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Rev40

Date post: 03-Nov-2015
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Rev40
428
 revista do tribunal regional federal QUARTA REGIÃO
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  • revistadotribunalregionalfederalQUARTA REGIO

  • Branca

  • revistadotribunalregionalfederalQUARTA REGIO

    R. Trib. Reg. Fed. 4 Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 1-428, 2001

  • Revista do Tribunal Regional Federal da 4 Regio. Vol. 1, n. 1 (jan./mar. 1990). Porto Alegre: O Tribunal, 1990 v. Trimestral.

    ISSN 0103-6599

    1. Direito Peridicos. 2. Direito Jurisprudncia. 1. Brasil.Tribunal Regional Federal 4 Regio.

    CDU 34(051)34(094.9)

    TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4 Regio

    R. Mostardeiro, 48390430-001 - Porto Alegre - RS

    Tiragem: 1000 exemplares

  • revistadotribunalregionalfederalQUARTA REGIO

    MARGA BARTH TESSLERJuza-Diretora da Escola da Magistratura

  • Branca

  • TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4 Regio

    JURISDIORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran

    COMPOSIOEm maio de 2001

    PLENRIOJuiz Fbio Bittencourt da Rosa - Presidente

    Juiz Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Vice-PresidenteJuiz Teori Albino Zavascki

    Juiz Vladimir Passos de Freitas - Corregedor-GeralJuza Luiza Dias Cassales

    Juza Tania Terezinha Cardoso EscobarJuiz Nylson Paim de Abreu

    Juza Silvia Maria Gonalves Goraieb - Vice-Corregedora-GeralJuiz Vilson Dars

    Juza Marga Inge Barth Tessler - Diretora da Escola da MagistraturaJuiz Amir Jos Finocchiaro Sarti

    Juza Maria Lcia Luz LeiriaJuiz lcio Pinheiro de Castro

    Juza Virgnia Amaral da Cunha ScheibeJuiz Jos Luiz Borges Germano da Silva

    Juiz Joo Surreaux ChagasJuiz Amaury Chaves de Athayde

    Juza Maria de Ftima Freitas LabarrreJuiz Edgard Antnio Lippmann

    Juiz Valdemar CapelettiJuiz Luiz Carlos de Castro Lugon

    Juiz Tadaaqui HiroseJuiz Srgio Renato Tejada Garcia (convocado)

    PRIMEIRA SEO

  • Juiz Manoel Lauro Volkmer de Castilho - PresidenteJuza Tania Terezinha Cardoso Escobar

    Juiz Vilson DarsJuiz Amir Jos Finocchiaro Sarti

    Juza Maria Lcia Luz LeiriaJuiz lcio Pinheiro de Castro

    Juiz Jos Luiz Borges Germano da Silva

    SEGUNDA SEO

    Juiz Manoel Lauro Volkmer de Castilho - PresidenteJuiz Teori Albino ZavasckiJuza Luiza Dias Cassales

    Juza Silvia Maria Gonalves GoraiebJuza Marga Inge Barth Tessler

    Juiz Amaury Chaves de AthaydeJuza Maria de Ftima Freitas Labarrre

    Juiz Edgard Antnio LippmannJuiz Valdemar Capeletti

    TERCEIRA SEO

    Juiz Manoel Lauro Volkmer de Castilho - PresidenteJuiz Nylson Paim de Abreu

    Juza Virgnia Amaral da Cunha ScheibeJuiz Joo Surreaux Chagas

    Juiz Luiz Carlos de Castro LugonJuiz Tadaaqui Hirose

    Juiz Srgio Renato Tejada Garcia (convocado)PRIMEIRA TURMA

  • Juiz Amir Jos Finocchiaro Sarti - PresidenteJuza Maria Lcia Luz Leiria

    Juiz Jos Luiz Borges Germano da Silva

    SEGUNDA TURMAJuza Tania Terezinha Cardoso Escobar - Presidente

    Juiz Vilson DarsJuiz lcio Pinheiro de Castro

    TERCEIRA TURMAJuiz Teori Albino Zavascki - Presidente

    Juza Luiza Dias CassalesJuza Marga Inge Barth Tessler

    Juza Maria de Ftima Freitas Labarrre

    QUARTA TURMAJuza Silvia Maria Gonalves Goraieb - Presidente

    Juiz Amaury Chaves de AthaydeJuiz Edgard Antnio Lippmann

    Juiz Valdemar Capeletti

    QUINTA TURMAJuza Virgnia Amaral da Cunha Scheibe - Presidente

    Juiz Tadaaqui HiroseJuiz Srgio Renato Tejada Garcia (convocado)

    SEXTA TURMAJuiz Nylson Paim de Abreu - Presidente

    Juiz Joo Surreaux ChagasJuiz Luiz Carlos de Castro Lugon

  • Branca

  • SUMRIO

    DOUTRINA ........................................................................................13 Repudiando Montesquieu? A expanso e a legitimidade da justia constitucional ..................................15 Mauro Cappelletti Alguns princpios do Direito Penal ........................................51 Fbio Bittencourt da Rosa Notas sobre o processamento do juzo de admissibilidade dos recursos especiais e extraordinrios .......................................59 Manoel Lauro Volkmer de Castilho O Direito Sade A Sade como direito e como dever na Constituio Federal de 1988 ..................................................75 Marga Inge Barth Tessler Declarao do Primeiro Congresso de Magistrados Federais Argentina, Brasil e Mxico, em Florianpolis.......................109

    ACRDOS..................................................................................... 111 Direito Administrativo e Direito Civil ................................... 113 Direito Penal e Direito Processual Penal ...............................221 Direito Previdencirio ............................................................261 Direito Processual Civil .........................................................331 Direito Tributrio ...................................................................375

    NDICE NUMRICO .......................................................................407

    NDICE ANALTICO ...................................................................... 411

  • Branca

  • DOUTRINA

  • R. Trib. Reg. Fed. 4 Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 200114

    Branca

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    Repudiando Montesquieu? A expanso e a legitimidade da justia constitucional*

    Mauro Cappelletti

    1. A contribuio da justia legal na persecuo da liberdade poltica

    O que a justia humana pode fazer solucionar, ou tentar solucio-nar, problemas concretos da vida individual e social: promulgar e impor normas, criar instituies, traar processos, tudo com um objetivo em

    Nota do tradutor: esta traduo resulta de um repto a mim lanado pelo amigo e professor Carlos Al-berto Alvaro de Oliveira em suas aulas no mestrado da Faculdade de Direito da UFRGS. Aceito o desafio, teve ainda o mestre a dedicao [no que pese a tremenda carga de trabalho que enfrenta, como Magistrado consciente e responsvel, no Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do Sul] de revisar e conformar linguagem tcnica do texto certos conceitos do autor.

    * Copyright Mauro Cappelletti. Esta uma verso brevemente revista de um artigo originariamente publicado em 35 Catholic University Law Review 10001-1032 (1985). um texto anotado da 20 Confe-rncia Anual do Papa Joo XXIII, proferida no dia 25 de abril de 1985, na Universidade Catlica Ameri-cana em Washington, D.C. Foi preparada dentro da concepo de projeto sobre as Dimensions of Justice: Constitutional and Transnational Enforcement of Human Rights, que o autor dirigiu no IUE, desde 1984, e realizou a respeito de pesquisa levada a efeito no IEU em dois projetos prvios tambm dirigidos pelo autor, denominado Access to Justice Project (1976-79) (resultados publicados in M. Cappelletti, gen., ed., Access to Justice Project. Vols. I-IV, Milo & Alphen aan den Rijn, Giuffr & Sijhoff & Noordhoff, 1978-79) e M. Cappelletti ed., Access to Justice and the Welfare State, Alphen aan den Rijn & Bruxelles, Stihhoff & Bruylant, 1981 e o projeto sobre European Legal Integration in Light of the American Federal Experience (1979-85) (resultados publicados in M. Cappelletti, M. Seccombe & J. Weiler, gen., eds., In-tegration Through Law: Europe and the American Federal Experience, vols. I (3 livros)-VI, Berlin & New York, Walter de Gruyter, 1985-...).1 A verso inglesa comentada pode ser encontrada in The Encyclicas and Other Messages of John XXIII,

    ______________**Traduo de Fernando S advogado em Porto Alegre

  • R. Trib. Reg. Fed. 4 Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 200116

    mente dirimir problemas reais. Mas os problemas humanos mudam continuamente, assim como as normas, os processos e as instituies. A justia humana est mudando a idia de Justia, se ela existe ou no, em algum ponto final, em alguma abrangente permanncia, um Absoluto que proporcione uma trgua, sentido e luz a todo este comovente, batalhado e fugaz fenmeno que a vida humana.

    Tenho a honra de estar hoje com vocs, em um tributo de respeito e gratido ao Papa Joo XXIII. Sua viso de f no Absoluto no diminuiu seu profundo compromisso e ardor pela mudana. A justia humana nunca cessou de ser a sua preocupao. Suas duas principais Encclicas, Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963),1 representam um formid-vel esforo na tentativa de traar as linhas bsicas para a soluo do que seja talvez o mais desafiador dos problemas da vida em nossa poca: o desafio da opresso, da pobreza e da guerra; os problemas da liberdade e da dignidade humanas, da justia social e da coexistncia pacfica dos indivduos e dos povos; problemas cuja soluo deveriam unir, como ele afirmou, todos os homens de boa vontade, pouco importando a raa, a nacionalidade e a f. Ele nos deu, assim, a base para esboar uma filosofia de vida para os indivduos e as naes de nossa poca.

    Em suas razes, pode-se dizer que sua doutrina era relevante para todos os tempos, pois cada poca sofre opresso, injustia social, vio-lncia e guerra. Mas, num sentido mais profundo, a sua doutrina tinha o significado de uma filosofia essencialmente do e para o nosso tempo. Essa foi a lio tirada dos tremendos desafios do nosso sculo, o qual, embora alardeando os mais nobres ideais de liberdade individual e de dignidade humana, caracterizou-se justamente como sendo a poca dos mais terrveis sistemas de opresso dos indivduos, grupos e povos, como o foram o holocausto e o tentado genocdio de populaes e de naes inteiras. Este nosso sculo, embora tenha testemunhado o mais impres-sionante crescimento de riqueza material e de genuna possibilidade de criar novas riquezas e bem-estar, foi e vem sendo flagelado pela misria nascente e pela fome macia. O mundo, reduzindo-se no seu tamanho, pede, e at mesmo clama, por unio e paz. Todavia, esta tem sido a era das mais terrveis guerras mundiais e de uma impendente ameaa de um ______________

    1 A verso inglesa comentada pode ser encontrada in The Encyclicas and Other Messages of John XXIII, editada por Staff of the Pope Speaks Magazine, Washington, D.C., TPS Press, 1964.

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    terceiro e derradeiro conflito; o dilvio universal; o fim, possivelmente, da humanidade.

    tempo, para todos ns, de nos preocuparmos com o fundamental. Se alguns episdios, relativamente limitados, como, por exemplo, o escndalo de Watergate, tm feito advogados e professores americanos de Direito lembrarem que existe um problema de moralidade no Direito, na profisso e na formao jurdica, e se o Vietnam, assim como tambm o Iraque e o Chile e o Afeganisto, e muitos outros, fizeram com que homens e mulheres lembrassem ainda mais felizmente atrs da cortina de ferro tambm que existe um problema de moralidade na poltica e no modo em que nosso mundo em perigo conduzido, tempo, ento, para todos ns, de nos preocuparmos em encontrar soluo adequada para as mais importantes questes que nos assolam - os problemas de sobre-vivncia em nossa poca. Os problemas de buscar a liberdade, a justia e a paz so novos, pela forma como assumiram, afinal, uma dimenso sem precedentes em nosso tempo: uma dimenso que, se as solues adequadas no forem encontradas, pode eventualmente significar o fim do milnio da civilizao.

