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Revista Omnes

Date post: 23-Mar-2016
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1ª Edição da Revista Jurídica Digital
124
Revista Jurídica Digital
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Revista Jurídica Digital

Revista Jurídica Digital

Revista OMNES

Esta é uma publicação da Associação

Nacional dos Procuradores da República

Diretoria Biênio 2011/2013

Presidente

Alexandre Camanho de Assis (PRR1)

Vice-Presidente

José Robalinho Cavalcanti (PR/DF)

Diretor de Comunicação Social

Alan Rogério Mansur (PR/PA)

Diretor para Aposentados

Antônio Carneiro Sobrinho (PRR1-aposentado)

Diretora-Secretária

Caroline Maciel (PR/RN)

Diretor Financeiro

Gustavo Magno Albuquerque (PR/RJ)

Diretor de Assuntos Legislativos

José Ricardo Meirelles (PRR3)

Diretora Cultural

Monique Cheker de Souza (PR/RJ)

Diretor de Assuntos Corporativos

Roberto Thomé (PRR4)

Diretor de Assuntos Institucionais

Tranvanvan Feitosa (PR/PI)

Diretor de Assuntos Jurídicos

Vladimir Aras (PR/BA)

Diretora de Eventos

Zani Cajueiro (PR/MG)

Revista OMNES

Outubro de 2012

Organização

Monique Cheker de Souza (PR/RJ)

Odim Brandão Ferreira (PRR1)

Conselho Editorial

Daniel de Resende Salgado (PR/GO)

Letícia Pohl Martello (PR/PR)

Odim Brandão Ferreira (PRR1)

Projeto Gráfico

Reinaldo Dimon

Diagramação

Pedro Lino

Contato:

SAF Sul Quadra 4 Conjunto C Bloco B

Salas 113/114 – Brasília (DF)

Cep 70.050-900

Fone: 61 – 3961-9025

Fax: 61 – 3201-9023

e-mail: [email protected]

Twitter: @Anpr_Brasil

Facebook: ANPRBrasil

www.anpr.org.br

Sumário

Editorial 6

Breves notas sobre o Habeas Corpus 149.250 “Caso Satiagraha”

(Rodrigo De GRanDis) 8

1. Introdução 9

2. O “Habeas Corpus” n.º 149.250: origem, objeto e alcance 10

3. Da legalidade da investigação policial: o auxílio da Agência Brasileira de

Inteligência (Abin) não é causa de nulidade da prova 16

Investigação criminal pelo Ministério Público: Estado atual do debate pelo Supremo

Tribunal Federal (Bruno CalaBRiCh) 21

1. Introdução 22

2. Da repercussão geral do tema e sua admissão pelo STF 24

3. Origens do debate no STF 29

4. Ações diretas de inconstitucionalidade e outros casos atualmente em trâmite no STF 31

5. Votos proferidos e o “placar” atual 33

6. Tendências identificáveis para o julgamento definitivo 37

7. Conclusão 42

As principais alterações introduzidas pela Lei 12.403/2011 no sistema das medidas

cautelares pessoais (andrey Borges de MenDonça) 43

1. Introdução 44

2. CPP de 1942, seu contexto histórico e as alterações posteriores 45

3. A Lei 12.403 e suas principais inovações 50

4. Conclusão 81

O trânsito em julgado para a acusação como marco inicial da prescrição da pretensão

executória e a impossibilidade de execução provisória da pena: prescrição sem

inércia? (isac Barcelos Pereira de souza) 82

1. Introdução 83

2. O trânsito em julgado para a acusação como marco inicial da pretensão executória,

a impossibilidade de execução provisória da pena e os fundamentos da prescrição: uma

conformação necessária 84

3. Por uma interpretação sistemática do art. 112, i, do Código Penal: 98

4. O trânsito em julgado para ambas as partes como marco inicial da prescrição da

pretensão executória: precedentes do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais-regionais

federais das cinco regiões 107

5. Conclusões 118

Editorial

“Omnes”: todos. Em Direito, o termo indica, principalmente, que os efeitos de

algum ato ou lei alcançam todos os indivíduos; é a coletividade a quem se direciona

o fenômeno jurídico. Inspirada por este conceito, a Associação Nacional dos Procu-

radores da República (ANPR) lança a revista jurídica eletrônica Omnes, para reunir

artigos e textos doutrinários, de autoria dos membros do Ministério Público Federal

e dos demais protagonistas do cenário jurídico.

A revista digital visa a incentivar a produção da doutrina e o estudo da teoria, da

legislação e da jurisprudência, estimulando o intercâmbio de informações entre os

procuradores da República e os profissionais e estudantes de Direito. Em sua edição

inaugural, Omnes aborda a temática criminal, trazendo a visão do procurador da

República Rodrigo de Grandis sobre a polêmica Operação Satiagraha.

Já o procurador da República Bruno Calabrich discorre sobre o poder de inves-

tigação criminal do Ministério Público, com ênfase no estado atual do debate em

curso no Supremo Tribunal Federal. O tema ganhou visibilidade, este ano, em fun-

ção da insólita Proposta de Emenda Constitucional nº 37/2011, que retira o poder de

investigação do MP, tornando-o exclusivo dos delegados de polícia.

A publicação eletrônica lança luz, também, sobre as inovações trazidas pela Lei

12.403/2011, que alterou o capítulo das medidas cautelares pessoais do Código de Proces-

so Penal. O texto é da autoria do procurador da República Andrey Borges de Mendonça.

Outro assunto de destaque da revista é a prescrição da pretensão executória, que

refere-se à perda do direito estatal na execução da sanção imposta na sentença. Em

seu artigo, o procurador da República Isac Barcelos trata do trânsito em julgado para

a acusação como marco inicial daquela forma de prescrição e a impossibilidade de

execução provisória da pena.

Boa leitura!

Alexandre Camanho de Assis

8 Revista Omnes - ANPR no 1

Breves notas sobre o Habeas Corpus

149.250 “Caso Satiagraha”

RodRigo de gRandis

1 Introdução

2 O “habeas corpus” 149.250: origem, objeto e alcance

3 Da legalidade da investigação policial: o auxílio da agência

brasileira de inteligência – Abin não é causa de nulidade da prova

4 Abin não é causa de nulidade da prova

Procurador da República em São Paulo, com atuação nas Varas Criminais especializadas em crimes

contra o sistema financeiro nacional e em “lavagem” de ativos ilícitos de São Paulo. Promotor de Jus-

tiça no Estado de São Paulo (2003-2004). Professor de Direito Penal da Escola Superior do Ministério

Público do Estado de São Paulo. Professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (Curso

de Especialização em Direito Penal Econômico-GVLaw) e do Curso de Capacitação e Treinamento

para o Combate à Lavagem de Dinheiro PNLD, do Departamento de Recuperação de Ativos e Coope-

ração Internacional do Ministério da Justiça. Mestrando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidad de Salamanca-Espanha.

9 Revista Omnes - ANPR no 1

1. Introdução

Por ocasião do julgamento do habeas Corpus n.º 149.250, a 5ª Turma do Su-

perior Tribunal de Justiça, por maioria apertada de votos, anulou os elementos

de prova produzidos nos procedimentos investigatórios de interceptação tele-

fônica, interceptação telemática e de ação controlada realizados no âmbito da

denominada operação satiagraha.

Na mesma oportunidade, seguindo o voto do Relator, Desembargador Con-

vocado ADILSON MACABU, o STJ determinou a anulação dos “procedimentos

correlatos”, anulando, também, desde o início, a ação penal de corrupção ativa

ajuizada contra DANIEL VALENTE DANTAS e outras duas pessoas acusadas de

oferecer vantagem indevida a um Delegado de Polícia Federal, “na mesma esteira

do bem elaborado parecer exarado pela douta Procuradoria da República”.

O presente artigo destina-se, assim, à análise dos fundamentos lançados no

acórdão do HC n.º 149.250, e a revolver alguns aspectos relacionados à persecu-

ção penal da criminalidade organizada e, finalmente, a estabelecer, ainda que

10 Revista Omnes - ANPR no 1

de modo panorâmico, a incorreção do que fora decidido pelo Superior Tribunal

de Justiça.

2. O “Habeas Corpus” n.º 149.250: origem, objeto e alcance

O Habeas Corpus n.º 149.250 foi impetrado em benefício de DANIEL VALEN-

TE DANTAS por força de denúncia ofertada perante a 6ª Vara Criminal da Subse-

ção Judiciária de São Paulo dando-o como incurso no artigo 333 do Código Penal

(autos n.º 2008.61.81.010136-1)1.

Consoante se colhe do relatório lançado pelo próprio ministro Relator, De-

sembargador Convocado ADILSON MACABU, o writ buscava “a concessão da

ordem de habeas corpus, a culminar com a decretação da nulidade dos Procedi-

mentos n.º 2007.61.81.010208-7 (monitoramento telefônico), 2007.61.81.011419-

3 (monitoramento telemático) e 2008.61.81.008291-3 (ação controlada), sobre

os quais inequivocamente se projetaram as comprovadas ilegalidades, a fim de

que, ulteriormente, se possa avaliar a derivação da nulidade a investigações e/ou

1 Além de Daniel Dantas, foram denunciados, pelo mesmo delito, Humberto José da Rocha Braz

e Hugo Sérgio Chicaroni. Segundo a acusação formulada pelo Ministério Público Federal, nos

dias 18 e 23 de junho de 2008, no interior do restaurante “El Tranvia”, localizado na rua Conse-

lheiro Brotero, n.º 903, Higienópolis, São Paulo-SP, Daniel Valente Dantas, Humberto José da

Rocha Braz, vulgo “Guga” e Hugo Sérgio Chicaroni, previamente ajustados com unidade de de-

sígnios e identidade de propósitos, ofereceram vantagem indevida consubstanciada em US$

1.000.000,00 (um milhão de dólares norte-americanos) ao Delegado de Polícia Federal Victor

Hugo Rodrigues Alves Ferreira, que estava no regular exercício de suas funções, para determiná-

-lo a omitir a prática de ato de ofício relacionado à investigação policial existente em face de Da-

niel Dantas. Note-se, por oportuno, que a ação penal pela prática do crime de corrupção ativa

insere-se em um contexto de criminalidade organizada, em especial aquela de perfil empresa-

rial, de onde foram descortinados e processados, em autos respectivos, crimes contra o sistema

financeiro nacional, “lavagem” de ativos criminosos e formação de quadrilha.

11 Revista Omnes - ANPR no 1

ações penais decorrentes de tais procedimentos”.

O argumento principal do habeas baseava-se na ilegalidade da participação

de servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no âmbito da denomi-

nada “Operação Satiagraha”, tese que, diga-se de passagem, já havia sido repeli-

da pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região2, pelo órgão do Ministério Públi-

2 Confira-se o habeas Corpus n.º 2008.03.00.044165-7, de onde se retira o seguinte período: “Há

que se ter em mente que é premissa básica do processo penal a regra segundo a qual não se de-

clara nenhuma nulidade sem a demonstração do prejuízo. O artigo 563 do Código de Processo

Penal é firme nesse sentido. E nestes autos não há nenhuma prova acerca de um prejuízo concre-

to experimentado pelo paciente, pelo fato de servidores da Agência Brasileira de Informação,

hipoteticamente, terem conhecido do conteúdo de conversas telefônicas interceptadas. É certo

que esse fato pode até vir a gerar a responsabilização funcional daquela autoridade que eventual-

mente violou o seu dever de sigilo, contudo, tal violação, não possui o condão de macular a prova

como um todo. De acordo com o que consta dos autos, a interceptação telefônica foi regularmen-

te decretada pela autoridade impetrada e executada pela Polícia Federal, com supervisão do Mi-

nistério Público Federal. Isso é o quanto basta para que esta Corte, nesta via estreita e célere, re-

pila a pretensão veiculada pelos impetrantes, que pretendem a nulificação de todos os

procedimentos em curso junto ao primeiro grau de jurisdição, relativos à denominada "Opera-

ção Satiagraha”. E mais: “E ainda que assim não fosse, observo, em uma primeira análise, que a

Lei 9.883/99 - que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência - indica a possibilidade de órgãos

componentes do aludido sistema, compartilharem informações e dados relativos a situações nas

quais haja interesse do estado brasileiro. Tanto a Polícia Federal como a Abin, integram o Siste-

ma Brasileiro de Inteligência, como se infere dos incisos III e IV do artigo 4º do Decreto nº

4.376/02, que regulamenta a Lei 9.883/99. O artigo 6º do parágrafo único da Lei 9.883/99 apre-

senta a seguinte redação: "(...) Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência for-

necerão à Abin, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, para fins

de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e

dos interesses nacionais (...)" (grifei). E o artigo 6º, IV, do Decreto nº 4.376/02, regulamentando

o dispositivo legal acima registrado, estabelece o quanto segue: "(...) Cabe aos órgãos que com-

põem o Sistema Brasileiro de Inteligência, no âmbito de suas competências (...) fornecer ao órgão

central do Sistema, para fins de integração, informações e conhecimentos específicos relaciona-

dos com a defesa das instituições e dos interesses nacionais (...)" (grifei). Portanto, existe a pos-

sibilidade de compartilhamento de dados e informações entre a Polícia Federal e a Agência Bra-

sileira de Informação - órgão central do Sistema de Inteligência - excetuando-se aquelas que

digam respeito a operações militares, nos termos do parágrafo único do artigo 10 do Decreto nº

4.376/02”.

12 Revista Omnes - ANPR no 1

co Federal oficiante na 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo3 e pela 2ª Câmara

de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal4.

