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Promovendo Contextos Criativos - esec.pt · com todos os ingredientes e a receita perfeita, ... ou...

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Promovendo Contextos Criativos PRáTICAS EDUCACIONAIS CRIATIVAS EM INSTITUIçõES EUROPEIAS DE EDUCAçãO PRé-ESCOLAR
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Promovendo Contextos

CriativosPráticas educacionais criativas

em instituições euroPeias de educação Pré-escolar

This project has been funded with support from the European Commission.

This publication reflects the views only of the author, and the Commission

cannot be held responsible for any use which may be made of the information

contained therein.510473-2010-LLP-IT-COMENIUS-CNW

1 introdução (Juergen Hoerstmann)

3 Práticas 3 Orlando e Angelica nos castelos imaginários (Ilaria Mussini) 6 Um conto infantil (Virginija Letukiene, Renata Juodikaityte, Dagna Volkovaite) 8 O vestuário dos animais (Jana Grava, Vineta Pole) 10 O projecto do oceano (Anna Sipilä) 12 O projecto da neve e do gelo (Anna Sipilä) 15 Garrafas de água, e folhas, e terra, e… (Trine Munkøe) 18 O grande espaço da construtividade (Cinzia Braglia) 21 A promoção de actividades criativas (Ilze Abele, Nora Kirhnere) 23 A aprendizagem dos valores espirituais na idade pré-escolar

(Aušra Jablonskienė, Giedrė Petrošienė) 25 Sou um criador – consigo fazer (Virginija Letukiene, Dagna Volkovaite, Renata Juodikaityte) 27 Aqui e ali: o efeito boomerang (Ana Néné) 30 (Re)criando a criatividade (Tânia Barriga) 33 O laboratório das “mesas comidas” (Katia Iotti, Silvia Cuoghi) 38 Sente e exprime! (Jana Grava, Vineta Pole) 40 A lagarta comilona (Susanne Bayer-Mielich) 42 Projecto comunitário para o 760º aniversário da nossa cidade

(Aušra Jablonskienė, Giedrė Petrošienė) 44 O encontro com a obra de arte como pre-texto (Vesna Balzani) 47 Os pequenos cineastas e “A Cidade dos Amigos” (Sandra Reigado) 50 Museu (Oriella Orlic, Ilenia Tikel, Sandra Urbanek) 52 Criatividade e tecnologia na educação pré-escolar (Pre-schools Silverdansen and Vikbolandets) 55 Condições para a aprendizagem de crianças e adultos no contexto pré-escolar

(Pre-schools Svanen and Nyckelpigan)

58 a prática educativa na perspectiva dos educadores: sugestões para uma didáctica da criatividade (Chiara Bertolini)

My mummy is happier when children’s hands are clean, but the children are happier when their hands are dirty!

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A Rede CREANET envolveu 12 parceiros e 40 instituições associadas de dez países europeus.

Durante um período de três anos, todos os intervenientes trabalharam a promoção da

criatividade e do pensamento criativo na educação de infância. O objectivo foi o de desenvolver um

fórum europeu para a discussão, pesquisa e partilha de boas práticas, numa perspectiva multidisciplinar,

interinstitucional e transnacional. A criatividade foi abordada tendo em conta dois

aspectos específicos, representados em dois grupos de trabalho: criatividade e contexto (espaços,

materiais, relações) e criatividade e linguagens expressivas (linguagens artísticas e verbais,

linguagem corporal). De Outubro de 2010 a Setembro de 2013, os educadores encontraram-se em quatro reuniões de grupo e – em

conjunto com os parceiros das universidades – em três conferências. Em todos os encontros, foi dada particular relevância

à apresentação e discussão de boas práticas. No total, foram apresentados 36 projectos e actividades.

Nesta publicação incluem-se 20 exemplos de como os educadores de diferentes países trabalham a criatividade.

São descritas as condições proporcionadas e as metodologias e abordagens usadas para facultar às crianças a oportunidade de se

exprimirem, não apenas descobrindo, mas criando o seu mundo. Assume-se, assim, como uma fonte de inspiração para educadores: a

ideia não é fazer dele um “livro de culinária”, com todos os ingredientes e a receita perfeita, mas sim uma forma de aprendizagem através da experiência de outros colegas, aplicando as

suas ideias de partida, ferramentas e materiais, ou o seu entendimento sobre o papel do adulto como um parceiro

Introdução Juergen Hoerstmann

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da criança. Todos os artigos foram escritos pelos próprios educadores participantes.

A variedade de práticas é muito vasta. Algumas delas são projectos que se prolongaram por um ano lectivo inteiro, outras,

simples actividades que duraram apenas um dia ou uma semana. Umas foram sobretudo propostas pelos educadores, enquanto outras

tomaram como ponto de partida para o projecto a pergunta ou o comentário de uma criança. Por vezes partiram de um estímulo

externo (como o trabalho de um artista ou o aniversário da cidade) mas noutras ocasiões limitaram-se a seguir a paixão das crianças pela exploração do mundo. Frequentemente introduziram materiais novos

para as crianças (como desperdícios/materiais reciclados), mas também usaram o que a natureza oferece. E se algumas se centraram sobretudo

numa dimensão da criatividade, em muitos casos interligaram diferentes formas de expressão (pintura, música, teatro, vídeo).

O enfoque de diversos textos situa-se mais ao nível do processo de desenvolvimento da actividade, embora alguns

descrevam a reacção e o “processo criativo” das crianças, enquanto outros ainda se concentram no papel do adulto.

Os dois últimos artigos enfatizam as oportunidades dos novos media na educação pré-escolar e descrevem o

contexto e os requisitos específicos da Suécia.A encerrar esta publicação, Chiara Bertolini (Universidade de Modena e Reggio Emilia)

avalia os 36 projectos e actividades que foram apresentados durante o projecto. As suas conclusões sobre os “pontos de contacto”

privilegiam o papel dos educadores, a escolha de materiais e o contexto em que as crianças

podem explorar, inventar – mas sobretudo onde podem cometer erros.

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Estimular o trabalho em equipa, a colaboração, a negociação e o debate, como amplificadores sociais dos processos criativos.

Reforçar o desenvolvimento da auto-expressão, da auto-estima e da curiosidade como dimen-sões relacionais necessárias à construção da identidade. Estas dimensões definem a persona-lidade criativa também através de um ambiente acolhedor e psicologicamente seguro, onde as ideias e interesses das crianças são valorizados e onde se promove a escuta activa por parte do educador.

Apoiar as crianças na solução de conflitos cog-nitivos e na gestão de estratégias de resolução de problemas, promovendo a reflexão sobre as acções e os processos de raciocínio desencade-ados no seio do grupo e facilitando a tradução das ideias das crianças em projectos reais.

Introduzir práticas democráticas junto das crianças.

ProcessoAs educadoras começaram por ler o poema na versão de Roberto Piumini, durante as lições da manhã. Assumindo o papel de coordenadoras do grupo, estimularam a comunicação, através da criação de uma maior disposição para a escuta, de modo a que ninguém se sentisse julgado, e ain-da do incentivo à circulação de conhecimentos e de pontos de vista e do estabelecimento de cone-

Este projecto surgiu a partir de um convite do Centro de Estudos Matteo Maria Boiardo, em Scandiano, dirigido ao jardim-de-infância muni-cipal, para a criação de um projecto com crianças de cinco e seis anos em torno do poema cavalhei-resco “Orlando Enamorado”, escrito pelo famoso académico italiano Matteo Maria Boiardo.

objectivos Promover o conhecimento do poema de Boiar-do através de estratégias educativas e estimular um contacto mais íntimo das novas gerações com os clássicos da literatura italiana.

Criar uma atmosfera propícia à aprendizagem, à experimentação e à produção de ideias e de ar-tefactos artesanais. A criação deste contexto ba-seia-se no uso de diferentes tipos e quantidades de materiais não formais, na presença de espaços interiores e exteriores frequentemente redefini-dos, na grande quantidade de tempo dedicada à exploração do material, na concepção de ideias, no diálogo dentro do grupo e na produção de di-versos trabalhos conceptualmente enquadrados no poema cavalheiresco, que garantiram a estas experiências uma continuidade temporal.

Promover, junto das crianças, o conhecimento, a experimentação e a invenção de várias lingua-gens, reforçando a aprendizagem conceptual e fomentando a criatividade, através das conexões entre diferentes sistemas simbólicos.

Orlando e Angelica, nos castelos imaginários

Experiências e pesquisas criativas sobre o trabalho de Boiardo

Ilaria Mussini

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xões entre as experiências pessoais das crianças e o conteúdo do livro: “… o bolo Boiardo, tal como Matteo Maria Boiardo, aquele que inventou o Or-lando Enamorado, um cavaleiro e um paladino.”A primeira informação recolhida a partir da leitu-ra das secções mais importantes do poema foi en-riquecida pela visita à Fortaleza de Scandiano (a casa de Boiar-do), onde as crianças, vestidas de audazes paladinos e belas princesas, viveram as batalhas contra os inimigos e dançaram ao som de música medieval. “Na Fortaleza há espadas, escudos, elmos, quadros com os cavalei-ros de Matteo Maria Boiardo.” “Há muito tempo, a Fortaleza era um castelo com cavaleiros.” “A Fortaleza é um cas-telo. Há quartos e havia princesas que ali punham a roupa a secar e dormiam.” De seguida, as crianças foram incentivadas a apro-fundar o seu conhecimento sobre as personagens do poema, através das linguagens gráfica e pictóri-ca. Os desenhos foram realizados individualmen-te ou em pequenos grupos, utilizando diferentes recursos e técnicas expressivas e materiais diver-sos, proporcionando às crianças a oportunidade de abordarem diferentes linguagens e de co-laborarem em desenhos colec-tivos. As educadoras colocaram às crianças propostas abertas, dando-lhes liberdade para en-contrarem o seu próprio pro-cesso de representação das per-sonagens. A pesquisa sobre as personagens prosseguiu com o jogo “Se eu fosse…”, uma técnica propícia ao de-senvolvimento do descentramento cognitivo, de novos pontos de vista e da imaginação. “Se eu fos-

se o Orlando… gostaria de ser o melhor cavaleiro andante.” “Se eu fosse a Angelica… ordenaria ao céu que deixasse a luz brilhar sempre.”A visita ao castelo e a compreensão das persona-gens do poema sugeriram às crianças a concep-ção e construção de um castelo. As educadoras

trabalharam o contexto, intro-duzindo diferentes tipos de ma-teriais não formais que as crian-ças poderiam usar, e ouviram os conselhos das crianças sobre al-ternativas possíveis. Depois de produzirem vários desenhos, as crianças escolheram livremen-te os materiais que poderiam usar para construir castelos tri-dimensionais. Algumas usaram

materiais com diferentes características sensoriais (madeira, plástico, cortiça, metal, materiais na-turais, etc.), enquanto outras preferiram usar um único material, por exemplo copos de plástico ou cubos de madeira.A “linguagem construtiva” constituiu o melhor am-biente para partilhar conhecimento, para debater e para gerir as competências de resolução de proble-mas das crianças, associadas a aspectos matemáti-

cos e científicos (distâncias, pe-sos e estimativas, etc.). Foi ainda uma oportunidade para as crian-ças usarem uma linguagem asso-ciativa e combinatória, de mo-do a poderem criar metáforas e comparações durante um dia fle-xível, que podia mudar de acor-do com o que ia acontecendo. “O castelo é como uma cidade por-que é comprido… É na verdade

uma cidade.” “Este é o castelo feito de imaginação, onde há pedras, conchas e bandeiras no topo.”Os castelos, decorados com animais e persona-

A grande instalação

Um castelo de barro

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gens de plástico, transformaram-se em ambien-tes vivos, habitados de paisagens, e em contextos para novas fantasias. “É o castelo da princesa… É todo branco… É como os castelos dos contos de fadas… É o castelo dos sonhos.” “Os castelos têm torres de vigia; são feitos de pedra.”Mais tarde, as educadoras deram barro às crian-ças, para que aprofundassem a sua exploração, com um material natural, moldável, de grande plasticidade, o que deu origem a construções mais originais. “O meu castelo é como uma caverna.” “Retirei as torres e pus uma pasta cinzenta ou en-tão não se aguentava.”As educadoras aproveitaram a ideia de algumas crianças, que propuseram a todo o grupo cons-truir um castelo suficientemente grande para que todos lá coubessem. A ideia resultou numa ins-talação construída no espaço comum do jardim--de-infância, que passou por uma transformação substancial. “O castelo imaginário pode ter até bo-ca e olhos. Pode parecer-se com uma cidade e, ao pôr-do-sol, fica lindo, brilha e, com a luz do sol, muda de cor.” Numa oficina de teatro, as crianças envolveram-

-se na confecção de máscaras e trajes, com teci-do e roupa, e na dramatização da história, usando diferentes linguagens dramáticas, como o corpo, a voz, a mímica e a imaginação, desempenhando diversos papéis e inventando novas tramas. O pro-cesso terminou com a criação de uma história co-lectiva com as personagens do poema. Nesta his-tória, a redefinição dos elementos narrativos e das categorias temporais (passado, presente e futuro), a realidade e a fantasia resultaram numa dimen-são original, potenciadora de novos projectos. “Era uma vez um rei que fazia tudo o que lhe ape-tecia… A Angelica vivia num castelo muito feio, porque havia um dragão que estava sempre a dei-tar fogo a tudo…”

contextoJardim de Infância Municipal G. Rodari (Itália); Ano lectivo de 2010/2011; Educadoras: Angela Belloni e Maria Antonietta Fabbri; Crianças com 5 e 6 anos de idade.Ilaria Mussini, Coordenadora Pedagógica, Município de Scandiano (Itália)

Dramatização no castelo

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objectivos Preparar uma peça para teatro de sombras. Desenvolver as competências de aprendizagem, descoberta, motivação e criatividade das crian-ças.

Facultar às crianças a possibilidade de partici-parem em actividades criativas, na construção de fantoches, na produção do guião da peça e na gravação do conto.

Aprender a comunicar e a cooperar ao longo do processo de preparação do projecto.

ProcessoAs crianças escolheram o conto e decidiram repre-sentá-lo em teatro de sombras. Cada uma tinha de desenhar a sua personagem. Experimentámos di-versos movimentos de bonecos do teatro de som-bras, bem como técnicas de manipulação.Deu-se especial atenção à gravação da música usa-da na representação da história. Tentou-se revelar os estados de espírito e os traços mais caracterís-ticos e significativos das personagens. As crianças tiveram uma ideia muito interessante: usar instru-mentos musicais na representação, transformando--a numa experiência mais lúdica. A peça “Um Con-to Infantil” foi representada para os amigos, os pais, a comunidade do jardim-de-infância e o público em geral. As crianças prepararam um cartaz e dese-nharam os bilhetes para o espectáculo. No fim, pais e crianças fizeram um balanço da peça.

PaPel das educadorasA necessidade de auto-expressão das crianças foi totalmente satisfeita. As educadoras ajudaram--nas, actuando como facilitadoras e coordena-doras: instalaram a tela e as cortinas do teatro de sombras na janela da sala de aula. Competiu ao adulto coordenar o trabalho criativo das crianças, incentivando-as, simultaneamente, ao trabalho em equipa e ao conhecimento mútuo, com o objectivo de estimular nelas a arte da comu-nicação e da cooperação.

Um Conto InfantilBaseado nos contos populares da Lituânia Virginija Letukiene, Renata Juodikaityte, Dagna Volkovaite

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reflexõesPensamos que o projecto foi implementado com sucesso. As crianças, as educadoras e os pais de-senvolveram os seus conhecimentos e experiência e vivenciaram muitas emoções positivas.O projecto foi muito positivo para todos os inter-venientes. As crianças envolveram-se na activi-dade com grande entusiasmo e desenvolveram a imaginação e as suas competências vocais e moto-ras, durante a representação com os fantoches. O misterioso teatro de sombras teve nas crianças um impacto significativo. A mudança da luz em es-curidão facilitou a sua capacidade de atenção, tornando-a mais imediata e duradoura. Permitiu-lhes ainda uma melhor percepção do espaço de ce-na, que contribuiu para o desenvolvi-mento rápido da sua confiança.As crianças puderam expressar as su-as ideias livremente, criando os bo-necos do teatro de sombras, dese-nhando, recortando e colorindo. A integração de actividades artísticas e criativas em trabalho colectivo con-tribuiu muito positivamente para a promoção das suas competências ar-tísticas. A influência do projecto no desenvolvimento da personalidade das crianças foi geral: as crianças fo-ram levadas a perceber e a descobrir, a sentir e a aprender mais acerca de si próprias. Recebemos total apoio por parte da administração, dos colegas e dos pais. Estes tiveram uma excelente oportu-nidade de observar os resultados das actividades criativas desenvolvidas e começaram a interessar-se mais pela educação dos seus filhos, neste nível de ensino.

contextoO projecto foi desenvolvido no jardim-de-infân-cia “PURIENA”, situado em Klaipeda, na Lituânia, entre Dezembro e Abril de 2012 (6 meses).Materiais usados para diferentes tipos de activida-des de pintura: guache, tinta, lápis de cor, lápis de cera, cartão, folhas de acetato, tela para o teatro de sombras, ecrãs, lâmpadas e projectores.Virginija Letukiene, Renata Juodikaityte e Dagna Volkovaite, educadoras de infância (Lituânia)

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O projecto partiu de uma questão levantada pe-las crianças: “Porque é que os animais não vestem roupa no Inverno?” Os subtemas foram escolhi-dos com a ajuda de pictogramas (ver Figura 1).

objectivos Desenvolver a percepção e capacidade investi-gativa das crianças sobre o revestimento animal, através de diversas actividades.

Promover competências de cooperação nas crianças, pelo recurso ao trabalho de equipa.

Estimular em crianças marginalizadas a partici-pação em actividades criativas.

ProcessoO projecto foi desenvolvido com 18 crianças de quatro e cinco anos, para quem, tal como para as educadoras, a abordagem deste tema constituiu um desafio.Todas as crianças participaram na selecção dos tópicos e subtópicos. Trabalharam individual-mente e em grupo, com tarefas comuns que exi-giram competências holísticas e envolveram todos os sentidos. Os resultados das actividades foram apresentados em reflexões diárias.As actividades individuais destinaram-se a imergir as crianças no espírito das imagens dos animais es-colhidos por eles, recorrendo a diversos materiais de modo a desenvolver a sua imaginação e fanta-

sia. Por outro lado, pelo trabalho em grupo, todas as crianças foram encorajadas a participar e a aper-feiçoar as suas competências de cooperação; até as crianças mais reservadas quiseram participar. Como resultado, as crianças produziram dossiers individuais (amostras de materiais, colagens, foto-grafias, etc.) e participaram numa apresentação de grupo sobre “Os animais em roupa de inverno”.As imagens dão uma boa perspectiva sobre o pro-cesso levado a cabo (Figuras 2, 3, 4 e 5).

conclusõesAs actividades do projecto resultaram na promo-ção das competências das crianças nos seguintes domínios:

independência – encorajando-as na escolha de um tema, materiais, espaços e acções; desenvol-vendo a sua capacidade de analisar, comparar e

1. Escolha dos pictogramas

O vestuário dos animais Jana Grava, Vineta Pole

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tirar conclusões; promovendo a curiosidade, a auto-motivação e a tolerância para com os sen-timentos e interesses das outras crianças;

capacidade de assumir riscos – estimulando as competências de experimentação em todas as linguagens expressivas; incentivando as crian-ças a concretizarem as suas ideias criativas re-correndo a diferentes técnicas e materiais;

auto-expressão – interpretando imagens e com-portamentos de animais; criando uma história; reflectindo sobre as actividades diárias; prepa-rando os seus dossiers de trabalho e apresenta-ção final.

