PERDA DO MANDATO, CRIMES DE RESPONSABILIDADE E
“IMPEACHMENT” DOS CHEFES DO PODER EXECUTIVO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 3
PERDA DO MANDATO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ............................................................ 3
“Impeachment” do Presidente da República (arts. 52, I e p. único, 85 e 86, CF/88) ............. 6
PERDA DO MANDATO DOS GOVERNADORES E DOS PREFEITOS NA CF/88 ............................ 27
Responsabilização político-administrativa dos Governadores e dos Prefeitos ................... 34
INTRODUÇÃO
E aí, pessoal, tudo certo?
Percebi que o ebook sobre advocacia pública foi muito bem recebido e resolvi
preparar outro, sobre um tema que também acho bem interessante e que, além disso,
nunca é muito bem estudado na preparação para concursos.
Aqui vou falar sobre perda do mandato do Chefe do Executivo de uma forma
mais abrangente, mas o foco maior será nos crimes de responsabilidade e no
impeachment, principalmente em relação ao Presidente da República.
Espero que gostem!
PERDA DO MANDATO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A doutrina fala em duas modalidades de perda do mandato: de um lado, a perda
extinção e, de outro lado, a perda cassação. Essas situações, evidentemente, são
distintas.
Quais são as diferenças entre elas?
A modalidade extinção não traz consigo um viés de punição, ela não traz consigo
nenhuma aplicação de sanção. Já a cassação traz consigo a ideia de punição, de sanção
aplicada em virtude da prática de uma ilicitude, ilicitude essa que pode ter natureza
penal ou político-administrativa.
A extinção pode ocorrer em cinco situações, sendo que duas delas a Constituição
sequer prevê, por serem óbvias. São as seguintes:
a) Morte: essa hipótese não está prevista expressamente na Constituição e nem
precisaria estar, pois é evidente que o mandato se extingue pela morte.
b) Renúncia: aqui, é adotado o conceito de renúncia do direito civil (ato abdicativo
unilateral e irretratável) e também não está previsto na Constituição, já que
também não seria necessário, pois, uma vez tendo o titular do cargo abdicado
do mandato, é óbvio que este se extingue.
c) Perda ou suspensão de direitos políticos (art. 15, CF/88): ocorrida a perda ou
suspensão dos direitos políticos do Presidente da República, um dos efeitos
colaterais é a perda do cargo (lembrando que isso não se aplica aos
Parlamentares, por terem regramento próprio sobre a perda do mandato). Aqui,
não há nenhuma infração como causa direta da perda do mandato. Pode até se
verificar alguma infração como causa da perda ou suspensão dos direitos
políticos, mas a extinção do mandato se dá por mera consequência natural da
perda ou suspensão dos direitos políticos, não da infração em si.
d) Não comparecimento à investidura no mandato eletivo, por mais de dez dias
(art. 78, p. único, CF/88): para tomar posse no cargo de Presidente da República,
a Constituição prevê o prazo de dez dias, prazo esse que deve ser respeitado, sob
pena de se declarar o cargo vago, a menos que haja motivo justificado para esse
não comparecimento.
“Art. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República
tomarão posse em sessão do Congresso Nacional,
prestando o compromisso de manter, defender e
cumprir a Constituição, observar as leis, promover o
bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a
integridade e a independência do Brasil.
Parágrafo único. Se, decorridos dez dias da data fixada
para a posse, o Presidente ou o Vice-Presidente, salvo
motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este
será declarado vago.”
e) Ausência do território nacional, sem a autorização do Congresso Nacional, por
mais de quinze dias (art. 83, CF/88): se o período for inferior a 15 dias, o
Presidente pode se ausentar e retornar sem que se cogite a perda do seu
mandato, mas, se o período for superior a 15 dias, a ausência depende da
autorização do Congresso Nacional, sob pena de, no 16º dia, ocorrer a perda do
mandato através de extinção.
“Art. 83. O Presidente e o Vice-Presidente da República
não poderão, sem licença do Congresso Nacional,
ausentar-se do País por período superior a quinze dias,
sob pena de perda do cargo.”
Já que estamos falando na regra do art. 83 da CF/88, aproveito a oportunidade
para registrar que se trata de uma regra submetida à simetria constitucional, ou seja, é
de observância obrigatória nas demais esferas da Federação, por se tratar de
disposição atinente ao esquema organizatório da separação dos Poderes, sendo esse o
entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal.
JURISPRUDÊNCIA EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 53, inciso IV, e art. 81, ambos
da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Necessidade de prévia autorização
da Assembleia Legislativa para o afastamento do governador e do vice-governador do
País por qualquer tempo. Princípio da simetria. Princípio da separação dos Poderes.
Confirmação da medida cautelar. Procedência. 1. A Carta da República, em seus arts.
49, inciso III, e 83, dispôs ser da competência do Congresso Nacional autorizar o
presidente e o vice-presidente da República a se ausentarem do País quando a
ausência for por período superior a quinze dias. 2. Afronta os princípios da separação
dos Poderes e da simetria disposição da Constituição estadual que exige prévia
licença da Assembleia Legislativa para que o governador e o vice-governador se
ausentem do País por qualquer prazo. 3. Trata-se de mecanismo do sistema de freios
e contrapesos, o qual somente se legitima nos termos já delineados pela própria Lei
Maior, sendo vedado aos estados-membros criar novas ingerências de um Poder na
órbita de outro que não derivem explícita ou implicitamente de regra ou princípio da
Lei Fundamental. Precedentes. 4. Ação direta julgada procedente.
(ADI 775/RS; Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI; Julgamento: 03/04/2014; Órgão
Julgador: Tribunal Pleno)
Como se pode perceber, em nenhuma das hipóteses de extinção há a prática
de ilicitude, seja penal ou político-administrativa. O que ocorre é algum fato que não
caracteriza uma infração, mas acarreta a perda do mandato.
Por outro lado, quando há a prática de alguma infração – infração essa que pode
ser penal ou político-administrativa –, fala-se em cassação, pois, nesse caso, a perda do
mandato é resultado de uma sanção aplicada por conta da ilicitude cometida. A
cassação pode se dar por:
a) Crime comum: crime comum é um ilícito penal e, assim, é objeto de uma ação
penal.
b) Crime de responsabilidade: crime de responsabilidade é um ilícito político-
administrativo, que é objeto de impeachment.
“Impeachment” do Presidente da República (arts. 52, I e p. único, 85 e 86, CF/88)
O impeachment do Presidente da República é previsto na Constituição nos arts.
52, I e p. único, 85 e 86.
O art. 52, I, da CF/88 alude à competência dada ao Senado para processar e julgar
o Presidente da República pela prática de crime de responsabilidade, enquanto o seu
parágrafo único se refere às sanções cominadas no caso de impeachment, que são duas:
a perda do cargo e a inabilitação por 8 anos para o exercício de (qualquer) função
pública.
O art. 85 da CF/88 enumera os bens jurídicos tutelados por crime de
responsabilidade.
O art. 86 da CF/88 traz o procedimento a ser observado em caso de
impeachment.
Além desses fundamentos constitucionais, o impeachment também tem
fundamentação legal, que é a Lei 1.079/50, a qual está em vigor, tendo sido
parcialmente recepcionada pela CF/88, segundo entende o STF.
Esse tema tem grande chance de vir a ser questionando em provas (como já foi).
O impeachment, então, é o procedimento que decorre da prática de um crime
de responsabilidade (infração político-administrativa) e que pode ensejar a cassação do
mandato, que, como vimos, é a modalidade de perda do mandato decorrente da
aplicação de uma sanção. Essa hipótese de perda do mandato a CF/88 prevê nos arts.
52, I e p. único, 85 e 86, além de estar prevista, também, na Lei 1.079/50.
“Art. 52, CF/88. Compete privativamente ao Senado
Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da
República nos crimes de responsabilidade, bem como os
Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma
natureza conexos com aqueles;
(...)
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II,
funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal
Federal, limitando-se a condenação, que somente será
proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à
perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o
exercício de função pública, sem prejuízo das demais
sanções judiciais cabíveis.”
