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PATRIMÔNIO CULTURAL DE LAGUNA: DOCUMENTAÇÃO E...

Date post: 17-Nov-2018
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1827 PATRIMÔNIO CULTURAL DE LAGUNA: DOCUMENTAÇÃO E REFLEXÕES ACERCA DO PASSADO ANTIGO AO PASSADO MODERNO Danielle Rocha Benício / Universidade do Estado de Santa Catarina Leandra Boldrini / Universidade do Estado de Santa Catarina Juliene Candido / Universidade do Estado de Santa Catarina Erick Mota / Universidade do Estado de Santa Catarina Henrique Silvestre / Universidade do Estado de Santa Catarina Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro PATRIMÔNIO CULTURAL DE LAGUNA: DOCUMENTAÇÃO E REFLEXÕES ACERCA DO PASSADO ANTIGO AO PASSADO MODERNO Danielle Rocha Benício / Universidade do Estado de Santa Catarina Leandra Boldrini / Universidade do Estado de Santa Catarina Juliene Candido / Universidade do Estado de Santa Catarina Erick Mota / Universidade do Estado de Santa Catarina Henrique Silvestre / Universidade do Estado de Santa Catarina RESUMO O sítio tombado de Laguna contem aproximadamente 600 imóveis de distintos tempos e linguagens, principalmente coloniais, ecléticas, art nouveau e art déco. No acervo do Escritório Técnico do IPHAN Laguna há registro de 11 imóveis classificados como "Modernista" em mapa da Tipologia das Edificações no Diagnóstico das Demandas de Intervenção e Critérios de Análise de 2008. Alguns desses imóveis constam no inventário de 1995 como "edificação recente sem valor arquitetônico" ou "edificação recente sem interesse para o patrimônio". A pesquisa, que fundamenta este artigo, objetivou empreender a documentação e análise crítica das obras de arquitetura moderna residencial unifamiliar existentes na poligonal de tombamento federal na cidade de Laguna, bem como seu estado de preservação. PALAVRAS-CHAVE arquitetura moderna residencial; patrimônio cultural; Laguna (SC). ABSTRACT The preserved site of Laguna contains about 600 different time periods and types of architectural language properties, mainly colonial, eclectic, art nouveau and art deco. In the collection of IPHAN Laguna's Technical Office there are records of 11 properties classified as "Modernist" on the 2008 map of Types of Buildings in the Demands Diagnostic and Intervention Criteries of Analysis. Some of those properties are listed in the 1995 inventory as "Recent building without architectural value" or "Recent building without interest to the patrimony". The research, underlying this article, is aimed at undertaking the documentation and critical analysis of the single family’s modern residential architecture works existing in the federal presertation’s polygonal in the City of Laguna, as well as its state of preservation. KEYWORDS modern residential architecture; cultural patrimony; Laguna (SC).
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1827 PATRIMÔNIO CULTURAL DE LAGUNA: DOCUMENTAÇÃO E REFLEXÕES ACERCA DO PASSADO ANTIGO AO PASSADO MODERNO

Danielle Rocha Benício / Universidade do Estado de Santa Catarina Leandra Boldrini / Universidade do Estado de Santa Catarina Juliene Candido / Universidade do Estado de Santa Catarina

Erick Mota / Universidade do Estado de Santa Catarina Henrique Silvestre / Universidade do Estado de Santa Catarina Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro

PATRIMÔNIO CULTURAL DE LAGUNA: DOCUMENTAÇÃO E REFLEXÕES ACERCA DO PASSADO ANTIGO AO PASSADO MODERNO Danielle Rocha Benício / Universidade do Estado de Santa Catarina Leandra Boldrini / Universidade do Estado de Santa Catarina Juliene Candido / Universidade do Estado de Santa Catarina Erick Mota / Universidade do Estado de Santa Catarina Henrique Silvestre / Universidade do Estado de Santa Catarina RESUMO

O sítio tombado de Laguna contem aproximadamente 600 imóveis de distintos tempos e linguagens, principalmente coloniais, ecléticas, art nouveau e art déco. No acervo do Escritório Técnico do IPHAN Laguna há registro de 11 imóveis classificados como "Modernista" em mapa da Tipologia das Edificações no Diagnóstico das Demandas de Intervenção e Critérios de Análise de 2008. Alguns desses imóveis constam no inventário de 1995 como "edificação recente sem valor arquitetônico" ou "edificação recente sem interesse para o patrimônio". A pesquisa, que fundamenta este artigo, objetivou empreender a documentação e análise crítica das obras de arquitetura moderna residencial unifamiliar existentes na poligonal de tombamento federal na cidade de Laguna, bem como seu estado de preservação. PALAVRAS-CHAVE arquitetura moderna residencial; patrimônio cultural; Laguna (SC). ABSTRACT