A criação de ambientes dirigidos às necessidades e à curiosidade das crianças propicia a actividade

de pesquisa e envolve todas as crianças, o que tor-na o processo mais estimulante, apelativo e fácil de compreender.

contextoJardim-de-Infância Cristão de Liepaja, Univer-sidade de Liepaja, Letónia; contexto pré-escolar (actividade em sala de aula); de 4 a 13 de Janeiro de 2013.Materiais: pictogramas e materiais de diferentes texturas (pêlo, pele, lã, etc.), imagens, vestuário, gravações com vozes de animais.Jana Grava, directora do programa “Educador de Infância”, e Vineta Pole, educadora (Letónia)

3. Criação de uma história sobre animais

2. O livro “Casacos de peles dos animais”

5. Preparação dos trajes para os animais

4. Desfile de moda “Cão, rato, gato e galo”

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A Creche Luhtaa (Luhtaan Päiväkoti) iniciou a sua actividade em Janeiro de 2012. A nossa estra-tégia pedagógica baseia-se no recurso a métodos criativos inovadores. Por esse motivo, o projecto CREANET, que surge logo no início do nosso per-curso, veio abrir novas perspectivas e constituiu um desafio à nossa criatividade.A cidade de Tampere, na Finlândia, investiu em tecnologia dos novos media na nossa creche. O desafio consistiu em usar toda essa tecnologia, que era nova tanto para as crianças como para as educadoras. O nosso enfoque em pedagogia dos

media situa-se ao nível da auto-expressão através de diferentes formas de arte. Mais tarde percebe-mos que esta metodologia aumentou as possibili-dades de criatividade e as oportunidades de parti-cipação das crianças.

ProcessoO Projecto do Oceano decorreu na Primavera de 2012 no grupo “Luupi”, com crianças entre um e cinco anos de idade. Pretendíamos que o projecto combinasse o brincar, o movimento, a exploração e a auto-expressão. Neste projecto, o multimédia, a tecnologia e a criatividade interagiram com es-tes modos de agir e aprender, típicos desta idade. Verificou-se que as crianças encararam os dispo-sitivos tecnológicos sem preconceitos e com um interesse natural. Educadoras e crianças aprende-ram juntas a manusear o equipamento e a produ-zir uma animação. Deste modo, as educadoras fo-ram não apenas professoras, mas também alunas.As crianças trabalharam sobretudo em pequenos grupos e todos participaram, executando diversas tarefas adequadas à sua idade. Nos livros, apren-deram sobre tudo o que existe no oceano. Nas ac-tividades artísticas escolhidas para a preparação do fundo do oceano e da vida marinha, a usar co-mo cenário, aplicaram várias técnicas.Devido à nossa inexperiência, quisemos produzir a nossa primeira animação da maneira mais sim-ples possível.

O Projecto do oceano Anna Sipilä

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Produção da animação sobre o mar

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O movimento dos peixes que “nadavam pelo ecrã” foi criado facilmente, usando uma câmara de do-cumentos e fotografando fotograma a fotograma, isto é, movendo ligeiramente cada peixe entre dis-paros. Como era a educadora a responsável pela compo-nente técnica, para as crianças foi como brincar, de modo que as histórias sobre as interacções dos peixes foram nascendo espontaneamente. No grupo em que predominavam as meninas, o imaginário girou em torno das sereias. Adicio-nando música, usámos a animação como um ví-deo musical projectado numa tela, que adoptámos para pano de fundo da coreografia das sereias, en-tretanto criada. Esta coreografia foi exibida mais tarde nas celebrações da inauguração da creche.Também construímos sereias em bonecas de pa-pel, usando fotografias das crianças. Estas bonecas foram usadas para brincar e para inventar histó-

rias em articulação com a animação reproduzida digitalmente.A arte relacionada com a vida marinha, expos-ta nas paredes, foi o tema de outro projecto, no qual as crianças produziram uma revista web da creche, desempenhando os papéis de repórteres e operadores de câmara. O tema estendeu-se ainda aos desenhos, canções, jogos e brincadeiras das crianças. Por outro lado, o potencial tecnológico inspirou não só a criati-vidades das educadoras mas também a das crian-ças, de muitas maneiras. Na verdade aprendemos imenso sobre a aplicação pedagógica dos recursos tecnológicos, que deram asas à nossa criatividade, tornando possível preservar, continuar, desenvol-ver, partilhar e melhorar os nossos jogos, a nossa arte e as nossas histórias.Anna Sipilä, educadora de infância, Creche Luhtaa, Tampere (Finlândia)

Os “repórteres” descrevem o processo de produção do trabalho artístico em torno do oceano

Utilizando a animação como fundo, as crianças brincam com as suas sereias de papel

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No Inverno de 2012/2013, o grupo “Luupit” fa-miliarizou-se com o universo do gelo e da neve. Combinámos estratégias pedagógicas ligadas às actividades de ar-livre, à arte e aos media. A me-todologia utilizada foi semelhante à aplicada no Projecto do Oceano: as educadoras introduziram o tema e supervisionaram as actividades. As crian-ças foram encorajadas a colocar questões, a parti-cipar e a criar. As educadoras tornaram as aplica-ções informáticas fáceis de utilizar pelas crianças e seleccionaram páginas da Internet apelativas visu-almente, seguras e adequadas à idade.

ProcessoA mobilidade e as brincadeiras no espaço exterior são uma prática diária na Finlândia, mesmo no In-verno, em condições extremas, com muita neve, gelo e temperaturas abaixo de zero. Neste projec-to, foi possível concluir que estas condições po-dem proporcionar um contexto de aprendizagem muito divertido, saudável, inspirador e educativo. O projecto reforçou a compreensão das crianças sobre os elementos relacionados com o Inverno. Do mesmo modo, o espaço exterior, menos cir-cunscrito e restritivo, e também mais propício à mobilidade física e às brincadeiras activas, cons-tituiu um desafio à imaginação, à criatividade e ao desenvolvimento das capacidades motoras das crianças.Foram inúmeras as actividades que pudemos pra-

ticar na neve: por exemplo padejar, andar de tre-nó, deslizar, escavar túneis, praticar luta livre, fa-zer figuras e praticar jogos. Também cantámos e ensaiámos coreografias acerca do Inverso e da ne-ve. Praticámos ainda expressão plástica com base nas figuras do boneco de neve e do floco de neve, recorrendo a várias técnicas.Tirámos fotografias dos flocos de neve que as crianças tinham feito e colámo-las a um fundo azul no computador. As crianças desenharam os movimentos para os seus flocos usando o quadro interactivo e o PowerPoint. Adicionando efeitos de animação, sincronizando e brincando com o modo de repetição (loop), não foi difícil criar um filme animado, que mais tarde usámos como ce-nário para interpretações musicais apresentadas

O projecto da neve e do gelo Anna Sipilä

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Produção de uma exibição de patinagem no gelo no quadro interactivo

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pelas crianças na Festa de Natal destinada às fa-mílias. Quando fomos patinar no gelo num rinque das proximidades, surgiram imensos “problemas cria-tivos” para resolver: “Como é que consigo mover--me sobre o gelo?” “Que formas vejo no gelo?” e “Que marcas posso fazer no gelo?” As crianças dos três aos cinco anos fizeram exibições de pati-nagem, que filmámos. As imagens que encontra-ram no gelo foram também filmadas.A patinagem no gelo foi ainda o tema para as ar-tes e os trabalhos manuais. Os padrões observados no gelo foram recriados sobre papel, usando uma vela ou um berlinde. Os desenhos deste “patina-dor” foram então digitalizados e adicionados ao ecrã do quadro interactivo. As crianças escolhe-

ram uma música e fizeram uma exibição de pati-nagem, movendo o patinador no ecrã ao som da música. Em seguida, demos início à experimentação com os elementos típicos do Inverno. As crianças de um e dois anos pintaram na neve. Depois produ-zimos uma quantidade de blocos de gelo colorido, congelando pacotes de leite contendo água com tinta para aguarela. Com os blocos construíram instalações, tiraram fotografias e inventaram his-tórias que gravaram em vídeo. Finalmente fizeram esculturas de gelo, dispondo materiais naturais em água colocada em moldes de areia. As esculturas foram penduradas nas árvores do pátio de recreio como decorações para o festival da Terça-feira Gorda.

Produção da animação da queda de neve

Pintura na neve, no exterior: que divertido!

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As crianças foram incitadas a colocar perguntas sobre o gelo e a neve. Para algumas delas encon-trámos resposta na Internet, em vídeos do YouTu-be e imagens da Wikipédia, de acordo com selec-

ção prévia da educadora. O processo de fusão da neve e do gelo foi também objecto de exploração, através de vários sentidos.

reflexãoO Projecto da Neve e do Gelo proporcionou às crianças oportunidades para a prática de diver-sas competências e a aquisição de aprendizagens, através da exploração de diferentes actividades, técnicas e formas de arte. O trabalho de grupo e a actividade individual pro-moveram respectivamente a socialização e o de-senvolvimento da estima pessoal. A auto-expressão, a imaginação e a exploração fo-ram os elementos-chave do projecto. Todo o trabalho artístico, de fotografia, vídeo, animação, criação de histórias e investigação das crianças foi documentado num vídeo, posterior-mente partilhado com as famílias e os parceiros do CREANET.Anna Sipilä, educadora de infância, Creche Luhtaa, Tampere (Finlândia)

A criação artística provocou imensas questões: “Como é que a água se torna em gelo quando arrefece?”

Tendo construído um castelo

com blocos de gelo, criaram histórias

que gravaram em vídeo

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A todo o momento nos encontramos situados num tempo e num espaço. Tradicionalmente, per-cepcionamos os espaços físicos das instituições, por exemplo as salas de aula ou de actividades es-pecíficas, mas o espaço exterior permanece inde-finido, no que respeita às aplicações e possibilida-des pedagógicas que oferece. No entanto, o espaço ao ar livre convida tanto as crianças como o edu-cador à experimentação com outros tipos de ma-teriais, ideias e interacções sociais.Na Escandinávia, temos por tradição aproveitar todas as oportunidades educativas que o espaço exterior tem para oferecer. Desenvolvemos o nos-so pensamento pedagógico em torno do espaço exterior. As crianças dormem em berços na rua,

temos jardins-de--infância de flo-resta, vamos pas-sear em áreas das imediações e ins-tigamos a criança a usar o recinto exte-rior na vida diária das creches e jar-dins-de-infância. Esta prática baseia--se em grande me-dida na percepção dos seus benefícios para a saúde, mas, ao mesmo tempo,

na convicção de que o espaço exterior, por ser menos confinado, faculta a organização e a prática da criativida-de e convida a maior interacção e partici-pação social. O espa-ço exterior encontra--se em estado natural e é “perigoso” (pelo que acarreta para as instituições uma sé-rie de regras que garantam a segurança das crian-ças). Mas é também o contexto adequado à expe-rimentação dos materiais na sua forma natural e à descoberta de novas percepções sobre os mesmos, bem como de novas aplicações.Acredito que o espaço exterior representa o am-biente por excelência para o desenvolvimento da criatividade. Lá fora as crianças são livres de exer-citar o seu corpo todo, sem as restrições associa-das às actividades de interior. Ao possibilitar prá-ticas criativas e o exercício ao ar livre, estamos a ter em consideração o desenvolvimento dos sen-tidos das crianças e a favorecer a sua experimen-tação sensorial e o seu exercício físico. O exterior é funcional e proporciona um ambiente participa-tivo. A ausência de barreiras físicas entre os indi-víduos predispõe a criança, quando sozinha ou na presença do adulto, a interagir com os outros. A

Garrafas de água, e folhas, e terra, e… Uma actividade criativa de ar-livre com crianças dos 0 aos 3 anos

Trine Munkøe

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coragem e o estímulo para procurar e brincar com outras crianças e adultos intensifica-se no vasto espaço fora de portas.

objectivosGarrafas. Imensas garrafas. Pequenas e grandes, to-das de plástico. Ponho-me a pensar. As garrafas de-vem ser boas para fazer qualquer coisa no pátio de recreio – e porque não algo criativo e divertido?!As competências motoras não podem ser um obs-táculo, mas a actividade não pode deixar de ser estimulante para os mais velhos. As tesouras es-tão fora de questão, porque pretendo que as crian-ças trabalhem autonomamente. Devem querer ti-rar partido da natureza que as rodeia e, sobretudo, poder participar por iniciativa própria.Tento pensar em simplicidade e ela acontece. Água nova em garrafas velhas – pura simplicida-de. Não é uma ideia nova – já outros o fizeram –, mas é uma boa ideia e eu tenciono levá-la a cabo com as crianças de Storkereden. É uma experiên-cia nova para mim e para elas. Um enquadramen-to conhecido e um material familiar, mas agora num novo contexto.

ProcessoAs crianças ajudam a limpar as garrafas velhas. É um trabalho colaborativo. Temos uma torneira no pátio, o que facilita. Depois, enchemos de água al-gumas das garrafas. As crianças levantam as gar-rafas agora mais pesadas – uma tarefa árdua para uma criança pequena. O sol brilha num límpido céu azul e é lindo o efeito da luz filtrada pela água. Depois de levantarmos e observarmos as garrafas, abrimos uma delas. De imediato, as crianças en-fiam os dedos pela abertura e tocam a água. De repente, um pedacinho de madeira cai lá dentro. Examinam-no. Sensorialmente. E vão contribuin-do com ideias. Tento apreender as ideias que lan-

çam, e eu própria experimento. Também eu estou curiosa. Repõe-se a tampa na garrafa, que é volta-da ao contrário. Agora as crianças estão excitadas. “Vamos tirar a tampa outra vez!” Eu desenrosco a tampa de novo e as crianças trazem logo outras coisas para colocar na garrafa: pedras, terra, fo-lhas, etc. Uma das crianças afasta-se para procu-rar um lugar sossegado de modo a poder explo-rar a garrafa à sua vontade, criando dentro dela um cenário que se põe a apreciar. As crianças en-

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treajudam-se na resolução de problemas, partici-pam neste espírito comunitário, mas também se desentendem, porque é difícil introduzir na gar-rafa muitas coisas ao mesmo tempo, ou para sa-ber quem é o primeiro a colocar lá dentro os seus itens. Discutimos o problema e encontramos uma solução. Todos querem resolver este problema do grupo. As crianças mais pequenas, com apenas se-te meses de idade, participam à sua maneira: ro-lam as garrafas, provam-nas e observam o conte-údo. Usam as mãos para sentir os materiais que vêem nas garrafas e usam todo o corpo para ex-primir a sua perplexidade e entusiasmo. É um ver-dadeiro prazer assistir à reacção de cada criança.As garrafas continuam no pátio e o conteúdo es-tá sempre a mudar. Por fim é difícil ver o que es-tá lá dentro por causa da lama, mas se quiserem recomeçamos novamente. O exterior concedeu--nos um novo espaço para experimentar, explorar e examinar os materiais e as linguagens simbólicas – em comunidade.

contextoStorkereden é uma creche urbana da Dinamar-ca, com aproximadamente 28 crianças. O pátio de recreio da instituição não é grande, mas contém muitas áreas adequadas à exploração, pelo que se torna relevante conceber actividades que promo-vam o uso do espaço exterior de forma inovadora.Trine Munkøe, Educadora de infância (Dinamarca)

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O incremento do brin-car, em cada uma das su-as formas e expressões, é uma prioridade edu-cacional do pré-escolar, uma vez que representa um campo privilegiado para o exercício da ima-ginação e para o desen-volvimento da criativida-de. Deste ponto de vista,

a atenção dedicada à organização de espaços es-pecíficos onde as crianças podem brincar é certa-mente um requisito da educação de infância. Para além das áreas específicas para o jogo simbólico, o jogo de movimento e os jogos de tabuleiro, a nossa instituição tem dedicado especial atenção à cria-ção de espaços onde as crianças podem construir com materiais reciclados.

obectivosO objectivo foi o de conceber um espaço lúdico onde as crianças pudessem construir em larga es-cala, quer em termos de área (maior do que aquela de que dispõem na sala de aula), quer em termos de oportunidades para as crianças (e os educado-res) das outras salas se encontrarem e relaciona-rem.Aqui as crianças puderam criar um trabalho co-lectivo, que se prolongou por uma semana, no

qual cada um teve um papel específico. Esse pro-duto foi modificando o seu aspecto, sendo adap-tado, decorado e modificado de acordo com dife-rentes circunstâncias.

o esPaçoCada sala de aula tem uma área específica para construir com materiais não formais, mas as crian-ças (de quatro e cinco anos) podem usar também um espaço comum designado por “Grande Cons-trução”. Mede 42 metros quadrados, possuindo no centro uma plataforma fixa com algumas bobinas de madeira móveis, permitindo às crianças a cons-trução em níveis diferentes.No local existem apenas materiais de desperdício (naturais ou não), armazenados em caixas trans-parentes, separados por tipologia, cor, forma, ma-terial (plástico, cortiça, poliuretano) e dimensão. Não há peças únicas, mas apenas séries de objec-tos iguais, sobretudo componentes de unidades mais complexas. Existem objectos de uso comum (diferentes rolhas e botões) e coisas de “baixo te-or cultural”, cujas origens são difíceis de identifi-car de imediato. Estes objectos estão organizados e dispostos cuidadosamente para que o impacto visual seja atraente e convidativo.As crianças têm a liberdade de decidir o que vão construir e com que materiais; podem construir algo novo ou continuar uma construção inicia-da anteriormente por si ou por outros colegas. A

O grande espaço da construtividadeUm contexto social para a aprendizagem criativa

Cinzia Braglia

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utilização do espaço está sujeita a regras. Normal-mente está ocupado por pequenos grupos de oi-to crianças no máximo. Todas as manhãs três ou quatro crianças das salas de 4/5 anos e de 5/6 anos decidem se querem utilizá-lo com um educador.As construções que se realizam neste espaço du-ram uma semana: as crianças começam a constru-ção à segunda-feira e desmontam-na à sexta, lim-pando tudo e arrumando os materiais de acordo com a tipologia; a desconstrução e a reorganiza-ção dos objectos no fim da semana fazem parte deste jogo. Este procedimento evita que se cons-truam modelos a imitar – não é o objecto que tem de ser preservado, mas sim o processo, o método de planeamento, a experiência efémera pronta a gerar novas variações, de acordo com novos pro-blemas (Munari, 1977).

PaPel do educadorO papel dos educadores é o de dar apoio e esti-mular: observam, documentam, analisam e discu-tem o que está a ser produzido durante o processo construtivo e enriquecem a experiência das crian-ças, envolvendo-se directamente (participando), ou indirectamente (substituindo periodicamente os materiais).O educador é um “instrutor do brincar”, que co-meça por brincar com crianças de três anos no es-paço destinado às construções, onde existem mui-tos materiais não formais. Porque é pela prática e por um longo processo de aprendizagem que as crianças se tornam “construtores experientes”.Os educadores recorrem a técnicas simples, aper-feiçoadas ao longo do tempo, que facilitam a uti-lização deste grande espaço de construção e con-duzem ao sucesso desta actividade: por exemplo, colocam fotografias dos conteúdos de cada cai-xa transparente, de modo a facilitar a arrumação dos objectos; além disso, preparam folhas de pa-

pel com os nomes e os depoimentos dos autores das construções, de modo a recompensar o tra-balho colectivo, a dar-lhe visibilidade e a motivar as crianças para colaborações futuras; finalmente, mudam os objectos com alguma periodicidade, a fim de desencadear novos processos de pesquisa.Os educadores documentam a actividade em “di-ários de bordo” ou em re-gistos afixados na parede. Esta documentação é dis-cutida pela equipa e usada para provocar novos estí-mulos nas crianças.

reflexõesAs crianças empenham-se em dar uma nova vida aos objectos, em inventar fór-mulas estruturais e a expe-rimentar relações entre o que lhes é familiar e o que ainda desconhecem, por-que isso lhes dá oportu-nidade para se instalarem, para participarem, para deixarem fluir a imagina-ção e a criatividade. As-sim, pela discussão e co-operação com os outros, conseguem resolver os problemas que se levantam, verificar o potencial de uma solução, examinar as diversas interpreta-ções que o grupo de pesquisa apresenta, alargar os seus conhecimentos, melhorar os seus recursos e tomar as suas próprias decisões, no sentido de po-derem criar algo que na realidade funcione. Em suma, têm a oportunidade de aprofundar o seu conhecimento (cognitivo e relacional) através do jogo.

