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Revista Do Museu de Arqueologia n01_1991

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    REVISTA DO MUSEUDE

    ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA

    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

    N? 1 1991

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    REVISTA DO MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA

    Comissão Editorial: Donizete Aparecido RodriguesDorath Pinto UchôaMaria Cristina Mineiro ScatamacchiaMaria Isabel D'Agostino FlemingSonia T. Ferraro Dorta

    Editoras Responsáveis: Maria Cristina Mineiro ScatamacchiaMaria Isabel D'Agostino Fleming

    Conselho Editorial: Ana Mae Tavares BarbosaAntonio PorroAugusto TitarelliAziz N. Ab'SaberBerta RibeiroCarlos SerranoDonizete Aparecido RodriguesDorath Pinto Uchôa

    Fábio LeiteGabriela Martin D'ÁvilaIgor ChmyzKabengele MunangaMaria Cristina Mineiro ScatamacchiaMaria Isabel D'Agostino FlemingMaria Luiza CorassinMaria Manuela Carneiro da CunhaMarília C. de Mello Alvim

     Niède Guidon Norberto Luiz GuarinelloOscar LandmannPedro Ignácio SchmitzRoberto Cardoso de OliveiraSolange GodoySonia T. Ferraro Dorta

    Pede-se permuta.

    We ask fo r exchange.

    Endereço: Av. Prof. Mello Morais, 1.235 bloco D - 62 andarCidade Universitária São Paulo, SP.05508-900

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    Apresentação

    O surgimento do novo MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA DA USP exigiauma nova revista que o representasse perante a comunidade científica do país e do exterior. Defato, a decisão da Reitoria da Universidade de São Paulo, 110 final do ano de 1989, cm promovera fusão de instituições afins visando a racionalização de atividades ligadas à pesquisa cm

    Arqueologia c Etnologia, bem como a curadoria dos respectivos acervos, teve como resultadoa reunião de pesquisadores, técnicos c funcionários do Instituto de Pré-História, do antigo Museude Arqueologia e Etnologia, do acervo arqueológico c etnográfico do Museu Paulista c doAcervo Plínio Ayrosa, da Faculdade de Filosofia, Letras c Ciências Humanas da USP. Umacoleção de mais de cem mil peças, envolvendo uma centena de interessados, transformava osantigos museus ou acervos numa das mais importantes instituições de pesquisa 11a área deArqueologia e de Etnologia, impondo o desaparecimento dos antigos periódicos que os representavam (DÉDALO, REVISTA DE PRÉ-HISTÓRIA E REVISTA DO MUSEU PAULISTA)c sua consolidação numa única publicação: REVISTA DO MUSEU DE ARQUEOLOGIA EETNOLOGIA.

    A presente revista é, portanto, órgão de comunicação oficial da nova instituição. Suafinalidade precípua é dar vazão à produção científica realizada dentro c fora da Instituição nasáreas de Arqueologia, Etnologia e Museologia, especificamente naqueles segmentos nos quaiso NOVO MAE se encontra vocacionado, isto é, nos setores americano (com destaque para oBrasil), africano, mediterrâneo c médio-oriental.

    Retomar-se-á destarte, o intercâmbio bibliográfico interrompido com a retirada da circulação dos antigos periódicos, buscando-se, 11a medida do possível, transformar a nova revistanuma publicação substantiva, com periodicidade garantida, capaz de contribuir para a divulgaçãodos conhecimentos produzidos no âmbito do seu espectro de atuação, sobrelevando os estudosde cultura material em seus múltiplos dimensionamenlos, seja por meio de artigos, estudos decuradoria, recensões, notas, repertórios bibliográficos.

    Modelando a sua identidade 110 perfil de uma obra aberta  aos estudiosos do ramo, deveráa nova revista espelhar, o mais amplamente possível, naquilo que de melhor qualidade possuir,a produção científica e intelectual da nova instituição, o MUSEU DE ARQUEOLOGIA EETNOLOGIA DA USP.

    PROF. DR. JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDADIRETOR 

    MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA

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    Sumário

    ARTIGOS3 Pedro I. Schmitz — Áreas arqueológicas do Litoral c

    do Planalto do Brasil.

    21 Marília Carvalho de Mello Alvim, Dorath Pinto — Cribra orbiíalia  e lesões crania-

    Uchôa, João Carlos de Oliveira Gomes nas congêneres cm populações pré-históricas do Brasil.

    55 Maria Cristina MineiroScatamacchia, Sandra — Análise de captação de recursos Na mi Amenomorí, Alejandra Bustamante, da área do sítio Mincração.Igua-Clcidc Flanchi, Plácido Cali pc, SP.

    71 Márcia Angelina Alves — Culturas ccramistas de São Pauloe Minas Gerais: estudo tccnoti- pológico.

    97 Maria Isabel D ’Agostino Fleming — A manufatura do vasilhame de bronze como concentração dastécnicas aplicadas na fabricaçãode outras categorias de objetosde bronze.

    105 Astolfo Gomes de Mello Araújo — As rochas silicosas como matéria prima para o homem pré-históri-co:varicdadcs, definições c conceitos.

    113 Maria Cristina Oliveira Bruno, Sandra P. L. — Um olhar muscológico para a arde Camargo Guedes, Marisa Coutinho Afonso, queologia: a exposição “Pré-His-Maria Cristina Alves tória Regional de Joinville”.

    131 Rita de Cássia Alvares — Arqueólogos do contemporâneo:uma experiência alternativa.

    ESTUDOS DE CURADORIA147 Klaus-Peter Kästner — As coleções brasileiras do Museu

    Estatal de Etnologia de Dresden.

    165 Paulo A. D. De Blasis, Silvia Cristina Piedade — As pesquisas do Instituto de Pré-História e seu acervo: balanço preliminar c bibliografia comentada.

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    ESTUDOS BIBLIOGRÁFICOS191 Donizctc Rodrigues _ Reflexões sobre a hislória da Ar-

    queologia (colonialista c nacionalista) africana.

    195 Maria Luiza Corassin — Resenha: Nicolet, Claude.  Ren

    dre à César. Economie et société  dans la Rome Antique.  Ed. Gallimard, 1988, 319 p.

     NOTAS201 Judith Mader Elazari — Projeto “Museu vai à escola à

    noite”.CRÔNICA DO MUSEU

    205 Ano de 1990

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    Contents

    ARTICLES3 Pedro L Schmitz — Archaeological areas from the

    Littoral and Highland of Brazil.

    21 Marilia Carvalho de Mello Alvim, Doralh Pinto — Cribra orbit alia  and congenericUchôa, João Carlos de Oliveira Gomes cranial lesions in pre-historic po

     pulations from the meridionalcoast of Brazil.

    55 Maria Cristina Mineiro Scatamacchia, Sandra — Analysys of resource catchment Nani'! Amcnomori, Alejandra Bustamante, of the Mineração site arca.Igua-Clcide Flanchi, Plácido Cali pe, SP.

    71 Marcia Angelina Alves — Ceramists cultures of São Pauloand Minas Gerais: technical ty

     pological study.

    97 Maria Isabel D’Agostino Fleming — The manufacture of bronze vessels as concentration of techniques applied in the fabrication ofother categories of bronze ob

     jects.

    105 Astolfo Gomes de Mello Araujo — The siliceous rocks as raw material for the prehistoric man: varieties, definitions and concepts.

    113 Maria Cristina Oliveira Bruno, Sandra P. L. — A museological view upon ar

    de Camargo Guedes, Marisa Coutinho Afonso, chaeology: "Regional Prehisto-Maria Cristina Alves ry" of Joinville exhibition (Santa

    Catarina State).

    131 Rita de Cássia Alvares — Contemporary archaeologists: analternative experience.

    CURATORS HIP STUDIES147 Klaus-Pctcr Kastncr — Brazilian Indian Collections of 

    the State Museum of Ethnografyof Dresden, Germany.

    165 Paulo A. D. De Blasis, Silvia CristinaPiedade — First evaluation of the Institutode Pré-História archaeologicalresearch activities and its collections.

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    BIBLIOGRAP HICAL STUDIES191 Oonizctc Rodrigues — Reflections on the history of afri-

    can colonialistic and nationalisticArchaeology.

    19 Maria Luiza Corassin — Review: Nicolct, Claude. Rendreà Cesar. Economie et société  dans la Rome Antique.  Gall -mard Ed., 1988, 319 p.

     NOTES201 Judith Mader Elazari — "Museum goes to school by

    night" Project.MUSEUM CHRONICLE

    205 Year of 1990

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    Artigos

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    ÁREAS ARQUEOLÓGICAS DO LITORAL E DO PLANALTO DO BRASIL

    Pedro Ignacio Schmitz*

    SCHMITZ, P. I. Áreas arqueológicas do Litoral e do Planalto do Brasil.  Rev. do Museu de Arqueo logia e Etn olo gia ,  S. Paulo, 7:3-20, 1991.

    RESUMO: Arcas arqueológicas do Litoral c do Planalto do Brasilregistra a distribuição espacial das configurações culturais pré-históricasusualmente organizadas sob a denominação de tradições tecnológicas

    ou culturais, destacando a freqüente cocxtcnsão com regiões gcobioló-gicas e chamando a atenção para o dinamismo existente 110  interior decada uma das regiões c nas suas respectivas fronteiras.

    UNITERMOS: Arqueologia brasileira. Arcas culturais. Tradiçõestecnológicas.

    In t rodução

     Na organização das informações jádisponíveis para a história do povoamentoindígena do Brasil uma estratégia comumtem sido a utilização do conceito de tradições tecnológicas e/ou culturais para os fenômenos mais abrangentes c a utilização deconceitos como fases, estilos, íacics, para divisões menores (Brochado e outros, 1969;Simões, 1972; Schmitz, Barbosa, Ribeiro,

    cds., 1981; Schmitz, 1984). E111  si estes conceitos não incluem uma visão espacial, ouecológica. Mas a distribuição 110 espaço dosfenômenos assim organizados se apresentacada vez mais intrigante, mostrando coincidências territoriais c ambientais, que pedemregistro e análise. Alguns desses estudos jáexistem c podem ser lembrados, como o deSchmitz (1978) para o sul do Brasil, depoisretomado cm maior profundidade por Kcrn(1981); mais trabalhados são os de Brochado

     para o Tupiguarani (1973ab) e para as cerâmicas do leste da América do Sul (1984).Aqui nos propomos a continuar este exercício de reflexão, aperfeiçoando informaçõesanteriores c buscando acrescentar outras, atéagora não incluídas.