The preserved site of Laguna contains about 600 different time periods and types of architectural language properties, mainly colonial, eclectic, art nouveau and art deco. In the collection of IPHAN Laguna's Technical Office there are records of 11 properties classified as "Modernist" on the 2008 map of Types of Buildings in the Demands Diagnostic and Intervention Criteries of Analysis. Some of those properties are listed in the 1995 inventory as "Recent building without architectural value" or "Recent building without interest to the patrimony". The research, underlying this article, is aimed at undertaking the documentation and critical analysis of the single family’s modern residential architecture works existing in the federal presertation’s polygonal in the City of Laguna, as well as its state of preservation. KEYWORDS

modern residential architecture; cultural patrimony; Laguna (SC).

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Considerações iniciais

Laguna é a terceira cidade mais antiga de Santa Catarina, fundada no século XVII.

Em 1985 o governo federal realizou o tombamento do sítio urbano inicial, através da

instituição de uma poligonal e de sua inscrição no Livro do Tombo Arqueológico,

Etnográfico e Paisagístico e no Livro do Tombo Histórico. A partir desse momento,

estabeleceu-se nessa área o Escritório Técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (ET–IPHAN Laguna), vinculado a 11ª Superintendência Regional.

No Acervo do ET–IPHAN Laguna, há registro de 11 imóveis classificados como

Modernista em mapa da Tipologia das Edificações no Diagnóstico das

Demandas de Intervenção e Critérios de Análise (Brasil, 2008). Alguns desses

imóveis constam no Inventário como “edificação recente sem valor arquitetônico” ou

“edificação recente sem interesse para o patrimônio” (Brasil, 1995). Essas obras de

arquitetura moderna existentes no sítio tombado são pouquíssimo conhecidas. Ainda

se verifica a carência de publicações e a falta de avanços teóricos sobre a presença

do Modernismo na cidade de Laguna. Assim, esta pesquisa objetiva empreender a

documentação e análise crítica das obras de arquitetura moderna existentes no sítio

tombado de Laguna, bem como seu estado de preservação. Justifica-se pela

necessidade urgente de conservação desse patrimônio: é de extrema relevância o

reconhecimento, já que tendem fortemente à descaracterização, à destruição e, por

conseguinte, ao desaparecimento e à perda irremediável e definitiva.

Foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre o Movimento Moderno no Brasil e

sobre a preservação das obras modernas brasileiras; foi elaborada uma metodologia

de inventário; foi executado o levantamento de dados in loco, por meio de

preenchimento de fichas e registro fotográfico; foram investigados os procedimentos

de preservação referentes às obras de arquitetura moderna adotados pelo ET–

IPHAN Laguna, incluindo legislações, fontes e demais documentos arquivados em

seu Acervo, como projetos, imagens e cadastros; foi feita a busca de projetos no

Arquivo Público e na Prefeitura Municipal de Laguna. Posteriormente, foram

sistematizados e analisados os dados. A partir disso, foram examinadas cada obra e

a respectiva inserção e a contextualização no sítio tombado. Com isso, foi verificado

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o estado de conservação do patrimônio moderno e sua a preservação no contexto

tombado. A pesquisa aconteceu entre agosto de 2013 e julho de 2014 (Figuras 1–3).

Imagem aérea do sítio tombado de Laguna, com destaque para a poligonal e monumentos e localização das obras de arquitetura moderna residencial unifamiliar no sítio tombado de Laguna.

Fonte: BENÍCIO et al., 2015

Obras de arquitetura moderna residencial unifamiliar no sítio tombado de Laguna. Fonte: BENÍCIO et al., 2015

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Plantas das obras de arquitetura moderna residencial unifamiliar no sítio tombado de Laguna. A planta da residência III reflete o projeto inicial, existente no Arquivo Municipal de Laguna; as

demais, a situação vigente durante o levantamento executado pelos autores entre 2013 e 2014. Não constam as residências IX e XI, pois não foi possível o acesso e não foi encontrado o projeto.