    Seja-me permitido, ento, usar este privilegiado forum, para fazer um breve interrogatrio em busca da resposta especfica que a nossa poca tem tentado dar queles problemas maiores da sobrevivncia, especialmente para um deles o problema da opresso poltica. Em um nvel pessoal, gostaria de acrescentar que me particularmente gratifi-cante falar a respeito deste tpico, hoje, 25 de abril, dia da liberao da Itlia, o quadragsimo aniversrio da libertao de minha ptria, de um terrvel sistema de opresso poltica que levou mais trgica de todas as guerras. Minha busca focar-se-, na Europa, mas no se limitar a ela; e, obviamente, ser a indagao de um advogado, uma vez que procurarei ordenar algumas das mais significativas normas legais, instituies e processos que proporcionam, em minha opinio, respostas objetivas ou potenciais ao mais dramtico desafio de nosso tempo. Outros, natural-mente, podem propor diferentes respostas para este desafio ou, como preferiria pensar, diferentes facetas mesma resposta oferecendo, por exemplo, visualizaes econmicas, mais do que legais, como estou eu, aqui e agora, mais diretamente preocupado.

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    2. O Significado de Justia Constitucional

    A principal resposta, em termos de justia legal, ao problema da opresso, pode ser expressa por uma frmula largamente usada hoje em dia na Europa: Justia Constitucional. comum dizer-se que o poder governamental encontra-se limitado por uma norma constitucional, e que os procedimentos tenham sido concebidos e as instituies criadas para implementar tal limitao.

    Na verdade, as formas de opresso que caracterizam nossa poca so vrias e muito complexas. Por exemplo, o poder no-governamental - como o poder de grupos organizados, as corporaes econmicas, os sindicatos, as associaes, e os partidos polticos - ocasionalmente provou no ser menos perigoso e opressivo, no menos invasor da privacidade e da liberdade dos indivduos, do que o poder oficial do Estado. Mesmo os fantsticos e esplndidos desenvolvimentos tecnolgicos constituem-se numa ameaa potencial, pois os instrumentos de intromisso tornaram-se cada vez mais disponveis para uso opressivo imediato. E, na verdade, nunca talvez to agudamente quanto nos dias de hoje o indivduo sentiu a opresso da solido dentro da multido; o sentimento de que nossa voz como a parfrase bblica, clamans in deserto; o sentimento de alienao, que constitui uma das mais bsicas doenas psicolgicas do homem moderno.

    Ademais, o perigo que provou ser o mais temido de nosso sculo , sem dvida, o poder organizado o Estado e a sua multiplicidade de rgos e agncias, sua proliferao central e local. Os casos, para mencionar apenas os mais clamorosos, da Alemanha Nazista, da Itlia fascista e da Rssia de Stalin, nunca passaro sem nos terem ensinado a mais importante lio: quando o poder poltico no sofre controle, mesmo os instrumentos da nova tecnologia, da comunicao de massa, da assim chamada educao popular, tudo pode perverter-se numa grande mquina corruptora. A corrupo das mentes obtida atravs da desinformao macia e da proibio de toda crtica. Lembro uma das mais infames leis, discutidas alguns anos atrs pelos professores Hart e Fuller,2 num dos mais citados debates sobre o direito e a moral. A lei alem, de 1944, permitia que um homem, denunciado por sua mulher,

    2 H. L. A HART, Positivism and Fidelity to Law A Reply to Professor Hart. Ibidem, 630-672.

    ______________

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    fosse condenado pena capital, pelo crime de criticar Hitler,3 quando em licena militar, em sua casa. O que pode emergir de um governo sem controle, como a triste histria recente nos revela, uma distoro, at mesmo para o mais prosaico sentido de justia. Da, a intolerncia e o fanatismo e, eventualmente, a aceitao, e at mesmo o chamamento violncia e guerra.

    A justia constitucional, acredito, , na verdade, uma das mais im-portantes e promissoras respostas que um crescente nmero de naes tem procurado dar a esse problema da opresso governamental. Como j mencionado, o que est implcito na justia constitucional a noo de um novo4 tipo de normas constitucionais, instituies e processos, numa tentativa de limitar e controlar o poder poltico. Existe, naturalmente, uma variedade de meios que ajudam a alcanar este desiderato. Esses meios incluem o regionalismo, que traz tona a descentralizao, pelo menos de parte do poder poltico, uma forma de diviso vertical do mesmo. Aqui, todavia, eu pretendo centrar minha discusso a respeito da reviso judicial da constitucionalidade do ato administrativo e, particularmente, da legislao. Trata-se de uma evoluo que, num sentido mais real, mudou a estrutura governamental na maior parte da Europa continental, nos ltimos 40 anos mais ou menos, com expanses em outras partes do mundo, incluindo, por exemplo, o Japo.

    3. O Surgimento e o Crescimento da Justia Constitucional na Era Posterior Segunda Guerra Mundial

    A ustria desde 1945, o Japo desde 1947, a Itlia desde 1948, a Ale-manha desde 1949: emergindo do pesadelo da tirania e da guerra, todos esses pases percorreram um caminho semelhante em seus esforos de construo duma nova forma de governo civil e democrtico. Cada um deles adotou uma Constituio escrita, aceita como obrigatria por todos os rgos do governo. Introduziram severas limitaes ao processo de ______________ 3 HART, ob. cit., 618-619; FULLER, ob. cit., 654-655. 4 Para alguns precedentes histricos, entretanto, vide, v.g., M. CAPPELLETTI e J. C. ADAMS, Judicial Review of Legislation: European Antecedents and Adaptations, 79 Harv. L. Rev. 1207-1224 (1966); M. CAPPELLETTI, Judicial Review in the Contemporary World, Indianapolis, Bobbs-Merrill, 1971, 24-43 [doravante citada como Judicial Review].

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    emenda Constituio, protegendo, assim, o novo direito fundamental, dos caprichos de maiorias passageiras. Incluram direitos fundamentais na Constituio, estendendo, assim, a proteo constitucional aos indi-vduos em face do poder governamental; e, last but not least, reforaram a atuao da Constituio e de seus direitos fundamentais, em relao a novos ou reestruturados tribunais judiciais, dotados de importantes garantias de independncia face a rgos polticos.5

    Isso, naturalmente, pode parecer um pouco banal para os america-nos. Permitam-me advertir, todavia, que mesmo neste pas, o papel da deciso constitucional adquiriu sua importncia atual somente depois da II Guerra Mundial, quando se tornou o mais importante instrumento para a garantia de certos direitos civis bsicos dos cidados e de grupos minoritrios contra maiorias resistentes nos Estados e contra a inao de rgos polticos no plano federal. Quanto ao resto do mundo, nota-se que, em muitos outros pases, a justia constitucional, em todos os sentidos at agora mencionados, representou uma inovao fundamental. Real-mente, foi uma verdadeira revoluo, ao menos na Europa continental e, talvez, no Japo.

    Constituies e direitos fundamentais, claro, existiram na Frana, na Alemanha e em outros lugares, por muitos anos. At a poca que se seguiu II Guerra Mundial, todavia, seus significados tendiam a ser com-preendidos mais como meras declaraes poltico-filosficas do que como atos legalmente obrigatrios. E isso porque, com poucas e espordicas excees de curta durao (mais marcadamente as da ustria em 1920 e incio de 1930),6 nenhum rgo independente tinha a prerrogativa de supervisionar suas reais aplicaes. A revoluo constitucional e eu realmente entendo o que estas palavras significam somente ocorreu na Europa com o doloroso entendimento de que a Constituio e os direitos fundamentais constitucionais necessitam de uma mquina judiciria para

    5 Sobre estes desdobramentos vide Judicial Review, supra nota 4, especialmente cap. 3. A principal carac-terstica dos sistemas europeus de reviso sua natureza centralizada, vale dizer, que a autoridade para declarar uma lei inconstitucional, logo (em princpio) nula e ineficaz, est restrita reviso da recm-criada Corte Constitucional. Se confrontada com a questo da inconstitucionalidade da lei relevante no caso em espcie, as outras Cortes no decidiro, mas, sim, suspendero o feito e revertero a deciso de constituciona-lidade Corte Constitucional, cujas decises tm efeito erga omnes. Os sistemas europeus so contrastantes com o sistema americano descentralizado, em que as Cortes tm o poder revisional. Vide Judicial Review supra nota 4, caps., 3-5. 6 Vide id., p. 46-47 et passim.

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    se tornarem efetivos. Os Estados Unidos certamente concorreram com um influente precedente. Mas a mais marcante lio veio da experincia domstica, da experincia de tirania e de opresso por um poder poltico sem freios, por uma mquina ao mesmo tempo acessvel s vtimas do abuso governamental e capaz de restringir tal abuso.

    A lio foi eventualmente apreendida. Cortes constitucionais foram criadas e processos constitucionais esboados para faz-las funcionar. Menciono apenas um desses processos, porque parece ser o mais in-dicativo de uma filosofia permeando essa revoluo constitucional de direitos civis. Na Alemanha, em 1951, a legislao ordinria concedeu a qualquer cidado o direito de demandar perante a recm-criada Corte Constitucional, contra qualquer ato do Estado, legislativo, administrativo ou judicial, que violasse direitos constitucionalmente protegidos.7 Em 1969, este extraordinrio remdio, chamado Verfassungsbeschwerde, ou queixa constitucional, foi introduzido na Constituio alem, e na ustria, especialmente desde 1975, foi adotado um processo similar.8 Atravs desse e de outros mecanismos a constitucionalidade de milha-res de atos legislativos e de outros administrativos foi controlada e os direitos fundamentais do povo protegidos por Cortes independentes, na Alemanha, na ustria, na Itlia e em outros lugares.

    O sucesso da justia constitucional, como instrumento para a prote-o dos direitos humanos, e seu profundo impacto na forma de liberdade democrtica de governo, tm sido geralmente reconhecidos em todos esses pases, muito embora, como natural, a dissenso, muitas vezes, diga respeito ao contedo das decises constitucionais particulares ou mesmo acerca de algumas tendncias generalizantes no caso do direito

    7 Vide id., p. 22-23. Para prevenir o abuso deste processo necessrio ocorrer a exausto dos remdios nor-mais, mas mesmo este pr-requisito no necessrio no caso de uma queixa refletindo um interesse geral ou quando a demora poderia ocasionar importante prejuzo parte interessada. Vide, v.g., K. SCHLAICH, Procdures et techniques de protection des droits fondamentaux. Tribunal Constitutionnel Fdral Alle-mand, in Louis FAVOREU (sob a direo de), Cours constitutionnelles europennes et fondamentaux, Paris, Econmica, 1982, p. 128-129 [doravante citada como Cours constitutionnels]. 8 Vide o relatrio de L. Favoreu sobre a Europa Ocidental, 8-10, apresentado na Conferncia da Associao Internacional de Cincia Legal, realizada em junho de 1984, em Uppsala, Sucia, no Judicial Review at Legislation and its Legitimate Recent Developments. Os relatrios regionais, tanto quanto o relatrio geral de M. CAPPELLETTI, foram publicados em forma de volume sob a editorialidade dos Professores Louis Favoreu e J. JOLOWICZ [doravante citados como Uppsala Reports]. (Uma verso adaptada do relatrio do Deo Favoreu publicada in Revue du droit public et de la science politique en France et ltranger, 1984, 1147-1201).