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Se observarmos as actividades que decorrem no espaço da “Grande Construção” percebemos que é aqui que os objectos vão para além da sua ori-gem e ganham novas identidades. Esta experiên-cia exercita a imaginação; as crianças aprendem a estar atentas aos vários significados que um objec-to, mesmo o mais comum, pode ter.Sara (4 anos): “Há câmaras (dois objectos azuis) porque aqui há um banco com dinheiro e nin-guém o pode tirar… a não ser quando abre. Aqui (risca branca) temos de colocar as chaves para en-trar: temos de usar as brancas para ir à caixa bran-

ca que dá dinheiro branco, e as pretas para ir à caixa preta que dá dinheiro pre-to! Ali debaixo há garrafas, metade tem dinheiro e a outra metade tem água. A água serve para quando temos sede e o dinheiro… é dinheiro!”O desperdício é a base desta actividade, sendo reinventado pelo jogo imaginati-vo e lúdico. Poucos elementos chegam para cons-truir uma situação de modo simbólico e para projectar a mente rumo a uma no-va realidade. Construir a partir de materiais recicla-dos leva as crianças a concentrarem-se nas características do material de modo a usá-lo produtivamente.

A força impulsionadora é o interesse no objecto encontrado: um objecto que antes de ser escolhido não tem qualquer valor (Munari, 1971), mas que posteriormente pode ser reavaliado pela sua natu-reza particular, pela sua qualidade estética ou por uma nova funcionalidade.Ter uma área de trabalho em comum enriquece outros grupos de crianças que partilham um es-paço físico, pensamentos, estratégias e planos conjuntos. Possuindo competências diferentes, tentam chegar a acordo, combinam e trocam pe-quenos projectos: o espaço da “Grande Constru-ção” tornase então o contexto privilegiado para a partilha de competências. Enquanto constroem, as crianças criam histórias e, por efeito das pala-vras, os objectos ganham um significado que não tinham antes e o que era abstracto torna-se con-creto.Este processo dura o tempo necessário: a constru-ção não tem origem num projecto rígido e o resul-tado é simplesmente um momento fugaz na vida de cada forma, desconstruída a cada sextafeira. É o processo de reciclagem na verdadeira acepção da palavra, e não apenas um movimento cíclico de materiais – é antes uma dinâmica de ideias e invenções coordenada por uma metodologia ope-rativa.Cinzia Braglia, Jardim-de-Infância Público de Scandiano (Itália)

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Entendemos o conceito de “criatividade” como a capacidade de ver o mundo à nossa volta segundo uma óptica pessoal – e não de acordo com uma visão especializada ou um determinado modelo. Ser criativo implica desenvolver o pensamento fle-xível, que é a base de todo o processo de criação.

objectivos Dar às crianças liberdade, em vez de lhes impor actividades de acordo com as nossas necessida-des e os nossos interesses.

Dar às crianças a possibilidade de exprimirem a sua fantasia e imaginação.

Encorajar a auto-expressão das suas capacida-des.

Facilitar a exploração de materiais e fenómenos naturais através do jogo.

Para podermos estimular o pensamento positivo das crianças e motivá-las a serem activas e cria-tivas, é importante respeitar a sua individualida-de e assegurar que lhes oferecemos um ambiente criativo, a fim de que possam descobrir o mundo, usando todos os sentidos, e também o coração e a mente. Deste modo, criam o seu próprio mundo de fantasia.

actividades criativasAs educadoras incentivaram as crianças a explorar o mundo através de diversas actividades. As crian-

ças trabalharam au-tonomamente e to-das as tarefas eram livres no que respeita à actividade artística. Foram encorajadas a interpretar, a impro-visar e a expressar-se e começaram a per-ceber que o sucesso é mais forte do que o medo de falhar.

a família dos relógiosAs crianças tocam instrumentos enquanto ouvem a história:“Era uma vez uma família de relógios, simpática e trabalhadora. O pai vai dando as horas com o seu som lento e ponderado: “Ding Dong!” (bater com as baquetas nos pratos). A mãe passa o tempo na cozinha e cuida da família. O seu tique-taque é su-ave (imitar o som com um metalofone). O filho mais velho tem uma tarefa muito importante – é o despertador de serviço todas as manhãs (tocar um reco-reco ou usar mesmo um despertador). O filho mais novo – um relógio de pulso – é rápido e silencioso quando trabalha (batidas rápidas e qua-se inaudíveis num triângulo ou na tecla mais pe-quena do metalofone).”Depois da actividade, discutimos com as crianças, fazendo perguntas como “O que acontecerá se esta

A promoção de actividades criativas Ilze Abele, Nora Kirhnere

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família deixar de trabalhar?” As crianças podem ainda tentar construir as suas próprias histórias, usando diferentes sons.Esta tarefa promove a capacidade de atenção, ao mesmo tempo que treina a memória, a imagina-ção, a criatividade e a noção de ritmo.

enfeitiçados durante o sonoAntes de iniciar a actividade, é aconselhável con-versar com as crianças sobre os animais, como se movem, dormem e comem. Quando a música co-meça, todas as crianças “adormecem” e a educa-dora – uma feiticeira com uma varinha de condão – canta ou declama:“Durmam, crianças, durmam, crianças. Vai acon-tecer uma magia, uma grande magia. Acordem, crianças, acordem e transformem-se num(a)…”

(coelho, urso, raposa, cuco…). Nesse momento as crianças produzem os sons do animal e imitam os seus movimentos, expressando também o tempe-ramento típico desse animal.

desenhem música!Todos dançam pela sala, ao som da música. Quan-do a música pára, as crianças reproduzem no pa-pel o “carácter da música” e os próprios sentimen-tos. Quando a música recomeça (com outro ritmo e melodia) as crianças voltam a dançar. Quando a música pára de novo (pela segunda, terceira, quar-ta vez, etc.) as crianças complementam os dese-nhos dos elementos do seu grupo. Depois do jogo, as crianças falam sobre os sentimentos que o seu trabalho artístico exprime.

estátuas musicaisAs crianças dançam numa roda enquanto a músi-ca toca. Quando a música pára as crianças ficam imóveis como estátuas até que a música recomece. A última criança a mover-se transforma-se numa “pequena flor” (ou qualquer outra coisa) e tem de inventar uma canção sobre flores (ou sobre o ob-jecto em que se transformou).

Ilze Abele e Nora Kirhnere, educadoras de infância, Jardim-de-infância Cristão de Liepaja (Letónia)

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objectivo Desenvolver as competências sociais das crian-ças através de diferentes actividades e formas de comunicar.

actividadesTodas as crianças da instituição se envolveram no projecto: 10 grupos, num total de 173 crianças com idades compreendidas entre os 2 e os 7 anos. Cada grupo escolheu um dos seus valores preferi-dos, partilhando com os outros grupos.Os educadores organizaram diversas actividades e comunicaram com todos os membros do projecto. Além disso, documentaram as várias experiências por que passaram as crianças e tiraram fotogra-fias.As crianças tentaram exprimir-se usando cores, e ainda as próprias mãos e as pernas. Na pintura, ex-perimentaram vários tipos de materiais, tais como tinta, lápis de cera e pauzinhos.As crianças precisam de muita paciência enquan-to trabalham. A pintura exigiu-lhes muita atenção mas deu-lhes imenso prazer.Realizaram diversas actividades de acordo com o tema do projecto, usando materiais variados. A sua criatividade foi estimulada pelas tarefas de construção, bem como pela experimentação com materiais naturais, alguns dos quais desconheci-dos para elas. A maioria dos materiais que conheciam (sementes

de abóbora, folhas secas, nozes e cascas de frutos secos, musgo e diversos alimentos…) foi, no en-tanto, usada em contextos completamente novos, o que se tornou muito interessante, quer para os educadores, quer para as crianças, que se envolve-ram no processo criativo com muito entusiasmo.Promoveram-se diversas discussões sobre a pa-ciência, com amigos do grupo, com colegas de outros grupos, com crianças mais velhas e com educadores. Cada criança expressou os seus sen-timentos e ideias com total liberdade, escutando também o que os outros diziam.Um grupo sugeriu fazer um labirinto de neve no pátio, partilhou a ideia com os restantes grupos

A aprendizagem dos valores espirituais na idade pré-escolar

Aušra Jablonskienė, Giedrė Petrošienė

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-infância: receberam imensa informação sobre a escola; visitaram todo o espaço; os alunos mostra-ram os seus livros e trabalhos e o professor deu--lhes algumas indicações sobre comportamento. A visita foi muito útil, porque puderam aperce-ber-se da importância da paciência em qualquer circunstância. Os educadores quiseram proporcionar às crian-ças oportunidades de comunicação com todos os grupos etários, pelo que organizaram uma visita a uma casa de repouso, antes da qual as crianças prepararam pinturas, coreografias e canções, que apresentaram aos residentes do lar.

contextoO projecto, bem como todo o trabalho das crian-ças, decorreu no jardim-de-infância “Aitvarelis” e noutros locais da cidade de Klaipeda, entre Janeiro e Dezembro de 2010.Aušra Jablonskienė e Giedrė Petrošienė (Lituânia)

e todos decidiram colaborar na sua construção. Com a ajuda dos educadores, construíram gran-des labirintos e, em seguida, coloriram a neve com vários materiais.Todas as famílias foram convidadas a participar no projecto educativo para os valores espirituais e a testemunhar o trabalho e empenho das crianças neste projecto. Os familiares visitaram-nos e pas-saram algum tempo com as crianças, verificando o andamento do projecto. De vez em quando aju-daram em detalhes mais complexos e noutras ac-tividades.As crianças cozeram pão para os familiares que vieram observar esta actividade. Primeiro apren-deram o processo de fabrico e os ingredientes a utilizar. Depois observaram o processo e mistura-ram alguns dos ingredientes. No fim, o educador trouxe o pão para as crianças provarem com os seus familiares.Realizou-se uma visita à escola da cidade, o que foi muito valorizado pelas crianças do jardim-de- Visita ao Jardim Zoológico, próximo da cidade

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objectivos Proporcionar condições para as crianças parti-ciparem em actividades criativas.

Criar imagens, objectos e brinquedos, usando materiais naturais.

ProcessoFomos para o exterior e fornecemos às crianças vários materiais naturais em vez de brinquedos, para que pudessem criar, representar ou brincar livremente com eles.

O processo foi exclusivamente ao vivo, prevale-cendo o “aqui e agora”. Durante toda a actividade, as crianças participa-ram autonomamente, sem qualquer interferência das educadoras.

Sou um criador – consigo fazer Virginija Letukiene, Dagna Volkovaite, Renata Juodikaityte

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“Fiz uma menina toda sorridente. Ela só aparece na Primavera. Traz alegria e faz com que tudo comece a florir. Chama-se Lemela. O meu trabalho é o mais bonito. Quero que fique para sempre, para toda a vida”

“Tive a ideia de fazer um homenzinho pequenino, com bolotas, raminhos e folhas. Chama-se Bolota. Está feliz e vai visitar os seus amigos”

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Exprimiram as suas ideias, enquanto criavam or-namentos ou imagens, usando flores, folhas, paus, etc. Tiveram ainda a oportunidade de revelar to-da a sua criatividade na criação de uma história: apanhavam os objectos e materiais de que preci-savam e compunham imagens, ao mesmo tempo que criavam as suas narrativas. As necessidades de auto-expressão foram amplamente satisfeitas. Do mesmo modo, desenvolveram a imaginação, a fantasia e a linguagem verbal.

contextoO projecto foi levado a cabo no pátio do jardim--de-infância “Puriena”, em Klaipeda, em Outubro de 2012.Material: diferentes objectos e materiais naturais encontrados fora do recinto escolar.Virginija Letukiene, Dagna Volkovaite e Renata Juodikaityte (Lituânia)

“Isto é um peixe do paraíso. Está a nadar para a cidade do paraíso, onde há bastante água. No caminho vai encontrar os seus amigos – outros peixinhos. Vai ser divertido”

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Este projecto teve como ponto de partida a minha participação na 2ª Conferência Creanet na Lituâ-nia. Com o meu grupo de crianças, realizei um projecto acerca daquele país e mostrei-lhes ima-gens do que tinha visto.

objectivosO meu papel foi o de:

motivar as crianças para contactarem com di-ferentes tipos de materiais, sobretudo com ele-mentos da natureza;

estimular a sua criatividade e a livre expressão das ideias;

e promover a partilha intergeracional, tirando partido do lar de idosos existente na instituição que alberga o jardim-de-infância.

ProcessoDurante o projecto sobre a Lituânia, as crianças estiveram em contacto com materiais naturais próprios daquele país, alguns dos quais eu trouxe para Portugal (pinhas). Depois fomos para o pátio e recolhemos outros elementos naturais (pedras, folhas, paus, etc.).Nesta actividade, o adulto deu às crianças a opor-tunidade de entrarem em contacto com diferen-tes culturas, motivando-as para a experimentação com novos elementos existentes na natureza. Uma vez recolhidos esses materiais, as crianças deslo-

caram-se para a oficina criativa da sala, onde pu-deram dedicar-se livremente à actividade. Conse-guiram-se produtos muito interessantes, resultan-tes da junção entre os materiais encontrados e os materiais normalmente utilizados em expressão plástica (Figura 1).Depois desta primeira experiência, achei que as crianças precisavam de explorar o espaço exterior, como contexto criativo. Deste modo, sugeri um cenário diferente para as actividades.A primeira actividade decorreu no Parque da Ci-dade de Beja. Trabalhando individualmente, as crianças fotografaram com total liberdade. Mais

Aqui e ali: o efeito boomerang Ana Néné

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1. Composição feita a partir de elementos naturais e materiais de expressão plástica

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tarde, quando o grupo se encontrou na sala, foram escolhidas algumas fotografias. Usando as ferra-mentas do Paint e o ecrã táctil, as crianças pude-ram exprimir-se numa nova linguagem e usar a sua imaginação para transformar a imagens (Fi-gura 2).Na segunda actividade, um grupo de crianças vi-sitou o lar vizinho e partilhou com os idosos o seu conhecimento sobre o programa Paint. A familiaridade das crianças com o computador revelou-se uma mais-valia no enriquecimento da actividade, evidente no entusiasmo de crianças e idosos. Desta actividade resultaram diversos desenhos re-alizados em Paint pelos idosos. No fim, as crianças manifestaram a sua alegria, emoção e entusiasmo por terem ajudado e partilhado experiências com aquelas pessoas (Figura 3).A terceira actividade consistiu na transferência da actividade para o espaço exterior. Algumas crian-ças envolveram-se num projecto sobre a Austrália. Após alguma pesquisa, descobrimos que os abo-rígenes vivem na Austrália. Então, lancei-lhes um desafio: “Imaginemos que somos aborígenes. Va-mos divertir-nos com o que a natureza pode ofere-

cer para as nossas construções.” O desafio foi acei-te com entusiasmo e lá fomos nós para o exterior. Deste trabalho resultaram diferentes produtos, nos quais a criatividade se conjugou com a lingua-gem oral e a resolução de problemas. Um grupo criou uma história, combinando pedras, ramos e folhas (Figura 4).

2. Fotografia recriada em Paint por uma criança, com recurso a um ecrã táctil 3. As crianças partilham o seu conhecimento sobre o programa Paint

4. “Era uma vez uma menina que estava à porta de casa e queria ir jantar com uma amiga. Ela vivia na floresta e a sua casa era quadrada e tinha um telhado quadrado. Havia um lobo na floresta e ela correu para casa. Depois, a menina e a amiga foram dar um passeio”

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Outro grupo decidiu construir um barco. Este foi o diálogo registado durante o processo criativo (Figura 5):Criança 1: “Vamos fazer uma ponte.”Criança 2: “Vamos pôr estes paus para fazer a

ponte… Não se segura por causa do vento… Vamos fazer um barco!”

Criança 1: “Vamos pô-los no chão para fazer a parte de madeira.”

Criança 2: “Falta a vela. Vou procurar um ramo, porque a vela fica assim.”

Adulto: “E o pano da vela?”Criança 1: “Eu sei, vou arranjar uma folha…

Mas não temos cola.”Criança 2: “Queres ver? Fazemos um furo na fo-

lha e põe-se assim. Vês?”Adulto: “Onde está o barco?”Criança 1: “Está no mar.”

Criança 2: “Olha, isto são as ondas.”Criança 1: “O barco tem também muito peixe

que os homens apanharam. E há tu-barões à volta.”

Outros grupos produziram pequenas construções às quais deram sentido, colocando-as em contexto (Figura 6).

contextoO projecto foi desenvolvido no Patronato de Santo António, em Beja, em Junho de 2012, e continuou durante o ano de 2013. O papel da educadora foi o de ajudar as crianças durante o processo criati-vo, apresentando novos materiais e lançando no-vos desafios.Ana Néné (Portugal)

5. “Isto é uma tartaruga Boomerang do mar da Austrália. Ela encontrou algas e plantinhas no mar”

6. Construção de um barco

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No ano lectivo de 2011/2012, deparei-me com um grupo de 22 crianças de 3 e 4 anos sem qualquer noção sobre a utilidade dos materiais reciclados e a possibilidade de os aplicar nos seus trabalhos ou de lhes dar novos usos e uma vida nova. O projecto desenrolou-se na sala, uma vez que te-mos uma área específica com materiais desse tipo, em plástico, papel, tecido, metal e cartão, com os quais o grupo não parecia estar familiarizado.

objectivosO projecto centrou-se no desenvolvimento da consciência ecológica, a partir da utilização de materiais reciclados, perspectivados como um meio de enriquecimento dos trabalhos das crian-ças. A nossa instituição faz parte do programa Eco-Escolas, pelo que tentamos sempre motivar as crianças e as famílias para recolherem materiais que possam ser reaproveitados.

ProcessoNum primeiro momento, conversámos sobre questões ambientais e abordámos a reciclagem com o recurso a jogos, visitas, vídeos e produções de outras crianças. Coloquei também à disposi-ção das crianças materiais como vidro, embala-gens, pacotes de leite e rolos de papel de alumínio, e questionei-os sobre o que podíamos fazer com estes materiais.