Note-se, a propósito, que os Impetrantes sequer pleitearam a anulação da

ação penal promovida pelo crime de corrupção ativa, restringindo o pedido

do habeas corpus ao reconhecimento da nulidade dos três aludidos procedi-

mentos investigatórios (interceptação telefônica, interceptação telemática e

ação controlada). De fato, pela leitura do relatório do acórdão, a proposta de

anulação da ação penal movida contra DANIEL VALENTE DANTAS, HUM-

BERTO BRAZ e HUGO CHICARONI surgiu somente no parecer do Ministério

Público Federal (!), subscrito pelo então Subprocurador-Geral da República

3 Relembre-se que, após a conclusão da “Operação Satiagraha”, o Departamento de Polícia Fede-

ral instaurou inquérito policial para apurar eventuais irregularidades cometidas pelo Delegado

de Polícia Federal Protógenes Queiroz, distribuído à 7ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de

São Paulo. Muito embora o relatório final da investigação tenha atribuído ao Delegado Protóge-

nes uma diversidade de delitos, inclusive violação de sigilo funcional por ter permitido a partici-

pação dos servidores da Abin nas investigações, os Procuradores da República oficiantes naque-

le Juízo entenderam que Protógenes Queiroz havia cometido dois crimes: (i) violação de sigilo

funcional, ao comunicar a um repórter a deflagração da operação policial e (ii) fraude proces-

sual, por editar um vídeo do procedimento de ação controlada retirando trecho onde se vislum-

brava um repórter da Rede Globo na gravação. Quanto à participação dos servidores do Abin, o

MPF pediu o arquivamento do inquérito policial, o qual foi rejeitado pelo Juiz Federal Ali Maz-

lom, em decisão marcada pelo vício do excesso de linguagem.

4 A decisão da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público foi motivada pela re-messa dos autos de inquérito policial nos termos do artigo 28 do CPP. À unanimidade, a 2ª CCR/MPF insistiu no arquivamento do procedimento policial e, uma vez mais, apregoou a licitude e a constitucionalidade do auxílio da Abin na “satiagraha”. De acordo com o voto do Relator, Subpro-curador-Geral da República Wagner Gonçalves, “não há reserva de mercado investigatório para a Polícia Federal”, ou seja, “se todos são responsáveis pela segurança pública, não se pode afas-tar, a priori, a colaboração de outros órgãos, muito menos da Abin, Agência essa que tem, dentre suas atividades, o objetivo de: ‘II – planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade’ (art. 4º, inc. II, da Lei 9.883/99)”.

13 Revista Omnes - ANPR no 1

EDUARDO DANTAS NOBRE5.

Em 07 de junho de 2011, por três votos a dois, a 5ª Quinta Turma do Supe-

rior Tribunal de Justiça decidiu anular “todas as provas produzidas, em especial

a dos procedimentos n.º 2007.61.81.010208-7 (monitoramento telefônico), n.º

2007.61.81.011419-3 (monitoramento telefônico), e n.º 2008.61.81.008291-3 (ação

controlada), e dos demais correlatos, anulando também, desde o início, a ação

penal, na mesma esteira do bem elaborado parecer exarado pela douta Procura-

doria da República”. Votaram com o Relator os ministros NAPOLEÃO NUNES

MAIA FILHO e JORGE MUSSI, quedando vencidos os ministros GILSON DIPP e

LAURITA VAZ. O acórdão portou a seguinte Ementa:

“Penal e PRoCesso Penal. haBeas CoRPus. oPeRaçÃo saTiaGRa-

ha. PaRTiCiPaçÃo iRReGulaR, inDuViDosaMenTe CoMPRoVaDa, De

Dezenas De FunCionÁRios Da aGÊnCia BRasileiRa De inFoRMaçÃo

(abin) e De eX-seRViDoR Do sni, eM inVesTiGaçÃo ConDuziDa Pela

PolÍCia FeDeRal. ManiFesTo aBuso De PoDeR. iMPossiBiliDaDe De

ConsiDeRaR-se a aTuaçÃo eFeTiVaDa CoMo hiPÓTese eXCePCiona-

lÍssiMa, CaPaz De PeRMiTiR CoMPaRTilhaMenTo De DaDos enTRe

ÓRGÃos inTeGRanTes Do sisTeMa BRasileiRo De inTeliGÊnCia. ine-

XisTÊnCia De PReCeiTo leGal auToRizanDo-a. PaTenTe a oCoRRÊn-

Cia De inTRoMissÃo esTaTal, aBusiVa e ileGal na esFeRa Da ViDa

PRiVaDa, no Caso ConCReTo. ViolaçÕes Da honRa, Da iMaGeM e

5 Veja-se o seguinte trecho do relatório: “o Ministério Público Federal opinou pela concessão da

ordem, 'ex officio, para que seja expedida ordem, com força para anular, desde o início, a ação

penal declinada nesta manifestação. Se tida como incabível a concessão da ordem de habeas cor-

pus, nos moldes propostos, espero, como agente do Ministério Público, o seu deferimento para

que seja anulado o acórdão em que o Tribunal Federal Regional da Terceira Região (sic), através

de sua Quinta Turma, indeferiu a súplica originária, para que em seu lugar outro seja proferido,

com análise e consideração, pelos seus integrantes, dos documentos que se recusaram a apreciar

naquela oportunidade'”.

14 Revista Omnes - ANPR no 1

Da DiGniDaDe Da Pessoa huMana. inDeViDa oBTençÃo De PRoVa

ilÍCiTa, PoRQuanTo ColhiDa eM DesConFoRMiDaDe CoM PReCeiTo

leGal. ausÊnCia De RazoaBiliDaDe. as nuliDaDes VeRiFiCaDas na

Fase PRÉ-PRoCessual, e DeMonsTRaDas À eXausTÃo, ConTaMinaM

FuTuRa açÃo Penal. inFRinGÊnCia a DiVeRsos DisPosiTiVos De lei.

ConTRaRieDaDe aos PRinCÍPios Da leGaliDaDe, Da iMPaRCialiDaDe

e Do DeViDo PRoCesso leGal inQuesTionaVelMenTe CaRaCTeRiza-

Da. a auToRiDaDe Do Juiz esTÁ DiReTaMenTe liGaDa À sua inDePen-

DÊnCia ao JulGaR e À iMPaRCialiDaDe. uMa DeCisÃo JuDiCial nÃo

PoDe seR DiTaDa PoR CRiTÉRios suBJeTiVos, noRTeaDa Pelo aBuso

De PoDeR ou DisTanCiaDa Dos PaRÂMeTRos leGais. essas eXiGÊn-

Cias DeCoRReM Dos PRinCÍPios DeMoCRÁTiCos e Dos DiReiTos e

GaRanTias inDiViDuais insCRiTos na ConsTiTuiçÃo. nuliDaDe

Dos PRoCeDiMenTos Que se iMPÕe, anulanDo-se, DesDe o inÍCio,

a açÃo Penal.

1. uma análise detida dos 11 (onze) volumes que compõem o hC demonstra que existe

uma grande quantidade de provas aptas a confirmar, cabalmente, a participação indevida,

flagrantemente ilegal e abusiva, da abin e do investigador particular contratado pelo Dele-

gado responsável pela chefia da operação satiagraha.

2. não há se falar em compartilhamento de dados entre a abin e a Polícia Federal, haja

vista que a hipótese dos autos não se enquadra nas exceções previstas na lei nº 9.883/99.

3. Vivemos em um estado Democrático de Direito, no qual, como nos ensina a Profª. ada

Pellegrini Grinover, in “nulidades no Processo Penal”, “o direito à prova está limitado, na

medida em que constitui as garantias do contraditório e da ampla defesa, de sorte que o seu

15 Revista Omnes - ANPR no 1

exercício não pode ultrapassar os limites da lei e, sobretudo, da Constituição.”

4. no caso em exame, é inquestionável o prejuízo acarretado pelas investigações reali-

zadas em desconformidade com as normas legais, e não convalescem, sob qualquer ângulo

que seja analisada a questão, porquanto é manifesta a nulidade das diligências perpetradas

pelos agentes da abin e um ex-agente do sni, ao arrepio da lei.

5. insta assinalar, por oportuno, que o juiz deve estrita fidelidade à lei penal, dela não

podendo se afastar a não ser que imprudentemente se arrisque a percorrer, de forma isolada,

o caminho tortuoso da subjetividade que, não poucas vezes, desemboca na odiosa perda

da imparcialidade. ele não deve, jamais, perder de vista a importância da democracia e do

estado Democrático de Direito.

6. Portanto, inexistem dúvidas de que tais provas estão irremediavelmente maculadas,

devendo ser consideradas ilícitas e inadmissíveis, circunstâncias que as tornam destituídas

de qualquer eficácia jurídica, consoante entendimento já cristalizado pela doutrina pacífica

e lastreado na torrencial jurisprudência dos nossos tribunais.

7. Pelo exposto, concedo a ordem para anular, todas as provas produzidas, em es-

pecial a dos procedimentos nº 2007.61.81.010208-7 (monitoramento telefônico), nº

2007.61.81.011419-3 (monitoramento telefônico), e nº 2008.61.81.008291-3 (ação contro-

lada), e dos demais correlatos, anulando também, desde o início, a ação penal, na mesma

esteira do bem elaborado parecer exarado pela douta Procuradoria da República”.

Contra o acórdão proferido no HC 149.250, as Subprocuradoras-Gerais da Re-

pública LINDÔRA MARIA ARAUJO e CÉLIA REGINA SOUZA DELGADO mane-

jaram, em 02 de dezembro de 2011, recurso extraordinário, suscitando a violação

dos seguintes dispositivos da Constituição da República: (a) ofensa direta e ime-

16 Revista Omnes - ANPR no 1

diata ao princípio da fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF/88),

aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, V,

CF/88) e ao art. 108, I, alínea ‘d’, CF/88 (usurpação de competência do TRF); (b)

ofensa direta e imediata do voto condutor do acórdão ao princípio constitucional

da razoabilidade, assim como ao princípio da vedação da proteção deficiente e,

ainda, ao direito fundamental da sociedade e do Estado à segurança (arts. 5º e

6º, caput, CF/88); (c) ofensa direta e imediata ao princípio constitucional da se-

gurança jurídica; (d) ofensa direta e imediata à interpretação dada ao princípio

da proibição das provas ilícitas (art. 5º, LVI, CF/88), especialmente no tocante à

correta avaliação do conteúdo do princípio e seus efeitos, e ao art. 144, CF/88.

As contrarrazões ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Pú-

blico Federal foram oferecidas e, no momento, ele se encontra no gabinete do

ministro Vice-Presidente do Superior Tribunal de Justiça aguardando o exame

de admissibilidade.

3. Da legalidade da investigação policial: o auxílio da Agência Brasileira de

Inteligência (Abin) não é causa de nulidade da prova

A tese veiculada por DANIEL DANTAS no habeas Corpus n.º 149.250 e no pa-

recer elaborado pelo então Subprocurador-Geral da República EDUARDO AN-

TÔNIO DANTAS NOBRE no sentido de que a participação de servidores da Abin

na “Operação Satiagraha” macularia o procedimento investigatório e, por con-

seguinte, a ação penal promovida pela perpetração do crime de corrupção ativa,

parece-nos, data venia, equivocada. Com efeito, muito embora os procedimen-

tos investigatórios glosados pelo Superior Tribunal de Justiça tenham sido con-

duzidos em estrita obediência aos postulados legais, contando, durante toda a

sua duração, com o acompanhamento do órgão do Ministério Público Federal e o

17 Revista Omnes - ANPR no 1

crivo do Poder Judiciário, a maioria da 5ª Turma vislumbrou, no caso satiagraha,

o que se pode denominar de “nulidade por aderência”, ou seja, compreendera-

-se ilícito um elemento de convicção pelo fato exclusivo dele ter sido “tocado”,

“manipulado”, “analisado” por pessoas que não figuravam no quadro pessoal do

Departamento de Polícia Federal.

Ora, em primeiro lugar deve ficar assentado que os servidores da Abin que

atuaram na “Operação Satiagraha” foram cedidos pelo então Diretor Paulo

Lacerda para auxílio às complexas investigações de crimes contra o sistema fi-

nanceiro nacional e de “lavagem” de recursos ilícitos, o que sucedeu, diga-se de

passagem, em caráter secundário e coadjuvante6. Vale dizer: a atuação dos ser-

vidores da Abin restringiu-se à pesquisa, vigilância, seleção e transcrição dos

diálogos legalmente interceptados. Deveras, segundo apurou o órgão do Mi-

nistério Público Federal oficiante na 7ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de

São Paulo, “Protógenes nunca pretendeu, ao trazer a Abin para as investigações,

violar o seu sigilo. Ele desejava simplesmente aumentar o quadro de servidores

disponibilizados, a fim de conseguir melhores resultados. A operação, ademais,

nunca foi retirada do controle da Polícia Federal, tendo os agentes da Abin sem-

pre trabalhado sob a coordenação de policiais”.

De fato, as interceptações telefônicas foram realizadas mediante autorização

6 A participação da Abin na satiagraha foi vista, por parte da imprensa brasileira e, também, por parte do Superior Tribunal de Justiça, com perplexidade. Diversa, todavia, foi a reação quando, no início do ano de 2008, divulgou-se amplamente nos veículos da imprensa brasi-leira que a Abin colaboraria com a Polícia Federal no famoso furto de quatro “laptops” con-tendo informações confidenciais da Petrobras relacionadas aos recém-descobertos campos de exploração de Tupi e Júpiter. Em matéria publicada no sítio do “G1”, do Grupo Globo.com, em 18 de fevereiro de 2008, destacou-se, por exemplo, que a colaboração da Abin “foi acertada em reunião nesta segunda-feira (18) entre os ministros Tarso Genro (Justiça) e Jorge Armando Félix (Gabinete de Segurança Institucional), e os diretores-gerais da PF, Luiz Fernando Corrêa, e da Abin, Paulo Lacerda”.

18 Revista Omnes - ANPR no 1

judicial e concretizadas, a todo momento, sob o comando de um Delegado de

Polícia Federal. No curso das investigações, os agentes da Abin reportavam suas

atividades diretamente ao Delegado de Polícia Federal, que conduzia a primeira

fase de persecução penal.

Todas as medidas cautelares decretadas no âmbito da satiagraha, em especial

as interceptações telefônicas, as buscas e apreensões e ação controlada foram

levadas a efeito a pedido do Departamento de Polícia Federal ou do Ministério

Público Federal, de modo que em nenhum momento a Abin realizou ou prota-

gonizou qualquer ato investigatório típico.

