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OS LIMITES DA PALAVRA: PARMÊNIDES E O INDIZÍVEL · Os humanos pensam que os deuses se parecem com...

Date post: 16-Nov-2018
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Número XIX Volume II dezembro de 2016 www.ufjf.br/eticaefilosofia ISSN : 1414-3917 4 OS LIMITES DA PALAVRA: PARMÊNIDES E O INDIZÍVEL THE LIMITS OF THE LANGUAGE: PARMENIDES AND WHAT IS NOT UTTERABLE Nicola Stefano Galgano 1 RESUMO: A importância do papel de Parmênides na história da filosofia foi evidenciada por Hegel, quando chegou a considerá-lo o primeiro verdadeiro filósofo. No entanto, o hegelianismo e, com ele, a moderna história da filosofia acentuaram a descoberta parmenidiana do ser, deixando de lado a complexa noção de não-ser. Mas o próprio Parmênides, ao introduzir aquelas noções, se dedica mais à explicitação e à argumentação do não-ser, mostrando algumas características peculiares que acabam tendo consequências sobre a estruturação do discurso cognitivo. Uma destas características é a indizibilidade do não ser, demonstrada por Parmênides indiretamente. Com a afirmação da indizibilidade, Parmênides estabelece, pela primeira vez na história do pensamento ocidental, um limite para o uso da linguagem e, portanto, um critério para o desenvolvimento do discurso epistêmico, uma autêntica regra metalinguística. A presente análise procura evidenciar os argumentos de Parmênides a partir do texto do poema, revelando a sutileza da reflexão do eleata, o primeiro a introduzir a problemática da linguagem epistêmica na cultura ocidental. Palavras-chave: Parmênides, eleatismo, não-ser, linguagem, indizível, Platão. ABSTRACT: The importance of the role of Parmenides in the history of philosophy was enphasised by Hegel, who considered him the first real philosopher. However, hegelianism and the modern history of philosophy gave proeminence to the discovery of ‘being’, putting aside the complex notion of ‘non-being’. But, introducing those notions, Parmenides explains and argues more about non-being, showing some peculiar characters that have consequences on the structure of cognitive discourse. One of these characters is the fact that non-being it is unutterable. Saying that non-being is unutterable Parmenides sets, for the first time in the history of Western thought, a limit to the language that wants to express the truth and hence a criterion to the development of epistemic discourse, an authentic metalinguistic rule. The analysis presented here tries to make clear Parmenides’ arguments in the text of the poem, revealing the subtle reflection of the philosopher of Elea, the first who introduces the problematic of epistemic language in Western culture. Keywords: Parmenides, Eleaticism, non-being, language, unutterable, Plato. 1 Pós-doutorando em Filosofia pela USP. E-mail: [email protected].
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ISSN 1414-3917

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OS LIMITES DA PALAVRA PARMEcircNIDES E O INDIZIacuteVEL

THE LIMITS OF THE LANGUAGE

PARMENIDES AND WHAT IS NOT UTTERABLE

Nicola Stefano Galgano1

RESUMO A importacircncia do papel de Parmecircnides na histoacuteria da filosofia foi evidenciada por

Hegel quando chegou a consideraacute-lo o primeiro verdadeiro filoacutesofo No entanto o

hegelianismo e com ele a moderna histoacuteria da filosofia acentuaram a descoberta parmenidiana

do ser deixando de lado a complexa noccedilatildeo de natildeo-ser Mas o proacuteprio Parmecircnides ao introduzir

aquelas noccedilotildees se dedica mais agrave explicitaccedilatildeo e agrave argumentaccedilatildeo do natildeo-ser mostrando algumas

caracteriacutesticas peculiares que acabam tendo consequecircncias sobre a estruturaccedilatildeo do discurso

cognitivo Uma destas caracteriacutesticas eacute a indizibilidade do natildeo ser demonstrada por Parmecircnides

indiretamente Com a afirmaccedilatildeo da indizibilidade Parmecircnides estabelece pela primeira vez na

histoacuteria do pensamento ocidental um limite para o uso da linguagem e portanto um criteacuterio

para o desenvolvimento do discurso epistecircmico uma autecircntica regra metalinguiacutestica A

presente anaacutelise procura evidenciar os argumentos de Parmecircnides a partir do texto do poema

revelando a sutileza da reflexatildeo do eleata o primeiro a introduzir a problemaacutetica da linguagem

epistecircmica na cultura ocidental

Palavras-chave Parmecircnides eleatismo natildeo-ser linguagem indiziacutevel Platatildeo

ABSTRACT The importance of the role of Parmenides in the history of philosophy was

enphasised by Hegel who considered him the first real philosopher However hegelianism and

the modern history of philosophy gave proeminence to the discovery of lsquobeingrsquo putting aside

the complex notion of lsquonon-beingrsquo But introducing those notions Parmenides explains and

argues more about non-being showing some peculiar characters that have consequences on the

structure of cognitive discourse One of these characters is the fact that non-being it is

unutterable Saying that non-being is unutterable Parmenides sets for the first time in the

history of Western thought a limit to the language that wants to express the truth and hence a

criterion to the development of epistemic discourse an authentic metalinguistic rule The

analysis presented here tries to make clear Parmenidesrsquo arguments in the text of the poem

revealing the subtle reflection of the philosopher of Elea the first who introduces the

problematic of epistemic language in Western culture

Keywords Parmenides Eleaticism non-being language unutterable Plato

1 Poacutes-doutorando em Filosofia pela USP E-mail nicolagalganouspbr

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A insistecircncia da tradiccedilatildeo criacutetica da historiografia filosoacutefica de Hegel em diante em

acentuar a descoberta do lsquoserrsquo elevou Parmecircnides do lugar secundaacuterio reservado aos

pensadores anteriores a Platatildeo e Soacutecrates a uma posiccedilatildeo proeminente na histoacuteria da filosofia

para Hegel (1836) Parmecircnides foi o primeiro verdadeiro filoacutesofo Esta visatildeo funcional agrave

concepccedilatildeo hegeliana de histoacuteria da filosofia se manteve ateacute o seacuteculo passado e de certa forma

ainda constitui o clichecirc das visotildees simplificadas onde se tende a considerar Parmecircnides o

filoacutesofo do ser em oposiccedilatildeo a Heraacuteclito o filoacutesofo do devir No entanto apesar da forte

influecircncia do pensamento de Heidegger a reforccedilar a ideia de uma filosofia do ser os estudos

parmenidianos comeccedilaram a focar em outros aspectos antes de tudo o forte contexto miacutetico-

religioso no qual ele estava inserido e depois a forte componente naturalista ou como diriacuteamos

hoje cientiacutefica presente no seu poema sua uacutenica obra2

A estas duas componentes timidamente comeccedilou a ser acrescentada uma terceira feita

de discussotildees mais estritamente filosoacuteficas Por um lado na metafiacutesica comeccedilou a ser resgatada

a oposiccedilatildeo radical e sem intermediaccedilatildeo entre ser e nada redescobrindo Parmecircnides como o

primeiro autor a evidenciar esta oposiccedilatildeo (Severino 1964) Por outro lado os estudos de loacutegica

desde a retomada em chave anti-aristotelista do seacuteculo XIX com o ponto alto ndash embora seguido

de parcial insucesso ndash na obra de Russell e o reiniacutecio sobre novas e mais radicais bases com

Godel a loacutegica comeccedilou a adotar francamente as visotildees contra-intuitivas e voltou a reconhecer

em Parmecircnides um pioneiro visionaacuterio digno de dialogar com a mais avanccedilada loacutegica

contemporacircnea

A novidade desta terceira componente se apoiava na valorizaccedilatildeo da noccedilatildeo de lsquonatildeo-serrsquo

como o chamava Parmecircnides ou lsquonadarsquo como o chamava Melisso e como eacute preferido pela

nossa linguagem atual No iniacutecio desses estudos o nada eacute ainda uma noccedilatildeo subordinada e

funcional ao lsquoserrsquo mas em breve comeccedila a revelar seu potencial autocircnomo e desnorteador Nos

anos 70 aparece pelo que me consta o primeiro estudo dedicado exclusivamente agrave primazia do

lsquonadarsquo em Parmecircnides (Colombo Il primato del nulla e le origini dela metafisica)3 E desde

2 Para Dioacutegenes Parmecircnides pertence agravequele grupo de pensadores que escreveram uma obra soacute (DL Vitae

Philosophorum 1167-8) 3 Embora de linguagem datada que pode incomodar o leitor desacostumado este livro mereceria ser redescoberto

em suas teses essenciais

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entatildeo aos poucos estaacute sendo possiacutevel aceitar melhor as ideias destes filoacutesofos preacute-socraacuteticos

os quais natildeo hesitavam em se lanccedilar em especulaccedilotildees ousadas e totalmente contra a lsquoopiniatildeo

comumrsquo (paradoxos)

O que haveria de paradoxal na filosofia de Parmecircnides A resposta tradicional a esta

pergunta constitui tambeacutem a suacutemula das acusaccedilotildees que satildeo dirigidas a ele uma delas eacute aquela

que nos interessa de perto A primeira acusaccedilatildeo a Parmecircnides eacute que o lsquoserrsquo uacutenico por ele

preconizado que rejeita radicalmente o lsquonatildeo serrsquo por constituir a uacutenica realidade estaria em

flagrante contradiccedilatildeo com o proacuteprio enunciado pois a deusa do poema seu disciacutepulo e o

ensinamento configuram uma pluralidade a qual negaria aquela unidade ou visto de outro lado

a unidade tornaria impossiacutevel a pluralidade expressa pelo proacuteprio ensino do poema

Outras acusaccedilotildees se referem aos outros supostos caracteres do lsquoserrsquo o natildeo ter sido

gerado e natildeo perecer a imutabilidade a natildeo temporalidade a homogeneidade a unidade a

continuidade

Mas as acusaccedilotildees natildeo se limitam agraves caracteriacutesticas do lsquoserrsquo elas se estendem ao lsquonatildeo

serrsquo De fato no fragmento DK 2 que em breve veremos em detalhes Parmecircnides diz que o

natildeo ser natildeo pode ser conhecido e nem dito (DK B 27-84)

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias 5

4 Todas as citaccedilotildees de Parmecircnides se referem agrave ordenaccedilatildeo de Diels-Kranz e todas as traduccedilotildees satildeo de Cavalcante

de Souza (1978) exceto onde indicado onde propus alguma pequena variaccedilatildeo 5 Uma traduccedilatildeo mais literal destes versos eacute aquela de Santoro (2011) todavia ela necessitaria de explicaccedilotildees

filoloacutegicas que natildeo podemos reportar aqui portanto seja para noacutes suficiente a ainda excelente traduccedilatildeo de

Cavalcanti de Souza que eacute tambeacutem a mais difundida no meio acadecircmico brasileiro Santoro traduz ldquopois nem ao

menos se reconheceria o natildeo ente pois natildeo eacute realizaacutevel nem tampouco indicariardquo No que diz respeito ao nosso

tema teriacuteamos que explicitar a traduccedilatildeo de φράσαις de φράζω Este verbo significa lsquoindicarrsquo e tambeacutem lsquodizerrsquo

Segundo Aristarco em Homero nunca significa lsquodizerrsquo e este eacute um bom motivo para traduzir lsquoindicarrsquo ao inveacutes de

lsquodizerrsquo No entanto a poesia agrave moda arcaica de Parmecircnides faz referecircncia sim a Homero mas tambeacutem a Hesiacuteodo

e aos liacutericos Considerando que lsquoindicarrsquo aqui significa a expressatildeo vocal acompanhada do gesto natildeo se deve

entender num sentido mais moderno de lsquoindicar sem mostrarrsquo como poderia ser predicado de sinais indicadores

por exemplo os quais apenas apontam a direccedilatildeo Natildeo eacute este o sentido grego Para o grego da eacutepoca de Parmecircnides

significa lsquodizerrsquo remetendo a um sentido arcaico de lsquodizer enquanto se indica com a matildeorsquo

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A acusaccedilatildeo eacute a seguinte a deusa do poema diz que o lsquonatildeo serrsquo (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode ser

conhecido e nem dito mas ao fazer isto ela proacutepria estaacute dizendo lsquonatildeo serrsquo o que implica que

o lsquonatildeo serrsquo pode ser dito logo Parmecircnides pela voz da deusa estaria em contradiccedilatildeo

Esta acusaccedilatildeo abre caminho para o nosso tema a afirmaccedilatildeo dos limites da linguagem

pela demonstraccedilatildeo do indiziacutevel em Parmecircnides pela primeira vez na histoacuteria do pensamento

ocidental Propriamente teriacuteamos que tomar com cautela a palavra lsquodemonstraccedilatildeorsquo porque

naqueles tempos uma tal noccedilatildeo natildeo existia No entanto por outro lado natildeo eacute possiacutevel deixar

de enfatizar a intenccedilatildeo de Parmecircnides de fornecer um tipo de persuasatildeo de maacuteximo vigor e

perfeitamente aderente agrave nossa mente que ele chama de lsquopersuasatildeo que acompanha a verdadersquo

