+ All Categories
Home > Documents > Reflexão sobre James Scott

Reflexão sobre James Scott

Date post: 07-Aug-2018
Category:
Upload: henriqsobral
View: 213 times
Download: 0 times
Share this document with a friend
22
8/20/2019 Reflexão sobre James Scott http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 1/22 Raízes v.33, n.2, jul-dez /2013 Raízes, v.33, n.2, jul-dez /2013 EXPANSÃO CANAVIEIRA E RESISTÊNCIA SITIANTE SUGARCANE EXPANSION AND RESISTANCE OF SUGARCANE FARMERS RESUMO Beatriz Medeiros de Melo, Maria Aparecida de Moraes Silva ABSTRACT Na primeira década deste século a expansão da cana-de-açúcar alcança o extremo noroeste paulista, território ocu- pado, desde os arredores dos anos 1950, por sitiantes que aí se estabeleceram depois do trabalho realizado como colonos nas fazendas de café do centro do Estado. Neste artigo, apresentamos as estratégias de resistência cotidiana empreendidas por este grupo à ocupação dos territórios em que viviam. Iluminadas, sobretudo, pelas reflexões sobre o tema realizadas por James Scott, tais estratégias encontram seu fundamento, sobretudo nos princípios de uma economia moral camponesa, e manifestam-se tanto nas estratégias diretas de reprodução da vida (material e simbólica), como em pequenas rebeliões, boicotes e na disseminação de boatos. Palavras-chave: Resistência Cotidiana; Expansão Canavieira; Sitiantes. In the first decade of this Century the expansion of sugar cane reached the extreme northwest of São Paulo, territo- ry formerly occupied from the outskirts from the 1950s by ranchers who settled there after having worked as ser- vants on the coffee plantations of the center of the state. This article presents the strategies of everyday resistance undertaken by this group to the occupation of territories where they were living. Lit mainly by reflections on the subject made by James Scott, such strategies meet mainly their foundation in the principles of a peasant moral econ- omy, and are manifested in both direct reproduction strategies of life (material and symbolic) as in small rebellions, boycotts and through the spreading of rumors. Key words: Everyday Resistance; Sugarcane Expansion; Ranchers.  Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos.  E-mail: [email protected]. Professora livre-docente visitante no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos. E-mail: [email protected].
Transcript
Page 1: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 1/22

Raízesv.33, n.2, jul-dez /2013

Raízes, v.33, n.2, jul-dez /2013

EXPANSÃO CANAVIEIRA E RESISTÊNCIA SITIANTE

SUGARCANE EXPANSION AND RESISTANCE OF SUGARCANE FARMERS

RESUMO

Beatriz Medeiros de Melo, Maria Aparecida de Moraes Silva

ABSTRACT

Na primeira década deste século a expansão da cana-de-açúcar alcança o extremo noroeste paulista, território ocu-pado, desde os arredores dos anos 1950, por sitiantes que aí se estabeleceram depois do trabalho realizado comocolonos nas fazendas de café do centro do Estado. Neste artigo, apresentamos as estratégias de resistência cotidianaempreendidas por este grupo à ocupação dos territórios em que viviam. Iluminadas, sobretudo, pelas reflexõessobre o tema realizadas por James Scott, tais estratégias encontram seu fundamento, sobretudo nos princípios deuma economia moral camponesa, e manifestam-se tanto nas estratégias diretas de reprodução da vida (material e

simbólica), como em pequenas rebeliões, boicotes e na disseminação de boatos.

Palavras-chave: Resistência Cotidiana; Expansão Canavieira; Sitiantes.

In the first decade of this Century the expansion of sugar cane reached the extreme northwest of São Paulo, territo-ry formerly occupied from the outskirts from the 1950s by ranchers who settled there after having worked as ser-vants on the coffee plantations of the center of the state. This article presents the strategies of everyday resistanceundertaken by this group to the occupation of territories where they were living. Lit mainly by reflections on thesubject made by James Scott, such strategies meet mainly their foundation in the principles of a peasant moral econ-omy, and are manifested in both direct reproduction strategies of life (material and symbolic) as in small rebellions,

boycotts and through the spreading of rumors.

Key words: Everyday Resistance; Sugarcane Expansion; Ranchers.

 Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos. E-mail: [email protected] livre-docente visitante no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos.

E-mail: [email protected].

Page 2: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 2/22

83

1 O CONTEXTO, OS SUJEITOS, O CONFLITO

 O contexto analisado por nós nessa in-

vestigação é de um processo de mudança so-cial bastante recente, que transcorre na regiãodo extremo noroeste paulista desde a metade dadécada passada, quando se iniciou a negociação,entre sitiantes e agentes a serviço da Usina Co-lombo, para o encerramento dos primeiros con-tratos de arrendamento para o fornecimento da

cana-de-açúcar que abasteceria a primeira moa-gem da planta industrial inaugurada no municí-pio de Santa Albertina no ano de 2007. Até en-tão, aquele espaço era um dos rincões da produ-ção de alimentos para o mercado interno, rea-lizada por pequenas unidades produtivas, umaprodução marcada pela diversificação e pelo

uso da mão-de-obra familiar. Poderia ser defi-nido, desse modo, como um ‘território’ da agri-cultura familiar, no sentido atribuído mais co-mumente por geógrafos e antropólogos, de “es-paço apropriado”, no sentido cultural, econô-mico e político (Haesbaert, 2006, p. 113-14).

 A chegada da usina sucroalcooleira instaura um

conflito pela apropriação do espaço, conflito es-se apenas parcialmente assumido, escamoteadopela liberalização do mercado e pela falta de re-gulação e planejamento territorial.

 Esse contexto de recente mudança so-cial, como alguns autores já enfatizaram (Elias,1994; Martins, 1996), é o tempo/espaço privile-

giado para a observação e desvelamento das re-lações de identificação que constituem os sujei-tos. O contato entre o velho e o novo, o antigo eo moderno, os ‘do lugar’ e o estrangeiro, entre,enfim, diferentes modos de vida, que em um pri-meiro momento produz estranhamentos, dá re-levo às diferenças, e nos permite identificar, commaior clareza, traços característicos a uns e ou-

tros. E foi em um contexto como esse que nosdirigimos para o extremo noroeste paulista (maisespecificamente à microrregião de Jales), com in-

tuito de apreender, sobretudo, o impacto da ex-pansão recente do agronegócio sucroalcooleirosobre a reprodução das famílias sitiantes.

 Uma análise prévia dos dados secundá-rios e uma primeira visita ao campo evidencia-ram informações importantes sobre a região:que a produção agropecuária era expressiva,

sendo uma das mais importantes regiões do Es-tado produtora de algumas frutas “de mesa”,destinadas ao mercado interno, como a uva e alaranja, e de importante bacia leiteira. E, ainda,que os impactos da expansão da cana apresen-tavam uma extensão e qualidade diversas, de-lineando duas “áreas” de impacto: de um la-

do, nos municípios onde a produção de canase expandia (localizados ao redor de onde seencontra a única usina sucroalcooleira insta-lada no território da microrregião) predomi-nava a pecuária, sobretudo leiteira, mas tam-bém de corte, associada ora à lavoura temporá-ria (hortifruti), ora à lavoura permanente (fru-

ticultura); de outro, naqueles onde a presençada cana era acanhada, predominava a produçãode frutas associadas à pecuária leiteira. A par-tir dessas primeiras observações, definimos co-mo parte do método de análise a realização deuma comparação entre estas duas áreas, na bus-ca de evidenciar distinções qualitativas. Os mu-

nicípios selecionados a partir de então estão de-marcados na figura abaixo para representar osmunicípios da região de expansão da cana, rea-lizamos observações em tons de vermelho, San-ta Albertina e Mesópolis; para representar osmunicípios onde ainda predominava a pequenaagricultura, diversificada e familiar, elegemos

Page 3: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 3/22

84

os municípios em tom verde, Urânia, Santa Sa-lete e Jales.

Figura 1

Fonte: Base Cartográfica do IBGE

 Os sujeitos centrais de nossa investiga-ção, os sitiantes, são descendentes dos imigran-tes (sobretudo italianos e japoneses, mas tam-bém de alguns espanhóis e migrantes nacio-nais) que, entre o final do século XIX e iníciodo século XX chegaram ao país para substituira mão-de-obra escrava depois da abolição. Ex-

propriados ou empobrecidos em seus países deorigem, foram atraídos ao Brasil (entre outrospaíses da América Latina) pelas agências de co-lonização, visando, sobretudo, realizar o pro-jeto de adquirir a posse legal de um pedaço deterra e, desse modo, libertar-se da sujeição aosgrandes fazendeiros, ao Estado, ou outros ato-

res sociais. Entretanto, como uma extensa lite-ratura já nos informou, o momento em que taisimigrantes chegam ao Brasil, não por uma coin-cidência, é também o momento posterior à ins-tituição da Lei de Terras, que transforma a terraem mercadoria, instituindo o processo de com-pra e venda como a única forma de apossamen-

to legal. Tal mecanismo garantiu a disponibili-dade de mão-de-obra para os trabalhos nas fa-zendas de café durante o auge deste ciclo, ou,

de outro modo, forçou aqueles imigrantes, en-tão empobrecidos, a venderem sua força de tra-balho para as fazendas de café como condiçãopara alcançar, posteriormente, o projeto de ad-quirir a posse da terra.