“Art. 85, CF/88. São crimes de responsabilidade os atos
do Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder
Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei
especial, que estabelecerá as normas de processo e
julgamento.
Art. 86, CF/88. Admitida a acusação contra o Presidente
da República, por dois terços da Câmara dos Deputados,
será ele submetido a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou
perante o Senado Federal, nos crimes de
responsabilidade.
§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia
ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração
do processo pelo Senado Federal.
§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o
julgamento não estiver concluído, cessará o
afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular
prosseguimento do processo.
§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas
infrações comuns, o Presidente da República não estará
sujeito a prisão.
§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu
mandato, não pode ser responsabilizado por atos
estranhos ao exercício de suas funções.”
QUESTÕES DE PROVA (FUNDATEC – AL/RS – Procurador – 2018) De acordo com a Constituição Federal, são
crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra
a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I. O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais.
II. A probidade na administração.
III. O cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Quais estão corretas?
a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) Apenas I e III.
e) I, II e III.
COMENTÁRIOS:
Essa questão cobrou a exata literalidade do art. 85 da Constituição Federal, transcrito
acima. Isso mostra como é importante, para provas objetivas, o conhecimento do
texto constitucional nesse tema e nos demais tratados nesta aula.
GABARITO: E
O tema do impeachment tem 4 (quatro) grandes questões a serem abordadas, a
saber:
a) Definição;
b) Natureza;
c) Condição de procedibilidade;
d) Procedimento (conforme definido pelo STF na ADPF 378).
Definição
Em inglês arcaico, impeachment significa “proibir que se coloque de pé”. Em
inglês mais moderno, significa indiciamento.
A partir disso, pode-se definir impeachment como o processo de investigação e
julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade.
É necessário analisar os detalhes dessa conceituação.
O impeachment não é um processo apenas de investigação, mas também de
julgamento. Através dele há investigação da autoria e materialidade de um crime de
responsabilidade (infração político-administrativa) e, sendo caso, o julgamento do
Presidente da República (se se tratasse de crime comum, não haveria impeachment, mas
ação penal).
Esse conceito visto acima é um conceito stricto sensu. Um conceito mais lato do
que esse seria o seguinte: impeachment é o meio de responsabilização dos agentes
políticos na república.
No presente momento, estamos tratando do impeachment do Presidente da
República, porque o tema que está sendo estudado aqui é Poder Executivo. Mas há
impeachment de outras autoridades, em qualquer Poder (por exemplo, é possível
impeachment de Ministro do STF) e até mesmo em órgão independente (como o
Ministério Público, podendo o Procurador-Geral da República sofrer impeachment),
exceto no Poder Legislativo (pois, no Legislativo, não há impeachment, e sim quebra de
decoro parlamentar).
Portanto, esses dois conceitos (um restrito, limitado ao Chefe do Poder
Executivo, e um amplo, abrangendo outros Poderes e órgãos independentes) podem ser
conhecidos.
Natureza
Impeachment é um processo estritamente político (com causa política e
consequência política) ou é um processo político-penal (e, assim, teria um viés jurídico,
teria natureza, ainda que apenas em parte, penal, com causa política e consequência
penal)?
Se for entendido que impeachment é um processo político, não caberá controle
judicial dos atos praticados durante ele, justamente por se tratar de um processo
formado exclusivamente por atos políticos (de modo que o controle judicial se torna
indevido).
Por outro lado, se for entendido que impeachment é um processo político-penal,
ele passa a ter uma conotação jurídica (penal), o que faz com que o controle judicial seja
admissível.
Qual, então, é a natureza do impeachment? Isso é, hoje, objeto de divergência
na doutrina.
Entre outros doutrinadores, Paulo Brossard (ex-Ministro do STF), autor do maior
livro brasileiro sobre o tema (chamado “O impeachment”), entende que impeachment
é um processo político, de modo que, por consequência, não pode haver controle
judicial dos atos praticados durante sua tramitação, sendo o impeachment, assim, não
sindicável. Ora, como se sabe, no Brasil, atos políticos são imunes a controle por parte
do Poder Judiciário.
Mas a posição dominante na doutrina hoje é a de Miguel Reale Jr., que sustenta
que impeachment é processo político-penal (com causa política e consequência penal).
Portanto, segundo essa linha de pensamento, impeachment não é um processo
estritamente político, tendo também um viés jurídico, ainda que penal. A conclusão para
quem assim pensa é que impeachment é sujeito a controle judicial, mais precisamente,
no que diz respeito ao seu aspecto penal.
Diante dessa controvérsia doutrinária, o STF já se manifestou sobre isso em duas
situações, uma em 1992 (caso de Fernando Collor) e outra em 2015 (caso de Dilma
Roussef), quando a Corte confirmou o entendimento que havia adotado antes. Para o
STF, impeachment é processo político-penal, existindo a possibilidade de controle
judicial dos atos praticados durante seu trâmite. E tanto é assim que, nos dois casos de
impeachment pós CF/88, houve manifestação do STF controlando atos praticados no
curso do procedimento, chegando, até mesmo, a declarar a invalidade de alguns desses
atos.
Mas há um detalhe: quando houver o controle judicial dos atos praticados
durante o impeachment, esse controle não será de mérito, mas de legalidade. Assim,
não compete ao STF aferir se há autoria e materialidade de crime de responsabilidade
(isso não compete nem mesmo à Câmara dos Deputados, mas somente ao Senado
Federal), cabendo à Suprema Corte apenas controlar o procedimento, mais
precisamente, sua legalidade, podendo invalidar um ato praticado durante o processo
(um ato procedimental), se o entender contrário à Constituição.
O STF, nessa situação, atua como guardião do PROCEDIMENTO, e não como
guardião do mérito da acusação. Aliás, mesmo em relação ao controle procedimental,
também não compete ao STF dizer qual é a melhor interpretação da Constituição, pois
essa questão é tão cara à separação de Poderes (isto é, tamanha é sua repercussão na
separação de Poderes) que, nesse caso, compete ao STF tão somente dizer se a
interpretação adotada pela Casa Legislativa se harmoniza com a Constituição ou não,
independentemente de ser ela a melhor interpretação ou não.
Condição de procedibilidade
Existe alguma condição de procedibilidade no caso do impeachment? Sim. O art.
15 da Lei 1.079/50 prevê uma condição de procedibilidade: estar o Presidente no
desempenho do mandato, o que, aliás, é óbvio, pois uma das sanções do impeachment
é a perda do cargo, e só se pode perder aquilo que se tem. Logo, se a sanção é a perda
do cargo, a condição que a legislação impôs foi justamente estar o Presidente no
desempenho do mandato. Se o Presidente não estiver no desempenho do mandato,
oferecida a acusação, ela será recusada; mas, se o Presidente estiver no desempenho
do mandato, oferecida a acusação, ela poderá (ou não) ser admitida (o Presidente tem
de estar no desempenho do mandato para que, uma vez admitida a acusação, possa o
mandato que está em curso vir a ser perdido, acaso haja condenação).
“Art. 15, Lei 1.079/50. A denúncia só poderá ser
recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer
motivo, deixado definitivamente o cargo.”
Sobre isso, há uma questão discutida em 1992 e uma questão discutida em 2015.
Em 1992, a questão foi a seguinte: em momento algum se questionou se a norma
do art. 15 da Lei 1.079/50 realmente consubstanciaria uma condição de procedibilidade,
mas se discutiu, no caso Fernando Collor, se ela seria (também) uma condição de
prosseguibilidade. Isso tem uma imensa importância prática, por conta da renúncia, que
pode ocorrer durante o processo.
Assim, se se entender que também é condição de prosseguibilidade, o processo
só poderá prosseguir se o Presidente permanecer no cargo; e, se se entender que não é
condição de prosseguibilidade, o processo poderá prosseguir independentemente de
estar o Presidente no cargo, e, em ocorrendo a renúncia, o processo prosseguirá para a
aplicação da outra sanção (inabilitação por 8 anos para o desempenho de função
pública).
