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Po, Globe 54/55 2012

Date post: 12-Mar-2016
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World's Children's Prize promotes a more humane world. The program is open for all schools and 57,450 schools with 26.8 million pupils in 102 countries supports it. Every year millions of children learn about the rights of the child, democracy and global friendship through the program. They gain faith in the future and a chance to demand respect for their rights. In the Global Vote, the children decide who receives their prestigious award for their work for the rights of the child. The candidates for the Prize are chosen by a child jury who are experts in the rights of the child through their own experiences. The Prize Laureates become role models for millions of children. The prize money is used to help some of the world's most vulnerable children to a better life. The patrons of the World's Children's Prize include Nelson Mandela, Queen Silvia of Sweden, Aung San Suu Kyi and Graça Machel.
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THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE MAGAZINE #54/55 2012 PREMIO DE LOS NIÑOS DEL MUNDO POR LOS DERECHOS DEL NIÑO PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA PRIX DES ENFANTS DU MONDE POUR LES DROITS DE L’ENFANT WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD VOTE! RÖSTA! ¡ VOTA! Globen Le Globe El Globo O Globo
Transcript
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PREMIO DE LOS NIÑOS DEL MUNDO POR LOS DERECHOS DEL NIÑO

PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA

PRIX DES ENFANTS DU MONDE POUR LES DROITS DE L’ENFANT

WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD

VOTE! RÖSTA! ¡VOTA!

Globen • Le Globe • El Globo • O Globo •

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WORLD’S CHILDREN’S PRIZE

Thanks! Tack! Merci ! ¡Gracias! Obrigado!

Principais patrocinadores dos direitos da criançaLoteria Sueca do Código Postal

Salve as Crianças (mediação do patrocínio da Sida)

Rainha Silvia da Suécia

Parceiros dos direitos da criançaHugo Stenbecks Stiftelse, Survé Family Foundation, Sparbanksstiftelsen Rekarne, Kronprinsessan Margaretas

Minnesfond, eWork, Altor e Grupo Positivo

Patronos dos direitos da criançaPunaMusta, ECPAT Sweden, Ironroad-VMS, Helge Ax:son Johnsons Stiftelse, Dahlströmska Stiftelsen, Walkie-Talkie, Goodmotion, Avisera, ForeSight Group, Cordial, Centas,

Mässrestauranger, Twitch Health Capital, SamSari, Boob, Floristen i Mariefred, Gripsholms Värdshus, Gripsholms Slottsförvaltning, Gripsholmsviken, ICA Torghallen Mariefred, Företagare iMariefred.nu, Eric Ericsonhallen, Carpe Vitam, Open Mind – Peder Wallenberg, Lilla Akademien & todos os Patronos individuais dos direitos da criança.

Estes são os países onde moram as pessoas desta edição da revista O Globo.

CANADÁ REINO UNIDO

SUÉCIAMARIEFRED

ISRAELPALESTINA

TANZÂNIA

QUÊNIA

CAMARÕES

R.D. CONGO

ZIMBÁBUEMOÇAMBIQUE

ÁFRICA DO SUL

EUA

MÉXICO

PERUBRASIL

NIGÉRIA

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WORLD’S CHILDREN’S PRIZEÍNDICEO que é o Prêmio das Crianças do Mundo? ..............................................4Patronos ....................................................4

O que faz o Júri Infantil? .....................5Retratos rápidos do júri .........................5Poonam, do Nepal ..................................8David do Reino Unido ..........................10Ndale, da R.D. Congo ..........................12

O que são os direitos da criança?Comemore os direitos da criança .....14Como estão as crianças do mundo? ..............................................16

O que é a Votação Mundial? ...........18Crianças votam no Zimbabwe ..........19Crianças votam em Moçambique .... 34Crianças votam na Suécia, Índia e Brasil .......................................... 45Crianças votam no Paquistão ............46Crianças votam na Nigéria ................ 48

Quem são as candidatas? ...............49Anna Mollel, Tanzânia ...................50–69Sakena Yacoobi, Afeganistão ....70–89Ann Skelton, África do Sul ........90–109

O que é a Conferência das Crianças do Mundo com a Imprensa? ..............................110Conferência de Imprensa no México ...................................................111

Nova Amiga Adulta Honorária Aung San Suu Kyi, Birmânia .............112

Cerimônia de Premiação ..............113

Agradecemos também:ao Júri Infantil, a todos os alunos e professores das Escolas Amigas da Criança, a todos Amigos Adultos Honorários e patronos, Amigos Adultos, pontos focais e colaboradores (ver páginas 114–115), diretoria e conselho consultivo da Fundação Prêmio das Crianças do Mundo e tam-bém às diretorias de O Mundo das Crianças e do Prêmio das Crianças do Mundo nos EUA.

World’s Children’s Prize FoundationBox 150, 647 24 Mariefred, Suécia

Tel. +46 159-12900, Fax +46 159-10860prize@worldschildrensprize.orgwww.worldschildrensprize.org

facebook.com/worldschildrensprizefoundation

A revista O Globo é publicada com apoio da Sida (Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento). A Sida não compartilha, necessariamente, das opiniões aqui expressas. A responsabilidade é exclusiva dos autores.

Diretor de redação e editor responsável: Magnus Bergmar Colaboradores nº 54–55: Andreas Lönn, Tora Mårtens, Johan Bjerke, Jesper Huor, Makan E-Rahmati, Marlene Winberg, Satsiri Winberg, Martin Schibbye, Jonas Gratzer, Britt-Marie Klang, Gunilla Hamne, Sofia Marcetic, Kim Naylor, Jan-Åke Winqvist Tradução: Semantix (inglês e espanhol), Cinzia Gueniat (francês), Glenda Kölbrant (português), Preeti Shankar (hindu) Editoração & Pré-impressão: Fidelity Fotos da Capa: Johan Bjerke e Kim Naylor Impressão: PunaMusta Oy

ISSN 1102-8343

SUÉCIAMARIEFRED

FILIPINAS

PAQUISTÃO

AFEGANISTÃO

NEPALBANGLADESH

ISRAEL

TANZÂNIA

QUÊNIA

ÍNDIA BIRMÂNIA

PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDOPELOS DIREITOS DA CRIANÇA

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O objetivo do programa do Prêmio das Crianças do Mundo é que obtenhamos um mundo mais humano, onde os direitos da criança sejam respeitados por todos. Os alunos de todas as escolas que se inscreveram como escolas Amigas Mundiais são bem vindos a participar. Atualmente, há 57.530 escolas Amigas Mundiais, com 27 milhões de alunos em 102 países.

Todo ano, o programa termina com a Votação Mundial, na qual as crianças determinam quem será laureado com o “Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança”, e quem receberá o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo. O maior número de votantes em um ano foi de 7,1 milhões de crianças. Antes de decidir a premiação, muitos milhões de crianças aprendem sobre os direitos da criança e a democracia nas seguintes etapas:

1. Abertura do Prêmio das Crianças do Mundo 2012 (página 110)O lançamento do Prêmio das Crianças do Mundo se dá quando as crianças apresen-tam os três candidatos ao prê-mio deste ano, nomeados pelo Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo. As crian-ças também debatem como os direitos das crianças são res-peitados no lugar onde vivem e no seu país. Pode-se organizar uma Coletiva de Imprensa das Crianças do Mundo no dia 25 de Janeiro e convidar a mídia local, ou realizar uma cerimônia de abertura na escola, em um dia de livre escolha, apenas para estudantes, ou convidar mesmo os pais e/ou políticos locais e outras pessoas para uma cerimônia – obviamente, somente as crianças devem conduzir a coletiva de imprensa ou a cerimônia, e os adultos apenas assistem.

2. Os direitos da criança em sua vida (páginas 14–15)Você também pode ler o folheto informativo sobre o contexto dos direitos da criança em seu país (disponível também no website). Como estão os direitos da crian-ça em sua vida e na vida de seus amigos? Em casa? Na Escola? Onde você mora? No seu país? Proponha um debate sobre como as coisas deveriam ser e organi-ze uma apresentação com as suas propostas para pais, pro-fessores, políticos, outros adultos e a mídia.

3. Os direitos da criança no mundo (páginas 5–13, 16–17, 49–109)Leia sobre as crianças do Júri

Infantil, como estão as crianças no mundo, os nomeados e as crianças pelas quais eles lutam.

4. Organize sua Votação Mundial (páginas 18–48) Leia sobre crianças ao redor do mundo que participam da Votação Mundial, estabeleça a data do seu Dia da Votação Mundial e organize todos os detalhes para a realização de uma eleição democrática. Convide a mídia, seus pais e políticos para vivenciar este dia com você.

5. Dia da Votação MundialCelebre com festa e apresenta-ções culturais. Informe o resul-tado, com o número de votos que cada um dos nomeados recebeu, até o dia 15 de maio de 2012, através da urna dispo-nível no website, ou para o coordenador local do programa em seu país, se houver.

6. A grande revelação!No mesmo dia, em todo o mun-do, chegou a hora de revelar quem foi escolhido, através da votação, para receber o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança. Neste dia, convide jornalistas da sua região para a Coletiva de Imprensa das Crianças do Mundo. Aproveite esta oportu-nidade para debater sobre os progressos que você gostaria de ver em relação aos direitos da criança. Caso não seja pos-sível realizar uma coletiva de imprensa, façam uma cerimônia para toda a escola e revelem o resultado.

7. Cerimônia de Premiação e fechamento do programa(páginas 113–115)O programa Prêmio das

Crianças do Mundo termina com a cerimônia no Castelo de Gripsholm, em Mariefred, Suécia. Todos os três nomea-dos irão receber recursos em dinheiro pelo trabalho que reali-zam em prol das crianças. Em 2012, o valor total do prêmio é de 100.000 dólares dos EUA. As crianças do Júri conduzem a cerimônia, e a Rainha Silvia da Suécia ajuda a apresentar os prêmios.

Cada escola que participou do Prêmio das Crianças do Mundo pode organizar sua pró-pria cerimônia de encerramento e talvez mostrar o vídeo da cerimônia, que pode ser solicitado.

Rainha Silvia da Suécia.

O QUE É O PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO?

O programa Prêmio das Crianças do Mundo é aberto a todas as crianças e adolescen-tes na faixa etária de 10 a 18 anos. A idade limite é estabele-cida segundo a Convenção dos Direitos da Criança da ONU, que diz que você é crian-ça até completar 18 anos. Há outras tantas razões que justifi-cam a idade mínima para parti-cipação no programa.

Muito assustador Para votar na Votação Mundial, é necessário que você leia atentamente sobre os três nomeados e as crianças pelas quais eles lutam. Algumas vezes, as histórias de vida das

crianças são horríveis, e podem assustar crianças pequenas. Infelizmente, ainda não temos condições para criar mecanis-mos e envolver crianças meno-res de 10 anos.

Converse com um adultoOs nomeados ao prêmio geralmente trabalham em prol de crianças que foram submeti-das a terríveis violações de seus direitos. Mesmo crianças maiores de 10 anos podem se assustar ao ler sobre elas. Portanto, é importante que, após a leitura das histórias, você possa dialogar com um adulto a respeito.

Rainha Silvia e Mandela são patronosTrês ícones mundiais são Amigos Adultos Honorários e patronos do Prêmio das Crianças do Mundo: Nelson Mandela, a ativista pela democracia Aung San Suu Kyi, da Birmânia e o ex-ati-vista pela liberdade, atual primeiro-ministro, Xanana Gusmão, do Timor Leste. Outros patronos são a Rainha Silvia da Suécia e a líder mundial Graça Machel (theelders.org). Você pode encontrar mais dos patronos em worldschildrensprize.org.

Limite de idade para o Prêmio das Crianças do Mundo

Nelson Mandela e Graça Machel.

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Os membros do Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo são especialistas em direitos da criança, por suas próprias experiên-cias. As crianças podem fazer parte do júri até completarem 18 anos. Cada membro do júri representa, em primeiro lugar, todas as crian-ças do mundo com experiências semelhantes às suas. Porém, eles também representam as crianças de seu país e continente. Sempre que possível, o júri inclui crianças de todos os continentes e das principais religiões.

• Ascriançasdojúricompar-tilham suas histórias de vida e quais de seus direi-tos da criança foram viola-dos ou por quais desses direitos elas lutam. Dessa forma, ensinam a milhões de crianças de todo o mun-do sobre os direitos da criança.

• Todososanos,oJúriInfantil seleciona os três nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo, entre todos aqueles que foram indicados durante o ano.

• OJúriInfantilconduzaceri-mônia anual do programa do Prêmio das Crianças do Mundo, a grande cerimônia de premiação.

• Osmembrosdojúrisãoembaixadores do Prêmio das Crianças do Mundo em seus países e pelo mundo.

• Duranteasemanadacerimônia de premiação, os membros do júri visi-tam escolas na Suécia e conversam sobre suas experiências de vida e os direitos da criança.

Aqui, você conhece os membros do júri.

Gabatshwane Gumede, 17, ÁFRICA DO SULOs pais de Gabatshwane mor-reram de AIDS quando ela era pequena. Embora Gaba, como ela é chamada, não tivesse HIV nem AIDS, muitas pesso-as tinham medo de serem infectadas por ela. Ela não tinha amigos e todos riam dela na escola. Onde Gaba mora, a maioria dos moradores está desempregada. Muitos são HIV positivo e muitas crianças são órfãs. Violações dos direi-tos da criança são comuns. Porém, hoje em dia, ninguém mais zomba de Gaba. Ela é cantora e campeã dos direitos da criança, e muitas crianças a admiram. Sempre que pode, Gaba compra alimentos para os pobres e doa cestas de ali-mentos aos colegas de escola que são órfãos.

– Eu reivindico aos políticos que trabalhem pelos direitos da criança. Já debati esse assunto com a ministra da educação e muitos outros políticos.Gabatshwane representa crianças que ficaram órfãs devido à AIDS e crianças que lutam pelos direitos de crian-ças vulneráveis.

Hannah Taylor, 16, CANADÁAos cinco anos de idade, Hannah viu um homem sem-teto comendo restos tirados de uma lata de lixo. Desde então, ela tem conversado com estudantes, políticos, empresários e o primeiro ministro do Canadá para dizer que não deveria haver pessoas sem-teto. Ela fundou uma fundação que já arrecadou milhões de dólares americanos para projetos de apoio aos sem-teto, e criou um programa para escolas.

– Queremos mostrar que todos podem se engajar e fazer a dife-rença para os sem-teto e pelos direitos da criança. Todos nós precisamos compartilhar o que temos, e devemos sempre nos importar uns com os outros. Quando visitei um lar para ado-lescentes sem-teto em Toronto, abracei todas as crianças. Uma delas, a mais calada, disse: ‘Até hoje, eu achava que ninguém gostava de mim, mas agora sei que você gosta’.Hannah representa crianças que lutam pelos direitos de outras crianças, principalmente os direitos das crianças sem-teto.

O QUE FAZ O JÚRI INFANTIL?

Membros do Júri Infantil 2011 e 2012.

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Maria Elena Morales Achahui, 16, PERUMaria Helena deixou sua aldeia na montanha quando tinha 12 anos, sem avisar seus pais. Ela tem sete irmãos e irmãs, e sabia que sua família enfrenta-va muitas dificuldades financei-ras. Além disso, ela achava que o ensino na escola da aldeia era fraco. Na cidade de Cuzco, ela se tornou empregada doméstica na casa de sua tia. Não havia remuneração, pois ela recebia apenas alguns tro-cados, e tinha que trabalhar tanto que não conseguia ir à escola. Quando reclamou, sua tia ameaçou espancá-la. Maria Elena sentia muitas saudades de sua família e foi para casa, visitá-los. Quando voltou à casa de sua tia, foi mandada embora. Hoje Maria Elena mora num abrigo da organização Caith. Ela frequenta a escola e integra um grupo que atua em defesa dos direitos das traba-lhadoras domésticas.Maria Elena representa meni-nas que trabalham como domésticas, muitas vezes em situação análoga à escravidão, e a luta pelos seus direitos.

Hamoodi Mohamad Elsalameen, 14, PALESTINAHamoodi vive em uma aldeia pobre ao sul de Hebron, na Cisjordânia, território ocupado por Israel.

– Uma noite, os soldados israelenses vieram em tanques de guerra à nossa aldeia. Pelo alto-falante, ordenaram que todos acendessem as luzes e depois dispararam em todas as direções. Três pessoas foram mortas, diz Hamoodi. Aos cinco anos de idade, quando lhe contaram como um garotinho havia sido morto, Hamoodi disse: “Quero uma arma!”. Entretanto, ele agora participa do diálogo pela paz. Hamoodi tem amigos judeus e joga futebol com eles várias vezes por mês em Israel.

– Gosto de jogar futebol, mas não temos lugar para jogar aqui na aldeia. Costumamos jogar em um campo distante daqui, mas quando os soldados israelen-ses chegam para prender alguém, eles nos levam para longe. Isso acaba com a diver-são, diz Hamoodi. Hamoodi representa crianças em zonas de conflito e crian-ças que vivem em territórios ocupados.

Lisa Bonongwe, 16, ZIMBABWEQuando Lisa tinha quatro anos, seu pai bebia e batia em sua mãe quase todas as noites, às vezes, até ela cair inconsciente no chão. Quando Lisa chorava e gritava pedindo que o pai paras-se, ele a expulsava, junto com seu irmão mais velho de casa.

– Até mesmo no ápice do inverno, nós tínhamos que dor-mir na varanda, fazia muito frio, conta Lisa.

Quando ela tinha 7 anos, sua mãe expulsou o pai de casa e Lisa passou a integrar o clube das meninas da Girl Child Network em sua escola. Ele ensina às meninas sobre seus direitos.

– Nos clubes das meninas, conversamos sobre questões importantes para nós. As meni-nas não estão seguras no Zimbábue. Somos abusadas, estupradas e precisamos fazer todo o trabalho doméstico. Se não há dinheiro suficiente, ape-nas os meninos têm permissão para frequentar a escolar. Eu ajudo a promover encontros e protestos pelos direitos das meninas”.Lisa representa crianças que lutam pelos direitos das meninas.

Brianna Audinett, 15, EUAQuando Brianna tinha onze anos, sua mãe abandonou seu violento pai. Brianna e seus três irmãos tornaram-se sem teto em Los Angeles. No início, eles se mudavam com frequên-cia e ficavam em motéis, ape-sar de ser proibida a estadia de cinco pessoas em um único quarto. Então, eles tinham que se mudar com frequência. Eventualmente, conseguiram vaga em um abrigo, onde eles dormiam em beliches num dor-

mitório com outros sem-teto durante meses. Eles tinham que ficar sempre quietos e quase não podiam brincar. Porém, em frente ao abrigo ficava a School on Wheels (Escola sobre Rodas), onde Brianna e seus irmãos tin-ham um lugar para brincar e ganhavam material escolar e aju-da para fazer as lições de casa.

– Quero ser médica quando crescer, e ajudar principalmente as pessoas sem-teto. Elas não têm nenhum dinheiro, mas eu as ajudarei mesmo assim, diz Brianna, que finalmente con-seguiu um lugar para morar com sua família.Brianna representa todas as crianças sem-teto.

As crianças do júri conduzem a cerimônia de premiação.

A Rainha Silvia as ajuda a entregar os prêmios.

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Mae Segovia, 13, FILIPINASQuando tinha nove anos, Mae foi forçada a abandonar a escola e começar a trabalhar para ajudar a sustentar sua família. Ela tinha que dançar e se despir diante de uma câme-ra em um Internet café. As imagens eram transmitidas em todo o mundo através da Internet. Levou dois anos para o proprietário que abusava de Mae ser pego pela polícia. Agora, ele e muitos dos que assistiam às imagens estão na prisão, mas Mae não poderia mais viver com sua família. Havia o risco de que ela ficas-se em apuros novamente devi-do à pobreza. Hoje ela vive em uma casa segura para meni-nas vulneráveis da organiza-ção Visayan Forum. Ela vai à escola e luta por outras meni-nas que são vítimas de abuso.

– Sinto falta da minha famí-lia, mas amo a escola e estou melhor aqui, diz Mae. Mae representa crianças abusadas no comércio do sexo e crianças que lutam pelos direitos da criança.

Nuzhat Tabassum Promi,14, BANGLADESH– Se o nível do mar subir um metro, a parte sul de Bangla-desh, onde eu moro, ficará submersa. Penso nisso com frequência. O aquecimento global está causando o derre-timento do gelo ao redor dos polos e do Himalaia, o que significa que somos mais atingidos por ciclones e inundações. No caminho para a escola no dia seguinte ao megaciclone havia mortos e feridos por toda parte, diz Nuzhat.

– Ela vive na pequena cidade de Barisal, no sul de Bangladesh. Todas as man-hãs, ela veste seu uniforme

Mofat Maninga, 15, QUÊNIA– Eu quero falar com o presi-dente do Quênia e contar a ele como a vida é difícil para as crianças, que sua polícia espanca crianças que vivem na rua e as joga na prisão. Na prisão! Como se pode trancar uma criança só porque ela é obrigada a viver na rua? Como é possível roubar a liberdade de uma criança? Eu diria ao presidente que, em vez disso, ele deveria cuidar das crian-ças. Dar-lhes um lugar para morar, algo para comer e a chance de ir à escola.

Quando Mofat tinha oito anos, sua mãe morreu de AIDS.

– Minha avó cuidava dela e não me contou quão doente minha mãe estava. Aquilo veio como um choque. Eu me sen-tia muito só.

– Alguns anos mais tarde, o próprio Mofat adoeceu. Sua avó cuidava dele, mas, quando ela morreu, o resto da família expulsou Mofat de casa. Ele

escolar, acena para um bicitáxi e segue na condução até a escola.

– Ciclones, tempestades muito poderosas, atingem Bangladesh todos os anos. O país está bem preparado e tem um bom sistema de alerta de ciclone. A pior coisa que me aconteceu na vida foi quando pensei que a escola havia sido destruída pelo me gaciclone. Nuzhat representa crianças que têm seus direitos viola-dos, como resultado de desastres naturais e degra-dação ambiental, e crianças que exigem respeito aos direi-tos das meninas.

Liv Kjellberg, 13, SUÉCIA – Começa com provocações por algum motivo, como usar as roupas erradas, ser tímido ou não parecido com todos os outros. E depois simplesmen-te continua, com empurrões e coisas assim, e só piora cada vez mais, diz Liv. Logo nos pri-meiros anos da escola, ela foi excluída do grupo das meni-nas. Ela se sentava sozinha no refeitório e era submetida a assédio moral e cutucões.

– Os professores nem sem-pre sabem o que está aconte-cendo entre os alunos e quan-do você começa a ser intimi-dado, provavelmente não diz nada. Você pensa que amanhã provavelmente será melhor e que poderá ficar junto com os outros.

A própria Liv cuidou da questão e levantou dinheiro para que a organização Friends, que trabalha contra o assédio moral, pudesse vir à sua escola.

– Agora é divertido na sala de aula e ninguém pratica assédio moral. E tenho sete bons amigos na escola, diz Liv. Liv representa crianças vítimas de assédio moral e crianças que lutam contra o assédio moral.

Poonam Thapa, 16, NEPALRepresenta e luta pelas meninas que são traficadas e vendidas a bor-déis como escra-vas, e todas as meninas que sofrem abuso. Páginas 8–9

David Pullin, 15, REINO UNIDORepresenta crianças que são separadas dos pais e ficam aos cuidados da sociedade, e crianças que lutam pelos direi-tos da criança. Páginas 10–11

Ndale Nyengela, 14, D.R. KONGORepresenta soldados-criança e crianças em conflitos armados. Páginas 12–13

Emelda Zamambo, 12, MOÇAMBIQUERepresenta crianças órfãs e crianças que lutam pelos direi-tos da criança. Páginas 34–39

Representante das crianças

escravas e trabalhadores

infantis, PAQUISTÃO

Representante das crianças

em zonas de conflito e crian-

ças que querem o diálogo pela

paz, ISRAEL

Representante das crianças

com deficiência

tinha 13 anos e teve que morar na rua. Porém, atualmente, Mofat mora em um lar para cri-anças de rua e voltou a fre-quentar a escola.Mofat Maninga representa crianças que são infectadas com o HIV, e crianças que vivem na rua.

Mais crianças do júri

Crianças a serem

nomeadas para o júri:

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Poonamdenunciou traficante de pessoasQuando a nepalesa Poonam Thapa co-nheceu um rapaz mais velho, ele a enganou e vendeu para um bordel na Índia. Hoje, Poonam está livre e faz parte do Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mun-do. Recentemente, ela conseguiu denunciar o rapaz que a vendeu, e ele foi preso pela polícia.

homem quando ele visitou o centro da Maiti uma semana antes, procurando por sua esposa desaparecida. Ela não teve coragem de dizer nada até que ele fosse embora. Mas quando Poonam contou que ele era o rapaz que a vendera, deram um jeito de atraí-lo de volta.

– Você me convenceu a fugir e prometeu que iríamos nos casar, grita Poonam para o rapaz mais velho, preso a um banco na organização Maiti Nepal na capital, Katmandu.

Poonam reconheceu o

– Eu nunca vi essa menina e nunca estive na Índia, diz o rapaz. Ele não tem tempo de dizer mais nada, pois Poonam explode.

– Eu sei o nome do seu pai, sei que ele é cego de um olho, por isso, não minta para mim!

Anuradha Koirala, a funda-dora da Maiti Nepal, chama a

polícia e pede a Poonam, que agora tem 16 anos de idade, para contar tudo desde o início.

Poonam cresceu na aldeia de Ichtko, em um dos países mais pobres do mundo, o Nepal. Os jovens da aldeia sonhavam com uma vida dife-rente. A aldeia era frequente-mente visitada por traficantes de pessoas, que tentam atrair jovens com falsas promessas de trabalho. Os pais nem sem-pre entendiam o perigo, e achavam que a oferta era uma grande oportunidade. Menos uma boca para alimentar e, além disso, uma renda.

Como Poonam não tinha pais, ela viajou muito jovem para a cidade indiana de Shimla para colher maçãs e cogumelos e trabalhar como garçonete em um restaurante. Foi lá que ela conheceu o rapaz um pouco mais velho.

Enganada e vendida Quando Poonam tinha 14 anos, voltou à sua aldeia natal no Nepal, e seu grande amor sugeriu que eles fugissem para a grande cidade de Mumbai, na Índia, para se casarem para viver juntos.

– Mas você deve fugir no dia seguinte à minha partida, para que ninguém suspeite que fugimos juntos. Depois, nos encontraremos na Índia, disse o rapaz para Poonam.

Após vários dias em diver-sos carros e ônibus, Poonam chegou a um beco escuro em um subúrbio da cidade india-na de Mumbai, que tinha 14 milhões de habitantes. Porém, havia algo errado. A sala estava cheia de meninas. Várias delas eram mais jovens

O homem que vendeu Poonam é levado. O Nepal tem uma nova lei contra o tráfico huma-no e ele pode ser condenado a 20 anos de prisão e pagar o equivalente a 5 anos de salário para Poonam.

– Você me enganou, Poonam grita, perturbada, para o rapaz que a vendeu a um bordel.

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Mais escravos hoje Duzentas mil meninas e mulheres do Nepal são escravas em bordéis na Índia. A cada ano, doze mil novas meninas chegam lá, muitas das quais são menores de 16 anos. Acredita-se que haja 1,2 milhão de escravas sexuais em

todo o mundo. Estima-se que o lucro com o comér-cio de sexo esteja entre 9,5 bilhões e 32 bilhões

de dólares dos EUA. Há pelo menos 12,3 milhões de escravos no mundo atualmente, aproximadamente o mesmo que o número total de escravos que foram enviados para a Europa e América entre os séculos XV e XIX. Outros acreditam que atualmente exis-

tem 27 milhões de escravos.

do que ela. O rapaz que deve-ria encontra-la não estava lá.

Uma das mulheres da casa mandou Poonam tomar um banho e vestir uma saia curta. Depois, ela foi maquiada. Os homens que ali chegaram a obrigaram a tomar bebidas alcoólicas, e ela ouvia todos conversando sobre “clientes”.

No Inferno – O que é um cliente? – per-guntou ela a Mala, uma das meninas mais velhas.

– Você foi vendida, isto aqui é um bordel, respondeu Mala.

À noite, muitos homens vieram ao bordel. Poonam se recusou a deixar que a tocas-sem. Ela chorou, gritou, chu-tou e mordeu. Eles a amarra-ram, a açoitaram com cabos elétricos e a queimaram com cigarros, até que ela cedeu. Poonam era usada por 10-15 homens todos os dias. Quando ela tentou escapar, conseguiram pegá-la.

Após 10 meses, policiais indianos invadiram o local. Eles haviam recebido uma denúncia de que havia crianças no bordel, e levaram Poonam.

O silêncio paira na sala. De acordo com a nova lei do Nepal, o “Human Trafficking Act” (lei do tráfico humano), o homem é condenado a 20 anos de prisão e a pagar uma multa equivalente a cinco anos de salário para Poonam.

– Enquanto houver pessoas dispostas a vender seres humanos, é difícil para nós, da polícia, conseguirmos intervir, diz o policial. Ele considera Poonam incrivel-mente corajosa.

– Se ela hesitasse o mínimo, seria difícil conseguir conde-nar alguém, diz ele, levando o traficante de pessoas para o carro da polícia.

Na sala, Poonam está sen-

Assim Poonam chegou à organização Maiti Nepal, que recebeu o Prêmio das Crianças do Mundo em 2002 por seu trabalho pelas meni-nas que foram vítimas de trá-fico humano e exploradas.

A polícia chegaO walkie-talkie do comissá-rio de polícia crepita quando ele entra na sala da Maiti Nepal onde Poonam e o rapaz que a vendeu esperam.

– Sim, sim, eu vendi Poonam por 40.000 rúpias indianas (mil dólares dos EUA), mas foi a primeira e última vez que vendi uma menina! – reconhece o homem que Poonam identificou.

tada, completamente exausta. Apesar de tudo, parece que seu futuro será brilhante. Na Maiti Nepal, ela e outros sobreviventes recebem apoio e formação profissional.No Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo, Poonam representa e luta pelas meninas vítimas do tráfico humano e ven-didas a bordéis como escravas, e todas as meninas que sofrem abuso.

Poonam entrega flores à Rainha Silvia, da Suécia, duran-te a cerimônia de premiação do Prêmio das Crianças do Mundo no Castelo Gripsholm, em Mariefred, Suécia.

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David luta por crianças institucionalizadas

“Quando era pequeno, eu morava com minha mãe e meu pai. Eles eram alcoóla-tras e muitas vezes me deixa-vam sozinho no apartamento quando saíam para beber. Às vezes, ficava sozinho durante todo o dia. Como ficava tran-cado, eu não podia sair de lá. Nunca havia comida suficien-te, apenas salgadinhos, bis-coitos e talvez um pouco de pão. Eu não tinha amigos e geralmente ia me deitar sozi-nho. Era difícil, pois eu tinha medo do escuro. Logo que comecei a frequentar a pré--escola, os professores perce-beram que havia algo errado. Eu estava desnutrido e sem-pre usava roupas sujas, que

eram muito pequenas para mim. E, como eu não estava acostumado a conviver com outras pessoas, ficava a maior parte do tempo sentado sozi-nho num canto. Minha mãe geralmente estava cheirando a álcool ao me levar e buscar na escola. Meu pai foi preso e meus professores entraram em contato com autoridades do serviço social e lhes infor-maram que a situação em casa não era boa para mim. Quando eu tinha sete anos, foi decidi-do que eu iria morar com uma família adotiva. Mesmo quan-do tudo vai mal em nossa casa, ainda desejamos, de alguma forma, poder continuar com nossos pais; por isso, eu esta-

va muito preocupado. Será que a nova família seria gentil comigo e gostaria de mim?

Voz das crianças Porém, assim que cheguei lá, me senti seguro. Eles me abraçaram e me cumprimen-taram. Em pouquíssimo tem-po, parecia que aquela era minha própria família. E também fiz amigos na escola. Mas, apesar disso sentia-me um pouco solitário por não ter com quem compartilhar minha experiência. Então meu assistente social me falou sobre a Voz das Crianças, onde crianças que ficaram sob a tutela da comunidade podem se reunir para conver-sar sobre o que passaram, e apoiarem-se mutuamente. Eu já participo da Voz das Crianças há três anos. Inicialmente, eu participava

porque precisava de apoio, agora é mais para apoiar àqueles que precisam de minha ajuda, pois, embora tenha passado por coisas muito difí-ceis quando era mais jovem, eu tive muita sorte. Tenho uma nova família maravilho-sa e tudo vai bem para mim. Entretanto, sei que nem todas as crianças que ficaram sob a tutela da sociedade tiveram a mesma sorte, e eu quero lutar por seus direitos.

Eu participei da produção de um pacote de informações para crianças, que cada criança que fica sob a tutela da sociedade deverá receber. Ele contém informações sobre os direitos

Os pais de David eram alcoólatras e, quando ele era pequeno, muitas vezes o deixavam sozinho durante todo o dia. Atualmente, ele vive com uma família adotiva e luta por crianças com histórias de vida semelhantes. O britânico David Pullin, de 15 anos, é novo no júri do Prêmio das Crianças do Mundo, onde representa as crianças que são separadas de seus pais e ficam sob a tutela da sociedade.

– Meu sonho é que todas as crianças que ficam sob a tutela da sociedade possam levar uma vida digna e ter seus direitos, exatamente como todas as outras crianças.

– Todos os membros do Conselho Municipal de Staffordshire assinaram uma declaração, The Pledge (A Promessa), redigida por nós, do Conselho Infantil, em que eles prometem cumprir nossos direitos, conta David.

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luta por crianças institucionalizadasautoridades aqui em Stafford-shire escutam as crianças que estão sob a tutela da socieda-de. Afinal de contas, foram as autoridades que criaram a Voz das crianças e o Conselho Infantil, que nos dá a oportu-nidade de influenciar questões importantes que nos dizem respeito. Recentemente, todos os membros do Conselho Municipal assinaram uma declaração – A Promessa – escrita por nós, do Conselho Infantil, em que eles prome-tem cumprir os nossos direi-tos. Entre outras coisas, que

da criança, bullying e núme-ros de telefone importantes, de hospitais, serviços sociais e dos responsáveis pelos direi-tos das crianças no governo. É importante que todas as crianças institucionalizadas conheçam seus direitos e sai-bam a quem recorrer para exi-gir que eles sejam cumpridos.

Conselho Infantil Em Staffordshire, onde moro, existe um conselho das crian-ças, onde todos os doze mem-bros, são crianças que ficaram sob a tutela da sociedade. As outras crianças do projeto Voz das Crianças me convi-daram para participar do con-selho das crianças, ao qual me juntei há dois anos. Entre outras coisas, participei da reivindicação de aumento da quantia semanal que as crian-ças sob a tutela da sociedade recebem. Eu vou junto com os membros do Tribunal Adulto do Conselho Municipal, visi-tar orfanatos para verificar se as crianças que vivem nesses lugares estão bem. Se as por-

tas e os móveis estiverem que-brados ou as janelas estiverem em más condições e o lugar como um todo for desorgani-zado, eu o denuncio ao Conselho Municipal, que se encarrega de corrigir os pro-blemas. Um menino de um dos lares recebia apenas meta-de do subsídio a que tinha direito. Reclamei com o supe-rintendente e o Conselho Municipal e, no dia seguinte, a situação foi resolvida!

Outra tarefa muito impor-tante que tenho através do conselho municipal das crian-ças é participar de entrevistas com adultos que desejam tra-balhar para o município com as crianças que estão sob a tutela da sociedade. Neste caso, procuro adultos que sempre priorizam os interes-ses e o bem estar das crianças, e que sejam simpáticos e divertidos! Até o momento, os adultos contrataram as pesso-as que nós recomendamos!

Adultos escutam Em geral, eu sinto que as

temos direito a assistentes sociais bons e bem treinados para cuidar de nós. Estou ani-mado, porque é exatamente por isso que eu luto, para que sejamos respeitados e ter voz. Meu sonho é que cada criança que é colocada sob a tutela da sociedade viva uma vida digna e tenha seus direitos, como qualquer outra criança.

Agora minha mãe está sóbria, e nos encontramos regularmente. Porém, decidi-mos que devo ficar com a minha nova família até tor-nar-me adulto”. David representa as crianças que são separadas dos pais e ficam sob a tutela da sociedade.

Ciclismo para todos! – As crianças que estão sob a tutela da sociedade mui-tas vezes não têm sua própria bicicleta, e eu acho que isso é errado, porque querem se divertir como todo mundo. Falei com autoridades sobre isso e afirmei que pensava que todas as crianças que não podem pagar, ou cujas famílias adotivas não podem pagar, deveriam receber uma bicicleta gratuitamente do município. Eles concordaram! Porém, eles disseram que o Conselho Infantil deveria lançar o projeto. Até agora, doze crianças já receberam bicicletas de nosso projeto!

– Faço parte da Voz das Crianças há três anos. No início, eu precisava muito de apoio, agora é mais para apoiar os outros que precisam de minha ajuda, diz David.

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Ndaleteve que trocar a caneta pelo rifle

– Agora esta é a sua cane-ta, disse o soldado, en-tregando uma arma para Ndale Nyengela, seques-trado aos 11 anos de idade, no caminho para a escola, por um grupo armado na RD Congo. Hoje Ndale tem 14 anos, está livre e é um novo membro do Júri Infan-til do Prêmio das Crianças do Mundo.

“Era um dia normal. Acordei com o nascer do sol, me lavei e vesti o uniforme escolar. Peguei minha bolsa com caneta, caderno, régua, e fui ao encontro de meus colegas. Éramos seis, e corríamos de

vez em quando, pois estáva-mos um pouco atrasados.

Pegamos um atalho por uma trilha através da floresta. De repente, vimos dois solda-dos armados entre as árvores. Eles gritaram conosco, e já era tarde demais para correr de volta.

– Aonde vocês estão indo, meninos? – perguntou um soldado.

Ele pegou nossas bolsas escolares e as esvaziou jogan-do tudo que havia nelas no

chão. Eles também encontra-ram o dinheiro que eu tinha para pagar a taxa escolar e comprar feijão. Era dia de fei-ra, e minha mãe me pedira para comprar dois quilos de feijão marrom.

– Sabem, rapazes, neste país não há soldados suficientes; por isso, agora é hora de vocês aju-darem, disse o outro soldado.

– Estamos indo para a esco-la, eu disse.

– Escute aqui! Se você pre-tende argumentar, podemos muito bem matá-lo aqui mes-mo. Entendeu!?

