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PAHO/WHO Immunology Research And Training Centre - Instituto Butantan:
Uma contribuição para o desenvolvimento da Imunologia no Brasil.
Cristiano Corrêa de Azevedo Marques, Olga Sofia Faberge Alves, Sabrina Acosta,
Sarah Regina de Souza Botelho, Paulo Henrique Nico Monteiro, Nelson Ibanez.
Laboratório Especial de História da Ciência – CDC – Instituto Butantan – SP.
Introdução
No início da década de 1960, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
reconhece no campo da imunologia um caminho promissor para a busca de novas
perspectivas para o controle de doenças infectocontagiosas, seja na área diagnóstica,
seja na área de imunização, reafirmando que o esforço de controle dessas doenças,
especialmente em países em desenvolvimento, constituía sua missão e deveria ser
compreendido como parte fundamental de seus programas. Doenças como a cólera e a
malária foram vistas como alvos centrais desse projeto e o esforço para o
desenvolvimento de diagnósticos mais rápidos e precisos (sensibilidade e
especificidade), com vacinas eficazes e seguras tornou-se prioritário (WHO, 1969).
Sendo na época um campo emergente, a OMS constata ser necessária uma ação
coordenada e de amplitude global para a consolidação desse campo. Nesse sentido,
afirma seu papel ao declarar que
The role of WHO was thus to endeavour to extend the teaching of
immunology in medical schools and in post-graduate education
as well as to encourage basic immunologists to conduct research
into the diseases representing a public health problem in some
areas of the world and then to make these results as widely
available as possible, and to encourage and to advise on their
application (WHO, 1969, p.02).
2
A partir desse entendimento e da constatação de que “apesar das doenças
tropicais que afetam grande parte da população mundial estarem associadas a
fenômenos imunológicos [...], o número de pesquisadores engajados em tentativas de
mensurar e interpretar essas respostas imunológicas é muito pequeno” (WHO, 1969,
p.10), foi estabelecido em 1963 um programa em escala mundial voltado ao
desenvolvimento de pesquisas em imunologia. Para tanto, foram definidas seis áreas de
atuação.
Essas áreas compreendiam: 1) o fomento às atividades de formação com o
estabelecimento de treinamentos e parcerias internacionais; 2) o estabelecimento de 11
centros mundiais de referência em imunologia; 3) a afirmação da importância da
inserção da imunologia como disciplina do currículo das escolas de medicina; 4) a
colaboração com outros programas da OMS, como cuidados materno-infantis e doenças
específicas, dentre outros e 5) a definição e normalização de nomenclatura básica do
campo, que até então constituía um entrave para o estabelecimento de parcerias entre
grupos de pesquisa e para o estabelecimento de protocolos comuns.
A sexta estratégia para a consolidação do campo, e considerada como ação
fundamental por um grupo de especialistas da OMS reunidos 1964, era a urgente
necessidade de formar, em escala mundial, de especialistas na área
Prime emphasis [for research program in immunology] was
placed for all groups on the urgent and importance of training
immunologists, as basis for the development of immunology in
the future. It should include training not only in developing
countries but also in developed countries where immunology is
relatively neglected (WHO, 1964).
Para tanto foram estabelecidos e financiados pela OMS centros de pesquisa e
treinamento em imunologia (Immunology Research and Tranning Centre – IRTC) em
países em desenvolvimento, em pontos estratégicos, que deveriam trabalhar sob a
coordenação do WHO- IRTC, localizado no Instituto de Bioquímica da Universidade de
3
Lausanne, Suíça. Esses centros deveriam, além de formar especialistas na área,
desenvolver pesquisas relacionadas aos problemas de saúde pública regionais.
A OMS justificava essa proposta ao afirmar que
The main method was the establishment of research and training
centres in Ibadan, Nigeria (for Africa), in Sao Paulo, Brazil and
in Mexico City, Mexico (for Latin America) and in Singapore
(for South-East Asia and the Western Pacific) with a coordinating
base centre in Lausanne, Switzerland. These centres organize
courses in immunological concepts and in immunological
techniques (Annex III). The centres also conduct research. The
research projects are carried out in collaboration with the host
institution and with teaching and research institutions in the area.