Em 1992, essa questão foi levada em conta, tendo se apresentado duas posições:
1) Denise Freitas Fabião Guasque: essa autora sustentou que o art. 15 da Lei
1.079/50 seria também uma condição de prosseguibilidade, de modo que a
renúncia extinguiria o processo.
2) Luís Roberto Barroso: sustentou que o art. 15 da Lei 1.079/50 traria apenas uma
condição de procedibilidade, não consubstanciando condição de
prosseguibilidade. Logo, poderia o processo prosseguir, estando o Presidente no
cargo ou não, e a renúncia não produziria efeito prático qualquer no
impeachment.
A posição adotada pelo STF foi a de Luís Roberto Barroso. Assim, no caso de
Fernando Collor, este renunciou ao cargo na véspera da sessão de julgamento do
impeachment (e a renúncia foi lida pelo advogado de Collor no plenário do Senado), o
que levou à instauração de uma questão de ordem sobre a continuidade do processo ou
não, tendo o STF entendido pela continuação do procedimento, não para discutir a
perda/cassação do mandato, mas sim para a aplicação da outra consequência, qual seja,
a inabilitação por 8 anos para o desempenho de função pública). Assim, o processo teve
continuidade, concluindo-se pela condenação de Collor, tornando-o inabilitado por 8
anos para o desempenho de função pública.
JURISPRUDÊNCIA EMENTA: - CONSTITUCIONAL. "IMPEACHMENT". CONTROLE JUDICIAL.
"IMPEACHMENT" DO PRESIDENTE DA REPUBLICA. PENA DE INABILITAÇÃO PARA O
EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. C.F., art. 52, paragrafo único. Lei n. 27, de
07.01.1892; Lei n. 30, de 08.01.1892. Lei n. 1.079, de 1950. I. - Controle judicial do
"impeachment": possibilidade, desde que se alegue lesão ou ameaça a direito. C.F.,
art. 5., XXXV. Precedentes do S.T.F.: MS n. 20.941-DF (RTJ 142/88); MS n. 21.564-DF e
MS n. 21.623-DF. II. - O "impeachment", no Brasil, a partir da Constituição de 1891,
segundo o modelo americano, mas com características que o distinguem deste: no
Brasil, ao contrario do que ocorre nos Estados Unidos, lei ordinaria definira os crimes
de responsabilidade, disciplinara a acusação e estabelecera o processo e o
julgamento. III. - Alteração do direito positivo brasileiro: a Lei n. 27, de 1892, art. 3.,
estabelecia: a) o processo de "impeachment" somente poderia ser intentado durante
o periodo presidencial; b) intentado, cessaria quando o Presidente, por qualquer
motivo, deixasse definitivamente o exercício do cargo. A Lei n. 1.079, de 1950,
estabelece, apenas, no seu art. 15, que a denuncia só podera ser recebida enquanto
o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo. IV. -
No sistema do direito anterior a Lei 1.079, de 1950, isto e, no sistema das Leis n.s 27
e 30, de 1892, era possivel a aplicação tão somente da pena de perda do cargo,
podendo esta ser agravada com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro
cargo (Constituição Federal de 1891, art. 33, par. 3.; Lei n. 30, de 1892, art. 2.),
emprestanto-se a pena de inabilitação o caráter de pena acessoria (Lei n. 27, de 1892,
artigos 23 e 24). No sistema atual, da Lei 1.079, de 1950, não e possivel a aplicação
da pena de perda do cargo, apenas, nem a pena de inabilitação assume caráter de
acessoriedade (C.F., 1934, art. 58, par. 7.; C.F., 1946, art. 62, par. 3. C.F., 1967, art. 44,
parag. único; EC n. 1/69, art. 42, parag.inico; C.F., 1988, art. 52, parag. único. Lei n.
1.079, de 1950, artigos 2., 31, 33 e 34). V. - A existência, no "impeachment" brasileiro,
segundo a Constituição e o direito comum (C.F., 1988, art. 52, parag. único; Lei n.
1.079, de 1950, artigos 2., 33 e 34), de duas penas: a) perda do cargo; b) inabilitação,
por oito anos, para o exercício de função pública. VI. - A renuncia ao cargo,
apresentada na sessão de julgamento, quando ja iniciado este, não paralisa o
processo de "impeachment". VII. - Os princípios constitucionais da impessoalidade e
da moralidade administrativa (C.F., art. 37). VIII. - A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal relativamente aos crimes de responsabilidade dos Prefeitos
Municipais, na forma do Decreto-lei 201, de 27.02.1967. Apresentada a denuncia,
estando o Prefeito no exercício do cargo, prosseguira a ação penal, mesmo após o
termino do mandato, ou deixando o Prefeito, por qualquer motivo, o exercício do
cargo. IX. - Mandado de segurança indeferido.
(MS 21689/DF; Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO; Julgamento: 16/12/1993; Órgão
Julgador: Tribunal Pleno)
Já a questão levantada em 2015 é chamada, por alguns autores, de impeachment
tardio. Essa questão não foi suscitada em 1992, porque, à época, não havia norma que
previsse a possibilidade de reeleição, que apenas foi introduzida pela EC 16/97 (art. 14,
§ 5º, CF/88).
Assim, a questão seria a seguinte: se o Presidente foi eleito e reeleito, poderia
ele, no curso do segundo mandato, ser acusado e responder por ato praticado no
mandato anterior? Isso é o que a doutrina chama de impeachment tardio (e recebe o
adjetivo de tardio por ser formulado em um mandato questionando fato de mandato
pretérito). Isso é possível ou não?
Em 2015 essa questão foi levantada porque houve acusação contra a Presidente
Dilma Roussef formulada no curso do segundo mandato e, na acusação, constavam fatos
do mandato anterior.
Sobre isso, também há controvérsia na doutrina.
Pedro Serrano entende que impeachment tardio é indevido, é juridicamente
impossível. Esse autor diz que, no Brasil, não é admissível impeachment tardio porque o
fato de o Presidente ser reeleito não torna o período presidencial único, permanecendo
como dois mandatos diferentes (embora a investidura venha a ser contínua, isto é,
embora não haja solução de continuidade entre os mandatos), e se exige o caráter de
contemporaneidade entre o fato e a acusação. Ou seja, a acusação deve ser
contemporânea ao fato, o Presidente responde pelo fato no curso do mandato, e,
mesmo sendo reeleito, não há um só mandato, mas dois mandatos diferentes.
Por outro lado, Gustavo Badaró (entre outros) admite impeachment tardio, com
o seguinte argumento: a única imposição da legislação (art. 15 da Lei 1.079/50) é que o
Presidente esteja no cargo, pouco importando se o fato foi praticado no mandato atual
ou no mandato anterior. Assim, estando o Presidente no cargo, a condição exigida pela
lei está satisfeita, nada mais sendo necessário.
Essa questão não chegou a ser analisada pelo STF, porque quando houve, em
2015, a acusação contra a Presidente da República, o Presidente da Câmara não admitiu
a parte das acusações relativas a fatos praticados em mandato anterior, o que impediu
que o STF pudesse se manifestar quanto a isso. Mas, em tese, essa controvérsia existe.
Procedimento (ADPF 378)
Na ADPF 378, o STF definiu o rito do impeachment.
Alguns autores comparam impeachment a júri, porque, assim como o júri, o
processo de impeachment é composto por duas fases, as quais, inclusive, recebem os
mesmos nomes: juízo de admissibilidade da acusação (1ª fase) e juízo de mérito da
acusação (2ª fase). Assim, primeiro se verifica se a acusação é admissível ou não, para
apenas depois se investigar o próprio mérito da acusação.
No impeachment, tudo se inicia com a apresentação da peça inicial, que os arts.
14 e seguintes da Lei 1.079/50 chama de denúncia, a qual pode ser apresentada por
qualquer cidadão.
“(...)
PARTE SEGUNDA
PROCESSO E JULGAMENTO
TÍTULO ÚNICO
DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E MINISTROS DE
ESTADO
CAPÍTULO I
DA DENÚNCIA
Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o
Presidente da República ou Ministro de Estado, por
crime de responsabilidade, perante a Câmara dos
Deputados.
