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O Silencio de Adao Larry Crabb

Date post: 13-Dec-2015
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aconselhamento
253
Transcript

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- J14b

Dr. Larry CrabboorriDcmHudson e AI .Ariclrevvs

. Editora~Sepal- . -

o SILÊNCIO DE ADÃODr, Larry Crabb (com Don Hudson e AI Andrews)

Do original em inglês "God Calls Men To Move Beyond...The Silence Of Adam Becoming Men OfCourage In A World OfChaos"

Quarta Edição - Outubro de 2000

Coordenação EditorialJudith RamosBilly Viveiros

TraduçãoWanda de Assumpção

RevisãoBilly Viveiros

Editoração Eletrônica .PFE - Informações e Serviços

CapaAilton Oliveira Lopes

ImpressãoImprensa da Fé

Todos os direitos reservados por:

EDITORASEPALcaixa postal 202901060-970 - São Paulo - SPfone: (OXX) 11 5523.2544fax: (OXX) 11 5523.2201email: [email protected]: www.editorasepal.com.br

(Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida semautorização escrita da editora).

Que possamos ser bons pais para vocês

Para Nossos Filhos

,Kepe Ken ,MichaelHunter

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Adão Permaneceu Em Silêncio Quando Devia TerFalado 011 011 011 011 011 011 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. • • 7Introdução 11

A História ComeçaLarry Crabb................................................................ 17Don Hudson -11.......................... 21AI Andrews I................................................... 27

Primeira Parte - Algo Sério Está Errado:O Sonho Se Perdeu

1. Uma Visão Para Os Homens 332. Homens Viris E Homens Pouco Viris 453. Teologia Da Receita 614. Adentrando A Escuridão............................................. 735. De Caos Em Caos 856. Um Chamado A Ser Lembrado 997. Ele Estava Lá E Se Calou 113

Conclusão Da Primeira Parte 131Segunda Parte - Algo Vital Está Faltando:Os Problemas da Comunidade Masculina

8. Homens Que Combatem A Escuridão 1379. A Maneira Como Os Homens Pouco Viris Se

Relacionam oi I "" ••• 11 ••••••• 1511O. Homens Que Exigem Que Os Outros..