Fonte: BENÍCIO et al., 2015

Considerações Sobre A Arquitetura Moderna Residencial Unifamiliar De Laguna

Residência I: Rua Jerônimo Coelho, 31

A residência está inserida isolada no lote, gerando a ruptura do alinhamento predial.

A grade de ferro branca apresenta permeabilidade visual e, implantada no

alinhamento predial, separa o espaço público do privado. Entretanto, não permite a

definição do espaço não construído pelo construído, rompendo com plano vertical

configurado pela sequência das demais fachadas dispostas no alinhamento predial.

A casa estende-se da Rua Jerônimo Coelho até a Travessa Manoel Pinho através

de três partes, sendo a primeira, moderna, frontal à Rua; a segunda, no miolo, entre

os limites laterais; e a terceira, mais recente, junto à Travessa. A segunda e terceira

partes não apresentam qualidade arquitetônica nem linguagem definida. Constata-se

compartimentação e setorização, sendo o térreo destinado ao setor social e de

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serviço e o superior, ao setor íntimo.

No lado esquerdo do lote, há o acesso principal à casa, através do estacionamento

de veículos, coberto. Sobre esta cobertura há cobogós, em porcelana amarela, que

tem originalmente função bioclimática, mas que assumem caráter ornamental nessa

edificação e função de guarda-corpo da sacada formada sobre a referida cobertura.

Na primeira parte se destaca o plano horizontal da cobertura, uma laje

impermeabilizada. Esse plano se projeta além dos planos verticais de vedação,

oferecendo melhor proteção em relação às águas pluviais. A parede da fachada

voltada para a Rua foi revestida de pedras naturais. Predominam os vazios em

relação aos cheios. A diferença de esquadrias, considerando as distintas fachadas,

gera melhor resultado estético na face frontal, voltada para a via pública (Figura 4).

Detalhes de revestimentos da Residência I Fonte: MOTA, 2015

Residência II: Rua Jerônimo Coelho, 40

A residência II é marcada, na fronte do lote, pelo recuo e respectiva ruptura do

alinhamento predial, com acessos e circulação externos pavimentados, jardins e

uma abóbada de concreto armado, revestida com pastilhas pintadas de vermelho e

branco. Essa abóbada, que alude à Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha

em Belo Horizonte/MG, apresenta duas faces opostas abertas, sem fechamento; em

seu interior não há uso. Ou seja, essa abóboda possui contraditoriamente caráter

decorativo e provoca o contraste com o volume regular da residência (Figura 5).

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Detalhes de revestimentos e acabamentos da Residência II Fonte: BENÍCIO, 2015

A presença da abóbada, da vegetação e da grade no recuo frontal dificultam a visão

do pavimento inferior. Além disso, a edificação mostra-se limitada pelas construções

vizinhas, o que prejudica a sua visualização. Há ainda uma placa perpendicular à

grade frontal, indicativa do atual uso, o que reforça a interferência visual.

A construção ocupa o limite lateral leste do lote, ligando-se à edificação vizinha. Na

porção posterior do terreno existe um recuo e uma área não construída, acessada a

partir do interior do bloco dos fundos, construção mais recente, sem qualidade

arquitetônica nem linguagem definida. Atualmente, apresenta uso institucional:

abriga o Centro Materno Infantil. Essa disposição espacial sofreu adaptação para o

uso atual, com divisórias, aumentando a compartimentação.

A composição é marcada pela horizontalidade, pela projeção horizontal que envolve

o pavimento superior da fachada frontal; e pelo emolduramento dos vãos nas

fachadas frontal e lateral. As cores originais foram alteradas: alguns elementos,

como pilares e marcações de aberturas estão atualmente pintados de vermelho.

A platibanda oculta o telhado de quatro águas. O guarda-corpo da sacada é em

ferro, assim como a grade que delimita o espaço privado do terreno em relação ao

público da rua. Essa grade gera permeabilidade visual, impedindo que o espaço não

construído seja definido pelo construído e a manutenção da continuidade do plano

vertical das fachadas no alinhamento predial.

Residência III: Travessa Manuel Pinho, 22

Inicialmente, havia recuos em todas as divisas do lote, excetuando-se a área

referente à garagem. Porém, após intervenções de ampliação, novos volumes

construídos ocupam as divisas oeste e norte, nos recuos lateral e de fundos. O muro

com grade de ferro recente separa o espaço público do privado e não minimiza a

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ruptura do alinhamento predial.

