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REVISTA - Centro Universitário São Camilo · Centro Universitário São Camilo Volume 6 Número 3...

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REVISTA ISSN 1981-8254 – versão impressa ISSN 2175-3393 – versão eletrônica Centro Universitário São Camilo Volume 6 Número 3 jul/set 2012 Sumário Contents EDITORIAL Comissão de Ética Médica: genealogia e significado Commissions of Medical Ethics: genealogy and meaning William Saad Hossne, Leo Pessini ........................................................................................................................................ 251 ARTIGOS ORIGINAIS / RESEARCH REPORTS Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes Living wills: perception of oncologic patients and family members who care for them Marcela Oliveira Campos, Élcio Luiz Bonamigo, Jovani Antônio Stefanni, Cleiton Francisco Piccini, Ruggero Caron............... 253 Cumplimiento de pautas éticas según el nivel académico del investigador principal en proyectos de investigación en humanos con financiamiento estatal en Chile Respect for ethical rules according to the academic level of main researcher in research projects involving human beings with State financing in Chile Respeito a regras éticas segundo o nível acadêmico de pesquisador principal em projetos de pesquisa envolvendo seres humanos com financiamento estatal no Chile Eliana Maribel Quintero Roa.............................................................................................................................................. 260 Reflexões bioéticas: o que pensam estudantes de medicina sobre o início e final da vida Bioethical reflections: what medical students think about beginning and end of life Neiva Maria Garcia Catto De Marchi, William Saad Hossne ............................................................................................... 271 Sobre os animais não humanos: um resgate teológico About non-human animals: a theological approach Jerson José Darif Palhano, Mário Antonio Sanches ................................................................................................................ 287 Vulnerabilidade e iniquidade na incorporação pública de medicamentos Vulnerability and iniquity in the inclusion of drugs for public distribution Ewerton Torreão de Freitas Medeiros, Marcos de Almeida ...................................................................................................... 300
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REVI

STA

ISSN 1981-8254 – versão impressaISSN 2175-3393 – versão eletrônica

Centro Universitário São Camilo Volume 6 Número 3 jul/set 2012

Sumário • Contents

EDITORIAL

Comissão de Ética Médica: genealogia e significadoCommissions of Medical Ethics: genealogy and meaningWilliam Saad Hossne, Leo Pessini ........................................................................................................................................ 251

ARTIGOS ORIGINAIS / RESEARCH REPORTS

Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantesLiving wills: perception of oncologic patients and family members who care for them

Marcela Oliveira Campos, Élcio Luiz Bonamigo, Jovani Antônio Stefanni, Cleiton Francisco Piccini, Ruggero Caron ............... 253

Cumplimiento de pautas éticas según el nivel académico del investigador principal en proyectos de investigación en humanos con financiamiento estatal en ChileRespect for ethical rules according to the academic level of main researcher in research projects involving human beings with State financing in ChileRespeito a regras éticas segundo o nível acadêmico de pesquisador principal em projetos de pesquisa envolvendo seres humanos com financiamento estatal no Chile

Eliana Maribel Quintero Roa .............................................................................................................................................. 260

Reflexões bioéticas: o que pensam estudantes de medicina sobre o início e final da vidaBioethical reflections: what medical students think about beginning and end of life

Neiva Maria Garcia Catto De Marchi, William Saad Hossne ............................................................................................... 271

Sobre os animais não humanos: um resgate teológicoAbout non-human animals: a theological approach

Jerson José Darif Palhano, Mário Antonio Sanches ................................................................................................................ 287

Vulnerabilidade e iniquidade na incorporação pública de medicamentosVulnerability and iniquity in the inclusion of drugs for public distribution

Ewerton Torreão de Freitas Medeiros, Marcos de Almeida ...................................................................................................... 300

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ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

The problem of informed consent for genetic research using biospecimens stored in biobanksO problema de conteúdo do termo de consentimento esclarecido na pesquisa genética usando bioespecimens arma-zenados em biobanksEduardo Rodriguez, Fernando Lolas .................................................................................................................................... 307

Percepção histórica da bioética na pesquisa com animais: possibilidadesHistorical bioethical perception on research using animals: possibilitiesFernando Martins Baeder, Maria Cristina Ramos Lima Padovani, Débora Cristina Alves Moreno, Carina Sinclér Delfino ...... 313

A morte cerebral é a verdadeira morte? Um problema abertoIs brain death real death? An unresolved issueAntonio Puca...................................................................................................................................................................... 321

COMUNICAÇÃO / COMMUNICATION

Questões de Ética na consultoria estatísticaEthical questions in statistical consultingSonia Vieira ....................................................................................................................................................................... 335

DEBATE / DEBATE

Ágape Bioético – Viver: um direito? Um dever?Franklin Leopoldo e Silva, Marcelo Antonio da Silva, Maria Isabel Alves Dumaresq .............................................................. 339

ESTUDO DE CASO / CASE STUDY

Bioética – e agora, o que fazer?Bioethics – what are we to do now?William Saad Hossne (coordenador) .................................................................................................................................... 348

DOCUMENTA

Resolução CFM n. 1.995/12.......................................................................................................................................................................................... 353

Lei portuguesa sobre Diretivas Antecipadas de Vontade (Lei n.º 25/2012 – Portugal) .......................................................................................................................................................................................... 356

Ley 26.742 – Muerte Digna (Argentina).......................................................................................................................................................................................... 360

IN MEMORIAM

Aziz Nacib Ab’Saber ........................................................................................................................................................... 362

INSTRUÇõES AOS AUTORES

.......................................................................................................................................................................................... 363

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Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):251-252

Editorial

Comissão de Ética Médica: genealogia e significadoA história da Comissão de Ética Médica está a merecer

o devido reconhecimento. A genealogia da comissão, a nosso ver, é uma peça antológica a ser incluída na análise evolutiva da Ética Médica e da Bioética.

