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Os Discipulos Administrativistas de Maurice Hauriou

Date post: 15-Sep-2015
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Direito Administrativo - Bibliografia
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Os discipulos administrativistas de MAURICE HAURIOU Eric Millard To cite this version: Eric Millard. Os discipulos administrativistas de MAURICE HAURIOU. Revista Opini¯ao ju- ridica, 2005, 3 (6), pp.353-372. <halshs-00125708> HAL Id: halshs-00125708 https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00125708 Submitted on 22 Jan 2007 HAL is a multi-disciplinary open access archive for the deposit and dissemination of sci- entific research documents, whether they are pub- lished or not. The documents may come from teaching and research institutions in France or abroad, or from public or private research centers. L’archive ouverte pluridisciplinaire HAL, est destin´ ee au d´ epˆ ot et ` a la diffusion de documents scientifiques de niveau recherche, publi´ es ou non, ´ emanant des ´ etablissements d’enseignement et de recherche fran¸cais ou ´ etrangers, des laboratoires publics ou priv´ es.
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  • Os discipulos administrativistas de MAURICE

    HAURIOU

    Eric Millard

    To cite this version:

    Eric Millard. Os discipulos administrativistas de MAURICE HAURIOU. Revista Opiniao ju-ridica, 2005, 3 (6), pp.353-372.

    HAL Id: halshs-00125708

    https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00125708

    Submitted on 22 Jan 2007

    HAL is a multi-disciplinary open accessarchive for the deposit and dissemination of sci-entific research documents, whether they are pub-lished or not. The documents may come fromteaching and research institutions in France orabroad, or from public or private research centers.

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  • OS DISCPULOS ADMINISTRATIVISTAS DE MAURICE HAURIOU Eric Millard

    (traduit par Valeschka Braga e Silva)

    Revista Opinio Juridica Ano III-n 6 2005.2 (353-372)

    Uma preocupao elementar de realismo e de honestidade leva, inicialmente, a prevenir os leitores de que no ser possvel tratar a totalidade das questes que um ttulo talvez um pouco rapidamente escolhido impe. Tentar-se- falar Sobre os discpulos administrativistas de Hauriou, indagando-se mais precisamente se eles perpetuam uma Escola da qual Hauriou seria o fundador e da qual seu pensamento seria o alicerce.

    Pensando bem, tal reformulao no necessariamente ilegtima: chega-se sempre tarde e o estado atual do direito administrativo j foi longamente e pacientemente relatado, sobretudo por Lucien Sfez que, em uma tese clssica analisando a Contribuio do decano Hauriou ao direito administrativo francs, dedica um longo captulo (mais de 130 pginas) difuso do pensamento administrativo de Hauriou na doutrina.1 Tema aps tema, sem deixar de lado qualquer autor importante que seja, Lucien Sfez mostra e mede as relaes entre doutrinas, questiona os discpulos para ver o grau de fidelidade e as eventuais distncias, em sntese, ele delimita as questes.

    verdade que a tese de Lucien Sfez tem agora mais de trinta anos. Mas se ela deve ser completada, se h eventualmente uma renovao do interesse administrativista para Hauriou, provvel que os ensinamentos gerais que Lucien Sfez pde tirar sobre estes pontos da influncia doutrinal no devem ser radicalmente modificados.

    A primeira constatao que deve ser feita abordando este tema a de sua amplitude: nada escapa a Hauriou em direito administrativo. Se no for a globalidade da anlise, cada um encontrar, que em tal desenvolvimento de seu compndio, que em tal comentrio de jurisprudncia, matria para enriquecer sua reflexo, e cada um deve reconhecer quem, sobre uma ou outra questo, ou pode ser discpulo de Hauriou.

    Mas a segunda observao se refere apreenso deste pensamento: ele evolutivo, s vezes contraditrio, em todo caso a priori renitente em ater-se em uma doutrina, que seria a de uma Escola claramente identificvel. Lembramo-nos, por exemplo, da dialtica entre o poder pblico e o servio pblico: dialtica no tempo, para saber qual dos dois elementos caracteriza o direito administrativo; mas dialtica tambm na estrutura, pois a prioridade dada a um (o poder) s se concebe em uma relao dialtica outra (o servio). Em que ento se apoiar? Jean Rivero j constatava que na unidade subjacente do pensamento preferia seu movimento.2

    No podendo retomar aqui todos os temas, todos os autores, todos os escritos, pareceu possvel tentar esclarecer apenas algumas pistas: falar sobre os discpulos, interrogar-se sobre a prpria Escola, esclarecer as relaes entre Hauriou e o direito administrativo.

    1 SFEZ, Lucien. Contribution du Doyen Hauriou au droit administratif franais. Paris: LGDJ, 1966, p. 333-478. 2 RIVERO, Jean. Maurice Hauriou et le droit administratif. Ann Toulouse, 1968, p. 140 et seq.

  • Se ns estamos estivemos reunidos sob a gide da Sociedade Francesa para a Teoria e a Filosofia Polticas e Jurdicas, foi para debater essencialmente a sobre a teoria e sobre a filosofia jurdicas de Hauriou. Poderia parecer, ento, surpreendente que uma comunicao se atenha ao Direito Administrativo.

    , portanto, primeira vista, a matria que Hauriou mais destacou com sua marca (ao ponto de ele ser muitas vezes apresentado como um de seus fundadores3), e a quantidade de documentos que ele dedicou ao assunto (as 11 edies do compndio de direito administrativo, os 3 volumes de comentrios de jurisprudncia) so o testemunho.

    Obra de tcnico do direito? Obra de filsofo do direito? V-se a uma ambigidade a considerar: o Direito Administrativo

    concebido por Hauriou , para retomar a expresso de Jean Rivero, um direito sem fronteira, disciplina de sntese que se alimenta de todos os ramos do conhecimento jurdico e no jurdico.4

    E se se pretende ater a seguir os discpulos administrativistas de Hauriou, na inteno de compreender o Direito Administrativo como uma matria no separada da construo de um sistema jurdico e explicativo global.