    (*) Instituto Anchictano dc Pesquisas, UMSINOS. Bolsista doCNPq.

    A organização proposta não parece ternenhum valor intrínseco, porque os dadosque manejamos foram organizados segundocritérios diferentes, muitas vezes imprecisose sempre insuficientes. Mesmo que as informações fossem mais precisas e abundantes co quadro resultante mais confiável, aínda estaríamos registrando o fenômeno e não suaexplicação. Para chegarmos a esta, precisamos antes de mais nada pensar os problemas, formular as hipóteses correspondentes

    dentro de alguma teoria e buscar um métodoadequado para testá-las.Dc maneira como o quadro se apresen

    ta agora vemos: 1Q) marcadas homogeneidades tecnológicas c/ou culturais que coincidem com largas extensões geobiológicas parecendo as fronteiras culturais coincidir comos limites dessas regiões naturais como sehouvesse uma forte tendência adaptativa das

     populações; 2Q) que os primeiros "sistemasadaplativos" são substituídos por outros

    "progressistas" com relação aos anteriores,criados cm conseqüência dc reformulaçõesinternas, mais freqüentemente de estímulosexternos ou migrações populacionais, ligados ao desenvolvimento gcobiológico e cultural do continente, dc modo que, se por umlado temos uma justaposição espacial de sistemas adaplativos, classificáveis cm termos

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    dos diferentes suportes ambientais, temos,

     por outro, uma sucessão temporal de tecnologias adaptativas, classificáveis cm termosde etapas evolutivas culturais de caráter aomenos continental.

    Foi sugerido cm momento anterior( cl mitz c outros, cds., 1981) que as primeiras etapas tecnológicas na área examinadaapresentariam ajustamentos ambientais menos especializados, permitindo a exploraçãode ambientes com certa diversificação emgrandes extensões c que haveria um maiorajuste tecnológico através do tempo, restringindo com «sso a área de utilização ótima doambiente, diversificando os grupos.

    Desta maneira podemos pensaras culturas da área por um lado enquanto buscamajustar-se a um meio espacial,mente diversificado c temporalmente dinâmico c por outrolado enquanto respondem a estímulos de culturas mais ou diversamente adaptadas. É oque tentaremos.

    O que conseguimos, em parle não énovo e mesmo a tecilura final é frouxa e

    apenas indicativa.Dividimos a apresentação em duasgrandes áreas: a subtropical e a das savanastropicais.

    A área subtropica l

    Esta abrange a região dos campos, cda Floresta Subcaducifólia Subtropical comAraucária, a da o resta Subaducifólia Tro

     pical e Subtropical e a da Vegetação Litorânea (ver mapa).

    1. A região dos campos

    Os campos ocupam, por um lado, asaltitudes menores e, por outro, as mais altasdo cxlrcmo-sul do país. Podem ser limpos,ou conter formações de parques, bosquesisolados (capões) ou formações de galeria aolongo de cursos d’água.

    Os recursos de caça podem ser atéabundantes cm animais terrestres e aquáticos, os peixes nas lagoas litorâneas oferecemno período quente do ano um rico abastecimento, os frutos proporcionam a menor contribuição alimentar, mas não são desprezíveis.

    As rochas para a produção dc artefatos

    lascados ou polidos são variadas c de máqualidade no Escudo Cristalino. No Planalto basáltico, na sua borda c nos vales sedimentares temos basaltos, rioliíos, arenitos silici-ficados c calcedonias, alguns dc boa qualidade para lascar c outros para polir.

    Solos bons para cultivos tradicionais por técnicas indígenas são muito escassos.

    Através do Holoccno os campos aparentemente mantiveram suas característicasgerais, com maior ou menor desenvolvimen

    to das manchas dc vegetação arbustiva ouarbórea.

    Do final do Pleisloccno até o Holoccnorecente a vida das populações indígenas é dccaçadores, usando uma indústria lítica na qualsobressaem as pontas de projétil; ao redor docomeço de nossa era aparecem claros fenômenos neolíticos, em especial a cerâmica,aparentemente agregada a uma indústria preexistente de caçadores, cujas atividades gerais

     parece não modificar.

     As   indústrias líticas pré-cerâmicas podem ser reunidas numa única tradição, chamada Umbu, com numerosas fases, as maisantigas das quais são a Uruguai, no sudoestedo Rio Grande do Sul (11.500 a 8.500 A.P.),a fase Vinilu, no sudoeste do Paraná (estimativa: entre 8.000 c 7.000 A.P.), a fase Ilagua-

     jé, no norte do Paraná (mais dc 8.000 AR),a fase Capivara, no nordeste do Rio Grandedo Sul (estimativa: 10.000 a 8.000 A.P.), afase Umbu, começando ao redor dc 6.000A.P., c a fase Ilapuí, mais recente, ambas no

    nordeste do Rio Grande do Sul. Schmitz• *z um balanço do que sobre essa

    tradição é conhecido.O contexto Iilico abrange um grande

    número de pontas de projétil foliáceas, pc-dunculadas com ou sem aletas, de morfologías varí.. !.is, acompanhadas dc raspadores

    res, alisadores, bolas etc. A técnica dcd c bit age m parece predominantemente uni-1 * '* 11 reestudo das coleções aparecetambém o uso da percussão bipolar, para dc-

    terminadas matérias-primas como quartzo ccalcedonia. O retoque dos artefatos mais finos costuma ser realizado por percussão e

     por pressão. As publicações existentes sãoainda pouco explícitas com relação ao quadro morfológico, tecnológico c dc utilização

    Os restos de alimentos conhecidos*£dicam caça generalizada, pesca estacionai c

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     provavelmente coleta generalizada animal cvegetal, fugindo dos padrões de áreas mais

    frias, onde se destaca o predomínio da caçaespecializada.

    O padrão de assentamento indica utilização intensa de abrigos, sempre que osmesmo estejam disponíveis, acampamentosa céu aberto, de preferência cm áreas naturalmente salientes; também é freqüente queo lugar de sucessivos acampamentos assuma a forma de pequeno aterro. Há sítiosmultifuncionais com rcocupação relativamente freqüente, de caráter estacionai ou

    anual, como existem aqueles cm que predomina a exploração c primeiro afeiçoamenteda matéria-prima; também estão começandoa aparecer alguns que parecem predominantes estações de caça.

    Os sítios estão principalmente emáreas onde existe conjunção de elementosvariados da vegetação, onde em conseqüência o aproveitamento de matérias-primas calimentos parece pais rico. Neste sentidoimaginar o grupo como um explorador docampo limpo seria ilusório, uma vez que elese encontra de preferência nas áreas de cam po não limpo, no contato do campo com aFloresta Subcaducifólia Subtropical comAraucária, com a Floresta SubcaducifóliaTropical c Subtropical e mesmo da Vegetação Litorânea, entrando às vezes um pouconesses ambientes lindantes.

    As representações simbólicas da áreasão pouco estudadas: há poucos locais comgravuras do estilo "Pisadas”.

    Os sítios mais antigos estão no extre

    mo sul (110  sudoeste e nordeste do Rio Grande do Sul), estado que poderia ser o pontofocal desta tradição; sítios mais recentes encontram-se tanto no sul do Brasil, como 11aArgentina e 110  Uruguai. Nos trabalhos en-contram-sc indicações da regionalização datradição, mas sem nenhuma explicação doque isto representa. Também a periodizaçãoainda é meramente indicativa.

    Sendo esta uma tradição de caçadoresde áreas abertas, a extensão para ambientes

    semelhantes da Argentina c do Uruguai é fácil, mas a penetração no miolo da FlorestaSubcaducifólia Subtropical e Tropical certamente seria extremamente difícil. A penetração na Floresta Subcaducifólia Subtropicalcom Araucária, geralmente intercalada decampos, não apresentaria obstáculo tão acentuado. O seu limite 110  Brasil parecia encon

    trar-sc por isso lá onde a floresta de adensava. A çxislência de ocupações mais densas

    dentro do que hoje é floresta, como no sudoeste do Paraná, no vale do Ribeira (Blasis,19SS) c do Tietê, cm São Paulo, talvez naFloresta Percnifólia Higrófila Costeira cmSanta Catarina, nos obriga a pensar a suadispersão de forma menos rígida.

    A área nuclear nunca se torna legitimamente neolílica, mas está sujeita à sua influência, que se manifesta de maneiras diferentes: nos campos do sul do Rio Grande doSul ela passa a usar uma cerâmica aparenta

    da com a das culturas básicas do rio Uruguaimédio, dando origem à tradição (cerâmica)Vieira; 110  centro do Rio Grande do Sul elarecebe alguma cerâmica Tupiguarani, provavelmente por meio de intercâmbio; o queaconteceria com os grupos da tradição noPia na Ho?

    Embora não saibamos exatamentequais os aspectos verdadeiramente ncolíticosda tradição Vieira, que aparentemente nãodesenvolveu cultivos até o seu contato como Tupiguarani e utilizaria a cerâmica dentro

    de um contexto de caçadores, ela representao aspecto mais ncolitizado de todo o grupodos caçadores das áreas abertas do sul. Sccom a cerâmica Tupiguarani passou ao gru po do centro do Rio Grande do Sul algo maisda vida neolílica está sujeito a dúvidas aindamaiores.

    Apesar de um grande número de sítios,fases c trabalhos esparsos, os problemas fundamentais referentes aos caçadores do sul doBrasil estão msolvidos. Não conhecemos o

     padrão de assentamento c utilização ambiental c sua evolução 110  tempo. Em termos deevolução continental nos falta especialmentea compreensão de neolilização, filtrada através de grupos vizinhos ou chegada diretamente através da ocupação por grupos nco-lílicos (p. ex. o Tupiguarani) de espaços adequados dentro do seu mesmo território.

    2.  A Floresta Subcaducifólia  

    Subtropical c a parle me ridional da Tropical

    Esta floresta, mais densa no sul de SãoPaulo, menos no Paraná, Santa Catarina cRio Grande do Sul, ocupa as áreas quentese chuvosas ao longo dos rios c da borda meridional do Planalto Brasileiro.