Desde o princípio, a edificação manteve o uso residencial. Constata-se a inicial

compartimentação e setorização, sendo o térreo destinado ao setor social e de

serviço e o superior destinado ao setor íntimo. Atualmente, o interior apresenta-se

todo reformado, composto por quatro unidades habitacionais independentes, sendo

duas no pavimento térreo e duas no pavimento superior.

A parte superior da fachada frontal aparece marcada pela projeção do

emolduramento, com elementos circulares vazados em ambas laterais. Em seu

interior, existem frisos horizontais em relevo. A platibanda oculta o telhado de

fibrocimento. Na parte inferior, as tijoletas cerâmicas, antes aparentes, foram

pintadas de marrom.

Residência IV: esquina das Ruas Voluntário Benevides e Osvaldo Cabral, 29

Inicialmente, a implantação era isolada no lote. Após intervenções de ampliação,

novos volumes construídos, sem qualidade arquitetônica nem linguagem definida,

ocupam as divisas laterais e fundos, restando totalmente pavimentadas a pequena

área não construída e o recuo frontal, este com cacos cerâmicos vermelhos. A

composição é marcada pela horizontalidade, pela projeção horizontal que envolve a

parte superior da fachada frontal; e pelo emolduramento das esquadrias. Destacam-

se os vãos circulares, em ritmo, para a iluminação natural do interior, na parte

inferior da fachada frontal, onde há também o revestimento de pedra natural.

Constata-se compartimentação e setorização, sendo o térreo destinado ao setor

social e de serviço e o superior, ao setor íntimo; o uso de serviço concentra-se na

porção posterior da casa e o uso social, na frontal (Figura 6).

Detalhes de revestimentos, acabamentos e vão circular desde o interior da Residência IV Fonte: BENÍCIO, 2015

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A platibanda oculta o telhado de telhas francesas. Todas as janelas instaladas no

pavimento térreo receberam grade de ferro. Há alterações de descaracterização de

esquadrias e, sobretudo, de revestimentos e acabamentos internos.

Residência V: Rua Angelo Novi, 79

A implantação da residência é marcada pela ocupação das divisas laterais e pelo

recuo frontal, com jardim, servindo como transição entre o espaço público da rua e o

privado da casa. A grade no alinhamento predial constitui a barreira que gera

permeabilidade visual e rompe com a definição do espaço não construído pelo

construído. Como algumas construções do contexto também apresentam recuo

frontal, estabelece-se relação com as vizinhas.

Desde o princípio, a edificação manteve o uso residencial; mas, inicialmente havia

duas unidades habitacionais independentes, uma no pavimento térreo e outra no

superior para membros da mesma família. Após reformas, há apenas uma casa,

caracterizada por compartimentação e setorização, sendo o térreo destinado ao

setor social e de serviço e o superior, ao setor íntimo; o uso de serviço concentra-se

na porção posterior da casa e o uso social, na frontal. Nos fundos, há uma edícula.

O interior da casa e da edícula foi alterado, apresentando atualização: escada,

revestimentos de pisos e paredes, forros, acabamentos, equipamentos e esquadrias.

A composição é dada pela projeção na parte superior direita da fachada frontal.

Além disso, esta parte exibe maior altura que o restante da edificação, o que lhe

proporciona ênfase hierárquica. Destacam-se na parte superior a textura com frisos

horizontais, pintados de modo alternado em dois tons de verde; e na parte inferior o

revestimento de pedra natural. A platibanda oculta o telhado de fibrocimento. Os

brises horizontais na parte superior direita da fachada frontal, voltada a oeste, foram

executados em apenas dois vãos de um plano inclinado, composto de nove,

promovendo o sombreamento da janela.

Residência VI: Rua Angelo Novi, 101

A implantação da residência é marcada pela ocupação da divisa lateral sul e pelo

recuo frontal pavimentado, com pouca vegetação, servindo como transição entre o

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espaço público da rua e o privado da casa. O muro com grade no alinhamento

predial constitui a barreia que gera permeabilidade visual e rompe com a definição

do espaço não construído pelo construído. Como algumas construções do contexto

também apresentam recuo frontal se estabelece relação com as vizinhas.