(DK B 24) e que noacutes chamariacuteamos de lsquodemonstraccedilatildeorsquo

Por que Parmecircnides sentiu a necessidade de lsquodemonstrarrsquo Porque em seu tempo as

explicaccedilotildees a respeito do mundo se multiplicavam na medida em que com o desenvolvimento

da navegaccedilatildeo se ampliava o mundo conhecido e suas diferentes crenccedilas Assim Xenoacutefanes

um dos mestres de Parmecircnides6 ao constatar crenccedilas diferentes a respeito do mesmo fato natildeo

apenas apontou a contradiccedilatildeo mas tambeacutem indicou qual poderia ser o motivo desta contradiccedilatildeo

Ele notou que as figuras dos mesmos deuses eram diferentes de povo para povo e que afinal

cada povo representava os deuses segundo as suas proacuteprias caracteriacutesticas eacutetnicas Eis os

fragmentos DK 21 B 14-167

14 Mas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados

que como eles se vestem e tecircm voz e corpo

15 Mas se matildeos tivessem os bois os cavalos e os leotildees

e pudessem com as matildeos desenhar e criar obras como os homens

os cavalos semelhantes aos cavalos os bois semelhantes aos bois

desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam

6 Dioacutegenes Laeacutercio Vitae Philosophorum 9211 7 Xenoph Saacutetiras DK 21 B 14-16 14 ldquoἀλλ οἱ βροτοὶ δοκέουσι γεννᾶσθαι θεούς τὴν σφετέρην δ ἐσθῆτα ἔχειν

φωνήν τε δέμας τεrdquo 15 ldquoἀλλ εἰ χεῖρας ἔχον βόες ltἵπποι τgt ἠὲ λέοντες ἢ γράψαι χείρεσσι καὶ ἔργα τελεῖν ἅπερ

ἄνδρες ἵπποι μέν θ ἵπποισι βόες δέ τε βουσὶν ὁμοίας καί ltκεgt θεῶν ἰδέας ἔγραφον καὶ σώματ ἐποίουν τοιαῦθ

οἷόν περ καὐτοὶ δέμας εἶχον ltἕκαστοιgtrdquo 16 ldquoΑἰθίοπές τε ltθεοὺς σφετέρουςgt σιμοὺς μέλανάς τε Θρῆικές τε

γλαυκοὺς καὶ πυρρούς ltφασι πέλεσθαιgtrdquo (Tr Prado in Cavalcante de Souza 1978 p 64)

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tais quais eles proacuteprios tecircm

16 Os egiacutepcios dizem que os deuses tecircm nariz chato e satildeo negros

os traacutecios que eles tecircm olhos verdes e cabelos ruivos

Os humanos pensam que os deuses se parecem com eles proacuteprios de fato os deuses dos

egiacutepcios (povo negro) satildeo representados como negros enquanto que os deuses dos traacutecios (povo

de cabelos ruivos) tecircm cabelos ruivos Afinal se os bois os cavalos e os leotildees tivessem

habilidades de artistas desenhariam seus deuses como bois cavalos e leotildees Para entender a

importacircncia dessas palavras eacute preciso lembrar que as questotildees religiosas estavam diretamente

ligadas agraves explicaccedilotildees dos fenocircmenos naturais Em geral para o pensamento preacute-histoacuterico o

mundo eacute povoado de deuses e de espiacuteritos de todo tipo onde natildeo haacute uma clara distinccedilatildeo entre

o fenocircmeno e o espiacuterito que o preside como por exemplo entre a aacutegua de uma fonte e o espiacuterito

protetor daquela aacutegua e daquela fonte Entatildeo os deuses incorporam tambeacutem as visotildees animistas

dos fenocircmenos do mundo Assim Apolo eacute o deus do sol e com sua carruagem o carrega todo

dia do nascente ao poente mas tambeacutem eacute o deus da medicina e justamente por isto espalha

irado a peste entre os Aqueus com suas flechas divinas (Iliacuteada I55) Entende-se entatildeo que

tratar de questotildees que hoje chamariacuteamos de naturais ou ateacute mesmo cientiacuteficas naquela eacutepoca

implicava tratar dos deuses

Mas por razotildees histoacutericas na cultura grega ndash que eacute aquela que nos interessa aqui ndash as

coisas comeccedilam a mudar e a crenccedila nos deuses como acabamos de ver com Xenoacutefanes comeccedila

a ser questionada junto com a necessidade de implicar os deuses em explicaccedilotildees que ao bom

senso parecem ser de ordem outra que a divina Difunde-se entatildeo um tipo de pensamento pelo

qual as explicaccedilotildees sobrenaturais satildeo evitadas e as causas e princiacutepios dos fenocircmenos da

natureza satildeo buscados na proacutepria natureza A esse tipo de explicaccedilatildeo a tradiccedilatildeo desde

Aristoacuteteles atribui o nascimento da filosofia Diz Aristoacuteteles que lsquoos primeiros que filosofaramrsquo

buscaram os princiacutepios de todas as coisas8 Aqueles que Aristoacuteteles chama de lsquoprimeirosrsquo satildeo

Tales Anaximandro Anaxiacutemenes e outros todos pertencentes agrave mesma aacuterea geograacutefica a

8 Metaph 983b6-8 Os que por primeiro filosofaram em sua maioria pensam que os princiacutepios de todas as coisas

fossem exclusivamente materiais (Aristoacuteteles 2002 15)

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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees

naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio

mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando

conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo

em outras eras devia ter sido submersa no mar

Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente

uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute

satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias

feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem

as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao

engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes

e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides

Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo

haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de

confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro

lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza

diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma

traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute

dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro

Vejamos mais de perto essas questotildees

O programa de ensino de Parmecircnides

Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma

deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz

eacute preciso que de tudo te instruas

9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de

citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida

dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em

seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje

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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda

e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10

O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem

conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante

no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que

permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK

B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de

Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de

hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos

ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele

natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por

Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12

Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel

entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo

noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees

parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental

destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma

10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν

δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de

conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do

pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de

resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um

verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica

atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao

menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que

buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees

primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e

tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides

e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais

concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os

embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o

lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode

ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de

difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais

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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees

de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles

circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico

Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-

se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees

e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do

pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de

noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las

Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente

aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em

portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas

tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no

portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)

eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas

Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo

de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser

recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio

registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda

literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado

em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o

presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem

gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor

quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa

relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel

14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo

material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles

afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute

ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o

nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que

os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo

macho-fecircmea repouso-movimento reto-curvo luz-trevas bom-mau quadrado-retacircngulo (Aristoacuteteles 2002

29)

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fica reduzida a uma relaccedilatildeo conjuntiva natildeo e ser estatildeo num mesmo conjunto substantivo sem

poreacutem que seja clara a sua relaccedilatildeo intriacutenseca

Como veremos Parmecircnides recusa a negaccedilatildeo do ser portanto a relaccedilatildeo gramatical

intriacutenseca no entender dele natildeo se realiza Ele procura colocar natildeo e ser numa conjunccedilatildeo

substantiva procura fazer deles um objeto (sensiacutevel ou inteligiacutevel aqui natildeo eacute importante) da

realidade mas com resultado negativo para Parmecircnides eacute uma conjunccedilatildeo impossiacutevel o ser natildeo

pode ser negado Por conseguinte penso eu colocar um hiacutefen entre natildeo e ser acaba traindo a

essecircncia da filosofia parmenidiana Penso que historicamente o hiacutefen deveria ser usado com

muitas reservas na concepccedilatildeo de Melisso somente de Goacutergias e Platatildeo em diante o substantivo

natildeo-ser com hiacutefen passa a ser pertinente agrave concepccedilatildeo destes filoacutesofos e afinal manteacutem a

pertinecircncia ateacute nossos dias Dito de outra forma quando usamos a expressatildeo hifenada lsquonatildeo-serrsquo

aplicada a Parmecircnides estamos usando uma expressatildeo que se refere agrave nossa noccedilatildeo mais do que

agrave dele Por esses motivos aqui em sede criacutetica usarei lsquonatildeo serrsquo quando referido a Parmecircnides

sem o hiacutefen Podemos agora voltar agrave nossa oposiccedilatildeo

Esta oposiccedilatildeo possui muitas caracteriacutesticas onde a principal eacute a natildeo simetria entre ser e

natildeo ser como veremos em breve Se trata de dois percursos que o pensamento que pesquisa

pode seguir um eacute o caminho do pensar que lsquoeacutersquo e outro do pensar que lsquonatildeo eacutersquo Parmecircnides diz

em outras partes do poema (fr 6 7 e 8) que o erro dos mortais eacute confundir ser e natildeo ser logo

eles natildeo conseguem distinguir o discurso que acompanha a verdade do discurso opinativo dos

mortais O elemento notaacutevel eacute o fato de que ele se refere aos conhecimentos verdadeiros e aos

opinativos como discursos sobre as coisas isto eacute o problema natildeo satildeo os fatos do mundo mas

os discursos que os homens tecem sobre aqueles fatos para explicaacute-los Nasce com Parmecircnides

uma consciecircncia linguiacutestica e a necessidade de estabelecer um criteacuterio na elaboraccedilatildeo desses

discursos E de fato vemos em seu texto pela primeira vez a forma linguiacutestica da

argumentaccedilatildeo coesa e coerente na explicaccedilatildeo de suas teses (fr 8) Esta forma eacute tatildeo notaacutevel e

tatildeo teoricamente estruturada pela distinccedilatildeo de lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo que iraacute em breve se multiplicar

antes com Melisso e Goacutergias depois com a escola de Meacutegara e com todo o platonismo e

aristotelismo e se tornar o discurso culto do conhecimento verdadeiro (aquele que noacutes

chamamos ciecircncia) distinguindo-se desde entatildeo de outros estilos literaacuterios quais os descritivos

os poeacuteticos e os demais

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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A insistecircncia da tradiccedilatildeo criacutetica da historiografia filosoacutefica de Hegel em diante em

acentuar a descoberta do lsquoserrsquo elevou Parmecircnides do lugar secundaacuterio reservado aos

pensadores anteriores a Platatildeo e Soacutecrates a uma posiccedilatildeo proeminente na histoacuteria da filosofia

para Hegel (1836) Parmecircnides foi o primeiro verdadeiro filoacutesofo Esta visatildeo funcional agrave

concepccedilatildeo hegeliana de histoacuteria da filosofia se manteve ateacute o seacuteculo passado e de certa forma

ainda constitui o clichecirc das visotildees simplificadas onde se tende a considerar Parmecircnides o

filoacutesofo do ser em oposiccedilatildeo a Heraacuteclito o filoacutesofo do devir No entanto apesar da forte

influecircncia do pensamento de Heidegger a reforccedilar a ideia de uma filosofia do ser os estudos

parmenidianos comeccedilaram a focar em outros aspectos antes de tudo o forte contexto miacutetico-

religioso no qual ele estava inserido e depois a forte componente naturalista ou como diriacuteamos

hoje cientiacutefica presente no seu poema sua uacutenica obra2

A estas duas componentes timidamente comeccedilou a ser acrescentada uma terceira feita

de discussotildees mais estritamente filosoacuteficas Por um lado na metafiacutesica comeccedilou a ser resgatada

a oposiccedilatildeo radical e sem intermediaccedilatildeo entre ser e nada redescobrindo Parmecircnides como o

primeiro autor a evidenciar esta oposiccedilatildeo (Severino 1964) Por outro lado os estudos de loacutegica

desde a retomada em chave anti-aristotelista do seacuteculo XIX com o ponto alto ndash embora seguido

de parcial insucesso ndash na obra de Russell e o reiniacutecio sobre novas e mais radicais bases com

Godel a loacutegica comeccedilou a adotar francamente as visotildees contra-intuitivas e voltou a reconhecer

em Parmecircnides um pioneiro visionaacuterio digno de dialogar com a mais avanccedilada loacutegica

contemporacircnea

A novidade desta terceira componente se apoiava na valorizaccedilatildeo da noccedilatildeo de lsquonatildeo-serrsquo

como o chamava Parmecircnides ou lsquonadarsquo como o chamava Melisso e como eacute preferido pela

nossa linguagem atual No iniacutecio desses estudos o nada eacute ainda uma noccedilatildeo subordinada e

funcional ao lsquoserrsquo mas em breve comeccedila a revelar seu potencial autocircnomo e desnorteador Nos

anos 70 aparece pelo que me consta o primeiro estudo dedicado exclusivamente agrave primazia do

lsquonadarsquo em Parmecircnides (Colombo Il primato del nulla e le origini dela metafisica)3 E desde