– Ele disse, e bateu em nos-sas cabeças com uma vara.

Eu estava muito assustado e pensei que Deus devia ter se esquecido de mim. Não podia

haver outro motivo para eu acabar naquela situação. Pensei em meus pais e irmãos.

O pesadelo era real Andamos por três dias sem comer ou dormir. Nós podía-mos falar uns com os outros. Quando andávamos devagar, nos chutavam e gritavam conosco. Eu estava exausto. Uma noite, eles queimaram os nossos uniformes escola-res. Tudo era como um pesa-delo, mas era realidade.

Após três dias chegamos ao seu acampamento. Quando vi todos os soldados e quão mal eles viviam em casas feitas de galhos e folhas de plástico, pensei:

– Este é o fim da minha vida. Eu sou estudante, o que devo fazer entre todas essas armas?

Um dos soldados deu-nos uniformes e armas.

– “Esta agora é a sua caneta” – disse ele, enquanto estendia sua espingarda para mim.

O uniforme era grande demais para mim, mas uma mulher cortou as mangas e pernas.

Havia outros soldados-criança no acampamento. Eles perguntaram se tínha-mos algum dinheiro. Mas não tínhamos. No dia seguin-te, começamos a treinar tiro com o rifle. O tempo todo eu pensava:

– Eu não quero aprender a atirar, eu sou estudante.

Quando já conseguíamos manejar a arma, eles disseram que agora teríamos que aprender a matar pessoas.

– Essa árvore é um ser humano. Certifique-se de acertar bem no coração!

Participou da guerra Depois de dois meses no

Ndale estava a caminho da escola quando foi sequestra-do e forçado a tornar-se sol-dado. Depois de três anos, ele conseguiu escapar.

– Agora minha vida começou de novo, ele diz. Na organização BVES, Ndale e outros soldados-crianças libertados recebem ajuda para processar as terríveis experiências pelas quais passaram, e para voltar para a escola.

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acampamento, uma manhã ouvimos vozes animadas:

– O inimigo está vindo se vingar! Todos os homens pre-parem-se para a batalha!

Poucos dias antes, soldados do nosso acampamento haviam atacado outro exérci-to, roubando uma vaca e mui-tas outras coisas. Agora o exército vinha tomar de volta o que foi roubado.

Nós, crianças, tivemos que ir primeiro. Era sempre assim. Escondemo-nos na mata, perto de uma estrada. Alguém começou a atirar. Eu não consigo descrever quanto medo eu sentia. Foi minha primeira batalha e estava qua-se escuro. Eu não podia acre-ditar no que estava aconte-cendo. Pessoas caíam mortas ao meu lado. Pessoas grita-vam. Todos atiravam. Eu me senti muito sobrecarregado pela sensação de medo. Quando tentei arrastar-me para longe, os outros soldados me empurraram e disseram:

– Se o seu amigo morrer, não se preocupe, basta passar por cima dele! É seu dever.

Dois dos meus colegas de escola foram mortos no pri-meiro dia. A luta continuou por 12 dias. Tudo por causa de uma vaca.

Quando voltei para o acam-pamento, estava sem dormir ou comer havia muitos dias. Porém, quando me permiti-ram dormir, eu não conse-guia, devido a todos os pensa-mentos e pesadelos sobre as experiências pelas quais eu havia passado.

A fugaFiquei três anos naquele exér-cito. Um dia um amigo meu, um soldado adulto, veio até mim e disse:

– Fuja daqui comigo! Eu ouvi no rádio que as tropas da ONU e outros, chamados BVES, estão aqui e querem ajudar os soldados-criança a serem libertados. Seu plano era conseguir roupas civis de um dos vendedores ambulan-

tes que vinham ao acampa-mento. Vestiríamos as roupas sob o uniforme e fugiríamos para longe durante a noite.

Nós rastejamos para longe durante a noite. Quando che-gamos mais para dentro da floresta, jogamos fora nossas armas e tiramos os unifor-mes. Dormimos na floresta e pudemos, então, ir com nos-sas roupas civis para onde tínhamos ouvido falar que os libertadores de soldados--criança estavam. Nos apres-samos para chegar até eles.

– Fugimos de um exército, e você pode ver que ele é uma criança. Vocês podem cuidar dele? – disse meu amigo a um homem da BVES que estava ao lado de um grande carro da ONU.

– Não tenha medo, nós vamos cuidar de você, o homem me disse.

Eu fiquei muito feliz e minha vida começou de novo. Aqui no BVES estou calmo. Aqui posso ir à escola. As dis-ciplinas de que mais gosto são música, inglês, geografia e história.

Quando eu terminar meus estudos, quero fazer músicas contando como é estar no exército e sobre os direitos da

criança, de modo que todos entendam que as crianças têm direitos. Eu quero garantir que as crianças não sejam usa-das como soldados. Todos os adultos devem se lembrar de que já foram crianças. Muitos adultos se esquecem disso. Porém, também quero cuidar dos meus pais”.Ndale representa crianças-soldados e crianças em conflitos armados.

“Sim ao uniforme escolar” e “Uniforme militar nunca mais”, dizem dois dos cartazes. Agora os soldados-crianças tiraram os uniformes para queimá-los.

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os Direitos da CriançaA Convenção dos Direitos da Criança da ONU consiste em 54 artigos. Nós apresentamos uma versão resumida aqui. Leia a Convenção na íntegra em: www.worldschildrensprize.org.

Princípios Básicos da Convenção:•Todasascriançassãoiguaisetêmosmesmosdireitos.•Todacriançatemdireitoatersuasnecessidadesbásicas satisfeitas. •Todacriançatemdireitoaproteçãocontraabusosea exploração. •Todacriançatemdireitodeexprimirsuasidéiaseser respeitada.

Artigo 1Estes direitos se aplicam a todas as crianças menores de 18 anos, no mundo inteiro.

Artigo 2Todas as crianças são iguais.

Todas as crianças têm os mesmos direitos e não deve-riam ser discriminadas.

Ninguém deveria lhe tratar mal por sua aparência, cor de pele, gênero, idioma, religião e opinião.

Artigo 3Aqueles que tomam decisões que afetam as crianças devem, antes de tudo, pensar no que é melhor para elas.

Artigo 6 Você tem o direito à vida e a um desenvolvimento saudável.

Artigo 7 Você tem direito a um nome e a uma nacionalidade.

Artigo 9Você tem direito a viver com seus pais, desde que isso não seja prejudicial à você. Você tem direito de crescer, se possível, na companhia dos seus pais.

Artigos 12–15 Toda criança tem direito de dizer o que pensa. As crianças devem ser consultadas e sua opinião deve ser respeitada em todas as decisões que lhe dizem respeito: no lar, na escola, junto às autoridades e nos tribunais.

Artigo 18Seus pais têm a responsabili-dade conjunta pela sua educa-

ção e desenvolvimento. Eles devem sempre pensar no que é melhor para você.

Artigo 19 Você tem direito à proteção contra toda forma de violência, contra os maus tratos e os abu-sos. Você não pode ser explo-rado por seus pais ou outros responsáveis pela sua tutela.

Artigos 20–21 Você, que foi privado/a do con-vívio familiar, tem direito a receber proteção especial.

Artigo 22 Se você for obrigado/a a fugir do seu país natal, terá os mes-mos direitos que as crianças do país que o/a receber. Se tiver fugido sozinho/a, terá direito à ajuda especial. Se possível, você será reunido/a à sua família.

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20Denovembroéumdiadecomemoraçãoparatodas as crianças do mundo. Em 1989, nesta data, a ONU aprovou a CONVENÇÃODOSDIREITOSDACRIANÇA.ElatambéméchamadadeCONVENÇÃO DA CRIANÇAesedestinaavocêeatodasascriançasmenoresde18anos.Todosospaíses,comexceçãoda somália e dos eua, ratificaram (se comprometeram a seguir) a convenção da criança. Isso significa que elessãoobrigadosalevaremconsideraçãoosdirei-tosdacriançaeescutaroqueascriançastêmAdizer.

Eu exijo respeito aos direitos da criança!

Artigo 23 Toda criança tem direito a uma vida digna. Se você é portador de uma deficiência, tem direito a cuidados especiais.

Artigo 24 Caso fique doente, tem direito a receber a ajuda e o tratamento médico necessários.

Artigos 28–29 Você tem direito a ir à escola e aprender conhecimentos importantes, como por exem-plo, o respeito pelos direitos humanos e por outras culturas.

Artigo 30 As idéias e crenças de todas as crianças devem ser respeitadas. Você, que faz parte de algum grupo minoritário, tem direito à sua língua, cultura e religião.

Artigo 31 Você tem direito a brincar, a descansar, ao tempo livre e a um meio ambiente saudável.

Artigo 32Você não pode ser forçado/a a realizar trabalhos perigosos e prejudiciais à saúde, ou que prejudiquem seu desempenho escolar.

Artigo 34 Ninguém deveria sujeitar você ao abuso ou obriga-lo/a a se prostituir. Se você for maltratado/a, tem direito à ajuda e proteção.

Artigo 35 Ninguém tem direito a raptá--lo/a ou vendê-lo/a.

Artigo 37 Ninguém deveria punir você de forma cruel e humilhante.

Artigo 38 Você nunca deveria ser recrutado/a como soldado e participar de conflito armado.

Artigo 42Toda criança e adulto devem conhecer a Convenção dos Direitos da Criança. Você tem direito a receber informação e a conhecer os seus direitos.

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PELOSDIREITOSDA CRIANÇA

os Direitos da CriançaA Convenção dos Direitos da Criança da ONU consiste em 54 artigos. Nós apresentamos uma versão resumida aqui. Leia a Convenção na íntegra em: www.worldschildrensprize.org.

Princípios Básicos da Convenção:•Todasascriançassãoiguaisetêmosmesmosdireitos.•Todacriançatemdireitoatersuasnecessidadesbásicas satisfeitas. •Todacriançatemdireitoaproteçãocontraabusosea exploração. •Todacriançatemdireitodeexprimirsuasidéiaseser respeitada.

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2,2bilhões de crianças menores de 18 anos82 milhões destas crianças vivem na Somália e nos Estados Unidos, os dois únicos países que não ratifica-ram os direitos da criança. Todas as outras nações se com-prometeram a cumprir e fazer cumprir os direitos da criança, mas violações a tais direitos são comuns em todos os países.

Saúde e atendimento médicoVocê tem direito a uma alimentação saudável, a ter acesso à água potável e rece-ber atendimento médico. Todos os dias, 21.000 crianças menores de cinco anos morrem (7,6 milhões anualmente) de doenças causadas pela fome, falta de água potável e assistên-cia médica, e condições inade-quadas de higiene. A vacinação contra as doenças infantis mais comuns salva 2,5 milhões de vidas todo ano. Entretanto, 1 em cada 5 crianças nunca é vacina-da. Todos os anos, 2 milhões de crianças morrem de doenças que poderiam ser prevenidas através de vacinas. 4 em cada 10 crianças nos 50 países mais pobres não têm acesso à água limpa. Todos os anos, 1 milhão de pessoas morrem de malária, a maioria são crianças. Apenas 2 em cada 10 crianças com malária recebem tratamento, e somente duas em cada 10 crianças dormem sob mosqui-teiros nos países mais pobres, onde a malária existe.

Nome e nacionalidadeAo nascer, você tem o direito de receber um nome e ser registrado como cidadão de seu país natal.Todos os anos, 137 milhões de crianças nas-cem pelo mundo. Porém, cerca de 51 milhões nun-ca são registradas. Isso significa que não há nenhum documento que prove sua existência!

Sobrevivência e desenvolvimentoToda criança tem direito à vida. Os países que ratificaram a Convenção dos Direitos da Criança devem se esforçar ao máximo para que as crianças sobrevivam e se desenvolvam. 1 em cada 17 crianças (1 em cada 8 nos países mais pobres) do mundo morre antes de com-pletar cinco anos, na maioria das vezes, devido a doenças que poderiam ser evitadas.

Casa, roupa, comida e segurançaVocê tem direito à moradia, alimentação, roupas, educação, atendimento médico e segurança. Mais da metade das crianças do mundo vivem na pobreza. Cerca de 700 milhões de crianças contam com menos de 1,25 dólar por dia para viver. Outras 500 milhões de crianças vivem com menos de 2 dólares por dia.

Crianças com necessidades especiaisAs crianças portadoras de deficiências têm os mesmos direitos que qualquer outra criança. Elas têm o direito de receber apoio e desfrutar de uma vida plena, que possibilite sua participação ativa na comunidade. As crianças portadoras de necessidades especiais estão entre as mais vulneráveis do mundo. Em muitos países, elas não podem frequentar a escola. Muitas são tratadas como se tivessem menos valor e são escondidas. Há 150 milhões de crianças com necessidades especiais no mundo.

Como estão as cri anças no mundo?

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Trabalho infantil nocivo Você tem direito de receber proteção contra a exploração econômica e contra o trabalho prejudicial à sua saúde e/ou que o impeça de frequentar a escola. O trabalho é proibido para todas as crianças meno-res de 12 anos. Cerca de 306 milhões de crianças trabalham e, para a maioria delas, o trabalho é diretamente prejudicial à saúde, segurança, moral e educação. Cerca de 10 milhões estão sujeitas às piores for-mas de trabalho infantil, como por exemplo, a escravidão por dívidas, a prostituição infantil ou as atividades militares. Todo ano, pelo menos 1,2 milhão de crianças são expos-tas ao ‘tráfico’, que é o comér-cio de escravos da atualidade.

Proteção na guerra e na fugaVocê tem direito à proteção e assistência humanitária em casos de guerra ou refúgio. Crianças vítimas de conflito e refugiadas têm os mesmos direitos que qualquer outra criança. Nos últimos 10 anos, pelo menos 2 milhões de crianças morreram em guerras. 6 milhões sofreram lesões físicas graves. 10 milhões de crianças sofreram danos psicológicos graves. Um milhão perderam os pais ou foram separadas deles. Dezenas de molhares de crianças foram usadas como soldados, carregadores ou cavadores de minas (Todos os anos, mais de mil crianças morrem ou são feridas por minas). Pelo menos 18 milhões de crianças tiveram que fugir de suas casas e países.

Crianças de povos autóctones e minoriasCrianças de grupos minori-tários ou de povos autócto-nes têm direito a ter uma lín-gua, cultura e religião pró-prias. Povos autóctones são, por exemplo, os índios das Américas, os aborígines da Austrália e os lapões do norte da Europa. Os direitos das crianças pertencentes aos povos autóctones e às minorias são frequentemente viola-dos. Seus idiomas não são respeitados, elas são humi-lhadas e discriminadas. Muitas dessas crianças não têm acesso à assistência médica.

Crianças que vivem nas ruas Você tem o direito de viver em um ambiente seguro. Todas as crianças têm direito à educa-ção, à assistência médica e a um padrão de vida decente. 60 milhões de crianças usam a rua como seu local de mora-dia. Outras 90 milhões traba-lham e passam os seus dias nas ruas, retornando à casa de suas famílias ao final do dia.

Crime e puniçãoA prisão de crianças deve ser sempre o último recurso e pelo menor tempo possí-vel. Nenhuma criança deve ser submetida à tortura ou qualquer outra forma de tra-tamento cruel. Crianças que cometem crimes devem receber assistência e ajuda. Crianças não devem ser punidas com prisão perpé-tua ou pena capital. Pelo menos 1 milhão de crianças estão em prisões. Crianças presas são fre-quentemente maltratadas.

Escola e educaçãoVocê tem o direito de fre-quentar a escola. O ensino básico deve ser gratuito para todos. Mais de 8 entre cada 10 crianças no mundo frequen-tam a escola. Porém, 93 milhões de crianças nunca puderam iniciar sua vida escolar. Destas, seis em cada 10 são meninas.

Proteção contra a violênciaVocê tem direito à proteção contra qualquer forma de violência, negligência, maus-tratos e abusos. A cada ano, 40 milhões de crianças são agredidas tão brutalmente que precisam de tratamento médico. 30 países no mundo proibiram qualquer forma de punição física às crianças. Assim, apenas 4 para cada 100 crianças estão protegidas por lei contra a violência. Muitos países ainda permitem castigos físicos na escola.

Como estão as cri anças no mundo?

Você tem o direito de dizer o que pensa sobre todas as questões que lhe dizem respeito. Os adultos devem ouvir as opiniões das crianças antes de tomar decisões e sem-pre considerar o que é melhor para elas.

É esta a situação no seu país e no mundo hoje? Você e as demais crianças do mundo é que podem responder!

A SUA VOZ DEVE SER OUVIDA!

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Todos os estudantes das escolas Amigas Mundiais têm o direito de participar da Votação Mundial até completarem 18 anos. Na Votação Mundial, vocês decidem quem irá receber o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança 2012. Leia sobre o Dia da Votação Mundial em diferentes países nas páginas 19–48.

Logo após o debate na escola sobre como os direitos das crianças são respeitados no lugar

onde você vive, e depois de ler sobre o júri infan-til, as crianças que participam da Votação Mundial, os nomeados ao prêmio e as crianças pelas quais eles lutam, é hora de começar a pre-parar o seu próprio Dia da Votação Mundial.

Convide a mídiaAssim que vocês definirem a data de sua Votação Mundial, mobilizem toda a mídia local para fazer a cobertura. Os recortes de jornal apresentados aqui são sobre a Votação Mundial na Suécia e na Índia.

Voto secretoHá muitos detalhes a cuidar para garantir que a Votação Mundial seja uma eleição democrática, cujos eleitores tenham segurança de que seus votos serão mantidos secretos. Ninguém deve saber em quem você votou, a menos que você conte. Você precisa organizar:

• Lista de eleitores: Todos que têm o direito ao voto devem ser incluídos nessa lista, e seus nomes serão marcados tão logo recebam sua cédula de votação, ou após depositarem o voto na urna.

• Cédulas de votação: Use as cédulas que acompanham a revista do Prêmio das Crianças do Mundo, ou crie suas próprias cédulas.

• Cabine eleitoral: Pode-se obter uma cabine eleitoral emprestada, daquelas usadas nas elei-ções dos adultos, ou construir uma. Uma única pessoa deve usar a cabine eleitoral por vez, para que ninguém veja em quem você vota.

• Urna eleitoral: Na revista do prêmio você irá ver diversos tipos de urnas. Elas podem ser confec-cionadas com papelão, uma grande lata ou folhas de palmeira trançadas, por exemplo.

• Tinta contra fraude: Tinta no polegar, unhas pintadas, uma marca na mão ou no rosto, há muitas maneiras de identificar quem já votou.

• Escolha dos mesários, fiscais eleitorais e apu-radores de votos: Os mesários marcam os nomes na lista de eleitores e distribuem as cédu-las de votação. Os fiscais monitoram se a vota-ção, o uso da tinta e a contagem dos votos está sendo realizada corretamente. Os apuradores fazem a contagem dos votos e enviam o resulta-do da votação.

CriançasdoQuêniapreparamasurnas e cartazes.

Mesários da votação na EscoladeCiência Ogbomoso,naNigéria.

Apuração dos votos das crianças na Vila SOS CriançaemCamarões.

Umacabaçacomourna eleitoral pelos direitos da criança naNigéria.

Vamos comemorar!Aofinaldavotação,muitoscelebramos direitos da criança e seu Dia da VotaçãoMundialcomapresentaçõesculturais,biscoitos,chácombolo,oude outras maneiras. Alguns realizam passeatas pelos direitos da criança.

Veja o vídeo da Votação Mundial em www.worldschildrensprize.org

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Lição de democracia na Escola Mbizi, no Zimbabwe

Presidente da Votação Mundial declara aberta a seção eleitoral

O ambiente é calmo e solene quando as crianças colocam suas cédulas nos potes de barro que são as urnas de votação da Escola Mbizi.

– Isto é importantíssimo para nós. O Prêmio das Crianças do Mundo é uma lição de democracia, afirma Vernon Muzorori, 12 anos.

qual faço parte. Depois, conversamos muito sobre o que aprendemos, sobre os direitos da criança e os nomeados. E nos identifica-mos com muitas das histó-rias. Muitas crianças no Zimbabwe também são obri-gadas a trabalhar, por exem-plo. O Globo é ótimo! Eu amo esta revista! – diz Tinotenda.

– Agora são duas horas e dezoito minutos da tarde, e eu declaro aberta esta seção eleitoral! Começamos com a vedação de nossas urnas, conta Tinotenda Tongogara, 11 anos, com voz forte, fechando as tampas das panelas de modo que nin-guém possa tirar ou por cédulas de votação sem ser notado. Em seguida, os pri-meiros estudantes entram na seção eleitoral e a votação começa.

– Eu sou presidente da Votação Mundial hoje, e minha responsabilidade é garantir que tudo funcione aqui na seção eleitoral. E, até o momento, tudo vai bem! Todo mundo parece prepa-rado. Antes da votação, nós lemos atentamente a revista O Globo. Tanto em sala de aula aqui na escola, como também no clube de meni-nas da Girl Child Network do

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Policiais mantêm a ordem

Fiscal eleitoral 1 – lista de eleitores

– Muito bem, agora você pode entrar na cabine eleitoral, diz Panashe Makamba, 12 anos, autorizando a entrada do próximo na longa fila de alunos que aguardam para votar. Panashe é um dos três policiais que mantêm a ordem, e está cuidando da entrada na cabine.

– Nós controlamos as filas para que não haja problemas nem desordem. É importante haver ordem, ou podemos por tudo a perder e não conseguir nenhum resultado da votação. Quando os adultos votam nas suas eleições, muitas vezes há brigas e desordem. Então torna-se muito difícil conseguir um resultado justo e adequado. Mas não na nossa votação! – declara Panashe.

– Eu auxilio quem precisa de ajuda na cabine e urnas eleitorais. E certifico que todos saibam para onde devem ir e essas coisas, explica Munyaradzi Mazhangara, 13 anos.

– Eu mostro o caminho de saída da seção eleitoral e certifico que todos que já votaram tenham o dedo marcado com tinta, diz Tanaka Murungweni, 12 anos.

– Perguntamos o nome a todos que vão votar, em seguida, riscamos o nome na lista de eleitores. Se o nome não estiver na lista, a pessoa não pode votar. Também perguntamos os sobrenomes, para ter certeza de que ninguém vote mais de uma vez. Isso é importante para que o resultado seja justo e preciso, explica Everjoy Dumbu, 11 anos.

Panashe Makamba, 12 anos, Munyaradzi Mazhangara, 13 anos, e Tanaka Murungweni, 12 anos, são policiais que mantêm a ordem durante a Votação Mundial.

Policial da votação permite que de um eleitor de cada vez entre na cabine eleitoral.

Pamela Madhibha, 10 anos, Belinda Makawa, 12 anos, e Everjoy Dumbu, 11 anos, são fiscais eleitorais.

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Responsável pelo escaner

Fiscal eleitoral 2 – marcação com tinta

Fiscal eleitoral 3 – cédulas de votação

– Peço a todos que votarão para colo-carem as duas mãos no escaner. Em um escaner, você pode ver se há tinta nos dedos e, se isso acontecer, a pes-soa não pode votar, porque isso signifi-ca que ela já votou. Este escaner fui eu mesma que fiz. Primeiro, cortei o topo e um lado de uma caixa de leite. Em seguida, cobri o buraco da lateral com filme plástico. Pronto! diz Monica Masvavike, 11 anos, e ri.

– Escolha seu candidato e faça o “X” no lugar certo. Se você fizer mais de um “X”, sua cédula não será contada! – explica Paidamoyo Mukwinya, 11 anos, ao entregar a cédula a um dos colegas de escola na fila.

– A maioria já tem tudo sob controle e estão bem preparados. E é importante estar preparado, saber em quem você está votando e porquê. Isso diz respeito a nós e aos nossos direitos! – afirma Chantel Mhembere, 11 anos.

Monica Masvavike, 11 anos, fez seu próprio escaner para impedir a fraude eleitoral.

Rumbidzai Gondora, 11 anos, Chantel Mhembere, 11 anos, e Paidamoyo Mukwinya, 11 anos, explicam como se deve marcar o candidato em que se vota.

Tsitsidzashe Chikanga, 11 anos, res-ponsável por certificar que todos que votam mergulhem o dedo na tinta.

– Eu certifico que todos os eleitores mergulhem o dedo na tinta, de modo que ninguém possa votar mais de uma vez. Agora que nós aprendemos todos esses passos na Votação Mundial, saberemos como eleições livres e democráticas devem ser quando for-mos adultos, afirma Tsitsidzashe Chikanga, 11 anos.

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Observadores eleitorais

Representantes dos candidatos

Na diagonal, atrás dos mesários estão duas meninas que monitoram atenta-mente todo o processo eleitoral.

– Anotamos minuciosamente tudo que acontece aqui dentro da seção eleitoral. As anotações serão documen-tos sobre o que realmente aconteceu aqui hoje. É importante que alguém monitore eleições democráticas por-que, caso contrário, é muito fácil haver fraude e, neste caso, a eleição não é justa e o resultado fica errado, diz Nyaradzo Muduve, 12 anos.

Em uma mesa na seção eleitoral, estão representantes dos três candidatos da votação de 2011; eles podem fornecer informações para os eleitores que ainda estão indecisos.

– Eu acho que Monira é fantástica! Imagine quantas crianças agredidas por ataques com ácido em Bangladesh ela ajudou. Ela é minha heroína! – diz Drusilla Tapah, 11 anos.

– Cecilia também é fantástica! Ela luta pelas crianças vítimas do tráfico e do trabalho infantil. Tenho a intenção de ser como ela quando eu crescer. Eu também quero dar às crianças carentes a oportunidade de ir à escola, seguran-ça e amor! – explica Rutendo James Chakala, 11 anos.

– Murhabazi é um homem que ajuda e

protege as crianças que são forçadas a serem soldados e escravos. Ele é um homem muito especial e diferente. Todos os homens adultos deveriam ser como ele. Quero ser assim quando eu crescer, conta Ashton, Mason, 11 anos.

A“candidata adversá-ria”, Drusilla, parece satisfeita ao ouvir isso:

– Ótimo! Pois aqui no Zimbabwe muitas pesso-as também abusam das crianças. As crianças estão sujeitas a estupro e tráfico humano. Homens como Murhabazi real-mente são necessários aqui também! – afirma Drusilla.

As observadoras eleitorais Kimberly Nhika, 13 anos, e Nyaradzo Muduve, 12 anos

Rutendo James Chakala, 11 anos, Drusilla Tapah, 11 anos, e Ashton Masona, 11 anos, representam os candidatos na eleição.

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Eleitores

Impossível fraudar!

– Participei da Votação Mundial hoje e foi uma sensação incrível poder votar em pessoas que lutam por nós. Por crianças vulneráveis em todo o mundo. Através do voto, apoiamos os candida-tos em seu trabalho e, desta forma, parece que estamos ajudando. E acho justo que nós, crianças, possamos par-ticipar e ajudar nas coisas realmente importantes! Também é muito importan-te participar da Votação Mundial por outra razão. Agora nós, crianças, sabe-mos como uma eleição democrática deve ser, e vamos lembrar, mesmo quando formos adultos. O Prêmio das Crianças do Mundo é uma grande lição de democracia, declara Vernon Muzorori, 12 anos.

Antes de deixar a seção eleitoral, é preciso mostrar o dedo marcado de tinta aos policiais para que eles permi-tam a saída da pessoa. Ninguém já marcado com tin-ta pode voltar e votar nova-mente.

Festa de encerramento!Ao final da Votação Mundial da Escola Mbizi, todos os alunos reúnem-se no pátio da escola para celebrar os direitos da criança e o sucesso de seu dia de votação. Alguns alunos vestiram trajes de dança e se apresentam para os demais.

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Tanaka

– Tive uma sensação especial, quase como um sonho, quando votei na Votação Mundial hoje. Imaginei-me como um dos nomeados, em quem as crianças podem votar, devido à minha luta em prol de crianças vulneráveis. Eu realmente tentarei realizar esse sonho, diz Tanaka, 15 anos, do Zim-babwe. Ela é órfã e foi vítima de abusos quando era pequena.

Tanaka foi criada por sua mãe e avó, pois seu pai morreu antes mesmo de

seu nascimento. A mãe e a avó trabalhavam em uma fazenda produtora de tabaco, onde as três viviam. Enquanto os adultos traba-lhavam no campo, Tanaka ia à pré-escola, junto com as outras crianças. Eventualmente, ela começou a estudar e elas sempre tinham o que comer.

– Foi uma época ótima. Uma época normal. Minha mãe e avó me amavam e cui-davam de mim, conta Tanaka.

Porém, quando ela tinha sete anos, sua mãe ficou gra-vemente doente e tudo mudou.

A mãe morreu– Tentei ajudar minha mãe o máximo possível. Eu buscava água e cozinhava para ela, mas não adiantava nada. Ela apenas ficava lá, deitada. Eu estava tão preocupada que nem conseguia dormir.

Tanaka teve dificuldade de concentração na escola. Como sua mãe não conseguia trabalhar, Tanaka foi obriga-da a abandonar a escola. Elas não tinham condições de dei-xá-la continuar estudando. Após muitos meses de doen-ça, a mãe de Tanaka morreu enquanto dormia.

– Fiquei muito triste e só gritava e chorava. Eu sentia muitas saudades da minha mãe. Como minha avó estava ficando velha e cansada demais para trabalhar, perce-bi que nada seria como antes.

Ficou ainda piorApós o funeral, a avó conse-guiu encontrar o tio paterno de Tanaka, que prometeu cuidar dela.

– Fiquei surpresa e preocu-pada, porque meu tio havia expulsado minha mãe de nos-sa casa quando meu pai mor-reu. Por que agora ele queria cuidar de mim? O que eu mais queria era ficar com minha avó, mas não foi possível.

nomeada ao prêmiosonha ser

Tanaka deposita seu voto na urna da Votação Mundial. Ela quer ajudar outras crianças cujos direitos foram violados, e sonha um dia ser nomeada ao Prêmio das Crianças do Mundo.

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Violações aos direitos das meninas no Zimbabwe

Lista de Tanaka sobre violações dos direitos das meninas no Zimbabwe:

Falta educação Se uma menina perde os pais, geralmente é obriga-da a abandonar a escola, porque quase nunca há alguém disposto a pagar por sua educação.

São exploradasMeninas órfãs muitas vezes acabam na rua, onde são forçadas a vender-se para sobreviver.

Tráfico humano Meninas pobres são atraí-das das aldeias para a cidade, acreditando que terão uma vida melhor, mas são obrigadas a trabalhos forçados nos campos ou à prostituição. As meninas muitas vezes são levadas para os países vizinhos, Botswana e África do Sul.

Casamento de criançasFamílias pobres podem ganhar dinheiro com uma menina vendendo-a como noiva para um homem adul-to. Às vezes, por apenas dois sacos de milho.

Inicialmente, a vida de Tanaka na casa do tio foi mui-to melhor do que ela havia imaginado. Ela foi alimenta-da, ganhou roupas e pode vol-tar para a escola. Mas isso não durou muito.

– Um dia eles me acusaram de espalhar boatos sobre a família. Meu tio falou que eu havia dito aos outros que sua família era pobre e não me tratava bem. Embora aquilo não tivesse nenhum funda-mento, ele mudou completa-mente comigo. Ele disse que a família sempre havia detesta-do minha mãe e que se sen-

tiam da mesma forma a meu respeito. Eles passaram a me dar menos comida e se recu-saram a pagar minhas taxas escolares, então tive que dei-xar a escola novamente. Os filhos do meu tio eram bem alimentados e podiam ir à escola. Pensei que a vida não poderia tornar-se pior ou mais injusta. Mas estava enganada.

– Meu meio-irmão, de 26 anos de idade, havia bebido cerveja num bar a noite toda e chegou bêbado em casa. Eu acordei com ele dentro do quarto onde eu dormia, me

repreendendo porque a comi-da não estava na mesa. Ele me amordaçou e tirou minha roupa. Eu tinha apenas nove anos e não entendi nada. Depois, ele disse que me mataria se eu contasse a alguém sobre o que tinha acontecido.

Girl Child NetworkNa manhã seguinte, ele par-tiu e Tanaka ficou sozinha em casa por vários dias. Ela estava apavorada, e esperava e rezava para que aquilo não se repetisse. Porém, aquilo não ajudou. Algum tempo

As amigas na vila segura são como uma família. Aqui, elas fazem o desjejum juntas.

Limpeza do fim de semana “Nos fins de semana, nós sempre limpamos a parte interna da casa e varremos o quintal. Também lavamos nossas roupas. Porém, o mais importante é que temos tempo para brincar e nos divertir”.

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Tanaka, 15

Adora dança:– Eu adoro dançar! Fiquei muito feliz quando comemoramos nossa Votação Mundial com canto e dança, pois nossas can-ções são sobre o fato de que as meninas também têm direitos!

AMA: Brincar, jogar voleibol, dançar e cantar.DETESTA: Que meninas sofram abusos.O MELHOR QUE JÁ LHE ACONTECEU: Quando a GCN me salvou e me permitiu morar na vila segura para meninas.O PIOR QUE JÁ LHE ACONTECEU: Ter sido vítima de abuso.QUER SER: Médica e resgatar meninas e lutar pelos seus direitos. SONHO: Que todas as meninas vivam bem e tenham chance de fazer coisas importantes na vida, como serem médicas.

depois, ela foi abusada por seu meio-irmão novamente.

Inicialmente, Tanaka não ousou contar a ninguém, pois tinha medo de ser morta. Mas um dia ela encontrou uma amiga de escola que par-ticipava do clube de meninas da Girl Child Network, GCN. Sem saber o que Tanaka havia sofrido, ela con-tou sobre outra menina da escola que tinha sido abusada e como ela havia sido ajudada pela GCN.

– Nesse momento, eu não consegui me conter e contei tudo. Eu também queria aju-da. Como eu não tinha cora-gem de contar à minha avó paterna, minha amiga o fez por mim.

Inicialmente, a avó ficou furiosa porque Tanaka tinha contado o que aconteceu a uma amiga. Porém, quando o

boato sobre o ocorrido come-çou a circular entre os vizi-nhos, a avó foi convencida a levar Tanaka à Girl Child Network, onde ficaria em segurança. A GCN cuidou de Tanaka. Primeiro, ela teve que ser atendida num hospital, e depois mudou-se para uma vila segura para meninas vul-neráveis. Seu meio-irmão foi detido e levado para a cadeia.

– Foi uma sensação maravi-lhosa estar na vila segura. Era como se eu tivesse voltado para casa. Finalmente, estava cercada por pessoas que se importavam comigo. As outras meninas da vila haviam passado por coisas parecidas, e me compreen-diam perfeitamente. Elas eram minhas irmãs, e as mães da vila tornaram-se minhas novas mães. Eu me senti amada.

Gosta da revista O Globo Após algum tempo, Tanaka voltou à escola e entrou para o clube de meninas da Girl Child Network, que se reúne toda quarta-feira após o almoço e discute os direitos das meninas.

– Muitas vezes lemos a revista O Globo no clube das meninas, onde aprendi que o que aconteceu comigo quan-do fui abusada, acontece com crianças no mundo todo. É muito triste. Ao mesmo

“As outras meninas da vila segura passaram por experiências semelhantes às minhas, e me entendem perfeitamente. Elas são como minhas irmãs, sinto-me amada”.

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Em 2007, Betty Makoni foi laureada com o Prêmio das Crianças do Mundo por sua longa luta para que as meninas do Zimbabwe se livrem da violên-cia e tenham as mesmas possibilidades na vida que os garotos. Através da organização Girl Child Network (GCN), Betty construiu três vilas seguras para meninas particularmente vulneráveis, e deu início a 500 clubes de meninas com 30.000 mem-bros, principalmente na zona rural e em favelas pobres. Betty salva meninas do trabalho infantil, do casamento forçado, de maus-tratos, do tráfico e da violência sexual. Ela dá comida, roupas, cui-dado de saúde, um lar, possibilidade de ir à escola e segurança às meninas. Acima de tudo, ela dá às meninas a coragem de exigir seus direitos. Dezenas de milhares de meninas conseguiram uma vida melhor através do trabalho de Betty.

Leia mais em www.worldschildrensprize.org

Girl Child Network

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Nos fins de semana, as menin-as da vila segura se divertem muito. Mas elas também têm algum tempo para jogar volei-bol e brincar todas as noites.

tempo, saber disso ajuda que eu não me sinta tão só. As meninas que moram aqui na vila se apoiam umas às outras, e eu sinto exata-mente a mesma coisa em relação a todas as crianças vulneráveis na revista O Globo. Considero O Globo extremamente importante, pois é uma revista onde crian-ças têm a chance de contar suas histórias e aconselhar outras crianças sobre coisas difíceis e importantes. É como se os leitores se tornas-sem amigos daqueles que contam suas histórias e, de alguma forma, nós tornamos a vida mais fácil uns para os outros. E ler sobre os nomea-dos me dá força e inspiração para dar duro na escola, para que mais tarde eu possa ser uma pessoa que dedica a vida

a lutar por crianças vulnerá-veis. É o meu sonho!

Votação MundialPara Tanaka, não são só as histórias em O Globo, que a inspiram e fortalecem, mas também o fato de participar da Votação Mundial.

– Quando eu votei hoje, tive a sensação de ser livre para dizer o que penso. Pude expressar a minha opinião completamente. E minha opinião é que os direitos da criança devem ser respeitados em todo o mundo! Além dis-so, foi simplesmente maravi-lhoso que um dia tão impor-tante para as crianças, como a Votação Mundial, tenha acontecido aqui mesmo na minha aldeia, em frente à minha casa. É quase bom demais para ser verdade!

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6h15 Cozinha mingau de milho– Toda manhã, vou para a cozinha e preparo o desje-jum para todas. Geralmente é mingau de milho. Como sou a mais velha, sou como a irmã maior e cuido das outras meninas. Quando acabamos de comer, cada uma lava seu prato. A única que não precisa fazê-lo é a nossa menina mais nova, que tem apenas seis anos. Ela nunca precisa lavar a louça ou cozinhar, todas as outras a ajudam.

6h00 Um novo dia começa– Acordamos quase sempre sozinhas, mas nossas mães da vila também verificam se todas se levantaram, exata-mente como uma mãe comum faria. Depois, arru-mamos nossas camas, lava-mos o rosto e escovamos os dentes.

O dia de Tanaka na vila segura

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6h45 Caminho da escola com música– Depois de vestirmos nossos uniformes escolares, vamos juntas para a escola. Leva mais ou menos 45 minutos. Geralmente conversamos e cantamos por todo o cami-nho, então não parece tão longe!