Art. 15. A denúncia só poderá ser recebida enquanto o
denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado
definitivamente o cargo.
Art. 16. A denúncia assinada pelo denunciante e com a
firma reconhecida, deve ser acompanhada dos
documentos que a comprovem, ou da declaração de
impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do
local onde possam ser encontrados, nos crimes de que
haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter o rol
das testemunhas, em número de cinco no mínimo.”
Apresentada a denúncia, o Presidente da Câmara dos Deputados analisa a
presença de elementos mínimos de autoria e materialidade para decidir se a recebe ou
se a rejeita (arquivando-a) liminarmente.
E aqui é necessário fazer a primeira observação relevante do que restou decidido
pelo STF ao julgar a ADPF 378: não há falar em aplicação subsidiária, ao Presidente da
Câmara neste momento inicial, das hipóteses de impedimento e suspeição do
magistrado previstas no CPP. Isso porque a atividade do Parlamentar é diferente da
atividade do magistrado: enquanto este deve se manter imparcial no exercício de suas
funções, aquele exerce o mandato de acordo com suas convicções político-partidárias,
de modo que não há espaço para a ele serem aplicadas as hipóteses de impedimento e
suspeição previstas para juízes no exercício da jurisdição. Ademais, essa questão recebe
regramento próprio na Lei 1.079/50 (art. 36), de modo que não há espaço para aplicação
subsidiária de outro diploma legal.
“Art. 36. Não pode interferir, em nenhuma fase do
processo de responsabilidade do Presidente da
República ou dos Ministros de Estado, o deputado ou
senador:
a) que tiver parentesco consangüíneo ou afim, com o
acusado, em linha reta; em linha colateral, os irmãos
cunhados, enquanto durar o cunhado, e os primos co-
irmãos;
b) que, como testemunha do processo tiver deposto de
ciência própria.”
Recebida a denúncia pelo Presidente da Câmara dos Deputados, é formada uma
comissão especial para a elaboração de um relatório a ser submetido à apreciação do
plenário da Casa.
Em relação a essa comissão especial, o STF também se manifestou, no sentido
de que, para a sua formação, deve haver indicação dos líderes partidários, não se
admitindo candidaturas avulsas. E a indicação dos líderes partidários (para a composição
da comissão especial) deve ser submetida ao plenário da Casa tão somente para
ratificação, em votação aberta.
APROFUNDANDO O TEMA: VOTAÇÃO ABERTA NO “IMPEACHMENT”
O STF, na ADPF 378, expressamente consignou que todas as votações no
impeachment devem ser abertas, não se admitindo, nesse rito, votação secreta. Isso
porque, além da gravidade das sanções que podem ser aplicadas, cuida-se de um
procedimento que exige maior controle popular, além de a Constituição Federal não
prever o sigilo do voto em tal situação.
Esse tema já foi cobrado em prova objetiva, mais precisamente na prova da
PGM/BH 2016 (aplicada em 2017), realizada pelo CESPE. Portanto, é necessário ter
atenção a esse detalhe!
QUESTÕES DE PROVA (CESPE – PGM/BH – 2016) Julgue:
“No Brasil, de acordo com o STF, a regra é a observância do princípio da publicidade,
razão pela qual, em impeachment de presidente da República, o sigilo do escrutínio é
incompatível com a natureza e a gravidade do processo.”
COMENTÁRIOS:
Essa assertiva cobrou do candidato o conhecimento dessa questão específica decidida
pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADPF 378.
GABARITO: CERTO
Formada a comissão especial, é dada oportunidade para que o Presidente da
República apresente manifestação por escrito e documentos. Neste momento, ainda
não há plenitude do direito de defesa, não havendo ampla produção probatória, mas
apenas a apresentação das provas pré-constituídas.
Em seguida, a comissão especial elabora relatório e o submete ao plenário da
Câmara dos Deputados, que decidirá se autoriza a instauração do processo, para o que
se exigem os votos de 2/3 (dois terços) dos seus membros.
Autorizada a instauração do processo pela Câmara dos Deputados, os autos são
remetidos ao Senado Federal, onde, em um primeiro momento, também será formada
uma comissão especial (e aqui se aplicam as mesmas observações feitas em relação à
comissão formada na Câmara dos Deputados).
Formada, a comissão especial, ela elabora um parecer acerca da admissibilidade
da acusação e o submete ao plenário do Senado, para que realize o juízo de
admissibilidade, instaurando o processo ou não. A instauração do processo depende de
votação da maioria simples.
Em relação à realização de juízo de admissibilidade pelo Senado Federal, o STF
(na ADPF 378) assim decidiu com fundamento no art. 52, I, da CF/88, pois esse
dispositivo preconiza que compete ao Senado processar e julgar o Presidente da
República pela prática de crimes de responsabilidade. Assim, segundo a Suprema Corte,
a expressão “processar” compreende a realização do juízo de admissibilidade do
processo.
“Art. 52, CF/88. Compete privativamente ao Senado
Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da
República nos crimes de responsabilidade, bem como os
Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma
natureza conexos com aqueles;”
Sendo positivo o juízo de admissibilidade e instaurado o processo contra o
Presidente da República, este fica suspenso de suas funções por até 180 (cento e
oitenta) dias (art. 86, §§ 1º, II, e 2º, CF/88) e se passa à fase de pronúncia, na qual se
exige voto da maioria simples para que o acusado seja pronunciado.
Pronunciado o Presidente da República, a etapa seguinte é verdadeira instrução
processual, com plenitude do contraditório e da ampla defesa, além da produção de
todas as provas admitidas em direito (perícias, oitiva de testemunhas etc.).
Aqui, é necessário fazer mais uma observação do que restou decidido pelo STF
ao julgar a ADPF 378: os Senadores, no procedimento do impeachment, podem adotar
as medidas necessárias à apuração do crime de responsabilidade, inclusive no que
concerne à produção de provas, não se lhes impondo o princípio da inércia.
O último ato da instrução é o interrogatório do Presidente da República.
Finalizada a instrução, a comissão especial elabora um parecer e o submete ao
plenário do Senado para deliberação acerca da acusação. Para a condenação do
Presidente da República, exigem-se os votos de 2/3 (dois terços) dos membros da Casa
Legislativa.
Em relação ao julgamento da acusação, é necessário lembrar que o Senado
Federal, em tal momento, é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal,
conforme previsto no art. 52, parágrafo único, da CF/88.
“Art. 52, CF/88. Compete privativamente ao Senado
Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da
República nos crimes de responsabilidade, bem como os
Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma
natureza conexos com aqueles;
(...)
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II,
funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal
Federal, limitando-se a condenação, que somente será
proferida por dois terços dos votos do Senado Federal,
à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para
o exercício de função pública, sem prejuízo das demais
sanções judiciais cabíveis.”
É necessário lembrar, ainda, que o julgamento da acusação é competência
exclusiva do Senado Federal (que é o juiz natural para o julgamento do Presidente da
República em hipóteses de crime de responsabilidade), não podendo haver
manifestação da Câmara dos Deputados a esse respeito nem tampouco ingerência
jurisdicional (o papel do STF, no impeachment, é tão somente o de assegurar a
observância do devido processo legal e de outros direitos fundamentais do acusado, não
podendo se intrometer na análise do mérito).
APROFUNDANDO O TEMA: POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO SECCIONADA DAS SANÇÕES
Como se sabe, as sanções que podem ser aplicadas em caso de condenação
do Presidente da República pelo cometimento de crime de responsabilidade são duas:
I) perda do cargo; e II) inabilitação para o exercício de qualquer função pública pelo
período de 8 (oito) anos.
Ocorre que, no caso Dilma Roussef, o Senado Federal, ao condenar a
Presidente da República, determinou tão somente a perda do cargo, não a
inabilitando para o exercício de função pública. Isso fez surgir o questionamento: essa
decisão é compatível com o regime constitucional do impeachment?