2 Para Dioacutegenes Parmecircnides pertence agravequele grupo de pensadores que escreveram uma obra soacute (DL Vitae

Philosophorum 1167-8) 3 Embora de linguagem datada que pode incomodar o leitor desacostumado este livro mereceria ser redescoberto

em suas teses essenciais

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entatildeo aos poucos estaacute sendo possiacutevel aceitar melhor as ideias destes filoacutesofos preacute-socraacuteticos

os quais natildeo hesitavam em se lanccedilar em especulaccedilotildees ousadas e totalmente contra a lsquoopiniatildeo

comumrsquo (paradoxos)

O que haveria de paradoxal na filosofia de Parmecircnides A resposta tradicional a esta

pergunta constitui tambeacutem a suacutemula das acusaccedilotildees que satildeo dirigidas a ele uma delas eacute aquela

que nos interessa de perto A primeira acusaccedilatildeo a Parmecircnides eacute que o lsquoserrsquo uacutenico por ele

preconizado que rejeita radicalmente o lsquonatildeo serrsquo por constituir a uacutenica realidade estaria em

flagrante contradiccedilatildeo com o proacuteprio enunciado pois a deusa do poema seu disciacutepulo e o

ensinamento configuram uma pluralidade a qual negaria aquela unidade ou visto de outro lado

a unidade tornaria impossiacutevel a pluralidade expressa pelo proacuteprio ensino do poema

Outras acusaccedilotildees se referem aos outros supostos caracteres do lsquoserrsquo o natildeo ter sido

gerado e natildeo perecer a imutabilidade a natildeo temporalidade a homogeneidade a unidade a

continuidade

Mas as acusaccedilotildees natildeo se limitam agraves caracteriacutesticas do lsquoserrsquo elas se estendem ao lsquonatildeo

serrsquo De fato no fragmento DK 2 que em breve veremos em detalhes Parmecircnides diz que o

natildeo ser natildeo pode ser conhecido e nem dito (DK B 27-84)

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias 5

4 Todas as citaccedilotildees de Parmecircnides se referem agrave ordenaccedilatildeo de Diels-Kranz e todas as traduccedilotildees satildeo de Cavalcante

de Souza (1978) exceto onde indicado onde propus alguma pequena variaccedilatildeo 5 Uma traduccedilatildeo mais literal destes versos eacute aquela de Santoro (2011) todavia ela necessitaria de explicaccedilotildees

filoloacutegicas que natildeo podemos reportar aqui portanto seja para noacutes suficiente a ainda excelente traduccedilatildeo de

Cavalcanti de Souza que eacute tambeacutem a mais difundida no meio acadecircmico brasileiro Santoro traduz ldquopois nem ao

menos se reconheceria o natildeo ente pois natildeo eacute realizaacutevel nem tampouco indicariardquo No que diz respeito ao nosso

tema teriacuteamos que explicitar a traduccedilatildeo de φράσαις de φράζω Este verbo significa lsquoindicarrsquo e tambeacutem lsquodizerrsquo

Segundo Aristarco em Homero nunca significa lsquodizerrsquo e este eacute um bom motivo para traduzir lsquoindicarrsquo ao inveacutes de

lsquodizerrsquo No entanto a poesia agrave moda arcaica de Parmecircnides faz referecircncia sim a Homero mas tambeacutem a Hesiacuteodo

e aos liacutericos Considerando que lsquoindicarrsquo aqui significa a expressatildeo vocal acompanhada do gesto natildeo se deve

entender num sentido mais moderno de lsquoindicar sem mostrarrsquo como poderia ser predicado de sinais indicadores

por exemplo os quais apenas apontam a direccedilatildeo Natildeo eacute este o sentido grego Para o grego da eacutepoca de Parmecircnides

significa lsquodizerrsquo remetendo a um sentido arcaico de lsquodizer enquanto se indica com a matildeorsquo

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A acusaccedilatildeo eacute a seguinte a deusa do poema diz que o lsquonatildeo serrsquo (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode ser

conhecido e nem dito mas ao fazer isto ela proacutepria estaacute dizendo lsquonatildeo serrsquo o que implica que

o lsquonatildeo serrsquo pode ser dito logo Parmecircnides pela voz da deusa estaria em contradiccedilatildeo

Esta acusaccedilatildeo abre caminho para o nosso tema a afirmaccedilatildeo dos limites da linguagem

pela demonstraccedilatildeo do indiziacutevel em Parmecircnides pela primeira vez na histoacuteria do pensamento

ocidental Propriamente teriacuteamos que tomar com cautela a palavra lsquodemonstraccedilatildeorsquo porque

naqueles tempos uma tal noccedilatildeo natildeo existia No entanto por outro lado natildeo eacute possiacutevel deixar

de enfatizar a intenccedilatildeo de Parmecircnides de fornecer um tipo de persuasatildeo de maacuteximo vigor e

perfeitamente aderente agrave nossa mente que ele chama de lsquopersuasatildeo que acompanha a verdadersquo

(DK B 24) e que noacutes chamariacuteamos de lsquodemonstraccedilatildeorsquo

Por que Parmecircnides sentiu a necessidade de lsquodemonstrarrsquo Porque em seu tempo as

explicaccedilotildees a respeito do mundo se multiplicavam na medida em que com o desenvolvimento

da navegaccedilatildeo se ampliava o mundo conhecido e suas diferentes crenccedilas Assim Xenoacutefanes

um dos mestres de Parmecircnides6 ao constatar crenccedilas diferentes a respeito do mesmo fato natildeo

apenas apontou a contradiccedilatildeo mas tambeacutem indicou qual poderia ser o motivo desta contradiccedilatildeo

Ele notou que as figuras dos mesmos deuses eram diferentes de povo para povo e que afinal

cada povo representava os deuses segundo as suas proacuteprias caracteriacutesticas eacutetnicas Eis os

fragmentos DK 21 B 14-167

14 Mas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados

que como eles se vestem e tecircm voz e corpo

15 Mas se matildeos tivessem os bois os cavalos e os leotildees

e pudessem com as matildeos desenhar e criar obras como os homens

os cavalos semelhantes aos cavalos os bois semelhantes aos bois

desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam

6 Dioacutegenes Laeacutercio Vitae Philosophorum 9211 7 Xenoph Saacutetiras DK 21 B 14-16 14 ldquoἀλλ οἱ βροτοὶ δοκέουσι γεννᾶσθαι θεούς τὴν σφετέρην δ ἐσθῆτα ἔχειν

φωνήν τε δέμας τεrdquo 15 ldquoἀλλ εἰ χεῖρας ἔχον βόες ltἵπποι τgt ἠὲ λέοντες ἢ γράψαι χείρεσσι καὶ ἔργα τελεῖν ἅπερ

ἄνδρες ἵπποι μέν θ ἵπποισι βόες δέ τε βουσὶν ὁμοίας καί ltκεgt θεῶν ἰδέας ἔγραφον καὶ σώματ ἐποίουν τοιαῦθ

οἷόν περ καὐτοὶ δέμας εἶχον ltἕκαστοιgtrdquo 16 ldquoΑἰθίοπές τε ltθεοὺς σφετέρουςgt σιμοὺς μέλανάς τε Θρῆικές τε

γλαυκοὺς καὶ πυρρούς ltφασι πέλεσθαιgtrdquo (Tr Prado in Cavalcante de Souza 1978 p 64)

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tais quais eles proacuteprios tecircm

16 Os egiacutepcios dizem que os deuses tecircm nariz chato e satildeo negros

os traacutecios que eles tecircm olhos verdes e cabelos ruivos

Os humanos pensam que os deuses se parecem com eles proacuteprios de fato os deuses dos

egiacutepcios (povo negro) satildeo representados como negros enquanto que os deuses dos traacutecios (povo

de cabelos ruivos) tecircm cabelos ruivos Afinal se os bois os cavalos e os leotildees tivessem

habilidades de artistas desenhariam seus deuses como bois cavalos e leotildees Para entender a

importacircncia dessas palavras eacute preciso lembrar que as questotildees religiosas estavam diretamente

ligadas agraves explicaccedilotildees dos fenocircmenos naturais Em geral para o pensamento preacute-histoacuterico o

mundo eacute povoado de deuses e de espiacuteritos de todo tipo onde natildeo haacute uma clara distinccedilatildeo entre

o fenocircmeno e o espiacuterito que o preside como por exemplo entre a aacutegua de uma fonte e o espiacuterito

protetor daquela aacutegua e daquela fonte Entatildeo os deuses incorporam tambeacutem as visotildees animistas

dos fenocircmenos do mundo Assim Apolo eacute o deus do sol e com sua carruagem o carrega todo

dia do nascente ao poente mas tambeacutem eacute o deus da medicina e justamente por isto espalha

irado a peste entre os Aqueus com suas flechas divinas (Iliacuteada I55) Entende-se entatildeo que

tratar de questotildees que hoje chamariacuteamos de naturais ou ateacute mesmo cientiacuteficas naquela eacutepoca

implicava tratar dos deuses

Mas por razotildees histoacutericas na cultura grega ndash que eacute aquela que nos interessa aqui ndash as

coisas comeccedilam a mudar e a crenccedila nos deuses como acabamos de ver com Xenoacutefanes comeccedila

a ser questionada junto com a necessidade de implicar os deuses em explicaccedilotildees que ao bom

senso parecem ser de ordem outra que a divina Difunde-se entatildeo um tipo de pensamento pelo

qual as explicaccedilotildees sobrenaturais satildeo evitadas e as causas e princiacutepios dos fenocircmenos da

natureza satildeo buscados na proacutepria natureza A esse tipo de explicaccedilatildeo a tradiccedilatildeo desde

Aristoacuteteles atribui o nascimento da filosofia Diz Aristoacuteteles que lsquoos primeiros que filosofaramrsquo

buscaram os princiacutepios de todas as coisas8 Aqueles que Aristoacuteteles chama de lsquoprimeirosrsquo satildeo

Tales Anaximandro Anaxiacutemenes e outros todos pertencentes agrave mesma aacuterea geograacutefica a

8 Metaph 983b6-8 Os que por primeiro filosofaram em sua maioria pensam que os princiacutepios de todas as coisas

fossem exclusivamente materiais (Aristoacuteteles 2002 15)

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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees

naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio

mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando

conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo

em outras eras devia ter sido submersa no mar

Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente

uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute

satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias

feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem

as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao

engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes

e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides

Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo

haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de

confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro

lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza

diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma

traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute

dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro

Vejamos mais de perto essas questotildees

O programa de ensino de Parmecircnides

Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma

deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz

eacute preciso que de tudo te instruas

9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de

citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida

dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em

seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje

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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda

e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10

O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem

conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante

no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que

permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK

B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de

Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de

hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos

ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele

natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por

Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12

Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel

entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo

noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees

parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental

destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma

10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν

δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de

conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do

pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de

resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um

verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica

atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao

menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que

buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees

primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e

tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides

e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais

concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os

embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o

lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode

ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de

difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais

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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees

de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles

circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico

Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-

se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees

e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do

pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de

noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las

Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente

aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em

portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas

tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no

portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)

eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas

Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo

de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser

recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio

registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda

literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado

em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o

presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem

gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor

quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa

relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel

14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo

material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles

afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute

ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o

nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que

os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo

macho-fecircmea repouso-movimento reto-curvo luz-trevas bom-mau quadrado-retacircngulo (Aristoacuteteles 2002