7h30–16h00 Aulas– A Girl Child Network paga nossas taxas escola-res, uniformes, livros, tudo! Caso contrário, eu não poderia estudar. O primeiro intervalo é às dez horas, quan-do comemos o almoço que nossa mãe da vila cozinhou na noite anterior. Quando há tempo antes das aulas recomeçarem, mesmo que sejam apenas dois minutos, eu aproveito a oportunidade para jogar voleibol e brincar com minhas colegas! Não apenas com aquelas que vivem na vila segura, mas com todas. Eu sou tratada igual a todas as outras meninas, o que é ótimo. Acho que é porque todas as garotas estão no clube das meninas da Girl Child Network em nossa escola. Reunimo-nos todas as quartas e falamos sobre os direitos das meninas e o que elas podem enfrentar. Todas entendem o que aconteceu comigo e com as outras meninas que vivem na vila segura.

17h00 Jantar– Quando chegamos em casa, nós trocamos de roupa e vamos para a cozinha, onde a mãe da vila espera com o jantar. Toda comida é boa aqui, mas a minha favorita é o mingau de milho, sadza, com legumes.

– Uma de nossas duas mães da vila está sempre aqui. Elas são como as mães comuns, perguntam como foi o dia na escola, sobre como nos sentimos e essas coisas. As meninas que moram aqui são minhas irmãs, e nós cuida-mos umas das outras. Somos uma família. Assim, mesmo que meu meio-irmão tenha saído da prisão, sinto-me segura aqui, explica Tanaka.

Hoje, a mãe da vila, Tagoma, cozinhou sadza com carne, legumes e arroz.

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18h00 Atividades diárias e brincadeiras– As meninas que estão no “serviço de louça” lavam a louça depois do jantar, e as que estão em “serviço de sadza” cozi-nham o sadza que comemos mais tarde, na ceia. Quando terminamos, lavamos nossos uniformes escolares e meias, se necessário, para o dia seguinte. Durante a semana, geral-mente não temos muito tempo para brincar, mas tentamos jogar um pouco de voleibol todos os dias. No fim de semana, nós brincamos, cantamos e dançamos muito, e eu adoro!

Tanaka pendura cuidadosamente suas meias recém-lavadas. O arame farpado é um bom varal, mas ela tem que pendurar as meias entre as farpas.

19h00 Dever de casa– Vamos para a casa que nós chamamos de biblioteca e fazemos nosso dever de casa. Estamos em anos diferentes e temos aulas variadas, por isso temos deveres de casa dife-rentes, mas sempre nos ajudamos.

21h00 Hora de ir deitar– Todas vivem na mesma casa, exceto nossa menina menor, que dorme na casa da mãe da vila. Muitas vezes, conversamos bastante antes de ador-mecer. Contamos segredos e tudo mais. Nós confiamos totalmente umas nas outras. As meninas são minhas irmãs, minha família. Eu as amo!

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Votação Mundial na vila segura das meninas

A fila é longa para as duas cabines eleitorais sob a

árvore de Mupangara na vila segura das meninas em Chihota, no Zimbabwe. Há poucos dias, Forward e seus amigos saíram, cortaram duas grandes seringueiras e colheram capim para cons-truir a cabine eleitoral. Quando chegaram à vila segura das meninas, eles cavaram buracos profundos no chão, onde fincaram as estacas que haviam feito com as seringueiras. Depois, amarraram o capim sobre as

estacas, com o auxílio de tiras de casca de árvore de Musasa. As cabines eleitorais ficaram muito bonitas, mas Forward não está completamente satisfeito…

– Realmente, ficou bastante bom, mas eu esperava que as cabines ficassem muito mais bonitas. Para mim, é impor-tante que tudo fique tão boni-to como só pode existir na Votação Mundial, porque este é um dia tão significativo para nós, crianças. Tudo deve ser perfeito! – diz Forward Takawira, 16 anos.

Fizemos a cabine eleitoral!Da esquerda para a direita: Misheck Mureverwi, 15 anos, Trymore Munemo, 15 anos, Faith Mudyiwa, 15 anos, Godknows Chinyangu, 16 anos, Forward Tahawira, 16 anos.

Cabine eleitoral de seringueira

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Meninos votam na vila das meninas

O clube de meninas e a Votação Mundial dão coragem!

“Hoje eu votei aqui na vila segura para meni-nas vulne-

ráveis da Girl Child Network. Acho que a vila é um lugar excelente para se realizar uma Votação Mundial. Certamente não pode haver local melhor para votar por nossos direitos do que um lugar que protege os direitos da criança? A Votação Mundial e as vilas para meni-nas da GCN são como a mesma coisa! A GCN luta pelos direitos das meninas e eu realmente apoio essa luta. É importante que meninas e meninos tenham direitos iguais. Antes não era assim. Naquela época, a maioria das meninas não ia à escola, por exemplo. Antes, nós, meni-nos, também achávamos que éramos melhores, mais for-tes e mais inteligentes do que as meninas. Incrivelmente

ridículo, porque isso não é verdade! Somos todos iguais, não importa se somos meninos ou meninas. É assim que eu e todos os meus ami-gos pensamos. Foi graças à luta da GCN que as coisas já melhoraram muito para as meninas no Zimbabwe.

Depois de votar, nós can-tamos, dançamos e come-moramos nossa Votação Mundial. É preciso comemo-rar um dia como este, porque é um dia importante. Temos que mostrar nosso apoio àqueles que estão lutando por nossos direitos, e nos-sos direitos são a coisa mais importante que existe. Somos os líderes adultos do futuro e, se formos maltrata-dos e desrespeitados, há um grande risco de nos tornar-mos maus líderes que mal-tratarão as crianças e outras pessoas. Neste caso, não será um bom futuro, de forma alguma”. Anesu Tomondo, 15 anos, Escola Manyaira

lugar onde as meninas têm a chance de fazer ouvir suas vozes e falar sobre coisas que são importantes para nós. Algo que pode ser difícil na sala de aula regular, pois aqui no Zimbabwe meninos e meninas não são iguais. É muito mais fácil para os meninos terem suas vozes ouvidas. As pessoas os ouvem. A nós, quase nin-guém escuta. Isso não é

“Eu parti-cipo do clube de meninas da escola. Foi lá que

li a revista O Globo e me pre-parei para a Votação Mundial. O clube de meninas é um

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Meninas são maltrata-das no mundo todo

Vila de todas as meninas

O clube de meninas e a Votação Mundial dão coragem!

vulneráveis aqui, as coisas horríveis que aconteceram às meninas da vila segura podem facilmente acontecer comigo.

Quando leio O Globo, eu entendo que não é só aqui no Zimbabwe que as meni-nas são maltratadas. Isso acontece no mundo todo. Muitas sofrem abusos, não podem frequentar a escola, são forçadas a se casar ape-

“Eu não vivo sozi-nha na vila segu-ra, mas

este é um lugar muito impor-tante. Aqui vivem meninas que foram expostas às pio-res coisas que se possa ima-ginar. Elas são como minhas irmãs. Devemos ficar juntas e nos apoiar mutuamente. Como as meninas são muito

sar de serem apenas crian-ças e muito mais. Isso me dá muita raiva! Mas também fico feliz ao ler O Globo, pois vejo que há pessoas lutando para que toda menina tenha uma vida digna. E eu acho que um dia isso vai acontecer. As his-tórias na revista O Globo me dão essa esperança! Quando crescer, eu quero ser líder da Girl Child Network e, princi-palmente, participar da luta pelos direitos das meninas aqui no Zimbabwe!”Tnokozile Mapfumo, 14 anos, Escola Manyaira

Todos os sábados, temos o Clube de Meninas na vila segura, com cerca de 100 meninas da escola e de aldeias vizinhas. Juntas, elas aprendem sobre seus direi-tos, encenam peças de teatro, escrevem poemas e depois os leem para as demais, jogam voleibol, cantam e dançam.

– Naturalmente, esta vila pertence às meninas que vivem aqui. Porém, não ape-nas a elas. Ela pertence a todas as meninas, pois esta é uma vila que torna as mulhe-res mais fortes. Este é o nos-so lugar, explica Faith Mudyiwa, 15 anos, responsá-vel pela Votação Mundial de hoje e presidente do clube de meninas da Escola Manyaira.

nada bom, porque somos todos iguais e devemos ser tratados da mesma maneira. Mas aqui não temos os mes-mos direitos, e é por isso que os clubes de meninas são tão importantes. Os clubes

nos proporcionam conheci-mento e força para que ousemos levantar nossas vozes. É exatamente a mes-ma coisa com a revista O Globo e a Votação Mundial, que dão às crianças do mun-do conhecimento, força e coragem para exigir respeito pelos direitos da criança!

Fiquei muito feliz quando li em O Globo sobre pessoas que eram vulneráveis quando crianças, mas que consegui-ram seguir adiante, e agora, como adultos, ajudam crian-ças necessitadas. Também quero ser assim quando eu crescer!”Heather Samuriwo, 14 anos, Escola Manyaira

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Emelda

Apagador Comprei com meu dinheiro do almoço, em vez de comprar comida na escola.

é professora e presidente da Votação Mundial!– Quando crescer, quero ser uma pessoa que ousa se expor ao perigo na luta em prol de crianças carentes. Assim como os nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo, diz a órfã Emelda Zamambo, 12 anos, de Maputo, Mo-çambique.

Porém, Emelda não se contenta em esperar até tornar-se adulta para lutar pelos direitos da criança. Toda manhã, bem cedo, ela tem sua própria escola em casa, para crianças que, de outra forma, não teriam chance de es-tudar. Ela lhes ensina a ler, escrever e contar.

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10!!! As crianças contam juntas,

em voz alta, enquanto Emelda aponta para os núme-ros no quadro negro.

– Ótimo! Mais uma vez! – diz ela, e recomeça.

São oito e meia da manhã e, como acontece todo dia de semana, doze crianças estão sentadas no chão em frente à casa de Emelda. Elas olham atentamente para sua jovem professora, enquanto ela escreve novos números sobre o simples pedaço de madeira compensada que serve como

quadro-negro da escola. Emelda começou sua escola matutina há quase um ano, e a maioria das crianças a fre-quenta desde então.

– Sempre ajudei meus irmãos mais jovens com o dever de casa. Costumávamos sentar na frente da casa para fazê-los. Aparentemente, houve um rumor de que sen-távamos ali pela manhã, por-que, de repente, começaram a aparecer outras crianças que queriam ajuda. No início eram apenas dois ou três, mas agora ensino para doze crianças todos os dias. Gratuitamente, é claro! – conta Emelda, com uma risada.

Alguns alunos de Emelda

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Indicador Ganhei de meu tio, que é carpinteiro.

Giz Minha avó os comprou de presente para mim, porque ela acha muito bom que eu ajude outras crianças.

Quadro negro Uma velha placa de madeira compensada que encontrei no bairro.

é professora e presidente da Votação Mundial! O Globo na escola matutina– Ir à escola é uma das coisas mais importantes que existem. Assim, tem-se uma chance maior de conse-guir um emprego mais tarde e, desta forma, poder cui-dar de sua família. Quando alguém não recebe educa-ção, há um grande risco de que essa pessoa perma-neça sempre pobre e tenha uma vida muito difícil. E entre as coisas mais importantes que se pode apren-der na escola estão os direitos da criança. Com eles, aprendemos a nos defender e não ser explorados com tanta facilidade. É exatamente por isso que uso O Globo em minha escola matutina, declara Emelda.

são filhos de seus vizinhos, que precisam de ajuda extra para conseguir acompanhar a escola regular. Outros são tão pobres que não têm condições de ir à escola.

O pai foi baleado– Eu realmente detesto ver que crianças pobres não podem frequentar a escola e nunca têm nenhuma chance na vida. Muitas vezes, elas perderam os pais e acabaram na rua, porque não há nin-guém para cuidar delas. Ali, as crianças são obrigadas a procurar comida no lixo e beber água suja para sobrevi-ver. Muitas são forçadas a tra-balhar. Isso é muito injusto e

cruel! – afirma Emelda. Injustiças realmente a enfu-

recem, e ela sabe muito bem que poderia ter sido uma des-tas crianças vulneráveis. Quando Emelda tinha seis anos, seu pai morreu baleado por ladrões e, apenas alguns meses mais tarde, sua mãe morreu de malária.

– Tudo foi destruído. Eu não acreditava que algo pudesse voltar a ficar bem. Tive muito medo de ficar sozinha e acabar na rua. Todavia, apesar de todas as coisas horríveis que aconte-ceram, eu tive uma sorte incrível.

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A avó materna de Emelda e a família de seu tio a recebe-ram de braços abertos. Ela ganhou um lugar para morar, alimento, roupas e a oportu-nidade de frequentar a escola.

– Acima de tudo, ganhei uma família que me ama. Eles me abraçaram e disseram que eu pertencia à sua família, que cuidariam de mim e que tudo daria certo. E realmente foi assim. Agora sou filha de meus tios maternos, e meus primos são meus irmãos e irmãs. Tive a chance de viver uma vida digna e, de alguma forma, quero compartilhar com outras pessoas que neces-

sitam. É por isso que tenho a minha escola, diz Emelda.

O Globo na escolaÀs onze da manhã, Emelda agradece a presença dos alu-nos e se despede deles. Ela entra e veste o uniforme esco-lar. Após o almoço, Emelda não é mais professora, agora é aluna. Ela adora ir à escola e, ultimamente, as atividades têm sido mais divertidas que o habitual. Eles se prepara-ram para a Votação Mundial, lendo a revista O Globo.

– Logo percebi que as histó-rias contadas na revista O Globo realmente falam sobre

Castigo físico é proibido em 30 países

Castigo físico é proibido na escola de Emelda!

– A parte de O Globo que descreve todos os direitos de uma criança pode nos ensinar muito! Antes, eu não sabia, por exemplo, que as crianças que vivem na rua têm, de acordo com a Convenção dos Direitos da Criança da ONU, direito a ter um lar, frequentar a escola e viver uma vida digna, diz Emelda.

Nos termos do artigo 19 da Convenção dos Direitos da Criança da ONU, você tem direito à proteção contra todas as formas de violên-cia, negligência, maus tra-tos e abuso. Portanto, pode-se afirmar que o cas-tigo físico é uma violação aos direitos da criança. Não obstante, todo ano 40 milhões de crianças são vítimas de espancamentos tão graves que precisam de cuidados médicos. Somente 30 países proibiram todas as formas de castigo físico contra crianças; conse-quentemente, apenas 4 em cada 100 crianças do mun-do estão protegidas por lei contra a violência. O último país a proibir o castigo físi-

co foi o Sudão do Sul, o mais novo país do mundo.

Muitos países permitem castigos corporais nas escolas. Em Moçambique, o castigo físico à criança é legal tanto em casa como na escola. Qual é a situa-ção na sua escola e em seu país? Você ousa salientar para professores, pais, políticos e outros adultos que o castigo físico é uma violação aos direitos da criança? Conte-nos que tipo de coisa você e seus colegas precisam enfren-tar. Compartilhe suas expe-riências e opiniões sobre o castigo físico pelo myrights @worldschildrensprize.org ou em www.worldschil-drensprize.org.

– Eu uso a régua indicadora apenas para apontar as coisas, nunca para bater! Em quase todas as outras escolas de Moçambique, é comum que os professores usem a régua indicadora para bater nas palmas das mãos ou nas náde-gas dos alunos. Considero isso incrivelmente ruim! Os pro-fessores deveriam explicar e demonstrar, quando não entendemos algo, ou se não nos comportamos como deve-ríamos. Acredito que as crianças têm mais facilidade para

aprender quando não são espancadas, quando não sen-tem medo. Ninguém aprende direito quando está com medo. Depois de ler o Globo, também aprendi que bater nas crianças é contra nossos direitos!

Convenção dos Direitos da Criança em O Globo

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Emelda Zamambo, 12

o que acontece aqui em Moçambique! As histórias de crianças pobres, que passam fome, são exploradas, perdem seus pais para a AIDS e, por isso, acabam nas ruas e são forçadas a trabalhar, pode-riam muito bem ser daqui. Antes, eu sentia que tudo isso é injusto e errado. Agora que li O Globo, sei que esse tipo de coisa também viola nossos direitos.

Emelda estava entre os estudantes que mais se envol-veram com a revista O Globo e os preparativos para a Votação Mundial da escola.

– Muita coisa aconteceu dentro de mim quando traba-lhamos com isso. Eram tantos pensamentos e sentimentos que tive insônia.

pudessem comprar uniformes escolares e almoço aqui. Assim, elas estariam bem ali-mentadas para conseguir aprender em paz.

A diretora levou Emelda a sério, e ouviu suas ideias aten-tamente. Ela não podia pro-meter nada de imediato quan-to às crianças de rua, mas quis dar uma missão importante a Emelda.

– A diretora disse ter perce-bido que eu estava inflamada pelos direitos da criança e que isso a deixara incrivelmente feliz. Portanto, ela perguntou se eu gostaria de ser Presidente da Votação Mundial e responsável por toda a votação em nossa esco-la. Inicialmente, fiquei muito nervosa, mas depois me senti

Presidente da Votação MundialAlgumas noites antes da Votação Mundial, Emelda leu em O Globo sobre os direitos das crianças de rua. Ela sen-tia que a escola realmente deveria fazer algo pelas crian-ças que não têm chance de obter uma educação. Na manhã seguinte, ela foi mais cedo para a escola, a fim de conversar com a diretora sobre suas ideias.

– Expliquei que havia lido em O Globo que todas as crianças, inclusive crianças de rua, têm direito de frequentar a escola. Sugeri que aqueles em situação um pouco melhor poderiam ajudar com algum dinheiro para que as crianças que vivem na rua

feliz. Por acreditar que as his-tórias em O Globo são extre-mamente importantes, tive a coragem de fazer um pequeno discurso de abertura, embora houvesse mais de 300 alunos reunidos na escola neste dia solene!

Nomeados inspiramE quem inspira Emelda a ser corajosa em relação aos direi-tos da criança são os nomea-dos ao Prêmio das Crianças do Mundo.

– Quero ser médica e, assim como os candidatos, desejo ser uma pessoa que ousa se expor ao perigo na luta em prol de crianças carentes.

Todavia, ainda falta algum tempo até que Emelda possa começar a estudar medicina, e há pelo menos doze pessoas felizes com isso: seus alunos. Amanhã, às oito e meia da manhã, eles aguardarão o iní-cio da aula na escola de Emelda. Como sempre fazem.

Emelda como… professora… aluna… e com suas roupas preferidas!

AMA: Estar com outras pessoas e ajudar os outros. DETESTA: Brigas, violência e ver crianças pobres que vivem na rua.O MELHOR QUE JÁ LHE ACONTECEU: Ter uma família que me ama.O PIOR QUE JÁ LHE ACONTECEU: Quando perdi minha mãe e meu pai.QUER SER: Médica e ajudar as pessoas.SONHO: Que todas as crianças sejam felizes.

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“Quando mamãe e papai morreram, minha avó e meu tio deram-me uma família que me ama”, diz Emelda.

Emelda ajudando sua avó, que lava a louça.

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Compartilha– Tenho vários colegas de escola que são órfãos e têm dificuldade de susten-tar-se. Que são pobres e passam fome. Isso é injusto e me deixa irritada e triste. Às vezes, pego o dinheiro do almoço e compro um refrigerante, suco, biscoitos ou pão para alguém que precisa mais que eu. Eu tive a chance de ter uma vida digna e desejo erguer minha voz em defesa de quem não teve essa oportuni- dade e não tem energia para exigir os próprios direitos. Se fosse o contrário, gostaria que alguém lutasse por mim! – afirma Emelda.

Votação Mundial corre bem– É aqui que todos formarão fila para depositar seus votos na urna eleitoral, ali na frente. E é nossa tarefa explicar e ajudar a todos, para que tudo corra bem, diz Emelda, apontando para os demais alunos que trabalham na Votação Mundial da Escola Primária Unidade 19, Maputo.

A cabine de votaçãoOs meninos dão o toque final na cadeira que foi transformada em cabine de votação.

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Quer ser como os nomeados!“Acho fundamental participarmos do trabalho com o Prêmio das Crianças do Mundo em Moçambique. Desta forma, temos a chance de aprender sobre nossos direitos e como, de fato, deverí-amos ser tratados. Quando sabemos essas coisas, fica mais fácil proteger-mo-nos das injustiças, algo que real-mente precisamos ser capazes de fazer. Aqui, muitas crianças são tão pobres que precisam trabalhar em vez de frequentar a escola. Muitas crianças são sozinhas, pois seus pais morreram de AIDS ou devido à miséria. Eu mes-ma perdi meus pais para a AIDS quan-do tinha cinco anos de idade. Porém, tive sorte mesmo assim. Vivo com pais

adotivos que me amam e me tratam exatamente como seus outros filhos. Eu posso frequentar a escola, tenho

o que comer e sou amada. Muitas crianças não têm a mesma sorte que eu. Acabam na rua, onde ninguém se importa com elas. Dói-me quando vejo isso acontecer. Acho que o governo e todos os adultos têm a responsabilida-de de cuidar dessas crianças. De garantir que elas recebam educação, roupas, um lar, cuidado e amor. Esse é o direito de todas as crianças! Quando eu leio, na revista O Globo, sobre como os nomeados lutam para que todas as crianças vivam em boas condições, fico imensamente feliz. Sinto que também quero ser assim. Quando eu crescer, lutarei pelas crianças que passam difi-culdades”.Crescência Eulalia Macave, 15 anos, Escola Primária Unidade 19, MaputoCálice de coco

com tinta antifraude eleitoral– Hoje, minha tarefa foi garantir que ninguém votasse mais de uma vez. Após votar, todos vieram até mim e mergulharam o dedo na tinta. Ninguém com tinta no dedo pode votar novamente. É importante que não haja fraude, quando se trata de algo tão importante como os direitos das crianças! – diz Crescência.

Verificação finalÉ uma escolha difícil, mas chegou a hora de decidir em qual candidato votar.

A urna eleitoralEmelda verifica se a urna está em ordem, antes de colocá-la no lugar.

Votação Mundial em Maputo

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Yúminadecorou a Votação Mundial“Antes da Votação Mundial, eu e meus amigos fizemos um tapete represen-tando a bandeira de Moçambique. Fizemos a bandeira anexando tiras de tecido de uma maneira especial. Aprendemos como fazê-lo na aula de artesanato. Usamos roupas e tecidos velhos e gastos para fazer coisas novas e bonitas. Fizemos a bandeira para enfeitar a Votação Mundial e tor-ná-la solene. Eu amo Moçambique e acho nossa bandeira linda, com cores bonitas e desenho agradável. Nosso país também é lindo, mas, infelizmente, muitas crianças têm problemas aqui. Há muitas crianças abandonadas, que são forçadas a viver na rua, por exem-plo. Elas não têm pais e não têm casa. Crianças de rua são carentes de tudo. Ao ler O Globo e participar da Votação Mundial, aprendemos que as crianças de rua também têm direito a uma vida digna. Além disso, aprendemos a aju-dar uns aos outros, cuidar uns dos outros. Acho que todos que podem, devem ajudar a quem precisa.

Tecer é divertido, quero ser artista quando crescer. Embora eu também adore jogar basquete. Posso perfeita-mente me imaginar como jogadora profissional de basquete, e sonho jogar pelo menos tão bem quanto Michael Jordan!”Yúmina Rui Balate, 12 anos, Escola Primária Unidade 19, Maputo

Árvores amigas de Náid na Votação Mundial Uma vez por semana, todas as crian-

ças plantam uma muda de árvore aqui na escola. Nestas ocasiões, geral-mente trago de casa diferentes tipos de sementes para plantar. Durante todos os intervalos, eu rego as plantas aqui no jardim da escola. Ou seja, uma vez pela manhã, uma na hora do almoço e nova-mente à tarde, antes de ir para casa. Eu adoro trabalhar com plantas e provavel-mente sou quem mais fica no jardim da escola. Vejo as árvores e plantas como nossas amigas, porque elas realmente nos dão oxigênio. Para mim, é quase tão divertido estar com minhas amigas árvores quanto estar com meus outros amigos, jogando futebol e coisas assim!

Hoje, para a Votação Mundial, deco-ramos o caminho até as urnas eleitorais com pequenos limoeiros do jardim da escola. Como é uma celebração dos direitos das crianças, tudo precisa estar lindo! Além disso, é bom que haja mui-tas árvores ao nosso redor quando votamos, para que tenhamos bastante oxigênio e possamos tomar a decisão certa nas urnas!

Quando crescer, eu quero ser diplo-mata e morar na capital da França, Paris. Diplomata é uma profissão importante, pois eles trabalham pela paz”.Náid Fi-Yen Bangal Nequice, 11 anos, Escola Primária Unidade 19, Maputo

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Todos esperam em fila pela sua vez de votar.

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Uma criança – Uma árvore!Desde 2006, todas as escolas públicas de Moçambique participam do projeto “Uma criança – Uma árvore”, para impedir o desmatamento, a erosão e a desertificação no país. O projeto tam-bém permite que a população tenha alimentos saudáveis e ajuda a embelezar Moçambique. No jardim da escola de Náid, são cultivadas laranjei-ras, limoeiros, mamoeiros, abacateiros e manguei-ras, além de cana-de-açúcar. As plantas geral-mente são vendidas e o dinheiro vai para ativida-des escolares.

Árvores amigas de Náid na Votação Mundial

Melhores amigas órfãs votam

Votei para que todas as crianças vivam bem.

Aqueles em quem votamos lutam pelas crianças de dife-rentes maneiras, e senti-me ótima por poder ajudar. Aqui em Moçambique há um gran-de número de crianças que passam por dificuldades e pre-cisam de ajuda. Muitas são órfãs, como eu. Minha mãe morreu quando eu tinha dois anos e meu pai morreu no ano passado. Agora moro com minha avó materna. Eu a amo, mas temos dificuldade para nos manter. Muitas vezes, falta dinheiro para o uniforme escolar e não temos alimento suficiente. Sinto falta de minha mãe e de meu pai o tempo todo. É muito difícil, diz Alice.

Muitas vezes, ela se sente triste e diferente, mas, feliz-mente, ela tem Celina.

– Quando estamos tristes, nos confortamos mutuamen-te. E depois também rimos juntas! – conta Alice.

Celina Langa, 11 anos, sen-tada ao seu lado, concorda.

– Confio plenamente em Alice e posso contar-lhe tudo. Perdi minha mãe e meu pai quando tinha um ano de ida-de. Agora moro com minha avó passamos dificuldades, pois ela é idosa e pobre. Frequentemente sinto-me triste e preocupada aqui na escola, mas ontem foi um pouco diferente. Eu ajudei a decorar nossas urnas eleito-rais para a Votação Mundial. Senti-me igual a todo mundo, como se minha vida fosse nor-mal e boa. Espero que, no futuro, a vida realmente seja assim. Neste caso, gostaria de ser professora! – afirma Celina.

– Meu sonho é trabalhar no aeroporto de Maputo. Também sonho em visitar outros países e conhecer outras pessoas. Imagine poder ir ao Brasil! Acredito que deva ser lindo lá, afirma Alice, abraçando Celina.

– Celina é minha melhor amiga e eu a amo. Ela também perdeu seus pais, portanto nos en-tendemos completamente, conta Alice Zacarias, 13 anos.

Hoje, Alice e Celina votaram pelos Direitos da Criança na Votação Mundial da Escola Primária Unidade 19, Maputo.

Alice Zacarias e Celina Langa fizeram as urnas eleitorais para a Votação Mundial.

Emelda (à esquerda) e seus amigos cuidam das urnas.

As mudas de limoeiros foram colocadas junto aos marcos da fila para votação

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Direitos da criança são

violados– Antes de ler O Globo, eu não sabia que é uma

violação dos direitos de uma criança a mesma não ser registrada ao nascer. Isso acontece o tempo todo aqui. E é grave, pois, se alguém não está

registrado e não tem nome, fica difícil conseguir frequentar a escola e obter cuidados médicos. Eu sei que Moçambique ratificou a Convenção dos Direitos da Criança, então agora temos que resolver essa questão, pois é uma violação dos

direitos da criança! – diz Cecilia.

Defendemos os direitos da criançaTodas as crianças deveriam participar!O sol brilha e o mar reflete seu brilho quando as crian-ças da Escola Primária da Catembe, em Moçambique, realizam sua Votação Mundial na praia. Aquelas que já votaram brincam de pique, chutam uma bola ou na-dam no Oceano Índico. Hoje o dia pertence às crian-ças, e Cecilia Carlos Magaia, 13 anos, está feliz:

A caminho da Votação Mundial.

A fila é longa até as urnas de votação, que foram feitas de cadeiras.

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Votação Mundial na praia de Ladislau

Defendemos os direitos da criançaTodas as crianças deveriam participar!

Preciso pescar para poder frequentar a escola. Eu

não tenho pais e moro com meu avô. Nunca poderíamos pagar a escola, de outra for-ma, conta Ladislau.

Os pais de Laidslau mora-vam na África do Sul enquan-to esperavam por ele, pois sua mãe era de lá. Quando Ladislau nasceu, eles ficaram

radiantes, mas não tiveram tempo de viver juntos como uma família, pois o pai de Ladislau morreu em um acidente de carro a caminho da maternidade.

– Minha mãe era muito pobre e sabia que não conse-guiria me sustentar e cuidar de mim sozinha, por isso ela queria entregar-me a um

orfanato. Porém, meu avô paterno não concordou e trouxe-me para sua casa, em Moçambique.

Isso aconteceu há muito tempo, mas Ladislau ainda fica deprimido ao pensar no assunto.

– Sinto falta de meus pais, ao mesmo tempo em que sou imensamente grato ao meu avô. Agora quero ajudá-lo, pois ele me ajudou na época e continua cuidando de mim. É por isso que eu pesco.

Primeiro, a escolaLadislau acorda todos os dias às cinco da manhã para ir à escola. Ele lava o rosto e esco-va os dentes, mas geralmente não faz o desjejum, pois não há o que comer. Depois, ele

rias da revista O Globo, na escola e em casa. O Globo tra-ta de nossos direitos e dos problemas que as crianças do mundo enfrentam. Antes de ler a revista, eu pensava que erámos apenas nós, crianças da África, que passávamos por dificuldades. Agora sei que é assim em todos os luga-res, e isso me deixa muito tris-te. Sinto vontade de fazer algo em relação a isso. Meu sonho é construir uma grande casa onde eu possa proporcionar a crianças que perderam os pais um novo lar, cheio de amor, alimentação, roupas e uma

“Que dia fantástico! Em Moçambique, não é sempre que os adultos escutam as crianças. Mas hoje é diferen-te. Ao votar, nós participamos e influenciamos coisas real-mente importantes. E, atra-vés do voto, eu também defendo os direitos da crian-ça! Portanto, todas as crian-ças, não só em Moçambique, mas em todo o mundo, deve-riam votar!

Antes de votar, lemos com muita atenção todas as histó-

chance de ir à escola. Foi ao ler sobre os nomeados na revista O Globo que senti que também desejo fazer algo de bom pelos outros. Os nomea-dos lutam pelo direito que toda criança tem de ser ama-da e cuidada, e este é o traba-

lho mais importante do mun-do! Porque, se não cuidarmos das crianças, quem é que vai cuidar do mundo no futuro?

Antes de eu ler a revista O Globo, meu ídolo era a estrela de R&B Nicki Minaj, dos EUA. Sua música é incrível e continuo adorando ouvi-la, mas, agora, os nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo definitivamente são meus maiores ídolos. Eles são meus heróis!”Cecilia Carlos Magaia, 13 anos, Escola Primária da Catembe

Ladislau, 15 anos, está na praia da Catembe olhando para o mar. Ontem, ele votou na Vota-ção Mundial e celebrou os direitos da criança com seus amigos aqui na praia. Porém, hoje é um dia comum, então a praia e o mar são seu local de trabalho. Ladislau Militon Nhca é pescador.

Hora de votar na Votação Mundial da Escola Primária da Catembe, realizada na praia.

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caminha para a escola, onde fica até o meio-dia.

– Ao chegar à casa, bebo uma xícara de chá e como um pedaço de pão antes de ir para a praia. Lá, costumo jogar futebol com meus amigos até que os pescadores voltem com a pesca do dia. Meu pai era um ótimo jogador de futebol e eu também adoro jogar futebol. Quando jogo, sinto--me completamente livre. Na verdade, eu jogo por três equipes diferentes e já ganhei prêmios e troféus com todas elas. Da última vez, marquei quatro dos gols que nos deram a vitória.

Entretanto, quando os bar-cos de pesca chegam à praia, não há mais tempo para fute-bol e brincadeiras. A partir daí, é preciso trabalhar duro.

Trabalho pesado– Ajudo os pescadores a lim-par as redes e carregar o pes-cado até a praia. Nos fins de semana e férias escolares, eu pesco o dia todo no barco de meu avô. Nós vamos para o mar às quatro da manhã e voltamos à praia ao meio-dia, mas eu nunca recebo salário. É meu avô quem recebe. O dinheiro vai para minhas taxas escolares; porém, mes-mo com isso, não temos con-dições de pagar os livros ou uma calculadora. Tenho que pedir emprestado aos amigos da escola, e detesto isso. É

embaraçoso. Ninguém caçoa de mim diretamente, mas ainda assim é difícil não ter condições de ter meu próprio material.

No futuro, Ladislau deseja tornar-se jogador de futebol profissional e ter uma vida digna e simples. Por isso, entre a escola e o trabalho, ele continuará a jogar futebol na praia com os amigos a fim de alcançar seu objetivo. E Ladislau adora estar em sua praia, apesar de este ser o

lugar onde ele também preci-sa trabalhar tão duro. E ontem a praia foi algo mais que o habitual.

– Ontem nós votamos na Votação Mundial, aqui na praia. Eu queria muito votar. Senti-me importante por par-ticipar e votar em pessoas que ajudam as crianças, pois foi como se eu também estivesse ajudando um pouco. Como se eu apoiasse outras crianças no mundo que passam por difi-culdades.

Trabalho infantil é comum Pelo menos duas de cada 10 crianças em Moçambique precisa trabalhar, assim como Ladislau.

Presa valiosaA pesca tem grande importân-cia para Moçambique e o camarão se tornou um dos principais produtos de expor-tação do país.

Paga as taxas escolares– Eu não poderia ir à escola, caso não trabalhasse na pesca. Nunca teríamos condi-ções, conta Ladislau.

Ama o futebolLadislau ama o futebol, e o nome de seu ídolo é Elias “Dominguez” Pelembe. “Dominguez” é um dos maiores astros do futebol moçam-bicano. Ele joga na equipe nacional de Moçambique, os “Mambas”, e no grande clube sul-africano Mamelodi Sundowns.

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Obrigaçãode todos os adultos

Maior escola do mundo vota na Índia

VOTAÇÃO MUNDIAL NO BRASIL

Lhes mostramosreconhecimento

Início de umpaís melhor

“Os direitos da criança são a coisa mais importante que existe para todas as crianças da Terra, mas também são uma obrigação para todos os adultos do planeta. Nenhum direito funciona totalmente se os adultos tomarem sua quota de responsabilidade. Também é nosso dever lembrar-nos de nossos direitos e lutar por nós mesmos e pelos outros.

Em minha opinião, todos nós pertencemos ao mesmo povo. Se você pensar bem, é só o lugar onde você nasceu ou quem são seus pais que nos separa. E eu estou prepa-rada para defender isso a todo custo.

Para mim, o Prêmio das Crianças do Mundo é um sím-bolo de todas as pessoas corajosas que lutam pelos direitos da criança todos os dias e nunca desistem. O prê-mio ajuda a chamar a atenção para nossos direitos. Para crianças que ainda não têm consciência de seus direitos, o Prêmio das Crianças do Mundo permite que possam dizer se são maltratadas por um adulto. Elas também têm uma oportunidade de partici-par e lutar por seus próprios direitos e os de outras crian-ças. Aqui na Suécia, a revista O Globo e o prêmio nos moti-vam a tentar fazer a diferença”.María Einarsdottir, 11 anos, escola Vänge, Uppsala, Suécia

É muito importante votarmos nesse prê-mio, pois assim podemos valorizar aqueles que fazem o bem para as futuras gerações do mundo. Mesmo que muitos acreditem que ele já esta comprometido, mas a espe-rança tem de permanecer até o final. Pois só assim podemos ter uma chance para poder salvar o planeta. Ajudem da forma que vocês puderem para que vocês pos-sam ver uma retribuição”. Pedro Henrique Gibim Fracaro, Colégio Notre Dame de Campinas, Brasil “Achei muito importante esse projeto.

É o começo de um país melhor. Todos os governantes deviam juntar-se ao Prêmio das Crianças do Mundo e ajudar essas crianças. Só assim teremos um país digno com amor e respeito ao próximo”.Nikolas Gules Batista, Colégio Positivo Ângelo Sampaio, Curitiba, Brasil

Há mais de 30.000 alunos na maior escola do mundo, a City Montessori School, em Lucknow, na Índia. Todos os anos, os alunos maiores de 10 anos participam do Prêmio das Crianças do Mundo. Aqui, alguns deles votam na Votação Mundial.

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Votação Mundial na escola do des erto que sumiu na chuvaÉ o fim de março de 2011. Durante semanas, os alunos da escola Ragho Mengwar, no deserto de Thar, no Paquistão, aguardam com expectativa o Dia da Votação Mundial. O dia é celebrado com uma festa onde se serve arroz antes da dança e brincadeiras. Antes de ir para casa, todas as crianças tomam chá com biscoitos.

Em setembro, chove demais no deserto. Muitas crianças ficam sem--teto, quando as casas de barro de suas famílias vêm abaixo. A chuva continua e o deserto é inundado. Quando a escola é destruída, as crianças choram. Suas famílias agora precisam pedir dinheiro emprestado para sobreviver, e as crianças correm risco de se tornar escravas por dívida.

Shankolla é presi­dente da votação, mas, natural­mente, também pode votar.

O clima é de expectati-va. Algumas meninas fazem os retoques

finais sobre na urna eleitoral, que foi feita com uma lata vazia. Os alunos folheiam a revista O Globo e discutem em pequenos grupos. Todos estão arrumados e usam rou-pas bonitas. Alguns ex-alunos que já concluíram estão visi-tando. Eles acompanharam as informações e discussões nas duas últimas semanas e sabem que podem participar e votar se aprenderem sobre os candidatos.

A reunião começa com os alunos conversando, em con-junto, sobre os candidatos

aldeia e também na aldeia vizinha. Isso é muito errado.

