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Pragmaticas Intimas

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    Estudos Feministas, Florianópolis, 24(1): 406, janeiro-abril/2016 205

    Elizabeth A. PovinelliColumbia University, New York, NY, USA 

    PPPPPragmáticas íntimas: linguagem,ragmáticas íntimas: linguagem,ragmáticas íntimas: linguagem,ragmáticas íntimas: linguagem,ragmáticas íntimas: linguagem,subjetividade e gênerosubjetividade e gênerosubjetividade e gênerosubjetividade e gênerosubjetividade e gênero

     Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo: Este artigo discute entendimentos metapragmáticos e psicanalíticos de linguagem,gênero e desejo. Discute o desafio que cada abordagem disciplinar sobre linguagem, gêneroe desejo coloca uma para a outra. Argumenta que uma teoria robusta de linguagem e gênero

     precisa que a subjetividade seja vista como uma ordem de fenômeno distinta das ordenssemântica e pragmática do fenômeno linguístico. O artigo sugere duas propostas modestascomo uma maneira de começar a entender a inter-relação entre linguagem e subjetividade.Começa com um breve panorama das abordagens linguístico-antropológicas para gênero esexualidade. Então descreve a pragmática íntima do sujeito falante articulando trabalhos recentessobre metapragmática e gênero com uma abordagem de inspiração psicanalítica sobresubjetividade e desejo. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave: linguagem; gênero; metapragmática; psicanálise; subjetividade.

    http://dx.doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n1p205

    Esta obra está sob licença CreativeCommons.

    Loco moçãoLoco moçãoLoco moçãoLoco moçãoLoco moção

    O calor do deserto era opressivo.1 Em volta da boca,narinas e olhos, a presença irritante de moscas. É o ano de1896. Baldwin Spencer e Frank Gillen estavam acampadoslogo ao oeste de Alice Springs, na Austrália. Gillen tinhaconvidado homens e mulheres aranda e seus vizinhosaborígenes para se reunirem não muito longe de lá pararealizarem uma representação do repertório de seus rituaisem troca de comida, tabaco, chá e proteção contracriadores de gado e polícia. Baldwin Spencer é um zoólogo,

    [mas]uma pessoa se torna

    [uma mulher]para tornar-se

    [desfeita]novamente.

    1 Artigo traduzido por Joana PlazaPinto, da Universidade Federal deGoiás. Foi publicado pela primeiravez em francês na revista Anthropologie et Sociétés, v. 23,n. 3, 1999, p. 121-147, e traduzi-do de texto inédito em inglês porMichelle Mauffette. Uma versãocondensada em inglês foi publica-da na coletânea  Language,Culture, and Society , organizada

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    Frank Gillen um telegrafista. Os dois homens aspiramtornarem-se líderes intelectuais da antropologia australiananascente. Por isso, todos os dias, eles tiram fotos, rabiscamnotas, sentam perto dos velhos Aranda – de nomesatualmente desconhecidos –, que, por sua vez sentados,lutam para responder à enxurrada de perguntas que Spencere Gillen despejam neles sobre as cerimônias realizadas.Spencer e Gillen estavam felizes em suar, inalar moscas,esticar uma perna com câimbras. Eles conheciam a naturezainédita do espetáculo que testemunhavam. Diante deles sedesenrolava sem dúvida o corpus  inteiro da culturamasculina do deserto central. A partir dessas performances,Spencer e Gillen iriam publicar em 1899 uma obra

    etnográfica que se tornaria a pedra angular da geraçãoseguinte de antropólogos aspirantes.2

    Em alguns momentos, Spencer e Gillen devem terdesviado os olhos de sua escrita e voltado o olhar para osabdomens distendidos das crianças e para as costasdevastadas pelo chumbo grosso de homens e mulheresaranda. Quando Spencer colocou no chão seus gizes decera para ajudar seus informantes aranda a traçar suasgenealogias, ele deve ter ouvido histórias completas oufragmentadas de epidemias, de envenenamentos e dosmassacres que explicavam por que tantas árvoresgenealógicas aranda apresentavam ramos semcontinuidade. Mas The native tribes of Central Australia não

    se interessa por esses corpos escandalosamentemaltratados. A obra se preocupa muito mais com aquiloque seus autores e a jovem nação australiana de colonosconsideravam como o escândalo moral das práticas rituaisaborígenes. O texto faz eco à ansiedade pública a respeitoda verdade secreta das corroborees, cuja menção era feitapor todo tipo de textos midiáticos: jornais, memoriaispopulares da vida de colonizadores, etnografias amadoras.

     As corroborees, festas sagradas dos homens, incluíam sexogrupal. Sim, Spencer e Gillen escrevem, é verdade.

    Licença considerável é dada em certas ocasiões,quando um número grande de homens e mulheres se junta para performar certas corroborees  [...]. Tododia duas ou três mulheres são designadas a compa-recer no terreno da corroboree e, com exceção doshomens que são seus parentes diretos como pai, irmãoou filhos, elas são, durante o período, propriedadecomum a todos os homens presentes no terreno dacorroboree.3

    Spencer, Gillen e a maior parte de seus sucessoresachavam evidente que aquilo que eles viram (ou aquilo queeles ouviram falar) era “sexo” entre “homens” e “mulheres”;

    3  Baldwin SPENCER and   Frank GILLEN, 1899, p. 97.

    por Christine Jourdan e KevinTuite (Cambridge University Press,2006, p. 190-206). O artigo emfrancês é a fonte da tradução. A versão em inglês do artigo foiconsultada e usada para acrés-cimos de referências bibliográ-ficas. A própria autora foi consul-tada, no caso de um dilemaespecífico (ver nota 9). Agrade-cemos imensamente a ElizabethPovinelli e à revista Anthropologieet Sociétés  por autorizaremgentilmente a publicação destatradução, com a única condiçãode que fossem divulgados os

    créditos e de que tivessem acessoà versão publicada. [Nota datradutora].2 George STOCKING, 1995, p. 94-98; John MULVANEY et al ., 1997.

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    PRAGMÁTICAS ÍNTIMAS: LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E GÊNERO

    que, quando eles próprios ou os Aranda apontavam um atosexual, todos apontavam um mesmo campo de ação; queeste ato comportava uma sintaxe social, aquela dos homensexplorando sexualmente as mulheres; e, enfim, que se poderiaextrair dessa atividade sexual a hierarquia indígena dosgêneros. E, ainda que Spencer e Gillen fizessem parte doparadigma relativista que começava a alvorecer nasciências sociais, eles definiam sem pestanejar o que era paraeles uma relação sexual normal: “A primeira é a normal,quando a mulher é propriedade privada do homem, enenhum outro sem seu consentimento pode ter acesso a ela”.4

    Pode parecer singular começar uma revista deestudos contemporâneos da linguagem, do gênero e da

    sexualidade5 pela história de um escândalo sexual. Paramuitos, seria ainda mais estranho que esta apresentaçãocomeçasse pela interpretação de Freud dos textos deSpencer e Gillen ou pela interpretação freudiana dosimbolismo falocêntrico dos rituais aranda segundo GezaRoheim ou ainda pelo texto “A significação do falo” deLacan. Numerosos/as especialistas contemporâneos/as dalinguagem se insurgem contra o entrelaçamento inextricávelda teoria social, da filosofia continental e dos modelosobsoletos emprestados da linguística pós-saussuriana,entrelaçamento sobre o qual se apoia a psicanálise,sobretudo lacaniana, e que ela retoma por sua conta; contraa exploração de uma economia psíquica universal a partir

    das estruturas linguísticas particulares aos europeus; e contraa fusão dos aspectos textuais e locucionais da denotaçãoe da predicação.6

    Esse ranger de dentes se faz ouvir mesmo se, e talvezporque, numerosos/as pesquisadores/as que se interessampor gênero e por sexualidade na antropologia da linguagemcompartilham com a psicanálise lacaniana certa genea-logia intelectual comum e parecem compartilhar certosinteresses intelectuais. Em particular, eles/as procuramcompreender como os sujeitos caracterizados por seu gêneroe seu sexo (grosso modo, homens e mulheres) tornam-se,como tais, sujeitos de seu gênero e seu sexo através dalinguagem,7 como esses sujeitos vêm a ter desejos e comoseus desejos são organizados de maneiras ao mesmo tempo

    normativa e não normativa. Além disso, a noção deinconsciente é essencial nas explicações que a psicanálisee a antropologia da linguagem produziram sobre o modocomo a linguagem elabora quadros normativos e criativosdo social. A antropologia da linguagem norte-americanaabordou a questão do inconsciente do ponto de vista dosigno: ela pergunta como as formas semióticas permitem erestringem a compreensão reflexiva que o sujeito tem dasformas e funções linguísticas. A capacidade de os/as

    4 SPENCER and  GILLEN, 1899, p. 98.

    5 O número 3, do volume 23, da Anthropologie et Sociétés , foiinteiramente dedicado à Etnolin-guística. [Nota da tradutora].