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fica reduzida a uma relaccedilatildeo conjuntiva natildeo e ser estatildeo num mesmo conjunto substantivo sem

poreacutem que seja clara a sua relaccedilatildeo intriacutenseca

Como veremos Parmecircnides recusa a negaccedilatildeo do ser portanto a relaccedilatildeo gramatical

intriacutenseca no entender dele natildeo se realiza Ele procura colocar natildeo e ser numa conjunccedilatildeo

substantiva procura fazer deles um objeto (sensiacutevel ou inteligiacutevel aqui natildeo eacute importante) da

realidade mas com resultado negativo para Parmecircnides eacute uma conjunccedilatildeo impossiacutevel o ser natildeo

pode ser negado Por conseguinte penso eu colocar um hiacutefen entre natildeo e ser acaba traindo a

essecircncia da filosofia parmenidiana Penso que historicamente o hiacutefen deveria ser usado com

muitas reservas na concepccedilatildeo de Melisso somente de Goacutergias e Platatildeo em diante o substantivo

natildeo-ser com hiacutefen passa a ser pertinente agrave concepccedilatildeo destes filoacutesofos e afinal manteacutem a

pertinecircncia ateacute nossos dias Dito de outra forma quando usamos a expressatildeo hifenada lsquonatildeo-serrsquo

aplicada a Parmecircnides estamos usando uma expressatildeo que se refere agrave nossa noccedilatildeo mais do que

agrave dele Por esses motivos aqui em sede criacutetica usarei lsquonatildeo serrsquo quando referido a Parmecircnides

sem o hiacutefen Podemos agora voltar agrave nossa oposiccedilatildeo

Esta oposiccedilatildeo possui muitas caracteriacutesticas onde a principal eacute a natildeo simetria entre ser e

natildeo ser como veremos em breve Se trata de dois percursos que o pensamento que pesquisa

pode seguir um eacute o caminho do pensar que lsquoeacutersquo e outro do pensar que lsquonatildeo eacutersquo Parmecircnides diz

em outras partes do poema (fr 6 7 e 8) que o erro dos mortais eacute confundir ser e natildeo ser logo

eles natildeo conseguem distinguir o discurso que acompanha a verdade do discurso opinativo dos

mortais O elemento notaacutevel eacute o fato de que ele se refere aos conhecimentos verdadeiros e aos

opinativos como discursos sobre as coisas isto eacute o problema natildeo satildeo os fatos do mundo mas

os discursos que os homens tecem sobre aqueles fatos para explicaacute-los Nasce com Parmecircnides

uma consciecircncia linguiacutestica e a necessidade de estabelecer um criteacuterio na elaboraccedilatildeo desses

discursos E de fato vemos em seu texto pela primeira vez a forma linguiacutestica da

argumentaccedilatildeo coesa e coerente na explicaccedilatildeo de suas teses (fr 8) Esta forma eacute tatildeo notaacutevel e

tatildeo teoricamente estruturada pela distinccedilatildeo de lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo que iraacute em breve se multiplicar

antes com Melisso e Goacutergias depois com a escola de Meacutegara e com todo o platonismo e

aristotelismo e se tornar o discurso culto do conhecimento verdadeiro (aquele que noacutes

chamamos ciecircncia) distinguindo-se desde entatildeo de outros estilos literaacuterios quais os descritivos

os poeacuteticos e os demais

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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entatildeo aos poucos estaacute sendo possiacutevel aceitar melhor as ideias destes filoacutesofos preacute-socraacuteticos

os quais natildeo hesitavam em se lanccedilar em especulaccedilotildees ousadas e totalmente contra a lsquoopiniatildeo

comumrsquo (paradoxos)

O que haveria de paradoxal na filosofia de Parmecircnides A resposta tradicional a esta

pergunta constitui tambeacutem a suacutemula das acusaccedilotildees que satildeo dirigidas a ele uma delas eacute aquela

que nos interessa de perto A primeira acusaccedilatildeo a Parmecircnides eacute que o lsquoserrsquo uacutenico por ele

preconizado que rejeita radicalmente o lsquonatildeo serrsquo por constituir a uacutenica realidade estaria em

flagrante contradiccedilatildeo com o proacuteprio enunciado pois a deusa do poema seu disciacutepulo e o

ensinamento configuram uma pluralidade a qual negaria aquela unidade ou visto de outro lado

a unidade tornaria impossiacutevel a pluralidade expressa pelo proacuteprio ensino do poema

Outras acusaccedilotildees se referem aos outros supostos caracteres do lsquoserrsquo o natildeo ter sido

gerado e natildeo perecer a imutabilidade a natildeo temporalidade a homogeneidade a unidade a

continuidade

Mas as acusaccedilotildees natildeo se limitam agraves caracteriacutesticas do lsquoserrsquo elas se estendem ao lsquonatildeo

serrsquo De fato no fragmento DK 2 que em breve veremos em detalhes Parmecircnides diz que o

natildeo ser natildeo pode ser conhecido e nem dito (DK B 27-84)

οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)

οὔτε φράσαις

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias 5

4 Todas as citaccedilotildees de Parmecircnides se referem agrave ordenaccedilatildeo de Diels-Kranz e todas as traduccedilotildees satildeo de Cavalcante

de Souza (1978) exceto onde indicado onde propus alguma pequena variaccedilatildeo 5 Uma traduccedilatildeo mais literal destes versos eacute aquela de Santoro (2011) todavia ela necessitaria de explicaccedilotildees

filoloacutegicas que natildeo podemos reportar aqui portanto seja para noacutes suficiente a ainda excelente traduccedilatildeo de

Cavalcanti de Souza que eacute tambeacutem a mais difundida no meio acadecircmico brasileiro Santoro traduz ldquopois nem ao

menos se reconheceria o natildeo ente pois natildeo eacute realizaacutevel nem tampouco indicariardquo No que diz respeito ao nosso

tema teriacuteamos que explicitar a traduccedilatildeo de φράσαις de φράζω Este verbo significa lsquoindicarrsquo e tambeacutem lsquodizerrsquo

Segundo Aristarco em Homero nunca significa lsquodizerrsquo e este eacute um bom motivo para traduzir lsquoindicarrsquo ao inveacutes de

lsquodizerrsquo No entanto a poesia agrave moda arcaica de Parmecircnides faz referecircncia sim a Homero mas tambeacutem a Hesiacuteodo

e aos liacutericos Considerando que lsquoindicarrsquo aqui significa a expressatildeo vocal acompanhada do gesto natildeo se deve

entender num sentido mais moderno de lsquoindicar sem mostrarrsquo como poderia ser predicado de sinais indicadores

por exemplo os quais apenas apontam a direccedilatildeo Natildeo eacute este o sentido grego Para o grego da eacutepoca de Parmecircnides

significa lsquodizerrsquo remetendo a um sentido arcaico de lsquodizer enquanto se indica com a matildeorsquo

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A acusaccedilatildeo eacute a seguinte a deusa do poema diz que o lsquonatildeo serrsquo (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode ser

conhecido e nem dito mas ao fazer isto ela proacutepria estaacute dizendo lsquonatildeo serrsquo o que implica que

o lsquonatildeo serrsquo pode ser dito logo Parmecircnides pela voz da deusa estaria em contradiccedilatildeo

Esta acusaccedilatildeo abre caminho para o nosso tema a afirmaccedilatildeo dos limites da linguagem

pela demonstraccedilatildeo do indiziacutevel em Parmecircnides pela primeira vez na histoacuteria do pensamento

ocidental Propriamente teriacuteamos que tomar com cautela a palavra lsquodemonstraccedilatildeorsquo porque

naqueles tempos uma tal noccedilatildeo natildeo existia No entanto por outro lado natildeo eacute possiacutevel deixar

de enfatizar a intenccedilatildeo de Parmecircnides de fornecer um tipo de persuasatildeo de maacuteximo vigor e

perfeitamente aderente agrave nossa mente que ele chama de lsquopersuasatildeo que acompanha a verdadersquo

(DK B 24) e que noacutes chamariacuteamos de lsquodemonstraccedilatildeorsquo

Por que Parmecircnides sentiu a necessidade de lsquodemonstrarrsquo Porque em seu tempo as

explicaccedilotildees a respeito do mundo se multiplicavam na medida em que com o desenvolvimento

da navegaccedilatildeo se ampliava o mundo conhecido e suas diferentes crenccedilas Assim Xenoacutefanes

um dos mestres de Parmecircnides6 ao constatar crenccedilas diferentes a respeito do mesmo fato natildeo

apenas apontou a contradiccedilatildeo mas tambeacutem indicou qual poderia ser o motivo desta contradiccedilatildeo

Ele notou que as figuras dos mesmos deuses eram diferentes de povo para povo e que afinal

cada povo representava os deuses segundo as suas proacuteprias caracteriacutesticas eacutetnicas Eis os

fragmentos DK 21 B 14-167

14 Mas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados

que como eles se vestem e tecircm voz e corpo

15 Mas se matildeos tivessem os bois os cavalos e os leotildees

e pudessem com as matildeos desenhar e criar obras como os homens

os cavalos semelhantes aos cavalos os bois semelhantes aos bois

desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam

6 Dioacutegenes Laeacutercio Vitae Philosophorum 9211 7 Xenoph Saacutetiras DK 21 B 14-16 14 ldquoἀλλ οἱ βροτοὶ δοκέουσι γεννᾶσθαι θεούς τὴν σφετέρην δ ἐσθῆτα ἔχειν

φωνήν τε δέμας τεrdquo 15 ldquoἀλλ εἰ χεῖρας ἔχον βόες ltἵπποι τgt ἠὲ λέοντες ἢ γράψαι χείρεσσι καὶ ἔργα τελεῖν ἅπερ

ἄνδρες ἵπποι μέν θ ἵπποισι βόες δέ τε βουσὶν ὁμοίας καί ltκεgt θεῶν ἰδέας ἔγραφον καὶ σώματ ἐποίουν τοιαῦθ

οἷόν περ καὐτοὶ δέμας εἶχον ltἕκαστοιgtrdquo 16 ldquoΑἰθίοπές τε ltθεοὺς σφετέρουςgt σιμοὺς μέλανάς τε Θρῆικές τε

γλαυκοὺς καὶ πυρρούς ltφασι πέλεσθαιgtrdquo (Tr Prado in Cavalcante de Souza 1978 p 64)

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tais quais eles proacuteprios tecircm

16 Os egiacutepcios dizem que os deuses tecircm nariz chato e satildeo negros

os traacutecios que eles tecircm olhos verdes e cabelos ruivos

Os humanos pensam que os deuses se parecem com eles proacuteprios de fato os deuses dos

egiacutepcios (povo negro) satildeo representados como negros enquanto que os deuses dos traacutecios (povo

de cabelos ruivos) tecircm cabelos ruivos Afinal se os bois os cavalos e os leotildees tivessem

habilidades de artistas desenhariam seus deuses como bois cavalos e leotildees Para entender a

importacircncia dessas palavras eacute preciso lembrar que as questotildees religiosas estavam diretamente

ligadas agraves explicaccedilotildees dos fenocircmenos naturais Em geral para o pensamento preacute-histoacuterico o

mundo eacute povoado de deuses e de espiacuteritos de todo tipo onde natildeo haacute uma clara distinccedilatildeo entre

o fenocircmeno e o espiacuterito que o preside como por exemplo entre a aacutegua de uma fonte e o espiacuterito

protetor daquela aacutegua e daquela fonte Entatildeo os deuses incorporam tambeacutem as visotildees animistas

dos fenocircmenos do mundo Assim Apolo eacute o deus do sol e com sua carruagem o carrega todo

dia do nascente ao poente mas tambeacutem eacute o deus da medicina e justamente por isto espalha

irado a peste entre os Aqueus com suas flechas divinas (Iliacuteada I55) Entende-se entatildeo que

tratar de questotildees que hoje chamariacuteamos de naturais ou ateacute mesmo cientiacuteficas naquela eacutepoca

implicava tratar dos deuses

Mas por razotildees histoacutericas na cultura grega ndash que eacute aquela que nos interessa aqui ndash as

coisas comeccedilam a mudar e a crenccedila nos deuses como acabamos de ver com Xenoacutefanes comeccedila

a ser questionada junto com a necessidade de implicar os deuses em explicaccedilotildees que ao bom

senso parecem ser de ordem outra que a divina Difunde-se entatildeo um tipo de pensamento pelo

qual as explicaccedilotildees sobrenaturais satildeo evitadas e as causas e princiacutepios dos fenocircmenos da

natureza satildeo buscados na proacutepria natureza A esse tipo de explicaccedilatildeo a tradiccedilatildeo desde

Aristoacuteteles atribui o nascimento da filosofia Diz Aristoacuteteles que lsquoos primeiros que filosofaramrsquo

buscaram os princiacutepios de todas as coisas8 Aqueles que Aristoacuteteles chama de lsquoprimeirosrsquo satildeo

Tales Anaximandro Anaxiacutemenes e outros todos pertencentes agrave mesma aacuterea geograacutefica a

8 Metaph 983b6-8 Os que por primeiro filosofaram em sua maioria pensam que os princiacutepios de todas as coisas

fossem exclusivamente materiais (Aristoacuteteles 2002 15)

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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees

naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio

mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando

conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo

em outras eras devia ter sido submersa no mar

Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente

uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute

satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias

feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem

as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao

engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes

e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides

Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo

haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de

confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro

lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza

diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma

traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute

dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro

Vejamos mais de perto essas questotildees

O programa de ensino de Parmecircnides

Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma

deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz

eacute preciso que de tudo te instruas

9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de

citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida

dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em

seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje

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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda

e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10

O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem

conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante

no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que

permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK

B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de

Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de

hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos

ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele

natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por

Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12

Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel

entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo

noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees

parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental

destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma

10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν

δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de

conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do

pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de

resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um

verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica

atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao

menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que

buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees

primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e

tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides

e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais

concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os

embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o

lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode

ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de

difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais

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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees

de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles

circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico

Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-

se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees

e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do

pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de

noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las

Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente

aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em

portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas

tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no

portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)

eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas

Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo

de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser

recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio

registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda

literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado

em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o

presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem

gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor

quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa

relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel

14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo

material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles

afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute

ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o

nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que

os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo

macho-fecircmea repouso-movimento reto-curvo luz-trevas bom-mau quadrado-retacircngulo (Aristoacuteteles 2002