    Para avaliar se h Escola, se h discpulos isto , se h uma vontade por parte dos administrativistas de incorporar uma parte significativa do pensamento de Hauriou - preciso definir um elemento de coeso e de referncia, parece que o que caracteriza evidentemente a atitude daquele fundador, real ou hipottica, no menos fundado que uma outra.

    Espera-se que avanando na comunicao os ensinamentos que uma tal grade desvendar lhe daro uma legitimidade que talvez lhe falte simples afirmao, mas no posso aqui, buscar mais adiante, sem correr o risco de tratar uma outra comunicao: aquela sobre a noo de Escola.

    Esta dificuldade levantada a efeito faz surgir logo outras. Elas podem se concentrar em torno de uma questo de legitimidade/verdade tericas.

    O exerccio ao qual lhes convido tende, finalmente, a aproximar teorias ou doutrinas as mais diversas j que, por definio, a recepo em Direito positivo, notadamente em jurisprudncia, excluda da anlise cujos nicos pontos comuns so, talvez, os de se ligar de uma maneira em que o essencial reste ainda a ser desvendado, no pensamento de Hauriou, e de versar mais ou menos sobre o Direito Administrativo.

    Seria preciso comparar estas doutrinas entre si a fim de apreciar seus pontos comuns, o que permitir falar de Escola.

    Seria preciso julgar seu grau de parentesco com o pensamento de Hauriou ou, talvez, os pensamentos, pois o plural justificaria o carter evolutivo e atento do mesmo a fim de verificar se h motivo para se falar de discpulos.

    Eis uma interpretao a ser feita, medidas a serem efetuadas, de julgamentos a serem feitos...

    3 BERTHLMY. Discours loccasion de linauguration du monument lev Hauriou par la facult de droit de Toulouse. Plaquette Sirey, Paris, 22 avr. 1931. 4 RIVERO, Jean. Maurice Hauriou et le droit administratif., op. cit,, p. 146.

  • E isto deve ser feito em um tempo reduzido abstendo-se, finalmente (ou tentando se abster) de levar em considerao o valor intrnseco destas teorias e doutrinas. A anlise que nos retm no se atm sobre o valor das teorias estudadas como tal, mas sobre seu nvel de parentesco ou de relao com uma outra teoria, a de Hauriou da qual h de se convir, sua pertinncia permanece em debate.

    Ora os discpulos eventuais de Hauriou no tentaram reproduzir de qualquer maneira uma verdade revelada: o pensamento de Hauriou. Eles quiseram fazer sua prpria reflexo, nos termos que julgavam pertinentes, e retendo de Hauriou, como de outros, o que lhes parecia justo e til.

    Apareceram evidentemente dificuldades desde que nos propomos, como j foi dito, a fazer no campo do Direito Administrativo uma investigao tomando seus fundamentos da filosofia jurdica de Hauriou. Aqui as filiaes nem sempre sero reveladas; como as investigaes de paternidade nem sempre sero admissveis; ser preciso eventualmente revirar os textos, ligar-se ao que pode parecer uma questo de detalhe (as citaes, as referncias, etc.).

    A revelao destas dificuldades no depende da simples polidez retrica. Quer-se assim informar claramente que no se trata de questo de construes definitivas, nem de julgamentos de valor. A reflexo em todos os sentidos da palavra - sobre os discpulos administrativistas de Hauriou s parece ter interesse para nos remeter s concepes, sem dvida diversas, talvez contraditrias, em todos os casos imprecisas, que fazemos de seu pensamento.

    Dito isto, resta a detalhar como apreender estas questes, desvendar a grade proposta.

    Parece, inicialmente, que s se pode constatar, como um fato objetivo, que uma parte da doutrina se julga bastante consciente das idias de Hauriou e faz uso de alguns de seus conceitos como outra parte se declara abertamente hostil.

    A anlise mostra que estes discpulos se encontram essencialmente para tentar defender, no campo do Direito Administrativo, conceitos que eles utilizam de maneira diferenciada em suas anlises, sem lig-las sempre ao sistema jurdico global de Hauriou, introduzindo assim uma distorso.

    Esta dupla caracterizao (discpulos/defensores discpulos/administrativistas) exige que se procure saber se a abordagem fragmentada (limitada ao Direito Administrativo) da obra de Hauriou permite realmente relatar uma fidelidade de sua atitude e, leva a duvidar que possam existir, assim definidos, discpulos administrativistas de Hauriou.

    I Um fato : a existncia em Direito Administrativo de uma

    Escola defensora de Hauriou

    Alm dos emprstimos esparsos das anlises tcnicas propostas por Hauriou, pode-se destacar, a partir dos ltimos escritos de Hauriou, e ainda no mbito da literatura de Direito Administrativo que lhe posterior, uma corrente relativamente homognea, embora minoritria, que parece poder constituir uma Escola.

  • Esta Escola se caracteriza mais pela reao, que pela construo: ela pretende defender a validade dos conceitos propostos por Hauriou, que so constatados pela doutrina administrativa dominante, sem buscar necessariamente resgatar uma abordagem comum a diversos juristas que recorreriam, identicamente, a Hauriou.

    O ngulo da defesa, assim caracterizado, constitui o nico elemento de homogeneidade que rene autores tendo um pensamento que lhes prprio. Estes fatos e motivaes no so sem conseqncias sobre a imagem que forjada do pensamento de Hauriou, que foi desta forma difundida e retomada.

    Que nos coloquemos inicialmente sobre o terreno da defesa quando se aborda Hauriou, no deve causar admirao: as propostas que ele formula, seu sistema, bem como seu vocabulrio e seus conceitos provocaram fortes crticas, a ponto de Jean Rivero ver na violncia das hostilidades que ele suscitava o ltimo sinal da sobrevida de Hauriou.5

    Podemos acreditar que a amplitude destas crticas serviu de alicerce para uma Escola Hauriou no Direito Administrativo.

    Dois conceitos chaves do pensamento de Hauriou podem nos dar uma idia do mecanismo federativo assim proposto.

    O primeiro o do poder pblico.