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    constitucional. Talvez a mais conclusiva evidncia do sucesso deste fe-nomenal desenvolvimento conceitual seja dada por sua tremenda fora de expanso. Refiro alguns episdios: Chipre em 1960, Turquia em 1961, e Malta em 1964, todos introduziram formas de jurisdio constitucio-nal largamente inspiradas nos modelos da Alemanha, ustria, e Itlia.9 Realmente, parece que nenhum pas da Europa, emergindo de alguma forma de regime no-democrtico ou de srios conflitos domsticos, poderia achar uma melhor resposta exigncia de reagir contra pecados passados, e, possivelmente prevenindo uma recada, do que introduzindo a justia constitucional em seu novo sistema de governo. Foi o caso da Grcia em 1975, depois da queda do regime dos coronis,10 de Portugal em 1976, depois da queda do regime de Salazar;11 e da Espanha, depois da queda de Franco.12 Significativamente, tambm a Iugoslvia, na procura de uma autonomia poltica e ideolgica vis--vis da Unio Sovitica, promulgou uma Constituio em 1963 que introduziu um sistema de reviso judicial.13 A Iugoslvia foi o primeiro e, at agora, o nico pas

    9 Constituies de Chipre (1960), Turquia (1961) e Malta (1964), Vide Judicial Review, supra nota 4, p. 50-51. 10 Constituio Grega de 1975. Vide E. SPILIOTOPOULOS, Judicial Review of Legislative Acts in Greece, 56 Temple Law Quartely 463 (1983); J. ILIOPOULOS-STRANGAS, Grundrechtsschutz in Griechenland, Jarhbuch des oeffentlichen Rechts, 1983, 396; V. Perifanaki ROTOLO, La Corte Suprema Speciale nella Costituzione Greca del 1975, 29 Rivista trim. di diritto pubblico 183 (1979); L. FAVOREU, supra nota 8, 27-31. Sob o sistema grego, todas as Cortes tm o poder de negar aplicao de leis inconstitucionais (assim o chamado sistema de reviso descentralizado, vide nota 5 supra), mas uma recm-instituda Suprema Corte Especial tem a palavra final no caso de opinies conflitantes entre as altas Cortes. 11 Constituio Portuguesa de 1976. Especialmente aps a reforma constitucional de 1982, Portugal adotou um sistema de reviso judicial similar quele prevalecente na maioria das naes europias mencionadas no texto, confiando a funo de controle a uma recm-criada Corte Constitucional. Vide L. FAVOREU, supra nota 8, 22-26; H. FIX-ZAMUDIO, La proteccin jurdica y procesal de los derechos humanos ante las jurisdicciones nacionales, Madrid, Civitas, 1982, 203-207. 12 Constituio da Espanha de 1978, seguida pela criao em 1980 de um Tribunal Constitucional bastante ativo. Vide E. GARCA DE ENTERRA, La constitucin como norma y tribunal constitucional, Madrid, Civitas, 2 ed., 1982; J. GONZLEZ PREZ, Derecho procesal constitucional, Madrid, Civitas, 1980; M. ARAGN REYES, El control de constitucionalidad en la Constitucin espaola de 1978, 7 Revista de Es-tudios Politicos 171 (1979); H. FIX. ZAMUDIO, supra nota 11, 197-202; FAVOREU, supra nota 8, 13-14. 13 O sistema foi reafirmado na Constituio da Iugoslvia de 1974. Vide o relatrio de Uppsala por Pavle NIKOLIC sobre as naes socialistas, supra nota 8, I. 1, III. 2. A et passim; vide tambm H. F. FIX--ZAMUDIO supra nota 11, 208-212; Judicial Review, supra nota 4, 51-52. 14 Vide relatrio Uppsala por P. NICKLIC, supra nota 13, III. 2. B.; relatrio geral de Uppsala por M. CAPPELLETTI, supra nota 8, 2.

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    15 Vide A GWIZDZ, The Constitutional Review of Laws in Poland, relatrio polons do 1 Congresso da Associao Internacional de Direito Constitucional realizado em Belgrado, setembro de 1983 (no publi-

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    de regime comunista a fazer isso; mas bastante significativo que a Tche-coslovquia em 1968 o ano das paixes e esperanas da Primavera de Praga tenha tentado logo a seguir14 uma experincia semelhante, e que assim o tenha feito a Polnia, em 1982, antes de o Solidariedade e todo o resto terem sido condenados ao silncio.15 Diferentemente da Iugoslvia, entretanto, as emendas constitucionais da Tchecoslovquia e da Polnia permaneceram letra morta, esmagadas pela ressurgncia de seus regimes autocrticos. Realmente, se uma boa lio claramente emerge da anlise comparativa desses acontecimentos mais recentes, uma lio que muitos crticos da legitimidade democrtica da reviso judicial parecem negligenciar, a de que nenhum sistema efetivo de controle judicial compatvel ou tolerado por regimes anti-libertrios e autocrticos, quer se coloquem esquerda ou direita dum espectro poltico. O fato de que a reviso judicial se constitui em um antema tirania, confirmado pelo seu desenvolvimento em vrios continentes,

    __________________________________________________________

    16 Vide os iluminados relatrios de Uppsala por J. CARPIZO & H. FIX-ZAMUDIO sobre a Amrica Latina e por B. O NWABUEZE sobre a frica, supra nota 8. 17 A histria Sul-Africana de luta de uma Corte contra alguns excessos de um regime no liberal muito sugestiva e merece ser relembrada com certos detalhes. A crise constitucional daquele pas pode ser re-montada deciso da Suprema Corte da frica do Sul, no ano de 1952, no caso de Harris e outros v. Ministro do Interior, 1952 (2) S. A 428 (A.D.), tambm conhecido como o caso do Voto. Na deciso, a Corte manteve que o Ato 46 de 1951 (A Representao Separada do Ato dos Eleitores) era inconstitucional. O Ato tinha o efeito fundamental de desqualificar como votantes os negros do Cabo e a Corte decidiu que isto violava algumas sees enraizadas na Constituio Sul-Africana (Ato da frica do Sul de 1909), particularmente a seo 35, que dispunha que nenhuma lei ... desqualificar qualquer pessoa ... que ou possa vir a ser capaz de se registrar como votante ... somente em razo de sua raa, a no ser que [aprovada por maioria de dois teros do Senado e da Cmara dos Deputados em sesso conjunta]. Naquele tempo, a autoridade de reviso juridicial da Suprema Corte com respeito s sees enraizadas era motivo de grande debate e a deciso do Presidente da Suprema Corte, A. van de Sant Centlivres (que foi declarada pelo menos por um comentarista - o ento Deo da Escola de Direito de Harvard, Ervin Griswold ombrear com as melhores decises sobre direito constitucional, vide Griswald, Comment: The Coloured Vote Case in South Africa, 65 Harv. L. R. 1361 [1953]), criou uma enorme controvrsia na frica do Sul. Na deciso, o Presidente da Suprema Corte Centlivres declarou que a Corte era competente para determinar se um Ato do Parlamento havia sido validamente aprovado: determinando diferentemente significaria dizer que as Cortes de Justia no teriam poder para proteger os direitos dos indivduos que estavam especialmente protegidos pela Constituio deste pas. O caso do Voto p. 479. O governo da frica do Sul no ficou satisfeito com a deciso sobre o Voto e mais tarde, em 1952, cada uma das casas do Parlamento, por maioria simples de votos, promulgou o Ato da Alta Corte do Parlamento, 35 de 1952, que criou a Alta Corte da qual cada membro do Parlamento seria membro. A Alta Corte foi declarada como sendo uma Corte de direito com poder de reviso de qualquer deciso da Suprema Corte que declarasse atos do Parlamento como invlidos. A Alta Corte procedeu ento reviso do caso do Voto e o derrogou sob a alegao de que as sees enraizadas das Constituies Sul--Africanas no eram mais aplicveis. O Ato da Alta Corte, todavia, foi rapidamente ameaado pela Suprema Corte como invlido, concordando os juzes que a Alta Corte era simplesmente o Parlamento disfarado.

    cado); relatrio de Uppsala por P. NIKOLIC supra nota 13, III. 2. C; relatrio geral de Uppsala por M. CAPPELLETTI, supra nota 8, 2.

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    e mais freqentemente na Amrica Latina e frica.16 Uma ilustrao peculiar oferece a frica do Sul, onde uma crise constitucional de-senvolvida em 1950 irrompeu no momento em que o Judicirio declarou inconstitucionais certas promulgaes do Parlamento Sul-Africano. A crise culminou com a adoo da Constituio Sul-Africana de 1961, que efetivamente negava ao Judicirio qualquer autoridade para revisar a validade dos atos legislativos.17

    4. A Frana Repudiou Montesquieu ?

    No sou um especialista em assuntos japoneses. Sei, todavia, que, mesmo naquela nao, a justia constitucional, inicialmente vista por muitos como um elemento aliengena no sistema de governo japons, gra-dualmente construiu para si uma relevante funo e uma significao genuna dentro do sistema, mesmo que nem to importante e significativa

    Ministro do Interior v. Harris, 1952 (4) S.A .769 (A. D.). Finalmente, em 1955, em outra tentativa de pas-sar por cima de um Judicirio pouco amigvel, aumentou o Senado (e o Judicirio) e encheu o Senado com aliados do Partido Nacional de forma que numa sesso das duas casas do Congresso o Governo teria uma maioria de dois teros de todos os membros das duas Casas. O Ato do Senado, 53, de 1955. No ano seguinte, o Ato de Emenda Sul-Africana, 9 de 1956, foi aprovado por uma sesso conjunta. Essa emenda constitucional alterou consideravelmente as clusulas ptreas da Constituio e particularmente derrogou a seo 35 relativa aos direitos de desqualificao do voto. A emenda constitucional tambm considerou a reviso judicial. A seo 2 estabelecia em termos gerais: Nenhuma Corte de Justia ser competente para investigar ou pronunciar-se sobre a validade de lei aprovada pelo Parlamento [exceto aquelas que afetem as sees enraizadas]. claro, como previamente notado, que as sees ptreas foram consideravelmente enfraquecidas pela emenda. O Ato aumentando o Senado e a Emenda constitucional foram ameaados, mas amordaados pelo novo Judicirio aumentado. O governo ficou assim em situao de prosseguir e com su-cesso retirar os poderes de voto dos negros do Cabo tal como originariamente tentado em 1951. A indignao causada por esses desdobramentos foi finalmente acalmada em 1961, quando a frica do Sul formalmente tornou-se uma Repblica. A Constituio Sul-Africana de 1961 refletia inteiramente as enfraquecidas sec-es ptreas e o significado da emenda de 1956. Essa ausncia de reviso judicial foi mantida na da frica do Sul de 1983. A nova Constituio, todavia, incorporou uma terminologia de direitos polticos em seu prembulo e pode implicar um papel constitucional mais atuante para as Cortes. Se a reviso judicial pode tornar-se vivel novamente na frica do Sul algo que permanece em dvida. Para maiores discusses da crise constitucional da frica do Sul, em 1950, vide H.J.MAY, The South African Constitution, 3 ed., Capetown, Juta & Co., 1955; B. BEINHART, The South African Appeal Court and Judicial Review, 21 Modern L. R. 587 (1958). Para maiores discusses sobre a reviso judicial e o pano de fundo constitucional na frica do Sul vide H. HAHLO e E. KAHN, The South African Legal System and its backgrounded, Cape Town, Juta & Co., 1968, 53-63; L. A. ROSE INNES, Judicial Review of Administrative Tribunals in South Africa, Capetown, Juta & Co., 1963, 1-20. Para discusso da Constituio da frica do Sul de 1983 e melhor bibliografia vide L. J. BOULLE, Conntitutional Reform and Apartheid, New York, St. Martins Press, 1984.