Há pouco mais de 40 anos, o Conselho Federal de Me-dicina (CFM) criou mecanismos e processos de aproximação entre os Conselhos Regionais, de um lado, e os médicos, as instituições de saúde e os usuários e a sociedade, de outro. To-mou a atitude sensata de, em primeiro momento, recomendar a criação de Comissão de Ética Médica nas instituições de natureza médica, pela circular n. 03/1970. Destacamos o fato de ter sido feita inicialmente uma recomendação, pois: abre-se espaço para a criatividade e para iniciativas; e considera-se a Comissão de Ética Médica uma assessoria da Direção Clínica (item B da recomendação 370).

Em abril de 1971, o CREMESP elaborou, com base na recomendação do CFM, a Resolução n. 16/71, referente a “Princípios e Normas Gerais para elaboração e Regulamenta-ção do Corpo Médico”, determinando que cabia aos compo-nentes do Corpo Médico eleger a Comissão de Ética Médica.

O CFM, 15 anos após ter recomendado a criação da Co-missão de Ética, decidiu determinar a criação da Comissão de Ética Médica (Resolução n. 1215, de 1985, revogada pela Re-solução n. 1657/2002), “considerando que a prática médica exige, hoje, a participação ativa de todos os médicos na defesa do exercício ético da profissão e considerando, ainda, a neces-sidade de organizar e regulamentar a fiscalização da prática da Medicina onde quer que ela seja exercida”.

É de se notar, pelo texto dessa Resolução, a preocupação do CFM em criar as Comissões de Ética Médica sem “amarras prévias”, deixando em aberto a iniciativa e a criatividade aos demais órgãos colegiados. Assim, em seu item 2, a Resolução n. 1215/85 estipula que a “regulamentação do funcionamen-to, competência e atribuições e organização das Comissões de Ética Médica será feita através de Resolução dos Conselhos Regionais de Medicina”.

Assim, por exemplo, o CREMESP elaborou a Resolução n. 83, de 1998 (seguida pela de n. 85/98), dedicada à criação dos Comitês de Ética Médica. Já em seu capítulo I (das defi-nições), a resolução determina que as Comissões têm “funções opinativas, educativas e fiscalizadoras do desempenho ética da Medicina” e que se constituem numa extensão do CREMESP.

Em 2002, com base em análise reflexiva sobre o funcio-namento e estruturação das Comissões de Ética Médica, o

CREMESP identificou “lacunas” e buscou saná-las com a instituição do “Grupo de Apoio e Capacitação às Comissões de Ética Médica” (GACEM – Resolução n. 109/2004). Em 2001, o CREMESP tinha publicado e distribuído o “Manual das Comissões de Ética Médica” e, em 2011, editou o Manual do GACEM.

Atualmente, as CEM estão consolidadas, estruturadas, regulamentadas e são respeitadas, sendo que, pela regulamen-tação, “todas as instituições de saúde em que atuem mais de 20 médicos são obrigadas a constituir uma CEM; nas demais, a criação de uma CEM é recomendação” (Manual das Comis-sões de Ética Médica – CREMESP; 2001). Elas são compos-tas por médicos eleitos dentre os que atuam na instituição, e cada instituição tem liberdade para elaborar seu regimento interno, obedecendo às diretrizes do CRM/CFM. A CEM, no entanto, não é um órgão da administração, muito embora deva manter um canal de comunicação com o diretor clínico.

Para o sistema ético de exercício profissional, a CEM tem papel preponderante, procurando oferecer à instituição, aos usuários, aos médicos e à sociedade a segurança do exercício ético da medicina. No entanto, o reconhecimento de sua importância por parte da própria instituição, corpo clínico e usuário nem sempre é efetivo. A própria CEM, não obstante a insistência do CFM e dos Conselhos Regionais enfatizando seu papel, nem sempre assume suas tarefas de modo proativo.

Por outro lado, nem todos os países possuem um siste-ma operacional de Ética Médica como o Brasil. Isso deve ser considerado ao se analisarem estudos comparativos ou inter-nacionais que refletem sobre ética e fiscalização do exercício profissional, pois pode-se tratar realidades e circunstâncias diversas como se fossem iguais.

Manifestamos nossos agradecimentos aos autores dessa edição pela contribuição ao desenvolvimento e reflexão de te-mas relevantes para a discussão bioética.

Nessa oportunidade, registramos o novo sistema online de submissão e gestão de manuscritos para a Revista Bioe-thikos, com vistas a aprimorar o processo editorial e o rigor científico do periódico. Os autores, mediante cadastro, po-dem fazer a submissão pelo site www.revistabioethikos.com.br. Nesse endereço estão também disponíveis todas as infor-mações do periódico e as instruções aos autores.

William Saad Hossne*Leo Pessini**

* Médico e Pesquisador. Professor Emérito da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Faculdade de Medicina, campus Botucatu-SP, Brasil. Membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP. Membro do Comitê Internacional de Bioética da UNESCO. Coordenador do Programa Stricto sensu em Bioética (Mestrado, Doutorado e Pós--Doutorado) do Centro Universitário São Camilo, São Paulo. E-mail: [email protected]** Doutor em Teologia/Bioética. Pós-graduado em Clinical Pastoral Education and Bioethics, St Luke’s Medical Center. Docente do Programa Stricto sensu em Bioética do Centro Universitário São Camilo, São Paulo. E-mail: [email protected]

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Editorial

Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):251-252

Commissions of Medical Ethics: genealogy and meaningThe history of Commissions of Medical Ethics

(CEM) deserves an adequate acknowledgment. The ge-nealogy of the commissions is in our opinion an antho-logical phenomenon to be included in the evolutionary analysis of Medical Ethics and Bioethics.