    Hauriou para os administrativistas franceses, o fundador de uma Escola, a do poder pblico, que se oporia a uma outra Escola, a de Bordeaux, a do servio pblico. Que Hauriou se tenha oposto Escola do servio pblico perfeitamente admissvel, e basta l-lo sobre este ponto: ele no sensvel sobretudo em relao a um Jze6 ainda que ele no dirija as mesmas crticas a Duguit.

    Portanto, esta oposio negada, ou mais exatamente, ela marginalizada por Jze, que a considera sem influncia, qualificando o poder pblico de velha teoria cujos adeptos desaparecem um a um. Foi preciso, ento, que Hauriou se defendesse.7 Georges Vedel registra e substitui esta resistncia quando, alguns anos mais tarde, ele insiste no fato de s o Decano Hauriou havia mantido fortemente a idia do poder pblico.8

    Eis uma defesa que decorre da existncia do pensamento de Hauriou: face ao imperialismo da Escola de Bordeaux, dizer e lembrar que um outro pensamento se tinha manifestado, que no se pode ignorar.

    A Escola do poder pblico (autoridade pblica) insiste em que ela conteste o monoplio da Escola do Servio Pblico; mais, ns diremos que a uma adeso dos discpulos, a uma teoria positiva do poder (autoridade?) pblico.

    Uma segunda ilustrao pode ser tirada do conceito de deciso auto-executria.

    De acordo com Hauriou, trata-se de toda declarao de vontade para produzir um efeito de direito, em face aos administrados, emitida por uma autoridade 5 RIVERO, Jean. Maurice Hauriou et le droit administratif. , op. cit. 6 HAURIOU, Maurice Prcis de droit administratif et de droit public, Sirey, 1927 (Prface) 7 Ibid. 8 VEDEL Georges Les bases constitutionnelles du droit administratif. Paris : EDCE, 1954, p. 21 e seq.

  • administrativa em uma forma executria, isto , em uma forma que ocasiona a execuo de ofcio.9

    Este conceito-chave do pensamento de Hauriou, que procede de uma declinao dogmtico-doutrinal (em Direito Administrativo) de uma Teoria Global do Direito (a Instituio), foi muito criticado, sobretudo por Prosper Weil10 & Charles Eisenmann.11

    Esta ltima crtica feita a Hauriou, seja por ter confundido na terminologia (auto-executria, execuo de ofcio) o carter obrigatrio do ato unilateral (normatividade do ato: sua fora jurdica) com sua execuo (regime do ato), seja por ter generalizado a hiptese extrema da execuo forada no conjunto dos atos unilaterais. Hauriou cometera, ento, um erro terico (a unilateralidade confundida com o executrio) ou um erro sobre o direito positivo (privilgio geral de execuo forada reconhecida na administrao). No final, e com uma certa ironia, Eisenmann considera que as opinies de Hauriou so densas e surpreendentes e conclui pela recusa da noo.

    Aqui ainda a anlise da doutrina mostra os discpulos Hauriou que o defendem.

    Alguns (Georges Vedel12, Jean Rivero13, etc.) o fazem simplesmente, apesar destas grandes crticas, a utilizar o termo, e precisando claramente o sentido que lhe do (e em geral o sentido de Hauriou: o privilgio da auto-executoriedade, a deciso sendo normativa e devendo ser executada previamente ao recurso ao juiz).

    Outros atacam diretamente crtica de Eisenmann para fazer justia a Hauriou e tentar restabelecer a boa essncia de seu pensamento. Sobretudo Lucien Sfez14 e Roger Grard Schwartzenberg15, que demonstram que a censura acerca da confuso entre a auto-executoriedade e a execuo forada inaceitvel, tendo Hauriou separado claramente em seus estudos as duas questes o que no seria o caso de autores posteriores como Rolland, que as teriam confundido com o termo de auto-executria, obscurecendo ainda mais, contrariamente, o pensamento de Hauriou.

    Assim, uma unidade se faz em torno de Hauriou. Identificam-se ataques violentos e mal fundados contra seu pensamento e une-se uma parte da doutrina administrativista em sua defesa: surge, ento, uma Escola.

    O vocabulrio utilizado, na proporo dos ataques sofridos, permite, sem dvida, pr em evidncia esta modalidade constitutiva de uma Escola, composta de certos autores. O prprio Hauriou, respondendo a Jze, escrevia: a defesa fcil, sobretudo se passamos ao contra-ataque16. Lucien Sfez, referindo-se deciso auto-executria fala da hostilidade de Charles Eisenmann17 e Roger Grard

    9 HAURIOU, Maurice, Prcis de droit administratif et de droit public, op. cit., p. 356. 10 WEIL, Prosper. AJDA, 1956, p. 267. 11 EISENMANN, Charles. Cours de doctorat. T. II Paris : LGDJ, 1982, p. 743 e seq. 12 VEDEL, Georges. Droit administratif. Paris : PUF, 1992, p.243 et s 13 RIVERO Jean. Droit administratif. Paris, Dalloz, 1983 14 SFEZ, op. cit., p. 406-428. 15 SCHWARTZENBERG, Roger Grard. Lautorit de chose dcide. Paris: LGDJ, 1969, p. 104 et s.. 16 HAURIOU. Prcis, op. cit., prface. 17 EISENMANN, op. cit., p. 410.

  • Schwartzenberg, sobre o mesmo tema, evoca os censores de Hauriou18, constatando que h erro de alvo e balas perdidas.19

    Se Hauriou foi assim o primeiro a se defender, no nos parece, entretanto, que seus discpulos procedam sempre a uma defesa do mesmo tipo.

    Hauriou fala claramente em seu prefcio da 11 edio do Compndio de Direito Administrativo (Poder Pblico e Servio Pblico)20 de contra-ataque. Face ao exposto das teses jzianas, ele responde por uma perspectiva dialtica de seu pensamento. L onde Jze anuncia o lado exclusivo do servio pblico e critica a anlise do poder pblico, Hauriou retoma os dois termos para definir a relao dialtica que se institui entre eles e que obriga a ver um termo primeiro (o poder pblico) e um segundo termo (o servio pblico). E ele se ocupa em precisar porque o poder deve prevalecer (pois o prprio do direito so os meios), e porque o servio pblico, embora segundo, deve ser levado em considerao de modo essencial (auto-limitao objetiva do poder). A defesa aqui construtiva do pensamento do autor no sentido de que ela recusa uma mera sntese, mesmo se simultaneamente ela a simplifique, associando, pelo menos na aparncia, o poder pblico aos nicos meios.