29)

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fica reduzida a uma relaccedilatildeo conjuntiva natildeo e ser estatildeo num mesmo conjunto substantivo sem

poreacutem que seja clara a sua relaccedilatildeo intriacutenseca

Como veremos Parmecircnides recusa a negaccedilatildeo do ser portanto a relaccedilatildeo gramatical

intriacutenseca no entender dele natildeo se realiza Ele procura colocar natildeo e ser numa conjunccedilatildeo

substantiva procura fazer deles um objeto (sensiacutevel ou inteligiacutevel aqui natildeo eacute importante) da

realidade mas com resultado negativo para Parmecircnides eacute uma conjunccedilatildeo impossiacutevel o ser natildeo

pode ser negado Por conseguinte penso eu colocar um hiacutefen entre natildeo e ser acaba traindo a

essecircncia da filosofia parmenidiana Penso que historicamente o hiacutefen deveria ser usado com

muitas reservas na concepccedilatildeo de Melisso somente de Goacutergias e Platatildeo em diante o substantivo

natildeo-ser com hiacutefen passa a ser pertinente agrave concepccedilatildeo destes filoacutesofos e afinal manteacutem a

pertinecircncia ateacute nossos dias Dito de outra forma quando usamos a expressatildeo hifenada lsquonatildeo-serrsquo

aplicada a Parmecircnides estamos usando uma expressatildeo que se refere agrave nossa noccedilatildeo mais do que

agrave dele Por esses motivos aqui em sede criacutetica usarei lsquonatildeo serrsquo quando referido a Parmecircnides

sem o hiacutefen Podemos agora voltar agrave nossa oposiccedilatildeo

Esta oposiccedilatildeo possui muitas caracteriacutesticas onde a principal eacute a natildeo simetria entre ser e

natildeo ser como veremos em breve Se trata de dois percursos que o pensamento que pesquisa

pode seguir um eacute o caminho do pensar que lsquoeacutersquo e outro do pensar que lsquonatildeo eacutersquo Parmecircnides diz

em outras partes do poema (fr 6 7 e 8) que o erro dos mortais eacute confundir ser e natildeo ser logo

eles natildeo conseguem distinguir o discurso que acompanha a verdade do discurso opinativo dos

mortais O elemento notaacutevel eacute o fato de que ele se refere aos conhecimentos verdadeiros e aos

opinativos como discursos sobre as coisas isto eacute o problema natildeo satildeo os fatos do mundo mas

os discursos que os homens tecem sobre aqueles fatos para explicaacute-los Nasce com Parmecircnides

uma consciecircncia linguiacutestica e a necessidade de estabelecer um criteacuterio na elaboraccedilatildeo desses

discursos E de fato vemos em seu texto pela primeira vez a forma linguiacutestica da

argumentaccedilatildeo coesa e coerente na explicaccedilatildeo de suas teses (fr 8) Esta forma eacute tatildeo notaacutevel e

tatildeo teoricamente estruturada pela distinccedilatildeo de lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo que iraacute em breve se multiplicar

antes com Melisso e Goacutergias depois com a escola de Meacutegara e com todo o platonismo e

aristotelismo e se tornar o discurso culto do conhecimento verdadeiro (aquele que noacutes

chamamos ciecircncia) distinguindo-se desde entatildeo de outros estilos literaacuterios quais os descritivos

os poeacuteticos e os demais

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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A acusaccedilatildeo eacute a seguinte a deusa do poema diz que o lsquonatildeo serrsquo (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode ser

conhecido e nem dito mas ao fazer isto ela proacutepria estaacute dizendo lsquonatildeo serrsquo o que implica que

o lsquonatildeo serrsquo pode ser dito logo Parmecircnides pela voz da deusa estaria em contradiccedilatildeo

Esta acusaccedilatildeo abre caminho para o nosso tema a afirmaccedilatildeo dos limites da linguagem

pela demonstraccedilatildeo do indiziacutevel em Parmecircnides pela primeira vez na histoacuteria do pensamento

ocidental Propriamente teriacuteamos que tomar com cautela a palavra lsquodemonstraccedilatildeorsquo porque

naqueles tempos uma tal noccedilatildeo natildeo existia No entanto por outro lado natildeo eacute possiacutevel deixar

de enfatizar a intenccedilatildeo de Parmecircnides de fornecer um tipo de persuasatildeo de maacuteximo vigor e

perfeitamente aderente agrave nossa mente que ele chama de lsquopersuasatildeo que acompanha a verdadersquo

(DK B 24) e que noacutes chamariacuteamos de lsquodemonstraccedilatildeorsquo

Por que Parmecircnides sentiu a necessidade de lsquodemonstrarrsquo Porque em seu tempo as

explicaccedilotildees a respeito do mundo se multiplicavam na medida em que com o desenvolvimento

da navegaccedilatildeo se ampliava o mundo conhecido e suas diferentes crenccedilas Assim Xenoacutefanes

um dos mestres de Parmecircnides6 ao constatar crenccedilas diferentes a respeito do mesmo fato natildeo

apenas apontou a contradiccedilatildeo mas tambeacutem indicou qual poderia ser o motivo desta contradiccedilatildeo

Ele notou que as figuras dos mesmos deuses eram diferentes de povo para povo e que afinal

cada povo representava os deuses segundo as suas proacuteprias caracteriacutesticas eacutetnicas Eis os

fragmentos DK 21 B 14-167

14 Mas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados

que como eles se vestem e tecircm voz e corpo

15 Mas se matildeos tivessem os bois os cavalos e os leotildees

e pudessem com as matildeos desenhar e criar obras como os homens

os cavalos semelhantes aos cavalos os bois semelhantes aos bois

desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam

6 Dioacutegenes Laeacutercio Vitae Philosophorum 9211 7 Xenoph Saacutetiras DK 21 B 14-16 14 ldquoἀλλ οἱ βροτοὶ δοκέουσι γεννᾶσθαι θεούς τὴν σφετέρην δ ἐσθῆτα ἔχειν

φωνήν τε δέμας τεrdquo 15 ldquoἀλλ εἰ χεῖρας ἔχον βόες ltἵπποι τgt ἠὲ λέοντες ἢ γράψαι χείρεσσι καὶ ἔργα τελεῖν ἅπερ

ἄνδρες ἵπποι μέν θ ἵπποισι βόες δέ τε βουσὶν ὁμοίας καί ltκεgt θεῶν ἰδέας ἔγραφον καὶ σώματ ἐποίουν τοιαῦθ

οἷόν περ καὐτοὶ δέμας εἶχον ltἕκαστοιgtrdquo 16 ldquoΑἰθίοπές τε ltθεοὺς σφετέρουςgt σιμοὺς μέλανάς τε Θρῆικές τε

γλαυκοὺς καὶ πυρρούς ltφασι πέλεσθαιgtrdquo (Tr Prado in Cavalcante de Souza 1978 p 64)

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tais quais eles proacuteprios tecircm

16 Os egiacutepcios dizem que os deuses tecircm nariz chato e satildeo negros

os traacutecios que eles tecircm olhos verdes e cabelos ruivos

Os humanos pensam que os deuses se parecem com eles proacuteprios de fato os deuses dos

egiacutepcios (povo negro) satildeo representados como negros enquanto que os deuses dos traacutecios (povo

de cabelos ruivos) tecircm cabelos ruivos Afinal se os bois os cavalos e os leotildees tivessem

habilidades de artistas desenhariam seus deuses como bois cavalos e leotildees Para entender a

importacircncia dessas palavras eacute preciso lembrar que as questotildees religiosas estavam diretamente

ligadas agraves explicaccedilotildees dos fenocircmenos naturais Em geral para o pensamento preacute-histoacuterico o

mundo eacute povoado de deuses e de espiacuteritos de todo tipo onde natildeo haacute uma clara distinccedilatildeo entre

o fenocircmeno e o espiacuterito que o preside como por exemplo entre a aacutegua de uma fonte e o espiacuterito

protetor daquela aacutegua e daquela fonte Entatildeo os deuses incorporam tambeacutem as visotildees animistas

dos fenocircmenos do mundo Assim Apolo eacute o deus do sol e com sua carruagem o carrega todo

dia do nascente ao poente mas tambeacutem eacute o deus da medicina e justamente por isto espalha

irado a peste entre os Aqueus com suas flechas divinas (Iliacuteada I55) Entende-se entatildeo que

tratar de questotildees que hoje chamariacuteamos de naturais ou ateacute mesmo cientiacuteficas naquela eacutepoca

implicava tratar dos deuses

Mas por razotildees histoacutericas na cultura grega ndash que eacute aquela que nos interessa aqui ndash as

coisas comeccedilam a mudar e a crenccedila nos deuses como acabamos de ver com Xenoacutefanes comeccedila

a ser questionada junto com a necessidade de implicar os deuses em explicaccedilotildees que ao bom

senso parecem ser de ordem outra que a divina Difunde-se entatildeo um tipo de pensamento pelo

qual as explicaccedilotildees sobrenaturais satildeo evitadas e as causas e princiacutepios dos fenocircmenos da

natureza satildeo buscados na proacutepria natureza A esse tipo de explicaccedilatildeo a tradiccedilatildeo desde

Aristoacuteteles atribui o nascimento da filosofia Diz Aristoacuteteles que lsquoos primeiros que filosofaramrsquo

buscaram os princiacutepios de todas as coisas8 Aqueles que Aristoacuteteles chama de lsquoprimeirosrsquo satildeo

Tales Anaximandro Anaxiacutemenes e outros todos pertencentes agrave mesma aacuterea geograacutefica a

8 Metaph 983b6-8 Os que por primeiro filosofaram em sua maioria pensam que os princiacutepios de todas as coisas

fossem exclusivamente materiais (Aristoacuteteles 2002 15)

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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees

naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio

mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando

conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo

em outras eras devia ter sido submersa no mar

Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente

uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute

satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias

feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem

as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao

engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes

e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides

Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo

haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de

confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro

lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza

diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma

traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute

dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro

Vejamos mais de perto essas questotildees

O programa de ensino de Parmecircnides

Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma

deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz

eacute preciso que de tudo te instruas

9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de

citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida

dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em

seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje

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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda

e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10

O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem

conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante

no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que

permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK

B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de

Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de

hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos

ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele

natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por

Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12

Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel

entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo

noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees

parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental

destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma

10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν

δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de

conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do

pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de

resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um

verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica

atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao

menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que

buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees

primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e

tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides

e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais

concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os

embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o

lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode

ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de

difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais

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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees

de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles

circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico

Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-

se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees

e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do

pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de

noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las

Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente

aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em

portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas

tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no

portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)

eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas

Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo

de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser

recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio

registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda

literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado

em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o

presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem

gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor

quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa

relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel

14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo

material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles

afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute

ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o

nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que

os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo

macho-fecircmea repouso-movimento reto-curvo luz-trevas bom-mau quadrado-retacircngulo (Aristoacuteteles 2002

29)