 Com divisas reunidas com o esforço dosmembros de toda uma família extensa e/ou de

empréstimos privados, uma parcela (peque-na) daqueles ex-colonos compraram diminutaspropriedades de diversas empresas de coloniza-ção, cujas posses foram constituídas pelo me-canismo da grilagem, ou da compra de terrasgriladas, no espaço rural do extremo noroes-te paulista a partir de 1940. Inicialmente, plan-

taram ali cultivos temporários comercializáveis(arroz, algodão, milho, amendoim) e outroscultivos que serviam, sobretudo, à subsistên-cia (como o feijão, a abóbora, a mandioca, en-tre outros) a fim de quitar as parcelas do finan-ciamento e prover o sustento da família. Como decorrer do tempo, as culturas de subsistên-

cia foram perdendo espaço, gradativamente, àsculturas comerciais, sem, no entanto, jamais terdesaparecido por completo. Os sitiantes dessaregião produziram grande parte do café em suaúltima etapa de produção no Estado. A cria-ção de gado também esteve presente em qua-se toda pequena propriedade da região, consti-

tuindo um traço da tradição pastoril paulista, ecompondo parte das estratégias de diversifica-ção produtiva. Gradativamente cresce a produ-ção de frutas: primeiro a banana, a laranja, e, apartir da década de 80, a uva, o limão, a man-ga. E as características produtivas que encon-tramos atualmente na região estão assim maisou menos demarcadas: a) na região às margens

Page 4: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 4/22

85

dos rios, pela presença mais destacada da pe-cuária leiteira e de corte, associada à produçãode frutas de cultivo temporário, com presença

mais recente da produção, também temporária,da cana-de-açúcar para a indústria; b) no limi-te a leste, alcançando o centro da região, pre-domina a produção de frutas de cultivo perma-nente e horticultura.

Por essa retrospectiva histórica, bastan-te sumarizada1, chegamos ao entendimento do

processo através do qual se constituiu a 2ª mi-crorregião de maior desconcentração fundiáriano interior do Estado de São Paulo. Segundodados do Censo Agropecuário de 2006, essa é asegunda microrregião com maior extensão ter-ritorial ocupada com propriedades entre 0 e 20ha (45.875 ha), tendo à sua frente apenas a mi-

crorregião de Presidente Prudente, e atrás desi a microrregião de São José do Rio Preto. E,embora apresente apenas a 24ª maior extensãoterritorial total do Estado (com 392.890 hec-tares), é a 7ª microrregião com maior extensãorelativa da área territorial rural (86% da áreatotal), o que sugere a importância das relaçõesque se desdobram neste espaço.

 A expansão recente da cana-de-açúcarse explica pela aliança entre capitais (agroin-dústria e indústria automobilística), entre capi-tal e Estado (no âmbito nacional, exemplifica-da pelo incentivo público à compra de veícu-los automotores através da redução do Impostosobre Produtos Industrializados, o IPI), e entreEstados nacionais (incentivo às exportações).

E dá-se, ademais, num contexto que impôs àsusinas a necessidade de responder às exigênciassocioambientais que são decorrência das re-

clamações de justiça dos movimentos ambien-talista e trabalhista incorporadas pelo Estado.Desse modo, a União da Indústria Canavieira(ÚNICA) firmou em 2007 com o governo doEstado de São Paulo, o Protocolo Agroambien-tal do Setor Sucroalcooleiro que, entre outrasmedidas, previu a antecipação do fim da quei-

ma da palha da cana e supôs, portanto, a meca-nização do corte. A licença ambiental que auto-rizou o funcionamento da Usina Colombo, cujainstalação na microrregião de Jales foi concluí-da naquele mesmo ano de 2007, impôs a con-dição de estabelecer-se o processo de colheitade modo inteiramente mecanizado. Sendo esta

uma zona de baixa declividade é, então, atrati-va nesse novo contexto. Territorializar-se nes-ta região é, então, um modo de enquadrar-seao Protocolo assinado pela UNICA, e, a um sótempo, favorecer-se da aparência de estar elimi-nando as ‘degradantes condições de trabalho’que pesavam sobre os cortadores manuais e osdanos ambientais e à saúde da população, antescausados pelas queimadas.

 O extremo noroeste paulista é a zona demais recente expansão do plantio da cana noEstado de São Paulo. Depois dos municípios deVotuporanga e Franca, que tiveram uma am-pliação de 156 e 142% da área plantada de ca-na entre os anos de 1990 e 2000, surge a MRGde Jales, com uma ampliação de 38%. Os con-

1 Na tese que dá origem a este artigo, dedicamos um capítulo a reconstruir a história de ocupação da região, passando pelo ex-termínio da população indígena, a chegada do mineiro, das empresas de colonização, dos imigrantes estrangeiros e seus descen-dentes, a constituição da pequena propriedade e os primeiros ciclos de produção agropecuária na região. Referências importan-tes para tal reconstrução foram as obras de Pierre Mongeig ( Pioneiros e fazendeiros em São Paulo, 1971), de Sergio Milliet ( Ro-teiro do café e outros ensaios, 1941), e, mais recentemente, os trabalhos de Luis Murumatsu ( As revoltas do campim: movimentos

 sócio-agrários no Oeste paulista 1959-1970, 1984) e de Sedeval Nardoque ( Apropriação capitalista da terra e a formação da pe-quena propriedade em Jales-SP, 2002).

Page 5: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 5/22

86

tratos de arrendamento, na região, são firma-dos à base de um ATR/kg fixo por tonelada acada alqueire, cujo preço equivalente é regula-

do pela CONSECANA. No ano de 2011, quan-do se firmavam os contratos para a segunda sa-fra de produção da cana na região, os sitiantesrecebiam 45 toneladas por alqueire2.

 Esta contextualização delineia, por meiode breves apontamentos, o conflito que se dese-nhou no extremo noroeste paulista mais recen-

temente com a chegada da Usina sucroalcoolei-ra. Camponeses cuja trajetória foi marcada pe-la expropriação, (re)constróem seu “territóriode vida” naquele rincão do Estado de São Pau-lo, passados, ao menos, duas gerações de ascen-dentes sem-terra, dependentes de grandes pro-prietários de terra. A autonomia conquistada

com a posse de parte dos meios de produção (aterra) é, todavia, relativa: se, por um lado, o si-tiante se liberta de algumas teias de subordina-ção, envolve-se em outras, aquelas tecidas pe-las indústrias de sementes e insumos, agroin-dústrias, distribuidoras de alimentos. Mas, seessa situação de sujeição lhe soa penosa, o ris-

co (ou a possibilidade) de desvinculação do ter-ritório, que se aproxima com a atuação da usi-na sucroalcooleira na região, mobiliza os sujei-tos em ações de “resistência cotidiana” de di-ferentes naturezas: nas estratégias de reprodu-ção material, nos boatos postos em circulaçãocontra a atuação da Usina, chegando a materia-

lizar-se numa articulação política que se esfor-çou por estabelecer limites à produção de ca-na-de-açúcar na região. A partir da observaçãorealizada in locu, depreendemos que as estra-tégias de reprodução do campesinato, quando

contrapostas ao risco da desarticulação de todoum modo de vida, podem ser tomadas, em seuconjunto, como estratégias de resistência. As

noções de “resistência cotidiana” e “economiamoral camponesa”, tratadas por James Scott,foram instrumentos teóricos fundamentais pa-ra a construção de nossas análises.

2. O QUE CHAMAMOS DE ‘RESISTÊNCIA’?

 A investigação sobre processos de resis-tência supõe a investigação sobre contextos demudança social, temática cuja reflexão é atri-buição por excelência do campo da Sociologia.Nas diversas subáreas dessa disciplina, teóricosinvestem na compreensão de diferentes reaçõesaos processos de mudança, sua direção e suasconsequências. A resistência é apenas uma de-las. Outras são a ruptura (ou descontinuida-des), a continuidade e até mesmo a “invençãode tradições”, fenômeno que combina conti-nuidade e descontinuidade, conforme demons-trado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger,2012. Tomamos a resistência dos sitiantes à ex-

pansão da cana-de-açúcar, inicialmente, comoum dado, um fenômeno colocado, demonstra-do num primeiro momento, por meio da or-ganização dos dados secundários do IBGE queapontaram: a) a já mencionada desconcentra-ção fundiária; b) um percentual de 91% de pro-priedades cuja “condição do produtor” é a de

“proprietário”; c) uma expansão recente e bas-tante localizada da produção de cana-de-açú-car, embora a microrregião de Jales estivesse,desde a década de 80, cercada por usinas su-

2 No corpo da tese pode-se acessar a discussão sobre as estratégias de extração de rendimentos que acompanha essa forma de re-muneração.

Page 6: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 6/22

87

croalcooleiras3; d) a representatividade das ati-vidades do setor primário, o maior produtor devalor e empregador da região, alcançando, em

mais da metade dos municípios, o volume de40% a 50%4; e) um volume relativo de popula-ção rural bastante significativo (13%), se com-parado ao índice do Estado de São Paulo (4%)e do Brasil (16%).

 O universo de relações que nos foi su-gerido pela análise de tais dados apontou para

a persistência da agricultura familiar na região. A observação direta de tais relações, o desve-lamento de seus significados, apontou para es-sa persistência como uma forma de resistência,num sentido muito próximo daquele tratadopor Scott (2002) em seus estudos sobre a resis-tência cotidiana, ou no sentido das estratégias

defensivas de Wolf (1976), enquanto ações quese desdobram cotidianamente no sentido deconstruir arranjos menos desfavoráveis à repro-dução da vida, e que se manifestam em seus di-ferentes domínios (como a cultura, a economia,a política, as relações sociais), de diferentes for-mas, mais ou menos organizadas, de maneiracompletamente endógena (com a participaçãode um único grupo ou classe), ou com a parti-cipação de membros externos (como membrosde instituições públicas ou privadas, religiosasou seculares).

