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REINALDO LUIS TADEU RONDINA MANDALITI THIAGO MUNARO GARCIA …€¦ · THIAGO MUNARO GARCIA RESUMO...

Date post: 02-Aug-2020
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ALGUMAS DEFICIÊNCIAS DA ATIVIDADE JURISDICIONAL EM RELAÇÃO ÀS TUTELAS DE URGÊNCIA NOS JUIZADOS ES PECIAIS CÍVEIS SOME FAILURES OF THE JURISDICTIONAL ACTIVITY ON THE PRELIM INARY INJUNCTIONS IN SPECIAL COURTS FOR CIVIL LAWSUITS REINALDO LUIS TADEU RONDINA MANDALITI THIAGO MUNARO GARCIA RESUMO Após 15 anos de promulgação e vigência da lei que instituiu os juizados especiais cíveis, ainda resistem os magistrados que entendem pelo não cabimento das tutelas de urgência em seu procedimento, deixando de concedê-las. Esta concepção, além de atentar contra o princípio do acesso à justiça, evidencia-se em flagrante deficiência de atividade jurisdicional. Tanto os juizados especiais, quanto as tutelas de urgência encontram fundamento comum, pois o primeiro é meio para o acesso à justiça e a segunda é técnica processual destinada ao acesso à justiça. Logo, não podem se excluir. Majoritária doutrina encampa a tese do cabimento das tutelas de urgência nos juizados especiais. De igual modo, este é o posicionamento de grande parte da jurisprudência. As leis 10.259/2001 e 12.153/2009 que instituíram os juizados especiais federais e juizados especiais da Fazenda Pública, respectivamente, prevêem expressamente a possibilidade de concessão de tutelas de urgência, inclusive de ofício, pelos juízes. Logo, por analogia, o cabimento de tais medidas se estende aos juizados especiais cíveis. Todo o sistema do Código de Defesa do Consumidor foi pensado na perspectiva de concessão de tutelas urgentes, sempre que cabíveis, aos consumidores lesados, sendo que a esmagadora maioria dessas demandas são propostas nos juizados especiais. Assim, impossibilitar a tutela de urgência nos juizados seria um contrassenso e comprometeria a efetividade do CDC. Por fim, sendo o juizado especial um microssistema processual, encontra base de sustentação no macrossistema que é o Código de Processo Civil. Disso decorre que as tutelas de urgência se aplicam ao JEC em virtude da aplicabilidade subsidiária do CPC ao seu procedimento, vez que a Lei 9.099/95 é omissa nesse sentido. Aceito o cabimento das tutelas de urgência no JEC, também o é o agravo de instrumento sempre que a decisão do juiz puder causar à parte uma lesão grave ou de difícil de reparação. Ademais, as tutelas de urgência revelam importância extremada nos juizados especiais, que já não são tão céleres quanto deveriam, e porque lidam com a camada mais humildade da população que, no mais das vezes, depende destas medidas para acessar a justiça e concretizar o direito. PALAVRAS -CHAVES: juizados especiais, tutelas de urgência, acesso à justiça. ABS TRACT The law which established Special Courts to civil lawsuits has completed 15 years of enactment and operation, but the judges who dismiss the pertinence of the preliminary injunctions in the procedure still resist, failing to grant them. This design, as well as undermining the principle of access to justice, it is evident in striking deficiency of jurisdictional activity. Both the Special Courts and the preliminary injunctions find common ground, because the first ones are means for the access to justice and the second ones are the procedural technique intended for the access to justice. Thus, they cannot be excluded. Majoritary doctrine embodies the thesis of the pertinence of the preliminary injunctions in Special Courts. 7728 * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
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Page 1: REINALDO LUIS TADEU RONDINA MANDALITI THIAGO MUNARO GARCIA …€¦ · THIAGO MUNARO GARCIA RESUMO Após 15 anos de promulgação e vigência da lei que instituiu os juizados especiais

ALGUMAS DEFICIÊNCIAS DA ATIVIDADE JURISDICIONAL EM RELAÇÃO ÀS TUTELAS DE URGÊNCIA NOS JUIZADOS ES PECIAIS CÍVEIS

SOME FAILURES OF THE JURISDICTIONAL ACTIVITY ON THE PRELIM INARY INJUNCTIONS IN SPECIAL COURTS FOR CIVIL LAWSUITS

REINALDO LUIS TADEU RONDINA MANDALITI

THIAGO MUNARO GARCIA RESUMO Após 15 anos de promulgação e vigência da lei que instituiu os juizados especiais cíveis, ainda resistem os magistrados que entendem pelo não cabimento das tutelas de urgência em seu procedimento, deixando de concedê-las. Esta concepção, além de atentar contra o princípio do acesso à justiça, evidencia-se em flagrante deficiência de atividade jurisdicional. Tanto os juizados especiais, quanto as tutelas de urgência encontram fundamento comum, pois o primeiro é meio para o acesso à justiça e a segunda é técnica processual destinada ao acesso à justiça. Logo, não podem se excluir. Majoritária doutrina encampa a tese do cabimento das tutelas de urgência nos juizados especiais. De igual modo, este é o posicionamento de grande parte da jurisprudência. As leis 10.259/2001 e 12.153/2009 que instituíram os juizados especiais federais e juizados especiais da Fazenda Pública, respectivamente, prevêem expressamente a possibilidade de concessão de tutelas de urgência, inclusive de ofício, pelos juízes. Logo, por analogia, o cabimento de tais medidas se estende aos juizados especiais cíveis. Todo o sistema do Código de Defesa do Consumidor foi pensado na perspectiva de concessão de tutelas urgentes, sempre que cabíveis, aos consumidores lesados, sendo que a esmagadora maioria dessas demandas são propostas nos juizados especiais. Assim, impossibilitar a tutela de urgência nos juizados seria um contrassenso e comprometeria a efetividade do CDC. Por fim, sendo o juizado especial um microssistema processual, encontra base de sustentação no macrossistema que é o Código de Processo Civil. Disso decorre que as tutelas de urgência se aplicam ao JEC em virtude da aplicabilidade subsidiária do CPC ao seu procedimento, vez que a Lei 9.099/95 é omissa nesse sentido. Aceito o cabimento das tutelas de urgência no JEC, também o é o agravo de instrumento sempre que a decisão do juiz puder causar à parte uma lesão grave ou de difícil de reparação. Ademais, as tutelas de urgência revelam importância extremada nos juizados especiais, que já não são tão céleres quanto deveriam, e porque lidam com a camada mais humildade da população que, no mais das vezes, depende destas medidas para acessar a justiça e concretizar o direito. PALAVRAS -CHAVES: juizados especiais, tutelas de urgência, acesso à justiça. ABS TRACT The law which established Special Courts to civil lawsuits has completed 15 years of enactment and operation, but the judges who dismiss the pertinence of the preliminary injunctions in the procedure still resist, failing to grant them. This design, as well as undermining the principle of access to justice, it is evident in striking deficiency of jurisdictional activity. Both the Special Courts and the preliminary injunctions find common ground, because the first ones are means for the access to justice and the second ones are the procedural technique intended for the access to justice. Thus, they cannot be excluded. Majoritary doctrine embodies the thesis of the pertinence of the preliminary injunctions in Special Courts.

7728* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010

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Similarly, this is the placement of much of the jurisprudence. The laws 10.259/2001 and 12.153/2009 thatestablished the Federal Special Courts and the Special Courts of the Federal Treasury, respectively,expressly provide for the possibility of granting Preliminary Injunctions, including ex-officio, by the judges.Therefore, by analogy, the pertinence of these measures is extended to the Special Courts in civil cases. Thewhole system of the Consumer Protection Code was designed from the perspective of granting thepreliminary injunctions, where pertinent, to the injured consumers, and the overwhelming majority of thesedemands are proposed in the Special Courts. Thus, precluding the preliminary injunction in the courtswould be nonsense and would jeopardize the effectiveness of the CPC. Finally, the special court, beingconsidered a procedural micro system, finds support base in the macro system, i.e., the Code of CivilProcedure. It follows that the preliminary injunctions are applied to the Special Courts in civil cases due tothe subsidiary applicability of the CCP to its procedure, since the Law 9.099/95 is silent in this regard. Thepertinence of the preliminary injunctions in the Special Courts in civil lawsuits being accepted, it is alsoaccepted the interlocutory appeal whenever the judge's decision cause a serious injury to the party ordifficult to repair. Moreover, the preliminary injunctions reveal extreme importance in Special Courts, whichare not as rapidly as they should, and because they deal with the poorest layer of the population, that inmost cases, depend on these measures to access the justice and achieve the right.KEYWORDS : special courts, preliminary injunction, access to justice.