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fica reduzida a uma relaccedilatildeo conjuntiva natildeo e ser estatildeo num mesmo conjunto substantivo sem

poreacutem que seja clara a sua relaccedilatildeo intriacutenseca

Como veremos Parmecircnides recusa a negaccedilatildeo do ser portanto a relaccedilatildeo gramatical

intriacutenseca no entender dele natildeo se realiza Ele procura colocar natildeo e ser numa conjunccedilatildeo

substantiva procura fazer deles um objeto (sensiacutevel ou inteligiacutevel aqui natildeo eacute importante) da

realidade mas com resultado negativo para Parmecircnides eacute uma conjunccedilatildeo impossiacutevel o ser natildeo

pode ser negado Por conseguinte penso eu colocar um hiacutefen entre natildeo e ser acaba traindo a

essecircncia da filosofia parmenidiana Penso que historicamente o hiacutefen deveria ser usado com

muitas reservas na concepccedilatildeo de Melisso somente de Goacutergias e Platatildeo em diante o substantivo

natildeo-ser com hiacutefen passa a ser pertinente agrave concepccedilatildeo destes filoacutesofos e afinal manteacutem a

pertinecircncia ateacute nossos dias Dito de outra forma quando usamos a expressatildeo hifenada lsquonatildeo-serrsquo

aplicada a Parmecircnides estamos usando uma expressatildeo que se refere agrave nossa noccedilatildeo mais do que

agrave dele Por esses motivos aqui em sede criacutetica usarei lsquonatildeo serrsquo quando referido a Parmecircnides

sem o hiacutefen Podemos agora voltar agrave nossa oposiccedilatildeo

Esta oposiccedilatildeo possui muitas caracteriacutesticas onde a principal eacute a natildeo simetria entre ser e

natildeo ser como veremos em breve Se trata de dois percursos que o pensamento que pesquisa

pode seguir um eacute o caminho do pensar que lsquoeacutersquo e outro do pensar que lsquonatildeo eacutersquo Parmecircnides diz

em outras partes do poema (fr 6 7 e 8) que o erro dos mortais eacute confundir ser e natildeo ser logo

eles natildeo conseguem distinguir o discurso que acompanha a verdade do discurso opinativo dos

mortais O elemento notaacutevel eacute o fato de que ele se refere aos conhecimentos verdadeiros e aos

opinativos como discursos sobre as coisas isto eacute o problema natildeo satildeo os fatos do mundo mas

os discursos que os homens tecem sobre aqueles fatos para explicaacute-los Nasce com Parmecircnides

uma consciecircncia linguiacutestica e a necessidade de estabelecer um criteacuterio na elaboraccedilatildeo desses

discursos E de fato vemos em seu texto pela primeira vez a forma linguiacutestica da

argumentaccedilatildeo coesa e coerente na explicaccedilatildeo de suas teses (fr 8) Esta forma eacute tatildeo notaacutevel e

tatildeo teoricamente estruturada pela distinccedilatildeo de lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo que iraacute em breve se multiplicar

antes com Melisso e Goacutergias depois com a escola de Meacutegara e com todo o platonismo e

aristotelismo e se tornar o discurso culto do conhecimento verdadeiro (aquele que noacutes

chamamos ciecircncia) distinguindo-se desde entatildeo de outros estilos literaacuterios quais os descritivos

os poeacuteticos e os demais

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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tais quais eles proacuteprios tecircm

16 Os egiacutepcios dizem que os deuses tecircm nariz chato e satildeo negros

os traacutecios que eles tecircm olhos verdes e cabelos ruivos

Os humanos pensam que os deuses se parecem com eles proacuteprios de fato os deuses dos

egiacutepcios (povo negro) satildeo representados como negros enquanto que os deuses dos traacutecios (povo

de cabelos ruivos) tecircm cabelos ruivos Afinal se os bois os cavalos e os leotildees tivessem

habilidades de artistas desenhariam seus deuses como bois cavalos e leotildees Para entender a

importacircncia dessas palavras eacute preciso lembrar que as questotildees religiosas estavam diretamente

ligadas agraves explicaccedilotildees dos fenocircmenos naturais Em geral para o pensamento preacute-histoacuterico o

mundo eacute povoado de deuses e de espiacuteritos de todo tipo onde natildeo haacute uma clara distinccedilatildeo entre

o fenocircmeno e o espiacuterito que o preside como por exemplo entre a aacutegua de uma fonte e o espiacuterito

protetor daquela aacutegua e daquela fonte Entatildeo os deuses incorporam tambeacutem as visotildees animistas

dos fenocircmenos do mundo Assim Apolo eacute o deus do sol e com sua carruagem o carrega todo

dia do nascente ao poente mas tambeacutem eacute o deus da medicina e justamente por isto espalha

irado a peste entre os Aqueus com suas flechas divinas (Iliacuteada I55) Entende-se entatildeo que

tratar de questotildees que hoje chamariacuteamos de naturais ou ateacute mesmo cientiacuteficas naquela eacutepoca

implicava tratar dos deuses

Mas por razotildees histoacutericas na cultura grega ndash que eacute aquela que nos interessa aqui ndash as

coisas comeccedilam a mudar e a crenccedila nos deuses como acabamos de ver com Xenoacutefanes comeccedila

a ser questionada junto com a necessidade de implicar os deuses em explicaccedilotildees que ao bom

senso parecem ser de ordem outra que a divina Difunde-se entatildeo um tipo de pensamento pelo

qual as explicaccedilotildees sobrenaturais satildeo evitadas e as causas e princiacutepios dos fenocircmenos da

natureza satildeo buscados na proacutepria natureza A esse tipo de explicaccedilatildeo a tradiccedilatildeo desde

Aristoacuteteles atribui o nascimento da filosofia Diz Aristoacuteteles que lsquoos primeiros que filosofaramrsquo

buscaram os princiacutepios de todas as coisas8 Aqueles que Aristoacuteteles chama de lsquoprimeirosrsquo satildeo

Tales Anaximandro Anaxiacutemenes e outros todos pertencentes agrave mesma aacuterea geograacutefica a

8 Metaph 983b6-8 Os que por primeiro filosofaram em sua maioria pensam que os princiacutepios de todas as coisas

fossem exclusivamente materiais (Aristoacuteteles 2002 15)

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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees

naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio

mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando

conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo

em outras eras devia ter sido submersa no mar

Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente

uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute

satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias

feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem

as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao

engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes

e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides

Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo

haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de

confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro

lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza

diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma

traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute

dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro

Vejamos mais de perto essas questotildees

O programa de ensino de Parmecircnides

Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma

deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz

eacute preciso que de tudo te instruas

9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de

citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida

dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em

seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje

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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda

e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10

O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem

conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante

no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que

permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK

B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de

Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de

hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos

ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele

natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por

Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12

Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel

entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo

noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees

parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental

destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma

10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν

δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de

conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do

pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de

resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um

verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica

atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao

menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que

buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees

primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e

tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides

e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais

concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os

embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o

lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode

ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de

difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais

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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees

de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles

circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico

Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-

se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees

e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do

pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de

noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las

Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente

aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em

portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas

tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no

portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)

eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas

Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo

de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser

recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio

registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda

literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado

em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o

presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem

gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor

quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa

relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel

14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo

material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles

afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute

ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o

nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que

os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo

macho-fecircmea repouso-movimento reto-curvo luz-trevas bom-mau quadrado-retacircngulo (Aristoacuteteles 2002

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fica reduzida a uma relaccedilatildeo conjuntiva natildeo e ser estatildeo num mesmo conjunto substantivo sem

poreacutem que seja clara a sua relaccedilatildeo intriacutenseca

Como veremos Parmecircnides recusa a negaccedilatildeo do ser portanto a relaccedilatildeo gramatical

intriacutenseca no entender dele natildeo se realiza Ele procura colocar natildeo e ser numa conjunccedilatildeo

substantiva procura fazer deles um objeto (sensiacutevel ou inteligiacutevel aqui natildeo eacute importante) da

realidade mas com resultado negativo para Parmecircnides eacute uma conjunccedilatildeo impossiacutevel o ser natildeo

pode ser negado Por conseguinte penso eu colocar um hiacutefen entre natildeo e ser acaba traindo a

essecircncia da filosofia parmenidiana Penso que historicamente o hiacutefen deveria ser usado com

muitas reservas na concepccedilatildeo de Melisso somente de Goacutergias e Platatildeo em diante o substantivo

natildeo-ser com hiacutefen passa a ser pertinente agrave concepccedilatildeo destes filoacutesofos e afinal manteacutem a

pertinecircncia ateacute nossos dias Dito de outra forma quando usamos a expressatildeo hifenada lsquonatildeo-serrsquo

aplicada a Parmecircnides estamos usando uma expressatildeo que se refere agrave nossa noccedilatildeo mais do que

agrave dele Por esses motivos aqui em sede criacutetica usarei lsquonatildeo serrsquo quando referido a Parmecircnides

sem o hiacutefen Podemos agora voltar agrave nossa oposiccedilatildeo

Esta oposiccedilatildeo possui muitas caracteriacutesticas onde a principal eacute a natildeo simetria entre ser e

natildeo ser como veremos em breve Se trata de dois percursos que o pensamento que pesquisa

pode seguir um eacute o caminho do pensar que lsquoeacutersquo e outro do pensar que lsquonatildeo eacutersquo Parmecircnides diz

em outras partes do poema (fr 6 7 e 8) que o erro dos mortais eacute confundir ser e natildeo ser logo

eles natildeo conseguem distinguir o discurso que acompanha a verdade do discurso opinativo dos

mortais O elemento notaacutevel eacute o fato de que ele se refere aos conhecimentos verdadeiros e aos

opinativos como discursos sobre as coisas isto eacute o problema natildeo satildeo os fatos do mundo mas

os discursos que os homens tecem sobre aqueles fatos para explicaacute-los Nasce com Parmecircnides

uma consciecircncia linguiacutestica e a necessidade de estabelecer um criteacuterio na elaboraccedilatildeo desses

discursos E de fato vemos em seu texto pela primeira vez a forma linguiacutestica da

argumentaccedilatildeo coesa e coerente na explicaccedilatildeo de suas teses (fr 8) Esta forma eacute tatildeo notaacutevel e

tatildeo teoricamente estruturada pela distinccedilatildeo de lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo que iraacute em breve se multiplicar

antes com Melisso e Goacutergias depois com a escola de Meacutegara e com todo o platonismo e

aristotelismo e se tornar o discurso culto do conhecimento verdadeiro (aquele que noacutes

chamamos ciecircncia) distinguindo-se desde entatildeo de outros estilos literaacuterios quais os descritivos

os poeacuteticos e os demais

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees

naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio

mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando

conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo

em outras eras devia ter sido submersa no mar

Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente

uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute

satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias

feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem

as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao

engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes

e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides

Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo

haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de

confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro

lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza

diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma

traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute

dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro

Vejamos mais de perto essas questotildees

O programa de ensino de Parmecircnides

Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma

deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz

eacute preciso que de tudo te instruas

9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de

citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida

dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em

seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje

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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda

e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10

O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem

conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante

no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que

permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK

B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de

Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de

hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos

ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele

natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por

Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12

Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel

entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo

noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees

parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental

destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma

10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν

δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de

conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do

pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de

resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um

verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica

atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao

menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que

buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees

primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e

tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides

e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais

concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os

embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o

lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode

ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de

difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais

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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees

de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles

circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico

Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-

se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees

e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do

pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de

noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las

Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente

aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em

portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas

tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no

portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)

eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas

Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo

de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser

recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio

registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda

literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado

em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o

presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem

gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor

quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa

relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel

14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo

material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles

afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute

ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o

nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que

os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo

macho-fecircmea repouso-movimento reto-curvo luz-trevas bom-mau quadrado-retacircngulo (Aristoacuteteles 2002

29)

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fica reduzida a uma relaccedilatildeo conjuntiva natildeo e ser estatildeo num mesmo conjunto substantivo sem

poreacutem que seja clara a sua relaccedilatildeo intriacutenseca

Como veremos Parmecircnides recusa a negaccedilatildeo do ser portanto a relaccedilatildeo gramatical

intriacutenseca no entender dele natildeo se realiza Ele procura colocar natildeo e ser numa conjunccedilatildeo

substantiva procura fazer deles um objeto (sensiacutevel ou inteligiacutevel aqui natildeo eacute importante) da

realidade mas com resultado negativo para Parmecircnides eacute uma conjunccedilatildeo impossiacutevel o ser natildeo

pode ser negado Por conseguinte penso eu colocar um hiacutefen entre natildeo e ser acaba traindo a

essecircncia da filosofia parmenidiana Penso que historicamente o hiacutefen deveria ser usado com

muitas reservas na concepccedilatildeo de Melisso somente de Goacutergias e Platatildeo em diante o substantivo

natildeo-ser com hiacutefen passa a ser pertinente agrave concepccedilatildeo destes filoacutesofos e afinal manteacutem a

pertinecircncia ateacute nossos dias Dito de outra forma quando usamos a expressatildeo hifenada lsquonatildeo-serrsquo

aplicada a Parmecircnides estamos usando uma expressatildeo que se refere agrave nossa noccedilatildeo mais do que

agrave dele Por esses motivos aqui em sede criacutetica usarei lsquonatildeo serrsquo quando referido a Parmecircnides

sem o hiacutefen Podemos agora voltar agrave nossa oposiccedilatildeo

Esta oposiccedilatildeo possui muitas caracteriacutesticas onde a principal eacute a natildeo simetria entre ser e

natildeo ser como veremos em breve Se trata de dois percursos que o pensamento que pesquisa

pode seguir um eacute o caminho do pensar que lsquoeacutersquo e outro do pensar que lsquonatildeo eacutersquo Parmecircnides diz

em outras partes do poema (fr 6 7 e 8) que o erro dos mortais eacute confundir ser e natildeo ser logo

eles natildeo conseguem distinguir o discurso que acompanha a verdade do discurso opinativo dos

mortais O elemento notaacutevel eacute o fato de que ele se refere aos conhecimentos verdadeiros e aos

opinativos como discursos sobre as coisas isto eacute o problema natildeo satildeo os fatos do mundo mas

os discursos que os homens tecem sobre aqueles fatos para explicaacute-los Nasce com Parmecircnides

uma consciecircncia linguiacutestica e a necessidade de estabelecer um criteacuterio na elaboraccedilatildeo desses

discursos E de fato vemos em seu texto pela primeira vez a forma linguiacutestica da

argumentaccedilatildeo coesa e coerente na explicaccedilatildeo de suas teses (fr 8) Esta forma eacute tatildeo notaacutevel e

tatildeo teoricamente estruturada pela distinccedilatildeo de lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo que iraacute em breve se multiplicar

antes com Melisso e Goacutergias depois com a escola de Meacutegara e com todo o platonismo e

aristotelismo e se tornar o discurso culto do conhecimento verdadeiro (aquele que noacutes

chamamos ciecircncia) distinguindo-se desde entatildeo de outros estilos literaacuterios quais os descritivos

os poeacuteticos e os demais

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda

e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10

O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem

conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante

no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que

permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK

B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de

Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de

hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos

ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele

natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por

Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12

Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel

entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo

noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees

parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental

destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma

10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν

δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de

conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do

pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de

resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um

verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica

atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao

menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que

buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees

primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e

tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides

e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais

concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os

embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o

lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode

ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de

difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais

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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees

de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles

circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico

Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-

se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees

e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do

pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de

noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las

Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente

aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em

portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas

tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no

portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)

eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas

Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo

de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser

recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio

registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda

literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado

em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o

presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem

gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor

quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa

relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel

14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo

material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles

afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute

ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o

nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que

os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo

macho-fecircmea repouso-movimento reto-curvo luz-trevas bom-mau quadrado-retacircngulo (Aristoacuteteles 2002