    6 Para tentativas críticas de ler apsicanálise à luz da semiótica, verDeborah CAMERON and DanKULICK, 2003; Julia KRISTEVA,1980; Teresa DE LAURETIS, 1984; Vi ncent CRAPANZANO, 1993,1998.

    7 Jacques LACAN, 1977a, p. 78. Ver também Elizabeth GROSZ,

    1990; Joan COPJEC, 1994; and Juliet MITCHELL, 1985.

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    locutores/as tornarem-se conscientes da sistemáticagramatical é limitada pelo fato de que o instrumento formalque eles utilizam para representar e descrever seu sistemalinguístico, enquanto ferramenta referencial, é tambémextraído do próprio sistema. Whorf notou há muito tempoque, em razão da imbricação de todas as metalinguagensna língua objeto de estudo, os/as locutores/as apresentamviés sistemáticos na apreensão da estrutura linguística. Whorfconsiderava que certa má apreensão e as emoções queela suscita constituíam o componente ideológico que os/asantropólogos/as da linguagem descrevem geralmentecomo “o inconsciente”.

    Contudo, Lacan e a escola freudiana não tiveram a

    pretensão de se interessar pela linguagem por ela mesma.Lacan era, sobretudo, tomado pela compreensão da“paixão do significante”, visão estranhamente católica datransubstanciação psíquica a que se submetem os humanos,tornando-se sujeitos graças à linguagem.8 Ainda que Lacantenha concebido que a diferença sexual constitui adiferença significante da linguagem (o Outro), ele emdefinitivo não se interessava pelas particularidadeslinguísticas para saber como a linguagem assinala asdiferenças sexuais, nem para compreender como essasparticularidades produziam sujeitos que têm um gênero. Poroutro lado, é justamente pela linguagem que se interessamos/as antropólogos/as que trabalham com as perspectivas

    teóricas da sociolinguística, da antropologia da linguageme da pragmática. Entretanto, sociolinguistas e antropólogos/as da linguagem evitam, por sua parte, abordar a relaçãoformal entre pré-linguagem e pós-linguagem; eles/asescamoteiam, assim, o nascimento do sujeito dotado degênero e estudam, sobretudo, como a cultura, a consciênciae o desejo são produzidos socialmente no decorrer doprocesso de interação comunicativa. “Identifica-se” asubjetividade nas formas e funções linguísticas, sem lograralguma teoria da mediação que opera a subjetividade.

    Não evoquei a obra de Lacan e a psicanálise com oúnico propósito de condenar sua herança. Admitamos queLacan leu muito mal (ou – mais amavelmente – que elereimplantou com criatividade) os conceitos-chave do

    paradigma estrutural de Jakobson; admitamos também queele concedeu com magnanimidade o papel de estruturapsíquica universal às particularidades da língua francesa.Isso não impede que o interesse que Lacan assumiu pelateorização da relação formal entre linguagem e desejo, eentre sujeito pré-linguístico e pós-linguístico, coloque umdesafio tão desconcertante aos trabalhos da antropologiada linguagem sobre gênero, sexualidade e desejo quantoesses últimos à psicanálise lacaniana. O desafio que a

    8 Ver Sigmund FREUD, 1989; GezaROHEIM, 1973, 1974.

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    PRAGMÁTICAS ÍNTIMAS: LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E GÊNERO

    psicanálise lacaniana coloca para a antropologia da lin-guagem, a sociolinguística e a pragmática consiste emdescobrir como estudar linguagem, desejo e gênero semreduzi-los uns aos outros. O desafio que a antropologia dalinguagem coloca para a teoria psicanalítica é da mesmaforma formidável: ele consiste em reformular uma teoria dadiferença sexual que não seja baseada exclusivamentenem sobre a estrutura das línguas europeias nem sobre osestudos estruturalistas pós-saussurianos da linguagem. Essedesafio situa, sobretudo, a reflexão sobre gênero e sexu-alidade no interior das condições semânticas e pragmáticas,metassemânticas e metapragmáticas, que fazem com quesejamos e nos tornemos sujeitos humanos.

    Esse ensaio não fará mais do que arranhar a peleainda em incubação da besta que eu proponho pôr nomundo. Coloco aqui duas modestas proposições para servirde ponto de partida: de início, que nós tentemos teorizar aquiloque descrevo provisoriamente como uma pragmática íntima,9

    articulando os trabalhos recentes consagrados à metapra-gmática e ao gênero a um enunciado de inspiração psicana-lítica sobre subjetividade e desejo. Começo por uma breverevisão das abordagens antropológicas da semântica, dapragmática e da metapragmática. Tratarei em seguida dasrelações entre gênero – compreendido de um ponto de vistametapragmático –, subjetividade e desejo. Retomarei aolongo do artigo o encontro histórico dos colonos australianos

    com os Aranda, que servirá de fio condutor para aabordagem teórica que proponho.

    Contexto e conteúdo (a tal “sexualidade”Contexto e conteúdo (a tal “sexualidade”Contexto e conteúdo (a tal “sexualidade”Contexto e conteúdo (a tal “sexualidade”Contexto e conteúdo (a tal “sexualidade”e outros elos pragmáticos)e outros elos pragmáticos)e outros elos pragmáticos)e outros elos pragmáticos)e outros elos pragmáticos)

     Ao longo dos últimos quinze anos, os estudos dalinguagem, do gênero e da sexualidade que a antropologiasuscitou produziram, por um lado, um dispositivo metodo-lógico e teórico sólido e rigoroso destinado a compreenderas relações entre os aspectos semânticos, pragmáticos emetapragmáticos da linguagem e, por outro lado, a produ-ção, a manutenção e a reprodução social dos aspectosnormativos da sexualidade e do gênero. Esses estudos têm

    feito um exame cada vez mais detalhado dos sistemasgramaticais e pragmáticos relativos a “gênero”, “atos sexuais”,“sexualidade” e “afeto”, compreendidos respectivamentecomo: as diferenças sexuais codificadas na linguagem queapreendem esses comportamentos, valores, posturas e statusindexicalmente associados a seres sexuados; as atividadescorporais ligadas ao erotismo codificadas na linguagem; asdiferentes identidades, subjetividades, interiorizações depapéis e os status associados aos atos sexuais tais como eles

    9 O artigo em francês utiliza a ex-pressão “grammaire intime”, en-quanto o artigo em inglês utiliza aexpressão “intimate pragmatics”no decorrer da argumentação.Seguindo os argumentos do texto,as referências bibliográficas utili-zadas (especialmente Silverstein1993) e em consulta à autora, op-tamos por “pragmática íntima”.[Nota da tradutora]

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    são codificados na linguagem; outras emoções e desejoscodificados na linguagem.10 Os especialistas da linguageme do gênero também começaram a compreender como osaspectos gramaticais e pragmáticos da linguagem embutemou recobrem as economias psíquicas e corporais de sistemasde gênero e de sistemas sexuais e afetivos particulares; comoeles delimitam e constrangem o espaço social (o privado, opúblico, o íntimo, o ritual, o secular, o tabu); e como elescontribuem ativamente para os sistemas materiais e simbólicosde valores, de dominação e de exploração. Qualquer queseja a natureza do “gênero” e da “sexualidade” e quaisquerque sejam os projetos que a “linguística crítica” coloca aesse respeito, esses estudos têm demonstrado a utilidade de

    ancorar a análise de gênero e sexualidade nos discursos enas funções semânticas, pragmáticas e metapragmáticas.11

    Esse quadro de análise nos permite articular as mais delicadasestruturas gramaticais às mais radicais contestações sociaisdo poder.