– A revista O Globo é muito empolgante. Ela nos ensina sobre crianças com problemas graves, mas também que há muitos que lutam pelos direi-tos da criança. Aprendemos muito com O Globo. Agora sabemos como eles enfrentam problemas em Bangladesh. Ouvimos que os mesmos pro-blemas existem no Paquistão e, se isso acontecer aqui, deve-mos também lutar. Podemos votar de acordo com nossos próprios pensamentos, é nosso direito, diz Anita na classe 7.

– É um dia especial quando podemos votar. Aprendemos sobre heróis que trabalham pelos outros. Também deve-

deste ano e porque foram nomeados. Os candidatos ao prêmio são heróis e as crian-ças vêm discutindo suas comtribuições nas últimas semanas.

Quer ser um herói– Eu sonho me tornar um herói, diz Anil. Quero lutar para que todos na nossa região possam ir à escola. Se seus pais não o permitirem, vamos pelo menos tentar ensinar-lhes a ler, escrever e contar. Sinto-me muito triste quando penso em crianças que não frequentam a escola. Temos crianças que traba-lham com tapetes em nossa Fila para votar.

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Votação Mundial na escola do des erto que sumiu na chuva

Estudantes em frente à escola Ragho Mengwar, no Deserto de Thar, que desapareceu.

Preparativos finais para a Votação Mundial. Urmula e Anil leem a Revista O Globo.

mos fazê-lo. Eu gosto de tudo na revista O Globo. Meu sonho é ter eletricidade em nossa aldeia, para que possa-mos lê-la à noite. Nosso pro-fessor Hernath é um herói em nossa aldeia. Ele ensina muito bem e nos ajuda quando temos problemas. Todos devem ir à escola, diz Kevil, na classe 7.

Risco de se tornar escravoAs grandes inundações em Sindh, onde fica o deserto de Thar, obrigaram 5 milhões de pessoas a deixar suas casas. Quase um milhão de casas foram danificadas ou destruí-

das, 17.000 aldeias foram afe-tadas e dois milhões de hecta-res de terra ficaram debaixo d’água. Campos e estradas foram destruídos, e as cabras, vacas e camelos de muitas famílias morreram.

As crianças da escola Ragho Mengwar são de famílias pobres. Quando não chove, as famílias muitas vezes são obrigadas a aceitar empregos como trabalhadores rurais ou na olaria. Muitas pessoas tomam empréstimos dos pro-prietários ou devem aos comerciantes da aldeia, e toda a família torna-se escrava por

dívida. As crianças da escola e das aldeias vizinhas também trabalham na fabricação de tapetes. Agora que a enchente destruiu tudo, muitas famílias precisam fazer novos emprés-timos, e mais crianças estão sendo forçadas a trabalhar como escravas por dívida.

Serve­se arroz a todos que estão na festa.

Alima saindo da cabine de votação.

Votação Mundial é comemorada com brincadeiras e dança...

... e termina com chá e biscoitos.

Anita

Kevil

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PRÊMIO DAS

CRIANÇAS DO MUNDO

NA NIGÉRIA

“Ao concluir a Escola Secundária Magongo, chorei por causa do Clube do Prêmio das Crianças do Mundo, que deixaria para trás. É um clube que tanto eu como meus pais valorizáva-mos e amávamos, e é o clube que mais cresce, existido durante décadas na escola. O fundador, Nasiru Suleiman, agora é Presidente do Parlamento Infantil do Estado de Kogi. Ele ganhou esta eleição sobre a platafor-ma do Clube do Prêmio das Crianças do Mundo. Hoje em dia, o Clube do Prêmio das Crianças do Mundo é visto como algo tão apreciado como a água. Uma das coi-sas boas que O Globo criou em nossa sociedade é a cul-tura da leitura entre os estu-dantes; quando alguém

“Precisamos que o Programa do Prêmio das Crianças do Mundo seja ensinado tam-bém nas igrejas da Nigéria, para as crianças nas escolas dominicais, já que é ele trata de direitos e justiça. A revista é toda sobre servir à humani-dade. Ela prega o amor aos seus irmãos e irmãs. Ela tam-bém toca as vidas de cada indivíduo positivamente. Minha igreja tem participado ativamente do Programa do Prêmio das Crianças do Mundo desde 2007”. Joy Akapta, 14 anos, Presidente do Clube do Prêmio das Crianças do Mundo, Escola de Ensino Médio Comunitária Abrangente, Ogori, Nigéria

“Eu adoro ler a revista O Globo. Como Presidente do Clube do Prêmio das Crianças do Mundo de minha escola, eu trabalho com alunos e professores da minha escola na promoção dos direitos da criança, usando a revista O Globo como ferramenta. Nosso diretor é tão sério no apoio ao programa que, em toda reunião matinal diária, um aluno deve contar ao público o que leu na revista O Globo. Meus pais adoram a revista O Globo. Nós a estudamos juntos em casa todas as noi-tes, antes de ir para a cama. Minha mãe me disse que quem quiser pegar a revista emprestada deve vir e lê-la em minha casa, pois ela é tão educativa e tocante que não se pode arriscar perdê-la e ficar sem ela.

Se eu me tornar presidente da Nigéria, vou respeitar os direitos de cada criança. Cancelarei as taxas escola-res para que as crianças pobres possam ir à escola. Também mandarei todos os hospitais tratarem as crian-ças gratuitamente”.Adeola Deborah Nathaniel, 13 anos, Composto de Educação Básica Universal JSS RCM, Magongo, Nigéria

“Em casa, meus pais me chamam de senhorita Prêmio das Crianças do Mundo. Na escola, meus amigos me chamam de senhorita Globe, porque costumo andar com a revista O Globo onde quer que eu vá; lugares como a escola, casas de amigos, o mercado com minha mãe e irmã, e até mesmo nos locais onde brincamos, no cabelei-reiro e em restaurantes. Exceto pela igreja, você sem-pre encontra um exemplar da revista comigo. Criamos nosso Clube do Prêmio das Crianças do Mundo na escola há três anos”.Ruth Sanni, 10 anos, Escola GRAMP, Nigéria

começa a ler a revista, não quer larga-la até que tenha lido todo o conteúdo”.Deborah Oluwabusola Taiwo,17 anos, Magongo, Nigéria

“Eu fui Presidente do Clube do Prêmio das Crianças do Mundo na escola. Não nasci surdo, mas tive uma febre aos 10 anos de idade, e meus dois tímpanos foram danificados. Desde então, eu não escuto. Fui obrigado a deixar a escola, pois eles não têm professores para crian-ças surdas. Aconselharam meus pais a interromper

meus estudos. Eu chorei, porque isso vai acabar com meu sonho de ser médico. A revista O Globo é meu con-solo e minha melhor amiga, por enquanto. Todos os meus amigos afastaram-se de mim, pois quando eles falam, eu não ouço e minha atitude também os repeliu. Eu ficava com raiva deles. O Globo dá-me coragem e esperança quando leio as

histórias de outras crianças com problemas maiores que os meus.

Se eu me tornar presidente da Nigéria, disponibilizarei de serviço médico e de saú-de gratuito. Criarei uma polí-tica contra a discriminação dos deficientes, lhes darei atenção especial, e farei com que sejam felizes, porque eles também fazem parte da sociedade”.

John Oboromeni Olayere, 12 anos, Creche e Escola de Ensino Fundamental Akpafa, Ogori, Nigéria.

Chorou ao deixar o Clube do Prêmio das Crianças do Mundo

É uma questão de servir à humanidade

Meus pais adoram a revista O Globo

É chamada de senhorita Prêmio das Crianças do Mundo

Minha amiga, a revista O Globo, me consola

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ANNA MOLLEL

SAKEENA YACOOBI

ANN SKELTON

QUEM SÃO OS NOMEADOS?

Anualmente, o júri infantil do Prêmio das Crianças do Mundo escolhe, entre todas as indicações enviadas naquele ano, quem serão os três nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança. Para poder fazer uma escolha justa na Votação Mundial, é importante que você conheça igualmente os três nomeados, o que pode ser feito lendo sobre eles nas páginas seguintes. Os dois candidatos não laureados com o prêmio das crianças votantes recebem o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo. Todos os três nomeados receberão quantias em dinheiro a serem usadas em suas atividades em prol das crianças.

Tanzânia

África do Sul

Afeganistão

Nomenada 1

Tanzânia

Páginas 50–69

Nomenada 2

Afeganistão

Páginas 70–89

Nomenada 3

África do Sul

Páginas 90–109

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Anna Mollel

Aos seis anos, Anna Mollel percebeu, pela primeira vez, como era difícil a vida das crianças deficientes nas aldeias massai, no norte da Tanzânia. A pior experiência veio muitos anos depois, quando ela já tinha um longo histórico na luta pelos direitos das crianças deficientes. Anna chegou a uma aldeia que acreditava estar totalmente desocupada, mas encontrou, aban-donada no chão de uma casa, uma menina de oito anos que não conseguia se mexer e que teria morrido se Anna não tivesse ido até lá. Na página 55 você pode ler o que aconteceu com a menina Naimyakwa.

A etnia Massai, tinha seis anos e havia volta-

do da escola para casa. Ela ajudou a mãe a buscar lenha e água e, em seguida, foi à casa de seus amigos, na aldeia vizinha. Eles brinca-vam no quintal quando Anna ouviu um barulho vindo do interior de uma das casas.

– Quando perguntei à

minha amiga o que era, ela olhou para o chão antes de responder que era sua irmã.

A amiga de Anna contou que sua irmã não podia sair, pois sua mãe não queria mostrar que tinha uma filha que não era “exatamente como deveria ser”.

– Entrei na casa para veri-ficar. E realmente havia uma menininha ali. Ela estava

deitada no chão, sozinha, e sorriu quando me viu, lem-bra Anna.

Anna conhece Nauri Anna ajudou a menina a sentar-se e elas começaram a brincar. A menina, cujo nome era Nauri, tinha a mesma idade de Anna. Ela estava feliz por finalmente ter companhia. No dia seguinte, Anna voltou quan-do a mãe de Nauri havia saí-do para buscar água, para que ela não percebesse nada.

– Todavia, nos divertimos tanto que esqueci completa-mente do tempo. De repen-te, a mãe de Nauri entrou correndo e me bateu forte com uma vara. Ela gritou que eu nunca mais poderia por os pés em sua casa.

Anna teve que fugir, mas estava determinada a voltar no dia seguinte.

– As outras crianças

NOMEADA • Páginas 50–69

nna, que pertence à

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POR QUE ANNA É NOMEADA? Anna Mollel é nomeada ao Prêmio das Crianças do Mundo 2012 por sua longa luta de mais de 20 anos em prol das crian-ças deficientes nas áreas rurais pobres do nordeste da Tanzânia.

Graças a Anna e à sua organização, o Huduma ya Walemavu, milhares de crianças com deficiência têm a oportunidade de viver uma vida digna. Elas recebem assistência médica, cirurgia, fisiotera-pia, terapia, cadeiras de rodas e outros dispositivos de suporte, a oportunidade de ir à escola, segurança e amor. Anna sempre consegue ações em prol das crianças deficientes, ao falar sobre seus direitos para políticos e organiza-ções, mas especialmente às pessoas nas aldeias rurais remotas. Desde 1990, 12.500 crianças, principalmente da etnia massai, têm uma vida melhor graças a Anna e ao Huduma ya Walemavu. Crianças que teriam sido negligenciadas, abando-nadas e poderiam ter morrido se não fosse pela luta de Anna em prol de seus direitos.

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tinham medo, tanto de apa-nhar quanto de brincar com Nauri, que elas consideravam esquisita. Mas expliquei que todo mundo precisa de ami-gos. E, como Nauri era uma de nós, pensei que era óbvio que deveríamos ir até lá e fazer companhia a ela também.

Anna conseguiu convencer os outros. Eles se revezavam vigiando enquanto os outros brincavam e, quando o vigia gritava que a mãe estava che-gando, todos corriam para longe dali o mais rápido que podiam. Após alguns dias, Anna ajudou Nauri a ficar de pé, e depois elas treinaram alguns passos. Com o tempo, Nauri conseguia sair para o quintal e brincar.

Injusto Depois de algumas semanas, a mãe de Nauri veio falar com Anna.

– Pensei que ela iria me cri-ticar, mas ela afirmou que sabia o que eu estava fazendo,

e queria que eu continuasse! Ela disse que Nauri nunca se sentira tão bem e que era um milagre que ela conseguisse andar e correr.

Como a mãe de Nauri estava tão feliz, Anna aproveitou para perguntar se Nauri poderia começar a frequentar a escola, mas ela não concordou.

– Então eu ia à casa de Nauri todos os dias depois da escola e lhe ensinava o que eu tinha aprendido naquele dia. Embora ainda fosse criança, eu era sua professora, a única professora que ela já teve. O sentimento de injustiça per-manecia em mim. Eu podia ir para a escola, mas ela não, só porque ela era deficiente. Ela tinha os mesmos direitos que eu, mas eu não conseguia aju-dá-la mais do que estava fazendo. Eu sempre carregava uma sensação de que deveria ter feito mais.

Tornou-se enfermeira Anna formou-se em en-

Massai vulneráveis

Orgulho massai– Eu sou massai e me orgulho disso. Quero que meu povo tenha uma vida digna. É por isso que luto pelos direitos de nossas crianças deficientes, diz Anna.

O grupo étnico massai é formado por pastores. Existem cerca de um milhão de massai, metade na Tanzânia e metade no Quênia. Desde o início do século XX, as terras que os massai usam como pasto para o gado diminuíram em área. As autoridades transferiram grande parte das terras massai a proprietários privados e empresas para agricultura, áreas privadas de caça e parques nacionais, onde turistas podem ver animais selvagens. Os massai foram deslocados para as áreas menos férteis. Em 2009, policiais armados incendiaram oito aldeias massai no norte da Tanzânia, para que o terreno pudesse ser usado por uma empresa privada de caça. Turistas pagantes par-ticipariam de grandes caçadas selvagens ali. As pessoas foram espancadas e expulsas de suas casas. Mais de 3.000 homens, mulheres e crianças ficaram desabriga-dos. Os massai que permitiram que seu gado continuasse a pastar na área fértil foram presos.

– Os massai já são os mais pobres. A menos que o gado tenha pasto para comer, ele morre. E quem mais sofre são sempre as crianças, explica Anna.

fermagem e começou a traba-lhar. Um dia, uma mulher alemã da igreja católica em Arusha veio ao hospital. Seu nome era Elifrieda e ela que-ria conversar com Anna.

– Ela sabia que eu era mas-sai, e pediu que eu contasse como era a situação das crian-ças deficientes em nossas aldeias. Expliquei que, no passado, era comum matar ou abandonar essas crianças logo após o nascimento. Acreditava-se que as crianças com deficiência eram castigo de Deus por algo que os pais haviam feito. Mas expliquei que o principal motivo era o fato de que nós, massai, somos pastores e que, para sobreviver migramos longas distâncias a pé através das planícies, em busca de pasto

fresco para os animais. Uma criança deficiente, que não consegue se mover, era consi-derada como um grande obs-táculo para todo o grupo.

– Expliquei que as crianças com deficiência continuavam tendo seus direitos violados. Elas ficavam escondidas, não recebiam os cuidados de que precisavam, não iam à escola, nem brincavam.

Huduma ya WalemavuElifrieda perguntou se Anna desejava participar da criação de um projeto chamado Huduma ya Walemavu (Cuidando do Portador de Deficiência) para crianças deficientes nas aldeias massai.

– Eu disse sim imediata-mente. Era isso que eu estava esperando! Minha esperança

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era agora poder fazer mais pelas crianças deficientes do que pude fazer por Nauri quando éramos crianças.

Em 1990, Anna começou a percorrer as aldeias e falar sobre os direitos das crianças deficientes. Ao mesmo tempo, ela aproveitava para cuidar de crianças que precisavam de ajuda. Uma das primeiras crianças que Anna conheceu foi a órfã Paulina, de 15 anos, que tinha sequelas da pólio e não conseguia andar. Ela tinha que rastejar pelo chão para se mover. Anna pensou que seria fácil convencer os líderes da aldeia de que

Paulina poderia ter uma vida muito melhor se ela fizesse a cirurgia certa, que eles acha-riam bom. Mas ela estava errada.

Não desistiu– Eles não sabiam que crian-ças deficientes podem passar por cirurgias e melhorar, e não acreditaram em mim. Como viviam longe de hospi-tais, não sabiam ler e nem tinham condições de ter um rádio, eles nunca haviam escutado isso. E, mesmo que fosse verdade, eles pensavam que seria um desperdício de dinheiro. Aquelas crianças nunca seriam capazes de aju-dar com o gado ou frequentar a escola. Mas meu maior pro-blema era eu ser uma mulher. Em nossa sociedade, as mulheres simplesmente não têm voz; portanto, eles não me levavam a sério.

Anna não desistiu. Assim como havia desafiado a mãe de Nauri, ela agora desafiou os líderes da aldeia para aju-dar Paulina. A viagem até a aldeia levava quatro horas, mas, em duas semanas, Anna foi até lá cinco vezes! Em cada reunião, ela explicava os direi-tos da criança e que haviam conseguido a cirurgia gratui-tamente para Paulina. No final das contas, ela acabou conseguindo convencer os homens.

– Fiquei tão feliz! Mas os problemas não tinham acaba-do. Eu havia reservado um

quarto para Paulina em um hotel simples na cidade, onde ela ficaria hospedada antes e depois da cirurgia. Mas quan-do entrei carregando Paulina nos braços, o pessoal da recepção olhou como se ela fosse um animal. Eles se recu-saram a aceitá-la.

A casa de AnnaAnna era uma mãe divorciada de seis filhos que moravam com ela, apertados em uma casinha. Mas levou Paulina para sua casa, de qualquer maneira. Não havia outra solução.

De volta à aldeia – Nosso objetivo é sempre que as crianças retornem à sua aldeia de origem e levem o mesmo tipo de vida que o resto da família. Que essas crianças possam ir à escola junto com as outras crianças e fazer parte da sociedade, afir-ma Anna, aqui em visita à aldeia de Lomniaki.

Bem-vindo!

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– Meus filhos tiveram que dormir juntos para que Paulina pudesse ficar sozinha em uma cama. As crianças ficaram um pouco insatisfei-tas no início, mas entenderam quando eu expliquei. Dei banho em Paulina e ela ganhou rou-pas novas e limpas. Como ela não poderia sentar-se à mesa para comer, sentamos todos no chão e fizemos a ceia, para que Paulina não se sentisse sozinha.

Quando a cirurgia termi-nou, Paulina voltou para a casa de Anna. Lentamente, ela começou a fazer exercícios

e treinar para se sentar e ficar em pé. Após algumas sema-nas, ela começou a treinar caminhada com muletas que Anna comprou.

– Ela ficou muito feliz, e eu também! Quando Paulina foi

Brincar é importante! – Quando pequena, eu sem-pre tive o amor de meus pais e podia brincar muito com meus amigos. Para uma criança, isso é incrivelmente importan-te. Ficar sozinha e não poder participar é a pior experiência que uma criança pode ter. É por isso que as brincadeiras e a proximidade são tão impor-tantes para nós no centro, diz Anna.

150 milhões de crianças com deficiência De acordo com a Convenção dos Direitos da Criança da ONU, as crianças com deficiência têm os mesmos direitos que todas as outras crian-ças. Elas têm direito a apoio extra e ajuda para ter uma vida digna. Apesar disso, as crian-ças deficientes estão entre as crianças mais vulneráveis, não apenas entre os mas-sai e na Tanzânia, mas em todo o mundo. Há 150 milhões de crian-ças com deficiência no mundo; acredita-seque dois milhões delas vivam na Tanzânia.

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para casa, três meses depois, e conseguiu entrar na aldeia andando sozinha, as pessoas começaram a chorar de ale-gria!

Embora Anna estivesse feliz porque Paulina podia andar, ela também sabia que Paulina precisava receber uma formação para poder cuidar de si mesma no futuro.

– Paulina queria ser costu-reira, por isso a ajudei a fazer um curso nessa área. Ela era muito boa!

O centro em MonduliO rumor sobre Paulina se espalhou nas aldeias. As pes-soas passaram a ter coragem de falar sobre seus filhos defi-cientes, e queriam ajuda. Anna viajava longos dias para chegar às crianças que neces-sitavam de sua ajuda em aldeias remotas. A cada via-gem, ela acolhia mais e mais

crianças. – Mas os hotéis continua-

vam se recusando a aceitar as crianças, então elas tinham que se hospedar comigo. Embora tivéssemos colchões no chão, e várias crianças compartilhassem a mesma cama, no final ficou insusten-tável. Escrevemos a amigos e organizações na Tanzânia e na Alemanha dizendo que precisávamos de dinheiro para construir uma casa onde pudés-semos cuidar das crianças.

Primeiro, conseguiram o dinheiro que possibilitou alu-gar alguns quartos com capa-cidade para doze crianças. Foi suficiente até mesmo para contratar mais uma enfermei-ra e, pela primeira vez, Anna podia ter um pequeno salário. Antes, ela e sua família viviam de sua pequena horta.

– Mais crianças chegavam o tempo todo, e nós pedimos

mais dinheiro. A organização Caritas da Alemanha nos aju-dou e, em 1998, nosso próprio centro em Monduli ficou pronto.

Fisioterapeutas e enfermei-ros foram contratados, além de professores, porque Anna sabia que as crianças a quem eles ajudavam raramente haviam ido à escola. Havia espaço para trinta crianças, mas às vezes 200 crianças fica-vam lá ao mesmo tempo.

– Apesar de não ter espaço, acolhíamos todas as crianças. As famílias eram tão pobres que não podiam pagar para que as crianças ficassem conosco, mas nunca mandá-vamos ninguém embora.

Anna brincando com as crianças na escola de sua aldeia.

Não apenas massai – No início, trabalhávamos apenas com crianças massai, mas não é mais assim. Nós cuidamos de todas as crian-ças que precisam de nossa ajuda, não importa a qual gru-po étnico ou religião ela per-tença. Aqui há muçulmanos e cristãos, incluindo crianças que fugiram de guerras nos países vizinhos. A luta pelos direitos da criança não tem limites! – diz Anna.

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Naimyakwa Já se passaram 20 anos des-

de que Anna ajudou Paulina e, desde então, 12.500 crian-ças com deficiência têm uma vida melhor graças ao Huduma ya Walemavu. Atualmente, 30 pessoas tra-balham na organização.

A nova escola– Eu queria ter certeza de que o trabalho pelas crianças con-tinuaria depois de mim. Por isso, passei a responsabilidade para uma mulher maravilhosa chamada Kapilima, e me apo-sentei em 2007, conta Anna.

Quando se aposentou, Anna continuou a lutar pelas crianças vulneráveis. Ela construiu uma escola em sua aldeia natal para crianças que, de outra maneira, nunca poderiam ir à escola. Você pode visitar a escola de Anna na página 68.

Anna salvou

Viajamos com nossa clínica móvel para a região onde vivia uma

pequena órfã com paralisia cerebral. Muitas crianças deficientes nos visitaram durante o dia, mas Naimyakwa não apareceu com seus irmãos adultos e familiares, como costumava fazer. Quando perguntei se alguém sabia onde ela estava,

uma mulher disse que a família tinha ido embora com seus rebanhos em busca de pasto fresco, pois era a estação seca.

Tiwque tinha a obrigação de ir à sua aldeia verificar. Apenas por razões de segu-rança.

Estacionamos o jipe sob uma árvore e caminhamos o último trecho em direção à

vila. O silêncio era comple-to. Não vimos uma única pessoa. A aldeia estava com-pletamente deserta. Senti-me mais calma e pensei que a família de alguma forma tinha levado Naimyakwa junto.

– Nunca me esquecerei da ocasião em que encontrei a pequena Naimyakwa sozinha na aldeia deserta. Ela tinha oito anos e estava deitada no chão de uma das casas. Ela mal respirava. Havia um cheiro forte de urina, pois, devido à sua deficiência, ela não conseguia ir a lugar algum. Eu não achei que ela sobrevi-veria, conta Anna, que ainda fica com os olhos marejados de lágrimas ao pensar no inci-dente, ocorrido há sete anos.

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Tínhamos começado a caminhar de volta para o car-ro quando ouvi um som estra-nho, como um gemido.

Um leão? No começo, pensei que fosse um leão. Eu e dois colegas de trabalho reunimos coragem e entramos na aldeia novamen-te. Ao passar por uma das casas, ouvimos o som estra-nho de novo. Eu estava com medo, mas enfiei cuidadosa-mente a cabeça na casa e per-guntei se havia alguém ali. A resposta veio na forma de um pequeno gemido.

Inicialmente, não vi nada.

Porém, nunca esquecerei o que vi quando meus olhos se acostumaram à escuridão. No piso de terra, Naimyakwa estava deitada perfeitamente imóvel, e ela mal respirava. Cheirava a fezes, porque, devido à sua deficiência, ela era completamente prostrada. Ao seu lado, uma cabaça den-tro da qual houvera leite. Estava vazia, mas eu podia sentir o cheiro de leite velho. Depois, havia outra cabaça com um restinho de água.

Naimyakwa estava muito fraca e quase não percebeu que estávamos ali. Ninguém podia dizer por quanto tempo

O guarda-roupa de Naimyakwa

Lesão por paralisia cerebral

– Eu adoro roupas! Quando crescer, quero ser costurei-ra e fazer meus próprios vestidos. Guardo minhas roupas no meu armário, aqui no dormitório.

A paralisia cerebral (PC) ocorre durante a gravidez, no parto ou antes que a criança complete dois anos. As causas comuns incluem hipóxia e hemorra-gia no cérebro. Algumas crianças têm apenas uma leve deficiência motora, enquanto outras ficam paralisadas. Muitas pesso-as com PC, além da defici-ência motora, apresentam outras deficiências, como

epilepsia, problemas na fala e na visão. Não se pode curar alguém com PC, mas, com auxílio de fisioterapia, terapia ocupa-cional e exercícios é possí-vel tornar a vida o melhor possível para o portador de paralisia cerebral.

– A paralisia cerebral é muito comum aqui, pois o dano geralmente ocorre quando há um problema no nascimento. Muitas pesso-

as vivem tão longe de hos-pitais e clínicas que não têm tempo ou condições financeiras de ir até lá quando chega a hora de dar à luz, explica Anna Mollel.

Quando uma criança nasce com PC, seus pais, vizinhos e os líderes da aldeia podem fazer um cur-so de duas semanas no centro do Huduma ya Walemavu para aprender a cuidar da criança da melhor maneira possível.

Eles ensinam exercícios simples e fisioterapia que são bons para o desenvol-vimento da criança. O Huduma ya Walemavu tem esses cursos porque é desejável que toda a aldeia tenha um conhecimento melhor e, portanto, maior facilidade de sentir uma responsabilidade partilha-da pela criança.

– Esta é a minha bela saia. Eu a ganhei do sacerdote.

– Uma menina do Canadá, que nos visitou, deu-me este lindo vestido...

... e estes boni-tos sapatos prateados! Ela realmente é minha amiga!

... e as calças de treino, eu ganhei de Anna e do Huduma ya Walemavu.

– A blusa de lã...

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ela tinha permanecido lá, mas estimamos pelo menos uma semana, pois ela já estava muito desidratada e magra. A família realmente a havia deixado ali? Eu estava acostumada a famílias que deixavam seus filhos deficien-tes no centro e depois desapa-reciam. Mas abandonar a filha desta forma? Era como antigamente.

Naimyakwa resgatadaAjoelhei-me ao lado Naimyakwa, inclinei-me per-to de seu ouvido e perguntei se ela estava sozinha. Ela assentiu com a cabeça, em silêncio. Depois, perguntei se ela queria que eu a levasse para o centro, para que pudés-semos cuidar dela. Ela assen-tiu novamente. Ela queria. Eu chorei. Todos os meus colegas do Huduma ya Walemavu choraram. Enquanto carrega-va Naimyakwa em meus bra-ços, pensei que, embora os outros não tivessem dado o

amor de que ela precisava, eu o faria. Eu amaria esta crian-ça.

Mais tarde, percebemos que Naimyakwa nunca tinha entendido que a família havia partido em uma longa via-gem. Ela estava deitada ali esperando que eles voltassem, como sempre. Dia após dia. Noite após noite. Mas eles nunca vieram. Somente dois meses mais tarde, quando as chuvas começaram, eles vol-taram. Se não tivéssemos ido à aldeia, Naimyakwa teria morrido de fome e desidrata-ção.

O momento em que encon-tramos Naimyakwa certa-mente está entre as piores coi-sas que eu já testemunhei. Ao mesmo tempo, senti nascer uma força enorme para con-seguir lutar pelo direito dela e de outras crianças vulneráveis a uma vida digna. Naquele exato momento, decidi conti-nuar lutando por seus direitos enquanto eu viver”.

Anna não desaponta ninguém

O dia de Naimyakwa no Centro de Anna

Trinta crianças moram no centro. Algumas estão à espera de cirurgia, outras fizeram a cirurgia e rece-bem reabilitação (fisioterapia e exercícios). Algumas crianças têm férias de seus colégios internos e ficam apenas alguns dias no centro. E há crianças como Naimyakwa, que têm o centro como seu lar.

– Naimyakwa chegou aqui há sete anos, e ela ainda está aqui. Nunca mandaremos uma criança de volta para casa a menos que saibamos que ela será bem cuidada. Caso con-trário, tentamos encontrar novas famílias para a criança. Mas é difícil cuidar de uma criança gravemente incapacitada. Até mesmo algo simples, como se locomover com a cadeira de rodas de Naimyakwa, se torna quase impossível no chão de areia da aldeia. Acompanhar as migrações da família com o gado é ainda mais difícil, diz Anna.

6h00 Bom dia! Naimyakwa e seus amigos são despertados pelas mães da casa, que moram nos dormitórios das crianças. Quando Naimyakwa chegou aqui, ela mal podia usar seus braços e mãos. Era impossível para ela escovar os dentes, vestir-se e comer sozinha. Depois de muito treinamento, sua vida agora é completamente diferente. Aqui, ela escova os dentes com as amigas Modesta, de 13 anos, e Mdasat, de 11 anos.

7h00 Desjejum Para o desjejum, temos o mingau de milho, chamado Uji.

8h00 Reunião matutina Toda manhã, todos se encontram na sala de reunião para a oração e os exercícios matinais.

8h30 Ronda matutina Os funcionários conversam com cada criança e decidem se elas precisam ir para o fisioterapeuta, enfermeiro, ou se podem ir diretamente para a escola do centro. Naimyakwa deve mostrar que consegue vestir a blusa sozi-nha. Quando ela o faz, eles analisam que tipo de fisiotera-pia ela precisa melhorar ainda mais.

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9h00 1. Escola Naimyakwa é assistida pela professora Flora Moses Kiwelu. Quando as crianças terminam seus tratamentos, elas recebem ajuda para começar a estudar na escola regular de sua aldeia, ou em escolas especiais, como colégios internos para crianças com deficiência visual ou com deficiência mental.

3. Enfermaria Loserian Simanga, de 11 anos, tem seus ferimentos cirúrgi-cos lavados e recebe novos curativos da enfermeira Veronica Kirway.

4. Ortopedia A ortopedista Mireille Eusebius Kapilima experi-menta novas talas para as pernas de Modesta Cryspin, de 13 anos. No centro, eles fabri-cam suas próprias talas e próteses.

5. Economia Doméstica Na cozinha, Neem Mevukori, de 11 anos, e alguns de seus amigos cortam a hortaliça sukumawiki. Hoje, é sua vez de ajudar na preparação da refeição.

– Eu acho divertido apren-der a cozinhar. Além disso, poderei ajudar mais minha família quando for para casa.

6. Oficina de dispositivos de suporteNa oficina de dispositi-vos de suporte, Kadogo Songura recebe ajuda de Loshilari para ajustar suas muletas.

– Eu tive uma doença infecciosa em uma per-na quando era pequeno. Quando vim para cá, a perna estava tão com-prometida que precisou ser amputada. Depois, recebi uma prótese e comecei a treinar para caminhar. Eu tive muita dificuldade, mas agora as coisas estão indo muito bem, conta Kadogo.

2. Fisioterapia Naimyakwa faz meia hora de fisioterapia diariamente para conseguir cuidar melhor de si mesma no futuro. Ela recebe a ajuda das fisioterapeutas do centro, Eva Paul Mush e Anna Njuu (de tranças).

10h00 Intervalo e brincadeira! Os intervalos e brincadeiras são importantes. As crianças se divertem e treinam seus corpos ao fazer movimentos diferentes. Naimyakwa tenta pegar a bola e passar adiante.

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12h30 Almoço – Meu prato favorito é arroz e feijão. Comemos isso duas vezes por semana, diz Naimyakwa.

16h00 Recreação e lavar roupa A maioria joga futebol, brinca no balanço, no carrossel ou apenas conversa. Aqueles que precisam lavar suas roupas o fazem. Lavar a roupa também é parte do tratamento no centro. As crianças praticam movi-mentos saudáveis do corpo ao mesmo tempo em que apren-dem algo que é importante saber fazer.

18.30 Jantar

13h30 Escola e lavar a louçaTodos os dias, algumas crian-ças ajudam a lavar os pratos antes de voltar para a sala de aula. Hoje é a vez de Tuplwa Longorini, de 12 anos, Rebeca Peter, de 16 anos, e Kadogo Songura, de 19 anos.

20h00 Noticiário Toda noite as crianças assistem ao noticiário. Anna e os outros funcionários do Huduma ya Walemavu acham importante que as crianças saibam o que está acontecendo na Tanzânia e no mundo. Mas elas também podem, natu-ralmente, assistir a filmes e programas diver-tidos.

21.00 Boa noite! – Durma bem, diz a mãe da casa Halima Mkopi acariciando a bochecha de Naimyakwa. Halima dorme com as crianças para poder ouvir se alguém precisar de ajuda ou de ser confortado durante a noite. Há três dormitórios, e uma mãe da casa mora em cada um deles.

Comportem-se, pais!– Eu não gosto de pais que não assumem a responsa-bilidade quando têm filhos com deficiência. Infelizmente, aqui é muito comum os pais abandonarem seus filhos deficientes. A mãe e o pai devem cuidar juntos dessas crianças, que são particularmente vulneráveis, diz a mãe da casa e cozinheira Martha Lota.

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Clínica sobre quatro rodas alcança 51 aldeias

não tem linguagem

O Huduma ya Walemavu trabalha em uma área grande e escassamente povoada no nordeste da Tanzânia, que consiste de savanas, semidesertos e montanhas. Aqui, a grande maioria das pessoas vive em pequenas aldeias, para as quais não há nenhuma estrada.

– Como as famílias geralmente são muito pobres e não têm condições de chegar até nosso centro, nós visitamos as crianças deficientes nas aldeias, explica Anna.

O Huduma ya Walemavu alcança 51 aldeias em seu trabalho. Eles têm uma “clínica móvel” em seu Programa Comunitário, onde enfermeiros e fisio-terapeutas viajam em um jipe com tração nas quatro rodas para chegar a todas as crianças que, de outra forma, nunca obteriam ajuda. Leva mais de dois dias para chegar à aldeia mais distante. Toda aldeia é visitada uma vez a cada três meses.

Sentados sob uma árvore estão as crianças deficientes de uma pequena vila e seus pais, conversando com funcio-nários do Huduma ya Walemavu. Uma garotinha surda de 8 anos de idade chamada Endeshi está lá. Ela não tem linguagem, mas sua mãe Nailolie Lebahati conta:

– Os dois irmãos mais velhos de Endeshi, Esther e Loito também são surdos, e sempre tivemos apoio do Huduma ya Walemavu para que eles possam frequentar uma escola para crianças surdas. Eu sei que frequentar a escola é direito de todas as crianças, mas não tenho condições de pagar por ela; por isso, sou extremamente grata!

– Agora desejo que Endeshi também possa ir à escola aprender uma lingua-gem. Ela tem direito de con-versar com outras pessoas e explicar o que pensa, o que sente e suas opiniões. Não ser isolada como agora. Eu vim aqui hoje para perguntar se o Huduma ya Walemavu também pode ajudar Endeshi. E eles podem! Estou tão feliz!

Sonhos para o futuroA irmã mais velha de Endeshi, Esther, de 18 anos, e seu irmão Loito, de 15 anos, falam a linguagem dos sinais e contam quais seus sonhos para o futuro:

– Quero ser enfermeira, sinaliza Esther.

– Eu ainda não decidi, sina-liza Loito.

A mãe, Nailolie, fica um pouco triste quando vê as crianças falarem sobre o futuro.

– E pensar que não temos a menor ideia de quais são os sonhos de Endeshi. Vamos esperar que ela consiga dizer, depois que tiver ido à escola por algum tempo. Quero saber quais são seus sonhos! – diz Nailolie e dá um abraço em Endeshi.

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LoekuClínica sobre quatro rodas alcança 51 aldeias

quer ser presidente

Anna apoia sonhos Os irmãos mais novos, Tetee, de 16 anos e Phillipo, de 15 anos, sonham se tornar professores quando forem adultos.

– Sem Anna, um sonho assim nunca poderia ser realiza-do. Entretanto, como o Huduma ya Walemavu me apoia, acredito piamente que é possível, afirma Tetee.

Seriam obrigados a mendigar – Se Anna não nos tivesse aju-dado, nossas vidas seriam completamente terríveis. Seríamos obrigados a mendi-gar nas ruas para ter o que comer, diz Loeku.

A clínica móvel para em uma aldeia onde vivem três irmãos cegos Loeku, Tetee e Phillipo. Eles são órfãos e recebem apoio do Huduma ya Walemavu para que possam frequen-tar um colégio interno. Normalmente, os irmãos moram na escola, mas agora é época de férias e Anna quer ver se eles estão gostando de passar algum tempo na casa de seus avós paternos. O irmão mais velho, Loeku, diz:

“Nós nunca teríamos podido ir à escola se não fosse por Anna. Tanto porque somos deficientes quanto porque somos de uma família pobre. Se uma família pobre tem dois filhos e um deles é defi-ciente, se eles tiverem condi-ções de enviar apenas uma das crianças para a escola, é sempre o filho “saudável” que pode estudar.