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    Os recursos para o abastecimento indí

    gena são abundantes c bastante regularmentedistribuídos, sendo possível a caça de animais terrestres c aves, a pesca, a apanha demoluscos nos rios, a coleta de frutos, tubérculos c raízes.

    As rochas úteis para a produção de artefatos lascados ou polidos são variadas,abundantes e de boa qualidade, estando dis

     poníveis basaltos, rioliíos, arenitos silicifica-dos, calcedonias, sílex c quartzo cristalizado.

    Os solos geralmente são bons para cultivos tradicionais por técnicas indígenas.

    Acredita-se que a floresta teria sidoconsideravelmente menor no final do Pleis-toccno c que se tenha expandido muito durante o Holoccno, cm especial durante o"Ótimo Climático".

    2.1. A tradiçãoHuinaitá

    Do Holoccno antigo ao recente a vidadas populações indígenas parece ter sido de

    coletores e caçadores, usando uma indústrialítica, na qual se destacam os artefatos bifada is grandes, sem pontas de projétil; ao redor do começo de nossa era aparece umacultura totalmente neolítica, com aldeias, cerâmica, cultivos, que substitui e/ou incoqioraos caçadorcs-colctorcs.

    As indústrias líricas pré-ccrâmicas podem ser reunidas numa única tradição, chamada Humaiíá, com numerosas fases. Os sítios mais antigos estão no norte da área: osítio Brito, no sul de São Paulo, está datadocm aproximadamente 7.000 A.P., o de JoséVieira, no noroeste do Paraná, também emaproximadamente 7.000 A.P.; a fase Antas,no Rio Grande do Sul, começa ao redor de6.700 A.P.

    O contexto Etico abrange artefatos grandes, que foram classificados como bifaecs, la-Ihadores bifaciais e unifaciais, variados raspadores, cnxós, furadores, lascas usadas diretamente. A técnica de debitagem é unipolar, com

     percutor duro; também os trabalhos secundá

    rios c retoques apresentam esta característica.Ainda está pouco definido o uso desses artefatos, alguns dos quais apresentam marcas evidentes de alguma utilização.

    Os restos de alimentos que definiriama sua dieta são praticamente desconhecidos.Imagina-se que teriam sido caçadores c coletores generalizados.

    O padrão de assentamento indica

    acampamentos multifuncionais a céu aberto,de preferência na proximidade de cursosd’água c sítios de abastecimento c afeiçoa-mento de matéria-prima; artefatos isolados,ou cm pequeno número, são fáceis de encontrar nas áreas de sítios abundantes. Os bonsabrigos são praticamente inexistentes c há

     poueos registros de ocupação dos mesmos.Excetuando alguns sítios no planalto

    do Rio Grande do Sul, cm Floresta Subca-ducifólia Subtropical com Araucária, eles estão no interior da Floresta SubcaducifoliaTropical c Subtropical c devem ter conseguido uma boa adapatação a este ambiente porque praticamente não o ultrapassam. Curiosamente eles ainda não foram encontradosna Floresta Perenifólia Higrófila Costeira,que cobre a Serra do Mar.

    Em áreas limítrofes do sul, onde elementos da floresta c do campo se juntam,elementos característicos da tradição podemvír com elementos característicos da tradiçãoUmbu; no norte do Paraná e sul de São Pau

    lo, que parece outro limite semelhante, podem igualmente aparecer, no contexto daHumailá, elementos isolados da tradiçãoUmbu ou de uma outra com pontas de pro

     jétil. Por enquanto é muito difícil dizer seesta tradição continua na Floresta Subcadu-cifólia Tropical que se estende pelo resto doEstado de São Paulo, por Minas Gerais, Riode Janeiro, Espírito Santo c o sul da Bahia,

     por não haver informações. Esta ignorânciade sítios pode resultar tanto da falta de pes

    quisa, como de um ambiente inadequado para a instalação dessas populações, ou mesmo da ausência das matérias-primas habitualmente usadas para a fabricação de seusinstrumentos; não havendo os grandes blocos das matérias-primas usuais do PlanaltoSul-Brasilciro, poderiam as mesmas populações, nessas áreas, estar produzindo artefatoscom outra morfología e outro tamanho, osquais não permitiriam classificá-los, semmais, na tradição Humaitá, como ela estáatualmente conceituada.

    As representações simbólicas da áreaestão restritas a algumas gravuras, do estivo"Pisadas", no sul da área, no limite com oca ffipo.

    (.a'» sitios mais amigos estão no norte(São Paulo e Paraná). Como não temos certeza se as datações igualmente antigas dosudoeste de. anta larina pertencem a esta

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    tradição não ficamos sabendo onde c o pontofocal. De qualquer modo parece estar cm

    matas residuais do começo do Holoccno; sítios mais recentes encontram-se cm toda afloresta do sul do Brasil, bem como na continuação da mesma cm Misiones argentinasc paraguaias. Nos trabalhos encontram-se indicações de regionalização da tradição, massem nenhuma explicitação do que isto representa. Também a periodização está toda porfazer, uma vez que a organizada por Mcng-hin (1955/6) na Argentina está sob forte sus

     peita.

    2.2.  A tradição Tup iguaratu

     A   Floresta Subcadueifólia Subtropicalse torna plenamente neolítica quando, ao redor do começo de nossa era, aí se estabeleceuma população horlicullora, cuja cerâmicaos pesquisadores do PRONAPA denominaram tradição Tupiguarani, subtradição Corrugada. Devido à sua ligação com uma po

     pulação etnográfica de língua Guarani, dotronco lingüístico Tupi-Guarani, Brochado(1984) a denomina simplesmente subtradição Guarani, da tradição Polícroma Amazônica.

    A Floresta Subcadueifólia Tropical e parte da Vegetação Litorânea contígua torna-se igualmente neolítica uns séculos mais tarde, quando aí se estabelece uma populaçãohorticultora, cuja cerâmica os pesquisadoresdo PRONAPA denominaram tradição Tupiguarani, subtradição Pintada. Novamente,

    devido à sua ligação com parcelas de população etnográfica chamada Tupinambá, delíngua Tupi, do tronco lingüístico Tupi-Gua-rani, Brochado (1984) a denomina subtradição Tupinambá, da tradição Polícroma Amazônica.

    Estas subtradições duram até a plenaocupação do espaço pelos portugueses.

    A cerâmica reúne vasilhames de tamanhos, acabamentos c funções diferentes, quese encontram cm proporções diferentes nas

    subtradições c variam também no tempo. Asubtradição Corrugada desenvolve um grandenúmero de variedades de acabados plásticosda superfície externa, presentes na subtradição Pintada cm pequena escala. AsubtradiçãoPintada, ao contrário, acentua como acabamento da superfície do vasilhame o alisado,que pode receber pintura variada, geralmente

    sobre engobc branco; apesar de presente nasubtradição Corrugada é nela menos repre

    sentativo. Na subtradição Corrugada os vasilhames são predominantemente mais fundos,inferindo-se disso que se destinariam a funções de cozinhar, fermentar, guardar c serviralimentos variados; na subtradição Pintadasão mais rasos, inferindo-se disso que, alémdas outras funções, a de preparar produtos dcmandioca amarga, seria muito importante. Oantiplástico é variado, podendo ser os minerais encontrados naturalmente, ou caco moí-do.

    A indústria lítica raramente é abundante; são comuns lâminas polidas dc machado,tambetás cm quartzo c outros materiais; alisadores cm canaleta sobre fragmentos dcarenito, alisadores ou mós, lascas unipolaresou lascas c fragmentos bipolares usados diretamente. Localmente pode haver variaçõesconsideráveis como se os artefatos dc grupos pré-ccrâmicos anteriores tivessem sido incorporados e a disponibilidade local dc matéria-prima adequada fosse igualmente im

     portante.

    Os restos alimentares dc origem animal recuperados infelizmente são escassos cnão chegam a caracterizar a dieta: nos poucos sítios do sul, onde foram analisados, nosmostram caça variada, com predomínio doveado, coleta de moluscos de água doce ousalgada c pesca. Presume-se que os produtosda roça tenham sido variados com uma certainsistência na mandioca ao menos por parteda subtradição Pintada c cultivos mais diversificados dc parte da subtradição Corrugada.

    Mas dc concreto e demonstrado temos muito pouco. As roças deveriam ser do tipo coivara.As aldeias, geralmente com mais dc

    uma moradia plurifamiliar c scpultamcnloscm urnas, estavam de preferencia nos valesdos rios c nas encostas menos íngremes, quedão para os mesmos; ou na planície litorânea. Devido à exploração rotativa dos recursos distribuídos no espaço do vale c planícies, cm períodos relativamente curtos, eramabandonadas, buscando-sc nova instalação

    na proximidade, dentro do mesmo território.O investimento na construção, dc materiais perecíveis, e na roça, passageira, dava à colonização, na maior parte do território ocu

     pado, um caráter dc estabilidade apenas relativa, mais territorial que local.

    Os sítios cnconlram-sc cm toda a áreada Floresta Subcadueifólia Subtropical, c

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     parles da Tropical, inclusive no noroeste ar

    gentino c sudoeste do Paraguai, mas não foram localizados até agora na Floresta Perc-nifólia Higrófila Costeira, que cobre a Serrado Mar. Embora não ultrapassem a floresta para entrar nos campos, difíceis de cultivarcom técnicas tradicionais, c nos pínheirais,localizados cm áreas mais frias, às vezes osencontramos cm áreas florestais do litoral,onde os terrenos também se prestassem ao

     plantio. Brochado (1973 e 1984) fez um estudo das condições ecológicas às quais con

    seguiram adaptar-se.Sítios antigos aparecem principalmente no setor meridional da floresta Subcadu-cifólia Tropical, no sul de São Paulo e nortedo Paraná, que poderia ser considerado o ponto focal c de dispersão ao menos da sub-tradição Corrugada. Com os dados atuais teríamos, no começo dessa subtradição, um lacles pintado, cujo aparecimento na área secolocaria um pouco depois de Cristo, dando-se a seguir um incremento na decoração (outratamento da superfície) plástica, acompa

    nhando uma adaptação tecnológica e cultura!ao ambiente subtropical.