    Pode revelar-se útil que eu passe rapidamente emrevista aquilo que entendo pelos termos semântica,pragmática e metapragmática. Para mim, a semântica remeteao domínio semiótico do sentido, da significação de umapalavra ou da expressão que emana da organização formale da sistemática gramatical.12  Mas, concordando comSilverstein, eu concebo que a semântica não extrai nadaalém do uso linguístico, da forma de colocar o texto denotativo,

    seja ele pensado, falado ou escrito. Mesmo assim, emprincípio, um universo semântico pode ser extrapolado desteuso – do estudo de eventos linguísticos reais no curso dosquais um texto denotativo é produzido em contexto.13

     A pragmática estuda o uso da língua, compre-endendo o domínio semiótico da indexicalidade da signi-ficação.14 Com uma definição de índice linguístico inspiradaem Peirce, Elinor Ochs descreveu a interface social e lin-guística na qual se insere a indexicalidade da significaçãocomo intermediária. Ochs definiu o índice linguístico comouma estrutura gramatical ou vocal,

    Que é usada variavelmente de uma situação para outrae torna-se convencionalmente associada com dimen-sões particulares situacionais tais que, quando estaestrutura é usada, a forma evoca essas dimensões.15

    Essas “invocações formais” dependem alternadamen-te da capacidade do signo indexical de indicar “da sempremovente ocorrência aqui-e-agora de algum sinal (token) paraseu PRESSUPOSTO ‘CONTEXTO’ e/ou para suas IMPLICADAS‘CONSEQUÊNCIAS’”.16 A pressuposição do contexto e aquiloque decorre dela é a propriedade da indexicalidade queentra em jogo para dar, se assim se pode dizer, um tipo de

    10 Para revisões sobre as aborda-gens contemporâneas da lingua-gem e do gênero em CAMERON,1995; HALL and  BUCHOLTZ, 1995;HALL, BUCHOLTZ and   BirchMOONWOMAN, 1992; JanetHOLMES, 1995; Keith HARVEY and Celia SHALOM, 1997; MaryBUCHOLTZ and   Kira HALL, 1995;Sally MCCONNELL-GINET, 1988;Sara MILLS, 1995; Susan PHILIPS,Susan STEELE and   Christine TANZ,1987; Victoria BERGVALL, JanetBING and  Alice FREED, 1996. Paralinguagem e emoções, verCatherine LUTZ, 1990; DanielROSENBERG, 1990; Judith IRVINE,1990; Lila ABU-LUGHOD and Catherine LUTZ, 1990; and   NikoBESNIER, 1993.11 Sobre a “linguística crítica”, verCAMERON, 1995; HARVEY and SHALOM, 1997.

    12  John LYONS, 1977.

    13  Michael SILVERSTEIN, 1993, p.40-45.

    14  Stephen LEVINSON, 1983;SILVERSTEIN, 1993; Elinor OCHS,1992, 1996.

    15 OCHS, 1996, p. 411.

    16  SILVERSTEIN, 1993, p. 42,maiúsculas no texto.

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    PRAGMÁTICAS ÍNTIMAS: LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E GÊNERO

    bússola, uma orientação de continuidade no espaço-tempo,religando as situações, as frases, os textos e as interlocuçõesface a face. Os/as locutores/as são, em grande parte,inconscientes da coerência que confere a indexicalidade,ainda que eles/as dependam dela regularmente em frasescomo: “Admitamos que isto que eu acabo de dizer agoramesmo sobre as serpentes exprime os sentimentos que eumantenho por elas” e “Ela é uma mulher, você só tem queolhar seus sapatos”.17

     Ao lado dessas estruturas semânticas e funçõespragmáticas, Silverstein18 distingue os discursos e funçõesmetapragmáticas de uma maneira que nos será útil aqui.

    O discurso metapragmático remete aos discursos das

    pessoas (o que inclui o discurso acadêmico) sobre o uso dalíngua: trata-se nomeadamente de enunciados, localmenteou historicamente circunscritos, que têm tratado das regrasespecíficas da etiqueta linguística; eles compreendem osdiscursos que especificam como se adquirem as diferentesetiquetas linguísticas, que julgam se tal aquisição ésustentável ou não e quais pessoas devem se submeter a ela,assim como os discursos que ditam os contextos de seu usoapropriado. Se a função pragmática remete aos aspectosda linguagem que codificam o contexto e a esse aspecto danatureza do uso linguístico que pressupõe o contexto e o quedele resulta, o discurso metapragmático inclui todas asreferências implícitas e explícitas a tais codificações, usos e

    contextos, próprios ou impróprios.19

     Os samoanos, que ensinamsuas crianças em idade pré-linguística e linguística comoelas devem se dirigir aos diferentes membros de sua família;o velho frequentador de uma comunidade hijra ou de travestis,que explica ao recém-chegado como ele deve falar “dela”mesma; o primeiro ministro francês, que pede que os títuloshonoríficos das mulheres ministras sejam feminizados; os textosdifundidos para grande público e os anúncios televisivosque incitam americanos, homens e mulheres, a mudar suaforma de se dirigir um ao outro; o artigo no The Sidney Morning

     Herald , elogiando o canto dos chefes samoanos querestabeleceram a harmonia social num bairro do centro dacidade utilizando uma arte oratória tradicional: todas essassituações são exemplos de discursos metapragmáticos

    explícitos ou implícitos.20 A função metapragmática ordena o curso da função

    pragmática da linguagem para produzir textos coerentes einterpretáveis e eventos interlocutórios de qualquer tipo, detal maneira que eles constituam um evento de comunicaçãocom êxito ou falha. Por exemplo, a função metapragmáticacompreende os meios pelos quais locutores/as, de maneirainconsciente na maior parte do tempo, incorporam aos seusatos de interlocução diversas classes ou diversos registros

    17  Ver SILVERSTEIN, 1993, and  William HANKS, 1993.

    18 SILVERSTEIN, 1993.

    19 Ver também John A. LUCY, 1993,and  LYONS, 1977, sobre a “reflexivi-dade da linguagem”. Ver MikhailBAKHTIN, 1986, sobre “gêneros dodiscurso”.20Esses exemplos foram escolhidosnão somente para mostrar a diver-sidade dos domínios culturais e os“níveis” da prática semiolinguística,mas também as diferentes idadese estados nos quais a encontra-

    mos. A mãe samoana (ou o pai)que fala a suas crianças utilizaconstantemente sinais semióticosnão linguísticos, ao mesmo tempoem que utiliza sinais linguísticos (elafaz mexer o corpo da criança,aponta com o dedo os objetos àsua volta etc.). Sobre a socializa-ção da linguagem, ver OCHS,1988; Bambi B. SCHIEFFELIN and OCHS, 1986. Sobre as técnicas docorpo, ver Pierre BOURDIEU, 1977.Sobre os hijra e os travestis, ver KiraHALL e Veronica O’DONOVAN,1996; and  KULICK, 1998. Sobrelinguagem e gênero nas obras de“crescimento pessoal” ver John

    GRAY, 1992. Encontra-se um co-mentário crítico em LaurenBERLANT, 1988; Senta TROEMEL-PLOETZ, 1991; Alice FREED and  Al ice GREENWOOD, 1996;Candance VOGLER, 1998. A res-peito da política linguística daFrança, ver Craig R. WHITNEY,1998. Sobre o trabalho, a lingua-gem e o gênero, ver Alice ECHOLS,1983.

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    ELIZABETH A. POVINELLI

    de gênero de maneira a lhes conferir a coesão de textosinterpretáveis (isto é, coerentes). A função metapragmáticaé o que dá às locutoras e locutores os meios para construir apartir de atos pragmáticos de fenômenos textuais de umaordem acima (gêneros, enquadres, conversações). Enquantona sua função pragmática a palavra “ela” encadeia epressupõe um contexto, na sua função metapragmática“ela” indica um ato de interlocução, aqui, agora, e ao fazerisso a harmoniza (a articula) a um contexto externo e aoprogresso de um texto interno. A função metapragmática é,portanto, decisiva no que diz respeito à maneira pela qualfenômenos textuais e interlocutórios (o que inclui os indiví-duos, seu gênero, sua cultura) tornam-se coerentes, duráveis

    e aparentemente destacáveis de seus contextos locais.21Como mostra o Diagrama 1Diagrama 1Diagrama 1Diagrama 1Diagrama 122, a função metapragmáticaconfere também a impressão de ordem temporal estável aocentro da volatilidade e da natureza transitória daelaboração do sentido. Ainda que todo signo denotativopossa, – e de fato deva, ressignificar a inteira sequênciaprecedente de significação, a função metapragmáticaassegura que, na maior parte das trocas comunicacionaise, de fato, na própria “cultura”, com as identidades que eladefine, como, por exemplo, gênero – se faça a experiênciade uma totalidade estável e suficientemente coerente.