A grande maioria das pes-

soas acha que não faz senti-do deixar a criança com defi-ciência frequentar a escola porque não acreditam que a criança consiga fazer nada. Muitos creem que, se uma criança não enxerga ou tem qualquer outra deficiência, o problema também está na sua cabeça. Por isso, pensam que a criança nunca vai ser capaz de trabalhar, ganhar dinheiro e ajudar sua família. Desta forma, eles acham que é um desperdício de dinheiro enviar uma criança assim para a escola. Foi exatamente isso que aconteceu conosco. As outras crianças da aldeia foram enviadas para a escola, mas nós não.

Anna deu chanceEntão veio Anna e nos deu a chance de ter uma vida dig-na. Recebemos bom trata-mento médico e a oportuni-dade de estudar em uma escola para crianças cegas. O Huduma ya Walemavu já nos apoia financeiramente há sete anos. Meus avós não teriam conseguido fazê-lo sozinhos.

No centro de Anna, nos ensinaram que aquilo a que estávamos expostos, ou seja, não poder ir à escola, é uma discriminação e uma viola-

ção dos nossos direitos. Todas as crianças têm o direito de ir à escola. Todas as crianças são iguais! Agora eu falo sobre isso com todos que encontro. Espero que isso possa ajudar para que, gradualmente, a vida melho-re para os deficientes. Que sejamos tratados com res-peito e tenhamos nossos direitos respeitados como todos os outros. No futuro, quero ser presidente e lutar pelos direitos de todas as crianças na Tanzânia!”

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Lomniaki foi mantido escondido

Lomniaki nasceu com as pernas curvadas para o lado errado. Ele tinha dificuldade de sentar--se e não aprendeu a andar. Seu pai não queria que as outras pessoas da aldeia o vissem, por isso trancava Lomniaki em casa. Ele não brin-cava com outras crianças nem frequentava a escola.

– Eu não contava. Era como se eu não fosse uma pessoa real, mas depois Anna Mollel veio e me salvou. Ela me deu uma nova vida, e eu a amo por isso, diz Lomniaki Olmodooni Mdorosi, de 15 anos.

Lomniaki como aluno no colégio interno na cidade...

Quando era pequeno, Lomniaki ficava dei-tado sozinho na casa

escura o dia todo. Ele ouvia as outras crianças da aldeia rin-do e brincando lá fora. Seu maior desejo era estar junto com elas e participar. Às vezes, ele fechava os olhos e quase acreditava que estava com elas de verdade. Ele fica-va igualmente triste toda vez que percebia que ainda não conseguia usar as pernas, e estava deitado com uma pare-de de barro baixa entre si e as outras crianças.

– Eu realmente não sei por que meu pai não queria que os outros me vissem, mas acho que ele tinha vergonha da existência de uma criança deficiente em sua família. Por isso, ele me proibiu de sair. Minha mãe não pensava assim, mas era meu pai quem mandava. Mamãe não podia opinar sobre o assunto. Porém, às vezes, quando o pai estava fora com o gado, ela costumava me carregar sorra-teiramente e me colocar sob uma árvore da aldeia durante algum tempo. Dali, eu via como as outras crianças brin-cavam entre si. Mas não havia ninguém que brincasse ou falasse comigo, conta Lomniaki.

Odiava o pai Mais tarde, quando todas as crianças da aldeia começaram a estudar, o pai de Lomniaki não permitiu que ele também fosse.

– Ele disse que eu era mal-formado e que ele não enten-dia qual o sentido de me man-

dar para a escola, uma vez que eu nunca poderia cuidar do gado ou conseguir um empre-go e ganhar dinheiro para ajudar a família quando ele ficasse velho. Além disso, ele

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Direitos das meninas – Lembre-se que não importou que a minha mãe achasse que eu deveria ter permissão para brincar com as outras crianças e ir à escola. Era meu pai quem mandava. Fim da história. As opiniões de minha mãe não tinham importância. Anna Mollel me ensinou que isso é completamente errado. Meninos e meninas são iguais e, por-tanto, devem ter o mesmo direito de expressar suas opiniões e serem ouvi-dos. Temos os mesmos direitos. No futuro, quando for advogado, eu realmente lutarei pelos direitos das meninas.

... e como pastor massai na savana.

disse que teria de me levar e buscar na escola porque eu não conseguia andar. Na épo-ca eu odiava meu pai. Eu o odiava porque ele destruiu a minha vida.

emprego ou cuidaria do gado da família. Eu achava aquilo injusto, e sentia que não tinha tanto valor quanto os outros. Seria melhor estar morto.

No final, sua mãe, Paulina, não aguentou mais. Ela se sentia tão mal em relação à maneira como Lomniaki era tratado, que decidiu deixar o marido. Um dia ela levantou Lomniaki em suas costas e eles deixaram a aldeia para sempre. Paulina atravessou as savanas até a aldeia de seus pais, onde foram calorosa-mente recebidos pelo avô e tios de Lomniaki, e suas res-pectivas famílias.

Melhor estar mortoNo início, Lomniaki pensou que tudo parecia muito melhor. Ele não ficava preso em casa e conheceu outras pessoas que eram gentis e con-versavam com ele. Sua mãe ou um de seus tios o carregavam pela manhã e o deitavam sobre um couro de vaca debai-xo da grande árvore de acácia, para que ele não se sentisse sozinho. Todavia, mesmo que as coisas estivessem bastante boas, ele pouco a pouco come-çou a sentir-se solitário ali, debaixo da árvore. E diferente.

– Como eu não podia parti-cipar e correr e brincar, as outras crianças rapidamente se cansavam de ficar comigo. Elas corriam adiante. E quan-do elas iam para a escola, eu continuava deitado sob a árvore. Era impossível eu ir, pois a escola ficava muito lon-ge. Os adultos realmente não tinham tempo para mim. Os homens saíam com o gado e as mulheres trabalhavam duro em casa, na aldeia.

Lomniaki também preci-sava de ajuda com absoluta-mente tudo: vestir-se, comer, mover-se e ir ao banheiro.

– Era constrangedor não conseguir cuidar de mim mesmo, e fui ficando cada vez mais deprimido. Muitas vezes eu pensava sobre o motivo de meu pai ter vergonha de mim, e porque logo eu tinha que ter nascido assim. Lentamente, percebi como seria minha vida. Eu nunca conseguiria brincar e realmente estar com as outras pessoas da aldeia. E nunca iria para a escola. Nunca conseguiria um

Árvore da vida Anna Mollel faz uma visita à casa de Lomniaki. Eles se sen-tam sob a grande árvore de acácia e conversam. Anna quer saber como ele está, e se precisa de alguma coisa. – Inicialmente, esta era a árvore da decepção. Era aqui que me deixavam sozinho quando as outras crianças estavam brincando ou iam para a escola. Entretanto, hoje em dia eu a vejo como um bom lugar, o lugar onde Anna me salvou e onde minha nova vida, minha verdadeira vida começou! – Lomniaki diz.

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Defesa contra animais selvagens Quando Lomniaki está fora com o gado, ele leva sua vara, sua faca e, às vezes, um porrete para o caso de precisar defender os animais do rebanho contra animais selvagens.

Leões e hienas – Elefantes e girafas muitas vezes passam bem aqui na frente, e hienas vêm todas as noites. Eu amo os animais selvagens que existem aqui, mas para que os predadores famintos não consigam chegar até o gado, fizemos uma barreira de fortes arbustos espinhosos em volta de toda a aldeia. Mais adiante, perto das montanhas e florestas há leões, guepardos (chitas) e leopardos. Uma vez, eu estava com o gado quando vi um leão; eu fiquei apavorado e corri! Quando for mais velho, terei uma lança, como todos os outros guerreiros massai. Aí então talvez eu me torne mais corajo-so, diz Lomniaki, rindo. Aqui, seu tio Simon prati-ca com a lança.

Juntos – Quando venho para casa nas férias, posso cuidar do gado da minha família, como qualquer outro menino da minha idade na aldeia. Geralmente o fazemos juntos. O gado está entre as coisas mais importantes para nós, massai, e poder trabalhar com animais significa muito para mim, diz Lomniaki. Ele pastoreia cabras juntamente com seus amigos Juma (de vermelho) e Musa, ambos de 16 anos.

Anna Mollel– Meu nome, Lomniaki, sig-nifica “bênção”, mas eu pen-sava que alguma coisa devia ter dado errado. O nome pro-vavelmente foi feito para outro menino. Eu não era uma bênção. Eu era uma mal-dição.

Mas havia alguém que tinha ouvido falar de Lomniaki, que achava que ele era tão digno quanto todas as outras pessoas, e que não desistiria até que Lomniaki tivesse uma vida digna. Era Anna Mollel.

– Nunca me esqueço da tar-de em que Anna chegou à aldeia pela primeira vez. Eu tinha quase nove anos e esta-va sozinho, dormindo sob a árvore, mas acordei assustado quando ouvi o som de um jipe. Como eu nunca tinha visto um carro, fiquei apavo-rado quando o vi se aproxi-mando. Eu gritei e chorei. Uma mulher desceu, cami-nhou até mim e sentou-se. Ela sorriu, afagou-me suave-mente a cabeça e tentou me confortar. Ela disse que eu não devia ter medo e que ela tinha vindo para me ajudar. Era Anna.

Anna explicou à mãe, Paulina, que Lomniaki pode-

ria submeter-se a uma cirur-gia que lhe permitiria andar sozinho. Ela também disse que era perfeitamente possí-vel para Lomniaki começar a estudar como qualquer outra criança.

– Minha mãe ficou muito feliz e queria que Anna me levasse com ela imediatamen-te. Porém, como meus tios não estavam em casa, isso não foi possível. Minha mãe pre-cisava da permissão de seus irmãos, e Anna teve que ir sem mim.

Sorte na terceira vez Anna sabia que quanto mais Lomniaki crescesse, mais difícil seria corrigir suas per-nas. Se ele não fizesse uma cirurgia em breve, o dano seria pior, e ele nunca apren-deria a andar. Havia pressa. Por isso, ao invés de esperar três meses, quando realmente seria hora de a clínica móvel visitar a aldeia novamente, ela voltou apenas algumas sema-nas depois, para conversar com seus tios. Sentaram-se debaixo da árvore de acácia, e Anna explicou sobre a cirur-gia e o futuro de Lomniaki para seus tios e seu velho avô. Lomniaki nunca tinha expe-

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Lomniaki Olmodooni Mdorosi, 15

rimentado nada parecido. – Eu nunca tinha visto uma

mulher que ousasse falar daquela maneira com homens antes. Também nunca tinha visto homens ouvirem uma mulher com tanta atenção quanto meus tios fizeram sob a árvore. Anna era realmente diferente.

A família de Lomniaki con-tribuiria com algum dinheiro para cobrir parte dos custos de sua alimentação no centro. Como eles não tinham o dinheiro naquele momento, ficou decidido que Anna vol-taria em três semanas para buscar Lomniaki.

Enquanto aguardava a volta de Anna, Lomniaki começou se atrever a ter esperança de que sua vida realmente muda-ria. Porém, a esperança de uma vida melhor morreu antes do fim das três semanas. Quando Anna voltou pela terceira vez, a mãe, Paulina, estava de coração partido ao explicar que a família não tinha conseguido juntar o dinheiro necessário. Eles não podiam pagar.

– Lembro-me de como Anna então me olhou e disse: “Calma Lomniaki. Está tudo bem. É claro que eu vou te

ajudar de qualquer maneira. Nós resolveremos isso de algum modo!” No começo, pensei que ela estava brincan-do, mas não. Naquela mesma tarde, Anna levou Lomniaki de jipe. A jornada para sua nova vida havia começado.

Parte da turmaLomniaki gostou muito do centro de Anna desde o iní-cio. Além do fato de que Anna e as mães da casa fizeram tudo que podiam para que ele se sentisse bem, ele finalmen-te começou a estudar e apren-deu a ler e escrever. Lá, ele também aprendeu sobre direitos da criança. E, pela primeira vez na vida, conheceu outras crianças deficientes.

– Foi tão bom conhecer todas elas! Em casa, eu sem-pre tinha sido a única criança deficiente. Sempre fui solitá-rio e me senti como um intru-so. No centro, fiz muitos novos e bons amigos de uma vez só. Podíamos falar sobre tudo, porque nos entendía-mos muito bem. E eu não ficava deitado sozinho, como em casa, pois havia sempre um de meus novos amigos para me levar para todos os lugares em uma cadeira de

rodas, para que eu pudesse participar. Pela primeira vez na vida, eu não me senti dife-rente, mas sim como parte da turma. Foi uma sensação fan-tástica!

Depois de duas semanas, Lomniaki foi submetido à sua cirurgia no hospital da cida-de. Quando voltou para o centro, ele começou a fisiote-rapia e o treino de caminhada.

– Na primeira semana, eu sentia dores nas pernas e caía o tempo todo. Mas foi melho-rando cada vez mais, e logo eu podia andar com muletas. Após treinar durante um ano, tive coragem de soltar as muletas na fisioterapia e finalmente consegui andar sozinho. Foi o dia mais feliz da minha vida!

Quer ser advogado Depois de mais um ano, Lomniaki estava tão bem das pernas que pode deixar o cen-tro. Então Anna o ajudou para que ele pudesse frequen-tar a escola. Primeiro, pensa-ram na escola de sua aldeia natal, mas perceberam que seria muito longe para ele ir a pé.

– Minhas pernas não eram suficientemente fortes para

AMA: Ler e aprender sobre o mundo. Geografia e História. DETESTA: Não poder estar com os outros. Ficar sozinho não é vida. O MELHOR: Quando Anna me deu a oportunidade de fazer uma cirurgia e frequentar a escola, de ser uma pessoa comum, um ser humano de verdade. O PIOR: Que meus direitos foram violados quando eu era peque-no. Mantinham-me escondido e eu não podia ir à escola. ADMIRA: Anna Mollel, é claro! Ela salvou minha vida. QUER SER: Advogado e lutar por todas as crianças que precisem de mim. SONHO: Que todas as crianças deficientes do mundo todo pos-sam viver uma vida digna e ser felizes.

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que eu conseguisse caminhar para a escola no semideserto; além disso, eu não teria chan-ce de fugir ou me esconder caso encontrasse animais sel-vagens. Portanto, Anna me ajudou a começar a estudar num colégio interno na cida-de. Agora estou no oitavo ano, e o Huduma ya Walemavu continua pagando tudo para mim. Uniformes, livros, tudo! E sou imensa-mente grato por isso. Se eles não o tivessem feito, eu nunca

teria tido a chance de ir à escola.

Lomniaki adora estar em sua casa na aldeia nas férias e feriados, e hoje em dia conse-gue facilmente ajudar com o gado, junto com os amigos de sua idade. Entretanto, ele ain-da sonha em continuar estu-dando e se formar como advogado.

– Quero ser como Anna e dedicar toda minha vida à luta pelos direitos das crian-ças vulneráveis, assim como

ela lutou por mim. E pensar que ela fez a longa e difícil viagem através das savanas até minha aldeia três vezes para me salvar. Ela realmente se importava comigo. Eu nunca esquecerei isso. Se Anna desistisse e não tivesse voltado, eu ainda estaria sozi-nho em casa ou sob a árvore, incapaz de me mover. Em vez disso, ela me proporcionou uma vida que vale a pena ser vivida.

Histórias junto à fogueira Lomniaki sentado com seu tio mais velho, Karaine (à esquerda), e alguns outros homens junto ao fogo. Eles estão assando uma cabra.

– À noite, cada família se sentar ao redor do fogo, em casa, para cozinhar e conversar. Muitas vezes contamos histórias sobre o gado e animais selvagens que vimos na savana. Eu adoro isso, diz Lomniaki.

Técnica em computação

A irmã menor de Lomniaki, Naraka, de 12 anos, busca

água, faz a ordenha e aju-da a cozinhar todos os

dias. Entretanto, ela também vai para a escola.

– Agora vou começar o sétimo ano e, no futuro, quero trabalhar com computado-res, conta Naraka.

As meninas e mulheres da aldeia fazem belas joias.

Nasceu com fluorose esqueléticaA doença óssea com a qual Lomniaki nasceu é a chamada fluorose esquelética, e é causada pelo consumo excessivo de flúor oriundo da água potável. O flúor se acumula nos ossos e pode causar rigidez, dor, membros torcidos e parali-sia. Milhões de pessoas em todo o mundo são atingidas. Níveis naturalmente elevados de flúor na água potável geral-mente ocorrem no sopé de altas montanhas vulcânicas, como no Rift Valley, na África Oriental, onde Lomniaki vive. Muitas regiões onde os níveis de flúor são perigosamente elevados também são muito secas, por isso as pessoas aca-bam sendo obrigadas a beber a água de qualquer modo. Na Tanzânia, mais de 30% da água potável contém nível muito elevado de flúor.

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– Depois da cirurgia, posso dan-çar com as outras pessoas na aldeia. As danças são importan-tes para nós, massai, por isso estou muito feliz com isso. Eu nunca pensei que algum dia em minha vida eu poderia participar da dança. Nunca! Mas Anna tor-nou isso possível.

Aqui, Lomniaki dança Longwesi, que significa Cotidiano. Na dança, os rapazes desafiam uns aos outros no sal-to em altura. Quem pular mais alto vence. Aqui, Lomniaki bata-lha contra seu amigo Babu.

Anna deu espe-rança cotidiana!

Lindas cabaçasQuando Lomniaki volta para casa com o gado, ele se senta do lado de fora da casa e bebe leite com sua mãe, Paulina, e sua irmã mais nova, Nashipai, de 6 anos. Eles bebem em caba-ças que Paulina decorou com lindas pérolas.

– Amo minha mãe por ela ter tido a coragem de deixar meu pai. Isso mostra que ela real-mente me ama e se importa comigo. Nunca mais vi meu pai depois que fomos embora.

Jacob quer correr! Em uma cama do hospital Arusha Lutheran Medical Centre, Jacob Loishooki Lazer está deitado com as duas pernas engessadas. Ele acaba de passar por uma cirurgia seme-lhante àquela a que Lomniaki se submeteu, e está feliz.

“Doeu no início, mas está melhorando cada vez mais. Estou muito feliz porque em breve eu conseguirei andar, e então poderei ajudar minha família de verdade. Antes de vir para cá, eu tentava ajudar a pastorear nossos rebanhos de vacas e cabras, mas era uma luta para mim, porque eu tinha dores terríveis nos joelhos. Agora sei que, pouco a pouco, conseguirei até mesmo acompanhar nossos ani-mais em longas caminhadas durante a estação seca, quando eles precisam de pasto fresco. E poderei brincar com meus amigos. Idealmente, eu gostaria de retirar o gesso e usar minhas pernas saudáveis para correr agora mesmo!”

Não está sozinho Jacob ficou no hospital por quatro dias e, durante todo esse tempo, dia ou noite, a mãe da casa, Neema, do Centro de Anna o acompanhou.

– É muito importante que as crianças não se sintam sós. Eu conto histórias, leio livros e as conforto, quando necessário, explica Neema Eliphas Mollel.

– Quando sair daqui, você deve cuidar de suas pernas. É importante que você se mantenha limpo, para que os ferimentos não infeccionem, está bem? Em seis semanas, você deve vir aqui. Se tudo parecer bem, tiramos o gesso e então você pode começar com a fisioterapia e o treino de caminhada no centro, diz a enfermeira Lilian Michael.

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A escola de Anna para todos Em uma pequena colina de Moivo,

a aldeia natal de Anna Mollel, fica a escolinha que ela fundou em 2009, após se aposentar do Huduma ya Walemavu e mudar-se de volta para a aldeia. A escola se chama escola Engilanget, que significa a escola da Luz no dialeto massai. Todas as 25 crianças são de famílias muito pobres. Muitas são órfãs, algumas são deficientes, outras têm HIV. Para Anna, todas as crianças são bem-vin-das. Especialmente crianças de quem ninguém mais quer cuidar.

– Eu sabia que muitas crianças defi-cientes não tinham oportunidade de ir à mesma escola que a maioria das outras crianças frequentava. Ela fica-va muito longe e era muito cara. Isso é muito injusto, e decidi abrir uma escola onde crianças deficientes e não deficientes estudam juntas. Uma escola onde as crianças aprendem a compreender que todos são iguais, têm direitos iguais e a mesma neces-sidade de ser amados, conta Anna.

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“Proibido bater nas minhas crianças!”– Em minha escola é proibido bater nas crianças. Nunca se deve bater em uma criança. Nunca se deve intimidar uma criança. Apenas explicar e amar. Uma criança que é espancada vai espancar os outros. Os castigos físicos são comuns nas escolas da Tanzânia, mas se um professor batesse em alguma das minhas crianças, ele seria demitido ime-diatamente! – diz Anna.

Aula sobre Direitos da Criança É manhã de segunda-feira e Anna, como sempre, encontra as crianças na pequena escola:

– Bom dia a todos. Como estão vocês? – pergunta Anna.

– Bom dia, vovó! Estamos muito bem! – responde a classe animadamente.

– Ótimo! É divertido na escola? – Sim, vovó!!– Ótimo! Vocês cuidam uns dos

outros? – Com certeza! – Ótimo. Isso é muito importante.

Alguém pode me dizer quais são os direitos que vocês, crianças, têm? – pergunta Anna.

As mãos das crianças imediata-mente começam a acenar. Muitos querem responder.

– Ir à escola, diz Theresia, de 12 anos.

– Ir para o hospital, caso seja necessário, afirma Baraka, de 9 anos.

– Poder brincar e participar... – res-ponde Violet, de 7 anos.

– Exatamente, estes são alguns dos seus direitos. E como é para as crian-ças deficientes?

– É a mesma coisa, vovó – respon-de Violet.

– Isso mesmo. Crianças com defi-ciência têm exatamente os mesmos direitos que as outras. Ir à escola, receber tratamento médico, brincar e ser amadas. Todos nós fomos criados por Deus e devemos ser tratados com respeito. Não se esqueçam! – diz Anna, sorrindo com todo o corpo enquanto observa “suas” crianças.

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Anna ama todas as crianças!

Oficina de costura de Anna ajuda crianças

Invenção imaginativa

Theresia na horta de Anna

Arranha-céus– Estamos construindo um arranha-céu, conta Fanuel.

– Sim, e quando crescermos, vamos construir coisas reais, como esta casa. Nós nunca vimos um arranha-céu de ver-dade, apenas em revistas e na TV, diz o amigo Baraka, 9 anos.

Adora futebol – Na minha escola, todos podem participar das brin-cadeiras. Nós gostamos uns dos outros, diz Fanuel, que adora jogar futebol nos intervalos.

“Fico feliz quando estou na escola. Aqui todos são amigos de todos. Parece que somos irmãos e que cui-damos uns dos outros. Eu sou órfã e moro com a minha avó. Nós nunca teríamos tido condições financeiras de frequentar outra escola. Eu gosto muito de Anna por me permitir estu-dar aqui. Ela tem um coração enorme e sempre cuida de nós, mais que os outros adultos”. Theresia Edward, 12 anos

– Muitas das crianças na minha escola são de famílias tão pobres que não têm condições de pagar por uniformes escolares, livros, ou a pequena taxa semestral que cobre os salários de meus dois professores. Eu tenho uma pequena oficina de costura onde pro-duzo tecidos chamados koikoi, que vendo. Com o dinheiro, compro unifor-mes, sapatos, livros, canetas e todas as outras coisas com as quais as crianças mais pobres da classe preci-sem de ajuda, diz Anna.

– Esta roda de fiar se chama Chaka. Eu e meu filho a fizemos com uma velha roda de bicicleta. Não é preciso muito dinheiro ou equipamentos caros para ajudar aos outros, mas é preciso ter imaginação e ser criativo! Se fôssemos sentar e esperar que alguém nos desse um monte de dinheiro antes de começarmos, teríamos que esperar muito, muito tempo. Há muitas crianças que precisam de nossa ajuda. Portanto, resolvemos assim, à nossa própria maneira, conta Anna, rindo.

– Eu cultivo feijões e outros vegetais que as crianças comem no almo-ço. Assim, sei que até mesmo os estudantes mais pobres recebem pelo menos uma refeição nutri-tiva por dia, diz Anna.

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Sakena Yacoobi

Quando criança, Sakena Yacoobi é a única menina na classe. Ela pensa: “Por que uma menina não pode ir à escola?”.

Quando a guerra chega ao Afeganistão, Sakena está estudando nos EUA. Ela quer voltar para casa e ajudar os mais prejudicados pela guerra, crianças e mulheres. Quando fica proibido que as meninas frequentem a escola, ela abre escolas secretas.

Quase 20 anos depois, ela continua lutando pelas crianças afegãs, e mais de 700.000 delas tiveram acesso à educação e saúde através de Sakena e de sua organização, o AIL.

A história de Sakena começa há muitos anos, em Herat, uma

bela cidade antiga. O pai de Sakena compra e vende casas, refrigeradores e apare-lhos de rádios do exterior. Sua mãe é dona de casa.

Sakena é a primogênita e, por um longo tempo, a única filha. Por isso, seu pai deseja que ela seja tanto uma filha quanto um filho para ele. Quando ela tem apenas qua-tro anos, ele a coloca em uma escola religiosa, onde

um mulá, um sacerdote muçulmano, é professor.

– Eu era a única menina em uma classe de 15 alunos. Eu não era tímida, mas acontecia de os meninos me provocarem. Por que uma menina deveria ir à escola? – perguntavam. Eu pensava: por que uma menina não deveria estudar? Às vezes os meninos me batiam. Quando reclamei com o mulá, ele não falou com eles. Pelo contrário, ele ficou bra-vo comigo! Entretanto, eu tinha facilidade para apren-der. Aos 6 anos, eu já sabia tanto quanto o mulá, conta Sakena.

Vestida de menino Quando Sakena é pequena, ela usa um pequeno lenço na cabeça, como as meninas

NOMEADA • Páginas 70–89

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POR QUE SAKENA É NOMEADA?Sakena Yacoobi é nomeada ao Prêmio das Crianças do Mundo 2012 por sua longa e perigosa luta para proporcionar às crianças e mulheres afegãs o direito à educa-ção, à saúde e a apren-der sobre seus direitos.

Sakena fundou sua organização, o Instituto Afegão de Aprendizagem (AIL) em 1995, sob a opressão e a guerra feroz. O regime dos talibãs havia proibido que as meninas fossem à escola. No entanto, Sakena abriu 80 escolas secretas, treinou professores e criou bibliotecas escolares móveis secretas. Atual­mente, Sakena e o AIL administram centenas de escolas, clínicas médicas e hospitais no Afeganistão e no Paquistão, e treinaram 19 mil professores. Todo ano, eles proporcionam saúde e educação a 125.000 crianças. Os professores aprendem novas metodologias e já ajudaram 4,6 milhões de crianças a aprender habilidades de raciocínio crítico. Através do trabalho de Sakena, mais de 5,5 milhões de crianças afegãs conquistaram novas oportunidades e fé no futuro, apesar da pobreza extrema e dos 30 anos de guerra no Afeganistão.

“Você só precisa de uma sala de aula, um quadro negro, um pouco de giz e um professor treinado. Isso basta para mudar as vidas das crianças de toda uma aldeia”, afirma Sakena Yacoobi. Suas professoras dando aula para meninas na sala de computação.

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devem fazer, segundo a tradi-ção afegã. Mas, às vezes, o pai de Sakena a veste como um menino.

– Eu escondia meu cabelo comprido sob um boné. Depois, vestia uma camisa e um par de calças. Eis que eu me transformara em um menino. Era muito divertido! Assim, eu podia participar das brincadeiras dos meni-nos. Brincávamos de luta de braço, de bandido e lutáva-mos. Eu era grande e forte para a minha idade, e vencia muitas vezes.

O pai leva Sakena para todo lado, em viagens de negócios, jantares e festas onde apenas homens participam. Ele quer ter outro filho, de preferência um menino, mas está demo-rando.

– Minha mãe estava sempre grávida, mas as crianças não sobreviviam. Uma vez, ela quase morreu de hemorragia durante o parto. Os bebês

eram natimortos. Ou tão fra-cos que só sobreviviam pou-cas semanas. Era horrível ver como minha mãe ficava triste ao perder um filho que havia carregado por nove meses. A mesma coisa acontecia a outras mulheres do bairro. Então pensei: Por que tantas mulheres e crianças vão mal? Então decidi que eu mudaria aquilo!

O segredo do pai O pai de Sakena é rigoroso. Depois da escola, é hora do dever de casa e nada de brin-car. Toda noite, ela mostra o caderno onde fez o dever de casa, ele olha, torce o nariz e diz: “Você pode fazer melhor! Refaça tudo, faça direito!”. Então ela tem que refazer tudo, começar do zero.

Um dia, quando Sakena tem 10 anos, ela mostra seu dever de casa, como sempre, e ouve a resposta usual: “Isso não serve! Refaça!”. Todavia, como Sakena sabe que há um único erro, ela cria coragem e responde: “Leia e aponte exa-tamente o que está errado!”. Ela devolve o caderno a seu pai. Ele apenas olha para ela e diz baixinho: “Eu não sei ler”.

– Depois, ele virou o rosto. Eu podia ouvi-lo chorando. Foi um choque. Eu pensava

que meu pai sabia tudo, mas ele era analfabeto. Todos aqueles anos, ele havia apenas fingido verificar meu dever de casa. E eu tinha me deixado enganar. Depois desse dia, ele nunca mais me perguntou sobre o dever de casa. Nunca contei a ninguém o que acon-teceu. Era o nosso segredo. Meu pai não queria que sou-bessem que ele não sabia ler e escrever.

Rejeitou pretendentesSakena muitas vezes ouve a avó paterna, tias e outros parentes reclamarem que sua mãe não deu à luz um meni-no. Eles dizem que a mãe de Sakena é inútil, que seu pai deveria arrumar outra espo-sa, mais jovem. É horrível ouvir isso, pensa Sakena. Mas

o pai não quer uma nova esposa, ele está feliz com sua mulher.

Finalmente, quando Sakena tem 14 anos, ela ganha um irmãozinho. Agora ela está no oitavo ano e cuida de toda a papelada dos negó-cios do pai. Ela é sua secretá-ria. Na escola, as outras meni-nas desistem, uma a uma. Elas se casam tornam-se donas de casa, embora sejam apenas crianças. Casamentos infantis são comuns no Afeganistão. Sakena também tem pretendentes.

– Eu era gorda e não era tão bonita, mas muitos queriam se casar comigo mesmo assim, pois eu tinha boa repu-tação. Porém, meu pai sempre me perguntava: “Sakena, você quer se casar com este

Alá significa Deus

País mais perigoso para as mulheres

Os textos sobre Sakena e seu trabalho pelas crianças do Afeganistão, às vezes mencionam Alá e, outras vezes, Deus. Porém, é a mesma coisa. Alá quer dizer Deus.

O Afeganistão é o país mais perigoso do mundo para as mulheres. Violência, ausência de atendimento médico e uma grande miséria tornam as mulheres afe­gãs mais vulneráveis. Uma em cada onze mulheres morre ao dar à luz. Quatro em cada cinco meninas são for­çadas a se casar ou têm o casamento arranjado. Apenas uma em cada dez mulheres sabe ler e escrever.

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homem?” E eu sempre res-pondia: “Não, papai, eu quero ir à escola!”. E meu pai respeitava. Ele era um bom homem.

Lar para as criançasSakena é a primeira da famí-lia a estudar além da escola elementar. Depois do ensino médio ela quer continuar a estudar, mas nesta época exis-te apenas uma universidade no país. Ela fica em outra cidade, longe de casa. O pro-blema tem uma solução quan-do Sakena faz amizade com uma família americana em

visita ao Afeganistão. Eles dizem que podem levá-la aos EUA para estudar. Sakena quer ir. O pai pondera muito. Permitir que sua filha estude perto de casa é uma coisa, mas deixá-la ir sozinha para o outro lado do mundo é outra. De qualquer forma, ela acaba concordando. Sakena fica muito feliz.

Enquanto Sakena Yacoobi se muda para os EUA, a guer-ra começa no Afeganistão. Cidades e aldeias são bombar-deadas, batalhas são travadas em becos e montanhas. Muitos são mortos ou obriga-dos a fugir. A mãe, o pai e o

irmão de Sakena conseguem, depois de muitas dificulda-des, chegar aos EUA. A famí-lia se reúne. A história pode-ria ter terminado aí, mas Sakena não consegue esque-cer sua terra natal. Ela não se contenta em viver em paz e segurança, enquanto seu povo sofre. Eles precisam de esco-las e hospitais.

– Meu coração estava a arder por meu povo. Eu que-ria ajudar todas as vítimas da guerra, principalmente mulheres e crianças. Meus pais não ficaram felizes com minha decisão. Minha mãe disse: “Você não pode nos deixar novamente. Precisamos ficar juntos”. Mas meu pai concordou comigo.

Afeganistão28 milhões de pessoas vivem no Afeganistão. Aqui existem altas montanhas cobertas de neve durante todo o ano, vales profun­dos, florestas e grandes desertos. Os verões são quentes, com temperaturas acima de 40 graus. No

inverno, a temperatura pode chegar a 20 graus negativos, com nevascas e gelo. As maiores culturas são arroz, batata, romã, manga e melancia. Há mui­tos animais selvagens e raros, como os ursos, águias, gazelas, e leopar­

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“Se é isso que você quer, tam-bém é a vontade de Deus”, afirmou.

Sakena viajar para os cam-pos de refugiados afegãos, onde consegue um emprego como diretora de um progra-ma de treinamento de profes-sores. Logo ela abre uma escola para meninas. E mais uma. E outra ainda. Depois

de um ano, 3.000 meninas frequentam as escolas de Sakena. No ano seguinte, são 27.000. Sakena também abre clínicas e cursos de formação de professores. Quando os talibãs, que na época gover-navam o Afeganistão, proí-bem as meninas de frequentar a escola, Sakena não desiste. Ela abre as escolas secretas

A meta de Sakena Yacoobi é certificar que não haja nenhuma menina no Afeganistão que não possa ir à escola ou não tenha permissão para aprender a ler.

Crianças e suas mães aguardam atendimento em um dos hospitais administrados por Sakena Yacoobi e o AIL no Afeganistão.

dos da neve. As pessoas criam ovinos e bovinos como gado, e cavalos, burros e camelos como animais de carga ou de montaria.

Guerras As guerras no Afeganistão já duram mais de 30 anos, só os idosos se lembram de uma época em que havia paz. Algumas vezes, exérci­tos estrangeiros ocuparam o

país; em outras ocasiões, vários grupos afegãos luta­ram uns contra os outros. Muitas pessoas inocentes foram vítimas das guerras. Todos os afegãos têm paren­tes que foram mortos ou feri­dos, e muitas famílias foram obrigadas a fugir de suas casas. Atualmente, o gover­no luta com a ajuda de solda­dos dos EUA e de vários outros países contra o Talibã

e outros grupos rebeldes. Nenhum dos lados parece “vencer”, e a guerra continua.

Os talibãsO maior grupo rebelde se autodenomina os talibãs. Eles já governaram o país, ocasião em que proibiram as mulheres de trabalhar e as meninas de frequentar a escola. Eles também proibi­ram a dança, música, empi­

nar papagaio e TV. Aqueles que desobedeciam eram mortos ou chicoteados. Os talibãs são um movimento de fanáticos islâmicos. Hoje eles estão na guerra para retomar o poder. Eles explodem bom­bas, fazem emboscadas e matam muitas pessoas. Porém, os soldados do gover­no, dos EUA e de outros paí­ses, às vezes, matam civis (pessoas comuns).

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Aprenda dari e pashto Mais de 30 idiomas diferentes são falados no Afeganistão, mas o dari e o pashto são as línguas oficiais.

dari pashtoUm yak yauDois du duaTrês se dreiQuatro chahar tsalareCinco panj penzaSim/Não Bala/Na Bala/NaOlá! Salam aleikum Salam aleikumTchau Khod hafez De kuday pe amanComo é seu Nametan Staa num nome? chist? tse day?Meu nome é Namam Zama num Muhammed! Muhammed hast! Muhammed deh!

para as meninas. No auge, há 80 escolas secretas. O tempo passa e Sakena trabalha dia e noite.

– Eu não tive meus próprios filhos, mas fico orgulhosa e feliz quando penso em todas as crianças que ajudei. Milhares e mais milhares de meninas afegãs. E muitos meninos também. Eu os amo como se fossem meus filhos. As crianças são o futuro do Afeganistão.

Ameaças de morte e guarda-costasÀs vezes, Sakena é ameaçada de morte por homens que acham que meninas não devem ir à escola. Nessas oca-siões, ela é protegida por guarda-costas. Outras vezes, suas escolas e clínicas são fechadas por bandos arma-dos. Ela então os abre nova-mente, em segredo. Sakena Yacoobi nunca desiste. Seu objetivo é que nenhuma

menina seja impedida deir à escola para aprender a ler.

– Todo mundo tem direito de estudar. É tão importante quanto comer ou respirar. Nos EUA e Europa, as crian-ças têm computadores, video-games e telefones celulares. Por que as crianças afegãs não podem nem mesmo ir à esco-la? Isso não requer muita coi-sa. Uma sala de aula, lousa, giz e um professor treinado. Isso é tudo que se precisa para mudar a vida de todas as crianças de uma aldeia. Eu nunca teria chegado tão longe se meu pai não me tivesse permitido estudar.

Quando pequena, Sakena Yacoobi era a única menina na sala de aula e pensava: “Por que não permitir que as meninas frequentem a esco-la?”. Ela devotou sua vida a dar essa oportunidade às meninas e meninos do Afeganistão.

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Nouria

Nouria, 14

foi à escola secreta

Nouria pega uma carona para a escola. Ela não precisa mais frequentar uma escola secreta.

Trovões retumbavam, e a chuva açoitava as casas de sapé da aldeia de Ghani Khel na noite em que ela nasceu, há 14 anos. O pai da menina, Khan Wali, a segurou sob a luz de uma lâmpada a gás e prometeu:

– Você terá as mesmas oportunidades que um menino, irá à escola e aprenderá uma profissão.

O nome da menina é Nouria. Significa luz em árabe. “Ela será um exemplo para outras meninas”, escreveu o pai na parte de trás do Corão, o livro sagrado do Islã, na noite em que ela nasceu.

Os anos passaram. Ao completar sete anos, Nouria foi estudar em

uma escola construída pela organização de Sakena Yacoobi, o AIL. Nouria era boa em leitura e escrita, mas tinha dificuldade em mate-mática. Ela adorava a escola, onde meninos e meninas

estudavam na mesma classe. Porém, um dia quando Nouria chegou à escola, havia um bilhete preso com uma faca na porta. “A escola está fechada. Cortamos as gargan-tas daqueles que mandam seus filhos para cá”, declarava.