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    18 Vide relatrio Uppsala por Y. Taniguchi sobre o Japo, supra nota 8.

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    quanto da Europa Continental.18 Retornando Europa, meu relato seria um tanto quanto incom-

    pleto caso no dissesse algo a respeito de outras duas grandes naes: a Frana e a Inglaterra. Esses pases tm sido muito mais relutantes do que a maior parte da Europa em participar da revoluo constitucional. Neles, a supremacia parlamentar se enraizou de h muito como um credo poltico de tal forma que o Parlamento nacional, como incorporao da vontade democrtica, tem-se mostrado imune ao controle judicial. Essa tem sido a tradio e o mito; na Inglaterra desde a Revoluo Gloriosa de 1688, e na Frana desde sua Revoluo um sculo depois; mito de que no compartilha a Revoluo Americana.19

    Para dizer a verdade, cada uma dessas duas naes europias tem uma histria diferente acerca da supremacia parlamentar. Na Frana, mister voltar-se ao passado para nele encontrar um profundo sentimento de repulsa popular contra o abuso da funo jurisdicional exercido pelas altas Cortes de Justia no tempo do ancien rgime. Esses tribunais, iro-nicamente denominados de Parlements, tinham competncia para rever atos do soberano, recusando-se a aplicar os considerados incompatveis com as leis fundamentais do reino.20 Os pronunciamentos - na maior parte no-escritos - acerca dessas leis fundamentais, entretanto, induziram as Cortes a afirmar a heureuse impuissance do legislador at mesmo introduzindo pequenas reformas liberais. Os juzes estavam de tal maneira

    19 Talvez a razo histrica para esta diferena bsica, que se reflete na profunda diferena entre as verses francesas e americanas de separao de poderes (vide texto acompanhando e seguindo nota 33, infra), encontra-se no fato de que a americana independe do Parlamento Britnico. Isto pode explicar por que, como diz o Professor HENKIN, os constituintes da Constituio Americana no estavam contentes com a democracia, nem mesmo com o governo representativo, pois tinham aprendido que o Parlamento tambm poderia ser desptico. Louis BENKIN, The Rights of Man Today, Boulder, Colorado, Westview Press, 1978, p. 10, repetindo The Federalist n.47 (James MADISON): A acumulao de todos os poderes, legislativo, executivo e judicirio nas mesmas mos, se em uma, algumas, ou muitas, e se hereditria, autonomeada, ou eletiva, pode ser justamente declarada como a exata definio da tirania.

    20 O desenvolvimento gradual e as conseqncias polticas do poder dos Parlements de vetarem a legislao real so descritas por John P. DAWSON in The Oracles of Law, Ann Harbour, A Universidade de Direito de Michigan, 1968, 362-371. O poder de veto foi exercido por ambos, face recusa de registrar as proclamaes reais nos registros do Parlement e pelo protesto pblico (remonstrance) contra um ato real de que o Parlement desaprovava.

    ______________

    21 Vide, v.g., J. P. DAWSON, supra nota 20, p. 350-362.22 O assim denominado princpio da venalidade da justia foi abolido na Frana pela Revoluo

    atravs da lei de agosto 16-24, 1790, tit. II, art. 1 Vide M. CAPPELLETTI & J. GORDLEY, Legal Aid: Modern Themes and Variations, 24 Stanford Law Rev. 347, 355 (1972).

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    identificados com o regime feudal que consideravam inaceitvel qualquer inovao liberal. Os cargos eram hereditrios, podendo ser comprados e vendidos.21 O trabalho dos juzes devia ser pago pelos litigantes como se a administrao da justia22 fosse um privilgio dos magistrados e no uma obrigao. Status, educao, famlia e interesses pessoais de classe se combinavam para motivar comportamentos extremamente conservadores, fato que, eventualmente, contribuiu para a deflagrao da exploso revolucionria.23 O ressentimento popular contra os Parlements era justificado24 e se refletiu, por vezes em forma velada, na celebrada obra, De L Esprit des Lois, publicada pela primeira vez, em 1748, por quem, ao falar dos juzes de seu tempo e pas, sabia muito bem o que estava dizendo. Charles-Louis de Secondat, o primognito duma antiga famlia de juzes parlamentares, contando 27 anos de idade, em 1716, j se tinha tornado Prsident mortier no Parlement de Bordeaux. Herdara o alto cargo judicirio, assim como o nome de Montesquieu, de seu falecido tio.25 Perfeitamente compreensvel, dado o tipo de juzes daquele tempo, pregasse, um iluminado Montesquieu, que os juzes no deveriam ser investidos de nenhum poder poltico:

    No h liberdade ... se o poder de julgar no est separado do poder legislativo e do executivo.26

    Mesmo que a lei, diz ele, embora clarividente e cega,27 parecesse ______________ 23 Por volta de 1750 os Parlements tinham emergido como uma bem-articulada e determinada

    oposio, resistindo a todos os esforos de reformas moderadas que sucessivos ministros procuravam propor. Os Parlamentos fundamentavam suas demandas em slidos argumentos. Invocavam os direitos fundamentais do reino e alegavam estar resguardando suas liberdades... A consistente linha poltica era a da defesa dos privilgios da nobreza e da resistncia a todas as mudanas na administrao. J. P. DAWSON, supra nota 20, p. 369.

    24 A Revoluo prontamente dissolveu todos os Parlements e quando se considera a selvageria do ressentimento popular contra eles, surpreendente que poucos de seus membros tenham sido guilhoti-nados, mesmo sabendo que isto largamente deveu-se ao fato de muitos se terem exilado. J. P. DAWSON, supra nota 20, p. 370. A mais alta taxa de mortalidade recaiu sobre os parlamentaires de Toulouse (55 executados, i.e., 50 porcento). Bordeaux foi o prximo (26 executados, i.e., 20 porcento), e Paris em terceiro (28 executados ou 14 porcento). Ibidem p. 370, n. 22.

    25 Vide Robert DERATH, in MONTESQUIEU, De LEsprit des Lois, Tomo I, Paris, Editions Garnier Frres, 1973, p. LXVII-LXVIII.

    26 De LEsprit des Lois, livro XI, cap. VI (tradues desse artigo, seno diferentemente indicado, so de M. CAPPELLETTI). 27 Ibidem. 28 Ibidem. A teoria de Montesquieu tem, nada obstante, vrias ambigidades. Contrariamente a J. J. ROUS-SEAU, que era a favor de um governo republicano i. e., de um governo guiado pela vontade geral, que a lei (Jean-Jacques ROUSSEAU, Du Contrat Social ou Principes du Droit Politique, livro II, cap. VI, nota 1 et passim) ou, na definio de Montesquieu, de um governo no qual o povo...tem o poder sobe-rano (MONTESQUIEU, ob. cit., livro II, cap. 1) Montesquieu advogava uma monarquia moderada, no absoluta, ou, como ns a chamamos hoje, uma monarquia constitucional (livro II, cap. IV e livro V, cap.

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    em certos casos cruel, ainda assim no seria dado aos juzes interferirem; pois esta tarefa da competncia exclusiva dos legisladores. Aos juzes

    os juzes esto obrigados a aplicar rigorosamente la loi (onde necessrio, o juiz simplesmente a segue; onde no, ele procura seu esprito) (livro VI, cap. III; que o julgamento no refletir as opinies pessoais do juiz (livro XI, cap. VI); que nenhuma liberdade existe quando o juiz tambm o legislador (livro XI, cap. VI); em suma, que o juiz deve ser somente a inanimada boca da lei (ibidem)? Uma expli-cao, naturalmente, poderia ser a influncia das teorias do direito natural dominante em toda a Europa nos sculos XVII-XVIII com as quais Montesquieu compactuou (vide, v.g., livro I, cap. II, para uma estudada interpretao vide R. SHACKLETON, Montesquieu em 1948, 3 Estudos Franceses 299, 303-323 (1949)). Tais teorias afirmam a existncia de certos direitos, enraizados na natureza ou na razo humanas, imutveis e universais e superiores ao direito positivo de um dado tempo e lugar. Essas teorias tambm eram dificil-mente compatveis com um papel puramente mecnico do juiz. No entanto, afora a obedincia e a aplicao do direito natural, eram para serem relegadas exclusiva preocupao do soberano, como na concepo de Hobbes, que foi severamente condenado por Montesquieu (vide R. SHACKELTON, Montesquieu em 1948, 3 Estudos Franceses 299, p. 310-311 (1949). Uma outra explicao pode ser a de que Montesquieu no atribua, afinal de contas, uma importncia muito grande aos direitos naturais na determinao do papel dos juzes. Deve-se notar que, muito embora mesmo os reis de Frana admitindo a existncia de tais direitos, donde provinham seus poderes, tinham limitado o nmero (desses direitos) a somente dois: o direito que regulava a sucesso coroa (Lei Slica) e o direito que estabelecia a inalterabilidade do domnio real (assim R. DERATH, supra nota 25, p. 430). Isso, naturalmente, era muito pouco para representar a fundamentao de um sistema de reviso judicial da legislao monrquica. Uma terceira explicao, que parece mais plausvel, a da viso de Montesquieu em defesa de uma monarquia moderada em que os poderes do monarca estavam mais limitados pelos poderes intermedirios (vide v.g., De LEsprit des Lois, livro II, cap. IV) e mais particularmente pela nobreza (ibidem) do que pelo papel das Cortes. A opinio contrria de DERATH, ob. cit., p. XXXI-XXXII,no parece convincente; mesmo o assim chamado loge de ltat de la robe por Montesquieu no livro XX, cap. XXII, est longe de significar o que DERATH parece sugerir. Porque, conforme o j mencionado, mesmo Montesquieu magnificava a mdiocrit e a suffisance do juiz parlamantaire, embora pagasse um tributo gloire do corps como tal; a glria, a