Experienced consultant immunologists visit the centres in order
to lecture and to collaborate with local medical personnel who are
interested in immunology, with the aim of breaking through their
scientific isolation and creating contact between them and places
where immunology is well developed (WHO, 1969, p. 02).
No que tange às Américas, foram criados em 1966 o PAHO/WHO Immunology
Research and Trainning Centre em São Paulo, Brasil, e o PAHO/WHO Immunology
Research and Trainning Centre, na Cidade no México, ambos sob a coordenação da
Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).
O Centro brasileiro foi instalado na Escola Paulista de Medicina (EPM) atual
UNIFESP em 1966 e em 1969, passou a desenvolver suas atividades no Instituto
Butantan (relatório Twelfth Meeting of the Advisory Committee on Medical Research,
1973), onde permaneceu, ativo até 1987. Cabe ressaltar que nos anos 1980, o curso
adquire um caráter itinerante sendo ministrado em outros estados brasileiros,
4
especificamente na região nordeste do Brasil, na tentativa de reduzir as desigualdades
regionais1 (PAHO, 1976; e Relatório de Gestão do IB, 1981).
O presente trabalho tem como objetivo analisar o PAHO/WHO Immunology
Research and Trainning Centre, São Paulo, unidade de pesquisa e formação em
imunologia, descrever o contexto em que o curso foi desenvolvido, seus objetivos e
conteúdos, público-alvo e atividades, identificando os principais personagens (docentes
e alunos) que se destacaram na consolidação desta área do conhecimento. Serão
apresentados os desdobramentos dessa ação de caráter regional, no estabelecimento da
imunologia como campo de conhecimento no Brasil e na América Latina, assim como
suas influências na formação de uma geração pioneira de imunologistas na região.
Método
Foi realizada pesquisa documental em bases de dados eletrônicos da OMS e da
OPAS, em documentos oficiais e relatórios de gestão do Instituto Butantan e
documentos da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI). Além disso, foram feitas
entrevistas semiestruturadas com cinco pesquisadores que participaram do curso
realizado pelo IRTC São Paulo como professores e/ou alunos e que atualmente são
líderes de grupos de pesquisa do Instituto Butantan.
Breve histórico do campo da imunologia no Brasil
Para Santos & Rumjaneck (2001), os primeiros movimentos do que poderia ser
considerado o campo da imunologia no Brasil podem ser observados no final do século
XIX, era de ouro do desenvolvimento de vacinas e do Instituto Pasteur de Paris.
Naquele período verifica-se a constituição de importantes instituições na ciência
biomédica brasileira, dentre elas o Instituto Bacteriológico em 1892; o Instituto
1 O convênio entre o Instituto Butantan e a OPAS permaneceu ativo até 1990. O IRTC passou a ser uma
unidade de pesquisa, transformando-se posteriormente no Laboratório de Imunopatologia, que passou a
desenvolver suas atividades em parceria com programas de pós-graduação da Universidade de São Paulo.
5
Serumterápico de Manguinhos em 1900 (Atualmente, FIOCRUZ) e o Instituto
Serumterapico de São Paulo (atual Instituto Butantan), em 1901.
Um dos marcos nos estudos desenvolvidos nesse período no campo que
futuramente seria denominado como imunologia foi o debate travado acerca do soro
antiofídico. Albert Calmette defendia a existência de um soro universal para o
tratamento de vítimas de acidentes com serpentes. A partir dos estudos de Vital Brazil
desde o final do século XIX, foi reconhecida pela comunidade internacional a
especificidade do soro antiofídico, refutando a tese de Calmette, na França, do soro de
caráter universal. (SANT’ANNA, 2007).
Em 1941, Otto Bier, na época pesquisador do Instituto Biológico de São Paulo e
que foi diretor do Instituto Butantan a partir de 1944, escreve o primeiro livro de
referência em imunologia em língua portuguesa, a partir de anotações realizadas no
curso de “bacteriologia e imunologia” por ele ministrado na então Escola Paulista de
Medicina.
