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OS (DES)CAMINHOS DA AGROENERGIA NA BAHIA: A PARTICIPAÇÃO DA MRG DE IRECÊ NO CIRCUITO ESPACIAL...

Date post: 18-Sep-2015
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O propósito deste artigo é analisar por qual motivo o cultivo de mamona está retornando para a Microrregião Geográfica (MRG) de Irecê, ou seja, compreender o motivo da localização da ricinocultura (cultivo de mamona) nesta área. Primeiramente, é analisado o marco regulatório que estimula o cultivo da mamona no Brasil. A seguir, o objetivo é identificar as técnicas argumentativas empregadas pelas instituições supranacionais sobre o aquecimento global, pois os estudos publicados por essas instituições são algumas das referências científicas para fundamentar a criação de marcos regulatórios como o PNPB. Por fim, busca-se evidenciar as consequências dos discursos e ações interescalares, formadores do circuito espacial produtivo, que estão repercutindo na intensificação da ricinocultura nas propriedades rurais da área estudada.
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Soc. & Nat., Uberlândia, 27 (1): 67-79, jan/abr/2015 67 Os (des)caminhos da agroenergia na Bahia: a participação da MRG de Irecê no circuito espacial produtivo do agrodiesel Leandro Pessoa Vieira OS (DES)CAMINHOS DA AGROENERGIA NA BAHIA: A PARTICIPAÇÃO DA MRG DE IRECÊ NO CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO DO AGRODIESEL THE PATHS OF THE BAHIA BIOENERGY: MRG OF IRECÊ PARTICIPATION IN THE FUEL FARM PRODUCTIVE SPATIAL CIRCUIT Leandro Pessoa Vieira Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil [email protected] Artigo recebido em 29/05/2014 e aceito para publicação em 14/03/2015 RESUMO: O propósito deste artigo é analisar por qual motivo o cultivo de mamona está retornando para a Microrregião Geográfica (MRG) de Irecê, ou seja, compreender o motivo da localização da ricinocultura (cultivo de mamona) nesta área. Primeiramente, é analisado o marco regulatório que estimula o cultivo da mamona no Brasil. A seguir, o objetivo é identificar as técnicas argumentativas empregadas pelas instituições supranacionais sobre o aquecimento global, pois os estudos publicados por essas instituições são algumas das referências científicas para fundamentar a criação de marcos regulatórios como o PNPB. Por fim, busca-se evidenciar as consequências dos discursos e ações interescalares, formadores do circuito espacial produtivo, que estão repercutindo na intensificação da ricinocultura nas propriedades rurais da área estudada. Palavras-chave: Circuito espacial produtivo. Mamona. Microrregião Geográfica de Irecê. ABSTRACT: The aim of this article is to analyze what reason the castor cultivation is returning to Geographic Microregion (MRG) Irecê, in other words, understand why the the castor cultivation.Firstly, the analysis of regulatory framework that encourages the cultivation of castor in Brazil. Then the goal is to identify the argumentative techniques employed by supranational institutions on global warming, as studies published by these institutions are some of the scientific references to support the creation of regulatory frameworks as PNPB. Finally, we seek to highlight the consequences of discourses and inter-actions, forming the productive spatial circuit, that are impacting the intensification of ricinocultura on farms in the study area. Keywords: Productive spatial circuit. Castor plant. Geographic Microregion Irecê. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-451320150105
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  • Soc. & Nat., Uberlndia, 27 (1): 67-79, jan/abr/2015

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    Os (des)caminhos da agroenergia na Bahia: a participao da MRG de Irec no circuito espacial produtivo do agrodieselLeandro Pessoa Vieira

    OS (DES)CAMINHOS DA AGROENERGIA NA BAHIA: A PARTICIPAO DA MRG DE IREC NO CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO DO AGRODIESEL

    THE PATHS OF THE BAHIA BIOENERGY: MRG OF IREC PARTICIPATION IN THE FUEL FARM PRODUCTIVE SPATIAL CIRCUIT

    Leandro Pessoa VieiraUniversidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil

    [email protected]

    Artigo recebido em 29/05/2014 e aceito para publicao em 14/03/2015

    RESUMO: O propsito deste artigo analisar por qual motivo o cultivo de mamona est retornando para a Microrregio Geogrfica (MRG) de Irec, ou seja, compreender o motivo da localizao da ricinocultura (cultivo de

    mamona) nesta rea. Primeiramente, analisado o marco regulatrio que estimula o cultivo da mamona

    no Brasil. A seguir, o objetivo identificar as tcnicas argumentativas empregadas pelas instituies

    supranacionais sobre o aquecimento global, pois os estudos publicados por essas instituies so algumas

    das referncias cientficas para fundamentar a criao de marcos regulatrios como o PNPB. Por fim,

    busca-se evidenciar as consequncias dos discursos e aes interescalares, formadores do circuito

    espacial produtivo, que esto repercutindo na intensificao da ricinocultura nas propriedades rurais da

    rea estudada. Palavras-chave: Circuito espacial produtivo. Mamona. Microrregio Geogrfica de Irec.

    ABSTRACT: The aim of this article is to analyze what reason the castor cultivation is returning to Geographic Microregion (MRG) Irec, in other words, understand why the the castor cultivation.Firstly, the analysis

    of regulatory framework that encourages the cultivation of castor in Brazil. Then the goal is to identify

    the argumentative techniques employed by supranational institutions on global warming, as studies

    published by these institutions are some of the scientific references to support the creation of regulatory

    frameworks as PNPB. Finally, we seek to highlight the consequences of discourses and inter-actions,

    forming the productive spatial circuit, that are impacting the intensification of ricinocultura on farms in

    the study area.