Correspondam As Suas Expectativas 16111. Homens Que Só Precisam De Si Mesmos 173

Conclusão Da Segunda Parte 187

Terceira Parte - Algo Poderoso Está Disponível:Uma Geração de Mentores

12. Pais: Homens Que Acreditam Em Nós 19113. Irmãos: Homens Que Compartilham Segredos ' 207

14. O Sonho Restaurado:Uma Geração De Mentores ~ 221

A História ContinuaAI Andrews 231Dou Hudson : 239Larry Crabb ·· ··..· ····· 251

~~~~~Adão PermaneceuEm Silêncio Quando

Devia Ter Falado

O nde estava Adão quando a serpente tentou Eva? A Bíblia dizque após Eva ter sido enganada por Satanás, tomou do fruto

proibido "...e comeu, e deu também ao marido, QUE ESTAVACOM ELA (ênfase acrescentada) e ele comeu" (Gn 3.6).

Será que Adão estava ali o tempo todo? Em pé, bem ao ladoda esposa, enquanto a serpente a enganava com sua astúcia? Estavaali, ouvindo cada palavra?

Se estava - e há boa razão para pensar assim - então umaimportante pergunta precisa ser feita: POR QUE ELE NÃO DISSENADA?

Antes de Deus criar Eva, ele j á ordenara a Adão que nuncacomesse de certa árvore. Era esperado que Adão transmitisse aproibição à esposa quando esta apareceu em cena. Presumimosque ele o fez.

Mas quando a serpente encetou uma conversa com Eva com .o intuito de confundir suas idéias a respeito da bondade de Deus,Adão não disse nada. Contudo, estava ouvindo cada palavra! Eleouviu Eva citar incorretamente a ordem de Deus que ele, Adão,lhe transmitira cuidadosamente. Estava observando quando elacomeçou a olhar a árvore proibida. Viu quando ela deu um passona direção da árvore e estendeu a mão para apanhar seu fruto. Enão fez coisa alguma nem falou palavra alguma para detê-la. Adãopermaneceu em silêncio! Por quê?

Lembre-se de que Eva foi enganada pela serpente, mas Adãonão (1 Tm 2.14). Ele sabia o que estava acontecendo. Talvezdevesse ter dito: "Ora, espere aqui um minuto só! Querida, essa

8 o SILÊNCIO DE ADÃO

serpente está aprontando encrenca. Estou vendo certinho sua lábiadiabólica. Ela está enganando você para faze-la pensar que temmais a ganhar se desobedecer a Deus do que se permanecer fiel aEle. É uma mentira! "Deixe-me contar-lhe exatamente o que Deusme disse antes de ter feito você. E olhe à nossa volta. Isto é oParaíso. Deus o fez e deu todinho para nós. Não temos nenhumarazão para duvidar da Sua bondade." E depois, afastando-se deEva: "Serpente, esta conversa acabou. SUMA!"

Mas Adão não disse nada. Ele ficou ali, ouviu e viu tudo, enão disse uma palavra sequer. Ele falhou para com sua mulher.Falhou, em sua primeira luta espiritual, em representar Deus. Falhoucomo homem!

O silêncio de Adão é o começo da falha de cada homem, darebeldia de Caim à impaciência de Moisés, da fraqueza de Pedroaté a minha falha ontem em amar bem a minha esposa. E é umretrato - um retrato inquietante mas revelador - da natureza donosso fracasso. Desde Adão, todo homem tem tido uma inclinaçãonatural para permanecer em silêncio quando deveria falar. O homemsente-se mais confortável em situações nas quais sabe exatamenteo que fazer. Quando as coisas ficam confusas ou apavorantes, suasentranhas se contraem e ele se afasta. Quando a vida o frustra comsua enlouquecedora imprevisibilidade, ele sente a raiva crescerdentro de si. E então, cheio de terror e fúria, ele se esquece daverdade de Deus e trata de defender-se. Desse ponto em diante,tudo dá errado. Voltado apenas para si mesmo, ele se vira parafazer sua vida funcionar. O resultado é o que vemos todos os dias:paixões sexuais descontroladas, maridos e pais sem envolvimento,homens zangados que amam estar no controle de tudo. E tudo issocomeçou quando Adão se recusou a falar.

Os homens têm um chamado singular para se lembrarem doque Deus disse e falarem de acordo, a adentrarem a perigosaincerteza com confiança e sabedoria que vem de ouvir a Deus. Emvez disso, como Adão, nos esquecemos de Deus e permanecemosem silêncio.

E Satanás continua obtendo um número excessivo de vitórias:

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ll1n~~ ~ mni~~~, t~t~ n~ n~m ~~~ n~m~n~ rf~~~rMfm ~ V~l, ~fI

~~Virfmâ~f~~- ~ Uf flliM~m,

Este livro foi escrito por três homens que estão crescendo maslutando - homens que confessam abertamente que as lutas

parecem se aprofundar à medida que a vida continua. Nossas vidassimplesmente não estão certinhas da forma que a cultura cristãparece achar que deveriam estar. Espera-se que os homens cristãos,especialmente os da liderança, sintam-se constantementeencorajados, sejam apaixonados por sua visão, e tenham muitopoucos problemas. Homens amadurecidos não deveriam lutar compensamentos doidos, impulsos pecaminosos ou sentimentos dedesespero. Mas achamos que eles lutam.

Nosso conceito de masculinidade espiritual está maisrelacionado a alguém continuar funcionando, a despeito dasdificuldades, do que com a vitória sobre elas. Cremos que o Espíritode Deus está menos interessado em nos dizer como fazer nossasvidas funcionarem e mais interessado em despertar - no meio deincessantes dificuldades - a nossa paixão por Cristo. Em lugar desolucionar nossos problemas, Ele, com maior freqüência, os usapara nos desiquilibrar, nos tomar menos seguros sobre como a vidafunciona, nos provocar para fazermos as perguntas difíceis quetemos pavor de fazer, trazer à tona as dúvidas obstinadas e asexigências feias que nos mantêm longe de Cristo.

Não cremos que a Bíblia forneça um plano para fazer a vidafuncionar como achamos que deveria. Achamos que ela ofereceuma razão para continuar em frente mesmo quando a vida nãofunciona dessa forma. Se pudéssemos encontrar fórmulas querealmente funcionassem - fórmulas para vencer a ira ou produzirfilhos piedosos ou nos sentir mais chegados às nossas esposas ­nós as seguiríamos. Mas não achamos que elas existam. Em nossomodo de pensar, os verdadeiros homens admitem o medo daconfusão mas não fogem dela na direção de uma confiança fácil ouum plano de tantos passos.

Atrai-nos mais o mistério da vida do que sua previsibilidade.Não porque gostemos especialmente de nos sentir confusos e semcontrole. É difícil sentir essas coisas. Às vezes, detestamos isso.Mas não achamos que temos escolha, não, se enfrentarmos a vidacom toda a honestidade.

Algumas partes da vida, é claro, são ordenadas e controláveis.Carros não funcionam sem combustível; dentes limpos com fiodental desenvolvem menos problemas; famílias não se saem tãobem sem um marido e pai envolvido. As coisas que podem serfeitas devem ser feitas. Naquilo que a vida pode ser controlada,deve ser bem controlada.

Mas as partes mais importantes da vida, aquelas partes quecompõem tudo o que o cristianismo deve ser, nos parecem maismisteriosas do que controláveis, mais caóticas do que ordenadas.O que você faz quando descobre que sua filha foi abusadasexualmente por uma babá? Como você lida com o ciúme inclementeque tem do amigo que ganhamais do que você? O que pode fazercom uma vida de fantasias imorais que simplesmente não vaiembora? Corno você se aproxima de Deus quando tudo dentro desi parece morto? Corno o Espírito de Deus nos leva ao lar do Pai,onde a festa está ocorrendo?

Simplesmente não há nenhuma fórmula para seguir aotratarmos com as coisas mais importantes para nós. E achamosque Deus planejou para que fosse assim, não para frustrar oudesanimar, mas para evocar de nosso interior algo que Ele já colocouem nós, algo que é liberado somente quando nos abandonamos aEle no meio do mistério. A masculinidade espiritual envolve acoragem de continuarmos nos movendo - no meio de confusãoavassaladora - rumo aos relacionamentos. Pouca relação tem comentender exatamente o que funciona e depois fazê-lo.

Escrevemos este livro como três homens vivendo históriasinacabadas. Debatemo-nos com perguntas que ninguém responde.Fracassamos de maneiras que achamos que já teríamos ultrapassadoa esta altura. Lutarmos contra feios desejos dentro de nós, inclu­sive o impulso de desistir quando a vida nos deixa combalidos.

12 o SILENCIO DE ADÃO

INTRODUÇÃO 13

Lutamos para viver em comunidade uns cornos outros.Mas ainda temos esperança. Talvez nossas vidas estejam se

movendo rumo a um tipo de maturidade que nos deixaráboquiabertos e Satanás mudo. Entretemos a esperança de que,embora estejamos confusos, às vezes desanimados eocasionalmentedesesperados, ainda estamos nos movendo na direção de nossasesposas, nossos filhos, nossos amigos enosso Deus.

Nem sempre nos movemos bem, eàs vezes paramos. Masnunca como um ajuste permanente. Eesta éa nossa mensagemcentral: MASCULINIDADE SIGNIFICA MOVER-SE. , .- nem sempre sucesso, nem mesmo Vitoria, mas mover-se, com otipo de movimento que somente uma fascinação por Cristo,apaixonada, consumidora, dirigida pelo Espírito pode produzir. Eessa éaverdadeira vitória.

Permitam que nos apresentemos avocês: três homens, cadaqual com uma história para contar - histórias de tristeza, alegria,fracasso, sucesso, tédio, paixão, vingança eamor. Venha conoscoenquanto consideramos oque significa ser homem, viver conformeDeus tencionou que os homens vivessem.

I

LARRYCRABB

O garoto na primeira fileira com o sorriso maroto - aquele naponta esquerda - sou eu aos quatro anos de idade. Dá uma

sensação estranha olhar para mim mesmo quase cinqüenta anosmais tarde e conjeturar o que está por trás daquele sorrisoexibicionista. Minha mente se afasta desse retrato e vagueia emdiversos rumos.

Lembro-me de quanto tinha cerca de trinta anos de idade.Eu acabara de dirigir um estudo bíblico na sala-de-estar de Phil eEvelyn. Durante a confraternização que se seguiu, agarrei umpedaço do bolo de Evelyn e dei umas voltas. Posso ver-mebrincando, provocando, entretendo - prendendo cada uma daspessoas que eu havia acabado de ensinar, com o que minha memóriame diz que era um sorriso barulhento, não muito diferente do queaparece no retrato. Após todos terem saído, exceto eu e minhaesposa, Evelyn me procurou com um olhar conhecido, umtanto preocupado.

18 o SILÊNCIO DE ADÃO

- Acho que sei porque você age como palhaço às vezes- disse ela.

Imediatamente senti-me apanhado, mais do que um poucoenervado. Mas consegui aparentar despreocupação.

- Está bem, por quê?- Porque isso alivia a pressão de ser o homem que você é.Outra lembrança. Talvez eu tivesse uns doze anos. De férias

com meus pais e irmão, eu estava passando a noite num hotelzinhorústico nas montanhas ao norte do Estado de Nova York, logodepois da madorrenta cidadezinha de Schroon Lake. Minha camaera o beliche superior. Uma janela se abria para o lago banhadopelo luar e emoldurado por mil pinheiros.

Lembro-me de estar deitado no meu beliche, olhando pelajanela, totalmente arrebatado pela majestade da cena. Um sensoirresistível de que eu era parte de algo grandioso, algo belo, insinuou­se em meu consciente. Em toda a minha vida, essa foi talvez acoisa mais próxima a um chamado de Deus que já ouvi. Eu sabiaque me encaixava, sabia que era parte de uma históriamaior, e senti-me despertado. Eu tinha algo para dar que fariauma diferença.

Vibrei, me emocionei; senti-me elevado a uma dimensãoque eu jamais vira antes. Mas também amedrontado, aterrorizadocom um temor que queria me paralisar.

Outra lembrança me vem à memória enquanto escrevo.Cresci em Plymouth Meeting, um minúsculo subúrbio de Filadélfiae meu quarto ficava no fim de um longo corredor. Certa noite, euestava deitado na cama, lendo a minha Bíblia. Talvez tivesse unstreze anos. Ouvi os passos de Papai vindo na direção do meu quarto.Escondi depressa a Bíblia debaixo dos lençóis e agarrei um gibi.

Papai teria ficado encantado ao me ver lendo a Bíblia. Porque lhe neguei essa alegria? Por que preferi ser visto com um gibi?

Pergunte à minha mãe como eu era quando garoto, e ela­como já fez muitas vezes - replicará imediatamente, com um olharde afetuosa exasperação: "Ele era maroto!"

Desde a minha infância, até terminar o colegial e a faculdade,

LARRY CRABB 19

trabalhei duro para ser bobo. Ninguém que me conheceu nessesanos jamais adivinhou que eu me sentia chamado por Deus e quelia a minha Bíblia. O fato de eu escrever livros sérios em vez dehistórias em quadrinhos tem surpreendido a maioria dos meusamigos dos tempos de adolescente.

Será que venho tentando por anos, do jardim da infânciaem diante, esconder minha substância atrás de bobagens? Será queeu brincava com nossos amigos do estudo bíblico para impedir queeles me levassem muito a sério? A noção de que eu tinha algo adizer a este mundo me aterrorizava? Eu era um malandro a fim defugir de um chamado primitivamente sentido de ser homem, denegar os sonhos que se estavam formando dentro de mim?

Talvez eu ainda seja um malandro, ainda sorrindo enquantome assento na fileira da frente da minha comunidade. Pergunto-mese a perspectiva de mover-me para dentro do meu mundo como apessoa que sei que sou ainda me apavora, talvez me enfureça, e medeixe sentindo isolado, desligado, solitário. Estes pensamentos mepassam pela cabeça enquanto fito o sorridente garoto de quatroanos que fui - e talvez ainda seja

Enquanto continuo olhando a foto, uma linha inteira depensamento me ocorre. Não tenho nenhuma lembrança disso, masnão posso imaginar que a professora da escola dominical ficasseespecialmente contente com meu sorriso malandro. Se eu fecharos olhos e visualizar o que presumo fosse seu olhar de desaprovação,posso sentir um estranho prazer, um sentimento definido desatisfação. Jamais senti que fazia parte do meu grupo de coleguinhas.Nunca me curvei com facilidade debaixo de padrões. Talvez eugoste que seja assim. Um pouco de rebeldia é gostoso.

Talvez haja um tipo bom de rebeldia, um brio, uma coragemde viver autenticamente, mesmo que o preço seja o de não seencaixar. Talvez seja a coragem de sonhar. Seja o que for,gosto disso.

Um pouco de reflexão honesta me faz pensar que sou umiconoclasta, um não-conformista, um radical de cabelos curtos ejaqueta esporte azul-marinho. Um seminário me contratou como

20 o SILÊNCIO DE ADÃO

professor por sete anos - e depois me pediu que saísse. Minhapresença não se ajustava bem com parte de sua clientela. Emretrospecto, posso ver urna centena de coisas que eu disse e fiz quecompreensivelmente os preocupariam. Muitas dessas coisas foramimaturas, e algumas foram pecaminosas; algumas eu faria de novo.

Sinto que liberar a pessoa que sou é um negócio perigoso.Talvez eu seja um malandro rebelde de sorriso maroto no rostocom freqüência maior do que percebo. Mas nem a rebeldia, nem amalandragem me definem. Há outra coisa que é mais central nomeu ser. Sou um reflexo masculino do caráter de Deus.

Eu fui projetado para mover-me dentro e através do meumundo com riso e esperança. Sou chamado a me preocupar menoscom conformidade do que com integridade, menos com me encaixare mais com as visões de um sonhador. A leveza do riso da esperançae a coragem de permanecer sozinho, enquanto sonhos são, buscadossão as marcas de um homem.

Fazer palhaçada é o riso barateado. Os palhaços fazemcaretas. Os homens riem. A rebeldia é a integridade corrompida.Os rebeldes destróem. Os homens dão vida..Não quero ser nempalhaço nem rebelde, mas não quero evitar esses dois erros comtanto rigor que perca as boas qualidades que eles disfarçam. Nãoquero ser um conformista previsível, preso em algo que requermenos de mim do que sou chamado a dar. Não quero uma vida defantasias que eu possa usufruir sem sair do sofá. Quero sonhos queme façam mover em face de desvantagens impossíveis.

Quero ter esperança quando a vida for intolerável, e queroquebrar o que a torna intolerável. Talvez o sorriso exibicionista domalandro rebelde amadureça um dia para tomar-se o riso de umromântico e a coragem de um sonhador.

DONHUDSONDeus fez o homem porque ama histórias.

Elie Wiesel, Os Portais da Floresta

T enho-me sentido um impostor a vida toda. Por isso uso umterno bonito, assumo uma postura de pessoa bem-sucedida,

coloco um· sorriso no rosto, dou a impressão de estar com tudo.Sou ° retrato do sucesso. Mas não deixe que a foto deste livroengane você. Há outro retrato que nunca mostro a ninguém. Se

~ .voce me enxergasse como eu me enxergo, vena uma pessoadiferente. Veria um homem que se sente inseguro e incompetente,um homem que perde horas de sono à noite porque está preocupadoem ser bem-sucedido. Você veria um homem que acredita nada terpara oferecer, por-isso precisa fingir que tem algo - qualquer coisa- para oferecer. Veria um homem que se pergunta se existe algumacoisa debaixo do belo terno.

O menino de temo: um excelente retrato de minha vida comohomem. Finjo que estou com tudo, por fora, enquanto estou

22 o SiLÊNCIO DE ADÃO

desmoronando, por dentro. Eu tinha seis anos de idade quanto essafotografia foi tirada, não muito depois da separação dos meus pais.Quando entrei para a primeira série, eu queria tanto me identificarcom meu pai que troquei meu primeiro nome para o de meu pai.Incrível: um garotinho de seis anos trocando de nome. Mas foi oque fiz. Eu não seria mais Michael Hudson; seria Donald Hudson.

Lembro-me distintamente do vazio persistente de nossa casa,de quantas saudades eu sentia de meu pai e quanto anelava por suapresença conosco. Eu sonhava que ele voltaria um dia. Eu tambémtemia pelo bem-estar de minha mãe. Durante as duas primeirassemanas da primeira série, eu saía furtivamente da classe, semninguém ver, e corria para casa por preocupação com minha mãe.Enquanto o restante dos meus amigos estava na escola, labutandocom seus ABC's, eu estava me preocupando sobre como iríamossobreviver. O garoto de seis anos tomou-se um homenzinho. Euestava preso entre a necessidade de ser um homem para minha mãee a solidão de ser um garotinho sem pai.

Eu não era um homem, nem me sentia como homem, masisso não importava. O que importava mais era que, quando eu eramenino, meu mundo ruiu debaixo dos meus pés, e fui confrontadocom um caos apavorante. Minhas circunstâncias me forçaram ainventar alguma forma para enfrentar meu terror, confusão e tristeza.Mas como eu podia enfrentar isso tudo se não havia nada por trásde mim? Como: podia ser um homem, quando na realidade eu eraum garotinho? Convenci-me de que ser homem era impossível,como tentar tirar água viva de um poço vazio. Assim, o impostor,começou sua jornada.

Foi assim que vivi quando criança, e foi dessa forma queescolhi chegar à idade adulta. A maioria dos homens enfrentacasamento, filhos, vocação e finanças com grande facilidade; euenfrentei essas coisas com um medo paralisador. Por exemplo, ocasamento foi uma decisão torturante, com a qual flertei por anos.Eu saía com alguém por alguns meses ou alguns anos, e depois ­à medida que a perspectiva de casamento parecia estar chegandocada vez mais perto - subitamente, milagrosamente, eu evocava

DON HUDSON· 23

dúvidas "vindas de Deus". E eram dúvidas convincentes. Incluíamquestões de como ela, se nos casássemos, conseguiria viver numtrailer, vivendo do salário de um pastor, ou conjeturas (após algunsmeses de namoro) sobre o que acontecera com a "magia" que existiaantes entre nós.

Meu padrão de namoro era tão previsível que era apavorante.Quando mais perto alguém chegava do meu coração, maisfuriosamente as dúvidas brotavam, e mais depressa eu corria. Euestava correndo à toda; do quê, eu não sabia- mas estava correndo.Sempre me desculpava explicando com desembaraço, às pessoas,que isso era apenas a minha personalidade. "Olhem, sou um caralivre e tranqüilo." Mas eu não conseguiaescapar à desconfiança deque estava correndo das próprias coisas que mais desejava. Emboraestivesse apavorado, eu sabia que desejava desesperadamente amare ser amado. Desejava apaixonadamente partilhar minha vida comalguém especial, alguém que caminhasse a jornada comigo. Euamava crianças, mas nunca acreditei que podia ser pai.

Para compensar meu temor. e meus sentimentos deincompetência, segui o padrão que aprendi em criança: descobriuma forma de me sentir como homem. Até atingir os vinte e oitoanos de idade, já realizara muitos dos meus sonhos vocacionais.Era competente e bem-sucedido em meu ministério. Atirei-me aotrabalho com uma fúria terrível. Eu vivia para competir e vencer, edesafiava abertamente as pessoas a me dizerem que eu nãoconseguiria realizar qualquer trabalho. Provava que elas estavamerradas todas as vezes. Mesmo retrato, só um pouco mais velho ­belo temo, sorriso bonzinho, postura de sucesso.

Mas havia algo terrivelmente errado. Eu era bem-sucedidomas vazio. Quanto mais eu me distinguia no trabalho e na educação,mais eu sentia que me distinguia em coisas sem importância.Arrastava-me através do labirinto que a sociedade coloca diantede seus homens, e chegava a um beco sem saída. Muito pior, eu eraum beco sem saída. Secretamente, eu vivia com este lema: "Nãotenho o que é necessário para ser um homem no meu mundo."Toda a minha energia era gasta para convencer a todos de que eu

tinha valor por ser competente. Meu poço estava vazio, e eu tentavaenchê-lo com coisas fora de mim, coisas que não eram realmenteimportantes. Viver e amar custa um milhão de dólares, e apenasuns poucos centavos tilintavam em meu bolso.

Se eu fosse parar aqui, contudo, minha história seria apenasmais uma tragédia. Neste livro, damos muita importância a histórias.Uma das principais razões para isso é a nossa convicção de quesomos uma geração de homens sem histórias. Somos uma geraçãode homens que não sabemos quem somos, por que estamos aqui,ou aonde estamos indo. Todos nós estamos nestajornada chamadamasculinidade, mas poucos de nós, se formos honestos, sentimo­nos à vontade na senda que trilhamos. Por não ter tido o privilégiode crescer com meu pai, eu não acreditava que tivesse qualquerhistória a me respaldar, qualquer história para levar adiante. Eusentia que não havia ninguém por mim, por isso eu tinha de medefender sozinho.

A ausência de história na minha vida forçou-me a voltar àhistória admirável de meu Pai, o único que sempre esteve presente.E descobri que tenho, sim, uma história para contar. De minhaperda brotou uma história rica e variada. Agora posso ver com umpouco mais de clareza que minha história diz respeito ao toqueredentor, incapacitador de um Pai; é uma história que deu coragema um homem apavorado, confiança a um homem inseguro, eesperança a um homem desanimado.

Se nos sentássemos para tomar um café e você me visse hoje,veria um retrato realmente estranho. De tempos em tempos, vocêveria um garoto que o defrauda com um terno e um sorriso. Vocêainda observaria um garoto que teme e titubeia. Mas, mais vezesainda, veria um homem - não um garoto - que mudoudramaticamente. Você conversaria com um homem que ama aesposa e está totalmente caído pelo filho. Veria um homem quetem algumas amizades chegadas, e um homem que já não alienaseu par, a quem ama.

Eu costumava pensar que ser homem era pular da cama todamanhã com uma história perfeita - nenhum medo, nenhuma

24 o SILÊNCIO DE ADÃO

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DON HUD~ON '

tragedia, nenhuma inse~uran~a, nenhuma ouvida soore,

~i me~mo, Masa~ora creio ~ue ~er nomem ne~e mun~oe~eralguem

~ue tem cora~em de vencer ~eu medo, fe para re~ponaer ~ ~uas

auvioas eamorpara leva·lo alem aaperda, Aesperany~ para mim,

re~ide no meu potencial ae tocar as pessoas reaentoramente, nas

gerayoes por ~r, em vez ae apenas passar esoarran~o por elas como

um fantasma torturado,

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ALANDREWS

A fotografia em preto-e-branco, emoldurada, de um jogador~irim de beisebol, repousa sobre uma cômoda no nossoquarto, entre outras recordações da família. A conhecida pose emuniforme listrado, boné na cabeça e taco sobre o ombro será,imagino eu, vista por meus netos algum dia num futuro distante.

Pergunto-me como eles me olharão. Será que olharão a fotocom o mesmo olhar desinteressado que muitas vezes tenho aofolhear os antigos álbuns da família? Será que rirão do uniforme"fora-de-moda" e das orelhas que se projetam de um boné grandedemais? Talvez eles riam, mas espero que façam algo diferente.Quero que saibam algo mais. Meu desejo é que eles compreendamque esta foto nada mais é do que um único quadro num filme delonga-metragem e não pode ser entendida fora do contexto do filmetodo. Quero que eles conjeturem sobre aquele menino. Como eraele? Quais eram as suas qualidades, suas fraquezas, seus sonhos?

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Corno passarei tal senso de história adiante, não tenho certezaabsoluta. Mas tenho certeza de que antes de passar algo adiante,tenho de sabê-lo eu mesmo. De certo modo, preciso interessar-mevivamente por aquela fotografia antes de pedir que outra pessoapondere sobre ela. Quero compreender as cenas do meu passadono contexto mais amplo e depois ver corno elas se encaixam numquadro maior, o filme que estava passando muito antes de eu nascere que continuará para sempre.

É por isso que quero fazer parte deste livro. Porque queropensar sobre minha própria história de uma forma que faça diferençapara aqueles com os quais tenho um relacionamento - minhaesposa, minha família, meus amigos e meus colegas. Quero pensarsobre minha história não de uma forma absorta mas de uma formaque conduza a mudança.

A fotografia sobre a cômoda é um reflexo do que estouquerendo dizer. É uma foto minha, com oito anos de idade, vestidoe pronto para o jogo. Isso é o que você pode ver. O que não podever é um garoto que não se saía bem em esportes de equipe. E oque você também não pode ver - o que nem mesmo eu pude verpor anos - são os profundos compromissos no coração daquelejogador mirim com um modo de vida particular. Deixe-me explicar.

Jamais me esquecerei de minha primeira vez como rebatedor.Após várias "peneiras" e meses de antecipação, eu me encontravaonde sonhara estar algum dia. Eu iria rebater. O arremessador aqueledia era um dos maiores meninos de oito anos: naquela época, umafigura intimidadora. No primeiro arremesso, vibrei o taco com força,e nada - primeiro perdido! O segundo arremesso,questionavelmente não por cima da base, mas considerado bompelo juiz - perdido! O terceiro arremesso, saiu muito à esquerda- bola fora. O quarto arremesso, movi com força o taco e nada ­três perdidos! Não recordo o meu fracasso como uma experiênciaterrivelmente incomum ou difícil; ser eliminado era bem comumentre os jogadores do meu time.

À medida que as semanas passaram e eu continuava sendoeliminado, contudo, lembro-me, sim, de uma sensação esquisita

28 o SILÊNCIO DE ADÃO

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AL ANDREW5 29

que começou a tomar conta de mim. Muitos dos outros caras dotime estavam começando a acertar. E com as rebatidas vinham vivase berros e corridas jubilosas em volta das bases. Enquanto elesestavam se deliciando com ojogo, eu ainda não havia feito conexãode uma bola com o taco. Aos poucos minha empolgação eentusiasmo com o jogo deram lugar a embaraço e esforço penoso.Comecei a ficar com a impressão de que a temporada talvez fossebem longa, pelo menos para mim.

E foi então que notei algo. Alguns jogadores conseguiamchegar à base sem terem dado uma única rebatida. Eram osrebatedores que recebiam mais bolas fora dos arremessadores, doque os erros que eles mesmos cometiam e nesse caso lhes erapermitido caminhar até a primeira base. De vez em quando elesconseguiam até a felicidade de ser aplaudidos ao caminharem pelasbases a caminho da base do batedor, resultado de terem um bomrebatedor vindo depois deles na escalação.

Ser eliminado foi se tomando cada vez mais humilhante, eassim tomei uma decisão, embora não me lembre de ter sido umadecisão consciente. Dado o fato de que os arremessadores mirinsnão eram conhecidos pela precisão de sua pontaria, percebi quehavia muita chance de que bom número das bolas arremessadas emminha direção não passassem por cima da base. Se eu não girasse otaco, pelo menos teria uma chance de chegar à base, e poderia pôrum paradeiro naquela sensação horrorosa que vinha após sereliminado. Pelo restante da temporada, jamais girei o taconovamente. Arremesso após arremesso e após arremesso, o tacorepousou sobre meu ombro. E embora eu fosse eliminado maisvezes do que esperava, de vez em quando, eu chegava à base.Ocasionalmente, eu chegava à base do batedor.

A história é uma metáfora tristemente apropriada para amaneira como escolhi viver boa parte de minha vida. Por muitosanos, mesmo depois de adulto, eu tinha um firme compromisso denão girar o taco, porque era doloroso demais. Quando o homemgira o taco e não acerta a bola, conhece o fracasso ea humilhação.

A incompetência é exposta e a vergonha é um sub-produto.

30 o SILÊNCIO DE ADÃO

Mesmo que ele gire e acerte, sente a pressão das expectativas.Afinal, se você acertou uma vez, deveria ser capaz de acertar denovo. É mais fácil deixar o taco sobre o ombro e esperar acaminhada ocasional, dependente do fracasso do arremessador edo sucesso do próximo rebatedor. A emoção de arquear o corpopara trás, voltar com tudo e rebater uma bola por cima da cerca é,para muitos homens, impensável.

Esse era o retrato da minha vida: um homem imóvel, commedo de se mover, recusando-se a se mover, querendo se mover,segurando-se devido a um compromisso anterior com a segurança,fosse na vocação, nos relacionamentos, ou nas responsabilidadesda vida diária. E quaisquer sucessos observáveis que fossem obtidoseram atribuídos a outros, e, interiormente, vistos com desconfiança.

Enquanto escrevo estas palavras, tenho tanto uma sensaçãode tristeza quanto de alegria. Tristeza, pelos danos que minha faltade movimento infligiu aos outros. Tristeza, por viver tanto da minhavida separado do propósito que Deus planejou para mim comohomem. Remorso, por anos passados em impotência escolhida eaparentemente necessária.

Se este fosse o fim da história, eu não teria motivo algumpara escrever. Mas há uma caneta em minha mão e ela está semovendo. Vim a conhecer a sensação de manejar e acertar, e noprocesso, o que eu temia ocorreu de fato. O fracasso tem sido maisdo que evidente, e a pressão advinda de me sair bem apenasaumentou. Mas a paixão, morta pela minha falta de movimento,reviveu, e com ela veio o desej o de mais.

PRIMEIRA PARTE

~ . ~

eeno s a

rra o

oSonho Se Perdeu

32 o SILÊNCIO DE ADÃO

Os homens sentem-se facilmente ameaçados.

E sempre que um homem é ameaçado, quando sente

desconforto em lugares de seu íntimo que não

compreende,

ele naturalmente retira-se para uma arena de conforto

ou competência, ou dorruna alguém ou algo a fim de

sentir-se poderoso. Os homens se recusam a sentir o

horror paralisador e humilhante da incerteza, um

horror que poderia 'impeli-los a confiar, um horror que

poderia liberar neles o poder de se doarem

profundamente nos

relacionamentos. Como resultado, a maioria dos

homens não se sente chegada a ninguém,

especialmente não a Deus, e ninguém se sente

chegado a eles.

Algo bom nos homens está detido e precisa

pôr-se em motnmento. Quando o bom movimento pâra, o

mau movimento (bater em retirada ou dominar)

confiavelmente se desenvolve.

Uma VisãoPara Os Homens

Casado há menos de dois anos. E as coisas estavam terríveis.Ele se sentia perdido, confuso, zangado. Tudo o que sabia,

com certeza, era que desejava conversar com o pai. Mais do quequalquer coisa, elequeria que seupaicompreendesse, que estivesseali comele,que olhasse bondosamente paraele, comenvolvimentoe respeito, sem pregar sermão nem se afastar.

a pai sempre fora o seu herói, o modelo de tudo que erabom. Bem casado por trinta e quatro anos com sua mãe fiel, umamulherque nunca reclamava, quesempre ficou emcasa. Elepodialembrar-se de ouvi-laexpressar interesse em trabalhar num hospi­tal infantilpróximo - ela realmente gostava de crianças - mas opai sempre se desfazia dela com um sorriso e um lembretedelicadamente reprovador de que ele proveria para a família.

Na igreja, também, seu pai era um exemplo maravilhoso.Como presbítero, ele servia os elementos na celebração mensal daSantaCeia, lutarapor manter o culto de oração e estudo bíblico domeio da semana quando o novo pastorauxiliar sugeriu substituí-lopor grupos familiares, nunca bebia (todos sabiam disso), dava odízimo fielmente, fazia devocionais em família quase toda noite,mantinha três filhos sempre sob controle. "Sua família é umtestemunho tão bom"eraumafrase que ele freqüentemente ouviradirigida ao pai, que sempre sorria e dava a Deus a glória.

34 o SILÊNCIO DE ADÃO

Por que a distância de vinte minutos de carro à casa do pailhe pareceu tão longa? Por que o terrível aperto no peito?

- Papai - começou ele, - preciso conversar com você.Está tudo horrível no meu casamento. Não sei o que fazer.

O sorriso. Aquele mesmo sorriso que manteve sua mãedentro de casa por trinta e quatro anos. O mesmo que os outrosachavam humilde. Ele percebeu, então, pela primeira vez, quantoo detestava.

O pai falou: dois títulos de livros, seguido de conselho paraque lesse Efésios 5 e depois a sugestão de que entregassetudo ao Senhor.

- Mas, Papai! - quase explodiu ele. - Já li os livros,estudei Efésios 5 e orei da melhor maneira que conheço. Queroalgo mais de você!

O pai permaneceu imóvel. O sorriso se foi, substituído porum olhar que poderia matar, um olhar que o filho já vira antes, masnunca dirigido a si. Silêncio. Um momento apavorante de tensão,depois o pai .levantou-se e, sem uma palavra, deixou a sala.

- Essa foi a primeira vez- admitiu ele mais tarde, - quepercebi que meu pai era um fraco.

* * *

Pergunto-me como serra ver um homem que fossetotalmente entregue a Deus.

Na parede ao lado da escrivaninha em meu escritório, estãodependuradas as palavras de D.L. Moody, escritas, emolduradas eposicionadas de forma que eu as possa ver todos os dias:

"O mundo ainda está por ver o que Deus pode fazer com e para

e através e em e pelo homem que lhe seja total e completamente

consagrado. Tentarei ao máximo ser esse homem."

Amo ler biografias, as histórias de homens como OswaldChambers, C.S.Lewis, JoOO Knox, Jonathan Edwards, Agostinho,

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UMA VISÃO PARA OS HOMENS 35

Paulo e Jeremias. Ao ler sobre suas vidas, tenho a impressão deque nossas idéias modernas sobre maturidade masculina estão bemdistantes do que os homens piedosos das gerações que nosantecederam compreendiam e praticavam.

Nós falamos muito, hoje, sobre coisas como vulnerabilidadee coragem de sentir a nossa dor. Eles pareciam mais interessadosem adorar e testemunhar. Nós falamos de comunicação e de viver àaltura do nosso potencial. Eles caíam de joelhos em quebrantamentoe se levantavam para servir.

Pergunto-me se as virtudes que tentamos desenvolver eramnaturais para aqueles homens de tantos anos atrás, cuj as batalhasmais dificeis eram travadas contra qualquer coisa que os impedissede conhecer a Cristo.

Nós nos reunimos em pequenos grupos para compartilharnossos sentimentos e discutir mos princípios para nos relacionarmosmais intimamente ou para edificar a auto-estima. Eles empreendiamlongas caminhadas com homens mais velhos que falavam comfacilidade de Deus e que irrompiam em oração sem aviso-prévio.

Certo dia durante sua "noite escura da alma" (que duroudiversos anos), Oswald Chambers saíra a caçar coelhos com JoOOCameron, um velho amigo da Escócia, acompanhado de dois cães.O propósito da caminhada era caçar, mas quando eles chegaram auma ribanceira coberta de relva, Cameron sugeriu que se detivessempor algum tempo e orassem.

"Nós nos ajoelhamos e ele nos dirigiu em oração", escreveuChambers sobre a ocasião. "Então eu comecei a orar, mas o filhotecollie, que havia ficado perfeitamente quieto durante a oração doancião, imaginou que eu nada mais tinha para fazer além de brincarcom ele,- e começou a correr por ali, pulando sobre mim, lambendomeu rosto, e ganindo de alegria. Cameron ergueu-se, severamentetomou o cãozinho pelo pescoço e falou: 'Quieto, quieto, eu sentareisobre o cão enquanto você ora.' E foi o que ele fez."!

'Oswald Chambers: Abandoned to God (À Mercê de Deus), uma biografia por David

Me Casland (Grand Rapids: Discovery House Publishers, 1993), 74-75

36 o SILÊNCIO DE ADÃO

Os homens religiosos de hoje encontraram, com demasiadafreqüência, um Deus conveniente, um Deus de utilidade imediatapromovido por líderes que estão mais cheios da vibração dasmultidões de fãs do que da oportunidade de quieta comunhão comDeus. O pecado mais duradouro na história de Israel foi cometidopelo rei Jeroboão (veja 1 Rs 12, especialmente os versículos 26­33), que facilitou o culto das pessoas reduzindo Deus a umadivindade local, visível; e ele o fez simplesmente para promoversuas próprias ambições. Funcionou. Ele conseguiu um grandenúmero de adeptos e reinou em Israel por vinte e dois anos.

Grandes multidões podem produzir grandes coisas. Mas elasme atemorizam. A obra mais profunda, mais duradoura de Deus éfeita com mais freqüência em isolamento, num diálogo pessoa-a­pessoa, ou na discussão de um grupo pequeno. Às vezes Sua melhorobra começa nas grandes multidões, mas o que acontece ali podeser facilmente tomado por algo acabado, quando não é mais doque algo começado.

Grandes multidões ajudam os homens modernos a se sentiremhomens. Quer estejamos torcendo pelo nosso time de futebol oudando vivas ao nome de Jesus, enfrentamos nosso vazio enchendo­o com qualquer alvoroço que pudermos encontrar. Enormesajuntamentos nos inflam com o que dá a impressão de, sermasculinidade autêntica.

Os homens das gerações anteriores se defrontavam embatalhas intensamente pessoais que duravam anos, batalhas queesmoreciam somente quando eles se abandonavam mais plenamentea Cristo, não apenas quando sentiam uma nova paixão varrê-losnum grande ajuntamento ou quando descobriam algo novo sobresi mesmos na terapia. O gozo de encontrar a Cristo era liberadoatravés do quebrantamento sobre o pecado, quebrantamento quelevava a um abandono reverente a Deus. Conhecer a Cristo,intimamente, se desenvolvia mediante uma obra profunda doEspírito de Deus que ocorria por vezes em grandes multidões mas,com maior freqüência, durante longas temporadas de aflitiva oraçãoem solidão.

UMA VISÃO PARA OS HOMENS 37

Pode-se argumentar que os homens, hoje, tendem a ser maissensíveis no que diz respeito a relacionamentos do que os nossosseveros antepassados. Talvez estejamos mais conscientes de quedevemos "ligarmo-nos" em nossas esposas, filhos e amigos. Talvezestejamos aprendendo que os homens de verdade são tanto temosquanto fortes, de maneiras que os homens mais velhos nuncaentenderam claramente. O movimento moderno de aconselhamentopoder reivindicar uma boa parte do crédito por esse bom efeito.

Mas sejam quais forem os ganhos que tenhamos feito nasociedade moderna, eles têm sido grandemente destituídos de seuvalor, porque a maioria de nós perdeu a profundidade da conexãocom Cristo que vem somente através do sofrimento inexplicado,do quebrantamento pungente e do arrependimento profundo.

Este livro é um chamado para voltarmos aos caminhosantigos, não para desistirmos das boas lições que o pensamento doCristianismo moderno nos ensinou, mas para voltarmos a umenfoque muito mais forte sobre como nos encontrar enquanto nosperdermos em Cristo. Quero ver-nos colocando de lado os esforçospara solucionar nossos problemas, curar a nossa dor e recobrar anossa auto-estima! Quero limpar o palco para que Cristo sejadestacado pela luz dos refletores; quero fixar a nossa atenção tãocompletamente em Sua beleza e poder que qualquer outropensamento seja perfumado com Sua fragrância.

Adorá-Lo, orar a Ele, procurá-Lo avidamente por todas asEscrituras, humilhar-nos diante dEle em quebrantamento pelo nossoorgulho e nossa devoção morna, esperar nEle para nos encher comSeu Espírito, servi-Lo com um propósito sincero e uma paixão queconsome todas as outras: estes são os caminhos antigos aos quaisprecisamos retomar.

Ao ler este livro, não perca de vista esta verdade simples: Aúnica maneira de ser viril éprimeiro serpiedoso. Em nossos dias,os homens estão procurando sua masculinidade mais do que estãoprocurando a Deus. Há homens demais que cometem o erro deestudar a masculinidade e de tentar praticar o que aprendem, semprestar atenção suficiente ao seu relacionamento com Deus. Será

38 o SILÊNCIO DE ADÃO

que realmente amamos a Cristo, ou a nossa paixão é maisprogramada e dúbita do que genuína e constante? Estamos cre­scendo numa santidade que atrai os outros (principalmente nossasfamílias) a Cristo, ou exibimos um fervor ~ e praticamos umritualismo - que somente impressiona os outros com o nosso zelo?

Ron fazia parte de um grupo de homens, de sua igreja, quese reunia semanalmente bem de manhãzinha. Eles falavam sobrebatalhas com a lascívia, tensões em casa, preocupações no trabalho.Eles oravam e cantavam juntos, se abraçavam e às vezes choravamjuntos, e prestavam contas uns aos outros do que estavaacontecendo em suas vidas. Ron sempre deixava essas reuniõesanimado e pronto, como homem, para conquistar seu mundo. Elenão podia ter ficado mais surpreso quando sua esposa um dia lhepediu que deixasse de freqüentar o grupo. Ela não estava gostandodo efeito que tinha sobre ele. Ela sentia que ele saía de lá maisentusiasmado do que temo, mais resolvido a fazer a coisa certa doque a se envolver com sua família e amigos.

Nossos melhores esforços para nos tornar varonis jamaisproduzirão a autêntica masculinidade enquanto não crescer emnossos corações um sentido permanente de adoração. E se pensamosque encontrar Cristo é algo que podemos fazer num seminário defim-de-semana, então nossa adoração será superficial. EncontrarCristo é um longo combate de aniquilamento do orgulho que passapelo desespero e chega ao gozo incontrolável da plenitude doEspírito, passando depois, novamente por um desespero maissombrio a um gozo mais radiante ainda. Os homens que evitamesse combate experimentarão apenas um arrependimento superfi­cial. Seu verdadeiro compromisso será para com coisas que nãoimportam de fato. Eles jamais desenvolverão uma paixão capaz detocar o centro de qualquer outra pessoa com amor vitalizador.

Ron deixou o grupo. Ele começou a se encontrar para o caféda manhã com um senhor mais velho, da igreja, que ele havia notadopor anos mas, nunca chegara a conhecer. Ron o ouvira orar algumasvezes na igreja. Eram orações diferentes. Elas pareciam conversasíntimas com um amigo mui amado. Por quase quatro meses, Ron

UMA VISÃO PARA OS HOMENS 39

encontrou-se com aquele homem, às vezes toda semana. Ele lhepediu que falasse sobre sua vida, seu casamento, seu relacionamentocom Deus. Aquele senhor sempre levava a sua Bíblia e muitas vezesa abria com o entusiasmo de um avô tirando as fotos do primeironeto. Quando o senhor mais velho não pôde mais marcar encontrosregulares, a esposa de Ron ficou desapontada.

Homens que aprendem a estar mais fascinados com Cristodo que consigo mesmos se tomarão os homens autênticos dosnossos dias. Os homens desta geração precisam aprender a contaro custo de seguir a Cristo (o custo é fácil de calcular: tudo o quetemos); precisamos sentir o vazio de nossas almas até que nenhumcusto pareça "alto demais se nos trouxer em contato com Ele;precisamos resistir à influência da cultura "cristã" que valoriza aautodescoberta e a auto-satisfação acima de um abandono de nósmesmos a Deus. Em suma, precisamos estar mais preocupados emconhecer a Cristo do que em nos encontrar.

Se tudo isto de fato acontecer, então daqui a trinta anos maiscrianças talvez descubram, na geração mais velha, lUl1 maior númerode exemplos de homens piedosos, varonis. Talvez elas sejam levadasa buscar a Deus de todo o seu coração e alma, movidas pelapoderosa coerência e amor não ameaçador que vêem em nós.

Eu tenho um sonho. Somente o tempo dirá se ele é realmentede Deus. Eu acho que sim.

Meu sonho é realmente bem simples. Ao olhar trinta anos nofuturo, vejo alguns grupos espalhados por aqui e por ali, atravésdo cenário cristão, nos quais caráterpiedoso e sabedoria espiritualserão mais prestigiados do que diplomas e habilidades, e maisvalorizados do que realização e competência.

Vejo uma comunidade de pessoas que lutam, atormentadaspor todos os males advindos de terem de viver num mundo quenunca fomos projetados para suportar, batalhando inclinações eimpulsos que nunca foi intencionado que sentíssemos. Vejo pessoascujos casamentos são terríveis, cujos filhos despedaçaram suaesperança de uma família feliz, cujos emoções estão descontroladas,que passam noites horrivelmente longas aterrorizadas por

40 o SILÊNCIO DE ADÃO

lembranças de abuso indizível na infância, que se sentem tãomagoadas pela rej eição, que têm a impressão de que seus coraçõesestão sendo arrancados para fora do peito, que se odeiam por causados impulsos sexualmente pervertidos que devastam seu íntimo,que chegam perto de desistir de toda esperança sob o peso deinfinita solidão.

Em meu sonho, vejo essas pessoas fazendo algo que muitopoucos estão fazendo hoje na vida real. Vejo-as passando além doconsultório que ostenta uma placa anunciando um profissional cujotreinamento garante competência técnica mas não um caráterpiedoso. Vejo-as devolvendo livros à prateleira da livraria cristã:os livros cujas sobrecapas prometem falsamente para agora o quesomente o céu proverá mais tarde. Vejo-as apanhando um folhetoque promove o seminário do qual todo mundo está falando, olhando­o e depois colocando-o de volta no lugar.

Vejo essas pessoas entrarem tropeçando na sala de estar deuma viúva solitária, encaminhando-se para uma lanchonete a fimde passar algumas horas com o viúvo cansado, batendo à porta doescritório no qual espera alguém que está revestido de humildade eansioso pelo Céu, alguém que é desinibidamente fiel ao apontar demaneira calorosa para Cristo.

Entrevejo uma geração na qual mentores não são tão escassos,na qual pastores e presbíteros gozem novamente de altaconsideração porque pastoreiam e presbiteram; na qual líderescristãos não sofrem mais a exigência de administrar ministérios domodo que executivos constróem corporações, mas, antes, sãoreverenciados como homens de influência piedosa. Se eu olhar comforça o meu sonho, posso ver um exército de homens e mulheressábios distribuídos entre o povo de Deus, armados apenas comdiscernimento delicado e sabedoria penetrante, qualidades de caráterque foram forjadas nas chamas do sofrimento. São esses os quepagaram um preço que poucos estão dispostos a pagar. E o pagaramcontinuamente por anos, sem alívio. Esses homens são PAIS, essasmulheres são MÃEs, pessoas piedosas cuja quieta presença é sentidae valorizada.

UMA V/SÃO PARA OS HOMENS 41

Umjovem casal escreveu-me desesperado. "Estamos casadoshá seis anos e simplesmente não está dando certo. Você conheceum bom terapeuta cristão "na nossa área?"

Por que esse casal escreveria para mim, um psicólogoprofissional, treinado e licenciado, em vez de pedir a um presbíterode sua igreja que se reunisse com os dois? Será que eles foramatraídos por meu título? Por meu caráter? Por que a maioria daspessoas que têm problemas pensam imediatamente em procurar"ajuda profissional"? Por que não procuram entre os sábios homense mulheres cristãos? A maioria de nós não consultaria um presbíteroda igreja sobre ataques de pânico ou lutas sexuais da mesma formaque não pediria ao pastor que obturasse o canal de umdente. Por quê?

Nossa cultura comprou a mentira de que os problemaspessoais não têm uma natureza diferente da dos problemas físicos.Nos dois tipos de problema, achamos que há alguma coisa erradaque só pode ser consertada por um perito cuja compreensão excedaa sabedoria oferecida pela Bíblia. Perdemos de vista inteiramente ofato de que qualquer problema não-físico é, no seu cerne, umproblema moral? , que tem suas raízes no relacionamento da pessoacom Deus.

Produzimos, portanto, uma geração de terapeutas, umexército de conselheiros treinados para combaterem problemas queeles mal compreendem porque passaram mais tempo nas salas deaula, tornando-se competentes, do que na presença de Deustornando-se presbíteros. Perdemos interesse em desenvolvermentores, homens e mulheres sábios que sabem como chegar aoverdadeiro cerne das coisas e que têm o poder de trazer recursossobrenaturais para agir sobre o que está errado.

ZNão creio que todos os problemas pessoais sejam resultado direto do pecado pessoal,

deliberado, que mais obediência pode curar. Veja Atravessar Problemas e Encontrar a

Deus, São Paulo - Editora Sepal, 1997, para uma discussão de minhas opiniões sobre

essa questão.

Se meu sonho se concretizar, toda a nossa cultura mudará.Como um terremoto que muda dramaticamente a paisagem, assimmeu sonho, se concretizado, alterará profundamente nossas maisqueridas instituições. Ele despedaçará nossas premissas maisprofundamente enraizadas de como devemos viver nossas vidas.

Tudo que não é material mudará. Coisas que têm base emfatos científicos e em procedimentos testados empiricamentenaturalmente não serão afetadas. As técnicas cirúrgicas e projetosde engenharia para construir arranha-céus não serão mudados pelarevolução com que sonho, como também não mudará o uso legítimode medicamentos para contra ataques de pânico, disfunçõesobsessivo-compulsivas, e alguns casos de depressão.

Mas, a maneira como "fazemos" igreja, como influenciamosvidas, como provemos liderança social e moral, como vivemosjuntos em famílias e em comunidades - isso seráradicalmente alterado.

As celebridades se tomarão obscuras. Algumas frases de umpresbítero significarão mais do que todos os segredos de vida eficazcompartilhados por um comunicador aplaudido num seminário defim-de-semana. Grandes eventos "cristãos" serão limitados aevangelismo ou a oração significativa, adoração apaixonada, ouinstrução bíblica. As pessoas cobiçarão uma noite na casa de umconselheiro mais do que a oportunidade de comparecer a umareunião para motivar pessoas. Elas saberão que, a primeira, temmais poder para mudar suas vidas do que a segunda. Banquetes depremiação na comunidade cristã serão menos parecidos com eventosde Hollywood. As pessoas serão honradas de uma forma quesignificativamente as deprecie em vez de elevá-las como maissignificativas por causa de suas realizações. Ninguém competirácom Cristo pelas mais altas honrarias.

Em meu sonho, eu vejo:UMA GERAÇÃO DE CONSELHEIROS, presbíteros sábios

que são mais valorizados do que especialistas treinados para nosajudar a responder aos desafios da vida; homens e mulheres piedososcujo poder e sabedoria atingem mais profundamente as nossas almas

42 o SILÊNCIO DE ADÃO

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UIvtA VISÃO PARA OS HOMENS 43

do que o conhecimento e a habilidade de um perito. Se é para meusonho se realizar, será preciso um milagre de Deus, não o pseudo­milagre do tipo espalhafatoso que detona um movimento mas dotipo sólido, profundo que pode dar início a uma reforma. Já tivemosmovimentos o suficiente, acontecimentos suficientes daqueles quecriam enormes séquitos e chegam às manchetes. Mas não temostido nenhuma reforma por bom número de anos. Talvez tenhachegado a hora.

Meu sonho se resume numa frase tão simples quanto pro­funda: Se os homens se tornarem homens, o mundo se transformará.É verdade também que se as mulheres se tomarem mulheres, omundo se transformará. Um livro poderia e deveria ser escrito ­sobre um sonho paralelo, um sonho sobre mulheres mais velhasque se tomam mães, e mulheres mais jovens que aprendem a serirmãs. Um livro desses sobre mães e irmãs espirituais seria umcompanheiro apropriado para este livro sobre pais eirmãos espirituais. ,

Em meu sonho, os homens mais velhos serão pais e os maisj avens serão irmãos. Quando os homens em todo o mundorecobrarem sua voz, liberarem seu poder e recapturarem o gozoao seguirem o chamado de Deus para se tornarem homensautênticos, a própria natureza da comunidade cristã mudará. Esseé o meu sonho.

Mas estou preocupado. Estou preocupado com as própriascoisas que deveriam me tranqüilizar. Estou preocupado com aquantidade de atenção que todo este tópico de masculinidade estárecebendo. Estou preocupado com o fato de que qualquer bemque esteja se desenvolvendo seja desfeito nwn futuro revide, quandoo movimento masculino será exposto como uma edificaçãosobre areia.

Estou preocupado com o fato de não estarmos enfrentandoos terríveis problemas dentro de nós que desfiguram a nossamasculinidade, problemas que somente uma cirurgia dolorosa eprolongada pode curar. Estou preocupado com o fato de termosfixado os olhos demais, de estarmos correndo atrás de algo muito

44 o SILÊNCIO DE ADÃO

fácil de alcançar, de que um amor mais profundo por Cristo nãoesteja no centro das coisas.

Talvez estejamos nos contentando com uma falsificação daverdadeira masculinidade. Penso às vezes que esta idéia de se "tornarum homem de verdade" foi reduzida a uma moda cultural, a ummero movimento acompanhado dos elementos de sempre: oentusiasmo de grandes multidões, a esperança de novas fórmulas,a inspiração de palestrantes desafiadores, a determinação decompromissos bradados, e as idéias dos "gurus de plantão".

O que não precisamos é de uma explosão temporária dedeterminação e paixão. O que de fato precisamos é de reforma,aquela obra de Deus marcada por repetidos ciclos dequebrantamento, arrependimento, perseverança e gozo. Precisamosque Deus nos dê poder para adentrarmos o mistério dosrelacionamentos num nível de conexão vitalizadora que oentusiasmo e os lemas jamais podem produzir. Precisamosabandonar-nos a Cristo de uma forma que libere tudo o que oEspírito colocou dentro de nós.

Precisamos determinar, detalhadamente, o custo de tomar­nos homens até que o apelo de qualquer coisa inferior desapareçae apenas o chamado de Deus permaneça.

Se for para nos tomarmos uma geração de conselheiros etermos uma cultura cheia de homens de caráter e visão, homensque possam conduzir a próxima geração à verdadeira santidade,então precisamos considerar, cuidadosamente, como os homens separecerão quando Cristo for formado neles.

Em dias nos quais a capacidade de Satanás, de nos venderuma falsificação do que é verdadeiro, está no auge, em que é bemprovável que confundamos um caminho confortavelmente estreitocom o que é mais estreito ainda, precisamos começar com umaidéia clara da aparência que tem o milagre da masculinidade.

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Homens VirisEHomens

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D essa vez Ele estava em sérios apuros. Já havia ofendidopessoas importantes o suficiente para se meterem encrenca.

Mas nada tão ruim quanto agora.Seus amigos queriam ajudar. Eram todos jovens, robustos,

determinados, na primavera da vida, ansiosos por irem em buscadaquilo em que acreditavam. Eles se reuniram para debater o quepoderiam fazer. Nenhuma de suas idéias valiagrande coisa. E elessabiam disso. As coisas tinham ido longe demais.

A conversa passou aos poucos de idéias para reclamações.Eles estavam zangados. Simplesmente não erajusto. Política! Erasó o que era. Política suja, podre.

Logo depois da reunião, um deles, umhomenzarrão trigueiro,a pele cor de azeitona ressecada por muitos dias passados no mar,tentou comprar briga com um bajulador do outro lado, achandoque seria mesmo gostoso bater em alguém. Até os nomes feiosdavam certo alívio. Mas por que Ele não fazia algo? Era dEle,afinal, a batalha, umabatalhapela sua vida.

O pessoal estava apavorado. Todas as suas esperançasestavam ruindo. O que fariam? O que lhes aconteceria se ele lhesfosse tirado? Era só nisso que conseguiam pensar.

46 o SILÊNCIO DE ADÃO

De repente, Ele os convocou para uma reunião. Ótimo! Agoraestamos chegando a algum lugar. Ele tem um plano. Está pronto amover-se, a assumir o comando como um homem. Mas tudo o queEle disse foi: "As coisas vão ficar muito difíceis. E isso estácomeçando a mexer comigo. Quero que vocês fiquem por perto."Eles j á O tinham visto perturbado antes. Mas não assim.