About 40 years ago, the Federal Council of Medicine (CFM) created mechanisms and processes of approximation between Regional Councils and doctors, health institutions and users and society. In a sensible attitude, at first it recom-mended the creation of Commissions of Medical Ethics in medical institutions (Circular n. 03/1970). We emphasize the fact of a recommendation being done, allowing creativity and pro-active initiatives; as well as the characterization of the Commission of Medical Ethics as an advisory body of the Clinical Direction (Item B of Recommendation 370).

In April 1971, CREMESP (State São Paulo Regional Medical Council) prepared, on the basis of CFM’s recom-mendation, Resolution n. 16/71, referring to “Principles and General Standards for Writing Regulations and Regulating Medical Staff”, establishing that the members of the Medical Staff must elect the Commission of Medical Ethics.

CFM, 15 years after having recommended the creation of Commissions of Ethics, decided to determine the creation of the Commission of Medical Ethics (Resolution n. 1215, 1985, revoked by Resolution n. 1657/2002), “considering that medical practice demands today the active participation of all doctors in defense of the ethical exercise of the profession and considering also the necessity of organizing and regulating the inspection of the practice of Medicine wherever it is practiced”.

The text of this Resolution shows CFM’s concern in creating the Commissions of Medical Ethics without “prior mandatory regulations”, allowing for initiatives and creativity by consulting and advisory bodies. So item 2 of the Resolution n. 1215/85 says that the “regulations of the functioning, competence and attributions and organiza-tion of Commissions of Medical Ethics will be done by Resolutions of the Regional Councils of Medicine”.

So, for example, CREMESP prepared Resolution n. 83, in 1998 (and then resolution n. 85/98), dedicated to the creation of Committees of Medical Ethics. In chapter I (the one of Defi-nitions), the resolution determines that the Commissions have “recommending, educative and supervisory functions of Medi-cine ethical exercise” and are CREMESP representatives.

In 2002, on the basis of a reflexive analysis on the func-tioning and structuring of the Commissions of Medical

Ethics, CREMESP identified “gaps”, and tried to solve it with the institution of the “Group for Supporting and Ca-pacitating the Commissions of Medical Ethics” (GACEM – Resolution n. 109/2004). In 2001, CREMESP published and distributed the “Manual of the Commissions of Medi-cal Ethics” and, in 2011, it published the GACEM Manual.

At present, CEMs are consolidated, structured, regularized and respected, and regulations state that “all health institutions in which more than 20 doctors work must implement CEMs; in the others, the creation of CEMs is recommended” (Manual of the Commissions of Medical Ethics – CREMESP, 2001). They have as members doctors elected among those who work in the institution, and each institution has freedom to establish their rules, obeying the guidelines of CRM/CFM. CEMs, how-ever, are not organs of the administration, although it should maintain a channel of communication with the clinical director.

For the system of ethical professional exercise, CEMs are the top organ, trying to offer to institutions, users, doc-tors and society as a whole the security of the ethical exer-cise of the medicine. However, the recognition of their im-portance by institutions, clinical staff and users not always is effective. CEMs themselves, in spite of the insistence of CFM and the Regional Councils in emphasizing their role, not always assumes their tasks in a proactive way.

On the other hand, not all countries have an operat-ing system of Medical Ethics as that of Brazil. That must be considered in comparative or international studies re-flecting about ethics and control of medical professional exercise, for preventing to consider alike situations and circumstances that are really very different.

We thank the authors of this issue for the contribu-tion to the development and reflection of relevant sub-jects for bioethical discussion.

In this opportunity, we register the implementation of the new online system of submission and management of manuscripts for Bioethikos Journal, aiming at perfect-ing the publishing process and the scientific responsibility of the Journal. The authors, by means of a register, may submit manuscripts in the page www.revistabioethikos.com.br. In this page is also available all information about Bioethikos Journal and instructions to the authors.

William Saad Hossne*Leo Pessini**

* Physician and Researcher. Emeritus Professor of State University of São Paulo – UNESP, Medical School, campus Botucatu-SP, Brazil. Member of the National Commission of Ethics in Research – CONEP. Member of the International Committee of Bioethics – UNESCO. Coordinator of the Stricto sensu Programme in Bioethics (Master Degree and Ph.D.), São Camilo University Center, São Paulo. E-mail: [email protected]** Ph.D., Theology/Bioethics. He has done studies in Clinical Pastoral Education and Bioethics at St Luke’s Medical Center. Professor of the Stricto sensu Programme in Bioethics (Master Degree and Ph.D.), São Camilo University Center, São Paulo. E-mail: [email protected]

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Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):253-259

artiGo oriGiNal / rEsEarch rEport

Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes

Living wills: perception of oncology patients and accompanying family membersMarcela Oliveira Campos*