29)

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fica reduzida a uma relaccedilatildeo conjuntiva natildeo e ser estatildeo num mesmo conjunto substantivo sem

poreacutem que seja clara a sua relaccedilatildeo intriacutenseca

Como veremos Parmecircnides recusa a negaccedilatildeo do ser portanto a relaccedilatildeo gramatical

intriacutenseca no entender dele natildeo se realiza Ele procura colocar natildeo e ser numa conjunccedilatildeo

substantiva procura fazer deles um objeto (sensiacutevel ou inteligiacutevel aqui natildeo eacute importante) da

realidade mas com resultado negativo para Parmecircnides eacute uma conjunccedilatildeo impossiacutevel o ser natildeo

pode ser negado Por conseguinte penso eu colocar um hiacutefen entre natildeo e ser acaba traindo a

essecircncia da filosofia parmenidiana Penso que historicamente o hiacutefen deveria ser usado com

muitas reservas na concepccedilatildeo de Melisso somente de Goacutergias e Platatildeo em diante o substantivo

natildeo-ser com hiacutefen passa a ser pertinente agrave concepccedilatildeo destes filoacutesofos e afinal manteacutem a

pertinecircncia ateacute nossos dias Dito de outra forma quando usamos a expressatildeo hifenada lsquonatildeo-serrsquo

aplicada a Parmecircnides estamos usando uma expressatildeo que se refere agrave nossa noccedilatildeo mais do que

agrave dele Por esses motivos aqui em sede criacutetica usarei lsquonatildeo serrsquo quando referido a Parmecircnides

sem o hiacutefen Podemos agora voltar agrave nossa oposiccedilatildeo

Esta oposiccedilatildeo possui muitas caracteriacutesticas onde a principal eacute a natildeo simetria entre ser e

natildeo ser como veremos em breve Se trata de dois percursos que o pensamento que pesquisa

pode seguir um eacute o caminho do pensar que lsquoeacutersquo e outro do pensar que lsquonatildeo eacutersquo Parmecircnides diz

em outras partes do poema (fr 6 7 e 8) que o erro dos mortais eacute confundir ser e natildeo ser logo

eles natildeo conseguem distinguir o discurso que acompanha a verdade do discurso opinativo dos

mortais O elemento notaacutevel eacute o fato de que ele se refere aos conhecimentos verdadeiros e aos

opinativos como discursos sobre as coisas isto eacute o problema natildeo satildeo os fatos do mundo mas

os discursos que os homens tecem sobre aqueles fatos para explicaacute-los Nasce com Parmecircnides

uma consciecircncia linguiacutestica e a necessidade de estabelecer um criteacuterio na elaboraccedilatildeo desses

discursos E de fato vemos em seu texto pela primeira vez a forma linguiacutestica da

argumentaccedilatildeo coesa e coerente na explicaccedilatildeo de suas teses (fr 8) Esta forma eacute tatildeo notaacutevel e

tatildeo teoricamente estruturada pela distinccedilatildeo de lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo que iraacute em breve se multiplicar

antes com Melisso e Goacutergias depois com a escola de Meacutegara e com todo o platonismo e

aristotelismo e se tornar o discurso culto do conhecimento verdadeiro (aquele que noacutes

chamamos ciecircncia) distinguindo-se desde entatildeo de outros estilos literaacuterios quais os descritivos

os poeacuteticos e os demais

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees

de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles

circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico

Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-

se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees

e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do

pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de

noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las

Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente

aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em

portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas

tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no

portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)

eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas

Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo

de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser

recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio

registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda

literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado

em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o

presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem

gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor

quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa

relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel

14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo

material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles

afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute

ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o

nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que

os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo

macho-fecircmea repouso-movimento reto-curvo luz-trevas bom-mau quadrado-retacircngulo (Aristoacuteteles 2002

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fica reduzida a uma relaccedilatildeo conjuntiva natildeo e ser estatildeo num mesmo conjunto substantivo sem

poreacutem que seja clara a sua relaccedilatildeo intriacutenseca

Como veremos Parmecircnides recusa a negaccedilatildeo do ser portanto a relaccedilatildeo gramatical

intriacutenseca no entender dele natildeo se realiza Ele procura colocar natildeo e ser numa conjunccedilatildeo

substantiva procura fazer deles um objeto (sensiacutevel ou inteligiacutevel aqui natildeo eacute importante) da

realidade mas com resultado negativo para Parmecircnides eacute uma conjunccedilatildeo impossiacutevel o ser natildeo

pode ser negado Por conseguinte penso eu colocar um hiacutefen entre natildeo e ser acaba traindo a

essecircncia da filosofia parmenidiana Penso que historicamente o hiacutefen deveria ser usado com

muitas reservas na concepccedilatildeo de Melisso somente de Goacutergias e Platatildeo em diante o substantivo

natildeo-ser com hiacutefen passa a ser pertinente agrave concepccedilatildeo destes filoacutesofos e afinal manteacutem a

pertinecircncia ateacute nossos dias Dito de outra forma quando usamos a expressatildeo hifenada lsquonatildeo-serrsquo

aplicada a Parmecircnides estamos usando uma expressatildeo que se refere agrave nossa noccedilatildeo mais do que

agrave dele Por esses motivos aqui em sede criacutetica usarei lsquonatildeo serrsquo quando referido a Parmecircnides

sem o hiacutefen Podemos agora voltar agrave nossa oposiccedilatildeo

Esta oposiccedilatildeo possui muitas caracteriacutesticas onde a principal eacute a natildeo simetria entre ser e

natildeo ser como veremos em breve Se trata de dois percursos que o pensamento que pesquisa

pode seguir um eacute o caminho do pensar que lsquoeacutersquo e outro do pensar que lsquonatildeo eacutersquo Parmecircnides diz

em outras partes do poema (fr 6 7 e 8) que o erro dos mortais eacute confundir ser e natildeo ser logo

eles natildeo conseguem distinguir o discurso que acompanha a verdade do discurso opinativo dos

mortais O elemento notaacutevel eacute o fato de que ele se refere aos conhecimentos verdadeiros e aos

opinativos como discursos sobre as coisas isto eacute o problema natildeo satildeo os fatos do mundo mas

os discursos que os homens tecem sobre aqueles fatos para explicaacute-los Nasce com Parmecircnides

uma consciecircncia linguiacutestica e a necessidade de estabelecer um criteacuterio na elaboraccedilatildeo desses

discursos E de fato vemos em seu texto pela primeira vez a forma linguiacutestica da

argumentaccedilatildeo coesa e coerente na explicaccedilatildeo de suas teses (fr 8) Esta forma eacute tatildeo notaacutevel e

tatildeo teoricamente estruturada pela distinccedilatildeo de lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo que iraacute em breve se multiplicar

antes com Melisso e Goacutergias depois com a escola de Meacutegara e com todo o platonismo e

aristotelismo e se tornar o discurso culto do conhecimento verdadeiro (aquele que noacutes

chamamos ciecircncia) distinguindo-se desde entatildeo de outros estilos literaacuterios quais os descritivos

os poeacuteticos e os demais

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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fica reduzida a uma relaccedilatildeo conjuntiva natildeo e ser estatildeo num mesmo conjunto substantivo sem

poreacutem que seja clara a sua relaccedilatildeo intriacutenseca

Como veremos Parmecircnides recusa a negaccedilatildeo do ser portanto a relaccedilatildeo gramatical

intriacutenseca no entender dele natildeo se realiza Ele procura colocar natildeo e ser numa conjunccedilatildeo

substantiva procura fazer deles um objeto (sensiacutevel ou inteligiacutevel aqui natildeo eacute importante) da

realidade mas com resultado negativo para Parmecircnides eacute uma conjunccedilatildeo impossiacutevel o ser natildeo

pode ser negado Por conseguinte penso eu colocar um hiacutefen entre natildeo e ser acaba traindo a

essecircncia da filosofia parmenidiana Penso que historicamente o hiacutefen deveria ser usado com

muitas reservas na concepccedilatildeo de Melisso somente de Goacutergias e Platatildeo em diante o substantivo

natildeo-ser com hiacutefen passa a ser pertinente agrave concepccedilatildeo destes filoacutesofos e afinal manteacutem a

pertinecircncia ateacute nossos dias Dito de outra forma quando usamos a expressatildeo hifenada lsquonatildeo-serrsquo

aplicada a Parmecircnides estamos usando uma expressatildeo que se refere agrave nossa noccedilatildeo mais do que

agrave dele Por esses motivos aqui em sede criacutetica usarei lsquonatildeo serrsquo quando referido a Parmecircnides

sem o hiacutefen Podemos agora voltar agrave nossa oposiccedilatildeo

Esta oposiccedilatildeo possui muitas caracteriacutesticas onde a principal eacute a natildeo simetria entre ser e

natildeo ser como veremos em breve Se trata de dois percursos que o pensamento que pesquisa

pode seguir um eacute o caminho do pensar que lsquoeacutersquo e outro do pensar que lsquonatildeo eacutersquo Parmecircnides diz

em outras partes do poema (fr 6 7 e 8) que o erro dos mortais eacute confundir ser e natildeo ser logo

eles natildeo conseguem distinguir o discurso que acompanha a verdade do discurso opinativo dos

mortais O elemento notaacutevel eacute o fato de que ele se refere aos conhecimentos verdadeiros e aos

opinativos como discursos sobre as coisas isto eacute o problema natildeo satildeo os fatos do mundo mas

os discursos que os homens tecem sobre aqueles fatos para explicaacute-los Nasce com Parmecircnides

uma consciecircncia linguiacutestica e a necessidade de estabelecer um criteacuterio na elaboraccedilatildeo desses

discursos E de fato vemos em seu texto pela primeira vez a forma linguiacutestica da

argumentaccedilatildeo coesa e coerente na explicaccedilatildeo de suas teses (fr 8) Esta forma eacute tatildeo notaacutevel e

tatildeo teoricamente estruturada pela distinccedilatildeo de lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo que iraacute em breve se multiplicar

antes com Melisso e Goacutergias depois com a escola de Meacutegara e com todo o platonismo e

aristotelismo e se tornar o discurso culto do conhecimento verdadeiro (aquele que noacutes

chamamos ciecircncia) distinguindo-se desde entatildeo de outros estilos literaacuterios quais os descritivos

os poeacuteticos e os demais

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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Estes estudos sobre a linguagem e ateacute mesmo sobre a linguiacutestica parmenidiana satildeo

recentes e estatildeo em andamento O que se pode dizer como fato notaacutevel eacute que se encontra em