No ponto, não pode passar despercebido que, se é verdade que a cessão dos

servidores da Abin ao Departamento de Polícia Federal não fora formalizada se-

gundo os ditames do Direito Administrativo, não é menos verdadeiro que, no

ordenamento jurídico brasileiro, inexiste norma ou preceito que imponha auto-

rização judicial para que servidores públicos externos aos quadros do Departa-

mento de Polícia Federal auxiliem as investigações desencadeadas pela Polícia

Judiciária da União. Como apontou a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do

Ministério Público Federal, por ocasião da confirmação do pedido de arquiva-

mento do inquérito policial, instaurado para apurar eventuais desvios funcio-

nais do Delegado Protógenes Queiroz, o Diretor Geral da Abin “cedeu servidores

à Polícia Federal para atuar sob as ordens de um Delegado da Polícia Federal

(Protógenes Queiroz). Se o fez em desobediência às normas administrativas, em

princípio, tal fato não constitui crime, como antes mencionado. Quando mui-

to, representa irregularidade administrativa e/ou improbidade, mesmo que se

desconsidere, só para argumentar, a exclusão da ilicitude prevista no parágrafo

19 Revista Omnes - ANPR no 1

único do art. 44, da Lei n.º 11.776, de 17.9.2008”.

Sob esse contexto, é imperioso observar que não existe, no Brasil, “monopó-

lio investigativo”; vale enfatizar: “o próprio Código de Processo Penal é claro ao

dizer, no parágrafo único do seu art. 4º, que a competência da polícia judiciária

não exclui a de outras autoridades administrativas. Exemplos disso são as in-

vestigações efetuadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito; o inquérito

judicial presidido pelo juiz de direito da vara falimentar; o inquérito no caso de

infração penal cometida na sede ou dependência do Supremo Tribunal Federal

(RISTF, art. 43), entre inúmeros outros” (cf. STJ – Habeas Corpus n.º 29.159-SP –

Relatora Ministra Laurita Vaz).

No âmbito do Poder Executivo, por exemplo, é “cediço que a Receita Fede-

ral realiza com alguma frequência, no exercício de seu mister, não apenas dili-

gências investigatórias como, também, operações que têm como móvel, tanto

quanto a constituição de auto de infração, a repressão a determinados delitos”7,

o mesmo ocorrendo, por exemplo, com o Banco Central do Brasil, o IBAMA, o

COAF, a Corregedoria-Geral da União etc.

Ademais disso, a Constituição da República preceitua que a segurança públi-

ca é responsabilidade de todos (art. 144); assim, se o cidadão é responsável pela

segurança pública (p. ex. pode prender alguém em flagrante – art. 301 do CPP),

muito mais serão os outros órgãos e instituições em cooperação com a polícia ju-

diciária, como inegavelmente é o caso da Abin, mormente porque tem, como um

de seus objetivos, “planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis,

7 Nesse sentido: LENIO LUIZ STRECK e LUCIANO FELDENS, Crime e Constituição, a legitimidade da função investigatória do Ministério, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 93.

20 Revista Omnes - ANPR no 1

relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade”.

Nada obstante, o Relator do habeas Corpus 149.250, ADILSON MACABU,

entendeu que “as provas colhidas por agentes da Abin e pelo investigador par-

ticular contratado indevidamente, no curso da operação, são ilícitas”. Como

assinalado, embora o aresto tenha passado ao largo do fato de a produção da

prova ter se dado em obediência à Lei n.º 9.034/1995 (ação controlada) e à Lei n.º

9.296/1996 (interceptações telefônicas e interceptações telemáticas) e sob auto-

rização expressa do Poder Judiciário, decidiu-se prestigiar a forma em detrimen-

to do conteúdo, criando-se uma nulidade onde ela, originária e essencialmente,

não existia.

A nós, agora, só resta aguardar o desate do recurso extraordinário no STF...

21 Revista Omnes - ANPR no 1

Investigação criminal pelo Ministério

Público: Estado atual do debate pelo

Supremo Tribunal Federal

BRuno CalaBRiCh

1 Introdução

2Da repercussão geral do tema e sua admissão pelo STF

3Origens do debate no STF

4Ações diretas de inconstitucionalidade e outros

casos atualmente em trâmite no STF

5Votos proferidos e o “placar” atual

6Tendências identificáveis para o julgamento definitivo

7Conclusão

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV; professor da Escola Superior do

Ministério Público da União; procurador da República no Distrito Federal.

22 Revista Omnes - ANPR no 1

1. Introdução

Desde o ano 2003, a comunidade jurídica brasileira aguarda a decisão, pelo

Supremo Tribunal Federal (STF), sobre uma questão tão polêmica quanto impor-

tante: pode o Ministério Público realizar investigações criminais próprias, dire-

tamente, ou deve sempre requisitá-las à polícia? Noutras palavras, tem a polícia

a exclusividade para a realização de investigações criminais, ou pode o Ministério

Público também realizá-las?

Além da doutrina, o debate tem instigado advogados, membros do MP e juízes

criminais, que se vêm mais e mais às voltas com processos deflagrados com base

em investigações promovidas diretamente pelo Ministério Público. São muitos,

e por vezes muito graves, os casos em que a denúncia é oferecida pelo promotor

de Justiça ou procurador da República com base exclusivamente em elementos de

convicção colhidos no curso de um procedimento investigatório criminal (PIC1)

1 A nomenclatura dada à investigação realizada diretamente pelo parquet (procedimento investi-gatório criminal, ou simplesmente PIC) foi dada pela resolução n.º 13 do CNMP, que “regulamen-ta o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, e dá

23 Revista Omnes - ANPR no 1

do Ministério Público, sem a participação de autoridades policiais2. E o volume

de tais casos, pelo que aponta o crescente número de julgamentos que têm sido

realizados pelos Tribunais inferiores, tende somente a aumentar3.

Como já se registrou em outra oportunidade4, causa muita surpresa que o

debate sobre o tema tenha alcançado tamanhas repercussão e magnitude no

Brasil. Não se tem conhecimento de nenhum outro país em que a impossibilidade

da investigação criminal pelo MP tenha sido sequer cogitada. A ausência de um des-

fecho pelo STF, a quem cumpre dar a palavra final, apenas aumenta a apreensão

e acalora a polêmica.

A nosso entender, diante da fragilidade dos principais argumentos contrá-

rios à investigação pelo MP, a celeuma sequer deveria existir, ou no mínimo já

deveria estar há muito tempo sepultada. Mas o foco do presente artigo não é a

exploração minuciosa dos argumentos apresentados pelos defensores de uma ou

outra tese. Pretende-se, aqui, apenas apresentar quadro atual do julgamento do

tema pelo Supremo Tribunal Federal; é dizer, oferecer um diagnóstico da questão

outras providências.” Não é demais lembar que o PIC não se confunde com um inquérito policial, que é presidido por uma autoridade policial (delegado de polícia).

2 À guisa de exemplo, gize-se que, no âmbito do Ministério Público Federal, são também muito comuns os processos criminais (via de regra, por ilícitos contra a ordem tributária) movidos com base exclusivamente em procedimentos apuratórios fiscais realizados pela Receita Federal. Em boa parte dos casos é dispensável a realização de diligências complementares, considerando a exaustividade (inclusive em suas repercussões criminais) das investigações do órgão fazendário.

3 Uma rápida pesquisa com termos correlatos no sítio da Jurisprudência unificada do portal da Justi-ça Federal (<http://columbo2.cjf.jus.br/juris/unificada/?> acesso em 28.09.2012) permite identifi-car dezenas de precedentes. Naturalmente, não constam nesta base de dados informações sobre os casos julgados pelos Tribunais de Justiça dos Estados.

4 CalaBRiCh, Bruno. investigação criminal pelo Ministério Público: uma brasileira e renitente polê-mica, p. 605-608. in Temas atuais do Ministério Público: a atuação do parquet nos 20 anos da Consti-tuição Federal, 2. ed.. Belo Horizonte: Lumen Juris, 2010.

24 Revista Omnes - ANPR no 1

(se nos for permitido utilizar a expressão), tal qual hoje esta se desenha perante a

Suprema Corte brasileira. Para tanto, principia-se, para fins didáticos, com uma

breve digressão sobre o reconhecimento da repercussão geral que o tema encer-

ra, tal qual recentemente proclamada pelo STF.

2. Da repercussão geral do tema e sua admissão pelo STF

A Lei n.º 11.418/06 regulamentou o parágrafo 3º do art. 102 da Constituição

Federal, para instituir um novo requisito de admissibilidade para recursos ex-

traordinários, denominado repercussão geral. A regulamentação se deu com a in-

clusão dos arts. 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil (aplicável também aos

recursos de natureza criminal remetidos ao STF), e certamente teve como propó-

sito contribuir para a diminuição do gigantesco volume de processos pendentes

de julgamento pela Suprema Corte do Brasil.

A matéria foi assim, em síntese, conceituada pela Lei n.º 11.418/06 (conforme

redação dada pela Lei ao art. 543-A do CPC):

“Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não

conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional

nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1o. Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou

não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, so-

cial ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. (...)

Desde 2006, para que recursos extraordinários sejam conhecidos pelo STF,

exige-se, portanto, a demonstração de que a questão enfrentada tenha repercus-

são econômica, política, social ou jurídica que extravase os interesses das partes

envolvidas no caso concreto a ser submetido ao controle difuso de constitucio-

25 Revista Omnes - ANPR no 1

nalidade.

Sobre a repercussão geral, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Go-

mes Filho e Antônio Scarance Fernandes ponderam que5:

“Desse modo, além das exigências tradicionais (que não são poucas),

para que o Supremo Tribunal Federal efetivamente conheça do recur-

so extraordinário interposto pela parte, é preciso, ainda, que esteja

demonstrada a significação política dos temas constitucionais versados

na impugnação, aferida em face de uma possível influência da decisão

para a solução de outros casos. Em outras palavras, a matéria constitu-

cional deduzida não pode estar restrita ao âmbito do feito examinado,

mas deve haver uma probabilidade de que se apresente também em

situações futuras.”

Note-se que, embora tenha sido instituído mais um requisito para o conhe-

cimento de recursos extraordinários, o habeas corpus, ação de natureza criminal

e certamente maior responsável pelo atual assoberbamento da Corte Suprema

brasileira, continua hoje a ser irrestritamente admitido. Sobre esse contraste

(concernente à facilidade, na prática, para a impetração de um habeas corpus e à

limitação imposta aos recursos extraordinários pela necessidade de demonstra-

ção da repercussão geral), Eugênio Pacelli leciona6:

“Como se vê, o que já prevíamos: o acesso ao Supremo Tribunal Fede-

ral (que deveria mesmo ser reservado à matéria constitucional) está

cada dia mais difícil, à exceção da via do habeas corpus, que não se abre

5 GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antônio Magalhães e FERNANDES, Antônio Sca-rance. Recursos no Processo Penal. 6 ed., São Paulo: RT, 2009, cit., p. 204.

6 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de., Curso de Processo Penal. 13 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 899.

26 Revista Omnes - ANPR no 1

ao juízo de admissibilidade, relativamente à questão da repercussão

geral.

Quanto ao mais, isto é, no âmbito próprio do recurso extraordinário,

a via recursal processual penal foi sensivelmente reduzida, embora

não se saiba exatamente qual será a dimensão econômica, política ou so-

cial exigida no artigo 543-A, § 1º, que autorizará o recurso em matéria

criminal. Provavelmente, as alternativas serão: ou o habeas corpus, que

dispensa repercussão geral, mas exige ameaça à liberdade de ir e vir,

ou a presença de divergência da decisão com súmula ou jurisprudência

dominante na Corte. Ou seja, a repercussão geral se limitará às ques-

tões processuais objetivas, isto é, àquelas sobre as quais haja manifes-

tação já consolidada naquele Tribunal.”

Embora seja recorrente a crítica de que a lei, ao valer-se de conceitos jurídicos

indeterminados para a aferição da repercussão geral, não teria declarado expli-

citamente como poderá ser identificada a relevância econômica, política, social ou ju-

rídica que ultrapasse os interesses subjetivos da causa, Fredie Didier observa7:

“(...) É possível vislumbrar, porém, alguns parâmetros para a definição

do que seja “repercussão geral”: i) questões constitucionais que sir-

vam de fundamento a demandas múltiplas, como aquelas relaciona-

das a questões previdenciárias ou tributárias, em que diversos deman-

dantes fazem pedidos semelhantes, baseados na mesma tese jurídica.

Por conta disso, é possível pressupor que, em causas coletivas que ver-

sem sobre temas constitucionais, haverá ali a tal “repercussão geral”

que se exige para o cabimento do recurso extraordinário, ii) questões

que, em razão da sua magnitude constitucional, devem ser examina-

7 DIDIER JUNIOR, Fredie, Curso de Direito Processual Civil. 8 ed. Bahia : JusPODIVM, 2010, cit., p. 333-334.

27 Revista Omnes - ANPR no 1

das pelo STF em controle difuso da constitucionalidade, como aque-

las que dizem respeito à correta interpretação/aplicação dos direitos

fundamentais, que trazem um conjunto de valores básicos que servem

de esteio a toda ordem jurídica - dimensão objetiva dos direitos funda-

mentais.”

À luz da Lei n.º 11.418/06 e da doutrina sobre o tema, conforme resumido

linhas acima, é de se indagar se a investigação criminal pelo Ministério Público

deve ser considerada uma questão relevante do ponto de vista, econômico, polí-

tico, social ou jurídico.

Pois bem: já sob a égide da Lei n.º 11.418/06, o Supremo Tribunal Federal,

em agosto de 2009, reconheceu expressamente a repercussão geral para o jul-

gamento de um recurso extraordinário versando sobre a investigação criminal

realizada diretamente pelo Ministério Público. O julgado (pela admissibilidade

do recurso) foi assim ementado:

EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Ministério Público. Poderes

de investigação. Questão da ofensa aos arts. 5º, incs. LIV e LV, 129 e

144, da Constituição Federal. Relevância. Repercussão geral reco-

nhecida. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que

verse sobre a questão de constitucionalidade, ou não, da realização

de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público.

(RE 593727 RG, Relator(a): ministro CEZAR PELUSO, julgado em

27/08/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT

VOL-02375-07 PP-01929 )

Não há como não verificar a presença desses requisitos no julgamento de um

caso afeto ao tema. Como bem assentado na fundamentação do mesmo acórdão

28 Revista Omnes - ANPR no 1

pelo ministro Cezar Peluso,

“A questão suscitada neste recurso é objeto do julgamento, inciado pelo

Plenário em 11.06.2007. do HC n.º 84.548 (Rel. ministro MARCO AU-

RÉLIO) e que versa a relevantíssima matéria da constitucionalidade, ou

não, da realização de procedimento investigatório criminal pelo Minis-

tério Público, o que interessa ao bem jurídico fundamental da liberdade

e, como tal, transcende os limites subjetivos da causa, de modo que sua

decisão produzirá inevitável repercussão de ordem geral.”