A composição é marcada pela horizontalidade, sobretudo pela projeção curvilínea

em concreto que vai de um limite lateral a outro e que protege os acessos, inclusive

gerando uma cobertura no lado esquerdo, para estacionamento de veículos,

separada da garagem através do recuo lateral pavimentado.

Constata-se compartimentação e setorização, sendo o setor social disposto junto da

Rua; e o setor íntimo localizado afastado dela, oferecendo privacidade aos quartos.

O setor de serviços está centralizado entre os setores social e íntimo no interior da

casa. A circulação, através do corredor, está no centro da construção, formando um

eixo linear que liga todos os setores e dá acesso aos cômodos.

Os brises horizontais na fachada frontal, a oeste, promovem o sombreamento da

janela. A platibanda oculta o telhado de quatro águas com telhas cerâmicas. O

escoamento pluvial da cobertura ocorre através de uma corrente vertical, instalada

abaixo da projeção horizontal, em cada extremidade lateral do lote. O interior da

residência ainda apresenta alguns revestimentos de pisos e paredes, bem como

luminárias originais; mas foram alteradas algumas esquadrias e a cor.

Residência VII: Travessa Luiz Neri, 92

A implantação da residência é marcada pela ocupação da divisa lateral sul e pelo

recuo frontal, com acessos pavimentados e jardim, servindo como transição entre o

espaço público da rua e o privado da casa. A grade no alinhamento predial constitui

a barreira que gera permeabilidade visual e rompe com a definição do espaço não

construído pelo construído. A composição é marcada pela projeção horizontal em

concreto que vai de um limite lateral a outro e que protege os acessos, gerando uma

cobertura no lado esquerdo, para estacionamento de veículos.

A etapa inicial da casa apresentava-se compartimentada e setorizada, sendo o setor

social disposto junto da Travessa; e o setor íntimo, afastado dela, oferecendo

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privacidade aos quartos. Há ainda nos fundos, mais duas etapas de ampliações. A

circulação dessa etapa inicial, através do corredor, ainda está no centro da

construção, como um eixo linear que liga os setores e dá acesso aos cômodos.

Os cobogós cerâmicos, agora pintados de branco, na fachada frontal oeste,

promovem o sombreamento da janela da cozinha. Nessa fachada, acima da

projeção horizontal, há uma sequência de elementos verticais. A platibanda oculta

apenas desde a via pública o telhado de uma água de telhas de fibrocimento,

restando aparente, com beiral e calha, na fachada lateral norte.

Originalmente, havia um pergolado em concreto armado em frente ao

estacionamento, o qual foi removido. O interior da residência foi reformado, alterado

e descaracterizado, com atualização de revestimentos de pisos e paredes, forros,

esquadrias, acabamentos, equipamentos, cor, etc. Atualmente, há uma variedade de

materiais empregados, no exterior e no interior. Destaca-se o piso antigo do

estacionamento em cerâmica sextavada negra. A antena e o poste de luz interferem

na visibilidade da edificação.

Residência VIII: Rua Voluntário Benevides, 543

A inserção da edificação no terreno ocorre através da ocupação dos limites frontal

norte e lateral leste. Os limites lateral oeste e fundo sul exibem área livre, com

vegetação. Ou seja, a edificação, parcialmente, encontra-se no alinhamento predial.

O muro no alinhamento predial separa o espaço público do privado.

A edificação apresenta uso misto, sendo o pavimento térreo utilizado

predominantemente com função comercial e o pavimento superior, com residencial.

Os acessos aos diferentes usos são independentes; não há comunicação entre eles.

Constata-se compartimentação; os cômodos não são agrupados de modo

plenamente setorizado. A circulação, através do corredor no centro do pavimento

superior, forma um eixo linear de maior privacidade ligando os quartos.

Destacam-se: a cobertura "asa de borboleta", composta por laje de concreto armado

com beiral e telhado de fibrocimento; os tubos de ferro pretos, que atuam como

brises verticais na fachada frontal norte; e os cobogós de cerâmica na fachada

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lateral oeste. O interior exibe alguns revestimentos de pisos e paredes, bem como

acabamentos originais; mas foram alteradas algumas esquadrias e cores. Há placas

perpendiculares à fachada frontal, que interferem na visualização da edificação.