Élcio Luiz Bonamigo**Jovani Antônio Steffani***Cleiton Francisco Piccini****

Ruggero Caron*****

RESuMo: Testamento vital, ou diretiva antecipada de vontade, é um documento escrito ou uma expressão verbal em que uma pessoa manifesta o tipo de tratamento ou não tratamento que deseja receber quando estiver incapaz de expressar sua vontade. Objetivou-se avaliar a percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes sobre o conhecimento e aceitação do Testamento Vital. O estudo foi desenvolvido por meio de um questionário cujas perguntas se apresentavam na escala numérica de 0 a 10, derivada de Likert (onde zero significa total discordância e dez concordância absoluta). Dos 263 (100%) sujeitos da população local estudada, responderam o questionário 252 (95,8%), divididos em dois grupos: pacientes (n=110) e acompanhantes (n=142). O conhecimento do termo “testamento vital” alcançou apenas a média de 0,13 pontos entre os pacientes e 0,41 pontos entre os acompanhantes. Após a explicação de seu significado, a intenção de elaboração do próprio testamento vital obteve média 9,56 pontos entre os pacientes e 9,39 pontos entre os acompanhantes. O teste de Kruskal-Wallis denotou que existe menor tendência de elaboração do testamento vital pelos pacientes (p=0,003) e acompanhantes (p=0,004) de 21 a 30 anos quando comparados a outras faixas etárias. Quanto à implantação do testamento vital no Brasil, a média de aceitação foi 9,56 pontos entre os pacientes e 9,75 pontos entre os acompanhantes. Os resultados revelaram que, embora pouco conhecido, existe um amplo interesse entre os pacientes oncológicos e seus acompanhantes tanto pela elaboração do testamento vital como pela inserção na legislação nacional.

PAlAVRAS-ChAVE: Bioética. Testamentos Quanto à Vida. Diretivas Antecipadas. Autonomia Pessoal.

AbSTRACT: The Living Will, or advance directives, is a written document or a verbal manifestation with which a person determines which treatment or non treatment she wants when unable to express her will. We aimed to analyze the perception of cancer patients and their carers about the knowl-edge and acceptance of living wills. The study was developed through a questionnaire with questions presented in a 0 – 10 numerical scale derived from Likert (zero means total disagreement and ten absolute concordance). From 263 (100%) subjects of the studied local population, 252 (95.8%), divided into two groups, answered a questionnaire: patients (n=110) and carers (n=142). The knowledge of the term “living will” reached only a 0.13 average among patients and 0.41 among carers. After the explanation of its meaning, the intention of making their document reached an average 9.56 points among patients and 9.39 points among carers. The Kruskal-Wallis test denoted a lower trend to make a living will by patients (p=0,003) and carers (p=0,004) in people from 21 to 30 years old that those of other age groups. Regarding the implementation of living wills in Brazil, the average of acceptance was 9.56 points among patients and 9.75 points among carers. This research showed that although little known there is a widespread interest by oncologic patients and their carers for using this document and also for its inclusion in national legislation.

KEywoRdS: Bioethics. Living Wills. Advance Directives. Personal Autonomy.

* Graduanda do sexto ano do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Membro do Núcleo Universitário de Bioética – NUBIO. E-mail: [email protected]** Oftalmologista. Professor do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Doutor em Bioética. Membro do Núcleo Uni-versitário de Bioética – NUBIO. E-mail: [email protected]*** Fonoaudiólogo. Professor do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Doutor em Ergonomia. Membro do Núcleo Universitário de Bioética – NUBIO.**** Bacharel em Direito. Graduado em Medicina pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Membro do Núcleo Universitário de Bioética – NUBIO.***** Oncologista. Professor do curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Joaçaba-SC, Brasil. Coordenador da Comissão de Residência Médica – COREME do Hospital Universitário Santa Terezinha – HUST, Joaçaba-SC, Brasil.Os autores declaram não haver conflito de interesses.

INTRoduÇÃo

O recente progresso das ciências e tecnologias biomédicas elevou o paradigma científico-tecnológi-co da Medicina. Esse avançado aparato, colocado à disposição da saúde do homem, proporcionou novos

estilos de se praticar a medicina, ampliando as novas fronteiras da saúde1. Aparelhos e máquinas da enge-nharia biomédica permitiram um avanço significativo na qualidade da vida e da saúde humana. O desenvol-vimento de novos métodos diagnósticos, tratamentos altamente sofisticados e a introdução de novas drogas

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Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes

Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):253-259

propiciaram aos profissionais de saúde disponibilizar aos pacientes métodos ousados e esquemas terapêu-ticos de alta complexidade, prolongando-lhes a exis-tência, mas algumas vezes com um alto custo de sofri-mento humano2.

No entanto, o avanço da autonomia humana das últimas décadas conferiu ao paciente o direito a ser informado, fazer a escolha do tratamento dentre os disponíveis e consentir ou recusar um procedimento ou terapêutica proposta. O consentimento informado e expresso constitui a expressão mais clara do princí-pio da autonomia humana, que marca a bioética des-de seu início.

Nesse contexto, a figura do testamento vital, também denominado testamento biológico, vontades antecipadas ou diretivas antecipadas de vontade, emergiu nas últimas décadas como uma das discussões de vanguarda da bioé-tica mundial.

O Testamento Vital é um documento elabora-do por uma pessoa lúcida e autônoma que manifes-ta suas vontades para que sejam levadas em conta quando, por causa de uma doença, já não for pos-sível expressá-las. A despeito de estar incluído na legislação de alguns países da Europa, nos EUA e no Uruguai, entre outros, no Brasil ainda é objeto de discussão em diversas áreas, tais como: Medicina, Direito e Bioética3.