Qual foi o resultado? Olhares de… curiosidade, alguma perplexidade e perguntas: “Para que é is-to…?” “O que é que vamos fazer…?”Inicialmente, as ideias pareciam não sair, mas após alguma insistência… e perda de medos… a fantasia e a aventura da imaginação geraram su-bitamente a inspiração necessária e começaram a surgir ideias sobre diferentes significados atribuí-dos aos materiais: um copo de plástico transfor-mou-se numa aranha; a embalagem de carne tor-

nou-se um barco; a colher, um ramo de árvore; a embalagem de leite podia converter-se num carro; uma garrafa de água parecia o corpo de uma gira-fa e o rolo de cozinha transfigurou-se numa cobra assustadora.As experiências desencadearam o processo criati-vo e era altura de a educadora encontrar estraté-

(Re)criando a criatividadeExploração de materiais – a reciclagem como um valioso recurso educativo

Tânia Barriga

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gias e dinâmicas conducentes à activação da cria-tividade. Foi o permanente diálogo com as crianças e a aus-cultação das suas opiniões e sugestões que permi-tiram ir urdindo uma teia de ideias:Adulto: “E agora… o que é que fazemos?”Criança: “Podíamos fazer uma história.”

Adulto: “E depois da história, fazemos o quê?”Criança: “Podemos mostrar aos pais.”Adulto: “Em papel?”Criança: “Não. Vamos construir coisas para a

história.”

E assim foi. As crianças construíram os cenários e as personagens que tinham concebido e gravaram a história em vídeo. Uma tarde, no grande grupo, decidi dar maior re-alce à área onde são guardados os materiais e pedi a uma criança que escolhesse um material. Em seguida perguntei: “O que é isto?” – “Duas fi-tas.” – “E estas fitas podiam ser o quê?”Criança 2: “Uma estrada.”Criança 3: “E a outra podia ser um carro.”Criança 4: “Agora precisamos de rodas. Vou

buscar umas tampas que vi ali.”Adulto: “Falta alguma coisa?”Criança 1: “Falta o céu.”Criança 3: “Vou buscar…”Adulto: “Penas?”Criança 1: “Sim, porque as nuvens

são fofas. Agora está pronto.”

Numa outra ocasião, uma das crian-ças foi buscar um pedaço de papel e os outros, sem receio, começaram a dar largas à sua imaginação: “Pare-ce um elefante.” – “Não. Um jarro de água.” – “Ou uma raia.” – “Um di-nossauro.” – “Uma cana de pesca.” – “Uma girafa.”Outro exemplo a referir surgiu a partir da história do Pinóquio e consistiu na construção de “bonecas mentirosas”, a quem crescia algu-ma coisa quando mentiam – cabelo, olhos, pés ou pernas.

“Tenho olhos grandes e quando digo mentiras os meus olhos crescem”

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reflexãoAs situações mostram que é na simplicidade que é possível aperfeiçoar a fluidez do pensamento e, pela livre expressão, atingir um nível mais eleva-do de elaboração e diversidade nos projectos das

crianças.A avaliação das crianças foi positiva. Hoje, utili-zam com maior frequên-cia materiais reciclados e o espaço onde os guar-damos. Começaram a recorrer a estes materiais e, por outro lado, a de-senhar em materiais já existentes, criando assim novos artefactos.O papel da educadora, para além de organizar o

espaço de modo a permitir às crianças o usufruto de um maior leque de possibilidades, foi o de pro-porcionar momentos de contacto autónomo com materiais diferentes e multifuncionais e dar priori-dade ao uso de materiais reciclados na criação dos trabalhos do grupo. O questionamento constante, a preocupação com a motivação e a promoção da autonomia deram origem a um ambiente favorável ao despertar da criatividade e da curiosidade, assumindo-se ple-namente o sentido de palavras-chave como tentar, experimentar, viver e criar.

contextoO projecto decorreu de Novembro a Dezembro de 2011 no Patronato de Santo António, em Beja, e é ainda um trabalho em desenvolvimento.Tânia Barriga (Portugal)

“Sou o Henrique e quando digo mentiras cresce-me a boca”

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Esta ideia surgiu a partir de um projecto realizado por todos os educadores do nosso jardim-de-in-fância e outros elementos da escola. Tratou-se de alargar a noção de sala de aula, trans-formando-a num “laboratório”, termo sugerido por uma das crianças. Deste modo seria possível experimentar, desco-brir e aprender numa oficina operacional a tempo inteiro.

objectivos Estimular a criatividade assumida como recur-so essencial ao desenvolvimento da criança – a criatividade transforma-se em conhecimento e no prazer da descoberta.

Contribuir para o desenvolvimento do pensa-mento criativo da criança, do grupo e dos edu-cadores, pela observação, pela escuta, pelo diá-logo e pela experimentação.

o laboratórioA nossa escola tem uma oficina e um atelierista, mas neste projecto quisemos que as crianças ex-plorassem a oficina diariamente e a tempo inteiro e não apenas em momentos específicos. A oficina continuou a ser um recurso importante, mas as suas actividades foram integradas no pla-no anual. A sala de aula, com os seus espaços e cantos pró-

prios, transformou-se num laboratório perma-nente: as mesas foram usadas para diversas acti-vidades, que nelas deixaram traços evidentes, tes-temunhos dos processos mentais e manipulativos por que passaram durante todo o dia. Deixando as mesas assim, inclusive nos dias se-guintes, obrigou as crianças a reinventar os espa-ços habituais, arranjando soluções para as suas ne-cessidades, por exemplo sentando-se no chão para desenhar, ou jogando e usando outros materiais em mobiliário pouco usual para esses efeitos. Deste modo julgámos que o tempo e o espaço es-timulariam as crianças. O laboratório começou com a introdução de ma-teriais não formais e ferramentas já do conheci-mento das crianças. Este material, à vista de todos, podia ser usado não só em actividades organiza-das, mas também du-rante as actividades li-vres e lúdicas.No entanto, o labora-tório permanente foi entendido não ape-nas como um espaço com materiais, mas também como um processo mental, um modo de pensar e tra-balhar para crianças e educadores. As crian-ças podiam observar,

“Cada vez mais beijos…”

O laboratório das “mesas comidas” Katia Iotti, Silvia Cuoghi

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elaborar teorias e partilhar maneiras de pensar, cooperando na concepção de projectos criativos colectivos.Um aspecto muito importante foi o “o espaço em transformação”. A sala tornou-se mutável, de mo-do que as crianças e os educadores podiam alterá--lo de acordo com as actividades e experiências. Podia tornar-se um espaço aberto, no qual as crianças podiam deitar-se no escuro e vivenciar a sensação de estar sob um céu nocturno, dando origem às ideias que a imaginação e a fantasia di-tavam. O próprio espaço tornou-se um contador de his-tórias, narrando o que acontecera, o que as crian-ças tinham feito e o que tinham decidido fazer pa-

ra atingir os seus objectivos. O espaço coleccionou memórias, documentando as experiências vividas e funcionando como input motivacional para acti-vidades posteriores.Este laboratório permanente incluiu todo o tipo de actividades – desde as mais estruturadas às mais autónomas. Nas brincadeiras livres, as crianças usaram os ma-teriais para se expressarem de forma criativa, por exemplo em “cada vez mais beijos”, em que uma menina fez beijos com sementes. A associação de materiais é uma expressão im-portante da ligação do pensamento imaginativo a uma modalidade criativa e à capacidade lógica.

o PaPel dos educadoresO laboratório permanente envolveu toda a escola e todos os educadores. O adulto responsabilizou-se por promover e con-duzir as actividades de exploração, actuando co-mo apoio, quer no plano cognitivo, quer no afec-tivo. O seu papel foi determinante na proposta de ac-tividades, que, embora planificadas antecipada-mente, foram sofrendo alterações, de acordo com os interesses manifestados pelas crianças, num processo que acabou por envolver tanto o educa-dor como as crianças.Passa também pelo educador a disponibiliza-ção de materiais e instrumentos, com os quais as crianças devem ter alguma familiaridade para que a sua criatividade seja estimulada.

luzOs educadores conversaram com as crianças sobre alguns tópicos complexos, como o momento bí-blico da criação, enquadrado no tema relacionado com a luz e as estrelas: usámos uma lanterna e um

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coador para estimular os sentidos das crianças, que teriam de imaginar aqueles primeiros mo-mentos de criação, enquanto permaneciam deita-dos no escuro.

Depois desta actividade guiada, as crianças usa-ram a lanterna e outros materiais, experimenta-ram e brincaram livremente, explorando a perme-abilidade e transparência dos materiais, bem co-mo diferentes fontes de luz.Terminadas estas tarefas, as crianças descobriram outras formas de reproduzir a luz do sol e de ou-tras estrelas, usando diferentes tipos de papel so-bre a mesa de luz. Graças ao seu conhecimento dos materiais e ferra-mentas, as crianças conseguiram dar novos signi-ficados à experiência, experimentando autonoma-mente e de diferentes maneiras, de acordo com as suas intenções, indo para além de esquemas men-tais preestabelecidos e de regras convencionais.

“mesas comidas”O laboratório permanente facilitou também a do-cumentação de todas as experiências criativas, re-gistadas em painéis que permaneciam na sala.Por inerência ao conceito de laboratório, valori-zou-se a ideia das “mesas trabalhadas”: a mesa não é simplesmente um local de trabalho, mas antes um espaço que retém vestígios da actividade reali-zada, como as ferramentas e as memórias de todo o processo.Cada mesa converte-se numa oportunidade de es-colha, experimentação, descoberta e experiência; está cheia de estímulos e materiais distintos, que apelam à criatividade individual e colectiva. Cada uma delas vai mudando com o tempo – em cada uma existe um antes, um durante e um de-pois.Depois de um primeiro período com as “mesas “Desta forma podemos criar o sol e as estrelas…”

“E isto? É um astronauta?”Nãããão… É um homem deitado a olhar para as estrelas!”

Olha, fiz uma galáxia… Fiz as estrelas todas com furinhos… depois juntei-as!”

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trabalhadas”, apresentámos às crianças de 4 e 5 anos o trabalho de Daniel Spoerri, um artista plás-tico que colava objectos do dia-a-dia em tampos de mesas que colocava na posição vertical (Eat

Art, as “mesas comidas”).Após uma refeição com amigos, o artista colava à mesa a toalha, os talheres, os copos, os restos e tudo o que os convidados tives-sem deixado sobre a mes-ma, preservando, deste modo, a memória do que tinha acontecido naquela refeição. Estes trabalhos traçaram o nosso percurso com as crianças, durante este projecto, e constituíram também o pretexto, a le-gitimação artística para fazermos algo à margem dos padrões convencio-nais, distorcendo perspec-tivas pela descontextuali-zação da realidade.Spoerri afirmou: “Eu ape-nas ponho cola nos objec-tos, não sou criativo!” Mas como educadores, vimos aqui uma oportunidade para mudar por completo as nossas convenções ha-bituais, através da monta-gem de objectos, da ima-ginação, da construção, da

reorganização e da fixação das experiências num tipo de documentação permanente e criativo.Em consequência, as crianças sentiram-se inspi-radas por esta possibilidade de mudar as suas ro-

tinas: “Que lindo! Porque é que não fazemos isto também? Quando celebrarmos o nosso aniversá-rio mensal colamos tudo, para depois nos lem-brarmos da festa!” Mas também: “Não digo isto à minha mãe. Ela não quer que cole pratos de plásti-co em casa. Talvez seja melhor fazermos isto só na escola.” “A minha mãe fica mais contente quando temos as mãos limpas, mas as crianças estão mais felizes quando têm as mãos sujas!”Foi mais fácil do que esperávamos. A ideia era assinalarmos a nossa festa mensal “à maneira de Spoerri”, usando a toalha e os guardanapos, os ba-lões e tudo o que decorava a mesa, para criar um contexto divertido que pudesse ficar como memó-ria do evento. No final da comemoração, as crianças estavam ex-citadíssimas, porque sabiam que iam colar os pra-tos, as embalagens, os balões, os restos de comida, doces e garrafas, deixando tudo tal como estava durante a festa, uma memória dos momentos de alegria partilhados.Deixámos a nossa “toalha de mesa à Spoerri” so-bre a mesa por alguns dias, intencionalmente, pa-ra que as crianças pudessem reviver os diferentes passos: antes, durante e depois da festa.As conversas com as crianças sobre as diferentes experiências realizadas no laboratório permanen-te levaram-nos a designá-lo por “mesa para tra-balho”, quando as crianças se dedicavam às expe-rimentações e experiências com os materiais, e “mesa trabalhada”, após a actividade, contendo os vestígios das experiências e as memórias dos pro-cessos mentais das crianças.A inovação do trabalho levado a cabo com as crianças consistiu em deixá-las construir a sua própria “mesa comida”, usando materiais recicla-dos não-convencionais e elementos naturais. Co-locámos na mesa panos individuais e vários ma-teriais, com que as crianças criaram os seus pró-prios almoços. As crianças já estavam habituadas

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a atribuir novos significados aos materiais não--convencionais. Usaram tiras de tecido amarelo como massa, papel azul claro dentro dos copos para água, ou encarnado para vinho tinto. Uma das crianças colou o copo tombado sobre a mesa e, com papel azul, representou a água entor-nada. Também recorreram a materiais naturais, como conchas, usadas como restos de marisco, e pinhas para decoração. Como regra básica, permitíamos que a criança trabalhasse autonomamente de acordo com as su-as ideias e sem qualquer modelo preestabelecido.Esta estratégia levou a criança a exercitar diversos processos mentais: a imaginar um almoço e o que acontecia durante o mesmo; a atribuir significa-dos aos materiais, um trabalho criativo importan-te, que se tornou parte integrante de toda a activi-dade do laboratório permanente.Dentro deste laboratório as crianças puderam imaginar conexões, conceber objectos e ideias, re-organizar as experiências e registá-las em docu-mentação permanente, encarada como um incen-tivo ao espírito criativo. A criatividade converteu-se, para nós, em “pen-samento divergente”, algo capaz de quebrar os esquemas experienciais: uma mente criativa está constantemente em acção, prioriza sempre o ques-tionamento em detrimento do conformismo, é ca-paz de associar ideias, impulsos e experiências em combinações originais e positivas.

É necessário, por isso, proporcionar às crianças experiências desvinculadas de objectivos claros, para que possam tirar partido de momentos de grande qualidade, sem estereótipos e resultados triviais.

contextoO projecto decorreu no jardim-de-infância parti-cular “Sebastiano Corradi” em Scandiano, durante o ano lectivo de 2011/2012 e vai ser adoptado co-mo metodologia nesta instituição. A experiência foi positiva, sobretudo no que respeita ao envol-vimento das crianças e à experiência profissional dos educadores.Katia Iotti, directora da escola e educadora, coordenadora pedagógica da Federazione Italiana Scuole Materne (FISM) Reggio Emilia, e Silvia Cuoghi, professora e coordenadora pedagógica da FISM Reggio Emilia (Itália)

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Ser criativo significa estar aberto a nova informa-ção e à surpresa, e concentrar-se mais nos pro-cessos do que nos produtos finais, processos nos quais as crianças possam escolher livremente e de-senvolver o seu potencial criativo. As actividades de exterior, tais como o desenho na areia e no asfalto, a modelagem com materiais na-turais e a escuta dos sons da natureza são da maior importância.Durante estas actividades, as crianças de cinco anos experimentaram com linguagens expressi-vas, que consideramos a base da aprendizagem significativa.

objectivos Escutar os sons da natureza, num prado, imagi-nando o que ouvem e descrevendo-o.

Contribuir para o desenvolvimento das compe-tências práticas e criativas das crianças, através do contacto com a natureza e com os sons.

actividadesForam planificadas actividades práticas, realiza-das num parque à beira-mar, durante as tardes. As crianças trabalharam individualmente, em pa-res e em grupos, desenvolvendo uma actividade comum – escutar, imaginar e visualizar o que ou-viam, promovendo, deste modo, a independência, a curiosidade, a auto-expressão e a auto-estima.

Em seguida, fizeram um registo do que tinham ouvido, usando materiais naturais, como flores, folhas, areia, etc. O papel das educadoras foi o de observar, docu-mentar, registar em vídeo, fotografar e, quando necessário, ajudar as crianças.

conclusõesÉ importante aceitar que a expressão da criativi-dade é única para cada criança – as emoções e as formas de auto-expressão nunca são as mesmas. As crianças aprendem e desenvolvem as suas com-petências através dos sentidos – ouvido, visão, ol-facto, movimento e tacto. Neste projecto também se aperfeiçoaram as inte-racções sociais. As actividades realizadas promoveram:

a autonomia – através da expressão de ideias

Sente e exprime! Jana Grava, Vineta Pole

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e sentimentos próprios e do respeito pelos dos outros;

a curiosidade – em resultado da capacidade das educadoras para motivar e encorajar as crianças e para apresentar propostas que induzissem as crianças a experimentar e explorar;

a auto-expressão – pela oportunidade de esco-lha. As educadoras devem ser flexíveis e estar preparadas para introduzir alterações nos seus planos, ajustando-os às necessidades e preferên-cias das crianças;

a auto-estima – a apresentação das suas criações e resultados (na arte, na música, etc.) aos outros – colegas, educadoras, pais – aumenta a auto-

-estima das crianças, uma vez que se apercebem de que o seu trabalho é apreciado.

contextoAs actividades do Jardim-de-Infância Cristão de Liepaja, Universidade de Liepaja, realizaram-se entre 1 e 15 de Maio de 2012, tendo como contex-tos o jardim-de-infância e um parque à beira-mar.Materiais: diversos materiais naturais (erva, pe-dras, flores, folhas e sons) destinados a actividades de auto-expressão.Jana Grava, directora do programa “Educador de Infância”, e Vineta Pole, educadora (Letónia)

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Desenvolvemos este projecto com base no álbum de Eric Carle, “A lagarta comilona”, especialmente destinado à “aprendizagem de inglês”. As activida-des prolongaram-se de Abril a Maio de 2012.

objectivos Aprender inglês de maneira lúdica no jardim-de-infância, usando a palavra e a imagem.

Aprender criativamente questões como o ciclo de vida da borboleta.

ProcessoAs crianças encontraram uma lagarta na rua. Examinaram-na e começaram a fa-zer perguntas. As educadoras decidiram então abordar este tema, recorrendo não apenas a infor-

mação básica, mas a uma estratégica diversifica-da, socorrendo-se de literatura acerca de lagartas e borboletas, música e canções, pintura e ainda mo-vimento.Também se recorreu a duas línguas (Inglês e Ale-mão), introduzindo o álbum de Eric Carle em ambas. A história tem a ver com uma lagarta e as imagens mostram o que faz e o que come durante toda a semana.Em primeiro lugar, as crianças ouviram a história e viram as imagens do livro. A seguir algumas delas começaram a representar a história com pedaços de chiffon, representando a borboleta depois da metamorfose. Outras tocaram música com uma borboleta com campainhas, que eles próprios construíram.

A lagarta comilona Susanne Bayer-Mielich

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Além disso tocaram as folhas do livro para sentirem os orifícios que as atravessam.Decidiram também fazer alguma coisa com cores. Dobraram então folhas com manchas de tinta ainda fresca, formando, deste modo, borbole-tas, quando desdobradas.Mais tarde, quiseram saber outras coisas so-bre lagartas e borboletas. Fomos, por isso, à procura de outros livros para tentar encontrar mais informação.As crianças aprenderam bastante acerca de frutos, alimentos, dias da semana, números e outras palavras elementares em inglês.Susanne Bayer-Mielich, Jardim-de-Infância Rappelkiste, Keltern-Ellmendingen (Alemanha)

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Em 2012 Klaipeda celebrou o seu 760º aniversário e este foi o mote para o nosso projecto. É, para nós, fundamental que as crianças se inte-ressem pela nossa cidade, a sua história, as tradi-ções, os seus lugares e objectos importantes. A cidade fica perto do mar e, por isso, decidimos organizar o projecto em torno da cidade e do oce-ano.

objectivos Desenvolver o sentido de cidadania nas crian-ças.

Fornecer às crianças informação sobre a história da cidade.