1. Introdução Ainda hoje, após quinze anos da promulgação da Lei 9.099/95, que instituiu os juizados especiais cíveis em nossopaís, é comum nos depararmos com decisões de alguns magistrados que, atuando nos juizados, indeferem terminantemente ospedidos de concessão de tutelas de urgência, chegando às vezes a extinguir o feito sem resolução de mérito, ou determinar aconversão do feito em ordinário. Os fundamentos são variados e vão desde a falta de previsão legal, complexidade do assunto, até a alegação dafacultatividade do procedimento para o autor que, se necessitar da tutela de urgência, poderá valer-se do procedimento comum,entre outros. Ocorre, entretanto, que as tutelas de urgência e os juizados especiais cíveis concentram um fundamento comum, pois,ambos visam o acesso à justiça. Logo, parece-nos impossível separar a possibilidade e a necessidade das tutelas urgentes doprocedimento encampado pelos juizados especiais. A negativa destas medidas, associada à impossibilidade do manejo do recurso de agravo de instrumento em tais casos,deve ser encarada como explícita deficiência da atividade jurisdicional que, por certo, não se coaduna com o atual modeloconstitucional de processo civil brasileiro, calcado em princípios e garantias firmes de acesso à justiça. Destarte, o tema, que já não mais deveria ser polêmico, continua a desafiar estudos e pesquisas, sobretudo paracombater a atuação de magistrados que, desprezando o ideário de acesso à justiça, insistem na tese do não cabimento das tutelasde urgência nos juizados especiais cíveis. Assim, procuramos demonstrar o cabimento de tais medidas no âmbito deste procedimento especial, e também doagravo de instrumento em situações excepcionais. Ademais, procuramos consignar a importâncias destas tutelas nos juizados que,naturalmente, possuem o escopo de abrir as portas do Judiciário e da justiça aos cidadãos mais humildes. 2. O fundamento das tutelas de urgência: acesso à justiça Hodiernamente, a tutela jurisdicional deve permear-se pela efetivação da justiça no caso concreto, permitindo-se aconcretização do direito pleiteado. Trata-se de direito fundamental do indivíduo conforme se infere do disposto no artigo 5°,XXXV, da Constituição Federal. O Estado deve, assim, amparar toda e qualquer lesão ou ameaça a direito. Porém, para queocorra verdadeiro acesso à justiça, a tutela prestada deve ser real, segura, positiva e tempestiva.

Por essa razão, a tradicional concepção do direito de ação como sinônimo do direito de obter do Poder Judiciário umaresposta de mérito, já não mais consubstancia substrato suficientemente hígido a conferir ao jurisdicionado a efetividade que oprocesso deve propiciar ao direito material.

Assim, para realizar concretamente o direito material, o juiz não fica adstrito apenas às modalidades de tutela do direitoprocessual clássico e antigo, quais sejam as tutelas declaratórias, constitutivas e condenatórias. O exercício de sua funçãojurisdicional não se esgota com a mera resposta de mérito à pretensão deduzida, se esta não tiver o condão de gerar, realmente,um resultado efetivo no plano dos fatos e que se traduza em acesso à justiça.

Nessa esteira, o direito de ação esculpido na Constituição Federal requer mais do que a mera possibilidade de ingressono Poder Judiciário. Sua finalidade é maior e consiste na perseguição, por intermédio do processo, do resultado que a parte

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almeja com o deslinde da questão. Esse resultado, por natural, encontra-se no direito material e não basta ser reconhecidomediante um provimento emanado pelo Judiciário, se não vier acompanhado dos meios que garantam sua transmudação do planojurídico para o plano fático, ou melhor, da vida.

Abordando o tema, sustenta Cândido Rangel Dinamarco[1], que:o direito moderno não se satisfaz com a garantia da ação como tal e por isso é que procura extrair daformal garantia desta algo de substancial e mais profundo. O que importa não é oferecer ingresso emjuízo, ou mesmo julgamentos de mérito. Indispensável é que, além de reduzir os resíduos deconflitos não-jurisdicionalizáveis, possa o sistema processual oferecer aos litigantes resultados justose efetivos, capazes de reverter situações injustas desfavoráveis. Tal é a idéia da efetividade da tutelajurisdicional, coincidente com a da plenitude do acesso à justiça e a do processo civil de resultados.

A principal preocupação dos processualistas, em síntese, é a de que o processo consiga proporcionar às partes envolvidas

no litígio, a concretização tempestiva do direito substancial que foi vislumbrado por elas quando da necessidade de provocar oPoder Judiciário.

Nesta linha de raciocínio, a obtenção de uma tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, passa pela possibilidadede utilização de técnicas processuais diversificadas, que devem ser escolhidas em conformidade com as especificidades do casoconcreto e que, portanto, atendam às exigências do direito material.

Marcos Destefenni[2] salienta a importância de estarem dotados os magistrados, na busca da tutela jurisdicional, de umagama considerável de opções processuais. Trata-se da adequação, da adaptação do instrumento (do processo) às peculiaridades dodireito material, o que pode ser obtido através da previsão de mecanismos processuais diferenciados, que sejam aptos a propiciar aprestação de “ tutelas jurisdicionais diferenciadas”.

O tema referente à tutela jurisdicional diferenciada é bastante atual e, por essa razão, vem sendo intensamente debatido naseara processual civil dos últimos anos.

Com efeito, ao longo do transcurso do tempo e com as modificações dos paradigmas sociais que lhe são inerentes, osprocessualistas perceberam que o escopo do processo não estava sendo atingido na prática.

Importa aqui consignar que a partir do momento em que o Estado tomou para si o poder de dizer o direito, ou seja, emque se investiu da função jurisdicional, trouxe conjuntamente com o monopólio da solução das lides, o dever de prestar a tutelajurisdicional de maneira efetiva.

Para reverter, pois, o quadro lamentável que vinha se apresentando, a doutrina começou a repensar o processo e a buscarmeios que pudessem dotá-lo, enfim, de sua principal característica e destinação, que é a de proporcionar aos indivíduos o acesso àjustiça.

Com isso, a busca é, em última análise, pela efetividade do processo, o que quer dizer que o direito processual precisatrazer às pessoas que procuram o Judiciário, os resultados garantidos pelo ordenamento jurídico e que são, por elas mesmas,almejados.

De acordo com lição ofertada por José Roberto dos Santos Bedaque[3], a construção do sistema processual de tutelasdiferenciadas precisa levar em consideração a realidade jurídica e material para que se possa chegar à buscada pacificação social.

Deste modo, as tutelas diferenciadas buscam concretizar o comando da instrumentalidade do processo e, neste compasso,atender às diversas situações de direito substancial que aparecem em busca de solução estatal. A diferenciação da tutela é, nestaesteira, mecanismo útil à preservação do conteúdo da dignidade da pessoa humana e não se refere apenas ao resultado da demanda,mas também aos meios processuais que possam torná-lo concreto.

Foi também no compasso de buscar a concretização de tutelas diferenciadas, aptas a responder às necessidades darealidade atual, que o legislador instituiu os Juizados Especiais que, julgando causas de menor complexidade através de umprocedimento mais simplificado, consegue atender com efetividade parte considerável das demandas ofertadas em busca desoluções.

Uma das perspectivas que deve permear a compreensão das tutelas diferenciadas leva em conta a questão temporal e ofato de que a demora do processo pode comprometer a sua utilidade, prevendo, dessa forma, as tutelas de urgência, calcadas emcognição sumária, e que se prestam a amparar situações carecedoras de pronta e imediata intervenção estatal.

Não se pode deixar de observar que a demora na prestação jurisdicional é um óbice considerável para a atuação do direitomaterial e que, por vezes, acaba por ocasionar ou agravar a situação da parte que postula a solução de seu litígio perante o Estado.

Seguindo por essa trilha, verifica-se que a prestação da tutela jurisdicional de maneira rápida e, assim, urgente, é, emalguns casos, o único meio de salvaguardar ou concretizar o direito material postulado pela parte autora.

Nosso sistema processual, atualmente, é rico na previsão de tutelas urgentes. Além das tutelas cautelares a antecipadas,contidas no Código de Processo Civil e em outras legislações extravagantes, há também previsão de outras medidas liminares emdiversos procedimentos.

Não se nega, pois, que o fundamento da tutela de urgência não é outro que não o acesso à justiça e, dessa forma, não hácomo afastá-la do procedimento dos juizados especiais que, como demonstraremos, encerra idêntico fundamento.

3. O fundamento dos juizados especiais cíveis: acesso à justiça

Mauro Capelletti e Bryant Garth[4], na célebre obra “ acesso à justiça” enfatizaram que “ os obstáculos criados pornossos sistemas jurídicos são mais pronunciados para as pequenas causas e para os autores individuais, especialmente os pobres;ao mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial

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para obterem seus próprios interesses”.Em seguida, elegeram a assistência judiciária gratuita e a implementação de procedimentos especiais para as pequenas

causas como algumas das possíveis soluções para o problema do acesso à justiça.A ideia de se estatuir um procedimento diferenciado para as pequenas causas é exatamente a de possibilitar aos

cidadãos um meio eficiente de bater as portas do Poder Judiciário e, com isso, acessar a justiça.No Brasil, embora desde 1984 já houvesse os juizados de pequenas causas, a Constituição de 1988 determinou fossem

criados juizados especiais competentes para o julgamento da causas cíveis de menor complexidade mediante procedimento oral esumariíssimo, permitindo inclusive,o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. Assim, m 1995 foi editada aLei 9.099 que dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito estadual . O acesso ao juizado é inteiramente gratuito e independe de advogado nas causas cujo valor não exceda a vinte saláriosmínimos. Além disso, o acesso é restrito às pessoas físicas, às micro e pequenas empresas, às organizações da sociedade civil deinteresse público (OSCIP) e, em alguns casos, a entes como o espólio e o condomínio.

Seu procedimento é marcado pela simplicidade, oralidade, celeridadde, informalidade, simplicidade e diminutosrecursos. O recurso inominado, cabível da sentença que decide a causa, é julgado por um colégio recursal composto por trêsjuízes de primeiro grau. Em primeiro grau de jurisdição as causas podem ser julgadas por juízes togados ou por juízes leigos cujasentença dependerá de homologação pelo juiz togado. Permite-se também a instauração do juízo arbitral.

Todavia, os juizados especiais cíveis brasileiros, não obstante consistirem num poderoso instrumento para a valia dosdireitos das pessoas comuns, não estão imunes às mais variadas críticas. Isso porque, os juizados acabaram por tornarem-se tãocomplexos e lentos quanto os juízos comuns, principalmente pela gigantesca demanda a que estão submetidos.