    Encontraramos antes deste clebre exemplo, outros textos de Hauriou nos quais, face s crticas que lhe so dirigidas ou que ele dirige a si mesmo , ele reformula seus pensamentos, abandona seus elementos que no lhe satisfazem mais, rev suas articulaes... O mtodo no novo, e quando muito se pode dizer que em 1927, neste prefcio, Hauriou se defende talvez mais que antes, que os ataques se tornaram mais intensos ou que seu pensamento tenha atingido o equilbrio que ele procurava.

    Mas seus discpulos nem sempre podem praticar esta defesa construtiva salvo para adotar completamente e reproduzir o conjunto do pensamento de Hauriou. E porque eles tm sua prpria temtica, a defesa que eles fazem dos conceitos de Hauriou s pode ser uma defesa imvel e imobilizante, o que no ocorre sem alguns inconvenientes.

    Quando nos defendemos no somos totalmente senhores do discurso. E com razo que Hauriou, em 1927, falava de contra-taque: para no se deixar envolver pelos adeptos da Escola do Servio pblico em uma alternativa servio pblico contra poder pblico, fim contra meio, mas para deslocar o debate sobre o campo da relao entre os dois elementos, to indispensveis um quanto o outro, mas em uma necessria subordinao intelectual.

    Os defensores administrativistas de Hauriou no fizeram, creio eu, tal tentativa e foram obrigados a intervir, conscientemente ou no, sobre um terreno e com relao a temticas que eles no tinham escolhidos.

    E se sobre a questo do poder pblico, finalmente, Hariou prprio se tinha defendido e tinha precisado seu pensamento com relao s teorias a ele anteriores ou contemporneas, oferecendo uma referncia s anlises futuras, o mesmo no aconteceu quanto deciso auto-executria. Portanto, sobre esta questo que ele foi claramente atacado aps sua morte, sobretudo como foi dito por Charles

    18 HAURIOU, op. cit. p. 110. 19 Ibid., p. 113. 20 Ibid., prface.

  • Eisenmann, em referncia a uma anlise do Direito, o Normativismo, sobre a qual aparentemente Hariou no tinha efetivamente entendido.21

    Os que defenderam Hauriou desta oposio doutrinria tiveram de faz-lo sobre o terreno balizado por Charles Eisenmann, segundo os ataques e os argumentos que este tinha adiantado, sem se referir a alguma argumentao no desenvolvida por Hauriou sobre estas crticas.

    Gostaria de ilustrar, para depois me deter sobre as conseqncias que delas resultam.

    Eisenmann havia contestado que se possa falar de executrio de maneira geral para os atos normativos. Segundo ele, o recurso a uma tal terminologia procederia de uma anlise que ligaria a sano a qualquer deciso, e desprezaria uma distino fundamental entre os atos imperativos e os atos permissivos.

    Lucien Sfez se ope crtica de Eisenmann e pretende defender Hauriou.22 Ele afirma que, para Hauriou, a deciso auto-executria no seria confundida com o ato unilateral: existiriam atos unilaterais permissivos e atos unilaterais imperativos (somente estes ltimos constituindo a categoria da deciso auto-executria).

    Esta afirmao de Lucien Sfez contm dois elementos : a - a deciso executria no confundida com o ato unilateral. Lucien

    Sfez tira este argumento mais dos escritos dos discpulos de Hauriou (que esclarece seu pensamento) que daqueles de Hauriou. Ele se baseia nas distines propostas por Jean Rivero e Georges Vedel segundo os quais a deciso auto-executria uma categoria de atos unilaterais que se opem aos atos unilaterais no normativos.

    b - a deciso auto-executria seria o ato unilateral imperativo. Ora, isto procede de uma confuso entre normativo e imperativo: um ato normativo pode ser imperativo ou permissivo. Um ato no normativo no pode s-lo. Imperatividade e permissividade so dois caractersticas que se ligam noo de obrigatrio. Se em Hauriou, como em Georges Vedel e em Jean Rivero, deciso auto-executria significa deciso obrigatria ou normativa, a deciso auto-executria tanto a deciso imperativa quanto a normativa.

    Lucien Sfez defende claramente Hauriou no terreno balizado por Eisenmann: ele no o defende com os argumentos de Hauriou mas com os argumentos do prprio Eisenmann. Melhor dizendo, ele defende um Hauriou como Eisenmann o imagina. Este, criticando de maneira no muito clara, duas coisas totalmente diferentes e contraditrias a Hauriou (executrio = execuo forada; executrio = obrigatria), mostram assim um Hauriou que misturaria estes dois sentidos e que se no reteve pura e simplesmente ao sentido de execuo forada atrs da auto-executria, teria pelo menos reservado o sentido de auto-executria para atos normativos sancionados (submetidos obrigao de execuo).

    uma leitura criticvel quela que faz Eisenmann: um ato permissivo obrigatrio porque ele normativo, isto , simplesmente porque ele modifica o direito (criando direitos como se criam obrigaes) e porque se deve respeitar a modificao intervinda; e no porque haveria uma sano particular.

    21 V., por exemplo, as pginas que ele dedica a Kelsen no seu Compndio de Direito Constitucional, publicado em 1929 (Paris: Sirey). 22 SFEZ, op. cit..

  • Tomada na lgica do ataque eisenmaniano, a defesa de Sfez se afasta consideravelmente do pensamento de Hauriou: ela tende mais a validar a leitura de seu contraditor.

    Ora, por tabela, e no a menor das conseqncias, esta defesa da deciso auto-executria feita por Sfez comporta os pressupostos que Eisenmann descobre e critica em Hauriou. Lucien Sfez tem conscincia disto quando ele indica que Charles Eisenmann quis considerar a priori que a imagem que Hauriou se fazia da administrao era uma imagem de administrao-poder pblico, e somente poder pblico, imperativo e susceptvel de reprovao.23

    O poder pblico ocupa seguramente um lugar central em Hauriou, menos, sem dvida, e voltarei ao assunto, que em alguns de seus discpulos. Mas menos igualmente do que pretende Eisenmann. Porque o poder pblico no est sozinho.