A rigor, a repercussão geral no debate sobre a investigação criminal pelo Mi-

nistério Público afeta ao menos três das quatro vertentes previstas no §1º do art.

543-A. Com efeito, a eficiência da persecução penal (ou a limitação das possibili-

dades de persecução criminal) tem evidente repercussão econômica, social e jurídi-

ca. Há certamente centenas de investigações do Ministério Público em curso so-

bre crimes de grande danosidade patrimonial (com potencial afetação, inclusive,

à economia do país), de elevado interesse social (como são, por essência, quais-

quer casos de grave violação a normas penais incriminadoras) e jurídico (consi-

derando, especialmente, a necessidade de se afirmar ou recusar, em definitivo,

a legitimidade para a persecução penal em sua etapa pré-processual e as conse-

quências disso para o complexo de relações entre autoridades e investigados).

Na esteira do escólio de Fredie Didier (acima transcrito), é igualmente cristalino

que a questão atinente aos poderes investigatórios do MP (i) é fundamento para

demandas múltiplas, tal qual já se tem verificado nos tribunais (e também em

primeiro instância), e (ii) tem importância constitucional a demandar um exa-

me pelo STF em controle difuso da constitucionalidade, tendo em vista que, em

último grau, trata da interpretação e aplicação de direitos fundamentais – não só

dos investigados mas também de toda a sociedade, legitimamente interessada

29 Revista Omnes - ANPR no 1

na maior eficiência da persecução criminal, na acepção garantista do termo8.

Correta, portanto, a declaração do Supremo Tribunal Federal de que o tema

tem repercussão geral. Mas a verdade é que o debate iniciou-se bem antes disso,

quando sequer vigorava a Lei n. 11.418/06.

3. Origens do debate no STF

Em 06.05.2003, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julga-

mento de um recurso em habeas corpus, decidiu que a realização de diligências in-

vestigatórias é atribuição exclusiva da polícia judiciária (Informativo do STF n. 307,

RHC 81.326-DF, rel. ministro Nelson Jobim). O recurso julgado pelo STF tinha

por objetivo modificar a decisão do STJ que havia reconhecido a validade de uma

requisição expedida pelo Ministério Público do Distrito Federal para que um de-

legado de Polícia fosse ouvido por promotores do Núcleo de Investigação Cri-

minal e Controle Externo da Atividade Policial, no interesse de um Procedimento

administrativo investigatório supletivo (na nomenclatura utilizada à época). O STJ

havia denegado o HC em que se postulava, ao final, o trancamento da investiga-

ção instaurada pelos promotores responsáveis pelo controle externo da atividade

policial em face do delegado de polícia para a apuração de um crime suposta-

mente praticado por ele. O impetrante/recorrente alegou que a apuração do fato

caberia não ao Ministério Público, mas exclusivamente à polícia, por meio de um

inquérito policial. Foi esse o primeiro caso em que a tese da impossibilidade da

investigação criminal pelo Ministério Público foi acolhida pelo STF.

Os poderes investigatórios do Ministério Público, contudo, já haviam sido

8 Ou seja, da proteção dos direitos fundamentais de qualquer investigado ou acusado e, ao mesmo tempo, do justo sancionamento dos responsáveis pela prática de um ilícito penal.

30 Revista Omnes - ANPR no 1

apreciados – e reconhecidos – em diversos outros julgados anteriores daquela

Corte, do STJ e de tribunais inferiores. Podem ser citados como precedentes fa-

voráveis à investigação pelo Ministério Público (anteriores a 2003) os seguintes

acórdãos: STF, ADI n.º 1517-UF Rel. ministro Maurício Corrêa, julg. em 30.4.97,

Informativo STF nº 69; STJ, HC nº 7.445-RJ, 5ª T., Rel. ministro Gilson Dipp,

julg. em 01.12.98, v.u., DJU de 01.02.99, p. 218, RHC 7.063-PR, 6ª T., Rel. minis-

tro Vicente Leal, julg. em 26.08.98, v.u., DJU de 14.12.98, p. 302; TRF/4ª Região,

HC nº 97.04.26750-9-PR, 1ª T., Rel. Juiz Fábio B. da Rosa, 1ª T., v.u., julg. em

24.06.97, DJU de 16.07.97; TJDFT, HC nº 1998.00.2.035-8, 1ª T., Rel. Des. Otavio

Augusto, julg. em 12.03.98, v.u., DJ de 03.06.98, p. 38.

Esse julgamento deu fôlego a um entendimento então apenas incipiente e ins-

pirou a impugnação de diversas investigações criminais diretas pelo Ministério

Público. A mais emblemática dessas invectivas contra os poderes investigatórios

do MP foi o “caso Remi Trinta”, que se tornou, entre 2003 e 2006, o palco princi-

pal dos debates pelo STF;

Trata-se do inquérito 1.968-DF, em que o STF avaliava se deveria ser recebida

a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o então deputado

federal Remi Trinta (PL/MA). O parlamentar, que à época dos fatos era dono de

uma clínica em São Luís (MA), foi acusado da prática de estelionato, por supos-

tas fraudes contra o Sistema Único de Saúde – SUS. A defesa argumentou que

a denúncia foi apresentada com base numa investigação realizada diretamente

pelo Ministério Público, e que tal atribuição não lhe tocava por ser de exclusivi-

dade da polícia. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro

Cezar Peluso.

Saliente-se que ali sequer se tratava de um procedimento investigatório ins-

31 Revista Omnes - ANPR no 1

taurado e conduzido exclusivamente pelo MP. Era um típico e simples caso de

complementação das investigações policiais: com a vinda dos autos relatados pela

polícia, o MPF, entendendo serem ainda insuficientes os elementos reunidos, re-

quisitou (diretamente) o encaminhamento de determinados documentos, com

respaldo no art. 47 do CPP9. Pela documentação recebida, ficaram cabalmente

confirmadas as fraudes – havia notas de prestação de serviços supostamente rea-

lizados pela clínica do deputado (e custeados pelo SUS) que chegavam ao absur-

do de relatar (e cobrar por) um parto feito num homem.

Lamentavelmente, como o julgamento da questão não foi encerrado no STF,

o acusado Remi Trinta não se reelegeu deputado federal nas eleições de 2006 e o

caso foi remetido à Justiça Federal de primeiro grau em São Luís (MA) no início

de 2007. Lá, foi imediatamente arquivado, eis que já estava prescrito.

4. Ações diretas de inconstitucionalidade e outros casos atualmente em

trâmite no STF

Como mencionado na decisão que admitiu a repercussão geral para o RE

593727, o tema dos poderes investigatórios do MP estava (e continua) sob a apre-

ciação do pleno do STF no HC n.º 84.548, do qual é Relator o ministro Marco

Aurélio. Trata-se de um habeas corpus impetrado por Sérgio Gomes da Silva (co-

nhecido como “o Sombra”). Com base elementos colhidos pelo Ministério Públi-

co paulista, Sérgio Gomes foi denunciado pelo homicídio do então prefeito do

9 “art. 47. se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-los.” Note-se que essa é a redação original de 1941, o que torna ainda mais curioso que as impugnações às investigações criminais pelo Ministério Público só tenham se avolumado tão recentemente. Não se pode ignorar a possibilidade de que isso tenha ocorrido pelo simples fato de que tais investigações começaram a atingir pessoas que nunca antes (ou raras vezes) foram sujeitas, de fato, à lei penal (como altas autoridades, políticos, policiais e empresários dotados de elevado poder econômico).

32 Revista Omnes - ANPR no 1

município de Santo André, Celso Daniel, em janeiro de 2002. O julgamento do

caso foi aberto em 11.06.2007. Proferiram seus votos o ministro Marco Aurélio,

relator, contrário à investigação pelo MP, e o ministro Sepúlveda Pertence, que

rejeitou a tese da defesa. Em seguida, o julgamento foi suspenso pelo pedido de

vista do ministro Cezar Peluso.

Há diversos outros casos concretos nos quais o STF, por suas turmas, tem

sido instado a decidir (em sede de controle difuso) sobre a validade de atos in-

vestigatórios realizados diretamente pelo MP, consoante será visto nos tópicos

seguintes (em que podem ser identificados os votos já proferidos). Falta apenas o

julgamento final pelo plenário do Tribunal.

O STF também deverá pronunciar-se em definitivo sobre o tema pela via do

controle concentrado. Em 22.07.2003, o Partido Liberal ajuizou a Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) n.º 2943-6, pugnando pela suspensão da eficácia dos

dispositivos da Lei Complementar 75/93 e da Lei 8.625/93 que tratam da investiga-

ção pelo MP. Em 19.12.2006, a OAB ajuizou a ADI n.º 3.836, questionando a cons-

titucionalidade da resolução n.º 13 do Conselho Nacional do Ministério Público

(CNMP), que regulamentou a LC 75/93 e a Lei 8.625/93, disciplinando os proce-

dimentos de investigação criminal do MP. A Associação dos Delegados de Polícia

do Brasil (Adepol) ajuizou a ADI n.º 3.806 (distribuída em 10.10.2006), contra a

mesma Resolução n.º 13 do CNMP, e a ADI n.º 4271-8 (distribuída em 15.07.2009),

arguindo a inconstitucionalidade da Resolução n.º 20 do CNMP e de dispositivos

das leis orgânicas do Ministério Público que tratam do controle externo da ativida-

de policial. Todas essas ações ainda esperam uma decisão do STF.

33 Revista Omnes - ANPR no 1

5. Votos proferidos e o “placar” atual

Antes de ser interrompido o julgamento do caso Remi Trinta (INQ 1.968-DF),

cinco ministros proferiram seus votos sobre a questão: a) favoráveis à investi-

gação pelo MP – Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Eros Roberto Grau; b)

contra a investigação pelo MP: Marco Aurélio Mello e Nelson Jobim.

Tendo como base julgamentos posteriores, é possível identificar os posicio-

namentos de outros ministros. Além dos ministro Joaquim Barbosa e Ayres Brit-

to, são favoráveis à investigação direta pelo Ministério Público a ministra Cár-

men Lúcia (HC 89.398/SP, decisão de 04.08.2006) e o ministro Celso de Mello

(HC 89.837/DF, decisão de 20.10.2009, e RHC 83.492/RJ, decisão de 16.12.2010).

O ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, já se pronunciou contra a inves-

tigação pelo MP (HC 87.395/PR, voto-relator de 24.10.2006), mas depois mitigou

seu entendimento para admitir a investigação pelo MP em casos excepcionais

(RE 593.727/MG, voto proferido em 27.06.2012).

O hoje aposentado ministro Sepúlveda Pertence também se posicionou fa-

voravelmente à investigação criminal direta pelo Ministério Público (voto pro-

ferido no HC 84.548/SP, em 11.05.2007), assim como a ministra Ellen Gracie (RE

535478/SC, decisão de 20.10.2008, e HC 91.661/PE, decisão de 10.03.2009 – apo-

sentada em agosto de 2011) e o ministro Eros Grau (voto no referido INQ 1.968-

DF – aposentado em agosto de 2010).

Pouco antes de se aposentar, em 27.06.2012, o ministro Cezar Peluso também

proferiu seu voto sobre o tema, no julgamento do RE 593.727, “reconhecendo (...) a

competência do Ministério Público para realizar diretamente atividades de investigação da

prática de delitos, para fins de preparação e eventual instauração de ação penal apenas em

34 Revista Omnes - ANPR no 1

hipóteses excepcionais e taxativas, nos termos do seu voto, no que foi acompanhado pelo

ministro Ricardo lewandowski”10.

Nesse quadro, podem ser contabilizados, com a composição atual do sTF (setem-

bro de 2012), 4 votos favoráveis à investigação criminal direta pelo Ministério

Público (Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Cármen Lúcia e Celso de Mello) e 1 con-

trário (Marco Aurélio). Placar: 4 a 1, em favor da investigação criminal pelo MP.

Quanto ao ministro Gilmar Mendes, registre-se que, relator de um caso ver-

sando sobre investigação do parquet referente a crimes cometidos por autorida-

des policiais, denegou a ordem, argumentando que “a atividade investigativa su-

pletiva do MP ante a possibilidade de favorecimento aos investigados policiais vem sendo

aceita em recentes pronunciamentos desta Corte” e que o MP é um órgão com “poder

de investigação subsidiária em casos em que é pelo menos plausível a suspeita de que falha

a investigação policial”11 (HC 93.930/RJ, decisão de 07.12.2010). O ministro, entre-

tanto, frisou que o caso se referia a investigação contra autoridade policial e que,

nessa hipótese, o entendimento do STF já estaria sedimentado. Nestes termos,

seu voto pode ser contabilizado como favorável à investigação pelo parquet, ao

menos com relação a crimes cometidos por policiais12.

Como visto linhas acima, a min. Ricardo Lewandowski também admite a in-

vestigação pelo MP em casos excepcionais (RE 593.727/MG, voto proferido em

27.06.2012). Nessa situação, o placar está em 6 a 1, favorável à investigação pelo

10 Decisão disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciarepercussao/verAnda-mentoProcesso.asp?incidente=2641697>, acesso em 28.09.2012.

11 <http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/49563/stf+reconhece+poder+de+investigacao+do+ministerio+publico.shtml>, acesso em 19/10/2011.

12 Ver-se-á adiante que o ministro Gilmar Mendes, em julgamento posterior, não restringiu a investigação pelo MP a crimes cometidos por policiais.

35 Revista Omnes - ANPR no 1

Ministério Público (ao menos para determinados crimes).

Dos atuais 11 ministros do STF13, 4 ministros não votaram: Teori Zavaski,

José Antônio Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Maria Weber.

