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Vários movimentos sociais se têm insurgido contraos efeitos negativos das masculinidades tóxicas.
listaremos a virar uma página na História ou serãoesiesjeiiómenos apenas anticorpos a tentarem
lutar contra uma epidemia?por Filipa Basflio da Silva
Felizmente, cada vez mais rapazes e ho-mens não se identificam com as masculini-
dades tradicionais e estão a querer distan-ciar-se do papel que foram educados paraencarnar. "Persistem parâmetros culturais
de masculinidades sexistas e machistas
que atribuem ao homem características
como a iniciativa, a atividade, a força,o comando, o poder", informa Bernar-do Coelho, sociólogo e cofundador doCentro Interdisciplinar de Estudos deGénero (CIEG) da Universidade de Lis-boa. Acontece que, por não serem cora-
josos, por não gostarem de futebol, porcuidarem do seu quarto ou da casa, porserem pais presentes, por serem parceirosatenciosos, são imediatamente alvos decríticas. "Quando eles saem do seu papel,são associados à homossexualidade oua ser mulher: 'és mariquinhas', 'és umamenina'", nota Tiago Rolino, investiga-dor da Universidade de Coimbra. Tristee curioso é existirem vozes femininas en-tre o coro de julgamentos.
Desempenho interrompidoNeste reverso da medalha, encontramosindivíduos que estão um pouco perdidosna esfera pessoal, romântica e sexual. "Naminha prática clínica, aparecem muitos
rapazes e homens jovens que não conse-
guem corresponder à maior segurançae exigência das mulheres na sua sexua-lidade. Ao verem as suas companheirasmostrar desejo e querer prazer, eles ficam
com medo de não serem capazes de as
satisfazer e encravam", conta a psicólogaclínica e terapeuta sexual Cátia Oliveira.O resultado? Há sujeitos com idades entre
os 20 e os 35 anos com disfunções sexuais
que tipicamente só surgiam depois dos 50anos. "Fruto de quererem ir ao encontrodas expectativas das parceiras, cada vezmais jovens tomam coisas para melhorar
o seu desempenho", acrescenta a sexólogaVânia Beliz.
Panela de pressãoTem de ser forte e saber desenvencilhar-
-se sozinho, sofre em silêncio e não podechorar. Se pedíssemos a um grupo de ra-
pazes para completar a frase "homem queé homem", provavelmente, estas seriam
algumas das ideias avançadas. Deviam
ter ficado no passado, mas como transi-taram para o século XXI, os profissionaisde saúde estão perante um problema sem
precedentes: o género dominante está emcrise. Num extremo do grupo (se assim
lhe podemos chamar), uns agarram-secom unhas e dentes às crenças das mas-culinidades tradicionais hegemónicas. Naoutra extremidade, questiona-se a noçãode género e a sua validade e necessida-
de para a vida em sociedade. No meio,
"O feminismo vai tornarpossível que, pela primeiravez. os homens sejam livres"
Floyd Dell
há muita confusão. "Na consulta tanto
vejo rapazes com problemas de depres-são, ansiedade, autoestima e sentido deautoeficácia muito baixos, como jovensextremamente eficazes a nível escolare profissional, mas que não sabem estarnem conviver, porque não desenvolveram
as competências emocionais e sociais ne-cessárias para terem uma vida satisfató-
ria", descreve Cátia Oliveira. No limite,
Tiago Rolino sublinha que "a repressãoprolongada dos sentimentos pode levar
ao suicídio". Palavras que esclarecem, em
parte, o porquê de três vezes mais rapazese homens tirarem a própria vida do queraparigas e mulheres - segundo dadosda Fundação Americana para a Prevençãodo Suicídio.
Clima aterradorEm teoria, o combate às desigualdades de
género deveria ser facilitado num mun-
do mais informado e interligado. Porém,a realidade é desanimadora. "Estou muito
preocupado com o facto de os dois paí-ses onde tenho raízes, os Estados Unidosda América e o Brasil, estarem a ser go-vernados por fascistas. Eles conseguemcomunicar com um segmento da popula-ção, na sua maioria homens, que acha quea sociedade lhes deve alguma coisa e
que têm direito a tudo. Há muito tempoque não se via ódio como hoje", admite
Gary Barker, fundador da organizaçãoPromundo, que foi um dos oradores naconferência O Homem Promotor da Igual-dade, em novembro do ano passado. Por
isso, é necessário informar os rapazese os homens daquilo que eles teriam a
ganhar se vivêssemos num mundo mais
igualitário.