Residência IX: Tenente Bessa, 99

A implantação da residência isolada no lote possibilita a criação de espaços de

circulação externos pavimentados com pedras e jardins, como também gera a

ruptura do alinhamento predial. A grade de ferro grafite, no limite frontal do terreno,

separa o espaço público da rua do privado da casa, mas não permite a definição do

espaço não construído pelo construído, nem permite a total visão da casa.

Destacam-se: o uso de concreto armado para a estrutura; a alvenaria de tijolos

aparentes; a pintura na cor branca; o muro de tijolos maciços assentados com

espaços entre si, gerando vazados; entre outros aspectos. Como elemento antigo de

contraste ao moderno ressalta-se a porta principal em madeira maciça, com

detalhes esculpidos sobre esta, e emoldurada por vidros com textura.

Além disso, evidencia-se a implantação aproveitando a melhor orientação solar e

ventilação natural. A projeção de marquises, juntamente com os brises horizontais,

geram o sombreamento das aberturas. Há também venezianas de madeira nos

cômodos do setor íntimo. Esta residência constitui a obra mais fortemente ligada ao

Modernismo e, aparentemente, em melhor estado de conservação.

Residência X: Largo do Rosário, 51

A edificação teve função, originalmente residencial, modificada em meados de 1980.

A partir de então, houve a mudança de uso para prestador de serviços

odontológicos: no presente funciona como uma Clínica Odontológica.

A implantação aproveita ao máximo o lote. A edificação aproxima-se dos limites

laterais do terreno e afasta-se do limite frontal, gerando um recuo ajardinado e

reafirmando a transição entre a via pública e o domínio privado. Sua esquina, em

parte, foi subtraída para criação de um espaço de transição, que protege contra a

chuva e o sol, demarca o acesso e conduz para o interior. Nesse espaço, destacam-

se os elementos verticais e inclinados, de sustentação da laje de cobertura.

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Na fachada frontal, sobre as janelas, sobressai o desenho do reboco, com caráter

ornamental. Além disso, ressaltam-se as projeções de emolduramento dos volumes

e de enquadramento das esquadrias; e a cobertura da edificação inicial, feita através

de laje inclinada, descendente para o fundo, circundada por uma platibanda.

O programa da Clínica foi adaptado à edificação preexistente de uso inicialmente

residencial, implicando em intervenção de reforma e ampliação de área. Constata-se

a compartimentação desde o princípio da construção. O interior da edificação

preexistente foi reformado, alterado e descaracterizado, com atualização de

revestimentos de pisos e paredes, forros, esquadrias, acabamentos, equipamentos,

cor, etc. Atualmente, há uma variedade de materiais, no exterior e no interior.

A nova construção no fundo do terreno é visível desde o Largo e parece tentar

mimetizar-se à edificação preexistente. As placas paralelas à fachada frontal,

indicativas da Clínica, interferem bastante na visualização da edificação. Também o

aparelho condicionador de ar prejudica a leitura estética da edificação.

Residência XI: Largo do Rosário, 29

A implantação da residência, ocupando toda a largura do lote, sem recuos laterais, é

recuada em relação ao passeio público, configurando o jardim frontal, como meio de

transição do espaço público da rua para o privado da casa, e rompendo com o

alinhamento predial. A grade em ferro preta, no limite do terreno, não permite a

definição do espaço não construído pelo construído, nem a total visão da casa.

Na parte inferior da frente da casa, com as paredes visíveis desde o Largo,

revestidas por pedras brancas, há uma subtração referente à garagem aberta. O

volume é marcado pela horizontalidade dada pelas esquadrias, projeção da

platibanda e laje saliente, que marca a divisão dos dois pavimentos. O bloco

superior apresenta-se hierarquizado, com maior visibilidade em relação ao inferior.

A presença de grandes aberturas remete à predominância dos vazios em relação

aos cheios. A cobertura é composta por um telhado de quatro águas de telhas

cerâmicas do tipo romana. Essa cobertura está oculta pela platibanda. Além disso,

destaca-se a cor branca. A implantação do poste de luz no passeio público, à frente

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da edificação, interfere na visibilidade completa da residência.

Considerações sobre a preservação da arquitetura moderna residencial

unifamiliar de Laguna

As obras de arquitetura moderna de Laguna exibem-se mais fortemente vinculadas

ao Modernismo desde a aparência exterior, ou seja, desde os aspectos externos das

fachadas, como brises, cobogós, emolduramento de esquadrias, platibanda

escondendo o telhado, cobertura do tipo “asa de borboleta”, ausência de decoração,

tijolos mantidos à vista, revestimento de pedras naturais, recuos, entre outros.