 A compreensão das razões pelas quais sepreservou no extremo noroeste paulista, umapequena agricultura familiar e diversificada emmeio a um contexto de predomínio e expan-são da monocultura da cana-de-açúcar destina-

da à indústria de açúcar e álcool, levou-nos aum universo de significado e normatividade queencontra explicação, num primeiro momento,

tomando-se como referência o passado, ou, emoutras palavras, observando-se os traços de con-tinuidade que aproximam os sitiantes de Jalesao grupo daqueles sujeitos históricos definidosem suas características mais gerais como cam-poneses. Um conjunto de normas, de noções dejustiça, de bom e até mesmo de belo, quase sem-

pre opostos àqueles representados pelo agrone-gócio, foram expressos pelos sitiantes em dife-rentes momentos: nas práticas produtivas, nosdiscursos críticos proferidos, nas pequenas re-beliões e ações políticas, na manifestação deseus sentimentos quanto ao sentido das mudan-ças sociais vivenciadas. Compreendemos, en-tão, que o conflito que se inaugurou na regiãocom a chegada da Usina é, também, um conflitomoral, entre diferentes modos de vida que temem sua base um quadro de referência normati-vo distinto e, tantas vezes, oposto.

 Os fenômenos e relações que observá-vamos em campo sugeriam, desse modo, umaaproximação com as noções de “economia mo-ral” de E. P. Thompson (1998), e, mais pre-cisamente, com a noção de “economia moralcamponesa” de James Scott (1976). Enquan-to o primeiro autor utilizou o termo para ex-plicar, sobretudo os costumes relativos à vendados alimentos e as rebeliões que se opuseram àliberalização do mercado, James Scott, ao tra-tar especificamente da população camponesa,para a qual a questão da subsistência depende

3 Na mesorregião de Araçatuba (localizada ao Sul da MRG de Jales) encontramos cerca de 20 usinas instaladas, e, na mesorregiãode São José do Rio Preto (onde está localizada também a MRG de Jales), encontramos pelo menos mais duas dezenas de Usinas.Grande parte delas instalou-se na região nas décadas de 1980 e 1990 impulsionadas pelos programas PROÁLCOOL e PROOESTE.

4 Conforme estudo realizado por Nardoque (2007). Podemos supor que apenas em dois destes a usina sucroalcooleira seja omaior empregador: Mesópolis e Populina.

Page 7: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 7/22

88

do acesso à terra, ampliou o universo dos cos-tumes que podem ser definidos como “econo-mia moral”, alcançando, então, as regras relati-

vas ao uso da terra e o direito de acesso a seusprodutos (Thompson, 1998, p. 259).

 Do estudo realizado por James Scott(1976) sobre os camponeses da Malasya toma-mos uma primeira reflexão sobre o conteúdo es-pecífico da “economia moral camponesa”. Parao autor, esta é composta de valores morais que

anunciam noções particulares de justiça, de leise obrigações e de reciprocidade. A ética da sub-sistência que é derivada dessas noções anuncia aprecedência da garantia da reprodução materialdo grupo à maximização dos lucros, princípioque guia, por outro lado, as estratégias do ca-pital. Desse modo, o camponês é, antes, guiado

pelo princípio da confiabilidade, pela constru-ção de estratégias que visem diminuir os riscosà subsistência do grupo. James Scott observouque tal ética é produto de um aprendizado prá-tico e moral realizado no transcorrer da histó-ria desse sujeito histórico, de geração a geração.Nas sociedades pré-capitalistas foi mobilizada,

sobretudo, pelo medo da escassez do alimen-to, da fome; nas sociedades mercantis e capita-listas, pelo temor da dependência, que cresciacom as taxações, o inquilinato, a dinâmica dospreços dos alimentos e dos custos de produção.E se materializa em diversas técnicas de produ-ção, como a diversificação agrícola, a rotaçãode culturas, técnicas particulares de plantio, de-senhadas pelas tradições locais durante séculosde tentativa e erro, a fim de produzir a mais es-tável e confiável maneira de lidar com os fatoresde produção diante das circunstâncias. Os valo-res comprovados dessas técnicas é o que conce-de aos camponeses o que James Scott denomi-na de “tenacidade brechtiniana” (Scott, 1976,

p. 2-13). Ademais de dirigir as técnicas de pro-dução, a economia moral anuncia também re-gras de reciprocidade e estratégias particulares

de transmissão da posse da terra. Sugerimos os princípios que guiam a

economia moral camponesa, por serem captu-rados nos momentos e relações anunciados aci-ma, além de serem percebidos através da ex-pressão dos sentimentos, como o sofrimento eo sentimento de pertença (ou de identificação).

No prefácio de Moral Economy of Peasant, Ja-mes Scott anuncia ter assumido os sentimentos,ou a dor, como forma de expressão do con-teúdo moral da ética da subsistência (1976, p.VII). No mesmo caminho, Luc Boltanski erigeos sentimentos como prova existencial do desa-juste entre um estado de coisas e suas represen-

tações simbólicas, vivenciados em períodos dedrásticas mudanças sociais (Boltanski; Chiapel-lo, 2009). Os sofrimentos podem ser tomados,assim, como uma contradição hermenêutica (aonível dos sentidos).

 Por outro lado, observando as práticasculturais, rituais e cotidianas, de grupos cam-

poneses podemos compreender os significados,por um lado, transcendentais e religiosos quecircundam o tema da produção e consumo dealimentos e, por outro, os processos de identi-ficação constituídos ao redor do alimento, daterra, e daquele espaço de relações. Uma ex-tensa literatura, brasileira e internacional, to-ma a alimentação como um dos caminhos pa-ra se compreender um modo de vida particular,de que é exemplo o trabalho de Antônio Candi-do, que afirma ser possível observar, através doestudo da alimentação, “um traço de continui-dade nas relações entre um grupo e seu meio”(Candido, 1971, p. 28-29). Também na carac-terística e no relevo particular atribuído aos

Page 8: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 8/22

89

momentos de lazer e sociabilidade, incluindo aías festividades, o sentido moral contido na eco-nomia moral camponesa se revela. Para Antô-

nio Candido, uma das características da cultu-ra caipira (ou do camponês rústico paulista) é apreservação de “certa margem de lazer”, cons-tituída, entre outras explicações, como expres-são de liberdade, de negação da submissão, ne-gação que tem como pano de fundo a condiçãopreterida vivenciada durante a escravidão (p.

84-85). Este é um princípio analítico que ilumi-na também a explicação da necessidade de ne-gação da condição de colonos vivenciada pelosascendentes dos sitiantes de Jales.

 A resistência cotidiana do camponês éestruturada pela via de uma organização par-ticular de práticas cotidianas, sustentadas por

valores morais, sobretudo porque a via da re-sistência aberta lhe é interditada por diferentescaminhos: pela descontinuidade das mudan-ças que atingem diferentes grupos, em diferen-tes momentos; pela exploração indireta, já queo camponês não é efetivamente integrado noprocesso produtivo; por tratar-se de uma classe

complexa e justaposta, o que obscurece a com-preensão dos múltiplos interesses e formas desubmissão; por fim, pela repressão real ou po-tencial que lhe atinge (Scott, 2002, p. 16-17).Este último elemento (a violência) é compreen-dido por Florestan Fernandes como uma dascaracterísticas estruturais do capitalismo agrá-rio brasileiro. Tendo como principal fonte deacumulação a exploração de formas não-capi-talistas de produção, ou, em outros termos, aacumulação primitiva permanente, o “uso in-dissimulável da violência” é o instrumento paraimpedir que “as infra-estruturas pré ou sub-ca-pitalistas se esboroem, arruinando assim as ba-

ses materiais do tipo de acumulação que reali-zam” (Fernandes, 1972, p. 148).

Por tais razões é que a resistência cam-

ponesa, quando confrontada com diferentesformas de poder e dominação, se estrutura so-bretudo por vias indiretas, sutis e disfarçadas.Uma destas formas é a desistência, ou a  sabo-tagem. A recusa a integrar-se aos circuitos deprodução estruturados a partir das grandes fa-zendas, ou das agroindústrias, expõe tais expe-

riências ao risco do completo desmantelamen-to. Foi por essa razão que o governo colonialda Malasia procurou desencorajar a produçãode borracha realizada pelos camponeses, quepoderia competir com o setor de plantationsem ascensão (Scott, 1976, p. 12-13). Estudan-do o caso dos indígenas de Otavalo, no Equa-

dor, Tanya Korovkyn (2002, p. 122) remetetambém à estratégia de desistência por eles em-preendida: diante do avanço da formação defazendas naquelas que antes eram terras de usocomum, ao invés de permitir que fossem trans-formados em trabalhadores permanentes da-quelas (o sistema de huasipungo) os campone-ses seguiram extraindo seu sustento de suas pe-quenas parcelas de terra, limitando sua intera-ção com a fazenda a um serviço de apenas doisdias por semana (o sistema yanapa). Na esteirade tais reflexões, sugerimos que a recusa dos si-tiantes de Jales em encerrar contratos de arren-damento com a Usina sucroalcooleira pode, sepraticada em larga extensão, colocar em risco aexpansão da cana de açúcar na região.