    Esse diagrama mostra também claramente que, em

    línguas tais como o inglês, o gênero faz parte do dispositivometapragmático, de onde resulta a coerência da denotaçãoe da predição: isso quer dizer que o gênero funciona nãosomente sobre o plano pragmático e semântico, mas sobre oplano metapragmático, ele se apoia sobre essas duas di-mensões linguísticas – habitualmente de maneira inconsci-ente – para ligar e conferir coerência ao ato de comunicação.Isso está bem ilustrado na multivocalidade do signo-funçãode “ela” no Diagrama 1. No seu uso em inglês, médio, corrente,

    Diagrama 1Diagrama 1Diagrama 1Diagrama 1Diagrama 1

    21 Ver Benjamin LEE, 1997, p. 277-320; Jacques DERRIDA, 1982;Michael SILVESTEIN and   GregURBAN, 1996.22 Em inglês no texto-fonte. [Notada tradutora].

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    PRAGMÁTICAS ÍNTIMAS: LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E GÊNERO

    heteronormativo, “she” [“ela”] comunica uma multiplicidadecomplexa de sinais semânticos (número, pessoa, gênero),indexicalizando sob o plano pragmático o signo ao contexto.Mas “she” é também capturado pelo trabalho da metapra-gmática, que regulamenta a indexicalidade pragmática emcurso para fazer um texto coerente interpretável e um eventointerlocutório. Mudar o aspecto do gênero, conservando onúmero e a pessoa – passando a “he” [“ele”] ou “it ” [o neutro]ou ainda empregando aleatoriamente o “she”, o “he” e o “it ”– pareceria fazer perder toda a significação diante do sentidoe do valor do texto. Assim, o gênero serve de material deconstrução de ligações delicadas e íntimas da sociedadehumana, mas não no sentido habitual: o gênero liga delica-

    damente os textos conversacionais e gramaticais aos seuscontextos internos e externos – ligando, ou parecendo ligar,uma pessoa a outra. As críticas conservadoras aos estudoslinguísticos feministas percebem, mas diagnosticam mal, essafunção metapragmática da estrutura linguística, já que taiscríticas acusam as feministas ou os/as ativistas homossexuaisde incoerência ou coisa pior. Elas não estão erradas se nosatermos a este sentido limitado: em inglês padrão suposta-mente heteronormativo, a coerência semântica e pragmáticadepende da ordem indexical formal das categorias grama-ticais de gênero, ainda que elas sejam carregadas deideologia.23

    Percebe-se, no entanto, rápido o suficiente, que todos

    os segmentos “coerentes” da linguagem são de fato discursosmetapragmáticos implícitos integrados às instituições sociaisdominantes ou minoritárias, formais ou informais. O Diagrama1 mostra que, em inglês, a recusa de se submeter às regrasnormativas do uso de pronomes  parece  somente tornardeformado, disfuncional, o sentido de uma conversaçãoinglesa média, na medida em que ele é o contrário danorma, senão antinormativo. De fato, ele veicula o discursoimplícito metapragmático da heteronormatividade com suasinstituições e, no curso do mesmo processo, ele constrói denovo gêneros no discurso com seus sujeitos de enunciação.24

    “P“P“P“P“Poderia ser menina”: a emergênciaoderia ser menina”: a emergênciaoderia ser menina”: a emergênciaoderia ser menina”: a emergênciaoderia ser menina”: a emergêncialinguística do gênero e da sexualidadelinguística do gênero e da sexualidadelinguística do gênero e da sexualidadelinguística do gênero e da sexualidadelinguística do gênero e da sexualidade

    Recentemente, a pesquisa acadêmica sobre lingua-gem, gênero e sexualidade tem procurado compreendercomo esses discursos e funções semânticas, pragmáticas emetapragmáticas pressupõem, produzem e regulamentamo gênero e as subjetividades sexuadas, as instituições sociaisdo trabalho e da intimidade, e os desejos e expectativasnormativas. Três grandes séries de questões têm aparecidonesses trabalhos: (1) como gênero e sexualidade emergem

    23  Ver SILVERSTEIN, 1985.

    24  Ver William LEAP, 1995; Ana LIVIA and  Kira HALL, 1997; and  NaokoOGAWA and  Janet SMITH, 1997.

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    PRAGMÁTICAS ÍNTIMAS: LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E GÊNERO

    existência de numerosas variações entre as estruturaslinguísticas, a hipótese fundamental de Lacan, que quer quetodos os humanos tenham passado pelas forças caudinasdo gênero gramatical, não parece ameaçada. Todas aslínguas parecem codificar o gênero de uma maneira semân-

    tica e indiciar o gênero semântico na diferença corporalhumana. São os aspectos sociológicos e pragmáticos dessascategorias semânticas que variam: as relações que imagi-namos entre sexo/gênero e sexualidade; a importância dosexo/gênero em relação a outras funções sociais; as variaçõesna regulação institucional daquele que está convocado aogênero e à sexualidade; e, enfim, a durabilidade dessaconvocação – de sociedades nas quais se pode circularentre as diferentes classes do sexo e do gênero com um mínimode mediação ritual até sociedades nas quais esse movimentoé altamente ritualizado.30 Parece então que a afirmação deLacan deve ser contestada, não porque ela presume que adiferença sexual é um traço universal da estrutura das línguas,

    mas, por um lado, porque ela ignora os meios gramaticaispelos quais as línguas sinalizam a diferença sexual (porexemplo, a língua aranda parece colocar em evidência otipo de agente mais que o gênero do agente nas suaslocuções nominais) e, de outro lado, porque ela supõe queas características pragmáticas da linguagem e do sujeitopodem ser suscitadas dos aspectos semânticos   dalinguagem. Para compreender como gênero e sexualidadeemergem da língua enquanto sentidos, significações e

    Diagrama 2Diagrama 2Diagrama 2Diagrama 2Diagrama 2

    30  Ver Harriet WHITEHEAD, 1993;and  Will ROSCOE, 1994.

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    estados, religados a categorias e à subjetividade, é precisouma metodologia e uma teoria que considerem a linguagemem todas as suas dimensões (estrutura e uso), e devemos recon-siderar a questão do sujeito em relação a essas dimensões.

    Pode-se começar distinguindo entre as propriedadesindexais e semânticas dos sinais. Por exemplo, como bemsabido, numerosas línguas humanas naturais comportammuitos registros em que o gênero é marcado – duas maneirasou mais de “dizer a mesma coisa” associando-a aos homensou às mulheres num grupo social pela marca morfológica,lexical ou sintática. Os homens e as mulheres “dizem a mesmacoisa” em termos de denotação e predicação, mas nodecorrer do enunciado, indexam o gênero (e, frequentemente,

    a posição social) do/a locutor/a e do/a interlocutor/a.31  A existência desses registros marcados e a multivocalidade dasfunções e das características de seus sinais não nos ajudama compreender como eles vieram a surgir como tais, nemcomo eles vieram a ser associados a aspectos particularesdos seres sociais, nem, enfim, como eles se mantiveram taisquais no tempo. A fim de compreender como esses registrosmarcados por gênero e sexo vieram a surgir e, correlativa-mente, como eles puderam ser modificados, é preciso deinício distinguir entre o excesso de non sense  pragmáticosempre contido em cada ato de fala (que formula o textointeracional) e o conjunto de discursos metapragmáticosimplícitos e explícitos em curso que afirmam como esse mate-

    rial indexical deve ser organizado nas ordens maiores detextualidade. De um lado, temos as características e as fun-ções dos sinais que são correntemente utilizados, implici-tamente e explicitamente, para modelar a linguagem no textonormativo, e, de outro lado, temos esses sinais que podemservir para encorajar ou desencorajar esses usos normativosda linguagem.

    Todas essas funções e formas pragmáticas e metapra-gmáticas com seus sentidos e valores semânticos são dadoslinguísticos “neutros”, ainda que densamente saturados noplano ideológico, que se apresentam a qualquer momentono espaço-tempo social. Utilizo o termo “neutro” para lembrarque essas funções e formas são arquiteturas semióticas semintenção. Elas são talvez o material explícito e implícito sobre

    o qual baseamos nossos pressupostos sociais – o funda-mento sobre o qual produzimos sentido e significação. Entre-tanto, esses fatos linguísticos existem, simplesmente. E, namedida em que existem, pode-se arrolá-los em novas formasdiscursivas. O trabalho social que eles conseguem realizaré o resultado que emerge do uso no curso das interações,um uso mediatizado pelas instituições. Parafraseando Ochs,eu diria que o uso cambiante das variantes linguísticas devetornar-se convencional antes que elas possam funcionar

    31 Encontra-se uma exposiçãosobre os “dêiticos de gênero” emSally MCCONNELL-GINET, 1988.Sobre sua função enquanto“dêiticos sociais”, ver PenepoleECKERT, 1993; LEVINSON, 1983,p. 89; OCHS, 1992, p. 338;SILVERSTEIN, 1995, p. 280-284.