    Keywords: Productive spatial circuit. Castor plant. Geographic Microregion Irec.

    DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-451320150105

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    INTRODUO

    A notcia chega. No importa qual a mdia, ela aproxima os interlocutores, locutores e receptores, que emitem e recebem inmeras informaes que convergem para uma mesma direo. Pode ser pela internet, televiso, cinema, rdio, livros, msicas, outdoors, embalagens de produtos, brinquedos infantis, enunciados repetidos paulatinamente, independente de a fonte ser cientfica, literria ou artstica, ela chega com uma intencionalidade: a de se instalar. Por vezes, o enunciado no se torna prtica, bem como nem toda prtica se torna discurso. Entretanto, no processo estudado neste trabalho possvel observar que enunciados, prticas e discursos se manifestam, ora de forma sequencial, ora de forma simultnea, a partir de seus entrelaamentos, validando e consolidando uma verdade bem delimitada, e por tal condio simplificante e mutilada.

    Vejamos. Dia 04 de Julho de 2013, um dos principais smbolos americanos e ponto turstico da cidade de Nova Iorque, a Esttua da Liberdade reabriu para visitao de turistas aps suas estruturas serem afetadas pela passagem da tempestade Sandy. Na primeira semana de Novembro de 2012, esse furaco avanou com sua fora natural imponente pela Amrica Central e Caribe e pela Amrica do Norte. Ao acessar os sites de notcias nacionais e internacionais a referncia a este evento meteorolgico est atrelada a um processo climtico com dimenses planetrias. Continuemos. Dia 26 de Dezembro de 2012, cidade do Rio de Janeiro, registrada a maior temperatura desde o incio das medies, em 1915. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a temperatura na zona oeste do Rio chegou a 43,2C. Mais uma vez o evento, pontual, relacionado com um processo planetrio, o suposto aquecimento global que, de acordo muitos estudiosos, acontece devido a emisso de dixido de carbono lanado na atmosfera pelo uso humano da fonte energtica fotossintetizada e mineralizada h milhes de anos.

    Retornando um pouco no tempo, o ento presidente do Brasil, Luis Incio Lula da Silva, viaja no ano de 2007 para uma fbrica instalada para a produo de agrodiesel, localizada no municpio de Iraquara, situado no interior da Bahia, e profere um

    discurso (BRASIL, 2007) no qual propaga a ideia de que o Brasil ir produzir, no sculo XXI, combustveis renovveis que supostamente no iro agredir a natureza, diferente da utilizao dos combustveis oriundos de fontes fossilistas que causam problemas ambientais srios, sobretudo climticos.

    Assim, as discusses sobre a questo ambiental, as mudanas climticas inclusive, tm sido pautadas, de modo predominante, por motivaes ideolgicas, polticas, econmicas e a partir de uma perspectiva neoliberal, que tem como expoente o mercado de carbono e os mecanismos de desenvolvimento limpo (PORTO-GONALVES, 2006). Diversas corporaes, governos, instituies supranacionais e organizaes no governamentais tratam a energia proveniente de biomassa, principalmente a agroenergia, por exemplo, como uma soluo para os possveis problemas climticos. Como questiona Houtart (2010), o interesse maior na implantao do circuito espacial produtivo agroenergtico uma sada econmica para a oscilao do preo do petrleo e para outras crises do capital, independente de sua possvel contribuio ambiental ou a soluo para o clima planetrio?

    Percebe-se ento que o discurso apropriado pelos governos e outras foras geopolticas que alocam novas atividades em seus territrios, na busca por outras fontes energticas o que altera alguns arranjos espaciais e paisagsticos, tambm, em seus domnios territoriais.

    Diante disso, o propsito deste artigo compreender o porqu do onde, ou seja, analisar por qual motivo o cultivo de mamona est retornando para a MRG de Irec. Primeiramente, analisado o marco regulatrio que estimula o cultivo da mamona no Brasil. A seguir, o objetivo identificar as tcnicas argumentativas empregadas pelas instituies supranacionais sobre o aquecimento globais, pois os estudos publicados por essas instituies so algumas das referncias cientficas para fundamentar a criao de marcos regulatrios como o PNPB. Por fim, busca-se evidenciar as consequncias dos discursos e aes interescalares que esto repercutindo na intensificao da ricinocultura (cultivo de mamona) nas propriedades rurais da rea estudada.

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    Os (des)caminhos da agroenergia na Bahia: a participao da MRG de Irec no circuito espacial produtivo do agrodieselLeandro Pessoa Vieira

    O Programa Nacional de Produo e Uso do Biodiesel e a Reorganizao Produtiva da Mrg de Irec

    A mamona um cultivo que se desenvolveu na MRG de Irec, composta por 19 municpios, desde que h agricultura comercial na rea. Contudo, em 2004, foi lanado o PNPB -Programa Nacional de Produo e Uso de Biodiesel intensificando o cultivo na MRG. Este foi o marco que normatizou a produo de combustveis provenientes de leos vegetais no Brasil e, consequentemente, reorganizou algumas atividades produtivas em determinadas reas, alm de inserir algumas categorias scio-ocupacionais, como os agricultores familiares. Com o advento do PNPB houve um novo direcionamento para a mamona e o leo de rcino. Assim, este programa foi o evento que proporcionou a reorganizao e que permite periodizar esse processo na escala nacional, regional e local.