    Para se defender contra a Escola do Servio pblico mas podia ele agir de outro modo? - Hauriou correu o risco de ver seu pensamento contido na idia de poder pblico, e suas anlises reconduzidas a este nico conceito. A ponto de seus discpulos (Jean Rivero24, Paul Couzinet25, etc.) lembrarem, periodicamente, que a idia de servio pblico est longe de lhe ser estranha e que ele foi possivelmente seu inventor.

    Portanto, Eisenmann, como a maior parte da doutrina e mesmo alguns discpulos de Hauriou (Georges Vedel, notadamente), tm a convico de que o que caracteriza Hauriou, o nico poder pblico.

    Jean Rivero, a quem esta crtica pode ser dirigida, o afirma como doutor oficial do poder pblico.26 E, quando Eisenmann compara o sistema das bases constitucionais de Georges Vedel ao pensamento de Hauriou, ele descreve que este ltimo pensava que, comparado ao servio pblico, o poder pblico era a noo verdadeiramente fundamental das duas: contra-senso ou reduo, que se explica pela posio adotada de uma anlise simplesmente administrativista. Mas a referida posio que imobiliza o pensamento de Hauriou em torno da figura que seus contraditores desenharam desliza e reconstri o pensamento de Hauriou sobre bases que no so mais exatamente as suas.

    E claro que este deslize tende a desvalorizar este pensamento, simplificando-o e caricaturando-o.

    A ainda o vocabulrio revelador. um lugar comum, doravante, dizer que Hauriou empregava uma terminologia confusa e que no se precisa fazer muita censura a seus contraditores por no t-lo compreendido. E so seus discpulos, isto , aqueles que o defenderam, os primeiros a dizer. Lucien Sfez fala do desdenho de Hauriou pelo rigor na escolha das palavras27. Roger Grard Schwartzenberg coloca a virtude da etimologia e do rigor da lngua do lado de Charles Eisenmann, lamentando desvios de linguagem de Hauriou.28

    No direi para contradiz-los que Hauriou era um lingista perfeitamente rigoroso.

    23 Ibid., p. 415. 24 RIVERO, Jean. Hauriou et lavnement de la notion de service public Hauriou. In: Mlanges Mestre. Paris, Sirey, 1956. 25 Couzinet, Paul, Ann. Toulouse 1968, p. 157 et s. 26 RIVERO Jean, ibid 27 SFEZ, op. cit., p. 428-429. 28 SCHWARTZENBERG, op. cit., p. 110.

  • Mas a escolha que ele tinha das palavras no era, como veremos, totalmente aleatria.

    E creio que ceder diante da terminologia eisenmaniana significa, implicitamente, ceder diante de sua anlise, isto , a no mais defender o pensamento de Hauriou, mas a tentar simplesmente desculpar seus eventuais erros diante de um normativismo eisenmaniano triunfante, que fixa os termos do debate.

    Pierre Delvolv recomenda, assim, a fim de levantar a ambigidade sobre a noo de auto-executria, de renunciar em recorrer expresso deciso executria, preferindo-a quela de ato unilateral.29 Roger Grard Schwartzenberg parece querer, com Charles Eisenmann, reservar o emprego do conceito auto-executria no caso de execuo forada.30 De maneira geral, percebe-se que os termos auto-executria31 e, sobretudo, execuo de ofcio so tomados e utilizados mais pela doutrina32 nos sentidos propostos por Eisenmann, que naqueles dados pelos discpulos de Hauriou.

    Dizer que de maneira absoluta o debate Eisenmann-Hauriou sobre a questo do ato administrativo possa se resolver em se dando vantagem ao primeiro contanto que haja realmente lugar para debate eis uma coisa possvel, ainda que Eisenmann nunca a tenha colocado nos termos de Hauriou, sem proceder antes a uma reconstruo do discurso sobre a deciso auto-executria.

    Mas no defender o vocabulrio de Hauriou significa, pura e simplesmente, no defender seu pensamento, pois finalmente, o conceito proposto por Hauriou , pelo fato desta reconstruo e deste posicionamento com relao leitura de Eisenmann, totalmente vazio de sua substncia.

    Hauriou est assim condenado, inclusive por alguns de seus discpulos, sem que seu pensamento seja justificado e realmente confrontado crtica eisenmaniana. A este respeito, a escolha terica que fizeram, por exemplo, Georges Vedel e Jean Rivero, de continuar a falar de deciso auto-executria, sem dever necessariamente se justificar, seno por uma explicao do sentido e por um uso lgico e rigoroso com relao a uma anlise global, em todo caso, sem se referir falsa disputa33 de Eisenmann, constitui a melhor resposta.

    Tais debates persistem, tendo sido forjada por seus detratores e confortada por alguns de seus discpulos a imagem de um Hauriou pouco rigoroso, que teria confundido em palavrrios confusos a natureza e o regime do ato.

    A defesa mostra que o erro seria s semntico e no conceitual: mas s temos a desculp-lo reconhecendo que houve erro. No se restabelece seu pensamento que o exoneraria do erro, estabelecendo as conexes que desvendariam sua lgica.

    Hauriou ento fechado, imobilizado, sobre um terreno de onde seus discpulos no procuram verdadeiramente libert-lo e que no o seu mas o de seus contraditores. Hauriou est alors enferm, fig, sur un terrain do ses disciples ne cherchent pas vraiment le dgager, et qui nest pas le sien mais celui de ses contradicteurs. 29 DELVOLVE, Pierre. VLacte administratif. Paris, Rpertoire Dalloz 30 SCHWARTZENBERG, op. cit., p. 110. 31 V. notadamente CHAPUS, Ren. Droit administratif gnral,. Montchrestien, 2001, n 557. 32 Pode-se dizer assim que a ao de ofcio a execuo forada (DE LAUBADERE; VENEZIA ; GAUDEMET. Trait de droit administratif. T. 1. Paris: LGDJ, 1999, n 977). 33 A expresso de SCHWARTZENBERG, op. cit, p. 106.