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    como dêiticos de gênero (ou de qualquer outra categoriasocial). A diferença de gênero deve resultar de uma diferençasemiótica, linguística e corporal transformada em ideologiade gênero: o “isto deve ser” da normatividade corporal evocal, o “como” em “veja como a linguagem e as técnicasdo corpo devem se articular, em qual lugar, para qualobjetivo”.

    O espaço colocado pela denotação e pela indexica-lidade chega à categoria de função social pelo intermédiode agentes sociais que, muitas vezes sem saber, se valem dafunção metapragmática da linguagem e de um aspecto ououtro dos signos gramaticais para ordenar as atualidadesindexais e semânticas nos registros marcados por gênero (ou

    tipos de discurso marcados por gênero), que são de umaordem superior. Esses tipos de discurso fazem então parte dosmeios pelos quais cobrimos o sujeito com o “como”, “quem”,“quando” e “onde” da linguagem apropriada ao gênero e,em consequência, à significação e ao uso apropriados dosespaços sociais variados (públicos, privados, íntimos, sagra-dos, profanos). Os aspectos modais, qualificadores, quantita-tivos, negativos ou outros da linguagem constituem uma partedelicada do dispositivo da normatividade de gênero e desuas contestações. Essas funções gramaticais sustentam osmeios indiciadores ou fazem elas mesmas parte desses meiosgraças aos quais são criados novos registros marcados porgênero. Mas o fato de que a indexicalidade sem sentido

    esteja verdadeiramente em uso para colocar em jogo (ter porconsequência) um real espaço semântico ou social ou o fatode que as estruturas correntes de sentido e de significaçãosejam transformadas em novos sentidos e significações, essesexcessos e estruturas pragmáticas ainda existentes, fornecemsempre e já os meios de novos potenciais espaços sociais.

    Os estudos que se interessam pela socialização dalinguagem, pela ideologia linguística e pela dominaçãosimbólica dizem claramente que a linguagem é uma técnicasimbólica estratégica por meio da qual os indivíduos sãodesignados a ordens sociais hegemônicas caracterizadaspor gênero e, por esta razão, ele constitui uma posição-chavede luta social. Entre os trabalhos de pesquisa mais interessantessobre linguagem e gênero, alguns estudaram os processos

    sociais nos quais o discurso e as funções linguísticas vêm afazer parte integrante das lutas sociais, a propósito dos papéise dos valores de gênero e de sexo. Infelizmente, a maior partedesses trabalhos se interessou exclusivamente pelos discursosmetapragmáticos que associam homens e mulheres àsmaneiras de falar, sem explorar como gênero e sexualidadeapareceram em todo mundo no espaço-tempo colonial epós-colonial. Para descrever como o gênero e a sexualidadeapareceram nesses contextos, retornemos à conversa entre

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    Spencer, Gillen e os Aranda; ela nos servirá para ilustrar amaneira como as pessoas são chamadas a figurar nas ordenssociais marcadas por gênero. Examinemos em particular co-mo esses homens transpuseram as estruturas semânticas deuma língua a outra ao discutirem rituais. Como gênero e sexua-lidade foram transportados do aranda para o inglês? Com-preender o modo de transmissão de gênero (e de sexualidade)nos ajuda a compreender as relações entre gênero (esexualidade), subjetividade e linguagem? Como Spencer eGillen contribuíram para a emergência de uma “entidadede ação” ocidental (ato sexual, gênero e sexualidade en-quanto qualidades essenciais e duráveis dos humanos aoinvés de qualidades acidentais de objetos ao passarem por

    diversos estados) a partir das ordens gramaticais e prag-máticas indígenas por meio da simples prática que consisteem apontar o dedo e do simples desejo de compreenderqualquer coisa a respeito das práticas rituais locais?

    É óbvio que os Aranda não falavam só entre eles,nem só com outros grupos aborígenes regionais. Os Aranda,assim como Spencer e Gillen, tentavam se comunicar,lançando pontes entre ordens semióticas sensivelmentediferentes, em condições de poder, de exploração e dedominação sempre brutais em tempo real. Baldwin Spencertinha chegado à Austrália crendo que Frank Gillen falavaaranda fluentemente, mas descobriu que seu “conhecimentode aranda (e várias outras línguas aborígenes) era de fato

    bem menos fluente que Spencer tinha presumido.”32

     Assim,esses ingleses se comunicaram com os Aranda e os gruposvizinhos servindo-se de um crioulo de base inglesa. Quandoeles falavam com os homens aranda sobre suas práticasrituais, Spencer e Gillen utilizavam para se exprimir prova-velmente frases do tipo: “por que vocês fizeram aquilodurante seus rituais?” (“whatfor youbela doim datun langacorrobboree?”), apontando o dedo ou desenhando nopapel ou no chão os atos que eles tomavam como atossexuais ou, talvez, servindo-se de uma palavra aranda localque eles pensavam querer dizer “copulation”. E sem dúvidaos homens aranda lhes responderam com uma frase do tipo:“esse negócio agora era a mesma coisa no Alcheringa, nãose pode faltar com esse negócio, não se pode fazer errado,

    la parure da cabeça fica bem ligada à cabeça” (“datbusiness now, im been same longa Alcheringa, im same,cant missim step datun, cant mistake, im properly stuck longahead”, cujo texto se tornaria “a complacência sexual, queera uma prática do Alchenringa, impede que o que querque seja vá mal durante o ritual; por exemplo, torna-seimpossível que os ornamentos de cabeça se soltem edesarranjem durante a cerimônia”). Mas se o “sexo” mantémos ornamentos sobre a cabeça, ele só o faz depois que

    32

     STOCKING, 1995, p. 92.

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    aquilo (ou seu equivalente em crioulo inglês) tenha ligadodois campos semânticos muito diferentes, quer dizer, antesque os dois sistemas semânticos tenham podido se coor-denar de maneira concreta e significante (Diagrama 3Diagrama 3Diagrama 3Diagrama 3Diagrama 3).

    Retomemos novamente o objetivo e nos detenhamossobre aquilo que podemos considerar como a mais ínfima,senão a mais insignificante, das trocas coloniais: a subs-

    tituição histórica e gramatical da palavra “sex ” pela palavra“that ”. Num momento qualquer do tempo, seja antes oudepois da chegada de Spencer e Gillen na Austrália Central,sinais indexais tais como apontar o dedo ou outros gestosdemonstrativos tinham aberto um canal de comunicaçãorelativamente coerente entre os Aranda e os colonos euro-peus. Esses sinais indexais ligavam dois universos semânticosmuito diferentes, vinculando a princípio cada um dessesuniversos semânticos a um ponto de referência conven-cionado. Mais uma vez, no sentido estrito, esse ponto dereferência convencionado precedeu todo acordo na cons-trução do sentido. Cada grupo, conforme os pressupostosnormativos das estruturas profundas de sua “cultura”, traziapara o evento comunicativo o “aquilo deve ser”, às vezes

    consciente ou inconscientemente, que se aplica às coisas,às ações, assim como às modificações que se produzem napassagem de um contexto a outro.33 Assim, mesmo esse pontode referência convencionado deve ter precisado de ummomento de ajuste enquanto uma entidade de ação sedesligava lentamente do campo de ação local rico deconteúdo semântico e pragmático.

    Enquanto Spencer e Gillen designavam a ação queeles consideravam como “sexual” – apontando o dedo, com

    33  Pode-se ler em ElizabethPOVINELLI, 2004, uma análise maisaprofundada das implicações eefeitos aos quais puderam darlugar essas estruturas e práticas.

    Diagrama 3Diagrama 3Diagrama 3Diagrama 3Diagrama 3

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    a ajuda de um desenho ou do pronome demonstrativo“aquilo” [“that ”] – o dêitico “aquilo” era lentamente substituídopor “sexo” com suas funções indexais e simbólicas. Em outraspalavras, enquanto os Aranda procuravam compreender aoque se referia “aquilo”, “aquilo” se incorporava lentamenteàs estruturas que elaboram o sentido das vidas Aranda econstruía um ponto que o “sexo” poderia ultrapassar. Tenhasido ou não na presença deles, os Aranda discutiram o queas questões de Spencer e Gillen poderiam realmente quererdizer, como suas questões se deixavam converter emconcepções europeias sobre os humanos e seus ambientes,e o que eles poderiam ou não explicar a respeito das regrascerimoniais, dada a “etiqueta” das relações inter-étnicas.