    Para entender o processo de territorializao de polticas pblicas buscamos a ideia de evento. Compreende-se que o evento resulta de uma srie de instantes (SANTOS, 2004, p.143) e o lugar o depositrio final, obrigatrio, do evento (SANTOS, 2004, p.144). Entende-se que a sequncia de instantes que desencadeou essa regulao na escala nacional, foram as tentativas de diminuio da dependncia dos combustveis fsseis ao longo das ltimas dcadas do sculo XX, no por uma revoluo ambiental, mas sim por uma reestruturao da economia global (PORTO-GONALVES, 2006b; SACHS, 2007), altamente dependente das fontes de energia fsseis. Dessa maneira, define-se o evento como o ponto estrutural de um fenmeno processual, sabendo que

    os processos so uma somatria de pontos/eventos. O PNPB como evento precisou de uma srie de outros eventos para se cristalizar em um dado momento. J o lugar, nesse sentido, a MRG de Irec o estado nacional brasileiro, local onde as implicaes diretas e imediatas do PNPB acontecem nas reas de cultivo das oleaginosas que servem como matria-prima para a produo do agrodiesel.

    E quais foram as presses que institucionalizaram um programa destinado para a produo de combustvel de outra matriz que no a matriz fossilista?

    A intensificao do cultivo de mamona, que j era uma cultura desenvolvida na rea h muito tempo (DUARTE, 1963), foi incentivada atravs da mobilizao efetuada pelos agentes de produo de agrocombustveis com a realizao de encontros, seminrios divulgando a importncia da nova finalidade da mamona e os possveis ganhos econmicos que esta cultura poderia trazer para os agricultores e para a regio. Houve a apropriao desta ideia por parte das cooperativas e dos agricultores

    Atualmente, a ricinocultura a quarta lavoura em quantidade produzida na MRG Irec (IBGE, 2011), atrs apenas da lavoura de cebola, tomate e milho, sendo que os dois primeiros so beneficiados pelos projetos de irrigao existentes a leste do Rio So Francisco. Ainda, o cultivo de mamona elevou sua participao percentual na produo estadual e nacional, correspondendo a 71% e 53% respectivamente (Tabela 1). Enquanto isso, diminuiu sensivelmente o cultivo de feijo na MRG nos ltimos 10 anos, bem como sua proporo na lavoura estadual e nacional

    Tabela 1 - Quantidade produzida das principais lavouras temporrias da MRG Irec contextualizando com a produo estadual e nacional 2001/2011 (em toneladas)

    Lavoura

    2001 2011

    Brasil BahiaM R G -Irec

    Brasil Bahia MRG- Irec

    MamonaMilho TomateCebola

    99.95041.962.475 3.103.363 1.050.360

    71.491 992.852 195.275 101.295

    37.638 40.832 3.06016.495

    120.166 55.660.415 4.416.652 1.523.316

    90.0312.051.623 341.008 190.278

    64.436 76.456 91.325 66.730

    Fonte: IBGE - Produo Agrcola Municipal, 2001 e 2011.

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    De acordo com Santos (2012), a territorializao do PNPB no Brasil, e consequentemente na MRG Irec, ocorreu por meio de duas frentes. A primeira, infraestrutural, com a disponibilizao de financiamentos, assistncia tcnica, isenes fiscais, pesquisas para consolidar a distribuio e comercializao das oleaginosas que servem como matria-prima da produo de agrocombustveis. A segunda, regulatria, atravs da participao direta no mercado de agrocombustveis a partir do estabelecimento de uma reunio de elementos na determinao de compra e de percentuais de mistura para a composio do agrocombustvel.

    A considerao do incremento que o PNPB proporcionou ao cultivo da mamona fez com que a ordem agrria em torno desta oleaginosa fosse reorganizada em funo da nova configurao geopoltica mundial considerando a necessidade de transio da matriz energtica (PORTO-GONALVES, 2006b). A questo que essa transio no apenas energtica, mas agrria, considerando que a matria-prima necessria para a produo energtica cultivada. Esse movimento da civilizao do petrleo para a civilizao da biomassa agrega novos agentes que antes usavam suas terras para cultivar a energia que suas necessidades biolgicas corpreas necessitavam. Assim, segundo Santos (2004),

    A ordem global desterritorializada no sentido que separa o centro da ao e sede da ao. Seu espao movedio e inconstante, formado de pontos cuja existncia funcional dependente de fatores externos[...]. Cada lugar , ao mesmo tempo, objeto de uma razo global e uma razo local convivendo dialeticamente (SANTOS, 2004, p.339)

    Desta forma, entende-se que a MRG Irec atua como um ponto funcional da nova configurao geopoltica energtica nacional e mundial. A razo local se manifesta a partir dos incentivos do PNPB, bem como a regulao do mercado, com a manuteno de preos atrativos para o cultivo de mamona. Dessa maneira, a viabilidade estratgica na participao do mercado pautadas nas polticas territoriais implantadas

    pelo governo federal via MDA, permitem a adeso dos agricultores.