    _________________________________________________________XI), enquanto condenava a forma desptica de governo (livro II, cap. V e livro V, cap. XIV). A monarquia de Montesquieu era por ele caracterizada como um sistema em que somente uma pessoa governa, mas com base em leis fixas e estabelecidas (livro II, cap. 1) e contrastava com o regime desptico em que uma pessoa decide tudo, sem leis nem regras, meramente baseada em sua vontade e caprichos (ibidem). Ele enfatizou, repetidamente, que o monarca no-desptico estar obrigado por direitos fundamentais (livro II, cap. IV; livro V, cap. XI) e no dever concentrar em si a funo judicial (livro VI, cap. V). Assim agindo, todavia, Montesquieu parecia apoiar exatamente o que os Parlements tinham tentado fazer por um longo tempo impor, mesmo contra o monarca, a superioridade de certas leis no-escritas, leges generales ou direitos fundamentais, fixes et immuables, que, no entanto, devido a sua essencialmente fluda e vaga natureza eram interpretadas arbitrariamente por aquelas Cortes de Justia do ancien rgime. Essa doutrina da superioridade dos direitos fundamentais do reino leva os Parlements a exercerem aquilo que redundava ser uma reviso judicial da legislao. Vide Judicial Review, supra nota 4, 32-36; e vide o texto e nota 20, supra. H no mnimo duas passagens no LEsprit des Lois, nas quais Montesquieu parece apoiar essa funo jurisdicional dos Parlements: no livro III, cap. X, onde ele lamenta que nos regimes despticos, o prncipe requer obedincia absoluta a seus desejos e nenhuma remonstrance permitida; e no livro V, cap. X, onde ele elogia a (moderada) monarquia pelo fato de que, embora os negcios do estado sejam conduzidos por uma s pessoa, mais eficiente e prontamente do que no governo republicano, tal eficincia no degenera em descaso porque a ao estatal constrangida ao respeito s leis. Teria ento Montesquieu repudiado ou de fato contraditado a si mesmo? Onde estar o verdadeiro Montesquieu? Como poderiam tais passagens ser reconciliadas com o contnuo apelo no sentido de que as decises no deveriam ser arbitrrias (livro XI, cap. VI); que nas boas monarquias a virtude do juiz encontra-se na la mdiocrit (livro XX, cap. XIII); que

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    qualquer custo, que imediatamente declarada bastante inferior quela da nobreza (ibidem). E, realmente, quo proftico foi ele ao louvar tal mediocridade! Implementando o esprito desta recomendao, no muitas dcadas depois a Frana, e no despertar da Frana, grande parte do continente europeu acabou por introduzir a carreira judiciria, preenchida por servidores pblicos a glria real da mdiocrit. Como tentei demonstrar em outra ocasio (vide Judicial Review, supra nota 4, p. 60-66 e The Doctrine of Stare Decisis and the Civil Law, in Festschrift fr Konrad Zweigert, H. Berstein, U. Drobing & H. Ktz eds., Tbingen. Mohr, 1981, 381, 387-393), esta mediocridade social e profissional dos juzes ordinrios continentais (Civis) tornar-se-ia uma das razes por que eles se tornariam inadequados para o desafiador papel da reviso judicial dos atos administrativos e legislativos. Da ser essa uma importante razo por que as Cortes Administrativas especiais precisaram ser criadas no sculo XIX e especialmente as Cortes constitucionais em nosso sculo para preencherem aquele papel. Hoje, os juzes administrativos e at mesmo os constitucionais na Europa assemelham-se muito mais aos juzes federais americanos do que aos simples juzes de carreira. 29 De LEsprit des Lois, livro XI, cap. VI.

    30 Ibidem. 31 Ibidem.

    incumbe o dever de aplicar a lei cegamente, uma vez que os juzes no so nada mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei; so seres inanimados que no podem moderar, quer a fora, quer o rigor da lei.28

    Embora Montesquieu, diferentemente de Locke, tenha apresentado o Judicirio como um dos trs poderes, seguindo-se ao Legislativo e ao Executivo,29 deixou claro, contudo, que este terceiro ramo, na realidade, no um poder:

    Dos trs poderes de que falamos, o Judicirio , em certo sentido, nulo.30

    Qualquer que tenha sido a real influncia de Montesquieu na Revolu-o Francesa, essa idia deveria tornar-se a parte central de sua ideologia. A Revoluo proclamou, como um de seus primeiros princpios, a abso-luta supremacia do direito escrito; do direito originado do corps lgislatif por representantes do povo, enquanto reduzia o Judicirio a desempenhar uma tarefa puramente mecnica de aplicao da lei aos casos concretos. Naturalmente, tambm a f roussoniana na infallibilit da loi, como expresso da volont gnrale, encontrou sua maior expresso neste desdobramento revolucionrio.31 __________________________________________________________

    32 A influncia dos ditames da lgica de Montesquieu na produo desta estrita separao dos poderes governamentais que permaneceu como um quadro bsico da organizao judicial francesa afirmada por J. P. DAWSON, supra nota 20, p. 376.

    33 A freqente afirmao feita de que a Constituio dos Estados Unidos compreende a idia (do Baro de Montesquieu) da separao dos poderes como se pode ler, v.g., in P. P. Wiener, ed.,Dictionary of the History of Ideas, II, New York, Charles Scribes Sons, 1973, 251 , para dizer o mnimo, de justificao

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    Na realidade, a estrita separao, French style, dos poderes gover-namentais, se de inspirao realmente 32 montesquiana ou no, estava a milhas de distncia do tipo da separao dos poderes praticamente adotada ao mesmo tempo pela Constituio Americana. A separao dos poderes na Amrica melhor caracterizada como pesos e contrapesos33 e sob este princpio est reservada aos tribunais a funo extremamente importante de rever atos do Legislativo e da Administrao. Sparation des Pouvoirs no estilo francs, ao contrrio, implicava que o Judicirio deveria, a qualquer preo, assumir um papel totalmente subserviente, estritamente diverso do papel e da atividade dos rgos polticos. Essa circunstncia logo provou ser a fonte de problemas e dificuldades no menos srias do que as que tentava solucionar. A histria legal da Fran-a, atravs da maior parte do sculo XIX, a ilustrao contnua de tais problemas, tanto quanto de enormes esforos para achar solues novas e mais apropriadas para os mesmos problemas. Com isso, reduziu-se a funo judicial a uma cega e inanimada mquina caa-nqueis de aplicao das leis a casos individuais, indiferente realidade, isto , ao fato de que nenhuma norma, lei, ou cdigo poderiam ser to claros e completos para permitir uma nica e correta interpretao.34 De modo ainda mais importante, o modelo montesquiano (e roussoniano), tal como introduzido pela legislao Revolucionria Francesa - enquanto tentativa de proteo contra a tirania -, deixou as portas abertas s tiranias do Legis-lativo e do Executivo. A famosa loi revolucionria de 16-24 de Agosto de 1790 da organization judiciaire - cujos princpios dever-se-iam tornar os pilares do sistema judicial francs e de outros sistemas continentais, influenciados pela Frana -, estabeleceu que no seria permitido nenhum controle pelo judicirio de atos legislativos ou administrativos:

    34 At os positivistas legais concordam. Vide, v.g., Alf Ross, sobre Direito e justia, Berkeley, University of California Press, 1959, 284 (nenhuma situao concreta permite uma s aplicao da lei); H. L. A. HART, supra nota 2, p. 629 (a lei existente impe limites somente em nossa escolha e no sobre a escolha propriamente dita).

    ______________duvidosa. O fato que a sparation des pouvoirs, do modelo francs, algo muito diferente do que sua verso americana, melhor descrita como de pesos e contrapesos. Vide, v.g., J. H. MERRYMAN, The Civil Law Tradition, 2 ed., Stanford, Cal., Stanford University Press, 1985, 15-16; Sir Otto KAHN-FREUND, Common Law and Civil Law in Imaginary and Real Obstacles to Assimilation, in M. CAPPELLETTI, ed., New Perspectives for a Common Law of Europe, Leyden & Bruxelles, Sijhoff & Bruylant, 1978, 173, p. 159. A histria da Frana (e da Europa continental) da Justice administrative no sculo XIX e da justice constitutionnelle em nosso tempo, sobre a qual vide infra nesta seo, seria totalmente incompreensvel se a afirmao acima fosse correta.

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    Ttulo II, Art. 10: Os Tribunais Judicirios no tomaro parte, direta ou indireta-mente, no exerccio do Poder Legislativo, nem impediro ou suspendero a execuo de decises do Poder Legislativo...

    Ttulo II, Art. 12: (Os Tribunais Judicirios) reportar-se-o ao corpo legislativo sempre que assim considerarem necessrio, a fim de interpretar ou editar uma nova lei.

    Ttulo II, Art. 12: As funes judicirias so distintas e sempre permanecero separadas das funes administrativas. Sob pena de perda de seus cargos, os juzes de nenhuma maneira interferiro com a Administrao Pblica, nem convocaro os administradores prestao de contas com respeito ao exerccio de suas funes.35

    Isso significa dizer que tanto os legisladores quanto os administradores pblicos estavam isentos de qualquer controle por parte de um terceiro rgo, independente, apoltico ou, de alguma forma, menos poltico. Os controles internos, naturalmente, poderiam ser e de fato foram estabele-cidos. Mas a histria, no raro neste ponto de forma infeliz, provou que, para serem efetivos, os controles dos rgos polticos dificilmente podem ser controlados de dentro. Um Poder Executivo eficiente hierarquizado. No permite, em seu mais alto nvel, um fcil controle interno indepen-dente, e isto no menos verdadeiro para o Poder Legislativo, que se afirma como supremo. Deve-se admitir, sem surpresa, portanto, que todos os sistemas passados e presentes de controle poltico e no-judicial, como os experimentados na Frana com as Constituies de 1799, 1852 e 1946, e os correntemente adotados por muitos pases comunistas, revelaram--se extremamente ineficientes.36 O controle efetivo dos rgos polticos necessita ser realizado de fora: precisa ser confiado a pessoas e a agn-cias suficientemente independentes em relao aos rgos controlados. E disso, de fato, os franceses gradualmente se deram conta, pelo menos no tocante ao ato administrativo. O Conseil d tat, gloriosa instituio, gradualmente evoluiu, de mero departamento interno da administrao, como inicialmente havia sido no sculo XIX, at tornar-se uma agncia judicial independente, por todos reconhecida como uma alta Corte da

    35 O texto completo da loi pode ser encontrada em J.B. DUVERGIER, Collection Complte des Lois, etc., I, Paris, Guyot et Scribe, 1834, 310-333.

    36 Para os precedentes franceses vide Judicial Review supra nota 4, p. 33 e as referncias na nota 30 ibidem. A maioria das constituies europias orientais e outras dos pases socialistas confiam o papel de controlar a constitucionalidade da legislao ao Soviet Supremo ou Assemblia Popular e/ou aos praesidiums. O constitucionalista iugoslavo Pavle Nikolic, em seu relatrio de Uppsala sobre os pases socialistas, supra nota 13, informa-nos que este autocontrole, i.e., o controle da constitucionalidade da legislao confiada ao prprio corpo legislativo, provou ser ineficiente. Esta mesma ineficincia foi a maior razo que levou a Yugoslvia a adotar, e a Tchecoslovquia e a Polnia tentaram adotar, um sistema

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    Frana. Seu papel o de controlar a legitimidade do ato administrativo. Quanto mais importante e aceito se torna o papel do Conseil, tanto mais independente ele se apresenta vis--vis dos rgos polticos. E com sua independncia, a natureza judicial do processo tambm fica cada vez mais acentuada e reconhecida, com todas as conseqncias de tal enten-dimento incluindo a adoo das salvaguardas mais caractersticas do processo judicial: a imparcialidade do magistrado, o direito das partes de serem ouvidas e de todos os vrios corolrios dessas regras bsicas da justia natural37 .