Vantagens dos direitos iguais"Os dados mostram que, quando os ho-
mens partilham as tarefas domésticas, as
suas parceiras são mais saudáveis, apre-sentam níveis de contentamento matri-monial mais elevados e uma vida sexual
mais satisfatória. Se os homens partilhamos cuidados com as crianças, elas têm me-lhores resultados na escola, têm menostranstornos de atenção e hiperatividade.Quando os homens partilham estas ta-refas, eles próprios são mais saudáveis:
fumam menos, bebem menos, tomammenos drogas recreativas e têm menos
propensão para depressões", enumeraMichael Kimmel, sociólogo e autor dolivro Angty White Men. A família, a escola,
Justin Baldoni, atornorte-americanoe ativista pelaigualdade de género,criou uma sérieintitulada Man Enough("homem o suficiente",numa traduçãoliteral). Para já, temquatro episódiosdisponibilizados na
íntegra no site oficial.Em cada capítulo,Baldoni convidahomens diferentespara questionaras masculinidadestóxicas que lhes foramtransmitidas e debatero significado do papelque lhes foi atribuído.wearemanenough.com
editor da revista The Masses (1914)
a comunicação social e a sociedade civil
devem fazer tudo o que estiver ao seualcance para não perpetuar as desigual-dades de género. Na opinião de TiagoRolino, "neste momento, ainda é preciso
forçar comportamentos". O investigadorda Universidade de Coimbra defende quea legislação comece por rever a licença de
paternidade: "Deve ser igual à licença de
maternidade, não repartida, não trans-missível e remunerada a 1 00 por cento".
Viés ideológicoTambém dificulta a conquista de igual-dade o facto de bastantes pais ainda fa-
zerem distinções na educação dos filhos,envolvendo mais as raparigas nas tarefas
domésticas e inculcando nos rapazes a
importância de trazerem dinheiro paracasa - sem lhes ser exigida responsabi-lidade na sua gestão e manutenção. "As
raparigas são ensinadas a serem sensíveis,boas donas de casa e cuidadoras da famí-lia e os rapazes educados a não mostrarsentimentos e a impor as suas ideias com
agressividade", confirma Tiago Rolino.São estes os papéis de género que nosatribuem ao nascimento, que regem o
nosso comportamento e cujas margenssomos socialmente desencorajados de
ultrapassar. "Às vezes temos de pensar umbocadinho nas coisas. Um rapaz com 20anos que não sabe arrumar, limpar nemcozinhar e só sabe aquecer uma pizza nomicro-ondas não foi ensinado a cuidarde si como devia. É uma questão de so-
brevivência", critica Angelo Fernandes,diretor da associação Quebrar o Silêncio,
especializada em dar apoio a homens so-breviventes de violência sexual.
Adeus, Macho ManO patriarcado é apontado como o grandeculpado por trás de tudo o que abordámos
neste artigo. Durante séculos, prejudicou
gravemente a vivência das mulheres. Masos homens não saíram incólumes da açãodeste sistema social que, ironicamente, foi
criado para privilegiá-los. "Temos de fazer
um esforço para alterar as mentalidadesdas pessoas que nos rodeiam", conclui
Tiago Rolino. O machismo magoa todos.A igualdade traz vantagens para todos.
Está na altura de mudarmos o status quo.
Angelo Marques
(j)iiversámos com Angelo Fernandes, direlorda associação (hiehrar o Silêncio, sobre o queé necessário jazer para envolveras homens
na promoção da igualdade degenero.
Parece-me ser essencial quese faça uma educação paraa cidadania e que ela sejaassente nos direitos iguais.Recentemente, estive numaescola a falar sobre igualdadede género. Pedimos a um rapaze uma rapariga que fizessemexatamente a mesma tarefae, no final, recompensámosmais o rapaz. Ficaram todossurpreendidos, não houveninguém naquela turma queconsiderasse justa ou normala distinção feita. Acabámosa falar-lhes das diferençasde vencimento, que asmulheres ganham em médiamenos sete por cento do queos homens na mesma funçãoe que não têm as mesmaspossibilidades de progressãona carreira.
A verdade é que se o homemse ausentasse do trabalho namesma medida que a mulher,as coisas seriam diferentes.
As famílias têm um papelfundamental nesta caminhada,devem falar mais nestesassuntos à mesa. Os temaschegam às crianças, seja pelaInternet seja na escola. Adiarestas conversas ou torná-lastabu só faz com queas crianças fiquem maisconfusas. O papel da família
COMO SE PROMOVE UMA PATERNIDADE
CUIDADORA JUNTO DE PESSOAS
CUJAS REFERENCIAS SEJAM
DE MASCULINIDADES HEGEMÓNICAS?
Quando os homens sãopais, muitos mudam os seushábitos: deixam de fumar,de beber tanto, começam afazer desporto e a ter umaalimentação mais saudável.Eles apercebem-se que nãoseriam o melhor exemplo paraos(as) f ilhos(as). Mas, sim,está na altura de termos estaconversa: os pais querem estarmais envolvidos na vida dosseus filhos, sem que isso sejavisto como uma limitação.
Não é só uma questãode crítica, mas tambémde discriminação e atéde violência. Ainda há poucotempo, numa escola, um rapazde 17 anos me disse que nãopodia chorar - se chorasse,seria alvo de troça peloscolegas e o pai iria bater-lhe.
MUITOS HOMENS SÓ PROCURAM AJUDA
NO LIMITE (MEDICA. PSICOLÓGICA, ETC.)
E, FREQUENTEMENTE, NAO CONSEGUEM
VERBALIZAR OS SINTOMAS.
Os homens devem procurarapoio se sentirem queé necessário, sem que issopossa representar um ataqueà sua masculinidade.A vulnerabilidade ainda é vistacomo uma coisa negativa,mas nós não conseguimosser fortes a toda a hora e nãosomos menos homens seprocurarmos apoio.