     No esquema resultante dos trabalhosdo PRONAPA o lá cies pintado micial dariaorigem tanto à subtradição Corrugada, quanto à subtradição Pintada clássica, que se deslocaria do seu ponto de origem no interior

     para o litoral. Brochado, na sua tese, propõeque a subtradição Pintada venha da Amazônia ao longo do litoral nordestino, em data

     bastante antiga, mas a sua fixação seria mes

    mo assim posterior à da subtradição Corrugada.

    De acordo com estudos lingüísticos egloíocronológicos (Migliazza, 1982), traíar-sc-ia de um grupo de fala Tupi do sul daAmazônia, que teria migrado para o sul,ocupando, num movimento de colonizaçãoefetiva c constante, as áreas de floresta, ex

     pulsando, eliminando ou absorvendo as po pulações anteriores. Brochado, na sua tese,adscrcvc os dois ramos à tradição cerâmica

    Polícroma Amazônica, um de cujos ramosteria chegado pelo iiilerior c outro pelo litoral. A discussão das migrações deverá ternovos capítulos c versões na medida em quetivermos noções mais exatas do que está efetivamente acontecendo cm todas as áreas poronde elas deveriam ter passado c quandosoubermos, onde, como c em que condições,

     populações semelhantes se fixaram no terri

    tório brasileiro.Algumas questões muito sérias ficam

    irrespondidas para esta área de florestas,1. Apesar de um grande número de sí

    tios, fases c trabalhos esparsos, os problemasfundamentais da tradição Humaitá estão in-solvidos; esta falha é inda mais grave que para os caçadores dos campos. Não conhecemos o padrão de assentamento c utilizaçãoambiental, incluída a tecnologia, c sua evolução no tempo.

    2. Não sabemos o que aconteceu coma população frente à progressiva expansãoneolítica.

    3. Se é verdade que a tradição Tupi-guarani é conseqüência de uma migração de

     população da Amazônia nos primeiros séculos de nossa era, qual é o patrimônio tecnológico e cultural que traz c como ele se vaitransformando em confronto com o novoambiente c as populações anteriormente aíexistentes? Como é sua instalação efetiva cm

    termos de padrões de assentamento, incluindoa arrumação da casa, o espaço da aldeia c seusanexos, c a circulação das aldeias dentro doespaço dominado?

    4. A não utilização da Floresta Pcrcni-fólia Costeira, no sul, dcvc-sc exclusivamente à declividade dos terraços ou a mesmacarece de outras condições que a tornaraminapetecida ou de ocupação impossível?

    3. A Floresta Subcaducifólia  

    Subtropical com A raucária

    Esta 11o resta se estende por sobre o planalto dos Estados de Rio Grande do Sul,de Santa Catarina c do Paraná, ocupandoáreas frias: freqüentemente vem com inter-calaçõcs de campos. Menos densamenteocorre Araucária no sul de Minas tambémcom inlcrcalação de campos.

    Com isso forma ambientes ricos cmcaça e frutos, especialmente o pinhão, que

    amadurece no começo do ouluno.As rochas úteis para a produção de artefatos lascados ou polidos não são geralmente nem muito abundantes, nem de boaqualidade, podendo ser conseguidos alguns

     basaltos riontos, calcedonias, cristais dequartzo, especialmente na proximidade dosgrandes rios.

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    O solo também não c rico para cultivos tradicionais por tccnicas indígenas.

    A floresta sempre deve ter existido noHoloccno c se ela aumentou ou diminuiu nãoc importante para nosso estudo que se ocupade culturas recentes, coincidindo com umaextensão semelhante à de hoje.

    Desconhecemos se esta área cm algummomento tenha tido uma cultura pré-ccrâmi-ca própria. Na área existem alguns sítios decaçadores da tradição Umbu.

    Em contraposição, a área mostra densaocupação neolítica, que os arqueólogos Sden-

    tificam como três tradições (cerâmicas) regionais: no sul a tradição Taquara, no meioa Casa de Pedra, no norte a Itararé. A diferença entre as tres, para quem olha de fora,é tão pequena que talvez fosse mais objetivofalar de uma tradição com três subtradições.Schmitz (1988) fez um balanço do que delase conhece hoje.

    A cerâmica se compõe de vasilhames pequenos com predominância de formas estreitas c fundas sobre as largas c rasas; anti-

     plástico mineral; um conjunto de decoraçõesonde aparecem ungulados, pinça dos, ponteados, impressos, incisos característicos. A freqüência de vasilhames decorados é maior nachamada tradição Taquara do que nas outrasduas, onde é pouco rc-prcscntativa; na Itararé o polimento das superfícies, acompanhadomuitas vezes de bruñido na face externa, écaracterístico.

    A indústria lítica inclui artefatos grandes semelhantes aos da tradição Humaitá, ao

    lado de abundantes lascas produzidas sobrecalcedonia ou cristais de quartzo por lasca -mento bipolar, c artefatos polidos, às vezes degrande tamanho, em especial lâminas de machado c mãos de pilão. Esta indústria pode sermuito desenvolvida quando a matéria-prima éde boa qualidade, como acontece na proximidade dos rios, ou pobre quando distante de boamatéria-prima. Mas apresenta outras variaçõesque podem estar ligadas às populações que as

     precederam cm alguns locais. Na sua área nuclear, que é o planalto,

    ainda não conseguimos restos alimentícios para caracterizar a sua dieta, a não ser uns poucos pinhões. Junto ao litoral contíguo, para onde a cultura se estendeu, comiam moluscos marinhos, de água doce ou terrestres,

     pescavam c caçavam. - A suposição é de que

    estacionaImcnlc caçavam, pescavam, colhiam pequenos animais e frutos (especialmente o pinhão) e teriam uma horticultura

     pouco desenvolvida de apoio, donde viria omilho e a cabaça. As roças seriam do tipocoivara.

    Os sítios são de vários tipos: nas áreasaltas dos pinheira is e campos intercaladosconhcccm-se milhares de casas subterrâneas,isoladas ou agrupadas; junto às casas costuma haver pequenos aterros que se supõe se

     jam sepulturas e às vezes espaços cercadoscom taipa de terra pisoteada; aí também se podem encontrar galerias subterrâneas cavadas nas encostas. Em cotas mais baixas sãofreqüentes restos de aldeias de pequenaschoupanas; no litoral contíguo podem ser encontrados sítios de pesca c coleta marinha oulacustre com alguma caça; ou estabelecimentos estáveis baseados na pesca, na coletac na caça; é raro encontrar ocupações cmabrigos no planalto (cemitério), ou na encosta (multifuncional?).

    Os sítios estão concentrados na área de

    Floresta Subcaducifólia Subtropical comAraucária c seus campos intercalados, trans

     bordando para o litoral contíguo; e com pequenas entradas, recentes, na Floresta Sub-caducifólia Subtropical, havendo aí contatosmarcados com o Tupiguarani; ou na Tropical, com sólidos estabelecimentos, que poderiam estar baseados cm horticultura (Ro-

     brahn, 1988). O seu limite parecem ser oscampos do sul e as florestas que cercam pelooeste, o norte e parcialmente pelo leste. Com

    exceção do litoral setentrional do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná,onde há um certo número de sítios, eles ocu

     param mesmo os pinheira is do planalto brasileiro e pequena parcela, também com pinheira is, do nordeste Argentino.

    A ocupação mais antida está no nordeste do Rio Grande do Sul, no segundo século de nossa era. A tradição continua até

     bastante depois da chegada do branco e pro

    vavelmente desemboca nos Kaingáng eXoklcng atuais.Casas subterrâneas são registradas cm

    vários locais no sut de Minas Gerais, emáreas altas, na proximidade das quais tam

     bém existem compos e pinheiros; quando seconhece a filiação, atribuem-se a grupos ceramistas da tradição Sapucaí.

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    Entre os inúmeros problemas insolvi-

    dos destacamos alguns:1. Quem é a população pré-ccrâmicada área, onde, de repente, aparecem as casassubtcrâncas neolíticas, ou ela era ocupadaexclusivamente por uns poucos caçadores datradição Umbu?

    2. Devido a alguma semelhança da indústria lítica dos ceramistas com a tradiçãoHumaitá, se tem sugerido que esta poderiaestar na origem daquela. Esta semelhança

     parcial realmente existe, mas seria muito es

    tranho que um grupo adaptado à beira dosrios na floresta quente, onde vivem a céuaberto, no momento cm que a temperaturaestá cm baixa, se retire para áreas afastadas,muito frias, de vegetação diferente, c aí sededique à criação de uma cultura completamente diferente, incluindo complicados mecanismos de adaptação ao frio, como são ascasas subterrâneas. Tambcm não parece tratar-se de reorganização cultural após a fugadiante de um grupo invasor (o Tupinambá)

     porque, por um lado, quando este chega jáexiste a tradição Taquara (cacos de sua cerâmica aparecem nos primeiros sítios Tupigua-ranis), e por outro, os sítios Taquara dentroda floresta costumam ser recentes c apresentar algum tipo de convivência com o Tupiguarani final, possivelmente sob a forma decasamentos intcrclnicos. A falta de respostaslocais adequadas deve levar nos a postular amigração de uma população ncolitizada,como se costuma fazer com o Tupiguarani?

    3. Ou será que existe uma tradição decasas subterrâneas certamente pré-cerâmicas, ainda não vistas devido à pouca extensão e intensidade do trabalho até agora realizado nestes numerosíssimos sítios do planalto? O fato de que existem casas subterrâneas também na tradição Sapucaí indica sero fenômeno mais complexo do que inicialmente julgávamos.

    4. Qual é a ligação entre os sítios do planalto e os do litoral, onde podem formar

    consideráveis acúmulos de restos, por muitos incluídos entre os "sambaquis"? Sãoocupações estacionais ou um fácics litorâneo, permanente, das populações do pia na 1-to?

    5. O padrão de subsistência é realmente o de um caçador-colctor com alguns cultivos de apoio? Quais?

    4. O litoral estrangulado pe la  

    Serra do Mar 

    Uma parte do litoral do su c sudesteconstituí-se numa área arqueológica separada, a outra parte não.

    O segmento mais meridional, de praiasarenosas retas, sem acidentes marcados c po

     bre cm moluscos, com um hinterland aplanado ou ao menos dc fácil acesso, foi incor

     porado no sistema dc rodízio estacionai

    maior dc toda a região, não apresentando nenhum dos fenômenos típicos da outra. Pode-se acrescentar que também no litoral do Nordeste, de condições semelhantes, está ausente o fenômeno "sambaqui".