O que se sobreleva destacar é que se os juizados especiais foram concebidos na perspectiva do acesso à justiça para apopulação mais carente, é evidente que seu procedimento deve permear-se por todas as técnicas processuais e de tutela quepermitam o cumprimento deste desiderato.

Logo, a possibilidade de concessão das tutelas de urgência é inerente aos juizados especiais cíveis. 4. Do cabimento das tutelas de urgência nos juizados especiais cíveis

Certo é que o procedimento delineado pela Lei 9.099/95 não abriga expressamente o cabimento das tutelas de urgênciano âmbito dos juizados especiais cíveis. O silêncio encampado pela lei sustenta a polêmica e discussão acerca do cabimento, ounão, de tais medidas nos juizados especiais e, dessa forma, ampara o entendimento dos juízes que simplesmente negam a suaconcessão ou determinam a conversão do feito para o procedimento ordinário. Não se olvida que o procedimento criado para o julgamento das causas cíveis de menor complexidade, orientado porprincípios de oralidade, informalidade, simplicidade e, acima de tudo, celeridade, não foi pensado sob a perspectiva danecessidade de nele serem concedidas tutelas de urgência. Além do mais, o objetivo da lei dos juizados encontra-se na tentativa da conciliação que, caso obtida, dispensa aintervenção do poder de império do Judiciário, ainda mais em sede de cognição sumária. Não se pode desprezar, ainda, o fato de que o procedimento foi todo construído sob a ótica da concentração dos atos,donde decorre a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, fator negativo em relação às tutelas de urgência. De igual modo, a lei ostenta em seu bojo prazos exíguos, o que em tese conferiria maior celeridade ao processo, mas,que, infelizmente, jamais saíram do papel e seu cumprimento é praticamente impossível. Ou seja, a lei 9.099/95 não considerou, efetivamente, tanto em aspectos fáticos e práticos, quanto em aspectos jurídicos,que existiriam casos de competência do juizado especial em que a necessidade da concessão de uma tutela urgente, para que odireito não perecesse, seria inevitável. Muitos poderiam dizer, como o fazem alguns magistrados, que a opção pelo procedimento dos juizados cíveis é merafaculdade do autor e que, portanto, se ele possui a necessidade de obter uma tutela de urgência por parte do Estado, deveriavaler-se do procedimento ordinário ou sumário, ambos previstos no Código de Processo Civil e colocados à sua disposição. Não obstante, ainda que a opção pelos procedimentos codificados esteja à disposição do autor, não paira qualquer dúvidade que o procedimento do JEC é muito mais vantajoso para o autor que queira demandar qualquer causa de sua competência, e oé por motivos óbvios, pois, da gratuidade processual ao procedimento amplamente diferenciado, passando pela capacidadepostulatória conferida ao autor, limitação de recursos e princípios simplificadores, tudo no juizado é mais benéfico e vantajoso aoautor. Dessa forma, o simples fato da demanda ajuizada pelo autor requerer ou, até mesmo exigir, a concessão de uma tutela deurgência, não é motivo suficiente, justo e, tampouco, juridicamente adequado para afastá-lo dos benefícios que lhe são concedidospelo procedimento engendrado na lei dos juizados especiais cíveis. Destarte, o cabimento das tutelas de urgência no âmbito dos juizados especiais cíveis é de clareza singular e decorre,acima de tudo, da natureza constitucional ostentada por tais medidas, cujo fim último não é outro que não o de garantir acesso àjustiça. Não pode haver dúvida quanto ao cabimento de tais tutelas nos processos de competência dos juizados especiais, demodo que qualquer juiz ou jurista que defenda tese contrária, data venia, se afasta irremediavelmente dos princípios que informamo modo de ser do processo civil brasileiro, cuja primazia é ocupada pelo acesso à justiça e pela dignidade da pessoa humana. Logo, negar o cabimento das tutelas de urgência nos juizados especiais é atentar contra o acesso à justiça e contra aprópria dignidade da pessoa humana, na medida em que se nega ao jurisdicionado um direito fundamental evidente, qual seja ode obter por parte do Estado uma tutela jurisdicional apta, adequada e tempestiva. A mera conjectura acima exposta é, a nosso ver, suficiente para demonstrar o cabimento das tutelas de urgência em sede

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dos juizados especiais. Mas, ainda mais importante do que o cabimento em si, é demonstrar a importância de tais tutelas paraque os juizados especiais não sejam apenas excelentes instrumentos de acesso ao Poder Judiciário, mas que sejam, acima de tudo,instrumentos fundamentais de acesso à justiça.

Todavia e, infelizmente, não se pode fechar os olhos à existência das polêmicas que ainda persistem acerca do cabimentode tais tutelas em relação ao JEC, o que exige o enfrentamento do tema.

Afinal, uma vez aceito e demonstrado o cabimento das tutelas de urgência no âmbito dos juizados especiais, surge novaquestão polêmica e que consiste na análise do cabimento, ou não, do recurso de agravo de instrumento a ser manejado contra adecisão que nega ou concede a medida urgente pleiteada.

4.1 A visão doutrinária sobre as tutelas de urgência nos juizados especiais cíveis

Parte da doutrina atesta o cabimento das tutelas de urgência no procedimento dos juizados especiais cíveis. Parte dela

opta pela negativa. Até então, tudo muito natural, uma vez que a divergência interpretativa sempre acompanhou o direito, alémde ser salutar para o debate, contribuindo com a pesquisa e a investigação científica.

Parte da doutrina, entretanto, preferiu por silenciar-se, não tecendo qualquer comentário acerca do tema em obras oumanuais que tratam dos juizados especiais cíveis, como se a tutela de urgência fosse algo alienígena ao procedimento do JEC.

Notadamente, foram os processualistas, no mais das vezes de relevo, que ao dedicarem-se ao tema das tutelas deurgência, seja em relação às tutelas antecipadas (genéricas e específicas), seja em relação às cautelares ou às demais formas detutela calcadas em cognição sumária, que, na sua esmagadora maioria, uma nota sequer dedicaram ao cabimento e à análise de taistutelas no âmbito juizados especiais cíveis.

Dentre as inúmeras obras que consultamos sobre as tutelas de urgência, encontramos trabalhos preciosos que de formaimponente descortinaram o tema, analisando-o sob diversos enfoques, mas, que, apenas não esgotaram o tema porquesimplesmente desprezaram as tutelas de urgência no procedimento dos juizados especiais cíveis.

De se notar, infelizmente, que ainda hoje não são poucos os operadores e estudiosos do direito que consideram o juizadoespecial um órgão de segunda classe e que, da mesma forma, presta uma justiça de segunda classe, menos pretensiosa. Talconstatação é uma pena, pois é exatamente o JEC que tem a incumbência, inclusive constitucional, de levar justiça a umincontável número de pessoas, sobretudo os mais desprovidos de recursos.

Aqueles que se emudeceram diante do tema, deixando de enfrentá-lo e, sobretudo, deixando de contribuir para oenriquecimento do debate, por razões óbvias, embora consultados, não serão objeto de nossa análise.

Cândido Rangel Dinamarco, nas obras por nós consultadas, não se manifesta precisamente acerca do cabimento daantecipação da tutela nos juizados especiais. Não obstante, tanto em seu Manual[5] dedicado às pequenas causas, quanto em suasInstituições de Direito Processual Civil[6], sustenta claramente que os juizados são competentes para o processamento ejulgamento de processos cautelares.

Explica que se admitem as demandas cautelares, porque o produto do processo cautelar é sempre uma medida de apoio aum processo e, sendo assim, os processos que tramitam pelos juizados também estão expostos e são suscetíveis aos riscos dotempo e, por isso, podem necessitar do apoio das medidas cautelares.

Expressa ainda que o fato de nada dizer a lei acerca das medidas cautelares, não significa que, por isso, sejam elasexcluídas do procedimento dos juizados. Nesse sentido, afirma:

As medidas cautelares tem um sentido de guerra contra o tempo, que muitas vezes é inimigodeclarado do processo e da utilidade do seu produto (Carnelutti), o que torna natural a suaadmissibilidade, em tese, nesse órgão jurisdicional intensamente voltado à celeridade no atendimentoaos reclamos de violação de direitos. Pela própria natureza das coisas, não há razão para distinguir e acompetência dos juizados em matéria cautelar inclui as medidas preparatórias e as incidentes, tantoquanto no processo civil comum[7].

Embora Dinamarco não tenha enfrentado a questão da antecipação da tutela nos juizados especiais, não se pode deixar de

concluir que os argumentos lançados para sustentar o cabimento das cautelares, inclusive as preparatórias, são suficientes paraagasalhar o igual cabimento das medidas antecipatórias que, no mais das vezes, são mais úteis e necessárias no JEC.

Ricardo Cunha Chimenti e Marisa Ferreira dos Santos[8], o primeiro magistrado no estado de São Paulo, a segundaDesembargadora Federal na 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), ambos com vasta experiência em juizados especiaiscíveis e federais, relembram que o Estado, ao impedir que o indivíduo exercesse a autotutela, assumiu o poder e o dever desolucionar os conflitos de forma célere e eficiente.

Dessa incumbência é que surge a necessidade de estarem presentes em todo o sistema medidas urgentes, concedidas combase em cognição sumária, e que tenham o condão de assegurar a viabilidade de um direito ou concretizá-lo desde logo para evitarseu perecimento.