Queriam continuar envolvidos com Ele. De verdade. Masera difícil ficar por ali, impotentes, e apenas observar. E não tinhamdormido por dias.

Por que Ele não se defendera quando O interrogaram? Eletinha amigos influentes. Por que não apelou para eles? Ele nãoestava fazendo nada para ajudar a Si mesmo. Parecia resignado ­não, disposto - a suportar terrível dificuldade como se fosseSeu destino.

Ele permaneceu muito quieto, muito calmo, após aquela únicavez em que desmoronou. Como conseguia manter a cabeça e nãovociferar por justiça - ou vingança? Depois de tudo aquilo, até ofinalzinho, Ele se importava mais com seus amigos - e seusinimigos - do que consigo mesmo, ainda que fosse Ele quemenfrentava o pior pesadelo.

Alguém que o vinha observando por algum tempo colocouem palavras o que muitos estavam pensando: "Ninguémjamais faloucomo este homem l"

* * *

Este livro é um pequeno esforço em animar os homens apensarem seriamente sobre o que é necessário para se tornaremhomens piedosos, homens para quem algumas pessoas, nas suascomunidades, olharão como presbíteros, homens que serãoconhecidos mais por sua influência piedosa do que por seu talentoe realizações.

Nossa cultura está agora dividida em dois grupos de pessoas:alguns peritos importantes - teólogos treinados, pastorespopulares, empresários influentes, profissionais habilidosos, líderes

HOMENS VIRIS E HOMENS POUCOS VIRIS 47

inspiradores de seminários, especialistas em auto-ajuda e genteconfortável de classe média com bons empregos e lindos filhos,gente boa que leciona a classe de "casais jovens" na igreja - etodos os outros, as pessoas comuns que cuidam da sua vidinhacotidiana desfrutando quaisquer prazeres que possam obter esuportando as dificuldades da melhor maneira que podem. Essassão as pessoas sem as macias almofadas do dinheiro, conforto eprestígio para protegê-las das questões difíceis e da verdadeira dor- gente que se pergunta se o que experimenta é realmente tudo oque existe na vida.

Imagine como seria se nossas comunidades cristãs fossemcompostas, não de peritos e gente comum, mas de presbíteros ediscípulos: presbíteros, homens e mulheres, que conhecem bem aDeus (que insistiriam, é claro, que mal O conhecem, mas queviveriam para conhecê-Lo melhor de uma forma observável); ediscípulos, vastos ajuntamentos de pessoas cujos corações foramdespertados pela possibilidade de realmente conhecerem a Cristo,uma possibilidade que eles vêem demonstrada nas vidas dosverdadeiramente amadurecidos. Se é para vir uma reforma, ela viráatravés de presbíteros, não de peritos.

Se é para homens comuns se transformarem em pais, se épara os peritos serem transformados em presbíteros, precisamosdesenvolver alguma idéia sobre qual a aparência da masculinidadepiedosa, Precisamos ter um retrato da verdadeira masculinidadeque primeiro nos levará ao quebrantamento ao tomar óbvias asnossas falhas masculinas e então incendiará uma paixão implacávelpor realizar o tremendo potencial de tomar-nos verdadeiros homens.

Portanto, começo este capítulo com uma pergunta básica:com que se parece um homem piedoso? (Você pode substituir aexpressão "homem viril" por "homem piedoso". As duas são amesma coisa.)

Será que ele é espadaúdo, confiante em si mesmo, durão,,bem-sucedido? E poderoso, dedicado aos seus propósitos, capazde manter sob controle as emoções que poderiam interferir com arealização de seus objetivos? Ele continua se movendo contra todos

48 o SILÊNCIO DE ADÃO

os obstáculos,jamais se permitindo ceder ao impulso de entrar empânico ou chorar? Será que seu gozo mais profundo vem do queele realizou mais do que daquilo que as pessoas sentem quandoestão com ele?

Esse é o ponto de vista tradicional: os verdadeiros homenssão durões, durões o suficiente para liderar e tomar decisões e estarsempre em movimento. Mas durante os últimos dez ou vinte anos,esse ponto de vista levou uma surra.

Dos púlpitos, em conferências e através de livros, os homensmodernos têm sido encorajados (às vezes ordenados) a mostrarseu lado meigo, a se tornar confortáveis com a vulnerabilidade ecom as demonstrações emocionais, a parar de pensar em si mesmoscomo superiores às mulheres, a liberar aquela parte de suahumanidade que anela mais por associar-se do que por realizar.

Homens que vivem pelo projeto de Deus, é o que essepensamento sugere, são mais gentis, mais bondosos, mais atenciososdo que achávamos que os homens deveriam ser. Agressão e poder,essas qualidades "varonis" tradicionais que levam os homens asaírem para lutar contra o mundo enquanto as senhoras ficam emcasa, são agora desprezadas como erros culturais, perversões daverdadeira masculinidade.

Em nossa compreensão moderna, qualquer coisa que sejalegítima sobre o "espírito pioneiro" pertence tanto às mulheresquanto aos homens. E qualquer coisa que seja atraente na vidadoméstica deveria atrair tanto os homens quanto as mulheres devolta ao lar e ao aconchego que ele provê. Não devemos mais,dizem-nos, ver homens caçando enquanto as mulheres tricotam.Esses estereótipos estão mais relacionados a um longa história depensamento patriarcal do que às Escrituras. É assim que muitospensam hoj e,

Mas os homens têm muita dificuldade em largar seus arcos eflexas e apanhar linhas e agulhas. O movimento moderno doshomens, agora a todo vapor, brotou parcialmente como reação àidéia de que os homens devem tomar-se mais relacionalmentesensíveis - mais "feminilizados", conforme alguns têm expressado

HOMENS VlRfS E HOMENS POUCOS VIRfS 49

a idéia. Robert Bly deu início a isso com seu livro, Iron John (Joãode Ferro), no qual escreveu sobre um "ardor" dentro de todos oshomens que está esperando para mover-se poderosamente na vida.Em Fire in lhe Belly (Fogo nas Entranhas), Sam Keen acrescentouseu vibrante chamado a que sopremos o fogo em nossas entranhas,a que abracemos e liberemos nossas mais profundas paixões.

Nenhum desses homens, nem a maioria dos líderessubseqüentes do movimento masculino, desej a retomar ao estiloJohn Wayne de masculinidade (no qual os homens eram mais durõesdo que temos), mas expressaram uma preocupação legítima deque algo primitivo e básico sobre a natureza da masculinidade correperigo de ficar perdida na luta da cultura para definí-Ia.

E eu concordo. Algo se perdeu. Mas o quê exatamente? Aidéia de um "ardor" primitivo encontrou ressonância dentro doshomens. O chamado para viverpaixões mais básicas do que sucessoe sexo foi ouvido por milhares. Quando os homens se erguem,juntos, em enormes reuniões dos Cumpridores de Promessas eresolvem honrar suas responsabilidades, algo profundo que existeno coração dos homens é liberado. E por isso devemos todosser gratos.

Ardor, paixão, determinação - são essas as qualidades noâmago da masculinidade que foram perdidas e estão agorasendo redescobertas?

Por razões apresentadas no restante deste .Iivro, creio quejá estamos mais perto do âmago absoluto da masculinidade masainda não o atingimos, pelo que temos visto até agora nomovimento masculino.

Algo foi perdido. Há algo errado com os homens. Algobom que Deus colocou dentro de cada homem - algo queadquire vida somente através da regeneração - não foi liberadona maioria dos homens. Por essa razão tão. poucos homenssão presbíteros.

Como forma de introduzir a nossa compreensão damasculinidade, permita-me encoraj á-lo a pensar emmasculinidade como uma energia - um impulso natural dentro

50 o SILÊNCIO DE ADÃO

do coração de todo homem, um poder e um ímpeto de mover­se na vida de urna maneira particular.

Homens nos quais a energia masculina é suprimida oudistorcida são homens pouco viris, não piedosos, não importa oque a cultura os considere. Os homens serão varonis somentequando viverem no poder da energia masculina liberada. Ora, oque exatamente estou querendo dizer com isso?

Para desenvolver uma idéia mais clara de com que se parecea "masculinidade liberada", talvez fosse útil primeiro dar uma breveolhada num homem não autêntico, alguém cuja energia virilpermanece adormecida ou que é expressa de forma corrompida.

HOMENS NÃO AUTÊNTICOS

Se você estiver num relacionamento com um homem poucoviril, provavelmente o experimentará como:

• Controlador (impessoalmente poderoso)• Destrutivo (ou perigoso)• Egoísta (comprometido, acima de tudo, a sentir-se de

certa maneira sobre si mesmo)

o homem pouco viril controla as conversas; ele manipula afamília e os amigos; arranja sua vida de modo a evitar qualquercoisa que não esteja certo de poder enfrentar. Ele não confia emninguém, não profundamente. Ele trabalha duro para manobrar a simesmo numa luz favorável, numa posição na qual ele sai por cimaou pelo menos sem ser desafiado. Não é um bom ouvinte. Eleraramente faz perguntas significativas, preferindo oferecer opiniõesou permanecer calado. Ninguém se sente buscado por ele, exceto,quando sua amizade pode ser uma vantagem. Quando ele chega amostrar interesse por você, dá a impressão de um vendedor decarros pedindo para ver uma foto da sua família.

E ele é destrutivo. Suas palavras e ações prejudicam as

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pessoas, embora os colegas possam sentir-se encoraj ados edesafiados por algum tempo (às vezes um longo tempo). Osmembros da família sentem os danos mais cedo e maisprofundamente mas às vezes estão apavorados demais para admiti­lo, mesmo para si próprios. Freqüentemente, o verniz de bondadee afabilidade é tão espesso que o dano só é sentido com um podercumulativo que destrói lentamente, como pequenos indícios deveneno na água que bebemos. Às vezes ele fere ativamente aspessoas com sarcasmo e maldade pura, ocasionalmente comviolência. Com maior freqüência, o dano é causado pela indiferençae retração, os tipos de armas que fazem você sentir-se culpado ouestranho por sentir-se atacado. A esposa do homem pouco virilraramente sente que é apreciada. Ela pode nunca lhe contar, masfreqüentemente sente-se usada, depreciada ou odiada. Os filhos eamigos desse homem guardam distância. Estão zangados demaisou amedrontados demais para chegar perto.

Seu egoísmo nem sempre é aparente, mas se revela claramentenas horas difíceis. A despeito da bondade e de uma generosidadepor vezes extravagante, um compromisso final com seu própriobem-estar emerge claramente no frigir dos ovos.

Os homens pouco viris são controladores, destrutivos eegoístas. Mas essas características descrevem apenas o que é visívelpara os outros, o que as pessoas sentem em sua presença. Arranheabaixo da superfície (que às vezes é espessa) e você descobrirá queexiste, sustentando essas ervas daninhas, um sistema de raízes quetem uma obstinada vida própria. Em profundezas que geralmentepermanecem inexploradas, os homens emasculados sentem-seimpotentes debaixo de sua determinação de controlar; uma odiosafúria energiza sua destrutividade; e eles estão apavorados a pontode ver o egoísmo como sua única esperança de sobrevivência. Olhedentro do homem poco viril e. você encontrará um homemimpotente, zangado e apavorado tentando fazer sua vida funcionaratravés do controle, da intimidação e do egoísmo. As três primeirascaracterísticas - controlador, intimidador, egoísta - são típicasdo estilo em que o homem emasculado se relaciona, típicas de como

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ele se mostra. As três segundas - impotente, zangado, apavorado- representam as batalhas sendo travadas na profundeza de suaalma, abaixo do seu estilo de relacionar-se. Vamos examinar commais atenção esse segundo conjunto de características, querepresenta o que está ocorrendo dentro do homem emasculado.

Impotentes

Brent tinha um histórico de se afastar das mulheres bem noponto em que o próximo passo seria o compromisso. Ele explicouesse padrão da seguinte forma: "Eu simplesmente não estou certose tenho em mim o que é necessário para fazer um relacionamentofuncionar. O que acontecerá se ela exigir que eu faça algo que nãoposso fazer, ou seja, alguém que não sou?"

Os homens que se sentem impotentes gostam que as coisassejam previsíveis. Eles não gostam de surpresas. O inesperado éuma aventura emocionante apenas quando ocorre em áreas nasquais o homem pouco viril sente-se especialmente competente. Aadrenalina flui num cirurgião experiente quando algo sai errado namesa de operação. Talvez mais tarde ele admita que ficou commedo, mas faz o que precisa ser feito no momento, e o faz bem.

Empresários com um histórico de sucessos às vezesdemonstram nervos de aço e bom julgamento em crises que levamhomens "inferiores" a cair, tremendo, de joelhos. Encanadoresexperientes com um talento para farej ar o que está errado e saberexatamente o que consertar ficam entediados com canos entupidose vazamentos rotineiros. Problemas maiores lhes dão a oportunidadede exibir o que sabem. Intelectuais erguem-se à altura do desafiode um debate. Eles acolhem um argumento contrário como umtouro acolhe a capa vermelha. É um chamado ao ataque.

Seja cirurgião, principal executivo, encanador ou intelectual,dá tudo na mesma. A incerteza oferece um desafio emocionanteaos homens somente quando ocorre em áreas nas quais eles sesentem seguros de sua capacidade.

HOMENS VIRIS E HOMENS POUCOS VIRIS 53

Mas, debaixo da confiança do mais bem dotado dos homens,há um medo que não diminui. Os homens pouco viris sãoatormentados pela possibilidade de acontecer algo que eles nãoconsigam resolver, algo que exija que eles entrem em territóriodesconhecido, onde sua adequação não foi provada, onde seustalentos comprovados podem ser inúteis. Todo homem honestosente esse medo. O homem pouco viril não sente nada maisfortemente do que esse medo, mas nega o quanto isto é fortedentro dele.

Os homens que em tudo o mais são fortes podem sentir-seapavorados por terem de falar a uma classe da escola dominical,conversar com suas filhas sobre sexo, escolher o restaurante certopara uma celebração de aniversário de casamento, ou de expressarseus sentimentos mais profundos aos amigos. Não é nenhumasurpresa os homens pouco viris sentirem-se mais impotentes naúnica área que ninguém pode controlar efetivamente - a dosrelacionamentos pessoais. Aproximarem-se de suas esposas,sentirem-se sábios o suficientes paraserem respeitados pelos filhos,edificarem uma intimidade saudável com os amigos: esses são ostipos de áreas que têm o poder de fazer com que os homens sesintam impotentes.

Para esconder sua impotência, os homens impotentesencontram algo que possam controlar - algo que possam operarbem - e evitam aquilo que temem. Eles então consideram qualquercoisa que possam controlar como importante e ocupam a maiorparte da sua energia operando-a. Pode ser algo tão corriqueiroquanto manter limpo o carro, tão errado quanto seduzir outramulher, tão irritante quanto trivializar toda conversa séria com umapiada, algo tão bem recebido quanto escrever uma crítica de Culturaque figure na lista dos livros mais vendidos, ou tão consumidorquando um negócio em crescimento ou um ministério em expansão.Os homens impotentes passam a vida controlando algum resultadoe iludindo-se em pensar que isso importa.

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Zangados

o SILÊNCIO DE ADÃO

Homens zangados irritam-se facilmente. Exasperam-sequando alguém lhes pede que operem fora de sua esfera decompetência, que usem recursos que eles não estão certos de ter.Quando a esposa pede envolvimento, o homem zangado tende apensar no que ele já lhe deu. E é geralmente uma lista de coisasmateriais ("Olhe só a casa em que moramos"), pecados nãocometidos ("Sempre fui fiel a você"), ou comparações favoráveiscom outros homens ("Pelo menos não fico grudado na TV,assistindo aos esportes todas as noites como seu irmão. Saímospara jantar com amigos, estou na igreja todos os domingos, e atélevo a Susaninha à aula de piano. O que mais você quer?")

Os homens pouco viris são fáceis de provocar. Não é precisonada grande para detonar a explosão de zanga que nunca está muitolonge da superficie. A vida em si exige continuamente que os homensfaçam mais do que se acham capazes de fazer. As responsabilidadesnunca diminuem. Usar fio dental hoj e não quer dizer que você possadeixar de usá-lo amanhã. E mesmo usar o fio dental, fielmente, nãogarante nota dez no dentista.

Quando você escapa do consultório do dentista sem ouvir ozunido do motor, a alegria não dura muito. Aparece uma pinta nassuas costas, e a cor é esquisita. Ou seu filho adolescente traz umpéssimo boletim para casa. Você fica sem saber se ele é preguiçoso,está envolvido com drogas ou se o problema é a falta de capacidadede se concentrar. Talvez ele precise daqueles remédios bons quetomam os garotos menos aptos a se distraírem; talvez uma escolacristã particular. Então seu ar-condicionado pára de funcionarexatamente quando o verão chega. Sua esposa lhe diz que não temse sentido cortejada há um bom tempo. E você quer matar,bater, berrar.

Há épocas na vida em que tudo dá errado. E há temporadas,geralmente mais curtas, quando a maior parte das coisas dá certo.Todos estão se dando bem, o imposto de renda lhe deve umarestituição, e sua filha está namorando o presidente do grupo de

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jovens. Mas mesmo durante os bons tempos, você está conscientede uma vaga apreensão que parece ameaçadora, como uma únicanuvem escura pairando sobre seu piquenique.

- Me dá um tempo! - bradamos a ninguém em particular,ou a Deus, se admitirmos que nossa fúria é dirigida contra Ele. E avida (ou Deus) parece replicar:

- Prepare-se! O outro sapato vai cair. Quando?Quero surpreendê-lo.

É suficiente para deixar qualquer um louco. E a zanga, dotipo que a maioria de nós sente, justifica confiave1mente ações que,para uma mente não zangada, seriam de pronto reconhecidas comoerradas. As ações que parecem certas, quando estaÍnos zangados,causam danos aos outros e fazem com que nos sintamos melhor.Gostamos dos dois efeitos.

Mas a satisfação é superficial e breve. Acaba dando lugar aovazio. E nos sentimos menos capazes de enfrentar a exigênciaininterrupta da vida para que continuemos nos movendo.

Chega um ponto em que não podemos pensar em nada alémde vingança. O impulso ruidoso de destruir não se toma um padrãofixo na maioria dos homens, mas atinge grau de fervura emmomentos inesperados e com feroz intensidade. Os homens poucoviris sentem-se estranhamente bem quando percebem dentro de sium poder capaz de destruir. E sentem-se melhor ainda quando oliberam.

Essa liberação da energia masculina corrompida pode tomara forma de sarcasmo, de piadas "só para iniciados", quepropositalmente excluem os outros, do uso de um intelecto brilhantepara intimidar ou de simples negligência. Ela pode serexperimentada, mais violentamente, através de fantasias ou deabuso físico.

Quando o homem não está experimentando o gozo quesomente a liberação de energia masculina pode criar, é atraído parao prazer do poder. Os homens destrutivos não são viris: estão loucoscom a energia da masculinidade distorcida; estão loucos com aspessoas e loucos com a vida e loucos com Deus. Estão cheios de

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julgamento vingativo contra todos menos com eles próprios.Quando vou atrás de alguém que está descendo lentamente

um lance de escada, tenho por vezes o impulso de ajudá-lo a descermais depressa. A idéia de empurrar alguém e vê-lo rolar escadaabaixo pode ser atraente.

Aterrorizados

E se a vida revelar que sou um fracasso, alguém que nãoconsegue enfrentar suas exigências legítimas? E se eu for incapazde tratar de maneira eficaz com questões que preciso admitir seremverdadeiramente importantes? E se eu arruinar tudo - minhafamília, minhas amizades, meu emprego - e ficar sozinho, umperdedor despido para todos verem? E se eu enfrentar o fato deque todo o meu dinheiro, meus bens materiais e os bons temposnão preencheram aquele terrível vazio que existe na profundeza domeu íntimo?

Os homens pouco viris vivem com um terror mudo que, comoa pressão alta, mata lenta e silenciosamente. O terror não vai embora.Geralmente permanece escondido sob a capa do sucesso,sociabilidade e rotina. Às vezes ele entra em erupção. E quando ofaz, tais homens pouco viris ficam em pânico ou deprimidos; àsvezes sentem o impulso de se suicidar, de matar outra pessoa ou dedesfrutar os prazeres singulares da imoralidade.

Quer o terror permaneça mudo, quer irrompa no consciente,ele exige alívio. Qualquer coisa que seja necessária para trazer alívioparece razoável, inteiramente legítima. Mas embora a idéia de baterno seu cachorro ou berrar com sua esposa tenha certo atrativo,arranjar um jeito de obter prazer instantâneo, confiável, parecemelhor. Isso atenua o terror com um gozo consumidor que nãoenvolve nenhum risco.

As opções são muitas. O prazer pornográfico está tão próximoquanto a banca de revistas da esquina. Se comprar Playboy estiveralém de linha que você ainda não atravessa, prazeres semelhantes

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HOMENS VIRIS E HOMENS POUCOS VlRfS 57

estão à sua disposição dentro de sua imaginação e de sua memória.Uma visita ao restaurante onde a garçonete bem torneada - aquelaque sempre sorri para você - trabalha no turno do café da manhãajudará. O alvo é ALÍVIO: pronto; confiável e facilmenteprovidenciado. Desfrutar de Deus é um trabalho mais difícil. Oshomens aterrorizados querem alívio agora!

Permitam-me resumir. Quando a energia masculina não éliberada, quando é suprimida ou distorcida, os homens:

1. Sentem-se impotentes; por isso compensam, dedicando­se a controlar alguma coisa. Tomam-se HOMENS AGRESSIVOS.

2. Experimentam fúria e se convencem de que a vingançalhes é devida. Tomam-se HOMENS ABUSIVOS.

3. Vivem com um terror para o qual não há solução ou es­cape, apenas alívio. Eles atenuam o terror com prazer físico etomam-se HOMENS VICIADOS.

HOMENS VIRIS

o homem autêntico é muito diferente. Quando a energia queDeus colocou dentro do homem é liberada:

1. O homem sabe que é forte, não impotente. Homens fortestomam a iniciativa, mesmo quando não estão certos do que fazer.Sua vocação de refletir a Deus, em sua maneira de se relacionar, oscompele mais do que a esperança de poder ou o medo de impotência.O homem viril não é um homem agressivo; é um HOMEM ATIVO,envolvido em oferecer relacionamentos de boa qualidade aos outros,mais dedicados a desenvolver a força que outros possam desfrutardo que, concretizar para si mesmo, um senso de poder e controle.

2. O homem experimentauma forma de viver menos zangado;menos facilmente ameaçado. Alguns chamam isso-de paz. Para ele,a frase "mais do que vencedor" significa algo, mesmo durante os

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momentos difíceis da vida. A dor do homem viril não o impede desentir os apuros dos outros, mesmo quando suas dificuldades foremmenos severas do que as dele próprio. Ele tem a coragem deenfrentar sua experiência honestamente. Portanto, sente a tristezade viver num mundo decaído, e a solidão de viver numa comunidadeimperfeita.

Mas sua tristeza e solidão geram somente uma ira santa, dotipo que desperta compaixão pelas pessoas, enquanto permaneceofendida pelo pecado. O homem liberado não é abusivo; é umHOMEM MANSO, não fraco, um homem, cujo poder, é controladopara propósitos bons.

3. O homem encontra uma resposta para o seu terror: naLIBERDADE. Não importa o que aconteça na vida, os homensviris sempre encontram espaço para se mover. Há sempre algo paraSER, mesmo quando não houver nada para FAZER.

Quando suas famílias se desfazem ou seus negóciosdesmoronam, os homens viris - assim como os pouco viris - sãotentados a explodir em vingança ou refugiar-se no alívio.

Mas não fazem nem uma coisa nem outra. Eles são atraídospela oportunidade de demonstrar algo bom, de refletir o sempreesperançoso movimento de Deus. Eles se movem através dastribulações com uma presença que os outros, mais do que elespróprios, podem notar.

Os homens viris são seduzidos pelo gozo da liberdade, pelaoportunidade desimpedida de seguir o chamado da masculinidade.O homem viril não é viciado; ele trata o corpo com severidade,para evitar o perigo de submeter-se a um poder alheio. Ele lutapesado contra seu desejo implacável de prazer. Ele se move deacordo com um plano. É um HOMEM DECIDIDO que sabe o quefaz e o que pode contribuir para o propósito pelo qual está vivendo.

Todos os dias, nós nos movemos na direção da masculinidadepiedosa ou nos afastamos dela.

Uma das grandes tragédias de nossos dias é que tantos homens

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estão palmilhando um caminho que eles pensam levar ao usufruirda legítima masculinidade. Pode demorar muitos anos até aquelesque estão se movendo na direção erradaperceberem queocaminhoque estiveram seguindo libera energia masculina mais corrupta doque genuín~ eque esse caminho os deixa mais impotentes, amargoseaterrorizados ainda.

"Há caminho que ao homemparece direito, mas ao cabo daem caminhos de morte" (Pv 14.12).

Antes de discutir aessência da verdadeira masculinidade,quero pensar sobreaprofunda paixão, nos homens, que os mantémtrilhando ocaminho que os afasta da masculinidade piedosa.

TeologiaDa Receita

A mbosestavam nervosos - e furiosos. Era suaprimeirasessãoftcom o Dr. Gilberto, o conselheiro conjugal que seu pastorhavia recomendado.

Quase chegando ao fim do seu primeiro ano de casados, elahavia começado a falar em procurar ajuda. Ele nunca gostara daidéia. Achava que eles conseguiriam resolver as coisas sozinhos.Se ela não tivesse ameaçado deixá-lo, ele não estaria sentado noconsultório do Dr. Gilberto agora, duas semanas antes decompletarem dois anos de casados. Ele estava com vinte e noveanos. Ela era um ano mais moça.

Ela parecia nervosa. Ele estava quase certo de não daressa impressão.

- Olhe, ireia uma sessão - haviadito à esposa, - paraverse esse sujeito sabe do que está falando.

Após ter oferecido café, que osdois declinaram, o Dr. Gilbertoiniciou a conversa de uma forma bem direta. - Digam-me o queos traz aqui.

Nada de rodeios, pensou o rapaz. Ele gostou. Bondoso,mas direto.

Ela não precisava de uma porta mais larga para entrar comfúria, e começou com palavras que o marido já ouvira antes.

62 o SILÊNCIO DE ADÃO

- Dr. Gilberto, o nosso casamento está realmenteem dificuldade.

Por quase quinze minutos, ela castigou o marido comhistória após história. Um namoro e noivado cheio de altos ebaixos, depois um casamento só de baixos. Brigas quaseconstantes. Nenhuma intimidade verdadeira. Nenhuma. Apenassexo. Não agüento muito mais. Não me casei para isto.

Ela pôs fim ao ataque com sua queixa mais conhecida:- Sempre que tento dizer a ele como me sinto, ou ele me

prega um sermão sobre como estou errada ou simplesmente nãodiz nada.

O marido resolveu falar. Não foi necessário nenhumconvite do Dr. Gilberto.

- Escute, eu j á disse a ela mais de mil vezes que estoudisposto a fazer o que for necessário para fazer o nossocasamento dar certo. Eu a amo. Cheguei até a ir com ela a umseminário que ela achou que poderia ajudar. E realmente tenteifazer tudo o que aquele sujeito falou. Uma porção de coisassobre como se comunicar melhor, dizer a ela que a amo de formasque ela consiga ouvir, seguir uns passos que aquele sujeito disseque colocaria o brilho de volta no nosso relacionamento.

Ele parou para estudar o rosto do conselheiro. O Dr.Gilberto não parecia convencido nem cético.

O rapaz continuou:- Nosso pastor disse à minha esposa que o senhor era

muito bom, por isso concordei em fazer uma tentativa. Ela temrazão quanto a uma coisa. Nós realmente não nos damos bem.Achei que se eu tivesse uma dor de dente, iria procurar umdentista; portanto, se meu casamento precisa ser consertado,acho que faz sentido procurar um conselheiro.

.Ela quase pulou da cadeira.- O senhor está vendo como ele é? - trovejou. - Quero

um homem que se relacione comigo, de modo que possamoscompartilhar a vida um do outro. Ele quer consertar algo queestá quebrado. Ele faz com que nosso casamento pareça um

TEOLOGIA DA RECEfTA 63

carro quebrado.Depois, mais suavemente, com lágrimas, ela continuou:- Não sou uma coisa quebrada. Sou uma pessoa, uma

mulher, que só quer ser amada. Simplesmente não sei se jamaisseremos felizes juntos. - As lágrimas rolaram livremente.

Ele detestava quando ela chorava. Isso sempre fazia algose contrair dentro dele. Ele se sentia impotente. Também zangadoe medroso, mas, mais impotente, do que qualquer outra coisa.Ela continuou chorando. Ele permaneceu sentado, imóvel.

O Dr. Gilberto quebrou o silêncio:- Diga-me o que está passando por sua cabeça neste

instante.A pergunta foi dirigida ao marido. Ele pôde apenas dar de

ombros e dizer:- Não sei o que fazer.

***

Quando eu era menino, muitas vezes ficava deitado decostas sobre a grama morna do verão, logo antes de ir para acama, e fitava o céu estrelado. Lembro-me de me sentir pequeno- e lembro-me de gostar daquela sensação; acho que era porqueeu sabia que havia algo grande no qual eu me encaixava, algomuito maior do que eu. Eu não sabia o que aquele algo era, massabia que estava relacionado com uma grande história que Deusestava contando. Eu queria conhecer aquela história, e queriafazer parte dela.

Descobri desde então que contemplar o céu é umaexperiência muito diferente de estudar numa biblioteca, escreveruma dissertação de doutoramento, ou aconselhar numconsultório profissional. Fitar as estrelas permite-me ponderaro quadro maior. As outras atividades tendem a absorver-me emdetalhes menores. Minhas responsabilidades como adulto têmsido impulsionadas em grande parte pela necessidade de entender

64 o SILÊNCIO DE ADÃO

as coisas - de entender, por exemplo, porque alguns homenssentem impulsos homossexuais, enquanto outros lutam com adepressão - e saber como vencer problemas. É isso que opsicólogo deve fazer: descobrir o que está errado e consertar.

E é isso que se espera que professores de Bíblia e pastores eoutros líderes cristãos de hoje também façam: que se tomem peritosem tratar os "verdadeiros" problemas da vida. Se forem bem­sucedidos, serão conhecidos como pessoas competentes. Se nãoforem, serão expostos como fracos ou descartados, como não sendoterrivelmente úteis. De qualquer forma, líderes e assistentes cristãosparecem mais interessados nas minúcias da vida do que no quadromaior, aquele que eu vi pintado no céu, onde a glória de Deus édeclarada e a obra das suas mãos é proclamada (SI 19.1).

Como resultado, as afirmações teológicas que estão saindoda cultura moderna parecem mais receitas para a vida do queverdades declaradas sobre Deus. A teologia transcendental, queflui do quadro maior, foi substituída pela teologia da receita, ummodo de pensar que se mantém focalizado nos detalhes da vida. Ocentro da teologia transcendental é Deus, seu caráter e propósito.O centro da teologia de receita é o homem, suas necessidades,e bem-estar.

Esse tipo de pensamento afeta a maneira como abordamosnossa vida cotidiana. Tome o nosso exemplo no início deste capítulo,a história de um marido governado por duas premissas que envolvemminúcias: (1) alguém sabe o que ele deveria fazer para resolveressa crise conjugal específica, e (2) se ele encontrar esse alguém eseguir seu conselho, o casamento melhorará. O líder do seminárionão era o perito certo. Talvez o conselheiro tenha a receita quefará seu casamento funcionar.

A maioria de nós naturalmente pensa dessa forma. Queremoscrer que alguém sabe exatamente o que devemos fazer paraconsertar nossos problemas, e - dependendo do tamanho dosnossos problemas - estamos dispostos a fazer qualquer coisa queesse alguém sugerir. Tomamo-nos uma cultura de PERITOS eSEGUIDORES, todos determinados a entender as minúcias da vida.

TEOf.. OGIA DA RECEITA

Ouçam alguns exemplos do modo de pensar da receita:

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- "Você quer saber como recuperar-se dos danos quesofreu na infância? Eis aqui os ingredientes que Deusfornece. Combine-os de acordo com o plano dEle e obteráuma deliciosa refeição de valorização pessoal."

- "Talvez você precise tomar uma decisão quanto ao seu. emprego, ou enfrentar melhor a tensão do emprego quetem agora. Eis aqui alguns princípios bíblicos para guiá-lo.Aplique-os à sua vida e logo você encontrará a confiançapara seguir em frente e o gozo de saber que está no centroda vontade de Deus."

- "Você está zangado? Não consegue intimidade com seucônjuge ou solucionar as tensões com um amigo? Eis aquia prescrição de Deus para livrar-se da ira, solucionar a tensãoe construir intimidade. E lembre-se, o remédio DELEsempre funciona."

Esta abordagem minuciosa da vida afeta como o homem -,piedoso ou ímpio - vê a si mesmo. E quando o homem sente-seforçado pelas circunstâncias a erguer as mãos e admitir: "Não tenhoa mínima idéia sobre o que fazer", que ele se sente menos comohomem e então não faz nada. Maridos e namorados indecisos,covardes agradáveis, vítimas choramingas: esses são homensvisivelmente fracos. Eles passam a vida imóveis. Como umabandeiradesenfunada no mastro num dia calmo, esses homens não se movemexceto para fazer coisas tão "másculas" quanto berrar com mulherese homens menores beber demais, ou masturbar-se enquanto pensamem suas fantasias favoritas. Numa cultura que espera que os homenssaibam o que fazer, é difícil enfrentar um problema que não tenhareceita para solução.

Os homens freqüentemente contam que se sentem mais comohomens quando podem dizer: "Posso não saber o que fazer a

66 o SILÊNCfO DE ADÃO

respeito DISTO, mas sei o que fazer a respeito DAQUILO. Seique posso fazê-lo, estou fazendo, e está funcionando." Esses homenspodem ser empresários bem-sucedidos mas pais distantes. Porviverem dentro dos limites de sua competência, eles, em geral, nãotêm consciência de qualquer luta com seu senso de masculinidade.Eles enfrentam apenas aqueles problemas que estão bem certos deconseguir resolver.

Os homens que se sentem como homens não sãonecessariamente viris. Homens que se sentem como homens devidoà sua competência raramente notam que aquelas áreas que eleschamam DISTO - aquelas coisas que não têm certeza de comoenfrentar - envolvem seus relacionamentos mais significativos, eas áreas que chamam DAQUILO -. aquelas coisas que elesenfrentam bem - estão mais ligadas a tarefas não-relacionais queeles executam confortavelmente. Homens que, para seu senso debem-estar, dependem de enfrentar tarefas que podem realizar nãosão geralmente eficientes em seus relacionamentos íntimos.

Freqüentemente eles se negam a permitir que suas esposasexpressem o quanto se sentem solitárias, magoadas emalcompreendidas. Sejam quais forem as preocupações quecheguem a ouvir, ou as consertarão ou as ignorarão. Esses homenslevam os filhos a partidas de futebol mas nunca os levam para longascaminhadas. E não revelam suas lutas a ninguém, especialmentepão a seus filhos homens. Homens competentes não são bonsouvintes nem compartilham abertamente.

Eles podem ter bons momentos com as filhas - muito riso,provocações joviais e promessas zangadas de proteção ("se algumrapaz magoar você, arrebento com ele"), mas têm poucas conversascom elas; eles não sabem muito sobre conversas íntimas,de mão dupla.

Por eles não terem nenhuma oportunidade de relaxar numabondade profunda o suficiente para absorver sua malignidade,nenhuma chance de descansar num amor forte com que podemcontar para permanecer, esposas e filhas do- homem competentetêm dificuldade em tirar folga. Elas têm de manter as coisas

TEOLOGlA DA RECEITA 67

funcionando. Homens competentes geram mulheres fortes.Sugiro que o homem está no máximo da varonilidade quando

admite: "Não sei o que fazer nesta situação, mas sei que é importanteeu me envolver e fazer algo. Tentarei visualizar, portanto, o queDeus talvez queira ver acontecer na vida desta pessoa ou nestacircunstância, e seguirei na direção dessa visão com qualquersabedoria e poder que Deus me fornecer." O homem viril se move,mesmo quando não há receitas.

Minha briga com a teologia da receita não é com os princípiosbíblicos que ela enuncia ou com sua exigência de que os sigamos.,E mais com sua tendência de tornar os princípios bíblicos umafórmula para o sucesso.

Deus não escreveu um livro de receitas para a vida, comreceitas para qualquer prato que você possa querer preparar. Eleresponde às nossas situações individuais convidando-nos a participarde uma história maior do que as nossas vidas. A teologia de receitaestuda as minúcias da vida a fim de nos ajudar a contar melhor anossa história. Deus nos convida a unir-nos a Ele para contar a Suahistória.

***

Pergunto-me se a paixão central que governa nossa culturahoj e é a paixão para fazer a vida funcionar. Achamos que eladeveria funcionar: se não a vida em geral, então, certamente,nossas vidas em qualquer momento. Deveríamos nos sentir bema nosso próprio respeito, desfrutar amizades, ganhar um saláriodecente, encontrar um médico que possa curar-nos, e receberrespeito dos nossos pares. Os peritos existem para ajudar a fazera vida funcionar. Deus também. Quando os peritos resolvemconvocar Deus para ajudar, tornam-se teólogos da receita.

Somos muito míopes.Por quê? Por que somos atraídos pela vida no quadro

pequeno e não inspirados pela oportunidade de sermos elevadosao quadro maior que Deus está desenhando? Por que é tão difícil

68 o SILÊNCIO DE ADÃO

até mesmo desafiar a premissa de que "A vida deve funcionar",quanto mais, desistir de nosso direito de que alguém nos digacomo administrá-la bem? Por que a teologia da receita é tãopopular?

Será que é porquê, como todas as gerações antes de nós,conseguimos empurrar pelo menos um ponto vital da verdade bíblicapara o fundo e, desenvolvemos assim, um conceito distorcido doCristianismo e da vida cristã? Nos dias de Martinho Lutero, a Igrejahavia perdido de vista a doutrina da graça. O resultado foi umateologia da receita de indulgência e de boas obras.

Pergunto-me se perdemos, em nossos dias, o entusiasmo e odrama do nosso chamado: o de revelar o Deus invisível pela maneiracomo vivemos, especialmente pelo modo como nos relacionamosuns com os outros. A única verdade mais importante a respeito daspessoas é a verdade mais facilmente ignorada: refletimos a imagemde Deus. Como portadores da imagem, somos chamados a contarSua história com nossas vidas, não, a contar nossas histórias comos recursos dEle.

Ao negligenciarmos essa verdade, o chamado de sermossemelhantes a Deus tem sido reduzido a um sussurro, e o convitepara fazermos nossas vidas funcionarem melhor está sendo dadocom um grito. Inclinamos-nos a ser viciados em recuperação("Como posso sentir-me melhor?") ou severos realistas ("Comoposso sair-me melhor?"). A verdade sobre revelar Deus aos outrosatravés de nossas vidas tem sido reduzido a uma retórica religiosaà qual damos um assentimento pró-forma. Entrementes, vamosrealizando o "verdadeiro" trabalho de ajeitar nossas vidas ~ noscolocar numa posição confortável. Preferimos ajuda prática a umchamado mais elevado de vivermos segundo um desígnio.

A dificuldade, naturalmente, é esta: jamais resolveremos bemos nossos problemas, nem cumpriremos nossas responsabilidadescom motivação espiritual enquanto não honrarmos o chamado derefletir a imagem de Deus, e decidirmos conhecê-Lo bem. Comececom a teologia da receita e você jamais se elevará acima de si mesmo.Comece com a teologia transcendente e você acabará tornando-se

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TEOI..OGIA DA RECEITA 69

a pessoa que foi projetado para ser.Permitam-me explicar. Os dois maiores tópicos dentro da

teologia da receita, hoje, são: solucionar problemas (O chamadopara a cura) e cumprir as responsabilidades(o chamado à obediência).

Preocupamo-nos em nos sentir bem ou sentimo-nospressionados a fazer o que é certo. Nenhuma dessas coisas noseleva à história maior de Deus ou nos convida a participar dela.

Aqueles que pensam que nada importa mais do que aliviar ador de uma identidade bastante danificada, ou, aprender a servalorizado e aceito num relacionamento amoroso, serão atraídospara as minúcias de unia teologia da receita para se recuperarem.Eles procurarão um perito que possa guiá-los a uma experiênciamais plena, mais livre, mais feliz, num mundo difícil. Pode ser queo compromisso para com o dever seja fortemente encorajado, masquando as coisas ficarem pretas, encontrar a felicidade, teráprioridade sobre, cumprir promessas.

Alguém a quem eu aconselhava certa vez me disse:- Sinto-me tão melhor sobre mim mesmo, como homem,

quando estou com outra mulher. Sei que é errado, mas simplesmentenão posso imaginar que Deus deseje que eu fique com minha esposase fazemos um ao outro tão infeliz.

Os peritos no outro extremo, aqueles que se especializamem exortar com firmeza, pensam menos em gozar Deus como "Aba"e mais em obedecê-Lo como se fosse um sargento. Sua ênfaseencontra expressão numa teologia muito diferente: ainda umareceita, mas com enfoque sistemático nas minúcias daresponsabilidade. O efeito é a presunção: mais justiça própria doque alegria e mais, pressão, do que liberdade.

Um amigo me disse que certa vez foi a um conselheiro quena primeira sessão lhe deu uma lista de versículos bíblicos impressosno computador e o instruiu a decorar e obedecer a cada um deles.Quando as pessoas tentam administrar suas vidas apenas trabalhandocom afinco para se sair melhor, ou fracassam, e vivem com a derrota,ou se saem bem, e ficam orgulhosas.

70 o SILÊNCIO Df ADÃO

Esses dois erros deixam-nos numa esfera da vida que achamospoder administrar. Gostamos de pensar que há passos que podemosseguir para a cura ou que nossos deveres para com Deus podemser delineados à nossa frente como um caminho bem iluminadoque podemos palmilhar. Então as coisas parecem claras. Sabemoso que fazer. Nunca temos de deixar a esfera da governabilidade. Eportanto, nunca aprendemos a dependência e a confiança quecrescem somente na escuridão.

Mas pense no que aconteceria se encontrássemos coragempara movermo-nos além das tarefas administráveis da vida eentrássemos na esfera do mistério, onde não há respostas práticas,onde a coragem de adentrar o caos é mais necessária do que adisciplina para seguir passos ou regras. Suponha que um paizangado, que tivesse estado concentrado apenas em encontrar curapara o seu mau gênio, pudesse sentir-se enlevado com aoportunidade de levar seu filho ao coração de Deus. Talvez nãosoubesse exatamente o que fazer, mas a energia fluindo dele nadireção do filho seria diferente.

Se pudéssemos afastar as receitas do centro do palco, talvezos bons princípios que elas ensinam pudessem novamente ser vistoscomo maneiras de conhecer e refletir a Deus, em vez de técnicaspara promover cura interior ou como requisitos para uma obediênciamecânica. Talvez, então, o caráter e propósitos de Deusrecuperassem o lugar a que têm direito em nosso modo de pensare levassem ao desenvolvimento de uma teologia transcendente.

O ponto de partida para compreender a masculinidade e parasermos transformados em homens espirituais, viris, não é umareceita para desenvolver a masculinidade nem uma lista deingredientes para misturar. Precisamos, começar com o chamadosingular de Deus para os homens. Como os homens foramprojetados para ser semelhantes a Deus em aspectos que as mulheresnão foram? Qual é o nosso chamado transcendente especial?

Encoraj ar os homens a liberar aquelas capacidadesprofundamente masculinas que, primeiro existiram em Deus, eforam, depois, instiladas nos homens e ajudar, estes, a refletirem

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TEOLOGIA DA RECEITA 71

tais características de Deus requer a sabedoria de alguém que temuma sensibilidade para quem Deus é e o que ele está fazendo. Issorequer um teólogo transcendente. A perícia de um teólogo da receitasimplesmente não serve.

A teologia da receita se encaixa melhor no que chamo deESFERA DA ADMINISTRAÇÃO. A teologia transcendente énecessária se quisermos nos mover na ESFERA DO MISTÉRIO.Tudo na vida pode ser dividido em uma dessas duas esferas.

Os homens, naturalmente, insistem em operar dentro da esferada administração. Os homens que estão no caminho damasculinidade autêntica arranjam coragem para adentrar a esferado mistério.

Permita-me definir meus termos:

A ESFERA DA ADMINISTRAÇÃO existe sempre que ascoisas são mais ou menos previsíveis, onde há uma ordemque pode ser suficientemente bem compreendida parapodermos usá-la a fim de fazermos nossas vidas :fimcionaremda maneira que desejamos.

A ESFERA DO MISTÉRIO existe sempre que estamostratando com coisas que, em última instância, sãoimprevisíveis, onde qualquer ordem que exista não podeser compreendida suficientemente bem para nos dar ocontrole que desejamos.

Na esfera da administração, podemos nos mover com aconfiança de que temos pelo menos algum poder de controlar ascoisas, de estabelecer objetivos e buscá-los de acordo com um planoviável. Na esfera do mistério, podemos mover-nos apenas com umaconfiança em Alguém em quem confiamos mas que jamais podemoscontrolar. Sejam quais forem os objetivos que pertençam a estaesfera, eles se tomam questões para oração, enquanto nossa energiaé dedicada a agradar a Deus, e não para fazer algumacoisa acontecer.

72 o SILÊNCfO DE ADÃO

A tendência da nossa cultura é definir os relacionamentos,inclusive o nosso relacionamento com Deus, como uma tarefa eentão descobrir o que fazer para que eles funcionem. Gostamos depensar que crescer em Cristo e desenvolver relacionamentos fortespertencem à esfera da administração. Assim os colocamos ali etentamos descobrir o que fazer. Os homens preferem fazer algoque possam administrar. E a teologia da receita ilumina o caminho.

Precisamos retomar a uma teologia transcendente que noscapacite a adentrar a escuridão, onde Deus faz a sua obra maisprofunda. Precisamos aprender o que significa abandonar-nos aDeus e a relacionar-nos poderosamente com os outros. Isso exigiráque entremos na esfera escura do mistério.

AdentrandoA Escuridão

A s l~grimas que se avo!umavam, d:st~ vez, eram diferente~:

.ftmals desesperadas. Nao como as lagnmas petulantes que asvezes brotavam quando ele não se sentia apropriadamente levadoa sério. E de forma alguma, como as lágrimas amuadas, queo faziamsentir-se como uma criança exigente que não estava conseguihdoo que quena

Estas lágrimas eram diferentes. Pareciam mais limpas, alémda mágoa e do amuo, não do tipo que deixava torrentes de auto­desprezo ao passar.

Ele saiu depressa para ficar só, querendo que ela o seguissemas não se sentindo fraco por desejar isso, sabendo que nem elanem qualqueroutrapessoa poderiadar-lhe conforto suficiente parasecar suas lágrimas. Por um momento terrível - enquanto sepostava diante do parapeito, olhando sobre o lago - ele conseguiuenxergar dentro do buraco negro, aquele que sempre soubera estarali, mas que jamais vira antes, pelo menos não com tanta clareza.

A beleza serena da plácida água azul que refletia os picospontiagudos e cobertos de neve das Montanhas Rochosascanadenses oferecia um contraste dramático à agonia que lhecontorciaa alma,onde não havia nadaalémda escuridão: nenhumaresposta, nenhuma beleza, nenhum poder, nenhum significado,

74 o SILÊNCIO DE ADÃO

nenhum amor. Ele estava perturbado até as profundezas de seu ser- e tudo foi detonado por um momento de mal-entendido com aesposa. Aquele momento parecia agora uma porta inocente que,uma vez aberta, o havia sugado para a escuridão das trevas.

O terror foi subindo lentamente, como um pedaço de alimentoque não assentou bem, até explodir para fora de sua boca com umaforça não escolhida: "Não sei o quefazer!" O grito não era dirigidoa ninguém - a menos que, a Deus, se por acaso estivesse ouvindo.

Ele não ouviu nenhuma resposta, nenhum sussurrotranqüilizador; não houve nenhuma presença reconfortante. Asolidão pareceu mais severa ainda. Era essa uma amostra do in­ferno? Dor sem fim. Ninguém para ajudar. Isolamento absoluto.

Mas ele não estava no inferno. O lago à sua frente era debeleza inegável. Sua esposa estava próxima, com delicadapreocupação fluindo livremente de seu coração oprimido. E elesabia que estava na presença de Deus: o Deus oculto, silenciosoque estava inegavelmente ali.

Que estranho, pensou ele. Quão desesperada a humilhaçãopode parecer. Estar em total dependência porque se estácompletamente perdido.

Esse pensamento pareceu vivo. Ele surgiu do nada.Mas ainda assim nenhum conforto. A escuridão era tão

espessa que dava para sentir. Ele não conseguia se mover. Voltar­se para a esposa e pedir desculpas? Mas sua culpa maior (conquantonão conseguisse ainda colocá-la em palavras) era contra Deus.Abraçá-la? Mas apenas uma pessoa amada pode amar realmenteoutra pessoa. Repassar o conflito? Inútil. Apenas outra oportunidadede exibir seu egoísmo.

"Não sei o que fazer!" O grito veio de novo. Nada faziasentido. Sua culpa e frieza e egoísmo o faziam sentir-seencurralado. Paralisado.

"Não dá para alguém, que sabe, fazer o favor de me dizer oque devo fazer?"

De súbito, a pergunta pareceu morta. Perdeu todo ointeresse. Ele sabia que não haveria resposta; que exigir resposta

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ADENTRANDO A ESCURIDÃO 75

era fútil. Outro caminho se abria diante dele. Algo mais inquietantedo que a sua ignorância requeria atenção.

E então ele ouviu algo. Palavras que vinham de sua própriamente, novas, não planejadas, espontâneas, mas inteiramente bem­vindas. A escuridão o cegara - ainda não conseguia enxergar - eo que agora ouvia no escuro, jamais ouvira na luz.

"Eu realbente estou na escuridão", ele ouviu-se dizendo."Não sei o que fazer. Estou completamente confuso, totalmenteperplexo e profundamente amedrontado. Sinto-me isolado de Deus.Este lugar em que estou me reduz a duas escolhas: esperar queesta melancolia passe e simplesmente continuar com as coisas damelhor maneira que puder, ou abandonar-me a Deus.

"Não adianta apenas continuar. A escuridão sempre retoma,cada vez mais horrivelmente, para confrontar-me de novo com aescolha estúpida que fiz e empurrar-me em desespero à outra. Aescuridão - esse anjo terrível, benévolo - está deixando tudoclaro. Não há nada a fazer além de confiar!

"Oh, Deus, de todo o coração eu me abandono a Ti. Queimaa carne. Enche-me com o Teu Espírito. És mais do que digno daminha confiança total. Obrigado pela escuridão que me imobilizouo suficiente para ouvir a Tua voz."

Ele tomou as mãos da esposa e lentamente caminhou de voltaao quarto. Eles ainda não estavam íntimos. Nenhum deles sentia oque ambos esperavam sentir. A alegria da lua-de-mel não se instalou.

Mas ele sentiu que algo muito melhor os aguardava. E comessa convicção percebeu que desejava mover-se na direção de Deus,na direção da esposa, na direção da vida, de uma forma que nuncase movera antes. Sua esposa sentiu o despertar da esperança.

***

Os homens são chamados a adentrar a escuridão, a continuarmovendo-se adiante com propósito e força mesmo quando nãoconseguirem ver claramente o caminho à sua frente. Três,

76 o SILÊNCIO DE ADÃO

observações do registro da criação em Gênesis nos ajudarão a verque Deus já fez o que chama os homens para fazer.

Observação n". 1A primeira coisa revelada sobre Deus, na Bíblia, é que Ele é

o CRIADOR e que criou FALANDO PARA DENTRO DAESCURIDÃO. Esta observação é discutida nos Capítulos 4 e 5.

Observação n", 2A primeira coisa revelada sobre o homem, na Bíblia, é sugerida

pela palavra hebraica, em Gênesis 1.27, que é traduzida para oportuguês como MACHO. O Capítulo 6 reflete sobre a importânciadessa palavra.

Observação n". 3A primeira coisa que Deus mandou Adão fazer foi DAR

NOME AOS ANIMAIS. Adão foi chamado a "fazer com que aordem passasse a existir através da palavra falada" onde antesnenhuma ordem havia, exatamente como Deus fizera na criação.Quando Adão falou, houve ordem. Quando ele se calou, o caosretornou. As implicações de Adão falar e se calar são analisadas noCapítulo 7.

* * *

Vimos o que acontece quando os homens seguem a nossacultura até o ponto da nã virilidade. A busca de soluções usando ateologia da receita nos deu uma abordagem da vida que só vê asminúcias, uma abordagem que descobre o oposto da verdadeiramasculinidade e nos afasta do mistério e da fé. Agora acompanhe onosso pensamento um pouco mais. O homem, como Deus, tinha opropósito de falar para dentro da escuridão e se tornar um contadorde histórias.

Após a morte de Jesus, dois homens caminhavam na direção

ADENTRANDO A ESCURIDÃO 77

do vilarejo de Emaús, compartilhando sua decepção com os eventosdos últimos dias. Eles não compreendiam, mas pensavam sobreaquilo enquanto caminhavam. A Bíblia diz: HE iam conversando arespeito de todas as cousas sucedidas... conversavam e discutiam[essas causas]" (Lc 24.14-15).

Talvez eles quisessem compreender.Jesus (a quem eles não reconheceram mas consideraram um

estranho) juntou-se a eles em sua caminhada e perguntou-lhes doque falavam. Os dois se surpreenderam por Ele ter de perguntar eacharam que devia ser de outra cidade. O que mais havia paradiscutir? Os eventos em tomo da morte de Jesus, e tudo o queacontecera naquela última semana, eram tão confusos que eles nãopodiam pensar em mais nada. Toda a esperança se fora. Nada faziasentido. Era tudo um mistério: um mistério confuso,inoportuno, escuro.

Jesus ouviu-os falar por alguns minutos. E então - aindaem pé, com urna autoridade que os fez parar - Ele fitou-osseveramente e falou: HÓ néscios e tardas de coração para crertudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que oCristo padecesse e entrasse na sua glória?" (Lc 24.25-26).

Ele voltou a caminhar e, enquanto O seguiam, eles ouviramum estudo bíblico dirigido pelo autor. Ele começou "por Moisés ediscorrendo por todos os profetas", e H expunha-lhes o que a seurespeito constava de todas as Escrituras" (Lc 24.27). Mais tardeeles relataram que seus corações lhes ardiam no peito ao ouvirem­no revelar o Cristo.

Quando abrimos nossas Bíblias bem no comecinho (comoJesus talvez tivesse feito com seus dois companheiros decaminhada), a primeira coisa que aprendemos é que Deus é o criadorde tudo. A segunda coisa que aprendemos é que Ele fez toda a Suacriação' inicial no escuro.

Ouça as duas primeiras sentenças da Bíblia: "No princípiocriou Deus os céus e a terra. " Primeira sentença. "A terra, porém,era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e oEspírito de Deus pairava por sobre as águas. " Segunda sentença.

78 o SfLÊNClO DE ADÃO

o restante de Gênesis 1 nos informa que Deus falou paradentro daquela escuridão sem forma e vazia. Ele entrou naquelaesfera de mistério primordial com poder imaginativo que suscitoubeleza e vida da confusão.

Dez vezes Deus falou: nas quatro primeiras, Ele deu forma aum mundo sem forma; Ele estabeleceu ordem (Gn 1.3,6,9,11). Nasquatro vezes seguintes, Deus encheu o vazio com a beleza da vida(Gn 1.14,20,24,26). Nas duas últimas vezes, Deus revelou Seucoração para as pessoas que criou, abençoando-as com trabalhosignificativo a fim de honrar Sua dignidade (Gn 1.28) e com generosaprovisão para suas necessidades físicas (Gn 1.29-30). Ele já lheshavia dado a Si mesmo e um ao outro; elas já não tinham nenhumaoutra necessidade pessoal.

Agora faça uma pequena pausa. Há algo nesse relato quefale de Cristo? Paulo nos disse ter sido Cristo quem fez todas ascoisas (CI 1.16). Foi Cristo quem falou para dentro da escuridão afim de suscitar ordem e beleza do caos.

O que o Criador teria dito aos Seus dois amigos na estradade Emaús quando falou sobre as dez vezes, tanto tempo antes, emque adentrou o mistério da água coberta pela escuridão a fim decriar vida? O que poderia ter dado a conhecer de Si mesmo quetivesse o poder de transformar aqueles dois homens em presbíteros?