O grande problema nessa discussão é que ela não foi levada ao Supremo
Tribunal Federal, de modo que não houve uma decisão definitiva a esse respeito. No
entanto, há um precedente da Suprema Corte apreciando o caso Fernando Collor em
que se consignou que a pena de perda do cargo não pode ser aplicada sem a
inabilitação para o exercício de funções públicas, muito embora a sanção de
inabilitação possa ser aplicada sem a de perda do cargo acaso se torne impossível a
aplicação desta última, como ocorre na hipótese de o Presidente da República
renunciar ao mandato antes do julgamento final do impeachment, que foi justamente
o que se passou no caso Fernando Collor. Vejamos, a propósito, trecho da decisão do
STF (MS 21689/DF):
“(...) IV. - No sistema do direito anterior a Lei 1.079, de
1950, isto e, no sistema das Leis n.s 27 e 30, de 1892, era
possivel a aplicação tão somente da pena de perda do
cargo, podendo esta ser agravada com a pena de
inabilitação para exercer qualquer outro cargo
(Constituição Federal de 1891, art. 33, par. 3.; Lei n. 30,
de 1892, art. 2.), emprestanto-se a pena de inabilitação
o caráter de pena acessoria (Lei n. 27, de 1892, artigos
23 e 24). No sistema atual, da Lei 1.079, de 1950, não e
possivel a aplicação da pena de perda do cargo,
apenas, nem a pena de inabilitação assume caráter de
acessoriedade (C.F., 1934, art. 58, par. 7.; C.F., 1946, art.
62, par. 3. C.F., 1967, art. 44, parag. único; EC n. 1/69,
art. 42, parag.inico; C.F., 1988, art. 52, parag. único. Lei
n. 1.079, de 1950, artigos 2., 31, 33 e 34). (...)” (MS
21689/DF; Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO;
Julgamento: 16/12/1993; Órgão Julgador: Tribunal
Pleno)
Percebe-se, assim, que, apesar de o Supremo Tribunal Federal não ter se
manifestado sobre essa questão específica envolvendo a ex-Presidente Dilma
Roussef, o seccionamento das sanções não se compatibiliza com a sua jurisprudência.
Em relação às sanções que podem ser aplicadas, é importante notar, ainda, que
elas possuem natureza político-administrativa (assim como os crimes de
responsabilidade são infrações de natureza também político-administrativa). Como
consequência disso, é incabível a impetração de habeas corpus para trancar processo de
impeachment, já que ele não possui a potencialidade de cercear o direito de ir e vir do
acusado.
JURISPRUDÊNCIA Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO DE IMPEACHMENT.
DECISÃO PROFERIDA PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS. VIA PROCESSUAL
INADEQUADA. 1. Nos termos do art. 654 do Código de Processo Penal, a petição inicial
de habeas corpus conterá a declaração da espécie de constrangimento ilegal ao
direito de locomoção, ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que se
funda o seu temor. 2. No caso, a insurgência a que se opõe o impetrante, em rigor,
diz respeito a eventual obstáculo ao exercício de direitos políticos e não ao direito de
ir e vir. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(HC 134315 AgR/DF; Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI; Julgamento: 16/06/2016;
Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
Para finalizar o estudo do impeachment, é necessário fazer uma última
observação: a competência para legislar sobre crimes de responsabilidade, seu processo
e julgamento é privativa da União, sendo vedado aos demais entes da federação tratar
sobre essa matéria. Assim, por exemplo, Constituições (e/ou leis) Estaduais que
disciplinem a competência, prevejam a necessidade de autorização do Poder Legislativo
para o julgamento dos respectivos Chefes do Executivo ou mesmo ampliem o rol de
autoridades sujeitas à responsabilização pela prática de crimes de responsabilidade são
inconstitucionais. Nesse sentido, inclusive, o STF editou a Súmula Vinculante 46, nos
seguintes termos:
Súmula Vinculante 46: “A definição dos crimes de
responsabilidade e o estabelecimento das respectivas
normas de processo e julgamento são da competência
legislativa privativa da União.”
QUESTÕES DE PROVA (UFG – PGM/Goiânia – 2015) Em conformidade com o que dispõe a Constituição
Federal de 1988 e também de acordo com o atual entendimento jurisprudencial
sobre o tema, acerca do Poder Executivo, notadamente quanto à responsabilidade
do Chefe do Executivo, conclui-se que:
a) a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas
normas de processo e julgamento são da competência legislativa da União, sem
empecilho que os estados federados, no exercício do poder constituinte decorrente,
instituam normas a esse respeito.
b) os atos do Presidente da República que atentem o livre exercício do Poder
Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais
dos municípios integrantes da Federação brasileira são crimes de responsabilidade.
c) as funções do Presidente da República serão suspensas, nas infrações penais
comuns, se recebida a denúncia ou a queixa-crime, e, nos crimes de responsabilidade,
após a instauração do processo pelo Supremo Tribunal Federal.
d) o Presidente da República não estará sujeito à prisão, e, na vigência de seu
mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas
funções, em razão de sua imunidade penal, enquanto não sobrevier sentença
condenatória nas infrações comuns.
COMENTÁRIOS:
a) Conforme já observado nesta aula, a competência para legislar sobre essa matéria
é privativa da União, não se franqueando aos Estados prever disposições acerca
dessas infrações e/ou seu processo e julgamento.
b) Essas infrações estão previstas no art. 85, II, da CF/88, estudado e transcrito na aula
anterior.
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do
Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder
Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei
especial, que estabelecerá as normas de processo e
julgamento.”
c) Nos crimes de responsabilidade, a suspensão do Presidente da República se dá após
a instauração do processo pelo Senado Federal (art. 86, § 1º, CF/88).
“Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da
República, por dois terços da Câmara dos Deputados,
será ele submetido a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou
perante o Senado Federal, nos crimes de
responsabilidade.
§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia
ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração
do processo pelo Senado Federal.
(...)”
d) No curso do mandato, o Presidente da República não pode sofrer persecução penal
em virtude de atos estranhos ao exercício do cargo (art. 86, § 4º, CF/88). Esse tema
será melhor estudado à frente, nesta aula.
“Art. 86, § 4º O Presidente da República, na vigência de seu
mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos
ao exercício de suas funções.”
GABARITO: B
PERDA DO MANDATO DOS GOVERNADORES E DOS
PREFEITOS NA CF/88
Ao tratar dos Governadores e Prefeitos, a CF/88 não trouxe muitas minúcias
quanto à perda do mandato.
Naturalmente, no entanto, tal qual ocorre com o Presidente da República, os
Chefes dos Executivos estaduais e municipais perderão o mandato em caso de morte,
de renúncia e de perda ou suspensão dos direitos políticos. Inclusive, no que diz respeito
à hipótese de perda ou suspensão dos direitos políticos, o Supremo Tribunal Federal já
afirmou expressamente ser caso de perda de mandato de Prefeito Municipal:
JURISPRUDÊNCIA
EMENTA: Eleitoral. Recurso contra expedição de diploma. Condenação criminal
transitada em julgado após a posse do candidato eleito (CF, art. 15, III). Perda dos
direitos políticos: conseqüência da existência da coisa julgada. A Câmara de
vereadores não tem competência para iniciar e decidir sobre a perda de mandato de
prefeito eleito. Basta uma comunicação à Câmara de Vereadores, extraída nos autos
do processo criminal. Recebida a comunicação, o Presidente da Câmara de
Vereadores, de imediato, declarará a extinção do mandato do Prefeito, assumindo
o cargo o Vice-Prefeito, salvo se, por outro motivo, não possa exercer a função. Não
cabe ao Presidente da Câmara de Vereadores outra conduta senão a declaração da
extinção do mandato. Recurso extraordinário conhecido em parte e nessa parte
provido.
(RE 225019/GO; Relator(a): Min. NELSON JOBIM; Julgamento: 08/09/1999; Órgão
Julgador: Tribunal Pleno)
O que a Constituição Federal traz de maneira expressa quanto à perda do
mandato do Governador e do Prefeito são as disposições dos arts. 28, § 1º, e 29, XIV,
que dizem o seguinte:
“Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador
de Estado, para mandato de quatro anos, realizar-se-á
no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e
no último domingo de outubro, em segundo turno, se
houver, do ano anterior ao do término do mandato de
seus antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de
janeiro do ano subseqüente, observado, quanto ao
mais, o disposto no art. 77.