    Pouco a pouco, os domínios que eles tinham excluído datroca compreenderiam os próprios atos que tanto fascinavamSpencer e Gillen – a sexualidade ritual, a sexualidade empúblico, a sexualidade fora da instituição do “casamento”monogâmico. E, com o tempo, os espaços físicos e corporaisseriam reorientados e habitados diferentemente. A sexua-lidade designaria um espaço e relações sociais não em ter-mos rituais, mas em termos associados ao sexo, à intimidade,à privacidade, à vergonha, à excitação.

    Substituir “sexo” por “aquilo” não era somente substituirum nome por um pronome demonstrativo, mas um sistemade sentido por outro. O “sexo” iria progressivamente rearticulara ordem inteira da significação semântica e pragmática

    indígena, iria inserir no texto referências e predicados car-regados de valores, esses “onde”, “quando”, “com quem”(ou o que) e “por que”, e carregar como significação algunsaspectos derivados da compreensão britânica dos atos se-

     xuais normativos e não normativos. Isto feito, o próprio espaçoveio a se remodelar, o ritual era menos físico, o íntimo umapropriedade privada, o público a mão escondida do poder.No decorrer dessas interações sociais em tempo real, “that ”aparece de repente como um gancho gramatical, o meiode ligar um sistema semântico e pragmático a outro, um ins-trumento de junção, o prelúdio da disciplina corporal profe-rida como meio pragmático de escapar da violência física.

     À luz dessas práticas pragmáticas, a questão “por que vocêfaz aquilo?” se distancia do seu referente primeiro e é

    ressignificada como comentário metalinguístico sobre a artee a orientação da tradução no contexto colonial.

    Essa ressignificação é ainda assim mascarada pelasestratégias de entextualização de Spencer e Gillen. A sexua-lidade aumenta sua capacidade de produzir um sentidoaparentemente natural e universal porque Spencer e Gillense servem de convenções para reportar o que foi dito, pararcitar direta e indiretamente de tal maneira que eles parecemindicar que os Aranda são os autores das práticas referenciais

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    que eles procuravam compreender. Richard Parmentier noslembra que “a citação do discurso de autoridade se rendeapenas momentaneamente à posição hierárquica inerenteao discurso reportado, visto que essas palavras oficiais outradicionais são de fato colocadas em usos não intencionadospor seus autores ou não implicados em seus contextos ini-ciais”.34  Spencer e Gillen se servem de citações diretas eindiretas, em grande parte para assinalar a natureza científicae liberal de suas conversações com os Aranda e seus vizinhos.

    Mas as conversações das quais os Aranda partici-pavam nada mais fazem do que simular o ideal liberal deum evento de comunicação racional, que se extrai de umcampo de força. Os Aranda estavam muito conscientes de

    que um aspecto do poder colonial se justapunha a outra for-ça colonial igual e oposta. Os Aranda e seus vizinhos dança-vam e falavam, mas eles estavam no centro de uma extermi-nação sistemática: roubavam-se, perdiam-se e destruíam-seseus objetos rituais, tomavam-lhes suas terras e, com elas, osrecursos materiais e espirituais necessários à vida. Eles tinhamdado permissão para registrar seus rituais, e em troca Gillen eSpencer lhes ofereciam alimento e uma proteção contra asforças da polícia e dos colonos. Visivelmente, a força nãoestava ausente da cena. Ao contrário. A força era a condiçãoverdadeira da comunicação.35 A enorme desigualdade nadistribuição do poder dava aos Aranda o impulso de adaptar,mesmo de modo muito sutil, seus enunciados ao contexto ao

    qual Spencer e Gillen estavam associados e que eles contri-buíam para criar. E esse poder incitou os Aranda a separar,ainda que de uma maneira ínfima no começo, um segmentode seu mundo/vida semiótico e a utilizá-lo (“that ” – “sex ”)como forma de estabelecer uma linguagem comum e maisou menos coerente entre eles e esses europeus.

    Fazer um balanço desses eventos de interlocuçãoaparentemente menores e suas estruturas semânticas permite,pelo menos num primeiro momento, construir um modelo maissutil da hegemonia sexual, da manutenção ou da emer-gência de sistemas normativos novos, passando pela articu-lação de elementos dessemelhantes nas interações sociaisem tempo real.36  Essas “enunciações com seus tipos” são“correias de transmissão” que nos permitem desenvolver uma

    metodologia mais rigorosa para operar entre eventos e ordensde dominação social que procedem de escalas amplamen-te diferentes.37 E elas nos lembram que as instituições de poderfazem sempre parte das condições tácitas, subjacentes epressupostas das práticas corporais e de comunicação.

    O sujeito da linguagemO sujeito da linguagemO sujeito da linguagemO sujeito da linguagemO sujeito da linguagemQuais são então as relações entre gênero, compre-

    endido de maneira metapragmática, subjetividade e desejo?

    34 Richard PARMENTIER, 1993, p.263.

    35 Ver Craig CALHOUN, 1995.

    36 Ver Ernesto LACLAU and  ChantalMOUFFE, 1985, especialmente p.

    85-88.

    37 Ver BAKHTIN, 1986, p. 65.

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    Para responder a essa questão, é importante considerar asubjetividade como uma ordem de fenômeno distinta dessasda semântica e da pragmática. Essa distinção deixa entrevero limite das teorias contemporâneas de meta-semiótica emrelação ao sujeito da linguagem (dotado de gênero e desexo).38 O “sujeito da linguagem” do qual eu falo não é amatéria da linguagem. Trata-se, sobretudo, de uma referênciaao sujeito humano, que é produto da linguagem, e àlinguagem enquanto produto dialético porque meio decomunicação, instrumento ou invenção de sujeitos humanos.

    Permitam-me que eu resuma brevemente aabordagem da antropologia da linguagem no que se refereao sujeito. Como já apontei antes, sociolinguistas e

    antropólogas/os da linguagem passaram ao largo da relaçãoformal entre estados pré e pós-linguísticos e, assim, ao largodo sujeito humano com seu gênero. Mas eles/as tambémcolocaram entre parênteses a questão de saber como aslínguas naturais dos humanos, nas suas dimensõespragmáticas e semânticas, conservam a marca de seu statusde língua humana. Linguistas não se colocam esta questão:as condições fenomenológicas que fazem com que alinguagem constitua o meio comunicacional dos seres quese tornam sujeitos falantes deixam sua marca sobre asestruturas e suas funções? A compreensão que Silverstein temdas relações entre as ordens semânticas e pragmáticas dosfenômenos linguísticos nos provoca à importância dessa

    questão e expõe o dispositivo conceitual que exige que arespondamos, pois, se se aceita que uma ordem semânticanão seja possível senão por meio de um ato de linguagemqualquer (ou seja, que seja inferida por meio de atospragmáticos e metapragmáticos), as ordens pragmática emetapragmática de uso da linguagem humana naturalimplicam da mesma maneira um sujeito fazendo uso dessalinguagem, e um sujeito que um dia não sabia fazer uso dalinguagem. Como linguagem, gênero e desejo poderiamreaparecer do ponto de vista desse sujeito? Permitam-me queeu sugira aqui o que está em jogo nessa mudança deperspectiva, em que se passa do ponto de vista do signopara o ponto de vista do sujeito, abordando de início a rupturana coesão entre linguagem e contexto na perspectiva do

    sujeito. A linguagem não pode controlar o contexto de maneira

    exaustiva, em parte porque o contexto é resultado do conjuntosempre movente dos sistemas denotativos e predicativos deum grupo. Na perspectiva semiótica (do ponto de vista dosigno), as pressuposições e as implicações denotativas epredicativas de um indivíduo divergem sempre daquelasdos outros membros de um mesmo grupo linguístico, mesmoque seja de maneira infinitesimal. Todos os sujeitos de um

    38  Ver SILVERSTEIN (1993, p. 34)sobre a interpretação possívelpara as funções das ordens defenômenos semânticos emetapragmáticos como sendodistintos um do outro “[em]características muito essenciais”.