Parmecircnides pela primeira vez a estrutura argumentativa que sucessivamente seraacute explorada

pelos geocircmetras (como Euclides) inclusive com a famosa expressatildeo ldquoquod erat

demonstrandumrdquo ldquocomo se queria demonstrarrdquo (Rossetti 2010 208) Entatildeo eacute com Parmecircnides

que comeccedila o questionamento da linguagem como meio de expressatildeo epistecircmica Veremos

agora uma pequena parte do grande estudo possiacutevel sobre este tema e eu penso o seu nuacutecleo

mais consistente a demonstraccedilatildeo dos limites da linguagem com a colocaccedilatildeo em jogo da

impossibilidade de se expressar o natildeo ser

Os caminhos de pesquisa

Vamos entatildeo ao fragmento 2 A deusa no programa dissera que o disciacutepulo iria

aprender um conhecimento garantido pela persuasatildeo verdadeira e outro simplesmente opinativo

sem a garantia da veracidade Chegou a hora de mostrar como isto eacute possiacutevel vejamos suas

palavras

Pois bem eu te direi e tu recebe a palavra que ouviste

os uacutenicos caminhos de inqueacuterito que satildeo a pensar

o primeiro que eacute e portanto que natildeo eacute natildeo ser

de Persuasatildeo eacute o caminho (pois agrave verdade acompanha)

o outro que natildeo eacute e portanto que eacute preciso natildeo ser

este entatildeo eu te digo eacute atalho natildeo de todo escrutaacutevel

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias15

Os primeiros dois versos avisam qual seraacute o assunto O disciacutepulo teraacute que guardar com

carinho as seguintes palavras haacute somente estes caminhos (depois saberemos que satildeo dois) para

o pensar voltado agrave pesquisa E em seguida expotildee os caminhos Vamos procurar entender ao

15 Parm DK 28 B 2 ldquoεἰ δ ἄγ ἐγὼν ἐρέω κόμισαι δὲ σὺ μῦθον ἀκούσας αἵπερ ὁδοὶ μοῦναι διζήσιός εἰσι νοῆσαι

ἡ μὲν ὅπως ἔστιν τε καὶ ὡς οὐκ ἔστι μὴ εἶναι Πειθοῦς ἐστι κέλευθος (Ἀληθείηι γὰρ ὀπηδεῖ) ἡ δ ὡς οὐκ ἔστιν

τε καὶ ὡς χρεών ἐστι μὴ εἶναι τὴν δή τοι φράζω παναπευθέα ἔμμεν ἀταρπόν οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν

(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual

substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

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GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

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SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

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175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa

com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo

sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em

nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo

que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos

percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave

compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena

com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]

que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir

Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos

dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo

eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele

voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas

deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis

Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e

natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias

mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo

no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de

argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo

do fragmento 2

Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar

que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso

interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo

ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que

em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo

veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo

parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo

16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo

e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De

minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos

mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao

resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo

que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui

negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo

que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a

persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade

Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo

seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute

exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo

detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio

pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)

e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute

somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por

gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que

natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito

Vamos responder a esta pergunta

A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser

Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar

ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o

lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute

estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados

caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o

lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)

com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser

escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente

agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18

17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns

argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia

de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides

deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo

A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que

dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem

conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave

conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta

conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar

lsquoo que natildeo eacutersquo

Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da

expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro

singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo

substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em

portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso

atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente

mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)

quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o

todo da realidade

Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19

e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute

bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em

suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente

individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar

a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo

todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto

estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem

do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo

absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser

enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar

a reflexatildeo parmenidiana

19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a

noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo

o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a

mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele

livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa

portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa

no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele

mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe

Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo

que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo

aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela

aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia

do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo

Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo

lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo

deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo

acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo

mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo

a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia

imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem

evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente

tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado

2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto

sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo

pode ser conhecida

Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No

primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que

natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas

condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a

proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel

Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do

pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo

meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar

aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se

reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado

negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo

eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a

negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo

ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo

cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo

O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar

comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais

minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise

gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel

porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do

pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico

por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples

os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo

eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute

cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade

estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por

ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20

A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo

Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o

fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz

20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria

expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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claramente

pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)

nem o dirias

A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo

de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de

lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na

discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e

principalmente da linguagem epistecircmica

Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e

tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode

ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar

mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo

serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz

Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22

E ainda em 88-9 ele diz

pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel

eacute que natildeo eacute23

E ainda em 817-19

estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio

uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira

via natildeo eacute24

Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre

apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel

como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam

exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente

consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em

sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo

21 Segundo Aristarco phrazo em Homero nunca significa dizer (LSJ no verbete phrazo) 22 Parm 61 ldquoχρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ ἐὸν ἔμμεναιrdquo 23 Parm 88-9 ldquoοὐ γὰρ φατὸν οὐδὲ νοητόν ἔστιν ὅπως οὐκ ἔστιrdquo 24 Parm 817-19 ldquoκέκριται δ οὖν ὥσπερ ἀνάγκη τὴν μὲν ἐᾶν ἀνόητον ἀνώνυμον (οὐ γὰρ ἀληθής ἔστιν

ὁδός)rdquo

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

Nuacutemero XIX ndash Volume II ndash dezembro de 2016 wwwufjfbreticaefilosofia

ISSN 1414-3917

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faz sentido E logo se daacute conta de que quando se diz lsquonatildeo serrsquo (ou tagrave megrave eoacuten na sua expressatildeo

no poema) se diz algo que natildeo tem sentido Mas o que eacute dito que natildeo tem sentido eacute um dito que

natildeo se constitui realmente como um dito Eacute um dito que natildeo diz Todavia um dito que natildeo diz

eacute contra o dizer eacute contra-ditoacuterio Esta simples expressatildeo ouacutete phraacutesais referida ao lsquonatildeo serrsquo

mostra a descoberta ao mesmo tempo da contradiccedilatildeo enquanto fundamento ontoloacutegico

absoluto ndash ser eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash e da contradiccedilatildeo como fundamento da coerecircncia

epistecircmica da linguagem pois o discurso por ter valor epistecircmico natildeo pode conter contradiccedilatildeo

isto eacute natildeo pode conter noccedilotildees sem sentido ontoloacutegico

Para dar um exemplo usando uma linguagem mais atual atente-se para a seguinte

expressatildeo triacircngulo quadrado Que exista uma figura geomeacutetrica tal que seja um triacircngulo e

um quadrado isto eacute contraditoacuterio A contradiccedilatildeo eacute dada pelo fato de que a triangularidade

(fundamento ontoloacutegico do triacircngulo) exclui imediatamente a quadrangularidade (fundamento

ontoloacutegico do quadrado) Entatildeo o triacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo que parece indicar

alguma coisa (assim como a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo) mas na verdade eacute destituiacuteda de sentido real

porque quer indicar um objeto impossiacutevel Logo se se pesquisa (se se reflete se se tenta pensar)

se chega agrave conclusatildeo de que um triacircngulo quadrado eacute impensaacutevel e portanto a rigor ele eacute

indiziacutevel quando se diz lsquotriacircngulo quadradorsquo acreditando que seja uma expressatildeo com sentido

se daacute um erro que o pensamento comum pode cometer confundindo ser e natildeo ser isto eacute

atribuindo existecircncia agravequilo que natildeo eacute e nunca poderaacute ser

Poderia ser feita a mim a mesma objeccedilatildeo que se faz a Parmecircnides ldquoVocecirc disse que

triacircngulo quadrado eacute indiziacutevel mas vocecirc acabou de dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo logo vocecirc estaacute

se contradizendordquo Exatamente esta eacute a questatildeo de Parmecircnides Se eu digo triangulo quadrado

estou dizendo algo que de alguma forma pensei Mas quando pensei triangulo quadrado

comecei um caminho de pensamento acreditando que como qualquer outro caminho tambeacutem

este desembocaria em algum objeto pensaacutevel Por uma operaccedilatildeo simples do pensar e do dizer

posso afirmar o triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetrica Todavia diz Parmecircnides embora

este seja um caminho do pensar (e do dizer) eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum porque

eacute impossiacutevel conhecer o triacircngulo quadrado porque ele eacute impensaacutevel Entatildeo quando digo ldquoo

triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricardquo posso eu proacuteprio acreditar que estou dizendo algo

coerente e posso fazer mais algueacutem acreditar que minha afirmaccedilatildeo eacute verdadeira No entanto

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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triacircngulo quadrado eacute um ente impossiacutevel (um natildeo ente na linguagem parmenidiana tograve megrave eoacuten)

e por ele ser desprovido de sentido epistecircmico a sua afirmaccedilatildeo tambeacutem carece totalmente de

significado

Como se resolve entatildeo a questatildeo de que eu estaria sendo contraditoacuterio ao afirmar como

indiziacutevel algo que afinal estou dizendo Se resolve exatamente como diz Parmecircnides saiba

que o pensamento se engana porque acredita que o lsquonatildeo serrsquo tenha ser acreditando que o lsquonatildeo

serrsquo seja ser ou nas suas proacuteprias palavras para os ldquomortais que nada sabem [] ser e natildeo ser

eacute reputado o mesmo e natildeo o mesmordquo (64-9)25 Em suma inventar essas noccedilotildees eacute uma

capacidade de nossa mente mas natildeo quer dizer que tudo que a mente fantasia corresponde agrave

realidade Certamente haacute noccedilotildees de nossa mente que satildeo virtualidades e que jamais poderatildeo se

tornar realidade assim como o triacircngulo quadrado Entatildeo quando digo triacircngulo quadrado

estou dizendo algo contraditoacuterio e que natildeo deveria ser dito Se a mente tivesse a capacidade de

expressar soacute a verdade seria impossiacutevel dizer lsquotriacircngulo quadradorsquo Mas a mente tem a

capacidade de expressar noccedilotildees enganosas portanto quem enganando-se diz tograve megrave eoacuten

pertence agravequele grupo de homens que Parmecircnides chama de ldquomortais que nada sabemrdquo

O homem saacutebio instruiacutedo pela deusa natildeo usa a contradiccedilatildeo em seu discurso epistecircmico

natildeo usa noccedilotildees que se referem a entes impensaacuteveis porque a rigor estes entes satildeo indiziacuteveis

isto eacute contraditoacuterios O homem saacutebio sabe que existe esse erro da mente pois de fato os

homens se enganam como jaacute apontava Xenoacutefanes e atribuem qualidades diferentes aos

mesmos deuses Mas ao lembrar que o ente contraditoacuterio torna vatildeo o discurso o homem saacutebio

que pesquisa evita aquele caminho e permanece apenas no caminho onde os entes

necessariamente satildeo e por isso natildeo podem natildeo ser Entatildeo quando se quer apontar a

contradiccedilatildeo natildeo haacute contradiccedilatildeo em dizer tograve megrave eoacuten e nem lsquotriacircngulo quadradorsquo desde que se

entenda que ambas as expressotildees natildeo tecircm sentido ontoloacutegico isto eacute desde que se entenda que

aquelas expressotildees natildeo implicam os objetos sensiacuteveis ou inteligiacuteveis aos quais se referem

Assim a proposiccedilatildeo lsquoo triacircngulo quadrado eacute uma figura geomeacutetricarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo

contraditoacuteria e a expressatildeo lsquotriacircngulo quadradorsquo natildeo deve ser usada (dita ouacutete phraacutesais) mas

a afirmaccedilatildeo lsquotriacircngulo quadrado eacute uma expressatildeo contraditoacuteriarsquo eacute uma afirmaccedilatildeo legiacutetima que

indica a contradiccedilatildeo que pode surgir na linguagem Parmecircnides faz esse uso legiacutetimo e diz tograve

25 Parm 64-9 tr ib ldquoβροτοὶ εἰδότες οὐδὲν [] τὸ πέλειν τε καὶ οὐκ εἶναι ταὐτὸν νενόμισται κοὐ ταὐτόνrdquo

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente

portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico

Conclusotildees

Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de

Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a

criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado

o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os

estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de

lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo

a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo

Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem

das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta

explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas

as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto

predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim

esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo

aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais

nos quais natildeo haacute feacute verdadeira

Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que

acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo

eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por

argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal

se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos

entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma

expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos

que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta

Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees

reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

Nuacutemero XIX ndash Volume II ndash dezembro de 2016 wwwufjfbreticaefilosofia

ISSN 1414-3917

24

REFEREcircNCIAS

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas

neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito

cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo

por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para

Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico

portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido

Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar

algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa

ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos

que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute

expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma

autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento

ocidental

Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco

exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no

Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro

exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria

platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica

com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto

significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e

que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram

Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a

apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo

de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica

para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias

inovaccedilotildees que estava trazendo

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ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola

Satildeo Paulo 2002

CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978

COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005

GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado

USP 2015

GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017

HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e

SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967

ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses

Universitaries de Septentrion 2010

SEVERINO E (1964) Ritornare a Parmenide in laquoRivista di filosofia neoscolasticaraquo LVI [1964] n 2 pp 137ndash

175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi

1982 pp 19ndash61

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COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972

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