Nas décadas de 1940-50, o Instituto Biológico congregava um grupo de
pesquisadores que podem ser considerados um dos pioneiros no campo da imunologia
no Brasil e que viriam a se constituir como uma das referências para a primeira geração
de imunologistas brasileiros, dos quais pode-se destacar: Maurício Rocha e Silva,
Wilson Teixeira Beraldo e Gastão Rosenfeld. Além destes, Nelson Vaz, oriundo da
escola de Manguinhos, em conjunto com Bernard Levine, realizaram nos Estados
Unidos da América estudos pioneiros sobre imunotolerância. (SANT’ANNA, 2007)
A despeito deste início distante e de certa forma precoce, a imunologia brasileira
somente se organizou em uma sociedade em 1972 (SBI, 2016), com menos de 20
membros. Sua primeira diretoria era composta por cientistas de renome que lideravam a
pesquisa neste campo: Otto Guilherme Bier (Presidente) ; Humberto de Araújo Rangel
(1º Vice‐Presidente); Antonio de Oliveira Lima (2º Vice‐Presidente); Ivan da Mota e
Albuquerque (Secretário Geral); Wilmar Dias da Silva (1º Secretário); Nelson M. Vaz
(2º Secretario); Benedito de Oliveira (1º Tesoureiro) e Maria Siqueira Pinheiro (2º
Tesoureiro). Destes, quatro eram vinculados ao Instituto Butantan.
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Nos últimos anos, a imunologia brasileira vive um momento de grande produção
acadêmica. Um estudo do Ministério de Ciência e Tecnologia de 2002 mostrou que a
produção da Imunologia brasileira ocupava o 11° lugar na pesquisa mundial em
imunologia, enquanto a ciência brasileira ocupava o 17° lugar na produção científica
mundial, (SBI, 2016). Verificamos hoje que no Brasil existe uma geração de líderes de
pesquisa em imunologia que tem uma produção consistente tanto nacional quanto
internacionalmente. Nesse sentido, um dos elementos fundamentais para este
desenvolvimento foi o Centro de pesquisa e treinamento da OPAS no qual se formaram
algumas das atuais lideranças da pesquisa em imunologia no Brasil.
O Centro de Pesquisa e Treinamento em Imunologia em São Paulo: contexto de
criação e atividades principais
O Centro de Pesquisa e Treinamento em Imunologia em São Paulo da
OPAS/OMS (PAHO/WHO Immunology Research and Training Center – IRTC) foi
criado em 1966 no departamento de Microbiologia e Parasitologia da Escola Paulista de
Medicina (EPM), atual Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). A partir de um
acordo estabelecido em entre a OPAS, a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo e a
Universidade de São Paulo, o IRTC passou, em 1969, a funcionar no Instituto Butantan.
Vale ressaltar que a mudança do Centro para o Butantan ocorreu em função de
uma troca de poderes na Escola Paulista de Medicina, gerada em grande parte por uma
greve estudantil, em um momento politicamente controverso da história nacional
levando à deposição do reitor, de diversos professores, assim como de grande parte da
equipe do Centro (IRTC) (HANKINS, 2001).
Nos primeiros anos de funcionamento o Centro foi dirigido pelo Professor Otto
G. Bier, que “cansado das atividades burocráticas e com desejo de “voltar à bancada
(HANKINS 2001, p. 257) indicou o Professor Ivan Mota para substitui-lo a partir de
1971. (PAHO, 1976; HANKINS 2011). Em sua entrevista ao Centro de Pesquisa e
Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), Bier cita sua passagem
7
pela OMS entre 1963-1966 e pela OPAS entre 1965-1969, como fundamentais para
trazer o Centro para o Brasil.
Em 1963, fui convidado para membro do Comitê de Pesquisas da
Organização Mundial de Saúde, em substituição do Prof. Carlos
Chagas [...]. A sugestão foi aceita e fiquei indo, anualmente, a
Genebra para esse Comitê, durante os anos de 1963, 1964, 1965,
1966 [...]. Graças a essa filiação pude trazer para o Brasil o
Centro Treinamento em Imunologia patrocinado pela OMS
(BIER, 2010)
Entre os convocados para a tarefa de montar o curso estava Wilmar Dias da
Silva, então pesquisador de uma instituição nos Estados Unidos. A partir desse convite
em 1969, Wilmar volta ao Brasil e passa a fazer parte do primeiro grupo de professores
do curso do IRTC no Butantan.