§ 1º Perderá o mandato o Governador que assumir
outro cargo ou função na administração pública direta
ou indireta, ressalvada a posse em virtude de concurso
público e observado o disposto no art. 38, I, IV e V.
(Renumerado do parágrafo único, pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
§ 2º Os subsídios do Governador, do Vice-Governador e
dos Secretários de Estado serão fixados por lei de
iniciativa da Assembléia Legislativa, observado o que
dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, §
2º, I.”
“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada
em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e
aprovada por dois terços dos membros da Câmara
Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do
respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
XIV - perda do mandato do Prefeito, nos termos do art.
28, parágrafo único. (Renumerado do inciso XII, pela
Emenda Constitucional nº 1, de 1992)
(...)”
Segundo esses dispositivos, o Governador e o Prefeito, no curso do mandato,
apenas podem tomar posse em outro cargo se se tratar de cargo ao qual tiveram acesso
mediante concurso público. Nesse caso, terão de observar as regras de afastamento e
cumulação (ou opção) de remuneração previstas no art. 38 da CF/88, que será estudado
oportunamente.
Perceba, assim, que o Chefe do Executivo nas esferas estadual e municipal não
pode assumir um cargo comissionado, pois, se o fizer, perderá o mandato.
Uma questão interesse e que já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal é a
seguinte: conforme vimos, a hipótese de perda de mandato decorrente de investidura
em outro cargo se aplica igualmente a Governadores e Prefeitos, pois o art. 29, XIV, da
CF/88 determina que se aplique aos prefeitos o previsto no art. 28, § 1º (antigo
parágrafo único), da CF/88. Mas poderia a Constituição do Estado (ou mesmo a Lei
Orgânica do Município) ampliar ou restringir (tornando mais ou menos gravosa,
portanto) a abrangência da hipótese de perda do mandato decorrente de investidura
em outro cargo?
Segundo decidiu o STF, NÃO, pois se trata de norma da Constituição Federal que
é de observância obrigatória pelos Estados e Municípios. Confira:
JURISPRUDÊNCIA EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO A PRECEITOS
DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SERGIPE. EXPRESSÃO "REALIZADO ANTES DE SUA
ELEIÇÃO", INSERIDA NO INCISO V DO ARTIGO 14; ARTIGO 23, INCISOS V E VI; ARTIGO
28, PARAGRÁFO ÚNICO; ARTIGO 37, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTIGO 46, INCISO
XIII; ARTIGO 95, § 1º; ARTIGO 100; ARTIGO 106, § 2º; ARTIGO 235, §§ 1º E 2º; ARTIGO
274; TODOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SERGIPE. ARTIGO 13, CAPUT, ARTIGO
42; E ARTIGO 46 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS À
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 29, INCISO XIV; 35;
37, INCISOS X E XIII; E 218, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AÇÃO JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Ação direta julgada procedente em relação aos
seguintes preceitos da Constituição sergipana: i) Artigo 14, inciso V: dispõe que o
prefeito e o vice-prefeito perderão o mandato se assumirem outro cargo ou função
pública, estadual ou municipal, salvo em virtude de concurso público realizado antes
de sua eleição. Impugnação à expressão: "realizado antes de sua eleição". A
Constituição do Brasil - artigos 28 e 29 - estabelece as hipóteses de perda de
mandato de prefeito e vice-prefeito. A Constituição estadual não pode ampliar esse
elenco. (...) Ação julgada parcialmente procedente.
(ADI 336/SE; Relator(a): Min. EROS GRAU; Julgamento: 10/02/2010; Órgão Julgador:
Tribunal Pleno)
Note que no julgado que transcrevi acima é possível inferir do voto condutor do
julgamento que a observância estrita dos arts. 28, § 1º, e 29, XIV, da CF/88 pelos Estados
e Municípios se baseou na simetria constitucional. Em outras palavras, o Supremo
Tribunal Federal os tratou como princípios constitucionais extensíveis.
No entanto, tecnicamente, esse não é o tratamento mais adequado, pois os
princípios extensíveis são aqueles que consagram normas aplicáveis ao âmbito federal
que devem ser observadas também nas esferas estadual e municipal. Já os arts. 28, §
1º, e 29, XIV, da CF/88 trazem disposições constitucionais direcionadas especificamente
aos Estados e aos Municípios. Trata-se, portanto, de princípios constitucionais
estabelecidos, e não de simetria constitucional, muito embora a Suprema Corte tenha
tratado a situação como um caso de aplicação da simetria.
Seja como for, o resultado final é o mesmo: os Estados e os Municípios devem
observar estritamente as previsões dos arts. 28, § 1º, e 29, XIV, da CF/88, não podem
amplia-las nem restringi-las.
Além disso, veja que os arts 28, § 1º e 29, XIV, da CF/88 devem ser observados
pelos Estados e Municípios porque assim está expressamente previsto. No entanto, há
disposições constitucionais previstas para o Poder Executivo Federal que, por simetria
implícita, devem ser replicadas nas demais esferas da Federação. É o caso, por exemplo,
da necessidade de autorização do Poder Legislativo para que o Presidente da República
se ausente do País por mais de 15 dias, sob pena de, acaso não seja autorizado, perder
o mandato (art. 49, III, c/c art. 83, ambos da CF/88).
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso
Nacional:
(...)
III - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da
República a se ausentarem do País, quando a ausência
exceder a quinze dias;”
“Art. 83. O Presidente e o Vice-Presidente da República
não poderão, sem licença do Congresso Nacional,
ausentar-se do País por período superior a quinze dias,
sob pena de perda do cargo.”
Segundo a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, como esses
dispositivos consubstanciam um mecanismo da sistemática de freios e contrapesos,
atingindo, portanto, a separação dos Poderes, devem ser observados simetricamente
nas demais esferas da Federação. Confira o seguinte julgado:
JURISPRUDÊNCIA EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 53, inciso IV, e art. 81, ambos
da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Necessidade de prévia autorização
da Assembleia Legislativa para o afastamento do governador e do vice-governador do
País por qualquer tempo. Princípio da simetria. Princípio da separação dos Poderes.
Confirmação da medida cautelar. Procedência. 1. A Carta da República, em seus arts.
49, inciso III, e 83, dispôs ser da competência do Congresso Nacional autorizar o
presidente e o vice-presidente da República a se ausentarem do País quando a
ausência for por período superior a quinze dias. 2. Afronta os princípios da separação
dos Poderes e da simetria disposição da Constituição estadual que exige prévia
licença da Assembleia Legislativa para que o governador e o vice-governador se
ausentem do País por qualquer prazo. 3. Trata-se de mecanismo do sistema de freios
e contrapesos, o qual somente se legitima nos termos já delineados pela própria Lei
Maior, sendo vedado aos estados-membros criar novas ingerências de um Poder na
órbita de outro que não derivem explícita ou implicitamente de regra ou princípio da
Lei Fundamental. Precedentes. 4. Ação direta julgada procedente.
(ADI 775/RS; Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI; Julgamento: 03/04/2014; Órgão
Julgador: Tribunal Pleno)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO. IMPEDIMENTO OU AFASTAMENTO DE
GOVERNADOR OU VICE-GOVERNADOR. OFENSA AOS ARTIGOS 79 E 83 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE "ACEFALIA" NO ÂMBITO DO PODER
EXERCUTIVO. PRECEDENTES. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. A ausência do
Presidente da República do país ou a ausência do Governador do Estado do território
estadual ou do país é uma causa temporária que impossibilita o cumprimento, pelo
Chefe do Poder Executivo, dos deveres e responsabilidades inerentes ao cargo. Desse
modo, para que não haja acefalia no âmbito do Poder Executivo, o presidente da
República ou o Governador do Estado deve ser devidamente substituído pelo vice-
presidente ou vice-governador, respectivamente. Inconstitucionalidade do § 5º do
art. 59 da Constituição do Estado do Maranhão, com a redação dada pela Emenda
Constitucional Estadual 48/2005. Em decorrência do princípio da simetria, a
Constituição Estadual deve estabelecer sanção para o afastamento do Governador
ou do Vice-Governador do Estado sem a devida licença da Assembléia Legislativa.
Inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 62 da Constituição maranhense,
com a redação dada pela Emenda Constitucional Estadual 48/2005. Repristinação da
norma anterior que foi revogada pelo dispositivo declarado inconstitucional. Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
(ADI 3647/MA; Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA; Julgamento: 17/09/2007;
Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
EMENTA: GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR DO ESTADO – AFASTAMENTO DO PAÍS
“EM QUALQUER TEMPO” – NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA, SOB PENA DE PERDA DO CARGO – ALEGADA OFENSA AO POSTULADO
DA SEPARAÇÃO DE PODERES E SUPOSTA TRANSGRESSÃO AO MODELO NORMATIVO
ESTABELECIDO PELA VIGENTE CONSTITUIÇÃO (ART. 49, III, E ART. 83) – PRECEDENTES
– MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. – A exigência de prévia autorização da Assembleia
Legislativa para o Governador e o Vice-Governador do Estado ausentarem-se, em
qualquer tempo, do território nacional mostra-se incompatível com os postulados
da simetria e da separação de poderes, pois essa restrição – que não encontra
correspondência nem parâmetro na Constituição Federal (art. 49, III, c/c o art. 83) –
revela-se inconciliável com a Lei Fundamental da República, que, por qualificar-se
como fonte jurídica de emanação do poder constituinte decorrente, impõe ao
Estado-membro, em caráter vinculante, em razão de sua índole hierárquico-
normativa, o dever de estrita observância quanto às diretrizes e aos princípios nela
proclamados e estabelecidos (CF, art. 25, “caput”), sob pena de completa desvalia
jurídica das disposições estaduais que conflitem com a supremacia de que se
revestem as normas consubstanciadas na Carta Política. Precedentes.
(ADI 5373 MC/RR; Relator(a): Min. CELSO DE MELLO; Julgamento: 09/05/2019;
Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
Por fim, não se pode esquecer que os Governadores e Prefeitos também devem
observar normas sobre o exercício do cargo editadas pelos Estados e Municípios no
exercício de sua autonomia, além de poderem perder o mandato em virtude de
responsabilização político-administrativa, a qual se dá de acordo com a legislação
federal (já que a competência para tratar do tema é da União), conforme veremos no
próximo tópico.
Responsabilização político-administrativa dos Governadores e dos Prefeitos
Ao tratarmos da perda do mandato do Presidente da República, abordamos o
impeachment e a prática de infrações de caráter político-administrativo (os chamados
crimes de responsabilidade) pelo Chefe do Executivo Federal.
Agora, é indispensável tecer alguns comentários sobre a responsabilização
político-administrativa dos Governadores e dos Prefeitos.
Para compreender o tema, é indispensável ter sempre em mente a premissa,
vista acima, de que a competência para legislar sobre crimes de responsabilidade
(infrações político-administrativas) e seu processo e julgamento é privativa da União,
ainda que se trate de responsabilização dos Chefes dos Executivos Estaduais e
Municipais.
Portanto, as normas sobre esse tema devem, sempre, ser editadas pelo
Congresso Nacional, carecendo as demais esferas políticas de competência para
disciplinar a matéria.
Responsabilização político-administrativa dos Governadores dos Estados e do Distrito
Federal
Em relação aos Governadores, o regramento de sua responsabilização pela
prática de crimes de responsabilidade também está contido na Lei 1.079/50,
especialmente nos seus arts. 74 a 79, que trazem, inclusive, as regras atinentes ao seu
processo e julgamento.
Aqui, devo fazer uma observação extremamente importante: é muito comum
que normas estaduais prevejam que a competência para processar e julgar o
Governador do Estado por crimes de responsabilidade é da Assembleia Legislativa ou
mesmo que é necessário haver autorização da Casa Legislativa para a instauração de
impeachment contra o Chefe do Executivo Estadual. Todas essas normas, no entanto,
são inconstitucionais, pois, conforme já vimos, a competência para tratar sobre essas
questões é privativa da União. Inclusive, é farta a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal nesse sentido, conforme os julgados transcritos abaixo.
JURISPRUDÊNCIA EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 56, INC. XXI, E 93 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESPÍRITO SANTO. INCOMPETÊNCIA DE ESTADO-MEMBRO PARA
LEGISLAR SOBRE PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DE CRIMES DE
RESPONSABILIDADE COMETIDOS POR GOVERNADOR. EXIGÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO
PRÉVIA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO CONTRA
O GOVERNADOR POR PRÁTICA DE CRIMES DE RESPONSABILIDADE. 1.
Inconstitucionalidade formal decorrente da incompetência dos Estados-membros
para legislar sobre processamento e julgamento de crimes de responsabilidade (art.
22, inc. I, da Constituição da República). (...) (ADI 4792/ES, julgada em 12/02/2015)
Ementa: (...) RESPONSABILIDADE PENAL DE GOVERNADOR DE ESTADO. DENÚNCIAS
POR CRIMES COMUNS E DE RESPONSABILIDADE. ADMISSÃO SUJEITA A CONTROLE
LEGISLATIVO. LICENÇA-PRÉVIA. PREVISÃO EM CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. (...)
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA DISPOR SOBRE
PROCESSO E JULGAMENTO POR CRIMES DE RESPONSABILIDADE. 1. A competência
para dispor legislativamente sobre processo e julgamento por crimes de
responsabilidade é privativa da União, que o fez por meio da Lei 1.079/50, aplicável
aos Governadores e Secretários de Estado, razão pela qual são inconstitucionais as
expressões dos arts. 54 e 89 da Constituição do Estado do Paraná que trouxeram
disciplina discrepante na matéria, atribuindo o julgamento de mérito de imputações
do tipo à Assembleia Legislativa local. (...) (ADI 4791/PR, julgada em 12/02/2015)
Logo, o órgão competente para julgar Governador de Estado por crime de
responsabilidade é aquele indicado no § 3º do art. 78 da Lei 1.079/50 (e não qualquer
outro indicado nas normas locais). Trata-se de um tribunal misto composto de
Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça e de Deputados da respectiva
Assembleia Legislativa, cabendo a presidência ao Desembargador Presidente da Corte
de Justiça. Vejamos.
“Art. 78. O Governador será julgado nos crimes de
responsabilidade, pela forma que determinar a
Constituição do Estado e não poderá ser condenado,
senão à perda do cargo, com inabilitação até cinco anos,
para o exercício de qualquer função pública, sem
prejuízo da ação da justiça comum.
§ 1º Quando o tribunal de julgamento fôr de jurisdição
mista, serão iguais, pelo número, os representantes dos
órgãos que o integrarem, excluído o Presidente, que
será o Presidente do Tribunal de Justiça.
§ 2º Em qualquer hipótese, só poderá ser decretada a
condenação pelo voto de dois têrços dos membros de
que se compuser o tribunal de julgamento.
§ 3º Nos Estados, onde as Constituições não
determinarem o processo nos crimes de
responsabilidade dos Governadores, aplicar-se-á o
disposto nesta lei, devendo, porém, o julgamento ser
proferido por um tribunal composto de cinco membros
do Legislativo e de cinco desembargadores, sob a
presidência do Presidente do Tribunal de Justiça local,
que terá direito de voto no caso de empate. A escolha
desse Tribunal será feita - a dos membros do
legislativo, mediante eleição pela Assembléia: a dos
desembargadores, mediante sorteio.
§ 4º Êsses atos deverão ser executados dentro em cinco
dias contados da data em que a Assembléia enviar ao
Presidente do Tribunal de Justiça os autos do processo,
depois de decretada a procedência da acusação.”
Em relação a esse art. 78, é necessário perceber que todas as suas disposições
que remetem a disciplina do tema a normas estaduais (como é o caso do seu § 1º e da
primeira parte do seu caput) não foram recepcionadas pela CF/88, que prevê a
competência privativa da União para tratar da matéria.