    Só o segmento do litoral estranguladoentre a borda empinada da Serra do Mar oudo Planalto e o Oceano parece ter desenvolvido tecnologias c elementos culturais característicos. A abundância de alimentos dcsubstituição rápida, estáveis através do ano cdos séculos, e o isolamento forçado pela dc-

    clividadc da Serra ou do Planalto, coberta por uma densa floresta higrófila, impedindo praticamente o acesso às terras altas, parecem ter sido os responsáveis pela prisão deum contingente populacional e permitu suaevolução autônoma até o impacto da ondancolitizadora que atingiu todas as áreas.

    O ambiente é de banhados, lagoas, restingas, baías e morros, com vegetação ribeirinha característica na estreita faixa aluvial;Floresta Pcrenifólia Higrófila Costeira co

     brindo a encosta da serra ou do planalto. Nas lagoas, lagunas, banhados, ntan-guezais, nas baías c também no mar abertosão abundantes os moluscos, crustáceos e peixes; também existem animais terrestres,aquáticos c aves, que podem ser caçados. Osfrutos parecem ter sido relativamente escassos.

    Eram geralmente ruins para lascar asrochas disponíveis, que podem ser basaltos,diabásio, granitos ou gnaiscs; mas elas se

     prestam razoavelmente para a produção dcinstrumentos polidos; cm alguns locais oquartzo era usado para artefatos lascados.

    Terrenos aluviais podem ser usados para determinados cultivos, especialmentemandioca, mas cm geral são pouco adaptados para cultivos gerais pela tecnologia indígena.

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    4.1. O s coletores de moluscos

    O período mais antigo de ocupaçãodesta parle do litoral se caracteriza como coleta de moluscos, ao lado de pesca c caçamuito pouco desenvolvida,

    Há um sítio isolado de aproximadamente 8.000 anos A.P., no Rio de Janeiro,que é proposto como o mais antigo destatradição. Uma ocupação continuada do litoral dos cinco estados mais meridionais só serealiza a partir de 6.000 anos A.R 

    As indústrias líticas correspondentes

    apresentam artefatos parcialmente lascados, parcialmente picoteados c parcialmente polidos, artefatos totalmente alisados ou polidosc artefatos totalmente lascados. Artefatos característicos são pesos, ganchos ou retentores de propulsor de dardos, pontas fusiformes, suportes de percussão, polidores, lâminas de machado.Unicas são as esculturas cm

     pedra, geralmente cm forma de animais, raramente antropomorfas, pratos cm pedra,

     bastões que parecem torneados.Artefatos ósseos também não são ra

    ros: pontas, anzóis, sovelos, pratos, bacias,contas, pigmentos, outros objetos de adornoe esculturas.

    Em concha existem raspadeiras, contas, pigmentos, peças de colares.

    Entre os restos alimentares predominam os moluscos, mas há também crustáceos, peixes, répteis, anfíbios, mamíferos caves, além de coquinhos de palmeiras.

    Os sítios constilucm-se de acúmulosde moluscos, reunidos durante séculos ou

    milênios. Os mortos eram enterrados nosmesmos, a maior parte das vezes cm posiçãoDetida c com oferendas mortuárias, às vezescom o cadáver coberto de ocre; algumas covas foram especialmente revestidas comareia branca, ossos de baleia ou uma camadade argila.

    A ocupação mais antiga está no setormais setentrional, diminuindo as datas emdiração ao sul. Tomando em consideração aabundância c tamanho dos acúmulos pode-se

    imaginar que esta tenha sido uma das áreasmais bem abastecidas do território, levandoa uma densidade populacional grande, poucas vezes atingida antes do neolítico.

    Uma população estendida sobre umespaço tão grande, estreito c compartí mentado, certamente criaria diferenças regionais,algumas das quais foram destacadas por 

    Prous (1976), que tomou por base os zoolitosc a matéria-prima dos artefatos. Essas dife

    renças não parecem decorrer somente deadaptações locais, mas podem ser transportadas por populações que se deslocam (Neves, 1984).

    Como aparentemente todos os eventuais sítios antigos devem ter sido varridos

     pelo mar cm sua ascensão anterior aos 6.000anos A.R, sempre vamos ter dificuldade cmresolver o problema da origem. Como hipóteses alternativas poderiam mancjar-sc duas

     proposições. A primeira ressaltando a idéiade que populações da plataforma continental, emersa cm maior ou menor largura antesda ascensão holocênica do mar, teriam sidoapertadas contra a Serra do Mar e na emergência enfrentada se teriam voltado para osabundantes recursos litorâneos, criados coma transgressão marinha. A segunda, pondocm destaque simplesmente que a fartura derecursos lacustres c marinhos criados com asubmersão da borda inferior da serra teriaatraído e fixado populações do interior nummomento de transição climática, que exigia

    a busca de novos recursos alimentares. Desde o Holoccno antigo temos cm todo o território estudado populações das mais diversas tradições tecnológicas usando intensamente moluscos terrestres na sua alimentação. A utilização de moluscos aquáticos nãorepresentaria grande modificação. Pode serencontrada 110  litoral, ao longo de rios, comoo Ribeira (Barreto, 1988), ou 110  Pantanal doMato Grosso.

    Uma vez instalada na parte setentrio

    nal desse litoral, teria começado a se movimentar para o sul ate chegar ao fim do corredor, onde também acabavam os recursos

     buscados. Talvez ambas as proposições tenham de ser manipuladas paralelamente.

    E claro que temos que manter sempre presente que a exploração de recursos marinhos, nesta mesma época, é um fenômenomundial c que, inclusive, alguns artefatosdos sambaquis da costa brasileira se parecemexcessivamente com os da costa chilena.

    4.2. Pescadores, coletores e talvez cultivadores incipientes

    Ao redor de 4.000 anos A.P. se perce bem mudanças neste sistema de abastecimento com a intensificação da pesca, uma

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    dera distribuição das culturas: existem manchas de floresta no meio da caatinga (especialmente nos pontos altos) c no cerrado(principalmente o chamado Mato Grosso deGoiás); há consideráveis intcrcalaçõcs decerrado na Floresta Subcaducifólia Tropical,cm São Paulo c no Sul de Minas Gerais.

    Apesar de grandes extensões de terreno serem altos, o clima c permanentementequente. As chuvas ocorrem numa só estação.

    O cerrado, a caatinga c a mata contêmanimais terrestres c aves diversificados, mas

     predominantemente de tamanho médio a pe

    queno; caramujos terrestres se multiplicamabundantemente nessas áreas quentes. Osfrutos são muito abundantes 110  cerrado, menos na caatinga c 11a mata.

    São variadas as rochas disponíveis para lascar c polir; cm alguns lugares hágrande disponibilidade de rochas boas paralascar (arenito silicificado c sílex), cm outros, pelo contrário, são escassas c ruins(quartzos c quarl/ilos).

    O solo era adequado para cultivos tra

    dicionais por técnicas indígenas nas áreas deflorestas contínuas c também nas intercaladas; mesmo pequenas matas de galeria aolongo dos cursos d’água podiam ser utilizadas.

    Este ambiente não se manteve idênticodesde a primeira ocupação humana, devendo-se considerar que durante o Plcistoceno acaatinga ocuparia extensões consideravelmente maiores cm prejuízo do cerrado ctambém da mata; o cerrado ocuparia super

    fícies agora cobertas de 11o resta. O avançoda mata se daria principalmente durante o"Ótimo Climático" continuando posteriormente, até a colonização européia, quando

     passou a ser devastada.As culturas dos caçadores desenvolve-

    ram-sc principalmente nas áreas de vegetação mais aberta como a caatinga, o cerradoc o agreste, sendo mais antigas na caatinga;vêm acompanhadas de uma rica e variadaarle parietal sob a forma de pinturas, menos

    de gravuras (Guidon, 1975; Aguiar, 1986;Almeida, 1979).

    As culturas dos horticultores desenvol-vcram-sc principalmente nas áreas de llorcs-ta densa ou intercalada, mas aproveitandotambém as matas de galeria, e vêm acompanhadas de grande quantidade de gravuras em

     paredes, blocos, ou lajes. O processo de nco-litização pode aqui ser acompanhado mais

    claramente que na área subtropical. Na seqüência cultural dos caçadores sótemos documentação plcistoccnica de certadensidade para o Piauí, com duas fases; parao Holoccno antigo temos uma fase para oPiauí e duas tradições para o Centro do Brasil. - Na seqüência dos horticultores costumam separar-se três grandes tradições: aUna, a Aratu/Sapucaí e a Tupiguarani, sub-tradição Pintada.

    1. A s ocupações pleistocênica s

    Embora existam datas plcislocêníeas para a Bahia c o Piauí, só neste último estado se criou uma seqüência cronológica, como estabelecimento de duas fases. A primeira,entre 31.500 c 14.000 anos A.P., é caracterizada por lascas, que são usadas como tais ou

    com alguns retoques; também são comuns asfacas, cm particular as facas com dorso; sãoseguidas pelos raspadores. A matéria-primaé siltito, quartzo c quartzito. Os abrigos, nosquais foram encontrados os vestígios, seriamfreqüentados por pequenos grupos humanos,de maneira temporária, mas regular, estandoentre suas atividades a pintura nas paredesrochosas.

    Asegunda fase, entre 14.000 c 11.000anos A.P. é caracterizada por lesmas c lascas.

    A matéria-prima predominante continua sendo o siltito, o quartzo c o quartzito. Os abrigos apresentam uma ocupação mais intensa,representada tanto pelos restos Uticos, quanto pela pintura, agora de tradição Nordeste.

    Já no Holoccno antigo, entre 10.000 c7.000 anos A.P. temos, no sudeste do Piauí,uma indústria cm quartzito, com lascasmaiores, raspadores c facas; nesta época, cmalguns sítios, encontra-se uma formosa indústria cm sílex c calcedonia, cuja caracterí-

    silca essencial é a existência de pequenaslâminas c raspadeiras carenadas. As pinturascontinuam, agora cm estilo Serra da Gipiva-ra c complexo estilístico Serra Talhada (Guidon, 1986).

     Na maior parte das áreas de cerradoeste período é abrangido pela tradição Itapa-rica, sucedida pela Serranópolis.