    A Frana, naturalmente, foi o incio, no velho continente, dessa evoluo histrica: o estabelecimento da justice administrative ou da reviso judicial dos atos administrativos. Cedo ou tarde, entretanto, ou-tras naes continentais seguiram seu exemplo, e, assim, o sistema de justice administrative francs tornou-se modelo do desenvolvimento de rgos anlogos, tais como a Verwaltungsgerichtsbarkeit, na Alemanha, e a giustizia amministrativa, na Itlia etc.38

    Nosso sculo, todavia, haveria de ensinar uma outra lio: a de que a idia roussoniana da infalibilidade da lei parlamentar no passava de outra iluso,39 pois at o Legislativo, e no apenas o Executivo, pode abusar do poder. A experincia mostrou, alm disso, que a possibilidade do abuso legislativo cresceu enormemente com o crescimento legiferante do estado moderno,40 e, tambm, que as tiranias legislativas e majoritrias podem ser to opressivas quanto a tirania do Executivo. suficiente lembrar a legislao fascista, que privou os judeus e outras minorias de seus direitos mais fundamentais. Essa a razo por que a ustria, a Itlia e a Alema-nha, emergindo do descalabro moral e material, da perverso poltica, da ditadura e da derrota, logo se voltaram para a justia constitucional, como antes se aludiu, para criar um novo tipo de controle a ser acrescentado

    de reviso judicial no lugar de uma reviso poltica. Vide o relatrio de NIKOLIC, II. 2. I, III. 2. A B-C; e vide o texto e as notas 13-15 supra.

    37 Para uma breve idia sobre o desenvolvimento da justice administrative na Frana, vide L. N. BROWN & J. F. GARNER, French Administrative Law, 3 ed., London, Butterworth, 1983, 28-31.

    38 A influncia do sistema francs de justia administrativa fora da Frana discutida in id., 162-171.

    39 Vide o relatrio Uppsala por L. FAVOREU, supra nota 8, 48; vide tambm Jean RIVERO,

    _________________________________________________________

    40 Vide M. CAPPELLETTI, Ncessit et Lgitimit de la Justice Constitutionnelle, in Cursos Constitucionais, supra nota 7, 464-471 [doravante citada como Ncessit et Lgitim].

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    justice administrative. Assim fazendo, tentavam limitar e controlar o poder do legislativo e da maioria legislativa, dentro do esquema da nova norma constitucional, tornada atuante pela deciso constitucional. A in-fluncia histrica das idias francesas, entretanto, pode tambm ajudar a compreender porque essas naes sentiram a necessidade de seguir um caminho similar quele da justice administrative: todas elas controlam os rgos judiciais de controle do ato administrativo41 criado que foi um novo tipo de rgo controlador, quase como um pendant do Conseil d Etat do sculo XIX e de seus similares alemes e italianos.

    A Frana, por outro lado, estava de algum modo menos envolvida nesse novo curso de ao. Os abusos do rgime de Vichy durante a II Guerra Mundial foram talvez menos excessivos, e certamente menos durveis do que em outros pases. Isso pode explicar porque a Frana, muito embora a lder no sculo XIX no desenvolvimento da justice ad-ministrative, no desempenhou o mesmo papel no desenvolvimento da constitutional justice no mundo que se seguiu II Guerra Mundial.

    Todavia, isso no foi ainda o fim da atuao francesa. A Frana, embora no tenha liderado o processo, envolveu-se ultimamente de maneira profunda num fato mais recente: o da revoluo da reviso constitucional e judicial.42 Tal tornou-se patente especialmente a partir de 1971, quando o rgo criado pela Constituio de De Gaulle, de 1958, denominado Conseil Constitutionnel, corajosamente transformou seu papel, transmudando-o radicalmente. Originariamente, visto como mero vigia dos ampliados poderes do Executivo sob o regime do Gnral, o Conseil Constitutionnel assentou-se, pela primeira vez, em julho de 1971, como um rgo independente, quase judicial, cujo papel era o de rever a constitucionalidade da legislao parlamentar, violadora de direitos fundamentais. Uma emenda constitucional de 1974, promulgada durante o governo do Presidente Giscard dEstaing, reforou esse desenvolvi-mento, garantindo s minorias parlamentares de oposio o direito de

    41 Vide nota 5, supra. 42 Os desdobramentos na Frana so descritos por M. CAPPELLETTI, The Mighty Problem of Judicial Review and the Contribution of Comparative Analyses, 53 Southern California Law Rev. 409, 412-421 (1980) [doravante citada como The Mighty Problem]; vide tambm o relatrio Uppsala por Favoreu , supra nota 8, 15-20.

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    43 Relatrio Uppsala por L. Favoreu, supra nota 8, 38 et passim. 44 Sobre as infirmaes do sistema francs vide Ncessit et Lgitimit, supra nota 40, 499-501.

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    questionarem a legislao perante o Conseil Constitutionnel. Hoje, muitos juristas concordam com nosso colega francs, o Deo Louis Favoreu, que manteve a opinio de que o sistema de reviso judicial da constitu-cionalidade da legislao, desenvolvido pela Frana durante os ltimos quinze anos, to efetivo como o das naes continentais vizinhas.43 No entanto, ao menos duas srias limitaes do sistema francs no devem ser desconsideradas.44 Primeiro, na Frana no h possibilidade de os indivduos, cujos direitos fundamentais tenham sido violados, levarem sua inconformidade ao Conseil Constitutionnel, uma vez que a legisla-o parlamentar somente pode ser atacada por pelo menos 60 membros de cada Casa do Congresso, ou por autoridades polticas que tenham representatividade individual para assim agirem no interesse geral. Se-gundo, a legislao s pode ser atacada durante o curto perodo entre sua aprovao pelo Congresso e o de sua promulgao, porquanto, uma vez promulgada, nenhum juiz na Frana pode afastar uma loi, declarando-a conflitante com a Constituio. De mais a mais, mesmo nesses estreitos limites, a reviso judicial da legislao na Frana s se tornou expres-siva h bem pouco tempo. Em muitos casos, os direitos constitucionais das minorias e dos cidados encontraram nesse sistema revisional um formidvel escudo contra o que era havido por muitos como um abuso da maioria. Assim, a Constituio francesa, e muito particularmente seus direitos fundamentais que incluem a Dclaration des droits de lhomme et du citoyen, de 1789, tornou-se, pela primeira vez, em toda a sua ex-tenso,45 legalmente obrigatria e judicialmente impositiva.

    5. A Grundnorm inglesa: A Absoluta Supremacia do Parlamento

    A Inglaterra, naturalmente, apresenta uma histria muito diferente. Por um lado, contrariamente ao ancien rgime da Frana, l no houve nenhum profundo sentimento popular contra o judicirio, cujo histrico papel de proteo das liberdades individuais geralmente gozou de largo

    ______________45 Algumas das decises mais marcantes do Conseil Constitutionnel so traduzidas in M. CA-

    PPELLETTI & W. COHEN, Comparative Constitutional Law, Indianapolis, Bobbs-Merril, 1979, cap. 3. C e cap. 5.C. [doravante citado como Coparative Const. Law]. Vide L. FAVOREU & L. PHILIP, Les Grandes Dcisions du Conseil Constitutionnel, 3 ed., Paris, 1984.

    46 Vide Judicial Review, supra nota 4, 36; J. H. MERRYMAN, supra nota 33, 16. 47 A frase citada no texto tem uma literatura prpria, discutindo a quem se deve a paternidade (De Lolme, Bagehot). Vide, v.g., W. HOLDSWORTH, 12 A History of English Law, London, Methuen,

    1938, reedio 1966, p. 344 n. 5; H. J. ABRAHAM, The Judicial Press, 2 ed., 1968, p. 295

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    espectro.46 Isso pode explicar porque, diferentemente da Frana, na Gr-Bretanha, a reviso judicial do ato administrative nunca encontrou srios obstculos. A doutrina da separao dos poderes jamais foi inteira-mente adotada na Inglaterra, em sua verso francesa, isto , na verso que implica a proibio de qualquer interferncia dos tribunais nos rgos da administrao, e no somente no Legislativo. Por outro lado, a Revoluo Inglesa de 1688 afirmou, muito enfaticamente, a absoluta supremacia do Parlamento que, como diz o provrbio, pode fazer tudo, menos transformar um homem em mulher ou uma mulher em homem.47 Rejeitando esses precedentes judiciais, como a famosa deciso do Lord Coke no caso Dr. Bonham, em 1610,48 a supremacia parlamentar teve como corolrio a irrevisibilidade da legislao parlamentar a onipo-

    48 A deciso Bonham, como muito conhecida, afirmava o poder que o Judicirio tem de con-trolar a validade da legislao: porque, quando um ato do parlamento contra o direito e a razo comum, ou incompatvel, ou impossvel de ser aplicado, o direito consuetudinrio o controlar e o consideraro um ato nulo. 8 relatrios Coge 118a; 77 Eng. Rep. 652. Para um comentrio muito utilizado vide T. F. T. PLUCKNETT, O caso Bonham e a Reviso Judicial 40 Harvard Law Rev. 30-70 (1926). Vide tambm Judicial Review, supra nota 4, 36-41.

    49 Em uma passagem muito criticada por John Austin, Blackstone afirmava que o direito natural, sendo superior em obrigao ao direito positivo, obrigatrio sobre todo o mundo, em todas as naes, e em todos os tempos: nenhuma lei humana tem qualquer validade se lhe contrrio; e elas, enquanto v-lidas, retiram todas as suas foras e toda sua autoridade, mediata e imediatamente, desta fonte original, de forma que [somos] obrigados a transgredir a lei humana violadora do direito natural. Vide William BLACKSTONE, Commentaries of the Laws in England, Introduo, seco Segunda Of the Nature of Laws in General (Oxford, Clarendon Press, 1765, p. 41,43); John AUSTIN, The Povince of Jurisprudence Determined, 1832, Lecture V (London, Weidenfeld & Nicolson, 1954, p. 184-186). Todavia, Blackstone tambm afirmou que o poder do Parlamento to transcendental e absoluto, que ele no pode ser confi-nado...dentro de quaisquer fronteiras...ele tem autoridade soberana e incontrolvel para fazer, confirmar, aumentar, restringir, abrogar, anular, repristinar e interpretar as leis concernentes a matrias de qualquer natureza eclesisticas ou temporais, civis, militares, martimas ou criminais: este sendo a sede em que esse poder absoluto e desptico, que h de residir em qualquer governo, posto pelas constituies deste reino ... Pode, em suma, fazer tudo quanto no seja naturalmente impossvel; e por isso alguns no tm escrpulos em exercer este poder, atravs de uma imagem excessivamente ousada como a onipotncia do Parlamento. Na verdade, o que o Parlamento faz, nenhuma fora no mundo pode desfazer ... Conseqentemente, enquanto a Constituio inglesa subsistir, ousaremos afirmar que o poder do Parlamento absoluto e fora de controle. BLACKSTONE, Commentaries, Livro I, cap. II, p. 160-162; vide tambm a Introduo, seco 3 Of the Laws of England, p. 90-91, em que Blackstone rejeita a possibilidade de os juzes afastarem as leis do Parlamento mesmo quando estas leis imponham algo que no seja razovel. Eu no conheo poder, diz ele, que possa obstar tais leis; e sustentar que os juzes tm liberdade para rejeit-las, colocaria o poder judicial acima da legislatura, o que seria a subverso de qualquer governo. Como Pound observou acertadamente, quando Blackstone aplica [esta teoria do direito natural] legislao, ele se retrata. R. Pound, Common Law and Legislation, 21 Harv. L.Rev. 338, p. 392 (1908). 50 John LOCKE, The Second Treatise of Government, cap. XII, 145, 149 et passim.