Nouria, que completara 11 anos, sabia o que aquilo signi-

ficava. Os talibãs haviam fechado a escola! Ela correu para casa e contou ao pai. No mesmo dia, soldados do tali-bã chegaram à aldeia. Eles foram de casa em casa e disse-ram que agora comandavam a aldeia. Ninguém podia desa-fiar suas ordens.

– Eles tinham barbas lon-gas e turbantes negros. E muitas armas... pistolas, rifles e lançadores de foguetes. Fiquei triste e com medo do que aconteceria, diz Nouria.

Pegaram a comidaOs talibãs faziam visitas for-çadas às pessoas da aldeia. Tarde da noite, eles vieram e bateram à porta. “Dê-nos comida”, eles diziam, “caso

PRATO PREFERIDO: DocesMELHOR AMIGA: Minha prima FatimaQUER SER: ProfessoraGOSTA DE: Escola, poesia, fábulas, docesDETESTA: GuerraANIMAIS PREFERIDOS: Tigres e águias

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contrário, os espancaremos até a morte”. Como eles eram muitos e estavam armados, ninguém se atrevia a desobe-decer. O pai de Nouria pediu à mãe, Amina, para servir tudo que tinham. Arroz, car-ne de carneiro, passas, nozes e legumes. Nouria ficou escon-dida, mas observou através de uma abertura na cortina. Lá estavam os soldados devoran-do a comida da família. Em seguida, eles desapareceram na noite. A mesma coisa se repetiu várias vezes. A família ficou sem comida e Nouria muitas vezes dormia com fome.

Escola secretaA escola permaneceu fechada. Até que o pai de Nouria e os professores da escola de Sakena Yacoobi fizeram um plano para retomar as aulas às escondidas.

– Reuníamos alguns alunos e um professor na cozinha ou sala da casa de alguém. Para poder ir para lá sem sermos descobertos, fingíamos estar fazendo algum serviço. Escondíamos os livros escola-res sob nossas burcas. Depois voltávamos para casa, um por um, e não em grupos. Foi horrível, mas também um pouco emocionante. Nós não confiávamos em todos na aldeia; alguns vizinhos esta-

vam ao lado dos talibãs, e não achavam que as meninas deveriam estudar, lembra Nouria.

Por mais de um ano, os talibãs governaram a aldeia e Nouria frequentou a escola secreta. Um dia, uma notícia chegou pelo rádio. O líder talibã dos homens que aterro-rizavam os aldeões havia sido morto em uma batalha. Agora Nouria e as outras crianças podiam respirar ali-viadas. A escola pode ser rea-berta no local de costume, com salas de aula, carteiras e quadro negro. Os aldeões que haviam apoiado os talibãs fugiram.

Sonhos para o futuroDois anos se passaram, e Nouria completou 14 anos. Recentemente, ela se mudou para a casa de seu avô, na cidade de Herat, para estudar em outra escola. Na aldeia, só é possível estudar até o sexto ano. Nouria sonha se tornar professora e educar meninas sobre os seus direitos:

– Infelizmente, as meninas não têm as mesmas oportuni-dades que os meninos no Afeganistão. Mas não deveria haver nenhuma diferença. Somos iguais. Aprendi isso na escola de Sakena Yacoobi. Sem ela, eu não saberia nem escrever meu próprio nome.

Os pais de Nouria sentem sua falta, pois ela mora muito longe de casa, mas vale a pena, diz o pai.

– Minha filha será um exemplo, uma luz para as outras crianças. Prometi isso quando ela nasceu. Portanto, ela precisa frequentar uma boa escola, mesmo que isso signifique que não possamos nos ver todos os dias. É como diz o poeta: “Uma bela flor muitas vezes tem um tronco espinhoso”.

“Minha filha será um exemplo, uma luz para outras crianças. Prometi isso quando ela nasceu”, diz o pai de Nouria

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Fatima, 15

O pai fumava ópio

Meu pai nos espancava o tempo todo. Ele batia em mim, na

minha mãe e no meu irmão mais novo com as mãos, pedras, paus e chicote. Ele fumava ópio e era viciado em drogas. Quando não

tinha dinheiro para o ópio, meu pai ficava com-pletamente louco. Uma vez, eu esta-va regando a hor-

ta quando ele me agarrou e gritou:

“O que você está fazendo aqui? Você deveria estar dentro de casa”. Ele mirou minha cabeça com sua pistola e disse que atiraria em mim se eu não me compor-tasse. Eu tremia de medo, conta Fátima.

O pai vendeu tudoA família de Fátima vivia em uma aldeia distante no campo, em uma casa simples de sapé, rodeada por muros altos. Fátima estava constantemente amedrontada e triste.

Ela não tinha coragem de contar a ninguém

como era a situação em sua casa. O pai havia dito que, se ela contasse, ele a mataria.

Na escola, Fátima fica-va sempre calada e não

tinha amigos na clas-

se. Os demais alunos a acha-vam estranha. À noite, Fátima tinha pesadelos. Antes de adormecer, ela ficava deitada e fantasiava sobre fugir de casa. Ela desejava ter outro pai; um pai grande, for-te e gentil.

– Meu pai só se importava em conseguir dinheiro para o ópio. Ele foi demitido de seu emprego. Então ele vendeu todos os eletrodomésticos, panelas, copos e talheres. Meu tio nos dava um pouco de comida, caso contrário, teríamos morrido de fome. Porém, meu pai às vezes ven-dia até a comida. Eu sentia dor de cabeça devido à fome e tinha dificuldade de concen-tração na escola.

Uma nova vidaUma vez, o pai de Fátima ten-tou parar de fumar ópio. No início deu certo. Ele conse-guiu um emprego e começou a ganhar algum dinheiro. Mas ele logo foi demitido de novo. Ele tinha voltado a fumar.

– Foi uma decepção. Porém, o pior foi quando vi o meu irmão mais novo, de apenas 5 anos, imitando meu pai. Meu imãozinho queimou um pedaço de cana e fingiu fumar, como um cigarro de ópio. Fiquei de coração parti-do. Ele seria como nosso pai? Será que isso nunca acabaria?

Quando o pai de Fátima invadiu a casa do tio Khan Walis e roubou dinheiro e um telefone celular, foi a última

coisa que ele fez na aldeia. O tio deu uma boa surra em seu pai. Depois, ele levou Fátima, sua mãe e irmão mais novo para sua casa. O pai foi expul-so para longe da aldeia e uma nova vida começou para Fátima.

– Foi como acordar de um pesadelo. Ninguém nos batia e podíamos comer até estar-mos satisfeitos, todos os dias. Eu tinha muita coisa para recuperar na escola, e comecei a estudar à tarde no centro de formação do AIL. Lá, eu aprendi a ler e escrever e supe-rei minha timidez. Minha mãe também começou a estu-dar lá. Ela, que sempre tinha sido tão triste, ficou muito feliz. Agora ela trabalha informando às mulheres da aldeia sobre como cuidar da saúde.

A prima de Nouria, Fátima, cresceu sentindo medo constante de seu pai. Ele batia nela e vendeu tudo que a família tinha para comprar ópio, uma droga perigosa. Hoje, Fátima tem uma vida digna, desde que recebeu ajuda de seu tio.

INTERESSES: A escola, TV, músicaMELHOR AMIGA: Minha prima NouriaFRUTA PREFERIDA: Manga e melãoQUER SER: AdvogadaDETESTA: Drogas e guerraOBJETO PREFERIDO: Minha nova mochila escolarÍDOLO: Meu tio Khan Wali, que acha que as meninas devem estudar

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ÓpioO ópio é uma droga peri­gosa. Ela vem da papoula, uma bela flor vermelha cultivada em grandes campos no Afeganistão. O ópio pode ser fumado, ou pode ser usado para fazer heroína, que é inje­tada com uma agulha. Aqueles que usam a droga tornam­se dependentes e só pensam em conseguir mais, e não se importam em alimentar a família. São principal­mente os homens que abusam. Os agricultores afegãos cultivam a papoula não por gostarem de drogas, mas porque são pobres e recebem bom pagamento.

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Aishacom bateria no coração, deseja ajudar outras crianças

Aisha tornou-se órfã muito cedo; ela ficou muito triste e se recusava a falar. Porém, a tia amável do orfanato e os professores do programa educativo de Sakena Yacoobi gra-dualmente lhe devolveram a esperança no futuro. Após uma cirurgia, Aisha agora tem um “coração com bateria” e sonha tornar- se professora e ajudar outras crianças que enfrentam dificuldades.

Aisha não lembra muita coisa sobre seu pai, mas lembra-se que ele tinha

um rosto amigável e seguro e uma bela barba preta. E de como soube que ele fora assas-sinado.

Aisha estava comendo com sua mãe e sua irmã mais nova quando um parente veio dar a terrível notícia. O pai, Said Ahmed, foi baleado por ban-didos quando estava a cami-nho do Irã em busca de emprego. Makol, a mãe, ficou triste, mas abraçou os três filhos e disse:

– Não se preocupem! Vou garantir nosso sustento. Serei mãe e pai para vocês. É a von-tade de Deus. Deus dá a vida e Deus tira a vida, e nós, huma-nos, devemos aceitar nosso destino.

A mãe adoeceSem um pai para sustentar a família, a vida tornou-se difí-cil. Makol, a mãe, fazia lim-peza em hospitais e casas de pessoas ricas, mas, ainda assim, não tinha como pagar o aluguel. A família teve que se mudar de sua casa para um quarto simples com piso de terra, e só tinha condições de comer pão e tomar chá. Em pouco tempo Makol, a mãe, adoeceu.

– Mamãe tinha um proble-ma no coração. Ela não podia trabalhar e ficava apenas em casa, de cama. Ganhamos um pouco de arroz de uma orga-nização assistencial e dos vizinhos, mas nenhum apoio de nossos parentes. Muitas vezes não tínhamos o que comer, conta Aisha.

Mamãe estava cada dia mais fraca. Certa manhã, ela não acordou. Ela havia morri-do durante a noite. Um vizi-nho encontrou as irmãs sen-tadas junto da mãe, chorando.

Para o orfanatoAssim, Aisha foi levada para um orfanato. Uma casa de concreto no meio da cidade, com um grande pátio interno. Havia muitas crianças na mesma situação. Elas tenta-vam confortar Aisha.

– Não chore, diziam-me. Sabemos como se sente. Nós não temos mães ou

pais, apenas uns aos outros. E era verdade. Algumas

crianças não sabiam onde seus pais moravam, os pais das outras haviam morrido, estavam presos ou eram tão pobres que não podiam cui-dar de seus filhos.

– Seremos como suas irmãs, disseram as meninas do orfa-nato, e deram-me bonecas, lembra Aisha.

Mas ela estava inconsolável. – Eu sentia saudades de

minha mãe e chorava até dor-mir, toda noite. Eu tinha ape-nas seis anos e não entendia bem o que significava mamãe

06h00– Levanto­me, arrumo a cama e faço a oração matinal. Eu peço a Deus para não ficar doente de novo! Depois, vem o desjejum, com ovos, pão e chá.

08h00Professores do AIL chegam ao orfanato.

– Aprendemos inglês, informática e costura. Minha professora favorita é Seddique, ela tem conheci­mentos de inglês e informáti­ca e nos ensina muito. Ela começa toda aula falando sobre a vida e a sociedade, e que as meninas também têm direitos.

11h00Aisha vai para a escola das meninas, localizada bem ao lado.

– Ela é frequentada por crianças do orfanato e crian­ças que vivem com os pais. As meninas do orfanato ficam juntas, dá uma sensa­ção de segurança, principal­mente quando outras crian­ças nos importunam. A esco­la é divertida, mas as aulas são meio confusas. Há alu­nos demais por professor.

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Aisha, 13

com bateria no coração, deseja ajudar outras criançasestar morta. Por muito tem-po, acreditei que ela viria ao orfanato para me levar para casa.

– Inicialmente, eu estava tão triste que eu parei de falar. Eu não participava das aulas, pois sempre corria e me escondia.

Uma tia amávelNo orfanato, havia uma tia muito amável, Bibi Gul. Ela observou como Aisha estava triste, então vinha até ela toda noite para contar histó-rias e abraçá-la. Finalmente, Aisha voltou a falar.

– Você pode ser minha mãe? – perguntou Aisha.

– Comigo, você está em segurança, respondeu Bibi Gul.

Então Aisha começou a ir até Bibi Gul toda noite, deita-va-se ao lado dela e dormia. Bibi Gul nunca a mandava embora, apesar de estar exausta após um longo dia de trabalho. Ela esperava até que Aisha adormecesse e a levava para a cama beliche.

Pouco a pouco, Aisha pas-sou a senti-se mais segura e feliz. Ela começou a ir à esco-la. E também passou a fre-

quentar aulas ministradas pelos professores do AIL. Eles vinham para ensinar as meni-nas a costurar, falar inglês e usar computadores. Um novo mundo se abriu para Aisha.

– Antes de vir para cá, eu não sabia nada. Eu não sabia que “inglês” era um idioma. Nunca tinha visto um com-putador e não sabia nem mes-mo escrever meu próprio nome! Agora sei muitas coisas e aprendo mais o tempo todo, afirma Aisha, que é muito apegada à sua professora Seddique, do AIL.

Tem bateria no coraçãoOs anos se passaram, e Aisha tinha onze anos quando acor-dou com uma forte dor no peito.

– Parecia que tinha uma faca no meu coração. Uma lâmina que girava lentamen-te, volta após volta, diz Aisha.

Como sua mãe, ela tinha um problema no coração. Ele era fraco e não conseguia bombear todo o sangue em seu corpo. Aisha tinha que ser operada, caso contrário pode-ria morrer, disse um médico que a examinou.

AMA: Minha irmã, Fariba.DETESTA: Doenças e guerra.SENTE FALTA DE: Minha mãe, que morreu.ADMIRA: Minha professora, Seddique. DESEJA: Ter o coração saudável!GOSTA DE: Inglês e informática.

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Porém, não era possível fazer cirurgias cardíacas no Afeganistão. Por isso, a equi-pe do orfanato organizou um concerto, com cantores e músicos que se apresentaram sem cobrar. O dinheiro arre-cadado com os ingressos foi para enviar Aisha ao Irã, para um moderno hospital infan-til.

– Eu era a única que não estava acompanhada dos pais, mas as outras crianças e suas mães e pais foram gentis. Deram-me um livro com cumprimentos ou desenhos, e rezavam a Deus para que tudo

corresse bem para mim, conta Aisha.

Durante a cirurgia ela esta-va anestesiada.

– Quando abri os olhos após a cirurgia, estava sozi-nha em um quarto branco. No início, pensei que estava morta, mas logo veio um médico. Ele disse que tinha colocado uma bateria no meu

coração, um pequeno apare-lho que ajudaria meu coração a bater. Tenho uma cicatriz da cirurgia, diz Aisha.

Quer ajudar os outrosDe volta ao orfanato, Aisha sentia-se melhor. Entretanto, ela ainda sente pontadas no peito.

– Às vezes eu acordo duran-O que

dizem de

Aisha

Ela sempre quer desenhar“Quando era menor, Aisha adorava suas bonecas, ela nunca se cansava de brincar com elas. Hoje em dia, elas não têm tanta importância para ela. Agora sua atividade favorita é desenhar. Todo momento livre, ela corre para buscar papel e caneta e começa a desenhar. Nós costumamos desenhar juntas. Princesas, cavalos e belos castelos. Também dese­nhamos famílias, com mães, pais e filhos”.Foziya, 12 anos, amiga

Sozinhas no ano novo“Aisha é minha irmã. Nós ficamos juntas, não importa o que aconteça, pois não temos mais ninguém no mundo. Deixe­me contar sobre o Nowrooz, o ano novo afegão. Nessa ocasião, todas as outras crianças daqui foram para as casas de parentes para celebrar o ano novo, mas ninguém veio nos buscar. Pensamos que nosso tio viria, e esperamos o dia todo, mas ele não apareceu. Foi uma decepção. O orfanato ficou totalmente vazio, pois os funcionários estavam de folga. Apenas eu, Aisha e Bibi Gul ficamos aqui. Apesar de tudo, tivemos um ano novo muito bom; Bibi Gul contou histórias até adormecermos”.Fariba, 10 anos, irmã

13h00– No orfanato, comemos arroz e feijão quase todos os dias no almoço. Às vezes é só arroz, mas, ocasional­mente, temos espaguete à bolonhesa, meu prato favori­to. Estou bastante cansada de arroz.

Aisha parou de falar quando seus pais faleceram. Os profes-sores da AIL a ajudaram, e agora ela quer tornar-se professora para ajudar crianças que passaram por dificuldades.

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te a noite com pontadas no coração. Dói muito. Nessas ocasiões, fico deitada acorda-da e penso na morte, que não quero morrer. Porque há tan-tas coisas que quero fazer, diz Aisha.

Apesar da bateria em seu coração, Aisha não consegue correr tão rápido quanto as outras crianças. Ela perde o fôlego e se cansa facilmente quando se esforça.

– Às vezes, me pergunto por que Deus fez meu coração tão fraco. E rezo para que eu ficue completamente saudá-vel. Só quero ser como as outras crianças, declara Aisha.

Mas na escola, ela é ótima. – Gosto muito dos cursos

do AIL. É muito melhor do que a escola regular. Minha professora Seddique mudou minha vida. Agora sei o que quero, tenho uma ideia sobre o futuro. Desejo um dia poder falar inglês tão bem quanto minha professora. E saber tanto quanto ela sobre o mun-do! Então também quero ser professora, para ajudar crian-ças carentes. É o meu sonho, conta Aisha.

Ela é muito dedicada “Aisha é uma de minhas alunas preferidas. Ela é muito feliz, dedicada e gentil. E aprende rápido! Todavia, estou um pouco preocupada com seu futuro. Ao completarem dezoito anos, as meninas tornam­se adultas e não podem mais ficar no orfanato. Algumas conseguem emprego, outras casam­se com parentes distantes. Mas algumas simplesmente desa­parecem, não sabemos o que acontece com elas!”Seddique, 25 anos, professora

O corpo todo ri “Eu não posso ser mãe de Aisha, pois tenho muitas crianças para cuidar, mas eu tento! Ela precisa de amor e sua vida não foi fácil. Porém, ela é muito meiga e, quando ri, seu corpo todo se sacode. Eu fico muito feliz ao vê­la rir”.

Bibi Gul, 64 anos, cuida das crianças do orfanato.

No orfanato, da cidade de Herat há centenas de meninas, com idades entre 3 e 18 anos. Aqui também há 25 meninos, mas eles são transferidos para outro orfanato ao completarem dez ou onze anos.

As crianças do orfanato dormem em beliches e fazem as refeições em um grande salão. Há dez mulheres que cuidam delas. O jardim tem um parque infantil com balanços e escorre­gadores; no interior há sala de TV e sala de aula.

É o governo do Afeganistão que administra o orfanato, mas, seis dias por semana, professores do Instituto Afegão de Aprendizagem (AIL) de Sakena Yacoobi vêm ensinar as crianças.

A maioria das crianças também frequenta uma escola ali perto.

Professores de Sakena ensinam no orfanato

15h00– Eu volto ao orfanato e descanso um pouco, brinco e faço o dever de casa. Quando não consigo mais estudar, eu desenho. Às vezes vou até Bibi Gul conversar um pouco com ela. Depois vemos um programa com canções e música na TV.

18h30– No jantar, comemos as sobras do almoço. Depois, podemos fazer o que quiser­mos. Eu estudo um pouco, rezo e vou para meu quarto conversar com minha irmã Fariba e desenhar.

22h00Hora de deitar.

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O que você usa?Burca, véu ou xale?

– Eu não gosto da burca, pois acho que um xale é sufi­ciente. A burca me parece um pouco lúgubre. Tenho véus de várias cores, hoje estou usando um vermelho. É uma cor alegre, diz Zarafshan, 16 anos, estu­dante e professora do AIL.

– Eu uso chador, pois, de acordo com nossa tradição e religião, não é adequado que uma mulher mostre o cabelo ou o rosto para estranhos. Em casa, eu uso apenas um xale, explica Makhfi, 14 anos, que estuda costura no AIL.

– Ganhei meu lindo véu de minha mãe. Mas só posso usá­lo aqui no centro. Ao ar livre, eu uso chador. Porque é perigoso atrair a atenção, você pode ser sequestrada, diz Fátima, 15 anos, que aprende inglês no AIL.

– Eu uso um véu branco, que ganhei no orfanato onde moro. Ele é bonito, comenta Malalai, de 7 anos, que estuda com um professor do AIL.

– Uso a burca desde que tinha 14 anos. Todas as mulheres da minha aldeia usam. É a nossa tradição e cultura, e temos orgulho de nossas burcas. Com a burca, eu me sinto segura, declara Freista, 20 anos, mãe de três crianças que visitam a clínica do AIL.

De acordo com o Islã, uma mulher deve cobrir o cabelo, mas nada na religião diz que ela deve cobrir todo o rosto ou olhos. Entretanto, é tradição a maioria das mulheres no Afeganistão usarem a burca, um traje que as cobre totalmen­te, ao sair de casa. Outras usam o cha­dor, um tipo de manto, e poucas usam apenas um pequeno xale.

XaleO xale na cabeça não é mais difícil de

usar do que um chapéu ou um boné. É usado por meninas e mulheres de famílias educa­das e moder­nas nas cida­des.

ChadorUm tecido que cobre o corpo todo, mas deixa

os olhos e o rosto visíveis. A usuária o segura fechado na frente. A cor mais comum é o preto.

BurcaCobre todo o corpo e a cabeça. Uma tela de tecido permite que a mulher enxergue seu entorno. Burcas muitas vezes são azul celeste, mas podem ser brancas, marrons ou verdes. É difícil se mover em uma burca e durante o verão, pois o tecido esquenta bastante.

Quando as meninas começam a usar véu?Quando bebês, as meninas não usam véu. Até os seis ou sete anos, as meni­nas usam saias coloridas, blusas e, às vezes, um pequeno véu de cor pastel. Dos 7 até cerca de 12 anos, a maioria das meninas usa um véu branco ou pre­to. Por volta de 13­15 anos, quando as meninas começam a ter formas femini­nas, costuma ser o momento da burca. Mulheres acima de 60 anos às vezes deixam de usar a burca.

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Farid adora futebol e aprender inglês

A burca protege e reprimeMuitas meninas e mulheres no Afeganistão são oprimidas. Os homens mandam, e a burca é uma forma de limitar a liberdade das meninas e mulheres. Segundo a tra­dição afegã, as mulheres devem ficar em casa e não podem se mos­trar fora dela, enquanto os homens estão na comunidade.

Mas nem todas as mulheres de burca são impotentes. Elas podem ter muito a dizer em casa, em ter­mos de assuntos domésticos, de

casamento e de educação. Elas também podem usar a burca

no caminho para o trabalho, mas tirá­la durante o expe­

diente. A burca serve como uma proteção.

Farid vive com a mãe, o pai e oito irmãos em uma pequena casa de três cômodos.

– Meu pai é professor. Ele trabalha extra como mecânico de bicicletas, mas mesmo assim tem dificuldade de sus­tentar a família. Às vezes recebemos algum dinheiro de parentes, então meu pai compra alimentos e roupas, conta Farid.

Apesar da família de Farid ter pouco dinheiro, todos os filhos, inclusive as meninas, frequentam a escola. O pai sabe como a educação é importante. Entretanto, ele também é rigoroso e tem temperamento difícil. Às vezes ele bate em Farid.

No período da manhã, Farid vai à escola regular e, à tarde, ele aprende inglês no centro educacional de Sakena Yacoobi e do AIL. É disso que ele mais gosta. Além do futebol.

– Meu sonho é aprender inglês fluen­temente; depois, quero me formar em engenharia. Quero construir prédios enormes e modernos, para que as pes­soas tenham onde morar. Cada aparta­mento terá muitos cômodos, para que os moradores não fiquem tão apertados. Mas é difícil ser engenheiro. Talvez eu me torne professor.

Farid nunca perde um jogo de futebol com os meninos vizinhos, nem as aulas de inglês do centro educacional do AIL.

Roupa de escola– Para ir à escola, devemos usar roupas boas, limpas e em bom estado, mas não tão boas que não pos-sam se sujar. Para chegar à escola, eu caminho uma hora por estradas empoeiradas e vielas estreitas. Quando está ensola-rado e quente, a poei-ra faz redemoinho; se chove, fica cheio de lama e grandes poças.

Roupa formal– É importante estar bonito num casamento. Ganhei essa roupa para usar no casamento de meu primo. Foi uma grande festa na aldeia natal, a comida estava deliciosa e havia uns mil convidados. Os homens celebra-ram entre si, e as mulheres separada-mente, segundo nossa tradição.

Roupa esportiva– Eu adoro futebol! Sempre que tenho tempo, eu jogo em um quintal. Eu e meus vizinhos temos um time de futebol, portanto precisa-mos de roupas de futebol. Infelizmente não tenho chu-teiras, mas meu pai prome-teu que vou ganhar um par assim que ele puder pagar. É meu maior desejo!

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Menino padeiro fugiu e tornou-se o segundo melhor da classeMohammed, de sete anos, trabalha das quatro da manhã às seis da tarde junto ao quente forno da padaria. Às vezes ele se queima e é espancado. Quando queima uma fornada inteira de pão, ele foge e nunca mais volta…

O sonho de ir à escola se realiza e em breve, Muhammad, com a ajuda dos professores do cen-tro educacional de Sakena Yacoobi, acompanha os demais alunos e é o segundo melhor da classe.

A vende chicletes e cartões telefônicos no

mercado. Porém, ele não ganha quase nenhum dinheiro.

Uma noite, seu pai vem para casa com um homem estranho.

– Este é o padeiro Hamid. Você será seu ajudante. É um bom trabalho, afirma o pai de Muhammed.

O padeiro observa Muhammed amistosamente e diz:

– Muitos meninos querem trabalhar comigo, portanto fique feliz pela chance de aprender uma profissão. Você começa amanhã às quatro da manhã.

Quente e perigosoNessa noite Muhammad tem dificuldade para dormir. Ele está feliz por ter conseguido um emprego, mas também nervoso. Ele não sabe nada sobre pão e fornos. A padaria fica muito longe da casa de Muhammed, então ele tem que levantar às 3 para chegar no horário. Está totalmente escuro quando ele vai para seu novo emprego.

Não é como Muhammed havia imaginado. Seu traba-lho é colocar e tirar o pão de um grande forno de pedra. É quente e perigoso. Já no pri-meiro dia ele se queima e começa a chorar.

– Pare de berrar e mostre um pouco de gratidão, se não, você será demitido, diz o

padeiro, levantando sua gran-de mão direita. De repente, ele atinge Muhammed com um forte tapa no rosto.

Muhammed sufoca os solu-ços. “Talvez as coisas melho-rem se eu trabalhar mais”, pensa ele. Após seis horas de trabalho, há uma pausa para a oração e o almoço, pão e água. Depois, Muhammed volta a trabalhar até seis da tarde.

No caminho para casa, Muhammed está tão cansado que quase desmaia. Ele leva um saco plástico com o salá-rio: alguns pães secos. Todavia, ele não se queixa com o pai e a mãe.

Foge para casaAssim continuam os dias, semanas e meses. Com o tra-balho duro e perigoso entre os fornos quentes e espanca-mentos. Na hora do almoço, Muhammed sai da padaria e senta-se sozinho sob uma árvore, mordiscando o pão.

Há uma escola bem ao lado, e Muhammed observa com inveja os meninos que vão para casa após as aulas matutinas. Eles riem e balan-çam com suas bolsas escolares. “Eu também quero ir para a escola”, pensa Muhammed.

Após sete meses, Muham-med está farto. Uma manhã, ele acidentalmente queima uma fornada inteira de pão e fica com tanto medo da puni-ção do padeiro que foge para casa. À noite, ele conta ao pai,

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5h00O despertador toca e acorda Muhammed. Ele fica deitado mais alguns minutos antes de acordar seus irmãos, Arif e Amin. O irmão mais novo, Yahya, e a mãe já estão de pé.

5h15 O muezim soa na mesquita. Muhammed se ajoelha voltado na direção da cidade sagrada dos muçulmanos, Meca, e reza o Fajr, a oração matinal.

os sete anos, Muhammed

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Muhammed, 12

Menino padeiro fugiu e tornou-se o segundo melhor da classe

Atiq, como é horrível na padaria, o quanto apanha e como é fácil queimar-se. Ele chora e diz que quer ir para a escola, aprender a ler e escre-ver, e não trabalhar o dia todo. No início, o pai fica furioso, mas depois de algum tempo ele se acalma.

– Você é desobediente, mas também é corajoso. Você pode ir para a escola com uma condição: nunca perder uma aula sequer, diz o pai, Atiq.

– Obrigado, pai, que Alá esteja convosco, diz Muhammed.

A agenda rigorosa do pai Nesta época, o pai de Muhammed conseguiu um emprego remunerado como soldado do governo. Portanto, agora a família tem condições de deixar Muhammed e seus dois irmãos mais velhos estu-darem. Mas o pai é rigoroso. Ele escreve uma agenda num papel e o prega no corredor da pequena casa de tijolos.

– É preciso aproveitar todas as horas do dia. Nem um minuto pode ser desperdiça-do, afirma o pai.

A agenda descreve o que Muhammed e seus irmãos devem fazer, hora a hora. No período da manhã, Muhammed vai à escola e, depois do almoço, ele conti-nua os estudos no centro edu-cacional de Sakena Yacoobi. A agenda rigorosa valeu a pena. Agora Muhammed está no quinto ano e é o segundo melhor de sua classe.

– Quando comecei estudar,

ÍDOLO: O cantor Zahir Shah e meu pai, AtiqINTERESSES: Tae­kwon­do, futebol, TVQUER SER: Soldado ou mestre de artes marciaisPRATO PREFERIDO: Espaguete DETESTA: Trabalho infantil

6h00 Para o desjejum, chá e pão.

6h45 Muhammed corre para a escola, ele não quer se atrasar!

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eu estava atrasado em relação aos outros. Sem os cursos do centro de Sakena Yacoobi, eu nunca teria alcançado a clas-se. Na verdade, o ensino no centro é melhor do que na escola. Os professores são mais gentis, sabem mais e, principalmente, se importam com os alunos. Na escola

família não é rica. Para ganhar algum dinheiro extra, os filhos se revezam tecendo em casa, eles fazem belos tapetes e depois os vendem. Leva três meses para fazer um tapete; portanto, é preci-

so tecer durante várias horas por dia.

Mas nem tudo é trabalho e dever de casa. Cinco dias por semana, Muhammed e seus irmãos praticam a arte mar-cial coreana tae-kwon-do em um clube. Eles ganharam tra-jes específicos e participaram de competições. Uma vez Muhammed ganhou a meda-lha de bronze.

Atualmente, Muhammed está satisfeito com a vida; só

regular, é muito confuso. E isso me deixa um pouco cha-teado, pois sou dedicado.

Preocupado com o paiEmbora o pai de Muhammed agora tenha um emprego, a

11h15 Muhammed estuda inglês no Centro Educacional de Sakena Yacoobi. A professo­ra Zahra Alipour, de 18 anos, o ajuda.

– Mohammed é bom aluno, mas sua família não tem parentes aqui, então não há ninguém que possa ajudá­­los. Eles têm pouco dinhei­ro, e Muhammed usa os mesmos sapatos no verão e no inverno, por exemplo. Obviamente, é muito frio quando neva. Mas eu acho que as coisas correrão bem para ele; ele tem muitos ami­gos e é inteligente, diz Zahra.

13h30 Mohammed e seus irmãos se revezam trabalhando no tear da família.

– Estou tão acostumado a tecer tapetes que costumo colocar um livro na cadeira do tear e estudar o dever de casa enquanto teço, diz Mohammed.

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há uma coisa que o preocupa. A guerra.

– Meu pai é soldado. Ele luta contra os talibãs. Na maioria dos dias, ele trabalha na cidade, fazendo a guarda nas casas de autoridades e em barreiras nas ruas e estradas, mas às vezes vai para as pro-víncias com sua unidade. Ele pode ficar fora por semanas. Por isso, eu oro várias vezes por dia para que ele não seja morto, declara Muhammed.

Quando o pai volta da guerra, ele não conta nada sobre o que aconteceu lá, nem para a esposa nem para os filhos. Ele simplesmente se senta em silêncio e toma chá. E reza muito mais. Às vezes,

Muhammed conversa com ele sobre o que quer ser quando crescer.

– Eu também gostaria de ser soldado, mas meu pai não quer. Ele diz que é uma pro-fissão onde nunca se aprende nada além de obedecer ordens e matar. Isso me parece emo-cionante. E o salário é bom. Meu pai quer que eu seja pro-fessor ou empresário. Vamos ver, diz Mohammed.

Agenda de MuhammedHorário 5–7h Acordar, oração matinal e desjejum7–10h Aulas na escola10–11h Preparo das lições11–12h Aulas no centro educacional

do AIL12–13h Almoço e orações13–16h Tecelagem de tapete16–19h Treino de tae­kwon­do.19–20h Jantar e orações.20–22h Dever de casa.22h Hora de deitar!

Quem não cumpre a agenda tem que fazer o dever de casa 6 vezes!

16h30 Hoje não há treino de tae­kwon­do, porque o treinador está viajando. Mohammed e seus irmãos praticam chutes altos no quintal. Eles fazem flexões, alongamento e socos.

20h00 Muhammed estuda o dever de casa até os olhos arde­rem. O pai certifica que ele não trapaceie.

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Zarafshan tem blog sobre o Afeganistão

História do blog de ZarafshanAlgumas semanas atrás, Ismet, 19 anos, e Hajatullah, 20 anos, não tinham nenhuma ideia do que era internet. Todavia, uma jovem lhes ensinou e agora eles navegam livremente em sites da web com notícias sobre esportes e política.

Uma jovem de véu verme-lho, Zarafshan, de 16

anos, é professora de com-putação no centro educacio-nal de Sakena Yacoobi em Herat. Ela nunca viajou para o exterior, mas tem amigos no mundo todo. Zarahshan é uma blogueira famosa. Em seu blog-diário, ela conta, em inglês, sobre a vida no Afeganistão.

– Escrevo sobre histórias reais e tristes, sobre casa-mento de crianças, a guerra e abusos. Sobre coisas que ouço em casa, no mercado ou no rádio. É importante dizer a verdade sobre o nos-so país. É um primeiro passo para mudar e melhorar as condições para mulheres e crianças, declara ela.

A internet no centro edu-cacional é gratuita para pro-fessores e alunos, ao contrá-rio dos internet cafés. Lá,

isso custa dinheiro, coisa que a maioria não tem nos subúrbios pobres. Graças à conexão de internet, o cen-tro se tornou um mirante para o mundo exterior.

– Através do blog, tenho muitos conhecidos estran-geiros. Enviamos correio eletrônico uns para os outros e falamos de nossas vidas. Tenho aprendido muitas coisas novas, conta Zarafshan.

Mas agora ela não tem mais tempo para conversar. Ismet e Hajatullah querem ajuda. Eles acabam de criar seus endereços de correio eletrônico, mas não têm a quem enviar um correio. Com algumas instruções da professora, Ismet envia o primeiro correio eletrônico de sua vida. Foi para seu primo Hajatullah, sentado ao seu lado.

Onde estão meus filhos?“Aos 14 anos, me mandaram casar com um homem mais velho. Após um ano de casamento, a guerra começou e meu marido perdeu o emprego. A vida era dura. Tivemos três filhos, duas meninas e um menino. Um dia, mandei meu filho ao mercado para vender cigarros, mas ele nunca mais voltou. Eu estava deitada orando a Alá, o todo­poderoso, quando um amigo de meu filho veio à nossa casa. Ele contou que meu filho tinha sido morto quando uma bomba explodiu. Fiquei completamente apática, mas fui até lá. A explosão foi tão poderosa que eu não conseguia encontrar o corpo do meu filho. Foi o pior dia da minha vida. Um ano depois, meu mari­do ficou doente e morreu. Eu estava grávida e tive gêmeos, mas não tinha como sustentá­los; então eu os dei para uma mulher que não podia ter filhos. Muitas vezes penso sobre o que aconteceu com eles. Onde estão eles hoje? Onde estão meus filhos?”.

Zarafshan acaba de ensinar aos primos Ismet e Hajatullah como enviar correios eletrônicos.

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Ahmed

Ahmed Muktar, 12

História do blog de Zarafshan

Ahmed Muktar é quase uma celebridade no oeste do Afeganistão. Ele muitas vezes con-cede entrevistas na TV, rádio e jornais falando sobre o livro que es-creveu. Um livro sobre crianças e para crianças.

– Professores não po-dem bater nas crianças, eles devem ouvi-las, diz Ahmed.

Quando eu tinha oito anos, meu pai matricu-

lou-me em uma escola reli-giosa. Os professores eram muito rígidos e os alunos eram agredidos o tempo todo, conta Ahmed.

Ahmed era frequentemente espancado. Ele tinha dificul-dade de concentração e de lembrar-se do dever de casa. Mesmo quando fazia o dever de casa, ele tinha tanto medo

de responder errado que sim-plesmente permanecia cala-do. Nessas ocasiões, o profes-sor batia-lhe nas costas com um chicote.

– Uma vez, um professor amarrou meus pés com uma corda. Ele tirou meus sapatos e então bateu nas solas dos meus pés. Doeu demais, lem-bra Ahmed.

Para a escola de SakenaCertamente havia silêncio na sala de aula, mas o professor de Ahmed era ignorante. Havia muitos alunos na classe e aqueles que não conseguiam acompanhar não tinham nenhuma ajuda. No final, Ahmed ficou com tanto medo da escola que se recusou a ir para lá, não importando que ameaças ou promessas seus pais fizessem. Então seu pai percebeu que a escola não era boa. Ele matriculou o filho em uma das escolas de Sakena Yacoobi, que tinham boa

os alunos tiveram que escre-ver uma história de ficção como dever de casa. Ahmed achou tão divertido que con-tinuou a escrever. Tornou-se um livro, que o pai de Ahmed ajudou a publicar.

– Quero ser um modelo para outras crianças. E mostrar que existem crianças afegãs que fazem coisas boas e podem escrever livros, afirma Ahmed.

O livro é sobre o que signi-fica ser um menino no Afeganistão, e a diferença entre professores bons e ruins. Foi assim que Ahmed tornou-se o mais jovem escri-tor do Afeganistão. Ele pode dar entrevistas na TV, rádio e jornais, falando sobre seu livro.