No sentido mais restrito, há uma diferença con-ceitual entre Testamento Vital (Living Wills) e Dire-tivas Antecipadas (Advance Directives). No primeiro caso, somente está previsto o registro das vontades antecipadas do paciente para ser cumprido no mo-mento em que se encontrar em fim de vida e incapaz de manifestá-las. No segundo, contempla-se também a designação de um representante para tomar as de-cisões em seu lugar. Em outras palavras, as Direti-vas Antecipadas são um Testamento Vital acrescido da designação de representante4. Neste estudo, apesar dessa diferença, os termos diretivas antecipadas, von-tades antecipadas e testamento vital serão utilizados como sinônimos.

O fundamento do testamento vital é praticamente o mesmo do consentimento informado, pois não deixa de ser senão a encarnação da vontade do paciente quando, nos momentos críticos para sua vida, precisa submeter-se

a uma intervenção sem estar em gozo de capacidade para se manifestar e outorgar seu consentimento5.

O testamento vital nasceu nos Estados Unidos, em 1967, com Luis Kutner, um advogado de Chica-go que propôs um modelo de documento no qual o próprio indivíduo determinava que, caso se encon-trasse em estado vegetativo, com impossibilidade se-gura de ser recuperada sua capacidade física e mental, deveriam ser suspensos os tratamentos médicos6. Em sua conceituação, o testamento vital, além de outras finalidades, garantiria ao paciente o direito de mor-rer por sua vontade, ainda que incapaz de dar o seu consentimento1.

Na Califórnia, em 1976, surgiu a primeira lei dos Estados Unidos que concedeu o direito às pessoas de re-cusarem antecipadamente a manutenção da vida por tec-nologia médica7. Em 1991, o conceito de diretivas ante-cipadas tornou-se lei federal com a publicação do Patient Self-Determination Act (PSDA)8.

No Brasil, após dois anos de estudos, o Conselho Fe-deral de Medicina aprovou, em agosto de 2012, a inserção das diretivas antecipadas de vontade no âmbito da Ética Médica. Com base nessa resolução, os médicos levarão em consideração as vontades antecipadas dos pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se.

Neste contexto, a presente pesquisa buscou a percepção de pacientes oncológicos que, durante seu tratamento, vivenciam o medo de incurabilidade da doença e a possibilidade de não poder manifestar suas vontades diante do fim da vida, quanto à possibili-dade de elaboração do Testamento Vital. Da mesma forma, procurou conhecer a opinião dos acompa-nhantes, constituídos geralmente por familiares, já que frequentemente respondem pelos pacientes quan-do esses se encontram impossibilitados de manifestar seus desejos.

MÉTodo

O estudo descritivo e transversal foi realizado no Serviço de Oncologia do Hospital Universitário San-ta Terezinha – HUST, do município de Joaçaba-SC, por meio da aplicação de um questionário aos pacien-tes oncológicos em tratamento ambulatorial, e seus acompanhantes.

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Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes

Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(3):253-259

Durante o período da coleta dos dados, estimou--se haver uma população de aproximadamente 500 (quinhentos) pacientes no serviço. Com base em cál-culo de amostragem, objetivou-se um “n” (número) mínimo de 200 indivíduos a serem pesquisados, sendo 100 (cem) pacientes oncológicos e 100 (cem) acompa-nhantes destes.

O critério de inclusão de pacientes foi a perma-nência em tratamento no serviço de oncologia no pe-ríodo da coleta dos dados, sem distinção entre aqueles submetidos a tratamento clínico ou cirúrgico. No gru-po de acompanhantes, incluiu-se o familiar ou outra pessoa que estivesse acompanhando o paciente em seu tratamento. Os indivíduos que não se enquadraram nos critérios de inclusão, ou que optaram por não par-ticipar do estudo, por recusa explícita, foram excluí-dos da amostra.

A cada um dos entrevistados foram explicadas as razões e os objetivos do estudo e apresentado o Ter-mo de Consen timento Livre e Esclarecido (TCLE), parte integrante do protocolo de pesquisa submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Huma-nos – CEP da UNOESC, aprovado sob o parecer n. 048/2011.

O instrumento de pesquisa, aplicado entre junho e setembro de 2011, constou de um questionário com-posto por 6 questões sociodemográficas e 5 questões desenhadas segundo a escala numérica de Likert (0-10), que mensura atitudes em pesquisas de opinião.

A escala Likert foi elaborada por Rensis Likert, em 1932, e é utilizada para mensurar determinados níveis a serem avaliados em pesquisas. Essa escala requer que os entrevistados indiquem seu grau de concordância ou discordância relativa à atitude que está sendo me-dida. São atribuídos valores numéricos às declarações: as de concordância devem receber valores mais altos, sendo 10 (dez) o valor máximo, significando total concordância; e as declarações de discordância devem receber valores baixos, sendo 0 (zero) o valor mínimo, significando absoluta discordância relativa à atitude que está sendo medida9.

Para análise e interpretação dos resultados obti-dos, foi utilizado o método estatístico descritivo, com o auxílio do software SPSS 13. Foram calculadas a frequência, média, moda, o desvio padrão e estuda-

da a correlação entre variáveis com base nos testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis.

RESulTAdoS

Do universo de 263 sujeitos de pesquisa aborda-dos, 252 (95,8%) convidados responderam o questio-nário, sendo 110 (43,65%) pacientes e 142 (56,34%) familiares.

No grupo dos pacientes não houve predominân-cia significativa de gênero, pois 56 (50,9%) eram do sexo feminino e 54 (49,1%), do sexo masculino. Entre os acompanhantes, 102 (71,8%) eram do sexo femi-nino e 40 (28,2%), do sexo masculino. A faixa etária predominante entre os pacientes foi a faixa acima dos 61 anos de idade, com 52 (47,3%) entrevistados, e no grupo dos acompanhantes prevaleceram as faixas etá-rias mais jovens, sendo que 38 (26,7%) tinham entre 31 e 40 anos e 35 (24,65%) entre 41 e 50 anos, con-forme ilustrado na Tabela 1.