    Ainda de acordo com o pensamento de Santos (2004), possvel considerar esse processo como um arranjo espacial caracterstico onde as verticalidades se impem, pois a partir destas, a solidariedade obtida por meio do controle, da circulao e das trocas de fluxos. Isso ocorre por que

    A verticalidade cria interdependncias [...]. Essas interdependncias tendem a ser hierrquicas e seu papel de ordenamento transporta um comando. A hierarquia se realiza atravs de ordens tcnicas, financeiras, polticas, condio de funcionamento do sistema. A informao, sobretudo ao servio das foras econmicas hegemnicas e ao servio do Estado, o grande regedor das aes que definem novas realidades espaciais (SANTOS, 2004, p. 285)

    Considerando isso a razo local verticalizada pela escala nacional atravs dos arranjos normativos para se adaptar s prticas globais. Porm, o arranjo interno da estrutura espacial, poltica, social, cultural e econmica o que diferencia, neste caso, a razo local e sua convivncia com o global de forma dialtica.

    A Nova Retrica Aplicada a Anlise dos Argumentos sobre o Aquecimento Global

    Eu presto ateno no que eles dizem, mas eles no dizem nada

    Engenheiros do Hawaii

    Diversas organizaes cientficas, que tm como expoente o IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas, criado em 1988, vinculado ao PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente e a OMM Organizao Meteorolgica Mundial, efetuam estudos sobre as possveis mudanas climticas que ocorrem no planeta Terra como um todo. Essas instituies regularmente divulgam relatrios de seus estudos que apontam a tese de ocorrncia do AGA Aquecimento

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    Global Antropognico. Com base na configurao argumentativa da retrica de alguns trechos dos relatrios dessas instituies, pretende-se identificar quais so as tcnicas argumentativas empregadas pelos oradores visando a adeso dos auditrios sua ideia. Para essa tarefa foram analisados trs fragmentos de textos, contidos em relatrios escritos por trs instituies distintas.

    O primeiro fragmento de texto foi extrado da quarta edio do relatrio de avaliao produzido pelo IPCC, no qual esta organizao conclui que

    o aquecimento do sistema climtico inequvoco, e evidente nas observaes do aumento das temperaturas mdias do ar e dos oceanos, derretimento de neve e gelo por todo mundo e aumento do nvel do mar (...) A maioria dos aumentos observados nas temperaturas mdias globais, desde a segunda metade do sculo XX, muito provavelmente, devido ao aumento antropognico das concentraes de gases estufa. Isso representa um avano desde a concluso do terceiro relatrio da avaliao, ou ThirdAssessmentReport (AR3) que diz que a maioria do aquecimento observado nos ltimos 50 anos, provavelmente deve-se ao aumento de concentraes de gases estufa. As influncias humanas discernveis atualmente estendem-se para os outros aspectos do clima, incluindo o aquecimento dos oceanos, temperaturas mdias para os continentes, extremos de temperaturas e padres dos ventos. (IPCC AR4 2007 apud CHRISTOPHERSON, 2012, p. 307-308)

    Antes de analisar os argumentos do IPCC necessrio compreender que os termos em destaque na citao fazem parte da classificao dessa mesma instituio para servir de referncia de probabilidade de ocorrncia das mudanas climticas, e possuem o objetivo de assegurar o padro cientfico da informao. Quando compara o terceiro relatrio com o quarto, sobre a ocorrncia do aquecimento climtico observa-se a mudana de nvel de provavelmente para muito provavelmente para esse acontecimento. De acordo com o IPCC, as chances

    de o provvel ocorrer so maiores que 66% e as do muito provvel so maiores que 90%, ou seja, ocorreu uma alterao significativa nas chances de acontecimento do aquecimento climtico. Ainda no fragmento, o IPCC emprega o carter de evidente e para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.4) o que evidente no teria necessidade alguma de prova ou seja, a verdade que se impe de imediato.

    Outrossim, tendo como base os tipos de argumentao indicados por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), o primeiro trecho do texto possui o argumento de diviso do todo por suas partes. Nesse argumento

    [...] divide-se um todo a tese por provar em partes, e, depois de mostrar que cada uma delas tem a propriedade em questo, conclui-se que o todo tem essa mesma propriedade (REBOUL, 2004 , p.171).

    A tese por provar o aquecimento climtico. As partes seriam os diferentes fenmenos observveis: os aumentos da temperatura do ar e dos oceanos, derretimento de neve e gelo e aumento do nvel do mar, e todas elas possuem o aquecimento climtico como propriedade unificadora. Dessa maneira, o todo observvel como a soma das partes que, quando conjugadas e adicionadas umas as outras, constituem um conjunto dado, no caso em questo, o aquecimento climtico global.

    O segundo fragmento de texto foi retirado do Simpsio sobre a Avaliao do Impacto Climtico no rtico ACIA elaborado em 2004, no qual foi considerado que

    As atividades humanas, principalmente a queima de combustveis fsseis (carvo, leo, gs natural) e, secundariamente, o d e s m a t a m e n t o , t m a u m e n t a d o a s concentraes de dixido de carbono, metano e outros gases que retm o calor (uma estufa) na atmosfera (...) prev-se que estes fatos levaro a mudanas climticas persistentes e significativas (...) projeta-se que essas mudanas tero vrias consequncias, incluindo o impacto significativo sobre

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    comunidades costeiras, as espcies de animais e plantas, os recursos hdricos e a sade e o bem-estar humano (ACIA 2004, apud CHRISTOPHERSON, 2012, p. 308-309).