Quando eu estava mudando para Connecticut [para trabalhar na
Universidade de Connecticut], eu recebi um telefonema do
professor Otto Guilherme Bier. Isso foi em 69. Ele me ligou; eu o
conhecia de nome, era uma figura ícone da ciência médica,
conhecido pela liderança, pela inteligência. E naquela época a
imunologia estava realmente começando a aparecer. Ele disse:
“Wilmar, quem fala aqui é o professor Otto Bier, você não vai
para Connecticut, você volta para o seu país; você tem
compromisso com o seu país, para nós desenvolvermos aqui a
Imunologia, que está emergindo [...] eu acabei de implantar no
Instituto Butantan o Centro de Formação de Imunologia da
WHO. Já arrumei um contrato para você e estou te esperando
aqui (SILVA, W.,2014).
O Centro estruturava suas atividades a partir de um curso anual de quatro meses
em imunologia básica que compreendia aulas teóricas, seminários e atividades
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laboratoriais com atividades de tempo integral. Com a mudança para o Instituto
Butantan em 1969, foi criada com apoio da OPAS e da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP) uma estrutura laboratorial e de pesquisa de
aproximadamente 600 m2 e contava, já em 1971, com a dedicação exclusiva de três
pesquisadores do Instituto Butantan.
Em concordância com as diretrizes e objetivos da OPAS, o caráter
internacionalista do curso fica evidente. Todas as atividades eram desenvolvidas em
inglês e o curso recebia professores de diversos países e instituições como convidados.
Esse intercâmbio suscitava, além das atividades inerentes ao curso, a possibilidade de
troca de experiências entre esses professores, que eram oriundos de centros de
excelência científica, e demais pesquisadores e grupos de pesquisa brasileiros. Tais
elementos corroboram ou podem auxiliar na explicação do rápido crescimento da
imunologia no Brasil (SANTOS; RUNJANEK, 2001) e seu destaque alcançado entre as
disciplinas melhor posicionadas no ranking mundial de produtividade (SBI, 2016).
Nos dez primeiros anos de funcionamento do IRTC em São Paulo foram recebidos 21
professores estrangeiros, de 18 instituições distintas de sete países (Argentina, Austrália,
Canadá, França, Inglaterra, Israel e Estados Unidos da América). O curso era
coordenado por uma equipe do próprio Centro (IRTC), e 12 pesquisadores brasileiros de
renome que também participaram como convidados das atividades do curso (tab. 1).
Esse mesmo caráter internacional se expressa no corpo discente. Entre 1966 e
1983 foram formados pelo menos 204 imunologistas, sendo que destes 176 do Brasil e
25 estrangeiros. Isto significou um importante aporte para formação de uma massa
crítica para a consolidação desta disciplina no País e na América Latina.
As atividades do centro se assentavam no binômio ensino-pesquisa e durante os
quatro meses do curso os alunos deveriam participar de aproximadamente 600 horas de
atividades, dentre as quais um mínimo de 320 horas deveriam ser dedicadas ao trabalho
laboratorial. Os alunos passavam por avaliações parciais no decorrer do curso – que
9
eram requisitos para a continuidade no mesmo - e a avaliação final era realizada por
especialistas designados pela OMS para essa tarefa.
O IRTC e o campo da imunologia no Brasil e nas Américas: influências e legado
Dada sua amplitude regional, qualificação do corpo docente e aporte de
infraestrutura o IRTC de São Paulo pode ser considerado como um referencial para a
constituição do campo da imunologia no Brasil e na América Latina.
Um primeiro aspecto a ser apontado é o fato de que, a partir de sua experiência
no IRTC, profissionais provenientes de áreas como a parasitologia, microbiologia,
patologia, histologia e bioquímica (SANT’ANNA, 2007), se decidiram definitivamente
pelo campo da imunologia. O depoimento a seguir exemplifica esse aspecto, “nunca fui
uma pessoa que gostasse de ficar trancada numa sala. Até que eu vi, na universidade, o
curso de Imunologia que ia ser ministrado por Dr. Ivan Mota que era pesquisador do
Butantan” (Entrevistado 1, 2014).