 Outra forma indireta de resistência é odiscurso oculto. Segundo Scott (2002, p. 12;2004, p. 20-11), “cada grupo subordinado pro-duce, a partir de su sufrimiento, um discursooculto que representa una crítica del poder a es-paldas del dominador”, ou, melhor dizendo, ele

Page 9: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 9/22

90

é a insinuação de uma crítica ao poder ao mes-mo tempo em que mantêm-se protegido peloanonimato. Exemplos de discursos ocultos são

os rumores, os boatos, os contos populares, ascanções, os gestos, as piadas, o teatro popular, adissimulação, a ignorância fingida, a sabotagem,o boicote, a fofoca, a difamação (Scott, 2002,2004). Para Scott (2002, p. 28), se por um la-do estas formas de resistência não podem, isolar,ganhar batalhas, e se lhes falta coordenação, por

outro, ganham em flexibilidade e persistência. Muitos autores relegam este tipo de re- sistência cotidiana a um papel secundário, su-bestimam seu potencial. Denominam tais resis-tências, tantas vezes, de resistência passiva pornão alcançarem a efetiva transformação da na-tureza das relações e fenômenos que nega (Me-

nezes, 2002, p. 43). É evidente que há ambigui-dade nestas formas de resistência: se elas nãoalteram radicalmente as relações de domina-ção, contribuem em alguma extensão para suareprodução. Sua intenção é, sobretudo, possibi-litar a sobrevivência dentro do sistema, na ex-pressão de Scott (2002), ou trabalhar no sen-

tido das desvantagens mínimas, no sentido deHobsbawn e Ranger (2012, p. 30). Por outrolado, a pressão dessas formas de resistência aca-ba dando forma às transições, impondo limi-tes ao capital, tal como demonstrado pelo es-tudo de Korovkin (2002). Thompson (1998, p.192) fala da força dos motins no final do sécu-lo XVIII no sentido de forçar os fazendeiros aencontrar um meio-termo entre o preço econô-mico elevado do mercado e o preço moral tra-dicional determinado pela multidão. Atento aprocessos como esse, James Scott critica a dife-renciação entre “resistência real” e formas epi-fenomênicas de resistência, ou resistências inci-dentais. Para ele, até mesmo aquelas ações in-

dividuais e não organizadas precisam ser tra-tadas como parte de um processo sem o qualnão é possível, por exemplo, explicar o sentido

das revoluções modernas. (Menezes e Malago-di, 2011, p. 19-20).

Os camponeses, por outro lado, são con-siderados, por perspectivas de um estruturalis-mo estreito, sujeito passivo e conservador qua-se “por natureza”, um obstáculo à mudança(Ploeg, 2008, P. 33-34) ou um “contribuir mais

ou menos anônimo” (Scott, 2002, p. 11), asso-ciado à classe da burguesia rural, reduzido a ca-racterísticas derivadas do “modo de produçãocapitalista” e suas insurreições julgadas tantasvezes como ações pré-políticas (Martins, 1981,p. 27-28). Thompson (1998, p. 186), de outromodo, percebeu em suas investigações que os

camponeses eram tantas vezes menos passivose menos inertes que os trabalhadores das fa-zendas por estarem menos enredados nas teiasda sujeição direta. Ploeg (2008, p. 7) percebe omodo de vida camponês como uma crítica ma-terializada. Sua existência, por si mesma, negavalores que são próprios da lógica capitalista.

Estes e outros autores (como Menezes, 2002;Menezes; Malagodi, 2011; Wanderley, 2009)entre outros, caminhando na contramão do fa-talismo que anuncia “a morte do campesinato”,fadado a proletarizar-se ou a converter-se emcapitalista, buscam os traços de continuidadedeste grupo que se mantém ademais da neces-sária integração ao mercado, e destacam o pa-pel ativo destes sujeitos na construção de suasestratégias de reprodução. Os resultados da in-vestigação que realizamos em Jales, que se po-derá acompanhar a seguir, nos levaram a esta-belecer um diálogo constante com tal perspec-tiva teórico-analítica.

Page 10: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 10/22

91

 E advertimos, por fim, que a resistên-cia cotidiana camponesa se alimenta não ape-nas do passado, daquele acúmulo de conhe-

cimentos de que é expressão a economia mo-ral e a ética da subsistência, do conjunto de va-lores e normas construídas e transmitidas porseu grupo particular, mas também de valoresmodernos cujos princípios se encontram comaqueles anunciados por seus ascendentes. Foi apartir de algumas das críticas a Scott retoma-

das por Korovkin (2002) que nos detivemos apensar sobre tal questão. O autor mostra queKerkvliet (1990, p.103), ademais de utilizar-sedo termo “resistência cotidiana”, compreendeque os protagonistas destas não são inspiradostão somente pelo passado, mas incorporam ele-mentos modernos em seus discursos, reclaman-

do, por exemplo, dos direitos de cidadania edas responsabilidades do Estado Nacional. Nocaminho de tais reflexões, observamos que ascríticas dos movimentos ambientalista e traba-lhista incorporadas mais recentemente pelo Es-tado retroalimentam a defesa que fazem os si-tiantes de seu modo de vida, e a crítica presen-te em seus discursos à expansão recente da ca-na-de-açúcar na região.

3. AS ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO MA-TERIAL COMO FORMAS DE RESISTÊNCIACOTIDIANA

Parte da investigação realizada recaiu so-bre os impactos da recente expansão da cana namicrorregião de Jales, buscando compreenderas estratégias de reprodução material, que re-metem, neste contexto, sobretudo à produçãoagropecuária, à comercialização de seus pro-dutos e à organização do trabalho. A compa-

ração entre as diferentes áreas de impacto evi-denciou, sobretudo, que aqueles sitiantes quevivem em áreas onde com mais frequência se

aderiu aos contratos de arrendamento de par-cela ou da totalidade do sítio para a produçãode cana-de-açúcar encontravam-se mais empo-brecidos, tanto porque estavam diretamente in-tegrados aos circuitos de produção agroindus-trial (os laticínios), que lhes extraía parte signi-ficativa dos rendimentos, como porque se tor-

naram excessivamente dependentes da pecuá-ria leiteira. Tal dependência foi construída noencadeamento de uma série de circunstâncias:empobrecidos, com mais frequência os filhosmigraram para a cidade e para trabalhos urba-nos; o menor número de membros vivendo naárea rural e o envelhecimento daqueles que aí

permaneceram criaram empecilhos ao cultivode agricultura intensiva e ao aumento da escalade produção; também as normas de higieniza-ção impostas pelos laticínios coibiam a diversi-ficação produtiva nas proximidades da área on-de está confinado o gado leiteiro. E, sugerimos,não apenas esta série de elementos estruturais econjunturais, mas também uma excessiva con-fiança na liquidez característica da pecuária lei-teira, combinaram-se no sentido de fragilizar asestratégias de reprodução material dos sitian-tes do entorno da Usina Colombo. Nesse senti-do, aqueles sitiantes negligenciaram (ou foramlevados a negligenciar) importantes lições da“ética da subsistência”, como a prática da di-

versificação produtiva como mecanismo de se-gurança diante das oscilações do mercado depreços agrícolas e da condição de integraçãomarginal aos circuitos agroindustriais.

 Mas foi, sobretudo, da observação dasestratégias de reprodução material daqueles si-tiantes que, a despeito dos interesses manifestos

Page 11: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 11/22

92

dos agentes da usina sucroalcooleira, seguemproduzindo uma agricultura familiar diversifi-cada, que pudemos compreender como, atra-

vés da organização da produção, do trabalho eda comercialização, se articulam estratégias deresistência cotidiana diante de um contexto queameaça a reprodução desse modo de vida. Den-tre tais estratégias, estão: a diversificação pro-dutiva, dos rendimentos e também das estraté-gias de comercialização, uma menor submissão

ao circuito de produção agroindustrial, a cons-tituição de redes de proteção que envolvem si-tiantes e comerciantes, a abstenção ao uso dofinanciamento, a transmissão de conhecimen-tos relativos às formas de produzir naquele es-paço/tempo particular, entre outros elementosde caráter subjetivo, como o gosto, a vocação,

o costume, a lembrança e o desejo de preservarcerta margem de lazer.

Os sitiantes que resistem em estabeleceruma relação de dependência direta com a usinasucroalcooleira esforçam-se, assim, por cons-truir ao seu redor um universo bastante amplode possibilidades de reprodução material, guia-

das, sobretudo, pelo princípio da ética da sub-sistência, que anuncia a centralidade da confia-bilidade, ou dos menores riscos possíveis à re-produção da família. Os sitiantes desta regiãopraticam, sobretudo, o sistema policultura-cria-ção, caracterizado pelo uso intensivo de mão-de-obra. Das 15 famílias reconhecidas por nós na-quela área mais da metade pratica mais de umtipo de produção agropecuária: 1 família realiza4 atividades: fruticultura, horticultura, gado decorte e indústria doméstica; 3 famílias diversifi-cam entre 3 atividades agropecuárias distintas,construindo cada qual diferentes arranjos entrea fruticultura, gado de leite, indústria domésti-ca, horticultura, atividade madeireira e extrati-

vista e gado de corte; 6 famílias desenvolvempelo menos dois tipos de produção agropecuá-ria, construindo diferentes arranjos. Apenas 5

famílias desenvolvem um único tipo de produ-ção agropecuária. Entretanto, se levarmos emconta o número de produtos que estas últimasfamílias cultivam, veremos que em apenas duasdelas cultivam apenas um único produto (leitee borracha, respectivamente).