Promover o apreço e o respeito pela cidade nati-va de Klaipeda e pelo Mar Báltico.

Evocar emoções positivas nas crianças. Dar às crianças oportunidade para criarem e aperfeiçoarem as suas competências criativas.

etaPasComo primeira etapa, as crianças criaram cená-rios e ambientes de acordo com o tema. Durante este processo, desenvolveram as suas competências criativas. Notámos que tentaram inovar, usando novas téc-nicas e materiais, elementos naturais, tecido, ma-teriais reciclados e guardanapos. Foi estimulada a capacidade inventiva das crian-ças, que decoraram as paredes com elementos

Projecto comunitário para o 760º aniversário da nossa cidade Aušra Jablonskienė, Giedrė Petrošienė

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náuticos, papel, sacos de plástico, esponjas e re-des, e construíram um barco com rede, madeira, fios, tecido e papel.Em seguida, organizámos visitas de estudo à cida-de e à beira-mar. Nestas visitas, exploraram o espaço urbano, se-guindo imagens e tentando identificar os lugares, e observaram o Báltico.

Na terceira etapa, as crianças envolveram-se nu-ma experiência nova para todos, um laboratório criativo, que tentámos pela primeira vez neste projecto. Aqui, recorreu-se a materiais reciclados para a concepção de uma futura cidade de sonho, não es-

quecendo de encontrar palavras-chave relaciona-das com a actividade: inventividade, risco, curiosi-dade, auto-expressão e auto-estima, novidade.Depois da construção da Klaipeda de sonho, as crianças foram convidadas pelo técnico de urba-nismo a dar um passeio pela cidade, deixando nela as suas pegadas. As crianças ficaram muito orgu-lhosas da sua cidade, clamaram o seu nome e can-taram canções sobre Klaipeda. Numa quinta etapa, as crianças apresentaram o programa de televisão “Pessoas riscadas”, duran-te o qual deram informação sobre as celebrações de Klaipeda, os transportes disponíveis e a comida que seria confeccionada.Como etapa final, montámos uma exposição de fotografia sobre todas as etapas do projecto, o que proporcionou momentos de enorme alegria não só aos elementos da instituição mas também aos visitantes.

contextoO projecto teve lugar no jardim-de-infância “Ai-tvarelis”, em Klaipeda, de Maio a Outubro de 2012. Envolveu todas as crianças, os pais, as educadoras e todo o pessoal da instituição.As actividades decorreram dentro da instituição e noutros locais da cidade.Aušra Jablonskienė e Giedrė Petrošienė (Lituânia)

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O encontro com a obra de arte como pre-texto Vesna Balzani

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Neste projecto tentámos trabalhar com as crian-ças a associação de diferentes linguagens e códigos simbólicos e a exploração e experimentação de di-versos espaços e materiais

objectivos Procurar, nas linguagens e modelos artísticos, os processos intelectuais, imaginativos e cria-tivos que potenciam a observação do mundo à nossa volta.

Promover a interacção entre as artes (no mu-seu), a ciência (no pátio do jardim-de-infância) e a literatura (na biblioteca), de maneira a deli-near estratégias capazes de motivar as crianças para uma maior consciência relativamente ao ambiente.

Contribuir para uma maior relação da escola com o museu e a biblioteca, no âmbito de um projecto conducente ao desenvolvimento das personalidades dos participantes.

ProcessoO percurso educativo proposto pela oficina “Co-me Ti di Luna”, destinado às crianças de 5 anos, tem como objectivo trabalhar no âmbito da expo-sição “Fiori, natura e simbolo dal Seicento a Van Gogh” (“Flores, natureza e símbolos de seiscentos em Van Gogh”) patente no Museu San Domenico em Forlì.

Pretendeu-se favorecer a relação entre a escola e o museu, considerando-se que as linguagens e mo-delos artísticos são processos intuitivos, imagina-tivos e criativos que fornecem materiais e modelos para a observação do mundo.A actividade desenvolvida pelas crianças no mu-seu foi, na realidade, o início de uma pesquisa mais tarde aprofundada no jardim-de-infância, privilegiando, deste modo, a nossa opção por um projecto integrador destas experiências em dois espaços diferentes mas complementares.Neste projecto entrecruzam-se diferentes modelos educativos: o tema da exposição torna-se o pre--texto que abre caminho a um percurso de apren-dizagem no qual o carácter emocional e evocativo da arte se constitui como ferramenta essencial à observação do mundo. A arte, a ciência e a literatura aliam-se, assim, con-tribuindo para a concepção de actividades de en-sino/aprendizagem que promovam uma maior atenção e sentido de responsabilidade para com o ambiente. Neste sentido, o projecto dividiu-se em três partes, distribuídas por três espaços distintos.

flores bonitasNo museu, a visita à exposição permitiu às crian-ças apreciar as diferentes interpretações do mun-do floral criado pelos artistas ao longo dos tem-pos. Depois da visita, as crianças dedicaram-se a duas actividades: no espaço de laboratório, como

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pequenos botânicos, observaram pétalas, folhas, bolbos e sementinhas, para depois, com base nes-ta observação, construírem um herbário.Noutro espaço o grupo passou, então, à represen-tação das formas e cores das flores da estação, em aguarela.

uma Planta amigaNo jardim-de-infância, as crianças observaram e cuidaram da sua planta pessoal, plantada no jar-dim. Este envolvimento emocional permitiu-lhes des-cobrir os diferentes estádios de desenvolvimento da planta e ajudou-os a compreender a necessida-de de respeitarmos o ambiente.Cada criança tinha um kit com os materiais neces-

sários para acompanhar todo o desenvolvimento da sua planta: desenharam, tiraram fotografias de cada mudança, recolheram dados e fizeram medi-ções; além disso, deram-lhe um nome, celebraram o seu aniversário e construíram acessórios para tornar a sua vida mais agradável. Cada uma criou o “banco de memória” da sua planta, onde colo-cou as memórias e registos com ela relacionados.

um herbário Para PartilharAinda na nossa instituição, as crianças foram à descoberta das plantas e árvores existentes no jar-dim. Com o que foram observan-do e registando, produziram um herbário colectivo sobre o nos-so jardim… um inventário resul-tante de uma experiência multi--sensorial e que torna visíveis as pequenas coisas que fazem parte da nossa vida, mas são normal-mente ignoradas. Foram utiliza-dos desenhos, composições com flores secas, fotografias, pequenos espécimes e tudo o que podia dar testemunho deste local das nossas vidas.

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Páginas verdesNa biblioteca, fez-se uma pesquisa bibliográfi-ca sobre os livros que descrevessem às crianças o colorido mundo da natureza. Os educadores e os artistas organizaram, então, uma estante de re-ferências de apoio à actividade com as crianças. Estas começaram por ler, com os bibliotecários, Il Medico Me-Di-Cin, de Roberto Piumini. Mais tarde, depois de uma experimentação directa, em que exploraram as sensações tácteis e olfactivas, as crianças inventaram flores e plantas e pintaram--nas, deram-lhes nomes e poderes mágicos e pro-priedades medicinais (Milfrutos para a tosse, erva salva-tudo…).

contextoO projecto, que se prolongou por um ano lectivo, realizou-se no jardim-de-infância “Angeletti”, em diversos espaços (oficina, sala e jardim), e ainda na biblioteca e no museu de Forlì.Materiais: plantas, flores, sementes, bolbos, água, terra, lentes, aguarelas, materiais recuperados, li-vros e obras de arte.Estratégias educacionais: observação, experimen-tação, diálogo e debate, resolução de problemas e espera.Vesna Balzani, educadora, Centro famiglie, Forlì (Itália)

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No contexto da educação de infância, a criativida-de bate-nos à porta diariamente… mas nem sem-pre a deixamos entrar. Este projecto tornou possível trazer para a “sala de aula” as novas tecnologias (o computador, a me-sa digital, a máquina fotográfica, a câmara de ví-deo…), colocando-as ao serviço da criatividade das crianças, permitindo-nos reconhecer o poten-cial destes recursos quando aplicados neste con-texto.

ProcessoA produção do filme “A Cidade dos Amigos” foi um projecto desenvolvido no âmbito do tema “a evolução dos media dos primórdios aos dias de hoje”. Durante o projecto, as crianças foram moti-vadas a explorar as tecnologias com que estão em contacto diariamente.As crianças tinham contacto regular com equipa-mento tecnológico, como a máquina fotográfica, a mesa digital, a câmara de vídeo, a impressora, o digitalizador, o leitor de CD e outros, segundo os seus interesses e necessidades e em articulação com diversos projectos em curso.A câmara de vídeo era a ferramenta menos utiliza-da, quer em termos de tempo, quer em termos de potencial. Daí o principal motivo para uma aten-ção mais específica a este equipamento e a preocu-pação da educadora em sugerir este recurso para o registo audiovisual.

Numa primeira fase, a dinâmica do projecto de-terminou o recurso à experimentação livre, a fim de dar às crianças a oportunidade de escolherem os aspectos visuais mais interessantes e de proce-derem à gravação com maior espontaneidade.Durante estas situações, a curiosidade das crian-ças por este equipamento inovador era evidente. A sua satisfação pode ser ilustrada com alguns dos seus comentários: “Gostei muito de filmar o meu… olha… que divertido!” (Leonor, 4 anos).As gravações foram realizadas pelas crianças de três modos distintos: individualmente, em peque-nos grupos, no caso daquelas que ainda não domi-navam a técnica, ou com o apoio do adulto, quan-do era solicitado.

Os pequenos cineastas e “A Cidade dos Amigos” Sandra Reigado

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1. Interacção durante as filmagens

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Nesta fase o adulto apenas orientou as crianças no que respeita ao manuseamento cuidado do equi-pamento, de forma a apetrechar as mais velhas das técnicas necessárias para que elas próprias se pu-dessem ajudar umas às outras (Figura 1). Deste modo, durante este período de gravações li-vres, é de realçar os momentos de interacção so-cial, de cooperação e ajuda mútua, uma vez que os mais experientes com o equipamento apoiaram aqueles que ainda precisavam de ajuda. Foi possível ainda observar as suas preferências em termos relacionais e afectivos.Foram vários os espaços interiores e exteriores es-colhidos para as filmagens (sala, jardim, pátio de recreio…).Apesar de reconhecer que se devia ter dedicado mais tempo à exploração livre da câmara de vídeo, a certa altura senti a necessidade de pedir a aju-da de um especialista que pudesse dar às crianças outras ópticas e hipóteses de utilização deste equi-pamento, adequando melhor a técnica ao que se pretendia filmar.Da exploração livre à criação colectiva de um fil-

me foi apenas um passo. A ideia de produzir um filme foi decidida no grande grupo, onde todos puderam dar ideias pa-ra o cenário, as personagens e as técnicas a que se-ria necessário recorrer.Enquanto foram realizando algumas filmagens, livremente ou de modo mais orientado, foram também executando outras tarefas destinadas à concepção do cenário e dos seus elementos, bem como à criação de toda a história, nas quais as crianças puderam explorar diferentes modos de expressão artística: desenho tradicional e digital (usando a mesa digital ou o computador) e pin-tura (Figura 2).Depois de prepararem todos os elementos esco-lhidos pelo grupo, começaram as filmagens. As crianças filmaram as cenas, deslocando as per-sonagens no cenário, interagindo espontanea-mente e improvisando diálogos sem a intervenção da educadora. Contudo, ao mover as personagens pelas diferen-tes áreas do cenário, as próprias crianças obstruí-am, por vezes, a imagem capturada.

2. Concepção das personagens em formato digital 3. Criação livre de acções e diálogos

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Era preciso ultrapassar este problema, através de uma estratégia que permitisse deslocar as perso-nagens pelo cenário sem a intervenção directa das crianças, que continuariam, no entanto, a empres-tar a sua voz às figuras.A mudança de estratégia exigiu que as crianças se exprimissem de modo a dar vida às persona-gens, sem terem contacto físico com elas. Duran-te a exploração individual e de pares, representa-ram livremente diálogos e situações que recriavam contextos nos quais elas próprias se inseriam (o jardim-de-infância, o pátio de recreio, o rio, o gi-násio…).

O seu discurso espontâneo revelou capacidade de improviso, já que iam arquitectando soluções para as situações que surgiam (Figura 3).No fim, foram compiladas todas as produções in-dividuais das crianças de modo a criar uma histó-ria em que se interligaram as diferentes linguagens expressivas: a linguagem oral, a representação grá-fica, a expressão corporal e a linguagem fílmica. Esta interligação veio realçar a importância da criatividade nas práticas diárias do jardim-de-in-fância.Sandra Reigado, Jardim de Infância Nossa Senhora da Piedade, Odemira (Portugal)

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Este projecto inspirou-se numa descoberta casual sobre um objecto misterioso encontrado durante um passeio à beira-mar – um pedaço de uma ânfora do pe-ríodo romano.Identificado o objecto, or-ganizámos uma visita ao museu. As crianças aperce-beram-se de que existem dife-rentes tipos de museus. A visita desencadeou di-versas actividades criativas ligadas a várias áreas expressivas.

ProcessoOs participantes foram divididos em grupos de 18 crianças, com idades compreendidas entre os 4 e os 7 anos. Foram realizadas actividades em di-ferentes lugares e em condições distintas: a velha escola abandonada, diversos parques, espaços in-teriores e exteriores do jardim-de-infância, a casa romanesca, e vários museus (o Museu Popular e o Museu de História Local, onde observaram objec-tos das culturas romana e egípcia).Antes da ida aos museus, visualizámos a animação “Asterix, Obelix e Cleópatra”, vimos livros de ima-gens e jogámos o jogo didáctico “Labirinto” e o jo-go social “Os tesouros perdidos do Egipto”. Tam-bém usámos livros de colorir e ouvimos música popular daquele país.Visitámos ainda diversas escavações arqueológi-

cas nos arredores, como, por exemplo, os vestígios de um mosaico com milhares de anos. Brincámos aos arqueólogos e usámos os nossos achados na produção de trabalhos criativos. Tentámos docu-mentar todas estas actividades em fotografia, ví-deo e nas plantas arqueológicas desenhadas pelas crianças. Os pais colaboraram na recolha de lite-ratura e artigos jornalísticos, que arquivámos no jardim-de-infância.A primeira sugestão das crianças foi a de fazerem eles próprios coisas que tinham observado. Para tal, recolheram uma variedade de desperdícios, garrafas de plástico, painéis, caixas… e procura-ram o local ideal para montar um museu (“Profes-sora, tem de ser uma casa velha, porque é aí que há museus!”). Pela primeira vez contactaram com alguns materiais e as suas características, perigos e

Museu Oriella Orlic, Ilenia Tikel, Sandra Urbanek

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Expressão artística no chão do museu

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imperfeições, de modo que, ao usá-los, por vezes falharam: a primeira vez que tentaram fazer mo-saicos com gesso, estes quebraram-se.Lorenzo (4 anos): “Fomos de autocarro ao museu. Dentro dum vidro vi uma criancinha na cama. Es-tava preto e esmagado (era uma múmia). Vi um falcão e um gato, duas vacas e muitos lobos. Havia pássaros, gaivotas e conchas. Quando entrámos, vi duas pedras. Estava muito escuro e eu fiz Buuuuu!

à professora. Desenhámos em papel e pronto! Re-gressámos ao jardim-de-infância.”Depois da visita ao museu, as crianças começa-ram a trazer coisas de casa, enquanto construíam outras no jardim-de-infância. Para criarem o seu próprio museu, produziram diversos itens como

túnicas e sandálias romanas, ânforas, jóias anti-gas de Roma e do Egipto, mosaicos, amuletos, fer-ramentas antigas, chaves velhas, sarcófagos. Para além de tudo isto, recolheram moedas antigas, es-creveram com hieróglifos, criaram a sua própria música com instrumentos antigos e cozinharam pratos da época.O projecto terminou com a inauguração do seu museu, localizado numa velha escola, já abando-nada, onde se realizou um evento final para pais e convidados.

reflexãoCom este projecto as crianças puderam abordar conteúdos históricos, uma área completamen-te nova para esta faixa etária. Além disso, expe-rimentaram alguns materiais pela primeira vez (cimento, azulejos, pigmentos naturais consegui-dos a partir de ervas e outros elementos vegetais esmagados). Através do jogo e das linguagens ar-tísticas (música, pintura, modelagem, movimento e exploração) criaram um mundo à sua maneira, inspirado num objecto insignificante, com o qual conceberam um contexto e uma história.Oriella Orlic, Ilenia Tikel e Sandra Urbanek, jardim-de-infância Kalimero, em Brtonigla (Croácia)

A confecção de uma túnica romana (without a caption in the brochure)

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O jardim-de-infância Silverdansen fica localizado numa área residencial multicultural nos arredo-res de Norrköping. Tem 12 salas com um total de 200 crianças de 1 a 5 anos, 40 educadores e um di-rector. As crianças e as famílias têm como línguas maternas 15 línguas diferentes.Vikbolandets engloba quatro jardins-de-infância situados numa área rural dos arredores de Nor-rköping. Incluem um total de 350 crianças de 1 a 5 anos de idade, 65 educadores e dois directores. Conta ainda com um centro comunitário para os pais e as crianças.Tanto Silverdansen como Vikbolandets têm vindo a investir no uso da tecnologia, nos últimos anos: começou-se pelas câmaras e computadores e, des-de o ano passado, alargou-se aos iPads. A tecnologia é usada pelos educadores no seu tra-balho quotidiano (reflexão e documentação) e na actividade educativa com as crianças. Pensamos mesmo que cada educador deveria possuir um iPad.

a tecnologia e os media como ferramentas ao serviço da ParticiPação e da cooPeraçãoO computador, a câmara e o iPad constituem um enorme contributo para a educação pré-escolar. A tecnologia dá azo à exploração de todo o seu po-tencial e permite a pesquisa da mais diversa in-formação. Há já largos anos que vimos a utilizar

câmaras e computadores para pesquisa, sempre que a curiosidade das crianças é despertada para algum assunto.Agora, com os iPads, podemos investigar sempre que pretendem obter informação, onde quer que estejamos, por exemplo, quando vêem uma bor-boleta na floresta e querem saber mais. É uma tec-nologia fácil de utilizar pelas crianças, que sentem crescer a sua auto-estima quando percebem que conseguem dominá-la.Quando trabalham com um iPad, podemos verifi-car que comunicam e colaboram entre si. Apren-dem uns com os outros, entreajudam-se e, em conjunto com colegas e educadores, reflectem so-bre os programas. E são muitos os programas que contribuem para o desenvolvimento dos objecti-

Criatividade e tecnologia na educação pré-escolar SJardins-de-infância Silverdansen e Vikbolandets (Suécia)

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vos e áreas curriculares – a língua, a matemática, a ciência, a tecnologia, a linguagem expressiva, o jogo, a cooperação e a entreajuda.A participação e a contribuição das crianças na produção de documentação tornaram-se também mais fáceis, com este recurso. Podemos sentar-nos com as crianças e criar no iPad documentos com imagem e texto, sempre que querem guardar registos das suas activida-des ou partilhar com os pais no Facebook – o que constitui uma oportunidade para se exprimirem. Podemos verificar, com enorme facilidade, o que foi feito e reflectir sobre esses eventos, porque está tudo armazenado e acessível no iPad.Com o auxílio do computador, da câmara e agora do iPad, conseguimos chegar aos pais por diferen-tes meios, por exemplo pelo Facebook, através do qual vamos dando conhecimento do que se passa com as crianças no seu dia-a-dia, aumentando as-sim o envolvimento parental.

as tic como ferramentas de registoOs iPads permitem-nos tirar fotografias, fazer fil-mes e escrever, documentando assim toda a nossa actividade. Quando filmamos o nosso quotidiano, estamos a criar um instrumento de reflexão conjunta para os educadores. Deste modo, temos uma melhor perspectiva sobre os interesses das crianças e sobre diferentes situa-ções de aprendizagem, o que nos ajuda a melhor contribuir para satisfazer os seus interesses e aper-feiçoar as suas competências.Seis vezes por ano, cada equipa reúne com o di-rector (e outra educadora) para uma reflexão so-bre a actividade educativa – objectivos, processos, resultados e análise da situação. Usamos o iPad para mostrar fotografias e vídeos que orientam a nossa reflexão. O registo destas re-

flexões é divulgado aos pais, que podem, assim, verificar o nosso trabalho.O iPad revelou-se uma ferramenta de fácil utiliza-ção, quer pelas crianças, quer pelos educadores – mais fácil do que o computador. Esperamos, deste modo, poder construir os nos-sos registos mais facilmente, com a colaboração de crianças e colegas.

o iPad e a Palavra-chave Para a criatividade Quando começámos a trabalhar com o iPad, há ano e meio, este era um dispositivo completamen-te novo para a maioria das crianças e dos educa-dores. Estávamos, por isso, ao mesmo nível, o que nos permitiu explorar a nova ferramenta em conjunto – ainda que as crianças sejam mais rápidas do que nós em muitos aspectos.