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    grupo linguístico são certamente assujeitados à sua língua,mas não de maneira idêntica. Como nota Ben Lee, contudo,“propriedades indexais criativas dos performativos carregamas condições que fazem os enunciados verdadeiros”;39 operformativo não tem sucesso em criar as condições que atornam verdadeira sem reserva, excessos ou restos.40  Operformativo não pode saturar o contexto, pois, como todoato de linguagem, ele está ligado a numerosas diferenças,ainda que delicadas, no fundamento pressuposto dossujeitos, fundamento que serve aos sujeitos na avaliação doseventos, incluindo aí sua felicidade performativa. A garrafa

     jamais bate no barco, o percussionista sagrado jamais bateo tempo todo, se se presta atenção às pressuposições e às

    expectativas necessariamente variadas de cada umdaqueles que, na multidão, se mostram ou olham. Elesmarcam o ritmo “suficientemente bem”, “melhor que da últimavez”, “de uma maneira que podemos aprovar”, “quaseperfeitamente, mas você reparou nos sapatos dela!”, “bem, éverdade que ela não deveria usá-los, mas isso não temimportância, né?”.

     A origem dessas diferenças nas pressuposições podese explicar, ao menos em parte, em termos puramentesemióticos. Como já mencionei antes, os componentes dosnovos registros são provenientes das formas e funçõespragmáticas, semânticas e metapragmáticas, quaisquer quesejam, que constituem o material linguístico de uma

    comunidade de locutoras e locutores. Todos os “tipos deinteração”, “tipos de identidade social”, “tipos de estado deagente associado ao tipo de identidade social” possíveis, etodos os meios semânticos e pragmáticos pelos quais essestipos são instituídos fornecem às locutoras e locutores osmateriais que inserem um gênero do discurso no domínio deoutro e que criam assim novos gêneros do discurso e textos.Essas entextualizações podem ser o resultado do trabalhointencional de um sujeito criativo, as visões de um psicóticoou fazer parte de um movimento social. De toda maneira, umregistro normativo é inserido num outro e, no curso desseprocesso, ressignifica o contorno discursivo inteiro dacomunidade de fala.

     A entextualização é um traço corrente da linguagem

    que usam todos os dias as locutoras e locutores que aempregam nas funções metapragmáticas para articularaquilo que fazem, onde e com quem. A natureza cotidianadessa cartografia e recartografia semiótica constitui uma partecrítica do conflito social. Por exemplo, as feministas utilizaramos ideais e expectativas cotidianas sobre a maneira como os“humanos” ou as “pessoas democráticas liberais” deveriamse falar umas às outras, para ressignificar as expectativas eideais normativos sobre a maneira como as mulheres e os

    39 LEE, 1997, p. 57.

    40  Sobre performatividade, verJohn L. AUSTIN, 1962 e 1979.Sobre gênero e performativo, verJudith BUTLER, 1990; and  LIVIA and HALL, 1997.

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    homens deveriam se falar. Aquilo que diz Habermas sobre aemergência de uma forma particular de subjetividadeburguesa liberal no século XVIII na Europa constitui outroexemplo pertinente dessas extensões do gênero, dasentextualizações e das refigurações. A livre circulação dasinformações econômicas sobre longas distâncias no iníciodo capitalismo de mercado conduziu a inovações estéticasnas formas textuais públicas e privadas, e a expectativassociais subsequentes para saber como o discurso deveria serinstituído no espaço nascente da esfera pública.41

    Mas se a linguagem dá às locutoras e locutores osmeios de produzir textos interativos coerentes, ela lhes fornecetambém os meios de produzir frases coerentes sobre o plano

    sintático que colocam em questão as normas sociais e osusos ou lhes fazem elogio. Tomemos por exemplo as frasesseguintes perfeitamente gramaticais: “Ele poderia ser umhomem” ou “Certos homens são homens”, que implicam que“Ao menos um homem não é um homem”.42 Esses dêiticossociais podem ou não ter um contexto ou uma referênciaevidente corporal ou comportamental. Mas eles têm de fatoum efeito social. Ao menos, a/o ouvinte se pergunta o queeles significam, “Que você quer dizer: certos homens sãohomens? O que você disse? Quem ou o que pode fazer comque um homem seja outra coisa que não um homem e emque essa ‘outra coisa’ consiste? Não. Um homem é umhomem. A menos que...”. Esse fragmento imaginário de

    introspecção demonstra uma vez mais que existe simples-mente um espaço divergente entre o gênero normativo gra-matical e o social. Isto é, sua atualidade o torna disponívelpara construir sentido, se os agentes sociais o tomam, oimplementam, fazem-lhe qualquer coisa. É o que Lacancertamente fez com suas proposições infames como “ Lafemme n’existe pas” e “ Il y a d’l’Un”.43 Num primeiro momento,a função pragmática de “certos homens são homens”poderia muito bem abrir uma fina brecha interpretativa nanormatividade masculina. Mas, com o tempo, a interrogaçãosilenciosa, muitas vezes debilitante, da questão “Você é issoaí?” pode remodelar as expectativas normativas que se podeassegurar, não somente para a masculinidade, mas paraas instituições sociais que estabelecem ou que são

    estabelecidas por esse gênero.44 A própria estrutura linguística dá às locutoras e

    locutores os meios de assinalar a condicional de todas asocorrências das estruturas e usos da linguagem, de cadaenunciação, seja ela estruturada de maneira normativa oucontranormativa. Note esta sequência de enunciadosmodais: “Eu deveria talvez falar desse jeito para ser umamulher, ou talvez eu não devesse”; “Eu sou talvez uma mulher,ou talvez eu não seja”; “Eu não deveria ter feito, mas é agora

    41 Jürgen HABERMAS, 1993; LaurenBERLANT, 1997; Miriam HANSON,1993; Nancy FRASER, 1993; and Susan GAL, 1998.

    42  Ver LEVINSON, 1983, p. 97-166;and  LACAN, 1977b.

    43 Em francês também na versãoem inglês. [Nota da tradutora]44 Susan Gal observou que essesmapeamentos através de registrosdiscursivos estão sempre já impli-cados em estruturas de poder. Elaobserva que, embora “a habilida-de de fazer outros aceitarem eagirem conforme a representaçãode mundo de alguém” seja um“aspecto crítico da dominaçãosimbólica..., tal poder cultural rara-mente fica incontestado”, especi-almente quando “práticas desvalo-rizadas propõem ou incorporam

    modelos alternativos de mundosocial”(GAL, 1991, p. 177). Parasaber mais sobre negociação designificado, ver Marjorie GOODWIN,1993; Susan EHRLICH and   RuthKING, 1996; Susan HERRING;Deborah JOHNSON and  Tamra DIBENEDETTO, 1995. Para uma dis-cussão socialmente situada do usode modais na sociedade aborí-gine, ver Elizabeth POVINELLI, 1993.

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    ELIZABETH A. POVINELLI

    Uma interpretação forte de “sujeito da linguagem”argumentaria que as diferentes ordens de fenômenoslinguísticos devem transmitir na forma de sinal, na função, acapacidade ou a condição de ser o meio comunicativo deuma forma particular de ser, o ser humano que se torna umsujeito falante. Ainda não entendo claramente como se podechegar a demonstrar essa marca (empreinte), nem quaisimplicações se deveria tirar da dificuldade de dar contametodologicamente do que faz sentido no plano fenomeno-lógico. Mas não nos inquietemos por enquanto com essesnumerosos perigos, e tornemos a examinar mais um pouco aquestão da modalidade da perspectiva que proponho. Comose sabe, a modalidade marca gramaticalmente o grau de

    engajamento do/a locutor/a na enunciação que ele/a emite.Mas a modalidade pode também ser considerada como osinal metalinguístico da dependência da linguagem diantede um sujeito que deve se tornar falante. A forma infantil “podeser que não” pode assinalar não somente um aspecto lógico-semântico da linguagem, mas antes primeiramente todaexperiência de ser treinada por uma forma semiótica encar-nando uma condição necessária para “ser” socialmente e,ao mesmo tempo, a experiência de “ser” bem antes dessetreinamento. Em suma, a pulsão que Lacan nomeou desejopoderia nem ser gramaticalizada nas formas linguísticascomo o humor e os desiderata.