Entre as famílias que desenvolvem mais

de um tipo de produção agropecuária, encon-tramos também uma intensa diversificação de produtos: uma das famílias chega a cultivar 11produtos diferentes; 2 famílias cultivam 9 tiposde produtos agropecuários comerciais; 1 famí-lia cultiva 6 tipos de frutas. As demais, traba-lham, cultivando entre 2 e 6 tipos de produtos

agropecuários distintos. Outra característica distintiva dos pe-quenos estabelecimentos da área é a presençageneralizada da produção de autoconsumo, queocupa papel importante na reprodução mate-rial e simbólica deste grupo. Quando questionoo filho de um sitiante que encontrei pela cidade

sobre a existência de produção para o consumoda família na propriedade de seu pai, ele expli-ca: “Se você chegar numa propriedade dessa enão tiver vaca de leite, galinha, porco, não é sí-tio”. Assim, todos apresentam uma significativaprodução de subsistência, que associa tipos di-versos de produção agropecuária. Os mais des-tacados são as árvores frutíferas e os galos e ga-linhas, presentes em quase todas as proprieda-des visitadas; depois surgem as hortas domésti-cas, que incluem os legumes, as verduras e as er-vas aromáticas, encontrados em 10 das 15 pro-priedades; o gado de leite e gado de corte foramencontrados em 4 das 15 propriedades e os ce-reais e leguminosas (milho e feijão), em 3 pro-

Page 12: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 12/22

93

priedades. Destacamos, ademais, que os produ-tos comerciais destes sítios são também consu-midos pelas famílias. Sendo a produção comer-

cial bastante diversificada, incrementa, certa-mente, a alimentação da família.Quanto à diversificação dos rendimen-

tos que possibilitam a reprodução dos sitian-tes da região, embora apenas 4 das 15 famíliascom as quais estabelecemos contato não rece-bam rendimento algum de natureza não-agrí-

cola, as rendas agrícolas, para todas elas, são asmais elevadas, e possuem maior importância nareprodução do grupo, o que sugere que o qua-dro observado na MR de Jales se afasta da ten-dência anunciada por alguns autores de aumen-to da pluriatividade e das rendas não-agrícolas(Silva; Grossi; Campanhola, 2002, p. 39) no

campo brasileiro. As rendas não-agrícolas, detodo modo, compõem as estratégias de diversi-ficação dos rendimentos, que são: o recebimen-to de aposentadoria (12 dos 15 sítios), o em-prego urbano (para 7); o aluguel de imóvel ur-bano (para 4); o arrendamento de parte da pro-priedade rural (para 2), o artesanato (para 2).

 A estratégia da diversificação para di-minuir a situação de dependência alcança tam-bém o momento da comercialização. Enquan-to na área onde a produção da cana se expan-de os pequenos sitiantes estão sujeitos ao es-tabelecimento de relações comerciais com umgrupo pequeno de empresas agroindustriais (al-guns poucos laticínios, a usina sucroalcooleira,alguns abatedouros ou outros intermediários),na região onde predomina a agricultura fami-liar e diversificada os sitiantes possuem amplaspossibilidades de relações comerciais, as querepresentam diferentes níveis de subordinação:produtores de alimentos que serão consumidosin natura  (como as frutas e hortaliças, e cer-

ta quantidade de leite) vendem seus produtosa intermediários, (os marreteiros), vendedoresambulantes (que utilizam as carriolas ou char-

retes), a distribuidoras de alimentos (sem o in-termédio dos marreteiros), diretamente ao con-sumidor, nas feiras livres da região, ou para oEstado, para a alimentação escolar ou de bene-ficiários de serviços públicos (através do Pro-grama de Aquisição de Alimentos). Alguns (3das 15 famílias) vendem, também, produtos de-

rivados da indústria doméstica. Há, ainda, al-guns produtores de leite, que estão, por isso,numa relação de subordinação mais intensa emrelação às indústrias de alimentos, todavia ape-nas em 1 dos casos trata-se do único tipo deprodução agropecuária mantida na proprie-dade. Vimos, assim, que se não é dado àque-les sitiantes o “poder de recusa” (WOLF 1976,p. 69), ao menos tais sitiantes podem escolhercom qual destes agentes do mercado estabele-cerá relações. O mecanismo da diversificaçãono momento da comercialização é mobilizado,sobretudo, em função das reservas de longa da-ta que tal sujeito histórico possui com os agen-tes do mercado (Thompson, 1998, p. 156). Pa-ra resguardar-se cria, então, uma rede de rela-ções de confiança entre os sitiantes e entre elese alguns agentes do mercado.

 Outras experiências de redução da si-tuação de dependência foram desenhadas naregião, por exemplo, nas tentativas de fugir àinevitabilidade da submissão aos pacotes tecno-lógicos por meio da agricultura orgânica ou na-tural, embora sejam casos isolados. Poderíamosincluir, ainda, algumas mudanças técnicas decorreção e conservação do solo, implementa-das em alguns sítios da região com a orientaçãodos técnicos do CATI, outro exemplo das es-tratégias de resistência cotidiana, na medida em

Page 13: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 13/22

94

que buscou reduzir os impactos da agricultu-ra intensiva baseada nos pacotes tecnológicos,possibilitando que os sitiantes se mantenham

vivendo e produzindo naquelas terras por maistempo. A importância destas e outras medidas,implementadas ou estimuladas pelo CATI (co-mo a diversificação produtiva), apontam para opapel de agentes do Estado na construção dasestratégias de resistência cotidiana.

 O solo sobre o qual se desenvolvem tais

estratégias é, sem dúvida, a construção de co-nhecimento, formais e informais, transmitidosatravés das gerações. No caso dos sitiantes de

 Jales, as diferentes gerações tiveram papéis di-ferentes nesse processo de construção/transmis-são de conhecimentos: os membros da primei-ra geração foram os que enfrentaram os primei-

ros desafios daquele novo espaço de vida e pro-dução, enfrentamento realizado a partir dos co-nhecimentos prévios sobre a agricultura adqui-ridos da experiência pessoal em seus países/re-giões de origem e também de experiência trans-mitida; a segunda geração, quase toda nascidajá naquele espaço, cristalizou os modos particu-

lares de produzir, trabalhar e comercializar na-quele tempo/espaço, e implementou importan-tes mudanças técnicas na produção agroindus-trial; os membros das terceira e quarta geraçõesalcançaram o ensino médio e técnico, enquantopara alguns este foi um caminho para abando-nar a pequena agricultura, para outros represen-tou a profissionalização nesta atividade. Partesignificativa daqueles que alcançaram os níveistécnico e superior optaram por cursos relacio-nados à grande subárea das Ciências da Terra,relacionadas ao desenvolvimento técnico e cien-tífico da agricultura, como a área da agronomia.

 As consequências deste processo são um tantoambíguas: se por um lado, serviu para reforçar

o modelo produtivo baseado na Revolução Ver-de, por outro, possibilitou que estes jovens rea-lizassem a mediação entre o agricultor tradicio-

nal e o especialista dos estudos agronômicos de-senvolvendo investigações que caminhavam nadireção dos interesses de tais sitiantes, buscan-do soluções para limites técnicos relacionados aseu estágio específico de desenvolvimento e aocontexto climático e geofísico específicos do no-roeste paulista. Tantos destes filhos de sitiantes

que alcançaram nível superior e técnico empre-garam-se nos escritórios do CATI e nas secreta-rias municipais de agricultura, aproximando, deoutro modo, os sitiantes e o Estado.

 Por fim, estas estratégias de reproduçãomaterial, que compõe a resistência cotidiananão são construídas, apenas, por meio de um

aprendizado de longo prazo que tem em suabase um cálculo objetivo que busca, sobretudo,evitar as situações de risco (ou o princípio daconfiabilidade, que está na base da ética da sub-sistência). Tantas vezes, as estratégias de pro-dução são guiadas por critérios subjetivos, queremetem também, a uma relação de identifica-

ção particular construída com a atividade agro-pecuária. Assim, a “paixão”, o “costume”, “ogosto”, “o apego”, a “vocação”, a “lembrança”são erguidos em diversos dos discursos de si-tiantes para explicar as razões pelas quais man-tém determinados cultivos, alguns dos quaisnem mesmo são apontados entre os que pro-porcionam maior rentabilidade na região, dãoprejuízo ou é como “trocar cebola”, expressãoproferida por uma sitiante que, traduzida parao contexto da produção agrícola, significa queos rendimentos obtidos com a venda do produ-to são suficientes apenas para cobrir seus cus-tos, sem proporcionar um lucro líquido. Suge-rimos, portanto, que tais processos de identifi-

95

Page 14: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 14/22

95

cação sejam levados em conta, ademais, na aná-lise daquilo que mobiliza as estratégias de resis-tência cotidiana.

4. REBELIÕES, BOATOS E RESISTÊNCIACOTIDIANA

 Tal qual anunciado por James Scott, en-tre camponeses as lutas abertas, de enfrenta-mento direto, são estratégias das menos aciona-das, pelas razões já elencadas. O caso dos sitian-tes de Jales não foi diferente. De todo modo amemória que guardam os sitiantes das rebeliõesdo passado reforçam sua relação de pertenci-mento e identificação com o sítio, este patrimô-nio da família adquirido, depois de uma longajornada de trabalho penoso, submetidos a toda

sorte de exploração. Por outro lado, enquan-to forma de rebelião silenciosa, os boatos quecirculam pela região condenando a atuação daUsina acentuam as diferenças, do ponto de vis-ta normativo, entre o modo de vida sitiante e aorganização social que deriva da usina sucroal-cooleira, anteveem consequências calamitosas

para a cidade, o campo, a terra, e, deste modo,reforçam um clima de indisposição dos sitiantespara permitir a entrada da Usina na região pe-la via do arrendamento. Tais boatos, desse mo-do, retroalimentam-se do conteúdo da econo-mia moral deste grupo particular de campone-ses e compõe parte das estratégias de resistên-

cia cotidiana, direta ou indiretamente. Retome-mos, então, sumariamente, tais formas de resis-tência encontradas na microrregião de Jales.

 As primeiras formas de rebelião registra-das foram às conhecidas como as Revoltas doCapim, ocorridas entre as décadas de 50 e 60,quando um grupo de posseiros, aqueles que ti-

nham sido expulsos da terra pelos grileiros, ar-rancaram todo o capim das terras onde traba-lhavam para protestar contra a espoliação e o

iminente despejo (Murumatsu, 1984). Entre-tanto, embora tenham vivido na região no mes-mo período em que chegaram aqueles que setornaram pequenos proprietários, trata-se deum grupo distinto, e não encontrei memória al-guma daquele luta preservada entre os sitian-tes de hoje.