No princípio, antes que Cristo falasse, não havia nada alémde água; água selvagem, fria, sem vida, coberta por um mantoimpenetrável de escuridão. É importante nos lembrarmos de queDeus falou a essa escuridão a fim de criar vida. Pedro sugere queexiste uma conexão entre esquecer como Deus criou o mundo etornar-se um povo ímpio.

Ouça o que Ele diz: "...nos últimos dias, virão escarnecedorescom os seus escárnios, andando segundo as própriaspaixões...porque, deliberadamente, esquecem que, de longo tempo,ouve céus bem como terra, a qual surgiu da água e através daágua pela palavra de Deus" (2 Pe 3.3, 5).

Aparentemente, se esquecermos que Deus criou falando paradentro da escuridão, estaremos em perigo de nos tomarmos ímpios.

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ADENTRANDO A ESCURIDÃO 79

Como? Por quê? O que isso significa? À primeira vista, as duascoisas não parecem relacionadas.

Mas a conexão entre lembrarmos que Deus falou para dentroda escuridão e nos tomarmos ímpios começa a tornar-se claraquando compreendemos o que era a escuridão para dentro da qualDeus falou. Nos próximos capítulos, sugeriremos que os homenssão chamados a adentrar com sabedoria as regiões mais escuras deseus mundos; eles devem falar palavras poderosas para dentro daconfusão da vida com a mesma energia que fluiu de Cristo quandoEle falou para dentro da escuridão (CI 1.16,29).

o SIGNIFICADO DA ESCURIDÃO

A Bíblia fala sobre diversos tipos de escuridão. Há a escuridãodo SEGREDO, ou da maldade, uma escuridão amada pelas pessoascujos atos são maus (Jo 3.19). Os cristãos foram chamados dessaescuridão para a luz da plena revelação e do pleno perdão (1 Pe2.9). A mortalha ensombrecida da escuridão desse tipo, como asruas da Londres de Dickens, mantém os atos malignos escondidos.Ela não tem lugar algum na natureza de Deus. Nele não há escuridão.nenhuma região mantida em segredo para evitar a revelação deuma falha (1 Jo 1.5).

Judas se refere a um conceito correlato quando nos diz queos anjos rebeldes são "guardados sob trevas, em algemas eternas,para o juízo do grande dia" (Jd 6). Esta é a escuridão do JUÍZO,aquela coisa terrível que acontece quando Deus, que é luz, seretira completamente.

Mas há um terceiro tipo de escuridão mencionado naEscritura. É a escuridão que cobria as águas para dentro da qualDeus falou quando criou a vida. Essa escuridão está mais relacionadaà desordem e ao caos aleatório do que à maldade oculta ou ao

. castigo da maldade.r

E a escuridão sobre a qual o Espírito de Deus pairava naprimeira cena da Escritura, sugerindo a expectativa de que algo

80 o SILÊNCIO DE ADÃO

estava por acontecer. Essa é a escuridão da CONFUSÃO, do acasoque está prestes a dar lugar à luz da ordem e da beleza, um caosinútil totalmente destituído de forma e de qualquer fagulha de luz,mas ainda assim um caos que pode ser transformado em algomaravilhoso.

As trevas da confusão são tão espessas que fazem cessartodo movimento natural. Quando Deus cobriu o Egito de trevas (amesma palavra em Gênesis 1.2 é usada em Êxodo 10.21-22), foramtrevas que podiam ser apalpadas. Ninguém se moveu por três dias.

Quando o guia turístico apaga as luzes numa cavernasubterrânea, não precisa dizer às pessoas que fiquem imóveis. Naescuridão que elimina totalmente a visão, ninguém se move.

Quando Deus deu a lei no monte Sinai, a montanha ficoucercada por "trevas, e nuvens e escuridão" (Dt 4.11, de novo amesma palavra). O povo, diz-nos a passagem, ouviu "a voz daspalavras...porém, além da voz não vistes aparêncianenhuma" (Dt 4.12).

Nas trevas da confusão, você não pode ver mas pode ouvir;pelo menos, pode ouvir a voz de Deus. O movimento natural, dotipo que depende da visão, cessa completamente na escuridão. Maso movimento sobrenatural, tanto o movimento de Deus quanto omovimento do homem que anda pela fé, em vez de pela vista, épossível mesmo na mais negra escuridão.

Quando a cortina se ergue e o drama bíblico começa,imediatamente vemos Cristo no centro do palco. A história teminício com Deus confrontando a esfera original de mistério: as trevasque cobriam as águas sem forma, vazias. Não havia desígnio, nemordem, nem beleza, nem vida - apenas escuridão.

O Espírito paira sobre as trevas. Então Deus fala. Com podermaior do que o das trevas, Ele adentra o mistério e dá vida mediantea Sua palavra.

Observe agora algo cheio de significado para o nosso estudoda masculinidade. A primeira coisa que Deus disse ao homem quefizesse foi dar nome aos animais, as criaturas às quais Deus poderiater dado nome, mas não o fez. H ••• trouxe-os ao homem, para ver

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ADENTRANDO A ESCURIDÃO, 81

como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos osseres viventes, esse seria o nome deles" (Gn 2.19). Deus colocoua responsabilidade de dar nome aos animais sobre o homem, não amulher. Eva ainda não fora criada.

Como Deus, o homem foi chamado para falar para dentro daescuridão, para adentrar a confusão de um reino de animaiscompletamente sem nome, e de dar nome a cada um deles. Nacultura antiga do Oriente Próximo, dar nome a algo implicava naautoridade de definir-lhe o caráter, dar forma à sua natureza,preencher um vazio com algo que saía daquele que dava o nome.

Será que Deus tencionou que os homens se comportem comoEle adentrando corajosamente qualquer esfera de mistério queencontrem e falando com imaginação e poder vitalizante para dentroda confusão que enfrentam?

Desde que caímos da graça, a vida de todo homem é cheia deconfusão. Considere apenas alguns exemplos:

o que deve o homem fazer quando a esposa o humilha na frente deamigos? Deve:

• Repreendê-la?• Ignorará-la?• Dizer algo bom?• Levantar a questão mais tarde, dizendo-lhe como ela o fez

sentir-se?• Jamais tocar no assunto?

o que deve o homem fazer quando detesta seu emprego? Deve:

• Parar de se queixar e ser grato por receber um salário?• Procurar outro emprego?• Aceitar o emprego como presente de Deus?• Descobrir o que Ele mais detesta e ver se alguma coisa

pode ser mudada?

82 o SILÊNCIO DE ADÃO

o que deve o homem fazer quando existe conflito com um amigochegado? Deve:

• Falar com o amigo sobre isso, no espírito de Mt 18.15-17?• Ignorá-lo com o amor que cobre uma multidão de pecados?• Chamar a atenção do amigo para as suas faltas num esforço

de promover crescimento?

A masculinidade começa a crescer quando o homem fazperguntas para as quais sabe não haver respostas.

Nenhum homem pode escapar da esfera do mistério. Se elevive em relacionamento e tem qualquer desejo que seja de que orelacionamento funcione, enfrentará confusão insolúvel. Se é parao homem ser plenamente homem, ele precisa aprender o quesignifica mover-se na escuridão. E isso exigirá que ele admita "Nãosei o que fazer" com um desespero tão real que nenhumareceita ajudará.

As receitas são úteis numa cozinha bem iluminada. A teologiada receita, aquela coletânea de princípios bíblicos práticos que nosdizem o que fazer em qualquer situação, trata a confusão comoalgo que deve ser solucionado em vez de adentrado. Ela reduz osmistérios da vida a coisas que podemos administrar.

Os teólogos da receita nos dizem como fazer a vida funcionarsimplificando as coisas e aliviando a confusão. Os teólogostranscendentes sabem que há uma escuridão da confusão que sópode ser adentrada quando conhecemos a Cristo, quando habitamosnEle, quando confiamos nEle para suprir poder sobrenatural a fimde pairarmos sobre seja qual for a escuridão que enfrentamos, eentão quando adentramos escuridão com palavras que trazem vida.

Uma vez que haja um compromisso de adentrar a escuridãoe o mistério, o homem deve prosseguir, determinado a contar umaboa história e a não ficar em silêncio. Meus co-autores, Don Hud­son e AI Andrews, falam dessas questões a seguir. No capítulo 5,Don escreve sobre a única história que nós homens precisamoscontar enquanto continuamos em nossajomada: a história de Deus.

ADENfRANDO AE5CU~/DÂO

Essa historia nos relembra que podemos vencer, que podemos

prosseguir. No Capítulo Ó, Ai nos chamaarelembrar nossas proprias

hi~torias oe como Deus operou em nossas vidas·histor.'1s que trazem

esperan~a, emais ainda quando são compartilhadas em comunidade,

Eno Capítulo 1, Don nos mostra que, a~ir como Deus quando

estamos na escuridão, honrar onosso chamado de fazer com que

Ele sejaconhecido, equeorarosilêncio efalar. Eassim nos tomamos

homens.

De CaosEm Caos

Otilintar do telefone fendeu a noite em duas. Foi preciso umsegundo toque para despertá-lo de um sono profundo. O

terceiro toque fê-lo tomar conhecimento do ambiente que ocercava.Ele olhou orelógio. Eram duas da manhã. Quem estaria chamandoàquela hora da noite? - perguntou-se. Ele estendeu amão para otelefone no que parecia câmara lenta. No exato momento em quesua mão agarrava oaparelho, ele hesitou. Ou éum trote ou algumacoisa séria está errada. Espero que seja um trote, disse ele consigomesmo. Quarto toque. Ele arrancou otelefone do gancho com umsafanão e colocou-o no ouvido.

Alguém chorava de mansinho no outro lado da linha. Apósalguns segundos intoleráveis, ela falou hesitantemente:

- Filho, aqui é amamãe. Seu pai teve uma emergência.As palavras da mãe amorteceram-no até à descrença. Ele,

tentou se convencer. Meu pai só tem sessenta e quatro anos. Emoço demais para algo que lhe ameace a vida.

- Oque está errado? - perguntou ojovem.- Ele teve um infarto enquanto se aprontava para dormir

- explicou ela. - Liguei para 101 e depois fiz respiração artifi-cial. Estamos no pronto-socorro agora e ele está com os médicos.- Então otom de voz dela mudou. Ele conhecia bem demais esse

86 o SILÊNCIO DE ADÃO

tom. E o detestava, porque ela falaria com ele como se ainda fosseum garotinho.

- Agora, filho. Não se preocupe. Estamos bem, e tudo vaidar certo - entoou ela com voz inexpressiva.

Ele ignorou a afirmativa dela e disse que estaria no próximoavião. Ela argumentou sem muita convicção, explicando que seriauma viagem desperdiçada. Ele desligou o telefone.

Imagens do pai e dele próprio vagueavam por sua mente.Lutando no chão. Pescando nas águas das montanhas Smoky. Vendoseu pai chorar uma vez na vida: no enterro do pai dele. Dormindoperto do pai certa noite, quando garotinho, na cabana de caça. Elese deteve nessa imagem em particular. Foi quando ele tinha seisanos de idade. Um animal selvagem urrou no lado de fora dajanela.Dentro de um segundo, ele estava fora de sua cama e na cama dopai, sob as cobertas e encravado contra ele. Era um mundo seguroao lado do pai. O que faria sem ele?

Basta disto, repreendeu-se ele. Tenho muita coisa parafazer.E Papai pode se recuperar.

Seu irmão mais velho o esperava no aeroporto quando elechegou ao destino. Ele soube assim que viu o rosto do irmão. Aspalavras foram desnecessárias.

- Papai está morto. Ele morreu há duas horas.Infarto fulminante.

Seu irmão rodou nos calcanhares e dirigiu-se ao local dasbagagens. Ele falou por cima do ombro:

- Temos muito o que fazer.Mais uma vez a sensação de câmara lenta entrou em sua vida.

Ele seguiu obedientemente o irmão mais velho enquanto tentavaengolir a horrível verdade.

De pé sobre a esteira rolante, ele começou a sentir suasprimeiras emoções. Olhou as pessoas que passavam por ele. Elasnão sabem. Se tivessem alguma idéia de que meu pai está morto,parariam. Elas dariam a volta e iriam para casa. Se elas soubessemque meu pai está morto, compreenderiam que suas vidas já nãotêm sentido. O mundo deveria parar de rodar em torno do seu

DE CAOS EM CAOS 87

eixo. A vida deveria terminar. Por que Deus o levaria agora? Meufilhinho de dois anos o ama tanto. O que vou dizer a ele? Ele nãovai compreender. Gostaria de poder conversar com meu pai.Gostaria de poder pegar o telefone e perguntar-lhe o que fazercom isto. Ele saberia. Mas se foi.

Ele foi ficando cada vez mais zangado à medida que ospensamentos lhe inundavam a mente. Até ele e o irmão chegaremao carro, ele estava furioso. Não, triste, apenas furioso.

A semana do sepultamento do pai foi um pesadelo intolerávelpara o jovem. Pessoas bem intencionadas invadiram a casa. Algunsmembros da família se comportaram mal. Ninguém podia dizer aspalavras certas. Por ser um homem intensamente privado, a presençade cada pessoa parecia uma intrusão em sua dor.

Seu filho perguntava incessantemente: "Onde está o vovô?"Nenhuma pergunta trazia mais desespero do que essa. Parecia quea cada trinta minutos ele estava tentando encontrar palavras paraexplicar que o vovô estava no céu. - Ele vai voltar logo? ­perguntava o filho com olhos inquiridores.

- Não, filho. Ele não vai voltar mais.Ele não conseguia fitar a esposa nos olhos. Ocasionalmente,

dava-lhe um abraço obrigatório. Não permitia que ela o confortasse.Ele ignorou a mãe tão bondosamente quanto possível.

No dia após o sepultamento, ele desapareceu. Nãofisicamente. Estava ali, mas era apenas a casca de um homem. Demanhã, ele cuidou dos pequenos detalhes com a casa funerária,estudou a apólice de seguro do pai, e pagou as contas vencidas.Aquela tarde, enquanto assentado na varanda dos fundos da casados pais, ele ficou obcecado com algumas coisas que o faziam sentir-. .se VIVO, como a raiva,

Ele estava com raiva. Essa emoção ele conhecia bem. Semprese sentia enraivecido, embora muito poucas pessoas soubessemdisso. Mas isso era mais do que raiva. Ele se sentia violento. Suaesposa veio até a varanda e perguntou se ele gostaria de dar umavolta com ela. Ele a olhou com desagrado e falou:

- Com este calor?

88 o SILÊNCIO DE ADÃO

- Podemos esperar até refrescar - respondeu ela.' Eleignorou as palavras dela e voltou-se para o outro lado. Ela sentiu­se sozinha quando ele apanhou uma revista e pôs-se a folheá-lanegligentemente.

Ele se sentia particularmente violento quando alguém se moviaem sua direção com bondade. Queria ferir qualquer pessoa que seaproximasse dele. A vida lhe havia desferido um golpe trágico.Alguém devia pagar pela inj ustiça. Sua raiva era uma friezasilenciosa que afastava todos de si.

Mas ele não podia suportar uma fúria tão intensa por muitotempo. Eventualmente, sua raiva nada mais fazia do que relembrar­lhe que era indefeso - que era impotente diante dessa tragédia.Ele queria algo que o ajudasse a desaparecer ou aliviar sua dor.Algo que o ajudasse a esquecer.

Assim, ele se voltava para fantasias. Sonhava com outrasmulheres. Abandonava-se a pensamentos lascivos. Aproximar-seda esposa numa hora dessas era impensável. Ele passou a tardeocioso, vivendo em suas fantasias irreprimidas.

Ele ficou sentado até o ocaso, e no frescor da noite, lembrou­se de que tinha de preparar o sermão do domingo seguinte.

***

Sexo e violência -- tópicos que mexem com todo homem.As indústrias dos filmes e dos livros geram bilhões de dólares apenascom esses dois tópicos. Os homens conhecem o poder da raiva. Oshomens compreendem a fascinação do sexo.

Quando defrontado com o pior caos de sua vida, o homemdesta história encontrou conforto na raiva e na fantasia sexual. Eleestava furioso por o pai lhe ter sido tirado tão cedo. A maioria dospais de seus amigos eram mais velhos do que o dele, e entretantoainda estavam vivos. Por que seu pai estava morto?

Nessa época da vida, as lembranças do pai não conseguiamaliviar-lhe a dor. De fato, elas o atormentavam. Nada mais eram do

. que um lembrete do homem bom que se fora. Para escapar à dor da

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DE CAOS EM CAOS 89

morte do pai, ele se perdeu em fantasias sexuais. Já não sentia oconforto de ter um pai com quem se aconselhar. Estava com raivade estar sozinho. Caos - aquela escuridão confusa que entra navida de todo mundo - intrometeu-se no mundo desse homem, eele voltou-se para algo que ajudava, algo que parecia natural.

Como os homens tipicamente reagem ao caos em suas vidas?Lembre-se da história da tentação. No princípio, no Jardim,

do Eden, Adão não sabia que o caos existia. A história da criaçãoem Gênesis começou com caos mas terminou com a criação. "ViuDeus tudo quanto fizera, e eis que era bom. " Ele transformou odeserto num paraíso e deu-o a Adão e Eva como seu lar. Antes dadesobediência de Adão, o homem alcançou êxito em todoempreendimento. Não havia cardos nem abrolhos. Seu trabalho,em vez de ser uma frustração, lhe dava suprema satisfação. E maisimportante, ele desfrutava relacionamentos perfeitos com a esposae com Deus.

Então o caos entrou de novo na história. Na cultura do tempoem que Gênesis foi escrito, a serpente era símbolo de caos, de umaescuridão incontrolável. A serpente tornou confusa a palavra deDeus ao questionar Eva sobre a sabedoria de Deus. Ela obscureceua clareza da verdade de Deus. As trevas, mais uma vez, pairaramsobre a terra. Um capítulo posterior deste livro explica como Adãoescolheu o silêncio quando se defrontou pela primeira vez com ocaos. A reação de Adão ao caos transformou o paraíso num deserto.Seu silêncio introduziu para seus descendentes um caos totalmentenovo: violência e perversão sexual. O restante do Gênesis dá osdetalhes dessas histórias de sexo e violência: o homicídio de Abel,o incesto de Ló com as filhas, e o estupro de Diná, paramencionar alguns.

,A luta e o fracasso de Adão têm sido repetidos por todos oshomens. Nossas vidas estão cheias de caos. Caos é a tragédia emum milhão de disfarces. Poderia ser o temor de um futuro incerto.É uma decisão que precisa ser tomada, quando todas aspossibilidades parecem certas. Caos poderia ser a perda do emprego,uma redução no salário, a perda do companheiro, um adolescente

90 o SJLÊNCfO DE ADÃO

rebelde, um prognóstico médico ruim. Se formos honestos,admitiremos que o caos nos persegue diariamente. Caos é aquelaescuridão que paira sobre nós todas as vezes que conversamoscom nossas esposas, trabalhamos no nosso emprego, pagamosnossas contas e tentamos enxergar sentido de nossas vidas.

Adão nos ensinou o que não fazer. Há alguma coisa que nosensine a reação certa ao caos de nossas vidas?

Antes que se responda o que significa ser homem, é precisoprimeiro decidir qual é o ponto de referência. Aonde vão os homenspara definir a si mesmos? Eles olham para outros homens, seuspais, suas igrejas? Olham para filmes, TV, Psicologia?

A maior parte dos homens é definida mais pela cultura queos cerca do que pela verdade da Palavra de Deus. Precisamosretomar à Sua história revelada se quisermos ser os homens queDeus tencionou que fôssemos. Deus nos falou em sua Palavra enos deu um desígnio maravilhoso a ser seguido. Para compreenderesse desígnio, veremos que é importante e útil comparar a Bíbliacom as histórias pagãs da criação.

Olhemos rapidamente como as culturas antigas, tipicamente,definiam os homens. O que as nações que cercavam Israel diziamsobre os homens? Com que seus deuses se pareciam? Com quedeviam seus homens e mulheres parecer-se? Como deveriam agiruns para com os outros?

Embora haja numerosos relatos da criação vindos de todasas partes do mundo, vamos dar uma olhada em apenas dois: um daBabilônia antiga e um da Grécia antiga. Da mesma forma queolhamos para o Gênesis, a fim de compreender a nós mesmos, osbabilônios e os gregos olhavam para seus mitos a fim decompreender a si mesmos. Ao ler estes mitos, não deixe de pensarna história da criação em Gênesis. A diferença entre os mitos pagãose a história do Gênesis é surpreendente.

DE CAOS EM CAOS

A HISTÓRIA BABILÔNICA DA CRIAÇÃO(OS BABILÔNIOS A CHAMAV AM DE ENUMA

ELISH)

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Quando os céus e a terra não tinham nome algum, quandonão havia pastagens e não havia charcos, Apsu ("Água Doce") eTiamat ("Água Salgada") eram deus e deusa. Eles eram marido eesposa, e tiveram dois filhos chamados Lahma e Lahamu. Entãoeles tiveram Anshar e Kishar. Houve muitos filhos e netos.

Logo, todos os filhos, os deuses, se reuniram e fizeram muitobarulho. Eles estavam se tornando mais a mais poderosos ebarulhentos. Isso atrapalhava a paz e o silêncio de Apsu e Tiamat,seu pai e mãe.

Apsu resolveu que assassinaria seus filhos e netos a fim dereinar silêncio de novo. Tiamat ficou horrorizada. Ela estavadesgostosa com eles, mas queria agir bondosamente para com eles.

Apsu não se permitiu ser dissuadido. Ele continuou a tramara queda de sua prole.

Mas um de seus filhos, Ea, ouviu a respeito do plano tortuoso.Ele lançou um encantamento sobre Apsu, seu pai, eentão o assassinou.

Então Ea e a esposa, Damkina, tiveram um filho. Seu nomefoi Marduk. Ele tinha quatro olhos e quatro orelhas. Era um deusesplêndido e seu pais se regozij avam com o poder e a beleza dofilho. Ele foi o maior de todos os deuses.

Outro deus, chamado Anu, fez os quatro ventos, queperturbaram as águas de Tiamat. Por estar perturbada pelos ventos,ela por sua vez moveu o dia e a noite, inquietando os outros deuses.Eles se queixaram de Tiamat, sua mãe, e a culparam pelamorte de Apsu.

Furiosa, ela criou dragões e toda espécie de feras terríveis.Ela criou demônios, e eles trouxeram grande caos aos céus.

Ea chamou seu filho, Marduk, para enfrentar Tiamat. Marduk,o grande rei, saiu para batalhar contra Tiamat. Ele fez com quegrandes ventos tumultuassem as águas de Tiamat. Ela lançou

92 o SILÊNCIO DE ADÃO

encantamentos mágicos. Ela cuspiu veneno. Ela abriu a boca paradevorar Marduk.

Mas Marduk arrojou um vento mau pela garganta dela edepois atirou-lhe uma flecha; a flecha atingiu o coração da deusa eela morreu. Ele lançou o corpo dela para baixo e postou-se sobreele, jactando-se da sua vitória. Ele abriu o crânio dela com seubastão. Ele cortou as artérias dela e deixou que os ventoscarregassem seu sangue a locais distantes. Por último, ele tomou ocorpo dela e dividiu-o em duas partes: uma parte se tornou o céu,e a outra parte se tomou a terra.

Marduk terminou a criação. Do sangue de um deus, ele criouos homens para fazer o serviço dos deuses, para servir àsnecessidades dos deuses.

Os deuses se regozijaram na majestade de Marduk elouvaram-no grandemente.

UMA HISTÓRIA GREGA DA CRIAÇÃO(OS GREGOS TIRAM O NOME DA SUA HISTÓRIA

DA CRIAÇÃO DO DEUS KRDNDS)

No princípio nada havia. Esse nada era chamadoCaos, o Vazio.

Logo a Terra passou a existir a fim de que os deuses pudessemter algo em que pisar. A seguir, veio Tártaro, o mundo subterrâneo.Depois, Eros, amor. Ele era muito belo e o mais forte dos deuses.

Caos trouxe à existência Noite e Erebos. Noite e Erebostrouxeram à existência Dia e Espaço. A Terra deu à luz Céu e Mar.

Os deuses descansavam no Céu mas habitavam noMonte Olimpo.

Céu e Terra deram à luz os Titãs. O mais jovem desses foiCronos. Ele foi um filho selvagem e odiava seu pai, Céu.

Terra e Céu tiveram três outros filhos. Cada um deles era ummonstro terrível, poderoso que tinha cinqüenta cabeças.

Isso foi demais para Céu, o pai. Ele sempre odiou seus filhos,

DE CAOS EM CAOS 93

e assim os aprisionou nas regiões escuras da terra.Sua mãe., Terra, conspirou contra o marido. Ela ofereceu

ajuda aos filhos para escaparem da prisão. Todos eles tinham pa­vor do pai, exceto Cronos. Sua mãe lhe deu uma foice que haviafeito anteriormente.

Céu veio a Terra e ternamente espalhou-se sobre Terra.Cronos esperava escondido. Ele golpeou o pai com afoice e o matou.

Antes de morrer, Céu amaldiçoou os filhos. Ele declarou quetodos eles pagariam pela crime cometido contra ele.

Cronos tinha seus próprios filhos. Certo dia ocorreu-lhe queseus filhos poderiam fazer a mesma coisa que ele fizera com o pai.Se ele podia matar seu pai, então eles podiam matá-lo. Quando aesposa, Rhea, deu à luz seus filhos, ele os comeu inteiros.

Rhea orou à Terra que escondesse seu filho, Zeus. Terraconcedeu-lhe o que pedira escondendo Zeus no bosque.

Rhea tomou uma grande pedra e embrulhou-a. Ela fez comque Cronos pensasse que a pedra embrulhada era seu filho. Cronosagarrou o embrulho e engoliu-o. Ele achou que haviadestruído o filho.

Assim Zeus tornou-se o maior dos deuses. Logo Zeusdestruiria seu pai, Cronos.

"INFLAMADOS PELA IRA E ENLOUQUECIDOSPELA LASCÍVIA"

Ambos os mitos têm fios comuns. As histórias começam comcaos. No mito babilônico, o céu e a terra não tinham nome, e nãohavia terra cultivável. A história grega é mais óbvia: no princípionão havia nada, e isso era chamado de Caos.

N as duas histórias, o deus masculino sente-se desconfortávelcom a deusa feminina. Ela personifica o caos. Ela é mistério queprecisa ser violentamente assassinado e desmembrado. Na históriababilônica, o corpo dividido de Tiamat torna-se o ventre que dá à

94 o SILÊNCIO DE ADÃO

luz terra e céu. Na história grega, adeusa feminina, Terra, seduzsexualmente o marido a fim de destruí-lo.

Os deuses guerreiam contra seus próprios filhos. Os deusese deusas dos mitos pagãos assassinam pais, irmãos,esposas e filhos.

Eles criam a raça humana para trabalhar para eles comoescravos. Eles vêem a humanidade como má e semnenhuma dignidade.

As histórias terminam em caos: morte, destruição, desviossexuais. As pessoas não são nutridas; são destruídas. Os mitospagãos movem-se do caos para o caos.

Os mitos pagãos podem apenas afirmar o que já é verdadea respeito dos homens. Os homens são violentos e sãosexualmente perversos. Os pagãos moldaram seus deuses àimagem do homem. O homem como ele era tornou-se seu pontode referência. Eles podiam apenas falar do que era natural paraos homens. Raramente, se é que algum dia o fizeram, falaramdo que o homem poderia vir a ser, da dignidade e dabeleza da masculinidade.

Nos mitos pagãos, os homens trouxeram escuridão à terra.Visto os deuses masculinos serem egoístas, medrosos einsaciáveis, eles trouxeram caos às suas famílias. Os mitos pagãosmostravam um deus masculino que vivia para si mesmo, umdeus que era o único propósito de sua própria existência.

Ouça o que Cícero disse sobre as histórias grega e romanada criação:

Os poetas representaram os deuses inflamados pela irae enlouquecidos pela lascívia, e expuseram ao nossoolhar suas guerras e batalhas. suas lutas e ferimentos,seus ódios, inimizades e disputas... suas queixas elamentações, a licenciosidade plena e irrefreada de suaspaixões, seus adultérios e aprisionamentos, suas uniõescom os seres humanos, e o nascimento de prole mortalde um progenitor imortal.

DE CAOS EM CAOS 95

No antigo Oriente Próximo, os homens temiam o caosacima de qualquer outra coisa. Os homens da antigüidade viviamemterror perpétuo de serem atirados ao caos a qualquermomento. Eles viviam com medo da fome. Viviam com medoda infertilidade. Viviam com medo de inimigos saqueadores.Então, o que fizeram com seu caos? Fizeram deuses à suaimagem - deuses de violência e perversão sexual. E adoravamseus deuses com violência e perversão sexual para apaziguá­los, para persuadi-los a banir o caos de seu mundo. É assim quemuitos homens têm reagido ao caos.

Mas como podem os homens reagir ao caos em suas vidas?Qual é o padrão bíblico?

DO CAOS À CRIAÇÃO

Na história do Gênesis, o homem é feito à imagem de Deus.a Cristianismo começa com Deus, não com o homem. Somosfeitos à Sua imagem. Ele é o nosso ponto de referência. E quemé este Deus? Será que se parece de algum modo com os deusesdos mitos pagãos? Deus usa a violência e a perversão sexualpara confrontar o seu caos? De forma alguma.

A história da criação em Gênesis j amais afirma a violênciae o apetite sexual exigente do homem. Ao contrário, a históriadá um rico retrato do que era o homem- em seu estado perfeitoe o que o homem poderia ser se vivesse à imagem de Deus. É omacho e a fêmea, homem e mulher, vivendo em harmonia erespeito mútuo. O macho não sente pavor da fêmea. A fêmeanão tenta destruir o macho. Eles nutrem um ao outro, e juntoscultivam o jardim em que vivem.

Adão e Eva deviam "cultivar e guardar" o jardim; isto é,eles foram chamados a proteger e nutrir. Força, o oposto deviolência, está no homem para guardar os relacionamentos, nãopara destrui-los. Intimidade, o oposto de lascívia, está no homempara nutrir as pessoas, não para usá-las em seus desejos egoístas.

96 o SILÊNCIO DE ADÃO

As primeiras palavras registradas de Adão foram relacionais epoéticas: "Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne daminha carne. "

Por todo o Gênesis e o Antigo Testamento, o homem é omediador. Ele é a conexão entre o passado e o futuro. Elecompreende que não vive para si mesmo. Não destrói seus filhos.Não se esquece dos seus filhos. Ele sabe que a violência destrói ascrianças. Compreende que a perversão sexual corrompe as crianças.Ele se lembra das histórias antigas, das histórias de seus pais eavós. E vive para transferir a história de Deus à próxima geração, aseus filhos e netos. H Quando seus filhos lhe perguntarem no fu­turo: 'Estas palavras e mandamentos e ordenanças que Deus lheordenou~ o que significam? ' Então vocês dirão aos seusfilhos... "(Dt 6.20-21, tradução do autor).

Existe uma semelhança importante entre Gênesis e os mitospagãos. Ela está registrada em Gênesis 3, "A Queda do Homem".A desobediência de Adão fez exatamente o que os mitos pagãostoleravam. Deus se moveu do caos à criação em Gênesis 1 e 2. EmGênesis 3, Adão se moveu do caos para o caos num mundo debeleza. A desobediência de Adão pôs em movimento um mundoescuro - um mundo de sexo e violência. O restante de Gênesisretrata o resultado do pecado do primeiro homem: ódio, homicídio,racismo, estupro, incesto e adultério.

Quando o homem adentra o mistério da vida com fúria elascívia, ele vive como os pagãos vivem. Acha que não há esperançaem Deus. Deus está ausente. Deus está calado. O homem não sabeo que fazer com a confusão de sua vida, portanto ele busca a fúriae a lascívia.

A fúria faz com que o homem se sinta poderoso. A violênciafaz com que tomemos as coisas em nossas próprias mãos eprocuremos corrigir um Deus injusto. A lascívia ajuda o homem aesquecer. A fantasia é uma forma egoísta de viver para o presente.Ela nega a dor do passado e a esperança do futuro. Com a ira, oshomens estão presentes mas são perigosos. Com a lascívia, oshomens estão ausentes, mas sentem-se vivos.

DE CAOS EM CAOS 97

olivro de Gênesis conta uma história da criayão muitodiferente. Sim, ahistória termina mal. Mas come~a com muitabeleza. Essaeanossa esperan~a. Abeleza existe. Osignificado ea

ordem existem. Reagir ao misterio da~da com violênciaeperversão

sexual arroja omundo de volta às trevas. Gênesis nunca aprovaisso. Gênesis nos convida aretomarmos ao nosso desígnio, anos

tomarmos homens de fOfya eintimidade, ahonrarmos onosso

chamado de nos tomarmos como Deus. Olivro do Apocalipse nosdiz que um dia nós conseguiremos. Tudo entre esses dois livrosnos diz como. Essa eahistória de Deus. Ela precisa ser lembrada.

Um ChamadoA Ser Lembrado

A ntes de entrar.no prédio semjanelas, ele olhoudos dois lados,..é"l..como se estrvesse prestes a atravessar um cruzamentoperigoso. Seu coração disparava tanto de medo quanto deexcitação. Ele temia ser apanhado - ou não ser. Ele sentia aexcitação de estar despertado e correndo risco. Embora essa parteda cidade fosse uma que seus paroquianos raramente visitavam,ele se perguntava se alguém queele conhecia podiaporacaso passarali nesse dia. Mas não vendo nenhum rosto conhecido, ele passoucautelosamente por uma porta marcada "Só Adultos".

Durante a hora seguinte, ele folheou avidamente as revistas eassistiu aos vídeos, erguendo os olhos de quando em quando parase certificar de seu anonimato. Durante aquele tempo, ele seesqueceu de tudo que considerava importante: as ricas horas deoração que ele desfrutara com bons amigos na noite anterior; aesposa, grávida do segundo filho do casal; a filhinhade dois anos eolhos brilhantes; a igreja, cadavez maior, quepastoreava; o Deus aquem ele conheciadesde sua conversão no colegial. Ele tirou todosda cabeça, porque sua presença teria estragado aindulgência momentânea.

Depoisde algumtempo, ele partiutão cautelosamente quantohavia entrado, sentindo-se ao mesmo tempo entediado e excitado

100 o SILÊNCIO DE ADÃO

- e profundamente insatisfeito. E durante a longa volta à casa, omedo e excitação iniciais de sua "aventura" foram substituídos porconhecida sensação de derrota.

Do outro lado da cidade, outro homem se dirigia o mesmolocal. Esse era um caminho freqüentemente visitado por ele também.Mas dessa vez, durante suajornada torturante, ele notou uma antigacatedral de pedra situada ao longo da sua rota. De súbito, ele fezuma escolha. Entrou com o carro no estacionamento da igreja.Parou, desceu e caminhou na direção das enormes portas decarvalho. Como o outro homem, ele estava temeroso e excitado,mas não precisou olhar dos dois lados antes de entrar. O medodesse homem era de que sua escolha súbita - uma escolha melhore diferente - tivesse vida breve. Mas talvez houvesse algo nobredentro dele, algo que inspirou sua escolha, algo que pressionavapara ser liberado.

Ele prosseguiu através das portas. Uma vez dentro, elecaminhou silenciosamente até o altar. Ali acendeu uma vela,ajoelhou-se diante dela, e orou. Ele estava humilhado e quebrantadopelas escolhas tolas que fizera no passado, e grato porque aqueledia alguma coisa estava diferente. Ele pensou na esposa, nos filhos,nos colegas de ministério, e lembrou-se de Deus e o adorou ali.

Após algum tempo, ele deixou a igreja, entrou no carro edirigiu-se para casa. Estava exausto da luta. Mas sentia-seesperançoso pela primeira vez em muitos anos.

A LUTA É REAL

Você acabou de ler duas breves histórias de dois homens.Suas lutas são semelhantes. Suas escolhas não foram. Nessashistórias, muitos homens talvez reconheçam suas próprias lutas comquestões parecidas. Dezenas de homens têm travado batalhasvergonhosas como estas por anos mas tido vergonha demais paraconversar sobre elas com alguém. Eles se sentiram sozinhos. Outroshomens que não se debatem com a pornografia podem não estar

UM CHAMADO A SER LEMBRADO 101

conscientes de vícios mais sutis. Eles se entregam a paixõesdiferentes: excesso de trabalho, materialismo, gula, necessidade decontrolar, necessidade de que gostem dele, uma vida ativa de fan­tasias, masturbação. A lista é infinda, mas a luta é a mesma. Todosos homens lutam contra desejos e paixões irresistíveis que desafiamrestrições. E como os dois homens nas histórias que deram início aeste capítulo, alguns combatem bem, enquanto outros conhecemapenas a derrota.

A RAIZ DO PROBLEMA

Se qualquer desses dois homens o procurasse pedindo ajuda,o que você diria? Que conselho daria que o ajudasse a tratarseus problemas?

A maioria dos conselheiros talvez fosse em uma de diversasdireções. "Você precisa estar em comunhão com outros crentes",diz um. "Se estiver em comunhão com homens e mulheres piedosos,terá mais probabilidade de manter-se afastado de padrõespecaminosos. Preste contas a alguém."

"Leia a Bíblia e decore passagens chaves", sugere outro. "Ohomem que guarda a palavra de Deus no coração não será enlaçadopelas coisas deste mundo."

Outro ainda oferece: "Fuja da tentação. Fique longe de certoslugares que podem fazê-lo tropeçar." .

Todos esses conselhos são bons, sólidos e certos. Todos elestêm forte respaldo bíblico. Para alguns homens, essas exortaçõestêm produzido mudança palpável. Mas para muitos outros, oconselho apenas os deixa mais desanimados. Talvez seja essa a suareação. Talvez você tenha feito fielmente todas essas coisas poranos, e contudo nada tenha realmente mudado. Você teve sucessostemporários, mas seus problemas sempre voltam, e você se sentemais desanimado do que nunca.

Sugiro que consideremos outra abordagem das lutas doshomens - uma que incorpora o que os outros conselhos dados

102 o SILÊNCIO DE ADÃO

têm de bom, mas oferece mais. Em vez de simplesmente evocarmais energia para fazer algo ou não fazer algo, olhar com maisprofundidade. Pergunte a si mesmo: Por que fazemos o quefazemos? Por que escolhemos viver de maneiras que são contráriasao que sabemos ser verdadeiro e certo?

Os homens são criados à imagem de Deus. Por desígnio,somos chamados a expressar de forma singular algo dEle pelamaneira como vivemos e nos relacionamos no nosso mundo. Fomosfeitos para mover, falar, criar, amar. Se nossas vidas não refletiremessa imagem, algo está errado. E o que está errado aqui é sério.Uma grande escolha é exigida dos homens, uma que abrange muitomais do que a decisão de olhar ou não pornografia. A escolha errada,quando não reconhecida, resulta na violação da natureza essencialdo homem.

O afastamento do desígnio planejado para nós é a raiz doproblema. E esse afastamento é sempre uma escolha.

CRIADOS PARA LEMBRAR

Já vimos que o homem expressa a imagem de Deus quandose move e fala para dentro do caos de seu mundo. Entretanto, hámais coisas envolvidas no desígnio de Deus para os homens. Gênesis1.27 nos diz explicitamente que Deus criou o homem e a mulher "àsua imagem", Nessa passagem, a palavra homem é traduzida dapalavra hebraica zakar, que significa "aquele que se lembra". Quepalavra curiosa para descrever o homem. Talvez esperássemos umapalavra que significasse "aquele que é forte", "aquele que lidera"ou "aquele que é poderoso". Mas, em vez disso, o homem é descritocomo alguém que se lembra. Por quê?

De que o homem deve se lembrar? Será que deveria se lembrarmelhor de onde deixou as chaves? Deveria se esforçar mais paralembrar-se de datas importantes, como aniversários de casamentoe datas de nascimento? Se é isso que significa o homem ser aqueleque se lembra, então todos, menos os mais compulsivos, entre nós,

UM CHAMADO A SER LEMBRADO 103

estão em apuros. A idéia de lembrar tem um significado muito maisprofundo. Significa primeiro que temos algo importante de quenos lembrar; segundo, sugere que temos uma razão para nos lembrar.

ALGO PARA LEMBRAR

Todos nós temos diversos amigos de longa data quecompartilharam partes importantes da nossa vida. Para mim, essesamigos foram meus colegas num ministério universitário. Fazdiversos anos agora desde que tivemos uma reunião, mas sempreque esse grupo de amigos queridos se reúne, cada um de nós sabeo que acontecerá. Desfrutaremos de uma boa refeição, seremospostos a par das vidas uns dos outros; e finalmente, em algummomento durante a noitada, começaremos a contar histórias. Essaparte não é algo que discutimos com antecedência, nem é algopara o qual cada um de nós se prepara. Ela simplesmente acontece.

Alguém começa a relembrar um evento em particular de nossopassado compartilhado e todos ouvem atentamente. É uma históriaque cada homem do grupo já ouviu inúmeras vezes, mas isso nãoreduz o interesse na narrativa. Defato, tão familiarizados estamoscom cada história que o contador é muitas vezes corrigido poralguém que se lembra de alguma parte importante do enredo. Aantecipação vai crescendo à medida que a história ganha ímpeto ese move rumo ao clímax hilariante. Quando esse momento éalcançado, todos nós explodimos numa gargalhada ruidosa, comlágrimas a escorrer-nos pelo rosto enquanto tentamos recuperar ofôlego. E quando recobramos a compostura, ouve-se um pedido:"Roger, conte aquela sobre..." E o ciclo continua noite adentro.

Por que contamos essas histórias? É por estarmosdesesperados por diversão? (Alguns já sugeriram isto.) É por queestamos vivendo no passado e não conseguimos nos mover adiante?(Alguns já sugeriram isto também.) Há uma razão muitomais importante.

A questão não é as histórias que contamos. Em si, elas nada

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mais são do que vinhetas engraçadas de vidas compartilhadas. Sãodivertidas e às vezes bobas, mas de alguma forma são importantes.Seu valor reside no poder que têm de nos apontar na direção dealgo. Elas nos relembram de outros dias, outros tempos, anos atrás,quando trabalhamos juntos num ministério estudantil. Foi uma épocaem que vimos Deus trabalhar em nossas vidas e nas vidas dosestudantes por quem éramos responsáveis. Aconteceram coisassignificativas, aconteceram coisas tristes, aconteceram coisasmilagrosas. Deus fez uma obra em nosso meio, e contamos nossashistórias para nos lembrar daqueles dias.

É apenas apropriado que nosso grupo de homens contehistórias uns aos outros. Afinal, os homens foram construídos dessamaneira. Somos "aqueles que se lembram", criados para relembraro passado, criados para contar histórias.

Relembrar é um tema repetido por toda a Bíblia. Quando opovo de Deus se reunia para o culto, eles confessavam seus pecadose oravam, e um de seus líderes se levantava no meio deles ecomeçava a relembrar os feitos de Deus:

"Viste a aflição de nossos pais no Egito, e lhes ouvisteo clamor junto ao Mar Vermelho. Fizeste sinais emilagres contra Faraó e seus servos e contra todo opovo da sua terra, porque soubeste que os trataramcom soberba; e assim adquiriste renome, como hojese vê. Dividiste o mar perante eles, de maneira que oatravessaram em seco; lançaste os seus perseguidoresnas profundezas, como uma pedra nas águasimpetuosas. Guiaste-os, de dia por uma coluna denuvem, e de noite por uma coluna de fogo para lhesalumiar o caminho por onde haviam de ir".(Ne 9.9-12)

A história era contada e relatadas em episódios lembrados.Pense no número de vezes na Bíblia quando as obras de Deus sãonarradas. Por que tantas vezes? No Antigo Testamento, Deus estava

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UM CH.AMADO A SER LEMBRADO 105

ansioso para revelar-Se a um povo que vivia no meio do caos. Osanciãos sabiam que histórias do amor fiel de Deus eram uma âncoranecessária para o povo continuar confiando. O fato de relataremantigas histórias transmitia uma mensagem vital: "Deus é fiel a seupovo. Vez após vez Ele interveio em nosso favor. Ele provou Suabondade. E é o mesmo Deus agora que era então. Por isso, animem­se. Tenham fé. Não se esqueçam de como Ele é e o que tem feito."

Habacuque, o profeta que esbraveja contra Deus por suaaparente inatividade e o acusa de ser surdo e mudo, encontraesperança quando se lembra, e ora: "Tenho ouvido, ó SENHOR, astuas declarações, e me sinto alarmado; aviva a tua obra, óSENHOR, no decorrer dos anos, e no decurso dos anos faze-aconhecida; na tua ira, lembra-te da misericórdia" (Hc 3.2).Habacuque estava relembrando a história revelada de Deus.

Certa vez, quando os filisteus se aproximavam de Israel paraguerrear, o profeta Samuel ofereceu um sacrifício. O Senhortrovejou e espalhou o pânico entre o inimigo, permitindo que Is­rael os vencesse com facilidade. Samuel então tomou uma pedra ea estabeleceu, dando-lhe o nome de Ebenézer, que significa: "Atéaqui nos ajudou o SENHOR." Daquele dia em diante, sempre queo povo passava por aquela pedra, lembrava-se da fidelidadede Deus.

Somos aqueles que se lembram. Somos criados para noslembrar das palavras de Deus e da obra de Deus. Os homens sãochamados a se lembrar de Deus contando fielmente aos outros quemEle é e o que tem feito. Mas por quê? Qual é o propósito de lembrar?

UMA RAZÃO PARA LEMBRAR

"Tão-somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem atua alma, que te não esqueças daquelas cousas que osteus olhos têm visto, e se não apartem do teu coraçãotodos os dias da tua vida, e osfarás saber a teusfilhose aos filhos de teus filhos. Não te esqueças do dia em

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que estiveste perante o SENHOR teu Deus em Horebe,quando o SENHOR me disse: Reúne este povo, e osfarei ouvir as minhas palavras, afim de que aprendama temer-me todos os dias que na terra viverem, e asensinarão a seus filhos. " (Dt 4.9-10)

Alguns anos atrás, passei por uma época particularmentedifícil. Por meses, tudo na minha vida dava a impressão de ser umabatalha. Os clientes no meu ministério de aconselhamentoapresentaram problemas inusitadamente severos e aparentementeinsolúveis. Amigos meus passavam por tempos extremamentedifíceis. Os horrores de viver neste mundo decaído pareciam muitopróximos.

Comecei a me sentir um tanto desequilibrado. A qualquermomento, eu sentia um impulso irreprimível de chorar ou brigar.Uma canção um tanto quanto inócua tocava no rádio, e eu começavaa chorar. Um motorista se infiltrava aos poucos na minha faixa e eutinha de resistir ao impulso de forçá-lo a sair da estrada. Uma criançasentada no carrinho de compras de supermercado de sua mãe sorriapara mim, e meus olhos se enchiam de lágrima. Entretanto, se a filado caixa não se movesse com velocidade suficiente, eu procuravaenraivecido o gerente para corrigir o problema depressa. Tristeza efúria. Indo e vindo.

Finalmente procurei um bom amigo e colega e contei-lhe oque estava acontecendo. Ele ouviu atentamente antes de me daresta resposta solene: "É difícil ter entrado na batalha e descobrirque não há como sair dela."

Sua resposta me deixou estupefato - mas eu sabia que era averdade. Durante o decorrer de diversos anos, eu havia feito algumasescolhas de lutar uma batalha maior. Havia escolhido abrir meusolhos mais e mais para as terríveis realidades de um mundo decaído.Quando eu tinha vinte e poucos anos, vivi como um homem que secontentava em deixar os outros lutarem as grandes batalhas,enquanto eu ficava nos bastidores e oferecia alimento e água. Masessa posição estava mudando, e eu sabia. Enfrentar o futuro parecia

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UM CHAMADO A SER LEMBRADO

"Ouvimos, ó Deus, com os nossos próprios ouvidos:nossos pais nos têm contado o que outrora fizeste, emseus dias. Como por tuas próprias mãos desapossasteas nações, e os estabeleceste a eles; oprimiste ospovos,e aos pais deste largueza. Pois não foi por sua espada

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108 o SILÊNCfO DE ADÃO

que possuiram a terra, nem foi o seu braço que lhesdeu vitória, e, sim, a tua destra, e o teu braço, e ofulgordo teu rosto, porque te agradaste deles" (SI 44.13).

Meu pai não me deu as respostas para a minha luta. Mas sualembrança me deu coragem para continuar no meio dela. Suashistórias me deram esperança.

A RECUSA DE LEMBRAR

A maioria dos homens é conhecida por seu silêncio. Os filhosraramente ficam sabendo sobre o passado dos pais - suasexperiências, seus fracassos, suas lutas com a fé. Em vez de passaralgo a seus filhos, ele permanece calado, agindo como se não tivessenenhuma lembrança. Por quê?

Pense de novo nos dois homens que descrevi no início destecapítulo. De que maneira a idéia do homem como "aquele que selembra" se relaciona com uma luta contra o pecado sexual - oucom qualquer outro pecado?

Pense sobre isso. O homem que entrou na loja só para adultosteve de tirar da cabeça tudo que lhe era caro. Ele não podia "gozar"aqueles prazeres pecaminosos enquanto algum pensamento daesposa ou filhos ou ministério ainda estivessem em sua mente.Durante aqueles momentos, conquanto breves, ele teve também detirar da cabeça Deus, para honrar suas escolhas pecaminosas.

Considere uma época na qual você se moveu propositalmente- física ou mentalmente - na direção de alguma coisa que vocêsabia ser errada. Naquele momento, como estava o seurelacionamento com Deus? Era chegado? Você estava desfrutandointimidade com Ele? Claro que não. Se Deus tivesse estado nocenário, você não poderia ter continuado naquela direçãopecaminosa. Essa é a natureza da idolatria - a busca de algo além

. de Deus para satisfazer os desejos pessoais. Escolhas pecaminosasrequerem que Deus seja esquecido. Neste sentido, esquecer está

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UM CH.AMADO A SER LEMBRADO 109

relacionado a mais do que apenas não saber onde estão as chavesdo carro. É uma escolha ativa e proposital- uma recusa de lembrar.

a apóstolo Paulo pinta um quadro vívido do que aconteceuquando os homens "mudaram a glória do Deus incorruptível emsemelhança da imagem [ídolos] do homem corruptível" (Rm 1.23)."Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências deseus próprios corações" (Rm 1.24). O versículo 28 é especialmentedigno de nossa atenção: "E~ por haverem desprezado oconhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a umadisposição mental reprovável, para praticarem cousasinconvenientes. " Essas pessoas se esqueceram de Deus. O resultadofoi sério pecado.

Embora os homens conhecessem a verdade a respeito deDeus, chegaram a um ponto em que não viam valor algum emmanter essa verdade em primeiro lugar nas suas mentes. Elesmoldaram deuses previsíveis, deuses que não interfeririam com suasescolhas pecaminosas. O que o homem está fazendo quando vai auma livraria ou quando entretém fantasias? O que está acontecendoquando ele precisa estar no controle, e exige que os outros sealinhem com seu modo de pensar? Qual é a motivação do homemquando sua maior paixão é que gostem dele? Em cada uma dessassituações, o problema subjacente é a falha em acreditar que Deus ésuficiente. "Esta vida que estou vivendo não está funcionando. Deusnão me está tratando da maneira que mereço. A vida simplesmentenão me faz sentir bem. Quero algo ou alguém que me faça sentirbem ou me controle. Confiar em Deus não está produzindo osresultados que desejo. Portanto, eu o colocarei de lado. Precisoescolher esquecer Deus por algum tempo e substitui-Lo por algomais agradável."

Nós homens chegamos a isso de maneira muito natural. Adão,antes da Queda, tinha algo de que se lembrar. Ele conhecia muitosobre o caráter de Deus por ter testemunhado a obra criativa deDeus e por suas conversas com Deus. Adão sabia o que Deus lhedera para fazer, o que Deus provera para ele, e quais eram seuspróprios limites. Contudo, já vimos que Adão não agiu segundo o

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que ele sabia ser verdadeiro. Quando a serpente tentou Eva, Adãonão falou. Sua memória lhe falhou. Mais exatamente, ele se recusoua lembrar.

Estou sugerindo que os homens deveriam estabelecer uma"hora de história" para suas famílias todas as noites? Que toda vezque o homem for tentado, deve recitar passagens bíblicas querelatam as obras de Deus? Será que essas coisas realmente ajudam?Talvez. Mas elas podem apenas colocar mais pressão sobre o homempara fazer as coisas certas. Algo mais é necessário: uma mudançade coração. A menos que os homens enfrentem honestamente seuobstinado deleite em se esquecer e sua dedicação a paixões maisfortes do que seu desej o por Deus, j amais ocorrerá umamudança duradoura.

o CHAMADO A LEMBRAR

Quando eu era um cristão novo, achava incrível que um grupode pessoas que testemunhara a abertura do mar Vermelho pudessese esquecer do que Deus havia feito e retomar ao culto de falsosdeuses. Logo após seu milagroso livramento das mãos dos egípcios,os israelitas estavam de novo cometendo pecado. E a Bíblia relatadezenas de incidentes por toda a história de Israel nos quais aspessoas conheciam a bondade de Deus mas ainda assim buscavamoutros caminhos para a vida.

Essas histórias costumavam me surpreender. Mas hoj e,quando me defronto com as realidades em minha própria vicia, nãome surpreendo de forma alguma. Sou um homem que crê, umhomem que já viu a mão de Deus operando obviamente em minhavida. E no entanto, por vezes, ainda busco algo que não seja Deuspara me dar satisfação e realização. E ao fazer isso, deixo de melembrar do que é verdadeiro.

Após três anos, o tempo de Jesus com os discípulos estavachegando ao fim. Certa noite, Jesus os reuniu para a ceia da Páscoa.

UM CHAMADO A SER. LEMBRADO 111

com os próprios olhos, e logo depois testemunharia Sua morte eressurreição. Aesses homens Jesus disse: "Fazei isto em memóriade mim. "Com certeza, dentre todas as pessoas, eles não precisariamde um símbolo que os ajudasse a lembrar-se de Cristo. Depois detudo o que haviam testemunhado e ouvido, como poderiampossivelmente esquecer?

Contudo, Jesus conhecia aqueles homens como conhece anós. Econhecia sua inclinação aesquecer. Considere adiscussãomesquinha, registrada em Lucas 22.24, que ocorreu entre eles logoapós Jesus ter predito Sua morte: "Suscitaram também entre siuma discussão sobre qual deles parecia ser omaior. "Mesmo antesde Jesus ter deixado asua presença, eles se haviam esquecido doque Ele dissera. Já estavam se afastando da vida à qual Jesusos chamara.

Os dois homens descritos no início deste capítulo foramdefrontados com aescolha de lembrar-se. Ambos lutaram. Eam­bos adoraram. Oprimeiro recusou-se a lembrar e, em últimainstância, adorou diante do altar de um deus falso. Osegundo,ouvindo ochamado de Cristo para que se lembrasse dEle, adorouao Deus verdadeiro.

7Ele Estava Lá

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E Se Calou

"Creio em Deus mesmo quando Ele se cala. "

Foi o dia mais longo da sua semana. Ele era professor numapequena universidade, e tinha de trabalhar em dois empregos

para equilibrar o orçamento doméstico. Acordou cedinho na manhãdaquela quarta-feira para aconselhar um cliente de outra cidadepelo telefone. Depois, foi correndo encontrar-se com um alunopara tomarem juntos o café da manhã. Em seguida, dirigiu-se àspressas ao seu escritório para a reunião semanal do corpo docente.Assim que a reunião terminou, ele deu uma aula de três horas.Depois veio um almoço com outro aluno, seguido de quatro horasconsecutivas de aconselhamento. Para terminar o dia, ele passouuma hora com um colega, discutindo planos para um seminárioque se aproximava.

Ao dirigir-se para casa aquela noite, ele estava esgotado eexausto. Tinha conversado com amigos, alunos, ex-alunos, colegase clientes das 5h3ü da manhã até as 18h30. Mais uma vez, haviadado de si mesmo até o ponto de exaustão. Enquanto ainda estavaa caminho da casa, ele decidiu que não lhe restara nada para dar.

114 o SILÊNCIO DE ADÃO

Mais do que qualquer coisa, queriaficar só. Ele pensoubrevementesobre como poderia fugir por alguns dias.

Enquanto ouvia o rádio, ele sonhava com sua cabanaimaginária aninhada nas montanhas. Nenhuma controvérsia.Nenhum pedido. Nenhuma crítica. Mas ele estava dividido por outropensamento, um que o corroía, embora fosse agradável. Mesmocansado como estava, ele mal podia esperar para estar com aspessoas a quem mais amava: a esposa e o filho.

Ao se aproximar da garagem, ele sentiu uma fúria elevar-sedentro de si. Seu corpo se retesou e ele sentiu uma conhecida paredesubindo. Ele sabia exatamente o que aconteceria quando entrasseem casa. Reviu mentalmente a cena enquanto entrava na garagem:o filho ia querer brincar, e a esposa ia querer saber tudo a respeitodo seu dia. E ela ia querer contar tudo a respeito do dia que tivera.Ela daria uma lista de tudo o que enfrentara desde que ele saíraaquela manhã. Pediria que ele desse uma olhada na secadora deroupas ou consertasse o vaso sanitário ou desentupisse o trituradorde lixo.

Permanecendo sentado no carro, ele sentia o peso do que afamília pediria dele. Ele começou a culpar a esposa por sua raiva efrustração. Ela pede demais. Ela não entende as frustrações domeu trabalho. Não aprecia os sacrificios que faço por ela. Elanunca me dá trégua, queixou-se consigo mesmo.

Quando ele entrou na sala, a esposa saudou-o com umapergunta que milhões de esposas fazem a seus maridos todos osdias. Era uma pergunta simples, que exigia apenas uma respostasimples. Por que o deixou zangado? A esposa não estava pedindoalgo que ele não pudesse dar, como a resposta a um problemamatemático complexo. Estava pedindo algo que ele podia dar ­mas que guardava da maneira como um pirata desvairado protegeseu tesouro mais secreto.

Ela perguntou: "Como foi o seu dia?"Ele passara seu longo dia conversando - aconselhando,

batendo papo, ensinando, discutindo planos futuros. E agora, apóstreze horas de conversa, ele ofereceu sua resposta de sempre à

ELE ESTAVA LÁ E SE CALOU 115

pergunta. O lhando-a bem nos olhos, ele disse uma palavra: "Bom."Esperava que isso encerrasse a conversa. Imediatamente

apanhou a correspondência e fingiu que era mais premente do quea pergunta da esposa. Entretanto, tinha plena consciência de queela estava perguntando mais do que como seu dia tinha sido. Elaqueria que ele compartilhasse sua vida consigo, entrasse numaconversa, tocasse a solidão dela com suas palavras e presença. Masele se recusou a dar.