De fato, nove das onze obras analisadas apresentam platibanda (Figura 7a). Alguns

elementos (brises, cobogós, emolduramento de esquadrias) frequentes em fachadas

frontais e laterais são primordiais à concepção estética e simultaneamente à

concepção ambiental, potencializando o conforto dos espaços internos.

A assimetria, como princípio de composição contumaz, baseia a organização formal

das obras, o que se diferencia da formalidade das edificações mais antigas (Figura

7b). A assimetria ocorre geralmente pela subtração de formas, introdução de

projeções e volumes e hierarquização de aberturas. Quanto às aberturas, não é

recorrência a presença de ritmo. Além disso, não há dominância dos vazios sobre os

cheios. As janelas em fita, ainda que de modo alusivo, começam a ser introduzidas.

O interior não configura a planta livre, princípio fundamental do Modernismo;

caracteriza-se pela divisão da planta, pela compartimentação e, portanto, pela

criação de um cômodo para cada finalidade, o que constitui herança de culturas

antepassadas, ainda atrelada à moradia antiga. Verifica-se a relação entre fachada e

planta baixa, a partir da hierarquização e diferenciação das esquadrias. A relação de

cheios e vazios oferece uma leitura da distribuição dos cômodos e seus respectivos

usos, induzindo a compreensão da divisão da planta. Além disso, a

compartimentação das plantas, aliada à implantação dos edifícios na divisa de lote,

constituem dificuldades e limitações à livre circulação de ar, ao aproveitamento da

melhor ventilação natural, sobretudo da ventilação cruzada.

Ressalta-se, em concomitância, a setorização de funções. Em todas as edificações

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levantadas, nas quais há mais de um pavimento, a área íntima encontra-se no andar

superior; enquanto que a área social e de serviço, no térreo. No térreo, o setor social

aparece geralmente junto à fachada frontal, mais próxima da via pública, e o setor

de serviço em local menos “privilegiado”, nos fundos do terreno.

A implantação de casas soltas no lote não é unanimidade: das onze casas

estudadas, oito estão atualmente construídas em alguma extrema do lote (Figura

7c). Logo, duas características despontam: a presença de jardim frontal no recuo da

edificação em relação ao alinhamento predial, servindo de espaço de transição entre

os domínios público e privado; e a quebra do alinhamento predial e, portanto, a

ruptura da continuidade das testadas, recorrente no sítio tombado de Laguna.

As obras de arquitetura moderna, desde sua execução até o presente, passaram por

troca de proprietário, ampliações, reformas, alterações externas e internas, incluindo

substituições de revestimentos e cores. Quanto aos usos, duas residências tiveram

a função habitacional substituída por atividades de serviço, notadamente na área de

saúde. Uma casa, originalmente unifamiliar, tornou-se multifamiliar (Figura 7d).

As ampliações foram comuns em diversas edificações (Figura 7e); não raro

descaracterizaram as características próprias do Modernismo, introduzindo novos

elementos construtivos (por exemplo, telhados aparentes) e trazendo problemas de

conforto ambiental para as preexistências. Essas ampliações decorrem geralmente

da necessidade de novos espaços, em virtude da insuficiência de locais para

depósitos, garagens e confraternizações; e, ainda, para receber novos usos. Nos

casos das edificações com uso alterado, construíram-se anexos destinados a

atender a nova demanda. Esclarece-se que uma mesma ampliação pode ser

justificada por uma ou mais razões (Figura 7f).

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Preservação da arquitetura moderna residencial unifamiliar no sítio tombado de Laguna Fonte: BENÍCIO et al., 2015

A descaracterização do patrimônio moderno não apenas se manifesta com

ampliações destoantes, sem respeito às preexistências. Muitas intervenções

modificam a estrutura original da residência e/ou seus revestimentos, como

aberturas de madeira e vidro substituídas por alumínio ou vidro temperado e

cerâmicas trocadas para atualização da aparência (em muitas edificações observa-

se uma variedade de tipos diferentes). Evidencia-se também a descaracterização

gerada pela pintura em cores da moda atual, não próprias do Modernismo. Por fim,

produzem impacto negativo as placas de identidade visual (Figura 7g).