Quando no STJ, o min. Teori Zavascki já decidiu a favor da investigação pelo

MP:

“(...) está assentado na jurisprudência do sTF e do sTJ entendimento no sentido de que

ao Ministério Público não compete a função de presidência de inquérito policial, não lhe

sendo vedada, entretanto, a colheita de material probatório para formar ou complementar

as bases de convicção para o exercício da ação penal. nesse sentido, entre outros, são os

seguintes precedentes desta Corte: aPn 345/aP, Corte especial, ministro Gilson Dipp, DJ de

26/09/2005; hC 55.100/RJ, 5ª Turma, ministro arnaldo esteves lima, DJ de 29/05/2006,

hC 40.827/MG, 5ª Turma, ministro Félix Fischer, DJ de 26/09/2005. no caso, não tendo o

Ministério Público presidido a instauração ou a realização de um inquérito policial, não

houve irregularidade alguma na sua atuação.” (voto relator do min. Teori Zavascki

no recebimento, pela Corte Especial do STJ, da denúncia na APn 300/ES – Ação

Penal 2003/0139654-4; decisão de 18.04.2007, publicada no DJ de 06.08.2007, p

443).

Dos que ainda não votaram, talvez também se possa antecipar o posiciona-

mento do ministro José Antônio Dias Toffoli, que, quando Advogado-geral da

União, em 18.08.2009 exarou um parecer nos autos da ADI n.º 4271-8 contrário à

investigação pelo MP. Nesse caso, e curiosamente, a AGU pleiteou a declaração

da inconstitucionalidade dos incisos V e IX do art. 8º da LC n.º 75/93 (que pre-

13 Já contando com a indicação de Rosa Maria Weber Candiota para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria da ministra Ellen Gracie, que aguarda aprovação pelo Senado. A indicação foi pu-blicada no DOU de 08 de novembro de 2011.

36 Revista Omnes - ANPR no 1

veem a realização direta de diligências investigatórias pelo MP), em que pese ser

papel da AGU, no rito das ações diretas, defender a constitucionalidade do diplo-

ma normativo impugnado14. Não se deve ignorar, entretanto, a possibilidade de

que o ministro Dias Toffoli se declare impedido, nesse caso, por ter atuado an-

teriormente em nome da AGU, da mesma forma que tem se declarado impedido

em casos semelhantes (como na ADI n.º 4215/TO, sobre concursos públicos no

Estado de Tocantins, decisão de 09.06.2010, e na ADPF n.º 132/RJ, sobre uniões

homoafetivas, decisão de 05.05.2011).

É interessante perceber que, se a questão tivesse sido submetida a julgamento

pelo plenário do STF em suas composições anteriores, a tese favorável à investi-

gação pelo Ministério Público já teria sido vencedora por maioria (de 6 ou 7 vo-

tos, no mínimo), contabilizados os votos dos ministros Sepúlveda Pertence, Eros

Grau e Ellen Gracie (e sem contar os votos dos ministro Gilmar Mendes, Cezar

Peluso e Ricardo Lewandowski). Dentre os ministros que se aposentaram desde

o ano de 2003, quando a polêmica realmente aflorou no STF, apenas o ministro

Nelson Jobim pronunciou-se contrariamente à investigação criminal pelo MP15

– e mesmo ele, sempre mencionado por ser contrário à investigação pelo MP, já

a admitiu “para a apuração de crimes previstos no estatuto da Criança e do adolescente”,

considerando que “a questão relativa à infância e à juventude é regulada por lei especial

14 Segundo disposto no art. 103. § 3º, da CF/88, "Quando o supremo Tribunal Federal apreciar a incons-titucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o advogado-Geral da união, que defenderá o ato ou texto impugnado." Jé se decidiu, contudo, que “"(...) o munus a que se refere o imperativo constitucional (CF, artigo 103, §3º) deve ser entendido com temperamentos. o advogado-Geral da união não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua incons-titucionalidade.” (ADI 1.616, Rel. ministro Maurício Corrêa, DJ 24/8/2001, grifo nosso). Como o STF ainda não fixou seu entendimento sobre o tema, não poderia o AGU desatender o comando expresso do art. 103 da CF/88, que tem como propósito permitir o exercício do contraditório nas ações diretas de inconstitucionalidade.

15 Sobre a posição do ministro Nelson Jobim, ver Informativos do STF n.º 307 (RHC 81.326-DF) e n.º 325 (HC 82.865-GO) – este último pela admissão da investigação pelo MP mas apenas por se tratar de investigação de crime previsto no ECA (ver tópico 6).

37 Revista Omnes - ANPR no 1

que tem previsão específica (art. 201, inciso Vii, da lei 8.069/90)” (STF, HC 82.965, Se-

gunda Turma, Rel. ministro Nelson Jobim, DJ 30/4/2004).

6. Tendências identificáveis para o julgamento definitivo

Em alguns casos, o STF acenou com a possibilidade da adoção de uma tese

intermediária, segundo a qual seria admitida investigação criminal direta pelo

Ministério Público para crimes cometidos por policiais – como decorrência de

sua função constitucional de exercício do controle externo da atividade policial (art.

129, VII, da CF/88) – e, para outros crimes, desde que haja lei expressa (a respeito

desses crimes) estabelecendo tal atribuição específica. Noutras palavras, o MP

poderia investigar somente crimes cometidos por autoridades policiais ou deter-

minados crimes especificados em lei.

Sobre crimes previstos em leis específicas, o STF assim se pronunciou em

pelo menos três ocasiões. Nas primeiras delas, 2ª Turma decidiu que, por se tra-

tar de crimes praticados contra menores e haver expressa previsão no Estatuto

da Criança e do Adolescente (art. 201, VII, do ECA), a investigação produzida pelo

MP era válida16. Noutra oportunidade a mesma 2ª Turma reconheceu a validade

de determinada investigação por se tratar de crime praticado por membro do MP

e haver previsão expressa na Lei Orgânica respectiva17.

Abraçada essa tese, as leis que, tratando de crimes específicos, autorizam ex-

plicitamente a investigação direta pelo Ministério Público seriam: o Estatuto do

Idoso (o art. 74, VI, da Lei n.º 10.741/03); o Estatuto da Criança e do Adolescente

16 Informativo do STF n.º 325, HC 82.865-GO, rel. ministro Nelson Jobim, 14.10.2003 (HC-82865). Também: HC 82.965, Segunda Turma, rel. ministro Nelson Jobim, DJ 30/4/2004.

17 Informativo do STF n.º 506, HC 93224/SP, rel. ministro Eros Grau, 13.5.2008 (HC-93224).

38 Revista Omnes - ANPR no 1

(art. 201, VII, da Lei n.º 8.069/90); a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional (art. 29 da Lei n.º 7.492/86), o Código Eleitoral (art. 356, §2º, da Lei n.º

4.737/67), a LC 75/93 e a Lei n.º 8.625/93 (Leis Orgânicas do MP, para crimes pra-

ticados por seus membros).

Quanto a crimes cometidos por autoridades policiais, a tendência a que se

consolide a atribuição para condução de procedimentos investigatórios dire-

tamente pelo MP tem permeado alguns julgamentos, a exemplo do citado HC

93.930/RJ, relatado pelo ministro Gilmar Mendes e assim ementado:

habeas corpus. 2. Poder de investigação do Ministério Público. 3. Su-

posto crime de tortura praticado por policiais militares. 4. Atividade

investigativa supletiva aceita pelo STF. 5. Ordem denegada.

(RE 93.930/RJ, Relator(a): ministro GILMAR MENDES, julgado

w/12/2010, DJE 03/02/2011 - ATA Nº 3/2011. DJE nº 22, divulgado em

02/02/2011 – grifo nosso).

Outros casos que podem ser citados são os de relatoria do ministro Celso

de Melo no HC 89.837/DF e no RHC 83.492/RJ, ambos versando sobre crimes

cometidos por delegados e outros agentes policiais. Neles, o exercício do con-

trole externo da atividade policial é invocado não como um argumento isolado,

mas como um reforço à indispensabilidade das investigações diretas do MP em

casos que tais. A ementa do acórdão proferido no julgamento do RHC 83.492/RJ

merece transcrição:

“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM “HABEAS CORPUS”. ORIEN-

TAÇÃO JURISPRUDENCIAL PREVALECENTE na seGunDa TuRMa

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. (...)

ALEGADA NULIDADE DO PROCESSO PENAL. CRIME DE CORRUP-

ÇÃO ATIVA. ENVOLVIMENTO, EM REFERIDA PRÁTICA DELITUOSA,

39 Revista Omnes - ANPR no 1

DE DELEGADOS DE POLÍCIA E DE OUTROS AGENTES POLICIAIS.

POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO, esPeCialMenTe

eM Tal hiPÓTese, FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO PENAL PoR ele

PRÓPRio PRoMoViDa, FORMULAR DENÚNCIA CONTRA AGENTES

INTEGRANTES DE ORGANISMOS POLICIAIS. VALIDADE JURÍDI-

CA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. CONDENAÇÃO PENAL

IMPOSTA A ALGUMAS DAS PESSOAS INVESTIGADAS, inClusiVe

AO RECORRENTE. LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVES-

TIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MONOPÓLIO CONSTITU-

CIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO “PaR-

QueT”. TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS. CASO “McCulloCh v.

MaRYlanD” (1819). MAGISTÉRIO DA DOUTRINA (RUI BaRBosa,

John MARSHALL, JoÃo BARBALHO, MARCELLO CAETANO, CASTRO

NUNES, OSWALDO TRIGUEIRO, v.g.). OUTORGA, AO MINISTÉRIO

PÚBLICO, Pela PRÓPRia ConsTiTuiçÃo Da RePÚBliCa, DO PODER

DE CONTROLE EXTERNO SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL. LIMI-

TAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA AO PODER INVESTIGATÓRIO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.

(STF, HC 83.492/RJ, rel. CELSO DE MELLO, decisão de 16.12.2010, DJe

n.º 22, de 02.02.2011 – grifos do original)

Sublinhe-se que, nos mencionados acórdãos de relatoria do ministro Celso

de Mello, não se defende a limitação da investigação pelo MP a casos envolvendo

policiais (nem a quaisquer crimes específicos); apenas se afirmou ali que, nessas

situações, a atribuição investigatória do MP é ainda mais evidente, sem nenhu-

ma pretensão de restringir sua atuação a esses crimes.

Em 15.05.2012, a 2ª Turma do STF, sob a relatoria do min. Gilmar Mendes, ad-

40 Revista Omnes - ANPR no 1

mitiu à unanimidade a investigação criminal do MP “em situações excepcionais”,

mas sem depender de uma lei específica que a preveja. No caso julgado, cuidava-se

de um crime de tráfico de influência praticado por vereador. Confira-se:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL.

INVESTIGAÇÃO CRIMINAL REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLI-

CO. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. POSSIBILIDADE. (…) ORDEM

DENEGADA.

1. Possibilidade de investigação do Ministério Público. Excepcionali-

dade do caso.

O poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de

forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir,

inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação,

seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por

sua própria natureza, vigilância e controle.

O tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado

não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos funda-

mentais.

A atuação deve ser subsidiária e em hipóteses específicas.

No caso concreto, restou configurada situação excepcional a justificar

a atuação do MP: crime de tráfico de influência praticado por verea-

dor.”

(STF, HC 91.613/MG, rel. GILMAR MENDES, decisão de 15.05.2012,

DJe n.º 182, de 17.09.2012 – grifos nossos)

Em arremate a este tópico, importa consignar que a tese restritiva, a nosso

entender, não deve prosperar.

Quanto a crimes cometidos por autoridades policiais, é óbvio que, cercean-

41 Revista Omnes - ANPR no 1

do-se a atribuição investigatória do Ministério Público, estar-se-ia ferido de mor-

te o art. 129, VII, da Constituição Federal. É simplesmente impossível realizar o

controle externo da atividade policial sem que seja permitido ao MP investigar,

sobretudo em casos mais graves. Quanto a esse ponto o entendimento do STF

está razoavelmente consolidado e não parecem restar muitos questionamentos,

como consta inclusive no HC 93.930/RJ, relatado pelo ministro Gilmar Mendes

e linhas acima referido.

No que toca à restrição à atuação do MP a crimes determinados com base no

argumento da necessidade de lei específica (elencando os crimes a serem investigados),

a razão do equívoco é simples: em outros dispositivos – art. 8º da LC 75/93 e art.

26 da Lei n.º 8.625/93, além do art. 47 do CPP – prevê-se a mesma atribuição inves-

tigatória, sem limitá-la a nenhum crime. A previsão da investigação do MP para

ilícitos determinados é apenas um reforço ao que já está previsto nas leis orgânicas

do Ministério Público, além realçar a premência da atuação do órgão em situações

que tais, certamente porquanto reputadas mais graves ou sensíveis. A previsão dos

poderes investigatórios do MP em leis diversas não tem o condão de simplesmente

“revogar” a expressa previsão das leis orgânicas do parquet. Não há nada na Cons-

tituição que permita afirmar que uma lei que confere atribuição investigatória so-

mente será constitucional se e somente se limitar essa atribuição a crimes específicos.

E se o legislador, em relação ao Ministério Público, fez a clara opção de não limitar

essa investigação a crimes específicos, não cumpre ao STF substituir essa opção

por uma outra que julgue, por qualquer razão, mais adequada ou conveniente.

Se a restrição se der para casos excepcionais, a exemplo de crimes “contra a admi-

nistração pública” ou “cometidos por agentes públicos” (conforme sinalizado no

julgamento do HC 91.613/MG, também trazido acima), é muito importante que o

STF defina o que se deve entender por casos excepcionais, fixando claramente os cri-

42 Revista Omnes - ANPR no 1

térios para que se reconheça tal excepcionalidade. A nosso ver, todavia, quaisquer

que sejam estes critérios, dificilmente deixarão de ostentar certa dose de arbitra-

riedade, considerando que nem a lei nem Constituição restringiram a atribuição

investigatória do MP a situações específicas18.

O fato é que a investigação criminal não é uma atribuição exclusiva da polícia

(como poderia indicar uma leitura enviesada do art. 144 da CF/88) e a realização de

diligências investigatórias diretamente pelo MP é plenamente compatível com o

modelo processual brasileiro (acusatório) e com sua missão constitucional19.

7. Conclusão

Considerando as decisões proferidas em casos concretos por turmas do STF

(controle difuso) e o fato de que o julgamento ainda não foi concluída pelo pleno

daquele tribunal, a verificação da situação atual do debate acerca da constitucio-

nalidade da investigação criminal direta pelo Ministério Público tem suscitado o

interesse e muitas dúvidas por parte da doutrina e de operadores do direito. O pre-

sente artigo é uma singela tentativa de apresentar aos interessados no assunto um

panorama fiel da controvérsia perante o STF. Levando-se em conta a importância

da questão, confia-se que a Corte Maior tenha condições de apresentar à comuni-

dade jurídica, em futuro próximo, sua palavra definitiva.