Como tantas noites antes, ele se calou para com aquela aquem amava. Podia falar com alunos e clientes, mas se escondia daesposa. Mais tarde naquela noite, na privacidade de sua mente, elese angustiou com sua obstinada, silenciosa, fuga. E se fez asperguntas de sempre: Por que desprezo asperguntas dela? Eu amoa minha esposa, mas uso a exaustão como desculpa para descartá­la. Porque me calei? Hoje/oi um dia particularmente longo. Masmesmo nos dias mais fáceis, fujo daqueles a quem amo. Por quê?

o QUE E5TÁ ERRADO COM OS HOMENS?

Eu entendo esse homem. Entendo-o porque, quasediariamente, passo por essa mesma rotina e faço as mesmasperguntas. Contudo, meu trabalho, tanto nas Escrituras quantono meu consultório de aconselhamento, me convenceu de quetodo homem se debate com um silêncio profundo e escolhido.A primeira vez em que ensinei sobre o silêncio dos homens, vi­me cercado por um bando de esposas que exclamavam: "Meumarido também é calado! O que posso fazer para conseguir queele converse comigo?" E alguns homens se aproximaramsorrateiramente e sussurraram: "Achei que eu era o único. Vocêtem problemas com isto também?"

Todo homem se debate com a tensão entre um desígnioao qual não pode escapar e sua violação diária desse desígnio.O desígnio para todo homem é o de falar e ser alvo da fala deoutros. Os homens querem amar e ser amados, mas sentem-se

116 o SILÊNCIO DE ADÃO

reprimidos no íntimo. Algo não permite que suas emoções esentimentos saiam para fora.

Podemos ser ajudados? Podemos mudar? Claro, mas ajomadado homem piedoso começa de maneira estranha. Sua jornadacomeça quando ele enfrenta o fracasso, não, quando alcançasucesso. Ela começa com uma avaliação honesta do que está errado.

A solução de um problema sempre começa com a avaliaçãocorreta do problema. Precisamos entender claramente o que estáerrado conosco antes de podermos mudar e viver segundo odesígnio. As Escrituras oferecem uma explicação. Elas falam deum homem - o primeiro homem - que teve o problema dosilêncio. Vamos dar uma olhada cuidadosa nesta história conhecidapara ver qual é o problema e onde ele começou.

ADÃO E5TA V A LÁ...

E a serpente era o mais sagaz de todos os animaisselvagens que o Senhor Deus tinha feito. E a serpentedisse à mulher: "Deus disse realmente: 'Vocês nãocomerão de todas as árvores do jardim? ' E a mulherrespondeu à serpente: 'Podemos comer do fruto dasárvores do jardim. [MasJ do fruto da árvore que ficano meio dojardim Deus de fato disse que não se podecomer dele, e não se pode tocá-lo, para que não semorra. " E a serpente disse à mulher: "Certamentevocês não morrerão. Pois Deus sabe que no dia emque vocês comerem, seus olhos se abrirão e vocês serãocomo Deus, conhecendo o bem e o mal. " E a mulherviu que a árvore era boa para se comer, e que eraagradável aos olhos, e que era desejável para darsabedoria, e ela tomou do seu fruto e comeu-o. E deutambém a seu marido, que estava com ela, e ele comeu.E os olhos de arnbos se abriram, e perceberam queestavam nus, e coseram folhas de figueira e fizeramvestes para si. (Gn 3.1-7, tradução do autor)

ELE ESTAVA LÁ E SE CALOU 117

Através de toda a sua história, a Igreja em geral tem culpadoEva pela queda da raça humana. A maior parte das pessoas pre­sume que, enquanto a serpente e Eva conversavam, Adão estavaem outro lugar. Elas supõem que após ter pecado, Eva encontrouAdão e o tentou a comer do fruto proibido. E com freqüência Evaé denunciada por ter tentado travar uma batalha de esperteza coma serpente mas, em sua fraqueza, sucumbido à astúcia da outra.Tem-se ensinado que Eva deu o primeiro passo para pecar contraDeus, e que Adão apenas seguiu-lhe o exemplo. Alguns intérpretestêm até sugerido que Adão comeu do fruto para que Eva não vivessesozinha em seu pecado.

De fato, fazem com que Adão pareça nobre à luz da petulânciado seu "vaso mais frágil". Mas e se Adão estivesse ali com Evadurante toda a conversa? E se ele estivesse em pé ao lado dela eouvisse por si mesmo a serpente dar voltas em tomo da verdade? Ese sua desobediência começou, não quando comeu do fruto, mas,quando se recusou a falar com a serpente ou com sua esposa?

Se Adão esteve presente mas se calou, isso traz nova luzsobre o problema com os homens. A interpretação que a Igreja fazde Gênesis talvez tenha permitido que os homens culpem asmulheres por seus problemas - exatamente como Adão culpouEva - e não assumam responsabilidade por seus fracassos. Mas asituação muda radicalmente se Adão esteve presente ao lado deEva enquanto a serpente a tentava. Então seu silêncio se torna umpecado, com implicações de longo alcance.

Há quatro razões pelas quais acreditamos que Adão seencontrava presente na tentação: (1) seu silêncio se encaixa nocontexto imediato de Gênesis 1-3; (2) Gênesis 3.6 diz que ele estavaali; (3) o estilo de toda a narrativa registrada em Gênesis 3.1-7sugere que Eva se voltou imediatamente para Adão e lhe deu ofruto; e (4) outros homens em Gênesis vivenciaram esse problemaantigo do silêncio de Adão, sugerindo que seu silêncio tomou-seum padrão para seus descendentes masculinos.

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ADÃO, O PORTADOR DA IMAGEM,DESAFIA À SUA IMAGEM

Primeiro, olhemos o contexto imediato dessa passagem.Faremos isso comparando Gênesis 3 com Gênesis 1. Em Gênesis IDeus confronta as trevas e o caos: "A terra era semforma e vazia. "Vimos anteriormente que Deus criou o mundo de fonna singular.Ele falou para dentro da escuridão e suscitou ordem, beleza erelacionamento. A comunidade judaica tem uma expressão diferentepara descrever esse Criador: "Aquele que falou e o mundo passoua existir. H Ele é um Deus que usa a linguagem a fim de estabelecerrelacionamento. Ele não bate em retirada diante da escuridão e docaos. Antes, fala para dentro dela. E após sua atividade criadora,ele guarda o sábado.

Em Gênesis 3, Adão - o homem que deveria representarDeus - age muito diferentemente do seu Deus. Como em Gênesis1, a história de Gênesis 3 começa com caos. "Mas a serpente,mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deustinhafeito. " Ela falou com a mulher: "É assim que Deus disse... ? "Observamos no Capítulo 5 que a serpente representava o caos. Aspessoas no Oriente Próximo antigo acreditavam que a serpentesimbolizava engano e confusão. Em Gênesis 3.1 o caos reaparecena forma de uma serpente que usa o engano para confundirAdão e Eva.

Mas o que acontece diante do caos? Ironicamente, é Evaquem reflete a imagem de Deus de forma mais clara do que Adão,porque ela fala com a serpente. Mas o que dizer de Adão? Se Adãoestava ali, não disse nada. O caos havia entrado em seu mundoperfeito e ele permaneceu estarrecido em sua ~nfusãoe escuridão.As Escrituras não registram nenhuma instrução de Deus para Adãosobre o que dizer à serpente. Por isso Adão não disse nada.

Adão foi, então, um homem calado, um homem passivo.Como muitos homens na história, ele esteve fisicamente presentemas emocionalmente ausente. Ele se dilui no pano de fundo da

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história em vez de se postar na frente e no centro do palco. Em contraste,Deus apareceu na frente e no centro da cena em Gênesis 1 e faloucom o propósito de transformar um deserto em paraíso. Adão, poroutro lado, desapareceu. Seu pecado começou com seu silêncio.Ele foi projetado para falar mas não disse nada. Ele ouviu a serpente,ouviu a esposa, aceitou o fruto, e então comeu.

Adão foi passivo três vezes antes de comer dofruto proibido.

A palavra de Deus suscitou criação do caos; o silêncio deAdão trouxe caos de volta à criação. Lembre-se que Deus usoua linguagem para estabelecer relacionamento; Adão usou silênciopara destruir relacionamento. Deusdescansou depois de sua obracriadora; Adão trabalhou mais como resultado do seu silêncio.Adão arruinou o Paraíso por que não fez algo. Adão, o portadorda imagem de Deus, não refletiu o seu Deus, porque escolheuestar ausente, calado e esquecido da ordem de Deus.

ADÃO, QUE ESTAVA COM ELA

Há uma segunda base para se crer que Adão estava presentedurante a tentação. O texto declara explicitamente que Adão estavaali. HE a mulher viu que a árvore era boa para se comer, e que eraagradável aos olhos. e que era desejável para dar sabedoria, eela tomou do seu fruto e comeu-o. E deu também a seu marido,que estava com ela, e ele comeu" (Gn 3.6, tradução e ênfase doautor). Essa frase simples mas condenatória tem sido grandementeignorada. Mas não deveria ser. É uma frase importante. E o hebraicoé mais direto ainda. 'imha é composto de duas palavras hebraicas quesão traduzidas como "com ela"! . A construção hebraica é umacombinação da preposição 'im, que significa "com", e o pronomepessoal feminino da terceira pessoa ha, que significa "ela".

Quando 'im é usado na Bíblia hebraica, denota grandeproximidade, até o ponto de uma relação sexual. Outras preposiçõespoderiam ter sido escolhidas para mostrar associação nesse

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versículo, mas o uso de 'im indica não apenas uma associação muitochegada como proximidade física. Uma boa tradução desta fraseseria "bem ali com ela".

Muitos versículos confirmam esta interpretação da frase "queestava com ela". Considere apenas uma, Jz 13.9. Este versículoaparece na história de Sansão, que é narrada em Juízes 13-16. Antesde Sansão nascer, o anjo do Senhor apareceu à mãe de Sansão.Ora, tipicamente o anjo do Senhor aparecia a homens. Por quê,então, ele apareceu à mãe de Sansão, e não ao pai, Manoá?

A mãe de Sansão era estéril, e o anjo do Senhor apareceupara prometer-lhe um filho. Ele disse que ela deveria consagrar ofilho como nazireu, um homem que devia jamais cortar seuscabelos. A mulher correu a contar ao marido sobre o aparecimentoe o anúncio do anjo, mas Manoá duvidou da história. Ele pediu aoSenhor que viesse de novo e contasse a ele o que fazer com omenino. Talvez ele não confiasse na palavra da mulher, ou talvezfosse vagaroso em apreender o que o Senhor já dissera.

De qualquer forma, o Senhor respondeu à oração de Manoá,mas não exatamente da maneira que ele pedira. Ouça o relato:"Deus ouviu a voz de Manoá, e o Anjo de Deus veio outra vez àmulher, quando esta se achava assentada no campo; mas seumarido Manoá não estava com ela" (Jz 13.9, tradução e ênfasedo autor). Vemos aqui a mesma frase - 'imha - outra vez, só quedesta vez ela é usada com o negativo lo.

Em Juízes 13, o anjo do Senhor aparece à mulher, mas omarido, Manoá, está literalmente lo 'imha - não com ela. Ele nãoestá fisicamente presente. Em Gênesis 3, a serpente aparece e falacom outra mulher, e Adão, o marido dela. está 'imha - bem alicom ela. Assim vemos essa palavra hebraica usada em doisexemplos. Em ambos os casos, o significado envolve claramenteuma proximidade física: Manoá não estava ali com a esposa, eAdão estava ali. Com essas passagens claramente afirmadas daEscritura, o ônus da prova repousa sobre a interpretação tradicionalpara provar que Adão não estava com Eva. O texto indicaque ele estava.

ELE ESTAVA LÁ E SE CALOU

EVA SE VOLTOU PARA SEU MARIDO

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A terceira razão pela qual acreditamos que Adão estava ali épor ser Gênesis 3.1-7 a narrativa de uma única unidade de tempo.Nada nessa passagem indica um espaço de tempo entre o momentoem que Eva comeu do fruto e aquele em que ela o ofereceu aAdão. E não há nada no versículo 6 para sugerir que Adão estavadistante durante a tentação. Tampouco há qualquer evidência deque Eva comeu do fruto sozinha e depois foi procurar Adão. Selermos a narrativa da forma como é apresentada, não vemos nuncaqualquer quebra de tempo no versículo 6. Ao contrário, vemosEva tomar do fruto., comer o fruto, eentão dá-lo, imediatamente,ao seu silencioso e passivo marido, que estava com ela.

Mais uma vez, o ônus da prova repousa sobre a interpretaçãotradicional para provar que houve uma quebra no tempo entre omomento em que Eva comeu do fruto e então deixou a cena a fimde procurar Adão.

ADÃO, VEZ APÓS VEZ

o autor de Gênesis é um contador de histórias. Ele revelou oenredo e o problema nos três primeiros capítulos. Os próximosquarenta e sete capítulos desenvolvem o mesmo tema em inúmerashistórias fascinantes. Como acontece com qualquer boa história,Gênesis repete esses mesmos temas e eventos. E o tema do silênciomasculino aparece vez após vez.

Diversos dos homens retratados em Gênesis escolhem ficarcalados e alheios., ausentes e desatentos. E continuamente metendo­se em apuros toda vez que escolhem silêncio em vez deenvolvimento, ou esquecimento em vez de lembrança. Por exemplo.,Abrão (depois chamado Abraão), em vez de confiar no cronogramade Deus, atendeu à sugestão de Sarai e dormiu com a serva desta,Hagar. "E Sarai disse a Abrão: 'Olhe, o Senhor me impediu de terfilhos: Por favor, vá à minha serva para que eu possa obterfilhos

122 o SILÊNCIO DE ADÃO

através dela. ' E Abrão deu ouvidos à voz de Sarai. E Sarai,esposa de Abrão, tomou Hagar, sua serva egípcia, e deu-a aseu marido Abrão para ser sua esposa" (Go 16.2-3, traduçãoe ênfase do autor).

Observe as semelhanças entre Adão e Abraão. Como Adão,Abraão foi passivo na interação com sua esposa. Embora Saraestivesse errada, Abraão ouviu-a. Lembre-se que Deus puniuAdão por ter dado ouvidos à esposa. E assim como Eva deu ofruto proibido ao marido, também Sara deu a serva a Abraão ­e ele a tomou! Abraão ficou calado e passivo. E seu silêncioainda fala, quatro mil anos depois. Ismael, filho de Hagar ­cujos descendentes constituem as nações árabes - desprezamIsrael até hoje.

Considere outro exemplo. Lá escolheu permanecer alheioao pecado conspícuo de Sodoma, uma cidade que era a síntesedo mal. Ló chegou ao ponto de oferecer suas filhas a um grupode estupradores pervertidos. Sua ação não difere muito da deAbraão e Isaque, os quais colocaram em risco as esposasoferecendo-as a reis estrangeiros. Eles são exemplos para nósde como muitos homens são hoje. São homens fracos, quesacrificam as mulheres de suas vidas por covardia. Como Adão,esses homens forçam suas esposas a adentrarem o caos por eles.Como Noé, eles prejudicam seus filhos por anos - até gerações- com sua embriaguês. Em seu estupor embriagado, Ló nãosoube que estava tendo relações sexuais com as próprias filhas.Sua embriaguês levou ao incesto, que produziu filhos que depoisguerrearam continuamente com Israel.

Talvez a história mais esclarecedora esteja contada emGênesis 38. É uma história obscura e geralmente ignorada, masmerece cuidadosa observação porque reencena a história doprimeiro pecado.

J udá foi a Canaã à procura de uma esposa. Ele casou­se com uma mulher chamada Sua e ela lhe deu três filhos."Sua concebeu e deu à luz um filho, e deu-lhe o nome deEr. Outra vez ela concebeu e deu à luz um filho a quem

ELE ESTAVA LÁ E SE CALOU 123

deu o nome de Onã. Mais uma vez ela deu à luz umfilho,e deu-lhe o nome de Selá" (Gn 38.3-5, tradução do autor).

Judá claramente não teve dificuldade em cumprir omandamento divino de multiplicar-se e encher a terra. Mas comotodas as outras histórias do Gênesis, o caos entrou em cena. Oprimogênito de Judá foi perverso aos olhos de Deus, e Deus ofez morrer. O segundo filho, Onã, recebeu ordens de praticaruma forma de matrimônio levirático para cuidar da esposa doseu irmão morto, Tamar, e dar continuidade ao nome da família.Mas Onã sabia que os filhos não lhe pertenceriam, e tampoucoa herança. Assim, em vez de fazer o que Deus requeria, Onãderramou seu sêmen na terra. Ao fazer isso, ele se recusou aperpetuar a memória de seu irmão (e do pai Judá também). Emessência, ele se recusou a lembrar. E qual foi a reação de Deusa esse lapso de memória? Tirou a vida de Onã também.

Agora, ponha-se no lugar de Judá. Você, como seu paiantes de você, desej a desesperadamente um filho para continuarsua memória e seu nome. E percebe que a promessa de Deus aAbraão está, como sempre, a apenas uma geração da obliteração.Em suma, não ter nenhum filho significa não ter nenhumapromessa. (É por isso que os filhos eram tão importantes paraas primeiras famílias hebréias. Se elas não tivessem filhos, apromessa de Deus seria quebrada.) Você teve três filhos, masperdeu o seu primogênito, aquele em quem depositou sua maisalta esperança. E agora você dá seu segundo filho à esposa doirmão para que ela tenha filhos. E ele também morre. A perguntapara você é: Você dará seu terceiro filho também - sua últimaesperança? Você confiará em Deus com esse caos?

Judá não confiou. E o autor de Gênesis conta a verdadesobre ele: "Então Judá disse a Tamar, sua nora: 'Permaneceviúva em casa de teu pai até que meu filho Selá cresça '- poistemia que ele também morresse, como seus irmãos" (Gn 38.1 1,tradução e ênfase do autor). Judá teve medo. Ele era o escolhido.O terceiro filho era sua última esperança. Se tivesse confiadoem Deus, Judá teria dado seu terceiro filho. Mas em vez disso,

124 o SILÊNCIO DE ADÃO

ele ficou paralisado diante do caos. Tratou Tamarcom condescendênciae simplesmente pôs o problema de lado.

A TRAGÉDl~ AGUARDA AQUELESQIJE SE CALAM

o que acontece quando os homens se esquecem de Deuse se calam? Qual é o resultado quando eles se recusam a mover­se sacrificialmente em resposta à promessa de Deus?Tragicamente, eles convidam outros a adentrarem o caos de seumundo.

Caos para Judá era o futuro imprevisível. O que aconteceriaa seu terceiro filho se ele o desse a Tamar? A incerteza do fu­turo paralisou Judá. Talvez ele pensasse que mandar Tamarembora fizesse o problema desaparecer.

Mas o problema voltou. Sua fraqueza e engano o acharam.Ouça o resto da história.

A esposa de Judá morreu. Após o tempo de luto, eledirigiu-se a outra cidade para tosquiar suas ovelhas. "Quandocontaram a Tamar: 'Seu sogro vai subir a Timna para tosquiarsuas ovelhas', ela despiu as roupas de viuvez, cobriu-se comum véu, se disfarçou e sentou-se à entrada de Enaim. Ela viuque Selá já era homem, mas ela não lhe fora dada emcasamento" (Gn 38. I 3-14). Judá não havia cumprido a promessade oferecer o último filho com o marido de Tamar. Mas Tamar,não sendo a mulher passiva, que gente demais na igreja de hoje,valoriza, se dispôs a resolver o problema. Ela mostrou maispreocupação em continuar a linhagem de Abraão do que Judá.

Judá viu Tamar "e achou que ela era uma prostituta". Outrohomem em Gênesis alheio à realidade que o cercava. Ele dormiu comTamar sem saber quem ela era, e prosseguiu em seu caminho. Trêsmeses mais tarde Judá ficou sabendo que Tamar estava grávi­da. Como homem de justiça, ele teve um ataque de fúria e ordenouque a nora fosse queimada, por não ter permanecido fiel.

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ELE ESTAVA LÁ E SE CALOU 125

Mas Tamar, ao contrário de sua mãe Eva, fez algo sagaz emresposta à fraqueza desse homem. Como Judá havia confundidoTamar com uma prostituta, havia requisitado seus favores sexuais.Tamar concordara mas havia exigido que Judá lhe entregasse seuselo, seu cordão e seu caj ado . Um erudito comentou que essascoisas seriam o equivalente moderno da carteira de motorista ecartões de crédito de Judá. Numajogada brilhante, Tamar preparoua armadilha para o sogro. A filha de Eva reverteu a desobediênciade Eva. Eva deixou de usar sua sagacidade para derrotar a serpente.Tamar usou sua brilhante inteligência para cumprir o mandato cul­tural. Tamar desenpenhou seu papel até o momento perfeito. Comouma mulher indefesa, ela tinha de condenar um homem alheio maspoderoso. De acordo com a ordem de Judá, ela deveria ser tiradafora para ser queimada. A caminho, ela disse aos seus carrascos:"Oh, a propósito, o dono deste selo, cordão e caj ado - ele é opai do meu filho." Judá ficou sem saída. Teve de admitir averdade. Após anos de mentir para Tamar, ele respondeuhonestamente. "Esta mulher é mais justa do que eu." Como Deusrespondeu? Respondeu abençoando Tamar com filhos gêmeos.

O silêncio, alheamento e engano de Judá forçaram Tamara entrar na incerteza do mundo dele. Seu silêncio foi uma negaçãode Deus, porque ele não confiou a Deus o seu futuro. Foi aobstinada paralisia de Judá que ameaçou sua semente. Ele achouque proteger seus interesses salvaria seu último filho. Mas estavaerrado. Se não fosse por Tamar, a promessa de Deus teriamorrido com o último filho de Judá. Se não fosse por Tamar,Davi não teria existido. Se não fosse por Tamar, Cristo não teriaexistido. Nesta história, Judá tinha uma visão míope, egoísta.Foi Tamar quem convidou Judá a uma visão maior, altruísta.

Como Adão, Abraão e Ló, Judá, não compreendeu o longoalcance das conseqüências de suas ações. Seu silêncio teveimpacto sobre gerações da humanidade. O Novo Testamentocomemora a coragem e a astúcia de Tamar incluindo-a nagenealogia de Cristo em Mateus: .'Registro da genealogia de Jesus.o Messias. filho de Davi. filh o de Abraão. Abraão foi pai deIsa q u e, e Isaque pai de Jacó. e Jacó pai de Judá e seus irmãos,

126 o SILÊNCIO DE ADÃO

e Judá pai de Perez e Zerá com Tamar " (Mt 1.1-3, tradução doautor).

Adão não ficou sozinho em seu silêncio. Ele foi um homemnão muito diferente de nós. O caos entrou no seu mundo e eleescolheu esquecer. Ele foi passivo. Escolheu o silêncio e se manteveausente. Sua escolha de se calar estabeleceu o padrão para adesobediência dos homens desde então.

ADÃO SE CALOU...

Adão não apenas se calou para com a serpente, mas calou-setambém para com Eva. Ele jamais lhe relembrou a palavra de Deus.Jamais chamou-a a uma visão mais ampla. Não se uniu à esposapara enfrentar a sagacidade da serpente. Ele ouviu passivamentequando ela falou, em vez de falar com ela em respeito mútuo.

Não estou dizendo que Adão deveria ter falado por Eva - oua ela, como um pai fala ao filho ou como um superior fala ao infe­rior. Muitos homens cometem esse engano. Tampouco estousugerindo que os homens devem falar e as mulheres devem calar.Tanto os homens quanto as mulheres são criados à imagem de Deuspara falar. É exatamente aqui que o primeiro homem pecou.

Adão desobedeceu por deixar de falar com a serpente e coma esposa. Ele foi ausente e passivo. Seu silêncio foi simbólico desua recusa em se envolver com Eva. E Deus puniu Adão por seusilêncio. "E a Adão disse: Visto que atendeste a voz da tua mulher.e co/neste da árvore que eu te ordenara não comesses: maldita é aterra por tua causa; em fadigas obterás dela o teu sustento du­rante os dias de tua vida" (Gn 3.17). Deus castigou Adão por tercomido do fruto proibido. Mas também o castigou por ter dadoouvidos à sua mulher. A desobediência de Adão foi um processo.

Adão se calou e depois comeu da árvore. Sua desobediêncianão começou quando ele comeu, mas, quando se calou. Desobedecera Deus foi o resultado de ter-se retraído da esposa. Foi um homemsilencioso que eventualmente quebrou o mandamento explícito de Deus.

ELE ESTA VA LÁ E SE CALOU

o SILÊNCIO É LETAL

127

Como todo homem, sou calado da mesma forma que Adão,se calou. As vezes fico estarrecido diante da minha confusão.Quando minha esposa me pede que compartilhe a menor parte demim mesmo, eu ocasionalmente encrespo. Quando ela chora, eutalvez fique mais zangado com ela. Suas lágrimas me assustam,porque não sei o que fazer com elas. Quando ela me diz que fizalgo errado, defendo-me até o amargo fim. Se ela acha algumacoisa errada em mim, encontro dez coisas erradas nela. Recuso-mea estar errado. Uso palavras, falo; mas uso palavras para destruir orelacionamento - como a serpente fez no jardim.

Entretanto, se minha esposa conseguisse penetrar abaixo dasuperficie da minha zanga, descobriria que estou envergonhadocom o que tenho dentro de mim. E se eu compartilhar meuspensamentos, sonhos e dúvidas mais íntimos - e ela me rejeitar?Lembre-se da minha história. Sou um homem que se sente comoimpostor. Já presumo que nada tenho a oferecer. É melhor, dedusoerradamente, esconder-me por trás do meu silêncio.

Mas silêncio não é ouro - é letal. O silêncio de Adão foiletal. Ele trouxe a quebra do relacionamento. E em última instância,trouxe a morte.

O que o meu silêncio faz à minha esposa? Aponta um dedopara ela e a culpa por querer demais. Como Adão, quero culparminha esposa por todo o caos do meu mundo. "Então disse ohomem: A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore,e eu comi" (Gn 3.12). Pôr nela a culpa tira de cima de mim aresponsabilidade. Meu silêncio pede à minha esposa que entre naconfusão da minha vida. Ele requer que ela me busque em todainteração. Quantas vezes eu lhe fiz, de pura frustração, esta pergunta:"O que você quer que eu faça? Se você me desse uma lista exata, eupoderia satisfazer às suas necessidades e você seria feliz!" Dê-meuma lista. Então nunca falharei. Eu saberei o que fazer todas asvezes. Sendo um homem que se sente inadequado e incompetente, éimportante nunca eu estar errado, nunca ser culpado.

128 o SILÊNCIO DE ADÃO

E assim os homens desaparecem em seu trabalho, seuspassatempos e seus esportes. As coisas que menos importam nosrelacionamentos. O silêncio ou o desaparecimento tomam-se nossamelhor defesa contra o medo.

É exatamente aí que está o problema. Meu silêncio é umadefesa contra o caos, não uma entrada no caos. Quando nosrecusamos a entrar no caos de nossas vidas, perdemos umaoportunidade grandiosa. Deus criou os homens à sua imagem paracriar, para fazer diferença, para deixar uma herança. Ele criou oshomens para trazer redenção a um mundo trágico. Ele os crioufortes para proteger os limites daqueles que o cercam. Ele os crioupara ter visão para outras pessoas.

Mas todo homem já sentiu o toque da tragédia. Ele foidanificado por seu pai, mãe, avós, esposa, filhos, superiores, sócios.Todo homem sabe, bem demais, que este mundo é perigoso. Eleconhece o perigo de se arriscar, quer no relacionamento, quer notrabalho. Muitos homens estão convencidos de que a confusão dosrelacionamentos e a incerteza do futuro pode destruí-los. Assim,permanecem calados. Quando os homens se calam, contudo, negama existência e a bondade de Deus. Essa idéia me incomoda.Considero-me uma pessoa que crê em Deus. Mas quando me calo,vivo como ateu: testifico quanto à minha crença de que o caos émais poderoso do que Deus.

A fala é o portal para o relacionamento. O silêncio é oguardião. A Bíblia hebraica nos ensina que as palavras nos escoltampara fora do silêncio e nos ligam a Deus. E estar poderosamentepresente em nossos mundos é uma oportunidade forte de trazervida a áreas onde reina a morte. Mas juntamente com essaoportunidade vem um apavorante aviso. Nosso silêncio destrói. Nãohá meio termo. O rabino Pinchas de Koritz resume bem essa idéia: "Omundo é como um livro que pode ser lido em qualquer direção. Há opoder de criação, de fazer algo do nada. E há o poder de destruição,de fazer nada de algo."

A cada momento da minha vida, estou equilibrado entre a criaçãoe a destruição. O silêncio destrói. Falar cria. Embora eu seja um homemcalado, quero ser um homem que fala, que está presente, que-

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ELE ESTAVA LÁ ESE CALOU

como ~eu Deu~- faz al~o ao naaa,

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~e~unoo ele~, I imnG ~eria melnor traouzioa ~omo 11 conti~o",

Conclusão daPrimeira Parte

U m homem pode ser compreendido quando se conhece asperguntas que queimam ardentes dentro dele. Para muitos

homens, uma pergunta se destaca dentre outras como a maisimportante: "O que devo fazer?" Quando os homens sentemmais profunda agonia, essa é a pergunta que fazem.

Quando o homem se encontra num lugar onde essapergunta não pode ser respondida, ele se move para um lugaronde ela possa. Quando olha ao seu redor e percebe que chegousem querer a uma situação confusa na qual é necessário tercoragem e criatividade, ele encontra uma forma de retornar àesfera de administração, a alguma atividade ou responsabilidadeem que sua habilidade e conhecimento sejam úteis, em que suaincapacidade e temor não sejam expostos, em que a coragempara viver num mundo imprevisível não seja exigida; em suma,ele se retira para onde consegue encontrar uma reposta a essapergunta ardente.

Quando o homem foge do terror do mistério, para osconfortos da administração, ele transige consigo mesmo. Ohomem governado pela exigência de sempre saber o que fazernão pode experimentar as profundas alegrias da masculinidade.Ele violou seu chamado e traiu sua natureza.

Deus chama o homem para falar para dentro da escuridão,para lembrar-se de quem Deus é e o que Ele revelou sobre avida, e - com essa lembrança ocupando o lugar mais importanteem sua mente - adentrar seus relacionamentos eresponsabilidades com a força imaginativa de Cristo.

Deus está contando uma história. Uma história cheia devida, amor e graça; uma história de odiar o mal e honrar o bem;,uma história rica em drama, poesia e paixão. A medida que vemos

132 o SfLÊNC/O DE ADÀO

essa história contada através de nossas vidas, criamos coragempara administrar a inevitável confusão da vida. Encontramos aforça para nos mover adiante, para assumir riscos, para nosrelacionar profundamente, porque estamos enredados na históriamaior de Deus.

Deus nos chama para nos movermos além do silêncio deAdão. Devemos abandonar-nos a Deus com absoluta confiançaem Sua bondade; e com a liberdade criada por essa confiança,devemos adentrar as profundezas da incerteza perigosa com umapalavra vital. Esse tipo de movimento pode ser algo tão simplesquanto encorajar uma criança ao dar-lhe um pouco mais deatenção, ou algo tão apavorante quanto dar seu coração ondetalvez ele não seja desejado.

Mas aí é que está a dificuldade de mover-se além dosilêncio de Adão: experimentamos o medo. O compromisso comum movimento varonil cria um medo saudável. Percebemos quenão há nenhum código para seguirmos nas arenas em quedecidirmos entrar. Mas isso também cria um senso deantecipação. Ao resolvermos falar na escuridão, Deus dácoragem: não do tipo que acalma pernas trêmulas mas do tipoque nos ajuda a seguir adiante sobre elas.

É uma progressão interessante. Quando os homens seadiantam, pela fé, conscientizam-se mais profundamente de suanecessidade de Deus, e portanto O buscam mais zelosamente. Equando o buscamos de todo O coração, nós O encontramos.Essa é a promessa.

Homens que passam a vida encontrando Deus sãotransformados silenciosamente de simples homens empresbíteros; homens piedosos que sabem o que significa confiarem alguém quando não há nenhum plano para seguir; mentoressemelhantes a Cristo que falam para dentro dessa escuridão,com força, em vez de controle; com mansidão, em vez de forçadestrutiva e com sabedoria que traspassa a confusão, até chegarà beleza além.

Entra-se no caminho da autêntica masculinidade através

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,SEGUNDA PARTE

Os Problemas Da Comunidade Masculina

136 o SILÊNCIO DE ADÃO

Se um homem for honesto, consigo mesmo, no exato momento

em que se sentir mais ameaçado, admitirá que sente terror e

dúvida sobre si. A essa altura, em vez de abandonar-se a Cristo

em humildade e fé, e deixar as explicações e as garantias para

trás, é mais provável que ele sefaça uma pergunta auto­

absorvente para a qual existe apenas uma resposta

desanimudora: I/Será que tenJzo o que é necessário para enfrentar

seja o que for que considero uma ameaça?" Ele vive, portanto,

com medo, desesperadamente determinado a evitar que sua

inadequação seja exposta. Pouca consideração dedica ao que

significaria dar de si mesmo como homem.

Os homens em geral uitiem sem urna visão clara de como seria o

mooimenio masculino de adentrar a vida - especialmente nos

relacionamentos. Eles perderam a alegria de sonhar. Quando

você perde o contato C0111 Cristo, já não pode sonhar sonhos

nobres.

Homens QueCombatem

A EscuridãoA gradável. Assim era ele. Bondoso. Atencioso. Respeitoso.

ftInteressado em honrar a Deus de todas as formas,especialmente na maneira de tratar as mulheres.

Completaria quarenta anos em dois meses. Ainda solteiro.Nada errado com isso. O apóstolo Paulo parecia pensar que eraum chamado mais elevado. Não era que ele não quisesse casar ouque tivesse um problema com o sexo oposto. E certamente nãotinha nenhuma inclinação homossexual.

A garota certa simplesmente não tinha aparecido. Ele sabiaque tinha padrões elevados. Será que era tão errado? Se alguns deseus amigos tivessem tido padrões mais elevados, não estariam nomeio de tantos problemas conjugais hoje.

Talvez este grupo de solteiros fosse um lugar para a provisãode Deus. Eletinhade admitir quehaviaumaporção de boas mulheresnos outros três - mas talvez todas elas estivessem envolvidas comas igrejas erradas. Doutrina era importante para ele. Agora queestava mais velho,conseguiaver com mais clareza. Das três igrejasque freqüentara desdea faculdade - isso incluía os últimos quinzeanos - cada uma estivera deslocada em algum pontobásico importante.

138 o SILENCIO DE ADÃO

Ele via agora: a primeira era muito carismática, embora otivesse atraído quando era mais jovem; a segunda, muito legalista;a terceira, bem, um tantinho "tradicional" demais -liturgia demais.

Agora que ele estava na igreja certa, talvez Deusprovidenciasse a parceira certa. Ele ia esperar e ver- e orar, naturalmente.

A última mulher - ótima pessoa; atraente, piedosa. E muitodisponível- mas pelo motivo errado. Já fora casada. Ele não tinhacerteza se era pecado casar-se com uma mulher divorciada, masrealmente queria manter elevados os seus padrões. Desmanchoucom ela logo antes de fraquejar o suficiente para propor casamento.Por um triz. Ele agradeceu a Deus pela força de se afastar.

E as duas mulheres antes dessa. (Houve apenas três que elenamorou seriamente. Alguns encontros esparsos ao longo daquelesanos, mas sem nenhuma possibilidade real. ) Uma gostava dele ­eles realmente pareciam se dar bem. Então, de repente, ela esfriou.Disse algo sobre sentir que ele "achasse falta" dela; elessimplesmente deixaram de se ligar. Ela falou que ele era agradável,como um amigo casual. Ela queria mais. Provavelmente imatura.Uma garota atrás de divertimento e emoção. Queria um PríncipeEncantado que chegasse montado num cavalo branco e aarrebatasse. Bem, ele queria que sua esposa tivesse os pés no chão,que fosse alguém que vivesse para servir a Cristo mesmo quando aemoção não estivesse presente.

Então, a que veio antes dessa - seu primeiro amor deverdade. Foi o que pensou na época. Mas, em retrospecto, ele sabiaagora que fora uma paixonite juvenil. Namoro de oito anos. Ela secansou de esperar. Ele queria ter certeza de que era a vontade deDeus. Nada pior do que passar à frente de Deus. Ela eraimpulsiva demais.

Hora de sair para a reunião dos solteiros. Melhor orarprimeiro, pedindo a bênção de Deus - novos amigos,encorajamento, talvez a garota certa. Por que os comentáriosdaquele senhor idoso lhe voltavam à mente nesse momento? Noexato momento em que ele estava orando. Fora há mais de cinco

HOMENS QUE COMBATEM A ESCURIDÃO 139

meses. Qual era o nome dele? Stevens. Sr. Stevens. Aposentado.Disse que queria encontrar-se com ele para tomarem juntos o caféda manhã. Fez tantas perguntas. Nunca de uma maneira forçada,mas com um propósito um tanto intenso.

E então aquela sentença. Bem, mais de uma. Como foi queele disse aquilo? "Espero que me perdoe se eu estiver sendogrosseiro, mas quero lhe dizer algo. Não acho que a maneira comovocê se aproxima das mulheres é muito matura. Acho que vocêquer que elas venham atrás de você, como um garoto de colegialesperando que uma garota bonita o convide para sair."

Aquela imagem - ele ficando de lado, à espera de que umagarota fosse atrás dele...ele não conseguia tirar da cabeça. Doeuquando o Sr. Stevens falou aquilo. Agora apenas ficava ali, comoum machucado antigo.

Bem, ele simplesmente teria de esperar que Deus lhemostrasse o que devia fazer.

* "* *

Os homens que perguntam: "O que devo fazer?" estãofreqüentemente fazendo outra pergunta, uma que é muito maisinquietante: "Será que tenho o que é preciso para fazer o queum homem de verdade é chamado por Deus para fazer?" Essepergunta, naturalmente, fica encoberta. Ela nos deixa muitodesconfortáveis. Mas está ali; não podemos esconder-nos delade vez.

Os homens foram projetados para lembrar-se de Deus eadentrar com coragem regiões nas quais não existe nenhumcódigo. Por termos sido projetados assim, sentimos que algumacoisa está esquisita quando evitamos os riscos. E sabemos disso.Toda vez que nos afastamos de alguma coisa que temos muitomedo de enfrentar, sentimos que algo não está certo. Mas temosmedo demais de explorar o que está errado.

Damos um jeito de amortecer a impressão de que algoestá errado; aprendemos a viver com uma consciência levemente

140 o SILÊNCIO DE ADÃO

inquieta; mas o impulso de não correr riscos, quando cedemosdiante dele, causa problemas. Ele nos enfraquece em outras áreas.

Às vezes ele libera outros impulsos que são fortes demaispara resistir. Uma vida de fantasias que simplesmente não vaiembora. Desejos pervertidos dos quais não conseguimos nos livrar.Os homens que se esquecem de Deus, em geral, desenvolvemressentimento para com as esposas por serem chatas, gordas ounão os apreciarem. O ressentimento pode ativar as exigênciassexuais ou sufocar o interesse sexual. Pode levá-lo a assistir filmespornográficos desses que passam no fim da noite em hotéis, ou àmasturbação compulsiva ou ao adultério.

Gostamos de pôr a culpa das lutas sexuais em um impulsosexual forte demais ou em antecedentes malucos que cruzaramalguns fios sexuais ou na má vontade das esposas. Ou insistimosque o problema é simples.desobediência a Deus e que a solução épassarmos mais tempo de joelhos e lendo a Palavra, combinados aum compromisso mais forte com a pureza sexual.

É verdade que cada um desses elementos pode estar envolvidona luta do homem com o sexo. Certamente a escolha de desobedecerestá envolvida em cada ato do pecado sexual.

Mas sob o pecado óbvio, talvez haja pecado oculto: umafalha mais séria ainda, mas menos patente do que olhar pornografia;um pecado que nos enfraquece e engana a ponto de fazer com quea escolha de ceder a impulsos imorais pareça razoável, aténecessária. Como um tumor não diagnosticado que causa dores decabeça, nosso pecado mais profundo continuará a produzir seu frutoimoral até ser reconhecido e tratado.

O problema básico que subjaz nossos problemas mais visíveisé não lutarmos por profundidade ou qualidade em nossosrelacionamentos. Não somos ricamente masculinos como maridos,pais, filhos, irmãos ou amigos. Fugimos dessas áreas de nossosrelacionamentos que nos deixam completamente desconcertadospor não querermos aceitar a responsabilidade de nos mover semum código. Qualquer situação que exija que nos movamos comcoragem nos confronta com a apavorante pergunta: "Será que tenho

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HOMENS QUE COMBATEM A ESCURIDÃO 141

o que é preciso para fazer o que um homem de verdade é chamadopor Deus para fazer?"

Não pode haver saúde sexual sem saúde relacional, e a saúderelacional requer que trilhemos um caminho que se curva demaneiras que não podemos prever.

A primeira parte deste livro examinou a energia que está portrás da pergunta: "O que devo fazer?" Discutimos a exigência deum código, a recusa de falar para dentro da escuridão, adeterminação de viver dentro da esfera de administração e portantonão falhar, a escolha de se esquecer de Deus, o anelo "razoável" devencer na vida sem exercer o mais profundo tipo de coragem, oimpulso paralisador de ser como Adão e guardar silêncio quandohá necessidade de falar. Algo sério está errado com os homens ­e é o nosso silêncio.

Na segunda parte ("Algo Vital Está Faltando"), olhamos maisde perto o temor que subjaz à exigência de que a vida funcionecomo deveria - o temor expresso na pergunta: "Será que tenho oque é necessário para fazer o que um homem de verdade é chamadopor Deus para fazer?" Daremos atenção especial a:

• Como tratamos com esse temor (capítulo 8).• Dois tipos de relacionamento típicos do homem pouco viril

(capítulo 9).• Homens que exigem que os outros supram suas

necessidades (capítulo 10).• Homens que só precisam de si mesmos (capítulo 11).

Primeiro, então, o que fazem os homens quando sentem medode adentrar uma situação que eles não têm a menor idéia de comoenfrentar?

Neste mundo, ninguém pode evitar a escuridão. Somos todosapanhados em situações que nos deixam aturdidos. E em geral essassituações envolvem problemas inesperados em nossosrelacionamentos.

Um bom amigo meu, a quem chamarei de "Chad", é um

142 o SILÊNCIO DE ADÃO

homem cuj a masculinidade respeito profundamente. Ele acordoucerta manhã de segunda-feira com o barulho de uma porta batendo.Pulando da cama, ele puxou as cortinas em tempo de ver "Scotty",seu filho adolescente, afastando-se da casa às pressas,obviamente perturbado.

Chad olhou o relógio no criado-mudo. Eram 6h10 - o Solmal havia aparecido.

Imediatamente, meu amigo entrou em pânico. Era óbvio quealguma coisa estava errada. Ele não sabia o que era. Devia vestir­se e sair correndo atrás de Scotty? Devia cair de joelhos em oração?A esposa, que tinha sono profundo, não ouvira o barulho. Aindadormia. Será que devia acordá-la, conjeturou Chad?

Nos poucos segundos necessários para sentir-se totalmenteconfuso, ele percebeu que sua zanga aumentava. Não era assimque ele planejara começar a nova semana. A zanga, ele notou, eradirecionada contra o filho. Scotty vinha agindo de forma estranhapor mais de um mês - e não queria saber de conversar a respeitodisso. Pensando bem, desde pequeno, Scotty fora uma fonte defrustração. Sempre um passo fora do ritmo da família.

Então, inesperadamente, a hostilidade mudou de direção.Chad agora sentia raiva de si mesmo. Será que não tinha passadotempo suficiente com o filho mais velho? As exigências do trabalhose haviam multiplicado nos últimos anos. Os cultos domésticos, emesmo os passeios com a família, tinham se tornado menosfreqüentes. Até a esposa mencionara o quanto ele estava envolvidocom seu trabalho, mas ela nunca se queixou. Talvez o temessedemais, para ser franca.

Será que as coisas estavam muito piores do que Chad achava?Seu casamento estava em apuros? Scotty estava envolvido comdrogas? O rapazinho havia parecido mais irritável ultimamente.Suas notas pioraram. Ele estava ficando mais tempo no quarto.Isto é, o pouco tempo que passava em casa.

O que dizia aquele artigo que Chad lera no jornal da semanaanterior sobre suicídios entre adolescentes? O que estavaacontecendo com seu filho, com sua família, consigo?

HOMENS QUE COMBATEM A ESCURIDÃO 143

Agora sua mente estava disparando. Só fazia cinco minutosque a porta batera, e ele estava tendo um colapso nervoso. Elequeria acordar a esposa e berrar com ela - sobre alguma coisa,qualquer coisa. Queria correr atrás de Scotty, e sacudi-lo para botarum pouco de juízo na cabeça daquele garoto tolo. Não! Isso sófaria as coisas piorarem. Talvez ele pudesse levar Scotty paratomarem café da manhã juntos e terem uma verdadeira conversade pai para filho; chegar mais tarde no trabalho. Passar tempo como filho. Isso parecia uma boa idéia. .

Chad disse a si mesmo que se acalmasse e se contivesse.Afinal, todos em sua família eram cristãos - avós inclusive, nosdois lados. Deus faria tudo dar certo. Ele precisava de mais fé.Deus era digno de confiança.

Mas a filha do pastor auxiliar - grávida aos dezesseis anosde idade. Aquilo estava dando certo? E aquele casal de missionáriospor quem eles oraram um ano antes - cujo filho único tirou aprópria vida. Será que eles não haviam confiado em Deus? É porisso que a tragédia aconteceu? Coisas ruins aconteciam em larescristãos, lares melhores do que o seu. Isso era óbvio. E Sid, seuparceiro de raquetebol- o filho, de vinte e poucos anos, sumidopor dois anos. Morto? Envolvido com drogas? Demasiadamentecheio de ódio para telefonar aos pais? Sid não sabia.

Deus, o que o senhor prometeu? De que posso depender? Oque é previsível? O que devo fazer?

Essa é a primeira pergunta que os homens fazem.Suponha, em resposta a essa pergunta, que Chad ouvisse uma

voz firme dizer: "Seja homem. Resolva o que melhor reflete o caráterde Deus e se mova de acordo com isso. Seja corajoso. Seja sábio.Seja imaginativo. Você ama a Deus. Você ama seu filho. Faça algo!"

A maior parte dos homens já ouviu essa voz, por vezes atravésde um homem mais velho, mais sábio. Eujá ouvi. "Mas o que devofazer?" perguntamos de novo. Tem de haver um código. Tem dehaver um perito que sabe o que a pessoa deve fazer em qualquersituação. Tudo bem ficar confuso, mas não totalmente. Crepúsculoé uma coisa. Escuridão de meia-noite é outra.

144 o SfLÊNClO DE ADÃO

Deus sabe o que devemos fazer. Seguramente Ele nos dirá.E então percebemos - a voz era dEle. Ele está nos dizendo o quefazer, mas não é um código. Ele nos diz que sejamos homens, queO amemos, e então façamos o que acharmos melhor. Adão inventounomes para todos os animais sem nenhuma sugestão de Deus. Deusnão ficou insinuando ('-Veja se você acha que' avestruz' é uma boapara aquela ave de pescoço longo lá adiante") ou corrigindo ("Não,não! 'Hipopótamo' não parece muito apropriado para aquele ani­mal. 'Coelho' dá mais certo.")

Quando finalmente despertamos para o fato de que Deus estáesperando que nos movamos e falemos para dentro da escuridão,que Sua instrução é a de escolhermos uma direção coerente com oque conhecemos dEle, então precisamos parar de fazer a primeirapergunta. Precisamos. Ele simplesmente não especificará o quedevemos fazer. Começamos a enfrentar a solidão de escolher, oterror de confiar.

É então que brota de partes profundas dentro de nós a segundapergunta, acompanhada por um nível de medo que nos deixasentindo mais sozinhos do que nunca: "Será que tenho o que énecessário para fazer o que Deus chama o homem - o homemviril - para fazer? Se eu me mover, será com sabedoria? Tenho acoragem de fazer algo sem absolutamente nenhuma garantia alémde os propósitos supremos de Deus serem cumpridos? Estoudisposto a adentrar o mistério do relacionamento com outro serhumano, renunciando a todos os esforços de controlar o resultado?"

Em todos os seus dias, muito poucos homens tocam outroser humano com uma palavra que traz a libertação, que dá vida.Simplesmente temos medo demais de enfrentar o que podeacontecer se nossa esposa, um filho ou filha, ou um amigo escaparao nosso controle e prosseguir adiante em suaindividualidade imprevisível.

Se realmente escolhermos entrar na imprevisibilidade dosrelacionamentos, não temos de forma alguma certeza de podermosfalar uma palavra de vida. E não temos-certeza de querermos queas pessoas façam suas próprias escolhas no que se refere a nós.

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HOMENS QUE 'COMBATEM A ESCURIDÃO 145

Podemos enfrentar o que poderia acontecer se as pessoas que nossão chegadas fossem de fato emancipadas?

É melhor manter as mulheres em seus lugares, e as criançassilenciosamente obedientes, mais vistas do que ouvidas. E os homenstambém. As amizades continuam mais suavemente se certosassuntos forem evitados. Relacionamentos profundos exigem muitode nós. É mais fácil lidarmos com meros conhecidos.

Quando Deus confronta você com uma situação relacionaltão confusa e importante que você brada: "Deus, quero ser umhomem. Mas tenho o que é necessário?" Então alegre-se. Vocêestá diante de um portal que se abre para a senda estreita daverdadeira piedade masculina.

É um portal que poucos homens já o abriram.E por bonsmotivos. Nenhuma quantidade de força pode abri-lo. O portal j amaisse abre para o homem que dele se aproxima com a confiança dealguém que está acostumado a fazer as coisas acontecerem. Apenaso homem que deixou a esfera da administração - o que já caiuprostrado diante do mistério mas anela desesperadamente adentrá­lo - será, em sua fraqueza, forte o suficiente para abri-lo.

Nenhum homem que carrega sua própria luz para dentro dastrevas jamais porá os pés no caminho que leva à masculinidade.Ouça as palavras de Isaías:

"Quem há entre vós que tema ao SENHOR, e ouça avoz do seu Servo que andou em trevas sem nenhumaluz, e ainda assím confiou em o nome do SENHOR esefirmou sobre o seu Deus?Eia! Todos vós, que acendeis fogo, e vos armais desetas incendiárias, andai entre as labaredas do vossofogo, e entre as setas que acendestes; de mim é quevos sobrevirá isto, e em tormentas vos deitareis. "(Is 50.10-11)

Acender nosso próprio fogo é outra maneira de descrever oque os homens fazem quando se encontram num lugar escuro. Eles

146 o SILÊNCIO DE ADÃO

se voltam, aturdidos, para algo que possam administrar, talvezredefinindo a confusão em um pacto mais compreensível e portantomais controlável. Eles dependem da teologia da receita, procurandoum perito para fornecer um código que lhes diga o que fazer a fimde garantir um resultado desejado.

Eles se recusam a adentrar a escuridão munidos apenas daconfiança de que Deus está consigo."

Suponha que o meu amigo que foi acordado pelo barulho deuma porta batida tivesse reagido às frenéticas preocupações quesentiu, sem se humilhar. Suponha que ele j amais tivesse admitido oque estava ocorrendo dentro de si: a raiva, a auto-acusação, o ter­ror, que lhe enchiam o coração. Suponha que ele tivesse mantidodistância de tudo o que sentia, e em vez disso tivesse resolvidodescobrir o que precisava ser feito e, depois, tivesse feito isso. Elenunca teria quebrado seu orgulho, nunca teria ficado perdido porsua insistência em precisar sempre saber o que fazer, nunca teria searrependido de sua exigência egoísta de que as coisas importantesda vida operassem segundo um plano sob seu controle.

Se Chad nunca tivesse entrado em seu coração com suficienteprofundidade para ser quebrantado em sua arrogância e humilhado,por sua impotência, qualquer escolha que tivesse feito naquelamanhã de segunda-feira teria sido como acender seu próprio fogo.Deixe-me colocar isso bem claramente: Sempre que nossa maisalta meta é fazer nossas vidas funcionarem, então, não importa oque façamos, somos acendedores de fogueiras.

Mas quando nossa mais alta meta é amar a Cristo, agradá-Loe representá-Lo bem diante dos outros, então qualquer ação quetomemos envolverá dependência e confiança "em o nome doSenhor". Se de fato amamos a Cristo, então o rumo das nossasescolhas será escolhido dentro dos limites claramente estabelecidos

3A passagem de Isaías. naturalmente. se aplica às mulheres exatamente na mesma

proporçào que se aplica aos homens. Toda abordagem da vida que nào esteja centralizada

na confiança acaba produzindo grande sofrimento.

HOMENS QUE COMBATEM A ESCURIDÃO 147

nas Escrituras. Talvez acordemos nossas esposas, mas nãoberraremos com elas. Talvez não acordemos nossas esposas, masnão as menosprezaremos mais tarde por terem dormido duranteuma crise familiar. Acordar ou não acordar nossas esposas é umaescolha que somos livres para fazer. Descontar nelas as nossasfrustrações é claramente proibido. E quando o homem piedoso fazo que é errado, quando ele caminha fora da luz que Deus deu,reconhece seu erro, aceita totalmente a culpa, e pede perdão.

Chad é um homem piedoso. Ouça o que significou para eleadentrar a escuridão sem acender seu próprio fogo. Ele admitiupara si mesmo quanto se sentia impaciente, auto-acusador e irritado.Ele entregou-se conscientemente a Deus como um homem fracoque não sabia o que fazer, relembrando a si mesmo que o propósitoescolhido para toda a sua vida, inclusive aquele momento da manhãde segunda-feira, era o de amar a Cristo e honrá-Lo em tudo oque fizesse.

Ele ainda se sentia zangado e amedrontado. Mas seu coraçãoe vontade estavam estabelecidos com tanta firmeza quanto seu nívelde amadurecimento permitia. Sua fé parecia fraca; mas, talvez,pensou ele, estivesse chegando perto do tamanho de umgrão de mostarda.

Ele pensou por um momento e resolveu não acordar a esposamas vestir-se depressa, descer as escadas, sentar-se no degrau dafrente, e esperar a volta do filho. A imagem que o guiou foi a dopai do filho pródigo, não procurando o filho numa terra estranha,mas aguardando ansiosamente a sua volta. Talvez a passagem nãose aplicasse. Talvez a parábola do Senhor indo atrás da ovelhaperdida devesse guiá-lo a sair à procura do filho. Ele não podia tercerteza. Não havia nenhuma luz; apenas escuridão. Mas ele estavaconfiando em Deus da melhor forma que sabia. Tomou uma decisãomesmo quando não tinha certeza do que fazer. Ele se moveu,adentrou o mistério.

O que importa na história não é o que aconteceu depois. Seele mais tarde recebeu a notícia de que seu filho se havia matadoou se o acolheu em casa dentro de alguns minutos é claramente

148 o SILÊNCIO DE ADÃO

uma questão de importância vital. Mas o resultado da história nãodetermina se meu amigo agiu como homem.

Qualquer coisa que tenha ocorrido em seguida naquela manhãde segunda-feira requereria mais "decisões de confiar", mais falarpara dentro da escuridão, mais movimento sem código. Se Scottytivesse tirado sua própria vida, haveria decisões que seria precisotomar envolvendo a dor indizível de Chad, talvez começando coma decisão de deixar outros ministrarem a ele durante uma longatemporada de cura.

Se o filho tivesse voltado para casa mas passado furioso pelopai e entrado, um conjunto diferente de decisões teria sido exigido.Se Scotty tivesse voltado em lágrimas, ansioso por abrir o coração,mesmo então, meu amigo teria precisado tomar cisões. Queperguntas fazer, se é que faria alguma? Deveria apenas ouvir?Oferecer conselho? Orar?

Quando nos tornamos cristãos, nossas decisões maisimportantes são freqüentemente tomadas no escuro, com apenas aluz de Deus. Precisamos confiar num Deus que em geral não nosdiz exatamente o que fazer. O Espírito sussurra com maiorfreqüência encorajamento ("Você consegue fazer isso. Estou comvocê.") do que instruções ("Agora vá dizer a ela o seguinte.")Precisamos desenvolver um relacionamento com Cristo no qualchegamos a conhecê-Lo bem o suficiente para nos comportar comoEle faria, entender o que Ele faria, o que Ele diria. Precisamoshonrar nosso chamado de refletir Seu hábito de mover-se atravésda escuridão rumo à beleza.

Deus chama os homens a falar para dentro das trevas quepor vezes permanecem escuras mesmo depois que falamos.Precisamos não procurar uma lanterna para iluminar o caminho.Quando insistimos em saber o que fazer ao tentar atingir nossasmetas, somos acendedores de fogo.

Acender nosso próprio fogo é uma tendência natural de todohomem decaído. E essa tendência é claramente visível, não apenasnas crises relacionais da vida mas também no nosso estilo cotidianode relacionamento. Homens que rotineiramente acendem fogo, em

HOMfN~ Q~f COM~ArtM Af)(U~/DAO

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A Maneira Como OsHomens Pouco

Viris Se Relacionam~ngraçado como a auto-consciência podiaparecer não escolhida.file já havia enfrentado coisas difíceis sobre si mesmo antes.Aos oito anos de idade, a idéia de que era pecador tomou-se clara.Mas não foi ele quem providenciou para ter essa percepção. Elaapenas aconteceu. A escolha estavamisturadalá, de alguma forma,mas parecia mais providenciada para ele do quepor ele.

Talvez ele sempre seja auto-consciente demais. Alguns oconsideravam introspectivo, ocasionalmente mórbido, preocupadodemais com seus motivos e sentimentos. Mas outros o elogiavampor isso. Eles falavam de sua aberturae vulnerabilidade.

A admiração de. que era alvo estava desgastada. Se maisumapessoa lhe dissesse com admiração quanto era"real", eleachavaque ficaria doente. Ser real não parecia grande virtude; pareciamaisumapequenapartedo seuchamado - tão inevitável, e talveztão necessária, quando respirar.