– É importante fazer o dever de casa e ser estudioso, mas é igualmente importante que os professores não sejam rígidos demais. Eles não podem bater nas crianças. Eles devem ouvir as crianças, diz Ahmed.

reputação. Foi totalmente diferente!

– Os professores eram gen-tis, atenciosos e cultos. E era proibido bater nos alunos. Passei a gostar muito da esco-la, havia tantas coisas a apren-der, conta Ahmed.

Proibido bater nas crianças Na nova escola, as notas e a autoconfiança de Ahmed melhoraram. Um dia, todos

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foi espan-cado, escreveu um livro

ÍDOLO: Meu pai e meu avôQUER SER: Chefe de organização assistencial ou escritor famosoAMA: Ler livros e criar históriasDETESTA: Adultos que batem em criançasSONHO: Paz no AfeganistãoPRATO PREFERIDO: Guisado de carne

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Ann Skelton

Ann cresceu sob o violento regime do Apartheid na África do Sul. Quando ela tinha 15 anos, as crianças negras de sua idade que protestavam eram baleadas e presas. Como jovem promotora, viu crianças que haviam sido espancadas pela polícia e mordidas por cães policiais, e crianças condenadas a chibatadas. Ela se tornou uma advogada na luta pelos direi-tos da criança e ajudou a redigir leis que as protegem. Ann leva casos de crianças ao tribunal e, ao vencer esses casos, muitas crianças em situações semelhantes às de seus clientes são ajudadas.

É importante para Ann que os adultos ouçam as crianças. “Crianças são pessoas. Elas precisam da oportunidade de participar das

decisões que influenciam suas vidas”.

Quando Ann era ado-lescente, ela detesta-va todas as regras na

escola. “Quando comecei o ensi-

no médio, meus colegas de classe e eu tínhamos que usar crachás com nossos nomes pendurados no pes-coço. Achei aquilo degra-dante e recusei-me a usá-lo”.

Mas esta foi apenas a pri-meira de uma série de humi-lhações que Ann enfrentou na nova escola.

“As crianças mais velhas nos atormentavam, nos mandavam comprar coisas para elas e nos tratavam como escravos, simplesmen-te por sermos mais jovens. Eu me rebelava contra todas essas perseguições e, obvia-mente, me envolvia em pro-blemas; muitas vezes era enviada para a sala de deten-ção da escola. Sempre me senti distante deste sistema onde alguém podia ser puni-do apenas por ter suas pró-

NOMEADA • Páginas 90–109POR QUE ANN É NOMEADA? Ann Skelton foi nomeada para o Prêmio das Crianças do Mundo 2012 por seus mais de 20 anos de luta bem sucedi-da pelos os direitos de crianças afetadas pelo sistema judiciário.

Ann realizou um trabalho revolucionário pelas crianças da África do Sul, tanto em tribunais quanto alterando as leis relaciona-das às crianças. Quando Nelson Mandela se tornou presidente, Ann foi convidada para presidir a redação da nova lei que protege crianças envolvi-das em problemas com a lei. Ao auxiliar, por exemplo, uma criança em um processo de divórcio, uma criança maltratada em um lar infantil, uma criança refugiada desacompanha-da, crianças maltratadas na prisão, crianças das “escolas de barro” em más condições, e chegar a uma decisão judicial em favor delas, Ann tem ajudado e protegido todas as crianças da África do Sul em situações semelhantes. Ann é Diretora do Centro de Direito Infantil da Universidade de Pretória e é auxiliada por duas jovens advogadas.

Ann com alunos da Escola de Ensino Médio para Meninos e da Escola de Ensino Médio para Meninas de Pretória interessados em promover os direitos da criança. fOTO: MASI LOSI

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prias ideias e uma opinião diferente”.

Regras do apartheid Ann estudava em uma escola “exclusiva para brancos” em Pietermaritzburg – naquela época, crianças negras e bran-cas eram separadas umas das outras em todas as esferas da vida. Era literalmente um cri-me uma criança negra visitar uma criança branca em um bairro branco sem uma per-missão, que era chamada de “passe”!

Ann lembra-se do dia em que as crianças negras foram às ruas para protestar contra o apartheid.

“Quando eu tinha 15 anos e vi, na televisão, as crianças negras da África do Sul se rebelando contra as regras do apartheid, entendi seu des-contentamento de um modo diferente que a maioria das pessoas na minha escola e bairro exclusivos para bran-cos. Isso foi em 1976, quando as crianças negras protesta-ram contra o governo do apartheid, que as obrigava a

viver na miséria e aprender em africâner – o idioma dos brancos. Eles queriam apren-der em seus próprios idiomas negros, o que havia de errado nisso? Todavia, muitas crian-ças que protestaram nas ruas em 16 de junho de 1976 foram presas ou mortas a tiros pela polícia, simplesmente porque tinham suas próprias opini-ões e por se recusarem a ser tratadas como escravos. Lembro-me que escrevi um poema sobre meus sentimen-tos e as crianças que tiveram

que pagar com suas próprias vidas pela liberdade”.

A família de Ann “Meu pai, que era filho de um operário de uma mina de car-vão na Inglaterra antes de vir para a África do Sul, entendia como era ser pobre. Um dia, quando passamos por um lugar onde muitos negros for-mavam fila no portão de uma fábrica para tentar conseguir um emprego, meu pai disse: “Coitados, eu me lembro de como é estar em uma fila

assim”. Naquele momento, eu soube que minha família não era diferente das famílias negras e que éramos todos iguais, dignos de respeito”.

“Em meu último ano no ensino médio, fiz um discurso sobre a desigualdade. Aquilo não me tornou popular, pois ainda era a época do apar-theid, mas foi importante para mim, porque aprendi a colocar meus sentimentos e pensamentos rebeldes em palavras. Na ocasião, eu não sabia que me tornaria uma advogada que falaria em nome das crianças e lutaria por seus direitos. Mas foi isso que aconteceu”.

Crianças na prisão “Anos depois, fui estudar direito e, em 1986, consegui meu primeiro emprego como promotora no tribunal. Neste

O Child Justice Act foi desenvol-vido por uma comissão liderada por Ann. A lei enfatiza a neces-sidade de cuidado e reabilita-ção de menores infratores, em vez de punição. Atualmente, a maioria das crianças que infrin-gem a lei na África do Sul é libe-rada mediante a presença dos pais; quando detidas, a maior parte vai para instituições cor-recionais, não prisões.

Quando Ann tinha 15 anos, ela viu crianças negras protes-tando contra o apartheid. Hector Pieterson, que tinha apenas doze anos, foi morto a tiros pela polícia. Hector foi laureado postumamente com o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo no ano 2000.

Somente pessoas brancas eram autori-zadas a nadar nesta praia.

Apartheid era racismo oficial O racismo começou cedo na África do Sul, mas em 1948 ele foi oficializado e rece-beu o nome de apartheid, que significa “separação”. Naquela época, pessoas negras e brancas eram mantidas separadas, e os negros enfrentavam discriminação e perseguição. A África do Sul foi dividida em áreas negras e brancas. Milhões de crianças negras e suas famílias tiveram que ir morar nas áreas “negras”. As crianças eram deixadas para trás enquanto seus pais procuravam trabalho longe, nas casas, fazendas e fábricas de pessoas brancas. Muitas crianças só viam os pais no natal. Os negros eram presos se entrassem em uma área branca sem uma autorização. Eles não tinham permissão para usar os mesmos ônibus, parques, toaletes públicos, restaurantes e inúmeros outros serviços reservados somente para brancos. Quando as crianças protestavam contra essas desigualdades e clamavam por liberdade, policiais e soldados usavam de violência para silenciá-las.

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Ao ajudar Shaafi, da Somália, e outras crianças refugiadas desacompanhadas em pro-cessos judiciais, Ann protege os direitos de todas as crian-ças na mesma situação na África do Sul.

“Eu vi muitas crianças presas, espancadas pela polícia e mordidas por cães policiais”.

trabalho, vi muitas crianças aparecem no tribunal, presas e espancadas pela polícia, mordidas por cães policiais e com feridas ainda abertas. Algumas estavam com frio, sem roupa para mantê-las aquecidas. Geralmente, elas eram muito jovens e a polícia as mantinham em prisões por muito tempo. Se fossem con-sideradas culpadas de infrin-gir uma lei, podiam ser con-denadas a ser açoitadas com uma chibata”.

“Percebi que o sistema era muito ruim para as crianças que cometiam alguma infra-ção e que precisávamos mudá--lo. Deixei o tribunal, fui tra-balhar para a Lawyers for Human Rights (Advogados pelos Direitos Humanos) e

criei um projeto que visava ajudar as crianças presas. Agora, meus colegas advoga-dos e eu podíamos ir ao tribu-nal durante o dia e, só de olhar, conseguíamos saber quais crianças haviam sido presas durante a noite”.

“Às vezes, tínhamos que esperar durante horas em ban-cos duros nas delegacias de polícia, pois os policiais faziam de tudo para tentar nos fazer desistir e ir embora. Porém, esperávamos até que nos mostrassem as crianças. Tentávamos de tudo para entrar em contato com suas famílias para avisar que seus filhos estavam presos e ajudá--las a comparecer no tribunal para poderem levar seus filhos para casa. É preciso lembrar que naquela época não havia telefones celulares. Era muito difícil encontrar até mesmo algum membro da família que tivesse telefone, mas, quando conseguíamos, podíamos real-mente ajudar a criança e ela tinha chance de ser liberada”.

Espancado até a morte “Um dia, em 1992, um meni-no de 13 anos, Neville

Snyman e seus amigos inva-diram uma mercearia e rou-baram doces, batatas fritas e refrescos. Quando a polícia os encontrou, eles foram levados para a cadeia, onde Neville foi estuprado e espancado até a morte. Jornais de todo o país contaram esta história cho-cante e muitas pessoas perce-beram, pela primeira vez, como as coisas eram ruins para crianças nas prisões”.

Para Ann, essa foi a gota d'água. Ela não aguentava mais.

“Percebi que, até então, eu estava apenas ajudando algu-mas crianças em uma cidade, quando precisávamos ajudar todas as crianças presas em todo o país imediatamente. Iniciamos uma campanha chamada ‘Liberte uma

Criança para o Natal’. Telefonei para centenas de pessoas, e cada advogado de direitos humanos da África do Sul telefonou para outro advogado, que telefonou para outro... criamos uma corrente de adultos que trabalharam em conjunto para garantir que mandássemos tantas crianças quanto possível para casa para o Natal. Conversei com o governo e as autorida-des prisionais e consegui con-vencê-los a cooperar comigo. Nós tiramos 260 crianças da prisão naquele ano!”.

Ameaçada de detenção Um dia, policiais de seguran-ça do apartheid fizeram uma revista de surpresa nos escri-tórios onde Ann e seus cole-

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Quando Nelson Mandela tor-nou-se presidente, em 1994, ele disse: “Devemos esvaziar as prisões de crianças!”. Ann foi designada para presidir a comissão que redigiria uma nova lei para as crianças.

Ann tornou-se uma advogada que fala-ria em nome das crianças e lutaria por seus direitos.

gas advogados de direitos humanos trabalhavam. Eles levaram os arquivos e muitos documentos em que Ann mantinha informações sobre as crianças que estava ajudan-do. Ann imediatamente per-cebeu que era possível que ela própria fosse detida, pois a polícia de segurança vinha prendendo seus colegas negros e milhares de outras pessoas que lutavam contra as leis do apartheid em todo o país na época. Ann foi direto para casa e telefonou para o marido. Ela disse que ele teria que aprender a dar mamadeira para seu bebê pequeno naque-le mesmo dia, para o caso de Ann ser a próxima a acabar na prisão. Seu marido ficou cho-cado, mas fez o que ela pediu, pois sabia que Ann não desis-tiria de seu trabalho pelas crianças, mesmo em face da ameaça de prisão.

Isso foi em 1992, e as coisas estavam mudando rapidamen-te. O apartheid caminhava para o fim, e foi um momento muito emocionante na África do Sul. Finalmente, após muitos anos de luta contra o sistema de apartheid, Nelson Mandela e outras pessoas que lutaram pela liberdade foram soltas das prisões. Era hora de sonhar sobre como um país decente trataria suas crianças.

Nelson Mandela tornou-se presidente em 1994 e, em seu primeiro discurso ao parla-mento, declarou: “Devemos esvaziar as prisões de crian-ças!”. E ele realmente preten-dia fazê-lo. Ann foi convidada para presidir uma comissão especial, que redigiria uma nova lei para menores infra-tores.

Perguntou às criançasEnquanto redigiam a nova lei, Ann e seus colegas decidi-ram pedir a opinião das crianças. Afinal de contas, a nova lei iria afetá-las! Estes foram alguns dos comentá-rios feitos pelas crianças:

“Crianças menores de 10 anos são jovens demais para

planejar um ato criminoso, a menos que haja uma pessoa mais velha incentivando-as a fazê-lo”.

“O policial conversou gen-tilmente comigo quando veio me prender. Porém, na dele-gacia de polícia as coisas mudaram. Fui torturado e até confessei coisas que não fiz, porque ele disse que eu havia feito tais coisas. É melhor que haja alguém, como um de seus pais ou um assistente social, junto com você duran-te o depoimento, para que não fique tão assustado”.

“A polícia simples - mente me levou e me prendeu. Eles não me disseram que eu tinha o direito de fazer um telefonema. Mesmo quando está preso, você tem que ser informado sobre seus direitos”.

“Não há camas em uma cela de prisão. Não se pode com-prar comida. Não há nin-guém para ajudá-lo quando você adoece. Você dorme com pessoas muito mais velhas, que abusam de você. Prisões levam a pensamentos suicidas quando se está deprimido”.

“Os tribunais devem ser mais infantis, com cartazes coloridos, tinta, móveis, doces. Os adultos não devem usar jaquetas pretas longas, pois parecem assustadores”.

Crianças são pessoas Ann explica que as

opiniões das crianças sobre prisões e tribunais conta-vam histórias de deses-pero e raiva. Elas expres-sam o terror e a solidão sentidos pelas crianças quando infringem a lei.

“Também nos contavam como os adultos

desapontam

as crianças quando estas estão em apuros, mas também nos diziam que, se realmente con-sultarmos suas opiniões e tra-tarmos seus pensamentos com dignidade e respeito, as crianças podem se expressar de maneira lógica e sensata, o que, por sua vez, pode nos ajudar a ajudá-las”.

Ann chama as crianças que ajuda de “clientes crianças”.

“Crianças são pessoas”, diz ela, “Elas precisam da oportunidade de participar das decisões que influenciam suas vidas. Uma das coisas que considero prazerosas é ajudar uma criança a organi-zar sua raiva ou rebeldia em ação construtiva, para que a criança possa encontrar maneiras de ajudar a mudar sua própria situação!”.

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O crime é pernicioso Ann sorri ao dizer:

“Hoje temos essa nova lei que redigimos, é o chamado Child Justice Act (Ato da Justiça da Infância). Ele entende que as crianças come-tem erros e que os adolescen-tes tendem a quebrar as regras. Se os tratamos como criminosos, há o risco de que eles entrem em contato com verdadeiros criminosos e endureçam, podendo até cometer crimes realmente graves quando crescerem. Se reconhecermos que eles fize-ram algo errado, mas lhes dermos uma segunda chance para acertar as coisas sem levá-los aos tribunais e pri-sões, é provável que apren-dam com seus erros e cresçam

como cidadãos cumpridores da lei, que respeitam os direi-tos das outras pessoas”.

“Menores não devem ser obrigados a arcar com as con-sequências de seus erros pelo resto de suas vidas, nem transformados em crimino-sos. A lei permite que sejam enviados para programas onde podem aprender o que é certo e o que é errado, como se comportar em relação a outras pessoas e porque o cri-me é pernicioso para os envol-vidos. Eles podem crescer e se tornar membros da sociedade cumpridores da lei”.

“No entanto, caso conti-nuem a cometer crimes ou se o crime tiver sido muito gra-ve, como homicídio, assalto à mão armada ou estupro, a nova lei determina que eles podem ser levados a julga-mento e, se condenados, serão enviados para uma institui-ção correcional ou prisão. Se forem para a prisão, deve ser pelo menor tempo possível e devem ser mantidos separa-dos dos adultos. Toda criança tem direito a um advogado; se não puder pagar, o Legal Aid

África do Sul (Assistência Judiciária financiada pelo governo) oferece um advoga-do gratuitamente”.

Um caso ajuda a muitos “Hoje em dia, meu trabalho não se limita a crianças na pri-são. Levo ao tribunal casos sobre muitas questões que afe-tam as crianças. Embora atu-almente tenhamos leis melho-res na África do Sul, estas leis nem sempre são seguidas, e as crianças sofrem. Às vezes

pegamos um caso em favor de muitas crianças de uma só vez, para que os seus direitos sejam cumpridos. Outras vezes, pegamos o caso de uma criança isoladamente, mas, se ganharmos, podemos ajudar todas as crianças na mesma situação – o caso de Shaafi é assim, o caso era sobre Shaafi, mas ajuda todas as crianças que estão pedindo asilo como refugiadas no Sul África, como Shaafi”.

Em um caso inicialmente envolvendo sete “escolas de barro” na África do Sul, Ann apontou que ela e o Centro de Direitos da Criança representavam crianças de toda a África do Sul que encontravam-se em situação semelhante à dos alunos daquelas sete escolas. O resultado do caso foi que o governo sul-africano prometeu gastar um total de 8,2 bilhões de rands (US$ 1,2 bilhão), para substituir todas as escolas de barro.

Ann acredita que, muitas vezes, o sistema falha com as crianças, e que os adultos precisam aprender a ouvir as crianças.

“Hoje, quando levamos casos ao tribunal, não é mais para ajudar crianças que já estão presas, como durante o apar-theid. Agora já aprendemos que o que acontece naquele tribunal pode afetar milhares de crianças”.

Em outra época, esses dois meninos lendo a revista O Globo em uma instituição correcional estariam na prisão. Porém, a nova lei para crianças em que Ann está envolvida enfatiza a necessidade de cuidado e reabilitação de menores infratores, em vez de punição.

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Shaafi foi bombardeado, roubado, ilegal e agora é legalQuando a casa de Shaafi na Somália foi bombardeada, ele fugiu e viajou por quatro países antes de chegar à África do Sul. Lá, ele se tornou “ilegal” e foi preso. Ann Skelton e a Lawyers for Human Rights levaram seu caso ao Supremo Tribunal, para lutar por seu direito, e os de outras crianças refugiadas, de ser “legal”...

Abra a porta!” O homem sibila o

comando em voz baixa, enquanto os olhos de Shaafi se dirigem rapidamente para a arma na mão do homem, apoiada no balcão da loja de entre eles. Ele corre e destran-ca a porta da loja. Os dois homens entram e batem em Shaafi, que cai no chão.

“Onde está o dinheiro?” – perguntam os ladrões.

Shaafi aponta para as moedas e notas nas duas caixas de papelão ao lado do balcão da loja.

“Se você gritar por socorro, o mataremos”, adverte um dos homens, apontando sua arma para Shaafi. O outro homem esvazia as caixas cheias de moedas e notas em um saco e pega algumas latas de peixe atrás do balcão da loja. Eles se vão tão rápido quanto vieram.

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Reza cinco vezes Poucos minutos depois, uma mulher chega para comprar pão. Em seu inglês ruim, Shaafi explica a ela que está sem troco hoje.

“Quantos ovos posso levar no lugar do troco do pão?” – pergunta ela.

Shaafi faz um rápido cálcu-lo mental. “Três”, ele respon-de e, cuidadosamente,

Shaafi se levanta e tranca a porta atrás dos homens. Suas mãos tremem, mas ele man-tém o controle e a compostu-ra. O somali dono da loja o deixou cuidando da loja hoje, porque tinha negócios impor-tantes para resolver. Eles já foram roubados antes, e Shaafi está determinado a não desapontar seu patrão. Ele precisa deste emprego.

embrulha os ovos em jornal. Shaafi dorme debaixo do

balcão da pequena loja, onde seu colchão e cobertores ficam dobrados durante o dia. Quando o sol se põe, ele tran-ca a porta da loja e, ao nascer do sol, destranca. Entre esses dois horários, Shaafi tem muito medo de ir ao banhei-ro, o qual tem permissão para usar no quintal do vizinho.

Ao lado de sua cama, em uma prateleira com os ali-mentos enlatados, está sua única posse, uma mala. Dobradas dentro dela, estão suas poucas peças de roupa e o Corão, que ele usa cinco vezes por dia, quando ora para Alá. Suas orações são pela segu-rança de sua família na Somália, por seu próprio futuro na África do Sul e,

Crianças desacompanhadas Crianças como Shaafi, que cruzam fronteiras sozinhas, são chamadas de “crianças desacompanhadas” ou “menores desacompanhados”. Algumas delas o fazem porque estão fugindo de algo ruim que está acontecen-do em seu país, como guerra ou fome. Outras vivem em países onde a maioria das pessoas é muito pobre e se mudam na esperança de encontrar oportunidades melhores em outro país – como educação ou, se forem maiores de 15 anos, emprego. Outras ainda podem estar à procura de membros da família de quem foram separadas. Quando crianças viajam sozinhas, isso pode ser perigoso, pois estranhos podem tentar abusar delas. Ao chegarem ao novo país, elas podem ter difi-culdade para encontrar um lugar para morar ou uma escola para frequentar, por não terem documentos para mostrar que estão autorizadas a ficar no país. Advogados podem ajudá-las a obter documentos e impedir que sejam “deportadas”, que significa serem enviadas de volta para seus países de origem. Se uma criança nunca puder voltar para seu próprio país por-que a situação lá continua perigosa, ela pode tornar-se “refugiada” no novo país e, eventualmente, obter autori-zação para ficar ali permanentemente. Na África do Sul há muitas crianças desacompanhadas de outros paí-ses africanos, como Zimbabwe, Moçambique, República Democrática do Congo e Somália.

Shaafi dorme debaixo do balcão da loja.

Shaafi mantém suas únicas posses em uma pequena mala. Ele abre a mala cinco vezes por dia, para tirar seu Corão e rezar para Alá. Suas orações são por sua família e seu próprio futuro.

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Shaafi Daahir Abdulahi ,17

licença de trânsito que lhes dava 14 dias para chegar até o escritório de refugiados mais próximo.

Preocupado e preso “Os adultos no meu grupo pagaram pelo meu transporte para Johannesburg e, em tro-ca, eu carregava suas baga-gens”, diz Shaafi. “Porém, quando chegamos ao escritó-rio de refugiados para solici-tar minha licença de reque-rente de asilo, as pessoas lá me recusaram, afirmando que eu era uma criança. Eles me

disseram para ir ao Departa-mento de Desenvolvimento Social do governo sul-africa-no. Eu não sabia o que era o tal departamento ou onde encontrá-lo. Eu estava come-çando a ficar preocupado, pois minha licença de 14 dias estava prestes a expirar. Eu tinha que encontrar um lugar para morar e um trabalho para comprar comida”.

“Foi então que comecei a trabalhar para o somali dono da loja. Comecei a aprender inglês com meus clientes. Procurei uma escola por ali, e me ofereceram uma vaga em uma escola muçulmana, mas não pude me matricular por-que eu não tinha documentos para provar quem eu era, mas também não teria condições de pagar as mensalidades”.

“A polícia fiscalizou a loja em dezembro de 2010 e pediu

para ver minha licença de tra-balho. Como eu não falava inglês, o dono da loja explicou que eu não poderia obter a licença, uma vez era apenas uma criança. O policial me prendeu e disse que eu estava ilegal e que, se eu realmente era uma criança, não deveria estar trabalhando. O dono da loja deu-lhe 30 rand e então ele me libertou”.

“Leis de Ann” protegem “Algumas semanas depois, um policial fiscalizou a loja novamente, mas, felizmente, não me levou para a cadeia. Todavia, minha sorte acabou quando outro policial pediu para ver a minha licença, quando eu caminhava na rua. Fui preso e molestado na van da polícia por cerca de uma hora. Eu fui liberado quando um amigo foi à delegacia e

principalmente, para conse-guir ir à escola.

Casa bombardeada Como Shaafi acabou traba-lhando e morando em uma loja de esquina no perigoso subúrbio de Mamelodi em Tshwane, África do Sul?

Em setembro de 2010, a casa Shaafi em Mogadishu, capital da Somália, foi bom-bardeada. Seu pai morreu e sua mãe e irmãos fugiram em direções diferentes no pânico que se seguiu. Inúmeras casas foram bombardeadas naquele dia, e soldados dos grupos de milicianos balearam muitas pessoas. Shaafi se juntou a um grupo de sobreviventes que fugiram para salvar suas vidas. Ele deixou sua cidade natal apenas com a roupa do corpo, sem saber se sua mãe estava viva ou morta.

Durante semanas, Shaafi e as famílias de refugiados via-jaram a pé e de carro a cami-nho da África do Sul, na espe-rança de viver naquele país. Eles atravessaram o Quênia, a Tanzânia, a Zâmbia e, final-mente, o Zimbabwe. Foi uma jornada perigosa. Eles tive-ram seu dinheiro roubado na Zâmbia e tiveram que passar várias noites no mato, antes de finalmente chegarem à fronteira entre a África do Sul e o Zimbabwe. Ali, eles decla-raram aos oficiais de fronteira que estavam buscando asilo e pediram uma licença para solicitar a condição de refu-giados. Eles receberam uma

ADORA: Ler o Corão e rezar por paz na vida. DETESTA: Guerra. A PIOR COISA: Quando minha casa foi bombardeada, meu pai mor-reu e minha mãe desapareceu. A MELHOR COISA: Quando Ann Skelton me ajudou a ser legalizado na África do Sul, para que eu não volte a ser preso. ADMIRA: Alá. QUER SER: Bem sucedido na vida. Ter minha própria família e poder cuidar dela. SONHO: Encontrar minha mãe.

Entre o por e o nascer do sol, Shaafi tem muito medo de destrancar a loja para ir até o banheiro, o qual tem permissão de usar, no quintal do vizinho.

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pagou 50 rands por mim. Eu vivia com medo e não tinha como organizar minha vida e nem mesmo podia pensar sobre a escola”.

“Outros somalis me acon-selharam a procurar a Lawyers for Human Rights e pedir ajuda para obter minha licença. O advogado foi gentil comigo e explicou que o governo sul-africano tem uma lei que protege as crian-ças refugiadas, como eu. Eles me levaram para o Departamento de Desenvolvimento Social. Os adultos deste local se recusa-ram a me ajudar, argumen-tando que não havia nenhu-

ma lei que os obrigasse a aju-dar crianças estrangeiras refugiadas”.

O governo não conhecia as leis de seu próprio país. A África do Sul assinou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que pro-tege o direito das crianças refugiadas a processos de asi-lo. Ann Skelton decidiu aju-dar Shaafi. Ela sabia que a África do Sul tinha novas leis para proteger as crianças, porque havia presidido a redação destas leis. Ela sabia que Shaafi tinha o direito de ir à escola, de receber trata-mento em um hospital quan-do precisasse e de ser protegi-do do assédio da polícia e de outros adultos.

No Supremo Tribunal Juntos, Shaafi e Ann foram ao Supremo Tribunal. O juiz intimou o Departamento de Desenvolvimento Social a

comparecer no tribunal. Agora, todas as pessoas que haviam se recusado a ajudar Shaafi teriam que ouvir sua história. Foi isto que Ann e Shaafi solicitaram ao Supremo Tribunal: •Concederimediatamentea

Shaafi sua licença de reque-rente de asilo, a qual diz quem ele é e lhe permite

acesso a seus direitos legais. •Declararquetodasascrian-

ças refugiadas sem os pais recebam a mesma licença. •OrdenaraoDepartamento

de Desenvolvimento Social que faça uma lista de todas as crianças refugiadas sem os pais e escrever um plano para que elas reivindiquem seus direitos.

Shaafi é “legal”Shaafi agora é uma pessoa “legal”, com os direitos, mas sua licença não pode protegê--lo da xenofobia de pessoas que não gostam dele só por ser de outro país e religião. No entanto, essa licença per-mite que Ann o ajude a plane-jar seu futuro.

Shaafi agora tem uma licen-ça de requerente de asilo, mas

Esta é a vista que tem Shaafi de dentro da pequena loja onde fica quase 24 horas por dia.

Quando não há clientes, Shaafi brinca com algumas crianças fora da loja.

“Eu tinha 8 anos quando os soldados da comunidade Mai Mai me tiraram da sala de aula. Antes disso, eu morava com minha mãe em Bukavu, que fica na parte oriental da República Democrática do Congo. Muitos outros meni-nos foram levados junto comigo para um lugar onde nos ensinaram a usar armas

de fogo. Depois de algum tempo, consegui fugir junto com quatro de meus amigos. Viajamos por diferentes paí-ses, ficando em vários luga-res. Eu conheço bem o mapa da África! Eventualmente, acabei na África do Sul. Eu recebi ajuda, tenho um lugar para morar e as minhas men-salidades e transporte esco-lar são pagos. Alguns sul-

-africanos não gostam de estrangeiros, e às vezes os estrangeiros são atacados por causa de xenofobia. Nessas ocasiões, eu tenho medo de sair e, em uma fase assim, não frequentei a esco-la durante um mês inteiro, pois estava com medo de pegar o trem. No entanto, compartilhei minha história com as crianças de minha

escola, porque quero que outras crianças entendam que a vida pode ser difícil para crianças que vivem separadas de suas famílias, longe de casa. Depois deste ano, ainda tenho mais um ano na escola. Quando concluir, espero estudar política inter-nacional”.Joshua Masudi, 17 anos

Difícil viver longe de casa

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Badly treated99

RacismXenopho

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deveria ir para onde o man-dassem, mas Ann escuta. Ela sabe que a liberdade de prati-car sua religião e a liberdade de não sofrer assédio moral são direitos humanos básicos, e que as crianças são seres humanos. Ela agora tem uma nova missão. Está pensando em como criar um lar especial

para crianças refugiadas, onde crianças como Shaafi possam sentir-se livres para lembrar a cultura de sua famí-lia, sem discriminação ou medo.

isso não é suficiente. Em uma tarde fria de inverno, Ann Skelton se dirige para o subúrbio de Mamelodi, onde Shaafi trabalha. Ela corre o risco de ser assaltada e até mesmo perder sua vida, só por sentar-se na esquina, ao lado da loja, para descobrir o que Shaafi deseja para o futu-ro. Ela quer ajudá-lo a cons-truir sua vida e realizar seus sonhos.

“Há algo que eu quero te dizer”, afirma ele, “Encontrei recentemente outro menino que fugiu da minha cidade natal na Somália, onde a guerra ainda continua. Ele me disse que meu irmão mais novo estava vivo. Os soldados o haviam levado para que se tornasse um soldado como eles em sua guerra. Ele disse que ninguém tinha visto ou ouvido falar da minha mãe”.

Respeitar minha religião “Shaafi, agora que seus direi-tos na África do Sul foram reconhecidos, você quer que eu encontre um lar infantil seguro onde você possa morar e ir para a escola?” – Ann per-gunta.

Shaafi não precisa pensar para formular sua resposta. “Quero ir para a escola, mas não para um lar infantil”.

“Por que você não quer ir para um lar seguro?” – Ann quer saber.

“Não me deixariam rezar cinco vezes por dia e respeitar minha religião. Minha cultu-ra é diferente, e as outras crianças me perseguiriam ou zombariam de mim, como fazem aqui”.

Ann acena com a cabeça. Ela entende. Muitos adultos teriam dito que ele é ingrato e

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Ann Skelton pergunta o que Shaafi quer fazer agora que seus direitos na África do Sul foram reconhecidos.

“Não quero ir para um lar infantil, pois não respeitariam minha religião, e as outras crianças zombariam de mim”, diz Shaafi.

Dê sua opinião sobre a xenofobia e o racismo Você já teve alguma experiência enfrentando xenofobia ou racismo? Conte para o Prêmio das Crianças do Mundo sua história e seus pensa-mentos sobre tratar “outras” pessoas mal.

“Xeno” significa estrangeiro e “fobia” significa medo; por-tanto, a palavra xenofobia significa literalmente “medo dos estrangeiros”. Por que as pessoas teriam medo dos estrangeiros, que também são seres humanos? Em alguns países, principalmen-te onde há muitas pessoas pobres, elas temem que os

estrangeiros que chegam ao país consigam empregos e outras oportunidades, como educação, em seu lugar. Às vezes, essas pessoas que temem os estrangeiros usam de violência para tentar força-los a irem embora – ameaçando-os, ferindo-os ou danificando seus bens e, em alguns casos, até mesmo

matando-os. Isso deixa os estrangeiros, inclusive crian-ças, muito assustados. Eles geralmente não podem voltar para seus países devido a guerras ou outras situações de risco que acontecem lá. A xenofobia também pode evoluir para racismo.

Xenofobia e racismo fazem as pessoas tratarem outros seres humanos mal

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Crianças Encarceradas Caso de Ann mudou lei para todas as crianças da África do Sul

A melhor mãe que eu poderia ter

Michael

O Tribunal Constitucional da África do Sul é um

tribunal muito importante, pois pode decidir se uma lei está de acordo com os direi-tos determinados na Constituição Sul-Africana. A Constituição é a lei mais importante de um país, e nenhuma outra lei ou ações das pessoas não pode ir contra ela. Qualquer pessoa que tenha seus direitos lesa-dos pode levar um caso ao tribunal, inclusive crianças, desde que alguém lhes dê assistência.

Um dos casos que Ann levou ao Tribunal Constitu-cional em nome de todas as crianças da África do Sul foi sobre uma lei que permitia que crianças ficassem pre-sas por um longo tempo, até mesmo prisão perpétua. A Constituição determina que a detenção de crianças seja usada somente como o últi-mo recurso, e que o tribunal deve sempre tentar encon-trar outro tipo de sentença, e pelo menor período de tem-po possível.

O Tribunal Constitucional considerou que a lei que per-mitia sentenças longas e até mesmo a prisão perpétua para crianças ia contra os direitos da criança na Constituição, e determinou que tal lei fosse removida dos livros de direito. Crianças não podem mais ser senten-ciadas à prisão perpétua. Esse caso importante mudou a lei para todas as crianças na África do Sul, pois todos os juízes de todos os tribu-nais do país devem obede-cer aquilo que o Tribunal Constitucional determina.

Quando Nelson Mandela se tornou presidente, em 1994, havia

muitas crianças presas na África do Sul. O governo de Mandela pediu

que Ann Skelton desenvolvesse um novo sistema judiciário para crianças. Em 2010, o Ato da Justiça da Infância, desen-volvido por uma comissão liderada por Ann, foi colocado em prática. A lei enfatiza a necessidade de cuidado e reabilitação para crianças infratoras, ao invés de pu-nição. Atualmente, a maioria das crianças que infringem a lei na África do Sul é libera-da mediante a presença dos pais. Quando são detidas, a maior parte vai para institui-ções correcionais, onde recebem terapia especial e há cursos de arte, carpintaria, soldagem, encanamento, oficinas de estofador e esportes.

Quatro garotos do centro Horizon BOSASA em Cape Town contam como se envolveram em problemas e quais são seus sonhos para o futuro.

“Tive uma ótima infância com a melhor mãe que um garoto pode ter. Quando eu tinha dois meses, minha mãe se divorciou do meu pai porque ele estava usando drogas. Eu não vi meu pai até meus 5 anos de idade. Tive uma vida ótima até os 15 anos, quando um amigo me apresentou às drogas. Eu me viciei rapidamente e comecei a roubar. Minha mãe percebeu que as coisas sumiam da casa e que eu estava emagrecendo e não quase não comia. Então, numa noite ela perguntou, ‘Dominique, você está usando drogas?’, eu respondi, ‘Está louca?’. Eventualmente, minha mãe colocou-me em um lar para garo-tos viciados em drogas. Fiquei lá por cerca de uma semana. Depois, roubei um laptop e acabei detido. É por isso que estou em BOSASA. Faço parte de um programa que me ajuda com meu vício. Os adultos aqui são gentis conos-co, mas todos os dias eu tenho vontade de ir para casa.

“Quero deixar de ser viciado em dro-gas e um dia tornar-me conservacionis-ta da natureza. É assim que pretendo pedir desculpas à minha mãe por tê-la magoado”.Dominique

O rosto sorridente é Dominique cumprimentando sua mãe.

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Crianças Encarceradas

Fiz escolhas erradas Desculpe, mãe

Minha família é tudo para mim

Os meninos estão escrevendo suas histórias de vida.

Brandon

“Quando eu tinha 3 anos, meus pais começaram a beber e a me bater. Um assistente social me levou para um lar infantil. Aos 7 anos, me enviaram para pais adotivos que eu não conhecia. Eu fiquei por um ano e depois fugi, pois eles estavam zombando de mim. Quando eu tinha 9 anos, me mandaram para outro lar adotivo. Eu brigava muito, pois quando me perguntaram se eu tinha pais de verdade, eles riram. Foi por isso que fiquei com muita raiva e comecei a brigar.

“Aos 12 anos, eu comecei a pergun-tar onde estavam meus pais verdadei-ros. Tornei-me muito agressivo. Foi por isso que eles me mandaram para outro lugar, bem longe. Um dia eu pedi dinheiro a meus pais adotivos e eles me xingaram. Eu fugi e comecei a invadir casas e roubar coisas das pessoas. Eu fui pego e me sentenciaram a seis meses de prisão. Depois disso, eu rou-bei novamente e, em 2010, recebi uma sentença de 2 anos. Não tenho orgulho do que eu faço. Fiz escolhas erradas na vida. É por isso que quero que alguém me ajude a parar de invadir casas”.Michael

“Meus pais se divorciaram há muito tempo. Meu pai casou-se novamente e teve cinco filhos com sua nova esposa. Ele não se importa comigo, e minha mãe trabalha para sustentar sozinha minha irmã e eu. Eu fui à escola até o nono ano, mas comecei a usar drogas com meus amigos. Isso bagunçou toda a minha vida. Começamos a roubar para pagar as drogas que consumía-mos. Fui preso por arrombamento e roubo. No tribunal, me mandaram para o Presídio Pollsmoor por quatro sema-nas, mas quando eu compareci no tri-bunal novamente, me mandaram para BOSASA. Espero que da próxima vez que eu comparecer no tribunal, me dei-xem ir para casa. Se eu for sentenciado, eles me enviarão outra vez para o Presídio Pollsmoor, pois terei mais de 18 anos e não serei mais uma criança.