  • Este terreno aquele da dogmtica do Direito Administrativo. E ento a possibilidade de permanecer fiel a Hauriou sobre o nico terreno do Direito Administrativo que est em questo. II Uma interrogao: pode-se ser discpulo administrativista de Hauriou ?

    A interrogao que surge a seguinte: possvel considerar que se

    possa ser fiel ao modo de ser de Hauriou em um grau suficientemente elevado para desencadear a qualificao de discpulo, e permitindo de isolar uma Escola fundada por Hauriou? A resposta parece positiva desde que a filiao se faa sobre o nico terreno dogmtico-doutrinal do Direito Administrativo, e que o pensamento farto de Hauriou:

    a de um lado se manifesta pelo menos nos campos da Filosofia do Direito, da Teoria do Direito, da Sociologia do Direito.

    b de outro lado totalmente fundado na idia de conexo entre diversas abordagens e nunca separa a tcnica do Direito Administrativo de outras consideraes e, sobretudo, da Teoria da Instituio.

    De outro modo, a atitude dogmtico-doutrinal de Hauriou defendida pelos administrativistas, e qual eles se ligam, isolvel no mbito do pensamento de nosso autor: ela existe em seus escritos como corpo separado, beneficiando de sua prpria lgica e se bastando a ela mesma? Ou ela uma reconstruo do pensamento de Hauriou, fruto de uma ruptura artificial, objeto de um reducionismo?

    A resposta s pode ser atenuada. Caso se tratasse de excluir pura e completamente a dogmtica jurdica

    herdada por Hauriou em benefcio da nica abordagem institucional, a interrogao levaria evidentemente a um contra-senso. Muitas consideraes de Direito Administrativo de Hauriou permanecem vlidas e podem ser compreendidas sem referncia sujeita ao sistema de anlise que as inspira. Da vem a continuidade da influncia do comentarista. E o prprio Charles Eisenmann afirmava, desde 1930, que os aspectos tcnicos da obra de Hauriou como de Duguit permaneceria a contribuio mais duradoura e mais preciosa no progresso das cincias jurdicas.34

    Mas desde que a evidncia das abordagens dogmtica e terica permite esclarecer conceitos que utiliza a primeira (a anlise do Direito Administrativo) por construes que prope a segunda (a Teoria da Instituio), no h necessidade de forar a leitura para efetuar esta relao j que o prprio Hauriou transcende esta separao. Pode-se, ento, seno contestar a priori queles que negligenciam nestas conexes a qualidade de discpulo de Hauriou, pelo menos questionar esta qualidade.

    Devo esclarecer mais do que aqui se trata: certo que os discpulos de Hauriou s raramente se atm ao Direito Administrativo stricto sensu, e se 34 EISENMANN, Charles. Deux thoriciens du droit : Hauriou et Duguit. Revue philosophique, 1930, p. 278.

  • preocupam muito com outras disciplinas jurdicas (Direito Constitucional, liberdades pblicas, etc.). Poder-se-ia pensar, ento, que este Direito Administrativo sem fronteira, como o concebia Hauriou, finalmente, o Direito Pblico no sentido amplo e mesmo mais simplesmente o Direito. Pode-se, ainda, dizer que os discpulos administrativistas de Hauriou procedem, como ele, de uma viso ampla do Direito Administrativo.

    Entretanto, no se deve parar neste alargamento sem levar mais longe a investigao.

    Por que? Porque o que caracteriza a abordagem de Hauriou no somente a totalidade de uma abordagem jurdica que transcende as fronteiras das disciplinas tcnicas: tambm a conexo que ele estabelece entre o Direito e o que se considera geralmente como no sendo do mbito do Direito - a conexo entre uma teoria que leva em considerao a Sociologia e outros dados no jurdicos, e o direito: a conexo entre a Teoria da Instituio e o Direito Administrativo.

    Saber se esta conexo depende da Cincia do Direito ou, ao contrrio, se exclui uma tal abordagem - porque ela faz intervir o metajurdico-, um debate que no depende do propsito desta interveno. Constatar, entretanto, que Hauriou procede a esta conexo uma evidncia elementar.

    Desde ento, quando dizemos que os discpulos administrativistas procedem a uma reduo de Hauriou, na medida em que eles reivindicam a herana puramente jurdica sem reivindicar ao mesmo tempo, os elementos da teoria institucional a ela conectados e que o explicam.

    A primeira providncia consiste em mostrar que no se trata de conexo nos discpulos administrativistas de Hauriou. So muitas as provas. Contentar-se-, por uma questo puramente material, de tempo e de lugar, com exemplos e indcios.

    As referncias bibliogrficas so, muitas vezes, esclarecedoras. E constatamos que a Teoria da Instituio, sob suas diversas formas, est

    geralmente ausente. Quando ela est presente apenas como citao da definio de 192535, o texto de 1906 sobre o direito estatutrio sendo ignorado36. O mesmo acontece com outras obras chaves, sobretudo em Princpios de Direito Pblico, cuja 1 edio37 pouco consultada enquanto que ela contm passagens fundamentais para a compreenso da idia institucional.

    A obra de referncia para os administrativistas permanece alm da compilao dos comentrios de jurisprudncia o Compndio de Direito Administrativo, sobretudo em sua 1138 ou 12 edio (revista por Andr Hauriou), supostamente apresentadora dos termos39 do pensamento de Hauriou.

    Eis os indcios: Georges Vedel, em seus escritos sobre as bases constitucionais, Lucien Sfez e Roger Grard Schwartzenberg, sobre a deciso auto-executria, no se referem nunca aos escritos diretamente dedicados instituio.

    Quanto aos exemplos, preciso procur-los diretamente nos discursos. E a, nas demonstraes, nos argumentos em defesa contra aqueles que atacam 35 HAURIOU, Maurice. La thorie de linstitution et de la fondation. Essai de vitalisme social. In: Aux sources du droit : le pouvoir, lordre et la libert. Cahiers de la Nouvelle Journe, n. 23, 1925 (reimpresso Universit de Caen, 1990). 36 Id. Linstitution et le droit statutaire. Cahier de lgislation, 1906, p. 134 e seq. 37 Id. Princpios de direito pblico. Paris: Sirey, 1910. 38 HAURIOU. Prcis, loc. cit. 39 RIVERO, Jean. Existe-t-il un critre du droit administratif ? RDP, Paris, 1953, p. 285.