Esse último episódio de auto-descoberta chegarasorrateiramente. Nunca atingiu um clímax numa grande explosãode luz ou numa descida angustiosa ao quebrantamento. Foichegando aos poucos, como um fio d'água de anos passados queera agora um rio caudaloso, gradualmente penetrando sua mente.

152 o SILÊNCIO DE ADÃO

Será que ele era realmente tão mesquinho assim, tãoegoisticamente imaturo? Tentava realmente agarrar aprovação comoum bebezinho tateando em busca de leite? A evidência estava naspequenas coisas, às vezes num retorno honesto de pessoas sobre oefeito que tinha sobre elas; às vezes, como nesta vez, a evidênciavinha em acontecimentos rotineiros que inesperadamentefocalizavam com clareza seu modo de agir.

Fora apenas na semana anterior. Ele tinha ido cedo para acama, exausto, talvez com um comecinho de resfriado. Lera poralguns minutos, depois desligara a luz. Cerca de uma hora se passara.Ele havia acabado de adormecer.

A esposa, pondo em dia algumas responsabilidades em outraparte da casa, ouviu um barulho e teve medo. Por puro reflexo,chamou o nome dele uma vez...e depois outra vez, dessa vez dolado de fora da porta do quarto, falando alto o suficientepara acordá-lo.

Antes que ele pudesse responder, a esposa reconheceu a fontedo barulho. Era o vento soprando através de uma j anela aberta.Não havia motivo para alarme. Ela disse: "Está tudo bem." Depoisela se desculpou. "Desculpe tê-lo acordado."

Alguns homens teriam rosnado: "Será que não posso dormirum pouco na minha própria casa?" Alguns teriam resmungado,querendo apenas voltar a dormir. Homens bons teriam sentidopreocupação pelas esposas, nem rosnando, nem resmungando. Suasesposas teriam sentido que eram queridas em vez de irritantes.

Ao recolocar a cabeça no travesseiro, ele sentiu duas coisas.Primeiro, encorajamento. Ele se sentira terno para com a esposa;não havia brigado com ela nem feito ruídos incoerentes. Ele sabiaque falara a verdade quando havia replicado ao pedido de desculpasdela dizendo: "Tudo bem. Você estava com medo." Ele não sesentiu orgulhoso, apenas encorajado. Segundo, sentiu-se realista.Ele percebeu que os demônios conhecidos não haviam sidoexpulsos; e embora pudessem ter sido amarrados, não haviam sidoamordaçados. ele os ouvir cacarej ar sua mensagem sedutora: "Ascoisas nunca realmente dão certo para você. A primeira noite em

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A MANEIRA COMO 05 HOMENS POUCO VIRIS SE RELACIONAM 153

meses que você foi cedo para a cama. Dava para pensar que alguémnotaria quanto você está cansado e se importaria com isso. Não épedir demais; é apenas pedir o que você quer mas nunca consegue- alguém que ponha você em primeiro lugar. Você já correspondeuao que era esperado por uma porção de gente. É tão errado pedirque alguém esteja ali para você?

Ele ficou deitado ali, querendo enfiar trapos sujos na boca decada demônio. Mas sentiu-se bem por ter escutado uma voz melhor,e ficou mais consciente do que nunca de que a verdadeira batalhaque precisava travar era em seu interior, contra um inimigo que sefingia de amigo.

* * *

o emprego de Charlie não estava indo bem. O novo diretorde operações, um messias auto-nomeado, completamentearrogante, estava tornando sua vida miserável no trabalho.Charlie estava desanimado., talvez até deprimido. Sua esposalhe dava apoio genuíno. Ele apreciava isso.

Mas às vezes ele sentia que era um grande peso para ela.O que ela realmente pensava dele? Como reagiria quando elechegasse em casa sentindo-se lá em baixo - de novo? Talvezconversasse demais sobre seus problemas. Mas não podia fingirque estava bem. Simplesmente não conseguia ser jovial eanimado quando sentia-se deprimido assim. Por todo o caminhode casa., ele ponderou sobre a melhor maneira de tratarcom a esposa.

Mark era diferente. Seu emprego estava uma bagunça tãogrande quanto o de Charlie. Mas ele daria umjeito. A esposa deMark sabia quando as coisas não estavam indo muito bem paraele; ele se tornava mais seguro de si, menos reflexivo ainda. Elalhe perguntava como se sentia. "Sem problema" era a respostafavorita de Mark. E vinha então uma torrente de críticas: "Anova administração não tem a menor idéia do que faria nossacompanhia realmente decolar. Jenkins, aquele sujeito novo, é

154 o SILÊNCIO DE ADÃO

um verdadeiro pavão. Ele não gosta de mim e eu não gostodele. Mas vai tudo dar certo, de um jeito ou de outro."

E por aí parava. Caso encerrado. Porta fechada. A conversadurante o jantar seria agradável na maior parte, exceto por algumasestocadas contundentes nas crianças e uma ou duas dirigidas a ela.E depois, televisão por três horas.

Arrume cem homens. Observe-os de perto por uma semana.Com apenas um bocadinho de discernimento, você reconhecerá osdois padrões em suas relações com as pessoas. Setenta ou oitentaserão governados por uma paixão chamada carência. Algo dentrodeles carece atenção. Os poucos escolhidos de quem eles dependemprofundamente precisam pensar sobre eles e tratá-los de umamaneira específica. Eles estão mais do que dispostos a fazer a suaparte, a fazer o que é certo, mas seu objetivo é sempre o mesmo:obter algo de outra pessoa. Charlie se encaixa neste grupo, querotularei de Padrão 1.

Os outros vinte ou trinta serão governados por uma paixãobem diferente. A paixão que controla seu comportamento,especialmente seu comportamento nos relacionamentos pessoais,não é a carência. Antes é a agressividade: uma espécie de atitudeorgulhosa, do tipo "Não preciso de você nem de ninguém mais".Mark pertence a esse segundo grupo, que chamarei de Padrão 2.

Em seus estilos relacionais, os homens geralmente sãogovernados por uma dessas duas paixões. São controlados pelapaixão da carência, que diz: "Esteja aí para mim! Encha-me ­estou vazio!" ou operam segundo a paixão da agressividade, naqual a mensagem é: "Posso cuidar das coisas sem você. Acrediteem mim de certa distância, e não me crie nenhum caso."

Deixe-me sugerir primeiro porque esses dois padrões sãobásicos e porque a maioria dos homens se encaixa num deles, edepois no Capítulo 10 discutiremos o primeiro padrão. No Capítulo11 daremos uma olhada no segundo.

A MANEIRA COMO OS HOMENS POUCO VIRIS SE RELAC1C>J'JAM

PORQUE OS HOMENS SE MOVEM DEUMA FORMA OU DE OUTRA

155

Deus deseja que todos sejam felizes - não nos nossos termos,que nunca de fato trazem a felicidade, mas nos dEle. Como o manualdo proprietário para um carro novo, seus termos requerem queusemos os planos especificamente projetados para nós.

Nenhum homem pode ser feliz se não estiver cumprindo seuchamado de ser homem. Prazeres emocionantes, mas superficiais,do tipo que não requer que nos preocupemos com algum chamadoprofundo à masculinidade, podem aparentar ser a verdadeirafelicidade. Poder, influência, dinheiro, posição, conexões,realizações, sucesso, bens materiais, dinheiro, sexo, recreação:diversas coisas, muitas delas boas em seu lugar, são definidas comoa fonte da felicidade. E o mais difícil é que elas de fato cumprem oque prometem - ou pelo menos parecem cumprir - por períodosvariáveis de tempo, ocasionalmente por anos. Elas nos fazem sentirbem; fazem algo por nós.

Mas elas realmente não dão conta do recado. Não produzemum contentamento que sobrevive à perda, um gozo que se aprofundaatravés do sofrimento, uma confiança humilde que persiste atravésdo fracasso e do contratempo.

Ao ir atrás dessas fontes de prazer, reduzimo-nos à posiçãode marionetes, apoiados por fios que - se cortados - nos deixamamontoados sobre o chão.

Nenhum homem pode ser feliz sem cumprir seu chamado detomar visível aquilo que é dificil ver a respeito de Deus. A felicidadevem para o homem quando ele demonstra, por sua vida, que Deusestá sempre se movendo, que nunca é detido pelas trevas, e estácontinuamente aprontando alguma coisa boa, não importa quanto. .as COISas pareçam ruins.

Os homens são chamados a pairar sobre as trevas, a adentraro mistério dos relacionamentos até serem humilhados o suficientepara confiar em Deus, e depois a agirem para promover ospropósitos de Deus. Essa ação, a propósito, cairá no chão com um

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baque surdo se Deus não estiver nela. A maioria dos homens nemchega a pensar dessa forma; eles nunca pensam por um momentosequer sobre o chamado de Deus para si. E nem mesmo o melhordos homens vive completamente sua masculinidade.

Se é verdade que nenhum homem pode ser completamentefeliz se não honrar com perfeição o chamado de Deus de ser homem,então segue-se que nenhum homem sobre a terra é completamentefeliz. Cada um de nós se debate com alguma quantidade deinfelicidade, alguma experiência de vazio interior e insatisfaçãoinquietante, que nosso Criador nunca tencionou que suportássemos.

Das profundezas do nosso coração, naqueles lugares do nossoser que não compreendemos, brota um anelo. É um anelodesesperado por uma resposta, um vácuo que precisa serpreenchido. É também uma turbulência zangada que não nos deixapermanecer quietos. Pelo menos até certo grau, todo homem sabeque não é perfeitamente feliz. E quando seus desejos não satisfeitosemergem à luz do dia, ele é confrontado com a escolha essencial daexistência humana: confiar em Deus ou não confiar nEle; acenderseu próprio fogo ou depender do nome do Senhor.

Se ele confiar em Deus, a infelicidade (que deve continuaraté à morte) é cercada de esperança, de aceitação, de significado adespeito da imperfeição. Ele recebe poder para mover-se bem. Issotraz gozo.

Se ele se recusar a confiar, a infelicidade em seu interior torna­se seu problema mais urgente. Ele precisa encontrar alguma maneirade tratar com ela.

Precisamos compreender um princípio simples: todo homemestá se movendo. O movimento define a existência do homem. Masnem todo movimento é bom. Portanto, quando o homem não seestá movendo como deveria, ele se moverá de formas que nãodeveria. Quando cessa o movimento bom, começa o movimentomau. O movimento bom é aquele que passa pela infelicidade pessoalpara chegar a Deus. O movimento mau é aquele cujo alvo nuncaestá acima do alívio da infelicidade pessoal.

Porque os homens, como as mulheres, são fundamentalmente

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A MANEIRA COMO OS HOMENS POUCO VIRIS SE RELACIONAM 157

seres relacionais, todo movimento será visto mais claramente naforma em que o homem se relaciona. O homem suscitará vida ebeleza nas pessoas que conhece ou destruirá essa mesma vida ebeleza. O efeito do homem sobre os outros pode ser imperceptívelou dramático, mas está ali. Nenhuma interação de mais de poucossegundos, nenhuma conversa além da mais casual, deixa de mudara outra pessoa.

Homens viris liberam os outros do seu controle e os encorajamcom sua influência. Eles tocam suas esposas, filhos e amigos demaneiras sensíveis que os libertam para lutar com sua solidão eegoísmo e dor. Os homens varonis tocam suavemente suas famíliase amigos para a mesma encruzilhada onde eles, como homens,encontraram aquela confiança ou descrença que precisaser escolhida.

Homens pouco vms exigem que seus amigos e famíliassatisfaçam suas exigências. Os homens que se movem com controle,raiva e terror amortecem os outros até à conformidade ou os incitama uma rebeldia auto-preservadora.

o PORQUÊ DO PADRÃO 1

Os homens pouco viris, que praticam o primeiro padrão demovimento mau nos relacionamentos, que insistem que os outrosestejam ali para eles, compreendem que a felicidade não pode jamaisser encontrada em isolamento, apenas em comunidade. Seusantecedentes geralmente incluem alguém que lhes deu intensoprazer: talvez uma mãe indulgente, um pai generoso demais, umpastor de jovens solícito demais (talvez envolvido de maneiraimprópria), ou um atleta admirado que deu seu autógrafo. Quandomeninos, esses homens aprenderam uma lição simples: a dor íntimaé aliviada mais garantidamente quando alguém faz algo por eles.

Uma estratégia vai se formando na mente do pensador doPadrão 1, uma estratégia que acomoda sua inclinação de não semover de formas que possam revelar sua inadequação: fazer com

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que os outros reajam às minhas necessidades sem que isso requeiraum movimento bom da minha parte. Agora ele não tem deconfrontar seu próprio terror da escuridão e sua necessidade realde Deus, e tem esperança.

A paixão da carência governa todas as decisões do homemque segue o Padrão 1: casar ou não casar; esta mulher ou aquela;tomar decisões que afetem a carreira; escolher atividades comamigos; resolver se bate ou não nos filhos. Essa mesma paixãogoverna até as menores decisões. Devo dizer à minha esposa o quesinto? Será que vou àquela festa? Devo me queixar do serviçodaquele garçom?

Como o filho do ricaço que depende dos cheques mensaisque recebe dos fundos que seu pai lhe deixou, o homem governadopor sua própria carência vem a achar que é um direito seu nuncater de mover-se por conta própria. Ele está disposto a serresponsável até certo ponto, e quase sempre está disposto a serbondoso e atencioso, às vezes até sacrificialmente útil, mas semprecom a exigência de que alguém note - e que esse alguém lhe dê oque o faz sentir-se bem. Esse é o homem do Padrão 1.

OPORQU~DOPADRÃ02

Os homens pouco viris voltam-se para os outros com umademonstração bem administrada de carência ou empurram aspessoas longe de si o suficiente para evitar qualquer sensosignificativo de conexão. Os homens governados pela paixão daagressividade tipicamente têm um histórico mais caracterizado pelanegligência ou ira do que por envolvimento agradável. Disciplinarígida, pais ocupados demais, mães distantes, igrejas inexpressivas,teologia legalista: a conexão relacional nunca existiu por bom tempona experiência desses homens.

Os homens que agora agem segundo o Padrão 2 estavamfamintos por relacionamento mas perderam a esperança. Era maisfácil matar seus anelos por intimidade e prosseguir com a vida do

A MANEIRA COMO 05 HOMENS POUCO VIRIS SE RELACIONAM 159

que abraçar seus desejos e mágoas. Admitir quanto eles queriamconexão tornou-se um terror maior para eles do que a perspectivade procurar um relacionamento e nunca encontrar.

Freqüentemente, afloraram aptidões que lhes permitiramencontrar os prazeres de "um relacionamento à distância". Talentoatlético ou dom acadêmico ou suavidade social ou uma habilidademecânica lhes deu a oportunidade de sentirem-se poderosos e deatingirem metas dignas de louvor.

Com o passar do tempo, o homem do Padrão 2 vem adepender de suas aptidões tão totalmente que seu anelo humanopor conexão fica sufocado. E é assim que ele quer que seja. Adistância mantém a segurança. Não há necessidade de sentir aqueleterror que lhe esmaga a alma de precisar daquilo que pode não vira ser seu.

Em certo sentido, naturalmente, esse homem é tão carentequando o homem que vive pelo Padrão 1. Ambos os estilos derelacionamento emasculados exigem que os outros lhes dêem oque esperam. Mas os homens que estão em contato com sua carênciarequerem afirmação e apoio de perto vindos de algumas pessoasíntimas. E os homens "agressivos" querem respeito de uma audiênciamaior que se mantém à distância. Os estilos podem ser diferentes,mas ambos são egoístas. E ambos causam grande dano.

Uma das grandes tragédias da vida é que nenhum homem vêplenamente o dano que seu estilo pouco viril de relacionamentoinflige aos outros. Aqueles que têm um vislumbre descem àsprofundezas do quebrantamento e da contrição.

E é dessas profundezas que brota o arrependimento genuíno.Quando o homem quebrantado se arrepende, o Espírito lhe dá novavisão. Um ribeiro fresco abre caminho no deserto ardente de seuquebrantamento. A esperança de realmente abençoar os outros ­nutrir a esposa, influenciar positivamente os filhos, encorajar osamigos - fica mais forte do que o terror de adentrar a escuridão.E começa o movimento bom.

O movimento bom nunca apenas acontece. Tampouco sedesenvolve naturalmente; há sempre uma luta contra impulsos

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poderosos na outra direção. O movimento bom sempre começa noarrependimento pelo movimento mau. E o arrependimento vemdepois de (1) um reconhecimento do erro, que leva aoquebrantamento, e (2) uma profundidade de confissão que apenasa ~umildade pode criar.

Nos dois próximos capítulos, discuto estes dois padrões emmais detalhe. Veja se você consegue se encaixar em algum lugar:se não claramente numa história ou descrição, então, talvez, nasentrelinhas. Todos nós estamos lá.

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Homens Que ExigemQue Os Outros

- ,Correspondam AsSuas Expectativas:

A Paixão da Carência

O namoro havia sido tempestuoso. Talvez fosse de se esperarna idade deles: ela com trinta e tantos anos, ele com quase

quarenta. Após tantos anos de celibato, eles já estavam firmadosem seus hábitos. Haviam passado da inocência do idealismosonhador. Não maisdesesperados parasecasar, elesestavam agoradeterminados a não cometer nenhum erro.

Fora difícil. E ainda era difícil, apenas três semanas antes dogrande dia. Mas algo os mantinhajuntos. Eleachavaque era amor.Ela queria crer nisso, mas não tinha certeza.

As dúvidas delaafloravam commais força quando sentiaquealgo lhe estava sendo imposto.,

-. As vezes eu me sinto como se fosse sua mãe, como sevocê quisesse que eu estivesse sempre prontacom leitee biscoitosquando você chega da. escola. E· detesto isso ~ Detestosentir-me assim!

162 o SILÊNCIO DE ADÃO

A imagem - ela como mãe dele - lhe brotava na mentecom mais clareza quando ele expressava mágoa por algo que elativesse feito ou tivesse deixado de fazer. Ele parecia tão patético,como uma criança perdida. Aquela mesma imagem era tambémevocada, embora não com tanta força, quando ele se queixava decansaço ou tensões no trabalho ou preocupações com a saúde. Elechamava isso de "compartilhar", ou ser vulnerável sobre suas lutas.Ela se sentia forçada a estar ali para ele.

Num momento notavelmente raro e honesto, após mais umalonga discussão dos sentimentos dela sobre a questão, ele admitiu:

- Nunca consigo enfrentar alguma luta sem experimentar amim mesmo como criança. Sempre que lhe digo que estou sofrendo,sinto-me como um garotinho. Talvez de fato eu queira que vocêseja uma mãe para mim. Quando eu era pequeno, a única vez quejamais me lembro de sentir ternura da parte da minha mãe foi quandoeu estava sofrendo.

Seus olhos se encheram de lágrimas. Houve uma longa pausa.Uma lembrança lhe perpassou pela mente.

- Quebrei o pulso quando estava na quinta série. Caí dabicicleta. O osso perfurou a pele e saiu para fora. O médico teve derecolocar no lugar. Eu estava morrendo de medo. Posso ver Mamãeparada ao lado do meu leito no pronto socorro. Nunca me senti tãoprotegido, tão cuidado. Eu podia ver isso nos olhos dela.

Ele soluçou.Ela sentiu um impulso de tocá-lo. Mas aquela imagem de

mãe veio de novo. E fez com que o impulso de tocá-loparecesse Impuro.

Segundos se passaram. Um minuto. Ele parou de chorar eergueu o olhar.

- Você se sentiu assim neste momento? Como minha mãe?Como st! quisesse cuidar de mim?

Ela hesitou, depois falou baixinho:- Sim. Gostaria de não ter sentido isso.Os olhos dele secaram imediatamente. Ele a fitou, confuso e

furioso. Quase gritando, falou:

16~HOMENS QUE EXIGEM QUE 05 OUTROS CORRESPONDAM ÀS SUAS EXPEaATlVAS -J

- É tão errado querer que minha noiva sinta um pouco daminha dor? Será que isso faz de você minha mãe? Será que o homemnão pode nunca querer que sua mulher simplesmente esteja alipara ele?

Mais lágrimas. Agora os dois choravam. Sentiam-sefrustrados; sentiam a escuridão.

- O que vamos fazer? - perguntou ela.- Não sei - respondeu ele.

* * *

Os homens pouco viris vivem para conseguir o que achamque precisam. Os homens pouco viris que são impulsionados pelapaixão da carência tentam obter isso dos outros.

Uma senhora me disse:- Quando ouço o carro do meu marido entrar na garagem

depois do trabalho, meu coração simplesmente afunda.Imediatamente sinto-me mais cansada, ainda, do que antes. Souuma dona de casa com três crianças para cuidar o dia todo. E agora,ali vem a quarta.

-.- O que ele faz que a leva a sentir-se dessa forma? ­perguntei. Ele estava sentado ao lado dela, conseguindo parecercarrancudo e magoado ao mesmo tempo.

- Mil e uma coisas - replicou ela. - Pode ser um suspiroquando ele entra pela porta ou um comentário sobre o trânsito navinda para casa. Às vezes ele me diz quanto está cansado. Pode serqualquer coisa. Mas é sempre sobre ele, sobre algo que está errado,como se ele esperasse que eu fizesse alguma coisa. Mesmo quandoele pergunta a meu respeito, sinto-me cobrada a perguntar sobreele. Se ele ajuda com o jantar, recebo aquele olhar que me fala quedevo dizer quanto ele é maravilhoso. E se faço algo especial porele, mesmo uma coisinha à toa, como uma saudação realmenteafetuosa, ele exagera no reconhecimento. Isso me faz sentir queele realmente precisava daquilo, que é melhor eu continuar lhe dandoisso ou ele ficará realmente magoado: Às vezes, quando ele é super

164 o SILÊNCIO DE ADÃO

atencioso, acho que ele está me dizendo que é melhor eu estardisponível para sexo, mas muitas vezes não é isso. Não sei comoexplicar de outra forma - tudo o que ele faz me faz sentir que eleespera que eu esteja ali para ele.

Muitos homens carentes escondem sua carência melhor doque o marido dessa senhora. Eles podem ser muito mais sutis e"másculos" em sua expressão da necessidade. E cada um de nóssegue o padrão dos homens agressivos ou dos homens carentes emvários pontos de nossa vida. Não há isso de ser um homem só doPadrão 1 ou só do Padrão 2. Mas um padrão em geral torna-se otema em nosso estilo de relacionamento.

O homem que tipicamente segue o primeiro padrão vive suavida pensando que os outros deveriam estar ali para eles. Seu sensode carência é tão real, tão profundo, tão forçoso que pedircompreensão ou atenção lhe parece inteiramente razoável. Sua vidadepende de obter isso. O homem do Padrão 1 define a si mesmopor sua carência, assim como alguns homens hoje se definem porsuas inclinações homossexuais. Para os homossexuais, não "sedeclarar" e expressar seus impulsos parece uma traição à suaidentidade, uma violação de algo básico dentro deles que pertenceà sua natureza essencial. O mesmo acontece com os homens cujacarência parece ser o cerne do seu ser. Eles se sentem maisconfortáveis e vivos quando alguém está cuidando deles. Mais doque qualquer outra coisa, eles se vêem como carentes. E alguémprecisa fazer algo a respeito.

Quando se sentem decepcionados, quando alguém não estáali para eles, os homens que se definem por suas necessidades sentemque os outros falharam miseravelmente para com eles. Não se fezjustiça. Direitos foram negados. A comunidade humana foidesumana.

O efeito, naturalmente, é a raiva. O ressentimento ferve, eparece justificado. E com o ressentimento justificado vem a vingançajustificada. Pense com que facilidade nossos lábios despejamcomentários sarcásticos. Chicoteamos com comentários cortantes.Talvez inflijamos apenas pequenos ferimentos, como cortes feitos

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HOMENS QUE EXIGEM QUE OS OUTROS CORRESPONDAM ÀS SUAS EX. ECTA TfVAS 165

por papel- mas eles doem. Essa, claro, é a intenção. Ferir aqueleque não correspondeu ao que era esperado dele.

Os homens governados pela paixão da carência se desforram:se não com sarcasmo e cortes, então com irritabilidade ou rabuj iceou indiferença. As esposas que falham para com homens movidospela necessidade têm de pagar. O mesmo se dá com os amigosdesses homens.

Mas os homens carentes não vêem os danos que eles infligem.A seus olhos, os outros é que falharam para com ele; não ele, paracom a esposa e os amigos. O homem carente confrontado por suacrueldade reage, muitas vezes, como um mendigo morto de fomepego roubando um pão. "Olhe, talvez o que eu fiz estivesse errado.Tenho certeza que estava. Mas você tem de entender o que tenhopassado. E pela fome que estou sentindo, até que não estoupedindo demais."

Certo homem desenvolveu o hábito de passear por distritode meretrizes, ocasionalmente procurando uma delas ou indo assistira um show de nudez, persuadindo-se o tempo todo que seu pecadonão era tão perverso quanto a maneira em que sua família haviapecado contra ele quando pequeno e a maneira como sua esposafalhava agora para com ele.

Vinte e cinco anos de experiência em aconselhamento mefazem calcular que, nove homens em dez, sentem-se maispreocupados com a maneira como os outros os decepcionam doque com quando eles magoam os outros. E os homens casadospreocupam-se especialmente com as maneiras em que suas esposasfalham para com eles.

Os homens governados pela carência se beneficiam com ofato de nossa cultura estar comprometida em não culpar a vítima.Por exemplo, quando um dos pais negligencia um bebê do sexomasculino, não responsabilizamos o bebê pela falha do pai ou mãenem pelo dano que essa falha causou. Apoiamos a criança em suador e fazemos tudo o que podemos para protegê-lo de outros danos.

Mas temos levado a nossa proteção da vítima longe demais.Temos negado a responsabilidade das vítimas adultas de sofrerem

166 o SILÊNCIO DE ADÃO

graciosamente ou de continuarem a fazer o bem. Temos permitidoque a severidade dos erros, que outras pessoas cometeram contranós, nos ceguem ao chamado imutável de Deus para sermos santos.À medida que o garotinho vitimado pela negligência dos paisamadurece, precisamos ter o cuidado de encorajá-lo a desenvolveruma identidade construída em torno das oportunidades damasculinidade, não em torno de sua dor e carência.

Mas desenvolver esse tipo de identidade requer a obra doEspírito Santo. Ninguém pensa naturalmente sobre si mesmo comoum portador da imagem cujo mais alto chamado é o de refletir ocaráter de um Deus invisível. Há questões mais prementes exigindoa nossa atenção, como, obter aquilo que precisamos para sobrevivere o que precisamos para sobreviver mais confortavelmente. Homensconfrontados com a falência geralmente investem mais esforçospara descobrir como pagar suas contas do que para aprender aconhecer a Deus.

Nenhuma quantidade de dano por parte dos outros e nenhumacircunstância da vida, podem, j amais, destruir a imagem de Deusdentro de nós, ou anular o chamado de refletir bem essa imagem,mas tendemos a pensar de outra forma. A dor fala tão alto quetemos dificuldade em ouvir o chamado de Deus para vivermos comohomens. Violar a imagem de Deus usando práticas não-éticas nosnegócios ou seduzir a esposa de outro homem pode de fato pareceruma coisa à toa. Todos lutamos com coisas que simplesmente nãoparecem muito más, de modo especial quando nos estamos sentindoparticularmente decepcionados.

Somente quando o Espírito de Deus, através de sua Palavra,expõe os pensamentos e atitudes do coração é que qualquer um denós vê com clareza. É só então que a paixão dominadora da carênciaserá reconhecida como tal: uma base pecaminosa para relacionar­se com os outros que não é digna dos homens.

HOMENS QUE EXIGEM QUE 05 OUTROS CORRESPONDAM ÀS SUAS EXPEGATlVAS 167

o EXEMPLO DE SAUL

o rei Saul é, talvez, o mais proeminente exemplo bíblico deum homem impulsionado pela carência que, como sempre acontecequando as necessidades governam a nossa vida, perdeu suadignidade. Um incidente dentre muitos que poderiam ser escolhidosdemonstra isso. Leia 1 Samuel 15 para ver a história toda que.. .resurmrei aqui,

Certo dia Saul cometeu um pecado particularmente sério quelevou Deus a rejeitá-lo como rei. Conversando com Samuellogodepois de ter pecado, Saul negou ter feito qualquer coisa errada.Note cuidadosamente que a esta altura, quando ainda pensava queseu pecado passara despercebido, ele alegou que nãofora desobediente.

- Executei as instruções do Senhor - anunciou eleorgulhosamente a Samuel. Essas instruções incluíam matar todacriatura vivente que havia pertencido aos amalequitas, uma naçãocuja destruição completa Deus havia decretado. Na realidade, Saulhavia poupado o rei amalequita, um homem chamado Agague, enão havia matado todos os animais, decidindo antes guardar asmelhores vacas e ovelhas (para sacrificar ao Senhor, segundo seutestemunho posterior).

Numa passagem quase cômica, Samuel replica à declaraçãode obediência completa de Saul perguntando:

- Que balido de ovelhas é este em meus ouvidos? Quemugido de gado é este que ouço?

Saul foi pego. Já não podia negar a sua desobediência. Elenão destruíra tudo. E assim ele mudou sua cantilena de negaçãopara o que - à primeira vista - parece uma confissão: - Pequei.Violei a ordem do Senhor.

Mas o resto da história deixa claro que o reconhecimento depecado por parte de Saul não brotou do quebrantamento. Saulestava se debatendo, procurando uma forma de evitar o julgamentode Deus e de manter pelo menos as mordomias do seu cargo de rei.Ele ilustra claramente a verdade de que sem quebrantamento pelo

168 o SILÊNCIO DE ADÃO

pecado não pode haver nem confissão genuína, nemarrependimento sincero.

Saul não demonstra um espírito quebrantado e contrito.Longe disso. Antes, ele pede a Samuel que retorne à capital e fiqueao seu lado, no culto público, esperando que a presença de Samuellhe trouxesse uma certa continuidade do respeito que recebiacomo rei,

Mas Samuel permaneceu inexorável.- Não voltarei com você...O Senhor o rejeitou como rei

sobre Israel!Agora, observe cuidadosamente o que Saul faz a seguir,

impelido inteiramente por seu senso de desesperada carência:"Virando-se Samuel para se ir, Saulo segurou pela orla do manto,e este se rasgou. Então Samuel lhe disse: O SENHOR rasgou hojede ti o reino de Israel, e o deu ao teu próximo, que é melhor do quetu... Então disse Saul: Pequei; honra-me, porém, agora diante dosanciãos do meu povo, e diante de Israel; e volta comigo, para queadore ao SENHOR teu Deus. ,,-/

A paixão da carência se toma uma paixão dominadora quandoé vista como sendo mais forte e mais urgente do que uma paixãopela santidade. "Se apenas eu pudesse ter " torna-se aambição direcionadora por trás de tudo que o homem carente faz.

É importante reconhecer o princípio destacado pela vida deSaul: um senso aguçado de necessidade, se não vier acompanhadopor um senso maior ainda de pecado, justifica e fortalece o egoísmo.As pessoas mais conscientes de sua carência do que de suapecaminosidade são pessoas que manipulam e exigem. As pessoasmais conscientes de sua pecaminosidade se arrependem e

"Vale a pena mencionar de passagem que Samuel de fato retornou com Saul. mas não

para honrá-lo. Ele. antes. fez morrer o rei amalequita. Agague, a fim de executar a

ordem de Deus que Saul havia desobedecido. Saul permaneceu no trono. mas as coisas

foram de mal a pior até que ele finalmente tirou a própria vida. Aqueles que acendem

seu próprio fogo recebem uma coisa da mão do Senhor: eventualmente se deitarão em

tormentas (ls 50.11).

HOMENS QUE EXIGEM QUE OS OUTROS CORRESPONDAM ÀS SUAS EXPECTATlVAS 169

desenvolvem uma paixão dominante pela santidade. Somente essaspessoas aprendem a confiar no amor de Deus e usufruir seu favor.

Quase trinta anos de casamento deixaram claro para mimque me inclino mais para este estilo de relacionamento do que oque discutirei no próximo capítulo. Em geral., sinto-me mais carentedo que agressivo. Quando estou sofrendo, inclino-me a ver minhanecessidade de conforto como uma oportunidade para que outrapessoa faça o bem. O chamado para elevar-me acima da minhacarência, confiar-me totalmente a Deus, e fazer o bem aos outros épor vezes difícil de ouvir. Quanto mais profunda a mágoa, menosme inclino a ouví-Lo.

Quando a paixão da carência domina, nenhuma quantidadede consolo consegue satisfazer plenamente. Os homens carentespodem agradecer às esposas os seus esforços, mas sem maisentusiasmo do que um homem que precisa de cem reais agradeceao amigo que lhe dá vinte e cinco centavos.

Qualquer disposição para gratidão existente logo dá lugar àcrítica exigente: "Não sei por que você tinha de continuar fazendoo jantar enquanto eu estava falando sobre os nossos problemasfinanceiros. É muito pedir um minuto de sua atenção total?"

A pessoa que empreende a tarefa de satisfazer as necessidadesde um homem carente não tem esperança de sucesso. Nenhumesforço basta. Nenhuma bondade é suficiente. As pessoas numrelacionamento com o homem do Padrão 1 sentem-se tipicamente:

1. Pressionadas a estar ali para ele.2. Mal, por nunca corresponderem adequadamente.

Eventualmente a pressão e a sensação de culpa tomam-seirresistíveis. Pode levar vinte ou trinta anos. Então elas param detentar. "Por que me incomodar? Nada que eu façojamais o satisfaz."A frustração de se relacionar com um homem do Padrão 1 é muitasvezes a razão por trás de uma amizade ou casamentode longa data.

Aquelas que continuam tentando satisfazer as necessidades

170 o SILÊNCIO DE ADÃO

do homem carente sentem-se mais e mais desgastadas, até que adepressão se instala. A esposa do homem carente percebe-sesonhando com um relacionamento melhor, um, no qual, ela é notadae apreciada. Ela começa a notar outros homens, como eles tratamas esposas, como a tratam, e se toma vulnerável à mais leve sugestãode afeto.

"Ele parece gostar de mim."Às vezes, os romances ou novelas oferecem alívio. Às vezes

é manter-se ocupada: mais trabalho na igreja, mais horas no trabalho,mais clubes sociais, mais trabalho de casa, mais educação.

As mulheres casadas com homens carentes sentem-sesolitárias e amedrontadas. Muitas vezes sentem-se desgostosasconsigo mesmas. Muitas escondem sua dor sob a competência.Elas se tornam agressivas e duronas, incapaz de adorar ourelaxar ou rir.

Ouça o clamor do homem carente: "Esteja aí para mim! Vocênão sabe quanto estou vazio, quanto me sinto desesperado, quantominha vida é dolorosa? Por que você não pode:

• Ter mais consideração?

• Falar com mais bondade?

• Ler mais livros?

• Fazer-me mais perguntas?

• Vestir-se de maneira mais atraente?

• Falar menos nas festas?

• Apoiar-me mais?

• Emagrecer?

• Tomar a iniciativa na cama?

• Gastar menos?

• Criticar me menos?

• Cozinhar mais criativamente?

Um senhor me escreveu uma carta em resposta a um livroque escrevi. "Você não respondeu à única pergunta que eu precisavaque respondesse, a que presumi que você trataria no seu livro.Quero saber porque algumas mulheres simplesmente não cuidamde si mesmas. Sou diversas vezes milionário, sou presbítero emnossa igreja, deixo que ela compre o que quiser, não sou viciadoem trabalho, e nunca fui infiel à minha esposa.

"O que quero saber é: por que minha esposa não emagrece?Eu me mantenho em boa forma, mas ela não quer saber de exercício.

HOMENS QUE EXIGEM QUE OS OUTROS CORRESPONDAM ÀS SUAS EXPEaATIVAS 171

Ela engordou vinte quilos nos últimos dois anos. Eu a acho tãoatraente quanto umatigelade gelatina. Cheguei até a lhe dizerqueiria a umaconselhamento com elapara ver no que eutalvez estivessefalhando. Simplesmente não entendo. O que há de errado commulheres como a minha esposa7"

Como a maioria dos homens dominados pela paixão dacarência, este homem

1. Não encontra nada de errado em si mesmo2. Vê apenas o que a outra pessoa podia fazer de forma

diferente3. Sente-se justificado em sua ira4. Não consegue enxergar asnecessidades dela além das suas

Por estar cego pela sua carência, a qualidade derelacionamento que ele oferece à esposa é inferior. Mas ele não vêisso. Quaisquer lutas que possa ter com a tentação sexual sãoconsideradas resultado da maneira como ele tem sido tratado. Emsua mente, seus esforços de permanecer sexualmente puro sãonobres e nada requerem dele além de mais tempo na Palavra e dejoelhos. Jamais lhe ocorre que ele não está amando a esposa comodeveria, que realmente não é grande coisa como homem, quenuncaaprendeu a falar com amor para dentro da confusão e dordo relacionamento.

Quando somos governados pela paixão dacarência e cremosque nosso mais profundo gozo depende de outros corresponderemàs nossas expectativas, destruímos a vida e empanamos a beleza.Nesse ponto, não somos homens viris.

Homens Que SóPrecisam De Si Mesmos:

A Paixão daAgressividade

Ele sempre pareciase encaixar. Qualquerque fosse a reunião­diretoria, jantar ou reunião social da igreja - ele sentia-se

confortável. Conhecia as pessoas certas, sempre se vestiade acordo,e com encanto e graça, ele se relacionava facilmente emqualquer agrupamento.

Ele podia, por vezes, ser bem dogmático. Seus melhoresamigos, aqueles queestavam com elemais freqüentemente, haviamvisto sua auto-confiança passar dos limites e virar agressividade.

Embora seus conhecidos pudessem não ter notado, ele eraum homem intensamente privativo. Raramente falava de lutaspessoais e inclinava-se a "resolver" rapidamente quaisquertensõesrelacionais que não pudesse evitarou descartar. Ele nuncaanalisavaa si mesmo ou qualquer outra pessoa. Sua família sentia o impactode seu envolvimento superficial.

A auto-percepção, é claro, não se encontrava entre as suasvirtudes. Se lhe pedissem uma auto-descrição, ele poderia usar de

174 o SILÊNCIO DE ADÃO

improviso palavras como sociável, culto, bem sucedido, bompai de família, cristão dedicado. Poderia até dizer viril. Ele nuncaconjeturaria sobre o porquê de alguém lhe pedir que descrevessea si mesmo, nem convidaria o inquiridor a falar sobre o queestava pensando.

De vez em quando ele, de fato, dava lugar às emoções:quando foi ao quarto da esposa após a mastectomia que ela fez;no enterro do pai; quando propôs um brinde à filha e ao noivodela na festa do casamento.

Mas nunca chorava. Ninguém jamais o vira desmoronar.Certa vez, o filho mais velho perguntou quando tinha sido aúltima vez que ele chorara abertamente. "Quando eu era criança",replicou ele desinteressadamente, como se a pergunta tivessesido: "Quando foi a última vez que você usou remédiopara a acne?"

Ele era uma boa pessoa para ter como seu parceiro degolfe ou sócio nos negócios. E certamente era o homem certopara ter do seu lado num debate.

Mas não era alguém com quem você se sentiria inclinadoa compartilhar o que se passava no coração.

A esposa dele era terrivelmente solitária. Mas ele jamaisteria adivinhado. Ela enterrava a dor bem fundo por baixo dosadornos da riqueza moderada e sob a ronda de "importantes"atividades que a classe social exigia. Ela se ocupava com clubesde jardinagem, reuniões políticas, o conselho de ministériosfemininos da igrej a, e decoração da casa. Seus três filhosatraentes eram o grande laço de fita vermelha que arrematavalindamente o pacote bem enfeitado da vida dela.

Como acontece com a maioria das vidas "perfeitas", haviauma mancha escura, uma dobra feia no rosto cirurgicamentealisado da mulher. Ataques de pânico. Não sérios, masinquietantes.

Eles tinham a tendência de atacar quando ela sentia quehavia perdido o controle das coisas. O primeiro foi provocadopela ida da filha para a faculdade e pelo começo de um namoro

HOMENS QUE SÓ PRECISAM DE S/ MESMOS 175

com alguém que o marido considerava de baixa classe. Ela faloucalmamente com a filha sobre suas preocupações, convencidode que a garota daria ouvidos à razão. E ela o fez. Acabou secasando com um médico.

O marido tratou a crise do namoro com sarcasmo - foientão que ele usou o termo "baixa classe".

Os ataques haviam sido regulares mas, infreqüentes;alguns, piores do que os outros. Os remédios ajudavam. Elaconseguia os medicamentos com um especialista, companheirode golfe do marido. O marido marcou uma consúlta para ela.Chegou até a ir buscar a primeira receita ele mesmo.

Em sua mente, aquilo resolvia tudo. Dor de dente? Vejaum dentista. Ataques de pânico? Tome um comprimido. Elenunca conversou com ela sobre os ataques, nunca analisou ostemores dela.

Três vezes ela havia desabafado e admitido quanto se sentiadistante do marido, quando se sentia desnecessária exceto comosua parceira social e sexual. Uma vez a uma amiga íntima, quemudou de assunto. Uma vez, para um primo que os visitava, umhomem que ela mal conhecia. Ele era um pouco mais velho eparecia tão bondoso. Eles ficaram conversando até atarde certanoite. Anos de sentimentos recalcados foram despejados. Eleouviu. A sensação fora tão boa. Mas ele nunca mais mencionouo assunto: nem uma palavra na manhã seguinte, nem um únicotelefonema de acompanhamento, nem uma carta. Ela desejoununca ter dito nada.

A terceira vez foi dois anos depois, com uma terapeutaque conhecera e com quem conversara numa festa. Ela narealidade havia dito muito pouco. Mas a terapeuta pareceuentender mais do que estava sendo dito. E pareceu preocupada.Mais uma vez foi uma sensação boa. Ela pensou em fazer umaconsulta profissional, mas achou melhor desistir depois demencionar a idéia para o marido.

- Para que é que você precisa de uma "médica de loucos"?- foi tudo o que ele disse.

176 o SILÊNCIO DE ADÃO

Houve uma outra vez. Era a última noite de uma semanade conferência bíblica. A mensagem era sobre o amor de Deuspelas ovelhas perdidas, aquela que se sentia abandonada, semesperança de ser encontrada. Aquilo a atingiu.

Ela desapareceu depressa durante a oração de encerramentoe caminhou sozinha ao redor do lago. Estava tão quieto, tão quentee tranqüilizadoraI?ente escuro, com apenas a luz de uma luacrescente, que se refletia na água calma. Um senso irresistível depaz convidava à liberação de suas lágrimas na segurança queoferecia. Ela caiu sobre a relva macia, enterrou a cabeça nas mãos,e soluçou incontrolavelmente. As palavras fluíam sem restriçõesdo seu coração, expressando aquilo que fora negado por tantotempo. "Não agüento. Dói demais. Ninguém me quer. Meucasamento é vazio. Estou mais sozinha do que posso suportar."

,Ela voltou ao quarto deles depois da meia-noite, com os olhosinchados. Ele estava sentado na cama, lendo.

- Onde você esteve? - perguntou. - Fiquei preocupadocom você.

- Caminhando. Pensando. Orando. Até chorei um pouco.- Você não se esqueceu de tomar o remédio, esqueceu?- Não - replicou ela, sem nada sentir. Ela se aprontou

para deitar.Nada mais foi dito. Ele inclinou-se para beijá-la na testa, sorriu

tranqüilizadoramente, depois virou para o lado e pegou no sono.Ela estava bem na manhã seguinte.

***

Nestes capítulos, estou falando de dois tipos de homens:aqueles que são dominados por sua carência e aqueles que sãodominados por sua determinação de serem agressivos. Esses doisestilos de relacionamento são na realidade posições extremas empontas extremas de um longo espectro. Neste capítulo, discutiremosos homens agressivos.

Mas talvez seja bom introduzir esta discussão falando por

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HOMENS QUE SÓ PRECISAM DE S/ MESMOS 177

um momento sobre o espectro. Não tenho querido sugerir outrateoria de "tipos" para categorizar os homens. Não quero que oshomens leiam este livro e digam: "É, esse sou eu. Acho que é assimque sou." Espero que muitos homens reconheçam seus padrõesrelacionais e respondam: "É assim que trato a minha esposa (ouamigos). Que horror! Sou mais homem do que isso." Quero quecresçamos em masculinidade ao compreender não apenas o desígnio deDeus para os homens mas também nossas maneiras de corrompê-lo.

Homens carentes são homens corruptos. Eles inclinam-se maisa ter consciência de sua sede de afirmação ao se relacionarem comos outros, e se inclinam mais a entrar em relacionamentos por razãonunca mais alta do que satisfazer suas próprias necessidades. Oshomens agressivos são iguais, mas, diferentemente corruptos. Elesnegam qualquer anelo profundo por relacionamento, e perseguemalvos que não requerem intimidade significativa com as pessoas.

Estes padrões representam dois extremos opostos em comoos homens se relacionam. Essas são as duas pontas de um longoespectro que pode ser representado assim:

ESTILO DE RELACIONAMENTO

Padrão 1

A B C D E

Padrão 2

Dominado Mais Sensível Perfeitamente Mais Forte

Pela Carência Do Que Forte Equilibrado: Que Sensível

Tanto Sensível

Quanto Forte

Dominado pela

Agressividade

Apenas um homem na história conseguiu acertar. Ele estavaprofundamente consciente de tudo que anelava. E essa consciênciatrouxe consigo tanto dor, quanto esperança; tanto tristeza pelo queera, quanto gozo pelo que Ele sabia que haveria um dia. Ele sentiusua decepção, mas não mais agudamente dó que sentiu sua

178 o SILÊNCIO DE ADÃO

antecipação. Ele chorou livremente por relacionamentos perdidose pelo custo de recuperá-los. Ele esteve profundamente conscientede tudo o que ocorria ao Seu redor e em Seu interior.

Mas Sua sensibilidade nunca levou à auto-preocupação ouqueixa. Em vez de apenas sentir a mágoa dos relacionamentosdesfeitos em maneiras mais profundas do que qualquer um de nósconseguiria imaginar, Ele usou essa mágoa para mais claramentedefinir e energizar Seu chamado. Ele Se deleitou em sacrificar todoprazer - tanto alegrias legítimas que Ele conhecera por toda aeternidade passada quanto satisfações ilegítimas que estavam à Suadisposição - pelo propósito singular de deixar as pessoas veremcomo Seu Pai realmente era. Para Ele, nada importava mais do querevelar a Deus como Ele era eé: alguém que odeia inflexivelmenteo pecado, e ama inexoravelmente as pessoas.

Ao definir-Se em termos de Seu chamado, antes que de porSeus anelos ou poder, Ele encontrou coragem para fazer qualquercoisa que Seu chamado exigisse. Ele exemplificou a masculinidadepura ao adentrar regiões em que nunca entrara antes - compareSua preexistência com Deus antes de Belém à escuridão do Calvário- e manteve-se perfeitamente no rumo, semjamais escorregar umcentímetro a despeito de provações de severidade sem paralelo.

Ele foi o único homem que viveu a vida exatamente naPosição C: perfeitamente sensível mas inconquistavelmente forte;humildemente dependente mas resolutamente determinado;consciente de cada nuance em cada relacionamento masinabalavelmente centralizado em Seu relacionamento prioritário.Jesus combinou em Si virtudes que são confiavelmente competitivasem nós. A sensibilidade e a força não coexistem com facilidade. Oshomens com sensibilidades bem desenvolvidas em geral lutam comsentimentos de inadequação, uma tendência à auto-piedade e àqueixa, e uma aflitiva sensação de descontentamento. Os homensmais conscientes de sua capacidade de se mover parecem dedicarmais energia às tarefas do que às pessoas. Eles se tornam duros,distantes, e emocionalmente embotados, protegidos por um vernizde convincente afabilidade.

HOMENS QUE SÓ PRECISAM DE SI MESMOS 179

Os homens que se relacionam mais a partir de sua carência(Posição A) são os que as mulheres chamam de fracos. Os homenscuja percepção de suas necessidades os tomou sensíveis às coisasque se passam dentro das pessoas (Posição B) freqüentemente seencaixam no critério de masculinidade estabelecido por muitas nomovimento feminista: são mansos, não têm medo de chorar, ecapazes de discussões intensamente pessoais. Às vezes demora anosantes que sua falta de força seja evidenciada e o dano que elescausam seja reconhecido.

Nas Posições A e B, a carência compromete o relacionamento.Homens impelidos pela carência deixam de suscitar vida nos outrose gozar a beleza da individualidade e independência dos outros.Seus relacionamentos em geral são intensos mas continuamenteinquietos, ou morrendo uma morte lenta e angustiante ou crepitandopor aí como um carro velho que passa mais tempo na oficina doque na estrada.

Os relacionamentos de um homem agressivo, por outro lado,são mais freqüentemente superficiais mas estáveis. Mas aestabilidade é frágil. Como casas construídas sobre a areia, osrelacionamentos do homem agressivo, dependem de umaconspiração para fingir que a superficialidade é satisfatória, e queos prazeres do conforto e emoção são substitutos aceitáveis paraas alegrias perdidas da comunhão. Quando um cônjuge ou amigopenetra a conspiração e pede mais ao "homem agressivo"", orelacionamento explode como um vulcão adormecido porlongo tempo.

É então que coisas boas podem acontecer, mas raramenteacontecem. Ou o parceiro que explodiu "se arrepende" e retomaaos confortos da estabilidade superficial, ou o relacionamentotermina após desintegrar-se em conflito violento.

Os homens que são mais fortes do que sensíveis (Posição D)constituem a maioria da liderança cristã e secular. Qualquer pessoaque tenha estado numa posição de liderança está familiarizado comos assaltos que precisam ser suportados. Parece às vezes que assensibilidades pessoais precisam ser embotadas a fim de se

180 o SILÊNCIO DE ADÃO

sobreviver, e que uma atitude de "Apenas continue fazendo o seutrabalho" precisa ser cultivada. Sujeitos simpáticos, homenssensíveis que se preocupam em magoar os outros e ser magoadosterminam por último. Homens rudes, cujos "músculos ternos" seatrofiaram por falta de uso voluntário, chegam ao topoe ficam por lá.

Qualquer pessoa em evidência, naturalmente, deve esperarcríticas. Se eu espalho minhas idéias sobre uma mesa pública coma intenção de influenciar os outros, minhas idéias devem serestudadas e criticadas.

Mas críticas demais, dirigidas aos líderes, refletem um espíritozangado de arrogância. Os críticos que atingem esferas de influênciapela força de sua crítica aos outros são em geral homens "maisagressivos" do que os líderes que criticam. Eles são insensíveis aoimpacto que têm sobre as pessoas; passam por cima de qualquerpessoa que discorde, com uma confiança que atrai os homenscarentes que desejariam ser agressivos. Eles tornam a vida difícildo líder mais difícil ainda.

A maioria dos líderes, especialmente pastores e diretores deministérios cristãos, sentem-se subvalorizados e não apreciados. Aluta em geral lhes parece mesquinha e imatura, mas não pára. Umpastor quase chorou quando me contou sobre uma época em queseu conselho de presbíteros questionou se ele realmente precisavade três semanas de férias.

Às vezes parece não haver outra solução além de construiruma muralha em volta do seu coração. O efeito naqueles queconseguem construir uma muralha é a perda de rica paixão, unidaao crescimento de uma determinação de administrar eficazmente oque for administrável.

Quando a determinação substitui a sensibilidade, o homemse toma agressivo. Ele sacrifica o poder de adentrar profundamentea vida dos outros. Às vezes seu único contato com o mundo dapaixão é o sexo. É só nisso que ele consegue pensar. Ele vive àbeira do fracasso moral. A solução para seu vício sexual requermais do que auto-controle. Ela envolve uma renovada disposição

I, I

HOMENS QUE SÓ PRECISAM DE SI MESMOS 181

de abrir seu coração à ferroada da crítica, uma disposição quepode dar a impressão de estar dando a cara para bater.

Se ele permanecer duro de coração e bem defendido contrasua mágoa, será eventualmente dominado mais pela necessidadede ser agressivo do que por seu chamado para refletir o caráter deDeus. E se as pessoas mais próximas dele não lhe derem um re­torno honesto sobre o sofrimento que seu crescente distanciamentolhes causa, então haverá boa probabilidade de que ele se distanciemais do centro do espectro para o extremo de um homempoderosamente dominado por sua necessidade de ser agressivo(Posição E).

E parecerá tão necessário, tão justificado. Tenho vistopastores se contorcendo em agonia tão grande que quase desejeique eles se anestesiassem com a agressividade a fim desobreviverem. Mas embora isso fornecesse alívio a curto prazo,seria um erro a longo prazo. Homens agressivos destróemrelacionamentos; eles danificam as pessoas ao exigir que elasdesempenhem sem prover nutrição real para suas almas.

As mulheres que estão em relacionamento com homensagressivos geralmente sentem-se:

1. Indesejadas, devido a umafeiura não especificada maspresumida que "explica" porque o homem agressivo nuncaparece desejá-las2. Desesperadas por alguém ou algo que as toque comprofundidade suficiente para aliviar a dor da solidão

As vítimas dos homens agressivos são responsáveis pelaforma como escolhem agir mas não por quanto sofrem. As vítimassão propensas a:

1. Depressão: "Não tenho nada que alguém pudessepossivelmente querer. Por que até mesmo me dar ao trabalhode tentar me relacionar ou de prosseguir?"2. Ansiedade: "Se eu apenas puder manter o controle sobre

182 o SILÊNCIO DE ADÃO

mim mesma, estarei bem. Oh, não! O que poderia acontecerse eu perder o controle?"3. Vícios: "Não posso ficar longe de qualquer coisa queseja agradável o suficiente para aliviar minha solidão, mesmoque a alivie apenas por um momento."

Os homens agressivos raramente mudam sem, primeiro,enfrentar o impacto destrutivo que têm sobre os outros. É por issoque é crucial para as pessoas envolvidas com os homens agressivoscorrerem o risco de prover um retomo claro sobre o efeito que ofato de eles estarem sendo dominados pelaagressividade está tendosobre os outros.!

Os homens verdadeiramente fortes são tão diferentes doshomens agressivos quanto homens maduramente sensíveis diferemdos homens fracos. Os homens agressivos têm em comum trêscaracterísticas que subjazem sua agressividade.

Primeira, insegurança. Os homens agressivos são compelidos,pela incerteza sobre sua masculinidade, a provar a si mesmos. Elesexibem seu poder a fim de demonstrar o que não têm certeza depossuir. Os homens fortes, por outro lado, não sentem a menornecessidade de exibir sua força. Eles têm controle sobre seu podere o liberam apenas para promover um bom propósito.

Segunda, superficialidade. Uma vez que você ultrapasse suacompetência e encanto, os homens que se posicionam no ladoagressivo do espectro não são pessoas terrivelmente interessantes.Eles não estão particularmente conscientes do que se está passandodentro de si ou dos outros, e não sentem nada mais profundamentedo que seu desejo de poder. Os homens fortes, contudo, não tememenfrentar toda a realidade, inclusive as coisas feias sobre si mesmosou sobre os outros que poderiam provocar um desespero

"Veja Bold Love (Amor Audacioso), do Dr. Dan AlIender e Or. Tremper Longrnan, para

uma discussão completa do que o amor exige das pessoas em relacionamento com

alguém destrutivo (Colorado Springs: Navl'ress, 1992).

HOMENS QUE Só PRECfSAM DE SI MESMOS 183

avassalador. Os homens fortes se lembram de Deus e falam com opoder da esperança para dentro da noite mais escura.

Terceira, incompreensão. Os homens agressivos nãoapreenderam a essência da verdadeira masculinidade. Elesconfundem sensibilidade com fraqueza; em suas mentes, poder eforça são a mesma coisa. Os homens fortes sabem que asensibilidade e a percepção abrem a porta de compartimentosmisteriosos que épreciso ter coragem para adentrar. E seu desejode viver corajosamente pesa muito mais do que seu medo daescuridão. Eles definem força como poder sob controle, não poderdemonstrado. Os homens agressivos temem os compartimentos;eles sabem que seu poder não se compara com o poder invisívelque habita na escuridão. Eles ficam fora da escuridão por nunca setomarem sensíveis. E sua determinação de evitar o mistério os deixamais determinados a administrar eficazmente qualquer coisa queenfrentarem. Seu poder degenera em formas mais egoístas, maisdestrutivas, mais malévolas de agressividade.

Todos nós nos encaixamos em algum lugar da linha, ou paraa esquerda ou para a direita do centro. Estupradores sem consciênciarepresentam um exemplo da ponta extrema de poder menossensibilidade. Viciados em pornografia que sacrificam família erespeito por mais um show de nudez ficariam na outra ponta, vivendopara o alívio imediato de toda a dor que a sensibilidade sem forçaproduz. A maioria dos leitores deste livro se encaixa em algum pontoentre esses dois extremos. Mas nenhum vive exatamente no centro.

Por quê? Por que nenhum homem pode ser apontado cornouma ilustração perfeita da Posição C exceto um? Por que tão poucoshomens chegam perto? Por que a cultura moderna está criandopadrões atingíveis de masculinidade que nos asseguram que nãoestamos nos saindo tão mal, e depois encorajam outros ajuntarem­se a nós no rebaixamento do alvo?