Posto isso, concluem os autores que:Os princípios norteadores da Lei n. 9.099/95 (art. 2º), somados à previsão de ampla liberdade do juizna apreciação das questões que lhe são submetidas (art. 6º), autorizam concluirmos pelo cabimento datutela antecipada, genérica (art. 273 do CPC) e específica (art. 461, § 3º, do CPC), e também dasliminares cautelares no Sistema dos Juizados Especiais[9].

Importante notar que os Autores em comento atribuem o cabimento das tutelas de urgência aos princípios norteadores

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 7732

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dos juizados, o que é de todo interessante, haja vista haver quem sustente que é exatamente pelo fato do procedimento ser oral,simples e informal que restaria vedada a concessão de tais medidas[10].

Felippe Borring Rocha[11] esclarece que é vasto o entendimento, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, nosentido de que apesar da omissão do legislador, é cabível a aplicação da antecipação da tutela e a concessão de medidas liminaresno procedimento dos juizados especiais.

Segundo o Autor, “ estas medidas são frutos da busca pela efetividade processual, com os escopos de garantir a prestaçãoda tutela jurisdicional e redistribuir o ônus do tempo entre as partes[12]”. Todavia, deixa consignado que quanto maisconcentrado for o procedimento, menor será o campo de atuação desses mecanismos, mas, que, não obstante, dispõe o juiz deseu poder geral de cautela para conceder de ofício as medidas que julgar indispensáveis à adequada atividade jurisdicional.

Não se discute que o fato do procedimento dos juizados especiais ter sido construído sob a égide da concentração de atosprejudica o manejo das tutelas de urgência. Entretanto, tal fator não pode servir de subterfúgio para a negativa de tais tutelas.

Não podemos deixar de observar, entretanto, que o Autor sustenta a possibilidade dos juízes concederem de ofício asmedidas de urgência, ou seja, valendo-se do poder geral de cautela, que lhe é atribuído por lei, independentemente derequerimento das partes. Isso porque, concordamos integralmente com este posicionamento e, além disso, entendemos tratar-se demedida muitas vezes necessária quando a parte está desassistida por advogado.

Também Natacha Tostes e Márcia Carvalho[13], ambas juízas de direito no estado do Rio de Janeiro, concluem pelocabimento das tutelas antecipada e cautelar nos juizados cíveis. Atestam que, destinando-se o juizado especial a dar solução aolitígio da forma mais rápida possível, garantindo a efetividade da prestação jurisdicional, nada mais certo do que transportar-separa o mesmo a antecipação da tutela prevista no CPC. De igual modo, afirmam que nenhum óbice há ao cabimento das tutelascautelares, tanto as preparatórias, quanto as incidentais, nos processos do JEC.

Registre-se, ainda, a importante opinião de Antonio Souza Prudente[14], Desembargador Federal, que sustenta anecessidade de se implantar nos juizados especiais federais a figura da antecipação da tutela de evidência. Embora o raciocínio doAutor tenha se guiado em vista dos juizados federais, é de todo aplicável aos juizados especiais cíveis.

Nesse contexto, defende inclusive a alteração da lei 10.259/2001, para que nela conste autorização expressa depossibilidade de antecipação de tutela de ofício em favor dos seus jurisdicionados, já contemplados pelos critérios da oralidade,simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual.

Observa o Autor que a tutela de evidência se apresenta no Texto Constitucional, como garantia fundamental, através deinstitutos como o mandado de segurança, por exemplo, que ampara direito liquido e certo, além do que decorre da própriagarantia de acesso à justiça.

Na legislação infraconstitucional a tutela de evidência decorre da aplicabilidade do artigo 273, II, do CPC, em que o réuabusa do direito de defesa, agindo de maneira manifestamente protelatória e, ainda, quando nos termos do § 6º do artigo 273,parte do pedido do autor torna-se incontroversa. Nesse sentido, afirma:

Ora, se o julgador já tem condições de saber, ao iniciar-se a demanda, que nenhuma contestação sériapoderá ser contraposta ao direito líquido e certo, a legitimidade da tutela imediata torna-se umimperativo lógico e até mesmo constitucional. Nesse contexto, a liminar é deferível mediantecognição exauriente, decorrência mesmo da evidência, diferentemente do que ocorre nos juízos deaparência (fumus boni juris) peculiares à tutela de urgência cautelar[15].

Concordamos plenamente com o posicionamento do Autor, além do que entendemos como salutar a antecipação da

tutela de ofício quando o juiz se depara com uma resposta absolutamente fora de contexto, inadmissível e que configure flagrante emanifesto abuso de defesa por parte do réu. Nesses casos, nada justifica punir o autor, dono de um direito evidente, para atenderaos caprichos do réu. Logo, a antecipação de tutela é medida que se impõe como fator de acesso à justiça.

Por outro lado, Demócrito Ramos Reinaldo Filho[16], também magistrado com atuação em juizados especiais, negaveementemente a possibilidade da concessão de qualquer tutela de urgência no âmbito dos juizados especiais.

Segundo ele, as partes que optarem pelo procedimento do juizado especial não poderão utilizar-se, ao longo datramitação do processo, de medidas ou institutos típicos do procedimento ordinário ou qualquer outro disciplinado no Código deProcesso Civil. Nessa esteira, o Autor nega a aplicabilidade subsidiária do CPC, afirmando que tais procedimentos foram“ excluídos de antemão, por não haver previsão legal para a sua adoção (a lei especial não adotou o Código de Processo Civil ouqualquer outro texto processual como fonte subsidiária)[17]”.

Diz ainda que a tutela antecipatória é de aplicação restrita ao procedimento comum, pois é revestida de naturezacomplexa, não podendo ser transposta ao procedimento sumaríssimo. No que concerne à tutela cautelar, o Autor entende que oórgão especialíssimo do juizado não oferece esse tipo de tutela.

Data maxima venia, os argumentos lançados pelo Autor não são capazes de sustentar com firmeza o não cabimento dastutelas de urgência nos juizados especiais. Em primeiro lugar por que é impossível deixar de conceber a aplicabilidade subsidiáriado CPC ao procedimento do JEC. Ainda que não expressa, esta aplicabilidade é evidente e maciçamente reconhecida peladoutrina e pela jurisprudência.

Tem razão o Autor, entretanto, quando afirma que a dificuldade de aplicação das tutelas de urgência no âmbito dosjuizados especiais reside em problemas de ordem procedimental. Isso decorre do fato de que no JEC não há a exigência de que ojuiz despache a petição inicial e, portanto, ele só tem contato com o processo por ocasião da audiência de instrução e julgamento,oportunidade na qual deverá proferir a sentença, de maneira que a tutela de urgência teria perdido seu objeto.

O problema relatado pelo Autor é real e, talvez, consista numa das maiores e mais concretas dificuldades relativas àstutelas de urgência no âmbito dos juizados especiais.

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Esta constatação, entretanto, não pode nos guiar à conclusão de ser impossível a concessão das medidas urgentes, mas,ao contrário, demonstra há a necessidade de adequação legislativa nas leis que regem os juizados especiais cíveis, de modo a fazercom que o juiz tenha contato com o processo antes da audiência de instrução e julgamento e que se crie um mecanismo deconcessão de tutela de urgência em seu âmbito.

O fato é que é muito fácil sucumbir ao obstáculo e concluir pela inaplicabilidade das tutelas de urgência no JEC, do queenfrentar o problema e propor soluções de melhoria.

Ora, é evidente que em muitas ocasiões a única tutela que se presta ao acesso à justiça é a tutela de urgência, logo não háo menor cabimento em excluí-la do procedimento dos juizados especiais. E, diga-se, não basta a previsão e a certeza docabimento. O importante, verdadeiramente, é a criação de mecanismos aptos à sua implementação.

4.2 A posição jurisprudencial acerca das tutelas de urgência nos juizados especiais A jurisprudência colhida dos Colégios Recursais de todo país felizmente tem se inclinado pelo total cabimento dastutelas de urgência no procedimento dos juizados especiais cíveis. Inicie-se pelo FONAJE (Fórum Nacional de Juizados Especiais) que já há algum tempo publicou o enunciado denúmero 26, pelo qual atestou que “ são cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos juizados especiais cíveis, em caráterexcepcional”. As tutelas cautelares e antecipatórias são cabíveis sempre que os requisitos autorizadores para a concessão da medidaestiverem presentes. Logo, a expressão “ em caráter excepcional” é dotada de desnecessário subjetivismo que em nada contribuipara o tratamento dessas medidas em sede dos juizados. Melhor seria a redação do enunciado se nele estivesse expresso ocabimento das tutelas de urgência, sempre que preenchidos os requisitos legais. O primeiro Colégio Recursal dos juizados especiais cíveis da capital de São Paulo é firme no reconhecimento acerca docabimento das tutelas de urgência no JEC. Tal assertiva decorre da análise das Súmulas editadas em seu primeiro encontro,ocorrido no ano de 2006, das quais se destacam[18]:

Súmula 01. Prolatada a sentença, não se conhece do agravo de instrumento interposto contra adecisão que apreciou o pedido de tutela antecipada. Súmula 07. Somente se reforma a decisão concessiva ou não da antecipação da tutela se teratológica,contrária à lei ou à evidente prova dos autos.

Importante notar que ao editar tais súmulas, o Colégio paulista partiu da premissa de que a antecipação da tutela é

plenamente cabível no JEC, pois procurou com os enunciados aparar outras arestas que, à evidência, não estão relacionadas aocabimento das tutelas urgentes.

Aliás, de extrema importância e sensibilidade o contido na súmula 07 cujo objetivo é garantir estabilidade à medidaque concedeu a antecipação de tutela e, sendo assim, constitui-se em inegável fator de acesso à justiça.