Outro aspecto importante são as sanções que podem ser aplicadas ao
Governador: perda do cargo e inabilitação por ATÉ CINCO ANOS para exercer qualquer
função pública. Já no caso do Presidente da República, a inabilitação para o exercício de
funções públicas é de oito anos exatos.
Já o quórum de condenação é o mesmo para o Presidente da República e para
Governador de Estado: dois terços dos membros do órgão julgador.
Por fim, os crimes de responsabilidade que podem ser praticados pelos
Governadores dos Estados e do DF são os assim previstos na própria Lei 1.079/50,
conforme consta de seu art. 74.
“Art. 74. Constituem crimes de responsabilidade dos
governadores dos Estados ou dos seus Secretários,
quando por eles praticados, os atos definidos como
crimes nesta lei.”
Responsabilização político-administrativa dos Prefeitos Municipais
A disciplina da responsabilização do Chefe do Executivo Municipal encontra-se
no Decreto-Lei 201/67.
Em relação aos Prefeitos, a primeira observação que deve ser feita é quanto à
nomenclatura das infrações que podem ser por eles praticadas, falando-se, em relação
a essas autoridades, em crimes de responsabilidade PRÓPRIOS e crimes de
responsabilidade IMPRÓPRIOS.
Basicamente, os crimes de responsabilidade próprios são crimes propriamente
ditos, são infrações penais, estando previstos no art. 1º do Decreto-Lei 201/67. Já os
crimes de responsabilidade impróprios são crimes no sentido impróprio da palavra,
cuidando-se, esses sim, de infrações de caráter político-administrativo, estando
previstos no art. 4º do Decreto-Lei 201/67.
“Art. 4º São infrações político-administrativas dos
Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara
dos Vereadores e sancionadas com a cassação do
mandato:
I - Impedir o funcionamento regular da Câmara;
II - Impedir o exame de livros, folhas de pagamento e
demais documentos que devam constar dos arquivos da
Prefeitura, bem como a verificação de obras e serviços
municipais, por comissão de investigação da Câmara ou
auditoria, regularmente instituída;
III - Desatender, sem motivo justo, as convocações ou os
pedidos de informações da Câmara, quando feitos a
tempo e em forma regular;
IV - Retardar a publicação ou deixar de publicar as leis e
atos sujeitos a essa formalidade;
V - Deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e
em forma regular, a proposta orçamentária;
VI - Descumprir o orçamento aprovado para o exercício
financeiro;
VII - Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de
sua competência ou omitir-se na sua prática;
VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens,
rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à
administração da Prefeitura;
IX - Ausentar-se do Município, por tempo superior ao
permitido em lei, ou afastar-se da Prefeitura, sem
autorização da Câmara dos Vereadores;
X - Proceder de modo incompatível com a dignidade e o
decoro do cargo.”
O rito e a competência para processar e julgar o Prefeito pela prática de infrações
político-administrativas estão definidos no art. 5º do Decreto-Lei 201/67, que
estabelece a respectiva Câmara de Vereadores como o órgão competente para esse
julgamento.
Além disso, o quórum para a condenação do Prefeito é de dois terços dos
Vereadores e a sanção aplicável é a perda do mandato, conforme o art. 4º, caput, e o
art. 5º, VI, ambos do Decreto-Lei 201/67.
“Art. 5º O processo de cassação do mandato do Prefeito
pela Câmara, por infrações definidas no artigo anterior,
obedecerá ao seguinte rito, se outro não for
estabelecido pela legislação do Estado respectivo:
I - A denúncia escrita da infração poderá ser feita por
qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação
das provas. Se o denunciante for Vereador, ficará
impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a
Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos
os atos de acusação. Se o denunciante for o Presidente
da Câmara, passará a Presidência ao substituto legal,
para os atos do processo, e só votará se necessário para
completar o quorum de julgamento. Será convocado o
suplente do Vereador impedido de votar, o qual não
poderá integrar a Comissão processante.
II - De posse da denúncia, o Presidente da Câmara, na
primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a
Câmara sobre o seu recebimento. Decidido o
recebimento, pelo voto da maioria dos presentes, na
mesma sessão será constituída a Comissão processante,
com três Vereadores sorteados entre os desimpedidos,
os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o Relator.
III - Recebendo o processo, o Presidente da Comissão
iniciará os trabalhos, dentro em cinco dias, notificando
o denunciado, com a remessa de cópia da denúncia e
documentos que a instruírem, para que, no prazo de dez
dias, apresente defesa prévia, por escrito, indique as
provas que pretender produzir e arrole testemunhas,
até o máximo de dez. Se estiver ausente do Município, a
notificação far-se-á por edital, publicado duas vezes, no
órgão oficial, com intervalo de três dias, pelo menos,
contado o prazo da primeira publicação. Decorrido o
prazo de defesa, a Comissão processante emitirá
parecer dentro em cinco dias, opinando pelo
prosseguimento ou arquivamento da denúncia, o qual,
neste caso, será submetido ao Plenário. Se a Comissão
opinar pelo prosseguimento, o Presidente designará
desde logo, o início da instrução, e determinará os atos,
diligências e audiências que se fizerem necessários, para
o depoimento do denunciado e inquirição das
testemunhas.
IV - O denunciado deverá ser intimado de todos os atos
do processo, pessoalmente, ou na pessoa de seu
procurador, com a antecedência, pelo menos, de vinte e
quatro horas, sendo lhe permitido assistir as diligências
e audiências, bem como formular perguntas e
reperguntas às testemunhas e requerer o que for de
interesse da defesa.
V – concluída a instrução, será aberta vista do processo
ao denunciado, para razões escritas, no prazo de 5
(cinco) dias, e, após, a Comissão processante emitirá
parecer final, pela procedência ou improcedência da
acusação, e solicitará ao Presidente da Câmara a
convocação de sessão para julgamento. Na sessão de
julgamento, serão lidas as peças requeridas por
qualquer dos Vereadores e pelos denunciados, e, a
seguir, os que desejarem poderão manifestar-se
verbalmente, pelo tempo máximo de 15 (quinze)
minutos cada um, e, ao final, o denunciado, ou seu
procurador, terá o prazo máximo de 2 (duas) horas para
produzir sua defesa oral;
VI - Concluída a defesa, proceder-se-á a tantas votações
nominais, quantas forem as infrações articuladas na
denúncia. Considerar-se-á afastado, definitivamente, do
cargo, o denunciado que for declarado pelo voto de dois
terços, pelo menos, dos membros da Câmara, em curso
de qualquer das infrações especificadas na denúncia.
Concluído o julgamento, o Presidente da Câmara
proclamará imediatamente o resultado e fará lavrar ata
que consigne a votação nominal sobre cada infração, e,
se houver condenação, expedirá o competente decreto
legislativo de cassação do mandato de Prefeito. Se o
resultado da votação for absolutório, o Presidente
determinará o arquivamento do processo. Em qualquer
dos casos, o Presidente da Câmara comunicará à Justiça
Eleitoral o resultado.
VII - O processo, a que se refere este artigo, deverá estar
concluído dentro em noventa dias, contados da data em
que se efetivar a notificação do acusado. Transcorrido o
prazo sem o julgamento, o processo será arquivado, sem
prejuízo de nova denúncia ainda que sobre os mesmos
fatos.”
Por fim, você já deve ter percebido que a parte final do caput do art. 5º acima
transcrito (“se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo”) não foi
recepcionado pela CF/88. Isso porque, conforme exaustivamente abordado nesta aula,
a competência para legislar sobre infrações político-administrativas e seu processo e
julgamento é privativa da União, de modo que não pode essa tarefa ser atribuída pela
legislação infraconstitucional a outros entes federativos.
É isso, pessoal, fim de papo.
E aí, curtiram o ebook? Querem mais materiais como esse sobre outros temas?
Deem seu feedback para que saibamos o que vocês têm achado dessa forma de
disponibilização de conteúdo e o que mais vocês querem ver aqui nas nossas redes
sociais.
Se quiserem falar diretamente comigo, podem me procurar no Instagram (perfil
@franciscomaiabraga), ok?
Bons estudos!
Abraços.
Francisco Braga