Enquanto os posseiros lutavam de um la-do, sitiantes recém-chegados também iniciavamrebeliões contra os abusos de grileiros. Nas de-nominadas Glebas 41a e 41b da Fazenda Pon-te Pensa (onde estava antes contida toda a MRde Jales), área correspondente aos bairros Cór-rego do Manuel Baiano e Córrego do Coquei-

ro, armou-se, no começo da década de 50, umconflito pela posse da terra entre grileiros e pe-quenos proprietários em função de uma dispu-ta entre aqueles. A posse dos quinhões de ter-ra adquiridos (em juízo) por Euphly Jales em1934 como pagamento por serviços prestados enão recebidos no ano de 1929 foi questionada

por um suposto antigo proprietário delas, Alci-des do Amaral Mendonça. A causa é dada a es-te último, que conseguiu reaver as posses parao seu domínio, e isso depois de Euphly já as ha-ver vendido para os sitiantes e, portanto, ter re-cebido pagamento por elas. Com a reversão doprocesso, os sitiantes foram cobrados em juízo,e coagidos, a pagar novamente pela proprieda-de da terra para assegurar a posse (Nardoque,2002). Parte dos sitiantes, temerosos em fun-ção do conteúdo das ameaças dos capangas quecirculavam em seus jipes pelas estradas de ter-ra representando o poder do proprietário legaldelas, venderam partes do sítio e algumas vezes

96

Page 15: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 15/22

96

um rebanho todo de gado para pagar novamen-te pela posse da terra. Outro grupo, reconheci-do pelo nome de Grupo dos 13 (esse era o nú-

mero de sitiantes, ou famílias de sitiantes, queo compunha) resistiu à pressão dos proprietá-rios legais, organizando pequenas barricadas nafrente das casas, em resposta à pressão de seusjagunços. A fala de Maria Machado, a seguir,dá vida e detalhes àquele momento:

Quando eu tinha dois, três anos eu via meupai reunir agricultores pra não pagar as ter-ras, meu pai liderou os agricultores pra nãopagar a terra de novo. (...). Eu nasci nes-se conflito de terra, e pagava ou não paga-va as terras de novo, e meu pai liderou. Erauma quantidade de terra! Eram 612 pro-prietários, meu pai foi liderando e a pres-

são era grande. Cada vez que pressionavam,um grupo fazia acordo e pagava. E meu paie minha avó firme e forte: “Nós não vamospagar!” (...).  Essa questão é muito bonita,uma luta pela permanência na terra. Por is-

 so minha família tem essa vocação de não perder a terra, porque não foi só chegar da Bahia e comprar terra, foi a luta e resistên-cia pra não perder a terra5. Cada vez que vi-nha uma ordem que tinha que fazer acordocom os Mendonça, que os Mendonça que-riam receber a terra de volta, meu avô resis-tia, botava todos nós em frente de casa, pas-sava o jipe e estava aquela meninada todana casa do meu avô. Na casa do meu avô ojipe não parava, porque sabiam que lá tinhamuita gente, eles eram só três ou quatro no

jipe. (Entrevistas realizadas em 20/07/2010e 23/09/2010).

 Mais tarde, um grupo de 11 sitiantes,daqueles que haviam pagado uma segunda vez

pela posse da terra, abriu um processo contraa cobrança efetuada pelos Mendonça, a fim dedesvinculá-los das consequências da peleja le-

gal entre os grileiros e, assim, reaver os valo-res despendidos naquele segundo pagamento. A causa teve veredicto desfavorável aos sitian-tes em primeira instância, em Jales, mas favo-rável em segunda e terceira instância, em SãoPaulo e Brasília. Em meu último contato com orepresentante desse grupo, Eduardo Akamatsu,

em 2012, soube que as famílias aguardavam aque se iniciasse a negociação com Minerva Ja-les, esposa do falecido Euphly Jales.

 Além da extorsão praticada pelos gri-leiros, os sitiantes ficaram expostos à extorsãopraticada por outros agentes do capital, comoos intermediários, agroindústrias, indústrias de

insumos agrícolas, entre outros. E, por diver-sas vezes e de diferentes formas, demonstraramuma consciência bastante clara da sua condiçãode sujeição, poucas vezes lograram organizar-seem rebeliões contra ela. Uma delas foi a grevedo leite que aconteceu na década de 90, quan-do os sitiantes protestaram contra a baixa re-muneração do litro de leite oferecido na épocapelos laticínios, bloqueando a passagem dos ca-minhões de transporte do produto por mais deuma vez. Outra rebelião aconteceu mais recen-temente, protestavam contra as consequênciasda expansão da monocultura da cana na região.Sitiantes revoltosos procuraram, sobretudo, ascâmaras de vereadores dos municípios da regiãopara protestar contra o descuido da usina su-croalcooleira, quanto ao destino da vinhaça, umresíduo da cana que, acumulado, fez proliferara presença da mosca do estábulo. A narrativa deSérgio Nishimoto, a seguir, explica a peleja:

5 Grifo da autora.

97

Page 16: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 16/22

97

Nós tivemos um problema sério ano passa-do com mosca de estábulo. O pessoal quismatar os usineiros! Nós tivemos uma reu-nião em Mesópolis e eu nunca vi aquela Câ-

mara tão lotada. E a revolta foi grande, opessoal estava muito tenso. (...). Aconteceuem Mesópolis, Ouroeste, Fernandópolis...Em todo lugar que tem cana por aqui. Anopassado choveu muito e daí proliferou mui-to a mosca do estábulo. (...) Como choviamuito, eles [os funcionários da usina] nãofaziam o trabalho que tinha que ser feito,

que era chegar lá, pegar na usina essa vi-nhaça, ia na propriedade e irrigava. Comochegava na propriedade, vamos dizer assim,atolava [o trator, por causa da chuva], elessoltavam nos sulcos, e concentrava demais.Na nossa região a colheita é totalmente me-canizada, então sobra muita matéria orgâ-nica. A matéria orgânica com essa vinhaça

faz aquele curtidão. Então aí a mosca de-posita os ovos, onde vira larva e proliferamuito, muito, muito! (...) Tinha pessoas as-sim... só vendo. A fisionomia de alguns se-nhores de idade falando que eles tinham in-vadido o município, querendo expulsar, umtom de conversa assim... Até chorando lá(...), querendo abandonar... Porque elas co-meçavam a atacar as pessoas, essas moscas.É uma picada, tipo rasga, mas é doido de-mais! Você precisava ver os cachorros. Asvacas, elas não comiam, se aglomeravam, depreferência, dentro da lama, porque o ata-que era nas pernas, e tinha vaca que esta-va meio fraca e estava morrendo. (Entrevis-ta com Sérgio Nishimoto, 22/06/2010, Me-sópolis/SP).

 Outra forma de rebelião contra a atua-ção da Usina instrumentalizou-se a partir doEstado e das instituições públicas locais. Repre-sentantes de diferentes setores rurais (entre en-genheiros agrônomos da CATI, representantesde cooperativas e sindicatos rurais, dentre al-

guns sitiantes) reunidos no Conselho Munici-pal de Desenvolvimento Rural, depois de umadiscussão sobre as consequências da chega-

da da Usina Colombo na região (suscitada pe-lo requerimento do “certificado de conformi-dade do uso do solo” feito pela usina Colom-bo), sugeriram aos representantes políticos lo-cais que criassem uma lei municipal que limi-tasse a expansão da monocultura da cana naregião. O projeto de lei foi, então, elaborado

pela vereadora Aracy de Oliveira Murari Car-dozo (naquele momento Presidente da Câma-ra), aprovado pela Câmara dos Vereadores em24/03/2008 e a lei é, então, regulamentada em26 de março de 2008, sob o número 3.396. Elasugere que o plantio de cana-de-açúcar destina-do à indústria sucroalcooleira fique limitado a10% da área agricultável do município, e quetoda nova área de plantio esteja sujeita à auto-rização da Secretaria Municipal de Agricultu-ra, Pecuária, Abastecimento e Meio Ambientedo município. A regulamentação da lei, poste-riormente, deu causa ao processo de improbi-dade administrativa contra o prefeito de Jales,aberto pela mesma presidente da câmara dosvereadores, acusado de não criar instrumentosde fiscalização do cumprimento desta lei e tam-bém de outras leis municipais, referidas a ou-tras questões de ordem pública. Mais recente-mente, já em princípios de 2011, outra tensãoé gerada, quando o Grupo Noble (proprietá-rio da Usina Colombo) ingressa, no Tribunal de

 Justiça de Jales, com um “mandato de seguran-ça” contra o secretário da agricultura, AfonsoVoltan, que havia indeferido um pedido admi-nistrativo de autorização para o plantio de ca-na-de-açúcar em áreas do município de Jales,solicitado pelo Grupo, com base no disposto nocorpo daquela lei. O juiz local, Eduardo Hen-

98

Page 17: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 17/22

98

rique de Moraes Nogueira, indefere o pedido,mas os representantes públicos locais já supu-nham que o Grupo Noble daria continuidade

ao processo, na busca por provar a inconstitu-cionalidade da lei municipal que limita a ex-pansão da cana, já que são reconhecidos prece-dentes para este tipo de julgamento6.