Da obra de Ricardo Cunha Chimenti[19], igualmente colhe-se notícia do enunciado de número 01, editado noEncontro de Juízes de Juizados Especiais e Colégios Recursais realizado na Escola Paulista da Magistratura, no ano de 2005,pelo qual: “ as decisões interlocutórias proferidas no sistema dos Juizados Especiais Cíveis, inclusive as antecipatórias de tutela eas cautelares, não precluem”.

Aqui também parte-se da premissa do cabimento das tutelas de urgência nos juizados especiais cíveis, e a preocupaçãodo enunciado é estabelecer que as decisões concessivas de tais medidas não se submetem aos efeitos da preclusão. Isso decorre doprincípio regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias que orienta o procedimento do JEC. Assim, se tais decisões são“ irrecorríveis”, não podem precluir e poderão ser objeto de argüição e análise no recurso inominado.

No estado do Rio de Janeiro, tão logo a lei 9.099/95 entrou em vigor realizou-se a 1ª Reunião de juízes de varascíveis e dos juizados especiais, na qual se aprovou o enunciado de número 06, estabelecendo que: “ é compatível com o ritoestabelecido pela Lei n. 9.099/95 a tutela antecipada a que alude o art. 273 do CPC”[20].

Diante do quadro, da jurisprudência colhem-se boas notícias e firmes entendimentos acerca do amplo cabimento dastutelas de urgência em sede dos juizados especiais cíveis, ainda que alguns magistrados, de forma isolada, continuem a aplicar oentendimento do não cabimento destas tutelas nos juizados. 4.3 Da analogia com a Lei 10.259/2001, que instituiu os juizados especiais federais Os juizados especiais federais, criados apenas no ano de 2001, foram instituídos para atender a mandamentoconstitucional decorrente da Emenda de número 22, que fez acrescentar ao Texto o parágrafo único do artigo 98, com a seguinteredação: “ Lei Federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”. A lei que os instituiu, previu expressamente a aplicação dos comandos contidos na Lei 9.099/95, em tudo que nãohouver conflito. Entretanto, diferentemente do que ocorre com a lei dos juizados estaduais, a o texto da lei 10.259/01 estabelece,de maneira expressa, em seu artigo 4º que: “ o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares nocurso do processo, para evitar dano de difícil reparação”. Com isso, importante passo foi dado em relação ao cabimento das tutelas de urgência nos juizados especiais cíveis,decorrente de expressa previsão em lei, o que impede interpretações em sentido contrário. De se notar o avanço da legislação ao permitir que o juiz conceda tais medidas, inclusive de ofício. Entretanto, nãopodemos deixar de reconhecer a atecnia da redação legislativa ao mencionar “ medidas cautelares” em vez de “ tutelas de urgência”,

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o que seria correto. Não há qualquer fundamento que justifique a exclusão de outras medidas de urgência, sobretudo as antecipatórias detutela, do âmbito de atuação da lei. Nesse sentido, observou Humberto Theodoro Júnior[21] que, não obstante o silêncio da lei10.259/01, não há incompatibilidade entre o procedimento sumaríssimo dos juizados especiais e o instituto da antecipação datutela, previsto nos artigos 273, 461 e 461-A do CPC. Também José Eduardo Carreira Alvim[22] anota que embora as leis dos juizados especiais estaduais e federais nãocontenham nenhum preceito sobre a tutela antecipada ou específica, o procedimento sumaríssimo por elas adotado é perfeitamentecompatível com os provimentos antecipatórios, aplicando-se, no caso, as regras contidas nos artigos 273 e 461 do Código deProcesso Civil. Esclarece o Autor que em se tratando de juizados federais, a antecipação da tutela é ainda mais importante que nosjuizados cíveis, tendo em vista que a competência de tais juizados é absoluta, não restando facultatividade à parte autora. Logo,não se pode simplesmente excluir a medida do sistema. O fato é que os juizados especiais cíveis, seja em âmbito estadual, seja em âmbito federal, possuem objetivos idênticos eforam inspirados pela ideia de se levar justiça ao cidadão de uma maneira mais simples, barata e rápida. O único traço que os distingue é o âmbito de atuação, ou melhor, a competência. Dessa forma, mais feliz foi a redaçãoda lei 10.259/01 que, de plano, previu o cabimento das tutelas de urgência. Destarte, não há como fugir da conclusão, inerradável, de que se cabíveis tais tutelas nos juizados especiais federais,igualmente o são nos juizados especiais cíveis que atuam junto à Justiça estadual, por uma questão de pura e simples analogia. 4.4 Da analogia com a lei 12.153/2009, que instituiu os juizados especiais no âmbito da Fazenda Pública dos Estados,Distrito Federal, Territórios e Municípios Recentemente foi publicada a lei que institui e regula os juizados especiais da Fazenda Pública, competentes paraprocessar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até ovalor de 60 (sessenta) salários mínimos. Foram excluídas de sua competência as ações de mandado de segurança, desapropriação, divisão e demarcação,populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos ou coletivos,além das causas que versem sobre bens imóveis dos entes e fundações públicas sujeitas a ações no juizado e causas que tenhamcomo objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas amilitares. Tal qual a lei que disciplina os juizados especiais em âmbito federal, a Lei 12.153/2009 estabeleceu que “ no foro ondeestiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta”. Diante disso, o artigo 3º do texto, consignou expressamente que: “ o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes,deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação”. A redação do artigo não poderia ser mais técnica e feliz, pois abarca a concessão de qualquer tutela de urgência nosjuizados e, ainda, autoriza que o juiz conceda tais medidas de ofício. O texto traz consigo a evolução do sistema dos juizados especiais, integrando a tutela de urgência como parte importantedeste sistema, o que já deveria ter ocorrido com a Lei 9.099/95, pois, como dito alhures, o fundamento dos juizados e das tutelasde urgências é absolutamente o mesmo, qual seja o acesso à justiça. Mais uma vez, pois, não há como negar, por pura e necessária analogia, o cabimento das tutelas de urgência nosjuizados especiais cíveis. 4.5 Da analogia com o Código de Defesa do Consumidor O Brasil tem o privilégio de contar com uma das mais modernas e avançadas legislações de proteção ao consumidor detodo o mundo. Nosso Código de Defesa do Consumidor reúne um expressivo conjunto de normas de ordem pública, de aplicaçãoobrigatória, portanto, e de inegável qualidade e eficiência na proteção do consumidor, considerado vulnerável e hipossuficiente narelação de consumo. E diga-se que o conceito de hipossuficiência em tais relações não se restringe às adversidades econômicas. Nesse sentido,bem observou José Luiz Ragazzi[23] que:

Muitos ainda, equivocadamente, entendem que hipossuficiente é somente o consumidor pobre,quando, na verdade, o juiz deve considerar também o grau de cultura do consumidor e o meio socialao qual pertence, além de seu conhecimento técnico sobre o produto ou serviço.

Dessa forma, há uma preocupação bastante presente no Código em relação à participação do consumidor em juízo sempreque, diante do desrespeito aos seus direitos, tiver que reclamá-los junto ao Poder Judiciário. De plano, estabelece o Código, a Política Nacional de Relações de Consumo cujo objetivo é o de atender asnecessidades dos consumidores, com respeito à sua dignidade. Para a execução dessa política, determina a Lei, que o PoderPúblico deverá valer-se de uma série de instrumentos, dentre eles, os juizados especiais de pequenas causas e varas especializadaspara a solução de litígios de consumo, consoante dispõe seu artigo 5º, inciso IV. Note-se que o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado em 1990, sendo, portanto, anterior à edição da lei queinstituiu os juizados especiais cíveis. Posto isso, não se nega que um de seus escopos foi exatamente o de dar vazão as demandas