Os homens com sensibilidades bem desenvolvidas tendem apedir que os outros estejam ali para eles. E quando ninguém o faz,pelo menos não perfeitamente, esses homens se tomam vulneráveisa perversões "passivas": pornografia, masturbação compulsiva, fanta-

184 o SILÊNCIO DE ADÃO

sias de mulheres que correspondem a cada desej o seu, sonhos deganhar na loteria. Os homens que se movem corajosamente, mas semuma percepção de si mesmos ou dos outros, sentem umvazio diferente que os atrai paraperversões "agressivas": sedução,sadismo, abuso, riqueza e posição.

Somos realmente uma mixórdia. Ninguém consegueacertar. Por quê?

,A resposta, naturalmente, nos leva de volta a Gênesis 3,quando Adão se recusou a falar. Uma corrupção congênita noprojeto do homem tem sido passada a todo homem concebidonaturalmente, desde então. Mas o fato de nosso problema serherdado não deve ser usado para nos permitir escaparda responsabilidade.

Precisamos enfrentar a terrível verdade de que somosresponsáveis por não falar com sensibilidade e força, e precisamosser impelidos ao desespero pela verdade mais terrível ainda de queo impulso de não falar é forte demais em nosso interior para quelhe resistamos sozinhos. Enfrentar essas verdades gêmeas nosimpelirá ao quebrantamento, confissão, arrependimento e confiança.Não enfrentá-los nos deixará com a cara ilusão de que as coisaspodem ser ruins, mas não tão ruins para que Deus sejarealmente necessário.

Algo vital está faltando nos homens. Faltam-nos a coragem ea fé para falar para dentro das trevas com poder vital. E essa faltade coragem e fé precisa ser compreendida como pecado.

O pecado está no cerne de todos os nossos problemas. Essaé a verdade simples, terrível. Nada "explica" por que pecamos. Ofato de pecarmos é o fundamento de todo pensamento claro sobrenossos problemas. Mas existe um segundo nível de compreensão,um nível que edifica sobre o fundamento de fazer remontar todasas dificuldades à Queda. Este segundo nível envolve osrelacionamentos do homem com os outros homens.

Após o pecado original, não há influência mais poderosa navida do homem do que a influência dos homens mais velhos e dosseus pares: homens mais velhos, cujas vidas temos observado e que se

iII L I I J. "a_ ~ I lJ I

HOMéNS QUé ~Ó PREClSM1 DE Si MESMOS

envolveram conosco, particulannente nos anos de nossa formayão; e

pares, companheiroseamigos com quem passamos tempo, trocamos

historiasecontamos coisas que não contamosaI I ,

maIS mnguem.

Ha algo verdadeiramente poderoso anossa disposiyão. Na

Terceira Parte sugiro que nossos relacionamento, como pais e

irmãos, podem nos ajudar arecapturar osonho perdido

da masculinidade.

1 • ., !

Segunda Parte

Nãohá muitos homens que desfrutem ariqueza da maturidademasculina. Apenas dois dos homens que foram livrados do

Egito atravessaram orio Jordão eentraram em Canaã. Os demaisvaguaram sem destino pelo deserto até morrer.

Ocaminho para amaturidade começa com um exame honestode como nos relacionamos, Que efeito temos sobre as pessoas? Setivessem coragem, oque as nossas esposas, filhos eamigos noscontariam sobre como é estar em relacionamento conosco?Demonstramos ser carentes, requerendo que outros cuidem de nós?As pessoas sentem-se pressionadas anos tratar bem? Ou os outrosnos vêem como: agressivos, fortes a ponto de, realmente, nãoprecisarmos, muito das pessoas edistantes osuficiente para nemoferecer nem requerer intimidade?

Porque não temos coragem para adentrar omistério, somosdominados por paixões carentes ou por paixões agressivas. Nemos homens carentes, nem os agressivos são homens autênticos.

TERCEIRA PARTE

~

O eroso s a, ~

18 oruve

Uma Geração de Mentores

190 o 51LÊNCtO DE ADÃO

Continuamos a trilhar o cantinho que leva à maturidade

quando admitimosquiio prcfundamenie anelamos por um

pai, alguém que caminhe adiante de nós, mostrando-nos o

que é possível e nos chamando a seguir, e urn irmão, um

igual, cujas lutas e compaixiio nos encoraiem a dar-nos a

conhecer a ele enquanto caminhamos juntos. Quando sobre

nós se abate a realidade, como acontecerá com a maioria dos

homens, de que não temos nem pai ne111 irmão, a decepção

aniquiladora pode uirar anlargura ou pode nos impelir a

buscar a Deus de todo o coração e nos tornarmos pais e

irmãos para outros homens. Para aqueles poucos que

conhecem o gozo de eerem alvo de boa paternidade e rica

fraternidade, o chamado não é apenas para usufruir essas

bênçãos mas para prover a mesma bênção para outros.

Se os homens hoje se dispuserem a olhar para dentro da

escuridão, a lembrar-se de Deus, e depois falar palavras que

trazem vida nos outros, se eles estioerem dispostos a

caminhar pelo ingreme, estreito e longo caminho que leva à

verdadeira masculinidade, então talvez nossosfilhos entrem

na idade adulta C0111 a bênção de uma gernção mais velha de

mentores, homens que sabem ser bons pais enquantor a rn t rtl trrrn rfU1'1 CP1JC iVf11Íll1c -r1J1-1'1íl rir» In...

Pais: Homens QueAcreditam Em Nós

A s horas mais difíceis vinham de madrugada, após uma luta.nútil para adormecer. Ele ficava deitado ali enquanto sua

mente o fazia passear numa montanha russa. Haveria algunsmomentos de calma seguidos por uma longa e torturante subidapor uma encosta conhecida e íngreme rumo a uma altura temida,depois, um súbito despencar, um ataque de loucura descontrolada,e pensamentos desvairados, desorganizados, que o mergulhavamnum terror sufocante.

Os pensamentos tinham uma coisa em comum - todos opreocupavam. O telefonema, de um professor interessado, sobreas notas baixas do filho. Por que o problema? Será que seu filhoerapreguiçoso? Indisciplinado? Rebelde? Seráqueapenas era lerdo?Que tipo de futuro teria?

E aí havia a filha. Ela não era bonita. E havia engordado. Aostreze anos, a aparência importava mais do que nunca. Os abraços eapelidos carinhoso do papaijá não evocavam o mesmo sorriso queevocavam quando ela tinha dez anos.

E depois havia a esposa. Dormindo profundamente a algunscentímetros de distância. Mas seus corações estavam separadosporquilômetros. Eleconjeturava porque a paixão se fora. Dezenoveanos de romance se escoando deixaram apenas uma casca vazia decompromisso. Às vezes uma fagulhavoltava. Mas nunca por muito

192 o SfLÊNClO DE ADÃO

tempo. Como seria seu casamento em dez anos, quando os filhostivessem saído de casa? Será que algum dia se sentiriam realmentepróximos de novo? Ele conseguiria desistir das fantasias e vídeosocasionais que eram sua única fonte de excitação sexual?

Ele olhou para o relógio - 12h23 da manhã. Sua mentecontinuou disparada por outras preocupações, sem resolver as quejá o haviam deixado obcecado. Dinheiro. Faculdade para osmeninos. Seu filho talvez nunca conseguisse entrar. A filha precisavaentrar - bem, suas chances de casamento pareciam escassas. Eleestava até às tampas de viver cuidadosamente dentro do orçamento,de guardar vinte reais por semana para um fundo de férias, depoissacar dele para despesas inesperadas. A última vez foi a conta doencanador. Ele mesmo deveria ter sido capaz de consertaro vazamento.

Sua mente pulou de novo. O trabalho era tedioso. Um di­ploma em administração o qualificava para o nível médio de gerênciae pouco mais. Será que ele agüentaria sentar-se atrás da mesmaescrivaninha por mais vinte anos?

A essa altura, ele sabia o que iria fazer. Era uma rotina famil­iar. Agarrou o roupão e sua Bíblia. Então correu para baixo antesque as lágrimas explodissem e acordassem a esposa. Às vezes eledesejava que isso acontecesse. Seria gostoso ser cuidado, ver apreocupação da esposa, sentir a mão dela em seu ombro. Ele haviasentido isso antes. E era bom, mas nunca suficiente.

Não. Não desta vez. Ele daria um jeito. Apresentaria suaspreocupações ao Senhor; relembraria as promessas de Deus e pediriapara conhecer a Sua presença. Encontraria coragem para mover­se com confiança na confusão de seu mundo incerto e inquietante.

Ele acendeu a luz e sentou-se. Sentou-se na mesma cadeira.Como tantas vezes antes, seu pânico deu lugar às lágrimas. Elesoluçou. Caiu de joelhos e chorou até não poder mais, perguntando­se se a esposa ouvia. Se ela ouviu, não desceu ao andar inferior.

Então ele voltou à cadeira e abriu a Bíblia. Depois de ler poralguns minutos, percebeu seus pensamentos divagando até o pai.Ele ergueu os olhos da página e cedeu ao impulso suave que o

PAfS: HOMENS QUE ACREDfTAM EM NÓS 193

impelia àqueles pensamentos.As palavras lhe relampejaram pela mente, como a propaganda

numa marquise quando as luzes são ligadas. As palavras eram estas:"Papai esteve aqui!"

Ele se lembrava das histórias e imagens: uma enfermidadeque havia custado ao pai, com três filhos abaixo de dez anos, oemprego, por dois anos; a mãe muito trabalhadora, que nunca sequeixava mas sempre parecia cansada; o pai fazendo força parasorrir mas às vezes dando longas caminhadas; a família de joelhosreunida no quarto.

Ele podia ouvir a voz do pai: "Estarei trabalhando logo, meubem. Deus proverá. Então você vai poder ficar em casa."

E então o emprego veio. E o pai ganhava bem. As coisasficaram melhores, mais fáceis, mais felizes. Mas o pai ainda pareciainquieto. Ele podia sentir a tensão ocasional entre os pais. Nuncasoube o que era. Às vezes, o afeto entre eles parecia forçado.

Havia mais lembranças do pai agüentando firme: através dealgumas crises de hospitalização; através dos altos e baixos normaise dos horários malucos dos filhos; através de um período de cincoanos de telefonemas da escola, batidas na porta da polícia, e diversasaudiências no juizado; e depois, através da dor e da vergonha deseu pedido de demissão do conselho da igreja. O irmão mais velhohavia partido o coração dos pais mais vezes do que ele podia contar.Ele lembrava-se das lágrimas e das orações do pai.

A imagem do pai orando às refeições estava fixada em suamente: a cabeça inclinada, a voz suave com um tremor ocasional."Pai, faz com que continuemos a confiar na Tua bondade. Obrigadopor Tua fidelidade através de Cristo. Faz com que todos nós sejamosseguidores dEle."

As palavras relampejaram de novo: "Papai esteve aqui!" EPapai venceu. Nem sempre ele estava feliz - às vezes erasimplesmente miserável estar perto dele - mas .ele continuoutrabalhando; jamais desistiu de suas responsabilidades. E jamaisdeixou de se preocupar com seu filho pródigo.

Agora, aos setenta e quatro anos de idade, sofrendo

194 o SILÊNCIO DE ADÃO

indizivelmente com a morte recente da esposa, após meses desofrimento, ele ainda não estava disposto e animado. Mas deixavatransparecer uma calma que era mais do que resignação. Ele pareciaesperançoso: não o tempo todo, mas quando estava assim, era algopoderoso. Ele gostava de dizer: "O melhor ainda está por vir."Papai era real. Sua paixão por Cristo parecia mais forte doque nunca.

Quando ele orava, as palavras eram as mesmas, masimensuravelmente mais ricas. A cabeça inclinada, a voz suave como tremor ocasional. "Pai, faz com que continuemos a confiar naTua bondade. Obrigado por Tua fidelidade através de Cristo. Fazcom que todos nós sejamos seguidores dEle."

Ele vira o filho mais velho voltar para o Senhor após doisdivórcios, cada qual ocasionado pelo adultério do filho. E a filhinhamais nova da filha, sua única neta, havia passado por quatro cirurgiasem seus três anos de vida. Nenhuma garantia para o futuro.

Mas o pai trilhara o caminho, e ainda estava trilhando apóssete décadas. Papai vencera.

Às duas horas da manhã, ele fechou a Bíblia. Hesitou, depoismeio sem graça, inclinou a cabeça, e numa voz suave que tremialevemente, ele orou: "Pai, faz com que continuemos a confiar naTua bondade. Obrigado por Tua fidelidade através de Cristo. Fazcom que todos nós sejamos seguidores dEle."

Ele voltou para a cama e dormiu. Sem ter acordado a esposa.

* * *

Um pai piedoso transmite três mensagens ao filho:

1. "Isso pode ser feito."2. "Você não está sozinho."3. "Acredito em você."

A maioria dos homens em nossa geração jamais recebeunenhuma dessas mensagens de seus pais. Há algo faltando nas almas

PAfS: HOMENS QUE ACREDITAM EM NÓS 195

dos homens sem pais.Quando os tempos ficam difíceis, a coragem é escassa. A

escuridão parece escura demais para ser adentrada. O futuro parecenegro. Os exemplos dos pais não dão a muitos homens nenhumarazão para sonhar em se tomar homens bons, homens fortes, homensvirtuosos, homens amorosos. Talvez isso não possa ser feito, pensameles. Ninguém foi adiante de mim. Ninguém demonstrou que issopode ser feito.

Talvez desistir, transigir, permitir-se alguns momentos deprazer barato só para aliviar a dor, não sejam más idéias. Talvezfaça sentido encontrar um caminho mais largo, mais confortáveldo que o caminho estreito que tentamos trilhar. Quem realmente seimporta, afinal? O que temos a perder? Suponha que realmentecaiamos em pecado óbvio. Muita gente vai menear a cabeça e dizer:"Você ouviu o que aconteceu com o Pedro? Eu bem que desconfiavadele. Será que ele realmente conhecia o Senhor? Ele bagunçoumesmo as coisas. Ouvi dizer que a esposa dele está sofrendo muito.Eles provavelmente se divorciarão."

Ninguém se importará. Ninguém nos procurará e nos fitarácom olhos de esperança. E isso dói. Faz com que as nossas amizadesatuais signifiquem menos.

Quando um pai falha com seu filho, ele introduz batalhasadicionais na vida do filho, batalhas que o filho nunca devia ter detravar. Quando um homem nunca ouve outro homem declarar, aolongo de sua vida, que mover-se com firmeza rumo à maturidade épossível, independente do que a vida traga; que alguém sempre seimportou e sempre se importará com ele, e que alguém respeita oseu coração e sabe que ele pode vencer - o homem que nuncaouve essas afirmações experimentará, no centro de seu ser, umprofundo buraco que lateja com dor desesperadora. Falta algo quedeveria estar ali - e estaria ali se o pai tivesse desempenhado bema sua função.

Este capítulo é um chamado aos homens para fazerem duascoisas. Primeiro, enfrentarem a realidade do seu relacionamentocom seu pai. Se foi ou é uma decepção severa, admita a perda.

196 o SILÊNCIO DE ADÃO

Abrace a tristeza. Chore por ela. Não lhe passe uma demão de calcom frases que parecem cristãs: "Bem, ele fez o melhor quepodia", "Fico agradecido por não ter sido pior", "Deus deve tertido algum propósito em tudo que permitiu". Enfrente os fatosincontestáveis. Como todas as suas forças, você deseja que as coisastivessem sido diferentes. Você gostaria que fossem diferentes agora,mas não consegue pensar numa forma de fazê-las melhorar.Isso dói.

Enfrentar as coisas como elas são pode liberar a fome queestá em seu coração para conhecer seu Pai celestial, mas só se ador não degenerar em uma amargura que apenas fica ali, ignoradae incontestada. Uma percepção mais profunda do seu anseio porum pai pode alertá-lo sobre os homens em sua vida que têm sidopais para você: talvez imperfeita e incompletamente, mas aindaassim significativamente. Seu coração pode se aquecer ao lembrar­se de um avô, um tio, um pastor de jovens, um professor do colegial,um treinador esportivo. Talvez você reconheça um pai espiritualem Jeremias ou Elias ou Jó ou Pedro, homens que lutaram, quefracassaram, que se sentiram abandonados e sós, que conhecerama fidelidade de Deus através da provação e da disciplina- homenscujas vidas lhe dizem que isso pode ser feito. Mas enfrente arealidade de seu relacionamento com seu pai. Essa é a

. . .pnmeira COIsa.

Segundo, desenvolva uma visão do que você pode significarpara os outros homens, particularmente os homens mais jovensque o seguem no caminho. O vazio de não ter um pai piedoso nãoserá preenchido quando você se tornar um pai piedoso para outrapessoa; talvez torne a dor mais aguda. Mas o vazio será rodeadopor um senso de propósito. E isto lhe trará alegria: aquele tipodiferente de alegria que apóia a pessoa em seu sofrimento, em vezde pôr um fim a esse sofrimento; uma alegria estranha que maisparece uma razão para prosseguir do que as sensações boas deuma criança no Natal.

Os rapazes da faculdade podem ser mentores dos que estãono colegial. Podem sair juntos, comer uma pizza, conversar sobre

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PAIS: HOMENS QUE ACREDITAM EM NÓS 197

garotas, notas e regras, ensiná-los ajogar tênis ou consertar carrosou usar o computador. Homens com seus próprios filhos têm umaoportunidade e uma responsabilidade óbvia de transmitir amensagem tríplice da paternidade aos rebentos. Homens sem filhos(tanto os casados quanto os solteiros), e pais mais velhos que vêemos filhos adultos apenas uma vez por ano, podem todos ser paisespirituais de outros homens em suas comunidades. Este capítulo éum chamado aos homens para vislumbrarem o que podem significaraos que estão observando.

TRÊS MARCAS DE UM PAI PIEDOSO

Pai piedoso é o homem que compreende o que significa paraseus filhos, que se sente humilde pelo gozo irresistível do impactoque pode fazer por Deus e aterrorizado pelo dano que pode causar.Ele sente-se ao mesmo tempo empolgado e temeroso. Devido àsua confiança em Deus, a empolgação é maior.

Ele anela por conduzir o filho, pelo exemplo manso e poucaspalavras, rumo à masculinidade piedosa. Como a mulher se esforçapara dar à luz um bebê, assim esse homem luta para apresentar umfilho piedoso. Na agonia do seu desejo, ele é como Deus, quedeclara: "darei gritos como a que está de parto, e ao mesmo tempoofegarei e estarei esbaforido" (Is 42.14) quando antecipa corrigirtodos os erros e conquistar para si o seu povo.

Um pai piedoso é impelido adiante por seu mais alto chamadode agradar a seu Pai celestial, de tornar-se como o Filho, e deentregar-se ao Espírito. Mas o chamado de passar adiante seuconhecimento de Deus à geração seguinte também é forte. Ao seesforçar por honrar seu chamado de pai, lembrar-se de Deus e falarpara dentro da escuridão de uma forma que perpetue a lembrança,esse homem faz três coisas que o marcam como pai piedoso.

198 o SILÊNCIO DE ADÃO

Marca 1: Ele trilha um bom caminho à vista do filho,para fazer com que ele saiba: "Isso pode ser feito."

Não há nenhum senso de exibição, nenhuma pose assumidapara impressionar o filho. Ele simplesmente trilha o caminho queDeus estabelece para ele, porque confia em Deus. Mesmo quandonão há nenhuma evidência para respaldar essa crença, ele se agarraao que sabe ser verdade sobre Deus. Ele ouviu Deus falar atravésde sua Palavra, e acredita no que Deus disse.

O pai piedoso é um homem de fé cujas tristezas, emboraprofundas e permanentes, não eliminam a alegria (pelo menos nãopor muito tempo), cujos fracassos nunca são usados para justificara agressividade, cujas lutas, que o tentam a desistir, nunca odominam. Sem ele saber, o semblante do pai piedoso brilha de vezem quando. Não são muitos os que vêem isso, mas alguns ficamfascinados pelo brilho de sua paixão por Cristo, uma paixão quereduz os que observam a respeitoso temor.

Quando ele descobre que sua vida tem encorajadoprofundamente seu filho a trilhar o mesmo caminho, fica surpreso- e grato. Ele é pego desprevenido quando as pessoas falamcalidamente de sua influência. Está tão consumido pela glória deCristo que não percebeu que um pouco dela se transferiu para si.

O pai piedoso não finge. A vida é difícil e ele o sabe. Osespinhos e cardos o perfuram, às vezes arrancando sangue, e aservas daninhas o frustram. Viver fora do Jardim é freqüentementedifícil e ocasionalmente terrível. Aqueles que o observam sabemque ele luta.

Às vezes ele está mais consciente de fracasso do que decrescimento. Pergunte a um homem amadurecido se é amadurecido,e ele mudará desajeitadamente de assunto. Quando ele reflete sobresi, com certeza fica espantado por Deus deleitar-se nele eentristecido por ter custado a Deus Seu Filho para tornarisso possível.

O pai piedoso é um contador de histórias. Ele ensina, mas,mais através de histórias, do que de sermões. Ele sabe que lições

PAIS: HOMENS QUE ACREDITAM EM NÓS 199

envoltas em histórias penetram mais profundamente e permanecemmais tempo. Ele conta histórias dos seus sonhos de infância quederam lugar à dura realidade da vida adulta.

Ouça uma história que meu pai me contou num carta recente:

Uma lembrança é extremamente vívida. Era meudécimo segundo aniversário. Eu estava impressionadocom o advento da adolescência. Treze parecia tãoamadurecido; afinal, o próximo passo era vinte. E euhavia conhecido alguns sujeitos que se casaram comvinte anos.

Sentei-me com Mamãe na varanda dos fundosde uma esplêndida mansão em Chestnut Hill. Tia Lilyera governanta ali e tinha permissão de deixar Mamãepassar o verão lá enquanto a "realeza" viajava pelaEuropa. Eu estava tentando contar a Mamãe comotomaria conta dela quando crescesse. Morávamos nacasa da rua Baynton naquela época, e eu estava vendoMamãe na mansão na qual estávamos no momento,sendo eu o provedor. Como disse o poeta: HEraignorância infantil, mas, oh, o que parecia ser. "

A vida é bem assim: os sonhos se desvanecemquando a dura realidade sobrevém.

Essa história de meu pai me fez saber que ele certa vez tevesonhos, exatamente como eu. Alguns de seus sonhos mais carosforam destruídos, mas ele ainda busca a Deus e vive fielmente.

Pais piedosos contam outras histórias: de nobres sonhos quese realizaram, de vitórias e derrotas, da mão de Deus em suas vidas,daquelas poucas vezes em que um vislumbre de Deus os cegoupara tudo o mais, daquelas muitas vezes em que a vida simplesmenteparecia difícil demais.

Como um homem mais moço pode ver - ao ouvir taishistórias - o homem mais velho trilhar o caminho, o mais jovemcomeça a perceber que cada urna de suas próprias lutas já foi

200 o SILÊNCIO DE ADÃO

enfrentada antes. Ele sente uma esperança cálida banhando sua almaabatida, animando-o com força e coragem renovadas.

"Isso pode ser feito!" brada o homem jovem. "Ele o fez.Olhe para ele. Ele enfrentou tudo o que enfrento, suportou o mesmomedo e sofrimento e fracasso, fez as mesmas perguntas e ouviu omesmo silêncio que me enfurece. E ainda confia em Deus. Eleconseguiu. Pode ser feito.:"

Marca 2: Ele se volta de vez em quando e olha parao filho para fazer-lhe saber: "Você não está sozinho."

o pai piedoso trilha o bom caminho, sabendo que seu filhoestá caminhando trinta anos atrás de si. O filho observa por trás e,sem dialogar com o pai, ouve a mensagem: isto pode ser feito.

De quando em quando, num cronograma que parecefrustradoramente aleatório e totalmente imprevisível, o bom paipára, volta-se, e fita seu filho. Até que ele se volte, o filho sente adistância entre si e o pai: não uma distância fria, árida mas mesmoassim uma distância. Ele anela por ouvir mais do pai do que amensagem dada por seu exemplo, a mensagem de que realmente épossível permanecer fiel ao chamado que recebeu como homem.Ele quer sentir-se ligado, ouvido, levado em conta. Ele anela porsaber que o homem que o aplaudiu na competição de judô naadolescência e levantou-se orgulhosamente para aplaudir na suaformatura de faculdade ainda está envolvido, ainda está interessado,

"Há um grande perigo aqui. Os filhos freqüentemente acreditam que não podem se

tornar melhores do que seus pais. Todo pai que "venceu" falhou de alguma maneira.

Somente o Homem Perfeito venceu plenamente. Nosso chamado é o de nos

assemelharmos a Ele, não aos nossos pais terrenos. E Deus dá poder para nos tornarmos

como Cristo mesmo de maneiras que nossos pais nunca conseguiram. Nunca permita

que um pai limite sua visão para si mesmo.

PAIS: HOMENS QUE ACREDiTAM EM NÓS 201

ainda traz o filho no coração. Significa muito para o filho adultoperceber que o pai está de joelhos diante do trono, mencionando onome do filho, e saber que o pai sente a dor de toda luta - e ogozo de toda vitória - na vida do filho.

Quando o pai se volta, o filho recebe um olhar que apaga"toda dúvida: "Papai ainda se importa. Não estou sozinho!"

O pai piedoso se volta para o filho - talvez numa carta, numtelefonema, numa visita - não para instruir ou admoestar. Há umahora e um lugar para esse tipo de comunicação, mas o propósitocentral do pai é ouvir. Quando se volta, ele não fala, convida. Mesmoaquelas cartas nas quais o pai não consegue resistir a uma palavrade conselho oferecem mais do que impõem recomendação. Elerespeita o enorme direito e responsabilidade do filho de fazer suaspróprias escolhas.

Quando seus olhos se encontram, mesmo antes de falar ofilho se sente ouvido. Talvez seu pai se voltasse naquele momento,e não antes, porque ele percebeu que o filho precisava falar. OEspírito de Deus muitas vezes traz o filho à mente de um paiamoroso, que então apanha o telefone. Lembro-me - e sinto aslágrimas aflorando quando o faço - da noite em que meu paitelefonou e disse: "Eu não conseguia tirar você da cabeça ontem ànoite. Achei que Deus estava mantendo você ali. Alguma coisaacontecendo pela qual eu possa orar?"

Um pai piedoso pensa freqüentemente sobre o filho. De vezem quando o pensamento vem com uma força que o faz parar evoltar-se. E quando se volta, ele se inclina para o filho, colocandoo ouvido perto da boca do filho como que a dizer: "Não queroperder nenhuma palavra do que você diz."

É exatamente o que Deus faz com seus filhos que se lembramdEle. ro SENHOR atentava e ouvia" (MI 3.16). Ele ouviu umavoz que lhe chamou a atenção, e então inclinou-se para ouvir. Esseé o significado de "atentava e ouvia ".

Sua mensagem ao voltar-se é clara: "Você não está nuncalonge do meu pensamento e está sempre no meu coração. Estoucoru você. Você não está sozinho!" O pai piedoso dá uma amostra

202 o SiLÊNCIO DE ADÃO

do Pai celestial que sempre ouve, o Deus que reúne todas as lágrimasnum frasco, guardando-as até o dia em que revelará Seu bompropósito contido em cada provação que Ele poderia ter impedido.

A mensagem do pai piedoso é ouvida pelo filho: "Você nãoestá sozinho. Estou ouvindo. Ouço a sua dor. Eu nunca lhe conteios detalhes das minhas batalhas com a lascívia, cobiça e orgulho, evocê nunca me contou as suas. Mas sei que elas estão aí. Nada mechocaria. Eu também sou homem. E nada coloca você além doalcance do amor de Deus. Sua graça é tão maior do que o nossopecado, quanto a terra é maior do que um grão de areia. Somosambos homens decaídos que ainda não foram livrados da presençado pecado. Sei que a vida é dura, às vezes apavorante, muitas vezesindizivelmente dolorosa. Eu sofro com você quando você sepreocupa com problemas de dinheiro, decepções na carreira,problemas na família. Sinto o peso de suas perguntas e orações nãorespondidas; conheço a escuridão que você sempre enfrenta. Massei o que Deus prometeu fazer. Portanto posso ouvir sobre os seusproblemas sem cair aos pedaços ou precisar salvá-lo. Em suasalegrias e tristezas, eu lhe dou a minha presença. Estou com você!"

Essa é a mensagem do olhar desse pai. Em resposta, o filhosente-se inclinado a falar. Ele não conta tudo - é melhorcompartilhar alguns segredos com irmãos - mas aquilo que eleconta é ouvido. Nada significa tanto para um homem que estálutando quanto saber que alguém que se importa está consigo, nãoexigindo reconhecimento e apreciação mas simplesmente querendoestar ali para se importar e ser disponível, atencioso e acolhedor.Ao falar ao pai que o ouve, ele encontra coragem para se adiantarmais ao longo do caminho escuro à sua frente, sabendo que o paijáesteve ali e está consigo agora.

PAIS: HOMENS QUE ACREDITAM EM NÓS 203

Marca 3: Ele retoma sua caminhada rumo a Deus, confiandoem Deus para orientar seu filho a segui-lo, dizendo com isso:"Acredito em você."

o pai piedoso não passa todo o seu tempo ouvindo o filho.Nosso Grande Sumo Sacerdote pode fazer isso., mas o paihumano não - e nem deve. Se ele ouvir demais ou se envolverdemais nas preocupações do filho., oferecerá ajuda demais ou setornará desanimado., cínico ou zangado. Ele pode mandardinheiro que livraria o filho de uma oportunidade difícil decrescimento, ou frustrado, daria conselhos que levariam a umaluta pelo poder: "É melhor você fazer o que estou dizendo, ourealmente vai bagunçar as coisas!"

Pais piedosos têm coisa mais importante para fazer do queouvir seus filhos. Por breves temporadas, ouvir pode tornar-seuma prioridade principal. Mas o padrão da vida do pai precisarefletirseu compromisso de permanecer no caminho estreito, quer ofilho o esteja seguindo, quer não.

Lembro-me de ter dito a um de meus filhos, durante umperíodo difícil: "Você pode partir o meu coração, mas não podedestruir a minha vida. Seguirei a Cristo independente do quevocê fizer. Minha vida está escondida em Cristo. Você éimportante mas não é poderoso."

Quando o pai piedoso retoma a sua caminhada e faz dessacaminhada seu padrão característico, ele coloca o filho no devidolugar. Ele tira o filho da posição insuportável de ser o centro davida do pai. O filho, liberto de um fardo que não pode administrare do qual eventualmente se ressente, é então mais capaz de daralegremente ao pai aquilo que possui e é capaz de dar.

Quando o pai dá as costas ao filho, quebrando o contatoolho a olho para de novo fixar os olhos em Jesus, o filho sabeque ele não lhe está dando as costas com rejeição ou indiferença.Somente a perspectiva de conhecer melhor a Deus poderia levaro pai a voltar-se em outra direção. O pai piedoso sabe que o

204 o SILÊNCIO DE ADÃO

filho está em boas mãos, mãos mais poderosas do que as suas, eaprende a descansar.

a pai que descansa significa muito para o filho. Paispreocupados transmitem a expectativa de que os filhos encontrarãoalguma forma de bagunçar a vida. Pais tranqüilos comunicam queos filhos são responsáveis pelas escolhas que fizerem diante deDeus, um Deus que moverá céus e terra para ganhá-los à obediência.

A vida do pai piedoso demonstra a primeira mensagem: queé possível, não importa o que a vida traga, seguir a Cristo. Suapresença assegura ao filho que ele não está sozinho. Alguém seimporta. Essa é a segunda mensagem. E sua recusa em pairar sobre- ficar muito de olho nas coisas e carregar ° filho quando eledeveria encontrar forças para caminhar pelos próprios pés ­comunica a terceira mensagem: que ele acredita no filho. Ele aceitao filho como um indivíduo: responsável por suas escolhas, e, pelagraça de Deus, capaz de fazer boas escolhas; capaz de se levantarapós cair.

"Isso pode ser feito.""Você não está sozinho.""Acredito em você."

Nenhum homem ouviu essas mensagens tão clara oucontinuamente quanto deseja. Pais piedosos às vezes falham; elesocasionalmente se intrometem, dependem demais dos filhos, ou setornam tão preocupados com suas próprias lutas quejá não ouvembem. Freqüentemente, eles se preocupam. Suas perguntastransmitem uma falta de confiança na capacidade dos filhos devencerem.

Precisamos não exigir perfeição de nossos pais. Antes,precisamos procurar padrões. Precisamos aprender a apreciar paisimperfeitos mas piedosos que conseguem voltar ao bom caminho,que demonstram seu cuidado genuinamente (mesmo que com menorfreqüência do que desejamos), e que sabem algo sobre descansarna soberania de um Deus bondoso.

PAIS: HOMENS QUE ACREDITAM EM NÓS 205

A triste verdade, claro, é que a maioria dos homens não tempais piedosos. Pouquíssimos homens conseguem apontar umhomem mais velho em suas vidas que tenha comunicadopoderosamente essas três mensagens. A maioria ouviu trêsmensagens muito diferentes berradas em seus ouvidos:

1. "É difícil demais viver como Deus exige. Um pouco detransigência, um pouco de alívio com o qual eu possa contar,alguma possibilidade de fazer o que me faz sentir bem a meurespeito agora, são necessários. Uma vida verdadeiramentepiedosa? Isso não pode ser feito. "

2. "Claro que me importo com você. Tudo bem, e daí se eunão ouço tão bem assim. Ora, tenho meus próprios problemas.Parece que você deveria ser grato por tudo o que fiz quandovocê era criança. Talvez seja a minha vez agora de receberum pouco de atenção. Eu realmente não me importo

~ "com voce.

3. "Olhe, a vida não está ficando nem um pouco mais fácil,sabe? Você tem alguma idéia do que é ficar velho? Bem, algumdia vai descobrir. Estou fazendo o melhor que posso. Sei quenão é tão bom. Mas duvido que você vá se sair muito melhor. "

o filho de trinta e quatro anos de um próspero empresárioaproximou-se do leito de morte do pai. As últimas palavras queouviu dos lábios do pai foram estas: "Deixei a minha firma paravocê no testamento. Se eu tivesse tido outro filho, deixaria paraele. Você é quem manda agora. Minha previsão é que você levarácerca de um ano para destruir tudo que levei a vida todapara construir." .

Aquele filho teve muita dificuldade para encontrar a coragemde continuar. Ele lutou contra depressão, gastou o dinheirotolamente, e bebeu demais. Algo vital estava faltando em seucoração, algo que o pai poderia ter colocado ali.

206 o SILÊNCIO DE ADÃO

o pai foi o culpado dos fracassos do filho? Não. Seu PaiCelestial havia providenciado tudo de que ele precisava para viveruma vida fiel, responsável.

Mas aquele rapaz travou batalhas que nunca devia terprecisado travar. No julgamento final, ele talvez receba um galardãomaior por sua luta de toda a vida contra a bebida do que eu recebereipor tudo o que ensinei, aconselhei e escrevi.

Confronte a realidade de seu relacionamento com seu pai.Confronte-o honestamente. Sofra com o que está faltando. Sinta aira provocada pela dor da negligência. Regozije-se com tudo quefor bom. Ouça as mensagens que a vida de seu pai transmitiu.

Então agarre-se com seu Pai celestial. Observe o Filho andarperfeitamente no caminho estreito, e saiba que a vida dEle está emvocê, capacitando-o a crescer em obediência e a nunca desistir.Imagine nosso Grande Sumo Sacerdote ouvindo, toda vez queinvocamos seu nome, depois inclinando-se para ouvir toda palavra,todo suspiro, todo grito. Veja Ele ascender ao céus, com a confiançade que seus seguidores O seguirão, sabendo que Ele fará tudo oque for necessário para continuar nos atraindo até estarmos comEle. E procure alguém - talvez um homem mais velho, quieto, desua igreja, a quem você mal notou anteriormente - cujas vidas lhedizem que isso pode ser feito, que você não está sozinho, que elesacreditam em você.

Depois resolva tomar-se um desses homens que suavementefalam mensagens boas para os homens mais jovens que os seguemno caminho. Conte o preço de tomar-se um homem desses - éenorme. Mas valorize o privilégio e antegoze a alegria. Não hánenhum chamado mais elevado do que representar Deus a alguémvivendo a vida de um pai espiritual diante dele. Torne-se umnresbítero.

Irmãos: HomensQue Compartilham

Segredos

A conteceu hámuito tempo. Porque a lembrança ainda disparavapela periferia da mente, como um rato infestado de germes

roçando pelos rodapés de uma casa que, no mais, estava limpa?A tentação aindaestava ali. Não o tempo todo, naturalmente;

às vezes totalmente ausente. Mas ele tinha aquela impressão cadavezmaiorque a qualquer momento o desejo podiasurgir como ummonstro saindo do mar, agarrá-lo pela garganta e subjugá-lo.

Começou quando ele tinha onzeanos, a primeira vez que foia um acampamento. Talvez fosse o vaziocriado pelas saudades decasa que o deixaram tão pronto.

Seu amiguinho - de treze anos, já musculoso, ótimo atleta,do tipo acampante-da-semana - encontrou-o primeiro: um buracona parede de uma das cabanas das meninas. Umacurtacaminhadapelo meio do mato, e uma cerca facilmente transposta eram asúnicas coisas que separavam o acampamento dos meninose o das meninas.

Ele nuncasentiranada comoaquilo. Pulando ajanela depoisde apagadas as luzes, esgueirando-se como uma unidade especialde comando através domato, subindo silenciosamente atéo buraco.

208 o SILENCIO DE ADÃO

E depois olhando: um olho fechado, um olho aberto -bem aberto.A conselheira do acampamento das meninas deixava que elasficassem com as luzes acesas depois do toque de recolher.

Será que aquelas poucas noites deram início a uma obsessão?Por que o desejo era tão forte, o prazer tão compulsivo e tãosatisfatório que parecia uma parte irresistível da sua constituiçãomesmo agora, anos mais tarde?

Naquela mesma semana no acampamento, eledera a vida aCristo. E foi real. Seus pais, que oravam por ele, vibraram. Ninguémsoube o que mais havia começado durante aqueles dias.

Desde então, a batalha tinha sido feroz. Durante aadolescência, houve alguns filmes que ele nunca deveria ter visto,filmes dos quais ainda não conseguia se esquecer. E houve algunsmais quando ele estava com vinte e poucos anos. Depois houveaquela visita tarde da noite ao clube "adulto".

Os filmes, ele conseguia admitir; até espiar pelo buraco,parecia mais travesso do que sério. Mas duas horas num lugar comoaquele clube. O pessoal alinhado, amistoso; um ambiente denormalidade que lhe acalmou a consciência até ele sair pela portalogo antes da meia-noite.

Isso fora há oito anos, quando ele estava com vinte e nove ecasado, com dois filhinhos, e ele e a esposa eram co-patrocinadoresdo grupo de j avens da igreja. Agora ele estava com trinta e seteanos, e os dois filhos faziam parte do grupo de jovens que ele aindadirigia. A maravilhosa surpresa da família - uma meninazinha­estava agora com seis anos. Como presidente do comitê de missões,ele havia dirigido duas recentes viagens missionárias à Europa ori­ental; a última viagem incluiu toda a família. Sua vida parecia umacamisa branca, com uma mancha de alimento coberta por umagravata cuidadosamente posicionada.

Havia horas em que a idéia de se abandonar àqueles antigosprazeres proibidos parecia prometer algo que nada mais podiaoferecer, inclusive sua fé - não, especialmente sua fé. A simplesidéia de viver suas fantasias podia aliviar um terror dentro de si.Ela colocava uma tampa no buraco sem fundo que estava sempre

t

I

fRMÃOS: HOMENS QUE COMPARTILHAM SEGREDOS 209

ali, esperando com poder sinistro para um dia sugá-lo em suasprofundezas. Às vezes, os prazeres do pecado pareciam seu únicomeio de sobrevivência, sua única esperança de alegria.

O caminho de casa para o trabalho o levava a três quarteirõesdaquele mesmo clube. Apenas algumas poucas vezes em todosaqueles anos ele havia saído fora da sua rota para passar por ele.Uma vez, ele diminuíra a velocidade. Mas nunca chegara aestacionar o carro, quanto mais descer e entrar lá.

Em seus pensamentos, ele havia gozado os prazeres acessíveisdentro daquele prédio mil vezes. E se odiava por isso. Toda vezque a lembrança se tornava uma imagem focalizada, ele se sentiavulgar, sujo, fraco - mas estranhamente vivo. Mesmo quando alembrança estava apagada, ainda estava ali, querendo capturarsua mente.

Ninguém sabia. Alguns anos antes, em seu grupo de homens,ele admitira ter um problema com a lascívia. Cada sujeito ali ouviucom simpatia, mas com o mesmo nível de interesse que a confissãode uma masturbação ocasional poderia ter suscitado.

Ele queria contar a alguém a horrível verdade com detalhessuficientes para deixar claro que seu pecado era grande, queentregar-se a ele parecia o portal do Paraíso. Mas a quem ele poderiacontar? À esposa? Não! Ele não tinha certeza do motivo, mas não.Seu pai? Outro claro não. Parecia impróprio.

Dois presbíteros nomeados na igreja destacavam-se hem maisdo que apenas administradores do ministério. Ambos eram bonshomens. E piedosos também - mas de uma maneira convencional.Eles pareciam mais estáveis do que vivos. Ele podia imaginar suareação: sincera preocupação, promessas de orar, mas nenhumacompanhamento, exceto talvez por um ocasional "Corno está indoa luta? Ainda estou orando por você".

Seus três amigos mais íntimos faziam piadas demais sobrecoisas sexuais. Ele se ressentia disso. Recusava-se a correr o riscode tornar-se o objeto de seu humor irreverente.

Stan. O nome nunca lhe ocorrera antes como um confidenteem potencial. Ele o conhecia razoavelmente bem. Os dois haviam

210 o SILÊNCIO oe ADÃO

almoçado juntos algumas vezes, passado mais de um ano no mesmogrupo de estudo bíblico, e compartilhado uma noite de longaconversa. Stan. Preocupado, apaixonado, lutando, determinado,nunca irreverente - engraçado, mas nunca irreverente! A mesmaidade, talvez um ano mais moço.

Ele levou oito meses. Finalmente conseguiu. Ele contou seusegredo a Stan. Nenhum detalhe escabroso, mas uma confissãoclara de pecado e terror reais.

Stan ouviu. Algumas perguntas, mas nenhuma que encorajassecoisas específicas desnecessárias. E nem uma palavra ou expressãofacial que transmitisse respeito diminuído. Sua conversa pareceulimpa, dignificada, importante. Stan não ofereceu conselho algum,não fez nenhuma tentativa de interpretar ou explicar a luta, nãotrivializou nenhuma verdade. Ele falou mais sobre uma visão: decomo a vida de ambos poderia ser em um ano - em dez anos - àmedida que o Espírito de Deus fosse vencendo. A visão não foitransmitida com um espírito de "Olhe, relaxe! Você vai estar bem!"mas mais com um sentimento de "Pense no que poderia ser. Não.desanime. Isso vale qualquer preço." E ele se ofereceu paraconversar mais.

Isso fora cerca de um ano antes. A luta continuou. O mostrocontinuava de tocaia nas profundezas. Mas ele se sentia mais limpo,mais esperançoso, capturado por um poder maior que o chamava aalgo mais elevado.

Uma vez desde então, ele havia passado pelo clube. Queriaentrar. Por um momento, entrar parecia sua única esperança desentir-se vivo. Mas agora o pensamento de resistir ao impulso, denão entrar, de trancar a fantasia do que estava lá dentro, pareciaimportante, às vezes até compulsivo; dar as costas a esses prazereso fazia sentir-se parte de algo maior. Antes, dizer não ao pecado,parecia apenas obedecer a uma ordem, algo que fazia para evitar acensura, como dirigir dentro do limite de velocidade quando umcarro-patrulha aparece no seu espelho retrovisor.

Stan lhe telefonara três vezes naquele ano desde queconversaram. Duas vezes ele telefonara a Stan. Eles se encontraram

IRMÃOS: HOMENS QUE COMPARTILHAM SEGREDOS 211

em particular apenas uma vez, para um longo café da manhã desábado. Falaram sobre Cristo, visão, poder; apenas um pouco sobrelutar contra o pecado. Eles ainda estavam no mesmo grupo deestudo bíblico. Durante as noites em que o grupo se reunia, elesriam juntos, trocavam histórias de trabalho durante o lanche,trocavam brincadeiras confortavelmente, e às vezes discutiam apassagem que o grupo acabara de estudar. Eles se misturavamnaturalmente com os outros. Nenhum dos dois sentia pressão parase isolar num canto.

Ele começou a sentir-se um pouco mais confortável com apalavra vitória. Ela agora não continha nenhum traço -decomplacência, nenhum pensamento de ter amadurecido além daapavorante realidade da dependência. Vitória agora significavaesperança, propósito, e movimento rumo a uma visão irresistível,

Ele se sentia mais presente com a esposa durante suastemporadas de conflito. Estava mais consciente de ter algo parapassar aos filhos, e mais ansioso por fazê-lo. Estava mais famintopor Deus e sentia mais paixão pela vida. As tentações sexuais,embora ainda fortes, pareciam menos ameaçadoras do que o buraconegro que ainda podia puxá-lo a suas profundezas sem sentido. E oterror do buraco negro parecia, às vezes, menos poderoso do quesua fome de conhecer a Cristo.

Toda vez que ele ouvia alguém dizer a palavra irmão, Stansempre lhe vinha à mente.

* * *

Os pais encorajam ao mostrar o caminho, ao caminhar adiantede nós na senda. Os irmãos encorajam ao compartilhar nossas lutas,ao caminhar conosco.

Num estudo informal de quatro mil homens, um em cada dezdeclarou que havia, em sua vida, alguém a quem ele olhava comopai. Apenas um punhadinho de homens conhece o encorajamentode outro homem cuja vida proclama: "Isso pode ser feito. Vocênão está sozinho. Acredito em você."

212 o SILÊNCIO DE ADÃO

A mesma pesquisa indicou que um homem em cada quatrotinha um irmão: não apenas outro rebento masculino dos mesmospais mas um par com quem não sentia vergonha alguma.

Se essa pesquisa for correta, noventa homens em cada cemnão têm pai, homens sem um mentor. Setenta e cinco desses mesmoscem não têm nenhum irmão. São homens que vivem com segredos.

Os segredos vêm em diversas espécies. Há segredosenvolvendo eventos especíjicos, lembranças de coisas que os outrosnos fizeram, ou coisas que nós mesmos fizemos. Há realidadesinternas secretas: impulsos, interesses, lutas, motivos, pensamentos,crenças ou sentimentos que consideramos inaceitáveis, que achamosque estragariam qualquer relacionamento no qual fossemconhecidos. Às vezes as coisas que escondemos são impressõesvagas mas poderosas, geralmente envolvendo uma sensaçãoanônima mas apavorante de nossa própria indignidade, umasensação que - tememos - os outros confirmariam se lhes fossedada a oportunidade.

Os segredos têm três efeitos principais:

1. Eles enfraquecem a coragem.2. Eles isolam seus guardadores da comunidade.3. Eles corroem uma sensação legítima de confiança pessoal.

Para entender o dano letal criado por esses efeitos, lembre­se da definição tríplice de masculinidade:

Os homens são chamados para:

1. Olhar profundamente para dentro do mistério, paraenfrentar honestamente a confusão não solucionada da vida.2. Lembrar-se do caráter e dos atos de Deus, para ver ahistória invisível de Deus revelada nas Escrituras e noseventos de nossas vidas.3. Adentrar o caos da vida, com o poder de restaurar aordem e liberar a beleza.

IRMÃOS: HOMENS QUE COMPARTILHAM SEGREDOS 213

Os três efeitos de guardar segredos apresentarão obstáculossubstanciais aos homens que anseiam por honrar seu chamadotríplice. Permita-me explicar.

Efeito 1: Os segredos enfraquecem a coragem, diminuindoas probabilidades de os homens olharem profundamentepara dentro do mistério.

Todo homem questiona se tem o que é necessário parasobreviver ao desafio de olhar honestamente a vida. Os homenscom.segredos estão convencidos de não ter.

Em conversas consigo mesmos - que às vezes não ouvemconscientemente - os homens com segredos se perguntam: "Comoum homem como eu poderia enfrentar os verdadeiros desafios davida? Como eu poderia entrar na confusão dos relacionamentos eme agüentar ali com o poder de fazer o bem, quando sei comorealmente sou? Minha única esperança é ficar tão longe daquiloque não consigo enfrentar que nunca seja exposto como o homeminadequado que sou. O melhor que posso fazer é encontrar algoque eu possa fazer bem e dedicar-lhe todas as minhas energias."

Os homens que guardam segredos vivem apavorados ante aperspectiva da revelação. Mas outra coisa os aterroriza mais. Omedo menor - revelação de algo que eles sabem mas que ninguémmais sabe - às vezes os protege de ter de enfrentar o medo maior.Como o homem tão preocupado com o tornozelo torcido que nãonota a dor no peito, os homens podem focalizar a atenção no queestão escondendo a fim de não terem de enfrentar algo muito pior.

Quando o homem conta seus segredos, sua primeira reaçãoé freqüentemente de alívio. Mas logo ele se conscientiza de ummedo mais profundo. Os homens sem segredos vêem muito maisdistintamente a natureza apavorante da existência, sua profundaincontrolabilidade, e se~ poder de destruir todo sonho. Quandoultrapassamos os nossos segredos, aos quais estamos agarrados,eles parecem triviais à luz do que então começamos a enfrentar.

214 o SILÊNCIO DE ADÃO

Lentamente (às vezes demora anos) nos conscientizamos de umburaco negro escancarado que ameaça tragar-nos em suasprofundezas. As pressões cotidianas da vida - contas por pagar,filhos rebeldes, conflitos relacionais - parecem apenas a ponta deum icebergue. Algo mais está de tocaia por baixo, uma força sinistraque está providenciando para que nossas vidas desabem ao nossoredor e nos deixem na miséria, sozinhos, sem nenhuma esperançade escape.

Guardar segredos é covardia. Isso ajuda a nos manterafastados do desafio muito mais significativo que confronta todohomem, que é olhar para dentro da escuridão de uma vida que nãofaz sentido e, nessa escuridão, mover-se com alegria. Os homensque guardam segredos jamais encontram a coragem de olhar parao mistério da vida. Eles não estão à altura do primeiro elemento dochamado à masculinidade.

Efeito 2: Os segredos encorajam o isolamento, dificultandover a mão de Deus na comunidade e, portanto, dando aoshomens menos do que se lembrar.

o isolamento é talvez o efeito mais óbvio de guardar segredos.Sentimo-nos sozinhos, desligados, fora, como estranhos numa turmaà qual queremos pertencer. Os segredos criam distância.

Quando eu era adolescente, sofri de um caso severo de acneno peito. Por mais de um ano, coloquei gaze com remédio sobreuma ferida aberta que tinha o formato de um retângulo de talvezdez por quinze centímetros. Ninguém fora da minha família (excetoo médico que me tratava) conhecia o segredo que eu mantinhaescondido por baixo da camisa. Antes e depois da aula de ginástica,eu me trocava rapidamente, de frente para a parede enquantoabotoava a camisa. Nunca tomei banho na escola.

Fiz o que foi preciso para manter o meu segredo. E essatarefa era muito mais significativa para mim do que envolver-me

IRMÃOS: HOMENS QUE COMPARTILHAM SEGREDOS 215

estar escondendo algo que - se descoberto - me colocaria àparte como diferente, desfigurado, difícil de desfrutar. Eu jamaisrelaxava o suficiente para envolver-me em comunidade com adespreocupação e naturalidade que anelava sentir.

Algo semelhante acontece com todo homem que guardasegredos, que vive para evitar a revelação daquilo que ele temeque o marque como um intruso. O que ele teme lhe sobrevém. Elese encontra sozinho, isolado da comunidade na qual foi projetadopara entrar.

E isso acontece não apenas na comunidade com as pessoas.Acontece comrelação a Deus.

A graça possibilita colocar-nos desembaraçadamente napresença de Deus. Ela restaura o sonho de pertencer ao lugar a quemais se deseja pertencer. Mas os homens que guardam segredosnunca concretizam essa oportunidade. Qualquer que possa vir aser a sua postura externa, seu homem interior está sempre olhandopara baixo, longe da possibilidade de contato com os olhos dequalquer pessoa, especialmente os de Deus.

a efeito é sério. Não somente os guardadores de segredossentem que alguma parte de si permanece desligada durante asconversas rotineiras, como quando o tópico se volta para coisasespirituais, esses homens se sentem mais como bisbilhoteiros doque participantes, como o garoto com o rosto comprimido contraa vitrina de uma confeitaria fechada. Pouco conforto eles recebemde pensamentos sobre Deus. Nem oração nem estudo bíblico fazemconexão com a fome em seu íntimo.

Esquecer-se de Deus torna-se um modo de vida, tão naturale tão necessário quanto respirar. Lembrar-se de Deus, pensar sobreEle, falar com os outros sobre Ele, parece difícil e forçado.Pensamentos sexuais ou discussões sobre o último jogo de futebolse ligam muito mais poderosamente com algo lá dentro. E manterDeus fora de nossas mentes facilita bastante gozar nossospecados secretos.

Homens com segredos não se lembram de Deus da maneiracomo Ele deseja ser lembrado. Deixam, portanto, de manter viva a

216 o SILÊNCIO DE ADÃO

lembrança ou passá-la adiante aos outros. Eles não estão à alturada segunda parte de seu chamado para serem homens.

Efeito 3: Os segredos corroem a confiança, roubandoaos homens a alegre participação de se mover compoder para restaurar a ordem e liberar a beleza nacomunidade que os cerca.

Este terceiro efeito de guardar segredos dificulta para oshomens até mesmo se imaginar adentrando poderosamente a vidade outra pessoa.

Entre suas virtudes inigualáveis, o evangelho "purificará anossa consciência de obras mortas" (Hb 9.14). Ele tem o poderde silenciar nossos acusadores, fechar a boca daquele que se deleitaem nos relembrar os fracassos que mais gostaríamos de esquecer.Uma consciência pesada brada uma mensagem destrutiva quedificulta ouvir o Espírito sussurrar Sua mensagem vitalizadora:"Você pertence a Cristo. Tão completamente estão perdoados osseus pecados que o Pai não consegue lembrar-se deles. Eu vimresidir dentro de você a fim de lhe dar poder para tornar-sesemelhante ao Filho e promover os propósitos do Pai. Regozije-se.Você tem razão para cantar."

Guardadores de segredos ouvem uma mensagem muitodiferente, que às vezes pensam estar vindo do Espírito: "Você aindaé uma bagunça. Deveria estar muito mais adiantado a esta altura.Estou quase desgostoso o suficiente para desistir de você. A únicaevidência de criatividade em sua vida é sua capacidade de descobrirnovas maneiras de fracassar."

Com essa mensagem retinindo em seus ouvidos, esses homensrecusam mover-se para qualquer lugar sem um código, sem algumplano fácil de seguir que promete sucesso. Eles se refugiamteimosamente na esfera de administração, determinados a ficar longedo mistério, confiantes apenas em sua percepção de que não têmsabedoria para enfrentar os desafios profundos da vida.

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IRMÃOS: HOMENS QUE COMPARTILHAM SEGREDOS 217

Homens com segredos não adentram o mistério dosrelacionamentos. Eles não vêem razão para isso. Apenas levaria ao "<.

fracasso. Eles, portanto, não estão à altura do terceiro elementodochamado dos homens.

COMPARTILHANDO SEGREDOSCOM UM IRMÃO

Homens com segredos não podem vivenciar seu chamado.Nenhum homem deveria viver no isolamento da vergonha. A Bíbliaé clara: devemos confessar nossos pecados uns aos outros. Essainstrução é acompanhada do lembrete de que H muito pode, porsua eficácia, a súplica do justo" (Tg 5.16).

Note que Tiago diz umjusto, não justos. Talvez ele estejanos encorajando a confessar nossas faltas a indivíduos, nãonecessariamente a grupos. Seja ou não isso que a passagem sugere,a maioria concordaria que abertura indiscriminada não é uma boacoisa. Mas é uma boa coisa encontrar um homem com quem vocêpossa abrir-se totalmente, alguém com quem você possa andar ladoa lado na sua jornada rumo ao lar, sem nenhum segredoentre os dois.

Não há, naturalmente, nenhum segredo com Deus. "E nãohá criatura que não seja manifesta na suapresença; pelo contrário,todas as cousas estão descobertas e patentes aos olhos daquele aquem temos de prestar contas" (Hb 4.13). E somos convidados,mesmo com cada segredo totalmente exposto a Deus, a aproximar­nos dele "confiadamente...a fim de recebermos misericórdia eacharmos graça para socorro na ocasião oportuna" (Hb 4.16).

E o fato de que a graça de Deus o libera para nos aceitar,embora em nós mesmos sejamos inaceitáveis, deve afetar a maneiracomo nos relacionamos na comunidade cristã. O corpo de Cristodeve refletir fielmente o caráter de Cristo.

Algo acontece dentro do homem quando dá a conhecer aoutro homem aquilo que é menos atraente sobre si. Quando

218 o SfLÊNClO DE ADÃO

contamos nossos segredos a um irmão, algo acontece que nãoacontecerá de nenhuma outra forma. Derramar nossos coraçõesdiante de Deus é fundamental. Mas apresentar-nos como realmentesomos, com cada segredo revelado, a outro ser humano nos colocaem contato com o poder libertador da graça de Deus numa maneiraque nenhum guardador de segredo conhecerá.

Quando o homem toma outro homem como confidente,quando dois homens caminham juntos e concordam que somentepecado não confessado e segredos bem escondidos podem noscolocar fora do alcance da graça santificadora, três mensagensvitalizadoras são ouvidas:

1. "Nada que você seja oujamais tenha feito o condena àderrota. O braço de Deus é longo o suficiente paraalcançar dentro do mais profundo buraco negro, e forteo suficiente para soerguê-lo dali. Caminharemosjuntos,com uma coragem de enfrentar a vida honestamenteque nada pode tirar de nós. Juntos olharemos paradentro da escura apavorante confusão da vida.