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Vários programas requerem uma grande capa-cidade inventiva para ir mais além e há crianças muito mais avançadas do que nós a este respeito, pelo que eram elas que ensinavam os educadores.O iPad desperta a curiosidade e o desejo de apren-der, tanto para as crianças como para os adultos. Agora que começamos a sentir-nos mais à von-tade com esta tecnologia, encontramos nela cada vez mais oportunidades, quer como ferramenta de registo, quer co-mo recurso de en-sino/aprendizagem. Os registos dão às crianças e aos edu-cadores maior ca-pacidade de expres-são. O facto de po-derem proporcionar às crianças uma fer-ramenta que lhes dá maiores possibilida-des de participação e cooperação constitui, na verdade, um grande desafio para os educa-dores.O maior risco situa-se provavelmente ao nível do adulto, que pensa não

ser capaz. Tentamos, por isso, aprender uns com os outros, de modo a conseguirmos maior con-fiança e mais familiaridade com esta tecnologia. Um longo caminho foi já percorrido e podemos verificar que, tanto por parte das crianças, como por parte dos educadores, a auto-estima e a auto-nomia relativamente a este dispositivo têm vindo a aumentar significativamente.

ciência e tecnologiaNos nossos jardins-de-infân-cia temos monitores de ciên-cia e tecnologia, que formam os educadores em diversas áreas (o ar, a água, o som, a luz, etc.) e nos ajudam a produzir alguns do mate-riais que usamos. A curio-sidade, a imaginação, a ca-pacidade de expressão e a predisposição para correr riscos são componentes fundamentais do traba-lho realizado em ciência e tecnologia, pelo que a criatividade é inerente a estas actividades ao nível da educação pré-escolar.

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Como co-construtores da sua aprendizagem, as crianças conseguem experimentar a partir dos seus próprios pensamentos, questões, descober-tas, ideias e hipóteses, bem como a partir dos de outras pessoas. Isto faz com que crianças e educa-dores não assumam o conhecimento como defini-tivo, mas, pelo contrário, percebam que a diversi-dade enriquece a aprendizagem. Só assim faz sentido falarmos das 100 linguagens da criança e da profusão de materiais disponibi-lizados.Os materiais e desafios que seleccionamos inspi-ram e contribuem para a expansão da aprendi-zagem diária. Por um lado, os educadores devem proporcionar a informação que as crianças não conseguem encontrar autonomamente. Por outro lado, os desafios que geram o engenho, a contrariedade e a irritação são estimulantes.

Tudo isto exige educadores e crianças atentos a ac-tivos. Todos devem participar no diálogo e reflec-tir sobre os raciocínios, as teorias e os diferentes aspectos que as situações suscitam.Devemos começar do ponto em que as crianças se encontram – exactamente no centro – de modo a alargar e a aprofundar o conhecimento. Depois, devemos ficar no centro do processo em curso, de forma a descobrir o que acontece entretanto e o que está ao nosso alcance. A aprendizagem deve partir das crianças e dos adultos em simultâneo: uma aprendizagem que dá prazer, com relações e dependências mútuas, não só em relação aos outros, mas também relativa-mente ao mundo material à nossa volta.A aprendizagem não parte de algo predetermina-do, mas antes da documentação pedagógica e da reflexão, sendo os desafios que se colocam encara-

Condições para a aprendizagem de crianças e adultos no contexto pré-escolar Jardins-de-infância Svanen e Nyckelpigan (Suécia)

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dos e o conhecimento aprofundado. É importante aproveitar a criatividade das crianças, descobrin-do as pequenas mudanças que dão novo impulso aos processos. A actividade deve proporcionar às crianças as fer-ramentas que lhes permitam comunicar as suas diferentes hipóteses – só assim as 100 linguagens simbólicas se tornam relevantes. Há que alertar as crianças para o potencial de mui-tas outras linguagens para além da língua, e que a elas podem recorrer para comunicar, participar e partilhar.Para que tudo isto seja possível, é necessário im-plementar um sistema de aprendizagem flexível que promova o desenvolvimento tanto das crian-ças como dos educadores. É importante que:

a organização ofereça serviços de qualidade e garanta o tempo necessário para a reflexão;

o sistema promova uma cultura reflexiva que facilite a reflexão regular das equipas de educa-dores, atelieristas, pedagogos e especialistas em igualdade de género, a partir da documentação pedagógica;

os educadores se possam reunir em “oficinas de ideias” – um fórum de aprendizagens lúdicas, orientado pelo atelierista/pedagogo.

As nossas duas unidades, Nyckelpigan e Svanen, estabeleceram “serviços de qualidade”, cuja fina-lidade consiste em orientar, motivar e agir como promotores de conhecimento e mentores de refle-xão, promovendo uma cultura reflexiva e valores fundamentais, e fomentando a aprendizagem e os valores estéticos, com base no currículo. Estes serviços servem também de “advogados do diabo”, questionando as teorias e práticas educati-vas, quer com educadores específicos, quer em di-ferentes grupos de pares, fomentando, deste mo-do, uma abordagem investigativa e questionante.

o atelierista/PedagogoEste profissional desempenha o papel de orienta-dor da Oficina das Ideias, o nosso fórum pedagó-gico para reflexões comuns, e faz a ligação entre todos os processos de aprendizagem das crianças. Cria contextos significativos e intervém no traba-lho curricular, no trabalho transdisciplinar inspi-rado na abordagem Reggio Emilia e nas 100 lin-guagens.Este profissional coopera em todo o trabalho or-ganizacional em torno das situações pedagógicas, dos materiais e da criatividade, das abordagens sa-lutogénicas, uma perspectiva sobre a criança que a encara como um ser competente e capaz de apren-der, e ainda no que respeita à documentação que serve de suporte à acção pedagógica. Faz também parte das suas atribuições criar oportunidades pa-ra as crianças usarem os diferentes meios de ex-pressão ao seu dispor e proporcionar as condições necessárias para que os educadores usem mate-riais e técnicas que melhor contribuam para o de-senvolvimento da aprendizagem das crianças.

o esPecialista em igualdade de géneroNa Suécia não é permitido assumir qualquer ten-dência relativamente ao género, conforme estipu-lado em todas as políticas municipais e nacionais. O Currículo Nacional para a educação pré-escolar determina, entre outras coisas, que se deve traba-lhar em democracia e no respeito pelos valores fundamentais e pelo género. O primeiro capítulo intitula-se “Valores fundamentais e tarefas da edu-cação pré-escolar” e começa assim: “A democracia é a base da educação pré-escolar.”O nosso sistema pré-escolar funda-se nos princí-pios democráticos, pelo que o respeito pelos va-lores fundamentais se torna vital para nós. Es-forçamo-nos por garantir que, a longo prazo, as crianças cresçam com confiança e em situação de

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igualdade. Para que sejam promovidos os valores fundamentais, a democracia, a igualdade e uma perspectiva anti-discriminatória, estes especialis-tas integram diversas equipas, tais como a equipa administrativa e a que trata de questões da saúde infantil. O seu trabalho mantém vivos no jardim--de-infância os valores democráticos e cívicos. Es-te trabalho implica a necessidade de mais pesquisa em diversas áreas, um maior conhecimento sobre os valores comunitários e os nossos próprios valo-res (por vezes inconscientes). No exercício da sua actividade, estes profissionais levam a cabo tarefas de orientação, formação pedagógica, observação, discussão, análise e reflexão.

o centro criativoO jardim-de-infância Svanen abrirá as portas do seu Centro Criativo – um ponto de encontro para todos os educadores de infância do município de Norrkoping.Neste centro será possível desenvolver projectos educativos holísticos e significativos. Será dada prioridade aos contextos e métodos criativos e ao respeito pela perspectiva da criança, bem como à documentação pedagógica, ao traba-lho processual e de projecto, à pedagogia criativa e à educação pela arte, à igualdade de género e à consciência linguística e literária.Espera-nos um novo e fascinante desafio!

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senvolvimento destes últimos. Por seu turno, Mia-laret (1998) define-a como uma situação educacio-nal, única em termos de tempo e espaço, organizada e orientada pelo professor. Este investigador destaca ainda a forte ligação entre a prática e a reflexão teó-rica de natureza pedagógica: as indicações metodo-lógicas deverão basear-se na teoria, não tanto como prescrição, mas antes como sugestões ou propostas educativas, ou mesmo balizas que devem regular a prática educativa no sentido de serem atingidos os resultados esperados. De qualquer forma, a influ-ência parece ser recíproca: a prática pode provocar reflexões que, por sua vez, promovem o desenvolvi-mento da teoria.Ao adoptar esta perspectiva, as orientações apresen-tadas podem ser entendidas no contexto da meto-dologia de projecto, ou como indicações metodo-lógicas de utilidade para a planificação de situações de aprendizagem que promovam a criatividade das crianças pela aplicação de uma prática educativa vá-lida e incisiva.Nestas páginas tentar-se-á, muito particularmente, reconstituir, nas práticas profissionais dos educado-res, as indicações que emergiram durante o debate suscitado no âmbito do projecto CREANET, com o objectivo de as discutir através de exemplos, de mo-do a demonstrar como podem ser dissecadas e tra-duzidas em acções concretas, demonstrando ainda a aplicabilidade de tais indicações em contextos de educação de infância.

1. introduçãoNas páginas que se seguem esboçar-se-ão algumas sugestões didácticas, apresentando exemplos práti-cos de como as mesmas poderão ser implementadas em contexto pré-escolar. Esta contribuição pretende articular dois aspectos resultantes do trabalho com-parativo e de pesquisa levado a cabo no âmbito do projecto CREANET. Por um lado, há as práticas vol-tadas para o desenvolvimento da criatividade, ilus-tradas pelos educadores dos países participantes, e que foram discutidas com os seus colegas europeus, durante as sessões dos Grupos de Trabalho. Essas práticas estão amplamente representadas nas pági-nas anteriores desta publicação, e a lista completa de experiências com base nas quais este trabalho foi rea-lizado está disponível na página Web do CREANET. Por outro lado, temos todas as orientações e princí-pios didácticos que podem contribuir para o fomen-to da criatividade na educação pré-escolar, resultan-tes das reflexões e do debate teórico que ocorreram em diversos contextos europeus, durante os encon-tros periódicos.É importante, desde já, clarificar certos aspectos as-sociados ao conceito de prática educativa. Laeng (1992) considera-a uma acção que visa atingir um objectivo através da criação de um projecto educati-vo. Pellerey & Grzadziel (2011) sublinham que a prá-tica educativa é uma actividade humana que ocorre na escola e que se caracteriza pela interacção entre professores e alunos, destinada a promover o de-

A Prática Educativa na Perspectiva dos Educadores: Comentários e Sugestões para uma Didáctica da Criatividade Chiara Bertolini – Universidade de Modena e Reggio Emilia

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estratégias do educador em vez de se centrarem na criatividade das crianças. Em segundo lugar, aquele conjunto de práticas deveria ser encarado não tan-to como modelos educacionais absolutos e válidos, mas antes como a multiplicidade de situações e ac-ções concretas que os educadores consideram úteis como estímulo à criatividade em crianças da educa-ção pré-escolar.As 36 práticas foram examinadas com o objectivo de reconstituir as indicações educacionais apresenta-das anteriormente. Esta análise não foi fácil, em par-te devido à disparidade de práticas e ao modo como foram descritas. Em alguns casos, foram exemplifi-cados programas que duraram um ano, noutras si-tuações, foram descritos em detalhe pequenos pro-jectos. Por vezes, durante as apresentações, a docu-mentação fotográfica assumiu um papel fundamental na re-constituição clara e inequívoca das características dos projectos. Mas, de uma maneira geral, as descri-ções dos processos de ensino/aprendizagem não fo-ram completamente transparentes e óbvias. Além disso, nem todas deram o mesmo tipo de in-formação. Por exemplo, algumas concentraram-se na descrição dos processos, outras, nos produtos. Ocasionalmen-te, os indicadores desejados foram declarados ver-balmente, mas não foram postos em prática na acção desenvolvida (por exemplo, disse-se que a reflexão crítica sobre a experiência foi encorajada, mas não se descreveu a forma como isso foi de facto implemen-tado), noutras situações os indicadores não foram explicitamente declarados, mas podemos considerá--los na verdade presentes na prática (por exemplo, um indicador como o carácter raramente emerge com o tempo). É, no entanto, possível, que alguns elementos estives-sem presentes na prática, apesar de não serem refe-ridos.

2. metodologiaA fim de reconstituir e dar maior visibilidade à li-gação entre as indicações educacionais dirigidas à promoção da criatividade e a prática educativa, os projectos desenvolvidos nas escolas e descritos pelos educadores durante os encontros CREANET foram cuidadosamente analisados e reconhecidos como re-presentativos de práticas educativas promotoras da criatividade. No total foram examinados 36 projectos. O corpus deste material contém todas as apresentações reali-zadas durante as sessões dos Grupos de Trabalho Eu-ropeus, à excepção das que foram apresentadas no primeiro encontro, em Beja (2011), no qual se pediu aos educadores que descrevessem a sua instituição, em termos gerais.Este corpus, constituído por 36 ficheiros, é variado e heterogéneo. Algumas práticas foram descritas de acordo com um formulário descritivo concebido com o objectivo de relatar o percurso educativo em questão, através da compilação de secções específicas. As experiências foram apresentadas com o apoio de PowerPoint ou vídeo e sujeitas a discussão oral com os colegas europeus, durante as sessões dos Grupos de Trabalho. Algumas vezes os dois métodos de des-crição viram surgir informação complementar, nou-tros casos, porém, achou-se que eram redundantes do ponto de vista do conteúdo (Paoletti, 2011). Além disso, algumas práticas foram descritas apenas num dos dois formatos exigidos.Foi pedido aos educadores que descrevessem uma prática educativa que estimulasse a criatividade. No entanto, seria o material recolhido isento de proble-mas, podendo ser considerado como representativo de uma selecção de boas práticas para a promoção da criatividade das crianças? Em primeiro lugar, nem todas as descrições seguiram a solicitação original, e, por vezes, colocaram o enfoque na criatividade das

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Nos capítulos que se seguem serão dados alguns exemplos concretos de práticas apresentadas pre-viamente, que revelam evidências a favor da criati-vidade. Devem ser tomadas como representativas de aspectos também presentes noutras práticas que não serão referidas por falta de espaço.

3. atitude do educador na Promoção da criatividade

As primeiras sugestões de natureza educacional que surgiram com o debate promovido pelo CREANET dizem respeito ao professor/educador. São muitos os aspectos que deveriam caracterizar a sua planifica-ção e a sua prática. Deve ser referido, desde o início, que, em termos dos tópicos abordados nos pontos se-guintes (tempo, espaço, material, situações colectivas de resolução de problemas abertos e o cruzamento de linguagens), estes são raramente explicitados nas apresentações dos educadores, que, mesmo quando os referem, na realidade debatem-se com a dificul-dade de os transformar em acções concretas; talvez por estarem preocupados com aspectos ligados so-bretudo à atitude e à consciencialização do adulto ao nível profissional. Este pressuposto está também re-lacionado com características que estão fortemente interligadas, mas que, por uma questão de clareza, tentaremos tratar em separado.A principal característica de uma efectiva educa-ção para a criatividade prende-se com a capacidade que o educador tem para propor tarefas que pres-suponham resultados abertos, ou antes, tarefas que possam ser encaradas de diferentes ângulos e con-duzir a uma variedade de soluções. São, por isso, os próprios contextos que, em projectos centrados nas ideias das crianças, potenciam um pensamento que parte da análise de uma situação inicial para chegar à sua transformação (Castoldi, 2010). Este tipo de ta-refa tem potencial para promover a criatividade, uma vez que, ao realizá-la, as crianças são colocadas fa-

ce a situações problemáticas que admitem soluções múltiplas (isto será discutido mais detalhadamente no ponto 6).A segunda sugestão que emergiu do debate em tor-no do CREANET, coloca a tónica na importância de acompanhar as crianças durante a experiência, dan-do-lhes apoio emocional (comportamento de apoio). Muito do debate teórico sobre a educação para a cria-tividade refere a necessidade de assegurar um am-biente psicologicamente seguro, em que as crianças não sintam medo de falhar e cometer erros (de Sou-sa, Fleith, 2000; Harrington, 1999). Se a criatividade for de facto provocada através de situações de resolu-ção de problemas abertos, é provável que as crianças tropecem em obstáculos e sigam percursos menos adequados, precisamente porque não há uma única solução ou uma resposta determinada. A verdade é que o erro não deve inibir o pensamento. Pelo con-trário, deve ser encarado como uma oportunidade de aprendizagem, ou seja, um estímulo para prosseguir e encontrar caminhos alternativos, porventura diver-gentes. Ao procurar essas soluções, é essencial que as crianças mantenham a vontade de participar cogni-tivamente na tarefa, se envolvam e exprimam as su-as ideias sem receio de falhar. É necessário, por isso, promover um ambiente de aceitação e tolerância, no qual as relações com os pares e com os educadores sejam solidárias e empáticas, e não baseadas na com-petição e no desempenho (Travaglini, 2000; Griéger, 2003; Laslock & Winefiled, 2011). Apesar da impor-tância desta dimensão, são muito poucas as apresen-tações discutidas nos Grupos de Trabalho que re-ferem a sua aplicação nos seus aspectos operativos. Quando os educadores do CREANET mencionam a necessidade de dar apoio emocional, fazem-no de modo abstracto, em termos de: ajudar, encorajar os mais tímidos e exprimir confiança nas capacidades das crianças (temos como exemplos o Jardim de In-fância Cristão de Liepaja, na Letónia, Nossa Senho-