O próprio diretor afirma, em documento para a OPAS que
As a result of the solid immunological background acquired in
the Course on Basic Immunology many of the students decisively
focused their interest in immunology research and some of them
were sent abroad for further training in high level laboratories, in
Europe and the United States […]. In this way the IRTC is
accomplishing role of selecting good candidates to become future
first class researchers in the field of Immunology. (PAHO,1976)
Outra contribuição do IRTC e sua parceria com a Universidade de São Paulo foi
o encaminhamento de alunos à pós-graduação, inclusive no exterior, o que era raro na
época:
a gente trabalhava numa linha de Doença de Chagas e convivia
muito mais com a Universidade do que com o Instituto
10
propriamente dito. Inclusive recursos, tudo era independente do
Instituto, assim eu tive possibilidade de desenvolver a pós-
Graduação, pesquisa, aprender, ir para congresso, algo que, na
época, era muito difícil [no Instituto]. (Entrevistado 2, 2014)
Estes e outros desdobramentos propiciaram a formação de uma geração de
especialistas em imunologia que acabaram por se tornar referência na área. Dois dos ex-
alunos entrevistados destacam esse papel ao afirmarem que: “tinha esse curso de
formação em Imunologia que a OMS patrocinava, vinham professores de fora. Eu diria
que a maioria dos imunologistas acima dos 55 anos passaram por aqui. A gente vem
dessa tradição” (SILVA A., 2014), e: “logo que me formei, eu fui fazer o curso da
OMS, fui muito bem no curso, os professores queriam me levar para fora”.
(Entrevistado 3, 2014). O professor Wilmar da Silva reforça essa ideia ao afirmar que:
“ele (Bier) trazia pessoas importantíssimas de fora, dávamos o curso e formamos aí um
contingente fabuloso de novos imunologistas. A maioria dos imunologistas que está
aqui em liderança são ex-alunos daqui.” (SILVA, W., 2014).
Portanto, parece claro que o intercâmbio com professores e pesquisadores
estrangeiros exerceu forte influência nessa geração de pioneiros e acabou por definir
objetos e linhas de pesquisa que permanecem ativas até hoje no Butantan, “ o Dr. Otto
Bier era o coordenador do curso e o Dr. Guido Biozzi vinha dar aulas. Eram meses de
tempo integral. Muitos imunologistas da minha geração foram formados nesse curso.
Depois, infelizmente, terminou. Mas nesse curso, muitas linhas de pesquisa foram
estabelecidas por conta dessas visitas” (Entrevistado 4, 2014).
Um segundo aspecto a ser ressaltado é o desenvolvimento de material
instrucional no campo da imunologia. Como um dos objetivos da OMS/OPAS na
implementação dos IRTC nas várias regiões consistia na introdução da disciplina de
Imunologia nas escolas médicas, a disponibilização de material didático era
fundamental. Outro desdobramento das atividades do IRTC-SP sob a direção de Bier foi
a edição, em 1971, do primeiro livro dedicado à imunologia em Língua Portuguesa. De
acordo com Bier:
11
Quando começamos a preocupar-nos com a formação dos
estudantes pós-graduados em Imunologia, sentimos uma outra
dificuldade: a inexistência de um livro de textos que pudesse
servir ao estudante pós-graduado. Associei-me, então, a três
colegas para escrevermos um livro sobre a Imunologia, cuja
pretensão, era, apenas, servir ao estudante pós-graduado. O Dr.
Ivan Mota (que, quando me afastei para ser coordenador, indiquei
para diretor do Centro, ainda o sendo atualmente); o Dr. Wilmar
Dias da Silva, que estava em Belo Horizonte e veio para
colaborar com o Centro; e o Dr. Nelson Vaz, imunologista muito
talentoso, professor na Faculdade Fluminense de Medicina,
atualmente, nos Estados Unidos (BIER, 2010 p.21).
O livro, cuja primeira edição data do mesmo período, tem o prefácio do Dr.