    51 The Second Treatise, cap. XII, 145-148 et passim. 52 The Second Treatise, 52, cap. XI, 134, cap., 149, et passim. 53 The Second Treatise, cap. XIX, 212. Pode ser verdade, no entanto, que em razo do poder

    legislativo e mais geralmente, do poder de governar, ter sido considerado por Locke como a promulgao e a sano de uma lei, a lei da natureza que a lei da razo, ele tenha visto uma forma judicial inerente

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    tncia do direito (lei) positivo e a impotncia judicial para controlar a validade da lei.49

    Se o modelo francs de impotncia do Judicirio encontra em Montes-quieu seu mais autorizado terico, embora no sem ambigidades, John Locke visto como tendo desempenhado papel similar na Inglaterra. Embora esteja freqentemente associado com a histrica doutrina da se-parao dos poderes, Locke, de fato, no via o Judicirio como um ramo ou poder separado. Em sua tricotomia, os dois poderes derivados ou inferiores eram o Executivo50 e o Federativo,51 enquanto o poder supremo, o Legislativo,52 magnificado como o a alma que d Forma, Vida, e Unidade Commonwealth.53 Ainda que o Legislativo de Locke estivesse constrangido a revelar e a executar as eternas e imutveis leis da natureza, descobertas, mas no criadas pela razo,54 ele no via o judicirio como o aplicador competente e privilegiado des-ses naturais limites legais da vontade legislativa55 . A doutrina de Locke repercutiria e far-se-ia mais explcita atravs de Blackstone, quando o grande comentador rudemente rejeitou a reviso judicial, considerando-a como equivalendo a colocar o Poder Judicirio acima do Legislativo, o que seria a subverso de todo o governo.56

    Diferentemente do que ocorre na Frana, no se trata de histria pas-sada para a Inglaterra. A supremacia parlamentar ainda ali afirmada como um princpio bsico: a Grundnorm57 da Constituio no-escrita daquele pas. Nos ltimos anos, porm, significativas brechas foram abertas nos slidos princpios das tricentenrias muralhas. Mencionarei apenas duas que se aplicam ao Reino Unido e, ao mesmo tempo, a vrias das demais naes da Europa Ocidental. Elas nos revelaram uma nova e nica dimenso do extraordinrio desenvolvimento e crescimento da

    e que perpassa quele poder, tal como observado por Peter LASLETT, Introduction to John Locke, Two Treatise of Government, Cambridge, in University Press, 1960, 96, 107; vide, vv.g., The Second Treatise, cap. VII, 88-89, cap. XI, 136.

    54 Vide, v.g., The Second Treatise, cap. IX, 124. 55 Vide v.g., The Second Treatise, cap. XI, 135.

    ______________

    56 Vide nota 49, supra. 57 Vide v.g., G. WINTERTORN, The British Grundnorm: Parlamentary Supremacy Re-examined

    Law Quartely Review, 1976, 591-617.

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    reviso judicial na Europa, vale dizer, sua dimenso transnacional.

    6. Estaria a Inglaterra Abandonando sua Grundnorm Lockeniana? A Lei Comum No poderia Ser Detida

    A primeira brecha na muralha foi aberta pela Comunidade Europia. Como se sabe, desde 1973, o Reino Unido tornou-se membro pleno da Comunidade Europia o assim chamado Mercado Comum, de que ora participam dez pases da Europa, mas que, em breve, tornar-se-o treze, com uma populao de cerca de 300 milhes de pessoas. Uma das caractersticas bsicas da Comunidade a de que ela se auto-outorgou poderes legislativos, em um largo espectro de reas, especialmente na econmica, mas tambm no plano social. O Direito Comunitrio, na sua maior parte promulgado pelo Conselho de Ministros da Comuni-dade Europia, com alguma participao da Comisso Comunitria e do Parlamento Europeu, provou ser um ordenamento de legislao transnacional em expanso, consistindo por enquanto, basicamente, em milhares de regulamentos e diretivas.58 Na expressiva frase de Lord Denning, este corpo legislativo da comunidade penetrou no sistema legal britnico e no sistema dos outros nove Estados-membros como uma mar crescente, [que] corre pelos esturios e rios adentro [e que] no pode retroceder.59 A razo pela qual ele no pode ser contido decorre do princpio bsico do Direito Comunitrio que assegura a aplicao direta da lei da comunidade, como sendo automaticamente the law of

    58 Vide v.g., C. Sasse & H. C. YOUROW & E. STEIN, eds., COURTS AND FACE MARKETS, I, Oxford, Clarendon Press, 1982, 92-126. Vide geralmente E. STEIN. P. HAY & M. WAELBROECK, Euro-pean Community Law and Institutions in Perspective, Indianapolis, Bobbs-Merril, 1976; COMMISSION OF THE EUROPEAN COMMUNITIES, 30 anos da Comunidade do Direito, Luxemburgo, Office for Official Publications of the European Communities, 1983.

    59 Vide Comparative Const. Law, supra nota 45, p. 137; a citao de Bulmer v. Bollinger, (1974) 2 All E. R. 1226.

    60 O princpio foi afirmado pela primeira vez na histrica deciso da Corte de Justia Europia (CJE), van Gend en Loos v. Nederlandse Administrative Belastingen, Case 26/62 (1963) ECR 1. Vide v.g., L. N. BROWN N. F. G. JACOBS, The Court of Justice of the European Communities, 2 ed., London, Sweet & Maxwell, 1983, p. 162.

    ______________

    61 Vide Comparative Const. Law, supra nota 45, p. 137. Vide tambm M. P. FURMSTON, R. KERRIDGE & B. SUFRIN, eds. The Effect on English Domestic Law of Membership of the European Com-munities and of Ratification of the European Convention on Human Rights, The Hague, Nijhoff, 1983, 1-246.

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    the land de cada um dos Estados-membros.60 Nas palavras ainda de Lord Denning: o Parlamento decretou que (a lei da Comunidade) ...parte de nosso direito.61

    Tal conseqncia da prpria natureza do Direito Comunitrio, porquanto, pelo menos como regra geral, ele dever ser uniformemente aplicado em todos os Estados-membros. Isso explica porque, desde 1964, consistente corrente jurisprudencial da Corte de Justia Europia a Corte da Comunidade, com sede em Luxemburgo estabeleceu que o direito da Comunidade no somente o direito de todos os Estados-membros, a ser diretamente aplicado por todos os tribunais nacionais, como tambm, e sobretudo, a mais alta lei dos Estados-membros, prevalecendo sobre a legislao nacional conflitante.62 A legislao nacional, independente da data de sua promulgao, h de ser afastada pelos tribunais nacionais dos dez pases, se considerada contrria legislao da Comunidade,63 e os problemas de interpretao se resolvem, em ltima instncia e com efeito final, para todos os Estados-membros, pela Corte Europia de Justia.64

    Podemos verificar, assim, que uma nova e importante forma de reviso judicial da legislao penetrou nos esturios e nos rios da Inglaterra e tambm nos outros nove sistemas jurdicos europeus. uma forma de reviso muito similar deciso executiva americana da supremacia da legislao federal sobre as leis estaduais conflitantes. Na verdade, no se trata de um controle de constitucionalidade da legislao, embora seja pelo menos um primeiro passo para o reconhecimento, mesmo na Inglaterra, de que o princpio histrico da absoluta supremacia da lei Parlamentar no mais prevalece inteiramente.

    62 A primeira afirmao da preeminncia da doutrina pode ser encontrada em outra histrica de-ciso da CJE, Costa v. ENEL, Caso 6/64 (1964) ECR 585. Sobre a gradual aceitao pela maioria da cortes nacionais da doutrina da supremacia do direito da Comunidade vide, The Mighty Problem, supra nota 42, p. 424-426; R. KOVER, The Relationship Between Community Law and National Law in Thrity Years of the Community Law, Luxembourg, 1982, 109. 63 Vide a deciso da CJE in Simmenthal, Case 106/77, (1978) ECR 629.

    64 Vide v.g., L. N. BROWN & F. G. JACOBS, supra nota 60, p. 281-285; deciso da CJE Da Costa en Schaake, Casos 18-30/62 (1963) ECR 31. Geralmente, no papel da Corte de Justia Europia, vide M. CAPPELLETTI, M. SECCOMBE N J. WEILER, eds. Integration Through Law. Europe Experience, Vol. 1, Livro 2, Berlin & New York, de Gruyter, 1986, publicao indita. AmericanAmerican Federal Experience, Vol. 1, Livro 2, Berlin & New York, de Gruyter, 1986, publicao indita.

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    7. A Justia Transnacional da Corte Europia dos Direitos Humanos

    Um segundo desenvolvimento dessas idias diz mais respeito a nossa preocupao inicial, ou seja, reviso da constitucionalidade da legis-lao e, mais especialmente, reviso judicial, como instrumento de proteo dos direitos humanos. Realmente, h poucos anos, o desenvol-vimento do que eu discutirei agora motivou o ilustre constitucionalista americano Charles Black um anterior conselheiro, segundo me foi dito, do Papa Joo XXIII a sustentar que a Inglaterra, ao contrrio da opinio geralmente aceita, realmente j tinha direitos fundamentais escritos e obrigatrios.65

    Esse segundo episdio, materializou-se especialmente quando o Reino Unido, membro signatrio da Conveno dos Direitos Humanos desde 1951, aceitou, em 1966, a clusula opcional do artigo 25 desta Conveno.66 Esta clusula estabelece uma forma de Verfassungsbes-chwerde transnacional, que estende a todos os cidados, aps esgotados os remdios nacionais, o direito de apresentarem suas reivindicaes perante o aparelho judicirio da Conveno em Strassbourg contra qual-quer sorte de ato administrativo, incluindo legislao, violador de seus direitos protegidos pela Conveno. Relembro que a Conveno um

    65 C. L. BLACK Jr. Is There Already a British Bill of Rights?, 89 Law Quaterly Rev. 173 (1973).66 A aceitao, primeiro limitada a um perodo 3 anos, foi, desde ento, regularmente renovada; a ltima ocorreu em 1981, por um perodo de cinco anos. Vide, geralmente, A. Z. DRZEMCZEWSKI, European Human Rights Convention in Domestic Law, Oxford, Clarendon Press, 1983, 177-187, 362-363.

    67 Para breves pesquisas, vide v.g., Rosalyn HIGGINS, The European Convention on Human Rights, in T. MERON, ed. Human Rights in Internationa Law, II, Oxford, Clarendon Press, 1984, 495-549; A H. ROBERTSON, Human Rights in the World, 2 ed. New York St. Martins Press. 1982, 80-117. A con-veno foi ratificada pelos seguintes pases (em parnteses est, primeiro, o ano da ratificao, e, segundo, o ano da aceitao, desde ento ininterrupta da clusula opcional do art. 25: ustria (1958, 1958); Blgica (1955,1955); Chipre (1962); Dinamarca (1953,1963); Frana (1974, 1981); Repblica Federal da Alemanha (1952, 1955); Grcia (1974, 1985); Islndia (1953, 1955); Irlanda (1953, 1953); Itlia (1955, 1973); Lie-chtenstein (1982, 1982); Luxemburgo (1953, 1958); Malta (1967); Holanda (1954, 1960); Noruega (1952, 1955); Portugal (1978, 1978); Espanha (1978, 1981); Sucia (1952, 1952); Sua (1974, 1974); Turquia (1954) e Inglaterra (1951, 1966). Desses pases somente trs - Chipre, Malta e Turquia ainda no aceitaram a clusula opcional do art. 25. Para maiores informaes relativamente tambm s ratificaes do Protocolo

    da Conveno, vide A. Z. Drzemczewski, supra nota 66, p. 362.