“Eu quero pedir desculpas à minha mãe, que trabalhou tanto para pagar as mensalidades da escola. Se eu tiver a sorte de não ser sentenciado, quero terminar meus estudos e me esforçar para conseguir ser engenheiro automotivo”.Kevin

“Meu pai morreu em um acidente de motocicleta quando eu tinha sete anos. Minha mãe estava junto com ele na moto-cicleta e, por causa do acidente, não pode mais trabalhar. Por isso, nós está-vamos constantemente lutando contra nossas necessidades em casa. Minha família é tudo para mim.

“Eu andava com más companhias e acabei nas ruas em busca de dinheiro para meu problema com drogas. Parei de ir à escola. Fui preso porque fiquei zangado com minha mãe e fiz muitas besteiras por causa das drogas. Eu bati no seu ombro e ela se machucou. Ela me denunciou para a polícia, pois disse que eu precisava aprender o quanto o que eu havia feito estava errado. Minha mãe dis-se que retiraria a queixa na polícia se eu cooperasse. O tribunal me mandou para BOSASA onde eu agora estou partici-pando de um programa de controle da raiva que me ajuda a combater minha ânsia por drogas. Meu sonho é concluir meus estudos na escola e ser soldador em uma plataforma de petróleo e um dia ter uma boa casa e um carro”.Brandon

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Quando chove, não tem aula

O caso de Ann fez bilhões para as escolas de barroO caso das “escolas de barro” começou com sete

escolas de ensino fundamental da província de Eastern Cape, na África do Sul, que eram desprovidas do mínimo básico necessário a uma escola. As constru-ções são feitas de barro, não há água corrente e as crianças não têm mesas e cadeiras suficientes.

A escola de Zinathi, Tembeni Junior Primary, é uma destas escolas. São 220 estudantes compartilhando 53 mesas, e em algumas salas não há nenhuma cadei-ra. Em outra escola, Nomandla Senior Primary, as crian-ças precisam usar as costas de seus colegas como apoio para escrever, pois não há mesas. Os pais e alu-nos dessas escolas resolveram ir ao tribunal (ajudados por seus advogados do Legal Resources Centre – Centro de Recursos Jurídicos) para exigir a reforma das escolas, água corrente e mesas e cadeiras suficientes nas salas de aula.

Ann escreveu uma declaração juramentada (uma pro-messa de que está falando a verdade) para o tribunal. Nesta declaração, ela afirmou que sua organização, o Centre for Child Law (Centro de Direito para a Infância), apoiava o que os pais e alunos destas sete escolas queriam, mas também que o problema era muito maior. Ela apontou que havia muitas escolas construídas com barro por toda a África do Sul, as quais não tinham mesas e cadeiras suficientes. Foi importante o Centre for Child Law unir-se ao caso, pois eles representam crianças na mesma situação em toda África do Sul. Isto significa que o governo não podia resolver o problema somente destas sete escolas.

O resultado deste caso foi que o governo da África do Sul prometeu, por escrito, que nos próximos três anos, reformariam todas as escolas de barro do país e garan-tiriam que houvesse água corrente e mesas e cadeiras suficientes. Prometeram gastar 84 milhões de rand (US$ 11,5 milhões) nas sete escolas, e um total de 8,2 bilhões de rand (US$ 1,2 bilhão) para substituir todas as escolas de barro da África do Sul.

7h Zinathi se levanta de sua esteira de junco e lava-se em uma bacia com água.

Zinathi é aluna da Tembani Junior Primary, uma das muitas escolas de barro da África do Sul. Quando chove, Zinathi e seus colegas só con-seguem chegar às salas de aula usando tábuas como pontes.

“Como meu sonho para mudar nossas vidas depende de que eu estude, entristeço-me quan-do não posso ir”, diz Zinathi. Ela espera que as coisas melhorem agora, pois sua escola é uma das escolas de barro que o governo sul-africano prometeu substituir.

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ZinathiQuando chove, não tem aula Apartheid destruiu florestasO bosque que cerca o vilarejo onde Zinathi

mora está em perigo. Esta área era conheci-da como a suposta nação Transkei até 1994, quando o apartheid foi abolido. Milhares de pes-soas se amontoavam em uma pequena extensão de terra que ficou tomada pelo gado e planta-ções. As pessoas aqui são muito pobres e dependem dos pequenos bosques que restaram para obter lenha, água e pasto para seus ani-mais. Todavia, em outros lugares da Província de Eastern Cape, o governo estabeleceu progra-mas de proteção ambiental e parques de caça para proteger os recursos naturais. 7h30

Zinathi caminha para a escola com sua amiga, Amanda Puzi. O cami-nho é longo, quatro quilômetros para ir e voltar. “Isso nos mantém em forma!”, diz Zinathi.

8h Zinathi e Amanda formam uma fila com outras crianças da escola e entram em sua sala de aula de barro, onde estudam até às 14h.

Z inathi está sentada junto ao fogo que aquece a casa

tradicional da família na pequena aldeia de Ngqeleni. Ela observa as faíscas lança-das misturando-se à fumaça enquanto sobem em direção à abertura do telhado de sapé de sua casa.

Lá fora está chovendo forte. Zinathi e seus amigos não podem ir à escola hoje, por-que a estrada está cheia de

lama e, além disso, são quatro quilômetros de caminhada até a escola. Todos eles esta-riam completamente ensopa-dos ao chegar lá.

Tirar a água“Quando chegamos na escola depois de uma chuva como esta, temos que tirar a água das salas de aula antes estu-dar. Nós pegamos algumas tábuas que usamos como

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Zinathi Ngxokagi, 12ADORA: Ter carne suficiente na refeição para mim e minha família.DETESTA: Crime.A PIOR COISA: Minha amiga ter sido atacada em nossa vizinhança, pois ninguém mais está seguro.A MELHOR COISA: Quando ganharmos uma nova sala de aula, com janelas, um telhado e muitas cadeiras.ADMIRA: Nelson Mandela. QUER SER: Policial, para deter os criminosos.SONHO: Estar protegida nos arredores de casa. Ter um vestido verde novo.

mesas e fazemos uma peque-na ponte na porta da sala. Nossa escola é feita de barro e não tem janelas ou portas e a chuva goteja em nossos livros. É difícil de aprender nas nos-sas salas de aula, mesmo quando não está chovendo”.

Zinathi está frustrada por não poder ir à escola, mas ela tem muito trabalho a fazer em sua casa e na propriedade da família. Ela é responsável por ajudar a manter o estoque de mingau de farinha de milho, uma tarefa que demanda tempo.

Quer uma mudançaA chuva diminuiu e Zinathi pode fazer uma fogueira do lado de fora, para cozinhar. Quando a água do caldeirão preto ferve, ela adiciona algu-mas xícaras da farinha de milho recém-moída, mistura e deixa cozinhar por uma

hora ou mais. Sua mãe rece-beu açúcar de uma amiga hoje. Adicionando um pouco de suco de limão, hoje a refei-ção terá um bom sabor agri-doce.

Enquanto espera, Zinathi trabalha tecendo a esteira que ela está fazendo com junco que recolheu no rio. Ela dor-me em uma esteira de junco no chão de terra do quarto da família.

Porém, Zinathi está cansa-da de comer mingau de fari-nha milho todos os dias e dormir na esteira de junco no chão. Ela quer mudar a situa-ção da família de sua família.

“Eu quero ir à escola, para conseguir bons resultados e me tornar uma policial. Sei que ir à escola me ajudará a nos livrar, algum dia, do tipo de vida que temos. Não quero comer mingau de milho toda noites. Também desejo dor-mir em uma cama, com um travesseiro macio, como já vi que outras crianças do vilare-jo fazem”.

“Com o meu primeiro salário de policial, vou com-prar uma geladeira, como a do meu vizinho, e colocar carne e legumes dentro”.

Roubo e abusoProporcionar uma vida melhor para sua família não é o único motivo para Zinathi desejar tornar-se policial quando terminar os estudos.

“Há muitas pessoas nesse

vilarejo que não trabalham e roubam das outras”, diz ela.

“Quero mudar isso. Meu sonho é tornar-me policial quando crescer, assim, pode-rei proteger minha família e vizinhança”.

Há pouco tempo, uma ami-ga de Zinathi foi atacada por um homem no bosque nos 15h

Zinathi volta para casa e come um pouco do mingau do caldeirão que está no fogo. Hoje tem limão e açúcar para colocar no mingau – uma delícia!

16hZinathi busca água e recolhe lenha no bosque. Quando chega ao riacho, ela lava suas roupas em uma bacia.

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arredores de sua propriedade. Desde então, as meninas fica-ram com medo de se afasta-rem de suas casas. Mesmo assim, elas precisam formar pequenos grupos para ir ao bosque quase todos os dias, pois dependem das árvores para a lenha e do riacho para ter água para beber e se lavar. Não há lojas no vilarejo de Zinathi, por isso as pessoas têm que se contentar com os recursos da natureza para viver.

“É por isso que fico chatea-da quando não consigo apren-der na escola. Meu sonho de mudar nossas vidas depende de minhas notas. Só poderei ir para a Academia de Polícia se eu terminar a escola com boas notas”.

17hÉ hora de mais tarefas domésticas. Zinathi mói o milho para fazer farinha para o mingau. Ela recolhe vários punha-dos de grãos secos de milho e coloca na velha pedra de moer de sua avó.

21hZinathi dorme no chão, em sua esteira de junco.

Zinathi está tecendo sua nova esteira de dormir e um cesto. Ela conhece este padrão de tecelagem tão bem que poderia fazê-lo de olhos fechados. É uma atividade manual tradicional que ela aprendeu quando era pequena.

A nova escola!Em breve a escola se mudará para o novo edifício. Zinathi varre seu exterior para que fique limpo.

Uniforme escolar limpoNos dias seguintes à chuva, o uniforme escolar se suja facilmente no longo caminho para a escola. Zinathi o lavou e deixou impecável.

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Os amigos de Zinathi

“Eu gosto de assistir TV. Não gosto da pobreza e do crime em minha vizinhança. Quero estudar e tornar-me enfermeira um dia”. Amanda Puzi, 12

“Gosto de jogar futebol. Não gosto dos valentões da escola. Quero ser rico um dia, para ter condições de oferecer boa comida para minha família, uma casa, e um automóvel”.Magwenqana Masithebe, 12

“Gosto de jogos. Eu não gosto do crime, pois machuca as pessoas. Quero ser uma estre-la da TV. Emihle Sawulisi, 12

“Eu gosto de jogar futebol. Não gosto da escola. Quero morar em uma casa feita de tijolos, com janelas, e dirigir um auto-móvel”. John Asiphe, 13

“Gosto de dirigir um automóvel. Eu odeio a violência do meu vilarejo e quero ser professora para ajudar as pessoas a se tornarem alguém na vida”.Nelisa Sonyaka, 11

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Um rap para o anjo de Wonder

Quando Wonder Machethe tinha 10 anos, ele começou a fugir de casa. Aos doze anos, ele foi preso em um lar infantil, onde os meninos deveriam

receber amor, uma vida decente e educação. Em vez disso, Wonder vivia

com medo e quando chovia, sua cama ficava molhada.

Quando Ann Skelton apareceu na vida de Wonder, ela fez o que já vinha fazendo há anos: ajudar muitas crianças ao levar um caso para o tribunal. Ela processou o lar infantil onde Wonder vivia no tribunal e venceu. O juiz decla-rou: “Nós traímos essas crianças” e ordenou que o lar infantil fizesse mudanças e se tornasse um bom lugar para as crianças. Desde então, esta decisão deve ser colocada em prática por lares infantis em todo o país.

“ A casa era dolorosa demais para mim.

Nós dividíamos uma casa com várias famílias, muitas das quais eram muito pobres,

como nós. Sempre havia alguém gritando, bêbado ou drogado, brigando com sua esposa ou vizinho ou filho.

violência na minha

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Eu vivia com medo e, um dia, simplesmente abri a porta e fugi. Eu não sabia para onde estava indo, mas acabei pegando uma carona para fora da cidade. Eu sabia que meu tio morava numa peque-na vila na província de Limpopo, e decidi tentar encontrá-lo. Levei dias, mas no fim acabei conseguindo. Quando cheguei à sua casa, ele foi gentil, mas disse que eu tinha que voltar para a casa de meus pais e me colocou em um ônibus”.

“De volta a Johannesburg, eu fiquei por um tempo, mas me cansei novamente das per-seguições na escola e da vio-lência em casa e fugi outra vez. Eu vaguei bastante pela cidade e, uma noite, acabei dormindo no banheiro da estação de trem de Johannesburg. Na manhã seguinte, um segurança me encontrou. Ele me entregou à polícia, pois afirmou que eu não podia dormir ali”.

Sentia-se ameaçadoOs dias de fuga de Wonder haviam chegado ao fim. Ele tinha 12 anos quando foi pre-so em um lar infantil chama-do Escola Luckhoff.

“Era um lugar horrível. Chovia em nossas camas e sempre me sentia ameaçado pelo diretor da escola e sua esposa. Eles não se importa-vam com as crianças e eram muito severos quando nos puniam. Quando um dos meninos machucou outro

com uma faca, ele foi mantido em uma cela por três sema-nas, mas saiu de lá pior do que havia entrado”.

“Aquele era um lugar onde a polícia e o estado colocavam as crianças cujos pais não tinham condições de cuidar delas. Eles chamavam de esco-la industrial, pois deveríamos aprender algum ofício, como soldagem, carpintaria ou mecânica de automóveis. Mas não aprendíamos nada disso”.

“Eu era muito bom na esco-la e gostava de praticar espor-tes. Eu jogava futebol, e entrei para o time. Isso aumentou minha confiança e eu me senti muito bem quando o profes-sor de esportes me convidou para ir à sua casa num sábado à tarde. Ele veio me buscar e lhe contei como me sentia e o quanto eu queria uma chance

para trabalhar duro e praticar esportes. Eu disse que me sen-tia em perigo de viciar-me nas drogas que as crianças contra-bandeavam dentro e fora daquele lugar. Ele me ouviu e fez-me sentir compreendido por um adulto pela primeira vez em minha vida”.

Ann entra em açãoAnn Skelton encontrou Wonder neste lugar quando ele tinha 12 anos. Ele a chama de anjo. Ann lembra muito bem do dia em que conheceu Wonder. Há cinco anos, ela visitou a Escola Industrial Luckhoff para fazer uma vis-toria depois de receber um telefonema anônimo sobre as condições das crianças naque-la escola. Ann e Wonder acham que foi o professor de esportes de Wonder quem fez aquele telefonema, pouco depois que Wonder lhe con-tou o que se passava.

“Eu fui até a escola para fazer uma vistoria e a encon-trei em péssimas condições. As camas das crianças eram ruins, havia goteiras no telha-do e, quando chovia, as crian-ças se molhavam. Os coberto-res eram muito finos e velhos.

As janelas estavam quebradas e não havia segurança em vol-ta do edifício”.

Ann não perdeu tempo e levou a Escola Luckhoff para o Supremo Tribunal. Os adul-tos dessa escola do estado ten-taram se defender no tribunal dizendo que não tinham dinheiro para comprar cober-tores. No entanto, tinham dinheiro para pagar o proces-so judicial!

“Nós os traímos”O juiz declarou que a Escola Luckhoff violou os direitos das crianças e as leis do país. Ele ordenou que eles forne-cessem sacos de dormir para cada criança imediatamente e que fosse construída uma cer-ca de segurança em volta da escola. Ele também solicitou que eles escrevessem um pla-no para que as crianças fos-sem cuidadas por adultos ins-truídos e preparados para tra-tá-las bem e que informassem ao juiz sobre seu progresso em poucas semanas. Ele declarou:

“Que mensagem enviamos para as crianças quando dize-mos que vamos retirá-las das casas de seus pais porque elas

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RGWonder com suas irmãs Ashley, 12 anos, e Robin, 10 anos. Ashley diz:

“Admiro meu irmão pois ele cuida de mim, conversa comigo. Ele foi a uma boa escola e por isso me ajuda com os deveres de casa e me diz que estudar é a melhor coisa que eu posso fazer pela minha vida”.

Ann Skelton encontrou Wonder no lar infantil quando ele tinha 12 anos.

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merecem ser bem tratadas, e depois negligenciamos total-mente este cuidado a elas? Nós as traímos, e ensinamos a elas que nem a lei, nem as ins-tituições estatais são confiá-veis para protegê-las”.

Ann afirma que não basta fazer boas leis para proteger as crianças.

“Também precisamos ensi-nar essas leis para os adultos, como fizemos na Escola Luckhoff. Muitos adultos não sabem como proteger e apoiar as crianças. Eles devem aprender uma nova maneira de tratar as crianças, um modo bondoso de tratá-las. Este caso fez a diferença não só para as crianças da Escola Luckhoff, mas para todas as crianças de escolas semelhan-tes de todo o país”.

“Minha vida mudou”Ann entendeu que a capacida-de de Wonder de se dedicar na escola e seu talento para jogar futebol precisavam ser cultivados. Ela convidou um padrinho para patrocinar Wonder em uma Escola de Ensino Médio de Pretoria por cinco anos.

“Isso mudou minha vida”, conta Wonder, “Pela primeira vez, as pessoas me tratavam com respeito e eu aprendi a confiar em um grupo de irmãos. Eu morava no dormi-tório da escola e ninguém era punido com violência, mas com palavras e aconselha-mento. Tornei-me excelente no rúgbi e entrei para o melhor time da escola. Terminei os estudos no ano passado e passei nos exames!”.

“Minha mãe se mudou para um lugar melhor agora e eu moro em casa, dividindo um quarto com ela e minhas irmãs. Minha experiência aju-dou minhas irmãs mais novas, Ashley e Robin, pois eu posso ajudá-las com o dever de casa. Eu converso com elas, aconse-lho que estudem bastante e para poderem ter uma vida melhor no futuro”.

Um rap para Ann

Quando Wonder ficou sabendo que Ann havia sido nomeada para o Prêmio das Crianças do Mundo, ele escreveu uma rap para ela. O rap, explica ele, é como uma poesia com uma batida, ele tem uma mensagem e pode expressar sua paixão e sua dor.

“Quando tinha 12 anos, fui tirado do inferno para o paraíso. Antes eu ficava à toa, mas agora minha vida passou de ruim para boa.Seis anos depois, és nomeada para o Prêmio das Crianças do Mundo. O que fizeste por mim é difícil de descrever, deu--me amor de outro ângulo!Eu juro que quando a vi pela primeira vez, parecia um anjo. Me apanhaste quando eu estava para baixo, acho que é minha vez de mudar retribuir, Pois me encontraste como uma alma pecadora – o que quer que aconteça neste dia, para mim, sempre será uma vencedora!

Quando Ann levou a escola onde Wonder estava ao Supremo Tribunal, ela o fez para ajudar Wonder e os outros meninos de lá, mas também para ajudar todas as crianças de todos os lares infantis na África do Sul. Aqui Wonder está escrevendo um rap para Ann, que ele chama de anjo.

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A de Sarisa, disse ao juiz que quando os pais se

divorciam, as crianças devem ser consultadas sobre as deci-sões que influenciam suas vidas, tais como quanto tem-po elas devem passar com cada um de seus pais.

Isto fez a diferença para Sarisa, pois o juiz a ouviu e, com isso, outros adultos tam-bém lhe deram ouvidos. Entretanto, isso também fez a diferença para muitas outras crianças, pois deu início a um

processo no qual as opiniões das crianças passaram a ser ouvidas nos casos de divórcio entre seus pais. O caso de Sarisa foi o primeiro na África do Sul no qual uma criança envolvida em uma disputa por sua custódia teve seu próprio advogado para ajudá-la. O caso de Sarisa abriu um prece-dente importante para outros casos. Atualmente, deixou de ser incomum uma criança ter um representante legal no tribunal.

Um rap para Ann

“Crianças têm direito de opinar em batalhas de custódia”, afirma o jornal Pretoria News, após o juiz concordar em ouvir Sarisa van Niekerk quando ela tinha doze anos (hoje ela tem 19 anos). Seus pais não chegavam a um acordo sobre a partilha da custódia. Ann Skelton foi a advogada de Sarisa e aquela foi a primeira vez que uma criança teve seu próprio advogado numa disputa de custódia.

Minha voz deve ser ouvidaQuando Sarisa tinha doze anos, ela estava no meio de uma batalha judicial que envolvia seus pais divorciados. Eles não conseguiam chegar a um acordo sobre a partilha da custódia dela e de sua irmã. Sarisa ficou descontente por não ter sua opinião consultada e escreveu uma carta ao juiz.

Tenho 12 anos e estou envolvida em uma batalha

judicial no Supremo Tribunal que diz resp

eito aos

meus direitos humanos como pessoa e como criança.

A primeira vez que ouvi falar sobre os direito

s da

criança foi na escola, quando eu tinha

10 anos.

Aprendi que os direitos da criança faze

m parte da

constituição chamada Declaração dos Direitos, mas

nem sempre as crianças são consideradas port

ado-

ras de direitos.

Toda criança tem o direito de ser auxiliada por um

advogado. Um advogado é alguém treinado para

entender as leis e ajudar quem precisa. Ás vezes, um

caso judicial pode ter um resultado muito injusto

para uma criança se um advogado não ajuda-la.

Toda criança tem o direito à proteção contra ser

tratada de qualquer modo que a faça sen

tir-se mal

consigo mesma e também contra ser maltratada por

alguém.

O Centro de Justiça da Infância ajudou-me a

obter uma ordem judicial para ter um advogado de

minha própria escolha, que agora me representa no

tribunal para que meus direitos como criança também

possam ser protegidos e minha voz também possa ser

ouvida sobre assuntos que tenham influência sobre

minha vida.

Sarisa

nn Skelton, a advogada

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Duas vezes ao ano, você e seus colegas de escola podem organizar sua Conferência das Crianças do Mundo com a Imprensa. A primeira para apresen-tar os nomeados, e a outra, para divulgar o resultado da Votação Mundial. Nestas ocasiões, somente as crianças podem se pronunciar! Ninguém maior de 18 anos tem permissão para estar na tribuna. Abaixo, dicas sobre como fazer:

Yolanda Torres Faús, Carlos Alberto Sánchez Tovar, María Diez de Sollano González Cosío, Helena Tatei González Villa, Andrés de la Peña Subacius, Romina Lazo Beltrán, Kevin Alan Martínez Virgen e Bruno Araujo Garnica conduziram a Conferência das Crianças do Mundo com a Imprensa em Jalisco, no México.

O QUE É A CONFERÊNCIA DAS CRIANÇAS DO MUNDO COM A IMPRENSA?

• Promovamasuaconferênciadeimprensanaescolaou,depreferência,noprincipaledifí-ciodasuacidade,paramos-trarcomoascriançasesuasopiniõessãoimportantes.

• Convidemtodososmeiosdecomunicaçãoeofereçaminformaçõesemabundância.Enviemumconvite,mastam-bémfaçamvisitasetelefo-nemparaoseditoresdasredaçõesdosjornais.Umdiaantesdaconferênciacomaimprensa,relembrematodossobreoevento!

• Sepossível,iniciemeencer-remaconferênciadeimpren-sacommúsicas,cantoedança.

• Logonaabertura,informem

aosjornalistasfatosrelevan-tessobreosdireitosdacriançaemseupaís,eexpli-quemquaismelhoriasvocêsachamquedeveriahavercomrelaçãoaorespeitoaosdireitosdacriança.Vocêstambémpodemenviar,ante-cipadamente,aospolíticoslocaisperguntasrelativasaosdireitosdacriançaeapresentarasrespostasduranteaconferênciadeimprensa.

• Sepossível,mostremovídeo,quepodesersolicita-doatravésdonossosite.

• Anunciemquemsãoostrêsnomeadosaoprêmio,ouoresultadodaVotaçãoMundial.

• Paraencerrar,distribuamo

comunicadoàimprensadoPrêmiodasCriançasdoMundo.Vocêstambémpodementregaraosjorna-listasofolhetoinformativocomdadossobreosdireitosdacriançaemseupaís.

•CompartilhemcomacentraldoPrêmiodasCriançasdoMundonaSuécia,nomesdeTVserádioserecortesdejornaisquerealizaramacoberturadasuaconferênciadeimprensa.NaSuéciaenaÍndia,todososanossãorealizam-seConferênciasdasCriançasdoMundocomaImprensaemmaisde50cidades.NaSuécia,amaiormobilizaçãoemumúnicodiaresultouem270publica-çõesemjornais,rádio,tele-visãoenotíciasnaweb.

No site www.worlds childrenprize.org, você encontra:Sugestõesdeconviteàimprensa,questõesaseremabordadascomospolíticos,ofolhetoinformativocomdadossobreosdireitosdacriança,dicasderoteiroseumformulá-rioparasolicitarovídeo.Nositehátambémfotos,queosjornalistaspodemusarefazerodownload.SehouverdiversasescolasAmigasMundiaisdoPrêmiodasCriançasdoMundoatuan-doparaalcançarosmesmosmeiosdecomunicação,suge-rimosrealizarumaconferênciadeimprensaúnicaeemcon-junto.Nestecaso,umrepre-sentantedecadaescolainte-graatribunadascrianças.

Crianças refugiadas da Birmânia, Mae Sot, Tailândia.

Bukavu, R.D. Congo.

Cuzco, Peru.

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Conferência de imprensa e cerimônia no México

O QUE É A CONFERÊNCIA DAS CRIANÇAS DO MUNDO COM A IMPRENSA?

– Os direitos da criança são muito importantes. Eles devem ser respeitados e levados muito a sério. Não é como se eles fossem uma brincadeira que não faz diferença, diz uma das crianças que conduziu a conferência de imprensa das crianças em Jalisco, no México, María de Sollano Cosio Gonzalez, 12 anos.

As crianças que conduzi-ram a conferência de impren-sa também conduziram a cerimônia de encerramento do programa do Prêmio das Crianças do Mundo em Jalisco. As crianças falaram sobre os direitos da criança, distribuíram estatuetas de Murhabazi e pintaram seus rostos com bandeiras de diferentes países.

AscriançasqueconduziramConferênciadasCriançasdoMundocomaImprensaemJaliscovieramdediferentesescolaseforamescolhidasporseuscolegasdeescola.

Elastiveramqueaprenderoquesignificaserjornalista,escreveroroteiroparaacon-ferênciadeimprensaeensaiardiantedesuasfamílias.Houvenervosismoparaconduziraconferênciadeimprensa,mastodosestãoorgulhososporteremconseguidofazê-lo.AndrésdelaPeñaSubacius,de12anos,contaqueumhomemquestionouosdireitosdacriançaduranteaconferên-ciadeimprensa.–Umdenósrespondeu:

“Sejaqualforasituação,ascriançastêmdireitos.Elesnãoprecisamserconquistados,poisestãosempreexistiram,apartirdomomentoemquenascemos!”.Ohomemnãoquisnosescutar,entãotodososdiretoresdenossasesco-laslevantaram-se,parademonstrarquenosapoiavam.

Direitos da criança no México–Violaçõescomunsdosdirei-tosdacriançaaquisão:crian-

çasquenãopodemfrequentaraescola,nãorecebemcuida-dosdesaúde,nãoforamregistradasaonasceresãoexpostasàviolência.Hámilhõesdemexicanosadultosnãoconhecemosdireitosdacriançanemosrespeitam.Entreelesestãomuitosdosquedecidem,dizRominaBeltránLazo,12anos.–Conhecerosdireitosda

criançaéumprimeiropassoparafazercomqueelessejamrespeitados.Emnossaescola,osdireitosdacriançasãores-peitados.Nossosprofessoresnostratamcomoseresinteli-gentes.Quandofazemosalgodeerrado,elesnostratamcomdignidade.Ensinam-nosquaissãonossosdireitosenosconvidamapromovê-los.Nóssemprepodemosdizeroquepensamosediscutimosnossospontosdevista.Devemosnostornarumasociedadeondenospreocu-pamosunscomosoutros,ensinamosàscriançassobre

seusdireitosefazemosleisquegarantamqueelessejamseguidos,continuaRomina.

Experiência maravilhosa–Minhastias,quevivemnaCidadedoMéxicoeOaxaca,realmentegostaramdaVotaçãoMundial,eeuvouten-tarespalharoPrêmiodasCriançasdoMundolá.Éumprogramafantásticoquemedeuumaexperiênciamaravi-lhosa,dizMaría.

AgradecimentocomestátuadeMurhabaziUsando como modelo a pintura feita por uma criança de Jalisco mostrando Murhabazi Namegabe, que recebeu o prêmio pelo voto das crianças em 2011, um artesão fez estatuetas premiado. Na cerimônia de encerramento, as crianças distribuíram as esta-tuetas àqueles que possibi-litaram a realização do programa do Prêmio das Crianças do Mundo com Votação Mundial em Jalisco.

Dança com bandeira no rosto.

Mural da Votação Mundial.

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Durante a cerimônia de premiação, a lendária mi-litante pela democracia e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, da Birmânia, tornou-se Amiga Adulta Honorária e patrona do Prêmio das Crianças do Mundo. Ela esteve em prisão domiciliar, em sua casa, durante quinze dos últimos 21 anos e sua prisão domiciliar mais recente terminou em novembro de 2010.

Embora tenha sido liberta-da da prisão domiciliar,

Aung San Suu Kyi ainda não pode deixar seu país. Portanto, a Rainha Silvia entregou seu globo de vidro como sinal de que ela tornou-se Amiga Adulta Honorária do Prêmio das Crianças do Mundo, simboli-camente a uma criança birma-nesa. Aung San Suu Kyi esteve presente na cerimônia por meio de uma grande fotografia e uma mensagem em vídeo. Muitas crianças pobresA Birmânia já foi o país mais rico do Sudeste Asiático, com vastos recursos naturais. Todavia, enquanto os generais que governam o país desde que assumiram o poder através de um golpe militar, enriquece-ram, grande parte da popula-ção da Birmânia agora está na miséria. Ao longo dos anos, muitos birmaneses que protes-taram contra a opressão foram mortos ou presos.

– Eu não sabia o que dizer a vocês, em nome das crianças, como Amiga Adulta Honorária, então lhes pergun-tei. Muitas crianças na Birmânia são tão pobres que o seu direito mais importante é o direito à vida, disse Aung San Suu Kyi em sua mensagem de vídeo para a cerimônia de premiação.

Participa do Prêmio das Crianças do MundoHá alguns anos, milhares de crianças em idade escolar na Birmânia participam do Prêmio das Crianças do Mundo e realizam sua Votação Mundial democrática. A revis-ta O Globo em inglês é levada secretamente para o país, jun-tamente com traduções em karen e birmanês, que as crianças usam para aprender sobre os direitos da criança e a contribuição de cada candida-to ao prêmio para as crianças.

Trecho da carta de Aung San Suu Kyi ao Prêmio das Crianças do Mundo:“Certamente estou muito honrada e contente por ser Amiga Adulta Honorária do Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança. Avisem-me se há algo que eu possa fazer para apoiar o importante trabalho que vocês realizam para as crianças de todo o mundo.Agora que já não em prisão domiciliar, espero poder participar de suas atividades. Como vocês bem sabem, as crianças birmanesas sofrem com a falta de cuidados de saúde e insuficiência de oportuni-dades educacionais. Tudo que pode ser feito para melhorar sua situ-ação, capacitá-las e lhes dar disposição para enfrentar os desafios futuros será um presente enorme para o meu país.Estou ansiosa para uma cooperação estreita e bem sucedida com vocês”.Com os melhores votos

Os membros do júri Brianna Audinett, Mofat Maninga, Hamoodi Mohamad e Gabatshwane Gumede ouvem a saudação de Aung San Suu Kyi à ceri-mônia de premiação.

Crianças da Birmânia que participam do Prêmio das Crianças do Mundo.

Militante pela democracia Aung San Suu Kyi é nova patrona

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Murhabazi Namegabe

– Bem-vindos ao Castelo Gripsholm, em Mariefred, na Suécia, e à cerimônia de entrega do Prêmio das Crianças do Mundo, diz a integrante do júri Lisa Bonongwe, do Zimbábue. Atrás dela, os demais membros do júri estão sentados no palco.

Todas as escolas que participaram do programa do Prêmio das Crianças do Mundo podem ter sua própria cerimônia de encerramento pelos direitos da criança, com apresentação de performances e convidar os pais, políticos e outros adultos. Mais para o final do ano, um vídeo da cerimônia de premiação no Castelo de Gripsholm é disponibilizado, o qual pode ser encomendado e exibido durante uma cerimônia na escola.

As crianças do júri Nuzhat Tabassum Promi, de Bangladesh, Maria Elena Achahui, do Peru, e Poonam Thapa, do Nepal, ajudaram a rainha Silvia a entregar buquês de flores e os prêmios de vidro durante a cerimônia.

A Children’s Jazz Band, do subúrbio de Delft, na Cidade do Cabo, África do Sul, onde muitas crianças crescem com dificuldade, fez uma apresen-tação aclamada durante a cerimônia.

Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança

ENCERRAMENTO COM CERIMÔNIA

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Lisa Bonongwe

A Rainha Silvia da Suécia aplaude Murhabazi Namegabe, da R.D. Congo, que as crianças que participaram da Votação Mundial escolheram para receber o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança 2011. Murhabazi, que é homenageado por sua perigosa luta para libertar as crianças forçadas a se tornarem soldados e escravas sexuais, é cons-tantemente ameaçado de morte por seu trabalho. Faida Kasilembo é uma das crianças que Murhabazi libertou.

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Thanks! Tack! Merci ! ¡Gracias! Obrigado!

Monira Rahman

Celine Antonela toca saxofone com a Children’s Jazz Band.

Quarteto de Cordas da Pequena Academia.

Uma banda da Bagunçaço, uma organização cultural para crianças carentes em Salvador, Brasil, apresentou-se durante a cerimônia.

Sweety Nusrat Jahan, à esquerda, vítima de um ataque com gasolina, e Bubly Mehia Akter, atacada com ácido corrosivo, foram homenagea-das junto com Monira Rahman, de Bangladesh, que recebeu o Prêmio de Honra das Crianças do Mundo das mãos da rainha Silvia. Monira foi homenageada por sua luta destemi-da por todas as meninas que foram atacadas com ácido ou gasolina, e tiveram suas aparências destruídas.

NA ÁFRICA DO SUL: Ministry of Education, National Department of Education, Department of Women, Children and Vulnerable People in the President’s Office, Bojanala Platinum District Municipality and Department of Education, Independent Electoral Commission, Marlene Winberg, Nadia Kamies, Vusi Setuke, Maki Boshomane BANGLADESH: ASF-Acid Survivors Foundation,

SASUS, Redwan-E-Jannat BENIN: Juriste Echos Consult – Jeacques Bonou, Oumarou Tikada BIRMÂNIA: BMWEC, Community Schools Program, Eh Thwa Bor BRASIL: Grupo Positivo (Portal Positivo, Portal Educacional e Portal Aprende Brasil), SEMED Santarém (PA), 5a Unidade Regional de Educação/SEDUC-PA, Projeto Rádio pela Educação/Rádio Rural

de Santarém, SME São José dos Campos (SP), SME-Araraquara, ONG Circo de Todo Mundo, Samuel Lago, Christiane Sampaio BURKINA FASO: Art Consult et Developpment, Malachie Dakuyo BURUNDI: Maison Shalom, Maggy Barankitse, DAJBU, DBF CAMARÕES: SOS Villages d'Enfants Cameroun, Caroll Mikoly FILIPINAS: Visayan Forum, Lowel Bisenio GÂMBIA:

Child Protection Alliance (CPA), Bakary Badjie GANA: Ministry of Education, ATWWAR, Ekua Ansah Eshon, Ghana NGO Coalition on the Rights of the Child, Unicef, VRA Schools GUINÉ-BISSAU: Ministério da Educação, AMIC, Laudolino Medina, Fernando Cá GUINÉ-CONACRI: Ministère de l’Education, CAMUE Guinée, Oumar Kourouma, Unicef, Parlement des Enfants de Guinée

Prêmio de Honra das Crianças do Mundo

Page 115: Po, Globe 54/55 2012

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Cecilia Flores-Oebanda

A criança do júri Gabatshwane Gumede, da África do Sul cantou.

O Coral Spektrum Teens, as crianças do júri e todas as crianças que se apresentaram cantaram juntas a canção de encerramento “Um mundo de amigos”.

Cecilia Flores-Oebanda, das Filipinas, subiu ao palco aompanhada por Samraida Esmail, uma das meninas que salvou, para receber o Prêmio de Honra das Crianças do Mundo da rainha Silvia. Cecilia, que foi trabalhadora infantil, foi homenageada por sua luta incansável sob constantes ameaças de morte contra o trabalho infantil e o tráfico humano, bem como o seu apoio às meninas que foram escravas sexuais.

ÍNDIA: City Montessori School Lucknow, Shishir Srivastava, Times of India’s Newspaper in Education, Barefoot College, Tibetan Children’s Villages, CREATE MAURITÂNIA: Association des Enfants et Jeunes Travailleurs de la Mauritanie, Amadou Diallo MÉXICO: Secretaría de Desarollo Humano Gobierno de Jalisco, Gloria Lazcano MOÇAMBIQUE: Ministério da Educação e Cultura,

SANTAC (Southern African Network Against Trafficking and Abuse of Children), Margarida Guitunga, Malica de Melo, FDC (Fundação para o Desenvolvi-mento da Comunidade), Graça Machel NEPAL: Maiti Nepal, Janeit Gurung NIGÉRIA: Federal Ministry of Education, The Ministries of Education in Kogi State, Lagos State, Ogun State, and Oyo State, Unicef, Royaltimi Talents Network, Rotimi Samuel

Aladetu, CHRINET, Children’s Rights Network, Moses Adedeji PAQUISTÃO: BLLFS, Mir Sarfraz, BRIC, PCDP PERU: Centro Yanapakasun QUÊNIA: Ministry of Education, Provincial Director of Education for both Western and Nyanza Provinces, CSO Network for Western and Nyanza Province, Betty Okero REINO UNIDO: The Children’s Rights Director for England, Roger Morgan República

DEMOCRÁTICA DO CONGO: FORDESK, Tuzza Alonda, APEC, Damien Kwabene, APROJEDE, Amisi Musebengi REPÚBLICA DO CONGO: ASUDH/Gothia Cup REPÚBLICA TCHECA: Vzajemne Souziti RUANDA: AOCM SENEGAL: Ministère de l’Education, Ministère de la Femme, de la Famille et du Développement Social, EDEN, Save the Children UGANDA: Uganda Local Governments Association, Gertrude Rose Gamwera, Wakiso District, BODCO, Nason Ndaireho, GUSCO ZIMBÁBUE: Girl Child Network

Prêmio de Honra das Crianças do Mundo


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