Benacerraf - prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1980 pelo descobrimento dos
complexos de histocompatibilidade. Nele, o eminente imunologista ressalta o
crescimento explosivo das subdisciplinas como imunoquímica, imunogenética,
imunologia celular, imunopatologia e outras, assim como a capacidade dos autores de
reunirem todas essas informações em um compêndio com rigor e espírito crítico. (BIER
et al. 2003). Vale ressaltar que esse livro foi traduzido para outros quatro idiomas, “para
vocês terem uma ideia da importância que o Bier tinha em suas conexões internacionais,
imediatamente o livro foi traduzido para o inglês. Depois, para alemão, depois para
tcheco, depois para húngaro e finalmente, para japonês” (Silva W. , 2016).
Um terceiro aspecto diz respeito à influência do IRTC na criação de grupos de
pesquisa em imunologia no país, assim como na criação da Sociedade Brasileira de
Imunologia em 1972, como já referido. A criação do departamento de imunologia no
Instituto de Ciências Biológicas do Universidade de São Paulo (ICB-USP) teve forte
determinação e também pode ser considera como um desdobramento do IRTC,
O curso já tinha cumprido o seu papel, estava para encerrar; aí
abriu um concurso para a USP e eu fui para lá em 75. Aí eu fui
12
para a USP; lá eu fui encarregado de organizar o Departamento
de Imunologia; eu organizei, que antes era junto com a
Microbiologia e eu separei. Depois fui organizar o curso de Pós-
Graduação em Imunologia” (SILVA, W, 2014).
Além disso, o aporte de infraestrutura e a fixação de pesquisadores especialistas
na área no Instituto Butantan decorrentes do IRTC resultou na criação do Laboratório de
Imunopatologia do Instituto que permanece ativo e produtivo até hoje.
Segundo Mota, já na década de 1970, a influência do IRTC também podia ser
vista em outras instituições
A further indication of the influence exerted by the IRTC in the
development of Immunology in S. Paulo is the strong group of
immunologists now working at the Instituto Biológico in S.
Paulo. In that Institution are being developed research projects on
immunogenetics and on immunoglobulins of different animal
species with the collaboration of two visiting-professors of the
IRTC Immunology Course and of one former member of the
permanent staff of the Center. (PAHO,1976)
Por fim, vale apontar que a produção acadêmica de qualidade em periódicos
científicos renomados, “research in this early period was highly productive and led to
many publications in international journals such as Immunology and the American
Journal of Epidemiology.” (HANKINS, 2001, p.255). Entre 1966 e 1976 foram
publicados 21 artigos resultantes de pesquisas conduzidas no IRTC (PAHO, 1976), num
primeiro momento relacionados à estrutura e funcionamento dos anticorpos, passando
posteriormente a temas como a Doença de Chagas e ao Pênfigo Foliáceo - Pemphigus
foliaceus -, dentre outros (HANKINS, 2001).
Considerações finais
13
A OMS e a OPAS envidaram esforços a partir da década de 1960 na
consolidação da imunologia como campo de conhecimento. Para tanto, centros de
excelência em pesquisa e formação de pesquisadores foram criados e apoiados em
diversas partes do mundo. O IRTC de São Paulo foi um deles e foi um elemento
fundamental para a consolidação da imunologia no país e na América Latina,
desenvolvendo pesquisas de ponta em temas relacionados aos problemas de saúde locais
e regionais. Dada sua atuação foi formada uma geração de imunologistas brasileiros que
exerceu e continua exercendo o papel de liderança científica no país.
O depoimento do Professor Wilmar Dias da Silva, quando da comemoração dos
40 anos de criação do Centro é emblemático nesse sentido,
O “PAHO/WHO Immunology Research and Training Centre”
ministrou seu último curso em 1987. Havia atingido seus
objetivos. As primeiras gerações de imunologistas sul-americanos
estavam formadas, ensinando, pesquisando, preparando pessoal.
Contribuiu, certamente, para o avanço da imunologia no Brasil.
Um exame da lista dos estudantes que frequentaram cursos
ministrados pelo “PAHO/WHO Immunology Research and
Training Centre” mostra que parte substancial desses estudantes
ocupa, hoje, posições de destaque na carreira acadêmica como
professores, cientistas, formadores de pessoal, em hospitais e
serviços médicos, e mesmo em empresas privadas produtoras de
reagentes imunológicos ou afins." (SILVA, W., 2008).