 Se o Direito e o Poder Judiciário, en-quanto espaço de luta de classes, têm desfavo-recido as causas dos sitiantes, estes se utilizam

da estratégia do discurso oculto para deslegiti-mar a presença da Usina. Circulam pela região,nas rodas de conversa que acontecem pelos ba-res, nas reuniões familiares, nos encontros deassociações e cooperativas, nos locais de traba-lho, nas filas de bancos, nos salões paroquiais,diversos boatos a respeito das consequências da

expansão da cana em seus diferentes aspectos.Os sitiantes prenunciam a irreversibilidade dadestruição realizada nas pequenas propriedadespelos tratores para a implementação do cultivoda cana. Pensam eles: “E se for necessário re-tornar à atividade agropecuária? Como recons-truir todas as estruturas?” Arrendar, desse mo-do, é ação que contraria os princípios da éticada subsistência. Por outro lado, observam a re-lação utilitarista que a usina estabelece com aterra, com a água, com as estruturas urbanas etambém seus trabalhadores, o que resulta nu-

ma relação de pouca ou nenhuma responsabi-lidade para com as consequências de sua atua-ção sobre estes sujeitos e estruturas. Esta última

observação é herança, não resta dúvida, da ca-racterística local e regional da economia moralcamponesa, conforme anunciados por Thomp-son e Scott. Os temores se convertem na bocade sitiantes e citadinos, em afirmações categó-ricas sobre os modos de agir da Usina, que têma função de advertir a população local e man-

tê-la de sobreaviso. Sugerimos, então, que taisboatos alimentam, direta ou indiretamente, asestratégias de resistência cotidiana.

5. REPRODUÇÃO SIMBÓLICA E RESISTÊN-CIA COTIDIANA

 Ao final do trabalho de reflexão propo-mos que uma espécie de “sentimento de rurali-dade”, termo inspirado no “sentimento de lo-calidade” de Antonio Candido (1971, p. 62) dadécada de 50, tem papel importante na perma-nência dos sitiantes para continuarem viven-do e produzindo no campo. E que este senti-

mento é responsável pela configuração, na re-gião, de uma “trama social e espacial” predo-minantemente rural (Wanderley, 2009). Ade-mais, do fenômeno da migração campo-cidadee do fortalecimento do fenômeno urbano, tal

6 O primeiro caso conhecido a respeito é o da imputação de “inconstitucionalidade” à lei 5200/2006, que restringia o plantio de

cana-de-açúcar no município de Rio Verde-GO a 10% da área agricultável de cada propriedade agricultável. A sentença do juiz, se-gundo SCHUTZ (2001), inicia seu argumento afirmando reconhecer o interesse do município em assegurar “manutenção dos ele-vados índices de desenvolvimento que a economia graneleira já instalada na comuna tem proporcionado”. E segue: “Entretanto,por se tratar de assunto de repercussão geopolítica e estratégica mais ampla, mormente com a anunciada falência da matriz ener-gética global baseada nos combustíveis fósseis, e a assunção pelo Brasil de liderança no mercado internacional de biocombustíveis,com destaque para o etanol, conclui-se pela predominância do interesse nacional.” Ademais desse julgamento explicitamente ide-ológico, o juiz afirma que “a limitação ao direito de propriedade inserida na lei municipal é de competência privativa da UniãoFederal, ex vi do que dispõe o artigo 22, inciso I, da Carta da República.” Há casos conhecidos de outros municípios que criaramleis que limitam a expansão da cana, como o município de Santa Fé do Sul (em 2009), nesta mesma microrregião de Jales, e o mu-nicípio de Jataí, vizinho do município de Rio Verde-GO (em 2010), onde primeiro se legislou a respeito. Suspeitamos que essesnão sejam os únicos casos conhecidos.

99

Page 18: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 18/22

99

sentimento pôde resistir em função do fortale-cimento de instituições que serviram à repro-dução de relações endógenas, como as associa-

ções de bairro, a associação nipo-jalesense, osmatrimônios entre filhos de sitiantes e o for-talecimento dos blocos familiares. Positivamen-te, pôde ser captado através do sentimento deidentificação construído entre os sitiantes, en-tre eles e seus familiares citadino, e com aque-le espaço de relações (o sítio). Negativamen-

te, por meio das manifestações de sofrimento,consequência das mudanças sociais que alcan-çam a região com a chegada da monocultura dacana-de-açúcar. Este universo de relações e deexpressões é tal qual o universo da reproduçãomaterial de que tratamos acima, carregado desímbolos e normas que povoam de sentido a re-produção da vida e alimentam as estratégias deresistência cotidiana. Retomaremos brevemen-te alguns destes elementos.

 A despeito das diferenças percebidas nointerior deste grupo, composto por famílias decaracterísticas étnicas e culturais diferentes, emvirtude da descendência ( japoneses, italianos,espanhóis e, migrantes nacionais, como os mi-neiros e nordestinos), pudemos verificar o de-lineamento de uma “identidade regional”, dehomens e mulheres que se percebem como cai-piras ou jecas paulistas, e mesmo de uma “iden-tidade nacional”, reclamada pelos descenden-tes de grupos étnicos que, todavia, nasceram ese reproduziram nessas terras. Essa porção daidentidade compartilhada, que é expressão deuma história comum, construída pelas diferen-tes gerações de cada uma das famílias, em mui-tos momentos os aproxima, os faz sentir comoparte de uma mesma comunidade de origem epermite o estabelecimento de relações afetivase de reciprocidade bastante intensas. Essa iden-

tidade é ritualizada e reproduzida em práticascotidianas e nas diversas situações de encontroentre os sitiantes, momentos de simples lazer

ou de festividades através das quais se celebraos signos que representam essa identidade.Os sitiantes desfrutam, cotidianamente,

da “margem de lazer” que resguardam por se-rem os proprietários dos meios de produção eresponsáveis pelos resultados de seu trabalho.Sentindo-se às vezes solitários, durante as horas

tranquilas à beira dos rios à espera do peixe quetantas vezes alimenta a família, e outras vezesem grupo, momento de sociabilidade e de re-forçar laços com os que os acompanham e como ambiente. É comum encontrarmos, entre ossitiantes, o hábito de prostrar-se à beira dos riospara a prática da pescaria. Também se reúnemem encontros de grupos de famílias (aparenta-dos ou não), que mantém relações estreitas deamizade e cooperação, momento chamado pormuitos na região de “churrasco da sacolinha”.Ele acontece muitas vezes no meio da sema-na, após a jornada de trabalho na lavoura. Ca-da uma das famílias traz uma parte do alimen-to e das bebidas que serão consumidas e passamhoras a conversar. Rosemari nos diz: “Churras-co é difícil há semana que você não tem. Às ve-zes tem duas vezes por semana. Um chama oscolegas, os vizinhos, os parentes... Nós fazemosa sacolinha, cada família vem traz a sua carne,sua bebida e passa as horas.”

E apesar da intensidade dos encontrosnos sítios ter diminuído com o passar do tem-po, consequência da migração de parte da co-munidade para as cidades, do aumento de ofer-tas de lazer aos jovens na cidade, e do acrésci-mo de tempo de trabalho despendido aos cul-tivos comerciais, que passam a ocupar cada vezmaior importância na reprodução das famílias,

100

Page 19: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 19/22

100

o sítio continua representando lugar de referên-cia importante para os encontros do grupo fa-miliar, na medida em que simboliza o reserva-

tório de sua história. Diversos sitiantes falaramde parentes que buscam a propriedade da famí-lia como refúgio em feriados e férias prolonga-das, quando se reencontram com o espaço dereferência que conforma parte de sua identida-de, e reforçam os laços sociais com os familiaresque, por se manterem na propriedade da famí-lia, resguardam sua memória e seu patrimônio.

Esses momentos de lazer acontecemao redor da comida e da preparação dos ali-mentos. Desse modo, também através da com-preensão dos sentidos atribuídos a eles, dos ri-tuais de preparação dos alimentos, da memóriaque carregam e dos processos de identificação

que suscitam conhecer o processo de reprodu-ção da cultura de um determinado grupo7. Osalimentos consumidos têm uma identidade, aidentidade dos sujeitos e de sua relação com oespaço: há as comidas italianas (com a panceta,o chouriço, a menestra, a tortei, a taiadela, opão, o vinho), as espanholas (o azeite, o mante-cal), as japonesas (o mandiú, o sushi, o sashimi,o missô, o tofu, o arroz japonês, o shoyo). Al-gumas são consumidas diariamente, outras ape-nas em momentos rituais, e, em tanto em umquanto em outro caso, servem não apenas parareproduzir a vida material, mas também repro-duzem a cultura e a identidade.

 A natureza das festas que acontecem naregião esclarece ao observador menos atentoo “espírito do lugar”, na medida em que ce-lebram e fortalecem as identidades, da comu-

nidade como um todo e de grupos específicos,oferecem oportunidade para a celebração deum estilo de vida, de valores compartilhados, e

frequentemente se referem ao conteúdo da vi-da material que possibilita a reprodução da co-munidade. Nas festas camponesas, “frequente-mente celebra-se a interdependência e as regrasque as governam” (Wolf, 1976, p. 132).

Na microrregião de Jales, praticamen-te, todas as festas se referem aos ciclos agríco-

las, à religiosidade, ou mesclam elementos deuma e outra. Há a Festa do Arroz, que aconte-ce anualmente desde a década de 1960, apesarde certa descontinuidade, no dia do aniversárioda cidade, em 15 de abril; a Festa da Uva, queacontece anualmente entre os meses de agos-to e setembro, período da colheita da uva que,

na região, é plantada entre os meses de junhoe julho; também a Festa do Caminhoneiro, queacontece na data comemorativa do profissio-nal motorista, no mês de julho, desde a décadade 1980, e remete, indiretamente, à produçãoagrícola ao celebrar as atividades daqueles quesão os responsáveis por fazer circular a produ-ção dos sitiantes da região. As festas religiosas,ao mesmo tempo em que evidenciam a impor-tância do catolicismo entre os sitiantes paulis-tas, são momentos de celebração que sempreremetem, indireta ou diretamente, ao calendá-rio agrícola e à agricultura. Anualmente aconte-cem: a Romaria no mês de agosto, data do ani-versário da Diocese de Jales; as festas juninas ejulhinas, quando se comemora os “dias de san-to”, se pagam promessas e se realizam as quer-messes; a Folia de Reis, que tradicionalmente

7 Além do trabalho de Antonio Candido, outros autores contribuíram com nossas reflexões a respeito, como Célia Toledo Luce-na (Saberes e sabores do país de origem como forma de integração. CADERNOS CERU  19.1 , 2008) e Sidney Mintz (Comida e An-tropologia, uma breve revisão, Revista Brasileira de Ciencias Sociais, 16.47, 2001).