18 O que não significa que o MP deve investigar sempre. Para que o MP instaure uma investigação, deve indicar, em seu despacho inaugural (devidamente fundamentado, como todos os seus atos), porque essa investigação direta será a mais eficiente (i.e, aquela que, no caso concreto, melhor atende ao interesse público). Sobre outros limites impostos à investigação pelo MP discorremos com maior vagar em: CalaBRiCh, Bruno. investigação criminal pelo Ministério Público: fundamen-tos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

19 idem, ibidem.

43 Revista Omnes - ANPR no 1

As principais alterações introduzidas

pela Lei 12.403/2011 no sistema das

medidas cautelares pessoais

Andrey Borges de Mendonça

1 Introdução

2CPP de 1942, seu contexto histórico e as alterações posteriores

3A Lei 12.403 e suas principais inovações

4Conclusão

Procurador da República em Ribeirão Preto/SP. Mestre pela Universidade Pablo de Olavide na Espanha. Mestrando pela Universidade de São Paulo. Professor universitário. Email: [email protected].

44 Revista Omnes - ANPR no 1

1. Introdução

No dia 4 de julho de 2011 entrou em vigor a Lei 12.403/2011, alterando so-

bretudo o capítulo IX do Código de Processo Penal (CPP), antes designado “da

prisão e da liberdade provisória” e que passou a ser nominado “Da prisão, das

medidas cautelares e da liberdade provisória”. Interessante anotar que, embora

tenham sido alterados apenas 32 dispositivos do CPP pela Lei 12.403/2011, pode-

-se dizer que há outro sistema de medidas cautelares pessoais após a entrada

em vigor desta lei. A ideia, realmente, era remodelar completamente a disciplina

processual penal no tocante à prisão e à liberdade, a qual ficara tão prejudicada,

em termos de sistemática, em razão das diversas alterações que ocorreram desde

a edição do CPP, há 70 anos. Neste sentido, o Projeto de Lei 4.208/2001 (pos-

teriormente convertido no Projeto 111/2008) foi elaborado por uma Comissão

de Juristas1, constituída pelo Ministro da Justiça, José Carlos Dias, por meio da

Portaria 61/2000, com o intuito de reformar todo o CPP. Referida comissão apre-

1 Os juristas que compunham referida Comissão eram Ada Pellegrini Grinover (Presidente), Pe-trônio Calmon Filho, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rui Stoco, Rogério Lau-ria Tucci e Sidnei Beneti.

45 Revista Omnes - ANPR no 1

sentou, em dezembro de 2000, sete anteprojetos2, dentre eles o que alterava o

capítulo das medidas cautelares pessoais (Projeto 4.208). Antes de adentrarmos

propriamente ao estudo das alterações introduzidas, urge que seja contextuali-

zado o atual CPP, notadamente a sua origem histórica e seus princípios reitores

relacionados às medidas cautelares pessoais, para que possamos, após analisar

algumas alterações legislativas relevantes, compreender o verdadeiro sentido da

Lei 12.403/2011.

2. CPP de 1942, seu contexto histórico e as alterações posteriores

O Código de Processo Penal, o Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941,

entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942. Foi editado durante o Estado Novo,

período no qual Getúlio Vargas governou o Brasil com forte centralização de

poderes. Quando da edição do Código estava em vigor a Constituição de 1937,

outorgada e de inspiração nitidamente autoritária e policialesca, características

estas que se refletiram no CPP editado. Sua inspiração foi o CPP italiano de 1930,

editado no auge do fascismo italiano, e inspirado pelas ideias da Escola Técnico-

-Jurídica, que renegava o princípio da presunção de inocência e adotava o da pre-

sunção de culpabilidade. Na Itália, como lembra Maurício Zanoide, a referida

Escola desenvolveu posturas políticas escondidas sob tecnicismos dogmáticos.

Vincenzo Manzini, o maior representante da Escola Técnico-Jurídica, cujos ar-

gumentos inspiraram o legislador italiano de 1930, afirmava que a presunção de

inocência era inaceitável no processo penal, pois não seria nem presunção e nem

inocência. Sustentava que não se deveria falar em inocente, pois seria inviável

compatibilizar a presunção de inocência com a existência de medidas cautela-

2 Sendo que quatro já foram convertidos em lei: Leis 10.792/2003, 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008.

46 Revista Omnes - ANPR no 1

res (como a prisão, por exemplo)3. Defendia, ainda, que durante o procedimento

não havia nem culpado e nem inocente, mas apenas acusado4. Ademais, sobre a

presunção, Manzini afirmava que, tecnicamente, seria meio de prova indireta,

que se extrairia da experiência comum. E a “experiência comum do processo pe-

nal” mostraria, segundo sua visão, que a maioria dos acusados era condenada. A

presunção, portanto, deveria ser de culpa5. Essas ideias foram aceitas pelo texto

italiano de 1930 e foi justamente esse o modelo que influenciou e inspirou o CPP

brasileiro de 1942.

Neste contexto de presunção de culpabilidade, não era de se espantar que o

regime das medidas cautelares pessoais no CPP brasileiro partisse de uma visão

autoritária, que estabelecesse a prisão como regra ao longo do procedimento.

Vejamos, neste passo, qual era o cenário então existente, no tocante às medi-

das cautelares pessoais.

Na redação original do CPP, eram previstos quatro tipos de prisões proces-

suais: a prisão em flagrante, a prisão preventiva; a prisão decorrente de sentença

condenatória recorrível (Art. 594) e a prisão decorrente de pronúncia (Art. 408).

Essas duas últimas eram automáticas, como efeitos imediatos do ato a que fa-

ziam referência (sentença condenatória recorrível e pronúncia, respectivamente).

A prisão preventiva, por sua vez, também era obrigatória em todo e qualquer crime

3 MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua es-trutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 128/129.

4 MACHADO, Rogerio Schietti. Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas. 2ª ed., revista, am-pliada e atualizada de acordo com a Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 72.

5 MORAES, Maurício Zanoide de. Ob. cit., p. 132/137, onde o autor demonstra como os argumen-tos técnicos da Escola Técnico-Jurídica buscam, em verdade, ocultar posturas políticas fascistas.

47 Revista Omnes - ANPR no 1

cuja pena máxima superasse dez anos, nos termos da redação originária do CPP.

Assim, bastava ser acusado por um crime grave, com pena máxima cominada su-

perior a dez anos, que o agente deveria ser recolhido necessariamente ao cárcere.

De outro giro, uma vez ocorrida a prisão em flagrante - vista como espécie

prisional autônoma e independente – o imputado deveria, como regra, ficar na

prisão até o final do processo. Somente em três hipóteses o agente poderia res-

ponder ao processo em liberdade, caso fosse preso em flagrante: a) se a infração

fosse daqueles que se livrasse solto (Art. 321), ou seja, se não fosse cominada

pena privativa de liberdade ou se esta não superasse três meses6; b) se o agente

tivesse praticado o fato sob o manto de uma causa excludente de antijuridicida-

de (Art. 310)7 e, por fim, c) se afiançável a infração. Veja, assim, que no regime

originário do CPP, uma vez preso em flagrante, a fiança era praticamente a única

hipótese de o agente responder o processo em liberdade, uma vez que as duas

primeiras hipóteses eram bastante restritivas. Se a infração fosse inafiançável, a

regra era o acusado permanecer preso durante todo o processo. Naquela época

– e isto é bastante diverso de hoje – ter direito ou não à fiança era praticamente

sinônimo de ficar ou não em liberdade durante o processo.

Deste ligeiro panorama é possível extrair que a prisão processual era a regra

na sistemática originária do CPP. A liberdade provisória, por sua vez, era excep-

cional e como contracautela à prisão em flagrante decretada.

Paradoxalmente, durante outro período de exceção, algumas leis modificaram

6 Neste caso teria direito à “liberdade provisória” sem vínculo. Em verdade, era uma contradição em termos falar em uma liberdade provisória que não trouxesse qualquer vinculação ao proces-so. Esta espécie de liberdade provisória não existe mais no atual ordenamento jurídico brasileiro.

7 Obteria, nesta hipótese, liberdade provisória vinculada sem fiança, com o dever de comparecer a todos os atos do processo.

48 Revista Omnes - ANPR no 1

e até mesmo relaxaram – com intuitos escusos, como se verá – aquele panorama.

Assim, durante o período da ditadura militar brasileira, iniciado com o Golpe de

1964, são editadas três leis que alteram o sistema cautelar e acabam retirando-lhe

toda coerência. A primeira foi a Lei 5.349/67, que acaba com a malfadada prisão

preventiva obrigatória, alterando a redação do Art. 312 do CPP. Posteriormente,

edita-se a Lei 5941/73, que ficou conhecida como “Lei Fleury”, que permitiu exceção

à prisão automática em caso de sentença condenatória recorrível ou de pronúncia,

possibilitando a liberdade provisória se o agente fosse primário e de bons antece-

dentes. Esta Lei visou a beneficiar o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que liderou

o chamado Esquadrão da Morte em São Paulo e foi o verdadeiro ícone da tortura e

da corrupção policial na época da ditadura militar brasileira. Em razão da atuação

corajosa do Procurador de Justiça Hélio Bicudo, o referido delegado foi investigado

e acusado de homicídio doloso. Como a situação trouxe riscos para ele, que era o

personagem-símbolo do regime militar, a lei processual penal foi alterada em re-

gime de urgência e aprovada em apenas trinta dias no Congresso Nacional8, dando

origem à Lei que hoje é conhecida pelo nome daquele que visou beneficiar9.

Por sua vez, a Lei 6.416/1977 introduziu uma nova hipótese de liberdade pro-

visória sem fiança, no mesmo patamar daqueles que atuassem ao manto de algu-

ma causa excludente de antijuridicidade. Assim, incluiu-se um parágrafo único

ao Art. 310, para que fosse concedida liberdade provisória sem fiança ao preso

em flagrante, sempre que não houvesse necessidade da prisão preventiva. A par-

tir de então, uma vez preso o agente em flagrante, a prisão somente deveria ser

mantida se estivessem presentes os fundamentos da prisão preventiva. Como a

Lei não fazia distinção entre infrações inafiançáveis e afiançáveis, o juiz deveria

8 MACHADO, Rogerio Schietti. Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas, p. 37.

9 BICUDO, Hélio Pereira. Meu Depoimento sobre o esquadrão da Morte. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, especialmente p. 19 e 88/89.

49 Revista Omnes - ANPR no 1

conceder liberdade provisória (sem fiança e com dever apenas de comparecer a

todos os atos do processo) a todos aqueles presos em flagrante, quando não fos-

se hipótese de se decretar a prisão preventiva. Neste caso, o vínculo do agente ao

processo era apenas o de comparecer a todos os atos processuais (vínculo muito

menos rigoroso do que daquele que obteve a liberdade provisória com fiança).

Esta Lei acabou com toda a coerência do sistema, uma vez que passou a ser ad-

mitida a liberdade provisória sem fiança para todos os crimes graves, mesmo

que inafiançáveis. E o pior: para crimes inafiançáveis, caberia apenas liberdade

provisória sem fiança do Art. 310, parágrafo único, mais tênue que a liberdade

provisória com fiança. Ou seja, para crimes menos graves (afiançáveis), maio-

res vínculos com o processo (liberdade provisória com fiança) e para crimes

mais graves (afiançáveis), menos vínculos processuais (liberdade provisória sem

fiança)! Explica-se, por isto, porque a fiança perdeu praticamente toda a sua im-

portância após 197710, uma vez que os juízes, para evitar a quebra da isonomia,

concediam, tanto para infrações afiançáveis quanto inafiançáveis, a liberdade

provisória do Art. 310, parágrafo único (sem fiança). Vale ressaltar que desde

a edição desta Lei, naquele ano, passa a ser possível a liberdade provisória para

crimes inafiançáveis.

Posteriormente, é editada a Constituição de 1988, que modifica toda a prin-

cipiologia vigente, ao estabelecer a prisão como exceção e assegura, expressa-

mente, o princípio da presunção de inocência dentre as garantias fundamentais

do indivíduo (Art. 5º, inc. LVII), além de diversas outras garantias relacionadas à

prisão. Com isto, o descompasso entre o vetusto CPP e a principiologia constitu-

10 A única função prática que a fiança manteve foi a de permitir que o delegado antecipasse a soltura do preso, naquelas infrações apenadas com detenção que fossem afiançáveis, podendo o preso em flagrante ser solto imediatamente após a lavratura do auto de prisão e pagamento da fiança, sem ter que aguardar a decisão judicial sobre a liberdade provisória.

50 Revista Omnes - ANPR no 1

cional se mostrou ainda maior.

Por fim, as Leis 11.719 e 11.689, ambas de 2008, acabaram com a prisão decor-

rente de sentença condenatória recorrível e da pronúncia como efeitos automá-

ticos, revogando-se o artigo 594 e o modificando-se a redação do Art. 408 (que

passou a ser tratada no Art. 413 do CPP), para dispor que, nestes momentos, o juiz

poderá decretar a prisão preventiva, caso presentes seus fundamentos. O ordena-

mento, a partir de então, expressamente, só passa a ter três espécies de prisão cau-

telar (preventiva, em flagrante e temporária, esta última criada pela Lei 7960/89).

Quando já se esperava a edição de um novo CPP, que revogasse integralmen-

te o vetusto CPP – especialmente com a aprovação do Projeto de Lei do Senado

156/2009 pelo Senado - veio, então, a Lei 12.403/2011, que alterou todo o capítulo

das medidas cautelares pessoais. Esta Lei será o objeto de nossa análise a partir

deste passo.

3. A Lei 12.403 e suas principais inovações

Como já dito, a Lei 12.403/2011 alterou o capítulo das medidas cautelares pes-

soais. Embora nem todos os dispositivos tenham sido alterados – foram 32 dis-

positivos, como mencionado – não é exagero dizer que hoje possuímos um siste-

ma de medidas cautelares totalmente diverso daquele existente até 3 de julho de

2011. A ideia, realmente, era remodelar completamente a disciplina processual

penal no tocante à prisão e à liberdade, a qual ficara tão prejudicada, em termos

de sistemática, em razão das diversas alterações que ocorreram desde a edição

do CPP, há 70 anos.