Esses resultados e o legado deixado pelo IRTC – São Paulo apontam que ações
como estas, de caráter mundial e regional, coordenadas por entidades como a OMS e a
OPAS podem se constituir como fundamentais para a consolidação de campos de
conhecimento, especialmente em países em desenvolvimento, assim como para
enfrentamento de problemas de saúde de características regionais ou mesmo locais, que
não necessariamente fazem parte da agenda de pesquisa dos centros de pesquisa já
estabelecidos.
14
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Entrevistado 1. Entrevista ao LEHC, Instituto Butantan a Cristiano C. de A. Marques.
São Paulo, 2014.
Entrevistado 2. Entrevista ao LEHC, Instituto Butantan a Cristiano C. de A. Marques e
Olga S. F. Alves. São Paulo, 2014.
Entrevistado 3. Entrevista ao LEHC, Instituto Butantan a Cristiano C. de A. Marques e
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17
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L. S. Prigenzi Brasil - Campinas Depto de Imunologia, Unicamp
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S. Leal Prado Brasil - São Paulo Dept de Bioquímica, EPM
S. F. Lara Brasil - São Paulo Dept de Bioquímica, Instituto de Química, USP
Willy Beçak Brasil - São Paulo Instituto Butantan
Otto Bier Brasil - São Paulo Instituto Butantan
Mario Camargo Brasil - São Paulo Instituto de Medicina Tropical, USP
R. G. Ferri Brasil - São Paulo Dept de Microbiologia e Imunologia, Fac Med
USP
C. Fava Neto Brasil - São Paulo Depto de Microbiologia e Imunologia, Fac
Med USP
Maria Siqueira Brasil - São Paulo Divisão de Imunologia, Instituto Biológico
Claudio A.M.Sampaio Brasil - São Paulo Dep Bioquímica da Escola Paulista de
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E.H.Beutner EUA - Buffalo Dept. of Bacteriology and Immunology, State
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Connecticut School of Medicine
E. A. Kabat EUA - New York Columbia College of Surgeons
Victor Nussenzweig EUA - New York Dept. of Pathology, New York Univ.
Celso Bianco EUA - New York The Rockefeller University
Lamm EUA - New York Dep Bioquímica da U.NY
G. Voisin França - Paris Centre of Researches D’Immuno-Patologie,
Hospital Saint Antoine
R. Binaghi França - Paris Collége de France
G. Biozzi França - Paris Foundation Curie, Section of Biology
S. Avrameas França - Villenuif Inst Recherches Scientifiques Sur le Cancer
J.G. Howard Inglaterra - Kent The Wellcome Research Laboratories
C. Moreno Inglaterra – Kent The Wellcome Research Laboratories
Ivan Roitt Inglaterra - Londres Dept. of Immunology, The Middlesex Hospital
J. Pepys Inglaterra - Londres Inst Doenças Torácicas, Londres
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J. L. Turk Inglaterra - Londres Royal College of Surgeons
Joseph Haimovich Israel - Rehonot Weisman Institute of Science
Ruth Arnon Israel - Rehonot Weisman Institute of Science
M. Sela Israel - Rehonot Weisman Institute of Science
M. Feldman Israel - Rehonot Weisman Institute of Science
Tabela 1 - Professores convidados para o curso de IRTC de São Paulo entre 1966 e 1976.
19
ANO Brasil A. Latina Total Observações
1966 05 0 05
1967 04 01 05
1968 04 02 06
1969 02 04 06
1970 09 01 10
1971 03 05 08
1972 05 03 08
1973 07 05 12
1974 05 01 06
1975 06 01 07
1976 ND ND _
1977 ND ND _ 3 cursos (1 externo na UFCE)
1978 ND ND _
1979 08 01 09
1980 07 00 07
1981 06 00 06 4 cursos (2 cursos externos na UFBA e na
FMUSP)
1982 12 00 12 2 cursos externos ICB-USP e UFAL
1983 ND ND _
1984 ND ND _
TABELA 2- Número de alunos Brasil/ Outros países A.L., por ano.