    Na parte inicial desse trecho, utilizado o argumento pragmtico, pois se estabelece uma relao de causa/consequncia, indicando que o aumento das concentraes de dixido de carbono (CO

    2) causado pelas atividades humanas, sobretudo

    pela queima de combustveis fsseis. Avaliando que o efeito da concentrao de CO

    2 o aquecimento

    climtico, atribui-se a essa causa (concentrao de CO

    2)a condio para esse efeito, sendo utilizado

    nesse pensamento um raciocnio lgico-formal linear. Esse tipo de argumentao

    [...] apresentado amide como uma simples pesagem de alguma coisa por meio de suas consequncias. Mas muito difcil reunir num conjunto todas as consequncias de um evento e, do outro lado, determinar a parte que cabe a um evento nico na realizao do efeito. Para que a transferncia de valor se opere claramente, tentar-se- mostrar que certo evento condio necessria e suficiente de outro (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.306).

    Considerando a hiptese da existncia do aquecimento climtico, esses processos seriam as nicas causas?

    Continuando com a anlise, agora na parte final do fragmento, possvel identificar o argumento de propagao que uma das formas que podem assumir o argumento de direo. Quando o relatrio informa os possveis impactos, h pretenso de convencer que esses iro se multiplicar e, por tal condio, ser cada vez mais nocivos (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005).

    O terceiro e ltimo fragmento foi extrado do relatrio feito pela Associao Americana para o Avano da Cincia AAAS, no qual o autor Naomi Oreskes analisou 928 trabalhos sobre mudanas climticas e concluiu que

    Esta anlise demonstra que os cientistas que publicam em peridicos cientficos de renome concordam com o IPCC, a Academia Nacional de Cincias dos Estados Unidos, ou NationalAcademyofSciences (NAS) e com as declaraes pblicas emitidas pelas sociedades profissionais. Polticos, economistas, jornalistas e outros podem ter a impresso de que os cientistas do clima esto confusos ou em desacordo, mas esta impresso incorreta (...) existe um consenso cientfico sobre a realidade das mudanas climticas antropognicas (AAAS, 2004 apud CHRISTOPHERSON, 2012, p. 309)

    De imediato, observa-se a utilizao do argumento de autoridade. Atravs do uso desse tipo de argumentao, pretende-se evocar a autoridade conveniente para a confirmao da tese apresentada. o discurso institudo, permitido e autorizado pelos especialistas do mbito de sua competncia, o que Chau denominou de discurso competente (CHAU, 1993) Como o conhecimento cientfico, na contemporaneidade, ainda uma produo que possui um estatuto privilegiado quando comparado com outras formas de produo do conhecimento recorre-se frequentemente as produes acadmicas para que o argumento seja validado como confivel. Ainda considerando esse fragmento, possvel apontar a incompatibilidade no discurso, pois o relatrio negligencia outros estudos das mais diversas reas que refutam a hiptese do AGA.

    Por meio dessa anlise, no h a inteno de identificar se h ou no o AGA. Pretende-se aqui, demonstrar que o poder discursivo cientfico-ideolgico tem o objetivo de persuadir e vrias naes se apropriam da causa, o aquecimento climtico, que fundamenta a construo de polticas pblicas com estratgias que esto em consonncia, ao menos, com as metas internacionais de emisso de gases estufa. E essas prticas reorganizam diversos espaos pelo mundo e uma das expresses espaciais desse contexto geo-histrico a MRG de Irec com o apoio massivo do Estado em suas distintas esferas

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    A Evocao Ambiental e a Consolidao do Circuito Espacial Produtivo

    O PNPB foi pensado pelo governo federal para produzir o agrocombustvel e atravs do seu uso diminuir as emisses de gases poluentes e causadores do aquecimento global. Porm, alm desse objetivo, a propalada via discursiva de gerao de emprego e renda, propiciou a sensibilizao das outras unidades polticos-administrativas (a Bahia lanou um programa em 2007, o BAHIABIO para estar em consonncia com o PNPB e estimular a produo de agrocombustvel no estado), de agricultores, de instituies das mais diversas ordens, desde corporaes a estabelecimentos para a formao de um arranjo produtivo local (APL) de mamona.

    O estado da Bahia para estar consonante com as solicitaes e com as necessidades (estratgico-econmicas) globais para a diminuio da emisso de gases estufa, implantou um projeto para fomentar a produo de agrocarburantes no estado: o Bahiabio, programa que

    Insere na agricultura do Estado um novo sistema de produo agrcola, a agroenergia, no destinado produo de alimentos, porm sem competir com esta, e, sim, responsvel pela produo de matrias-primas energticas renovveis, que devero gradativamente substituir a energia oriunda do petrleo e do carvo mineral, altamente agressiva ao equilbrio ambiental.O Estado da Bahia no pode deixar de atender ao chamado mundial para produzir combustveis renovveis e de menor impacto ambiental, uma vez que possui uma oferta de recursos naturais que o coloca numa posio de liderana no contexto nacional, contando com extenso territorial que permite a expanso da fronteira agrcola, altos ndices de insolao, verdadeiro laboratrio de fotossntese, dado a sua condio tropical, e um clima que atende s necessidades das principais culturas para a produo em massa de oleaginosas e cana-de-acar. (SEAGRI, 2008)

    A evocao ambiental o mote para a adeso de diversos segmentos desde agricultores s indstrias e governos, aos chamados internacionais, para melhorar a qualidade e diminuir a temperatura global haja vista que o aquecimento global e antropognico para quem adere a essa ideia. Alm desse processo evocatrio, a valorizao das potencialidades naturais do estado da Bahia tambm est presente no texto, conclamando os possveis envolvidos a participarem dessa empreitada. importante ressaltar que a tropicalidade resultado do binmio gua/insolao que por sua vez possibilita aos vegetais realizarem fotossntese. Dessa maneira, para um cultivo agrcola a tropicalidade geradora de um enorme potencial produtivo (PORTO-GONALVES, 2006a) e tratado como um insumo agrcola.