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ra da Piedade, em Portugal, Puriena, na Lituânia, e Vikbolandets, na Suécia). Como técnica eficaz para criar um ambiente confortável e tolerante podería-mos referir o “espelhamento verbal” (Rogers, 1951, 1982). Esta estratégia comunicativa leva o adulto a centrar a conversa nos raciocínios da criança e a co-locar-se em sintonia com eles. Quando o adulto es-pelha, revela ao seu interlocutor estar em modo de escuta activa, demonstrando um interesse genuíno e a intenção e o desejo de conhecer as suas ideias, sem preconceitos ou reservas. São estes os motivos pelos quais o espelhamento pode contribuir para um am-biente em que as crianças se sintam dispostas a par-ticipar cognitivamente na actividade, a expressar as suas ideias e a envolver-se sem hesitações (Bertolini, Cardarello, 2012).Esta discussão em torno do apoio emocional prende--se com a terceira sugestão de natureza educacional, que destaca a vantagem de se reconhecer a impor-tância do pensamento infantil. Este comportamento específico por parte do adulto transmite às crianças confiança e interesse no que lhes diz respeito, geran-do uma atmosfera de segurança e tolerância que, por sua vez, facilita a disposição das crianças para parti-cipar na tarefa. Diferentes projectos discutidos nos Grupos de Trabalho ilustram a possibilidade de co-locar estas sugestões em prática. Em alguns casos, to-da a experiência se baseou no interesse particular de um grupo de crianças sobre uma temática, a partir do qual o projecto se desenrolou. Foi o que aconte-ceu no jardim-de-infância Calimero (Croácia), on-de a experiência teve origem na enorme curiosidade das crianças acerca de seixos e pedras. Partindo deste interesse, as educadoras promoveram e apoiaram a exploração dos materiais, através de livros, material audiovisual, visitas ao museu e actividades manuais. Depois foi solicitado às crianças que juntassem pe-dras e seixos de diferentes tamanhos, formas e co-res, com o objectivo de criarem composições e de-

corações (mosaicos, por exemplo) e de construírem objectos de uso diário (tais como um vaso). Noutras práticas, as ideias apresentadas pelas crianças ao lon-go do seu percurso de aprendizagem foram reunidas e acolhidas pelos educadores como propostas. Na experiência descrita pelo jardim-de-infância Rodari (Itália), as crianças pesquisaram, recolheram infor-mação e criaram objectos, trajes e dramatizações em torno de “Orlando Enamorado” de Boiardo. Ao lon-go deste projecto, as crianças sugeriram mesmo in-ventar uma história com as personagens, ideia que as educadoras aceitaram, incentivando-as à produção colectiva de uma narrativa. De modo semelhante, a experiência documentada pela creche Luthaa (Fin-lândia) teve origem no grande interesse manifestado pelas crianças em relação à vida marinha. As edu-cadoras apoiaram-nas na recolha de informação, na concepção do cenário marinho e na criação da ani-mação. Durante o projecto, uma menina exprimiu a vontade de encarnar a personagem de uma sereia e as educadoras sugeriram então que um grupinho preparasse uma coreografia sobre sereias e piratas. Parece evidente que valorizar as ideias das crianças exige um estilo de planificação flexível e dinâmico baseado na escuta activa (Fratini, 2003) e na atenção aos diálogos, raciocínios e acções das crianças, dis-cutidos pela equipa de educadores, com o objectivo de introduzir contextos apelativos que estimulem o processo criativo com eficácia.Também relacionada com este estilo de planificação, foi identificada uma quarta característica de boas práticas – o reconhecimento da criatividade dentro da rotina diária, que se enraíza novamente na capa-cidade de ouvir as crianças, auscultando os seus inte-resses e encarando os comportamentos espontâneos e os momentos rotineiros como ocasiões propícias ao incentivo à criatividade. O jardim-de-infância de Nossa Senhora da Piedade (Portugal) narra um epi-sódio interessante. Durante o almoço, um copo de

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água é entornado na mesa e, de imediato, com o pra-zer típico das brincadeiras, uma das crianças começa a experimentar e a listar as formas que o líquido der-ramado sobre a mesa lhe faz lembrar. Entusiasmados com a ideia, os amigos integram-se no jogo espontaneamente. As educadoras decidem então usar este incidente co-mo móbil para um projecto criativo. Organizaram um espaço onde as crianças pudessem trabalhar com líquidos coloridos, brincando e ima-ginando as formas que os líquidos sugeriam e o que poderiam representar. A experiência poderia ter sido expandida para o te-ma da transformação, recorrendo por exemplo à téc-nica do “binómio fantástico” (Rodari, 1973), que po-deria ter levado as crianças a criar histórias com base nas combinações de formas antes e depois da trans-formação. Imaginemos que as crianças tinham visto na man-cha, primeiro um cão e depois um armário. A educadora poderia então relançar a pergunta: O que podia acontecer a um cão que carregasse sempre o seu armário às costas? (Rodari, 1973, p.22). O tra-balho poderia ser ainda mais produtivo se o processo criativo se desenrolasse num pequeno grupo. Do ponto de vista da atitude e profissionalismo do educador relativamente à promoção da criatividade, a última sugestão que surgiu nos encontros CREA-NET tem a ver com a compreensão do desenvolvi-mento das crianças e com os processos de ensino/aprendizagem. Precisamente devido à sua natureza abstracta e à pouca especificidade, este pressuposto foi raramen-te referido nas práticas apresentadas nos Grupos de Trabalho. Indubitavelmente, de cada vez que um projecto é de-lineado com o objectivo de promover certas compe-tências, é necessário ter em consideração o nível de desenvolvimento da criança e as teorias de ensino/

aprendizagem subjacentes, que determinam a esco-lha de estratégias adequadas. Esta questão foi levan-tada pelos educadores do CREANET. Por vezes na forma de perguntas gerais, tais como: de que manei-ra é possível promover a aprendizagem das crianças (Svanen, Suécia; Puriena, Lituânia)? Noutros casos, contudo, os educadores foram mais precisos, questionando especificamente sobre como usar eficazmente os materiais e os espaços, tanto in-teriores, como exteriores, tendo em vista a promo-ção da aprendizagem e da criatividade das crianças (Vikbolandets, Suécia; Nyckelpingans, Suécia). Do mesmo modo, outros educadores reflectiram sobre o recurso à tecnologia para estimular o desenvolvi-mento das crianças (Luthaa, Finlândia; Silverdansen e Vikbolandets, Suécia).

4. organização do temPoUma das questões fundamentais a equacionar na promoção da criatividade é a organização do contex-to experiencial, ou seja, o modo como o adulto deter-mina e gere o tempo e o espaço (que contém os ma-teriais), nos quais se insere a actividade da criança.Relativamente à gestão do tempo, foram identifica-das três características que favorecem o desenvolvi-mento do pensamento criativo.Em primeiro lugar, é sugerida a continuidade das ex-periências propostas. A prática é tanto mais eficaz quanto mais as activida-des estiverem ligadas umas às outras, não só por um objectivo geral comum, que será a promoção da cria-tividade, mas também por um fio condutor que se consegue pela ordenação intencionalmente gradual e lógica das actividades. Em alguns dos projectos discutidos nos Grupos de Trabalho, por exemplo, foi pedido às crianças que participassem em diversas actividades criativas, atra-vés da reconstituição, talvez inconsciente, das fa-ses propostas por Adams e Chen (2012). Os autores

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distinguem quatro tipos de processos criativos, que apresentamos de seguida, ordenados do mais sim-ples para o mais complexo:

Explorar e experimentar materiais com o objec-tivo de compreender as suas propriedades. Esta é uma condição preliminar, essencial aos processos seguintes.

Fazer e Construir, que consiste na combinação de materiais explorados anteriormente, sem que a criança tenha necessariamente a intenção de cons-truir um objecto específico.

Inventar algo com uma função ou um objectivo previamente determinado pela criança.

Criar colaborativamente, o que implica o envolvi-mento e o diálogo com os pares, com o objectivo de construir algo em conjunto e em larga escala.

Deste modo, propor experiências contínuas ao lon-go do tempo significa – como aconteceu em diver-sos projectos – proporcionar actividades com uma lógica de planificação que passa pelo encorajamento de uma atitude exploratória nas crianças, visando a compreensão dos espaços e materiais. Só nessa altura é que as crianças estão prontas para construir. Como foi referido por Munari (1981), não é, de facto, pos-sível criar alguma coisa, se não explorámos e expe-rimentámos antes os materiais e as técnicas. Como exemplo deste tipo de experiências, mencionamos a prática apresentada pelo jardim-de-infância Vik-bolandets (Suécia), que durou todo um ano lectivo, processando-se em várias etapas.Na primeira etapa foram proporcionadas às crianças oportunidades de exploração em contextos diver-sos (interiores e exteriores) e com materiais naturais de diferentes tipos (areia, folhas, etc.). Na segunda, experimentaram hipóteses de resolução para pro-blemas abertos de natureza diferente (como elevar um tronco até ao topo de um plano inclinado, como atravessar uma prancha colocada em equilíbrio so-bre um pneu de camião). Na última fase do projecto,

as crianças foram levadas a construir algo planeado, através da montagem de materiais naturais, em di-ferentes momentos, individualmente e em pequenos grupos.Noutras práticas, para além da gradação lógica das actividades, existiu também uma certa continuidade em termos de conteúdo, reminiscente da lógica pro-gramática de fundo (Cristanini, 1997). Nesta experi-ência, a exploração, a experimentação e a construção estão relacionadas com o mesmo tema.É este o caso do projecto desenvolvido na creche Luhtaa (Finlândia), centrado na temática da vida marinha. As crianças começaram por dialogar e trocar conhe-cimentos sobre a flora e fauna marinha. Nesta eta-pa, como aconteceu com outros projectos, teria sido possível propor diferentes tipos de exploração do te-ma, quer directamente – por exemplo através de uma visita ao mar ou a um aquário –, quer indirectamen-te – por exemplo recorrendo a histórias, fotografias e documentários. Depois, as crianças desenharam elementos mari-nhos, utilizando diferentes recursos pictóricos. Graças às sugestões da educadora, projectadas na parede, um grupo de crianças inventou uma história envolvendo sereias e piratas, de seguida transforma-da numa animação. Primeiro desenharam as cenas, depois escutaram, es-colheram e adicionaram música, em seguida cons-truíram as personagens e deram vida à dramatização. No fim interpretaram a sua própria dança da sereia, acompanhadas pela banda sonora da animação.Noutras práticas, a noção de continuidade no tempo fazia parte do formato da própria actividade, como aconteceu com o projecto levado a cabo pelo jardim--de-infância Calimero (Croácia), no qual as crianças trabalharam sobre o Outono. No início exploraram o tema, escutando histórias so-bre animais e duendes relacionados com esta esta-

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ção do ano e depois observaram a floresta durante os meses de Outono. As visitas à floresta sucederam-se e, de cada vez, as crianças encontravam a mesma ces-ta de fruta, contendo uma carta de um duende que os convidava a produzir alguma coisa diferente: uma história para o duende ler durante o longo Inverno, um desenho de outono, etc.Relativamente a esta questão da organização do tem-po, do ponto de vista educativo, sugere-se que se preveja um momento de reflexão, em que as crian-ças possam pensar sobre a experiência que tiveram, revendo todo o processo. Segundo Runco e Cayir-dag (2009), esta flexibilização do tempo, que permi-te longos períodos de sedimentação e articulação de ideias, é uma condição essencial para a manifestação de processos de recombinação e associação criativa. Conforme é sugerido em algumas experiências, esta necessidade de um tempo de reflexão pode ser pos-ta em prática através do estabelecimento de ocasiões específicas, durante todo o projecto, dedicadas ao di-álogo entre as crianças (Nossa Senhora da Piedade, Portugal; Jardim-de-Infância Cristão de Liepaja, Le-tónia). Nestes momentos de discussão, em pares ou em pequeno ou grande grupo, as crianças dialogam sobre a experiência em curso, com o objectivo de: construir uma memória colectiva; dar à experiên-cia um significado partilhado; estabelecer o diálogo entre diferentes ideias e pontos de vista (Jardim-de--Infância Cristão de Liepaja, Letónia; Rodari, Itália); e tomar decisões conjuntas sobre a planificação de algo a construir/criar (Jardim-de-Infância Público I Gelsi, Itália). Estas discussões podem também ser aproveitadas para recolher informação sobre os inte-resses e ideias das crianças, que possam ser um con-tributo para a concepção de actividades adequadas às suas tendências e motivações (Nossa Senhora da Piedade, Portugal; Rodari, Itália), tal como discuti-mos no ponto 3 relativamente ao reconhecimento da importância dada às ideias das crianças.

O discurso em torno da necessidade de dar oportu-nidade ao tempo de reflexão prende-se directamente com a terceira característica de uma gestão eficaz do tempo, no que respeita à promoção da criatividade: a dilatação/extensão do tempo. A possibilidade de dispor de um grande espaço de tempo contribui certamente para a manifestação de processos criativos, que amadurecem quando à ex-periência em curso é dado o tempo necessário para crescer e evoluir, de acordo com as reflexões e refor-mulações das crianças. Além disso, a actividade criativa acarreta geralmente uma forte motivação para participar cognitivamente, o que resulta na perda da consciência sobre do tem-po (Mainemelis, 2002). Nas práticas descritas pelos educadores, a gestão que fazem do tempo não é clara, uma vez que definem sobretudo o total de tempo em que decorreu o pro-jecto, mas não indicam o tempo atribuído a cada ac-tividade. Na realidade, poderíamos não considerar extensa uma prática que inclui muitas actividades durantes vários meses (por vezes excedendo um ano lectivo), mas, por outro lado, considerar prolongada uma ex-periência de menor duração mas que contenha acti-vidades que se estendem por períodos de tempo pro-longados. Deste ponto de vista, é bem ilustrativa a experiência descrita pelo jardim infantil I Gelsi (Itália), na qual as crianças trabalhavam durante uma semana num espaço destinado à construção. À segunda-feira as crianças entravam no espaço, on-de encontravam, devidamente organizados, mate-riais não formais, naturais e reciclados. A tarefa consistia na construção conjunta de uma ci-dade e para a realizar as crianças precisavam de tem-po e espaço para explorar e experimentar os mate-riais individualmente. Depois necessitavam de com-parar e partilhar as suas experiências e de projectar

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a sua cidade. Tinham de decidir de que maneira de-viam combinar os produtos individuais e de encarar juntos os problemas de construção que iam surgin-do. Ao longo da semana a cidade ia tomando forma, crescendo e mudando. Dia após dia, as crianças con-tinuavam a pensar, a projectar e a construir esta cida-de colectiva, que se tornou a base para brincadeiras de faz-de-conta e, por fim, o estímulo para a inven-ção de histórias. Só na sexta-feira as crianças destru-íam a cidade e reorganizavam o espaço.

5. a Possibilidade de exPlorar e exPerimentar com diferentes esPaços e materiais

A discussão sobre a organização do tempo está re-lacionada com a gestão do espaço e dos materiais. De acordo com Gariboldi (Gariboldi & Cardarello, 2011), a criatividade encontra terreno fértil quando certas condições coexistem: a presença de materiais que se prestam a usos múltiplos, a possibilidade de explorar, experimentar e reflectir, num tempo pro-longado, e a presença de um adulto capaz de criar ambientes adequados, isto é, ambientes que garan-tam a possibilidade de experiências diversas de ex-ploração e descoberta. A atenção dada à organização dos espaços e materiais é certamente um elemento crucial na promoção da criatividade. A este respeito, Harrington (1999) enfatiza a necessidade de planifi-car e organizar os espaços de maneira direccionada, de modo a proporcionar às crianças oportunidades de encontrar, explorar e usar diferentes materiais, formais, não formais, naturais e reciclados. Durante os encontros dos Grupos de Trabalho algumas práti-cas sublinharam exactamente este aspecto. O projec-to do jardim-de-infância de Grafenhausen (Alema-nha) é interessante deste ponto de vista, já que exi-gia a disponibilização de espaços ricos em materiais, onde as crianças pudessem explorar, experimentar e construir. Para este projecto, os educadores conce-

beram vários espaços: num deles era possível traba-lhar com objectos de madeira e vidro, não formais ou semi-formais, tais como cubos, cilindros, pequenas peças, berlindes, etc. Noutro, as crianças podiam ex-plorar e construir com palhas e fios coloridos. Havia também outra sala destinada à construção com ma-teriais semi-formais, como as peças de Lego Duplo. Outro espaço ainda era dedicado ao jogo simbólico e à dramatização. Nesta linha de raciocínio, seria pos-sível conceber espaços para materiais naturais (ra-mos, folhas, pedras, conchas), outro para materiais plásticos reciclados (colheres, garrafas, embalagens de iogurte) ou para cartão (rolos de papel higiénico vazios, bobinas, etc.).Algumas instituições enfatizaram mesmo a impor-tância não apenas de disponibilizar uma grande va-riedade de materiais mas também de os organizar por tipo, cor e material (Patronato de Santo António, Portugal; I Gelsi, Itália).Outra sugestão relevante em termos educacionais prende-se com a transformabilidade do espaço. De facto a criatividade das crianças é beneficiada quan-do o adulto facilita a modificação do espaço face às necessidades delas, proporcionando espaços flexí-veis e dinâmicos, que permitam o seu envolvimen-to cognitivo ao longo de uma acção. A experiência do jardim-de-infância I Gelsi (Itália), referida no pa-rágrafo anterior, é também significativa deste pon-to de vista. Não só se previu um período de tempo prolongado, durante o qual as crianças debateram e construíram a cidade, em conjunto e como um tra-balho em progresso, ao longo de toda uma semana, mas também um espaço onde as crianças pudessem manter o seu trabalho dia após dia, durante esse pe-ríodo. Um espaço que se foi transformando graças ao cuidado dos educadores na escolha e substituição periódica dos materiais, de modo a estimular o pro-cesso criativo do grupo – de exploração, experimen-tação e construção.

