmo peso político (DaMatta, 1994, p. 160).
Em síntese, pela própria definição de capital social, um sistema que partilhasse valores
universais, operando com um código único de conduta teria maiores chances de produzir
melhores resultados em termos de desempenho econômico. O Brasil herdou dos estados
ibéricos o centralismo e a burocracia patrimonialista característica de suas instituições. O país
prescinde, no dizer de DaMatta, de uma revolução individualista, que institua o indivíduo
como sujeito principal da sociedade pois, no Brasil, o Estado cria leis e instituições a partir de
seus próprios códigos ou agenda de seus sujeitos principais. Com a vigência dos valores
constatados por DaMatta, entende-se, ao contrário, que as possibilidades maiores no Brasil são
as de se gerarem estratificações ocupacionais, produzindo direitos de propriedades fundados
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na posição e hierarquia e não nos valores individuais, ou seja, o valor maior seguirá sendo
conferido à pessoa e às suas teias de relações. A cultura brasileira, tal como descrita, estimula,
portanto, um tipo de capital social cuja maior característica é o personalismo e o
particularismo.
4. Conclusão:
Existe hoje uma maior concordância entre os economistas de que as instituições de uma
sociedade são fundamentais para explicar o desempenho econômico no longo prazo. Alguns
autores institucionalistas e demais autores que trabalham com questões culturais,
principalmente com a noção de capital social, enfatizam a necessidade de se criar regras de
conduta universalmente válidas, ou seja, a necessidade de se ter valores que operem num meio
social homogêneo, portanto, que possam ter o seu reconhecimento garantido em todos os
confins da sociedade.
Sociedades como a brasileira, em que o Estado teve de assumir o comando do processo de
modernização e transformação, criando leis fundadas a partir de seus próprios mecanismos de
mudança, progresso e controle, tendem a criar estratificações ocupacionais e espaços
privilegiados que inviabilizam a institucionalização do indivíduo como centro moral do
sistema. Neste sentido, impõem-se restrições ao completo desenvolvimento da plena cidadania
e da distribuição de direitos de propriedade baseados nos valores de mercado.
Ocorre também que a adoção dos códigos jurídicos externos, ou a anuência de regras formais
consubstanciadas nas experiências dos países ocidentais, tem poucas chances de produzir
resultados semelhantes aos dos países de origem. Isto porque os mecanismos de cumprimento
obrigatório - a forma em que se exerce a obrigatoriedade das normas de conduta – seguem os
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modelos subjetivos diferentes entre os países. É o que tem ocorrido na América Latina e,
particularmente, no Brasil, onde vem sendo imposto um conjunto alheio de normas sobre uma
herança muito antiga de controles burocráticos centralizados, procedimentos personalizados e
percepções ideológicas correspondentes. As evidências parecem apontar para o fato de que a
herança colonial ibérica em correspondência com os códigos de ação do Estado tem
inviabilizado a formação de instituições que levem o país a superar o seu atraso econômico.
Para usar uma expressão comum aos novos institucionalistas, pode-se dizer que o marco
institucional brasileiro não tem gerado incentivos para o desenvolvimento econômico. Mais
particularmente, pode-se dizer que o tipo de capital social aqui existente não tem produzido as
normas e redes de relações que facilitam a coordenação das ações e melhoram a eficiência da
sociedade. O que também pode ser inferido da leitura de DaMatta é que as instituições no
Brasil privilegiam mais as relações e se fundam em hierarquias, criando como regra, em
conseqüência, condutas baseadas no cálculo personalista. Contudo, a proximidade em relação
à racionalidade instrumental e ao intercâmbio impessoal complexo é um pré-requisito
fundamental para aproveitar todas as oportunidades lucrativas abertas pela tecnologia
moderna.
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