Embora não seja possível neste espaço analisar todas as alterações e impli-

51 Revista Omnes - ANPR no 1

cações, diretas e indiretas, incluídas pela nova legislação, buscaremos, depois

de seis meses de vigência da referida Lei, apontar aquelas que possuem maior

importância e que mais atingiram a realidade então existente11.

3.1 Referência ao princípio da proporcionalidade. A prisão como

ultima ratio.

No estudo e aplicação das medidas cautelares, há uma tensão permanente

entre os fins do processo penal. De um lado, o estabelecimento de garantias em

prol do acusado, impondo restrições ao exercício do poder punitivo, mediante

a construção de um modelo normativo que assegure o indivíduo, estabelecen-

do garantias contra o abuso por parte do poder estatal; de outro, o interesse na

efetividade do processo, na busca de valores também constitucionalmente esta-

belecidos. Neste sentido, o princípio da proporcionalidade justamente deve ser

visto como o “fiel da balança”, para auxiliar a interpretação ótima a se buscar no

equilíbrio entre os bens jurídicos em jogo.

Não há dúvidas, em verdade, de que o princípio da proporcionalidade pos-

sui fundamento constitucional – seja como decorrência do Estado de Direito,

do princípio do devido processo legal em sentido substancial (Art. 5º, inc. LIV)12

– como entende o STF –, seja em razão “da própria estrutura dos direitos funda-

mentais”, verdadeiros mandados de otimização13 ou, ainda, do caráter objetivo

11 Para análise de todas as alterações introduzidas e, ainda, de todas as medidas cautelares pes-soais já à luz da Lei 12.403/2011, ver MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão e outras medidas caute-lares pessoais. São Paulo: Método, 2011.

12 Neste sentido, STF, ADIn 1.158-8/AM, medida liminar, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 24.11.1994, maioria.

13 DA SILVA, Luís Virgílio Afonso. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, ano 91, n. 798, abr. 2002, p. 43.

52 Revista Omnes - ANPR no 1

dos direitos humanos14. De qualquer sorte, o legislador estabeleceu, expressa-

mente, alguns dos desdobramentos do princípio da proporcionalidade, sobre-

tudo no Art. 282 do CPP. Pelo princípio da proporcionalidade, pode-se verificar

uma vertente negativa e outra positiva. Pela vertente negativa – também conhe-

cida como proibição do excesso - exige-se que toda medida cautelar seja ade-

quada, necessária e proporcional em sentido estrito. A análise, portanto, se uma

medida cautelar é ou não proporcional perpassa por este “teste”, justamente na

ordem indicada.

Inicialmente, exige-se, pelo subprincípio da adequação, que a medida seja

apta para atingir o resultado visado. A relação, portanto, é de meio e fim, verifi-

cando-se a potencialidade que a medida possui para atingir determinada finali-

dade. Mas quais são as finalidades legítimas das medidas cautelares pessoais? O

Art. 282, inc. I, esclarece que toda e qualquer medida cautelar – da mais tênue à

mais gravosa - deve buscar apenas três finalidades: aplicação da lei penal; para

a investigação ou a instrução criminal e para evitar a prática de infrações pe-

nais. Este dispositivo tem tríplice importância: a) indica a finalidade de toda e

qualquer medida cautelar pessoal, da mais tênue à mais gravosa; b) qualquer

medida cautelar que persiga finalidade diversa será ilegal; c) não há nenhuma

medida cautelar automática, uma vez que necessariamente o juiz deve aplicá-la

para buscar uma destas três finalidades15. Portanto, nenhuma medida cautelar

pode ser imposta automaticamente pelo juiz. Importa ressaltar, embora já tenha

sido dito: não há diferença teleológica entre a prisão cautelar e as medidas alter-

14 SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e Proporcionalidade: o Direito Penal e os Direitos Funda-mentais Entre Proibição de Excesso e de Insuficiência. Disponível em: <http://www.mundojuri-dico.adv.br>.

15 Destaque-se que hoje, em razão da conjugação do Art. 312, caput, do CPP com o Art. 282, inc. I, a expressão “garantia da ordem pública” necessariamente deve ser interpretada como impedi-mento para a prática de novas infrações penais. Devem ser afastadas, segundo nos parece, outras interpretações que se afastem desta finalidade.

53 Revista Omnes - ANPR no 1

nativas à prisão previstas no Art. 319 do CPP. Em verdade, todas devem buscar

uma das três finalidades do Art. 282, inc. I, sob pena de violação ao princípio

da proporcionalidade, em seu subprincípio da adequação. Infere-se, assim, que

a diferença ontológica entre a prisão e as demais medidas alternativas é apenas

de intensidade e não de finalidade. Mas para o juiz saber se a medida será ou não

apta a alcançar a finalidade indicada no Art. 282, inc. I, deverá analisar o caso

concreto (adequação objetiva) e o agente que está sendo investigado ou processa-

do (adequação subjetiva). O depósito do passaporte em juízo, por exemplo, pode

ser medida inadequada para um agente que já fugiu para o exterior em outras

situações e que possua ali bens e residência, assim como cidadania estrangeira,

mas pode ser adequada para outro réu, em razão de suas circunstâncias. Justa-

mente por isso, o Art. 282, inc. II, determina que o juiz aplique as medidas cau-

telares analisando a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias

do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Superada a análise da adequação, urge que seja enfocado o subprincípio da

necessidade, impondo que, dentre as medidas adequadas, seja escolhida aque-

la menos gravosa. Em outras palavras, o investigado ou acusado tem direito à

restrição menos gravosa, dentre aquelas adequadas. Justamente neste sentido, o

Art. 282, § 6o, afirma que “a prisão preventiva será determinada quando não for

cabível a sua substituição por outra medida cautelar (Art. 319)”. Estabelece-se,

assim, o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva. Embora pela siste-

mática anterior já estivesse assentado o caráter excepcional da prisão cautelar,

especialmente em decorrência do princípio da presunção de inocência, na prá-

tica, se verificava ainda um alto número de presos provisórios no Brasil. Porém,

para que seja possível o estabelecimento da prisão provisória como ultima ratio,

era imprescindível o estabelecimento de medidas alternativas à prisão, conforme

54 Revista Omnes - ANPR no 1

veremos.

Por fim, o princípio da proporcionalidade, em sentido estrito significa um

balanceamento entre a restrição ao direito fundamental e as vantagens da fina-

lidade perseguida. Como afirma Humberto Ávila, a finalidade pública buscada

deve ser tão valorosa que justifique tamanha restrição, de sorte que se “exige a

comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição

aos direitos fundamentais. A pergunta que deve ser formulada é a seguinte: O

grau de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causado

aos direitos fundamentais?”.16 Especificamente no campo das medidas cautela-

res, a proporcionalidade em sentido estrito significa que a medida cautelar deve

ser proporcional à pena que será provavelmente aplicada ao final do processo.

Em outras palavras, impossível que a medida cautelar seja mais gravosa e aplique

ao réu um malefício maior que a própria pena aplicável ao final do processo, pois

neste caso, a medida cautelar – que é instrumento - estaria sendo mais gravosa

que a própria pena – que é o resultado final. Seria, na conhecida metáfora, como

se o remédio trouxesse efeitos colaterais mais gravosos que a doença a ser com-

batida.

Ao lado da proporcionalidade em sentido negativo (proibição do excesso),

decorre do princípio da proporcionalidade a vedação à proteção deficiente. Sig-

nifica, assim, que não se pode admitir que determinada interpretação leve à total

desproteção aos bens jurídicos constitucionais. Os poderes estatais estão vincu-

lados a uma proteção eficiente aos bens jurídicos, sob pena de afronta ao prin-

cípio da proporcionalidade. Neste sentido, o STF já reconheceu o princípio da

16 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da Definição à aplicação dos Princípios Jurídicos. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 165 e 175.

55 Revista Omnes - ANPR no 1

vedação à proteção deficiente17.

3.2 Vedação à decretação de medidas cautelares de ofício pelo

juiz, durante as investigações

Em sintonia com o sistema acusatório, que deflui do texto constitucional, a

Lei 12.403/2011 vedou ao juiz a decretação de ofício de qualquer medida cautelar

durante o inquérito policial. Neste sentido, o Art. 282, § 2o , in verbis: “As medi-

das cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes

ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade poli-

cial ou mediante requerimento do Ministério Público (grifo nosso)”.

Desta feita, o juiz não poderá, durante as investigações e sem provocação

do titular da ação penal, decretar qualquer medida cautelar. Se esta é um ins-

trumento a serviço do processo ou de seu resultado final, deve a sua iniciativa,

sobretudo antes do início da ação penal, ficar relegada à iniciativa do titular da

ação penal. Do contrário, imagine-se a seguinte situação: o juiz decreta prisão

preventiva durante o inquérito policial, mas o membro do Ministério Público en-

tende que o caso é de arquivamento! A incoerência desta postura já demonstra a

inviabilidade de o juiz decretar medidas cautelares de ofício, antes de o titular da

ação penal ter provocada a jurisdição.

Mas vamos além. Deflui deste entendimento que, durante as investigações,

17 O Ministro Gilmar Mendes expressamente fez menção à proibição da proteção deficiente no RE 418.376 (julgado em 9.2.2006) e na ADIn 3.112 (julgada em 26.10.2007). Também se utilizou como fundamento na ADI 1.800/DF (julgada em 11.6.2007), Tribunal Pleno, Rel. para acórdão Min. Ricardo Lewandowski, afirmando que o Estado deve intervir para proteção eficaz dos hi-possuficientes, especialmente no tocante aos direitos de cidadania. Também na ADIn 3.510 (jul-gada em 29.5.2008), em que era questionada a legitimidade da Lei 11.105/2005, células tronco, conforme votos Celso de Mello e Gilmar Mendes.

56 Revista Omnes - ANPR no 1

se o membro do Ministério Público pede determinada medida, o juiz não poderá

decretar medida mais gravosa, pois do contrário estará agindo de ofício em re-

lação a esta parte. Assim, por exemplo, se o MP pede a decretação da fiança, não

pode o juiz decretar a prisão preventiva.

Outra decorrência da impossibilidade de o juiz decretar de ofício as medidas

cautelares durantes as investigações – e neste ponto o texto legal deve ser in-

terpretado conforme o texto constitucional – é a inviabilidade de a Autoridade

Policial solicitar diretamente ao juiz medidas cautelares. Ora, se a Autoridade

Policial não possui capacidade postulatória – tanto assim que não poderá recor-

rer em caso de indeferimento -, e o juiz não pode decretar de ofício as medidas

cautelares, o deferimento de qualquer medida cautelar, inclusive a prisão, sem a

participação do Ministério Público está eivado de ilegalidade18.

Questão que não é pacífica na doutrina e na jurisprudência é se o juiz, ao re-

ceber o auto de prisão em flagrante e verificando que é o caso de decretação da

prisão preventiva, poderia convertê-la de ofício, nos termos do Art. 310, inc. II,

do CPP. Para uma corrente, não se trataria propriamente de decretação da pri-

são, uma vez que o juiz apenas estaria mantendo um estado prisional anterior-

mente decretado, de sorte que ele atuaria de ofício. Para outros, aplicar-se-ia a

disposição do Art. 282, §2º, somente podendo o juiz decretar a prisão preventiva

em substituição à prisão em flagrante se houver pedido ministerial. Por cautela,

portanto, urge que o membro do Ministério Público sempre requeira a conversão

da prisão em flagrante em preventiva, quando entenda que é o caso, para evitar a

18 Neste sentido é o posicionamento da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Públi-co Federal, conforme Voto 1008/2010. 06.12.2010: DOUGLAS FISHER; Procedimento nº 1.00.001.000095/2010-86; Autor: Corregedoria-Geral de Polícia Federal – Superintendência Re-gional de Polícia Federal no Tocantins-TO. Para maior aprofundamento, ver MENDONÇA, An-drey Borges. Prisão e outras medidas cautelares pessoais, p. 67/70.

57 Revista Omnes - ANPR no 1

soltura indevida do agente.

3.3. Adoção do contraditório prévio

Até a edição da Lei 12.403, o juiz, ao decretar a prisão cautelar ou qualquer

outra medida cautelar, não tinha necessidade de oitiva prévia daquele que seria

atingido pela restrição. O contraditório seria exercitado a posteriori, de maneira

diferida. A nova legislação, porém, estabeleceu, no Art. 282, § 3º, o contraditó-

rio prévio como regra19. O intuito do dispositivo é permitir que o investigado ou

acusado possa colacionar aos autos elementos que venham a afastar o alegado

risco que sua liberdade possa trazer para o processo ou para a sociedade. Im-

porta destacar que a Lei não previu o procedimento e nem a forma para oitiva da

parte contrária. O prazo, portanto, deverá ser fixado pelo juiz. Se ainda estiver

durante a fase de investigações e não houver advogado constituído, urge que seja

nomeado advogado dativo ao investigado, pois não haveria sentido em ouvir este

último, sobretudo se não for advogado.

De outro giro, embora o texto legal se refira à oitiva da parte contrária quando

houver pedido, o juiz, durante o processo, também deve ouvir as partes antes de

decretar qualquer medida de ofício, pois não haveria sentido em tratar as situa-

ções de maneira diversa se a finalidade é a mesma. Da mesma forma, embora

não seja o texto legal expresso, urge a oitiva da parte prejudicada em caso de

descumprimento da medida, antes de aplicar o Art. 282, § 4º.

Por fim, o legislador prevê duas situações em que não haverá contraditório

19 Vejamos a disposição legal: “Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrá-ria, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo”.

58 Revista Omnes - ANPR no 1

prévio: nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida. Em nossa

opinião, a aplicação do contraditório prévio deve se voltar especialmente às me-

didas alternativas à prisão. No caso de decretação da prisão, a regra será que a

oitiva da parte contrária trará ineficácia à medida. Não teria sentido o juiz in-

timar o investigado ou acusado sobre pedido de prisão preventiva, em vista da

ameaça de matar determinada testemunha ou de fuga do país. De qualquer sor-

te, imprescindível que o juiz motive e indique, concretamente, por qual motivo

há urgência ou perigo de ineficácia da medida, sob pena de nulidade.