    Nomeio “pragmática íntima da pessoa” suas primeiras

    e subsequentes perturbações e gramaticalizações das nor-mas sociais da linguagem. Roman Jakobson mencionou umfenômeno que está ligado a isso e que ele chamou de “alíngua individual” – o código linguístico personalizadodemarcado por alguém que evita “certas formas ou certaspalavras que são aceitas pela sociedade, mas que pareceminaceitáveis para ele por qualquer razão ou pelas quais eletem aversão”.45 Se a “língua social” mantém a unidade dasociedade, a “língua individual” reflete e mantém “a unidade,isto é, a continuidade da identidade individual”. 46  A pragmática íntima de uma pessoa incluiria as delicadasestruturas específicas de uma pragmática, tais como aaprendizagem da maneira apropriada e inapropriada declassificar os gêneros, de se referir a eles e de identificá-los;

    ela incluiria os traços fonológicos ínfimos do registro socialque desenha o espaço social no ato de fala.47 Mas elacompreenderia também os espectros fragmentários deinumeráveis encontros microdiscursivos e corporais, meios-tópicos e traços da memória, esperanças não linguísticas,aspirações, desapontamentos, superfícies corporais econtornos que impregnam os traços fonológicos, as escolhaslexicais, os truques sintáticos. Inversamente, a própria estruturalinguística poderia assinalar o provisório de cada enunciação

    45 Roman JAKOBSON, 1990, p. 90.

    46 JAKOBSON, 1990, p. 91.

    47 Como os registros de polidez ofazem, por exemplo; ver ElizabethKEATING, 1994; Jack SIDDELL,1998; Joseph ERRINGTON, 1988.

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    PRAGMÁTICAS ÍNTIMAS: LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E GÊNERO

    efetiva – segmento de sentido modelado pelametapragmática.

    Essas pragmáticas íntimas são cruciais paracompreender a dinâmica da sociedade, pois elas deses-tabilizam a própria língua da comunidade íntima normativaque as instituições que regulam a linguagem deveriamestabilizar. Elas têm essa propriedade porque a pessoa projetaou, mais precisamente, prolonga sua pragmática íntima sobrecada cena onde ela aparece. Essas pragmáticas íntimasmigram, despercebidas, com os indivíduos no momento emque eles entram e transgridem as esferas públicas e íntimas,aí orientando suas expectativas e demandas, o que explicaem parte porque ninguém realmente “capta” o que eles

    tentam dizer. “Por que você não entende o que estou tepedindo? Não falamos a mesma língua?”. Rigorosamentefalando, a resposta é “não”. Mas, uma vez mais, se a respostaé não, não é simplesmente porque a língua social reúne atotalidade das línguas individuais divergentes que acompõem. Rigorosamente, a resposta é não porque a línguanão é somente um fenômeno semiótico.

    Façamos apelo uma última vez ao caso dos Arandapara mostrar como se situa a dinâmica da pragmática íntimada pessoa nas interações sociais e seu contexto institucional.Em Aranda Phonetics and Grammar , texto escrito cerca dequarenta anos depois de Native Tribes, de Spencer e Gillen,Theodor G. H. Strehlow esboça os grandes traços fonêmicos

    e gramaticais do Aranda e, ao longo, brevemente, eledissipa os estereótipos negativos disseminados sobre aslínguas aborígenes. Mas Strehlow ficou bem contrariado,na verdade ele ficou um pouco escandalizado por umacaracterística da língua aranda: a falta de distinções degênero. “Os nomes aranda não conhecem distinções degênero: masculino, feminino e neutro são todos termos semsentido para um homem de uma tribo da Austrália Central.Nem mesmo os animais de caça comuns são diferenciadosde acordo com o sexo”.48  Tudo aquilo que se costumachamar de relativismo linguístico se desvanece diante daverdade original da diferença dos sexos. No aranda nãosomente faltavam  distinções de gênero nas locuçõesnominais, mas a pessoa aranda “se recusava a reconhecer

    em sua gramática a distinção essencial dos gêneros”,estado de espírito e da língua que Strehlow negava quepudesse ter sido sempre a mesma.

    Se se exclui a questão de saber se a língua arandamarca o gênero e de que maneira ela o faz, pode-se observarque as pressuposições gramaticais do inglês, com suasconsequências, estão na fonte do que Strehlow consideracomo uma condição fundamental da fala humana bemarticulada. O sentido metalinguístico da necessidade do gê-

    48 STREHLOW, 1944, p. 59.

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    PRAGMÁTICAS ÍNTIMAS: LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E GÊNERO

    ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

    Este ensaio procurou sugerir como uma compreensãode inspiração lacaniana da emergência do sujeito na lin-guagem poderia ser reconceitualizada numa compreensãometassemiótica da linguagem; como as conceitualizaçõesmetassemióticas das ordens de fenômenos relacionados coma linguagem poderiam se encontrar modificados; e, em últimolugar, como nossa compreensão de linguagem, gênero epoder poderia ser aprofundada e estendida no decorrer desseprocesso. Isso, creio eu, podemos afirmar com segurança. Aoinvés de conceber a estrutura linguística e o gênero socialarticulando-se claramente em diversos contextos, e esses dois

    fenômenos semióticos articulando-se claramente ao fenô-meno da subjetividade, deve-se compreender que cadaordem está no caminho contínuo de se ligar às outras e àssubstâncias corporais, seus contextos e referentes ao mesmotempo pressupostos e implicados. Os discursos e as funçõespragmáticas e metapragmáticas fornecem à linguagemmeios sutis e vigorosos para assegurar a “fixação” dos textosdenotativos aos corpos, aos contextos, às instituições e aospsiquismos. E os corpos, os contextos e os espaços concretosfornecem superfícies, densidades, plasticidades, massas,vazios e solidez com as quais a linguagem está lutando.

    Mas uma diversidade de agências e agentes sociaisé necessária para ordenar e disciplinar o uso dessas formas

    linguísticas e não linguísticas, a fim de frear ou precipitar o jogo inerente da inovação linguística e das modificaçõessociais que dela resultam. Esses agentes e agências incluemnossos/as aliados/as mais íntimos/as, professoras e professores,amigas e amigos, seres amados, que nos impelem a falarcomo convém enquanto “ele” ou “ela”, gay  ou hétero, assimcomo nossos mais distantes contemporâneos, personagensoficiais do mundo da educação ou do Estado que legislamsobre o discurso incitante ou pornográfico na esfera pública,no campus, na cidade, na internet  e nas correspondências.51

    No decorrer dessas circunstâncias ordinárias e extra-ordinárias, nesses espaços íntimos e intimidantes, as criançase os adultos aprendem não somente o conteúdo particularda dominação/incitação linguística, mas também sua forma

    específica (“não se fala assim” ou “é assim que você devedizer”), assim como a diversidade de consequênciasdecorridas por falar de outra forma. Eles/as estendem, então,essa forma de dominação linguística e esses riscos às diversasinstituições sociais do trabalho, da intimidade, da identidadede gênero e de sexo. Mas, na medida em que a linguagempossui os meios para se amarrar solidamente aos contextos,ela fornece também aos agentes sociais o lugar e os meiosde desatar as amarras indexais de gênero, porque uma forma

    51  Ver Catharine MACKINNON,1993; BUTLER, 1997.

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  • 8/17/2019 Pragmaticas Intimas

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    Estudos Feministas, Florianópolis, 24(1): 205-237, janeiro-abril/2016 237

    PRAGMÁTICAS ÍNTIMAS: LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E GÊNERO

     In timate Pragmatics Language: Subjectivi ty and Gender  In timate Pragmatics Language: Subjectivi ty and Gender  In timate Pragmatics Language: Subjectivi ty and Gender  In timate Pragmatics Language: Subjectivi ty and Gender  In timate Pragmatics Language: Subjectivi ty and Gender  Abstract  Abstract  Abstract  Abstract  Abstract: This paper discusses metapragmatic and psychoanalytic understandings of language,gender and desire. It discusses the challenge each disciplinary approach to language, gender and desire poses to the other. It argues that a robust theory of language and gender necessitateswe view subjectivity as an order of phenomenon distinct from semantic and pragmatic orders of 

    linguistic phenomena. The paper suggests two modest proposals as a way of beginning tounderstand the interrelationship between language and subjectivity. It begins with a very brief overview of contemporary linguistic anthropological approaches to gender and sexuality. It thendescribes the intimate pragmatics of speaking-subjects by articulating recent work inmetapragmatics and gender with a psychoanalytically inspired account to subjectivity and desire. Key  Key  Key  Key  Key -----W W W W W ordsordsordsordsords: Language; Gender; Metapragmatics; Psychoanalysis; Subjectivity.

    Tradução de Joana Plaza PintoUniversidade Federal de Goiás

    [Recebido em 5 de outubro de 2014 e aceito para publicação em 8 de maio de 2015]


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