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    2. Uma tradição de artefatos laminares unifaciais intensamente retocad os (tradição Itapa rica)

    Ao redor dc 11.000 anos A.P. esta tradição é encontrada sobre uma vasta área, incluindo o Mato Grosso do Sul, o Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia c Pernam

     buco. Ela aparece mais freqüentemente nocerrado, ainda c pouco estudada na caatinga

    c no agreste, não c conhecida na mata.A indústria lílica apresenta como artefatos mais caractcrísitcos raspadores longosterminais, outros raspadores, furadores, facas, lascas usadas diretamente, sobre arenitosilicificado, sillito, sílex, quarlzito. etc. As pontas dc projétil, comuns na área subtropical, aqui são absoluta exceção, c só aparecem no final do período.

     Na indústria óssea se destacam espátulas c algumas pontas sobre osso, bem comoretocadores sobre cornamenta de veado.

    Os restos alimentares nas áreas dc cerrado indicam caça generalizada, com leve

     predomínio do veado; na caatinga, ao ladoda caça generalizada, há forte apanha de caramujos terrestres.

    Ainda não se descobriram scpullamcn-tos.

    Os sítios, geralmente multifuncionais,nos abrigos, podem ser de exploração c pre

     paração dc matéria prima cm áreas abertas,onde são igualmente numerosos.

    Em vários lugares se buscou associar pinturas a esta tradição, como cm Serranó- polis.

    Aos 11.000 anos a tradição está im plantada sobre mais de 2.000 km dc extensão, dcvcndo-sc postular para isso um período considerável de expansão. E quase certoque ela cobriu todas as savanas tropicais eSão Raimundo Nonato, no sudeste do Piauí,seria um ponto para considerar como sua origem. Ainda não se estabeleceram diferencia

    ções regionais.Ao redor de 8.400 anos A.P. na área dccerrado, talvez cm tempo mais recente nacaatinga c no agreste, ela perde os seus característicos artefatos bem trabalhados c setransforma cm indústrias de lasca com poucos retoques, que denominamos tradiçãoSerra nópolis.

    3. Uma tradição de lascas com po uc os  

    retoques (tradição Serranópolis)

    Diretamente sobre as camadas da tradição dc artefatos unifaciais intensamente retocados aparecem restos culturais muito diferentes. Por enquanto cia é mais conhecidanas áreas dc cerrado, porque os sítios da caatinga estão pouco trabalhados.

    A indústria lílica mostra artefatos dc pouco retoque sobre lascas irregulares, usando as mesmas matérias-primas da tradição

    anterior. Na indústria óssea podem ser encon

    tradas ainda espátulas, pontas c anzóis.

    Caramujos terrestres com várias perfurações aparecem freqüentemente, podendo aomenos alguns ter sido usados como artefatos.

    Os restos alimentares são constituídosdc um grande número dc moluscos terrestres,ao lado de caça generalizada.

    Os sepullámenlos agora são freqüentes,

    os corpos em posição Delida, geralmente semacompanhamentó funcrário.

    Os sítios são predominantemente multifuncionais cm abrigos, com pinturas.

    Como nao se trata de uma indústriacom artefatos de morfología cha ma ti va c dclácil identificação, ainda não sabemos atéonde se estende no espaço c no tempo c comosurgiu cm seguimento à tradição Itaparica.Dc qualquer maneira estas indústrias dc lascas parece que se vão manter no cerrado c

    na caatinga até o advento dos horticultores.O movimento continental dc ncolitiza-

    ção já pode ser captado claramente uma vez passado o Ótimo Climático" Primeiro aparecem cerâmicas antigas, que poderiam remontar ao segundo milênio a.C. cm MinasGerais e talvez em Goiás; logo são encontradas, cm Minas Gerais, plantas cm estado dcdomesticação, como o milho. As diversas tradições horticultoras logo sc expandem sobreo território, transformando, eventualmente

    exterminando caçadores residuais. A tradiçãomais antiga vai continuar nos mesmos abrigosdas culturas anteriores, ao passo que as duas

     posteriores buscam um habitat diferente, ex plorando os terrenos abertos com vegetaçãoarbórea mais densa. Aparentemente sc tratade três populações que durante séculos scmantêm separadas.

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    4. Horticultores da tradição Una

    São os horticultores mais antigos econtinuam ocupando os abrigos rochosos cmáreas de convergência de cerrado (ou caatinga) com matas. São ainda raros os sítios acéu aberto, geralmente cerca de abrigosigualmente ocupados.

    A cerâmica, de tamanho pequeno, feita predominantemente com antiplástico mineral, mas desde cedo também com cariapc,apresenta formas de bordas simples ou inflc-tidas.

     Na indústria lítica podem ser encontrados abundantes machados lascados c polidos.

    Em abrigos mais secos foram recuperados artefatos cm osso, madeira, couro, fi

     bras vegetais c plumas; também corpos humanos total ou parcialmente preservados,sem falar de inúmeros coprólitos, importantes para a compreensão dos alimentos e dos

     parasitas intestinais.Além de caramujos terrestres, de caçageneralizada c frutos naturais puderam serrecuperados restos de plantas cultivadascomo milho, feijão, mandioca, cucubitáceasc algodão.

    Os abrigos continuaram a ser pintadosc gravados como antes.

    Sítios dessa tradição foram localizados no sudoeste de Goiás, cm Minas Gerais, sudoeste da Bahia c no Estado do Rio

    de Janeiro, encontrando-se as datas maisantigas no interior c podcndo-sc imaginaruma migração para a costa acompanhandoo leito dos rios. Na medida em que se estudam outras áreas da região Sudoeste c da

     Nordeste aparecem mais sítios, proporcionando uma melhor compreensão da área cdo ambiente.

    Embora seja contemporânea, c se encontre na mesma grande área das outras tradições horlíeultoras, o fato de ocupar um ni

    cho específico nos terrenos mais acidentados, deixando os mais planos para os outros

     plantadores, lhe daria possibilidade de sobrevivência sem grandes conflitos. De falo osvários pesquisadores acreditam que ela tenha persistido até depois da chegada do homemeuropeu.

    5.  Horticultore s da tradição   Aratu /S apucaí 

    Constrocm aldeias com centenas de pessoas cm locais abertos e pouco acidentados de preferência cm áreas florestadas densas, mas usando também matas intercaladase de galeria no cerrado ou na caatinga.

    A cerâmica, de tamanho grande, tem perada com antiplástsco mineral e no Centrodo país também com cariapé, tem formasglobulares e periformes, de bordas simples einflctidas.

     Na indústria lítica predominam artefatos polidos, como lâminas de machado (sim

     ples ou semilunares), ou de facas, além de pratos e pilões de mieaxisto.

    Embora em algumas escavações tenham aparecido restos de caça não temosuma idéia clara do que ela representaria noabastecimento do grupo; muito menos conhecemos dos produtos cultivados; usando acorrelação feita entre formas de vasilhamesc preparação de alimentos (Brochado, 1977)

     pensa-se que esta riam fora da tradição amazônica de transformação da mandioca amarga c talvez usassem cultivos variados; certamente a coleta de frutas não seria desprezível.

    Ao menos cm Goiás, onde há numerosos sítios, as aldeias são circulares, podendocompor-sc até de 90 moradias, comportandomais de 1.000 habitantes. Os pesquisadoresaventam a hipótese de que estes sejam os

     predcccssorcs dos Kaiapó do Sul (Wüst,

    1983). - Na Bahia foram encontrados grandes cemitérios com urnas, sempre indicandoque se trata de uma população densa comuma base econômica bastante sólida.

     No sul de Minas Gerais cm áreas altas,numa área de convergência ambiental, commata, cerrado, campos c pinheiros, a cerâmica da tradição Sapucaí aparece cm casas subterrâneas, que parece uma adaptação de am

     bientes frios, características da região subtropical.

    Essa tradição horticultora por enquanto é conhecida da Bahia, de Minas Gerais cde Goiás, havendo algumas indicações paraáreas vizinhas.

    Já no século nono esta era a superfícieocupada, fazendo-nos supor que a origemseja bastante anterior a esta data. Onde?Como?

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    6. A tradição Tupiguarani

    O Tupiguarani, sublradição Pintada,ocupou árcas florestais e certos nichos dointerior, onde conseguia adaptar-se. O seuajustamento ecológico tem semelhanças como da tradição Aratu/Sapucaí, cujo espaço vai

     pleitear, sem entretanto a poder excluir. No interior da Bahia alguns sítios

    apresentam mais quantidade de unguladosdo que é normal na subtradição Pintada, masseria temporário pleitear migrações ligadas àsubtradição Corrugada para explicar este fe

    nômeno local.

    7.  A s questões que sobram

    A maior parte das questões que sobramdcvcm-sc ao desconhecimento da metade doterritório c com isso dos limites dos fenômenos aqui estudados. Algumas questões, entretanto, podem ser formuladas.

    1. O fato de estarem aparecendo datas

     plcistoccnicas antigas nas áreas mais secasdo Nordeste está deslocando para lá as atenções de muitos arqueólogos. Por que na região da caatinga c não na do cerrado? Quecondições oferecia o Nordeste, que o Centroe o Sudeste não teriam?

    2. A tradição Ilaparica está mostrandouma grande dispersão, mas parece não terchegado cm locais de ambiente c datas parecidas, como a região de Lagoa Santa. Aquia indústria lítica c diferente, com o caracte

    rístico lascamcnto bipolar c pontas de projétil (encontradas ao menos cm Cerca Grande).As pontas poderiam ser o limite setentrionalda tradição de pontas do Sul, acompanhandoo derradeiro avanço dos campos c dos pinheira is, que também levariam as casas subterrâneas? E o mosaico de ambientes levariaa uma fusão de culturas?

    3. A sucessão de trad ições tecnológicasimplica numa substituição de populações?Isto é, a transição da cultura plcistocênica

     para a tradição Itaparica c desta para a Ser-ranópolis estaria ligada a movimentos populacionais? A tradição Una, Aratu/Sapucaí,Tupiguarani representariam outras tantas po

     pulações? Sc isto é verdade, onde estas po pulações se formaram c criaram a sua culturac como e quando se deslocaram? Para a solução de tais problemas certamente a contri

     buição dos antropólogos físicos se torna im prescindível.

    Considerações f inais

    Em nossa reflexão sobre as árcas arqueológicas do Litoral c do Planalto do Brasil notamos que é possível encontrar certascoincidências de árcas arqueológicas comgrandes regiões gcobiológicas.