Considerações finais

No sítio tombado estabeleceram-se continuidades e rupturas formais e tipológicas

no que tange às relações contextuais considerando especialmente a estrutura

fundiária (lote urbano central) e o objeto arquitetônico (edificação), como também a

arquitetura nova (linguagem moderna) e a arquitetura antiga (linguagens

preexistentes, fortemente historicizadas). Ou seja, além das articulações entre a

conservação e a transformação, as obras modernas apresentam importantes valores

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histórico, estético e utilitário na dupla perspectiva per si e in toto e, portanto, atestam

o Modernismo como um testemunho do próprio passado (mesmo que um passado

recente), um tempo digno de constituir o patrimônio cultural lagunense.

A localização dessas obras não ocorreu de modo concentrado, distribuindo-se de

modo esparso por todo o sítio tombado - em ruas mais largas e de maior fluxo viário

e em travessas mais estreitas e de trânsito mais reduzido; junto da mais importante

praça, onde se localiza a igreja Matriz, e em largo no limite tombado.

A implantação das edificações, em relação ao terreno e ao seu respectivo contexto,

recuadas desde o alinhamento predial, e algumas, inclusive, com recuo lateral (ou

laterais), estabelece rupturas formais e tipológicas entre o então novo - moderno - e

o antigo - preexistências ao moderno -, já consolidado. A introdução de recuos

constitui uma qualificação dos projetos residenciais, ao ofertar melhores condições

de insolação, iluminação e ventilação aos espaços interiores. A presença de recuos

também permite a criação de jardins e pavimentação destacando os acessos.

Contudo, observa-se a dificuldade de implantação do Modernismo na estrutura

fundiária do sítio tombado de Laguna: predominam os lotes estreitos e profundos, o

que dificulta a inserção de construções soltas no terreno, com recuo frontal e

simultaneamente em ambas laterais. Não se reduz a coincidência o fato das obras

modernas situarem-se em lotes de testadas mais largas.

Esclarece-se que as obras modernas foram construídas em imóveis antes ocupados

por edifícios antigos. Ou seja, a inserção do moderno implicou a demolição e, de

algum modo, a fragmentação e o desaparecimento de alguma contribuição passada.

Além disso, o Modernismo distingue-se pela linguagem nova, que objetiva desfazer-

se de qualquer remissão ao passado. A pureza volumétrica, o predomínio de formas

geométricas regulares, a ausência ou a pouca ornamentação, as linhas retas, entre

outros aspectos, constituem distinções notáveis considerando o contexto, formado

por construções dos períodos colonial, eclético, art nouveau e art déco. Ou seja,

entre a arquitetura mais antiga e a moderna explicita-se a diferença visual.

Apesar de serem construções recentes (recorda-se, consideradas pelo ET-IPHAN

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Laguna como "edificação recente sem valor arquitetônico", "sem valor para o

patrimônio"), já se verificam descaracterizações. Tal observação não retira das obras

modernas os valores histórico, estético e utilitário, na dupla perspectiva per si e in

toto, e, portanto, demandam preservação enquanto patrimônio cultural lagunense.

Referências

BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. ET-IPHAN Laguna. Acervo. Inventário. Laguna: 1995.

BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Programa Monumenta. ET-IPHAN Laguna. GRILLO & WERNECK. Diagnóstico das Demandas de Intervenção e Critérios de Análise. Tipologia das Edificações. Laguna: 2008.

Danielle Rocha Benício

Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Arquitetura e Urbanismo na área de Conservação e Restauro pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGAV/CEART/UDESC). Professora Assistente do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do CERES/UDESC. Leandra Boldrini

Graduanda em Arquitetura e Urbanismo do Centro de Educação Superior da Região Sul da Universidade do Estado de Santa Catarina, bolsista de iniciação científica PIPES. Juliene Candido Graduanda em Arquitetura e Urbanismo do Centro de Educação Superior da Região Sul da Universidade do Estado de Santa Catarina, bolsista de iniciação científica PIPES. Erick Mota Graduando em Arquitetura e Urbanismo do Centro de Educação Superior da Região Sul da Universidade do Estado de Santa Catarina, bolsista de iniciação científica PIPES. Henrique Silvestre

Graduando em Arquitetura e Urbanismo do Centro de Educação Superior da Região Sul da Universidade do Estado de Santa Catarina, voluntário de iniciação científica PIPES.


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