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de consumo que, na esmagadora maioria das vezes, enquadram-se nos critérios de competência definidos pelo JEC. Logo, o juizado especial passou a ser, por excelência, o órgão judicial destinado a dirimir os conflitos advindos dasrelações de consumo que, não se nega, são muitos e de todas as ordens. Além disso, dentre os direitos básicos do consumidor, elenca-se “ o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, comvistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica,administrativa e técnica aos necessitados”. Todavia, não se limitou o Código a prever, de forma genérica, os princípios relativos ao acesso à justiça e ao PoderJudiciário relativos aos consumidores. Foi além e estabeleceu um avançadíssimo sistema concernente ao que ele mesmodenominou de “ defesa do consumidor em juízo”. Tendo em vista que o direito do consumidor muito facilmente se enquadra na categoria de direito difuso, coletivo ouindividual homogêneo, tratou a lei de conceituar expressamente no que consistem tais categorias de direitos e se preocupounitidamente com a defesa coletiva dos direitos do consumidor sem, contudo, deixar de lado as formas de defesa individual. Tanto assim o é, que o caput do artigo 81 da Lei 8.078/90, expressa que: “ a defesa dos interesses e direitos dosconsumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo”. Além disso, deixou consignado em seu artigo 83 que “ para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Códigosão admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Quis o Código expressar, com clareza, o cabimento de toda e qualquer ação para a proteção do consumidor, no afã deevitar qualquer tipo de interpretação divergente o que, em se tratando de ciência jurídica, não é nada difícil. Entretanto, como bemobservou Rizzatto Nunes[24], ainda que o artigo 83 não existisse, o quadro não se alteraria, em vista da ampla garantia dedireito de ação e acesso ao Poder Judiciário, estampados no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Ao comentar o dispositivo, Antonio Herman Benjamin[25] assevera que nele se encontra a razão de ser do Código emmatéria processual, que consiste na admissão de qualquer uma das ações permitidas pelo direito processual brasileiro, para tutelaefetiva dos consumidores. E que “ da maior importância, nesse sentido, é o instituto da antecipação da tutela, mecanismo dosmais importantes na efetiva prevenção dos danos ao consumidor”. E é exatamente da necessidade de se conferir tutela efetiva e adequada ao consumidor, que o CDC foi um dos pioneirosna legislação brasileira a adotar, como regra, a tutela específica das obrigações, prevendo que “ sendo relevante o fundamento dademanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou apósjustificação prévia, citado o réu”. Ou seja, para garantir a efetividade da tutela prestada ao consumidor, nada mais natural e necessário do que a tutelaespecífica, que deverá ser antecipada sempre que presentes os requisitos autorizadores da medida. Como bem observou Luiz Guilherme Marinoni[26], a tutela específica é a que melhor se presta à proteção do direitomaterial, pois é pensada na perspectiva das diversas situações de direito material carentes de tutela. Logo, é a tutela que, porexcelência, deve ser aplicada, sempre que possível, às demandas envolvendo relações de consumo. Ora, se o Código de Defesa do Consumidor garante a ele a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva e adequada,prevendo expressamente que, para tanto, poderá o juiz antecipá-la e, considerando que a imensa maioria das ações por elespropostas são de competência do JEC, a única conclusão aceitável é a de quando estiverem preenchidos os seus requisitos, o juizdeverá concedê-la. Ou seja, aceitar a tese de que as tutelas de urgência não são cabíveis nos juizados especiais implicaria, por consequência,em afirmar tais órgãos não se prestam à tutela dos consumidores, o que seria um verdadeiro contrassenso, além de absurdo. Logo, para que uma lei não exclua a outra, sendo certo que esta nunca foi a intenção de qualquer legislador, nada maisnatural, necessário e cabível do que as tutelas de urgência no âmbito dos juizados especiais, para proteção não apenas dosconsumidores, mas, de qualquer pessoa que reclame por tal. 4.6 Do cabimento das tutelas de urgência em função da aplicabilidade subsidiária do Código de Processo Civil Afirmamos alhures que basta o reconhecimento da natureza constitucional da tutela de urgência para concluir-se, semqualquer erro, pelo cabimento das tutelas de urgência no âmbito dos juizados especiais cíveis. Majoritária doutrina converge ao cabimento, a jurisprudência é praticamente uníssona nesse sentido e, por analogia, háque se aplicar a leis que instituíram os juizados especiais federais e os juizados da fazenda pública, além, é claro, da inequívocanecessidade da concessão de tais medidas quando a causa versar relação de consumo. Todas estas análises são importantes para corroborar o entendimento acerca do cabimento das tutelas de urgência no JECe, assim, constituírem-se em argumentos firmes a serem lançados contra aqueles que, absolutamente alheios ao modelo, insistemna tese do não cabimento. Tese esta que, data venia, por todos os ângulos que se queira enxergar não encontra qualquer forma de sustentabilidadefática ou jurídica. Entretanto, o cabimento das tutelas de urgência nos juizados especiais decorre, necessariamente, da aplicação subsidiáriado Código de Processo Civil ao seu microssistema que, exatamente, por ser “ micro” precisa encontrar apoio e base desustentação em uma lei que seja maior que ele e que, assim, conceba os institutos fundamentais que se aplicam a todo omacrossistema, do qual o juizado é parte integrante. O que é, em verdade, o juizado especial cível? Além de ser um “ órgão” da justiça estadual, encarregado de processar ejulgar as causas cíveis de menos complexidade, é, antes de tudo, um procedimento. O que nos traz a lei 9.099/95 é nada mais, nada menos, do que um procedimento que se coloca ao lado dos demaisprocedimentos encontrados no sistema processual brasileiro, quer no Código de Processo Civil, como é o caso do ordinário,

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sumário e de alguns ditos “ especiais”, quer em inúmeras outras leis extravagantes que instituem procedimentos especializados. Qualquer sistema jurídico que seja codificado encontra no Código a sustentação necessária para que, a partir dele,possam ser moldados outros procedimentos especializados e diferenciados e, por assim ser, aptos a prestar uma tutelajurisdicional também diferenciada, voltada as peculiaridades do direito material. A criação dos juizados especiais nunca teve por objetivo o afastamento completo e integral de seu procedimento dosditames estabelecidos pelo CPC e, tampouco, jamais foi concebido para eliminar as mazelas e os defeitos estruturais que hámuito acompanham o Judiciário brasileiro. Muito ao contrário, a ideia-matriz dos juizados sempre foi “ a facilitação do acesso à justiça pelo cidadão comum,especialmente pela camada mais humilde da população”[27]. A facilitação do acesso ao Judiciário e, em consequência, à justiça, se daria, dentre outras formas, pela concepção de umprocedimento altamente simplificado, com regras e princípios próprios, inovador e muito diferente daqueles procedimentos que jáeram por nós conhecidos na sistemática convencional. Todavia, nada nos autoriza a concluir que este novo procedimento deva fechar os olhos para a sistemática até entãovigente cujas regras são ditadas pelo Código de Processo Civil. Portanto, em tudo que não for conflitante, a aplicação subsidiáriado CPC é de rigor. Além disso, o sistema preconizado pelos juizados especiais integra, por evidente, o modelo constitucional de processocivil brasileiro que, aliás, rege o modo de ser de todo e qualquer processo e procedimento existentes no ordenamento jurídicopátrio. Dessa maneira, o procedimento dos juizados especiais deve estrita obediência aos princípios constitucionais quenorteiam o processo civil. É repetitivo, mas importante dizer, uma vez mais, que dentre os princípios conhecidos, a primaziadeles é ocupada pelo acesso à justiça e pela dignidade da pessoa humana. Do mandamento constitucional que determina a busca incessante pelo efetivo acesso à justiça decorre naturalmente odever que tem o magistrado de empregar a tutela de urgência sempre que, preenchidos os requisitos legais, esta for a maneira dese resguardar ou de se concretizar o direito reclamado pela parte. Ademais, a concessão da tutela de urgência não é uma faculdade do juiz, mas muito pelo contrário, um dever, decorrentedo poder que lhe foi conferido pelo Estado para, agindo em nome dele, assegurar a realização da justiça. Nessa esteira de pensamento, diz Humberto Theodoro Júnior[28] que:

As tutelas emergenciais não são simples faculdades do órgão judicial; são necessidades inafastáveisdo acesso à justiça, quando seus pressupostos se configuram. Não deferi-las, nesses casos, seria umaverdadeira denegação da tutela jurisdicional assegurada constitucionalmente.

Muitos juízes, infelizmente, não tem a consciência do poder que exercem e do que são capazes de fazer para, de fato,melhorar a vida das pessoas. Nesse contexto, o magistrado, mais do que qualquer outro ser humano, carrega consigo o poder defazer justiça. E, por certo, não tem a faculdade de menosprezá-lo. Se a tutela de urgência não é sequer uma faculdade do juiz, mas, sim, um de seus deveres, por mais óbvio ainda que elanão possa consistir num privilégio de um ou outro procedimento. Sempre que preenchidos os pressupostos, elas devem serconcedidas. Portanto, as tutelas de urgência nos juizados especiais cíveis podem e devem ser concedidas, sempre que o caso concretoassim o exigir, devendo pautar-se o magistrado pelar regras contidas no Código de Processo Civil, em vista, de sua inegável e,subsidiária, aplicação ao sistema dos juizados. 5. Sobre o agravo de instrumento nos juizados especiais cíveis Uma vez demonstrado o cabimento das tutelas de urgência nos juizados especiais cíveis, é preciso enfrentar a temáticarelativa ao cabimento do recurso de agravo de instrumento em seu procedimento que, assim como as tutelas de urgência, nãoencontra previsão na lei 9.099/95. Como afirmamos outrora, em tese, o procedimento dos juizados não foi concebido sob a ótica da necessidade das tutelasde urgência, tendo em vista tratar-se de um procedimento simplificado, concentrado e com alto grau de oralidade. É exatamente da oralidade que decorre a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias que, todavia, nãoprecluirão. Na sistemática processual codificada que nada, ou quase nada tem de oral, o juiz pratica apenas três tipos atosprocessuais: os despachos, as decisões interlocutórias e as sentenças, além, é claro, dos acórdãos proferidos pelos colegiados dosTribunais. O sistema recursal é muito claro, para impugnar a sentença, cabível é o recurso de apelação, para insurgir-se contra toda equalquer decisão interlocutória, o interessado terá que se valer do recurso de agravo, em regra retido, ou de instrumento, quando adecisão puder lhe causar lesão grave ou de difícil reparação, além de outras questões relativas ao recebimento e efeitos da apelação. Logo, toda decisão que não for capaz de causar um grave dano à parte, para evitar a preclusão, desafia o recurso de agravoque, por sua vez, ficará retido nos autos aguardando eventual suscitação em sede de apelação. Por outro lado, se a decisão do juiz puder de plano causar um grave dano ou de difícil reparação à parte, não há outrasaída que não o manejo do agravo de instrumento para que a decisão seja imediatamente revista pelo órgão de segundo grau dejurisdição, hierarquicamente superior ao juiz que proferiu a decisão potencialmente lesiva. Esta hipótese se agiganta em importância quando se está diante dos pedidos, em regra liminares, para a concessão detutelas de urgência. Caso o pedido seja negado, não pode a parte aguardar até decisão final simplesmente porque não dispõe de

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recurso para impugnar a decisão do juiz. Portanto, em se tratando de juizado especial, verifica-se que as decisões que na sistemática do CPC desafiam agravoretido são de fato irrecorríveis, mas, poderão ser alegadas em recurso inominado, haja vista não estarem expostas aos efeitos dapreclusão.