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Ainda dentro desta temática envolvendo o espaço e os materiais, os encontros CREANET realçaram outra questão: a importância da exploração/experi-mentação de diferentes espaços e materiais. A supor-tar esta constatação, o trabalho de diversos autores aponta para o facto de que a exploração e a experi-mentação constituem uma etapa imprescindível no processo criativo, tendo em vista a invenção e cons-trução de alguma coisa (Adams, Chen, 2012; Har-rington, 1999; Arieti, 1979). Nos Grupos de Traba-lho foi possível identificar este indicador, que pode ser subdividido de diferentes maneiras. Algumas experiências foram inteiramente dedicadas à promoção do comportamento exploratório. É o ca-so da prática apresentada pelo Infantário Pink Pan-ther (Itália), na qual as crianças tiveram a oportuni-dade de descobrir, explorar e experimentar em dife-rentes contextos: primeiro um espaço enorme com o chão coberto de jornais; a seguir o mesmo espa-ço, transformado com a disposição de grandes peda-ços de materiais coloridos; mais tarde o material foi substituído por caixas de cartão de tamanho médio, abertas, e depois por bolas coloridas de tamanhos di-ferentes. Em cada situação foi dada às crianças total liberdade para interagirem com os materiais e os companhei-ros. Podemos considerar este um bom exemplo de um primeiro passo para a promoção da criatividade, já que não levou as crianças a qualquer associação do material com a criação de algo. Não é por acaso que a actividade se destinava a crian-ças dos 0 aos 3 anos. É também curiosa a experiên-cia levada a cabo pelo jardim-de-infância Gintarélis (Lituânia), dedicada à exploração sensorial: as crian-ças tocaram diferentes materiais com as mãos e os pés (sensações de áspero, suave, seco, molhado), ex-ploraram objectos de cores diferentes (preto, cinzen-to, branco, vibrante) e escutaram sons da natureza. Noutro projecto as crianças trabalharam com frutos

e vegetais, observando-os, tocando, cheirando e pro-vando-os (Rodari, Itália).Noutras práticas, contudo, os educadores preocupa-ram-se sobretudo com a experimentação. Na experi-ência do jardim infantil de Nossa Senhora da Pieda-de (Portugal), por exemplo, foi montado um labora-tório na área das ciências. As crianças manifestaram interesse, no sentido criativo, nos líquidos de cores e nas formas a que davam origem quando derramados sobre uma superfície. O espaço permitia às crianças a preparação de soluções com diversos solventes e por outros processos, a fim de que pudessem experi-mentar, derramando os líquidos sobre superfícies de cor para observar os resultados.Na maioria dos casos, a exploração e a experimenta-ção dos materiais foi funcional, ou seja com o objec-tivo de construir alguma coisa. Nestas experiências, as crianças utilizaram materiais de diferente tipolo-gia: formais, não formais, naturais e reciclados. Es-tes eram indefinidos, em termos utilitários, logo com grande potencial criativo. No entanto, como já foi aqui referido, quando se pretende usar os materiais para construir algo definido, é necessário explorá-los e experimentá-los primeiro, de modo a perceber as suas características funcionais e a descobrir o seu po-tencial (Smith, 1996). Por exemplo, na prática descrita pelo Patronato de Santo António (Portugal), em primeiro lugar, as crianças tiveram de explorar autonomamente uma variedade de materiais reciclados, durante um pe-ríodo de tempo prolongado. Observaram, tocaram, manipularam, cheiraram, e por vezes até morderam, chávenas de plástico, colheres, garrafas e embalagens de leite e de bifes e rolos vazios de papel de alumínio. Depois de deixar que as crianças discutissem a ex-periência, a educadora pediu-lhes que inventassem uma história acerca daqueles objectos. As crianças conceberam a história e depois constru-íram as personagens, com os materiais observados –

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cobras e girafas. No fim usaram estas figuras para re-presentar a história.As boas práticas no que respeita à criatividade devem incluir ocasiões de exploração, não apenas dos mate-riais, mas também dos próprios espaços. Nas práticas discutidas nos encontros dos Grupos de Trabalho, a exploração dos espaços, envolveu, com maior fre-quência, o interior e o exterior (o jardim) do edifício da instituição. Só em raros casos, foram abrangidos espaços da área circundante, tais como o jardim pú-blico, a floresta, a praia, o centro da cidade, o jardim zoológico, etc. A experiência descrita pelo jardim-de-infância Munksnäs (Finlândia) é muito curiosa: as crianças experienciaram o espaço exterior do jardim-de-in-fância e das áreas circundantes ao longo das quatro estações. No Inverno observaram o gelo e trabalharam com a neve de maneiras diferentes: deslizando e enchendo baldes de neve. Poderiam tê-la usado para uma cons-trução. Na Primavera e no Outono apanharam folhas, pe-dras e pedaços de madeira que usaram em trabalhos artísticos. No Verão usaram areia para construir cas-telos em trabalho de pares. Do mesmo modo, no pátio do jardim infantil Kite (Lituânia), as crianças construíram labirintos na ne-ve. Começaram por trabalhar individualmente na concepção de um labirinto individual. Em seguida, em pequenos grupos, compararam os trabalhos, com o objectivo de planearem um labirin-to que construiriam na neve em colaboração. No fim do projecto, uma criança propôs colorir os labirintos. Os educadores aceitaram a ideia e disponibilizaram uma variedade de materiais para colorir. Deve ser realçado que é esta possibilidade de ter em conta e concretizar a exploração do espaço como re-levante para a recolha de informação que permite

passar à fase seguinte, de invenção/construção. Nu-ma outra experiência desta instituição (Kite, Lituâ-nia), as crianças, com a colaboração dos pais, cons-truíram uma maqueta de uma escola, usando mate-riais reciclados. De modo a incentivar o processo criativo, os educa-dores permitiram aos participantes, não só a explo-ração dos materiais, mas ainda dos diversos espaço do edifício, quer no interior (a cozinha, a despensa, os gabinetes, as outras salas), quer no exterior.

6. interacção e colaboração entre as crianças em situações de resolução de Problemas abertos

Recordando as considerações tecidas nos capítu-los anteriores e graças aos testemunhos das práticas apresentadas nos Grupos de Trabalho, as caracterís-ticas de um sistema educativo que fomente a criati-vidade tornam-se mais evidentes no que diz respeito tanto aos fundamentos teóricos como à sua opera-cionalização. A promoção da criatividade na educação de infância exige que um adulto assuma o papel de organizador e facilitador dos processos criativos das crianças, que o tempo das acções se prolongue de modo a permitir a exploração de uma variedade de materiais e contex-tos, e que seja dada oportunidade à sedimentação e maturação das experiências individuais e colectivas. O projecto CREANET expressou sempre estas pre-ocupações, ao enfatizar a importância de se incenti-var o trabalho colaborativo na resolução de situações problemáticas abertas.Muitas das práticas discutidas no contexto europeu revelam esta característica, de diferentes maneiras. A primeira reflexão diz respeito à tarefa a propor às crianças. Facilitar a emergência de situações de reso-lução de problemas não significa apenas criar o am-biente adequado, em termos de espaço e materiais,

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bem como da atitude afável e do apoio do adulto, propícios a uma autonomia total da criança. Exige também tarefas engenhosas e abertas. Esta condição permite colocar as crianças em situ-ações problemáticas que são claras e definidas e, ao mesmo tempo, com um certo grau de ambiguidade, como refere Ward (2009). Deve-se formular tarefas que, ainda que dentro de certos constrangimentos impostos às crianças, lhes permitam grande liberdade de acção. Por outras palavras, no contexto da mesma situação, e de acordo com as mesmas exigências, cada crian-ça deve ter a possibilidade de enveredar por diferen-tes raciocínios e de chegar a resultados que podem divergir. Surgiram no projecto exemplos interessan-tes desta prática. Muitas tarefas prendiam-se com a construção a partir de materiais não formais (mode-los de edifícios, animais, pessoas, tipos de transporte, ambientes, molduras, candelabros, colares…), como nas experiências apresentadas pelas instituições Stif-telsen Sedmigradsky, na Finlândia, e Kite, na Lituâ-nia. A construtividade é sempre, indubitavelmente, um contexto criativo potencial, na medida em que oca-siona evidentes situações problemáticas de natureza física, que é preciso ultrapassar (relacionadas, por exemplo, com a medida de distâncias, o equilíbrio de pesos, etc.). Todavia, exemplos de tarefas de outro tipo surgem nas práticas apresentadas, tais como a criação de his-tórias e de animações (por exemplo nas práticas des-critas pelos jardins-de-infância de Nossa Senhora da Piedade e de Figueira de Cavaleiros, ambos em Portugal), a dramatização de narrativas – com fanto-ches, em teatro de sombras, ou assumindo os papéis das personagens (como demonstram as experiências dos jardins infantis de Liepaja, na Letónia, e Puriena, na Lituânia), a representação gráfica de fenómenos, eventos, emoções e sons (evidente no projecto des-

crito pelo jardim-de-infância de Nossa Senhora da Piedade, em Portugal) e a criação de coreografias e de música (por exemplo na experiência levada a cabo pelo jardim-escola Bitute, na Lituânia). A prática descrita pela instituição Silverdansen (Su-écia) vem confirmar a possibilidade de abordar pro-blemas de natureza científica de um modo criativo. O projecto pressupunha várias visitas à floresta, du-rante as quais as crianças tiveram de aplicar o pen-samento lógico e analógico. Uma grande marca no terreno tornou-se uma pegada de dinossauro para as crianças, por exemplo. A educadora propôs que medissem a superfície da marca e as crianças juntaram esforços para descobrir uma forma de o fazer. Então a educadora sugeriu que construíssem um esconderijo, para a eventualidade de o dinossauro aparecer, propondo uma tarefa de construção. As crianças decidiram fazer um monte de folhas. A educadora aceitou, mas colocou novo problema de medição: que tamanho devia ter o monte para que todos se pudessem esconder? Ao longo da experiên-cia, as crianças trabalharam uma série de situações de resolução de problemas abertos que estimularam o seu pensamento criativo, na medida em que exigi-ram a análise de uma situação inicial, planeamento e verificação da solução encontrada, de modo a gerar uma transformação da situação de partida (Castol-di, 2010).Os motivos parecem agora evidentes: quando se pre-tende desenvolver a criatividade das crianças, é van-tajoso propor tarefas abertas que possam dar origem a situações problemáticas. Estes contextos são ain-da mais produtivos quando congregam o esforço do grupo. Muitos dos projectos desenvolvidos no âmbi-to do CREANET pressupunham a interacção, quer em trabalho de pares, quer em grupos de 4 a 8 ele-mentos (por exemplo as experiências descritas pelas seguintes instituições: Alice, Abracadabra, Mongol-

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fiera e Soleluna, na Itália, e Nyckelpigans, na Suécia). O grupo funciona como um teste à aceitabilidade e eficácia do pensamento criativo do indivíduo. O pro-blema é tratado pelo colectivo, que analisa e nego-ceia as diferentes perspectivas e hipóteses, até que uma solução seja aceite e aprovada por todos (Arieti, 1979). Cada criança expõe os seus raciocínios, apre-sentando sugestões aos companheiros, para que gra-dualmente se chegue a uma única resolução de na-tureza criativa (Gariboldi, 2012). O projecto do jar-dim-de-infância Svanen (Suécia), tal como diversas experiências do CREANET, ilustra bem o modo co-mo num mesmo projecto podem ocorrer múltiplas ocasiões de resolução de problemas em contextos de pequeno grupo. Neste caso, o projecto ficou a dever--se ao interesse das crianças numa história sobre um esquilo, lida por um adulto. A educadora sugeriu en-tão que desenhassem primeiro os acontecimentos da história e depois os desejos e sentimentos do esquilo, colocando assim o problema de representação e re-presentabilidade. Estes últimos desenhos foram en-tão discutidos e comparados dentro do grupo. A se-guir, a educadora propôs a pequenos grupos que in-ventassem outra história sobre o esquilo. Nos encon-tros que se seguiram, as crianças apresentaram pro-postas, trocaram, combinaram e negociaram ideias e finalmente chegaram a uma narrativa comum. A seguir, foi-lhes pedido que construíssem as cenas e as personagens da história para depois a dramatizarem. De novo as crianças decidiram em conjunto quais os elementos e personagens a construir. Exploraram di-ferentes materiais de modo a optarem pelos melho-res. Discutiram ainda questões relativas ao processo de construção das cenas e personagens (por exem-plo, como representar num modelo uma característi-ca da personagem; de que modo poderia um objecto redondo funcionar como a roda de um carro). No fim do projecto, tinham criado uma dramatização e discutido toda a experiência em conjunto.

7. o cruzamento de diferentes linguagens e sistemas simbólicos

A última sugestão educativa tem a ver com a promo-ção da associação e combinação de diferentes lingua-gens e sistemas simbólicos. Vygotsky (1932) já fizera referência à criatividade como processo combinató-rio, quando a definiu como a actividade que produz algo novo, material ou imaterial, combinando ele-mentos com outros propósitos. Neste sentido, a cria-tividade é compreendida como um pensamento que executa conexões, a capacidade de gerar correlações, permitindo associações invulgares entre ideias e ob-jectos, envolvendo diferentes domínios da consciên-cia (Gariboldi, 2012; Minerva & Vinella, 2012).À luz das considerações tecidas no ponto anterior, é possível entender o carácter combinatório da criati-vidade mesmo em termos sociais, ou antes, quando implica a conjugação das ideias de várias crianças. Como foi anteriormente discutido, a comparação e interacção dentro de um pequeno grupo parece faci-litar a emergência de processos criativos mais com-plexos do que os que ocorrem individualmente, gra-ças à construção de um pensamento comum que re-sulta da combinação e influência recíproca da contri-buição de cada criança.Prosseguindo esta linha de raciocínio, parece razoá-vel assumir que a educação criativa devia incluir, en-tre os seus diversos ingredientes, o desenvolvimento intencional de diferentes sistemas simbólicos, com o objectivo de os integrar e de os colocar em diálogo (Pinto Minerva & Vinella, 2012). Algumas práticas debatidas nos Grupos de Trabalho sugerem hipóte-ses de tratamento desta questão.Uma destas possibilidades, porventura insuficiente, mas de qualquer modo vantajosa, prende-se com a exploração de espaços e materiais através dos senti-dos (conforme discutido no ponto 5).Uma segunda estratégia tem a ver com a possibili-dade de tratar um nó temático, propondo, de mo-

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do organizado, uma sequência de actividades que se movam em torno de diferentes sistemas e linguagens simbólicas. A este propósito convém referir o projecto desen-volvido no jardim-de-infância Rodari (Itália), a par-tir da história de Orlando Enamorado (de Boiardo). Começou-se por ler diferentes passagens da obra, cuja linguagem foi revista de modo a adequá-la a crianças em idade pré-escolar. Em seguida foi pedi-do às crianças que representassem graficamente os acontecimentos da história. Depois, em pequenos grupos, exploraram diferentes materiais reciclados, que seriam usados na constru-ção do castelo de Orlando. A educadora continuou a estimular o pensamento combinatório, e também a imaginação e a assunção de pontos de vista diferentes (criando mesmo uma espécie de confusão). Deste modo, pediu-lhes que descrevessem verbalmente e desenhassem como se fossem as personagens da história. Então, ainda em pequenos grupos, construíram algumas persona-gens, com materiais reciclados. A passagem de uma linguagem simbólica a outra levou ainda as crianças a uma visita ao Castelo de Boiardo (localizado nas imediações da instituição), onde representaram uma cena de luta numa das sa-las e, noutro espaço, uma dança (episódios da pró-pria obra). Dentro desta experiência, a história passou por di-versas transformações: as crianças reconstruíram--na, gráfica, construtiva e fisicamente. O projecto terminou com a proposta das crianças no sentido de criarem uma história com as personagens da obra original, o que resultou numa nova oportunidade para as crianças compararem e combinarem ideias sobre personagens literárias conhecidas.A terceira possibilidade tem em conta, por outro la-do, o potencial de transferir e percepcionar uma ex-periência essencial para um determinado órgão dos

sentidos e uma determinada linguagem, através de outro sentido e outra linguagem simbólica. O jar-dim-de-infância cristão de Liepaja (Letónia) propôs tarefas deste tipo. As crianças foram levadas a explo-rar espaços exteriores – o jardim público ou a praia – e a escutar os sons da natureza de olhos fechados, tendo de desenhar esses sons, posteriormente. Nou-tra ocasião, ouviram peças musicais e, individual-mente, desenharam as emoções experimentadas ao ouvi-las, discutindo depois com os seus pares o sig-nificado dos seus desenhos. Deste modo, as crianças representaram graficamente elementos que escapam ao olhar, tais como os sons e as emoções, em situa-ções do tipo de resolução de problemas abertos, para as quais não era possível prever um desfecho ou uma resposta certa ou errada. Se continuássemos esta ló-gica cinestética de contaminação dos sentidos (Pinto Minerva & Vinella, 2012), seria ainda possível soli-citar às crianças uma combinação de linguagens de outras formas, por exemplo, exprimindo uma cor através de um som.Uma outra possibilidade de incrementar o uso com-binado de sistemas simbólicos consiste em permitir às crianças que interliguem o pensamento lógico e o analógico, como aconteceu com a experiência do jardim-de-infância Silverdansen (Suécia), descrita no ponto anterior, na qual as educadoras e as crian-ças, no contexto da floresta, inventaram uma histó-ria acerca de dinossauros, que exigiu, por outro la-do, a resolução de problemas de natureza científica. Identicamente, na experiência levada a cabo pelo I Gelsi (Itália), as crianças puderam cruzar activida-des de tipo lógico (como explorar as características físicas de um objecto, resolver problemas de medi-ção de distâncias, ou combinar materiais não formais para construir algo) e actividades centradas em pen-samento analógico (como indicar semelhanças ima-ginárias entre objectos ou participar em jogos sim-bólicos).

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8. algumas reflexões finaisA análise das experiências CREANET em busca de indicações metodológicas, discutida anteriormente, permite algumas reflexões.Por um lado, demonstra a possibilidade de se colo-car em prática estas indicações metodológicas no contexto escolar e ilustra uma variedade de proces-sos pelos quais essas metodologias podem ser ope-racionalizadas na prática. Por outro lado, contribui para delinear, cada vez com maior clareza, as carac-terísticas da prática educativa no que diz respeito à criatividade. O papel principal do adulto situa-se ao nível da es-cuta activa das crianças, no sentido de auscultar os seus interesses e processos, com base nos quais deve propor actividades e contextos que sejam intrinseca-mente motivadores e eficazes em termos de promo-ção da criatividade, no âmbito de um estilo educativo flexível e centrado nas crianças. O educador deve ser um organizador da experiência, proporcionando ambientes acolhedores e livres de preconceito, nos quais as crianças se sintam predis-postas a exprimir as suas ideias sem medo de errar.Agir de modo criativo implica, de facto, a predispo-sição para entrar no jogo, assumindo riscos e a pos-sibilidade de falhar. A educação para a criatividade deve, por isso, acarre-tar a oferta de contextos nos quais o erro é percepcio-nado como uma ocasião para proporcionar às crian-ças o contacto com o pensamento divergente. Ao adulto compete organizar o espaço físico no qual a experiência decorre, que deve oferecer, de modo or-ganizado, uma variedade de materiais, não formais e semi-formais. Deve também saber como escolher e substituir os materiais ao longo do tempo e com base nos interes-

ses e processos activados pelas crianças. Além disso, a educação baseada na criatividade tem de estruturar um percurso no qual as actividades propostas apre-sentem uma continuidade lógica e planeada. É preciso, por isso, preparar inicialmente contextos para exploração e experimentação de um tema, o material e/ou a técnica, e só depois, tarefas de natu-reza criativa. Ao mesmo tempo, devem ser propostas actividades centradas em diferentes domínios e linguagens de modo a promover a sua contaminação. Promover a criatividade não significa apenas dar às crianças a liberdade para explorarem e agirem em ambientes ricos em materiais. É necessário também propor tarefas abertas e inven-tivas – como a construção de uma personagem, o de-senho de um som, a criação de uma história – que coloquem as crianças num contexto de resolução de problemas passíveis de um sem-número de soluções. Neste contexto a criança é confrontada com a análise de uma situação inicial para a qual tem de encontrar uma solução. O papel do grupo torna-se então crucial, uma vez que, durante o processo e em diversas ocasiões, as crianças têm de comparar, negociar, discutir e rever ideias. Para que surja e se desenvolva, a criatividade exige um período de tempo prolongado durante o qual as crianças continuam a pensar na experiência, a cons-truir ideias e produtos materiais, podendo também corrigir-se a si próprias sempre que cometem erros.Promover a criatividade em contexto pré-escolar é, em suma, um objectivo alcançável: o projecto CRE-ANET indica que os aspectos acima mencionados se revelam as ferramentas e estratégias mais eficazes pa-ra atingir este objectivo.

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Bibliografia

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Um especial agradecimento a todos os parceiros associados, os jardins-de-infância e educadores que participaram nas actividades dos Grupos de Trabalho e partilharam as suas práticas.

Design Gráfico: il bozzetto di patrizia cellaImpressão: Gráfica Santiago Lda. (Santiago do Cacém – Portugal)

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Esta publicação foi possível graças ao apoio da União Europeia e ao trabalho e empenho de todas as organizações parceiras:

Município de Scandiano (IT)Rede Suécia - Emilia Romagna (IT) (Coordenadora do Projecto)Universidade de Modena e Reggio Emilia (IT)Landsratamt Enzkreis(DE) Universidade de Jyväskylä (FI)Universidade de Lillebaelt (DK)Município de Norrkoping (SE)Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Beja (PT)Universidade de Klaipeda – Faculdade de Pedagogia (LT)Academia Pedagógica de Liepaja (LV)Universidade de Múrcia (ES)Município de Verteneglio (HR)

ISBN: 978-88-904878-6-6


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