2 . "Você tem algo poderoso para dar. Seus segredos nãodefinem você. Por baixo de seu pior fracasso e maisprofundo ferimento está um homem, um portador daimagem de Deus, que pode conhecer a Deus e revelá­Lo somente em comunidade. Com esperança e alegria,você pode erguer o olhar para o rosto de Deus. Podelembrar-se dEle e passar a lembrança adiante até alembrança dar lugar à realidade deslumbrante daSua presença. Você tem algo para dizer. Eu também.Juntos buscaremos conhecer a Deus e concretizar avisão que Ele tem para as nossas vidas. "

3. "Há um chamado para a sua vida que nenhum segredopode remover. Deus fez a escolha mistificante de operaratravés de fracassos redimidos. E continuamos afracassar; mas somos homens com um apetite por Deus,

IRMÃOS: HOMENS QUE COMPARTILHAM SEGREDOS 219

um apetite que nos faz continuar adentrando aescuridão, onde Ele pode ser mais plenamenteconhecido emais plenamente revelado. Somos homenschamados por Deus para restaurar aordem de Seudesígnio eliberar abeleza de Seu caráter até odia emque Ele nos deixará estupefatos com toda aordem deum novo mundo ecom abeleza de Cristo revelada eSeus filhos. Até então, juntos falaremos para dentro

da realidade escura deste mundo, em favor dEle. "

Precisamos buscar em oração um homem para ser nossoirmão. Mas ainda mais, precisamos buscar em oração sermos uminnão para outro homem.

Há um reservatório de poder intacto na comunidade cristã.Parte desse poder só será liberado quando os homens se

. ""tomarem mnsos

o SonhoRestaurado:

Uma GeraçãoDe Mentores

Otimismo em um mundo decaído é geralmente malogrado.Embora o desânimo não seja o antídoto certo, ainda precisa

ser ditoque as pessoas comumaperspectiva confiadamente animadasão muitas vezes ingênuas. E sua ingenuidade pode ter umacaracterística de teimosia que dá a impressão de ser mais umaescolha do que um acidente de temperamento.

Nos círculos cristãos, o otimismo tipicamente é edificadosobre a idéia de que o propósitocentral de Deus éo de nos abençoarcom o tipo de vida que desejamos ou transformar a cultura numambiente mais acolhedor para os cristãos. Os conselheiros seespecializam em solucionarnossos problemas e aliviar a nossa dor.Os líderes cristãos nos dizem que nossas orações, ativismo, einfluência combinados farão nossa nação mudar de rumo eintroduzirão uma sociedade piedosa. Ambos os grupos podem serculpados de nos distrair do verdadeiro chamado de Deus.

São as nossas vidas individuais e as nossas comunidades

222 o SILÊNCIO DE ADÃO

cristãs que precisam mudar de rumo. Precisamos aprender acontinuar servindo a Cristo quando os problemas vêm e nos levammais perto de Cristo no meio de sofrimento sem alívio. Qualquerinfluência que tenhamos sobre a cultura deve ser produto de umaprofunda paixão por Deus, uma paixão que nos transforma empessoas atraentemente diferentes e nos mantém lutando juntos emuma comunidade que é imperfeita mas genuinamente amorosa.

Promover causas sociais é muito mais fácil do que encontrara Deus. Lutar por padrões cristãos às vezes parece envolver umabeligerância que compromete a humildade, ou uma agressão quese disfarça em coragem. E trabalhar para vencer nossos problemaspessoais requer menos de nós do que buscar a Deus de todo ocoração. Nem promover causas sociais nem solucionar nossosproblemas desperta o tipo de auto-consciência que nos faz saberque o verdadeiro problema está dentro de nós.

Tornar-nos pessoas piedosas não é uma questão simples, amenos que se defina piedade como simplesmente evitar o pecadoóbvio (e conseguir que os outros façam o mesmo) ou comosolucionar nossos problemas de modo que os sentimentosagradáveis retornem - sentimentos que podemos então chamarde vitória.

Mas quando a piedade é compreendida como envolvendouma paixão por Deus que transforma continuamente a maneira comonos relacionamos com os outros, ela nos torna dispostos a adiar oconforto pessoal até uma data posterior. Essa piedade desperta odesejo de conhecer a Cristo que é mais forte do que qualquer outrodesej o, e nos mostra que nosso maior inimigo é a nossa própriapessoa. Assemelhar-nos a Cristo se torna a ambição quenos consome.

A grande necessidade de nosso dia não será suprida portreinamento de mais conselheiros. Não será suprida por líderes noschamando para juntar-nos à luta contra a poluição moral danossa sociedade.

A maior necessidade em nosso mundo hoje é simplesmenteesta: homens e mulheres piedosos que possuam e demonstrem uma

o SONHO RESTAURADO: UMA GERAÇÃO DE MENTORES 223

qualidade de vida que reflita o caráter de Deus, e que provoquecuriosidade nos outros sobre como eles também podem conhecerbem aDeus.

Se pudermos reconhecer o caminho que leva à maturidadeespiritual, se pudermos identificar e responder ao apetite por Cristocolocado dentro de nós pelo Espírito de Deus, então talvez daqui atrinta anos meu sonho de uma geração de mentores possa seconcretizar. Pense nisso! Pais e mães espirituais, irmãos e irmãspiedosos, criando comunidades de pessoas que se importam comos de fora e atraem os que estão fora do círculo para algo que elesnunca conheceram mas sempre quiseram. Comunidades de pessoascuja paixão por Cristo é mais forte do que seus rancores, suacompetição por reconhecimento, e seus sentimentos de ciúmes.Cristãos que por longas temporadas tiveram como mentores pais emães espirituais, e que estão - como resultado - tão consumidospelo desej o de conhecer melhor a Cristo que agüentam firmesatravés da confusão da vida em comunidade e nunca desistem de simesmos ou dos outros, porque sabem que Cristo não desistiu - enunca o fará. Eles O viram em seus mentores.

Como seria a Igreja se os homens começassem a falar? Sefôssemos quebrantados pela pecaminosidade de nossos padrõespouco viris de relacionamento e estivéssemos dispostos a desistirde nosso status de peritos e pagar o preço de nos tornarmospresbíteros? O que aconteceria em nossas comunidades eclesiásticasse os homens da liderança ultrapassassem sua força natural - suacapacidade de administrar ministérios - e em dependência de Deusliderassem suas congregações na direção de uma visão inspiradora?Que movimento do Espírito poderia ocorrer se, em cada igreja,uns poucos homens apaixonados por Deus atraíssem outros abuscarem inflexivelmente a Deus? O que aconteceria se muitosdesses homens, então, se relacionassem uns com os outros comuma abertura que levasse a prosseguirem lutando juntos?

Qual seria o impacto sobre as famílias se os homenscorajosamente enfrentassem a apavorante confusão no mundo, eentão se lembrassem de Deus o suficiente para adentrarem poderosa

"224 o SILÊNCIO DE ADÃO

e sabiamente os seus relacionamentos?O que ocorreria nos corações das mulheres se os homens

tivessem uma visão para suas esposas, filhas, irmãs, mães e amigas,uma visão que eles buscassem com uma força mansa, e umapaixão poética, que nenhuma mulher tivesse o poder de deter?

Nossa cultura está buscando tudo, menos, encontrar aDeus. É mais benéfico usar a Cristo do que conhecê-Lo. Nós Ousamos para nos fazer sentir melhor, para desenvolver um planoque faça a vida funcionar, para continuar com a esperança deconseguirmos tudo o que achamos que precisamos para serfelizes. Raramente O adoramos.

Um senhor de oitenta e quatro anos quis conversar comigodepois que preguei numa conferência bíblica. Eu o vi esperandoenquanto eu conversava com um grupo que se havia reunido.Quando os outros saíram, encaminhei-me rapidamente até aquelesenhor baixo e idoso. Ele colocou ambas as mãos nos meusombros e me contou uma história: "Dr. Crabb, tenho oitenta equatro anos de idade. Cinco anos atrás minha esposa morreuapós cinqüenta e um anos de um bom casamento. Não possoexpressar a dor que sinto toda" manhã enquanto tomo cafésozinho à mesa da cozinha. Já implorei a Deus que alivie a terrívelsolidão que sinto. Ele não atendeu à minha oração. A dor emmeu coração não sumiu. Mas... " e aqui o senhor parou e oLhoualém de mim enquanto continuava " ... Deus me deu algo muitomelhor do que o alívio da minha dor. Dr. Crabb, ele me deu umvislumbre de CRISTO. E vale tudo. Sempre que pregar, enfatizeCristo!" Ele se voltou e saiu.

Como é triste gastarmos nossa energia consertandoproblemas, aumentando a auto-estima, recuperando-nos davergonha, dominando a ira, e encontrando maneiras de sermoslivrados da escravidão espiritual. Nenhuma dessas coisas é erradaem si, mas elas precisam ser a extensão de uma fascinação porCristo. Uma fascinação com Cristo muda a maneira que fazemostudo mais.

Já não precisamos procurar fórmulas quando estivermos

o SONHO RESTAURADO; UMA GERAÇÃO DE MENTORES 225

confusos, ou "distrações sobrenaturais" quando entediados. Jánão precisamos exigir garantias para aliviar o horror da incerteza,ou nos manter ocupados de modo que nunca precisemos ficarsozinhos com a nossa própria pessoa. Já não precisamos pedirda vida algo que ela não pode dar.

Desilusões com a igreja, desânimo com nossas vidas edecepções com os outros são todos produtos da enfermidade cen­tral da cultura ocidental: exigimos a satisfação de uma vida queesteja funcionando bem. O sofrimento é algo a ser aliviado.Problemas são coisas a serem consertadas. Emoções desagradáveisdevem ser substituídas pelas agradáveis.

As pessoas que nos persuadem que sabem como aliviar osofrimento, consertar problemas e mudar emoções indesejáveis setomam nossos líderes, peritos que conseguem nossa atenção, porqueeles nos dizem que nossos sonhos de uma vida melhor podem serrealizados. (Veja Jr 29.8) Nestes últimos dias cheios de amantes doeu que tratam o ódio do eu como o maior dos pecados, temosreunido um grande número de mestres ao nosso redor, mestres quenos dizem o que os nossos ouvidos que coçam querem ouvir(2 Tm 4.3).

N assa cultura se está movendo na direção errada. Estamosnuma fuga determinada, frenética de Deus. Pascal escreveu certavez:

Quando tudo está se movendo ao mesmo tempo, nadaparece estar se movendo, como a bordo de um navio.Quando todos estão se movendo rumo à depravação,ninguém parece estar se movendo, mas se alguémparar, desmascara os outros que estão disparados, poragir como um ponto fixo. -

7Citado em Christianity for Modern Pagans (Cristianismo para Pagãos Modernos),

por Peter Kreeft (São Francisco: Ignatius Press, 1993), 95.

226 o SILÊNCIO DE ADÃO

Resistir ao momento errado da cultura parando é o início deum bom movimento. Expor o movimento de fuga de Deuspermanecendo imóvel o suficiente para ouvi-Lo contar a Sua históriaé o chamado de um presbítero, um mentor, um pai espiritual, umhomem que então se move rumo a Deus e aos outros.

Talvez uma segunda reforma construa sobre o fundamentoda primeira chamando-nos a conhecer a Pessoa que é a nossajustificação. Talvez ela venha através de uma mudança dadependência dos peritos que conhecem princípios para a vida eficazpara a ponderação da sabedoria dos presbíteros que conhecem aCristo. É minha esperança que em nossas igrejas, Deus faça umaobra nova - silenciosa mas profunda - que leve os homens aconhecer a Deus, bem o suficiente, para serem pais para aquelesque seguem atrás deles, e irmãos, para aqueles que caminham a seulado no caminho que leva à verdadeira maturidade.

O chamado à autêntica masculinidade jamais será popular. Éum chamado à solidão, à doação sem apreciação, ao sofrimentocomo o meio necessário para se obter sabedoria. É um chamado aaceitar~ sem queixa ou temor - que as partes mais importantesda vida são confusas, um chamado a desligar a luz artificial supridapelos peritos e adentrar a escuridão da luz de Deus." É um chamadoa um cansaço tão profundo que a exortação de continuar no bem­fazer parece cruel.

Os homens que respondem a esse chamado, que visamtransformar-se em pais e irmãos, devem estar dispostos a pagar umpreço tão tremendo que somente um vislumbre claro de Cristo osfará continuar. O preço inclui, primeiro, uma disposição de lutarbatalhas a vida toda: batalhas contra a lascívia, onde a vitória deveser definida como resistência a - nem sempre redução de- impulsos poderosos; batalhas contra fricção nos relacionamentosque às vezes não podem ser compreendidos e, ocasionalmente,

8 "A escuridão da luz de Deus'té uma frase fascinante atribuída a Oswald Chambers,

tirada talvez de Isaías 50.10-11.

o SONHO RESTAURADO: UMA GERAÇÃO DE MENTORES 227

terminarão na tristeza da ruptura; batalhas contra um desânimo tãopesado que ameaçará deter todo bom movimento.

Segundo, o chamado à masculinidade requer uma disposiçãode agarrar-se ao que Deus disse, durante longas temporadas quandonão há nenhuma evidência para demonstrar visivelmenteSua verdade.

E terceiro, o preço de seguir o chamado envolve umadisposição de ser reduzido a um nível de humildade no qual nãosomos capazes de nenhum movimento para com os outros, umnível no qual a única coisa que podemos fazer é permitir que osoutros orem por nós.

O caminho que leva à masculinidade é difícil - mas valecada passo. Ele oferece significado que não é encontrado em nenhumoutro lugar. Há temporadas de contentamento e momentos de júbiloque nos levam acima do que o homem decaído jamais imaginoupoder chegar. Por vezes que não podemos predizer nem controlar,o Espírito de Deus afasta a cortina e enche nossos olhos com umavisão de Cristo que nos permite dizer com Paulo: "Porque a nossaleve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso deglória, acima de toda comparação" (2 Co 4.1 7).

Os conceitos apresentados neste livro podem parecerabstratos. Para os homens que exigem um código, elesnecessariamente produzirão frustração. Mas para os muitos homensque anseiam por uma experiência mais rica da sua masculinidade,esperamos que estes conceitos guiem esse anelo rumo àsua realização.

Num esforço de colocar um pouco mais de carne sobre oesqueleto, encerramos nosso livro continuando as histórias pessoaisque cada autor iniciou na frente do livro. Compartilhamosbrevemente algo da continuação das nossas jornadas rumo ao tipode masculinidade que descrevemos. Ao ler estes capítulos finais,que o seu desejo de conhecer a Cristo se aprofunde até ultrapassartodas as outras paixões. E que vocês possam mover-se ao longodo caminho de se tomarem pais e irmãos, homens espirituais, quese desenvolvam em uma geração de mentores.

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E studei piano por sete anos antes de começar a ter aulas com oSr. Buelow. Meus outros professores haviam sido competentes

ao me ensinarem o básico, e conquanto ele também enfatizasseisso, estava interessado em algo mais. Certo dia, ao término deuma lição, ele me pediu que decorasse sete ou oito peças curtas deum pequeno álbum de música. Quando voltei diversas semanasdepois, tendo decorado as peças, toquei-as para ele.

Depois que terminei, ele comentou que tecnicamente euestava correto no que toquei. Eu havia tocado as peças conformeelas tinham sido escritas. Entretanto, segundo ele, alguma coisaestava faltando.

- Você não tocou a música com sentimento - disse.- Toque as peças da maneira como você acha que o compositorqueria que elas fossem tocadas.

Para um garoto de treze anos, tais afirmativas poderiam serfacilmente descartadas como esquisitice de adulto, ou excentricidadede um professor de música; mas a firmeza em sua voz me convenceua fazer mais uma tentativa.

Não muito depois que comecei a segunda tentativa, eleme deteve.

- Não é assim! Tente de novo.Outra tentativa. Outra ordem de parar - esta com

mais ênfase.- Toque a peça com o coração. Toque com paixão!Frustrado mas mais determinado, fiquei ali por um momento,

olhando o teclado como que implorando às teclas que me ensinassema tocar. Pensei por um momento, coloquei os dedos sobre as teclas,inclinei-me sobre o piano, e toquei.

Enquanto eu viver, jamais me esquecerei daquele momento.Uma música diferente saiu do piano. Uma paixão diferente foiliberada dentro de mim.

232 o SILENCIO DE ADÃO

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E ISSO aí! - exclamou ele. - Isso mesmo!Você conseguiu!

Finalmente eu o compreendi. Dessa vez, eu sabia o que elequeria dizer. Continuei tocando. Exuberantemente continueitocando, deleitado com a alegria dele - mas muito mais com minhapaixão e liberdade.

Foi um dia maravilhoso. Um dia quando algo profundo dentrode mim foi liberado, e o resultado foi música: a música rica eapaixonada da alma.

Algumas semanas depois eu parei de estudar.O dia em que desisti tem-me atormentado por anos. Ao ver

outros tocarem piano, tenho desejado que pudesse ser eu.Arrependi-me da decisão. Mas na época, desistir era o únicocaminho possível.

A que levava esse caminho? Por que - após experimentaralgo tanto rico quanto poderoso - eu pararia? Por que garantiriaque um momento passional não se repetisse? Quando um mentorbom e talentoso me forçou além das esferas que eu conhecia paraatingir maiores alturas, por que eu bateria em retirada? Ao pensarsobre possíveis respostas a essas perguntas, tenho descoberto quetrês são centrais à maneira como tenho vivido a minha vida.

A primeira é óbvia: eu estava com medo. Será que eu temiao fracasso? Em parte. Mas mais provavelmente eu estava com medode perder o controle. Mesmo com aquela pouca idade, eu haviatrabalhado com afinco para tornar a minha vida tão ordeira eprevisível quando possível. Eu não me metia em discussões, nemme atirava a coisa alguma com paixão demais. Eu queria viver semmuitos altos e baixos, sempre sabendo o que esperar. Embora eutalvez não obtivesse muitos sucessos, também não experimentariamuitos fracassos.

Tocar a música que não estava na página poderia levar-me auma esfera inexplorada, a um lugar mais perigoso e arriscado. Euqueria viver a minha vida na página do álbum de música: as notasestão ali, as instruções estão ali, o começo e o fim são conhecidos.Quando eu me movi do previsível e entrei em algo mais caótico,

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AL ANDREW5 233

havia maior probabilidade de minha incompetência ser exposta. Eramais provável que eu fizesse papel feio; haveria uma possibilidademaior de fracasso. Como a maioria dos homens, não gosto dessa,revelação. E melhor seguir as notas, tocar segundo as regras, epassar incólume. Evitar o risco. Ficar longe do caos.

A segunda razão pela qual desisti é um pouco mais sutil. Seeu me saísse bem, mais seria exigido de mim. Eu tinha visões depeças mais difíceis, mais recitais, mais trabalho, mais expectativas.Era um peso e uma pressão que eu não desejava e de que certamentenão precisava. Se eu permanecesse medíocre, não teria de mepreocupar com aquilo. Eu não me destacaria.

A terceira razão pela qual desisti não é óbvia, de formaalguma, mas é muito real. Eu odiava a minha paixão. Eu sabia queela introduziria coisas desagradáveis em minha vida. O que éverdadeiro sobre o pianista também é verdadeiro sobre o discípulo,o amante, o atleta, o artista, o escritor. Se ele se sair bem, vaisofrer. Esse sofrimento será experimentado tanto em perseguiçãoquanto em solidão. Se o homem se destacar por sua paixão, emboraalguns gostem dele, muitos o odiarão. Ciúmes e inveja são liberadosna presença da excelência. Mas o que é mais importante, as paixõesprofundas do homem tocam algo do céu, uma amostra de comoserá um dia. Com essa amostra vem a solidão de ser um peregrinoque ainda não chegou em casa mas que anseia por ela. Ao ansiar,ele sente uma fome insaciável que não será satisfeita nesta vida.

Dói viver com fome. É doloroso ter saudades de casa. Se euviver sem paixão, fazendo um trabalho que dá apenas para o gasto,então não me magoarei e não sofrerei.

Eu sabia tudo isso quando parei de estudar piano? Claro quenão. Na época, minha desculpa foi a de que eu queria tocar cornetana banda do colegial. Foi apenas em retrospecto que vi minhadesistência não como, um movimento na direção de outroinstrumento, mas, antes, uma fuga de outra coisa. Seja o que forque eu tenha sentido naquela tarde era perigoso demais. Odesconforto que ele trouxe obscureceu o enlevo. Era demais, emeu temor fez com que eu me sentisse oco.

234 o SILÊNCIO DE ADÃO

Por grande parte da minha vida, tenho sentido aquele lugarvazio dentro de mim. Algo estava faltando em mim. Era como seeu tivesse sido feito em alguma linha de montagem cósmica, ealguém se esquecesse de 'colocar uma peça crítica. Tenho procuradodiligentemente achá-la. Eu a procurei em seminários, ouvindocuidadosamente à procura da palavra ou frase que me deixariacompleto. Estudei livro após livro, esperando que alguma gema desabedoria saltasse da página. Tenho usado amigos apaixonados,talentosos na tentativa de conseguir deles algo que eu achava quenão tinha, esperando absorver dentro de mim mesmo qualquer coisaque fosse que eles pudessem me dar. Mas minha busca tem sido emvão. A peça que falta ainda permanece um mistério.

Quando falo com outros homens sobre a minha busca, amaioria reconhece minha procura como sendo a sua também. "Eusei do que você está falando", dizem eles, com um toque de alíviona voz. "Eu achava que era o único." Embora suas histórias sejamdiferentes, cada uma delas fala com eloqüência sobre algo que estáfaltando dentro de si. A busca da peça que falta é variada, mas oque eles encontram para encher o vazio em si funciona apenas porpouco tempo. Eventualmente falha.

Minha história reflete uma realidade que está presente emcada homem. Há algo dentro de todos nós que anseia por serexpressado. É uma coisa tanto apaixonada quanto criativa. Nãoprecisa ser aprendida. Não precisa ser criada: já foi. Está ali, inseridanos homens ao nascer, esperando ser liberada. E quando é liberada,é apavorante. Eu sei isso agora, mas por muitos anos não sabia.

De vez em quando, eu sabia que havia algo dentro de mimque raramente era visto, algo que tirava a cabeça para fora quandoeu tinha fortes sentimentos sobre alguma coisa, quando eu defendiaalgo em que acreditava, quando realizava uma tarefa difícil, quandoeu enfrentava uma situação difícil e vencia. Mas por ser tão rara, aexplosão ocasional era mais frustrante do que animadora. Apenascomprovava meu senso de futilidade. Não foi senão quando eutinha cerca de trinta e cinco anos que experimentei algo mais.

No verão de 1989, desci de um avião em Nashville, estado

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AL ANDREWS 235

de Tennessee, para me encontrar com Nita Baugh. Essa era apenasa segunda vez em que eu concordara em sair com alguém que nãoconhecia. A primeira vez, na faculdade, fora um desastre. Emboraeu tivesse jurado que "Nunca mais!", a insistência de um amigocasamenteiro em quem eu confiava me convenceu a fazeroutra tentativa.

Desde o momento em que nos encontramos no aeroporto,ambos sabíamos que havia algo diferente. Não era amor à primeiravista, mas ambos reconhecemos uma conexão instantânea. Duranteo fim-de-semana que se seguiu, velejamos num lago varrido pelovento, desfrutamos longas conversas enquanto tomávamos café,jantamos num romântico restaurante italiano, e nos absorvemos nacompanhia um do outro. Senti-me cativado por aquela mulher. Pormais que tentasse, não conseguia achar nada errado com ela, algoque me desse uma desculpa para sair correndo. Certa noite, du­rante aquela primeira visita (que durou diversos dias), acordeisubitamente no meio da noite. Meu coração estava disparado e eusuava em bica. Com o pânico veio um conhecido sentimento deterror. "Estou cometendo um erro", pensei. "E s.e ela não for apessoa certa? Preciso cair fora daqui." Eu tivera esse tipo depensamento antes, e eventualmente sentira esse pânico em todosos outros relacionamentos que tivera com uma mulher. Cada vez,os sentimentos me fizeram afastar. Eu tinha presumido que eleseram uma indicação de que havia algo errado com o relacionamento.Eram sinais de alerta que precisavam ser obedecidos. Mas ossentimentos nunca haviam surgido apenas dois dias depois do iníciodo relacionamento. Era cedo demais! Se eu tivesse tido acesso aum carro naquela noite, poderia ter tentado fugir para o aeroporto.Sem ter nenhum, resolvi orar.

Pedi a Deus que removesse a ansiedade. Ele não o fez. Pedi­Lhe que me desse um sinal. Ele permaneceu calado. O pânicocontinuou noite adentro. Foi um tempo angustiante e apavorante.Após um tempo de espera e lutas, algo muito novo saiu de dentrode mim. "Estes sentimentos são incorretos!", berrei. "Estou comtrinta e quatro anos e enjoado de fugir das mulheres. Estou sozinho

236 o SILÊNCIO DE ADÃO

porque meu pânico sempre ganha. Eu gosto dela, e não vou fugirdesta vez!" Eu travava uma batalha e sabia. Sabia também que aluta que eu estava tendo era maior do que esse relacionamento.Envolvia algo mais. Envolvia minha obstinação, meu medo de memover, minha falta de disposição de correr risco, minha tendênciaa fugir da paixão.

Meu pânico, embora significativo e forte, nunca foi minharealidade final. Os temores eram uma desculpa conveniente que euusava a fim de permanecer imóvel. Eu me sentia atraído por Nita,e havia gostado do fim-de-semana. Eu estava fascinado com ela equeria ir atrás dela. Não queria bater em retirada impelido por umtemor inexplicável que era mais útil do que verdadeiro. Aquelanoite, fiz uma oração diferente. Confessei minha própria covardiae o dano que eu tinha causado aos outros por causa dela. Orei paralutar bem contra meu desejo de fugir, e para amar. Dormi, acordandona manhã seguinte com um novo compromisso. Seis meses depoisNita e eu estávamos noivos, e dentro de um ano nos casamos. Opânico nunca voltou. Isso me surpreendeu.

Nesta história, não estou oferecendo uma diretriz para oshomens temerosos seguirem. Não estou dizendo que há uma certaoração que liquidará todo medo. Muitos têm orado oraçõessemelhantes e falado palavras fortes de intenção, apenas para sedescobrirem mais ansiosos do que nunca.

Não sei com certeza por que minha ansiedade me deixou.Mas sei que fiz uma escolha diferente, uma mudança marcante dasdireções anteriores. A escolha foi a de mover-me a despeito domedo, adentrando a escuridão caótica, emocionante e arriscadados relacionamentos. Isso envolveu a crença de que realmente haviaalgo mais em mim a ser liberado. Os resultados nem sempre têmsido gloriosos. Há horas em que ainda me refugio no velho modode vida, quando deixo de me mover e em vez disso retomo a padrõesfracos e previsíveis. Mas houve uma mudança.

Duas imagens têm guiado a minha vida: o jogador-mirim quetinha medo de rebater a bola, e o pianista que desistiu quando sentiupaixão. São imagens que refletem tanto a utilidade do medo quanto

239

DONHUDSON

Se as pessoas trouxerem tanta coragem a estemundo que o mundo tenha de matá-las para

quebrá-las, então é claro que ele as matará. Omundo quebra a todos, e depois disso muitos ficam

fortes nos lugares quebrados.

Emest Hemingway, Adeus às Armas

Ele era o garotinho que eu nunca quis. Talvez eu deva explicar.Não que eu deteste crianças. Nem as considero uma

intromissão. Pelo contrário: a maior parte da minha vida, sonheifilhos. O problema era que por mais que eu quisesse me casar e terfilhos, nunca achei que fosse possível para mim. Como eu poderiaser pai se não cresci com meu pai?

Ao crescer, sempre me vi como sendo inadequado edefeituoso - como algo quebrado. E agora, ter um filho seria umlembrete minuto-a-minuto de minhas deficiências. Como eu podiapossivelmente dar algo a uma criança se eu nada tinha para dar emprimeiro lugar?

Nosso filho nos foi dado a despeito das dúvidas que eu tinhaa meu próprio respeito. Ele nasceu depois de estarmos casadosquatro anos e meio, e recebeu o nome de Donald Michael MartinHudson. Nós o chamamos assim para que ele tivesse os nomes dopai e dos dois avós. Se você recordar a minha história, lembraráque troquei de nome com seis anos de idade. Nomes são importantes'para mim. Eu troquei de nome porque queria uma identidade du­rante uma época vazia e incoerente da minha vida. E agora dei aomeu filho o nome de seus pais para que ele saiba que está ligado ahomens bons - para que saiba que não está sozinho. Quero queele se lembre dos homens que o amam.

Há momentos sagrados que nos transformam para sempre,momentos que nos levam a umajomadaquejamais imaginamos. Onascimento de meu filho foi um desses momentos para mim. Fiquei

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240 o SILÊNCIO DE ADÃO

caidinho por ele. Fiquei deslumbrado com aquela criaturazinhaenrugada, que mais parecia uma lagartixa. A represa no meucoração explodiu no dia do seu nascimento, e fui inundado comamor por meu filho.

Contudo, a mesma inundação trouxe mais do que amor.Trouxe também uma nova preocupação, uma que eu jamais tivera:e se eu perder este garotinho? De súbito, duas fortes emoções mesacudiam: amor avassalador e medo paralisador. Eu queria correrpara meu filho, e contudo, queria fugir dele.

Naquele exato momento compreendi que cometera um sérioerro. Meu amor por aquele garotinho me havia capturado. Eusempre mantivera uma distância segura de todos. Assim, se alguémme rejeitasse, eu não sofreria, porque não era chegado a ninguém.Contudo, na sala de parto aquele dia, permaneci indefeso enquantoum minúsculo bebê roubava meu coração. Ele adentrou meu mundocomo os ventos de uma furiosa borrasca e arrancou os frágeis fiosdo meu casulo emocional.

Um mês mais tarde, um de nossos piores pesadelos seconcretizou. No fim-de-semana de Quatro de Julho, minha esposae eu queríamos sair por algumas horas. Havíamos planejado ir aum concerto com alguns bons amigos. Mas quando chegou a tardede sexta-feira, Suzanne sentiu-se pouco à vontade em sair para oconcerto. "Não me sinto bem em sair", era tudo o que ela conseguiaexplicar. Eu tinha, a essa altura, aprendido a confiar na intuiçãodela. Resolvemos que eu iria ao concerto, visto ser quem maisgostava de bandas.

Tarde naquela noite, quando voltei para casa, eu sabiainstintivamente que alguma coisa estava muito errada. Entrei emcasa, e quando me aproximei do nosso quarto, pude ouvir Michaelberrando de dor. Minha esposa tinha uma expressão de terrorno rosto.

- O que está errado? -perguntei. Tomei Michael nos braçose tentei confortá-lo. - Ele parece estar quente. Você mediu atemperatura dele? - Em seu pânico e frustração, ela se esquecerade medir a temperatura dele.

DON HUDSON 241

Estava alta, muito alta. Conhecíamos o suficiente sobre bebêspara saber que tínhamos de levar Michael ao hospital imediatamente.Quando chegamos, a enfermeira mediu a temperatura dele. O prontosocorro explodiu em ação. Uma enfermeira saiu correndo parachamar um pediatra. O médico chegou dentro de minutos eimediatamente explicou que nosso filho corria sério perigo. Michaelpodia estar com meningite raquidiana. O médico pediu um montede exames.

Eu fiquei estonteado por todo o terror e a confusão. Nãotinha a menor idéia do que significava meningite raquidiana, masminha mente disparou com pensamentos de dano cerebral ou morte.O médico nos pediu que fôssemos para a sala de espera enquantoele e sua equipe faziam os testes, mas recusei. Eu não podia suportardeixar Michael sozinho.

Eu estava ruindo lentamente por dentro. Já havia passadopor muitas emergências médicas relacionadas a mim mesmo, masnunca estivera tão apavorado assim. E dessa vez era diferente. Estacrise não dizia respeito a mim; dizia respeito a meu filho. Não haviamuito tempo para pensar.

Um técnico de radiologia irrompeu pela porta e levou Michaele eu a uma sala para tirar um raio X dos seus pulmões. Os momentosseguintes estão queimados na minha lembrança. O técnicodesapareceu, e eu voltei meus pensamentos para Deus. Eu estavavarrido pelo de medo - mas furioso! Como se atrevia Deus abrincar com meu filho! Segurando Michael junto ao peito, eucaminhava pela sala e lutava com Deus. Dentro de momentos,contudo, minha ira se amainou, e comecei a fazer uma oraçãoesn..nha: "Pai, por favor, não o leve - leve a mim. Se isto é sérioe vais levá-lo, por favor leve-me no lugar dele. Permita queele viva."

Por mais absurda que fosse a minha oração, eu falava a sério.Não sugiro esta oração como modelo para enfrentar a adversidade,mas naquela hora, era algo que eu não podia forçar a desaparecer.Era uma oração que eu tinha de orar.

Felizmente, em vez de meningite raquidiana, nosso filho tinha

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uma infecção viral séria, que passou em três dias. Durante aquelashoras de crise, entretanto, um momento sagrado se abatera sobremim: aprendi que eu estava disposto a dar a minha vida por meufilho. Cheguei perto de um vislumbre fugaz do que significa viverpor outra pessoa. Mais tarde naquela semana, vi-me refletindo comespanto: "Acho que estou começando a entender. Minha vida nãoé minha. Sou chamado para viver pelos outros. E quero fazer isso.Talvez seja isso que ser homem significa."

Naquela noite, eu não teria hesitado nem um segundo em dara minha vida a fim de poupar a do meu filho. Ondas de paternidadehaviam-se erguido dentro de mim e exigiam que eu agisse em favorde Michael. Eu não podia controlar aquilo, e não podia refutar.

A possibilidade de perder meu filho me ensinou verdadessurpreendentes sobre ser homem. Aprendi que eujá tenho o que épreciso para ser um homem - que há paixões bem no fundo domeu ser. Há emoções e crenças fortes fervilhando lá dentro.Ninguém me levou a fazer aquela oração por meu filho. De fato, aintensidade dos meus sentimentos me estontearam aquela noite.Por mais apavorado que eu estivesse, algo dentro de mim pareciaforte. Eu nunca me sentira tão atemorizado e sem controle - masisso não importava. Algo brotou dentro de mim que era muito maiordo que o meu terror.

Aprendi que ser homem não é uma fórmula para serdescoberta ou um segredo para ser revelado. Não há nenhuma peçafaltando na minha alma que precise ser reaplicada da mesma formaque um membro arrancado é reimplantado no corpo. O verdadeiroproblema não é o que nos falta. Antes, a verdadeira tragédia temsido a minha recusa de pôr em prática aquilo que é mais verdadeiroa meu respeito.

Aprendi que o homem é projetado para viver por outra pessoa.Mas em toda a minha vida, meus sentimentos de inadequação mehaviam convencido a viver por mim mesmo. Acho que eu teriaenfrentado a emergência do meu filho de forma diferente se elativesse ocorrido apenas alguns anos antes. Eu provavelmente oteria entregue ao médico e depois ido me esconder em algum canto

DON HUDSON 243

escuro do hospital até a emergência passar. Por um breve momento- e sem tentar - tornei-me o homem que sempre quis ser. Meussentimentos de inadequação já não eram desculpa para fugir deestar presente e poderoso para meu filho e minha esposa.

Durante os cinco últimos anos, tenho sido capaz de falaresperançosamente. Não falo nem vivo perfeitamente; de fato, aoescrever este capítulo estou dolorosamente consciente de minhasinseguranças e fracassos. Mas algo mudou para mim. Encontrei aesperança que gostaria de partilhar com vocês. Esta esperança nãoé um código para ser seguido cuidadosamente mas uma históriamisteriosa a qual adentrar.

Minha esperança brota de duas verdades:

Sou Inadequado

Por anos, fingi ser adequado. Mas estava fazendo de conta.Havia, em meu passado, circunstâncias devastadoras que mediziam que eu era deficiente. Admitir essa deficiência, contudo,significava morte para mim. Embora em me sentisse inadequadoem tudo, mantinha uma fachada competente. Era um garotinhoem terno de homem.

Hesitei em casar-me, ter filhos ou desenvolver amizadessignificativas, porque não tinha a menor idéia do que era serhomem. Todas as minhas inadequações me convenceram de queeu não estava à altura do encargo. Minha definição de homemera alguém que nunca sente medo, alguém que se sente adequadosempre. Assim, eu trabalhava com afinco para compensar a minhafraqueza. Colecionei diplomas de pós-graduação, formando-mecom a maior nota da classe. Esforcei-me por ser um dos melhoresprofessores no campus. Mas todas essas conquistas nãoresolveram. Eu ainda me sentia deficiente. Acreditava que o diaem que eu fosse homem seria o dia em que me sentiria adequado- o dia em que todas as minhas deficiências sumissem. De fato,a obsessão que me consumia na vida era a de conquistar minha

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inadequação. Então eu poderia ser o homem que sempresonhei ser.

Mas essa é a definição de Deus do que significa ser homem?Lembre-se de Adão durante a tentação. Ele vivia num mundo

perfeito. A serpente era algo inteiramente novo para ele. E nãotemos indicação de que Deus tivesse previnido Adão sobre aserpente. Adão provavelmente não tinha a menor idéia de comodeveria ter reagido. Em resumo, ele não era adequado para a tarefa.Mas Adão poderia ter estado presente, poderia ter sido poderoso,poderia ter-se lembrado do que Deus ordenara.

Quando o caos se intromete em meu mundo, quero saber aresposta certa. Tenho de saber a maneira certa de agir antes defazê-lo. Quero ser adequado.

Talvez você conjeture: Por que Deus não falou na hora datentação? De fato, há dois personagens silenciosos em Gênesis 3:Adão e Deus. Deus não fala em Gênesis 3. Ele não removeu aconfusão da vida de Adão ou o caos do seu mundo. O simples fatoé que Deus mostrou um profundo respeito por Adão. Deus exigiuque ele fosse homem.

Deus também não remove a minha confusão. A minha vidatoda, desejei - implorei - a Deus que removesse o caos do meumundo para que eu pudesse tornar-me homem. Eu queria que Eleapertasse um interruptor na minha alma para que eu pudesse mudar.Eu não me moveria adiante no meu mundo até que mesentisse adequado.

Contudo minha hesitação não era coisa pouca aos olhos deDeus. De fato, era uma violação da intenção de Deus para mim. Ocaos da vida é a dádiva de Deus para os homens. Sem confusão etragédia, jamais seríamos os homens que Deus nos projetou paraser. Através de tudo isso, Ele requer que confiemos nEle, não emnós mesmos. E minha furiosa exigência de ser adequado era umaforma de confiar em mim mesmo em vez de em Deus. Por anos,meus sentimentos de inadequação me impediram de ser poderosona vida dos outros, porque eu não podia confiar em Deus para meajudar a mover-me através do caos do meu mundo.

I .. J J I • ~,. I

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John Steinbeck conta uma história reveladora em seu livroCannery Row . Dois homens no romance estão discutindo outropersonagem chamado Henri, o pintor. Henri é Um homem estranho,e boa parte do tempo, um sonhador. Mas há uma coisa que ele fazbem: construir barcos. Henri é um mestre artesão que passa a maiorparte da vida construindo um barco num lote vazio. Por anos, eleajunta materiais - madeira, tinta, latão, parafusos, pregos - paraconstruir um barco magnífico. E Steinbeck diz sobre Remi: "Comoconstrutor de barcos, ele era esplêndido. Henri era um artesãomaravilhoso. O barco era esculpido em vez de construído."

Mas há um problema. Henri nunca termina seus barcos. Eleos constrói linda e perfeitamente, mas recusa-se a terminá-los. Todavez que está perto de completar seu barco, ele muda de direção ecomeça a construir um barco novo e diferente.

Eis aqui a conversa que os dois personagens têm a respeitode Henri:

Doe deu uma risadinha.- Ele ainda está construindo o barco?- Claro - disse Hazel. - Ele mudou tudo. Novo

tipo de barco. Acho que ele vai desmontá-lo e mudá­lo. Doe - ele é doido?

Doe derrubou ao chão o pesado saco de estrelas­do-mar e ficou ali, ofegando um pouco.

- Doido? -perguntou. - Oh, sim, acho quesim. Doido mais ou menos tanto quanto nós, apenasde uma forma diferente.

Uma coisa dessas nunca ocorrera a Hazel. Elese via como uma lagoa cristalina de clareza e sua vidacomo um vidro inquieto de virtude mal compreendida.A última afirmativa de Doe o deixara umtanto ultrajado.

- Mas aquele barco... - bradou. - Ele estáconstruindo aquele barco há sete anos que eu saiba.Os blocos apodreceram e ele fez blocos de concreto.

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Toda vez que ele chegaperto de terminar, muda tudo ecomeça de novo. Acho que ele é doido. Sete anosnum barco.

Doe estava sentado na areia, tirando as botasde borracha.

- Você não entende - disse ele suavemente. ­Henri ama os barcos, mas tem medo do oceano.

Já construí muitos barcos na vida. Construí alguns deles commaestria. Como declarei antes em minha história inicial, eu realizaraalguns dos meus sonhos mais caros até os vinte e oito anos deidade. Mas construí essas realizações em áreas que não eramprimárias. Antes, estava construindo nas áreas que eram seguraspara mim - ensinar, pregar, estudar. Quando se tratava das áreasmais importantes - casamento, filhos, amigos - eu viviaaterrorizado. Oh, eu dava a impressão de estar construindo: serravadesesperadamente as tábuas, aplainava o remate, e montava asferragens. E provavelmente parecia um homem ao fazer tudo isso.Mas eu me sentia como um menino. Tinha medo do oceano, porisso trabalhava para convencer a mim mesmo de que não tinha. Eutrabalhava duro para vencer minha inadequação como homemporque eu não navegaria no oceano enquanto não acreditasse queera adequado.

Como todo homem, luto com a inadequação. O que devemosfazer com isso?

Minha Inadequação É A Minha Força

Homens piedosos são homens quebrados. Eles não têm nadaa provar e nada a perder. Eles se arriscam. Exercem grande fé. Sãoamantes apaixonados.

O caminho do mundo é o de ser forte em lugares fortes. Masessa é uma liderança gentia. A liderança gentia envolve homensfortes dominando pessoas fracas. São homens poderosos usando

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outros para seu próprio benefício.Mas Deus nos chama para sermos fortes em lugares

quebrados. Quando nos definimos em termos de nossoquebrantamento e não de nossa força, seguimos o exemplo do únicohomem perfeito. Ele descreveu Seu chamado nesta vida desta forma:"Eis que vamos a Jerusalém, e o Filho do Homem será entregueaos principais dos sacerdotes e aos escribas, e eles o condenarãoà morte. Eles o entregarão aos gentios. Eles zombarão dele, ecuspirão nele, e o açoitarão, e o matarão" (Mt 20.18-19 - traduçãodo autor).

O Filho do Homem - o homem perfeito - veio para serentregue nas mãos dos seus inimigos, para ser traído por aqueles aquem amava. Ele veio para estabelecer Seu reino através da Suamorte, não através de força aparente. Ele deliberadamente Seentregou àqueles que -sabia - iam matá-Lo.

Eu, contudo, vivo de forma a assegurar que jamais serei traído.Quando minha esposa me diz que estou errado, eu discuto com elaaté ela não ter saída. Sou como um advogado contratado, preparadopara retaliar contra qualquer ataque. Não darei meu coraçãolivremente para não ser traído. Compreendo a seriedade de vivernum mundo brutal, e que o homem que dá de si mesmo sacrificaráapenas a si mesmo no fim. Neste lado do céu, o caos sempre vencerá.

Mas nosso chamado como homens não é diferente do denosso Mestre. Crescer no meu mundo me ensinou que somente oshomens fortes, insensíveis, duros sobrevivem e tomam-se bem­sucedidos. Cristo - através do seu ensinamento e sua vida - nosensinou que somos mais fortes nos nossos lugares mais quebrados.

Eu via meus lugares quebrados - a perda precoce de meupai, minhas inseguranças profundamente arraigadas, minhadisposição sombria, minha propensão ao silêncio, meu medo deintimidade - como desculpas para viver uma vida sem amor. Masquando me recuso a ser quebrado, a ser traído, permaneço °garotinho de temo. É apenas o meu quebrantamento que me trazvida. Quebrantar-me com as minhas tragédias e com o meu pecadome permite ser o homem que fui chamado para ser muito tempo

248 o SILÊNCIO DE ADÃO

atrás na mente de Deus.Homens piedosos são homens quebrantados. Se

compreendêssemos esta verdade, não haveria adultério, não haveriadivórcios. Não abusaríamos de nossos filhos ou dos filhos dosoutros. Não estaríamos nas prisões. Em vez disso relembraríamosa nossos filhos a história de Deus. Se estivéssemos dispostos amorrer pelos outros, então talvez não houvesse mais criançasmorrendo de fome na Somália ou órfãos em Ruanda. Não haveriamais violência. Seria um mundo melhor.

Que história você vai contar?

Contaremos histórias no céu. Que história você vai contar?Dará tristemente os detalhes da vida de um homem obstinado quenunca se permitiu ser incapacitado pelas coisas trágicas oupecaminosas em sua vida? Vai descrever um homem que tinha medodemais para confiar em Deus?

Eu espero contar um tipo de história diferente. Minha histórianão será sobre um Deus que removeu o caos da minha vida. Minhahistória será, essencialmente, que a despeito disso - e a despeitode todos os obstáculos, confusão e temores - confiei em Deus.Direi que Ele nunca tirou minhas inseguranças, mas por Sua graçaencontrei a coragem para confiar nEle mesmo assim. E olhe o queEle fez através de mim! Dá para acreditar? Ele usou as minhasfraquezas - todas elas - para trazer glória a Si mesmo ~

O que capacitará cada um de nós a contar histórias comoessa? O que nos capacitará a ser homens piedosos? A perguntarealmente devia ser, Quem torna isso possível para nós?

O Segundo Adão intrometeu-se em nosso mundo séculosatrás e fez o que o primeiro Adão deixou de fazer: ele adentrou ocaos e feriu de morte a serpente de antigamente. O Segundo Adão,o Verbo encarnado, reverteu a obra do primeiro Adão.

E agora tenho a oportunidade de viver à imagem do SegundoAdão. Posso falar. Posso amar. Posso estar presente, e minhapresença pode tirar os outros de seu silêncio sufocante.

DON HUDSON

Se nos quisessem devorarDemônios não contados,Não poderiam derrotarNem ver·nos assustados.Opríncipe do mal,Com seu plano infernal,Já condenado está;Vencido cairáPor uma só palavra.

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'Martlnho Lutero, "Castelo Forte ENosso Deus"

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LARRYCRABB

A gora, com cinqüenta anos de idade, creio que a vida é muito~aisconfusa, e imensuravelmente mais dificil do que eu achavaquando tinha vinte ou trinta ou até mesmo quarenta anos. (O queserá que vou acreditar quando estiver com sessenta ou oitenta anos?Estou contando com mais fé até lá.)

Deixe-me dar uma idéia da impressão que tenho da minhavida agora - com sua escuridão, com meu medo, com movimentomuito mais difícil e muito mais significativo do que nunca, comCristo, com segui-Lo rumo à masculinidade.

As noites escuras são tão negras quanto uma caverna; sãomenos freqüentes e menos longas do que antes, mas mais escurasdo que nunca. Antes havia sempre uma luzinha acesa durante anoite. Agora encontro-me em uma escuridão tão espessa que possosenti-la - sem poder enxergar nada, com medo de mover, tateandoà procura do interruptor na parede, ou da lanterna na escrivaninha.Quando estou nessa escuridão, procurar uma luz que eu possaacender é o único movimento que arrisco.

E então o encontro: o interruptor elétrico que conheço, ameia altura da parede, a cinco centímetros da porta. Ligo. Nada.Estamos sem eletricidade. Apalpo a escrivaninha e corro a mãosobre ela até tocar a lanterna. As baterias se foram.

Assim, fico ali, na confusão de um mundo que não faz nenhumsentido visível, perplexo sobre o que devo fazer em seguida. Perdio interesse em explorar a escuridão. Toda vez que tento apalpar,raspo o joelho em alguma coisa cortante ou bato com a cabeça emalgo duro. Sinto dor e tontura. A escuridão perdeu o seu fascínio.Já não dá a impressão da aventura que é ficar bisbilhotando noquartinho de despejo de uma casa antiga. Aquilo era divertido.Este aposento parece assombrado. Tenho a impressão de que osmovimentos são perigosos. Aprendi a permanecer imóvel.

Mas só se pode ficar imóvel por certo tempo. Algummovimento parece necessário. Minha mente começa a trabalhar."Eu queria saber como cheguei aqui. As coisas costumavam ser

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mais simples e mais claras e muito, muito mais, felizes. Talvez seconseguir descobrir o caminho que me trouxe a esta sala horrível,eu possa seguir minhas próprias pegadas e cair fora daqui."

Minha mente de conselheiro engrena com um tranco. "Vamosver, quando eu tinha seis anos, minha mãe... No carro aquele dia,Papai... A imagem ainda é clara para mim da época em que..."

Logo me canso. Acompanhar esses tipos de pensamentosparece menos um retrospecto e mais entrar sem querer num labirinto.

Então ouço um amigo chamando meu nome: "Estou na salavizinha. Há um pouco de luz aqui. Talvez você possa seguir a minhavoz para sair da sua sala para a minha."

Sinto esperança. Conheço meu amigo. Ele é bondoso einteligente. Pelo menos, ele pode ver aonde está indo e o que estáfazendo. Talvez ele me possa levar à luz.

Ele fala de novo. "De onde estou, posso ver que a escuridãoque o cerca tem duas fontes: o aposento em si (Como foi que vocêchegou aí?), e seu próprio coração (que temo seja muito mais escurodo que você pensa). Se pudermos entender a natureza da suaescuridão, a compreensão em si pode esclarecer as coisas. Olhemosprimeiro o aposento. O lugar onde você se encontra édesesperadamente confuso. Você precisa aceitar esse fato. Não háde fato diretrizes definidas para se mover a fim de conseguir o quevocê quer. Enfrentar isso talvez ajude.

"E seu coração. Conjeturo se há forças dentro de você quenunca antes admitiu. Talvez seja preciso dar uma boa olhada emcomo você realmente é. Você pode ser muito exigente. E mesquinho.Às vezes é muito arrogante. Ora, não desanime. Há também muitacoisa boa em você. Sua vida tem abençoado muitos, e sou umdesse grupo. Talvez se você vir tanto o bem quanto o mal dentrode si, terá razão de sentir-se entusiasmado, e saberá o que é emvocê que deveria causar quebrantamento. Talvez isso ilumine ocaminho que você deve tomar."

Quanto mais ele fala, menos interessado vou ficando. Se eulhe contasse isso, temo que ele chamasse essa atitude de resistência.Eu chamo de tédio. Há algo com que ficar fascinado, mas não é

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isto aqui. Estou cansado de ouvir as coisas que fascinam a maioriados conselheiros.

Então, com a resignação de um empregado voltando aotrabalho depois de um cafezinho, relembro a mim mesmo as minhasresponsabilidades. Mesmo no escuro, consigo encontrar um jeitode pecar. Talvez meu corpo não possa mover-se, mas minha mentepode com certeza. As fantasias sexuais têm o seu apelo; imagensiradas se convidam a entrar no meu consciente.

Digo a mim mesmo: "Não, isto não é certo. Preciso controlarestes pensamentos. Eu os substituirei por orações pelos outros queestão na escuridão e por aqueles que vivem na luz artificial."

Minha boa determinação parece pesada, como um fardo doqual eu já me tivesse livrado mas agora apanhasse de novo. Essanão pode ser a rota da alegria.

Cá estou eu, com cinqüenta anos, um cristão por mais dequatro décadas, psicólogo, professor e autor - e estou paradonum aposento escuro, paralisado. Está na hora de fazer umaavaliação, de uma forma que eu não poderia fazer fora desteaposento horrível. Talvez eu esteja num lugar bom para aprenderaquilo que só pode ser aprendido no escuro.

Fontes de luz que costumavam ser confiáveis não oferecemnenhuma ajuda. O movimento é impossível. Avaliar a escuridão ­tanto na alma quando no mundo - promete revelar apenas maisconfusão. Determinação moral é uma boa coisa, é claro, mas abondade por escolha parece impossível de ser atingida.

Então, o que devo fazer? Estou com cinqüenta anos, parado- como um manequim - num aposento escuro, incerto do que otempo trará, desejando de todo o coração fazer algo, desejandoqualquer coisa que não seja esta esmagadora passividade. .

Volto meus pensamentos para o traquinas sorridente que lhesmostrei nas páginas iniciais deste livro. E conjeturo quem sou agora,à luz do que alego crer.

Quando criança, eu tinha dois grandes problemas: primeiro,morria de medo de meu chamado para viver como homem nestemundo incerto; segundo, eu não podia escapar-lhe. Meu sorriso

254 o SfLÊNCfO DE ADÃO

escondia o meu medo. Minha "traquinagem" era uma expressãoimatura do chamado a que eu não conseguia escapar, o chamadopara mover-me da maneira que apenas eu podia mover. Tanto osorriso quando a traquinagem mantinham as luzes acesas. Agoraas luzes se apagaram. Será que é bom? Será que o sorriso se foi, otraquinas agora é alguém que se move? Estou-me transformandonum poeta risonho que vivencia o caráter de Deus através de minhasingularidade?

Minha esposa de quase trinta anos me diz que não sorrio tãobem agora, ou com tanta freqüência, quanto costumava sorrir. Dou­lhe a impressão de estar mais sério. E isso não é bom. Às vezesabordo a vida como se fosse uma tarefa opressiva, um devercompulsivo que não permite o riso. Ela gostaria que eu a abordassecomo se fosse uma louca aventura: cheia de altos e baixos que,como um filme antigo, se move rumo a um ato final de heroísmoque coloca tudo no lugar. Acho que a parte do riso não está indomuito bem. E não consigo encontrar o caminho que levaria de voltaa um sorriso travesso de criança.

A parte da poesia também tem seus problemas. Algunsvislumbres da força vitalizadora de Deus escapam sorrateiros atravésda confusão da minha existência. Não muitos, mas talvez mais,agora, do que antes.

E contudo, no meio de tudo isto, sinto-me encorajado: nãopor qualquer olhadela no espelho mas por urna olhadela para cimaque vê um lindo quadro, como uma criança vendo um graciosocavalo nas nuvens brancas. Mas este cavalo realmente seencontra lá.

Ainda não vi Cristo, mas O estou procurando mais do quenunca. Às vezes reconheço Seu contorno. O que é mais importante,creio que agora Ele está ali para ser visto, que Ele deseja ser visto,e que eu O verei: talvez, nesta vida, eu não O veja plenamente, mastalvez chegue bem perto disso.

Pressinto Sua paixão; sinto Seu movimento. Acho que seium pouco do que Ele quer ver desenvolver-se em minha esposa efilhos e em alguns amigos. E realmente acho que Ele pode me usar

LARRY CRABB 255

para ajudar a fazer isso acontecer, não da maneira que um treinadorde basquete usa sua estrela numa jogada crucial, mas mais damaneira como Cristo alimentou uma grande multidão comum lanchezinho.

É difícil sorrir num aposento escuro. Não há ninguém paraver. O sorriso, percebo agora, era para uma audiência. Parece muitomenos importante, agora, impressionar ou entreter alguém. O risoainda não está ali, mas - como alguém que entende uma piadamuito depois do desfecho - vou rir. Sei que isso está vindo; sóque eu demoro um pouco.

E esta determinação malandra de não me conformar está,penso eu, amadurecendo numa liberdade de seguir o meu chamado:esse chamado único sobre a minha vida que significa menosseminários, mais tempo para pensar, ler livros que me obriguem apensar em vez de meramente informar, a ter conversas mais longascom algumas pessoas numa base individual.

Durante essas noites escuras, ainda não posso ver coisaalguma quando olho ao meu redor. A escuridão é intensa demais.Mas posso ouvir. E às vezes ouço a voz inconfundível de Deus. Elanão está no vento nem no fogo nem no terremoto. A escuridão mefez permanecer imóvel o suficiente para ouvir o sussurro suave. I

E a voz é doce e forte e boa.Quero fazer o que ela diz, embora signifique que preciso

mover-me nesta escuridão apavorante. Vejo minha esposa, que jánão é jovem, como mais bela do que nunca. Meus filhos parecem .menos duas razões para eu me preocupar e mais duas oportunidadesbem-vindas para investimento e gozo contínuos.

O dinheiro ainda é muito importante, mas a perspectiva deverdadeiramente ministrar às pessoas está chegando perto. Estemundo está se tornando menos e menos confortável. E à medidaque isso ocorre, uma luz dos céus começa a penetrar na escuridão,Eu a vejo. Quero segui-la. Quero caminhar fielmente no caminhoque ela ilumina. Quero ir para casa - como um HOMEM!

m~r~!!~~ ~ ~t~~~~M~ ~~ urMit~ ~~

~!!Otiâ~~~ ~~ i~iolâ m~r~~!â ~~ r~

~O ~~ij O· ~f


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