Por outro lado, o reconhecimento da possibilidade de concessão de tutelas de urgência nos juizados implica,necessariamente, no reconhecimento de que igualmente é cabível o agravo de instrumento, sobretudo para evitar a concessão dedecisões teratológicas pelos juízes e, ainda, para permitir que à parte interessada, em caso de negativa, não fique absolutamente aodesamparo do Poder Judiciário pela ausência de recurso.

Além disso, o duplo grau de jurisdição é inerente a qualquer sistema jurídico-processual que se queira fazer justo e quetenha como fundamento o princípio da ampla defesa, como é o nosso caso. A falibilidade é característica humana e, naturalmente,o magistrado não está imune a ela.

Data maxima venia, discordamos veementemente de quem, como Luiz Guilherme Marinoni[29], sustenta que aConstituição Federal não garante o duplo grau de jurisdição. Segundo o Autor:

Os recursos nem sempre são inerentes à ampla defesa. Nos casos em que não é razoável a previsão deum duplo juízo sobre o mérito, como nas hipóteses das causas denominadas de menor complexidade– que sofrem os efeitos benéficos da oralidade – ou em outras, assim não definidas, mas que tambémpossam justificar, racionalmente, uma única decisão, não há inconstitucionalidade na dispensa doduplo juízo.

Ao contrário do que sustenta o Autor, a supressão total do duplo grau de jurisdição para determinado tipo de decisão éflagrantemente inconstitucional, não só por violar o princípio da ampla defesa, mas, também, por não se coadunar com o acesso àjustiça. É bom que se diga, que a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inerentes aos procedimentos orais, tal comoocorre no JEC, refere-se exclusivamente ao momento em que pode ser manejado o recurso. Ou seja, não cabe imediato recursocontra tal decisão. No entanto, o JEC consagra o duplo grau de jurisdição e a matéria atingida pela decisão interlocutória, que nãocomportou recurso de plano, poderá ser alegada no recurso inominado, estando, portanto, sujeita à revisão. Logo, não houvequalquer supressão do duplo grau, mas, apenas uma forma de mitigação. O dispositivo contido no inciso LV, do artigo 5º da Constituição Federal, pelo qual “ aos litigantes em processojudicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a elainerentes” , ao contrário do que aduzido por Marinoni, é suficiente para estampar a garantia do duplo grau de jurisdição e, aomesmo tempo, fulminar de inconstitucionalidade qualquer norma tendente a suprimi-lo. Ora, a defesa só é ampla se comportarrecurso. Também não prospera o argumento de que o princípio constitucional da celeridade processual, por sua força e, tendo emvista o direito que todos tem à tutela jurisdicional tempestiva, autorizaria a dispensa de recursos em determinados casos cujoescopo seja apenas de garantir segurança ao recorrido. Ora, ninguém discute que a celeridade processual é o que mais se busca no processo civil moderno, mas é notório que oproblema da celeridade não é, absolutamente, relativo aos recursos, mas, sim, à deficiência estrutural dos Tribunais que demoramanos para julgá-los. Não se pode transferir o problema da falta de estrutura do Judiciário para a questão recursal. A jurisprudência não é pacífica quanto ao cabimento do agravo de instrumento nos juizados. Infelizmente, muitosColégios Recursais tem editado súmulas no sentido de seu não cabimento. Entretanto, não é raro admiti-lo nas hipóteses em quea decisão for suscetível de causar lesão grave à parte. Nem mesmo o FONAJE editou qualquer enunciado acerca do tema. O Colégio Recursal dos juizados especiais cíveis dacapital de São Paulo, tratou do recurso de agravo em súmulas por nós já mencionadas. Do Encontro de juízes de juizados especiais e Colégios Recursais realizado na Escola Paulista de Magistratura, restoupublicado o enunciado de número 02, pelo qual: “ admite-se o recurso de agravo apenas quando houver risco de perecimento dodireito”. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 576847-BA, de relatoria do Ministro Eros Grau,reconhecendo a repercussão geral do tema, decidiu que, em se tratando de juizados especiais, não cabe recurso contra a decisãoque antecipa os efeitos da tutela, tendo em vista o princípio da concentração de atos. Entendemos, por fim, que o melhor entendimento que se aplica ao caso é de que apenas admite-se o cabimento dorecurso de agravo de instrumento nas hipóteses em que a decisão puder nitidamente causar uma lesão grave a qualquer das partes,pois negar o recurso a casos como este, é o mesmo que negar acesso à justiça. 6. Sobre a importância das tutelas de urgência no âmbito dos juizados especiais cíveis

O Brasil possui um complexo e sofisticado sistema processual que, por isso, acaba por tornar-se caro, demoradoe, muitas vezes, inefetivo. Compõe, entretanto, esse sofisticado sistema, um procedimento altamente diferenciado, com estrutura eprincípios próprios, que se destina à solução das causas de menor complexidade que são os juizados especiais cíveis. A atuação da jurisdição, mediante os instrumentos da ação, processo e procedimento, deve cainhar em direção à justiça. Partindo dessa premissa, é preciso delinear que “ justiça” se busca quando da utilização do procedimento previsto pelosjuizados especiais. Segundo Caetano Lagrasta Neto[30], o juizado especial de pequenas causas representa acesso à justiça, isto é, adequaçãodos anseios da população a uma justiça rápida, sem custas e sem formalismo, a fim de se evitar a contenção da litigiosidade e a

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 7738

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violência, capazes de induzir à justiça de mão própria, à barbárie, em suma, ao ocaso do direito. A ideia, portanto, é a de concepção de uma justiça diferenciada, informal, célere, acessível a toda população, sobretudo amais humilde e carente e que, posto isso, seja capaz de resolver pequenos conflitos e concretizar direitos que, até então, nãocontavam com a atenção merecida e, não raras vezes, pereciam. Logo, acessar a justiça, mediante os juizados especiais, possui dois enfoques distintos. O primeiro é o de solucionarconflitos que, antes do advento da lei, jamais chegavam ao Poder Judiciário, fosse por sua singeleza, pelo custo, ou peladesinformação. O segundo é o de facilitar e agilizar o processamento de conflitos de menor complexidade, através dainformalidade e celeridade, próprias dos juizados, entregando ao jurisdicionados uma tutela dotada de maior efetividade. Ocorre que estas causas menos complexas e de menor valor não estão imunes à necessidade de serem tratadas comurgência, sempre que a situação fática ou jurídica assim o requerer. No mais das vezes quem vai ao juizado especial cível é justamente aquela pessoa mais simples e humilde, ou melhor,hipossuficiente em quase todos os sentidos, e assim em absoluta condição de vulnerabilidade. Sem qualquer conhecimento técnico ou jurídico, esta pessoa clama por um único objetivo que é o de concretizar odireito lesado, ou seja, acessar a justiça. Naturalmente, não serão raras as vezes em que a concretização desse direito só serápossível e efetiva com o deferimento de uma tutela urgente, haja vista que a espera pelo resultado final de mérito fará o direitoperecer. Nesse diapasão, o acesso à justiça em sede de juizados especiais cíveis estará, em muitas situações, absolutamenteassociado à concessão de uma tutela de urgência. Isto porque não se pode desprezar o fato de que a celeridade, tão esperada dos juizados especiais, não tem sido presenteno seu procedimento. Para demonstrar, com fatos concretos, a realidade vivida pela maioria dos juizados especiais, notadamente no Estado deSão Paulo, e assim expressar quão importante é o instituto da tutela de urgência em seu procedimento, realizamos uma pequenapesquisa de campo, despretensiosa em relação às regras e técnicas científicas que devem ser empregadas nesse tipo de pesquisa,não muito comum na área jurídica, mas, que se presta ao objetivo que pretendemos alcançar. Sendo assim, pedimos vênia, para apenas ilustrar o presente artigo com os dados que foram colhidos junto aos diretoresdos cartórios das varas de juizados especiais cíveis de oito municípios no estado de São Paulo. O primeiro objetivo da pesquisa é demonstrar que o sistema dos juizados cumpre, muitíssimo bem, seu papel defacilitador do acesso ao Poder Judiciário, tendo em vista que é gigantesco o número de processos que tramitam em suas varas. Assim, indagamos aos diretores de cartórios quantos foram os feitos distribuídos no ano de 2009 e quantos já haviamsido distribuídos até o dia 30 de março de 2010, data em que a pesquisa foi encerrada. As respostas foram as seguintes: MUNICÍPIO O NDE ESTÁ LO CALIZADOO JUIZADO ESPECIAL

NÚMERO DE FEITO SEM 2009

NÚMERO DE FEITO SATÉ 30/03/10

SÃO PAULO (VERGUEIRO) 21.110 5.253CAMPINAS 10.800 2.612SÃO JOSÉ DOS CAMPOS 3.672 781SANTOS 13.506 4.105SOROCABA 6.870 2.287SÃO JOSÉ DO RIO PRETO 10.900 3.850BAURU 11.341 3.983PRESIDENTE PRUDENTE 3.500 1.000 Por outro lado, para verificar a questão da celeridade nos juizados especiais, questionamos qual o prazo médio para arealização das audiências. As questões foram no seguinte sentido:

1) Sendo deduzido o pedido hoje, em que data será marcada a audiência de conciliação?2) Sendo hoje celebrada a audiência de conciliação, em que data será marcada a audiência de instrução e julgamento?