    Este apelo internacional com anuncia dos estados nacionais e de suas unidades federativas est criando novos territrios e reorganizando paisagens. Nos estudos de Lopes, Andrade e Pontes (2011) sobre as dimenses sociais e ambientais do uso de culturas energticas no Territrio de Irec, conclui-se queesse processo na rea ainda est em construo, considerando que os arranjos produtivos locais so

    [...]aglomeraes territoriais de agentes econmicos, polticos e sociais, com foco em um conjunto especfico de atividades econmicas e que apresentam vnculos e interdependncia. Geralmente, envolvem a participao e a interao de empresas que podem ser desde produtoras de bens e servios finais at fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de consultoria e servios, comercializadoras, clientes, entre outros - e suas variadas formas de representao e associao. Incluem, tambm, diversas outras instituies pblicas e privadas voltadas para: a formao e capacitao de recursos humanos, como escolas tcnicas e universidades; pesquisa, desenvolvimento e engenharia; poltica, promoo e financiamento (LASTRES et al., 1999, p.13).

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    De acordo com a Dalla Vecchia (2006) os APLs so compostos por alguns elementos, os principais so:

    - a dimenso territorial, considerando a proximidade geogrfica como fonte de dinamismo local, pois a populao de uma determinada rea possui experincias semelhantes nas dimenses culturais, sociais, econmicas e espaciais;

    - a multiplicidade de agentes participantes dos processos. A participao de diversos segmentos sociais, econmicos e polticos que atuam nessas trs dimenses, como os agricultores, as cooperativas, a indstria ricnoqumica (que utiliza como matria-prima o leo de rcino extrado da mamona) as trs esferas poltico administrativas e outras instituies. Todo um complexo envolve e articula esses trs segmentos que necessitam se intercambiar para que haja o avano das atividades. Neste elemento residem tambm as instituies de pesquisa que buscam fomentar a produo por meio das pesquisas e de assistncia tcnica.

    - os chamados conhecimentos tcitos que esto implcitos, mas so compartilhados pelos agentes, sobretudo pelos agricultores. Pode-se considerar tambm esse conhecimento uma forma de saber cultural que foi enraizado pelas prticas e experincias com o cultivo de mamona.

    - os diferentes modos de gesto, participao e interveno dos participantes do APL, ou seja, a governana hierrquica ou no hierrquica, diferenciadas pelo grau de centralizao e verticalizao das aes decisrias.

    - as articulaes dos agentes do APL com outras organizaes intra e inter APL, inclusive como s relaes com os recursos naturais que ocorrem para o funcionamento do APL.

    Essa modalidade de desenvolvimento regional foi apoiada, sobretudo, por meio das polticas territoriais da Secretaria de Agricultura Familiar SAF, do MDA para que houvesse a participao efetiva da categoria scio-ocupacional dos agricultores familiares nessa rede, ou seja, envolve o espao agrrio, no intuito de estimular novas dinmicas socioeconmicas, com base na integrao produtiva entre diferentes classes sociais. O estmulo ao fortalecimento das chamadas identidades culturais difundido para que seja

    efetuada uma territorializao de polticas pblicas pautadas na noo de pertencimento territorial e identitrio.

    Ainda, analisando o que pode acontecer com essa conformao e os processos que promovem sua possibilidade importante entender o evento e suas articulaes interescalares, pois de acordo com Santos (2004)

    [...]se considerarmos o mundo como um conjunto de possibilidades, o evento um veculo de uma ou de algumas dessas possibilidades existentes no mundo. Mas o evento pode ser o vetor das possibilidades existentes numa formao social, isto , num pas, ou numa regio, ou num lugar, considerados esse pas, essa regio, esse lugar como um conjunto circunscrito e mais limitado que o mundo (SANTOS, 2004, p. 144)

    O evento, apesar de ser um ponto, o movimento de outros pontos e, por tal condio, se torna estrutura de transformaes determinadas, mesmo que diminutas, pelas necessidades sociais, espaciais, polticas e econmicas.

    Porm, como alerta Santos (2005), esse lugar um espao que reproduz a totalidade social, mas mais limitado que o mundo. A possibilidade de formao de um APL na MRG de Irec surge como uma necessidade externa, considerando os recortes espaciais, mas tambm como aquilo que preciso para as pessoas que nessa area habitam, no sentido de poder proporcionar uma melhoria nas condies de vida dos agricultores para impulsionar o desenvolvimento local.

    Essas tentativas j foram realizadas nesse espao por meio da agricultura comercial, entretanto com outro tipo de cultivo, o de feijo. Assim como agora, na poca dos feijoeiros, as verticalizaes do estado atuavam para promover essa atividade. Entretanto, o que distingue esse perodo atual do anterior que essa necessidade nacional, mas com uma forte presso geopoltica de outros Estados nacionais e das instituies supranacionais para que certas medidas sejam tomadas para diminuir a emisso de gases que supostamente causariam o AGA.