  • Hauriou, nas construes que ele inspira sobretudo na Teoria das Bases Constitucionais do Direito Administrativo a existncia ou a influncia da Teoria da Instituio no levada em considerao, materialmente, nem evocada formalmente. Ainda a, a advertncia de Lucien Sfez esclarecedora: o Direito Qdministrativo nos interessa somente aqui40 ; tudo procede de uma crena que os escritos de Direito Administrativo de Hauriou se bastam por si mesmos.

    Isto no depende do acaso, mas reflete perfeitamente a ruptura que os administrativistas introduziram no pensamento de Hauriou.

    O fato de no levar em considerao a conexo feita por Hauriou no constitui um elemento de validade ou de invalidade objetiva dos argumentos apresentados pelo menos quando elas no pretendam reproduzir o pensamento de Hauriou , que devem ser julgados e defendidos por eles mesmos, um fato evidente. Mas desde que se tende a medir a distncia que existe entre Hauriou e seus discpulos, este ruptura essencial.

    Pois a segunda diligncia obriga a lembrar que Hauriou, procedia a esta conexo.

    Ainda a, pode-se voltar aos dois primeiros exemplos que j utilizamos: o poder pblico e a deciso auto-executria.

    A deciso auto-executria um termo onipresente na Teoria da Instituio, e isto o ponto de partida. , pois, um tema central.

    No o caso aqui de se levar em considerao toda sua construo institucional, mas gostaramos de insistir sobre vrios pontos.

    Hauriou parte de uma separao que ele prope entre o ato e o fato jurdico; ele introduz a dimenso temporal, a qual sabemos que essencial para sua apreenso da instituio, e distingue assim o fato (o que aconteceu) do ato (o que ainda no aconteceu, o que est em ato).41

    Ele prossegue sobre a deciso auto-executria: em Direito Administrativo, a manifestao de vontade deve ser auto-executria[...] O ato jurdico a deciso auto-executria[...] Isto significa que a deciso vai comear a se auto-executar, que ela tem tudo o que necessrio para se auto-executar (ela se ope aos projetos preparatrios)[...] Isto significa tambm que ela ainda no executada, que ela cessa de ser auto-executria quando ela executada.42

    A noo de auto-executria no remete pois execuo mas ao privilgio da auto-executoriedade recusado na durao: a deciso obrigatria que ainda no foi executada.

    Hauriou integra em seguida esta noo em sua concepo da separao dos poderes. Sabe-se que ele distingue os poderes em uma linha temporal.

    a um poder executivo que tem a competncia intuitiva da idia de obra e que comea sua realizao pela deciso auto-executria.

    b - o poder deliberante que tem a competncia discursiva da deliberao. c o poder de sufrgio que tem a competncia do assentimento.

    40 SFEZ, op. Cit. 41 HAURIOU, Linstitution, op. cit., p. 142. 42 Ibid., p. 143.

  • Em um sistema onde a idia coesiva central, onde a representao a da idia de obra e onde o poder se organiza para servir esta idia, a deciso auto-executria claramente isolada por Hauriou do lado do Poder Executivo, ligada realizao da idia. Ela une no a Administrao a um terceiro, mas o grupo a seus membros, dando lugar a uma forma de consentimento que a unilateralidade no pode alcanar.

    Quando Hauriou fala de deciso auto-executria em Direito Administrativo, nem sempre ele lembra esta construo, mas ele a declina do Direito Positivo, onde a deciso auto-executria (procedimento exorbitante que a administrao retira do poder pblico) o ato administrativo por excelncia, meio a servio do fim (o servio pblico).

    Pode-se contestar a construo de Hauriou. at desejvel que ela seja debatida. Mas se recusar a perceber sua coerncia no fazer justia a Hauriou. A este respeito, os discpulos de Hauriou o defendem mal e Eisenmann conseguiu o hold-up perfeito impondo sua leitura, sua censura:

    a Primeiro tempo : A Teoria da Instituio voltada para um elemento de doutrina social que no caracterstica do pensamento propriamente jurdico de Hauriou.43 a lgica positivista de Eisenmann; no aquela de Hauriou. Mas uma ruptura posta, a que separa o social do jurdico. E esta ruptura no serve para invalidar totalmente Hauriou (para discutir SEU pensamento global sobre o direito), mas para fazer a partio entre seus escritos juridicamente discutveis e discutidos, e suas teorias metajurdicas, rejeitadas fora do debate de direito. Alis, Eisenmann acrescenta, para ser totalmente claro: esta filosofia geral uma vez posta, Hauriou no a utiliza mais para a explicao de nenhuma regra concreta44 e conclui que indispensvel excluir do estudo da soluo dos problemas da teoria jurdica, toda doutrina poltica ou social.45

    b Segundo tempo: estuda-se ento o pensamento propriamente jurdico entendamos bem: a dogmtica de Direito Administrativo, aquela que se encontra nos escritos dedicados ao Direito Administrativo e que versa sobre as nicas questes de Direito Administrativo com relao a ela mesma, logo sem esclarece-la pela Teoria da Instituio. Estes escritos so ento amplamente inexplicveis, pouco claros, pois parciais (de fato) e incoerentes (segundo Eisenmann). Podemos salientar os erros, lamentar o vocabulrio; e os discpulos de Hauriou em reconhecer o rigor eisenmaniano e desvalorizar aquele que eles defendem.

    Que Eisenmann tome estas providncias, isto deve ser denunciado para colocar o debate sobre o que o Direito. Mas que os discpulos de Hariou faam o mesmo enquanto que ele deveria defender a integridade do pensamento de Hauriou mais problemtico e suscita questes, mostrando especialmente a impossibilidade de ser discpulo administrativista de Hauriou (isto , de ater-se ao campo do Direito Administrativo sobre o qual Eisenmann confere a Hauriou).