Tabela 1. Faixas etárias dos entrevistados

Idade em anos

Pacientes Familiares

N % N %

21 a 30 3 2,7 14 9,9

31 a 40 4 3,6 38 26,7

41 a 50 23 20,9 35 24,65

51 a 60 28 25,5 28 19,7

>61 52 47,3 27 19,05

Quanto à religião, eram católicos 98 (89,1%) pacien-tes e 114 (80,3%) acompanhantes. Referente ao grau de escolaridade, 86 (78,2%) pacientes e 60 (42,3%) acom-panhantes declararam ter o ensino fundamental incom-pleto. Com ensino superior completo, havia 16 (11,2%) acompanhantes e 4 (3,6%) pacientes. Com ensino médio completo, foram encontrados 42 (29,6%) acompanhan-tes e 8 (7,3%) pacientes.

Na Tabela 2, são apresentados os resultados das res-postas dos pacientes e de seus acompanhantes, de acordo com a escala de Likert, quanto aos seus conhecimentos a respeito do testamento vital e demais termos equivalen-tes, assim como suas preferências pela realização da euta-násia, distanásia e ortotanásia.

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Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes

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Tabela 2. Percepção dos Entrevistados

Percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes sobre o conhecimento e elaboração do Testamento Vital

RESULTADOS DE ACORDO COM A ESCALA DE LIKERT

Pacientes Acompanhantes

Média DP Moda Média DP Moda

Conhecimento dos termos “testamento vital”, “testamento biológico” ou “diretivas antecipadas de vontade” 0.13 0.54 0 0,41 1,22 0

Preferência pela realização de eutanásia 6,64 4,05 10 6,93 3,87 10

Preferência pela realização de distanásia 2,07 3,67 0 3,49 4,19 0

Preferência pela realização de ortotanásia 7,62 3,41 10 7,31 3,47 10

A partir da análise dos resultados apresentados na Tabela 2, observa-se que a maioria dos entrevistados, tanto pacien-tes quanto os seus acompanhantes, não tem conhecimento a respeito dos termos “testamento vital”, “testamento bioló-gico” ou “diretivas antecipadas de vontade”, em que a média das respostas, segundo a escala de Likert, foi de 0,13 e 0,41 pontos, respectivamente, sendo que a resposta de maior fre-quência foi 0 (zero), que significa total desconhecimento.

Em relação à decisão em caso de um paciente se en-contrar em fase terminal de vida, há uma preferência por ambas as categorias pela ortotanásia, com média, segun-do a escala utilizada entre pacientes e acompanhantes, de 7,62 e 7,31 pontos respectivamente, e inclusive com maior homogeneidade de respostas, cuja opção pela ortotanásia dentre as três ofertadas teve o menor desvio padrão entre as respostas, sendo 3,41 e 3,47 pontos, respectivamente.

Com o objetivo de conhecer a opinião dos grupos entrevistados sobre quem deve decidir sobre a saúde do paciente em estado terminal, o instrumento de pesquisa apresentou quatro opções aos entrevistados: o paciente, por meio do testamento vital ou pessoalmente; o médico do paciente; o familiar responsável; ou decisão conjunta entre o médico e o paciente.

Na Tabela 3, os dados apresentados evidenciam que para os respondentes de uma ou outra alterna-tiva, de modo geral, tanto para os pacientes quan-to para os acompanhantes, há homogeneidade entre as respostas, dado o baixo desvio padrão observado, como também pode-se constatar que para a maioria

dos respondentes não há dúvidas quanto à sua opção, pois a moda observada para todas as opções foi de 10 (dez) pontos.

Tabela 3. Quem deve decidir sobre a saúde do paciente em estado terminal

Quem deve decidir sobre pa-ciente em estado terminal?

RESULTADOS DE ACORDO COM A ESCALA DE LIKERT

Pacientes Acompanhantes

Média DP Moda Média DP Moda

O Paciente 9,31 1,66 10 9,25 1,66 10

O Médico 9,15 1,83 10 8,92 2,39 10

Um Familiar 9,42 1,44 10 9,01 2,00 10

O Médico e o Paciente

8,87 1,94 10 8,87 2,01 10

Houve também um questionamento quanto à im-plantação do testamento vital na legislação brasileira. Dos 110 pacientes entrevistados, 100 (90,9%) atribu-íram valor 10 na escala de Likert, sendo essa resposta a moda apresentada, e a média foi 9,56 pontos (com des-vio padrão de 1,64). Entre os acompanhantes, a média foi 9,75 pontos (com desvio padrão de 1,17) e a moda foi de 10 pontos na escala (94,4% dos questionários).

Por fim, a última questão abordava a vontade do pa-ciente ou do familiar de elaborar seu próprio testamento vital. As respostas dos pacientes geraram valor médio de 9,56 pontos na escala de Likert (com desvio padrão de

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1,65) e moda de 10 pontos (87,3% dos entrevistados). Os valores obtidos entre os acompanhantes foram se-melhantes, obtendo-se a média de 9,39 pontos (desvio padrão de 1,18) e a moda 10 (87,3% dos entrevistados), conforme ilustra a Tabela 4.

Tabela 4. Resultados sobre o testamento vital

Opinião quanto ao Testamento Vital

RESULTADOS DE ACORDO COM A ESCALA DE LIKERT

Pacientes Acompanhantes

Média DP Moda Média DP Moda

Favorável à implantação do TV no Brasil?