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    A ricinocultura voltada para essa finalidade se encaixa nas diretrizes dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo MDL, previsto no Protocolo de Kyoto, pois alm de diminuir a emisso de gases poluentes a partir da queima do combustvel no qual haja o aditivo do biocombustvel, o cultivo de mamona auxiliaria no sequestro de carbono da atmosfera, podendo ser comercializadas no mercado de carbono.

    Vrios autores como Porto-Gonalves (2006a) e Leff (2003) apontam que as formulaes dessas medidas como o MDL so elaboradas no contexto neoliberal, da evocao do desenvolvimento sustentvel. Em seus pensamentos, concluem que os maiores emissores de gases do efeito estufa transferem suas responsabilidades para os pases em desenvolvimentos, alterando atividades agrcolas e aumentando as reas de unidades de conservao, baseadas numa restaurao ambiental da economia.

    Dessa maneira

    [...] a geopoltica do desenvolvimento sustentvel v com otimismo a soluo das contradies entre economia e ecologia ao propor, ainda, a reconverso da biodiversidade em coletores de gases de efeito estufa (principalmente dixido de carbono), com o qual se exime de responsabilidades os pases industrializados pelos excedentes de suas cotas de emisses, enquanto se induz uma reconverso ecolgica dos pases do terceiro mundo (PORTO-GONALVES, 2006, p.345).

    Portanto, essa reorganizao produtiva, na forma de APL como propem Lopes, Andrade e Pontes (2011) em construo e a refuncionalizao atribuda a ricinocultura so configuraes espaciais do perodo tcnico-cientfico-informacional. E como afirma Santos (2004), o sistema tcnico hegemnico, na atualidade, a prpria informao. Sendo os sistemas tcnicos invasores torna-se necessrio reconhecer que

    [...] sua capacidade de invaso tem limites. Esses limites so dados pela diviso do

    trabalho e pelas condies de criao de densidade. Quanto mais forte, numa rea, a diviso do trabalho, tanto mais h tendncia para que esses sistemas hegemnicos se instalem. Nesse lugares, mais eficaz a ao dos motores da economia mundializada, que incluem as instituies supranacionais, as empresas e os bancos multinacionais. E a densidade j notavam Marx e Durkheim- uma fator de diviso do trabalho pois facilita a cooperao. (SANTOS, 2004, p.179).

    Ademais, obviamente que o processo de internacionalizao do capital ocorre e tambm se reproduz na MRG de Irec. O APL em construo permite uma diviso do trabalho e a densidade se revela na proporo do cultivo nesta rea quando relacionado com a escala nacional. Modificaes no territrio reorganizam os arranjos paisagsticos que no caso da MRG de Irec, alteram os espaos rurais que podem gerar as mais diversas presses ambientais. Nessa rea, em 2011, mais de 40% (IBGE, 2011) da rea colhida de mamona, considerando todas as lavouras temporrias cultivadas na MRG de Irec. Ou seja, convertem-se os agroecossistemas da rea alterando as organizaes paisagsticas e as dinmicas naturais.

    Do mesmo modo que os sistemas tcnicos tm limites, na MRG de Irec visvel a atuao do sistema tcnico hegemnico. As dinmicas territoriais e paisagsticas possuem relao prxima com a informao.

    De acordo com Santos (2004), sobre o meio-tcnico-cientfico-informacional

    Podemos (...) falar de uma cientifizao e de uma tecnicizao da paisagem. Por outro lado, a informao no apenas est presente nas coisas, nos objetos tcnicos, que formam o espao, como ela necessria ao realizada sobre essas coisas. A informao o vetor fundamental do processo social e os territrios so, desse modo equipados para facilitar a circulao. (...) Os espaos assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemnicos da economia, da cultura e da

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    poltica e so incorporados plenamente s novas correntes mundiais. O meio tcnico-cientfico-informacional a cara geogrfica da globalizao. (SANTOS, 2004, p. 239)

    O retorno e a refuncionalizao da ricinocultura na MRG de Irec esto inseridos no que o prprio Milton Santos (2012a) considera como papel desptico da informao, quando esta apropriada e utilizada por uma pequena parcela da sociedade, Estado e/ou empresas, e antecede qualquer outra ao humana e tem como uma de suas consequncias a ampliao de desigualdades.

    Como nos alerta Lobo dos Santos (2012) em seu estudo sobre a sujeio da renda na terra camponesa no Territrio de Irec, fruto das aes do PNPB, as alteraes provenientes da implantao dessas polticas, conclui que o PNPB um gerador de desigualdade pois,

    Na prtica, a realidade espacial e territorial vem mostrando que o PNPB tem se revelado muito mais em um instrumento do capital para a gerao de novos atalhos para a acumulao e de densa rede aos novos fluxos de capital no contexto da reestruturao das formas de apropriao do espao. Essas novas formas de atuao calcadas na acumulao flexvel, com fundamento nos novos fluxos de capital, implica em aes que, articuladas com polticas pblicas de Estado, colocam a tradicional discusso conceitual sobre o campesinato em zona instvel (SANTOS, 2012, p.251 e 252).

    Para esse autor, o principal problema gerado por essa territorializao de polticas pblicas a expropriao da renda da terra camponesa com o cultivo de mamona, sobretudo com a transformao das relaes trabalhistas desses agricultores. Neste caso, concorda-se com Lobo dos Santos (2012) sobre esse problema. Entretanto, no se pode olvidar as outras presses ambientais que so geradas e que interferem ou podero interferir tambm na reproduo do espao agrrio da MRG de Irec.