101

Page 20: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 20/22

acontece entre 24 de dezembro e 6 de janeiro,relacionadas às comemorações do Natal e AnoNovo; e o Bon Odore, a comemoração do “dia

dos mortos” dos japoneses que acontece na re-gião também desde a década de 1960.

 De outra perspectiva, também os sofri-mentos evidenciam os processos de identifica-ção8, o sentido das mudanças sociais experimen-tadas pelos sujeitos e alimentam a indignaçãoque pode dar causa às ações de resistência co-

tidiana. Entre os sitiantes do extremo noroestepaulista, eles foram notados, sobretudo naque-les que, por diversas razões, se sentem forçadosa arrendar a propriedade para o plantio da ca-na-de-açúcar, como o caso de Antonio. Quan-do o visitei, há quatro havia decidido pelo ar-rendamento de suas terras para o plantio de ca-

na, decisão tomada em função do problema nacoluna que o impedia de continuar trabalhan-do e da migração dos filhos para a cidade e paratrabalhos urbanos. Todavia, frequentava a pro-priedade todos os dias. Na área de preservaçãopermanente mantinha uma pequena criação degado de corte e uma diminuta horta. Antônionão se adaptou à sociabilidade típica da cida-de, dos encontros nos bares, dos passeios pelarua, dos jogos de dominó ou baralho nas pra-ças. O caminhar até a propriedade todos os diasera o que dava sentido a seu cotidiano, mesmodepois de arrendada toda a área agricultável dosítio. E embora a cerca de duas décadas vives-se na vila, o sofrimento causado pela necessida-de do arrendamento era evidente. Quando pe-di que me levasse até a propriedade Antônio re-lutou, justificando-se que “não havia nada pa-ra ver lá”. E me convidou a conhecer sua pro-

8 Para o estudo dos sentimentos, nos foram bastante importantes as referências de Raymond Williams (2009), Nobert Elias (1994)e Boltanski e Chiapello (2009).

priedade quando ela efetivamente tinha “vida”,olhando a grande fotografia enquadrada expos-ta na sala de sua casa da vila, onde conversáva-

mos. Ficamos alguns longos minutos observan-do aquela imagem, e Antônio, enquanto narra-va a história de constituição do sítio e recorda-va os tempos em que sua família ali vivia e pro-duzia, novamente se emociona, tal como tinhase emocionado algumas vezes durante a entre-vista, quando refletia sobre a forçosa necessida-de de ter arrendado suas terras. Outros sitiantestambém se emocionaram ao relembrar os signi-ficados do arrendamento, ou a imaginar o diaem que a necessidade dele se impusesse.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 O sofrimento e a experiência de resis-tência dos sitiantes de Jales iluminam um pro-blema antigo, que se revela bastante atual: opoder dos latifundiários, fundidos agora à ima-gem do capital agroindustrial, em fazer uso doterritório e dispor, sob pressão e violência, deuma diversidade de formas de vida. Através de-

les, então, podemos observar, ademais, os tra-ços de continuidade que acompanham e defi-nem essa classe (em si) chamada de campone-ses: a condição de sujeição e os fundamentosde sua economia moral. Neste texto, destaca-mos as diversas estratégias que fazem possívelque estes tenazes camponeses insistam em se-

guir vivendo e produzindo naquele espaço ago-ra disputado pela usina sucroalcooleira. Trata-se, todavia, de processo de mudança social bas-tante recente, cujo futuro não nos cabe prever.

102

Page 21: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 21/22

102

O estudo por nós realizado (que teve seu pri-meiro produto, a tese de doutorado, concluí-da em 2012), de todo modo, procurou analisar

e explicar as condições de persistência e as es-tratégias de resistência cotidiana destes sitian-tes que vivem num contexto que lhes é extre-mamente desfavorável: o interior do Estado deSão Paulo, que é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo. E seguimos, acompanhandoesse recente processo de mudanças e suas ten-sões9, na busca por refletir sobre o lugar des-te sujeito histórico (o camponês) na sociedadecontemporânea e de compreender a gramáticae o sentido de suas batalhas cotidianas.

Trabalho recebido em 28/10/2013

 Aprovado para publicação em 02/04/2014

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOLTANSKI, Luc, e Ève CHIAPELLO. O no-vo espírito do capitalismo. São Paulo: MartinsFontes, 2009.

CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bo-nito. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1971.

ELIAS, Norbert.  A sociedade dos indivíduos.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FERNANDES, Florestan. “Anotaçõe sobre ocapitalismo agrário e mudança social no Bra-sil.” Em Vida rural e mudança social, por Ta-

9 As reflexões da tese que dá origem a este artigo se desdobraram no projeto de pós-doutoramento em execução desde julho de2013, intitulado “A arquitetura moral da resistência, das práticas aos sentimentos e discursos: O caso dos sitiantes do extremo no-roeste paulista”, supervisionado por Maria Aparecida de Moraes Silva, financiado pela FAPESP e executado a partir do Programade Pós-graduação em Sociologia da UFSCar.

más SWNRECSÁNYI e Ariowaldo QUEDA,131-150. São Paulo: Companhia Editora Na-cional, 1972.

HAEBAERT, Rogerio. O mito da desterrito-rialização: do ‘fim dos territórios’ à multiter-ritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2006.

HOBSBAWM, Eric J e Terence RANGER. A in-venção das tradições. São Paulo: Editora Paz e

Terra, 2012.

KOROVKIN, Tanya. Comunidades indígenas,economía de mercado y democracia en los An-des Ecuatorianos. Quito-Equador: CEDIME-I-FEA-Ediciones Abya-Yala, 2002.

MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. As lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. Rio de Janeiro:Petrópolis, 1981.

MELO, Beatriz Medeiros de. História e memó-ria na contração da expansão canavieira: umestudo das formas de resistência dos sitiantes

do extremo noroeste paulista. Tese (doutoradoem Sociologia), São Carlos: UNIVERSIDADEFEDERAL DE SÃO CARLOS, CENTRO DECIÊNCIAS HUMANAS, 2012, 450f.

MELO, Beatriz Medeiros de, e Maria Apare-cida de MORAES SILVA. ““O sítio é bonito e

triste”: sobre mudanças sociais e emoções nomundo rural paulista.”  Acta Científica XXIX

103

Page 22: Reflexão sobre James Scott

8/20/2019 Reflexão sobre James Scott

http://slidepdf.com/reader/full/reflexao-sobre-james-scott 22/22

Congreso de La Asociación Lationamericana deSociología. Santiago, Chile, 2013. 1-9.

MENEZES, Marilda Aparecida de. “O cotidia-no camponês e sua importância enquanto resis-tência à dominação: a contribuição de James C.Scott.” Revista Raízes 21, nº 01 (jan-jun 2002).

MENEZES, Marilda, e Edgard MALAGODI.“Os camponeses como atores sociais: a pers-pectiva da autonomia e da resistência.” Em

Os atores do desenvolvimento rural, por Ser-gio SCHNEIDER e Marcio GAZOLLA, 49-66.Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011.

MORAES SILVA, Maria Aparecida de, Bea-triz Medeiros de MELO, e Lara Abrão de MO-RAES. “Mulheres caipiras. Dois olhares sobre

o mundo rural paulista.”  Revista Caravelle  1(2012): 77-106.

MURUMATSU, Luís.  As revoltas do capim:movimentos sócio-agrários no Oeste paulista1959-1970. FFLCH-USP. São Paulo, 1984.

NARDOQUE, Sedeval.  Renda da terra e pro-

dução do espaço urbano. Tese (Doutorado emGeografia). Presidente Prudente: UNIVERSI-DADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MES-QUISTA FILHO, FACULDADE DE CIENCIASE TECNOLOGIA, 2007. 445.

_______.  Apropriação capitalista da terra e a

 formação da pequena propriedade em Jales/SP.Dissertação (Mestrado em Geografia). Univer-sidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Fi-lho. Presidente Prudente, 2002.

PLOEG, Jan Douwe Van Der. Camponeses eimpérios alimentares: luta por autonomia e sus-

tentabilidade na era da globalização. Porto Ale-gre: Editora da UFRGS, 2008.

POLANYI, Karl.  A grande transformação: asorigens da nossa época. Rio de Janeiro: Else-vier, 2000.

SCHUTZ, Hebert Mendes de Araújo. “A ex-pansão da atividade sucroalcooleira: uma abor-dagem da declaração de insconstitucionalidadeda Lei n. 5.200-2006 do município de Rio Ver-

de em detrimento de um meio ambiente hígidoe sustentável.” Ambito Jurídico 93 (2001).

SCOTT, James C. “Formas cotidianas de resi-tência camponesa.”  Revista Raízes  21, nº 01(jan-jun 2002).

—.  Los dominados y el arte de la resisténcia. México DF: Ediciones Era, 2004.

—.  Moral economy of the peasant: rebellion and subsistence in southeast asia. New Havenand London: Yale University Press, 1976.

SILVA, José Graziano da, Mauro del GROSSI

e Clayton CAMPANHOLA. “O que há de real-mente novo no rural brasileiro.” Cadernos deCiência & Tecnologia jan./abr. de 2002: 37-67.

THOMPSON, Eduard Paul. Costumes em co-mum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Omundo rural como um espaço de vida. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

WOLF, Eric. Sociedades Camponesas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.


Recommended