As respostas ofertadas pelos diretores de cartórios dos juizados especiais foram da seguinte ordem:

MUNICÍPIO O NDE ESTÁ LO CALIZADOO JUIZADO ESPECIAL

CO NCILIAÇÃO INSTRUÇÃO EJULGAMENTO

SÃO PAULO (VERGUEIRO) 03 meses Entre 01 e 03 mesesCAMPINAS 04 meses 06 mesesSÃO JOSÉ DOS CAMPOS 03 meses 04 mesesSANTOS 06 meses Março de 2012SOROCABA 04 meses 04 mesesSÃO JOSÉ DO RIO PRETO 45 dias 75 dias

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 7739

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BAURU 04 meses 03 mesesPRESIDENTE PRUDENTE 02 meses 02 meses

Ou seja, se por um lado as pessoas tem procurado os juizados especiais para solucionar seus conflitos, por outro nãoencontram por lá a promessa de celeridade que o norteia. Nenhum dos oito juizados especiais consultados consegue cumprir os prazos previstos em lei, que são de 15 (quinze)dias para a audiência de conciliação e outros 15 (quinze) para a realização da audiência de instrução e julgamento, quandonecessária. Note-se o triste exemplo do juizado especial cível de Santos onde a audiência de instrução e julgamento tem previsãopara acontecer num prazo de dois anos. Nos demais juizados os resultados também não são animadores. E a conclusão, inerradável, é a de que o fator tempo,como sói acontecer em todos os tipos de procedimento, é também um inimigo dos que litigam nos juizados especiais. Diante do quadro, resta evidente a necessidade das tutelas de urgência nos juizados especiais, não só para garantir apronta resposta do Estado às situações que requeiram essa urgência, mas, também, para atuar como um remédio contra o tempodo processo, evitando assim o perecimento de direito. Além do mais, não se pode conceber os juizados especiais como sendo um órgão que presta uma justiça de segundaclasse (como muitos, infelizmente, pensam) apenas porque lida com pequenas causas, de menor complexidade e de reduzido valoreconômico. Não podemos jamais nos afastar do fato de que vivemos num país onde mais de um terço da população vive em situaçãode considerável pobreza e dependem de auxílio governamental para sobreviver. Para essas pessoas, qualquer que seja o valorenvolvido no conflito, será de muita importância. Destarte, não se olvide que de um lado existem milhões de consumidores adquirindo produtos e serviços todos os diase, de outro lado, milhares de empresas que, ainda, insistem em desrespeitar os direitos básicos do consumidor. E se os consumidores são, na esmagadora maioria, tímidos litigantes eventuais, as empresas compõe o pólo dospoderosos litigantes habituais e organizacionais. A realidade demonstra, inclusive, que muitas delas persistem em erros, lesando milhares de consumidores, pois sabemque a maioria deles não irá ao Judiciário reclamar seus direitos. Assim, o lucro advindo das lesões perpetradas é maior que asindenizações pagas judicialmente. Nesses casos, sobreleva-se em importância a concessão de tutelas de urgência, quando preenchidos seus requisitos, emfavor dos consumidores que, por certo, não podem aguardar a decisão final de mérito. Logo, por qualquer ângulo que se queira enxergar, não há como deixar de se concluir pela importância, por vezesextremada, das tutelas de urgência nos juizados especiais. Sempre que cabíveis, o juiz terá o dever de concedê-las e, assim,permitir que, de fato, o juizado especial permita o verdadeiro acesso à justiça que, nada mais é, do que a concretização, emtempo, do direito material pleiteado. Conclusões:

A experiência prática demonstra que ainda hoje e, infelizmente, muitos magistrados que atuam em juizados especiaiscíveis se negam a conceder tutelas de urgência neste procedimento, alegando o seu não cabimento.

A moderna concepção de direito processual civil encampa a ideia da efetividade da tutela jurisdicional. O processo nãose contenta apenas com uma resposta formal de mérito, exigindo, ao contrário, que a tutela prestada pelo Estado seja apta aconcretizar o direito reclamado pelo jurisdicionado.

As tutelas de urgência, concedidas mediante cognição sumária do julgador, são modalidades de tutelasdiferenciadas que buscam eliminar os obstáculos temporais que poderiam impedir a concreta atuação do direito material e, postoisso, encontram fundamento no acesso à justiça.

Os juizados especiais cíveis foram criados na perspectiva de se eliminar os óbices ao acesso à justiça para a camadamais humilde da população. Sobretudo em relação ao custo do processo e a judicialização de demandas que quase nuncachegavam ao Poder Judiciário.

As tutelas de urgência e os juizados especiais cíveis, pois, encerram o mesmo objetivo e fundamento que é o deproporcionar justiça aos jurisdicionados, justiça esta revelada pela efetividade e concretização do direito material reclamado.

O procedimento dos juizados especiais, criado sob o viés da celeridade e oralidade, não foi pensado na perspectiva danecessidade de concessão de tutelas de urgência, de modo que a lei silenciou-se a respeito. Entretanto, devido a enormidade dedemandas que são submetidas a sua apreciação, seu procedimento não mais pode ser taxado de célere, donde surge a necessidadeda utilização de tutelas de urgência.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência possuem entendimento majoritário no sentido de que se admite a concessãode tutelas de urgência no âmbito dos juizados especiais cíveis.

As leis 10.259/2001 e 12.153/2009 que instituíram os juizados especiais federais e juizados especiais da FazendaPública, respectivamente, prevêem expressamente a possibilidade de concessão de tutelas de urgência, inclusive de ofício, pelosjuízes. Logo, por analogia, o cabimento de tais medidas se estende aos juizados especiais cíveis.

Todo o sistema do Código de Defesa do Consumidor foi pensado na perspectiva de concessão de tutelas urgentes,sempre que cabíveis, aos consumidores lesados, sendo que a esmagadora maioria dessas demandas são propostas nos juizadosespeciais. Assim, impossibilitar a tutela de urgência nos juizados seria um contrassenso e comprometeria a efetividade do CDC.

Sendo o juizado especial um microssistema processual, encontra base de sustentação no macrossistema que é o Código

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de Processo Civil. Disso decorre que as tutelas de urgência se aplicam ao JEC em virtude da aplicabilidade subsidiária do CPCao seu procedimento, vez que a Lei 9.099/95 é omissa nesse sentido.

Aceito o cabimento das tutelas de urgência no JEC, também o é o agravo de instrumento sempre que a decisão do juizpuder causar à parte uma lesão grave ou de difícil de reparação.

Ademais, as tutelas de urgência revelam importância extremada nos juizados especiais, que já não são tão céleresquanto deveriam, e porque lidam com a camada mais humildade da população que, no mais das vezes, depende destas medidaspara acessar a justiça e concretizar o direito.

[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional. Revista de processo. n. 81. São Paulo: RT, 1996. p. 55.

[2] DESTEFENNI, Marcos. Natureza constitucional da tutela de urgência. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.[3] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 3. ed. rev.ampliada. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 14.

[4] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.

[5] DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual dos juizados cíveis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

[6] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. rev. at. Malheiros: São Paulo: 2002. 3. v.

[7] DINAMARCO, Manual..., 2001. p. 90.

[8]CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreira dos. Juizados especiais cíveis e criminais: federais e estaduais. 2.ed. rev. at. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 95.[9] Ibidem, p. 99.

[10] Nesse sentido é o posicionamento de Demócrito Ramos Reinaldo Filho, que será adiante exposto.

[11]ROCHA, Felippe Borring. Juizados especiais cíveis: aspectos polêmicos da lei 9.099 de 26/9/1995. 2.ed. rev. amp. at. Riode Janeiro: Lumen Juris, 2002., p. 42.[12] Ibidem, p. 42.

[13] TOSTES, Natacha Nascimento Gomes; CARVALHO, Márcia Cunha Silva Araújo de. Juizado especial cível: estudodoutrinário e interpretativo da lei 9.099/95 e seus reflexos processuais práticos. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.[14] PRUDENTE, Antonio Souza. Tutela coletiva e de evidência no juizado especial federal cível. Revista jurídica Consulex, Brasília, DF, v. 7, n. 151, p.36-40, abr. 2003.[15] Ibidem, p. 39.

[16] REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. Juizados especiais cíveis: comentários à lei n. 9.099, de 26-9-1995. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

[17] Ibidem, p. 123.

[18] As informações foram obtidas em: CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. 9. ed. São Paulo:Saraiva, 2007. p. 371

[19] Ibidem, p. 374.

[20] CHIMENTI; SANTOS, op. cit. p. 99.

[21] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: procedimentos especiais. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 3. v. p. 506.

[22] ALVIM, José Eduardo Carreira. Juizados especiais federais. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 61.

[23] RAGAZZI, José Luiz. Tutela antecipada nas relações de consumo. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 57.

[24] NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 711.

[25] In: MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. rev, at eamp. São Paulo: RT, 2006. p. 1016.

[26] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. 2. ed. rev. São Paulo: RT, 2001.

[27] WATANABE, Kazuo. Relevância político-social dos juizados especiais cíveis (sua finalidade maior). In: FIUZA, César Augusto de Castro. et. al.(coord). Temas atuais de direito processual civil. Belo Horizonte: Del Rey , 2001. p. 202.

[28] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio deJaneiro: Forense, 2008. p. 795.

[29] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 7. Ed. ver. At. São Paulo: RT, 2008. p.501.

[30]LAGRASTA NETO, Caetano. Juizado especial de pequenas causas no direito comparado. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 59.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 7741


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