9,56 1,64 10 9,75 1,17 10

Faria seu próprio TV?

9,56 1,65 10 9,39 1,18 10

Em relação à elaboração do testamento vital, foram analisadas as seguintes variáveis: idade, gênero, grau de escolaridade e religião.

Com base no teste de Kruskal-Wallis, observou-se que existe uma diferença estatisticamente significativa de res-postas entre a faixa etária de 21 a 30 anos e as demais faixas de idade dos pacientes entrevistados. Essa diferença denota menor tendência à elaboração do testamento vital nesta fai-xa etária (p=0,003). Esse resultado se repetiu entre os acom-panhantes (p=0,004), conforme ilustrado na Tabela 5.

Tabela 5. Relação entre a idade e intenção de elaboração do testa-mento vital

Variáveis Idade p-valor

21-30Média(n)

31-40Média(n)

41-50Média(n)

51-60Média(n)

>61Média(n)

Testamento vital e idade do paciente

5(3)

10 (4)

9,83 (23)

8,93 (28)

9,65 (52)

0,003

Testamento vital e idade do familiar

7,29 (14)

9,72 (38)

9,58 (35)

9,64 (28)

9,54 (27)

0,004

Por meio dos testes estatísticos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, foram também analisadas as variáveis para pacientes e acompanhantes em relação à elaboração do próprio testamento vital, obtendo-se, respectivamente, os

seguintes resultados: gênero: p=0,535 e p=0,079; grau de es-colaridade: p=0,562 e p=0,104; religião p=0,380 e p=0,082. Esses resultados demonstraram não haver diferença estatisti-camente significante das respostas entre os grupos.

dISCuSSÃo

Embora em todas as especialidades médicas possa haver pacientes em fase terminal de vida, os pacientes oncológicos e seus acompanhantes estão entre aqueles que mais vivenciam a possibilidade de incurabilidade da doença. Nesse sentido, a presente pesquisa buscou ava-liar a percepção dos pacientes oncológicos e seus acom-panhantes em relação ao cumprimento de suas próprias determinações sobre tratamentos que desejam ou não receber durante o final da vida, quando porventura vies-sem a estar incapazes de comunicar-se. Com a finalidade de alcançar maior significância estatística em relação ao número de participantes, escolheu-se o setor de onco-logia do hospital, visto o grande fluxo de pacientes e familiares que afluem diariamente.

Referente ao grau de conhecimento sobre os termos “testamento vital”, “testamento biológico” ou “diretivas antecipadas de vontade”, 94,5% dos pacientes e 88,7% dos acompanhantes assinalaram desconhecer totalmente os termos. Um estudo espanhol10 analisou o conheci-mento sobre o testamento vital entre 382 pacientes com média de idade de 77 anos que compareceram a três hos-pitais por apresentarem exacerbação da falência cardíaca, encontrando que apenas 13,1% (51) conheciam o signifi-cado dos termos. Esse resultado, embora realizado em um país com o testamento vital incluído na lei desde o ano 2001, assemelha-se ao encontrado na presente pesquisa.

No entanto, uma pesquisa realizada com 75 pacientes dos Estados Unidos encontrou que apenas 15% (11) não sabiam o significado dos termos testamento vital (Living Wills)11. Esse resultado, obtido no país em que o testamen-to vital está inserido na Lei Federal desde 1990, difere fron-talmente daquele obtido no estudo espanhol10 e no presen-te estudo, em que poucos pacientes conheciam os termos.

Contudo, o mesmo pode não estar ocorrendo entre os médicos. Uma pesquisa12 realizada na região do meio--oeste de Santa Catarina entrevistou 100 (52,6%) médi-cos a partir de questões com variáveis dicotômicas (0-10). Os entrevistados, que eram profissionais da atenção bási-

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ca, UTI, emergência e especialidades, conferiram um va-lor médio de 5,88 a respeito do seu conhecimento sobre as vontades antecipadas. Na Andaluzia, sul da Espanha, foi realizado outro estudo13, com 307 médicos da atenção primária utilizando a mesma metodologia. Os médicos apontaram um valor médio de 5,29 para seu próprio grau de conhecimento, aproximando-se do resultado obtido entre os médicos brasileiros e diferindo do obtido entre pacientes e acompanhantes da presente pesquisa.

A opção pela eutanásia obteve média bastante alta na presente pesquisa: 6,64 pontos entre os familiares e 6,93 pontos entre pacientes, sendo que a frequência da aceitação plena foi, respectivamente, 56,4% e 50,7%. No entanto, não se descartam problemas de interpretação de-vido à semelhança dos termos. O estudo realizado nos Estados Unidos11 encontrou que 69% dos participantes consideraram a possibilidade de recusar tratamento em caso de doença terminal, 46%, a retirada de tratamento, 23%, o suicídio assistido e 32%, a eutanásia ativa, um pouco abaixo do encontrado no presente estudo. Porém, 62% dos participantes não distinguiram suicídio assistido de eutanásia, denotando que também esses pacientes tive-

ram dificuldade de compreensão dos termos. Um estudo brasileiro3 realizado com 127 sujeitos de

pesquisa, composto por médicos, advogados e estudantes de Medicina e Direito, encontrou que 1,91% preferiram a distanásia, 1,43%, a eutanásia, 35,89%, a ortotanásia e 60,77%, o testamento vital. Esta pesquisa, realizada com indivíduos com maior tempo de formação, apresentou re-sultados sobre a preferência pela eutanásia que parecem re-fletir melhor a realidade, reforçando a possível dificuldade do entendimento da terminologia quando se realiza pes-quisas com pessoas portadoras de menor nível de formação.