    Diante da exposio dos pensamentos de

    Lobo dos Santos (2012) e sua conformidade com o pensamento de Milton Santos (2004), entende-se que na MRG de Irec, a estrutura produtiva da mamona, com elevada intensidade de fluxos materiais e imateriais ocorre, alm da formao do APL, essa rea participa de um circuito espacial produtivo.

    Para Castillo e Frederico (2010), a noo de circuito espacial produtivo supera a ideia de que os circuitos produtivos so circunscritos regionalmente. O exemplo da MRG de Irec permite avaliar que ela integra um circuito espacial produtivo que no se inicia e no se encerra nessa rea. A MRG de Irec apenas um dos fixos funcionais produo de agroenergia no Brasil que, por sua vez, responde s presses internacionais com essa produo.

    Assim,

    Os circuitos espaciais de produo pressupem a circulao de matria (fluxos materiais) no encadeamento das instncias geograficamente separadas da produo, distribuio, troca e consumo, de um determinado produto, num movimento permanente (CASTILLO e FREDERICO, 2010, p.464).

    A produo no deve ser considerada apenas o ato produtivo em si, mas todos os processos que originaram aquela ao, ou seja, desde a propagao da ideia de que h um AGA os preos do barril do petrleo aumentam no mercado mundial, houve at a produo de energia alternativa s fontes fossilistas.

    Contudo, apenas pode ser feito uso desse conceito na perspectiva citada, se for utilizado tambm a noo de crculos de cooperao no espao. Enquanto o circuito espacial produtivo pressupe a circulao de matria, aquilo que ordena e regula a produo deve ser compreendido tendo esse conceito como norte analtico. Ainda para Castillo e Frederico (2010) os crculos de cooperao no espao

    Tratam da comunicao, consubstanciada na transferncia de capitais, ordens, informao (fluxos imateriais), garantindo os nveis de organizao necessrio para articular lugares e agentes dispersos geograficamente, isto , unificando, atravs de comandos centralizados,

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    as diversas etapas, espacialmente segmentadas da produo (CASTILLO; FREDERICO p.464-465)

    O circuito espacial produtivo existe quando h uma troca de fluxos visveis e invisveis entre as diversas escalas permitindo compreender como se organiza, como regulado e como se d o uso do territrio.

    Por isso, ainda de acordo Castillo e Frederico (2010), analisando um processo de produo, atravs da noo do circuito espacial produtivo possvel compreender as diferentes etapas do processo produtivo articulando dialeticamente o lugar e o mundo. Retoma-se aqui a discusso escalar e concorda-se que o lugar, no caso a MRG de Irec se articula dialeticamente com o mundo, mas nesse caso com auxlio e participao efetiva da escala nacional por meio das territorializaes de polticas pblicas, tal como planejado via PNPB.

    CONSIDERAES FINAIS

    Ao longo deste t rabalho buscamos compreender que o atual uso poltico e econmico da noo de aquecimento global pode implicar em modificaes das mais diversas dimenses, inclusive a ambiental. Na MRG de Irec observamos que as alteraes espaciais so inicialmente, observadas no arranjo paisagstico, sendo que este reorganizado devido a implantao de convenes, normatizaes e prticas na escala global, nacional e localpor meio da territorializao de polticas pblicas.

    Os discursos pr-descarbonizao da economia evocam o ambiente para executar suas prticas como se estas fossem isentas de gerar problemas ao ambiente. No Brasil a introduo de medidas para uma produo energtica, via biomassa, contempla esta utilizao poltica da ideia de aquecimento global. Na MRG de Irec, a configurao paisagstica est sendo moldada, em consonncia com as ordens nacional e global.

    Na MRG de Irec, os diversos agentes que participaram desde o perodo de planejamento da implantao da ricinocultura para esta finalidade, h uma dcada, aderiram incondicionalmente as

    intervenes como a principal via possvel para o desenvolvimento da agricultura regional e essa mobilizao intensificou a ocupao das propriedades rurais como cultivo de mamona.

    A partir dessa mobilizao houve a apropriao dos recursos naturais, do saber cultural dos agricultores para propiciar condies de acumulao que aparentemente seriam distribudas entre todos. Contudo, existem vrios nveis de acumulao como a dos atravessadores, das corporaes estatais e de empresas internacionais enquanto os agricultores esto na base desse circuito.

    E essas condies de acumulao justificam a localizao desse cultivo com o objetivo de produzir agroenergia na MRG de Irec. As condies naturais, os saberes dos agricultores e a possibilidade de acumulao, cada vez mais acentuada, da renda dos agricultores. O monoplio da terra ocorre, no por meio das propriedades rurais, e sim pelo monoplio do cultivo de mamona.

    Ademais, observou-se que est havendo gradativamente uma converso da categoria sociocupacional. Para o cultivo de mamona os agricultores esto cada vez mais utilizando essa modalidade, pois o preo permite o investimento de agricultores capitalizados Os pequenos agricultores esto diminuindo a sua participao neste cultivo, pois a produtividade das reas dos agricultores capitalizados que cultivam a mamona na modalidade irrigada est concentrando essa atividade. O aumento dos custos e a converso dos cultivos de sequeiro para a modalidade irrigada so indicadores desta situao. Esse acrscimo de usurios da irrigao gera problemas aos recursos hdricos, como j citado, e aos solos se no houver manejos adequados. Assim, a evocao ambiental, gera acumulao diferenciada para os participantes do circuito espacial produtivo e presso ambiental similar nas reas de e prximas ao cultivo.

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