    Uma anlise comparvel poderia ser feita sobre o poder pblico, e particularmente sobre o uso que dele faz Georges Vedel.

    43 EISENMANN, Deux thoriciens, op. cit., p. 256, note 1. 44 Ibid., p. 259. 45 Ibid., p. 278.

  • A idia de poder toda ela ligada Teoria da Instituio, onde ela representa o elemento dinmico, o poder que anima a instituio, e que se organiza para a realizao da idia.

    Ora, quando se reteve de Hauriou a noo de poder, parece que o vnculo dialtico entre poder e servio pblico, entre o poder e a idia, tenha sido esquecido, pelo menos de vez em quando. E que se tenha reduzido o poder pblico aos procedimentos do poder pblico.

    ainda verdade para os adversrios de Hauriou (Escola do Servio Pblico, etc.). Mas isto o igualmente para alguns de seus discpulos, entre os quais Georges Vedel.

    A demonstrao deveria ser feita longa e minuciosamente. Aqui s possvel dizer algumas rpidas palavras.

    Construindo sobre a nica noo de Poder Executivo (no sentido sinttico: manuteno da ordem jurdica, funcionamento dos servios pblicos, etc.) as bases constitucionais do Direito Administrativo, o decano Vedel se afasta consideravelmente, creio eu, de Hauriou. Com efeito, ele indica que a administrao o exerccio do poder pblico pelo Poder Executivo. Mais precisamente: o poder pblico a deteno de competncias exorbitantes do direito comum o corolrio do poder executivo, ou ainda um regime jurdico caracterizado, ao mesmo tempo, pelas prerrogativas e pelas sujeies exorbitantes do direito comum reconhecidas ou impostas queles que agem no exerccio da soberania nacional.46

    Charles Eisenmann tinha, com muita preciso, constatado que havia sido posta adiante uma lgica remetendo na realidade a Jze: a lgica dos procedimentos de Direito Pblico.47

    Dois outros elementos, pelo menos, devem ser avanados para situar a utilizao por Georges Vedel do poder pblico :

    a o principal que o poder pblico em Hauriou, no somente o Poder Executivo, mas o Poder no Estado : o poder uma dominao, a servio da idia, verdade, que constitui sua auto-limitao objetiva: um poder que se organiza, que se disciplina, que se equilibra com obstculos jurdicos para fazer durar a instituio e, logo, que limitado pela idia de obra...

    Mas , mesmo assim, a problemtica do poder nas instituies e da juridicidade que est em jogo, no somente a do Poder Executivo.

    E uma relao da Administrao com o Poder e a Instituio que construda em torno da competncia intuitiva (a insistncia sobre o poder minoritrio), e da deciso executria. ainda uma viso do coletivo que se incarna: como ele se funda? Como ele dura? Qual o lugar da dominao e do consentimento?

    E em Direito Administrativo como j mostrou Paul Couzinet48, isto remete a uma abordagem voluntarista e orgnica : a um rgo que age a ttulo de poder pblico, na dinmica do poder institucional e notemos a este respeito que pouco importa que o rgo, seja pblico ou privado: o que importa a relao no poder de Estado e na idia de obra, no vitalismo institucional. 46 Id. Droit administratif. 2. ed. Paris : PUF, 1992, p. 36 47 Eisenmann, Charles. La thorie des bases constitutionnelles du droit administratif. RDP, Paris, 1972, p. 1345 et seq. 48 COUZINET, loc. cit.

  • b Desde ento, o segundo elemento evidente: o poder pblico no pode ser reduzido aos procedimentos exorbitantes do direito comum (estes famosos procedimentos de Direito Pblico: o exerccio do poder pblico pelo Poder Executivo) ou confundidos com eles. um poder de vontade, o elemento poltico da instituio e no os simples procedimentos jurdicos que so estticos pois s podem constituir limites.

    claro que a nfase dada sobre os meios em 1927 pelo prprio Hauriou (para se defender, lembremos, contra o imperialismo do fim que levaria anlise de Jze) gerou, sem dvida, uma confuso e abriu a porta a este reducionismo.49

    O texto se abria com estas frases: Poder pblico e servio pblico so duas noes mestras do Direito Administrativo francs. O servio pblico a obra a ser realizada pela administrao pblica, o poder pblico, o meio de realizao . Mais adiante a idia de servio leva autolimitao objetiva do poder.

    Mas acontece que este reducionismo que faz do poder um meio, um simples regime jurdico amplamente difundido, no mostra o essencial: que os meios exorbitantes do direito comum, a Administrao os herda do poder pblico e que eles no so confundidos com ela; que o poder uma fora de ao, no de reao.

    No geral, se existe uma influncia de Hauriou em Direito Administrativo, se h discpulos, v-se que difcil falar de uma Escola, no sentido de reagrupamento de administrativistas dividindo uma doutrina que seja inicialmente fiel a Hauriou, e que lhes seja comum.

    O essencial do que caracteriza o pensamento de Hauriou no redutvel ao Direito Administrativo: em tese um mtodo de anlise, e uma Escola Hauriou s poderia ser uma Escola Institucionalista; seria ento, necessariamente, no uma Escola Administrativista, mas uma Escola de Teoria do Direito e do Estado.

    Esta deveria aplicar em Direito Administrativo uma reflexo institucionalista: de um certo modo, o que soube fazer e fazer compreender aqueles que trabalham com ele, Jean-Arnaud Mazres.

    Poderamos falar de discpulos, de Escola? No cabe a mim diz-lo. Mas a ruptura com Hauriou poderia ser menos importante por outras razes, claro, que aquela que acabamos de encontrar entre Hauriou e seus discpulos administrativistas.

    Isto grave? importante? Sem dvida no. E a fora de um pensamento como o de Hauriou, que

    garante sua posteridade como j o notaram todos aqueles que se debruaram sobre ela, de modo especial Jean Rivero50, de estimular a reflexo, no de impor enquadramentos.

    Tanto em Direito Administrativo como em outros casos.

    49 Ibid. 50 RIVERO, Maurice Hauriou et le droit administratif, op. cit.

    I Um fato : a existncia em Direito Administrativo de uma


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