    ______________

    68 A respeito do impacto da Conveno Europia no Reino Unido, vide A. Z. DRZEMCZEWSKI, supra nota 66, 177-187, com referncia a um nmero de casos; M. P. FURMSTON, R. KERRIDGE & B. E. SUFRIN, supra nota 61, 247-428.

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    abrangente bill of rights transnacional, ao qual aderiram, com a nica exceo da Finlndia, todos os pases da Europa Ocidental - vinte e uma naes, perfazendo uma populao de mais de 350 milhes de pessoas.67

    Dessa forma, um bill of rights transnacional tornou-se obrigatrio para a Inglaterra, entre outras naes, e imposto por um magistrado transnacional a quem os cidados britnicos tm acesso. Nesse contex-to, basta um pequeno passo para aceitar-se a idia de que a Conveno faz parte do direito da Inglaterra, impondo-se de forma obrigatria para o Parlamento Britnico, e que os tribunais ingleses devem aplic-lo, salvo se quiserem que seus julgamentos sejam submetidos apreciao dos julgadores transnacionais em Strassbourg.68 Se os britnicos esto prontos para dar esse passo frente e adotar, assim, um amplo e definido sistema de reviso judicial, no questo a ser discutida agora. Basta dizer que aes bem-sucedidas tm sido submetidas Conveno, por indivduos, com bastante freqncia nos ltimos anos, contra a legislao inglesa e outros atos administrativos ingleses, e em no poucos casos as condenaes pela Comisso Europia e pela Corte de Direitos Humanos

    ______________ 69 A respeito da autoridade e adequao com as decises dos rgos decisrios da Conveno

    Europia dos Direitos Humanos nos vrios Estados-membros vide A. Z. DRZEMCZEWSKI, supra nota 66, p. 260-325. Com especial ateno ao Reino Unido, vide os recentes comentrios do Presidente do Law Commission of the European for England and Wales, The Honourable Mr. Justice GIBSON, Legal Procedure: Acess to Justice, 1883 to 1983, in 9 Dalhousie Law Journal 3, 27-28 (1984): O Reino Unido foi intimado por estar em falta com suas obrigaes perante a Conveno Europia em inmeros casos. O governo, sem dvida, considerou esses acontecimentos surpreendentes e embaraosos. Uma brecha foi estabelecida em um caso sobre o trabalho em loja que teve suas atividades encerradas numa de nossas estradas de ferro nacionali-zadas, na qual os danos... e os custos...foram assegurados a trs reclamantes. Houve casos...sobre imigrao. Brechas tambm foram estabelecidas em peties individuais em outros contextos, como o uso de punio fsica numa escola sem o consentimento dos pais; a censura de cartas pelas autoridades carcerrias e a recusa de permisso de apenados procurarem aconselhamento legal, e o direito consuetudinrio de desacato contra The Sunday Times Newspaper em suas investigaes e reportagens no caso da Thalidomida. Em um caso, Eire v. U. K., o processo era entre duas turmas da Conveno. Foi alegado que as autoridades da Irlanda do Norte tinham infligido torturas em prisioneiros republicanos pelo uso de vrios mtodos de interrogatrio, como permanecer em p contra a parede, submisso a rudos, privao do sono. A Corte (Europia) sustentou que as tcnicas no chegavam a ser torturas, mas eram desumanas e degradantes, conflitantes com o artigo III. A resposta do governo a estas e outras decises foi a de suspender tais prticas ofensivas, muitas vezes antes da deciso da Corte, e, quando necessrio, de mudar a lei pertinente, como as regras da priso. No houve a inteno de desafiar a deciso da Corte, embora nem todos concordem com a interpretao da Conveno pelas vrias maiorias na Corte de Strassbourg. O Reino Unido poderia denunciar a Conveno dentro de seis meses conforme o artigo LXV ... No o fez e esta medida bastante improvvel.

    70 Vide The Mighty Problem, supra nota 42, p. 424-430.

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    provocaram ressentimentos no Reino Unido, por terem atingido queri-das tradies. Todavia, as autoridades inglesas, inclusive o Parlamento, geralmente demonstraram a determinao de se conformarem com as decises finais da Corte Europia de Direitos Humanos. Assim sendo, de facto, a supremacia da Constituio transnacional tem sido largamente confirmada na Europa Ocidental.69A Gr-Bretanha em particular, embora ostensivamente mantendo suas tradies de rejeitar a reviso judicial da legislao, percorreu um longo caminho para, finalmente, repudiar sua prpria tradio uma lockeniana e blackstoniana tradio, somos tentados a dizer da doutrina da incontrolabilidade judicial da vontade legislativa.70

    8. Sobre o Tormentoso Problema da Legitimidade Democrtica da Justia Constitucional

    Vimos como a reviso judicial foi recentemente introduzida, ou teve seu papel grandemente expandido, num grande nmero de pases. Realmente, nossa lista para ser completa deveria ser estendida a muitos

    71 Vide o relatrio Uppsala por Eivind Smith sobre os pases escandinavos, supra nota 8; vide tambm, v.g., A BAYEFSKY, Parlamentary Sovereignty and Human Rights in Canada: The Promise of the Canadian Charter of Rights and Freedoms, Estudos Polticos, 1983, 239; J. B. DONORIO, Le rpatrie-ment de la Constitution Canadienne, Revista internacional de direito comparado, 1983, 69 (especialmente p. 100-101 sobre as srias conseqncias da notwithstanding clause da Seo 33 da Carta).

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    72 Vide o relatrio Uppsala por John D. White sobre pases da Common Law, supra nota 8; vide tambm, v.g., A BAYESKY, The Parlamentary Sovereignty and Human Rights in Canada: The Promise of the Canadian Charter of Rights and Freedoms, Estudos Polticos, 1983, 229; J. B. DONORIO, Le rpatriement de la Constitution Canadienne, Revue internationale de droit compar, 1983, 69 (esp., p. 100-101 sobre as srias conseqncias da notwithstanding clause da seco 33 da Carta).

    73 Um sinal encorajador a importante deciso tomada pela Corte Inter-Americana, sustentando, unanimemente, que uma lei da Costa Rica, que requeria uma licena compulsria para jornalistas, violava a liberdade de opinio e de expresso garantida pelo art. 13 da Conveno Americana dos Direitos Humanos, Schmidt v. Costa Rica (Corte Inter-Americana de Direitos Humanos, julgamento de 14 de nov. de 1985). Vide geralmente, T. BUERGENTHAL, R. NORRIS & D. SHELTON, Protecting Human Rights in the Americas, Strasbourg, Engel Publ., 1982; T. BUERGENTHAL, The Inter-American System of Protection of Human Rights, in T. MERON, supra nota 67, II, 439-493; Id., The american and Europian Conven-tions on Human Rights: Similarities and Differences, 30 American Univ. Law Rev.155 (1981); H. GROSS ESPIELL, The Organization of American States (OAS), in K. Vasak, ed., The International Dimensions of Human Rights, II, Westport,Connecticut, Greenwood Press, 1982, 543-565; P. SIEGHART, The Inter-national Law of Human Rights, Oxford, Clarendon Press, 1983, 401-414. Vide, tambm, Inter-American Commission on Human Rights, Ten Years of Activities 1971-1981, General Secretariat Organization of American States, Washington, D. C., 1982 (p. 11-13 discutindo a recente criao da Corte Inter-Americana de Direitos Humanos); Organization of american States. Inter-American Court on Human Rights, Annual

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    outros pases, incluindo a Sucia, desde 1980,71 e o Canad, especial-mente desde sua nova Carta de Direitos e Liberdades constitucionais de 1982.72 Deveria ter mencionado, alm disso, que, mesmo em sua mais impressionante e historicamente sem precedente dimenso a dimenso transnacional o precedente europeu no se encontra mais s. A Con-veno Americana sobre os Direitos Humanos, assinada em So Jos da Costa Rica, em 1969, tornou-se obrigatria para vrios pases, desde 1978. Largamente modelada pela Conveno Europia, essa Constituio transnacional levou criao, em 1979, de uma Corte Inter-Americana de Direitos Humanos, com sede em So Jos, abrindo-se, talvez, para futuros desdobramentos similares aos j sensacionais de sua antecedente europia.73

    Mas meu tempo est acabando, e desejo ainda discutir, posto que brevemente, a questo bsica a respeito do significado e legitimidade da reviso constitu-cional luz de seu tremendo desenvolvimento no mundo contemporneo.74

    Para muitas naes, como vimos, esse significado, primeiramente, foi o de uma reao contra passados abusos governamentais. Isso ficou sobretudo evidente em vrios dos pases mencionados e outros pode-riam ser adicionados, da frica, da sia e da Amrica Latina. Inclusive nesses continentes - particularmente na Amrica Latina, onde alguns aspectos do fenmeno da reviso judicial so mais antigos do que na Europa75 estudo comparado demonstrou que a reviso judicial da constitucionalidade da legislao e do ato administrativo tm, ao menos, ________________________________________________________

    74 Para uma discusso mais elaborada, reporto-me a meus estudos, The Law-Making Power of the Judge and its Limits: A Comparative Analysis, 8 Monaas University Law Rev., 15, especialmente 51-58 (1981) [doravante citada como Law-Making Power]; Ncesit et Lgitimit, supra nota 40, 475-493.

    75 Vide geralmente H. FIX-ZAMUDIO, Vienticinco aos de Evolucin de la Justicia Constitucional 1940-1965, Mxico, UNAM, 1968, esp. cap. 2.

    Report of the Inter-American Court of Human Rights, 1984, Washington, D. C., General Secretariat OAS, 1984 (um triste e impressionante documento do at agora nada encorajador caso Schmidt de 1985 discutido previamente, Inter-American Court).

    76 Vide os relatrios de Uppsala por Nwabuenze, supra nota 16, p. 18-23 e CARPIZO & FIX, supra nota 16, 61-69, 91, 95, 110 et passim. Professor Henkin aponta para o que hoje pode parecer uma forte embora feliz omisso da Constituio dos Estados Unidos que no prev sua suspenso, ou governo por decreto mesmo em emergncias. Somente o privilgio do writ do habeas corpus pode ser suspenso. L. HENKIN, supra nota 19, p. 13, 150 n. 31.

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    a potencialidade de agir como instrumento para proteger os indivduos e as minorias, muito embora, verdade, a eficcia da reviso judicial no mundo em desenvolvimento tenha sido freqentemente prejudicada pela insuficiente independncia judiciria e pelo uso e abuso por parte do Executivo do poder de suspender as garantias constitucionais.76 Mas, em naes como a Inglaterra, onde felizmente no houve tal herana de srio abuso governamental, a reviso judicial est emergindo indireta-mente como um elemento dessa nova e fascinante tendncia no direito, na poltica e nos direitos humanos: o transnacionalismo. O compartilha-mento do poder vertical e o conseqente pluralismo das fontes legais, um tpico produto do transnacionalismo, tanto quanto do federalismo, trazem inevitavelmente a possibilidade de conflitos entre os vrios nveis de poder, de leis e de direitos; e a reviso judicial o instrumento natural para dirimir tais conflitos.

    Verifica-se uma percepo generalizada, ao menos nos pases ociden-tais, de que, em nossa era de leis como o Deo Calabresi a denomi-nou 77 realmente uma salvaguarda valiosa o controle por um