No presente estudo, a preferência pelo familiar ou o próprio paciente ser o responsável por tomar decisões em caso de o paciente encontrar-se em estado terminal de vida obteve ampla aceitação entre os pacientes e acom-panhantes. Quanto à participação dos médicos, nota-se que ocorreu uma aceitação alta por parte dos pacientes oncológicos, que nele depositaram um grau de confiança semelhante ao familiar. Esse resultado permite inferir que os médicos do serviço onde a pesquisa foi realizada não somente se preocupam com o aspecto médico-científico, mas também conseguem alcançar a abordagem humanís-tica, conquistando um alto índice de confiança dos seus pacientes. Esse resultado diverge de uma pesquisa norte-

-americana11 cuja preferência dos pacientes foi pela deci-são dos familiares. Selecionaram o médico apenas 5 (7%) entrevistados, e 70 (93%) assinalaram um familiar, sendo que 11 (15%) escolheram o cônjuge e 59 (78%), outro membro da família.

Quanto ao tempo da doença e a preferência pela decisão, o paciente com mais tempo de doença apresen-ta maior vontade de decidir sobre sua saúde (p=0,32 e p=0,205). Entre os acompanhantes, a tendência foi que a decisão seja dos médicos (p=0,000 e p=0,331) ou médicos juntamente com pacientes (p=0,003 e ρ=0,250). O maior tempo de reflexão propiciado pelo período prolongado da doença pode influir no desejo do paciente de resguardar sua autonomia em assuntos relativos à sua saúde.

Em relação ao questionamento referente à implanta-ção do testamento vital na legislação brasileira, obteve a concordância plena de 90,9% dos pacientes e 94,4% dos acompanhantes, denotando o elevado valor atribuído por ambos os grupos ao testamento vital.

Em um estudo brasileiro12, os médicos do meio-oeste catarinense, quando questionados sobre a utilidade do testamento vital na hora de tomar decisões sobre um pa-ciente, atribuíram nota média de 8,37 pontos, sendo a maior frequência de respostas 10 pontos (moda), em 54% das respostas. Percebe-se, portanto, que é amplo o inte-resse dos médicos em respeitar as vontades de pacientes em estado terminal quando incapazes de se manifestar, sinalizando para a importância de sua previsão legal.

No entanto, um estudo realizado na Espanha avaliou o conhecimento e as atitudes de médicos do departamen-to de emergência e das unidades de tratamento intensivo sobre o testamento vital. Foram entrevistados 84 médi-cos, dos quais 61 (72,6%) atendiam frequentemente pa-cientes em estado terminal, encontrando-se que apenas a metade consultava o registro das vontades antecipadas dos pacientes que as haviam realizado. Os motivos apon-tados como justificativa para não consultar os dados fo-ram: não dispor de acesso, apontado por 26 (31,6%), e não saber como fazer, apontado por 23 (27,8%)14. Nesse país, o testamento vital já está previsto na legislação desde 1991, porém, as vontades legalmente registradas podem estar indisponíveis ou inviáveis de serem consultadas pelo médico no momento em que o paciente encontra-se in-capaz de manifestar-se.

No que diz respeito ao desejo de elaborar o seu próprio testamento vital, o presente estudo obteve concordância

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plena de 96 (87,3%) pacientes e de 124 (87,3%) acompa-nhantes. Esses resultados apontam para a ampla aceitação desse documento por estes entrevistados. No entanto, uma pesquisa realizada na Espanha10 encontrou que somente 2 (4,9%) pacientes informaram ter recebido informação so-bre o testamento vital via seu médico, mostrando que esse não é o principal foco da relação médico-paciente. Como proposição, o estudo sugeriu que os médicos sejam os res-ponsáveis por ampliar a informação desse dispositivo, como uma maneira de aprimorar a relação médico-paciente.

Nesta pesquisa, mesmo sem ter informação prévia so-bre o assunto, a quase totalidade dos pacientes e acompa-nhantes manifestou o desejo de elaborar seu próprio tes-tamento vital, após serem esclarecidos sobre suas funções.

CoNCluSÃo

Essa pesquisa buscou identificar a percepção de pa-cientes oncológicos e de seus acompanhantes em relação ao testamento vital. Os resultados mostraram que ambos os grupos desconhecem tanto os termos “testamento vi-

tal” como “testamento biológico” e “diretivas antecipadas de vontade”.

A aceitação da elaboração do testamento vital é dire-tamente proporcional ao tempo de doença. O paciente que se encontra em tratamento há mais tempo apresenta maior desejo de decidir sobre seu processo de morrer.

No entanto, as decisões dos familiares, médicos, pa-cientes e pacientes juntamente com seus médicos são bem aceitas por ambos os grupos pesquisados.

A implantação do Testamento Vital no Brasil é bem acolhida, tanto por pacientes oncológicos como pelos acompanhantes, e o gênero, grau de escolaridade e a reli-gião não influenciaram na intenção de elaboração do pró-prio testamento vital. No entanto, pacientes e acompa-nhantes da faixa etária mais jovem são menos propensos à sua preparação.

A aceitação do testamento vital pelos pacientes e acom-panhantes pesquisados enfatiza a necessidade de se ampliar a discussão para toda a sociedade. Estudos mais abrangen-tes serão necessários para avaliar a percepção dos pacientes e seus acompanhantes em outras regiões do Brasil.

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Recebido em: 31 de agosto de 2012.Aprovado em: 15 de setembro de 2012.


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