    Os limites estre essas regiões gcobiológicas, especialmente quando os elementos

    se intercalam, e com isso se multiplicam, podem levar à formação de fronteiras com elementos culturais também misturados, rccom-

     binados ou enriquecidos (p. cx. na tradiçãoUmbu no Rio Grande do Sul, e na Humaitácm São Paulo; na Sapucaí em casas subterrâneas cm Minas Gerais). Mais freqüentemente essa riqueza justaposta leva uma determinada população a explorá-la com exclusão de outras, ampliando com isso umespaço possivelmente mais monótono e me

    nos rico. O fenômeno pode ocorrer com po pulações caçadoras (p. ex. a tradição Umbu),ou horticultores (p. ex. a tradição Aratu).

    As populações criam sistemas tecnológicos c sócio-culturais voltados para o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis na sua área de domínio c por isso podem ser visualizadas como se fossem estáveis durante longos períodos dentro dessecspa;co. Esse espaço geográfico não c realmente estático, podendo crescer ou diminuir

     por fatores naturais, levando conseqüentemente ao crescimento ou redução da áreacultural correspondente.

    Porém mais freqüentemente as culturas mudam dentro do mesmo espaço geográfico porque passam a explorar recursos diferentes dentro dele. Esta reorientação pode virda modificação dos próprios elementos dis

     poníveis, p. cx. por uma grande mudançaclimática, porém mais freqüentemente pelamodificação da tecnologia, quer por criação

     própria, quer por transmissão alheia, quer por invasão do território. Em espaços grandes, geobiologicamente complexos, podem-se ver finalmente justapostos sistemas deajustamento ambiental diversos, explorando

     populações diferentes recursos alternativoscom a utilização de tecnologias variadas,

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    mais ou menos desenvolvidas. Em vez de justaposição pode ocorrer também que popu

    lações adventicias, produtoras de melhor tecnologia, sc apropriem dos recursos que lhesinteressam, exterminando, expulsando ouabsorvendo as populações anteriores.

    Após essas considerações vemos a im portância de introduzir a dinâmica cm nossoestudo dc áreas arqueológicas: não só a dinâmica natural dos espaços geográficos,onde os elementos biológicos sc modificamatravés do tempo, mas principalmente a dinâmica da visão do homem, que num mo

    mento enxerga dentro do espaço certos recursos porque tem tecnologia para usá-los enum outro momento enxerga recursos muitodiferentes para cuja exploração conseguiuadequada tecnologia ou estratégia.

    Portanto, como fatores explicativosdas realidades encontradas não só precisamos saber quais os elementos geobiológicosdisponíveis regionalmente cm cada etapa,mas principalmente como sucessivamenteeles eram encarados c selecionados como re

    cursos pelos ocupantes. Os elementos disponíveis convidam à utilização de uma determinada tecnologia, mas esta não é fácil derecriar localmente, estando na dependência

    de verdadeiros horizontes dc tecnologia, quesc criam cm determinados lugares e dão aos

     primeiros c sucessivos portadores considerável vantagem, acompanhada de poder com pulsório sobre populações mais atrasadas.

    Embora se coloquem geralmente osmaciços montanhosos do Pacífico como focode inovações tecnológicas, que sc refletemcm áreas consideradas periféricas como oBrasil, um exame cuidadoso da arqueologianacional provavelmente nos vai indicar queas populações indígenas locais não eramdesprovidas dc criatividade c produziramsistemas importantes para a sua sobrevivên

    cia. Guidon (1984) pleiteia o sudeste doPiauí como foco dc vários elementos culturais ou tecnológicos.

     Não podemos, nem devemos, reduziro estudo das culturas indígenas brasileiras amero enquadramento nessas etapas tecnológicas e a seus movimentos dc expansão modificadora dos ajustes ecológicos regionais,mas esta é uma estratégia que pode dar um

     primeiro panorama dc nossa pré-história. Neste sentido a formulação apresenta

    da c as reflexões concomitantes são a idaextremamente pobres, conseqüência não sóda escassez dc dados qualitativos, como da

     própria falta dc compreensão do problema.

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    FORMAÇÕES VEGETAIS

    OCAMPOS

    FLOR. SUBCADUC. SUBTROPICAL  

    FLOR. SUBCADUC TROPICAL  

    FL. SUBC. SUBTR. COM ARAUCARIA  

    VEGETAÇÃO LITORÂNEA 

    CERRADO E CERRADÃO 

    CAATINGA 

     AGR ESTE

    FLORESTA HTGROFILA COSTEIRA 

    HILEIA BAIANA 

    FLORESTA AMAZÔNICA

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    SCIIMITZ, P. I. Archaeological areas from the Littoral and Highland of Brazil.  Rev. do Mu seu de Arqueologia e Etnologia,  S. Paulo, 7:3-20, 1991.

    ABSTRACT: Archaeological areas of the Littoral and the Highlandof Brazil registers the spatial distribution of prehistoric cultural configurations, usually organized as technological or cultural traditions, emphasizing the frequent coextension with gcobiological regions and recalling the dinamism that exists in the interior of any one of the regionsand in their frontiers.

    UNITERMS: Brazilian archaeology. Cultural areas. Technologicaltraditions.

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    CRIBRA ORBITALIA  E LESÕES CRANIANAS CONGÊNERES EM POPULAÇÕES PRÉ-HISTÓRICAS DA COSTA 

    MERIDIONAL DO BRASIL.

     Marilia Carvalho de Mello e Alvim *  Dora th Pinto Uchôa ** 

     João Carlos de Oliveira Gomes ***

    MELLO E ALVIM, M. C. dc; UCIIÔA, D. P.; GOMES, J. C. O. Cribra orbitalia  e lesõescranianas congêneres em populações pré-históricas da costa meridional do Brasil.  Rev. do  

     Muse u de Ar queo log ia e Etn ologia ,  S. Paulo, 7:21-53 1991.

    RESUMO - Em crânios pré-históricos exumados dc três diferentestipos dc sítios arqueológicos da costa meridional do Brasil foram encontrados as três formas clínicas da hiperosteose porosa com freqüênciasdiferentes: cribra orbitalia  (76,3%), osteoporose puntiforme (81,5%)c hiperosteose esponjosa (17,2%). Admite-sc a evolução possível paraa "cicatrização" (com intensidades diferentes), o aparecimento precoceda hiperosteose porosa c o aumento da "cicatrização'' com a idade. Astrês formas teriam uma etiología comum, anemia fcrropênica por perdashcmáticas c inadequada absorção do ferro (diarréia e excesso dc fósforona dicta), que uma abundante ingestão dc moluscos c crustáceos, ricoscm ferro não conseguiria compensar. O grupo ceramista que rcocupouo Sambaqui do Forte Marechal Luz c particularmente o do acampamentoconchífero do Tenorio foram menos afetados que os grupos sambaquici-ros, cm razão dc diferentes estilos de vida.

    UNITERMOS: Cribra Orbitalia.  Anemia Fcrropênica. Palcopa-tologia. Grupos pré-históricos costeiros, Brasil.

    A cribra orbitalia  foi estudada poranatomistas, antropólogos físicos, médicos c

     palcopatologistas, tendo recebido denominações várias como cribra orbitalia  (Welcker,1885), osteoporose simétrica (Hrdiicka,1914), hiperosteose esponjosa (Hampcrl &Wciss, 1955), usura orbitae  (Millcr-Chris-tensen & Sandison, 1963) c hiperosteose po-rótica (Angel, 1964).

    Considerada como marcador dc estresse não específico de etiología variada, a cribra orbitalia  tem sido encontrada cm amos

    tras cranianas dc populações humanas variadas, no tempo e no espaço, tais como: csco-

    («) Departamento de Ciências Sociais, IECII (UERJ)(•*) Museu de Arqueologia e Etnologia c Depto de Anatomiado Instituto de Ciências Biomcdicas (USP).(»**) Departamento dc Arqueologia e Muscologja (UNESA) eDepartamento de Antropologia, Museu Nacional (UERJ).

    cesa, britânica, francesa, saxônica, alemã,italiana, romana, galo-romana, austríaca,sueca, dinamarquesa, grega, antigos israelitas, japonesa, aino, chinesa, tailandesa, ma-laia, indiana, indonésica, das ilhas Canárias,cartaginesa, egípcia, núbica, somálica, negraafricana, negra americana, papua da NovaGuiné, micronésica, das ilhas Marianas, havaiana, polinésica, australiana, esquimó e indígenas norte, meso c sul americanos.

    Hiperosteose porosa (cribra cranii externa)  é o termo mais abrangente e usual, in

    troduzido por Angel (1966), para os três aspectos patológicos (cribra orbitalia,  osteoporose

     punliformc c hiperosteose esponjosa).A cribra orbitalia  é uma alteração pa

    tológica freqüentemente bilateral, caracterizada por uma aglomeração dc pequenos orifícios, principalmente na porção anterior doteto da órbita, podendo cstcndcr-sc também

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     para outros ossos que formam a cavidadeorbitaria.

    A osteoporosc puntiforme se refere àslesões que consistem em pequenos orifíciosna tábua externa do crânio c corresponde aotipo poroso da classificação de Nathan &Haas (1966).

    A hiperosteose esponjosa c caracterizada pela presença de orifícios confluentes,resultando na formação de uma rede de as

     pecto trabccular na superfície externa docrânio.

    A cribra orbilalia,  a osteoporosc puntiforme c a hiperosteose esponjosa não afetam a tábua interna do crânio. Os efeitos scdevem à expansão e espessamento diplóicoc conseqüente adelgaçamento da tábua externa (Pardal, 1944), observados também radiográficamente cm casos de grande gravidade (Williams, 1929; Zaino, 1967; El-najjar& Robcrtson, 1976; Poncc «Sc Rcsnich,1984). A associação da cribra orbilalia   cmcrianças nativas havaianas e australianascom osteoporosc puntiforme sugere o envolvimento da medula óssea (Zaino «Sc Zaino,

    1975).As relações entre lesões da órbita c asda abóbada craniana ainda não são muitoclaras, pois têm sido encontradas cm separado ou reunidas num único indivíduo, comosc fizessem parte de um mesmo processo c,ocasionalmente, associadas a outras afecçõesdo esqueleto infra-craniano (Ortncr «Sc Puts-chard, 1981). De acordo com Virchow(1874), Stuart-Macada 111  (1989) c Mello cAlvim «Sc Gomes (1989), as três condições

     patológicas fazem parte do mesmo processoc Hrdlicka (1914) indicava que as lesões dacalvária começavam na órbita. Quando sãoobservadas com maior freqüência na tábuaexterna da calota craniana que nas órbitas,suas causas são possivelmente devido a algumas doenças hereditárias c/ou congênitas(Hirata, 1988a).

    A cribra orbilalia   apresenta-se cm seuestágio mais inicial com um aspecto poroso,que sc desenvolve mais tarde em cribrifor-ntc, podendo atingir aspecto trabccular (Nathan &  Haas, 1966). No tipo poroso, os orifícios apresentam-se de maneira dispersamais especialmente no teto da órbita. Notipo cribriformc, há formação de conglomerados de orifícios maiores, mais próximosuns dos outros, porém tendem a preservar aindividualidade. No tipo trabccular, entretan

    to,os orifícios são confluentes resultando naformação de uma rede trabccular cm forma

    de favo de mel. Estes aspectos morfológicossc assemelham aos da osteoporosc puntiforme c hiperosteose esponjosa da abóbada craniana (Carteou, Armclagos &  van Gcrvcn,1974).

    Tanto os diferentes aspectos da cribra  orbilalia  assim como as lesões que ocorremna tábua externa da calota craniana podem"cicatrizar" com a remodelação óssea que scdá com a estabilização da saúde do indivíduoafetado, podendo "cicatrizar'' cm qualquer

    grau de seus desenvolvimentos. A baixa freqüência da cribra orbitalia  encontrada porantigos autores provavelmente sc deve aofalo de apenas ter sido considerada quandofortemente desenvolvida, sendo atribuídograu 1à lesão quando "cicatrizada" (Hcngcn,1971).

    Hipótese Sobre a Etiología e N atu reza da Cribra Orbilalia

    Cribra orbilalia e raça

    Welekcr (1888) foi o primeiro a admitir a cribra orbilalia  como lesão de caráterracial, mais freqüentemente encontrada cmmongolóides c cm negróides do que nos cau-casóides; Adachi (1904); Ahrcns (1971);Oetleking (1966), também a consideraramcomo de base racial. Millcr-Christcnscn «&Sandison (1963) mencionam que a cribra  orbilalia   foi encontrada cm 68% de 100 crânios de leprosos, sendo que no sul dos PaísesBaixos, a lesão era duas ou três vezes maisfreqüente do que nos não-leprosos do nortedos Países Baixos, concluindo que não poderia ser de origem racial ou fenômeno geográfico como outros autores haviam previamente suposto. Informa-nos Hcngcn (1971)que a base racial, como causa possível do

    aparecimento da cribra orbitalia  foi descartada depois que a lesão foi detectada tambémcm vários gêneros de macacos e de antropói-dcs. Hirata (1988a) afirma também não existirem diferenças raciais na freqüência da cri-bra orbitalia  e que incidências variadas podem ocorrer dentro de um mesmo grupo racial humano.

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    Cribra orbitalia como indicador de  A nem ia Ferropênica

    A dcficicncia dc ferro c o ílem maiscomum da desnutrição (Wintrobe, 1981) c,

     portanto, a anemia causada por esta deficiência é um tipo muito freqüente. Lee, Wintrobe& Bunn (1977) dividiram cm quatro categorias os fatores ctiológicos desta deficiência:insuficiência dc ferro na dieta, má absorçãode ferro, aumento das necessidades dc ferroc a perda dc sangue.

     Numerosos autores consideram a ane

    mia por deficiência dc ferro como a causamais provável da cribra orbitalia  (Moseley,1965; Nathan & Haas, 1966; Hcngcn, 1971;Carlson, Armclagos & Van Gcrven, 1974; El

     Najjar, Lozoff & Ryan, 1975; El Najjar et   Alii,  1976; Cybulski, 1977; Mensforlh et  alii,  1978; Fo macia ri et alii,  198*1; Webb,1982; Poncc & Resnich, 1984).

    Henschen (1961) constatou que a cribra orbitalia  era comum cm crânios de suecos do século XIX e inexistente em dois milsuecos contemporâneos, concluindo que a

    lesão teria desaparecido devido às melhorescondições dc nutrição c de assistência médica durante os últimos cem anos.

     Nathan & Haas (1966) observaramque 93,3% dc esqueletos de crianças judiasdc Jerusalém provenientes de escavaçõesarqueológicas cm cavernas usadas como refúgio durante a rebelião chefiada pelo rabinoBar-Kochba contra os romanos do impériode Adriano (132-136 d. C.) apresentavam acribra orbitalia  que supunham ter sido cau

    sada por inanição durante o assédio inimigo.Fornaciari et alii  (1981) analisaram aquantidade de ferro encontrada nos crâniosafetados e nos não afetados pela cribra orbitalia  cm esqueletos exumados de uma se

     pultura púnica (Girtago) c verificaram que aquantidade dc ferro era muito baixa nos crânios com a cribra orbitalia,  concluindo quea presença da mesma tinha como causa provável a deficiência dc ferro.

    El Najjar et alii  (1976) encontraram

    cm grupos pré-históricos e históricos (Ana-sazi) do sudeste norte-americano, maior freqüência da hiperosleose porosa no grupo quedependia primordialmente do milho, pobrecm ferro c ínterferidor da sua absorção, emcontraste com o grupo que consumia maiorquantidade dc alimentos dc origem animal,mais ricos cm ferro.

    LaIIo, Armclagos & Mensforlh (1977)utilizaram-sc de amostras csquclctais dc in

    divíduos subadullos representativas dc quatro populações pré-históricas: uma caçadora-colclora (900-1050 d.C.), outra cm fase dctransição para a agricultura (1030-1150 d.C.)c duas agricultoras (1030-1490 d.C.), oriundas do Mississipi c dc Oh o (EUA), constatando maior freqüência dc cribra orbitalia nos grupos agricultores. Interação sincrgéli-ca da deficiência de ferro na dieta, anemia

     por infecção, fisiologia e padrões culturaisforam considerados como fatores causais dacribra orbitalia.

    Para as populações pré-históricas doArizona c Novo México, a hipótese formulada por El Najjar, Lozoff & Ryan (1975) eraque as lesões tinham como causa a anemiaferropênica devido à carência de origem nutricional por ingestão de alimentos pobrescm ferro, agravada pela carência dc proteínas animais. Esta hipótese, segundo Mello cAlvim & Gomes (1989) não pôde ser aventada para o grupo do sambaqui dc Cabcçuda,

     por existir abundância dc moluscos, crustá

    ceos c peixes, registrada neste sítio arqueológico, o que infere dieta rica cm proteínasc ferro.

    Cybulski (1977), do estudo realizadoem 454 crânios dc índios do período pré-co-lombiano, representativos dc quatro gruposctno-linguísticos da costa da Colúmbia Britânica (Canadá) concluiu que a cribra orbitalia  é um possível sinal de anemia ferropênica por carência nutricional conseqüentetambém do stress biológico provocado pelo

    contato interna ciai.As anemias quer sejam ou não por perda de sangue causam hipcrplasia da medulaóssea c posterior adelgaçamcnto da tábua externa do crânio (Brilton, 1969).

    Diversos parasitas podem causar anemia ferropênica pós-hcmorrágica: Ancylosto- ma dttodenale, Necator americanas, Trichu- ris trichiara, Schistosoma haematobium  cSchistosoma mansoni.

    Koganci (1911/12) observou a cribra 

    orbitalia cm um cadáver dissecado, portadordc severa ancilostomíase. A ancilostomíasecausa hemorragia digestiva que pode atingir250ml dc sangue por dia. Lee, Wintrobe &Bunn (1977) assinalaram que a anemia pordeficiência dc ferro, não só era prcvalcntccomo também muito intensa cm áreas endêmicas da África c Américas Central c do Sul.

  • 8/18/2019 Revista Do Museu de Arqueologia n01_1991

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    Morishita & Kannu (1988) encontra ram-nana população japonesa cm meados do século

    XX com percentuais que variam de 13,1 a70. Hirata (1988a) considerou as más condições sanitárias como favorecedoras da ancilostomíase, provável fator do aparecimentoda cribra orbita lia  nos crânios de japonesesde Hitsubashi do século XVII.

    Hcngcn (1971), analisando dados obtidos principalmente por Welckcr (1888) cAhrcns (1971), sugeriu que as incidênciasde cribra orbitalia  tendiam a aumentar coma proximidade do Equador, sendo causadas

     pela anemia fcrropcnica das infecções parasitárias mais freqüentes nas regiões tropicaisc subtropicais.

    Hrdlicka (1914) mencionou que a os-teoporose simétrica foi observada somentena área costeira do Peru c nunca na regiãomontanhosa, coincidindo com infecções parasitárias mais freqüentes nas regiões costeiras tropicais que nas montanhosas. Poncc &Rcsnich (1984), revendo 312 restos cranianos da coleção Hrdlicka, exumados cm sítios

    arqueológicos do Peru, também encontrarammaior incidência cm grupos costeiros.Walkcr (1986), na análise de crânios

     pré-históricos do sul da Califórnia, não pôdeassociar a cribra orbitalia  à anemia ferropê-nica por ingestão de alimentos pobres cmferro, pois que os antigos indígenas pescadores da Ilha de Santa Rosa, com dieta rica cmferro e aminoácidos essenciais, apresentamuma incidência maior que a dos indígenashorticultores e interioranos (Santa Cruz),

    cuja dieta mais diversificada incluía recursosde fauna e flora terrestres. Segundo o autor,a situação carencial estava mais ligada a perda por diarréias, causadas por parasitas doque à baixa ingestão de nutrientes essenciais.

    Pesquisas realizadas cm populaçõesindígenas pré-históricas c aluais do Brasilconstataram a presença de ovos de Ancylos- toma duodenale  c Trichuris trichiura,  parasitas responsáveis pela queda da hemoglobina (Araújo, 1980, 1987; Araújo, Ferreira &

    Confalonicri, 1981; Ferreira et alii,  1989;Salzano, 1985). Portanto, a associação entrea anemia crônica por deficiência de ferro cas infecções parasitárias parece a hipótesemai


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