3.4. Previsão da prisão domiciliar

O legislador estabeleceu a prisão domiciliar, como medida substitutiva à pri-

são preventiva em situações humanitárias. Assim, quando a segregação do acu-

sado se mostre extremamente desumana, o legislador admite a substituição da

prisão preventiva pela domiciliar. As situações que a admitem estão elencadas

nos artigos 319 do CPP (maior de 80 anos, extremamente debilitado por motivo

de doença grave, imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis

anos de idade ou com deficiência e gestantes a partir do 7º mês de gravidez ou

sendo esta de alto risco) e somente se deve admitir a prisão domiciliar se de-

monstrada situação em que aquela se torne extremamente desumana. A inter-

pretação, portanto, deve ser teleológica. Assim, não basta ter mais de 80 anos

para fazer jus à prisão domiciliar, por exemplo. Somente naquelas hipóteses em

que estiver demonstrada grave situação pessoal é que deverá ser deferida, e o

acusado poderá, então, aguardar o processo em sua residência.

Embora a prisão domiciliar esteja prevista como medida substitutiva da pri-

são preventiva (ou seja, é medida que a substitui, uma vez que foi anteriormente

decretada, pois as medidas alternativas do Art. 319 se mostraram insuficientes

59 Revista Omnes - ANPR no 1

ou inadequadas), é possível a aplicação da prisão domiciliar como uma das for-

mas alternativas à prisão, por analogia e com base no poder geral de cautela.

Assim, se o juiz entender que a prisão preventiva é muito gravosa para a situação

concreta e que a prisão domiciliar poderá neutralizar o risco, não nos parece que

haja impedimento em aplicá-la, até porque se estará impedindo a decretação da

prisão preventiva em situações desnecessárias.

De qualquer sorte, o período que se cumpriu em prisão domiciliar será des-

contado na pena privativa final aplicada, conforme posição dos Tribunais Supe-

riores20.

3.5. Previsão das medidas alternativas à prisão. Superação do

caráter bipolar do sistema.

Talvez uma das grandes modificações do sistema tenha sido a introdução de

diversas medidas alternativas à prisão cautelar, arroladas principalmente no Art.

319 do CPP21, que previu nove medidas alternativas. Buscou-se superar o caráter

bipolar do antigo sistema, que concedia ao juiz apenas dois instrumentos para as

mais diversas situações de risco, quais sejam: a prisão ou a liberdade provisória,

com tênues vínculos. Não havia instrumentos de gravidade intermediária entre

a total restrição da liberdade (prisão cautelar) e a liberdade praticamente total

(liberdade provisória com ônus de comparecer aos atos do processo). A nova le-

gislação, com intuito de superar referida deficiência – até mesmo para permitir

20 Vide, neste sentido, STJ, HC 11.225/CE, Rel. Min. Edson Vidigal, Quinta Turma, julgado em 6.4.2000, DJ 2.5.2000, p. 153.

21 Diz-se principalmente porque há medidas alternativas à prisão em outros dispositivos, notada-mente nos artigos 320 (depósito do passaporte), no Art. 310, parágrafo único (comparecimento aos atos do processo, quando o agente atuou em causa excludente da ilicitude) e, para alguns, também nos artigos 317 e 318 (prisão domiciliar)

60 Revista Omnes - ANPR no 1

relegar a prisão preventiva como ultima ratio - criou diversas medidas alternati-

vas à prisão, que poderão ser aplicadas com o intuito de impedir o recolhimento

ao cárcere, sempre que se mostrarem adequadas e suficientes para neutralizar o

risco indicado. São medidas que permitirão ao juiz aplicar o princípio da adapta-

bilidade, dentro de um marco de tutela jurisdicional diferenciada.

Como bem lembra Gustavo Badaró, as três características das medidas al-

ternativas são a) preferibilidade; b) cumulatividade e c) variabilidade22. Pela pri-

meira característica – “reverso da moeda” do princípio da ultima ratio da prisão

preventiva23 - o magistrado deve preferir as medidas alternativas à prisão, sempre

que se mostrarem adequadas e suficientes para neutralizar o risco24. A cumula-

tividade significa que o juiz poderá aplicar as medidas isolada ou cumulativa-

mente, nos termos do Art. 282, §1º e Art. 319, §4º, moldando-as ao caso concreto

(adequação objetiva) e às circunstâncias pessoais do agente (adequação subjeti-

va). Para tanto, porém, as medidas devem ser logicamente compatíveis. Por fim,

a variabilidade significa que o magistrado poderá revogar a medida, substituí-

-la, reforçá-la ou atenuá-la, nos termos do Art. 282, §5º, adaptando a medida à

situação concreta dos autos, que poderá modificar-se ao longo do procedimento.

Vejamos, sumariamente, as medidas previstas no Art. 319 do CPP25. Desde

22 BADARÓ, Gustavo Henrique. Medidas alternativas à prisão: comentários aos artigos 319-350 do CPP, na redação da Lei 12.403/2011. In: FERNANDES, OG (Coordenador). Medidas Cautelares no processo penal. Prisões e suas alternativas. Comentários à lei 12.403, de 04.05.2011. São Paulo: RT, 2011, p. 222/224.

23 A expressão é de Gustavo Badaró, Ob. cit., p. 223.

24 O STF já teve oportunidade de aplicar as medidas alternativas de maneira preferencial à prisão preventiva. Veja , neste sentido, o HC 106446, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 20/09/2011, PROCESSO ELETRÔNI-CO DJe-215 DIVULG 10-11-2011 PUBLIC 11-11-2011)

25 Para análise aprofundada de todas as medidas, ver MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e outras

61 Revista Omnes - ANPR no 1

logo é importante lembrar que as medidas alternativas à prisão poderão ser apli-

cadas sempre que houver previsão de pena privativa de liberdade, nos termos do

Art. 283, §1º.

A primeira é o comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições

fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades (Art. 319, inc. I). A finali-

dade aqui é manter o vínculo do acusado com o processo. A periodicidade não

foi estipulada pelo legislador, que deixou ao prudente critério do magistrado.

Assim, este poderá fixar o comparecimento de maneira mensal (ou até em prazo

maior), semanal ou até diária, caso a situação concreta justifique.

A segunda medida é a proibição de acesso ou frequência a determinados luga-

res, quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusa-

do permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações (inc.

II). Aqui se busca afastar o investigado ou acusado de determinados espaços que

possam estimular a prática delitiva. Visa afastar a chamada “ocasião delitiva”,

precavendo-se contra novas práticas delitivas. Assim, por exemplo, poderá o juiz

determinar o afastamento de torcedor do estádio de futebol, se demonstrado que

o agente sempre se envolve em delitos no local. O que se busca proteger, por-

tanto, é a incolumidade pública contra a prática de novas infrações penais. Será

bastante útil em delitos que envolvam lesões corporais e danos a determinados

bens públicos ou privados.

A terceira medida é a proibição de manter contato com pessoa determinada

quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado

dela permanecer distante (inc. III). Veja que a proteção aqui pode ser para a ví-

tima ou a testemunha. Pode o juiz, assim, determinar que o investigado não se

medidas cautelares pessoais, p. 425/482.

62 Revista Omnes - ANPR no 1

aproxime da vítima ou da testemunha ou, ainda, que não mantenha contato com

ela, em casos de violência. Para facilitar o controle, melhor que o magistrado

fixe metricamente a distância, permitindo-se analisar se houve ou não descum-

primento da medida. Por outro lado, a proibição de contato pode ser não apenas

física, mas também por meio virtual (internet, redes sociais, msn, etc.). Por fim,

é possível que a proibição de manter contato seja com comparsa, quando de-

monstrado que isto poderá levar a novas práticas delitivas. Estas medidas pode-

rão ser bastante úteis em caso de crimes que envolvam violência contra pessoa

determinada, em crimes sexuais e em caso de quadrilha (proibição de manter

contato com comparsas).

A quarta medida é a proibição de ausentar-se da comarca “quando a perma-

nência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução” (inc. IV).

Aqui houve dois equívocos por parte do legislador. O primeiro foi o de restringir

a proibição de ausentar-se apenas da comarca, quando deveria ser mais ampla,

para permitir a proibição de ausentar-se do país. Esta falha pode ser superada

pela conjugação com o Art. 320 do CPP, que previu que a “proibição de ausentar-

-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar

as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para en-

tregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas”. Deve o juiz, ainda,

oficiar à Polícia Federal para evitar a emissão de outro passaporte. Vale relembrar

que se o juiz determinar a proibição de ausentar-se do país; no caso de estran-

geiros, deve comunicar aos respectivos consulados, para se evitar a emissão de

passaportes de emergência.

A segunda falha do dispositivo é afirmar que a medida de proibição de au-

sentar-se da comarca pode ser adotada quando “seja conveniente ou necessária

para a investigação ou instrução”. Ora, a regra é que a proibição de ausentar-se

63 Revista Omnes - ANPR no 1

da comarca seja determinada por outro motivo: para assegurar a aplicação da lei

penal. De qualquer sorte, não nos parece inviável a decretação da medida para

evitar a fuga, por interpretação sistemática com o Art. 282, inc. I, do CPP, que

disciplina a finalidade de todas as medidas cautelares pessoais.

A quinta medida prevista é o recolhimento domiciliar no período noturno e

nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho

fixos (inc. V). Tal medida poderá ser importante para vincular o investigado ao

domicílio e, ainda, para impedir a prática de infrações comumente praticadas no

período noturno (estupro, roubos, furtos, etc.).

Outra medida, prevista no inc. VI, é a suspensão do exercício de função públi-

ca ou de atividade de natureza econômica ou financeira, quando houver justo re-

ceio de sua utilização para a prática de infrações penais. Assim, por exemplo, se

o agente exerce alguma função pública ou de natureza econômica e a utiliza para

a prática de infrações penais, poderá o juiz determinar a sua suspensão temporá-

ria. Segundo o entendimento do STF, em caso de servidores públicos suspensos

de suas funções, não é possível a diminuição do salário, em razão do princípio

da presunção de inocência26. Não podemos concordar com tal posição, uma vez

que a diminuição dos vencimentos decorre da ausência de prestação de serviços

por parte do agente público27. Ademais, seria tratar de maneira anti-isonômica

servidores que continuam a trabalhar e aqueles que deixam de prestar qualquer

serviço. Por fim, imaginem-se dois médicos, um do Sistema Único de Saúde e

outro da iniciativa privada. Se ambos forem suspensos de suas funções, em ra-

26 STF, RE 482.006, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 7.11.2007, DJe 162, divulgado em 13.12.2007, publicado em 14.12.2007, DJ de 14.12.2007.

27 Neste sentido decidiu o STJ, RMS 21.778/MT, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 31.10.2007, DJ de 26.11.2007, p. 247.

64 Revista Omnes - ANPR no 1

zão da prática delitiva, apenas o que exerce função pública manteria seu salário

integral, o que demonstra que o STF não trilhou o melhor caminho. Assim, por

estes e outros argumentos, é possível a suspensão parcial dos vencimentos do

servidor público enquanto estiver em suas funções28.

O legislador previu, ainda, a internação provisória do acusado nas hipóteses

de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluí-

rem ser inimputável ou semi-imputável (Art. 26 do Código Penal) e houver risco

de reiteração (inc. VII). Trata-se de uma verdadeira hipótese de segregação cau-

telar do inimputável ou semi-imputável, porém para fins terapêuticos. Como a

lei não distinguiu, é possível sua aplicação também na hipótese de inimputabi-

lidade posterior ao fato, em caso de suspensão do processo prevista no Art. 152

do CPP.

Também a fiança foi arrolada entre as medidas alternativas à prisão, nas in-

frações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo,

evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à

ordem judicial (inc. VIII). Dela trataremos em tópico próprio.

Por fim, o legislador previu a monitoração eletrônica (inc. IX). Esta medida

não estava prevista originariamente no Projeto 4.208/2001, o que explica o texto

legal tão sucinto em relação ao tema. De qualquer sorte, o texto é autoaplicável,

sobretudo valendo-se, por analogia, das disposições da Lei de Execução Penal

que tratam do tema (artigos 146-B, 146-C e 146-D da Lei 7210/1984, introduzi-

dos pela Lei 12.258/2010). Não bastasse, recentemente foi editado o Decreto nº

7.627, de 24 de novembro de 2011, com o objetivo de regulamentar a monito-

28 Para a análise destes e de outros argumentos, ver MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e outras medidas cautelares pessoais, p. 445/448.

65 Revista Omnes - ANPR no 1

ração eletrônica, tanto do CPP quanto da Lei de Execução Penal. Segundo este

decreto, “considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional

à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por senten-

ça transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar

a sua localização”. A definição somente merece uma ressalva: a pessoa que está

submetida ao monitoramento eletrônico não necessariamente está presa, como

o texto indica. É possível que o monitoramento seja uma forma de fiscalizar a

privação da liberdade, mas não necessariamente. A utilidade do monitoramento

dependerá da tecnologia utilizada, de sorte que será possível ser utilizado para

detenção, restrição da liberdade ou mera vigilância29.

Em verdade, sua maior utilidade será na fiscalização das outras medidas, per-

mitindo ao juízo que verifique se está havendo ou não o cumprimento das de-

mais medidas do Art. 319, notadamente as dos incisos II (proibição de frequên-

cia a determinados lugares), III (proibição de manter contato com determinadas

pessoas), IV (proibição de ausentar da comarca), V (recolhimento domiciliar

noturno e aos finais de semana) e da prisão domiciliar (artigos 317/318). Ao ser

deferido, a pessoa monitorada deverá receber documento no qual constem, de

forma clara e expressa, seus direitos e os deveres a que estará sujeita, o período

de vigilância e os procedimentos a serem observados durante a monitoração, nos

termos do Art. 3º do Decreto nº 7.627/2011.

Não nos parece que haja qualquer inconstitucionalidade na referida medi-

da. Isto porque se trata de medida que visa justamente a impedir a decretação

de medida mais grave e prejudicial, que é a prisão do acusado. Sem dúvidas, o

monitoramento é medida menos rigorosa sob todos os aspectos e muito mais

benéfica, tanto para a sociedade quanto para o acusado. Tal assertiva é reforçada

29 MACHADO, Rogerio Schietti. Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas, p. 164.

66 Revista Omnes - ANPR no 1

pelo fato de ser possível a utilização de aparelhos de pequeno tamanho, que não

exponham socialmente o investigado ou acusado 30.

Embora a lei não tenha previsto, caso haja decretação, indeferimento, subs-

tituição ou revogação de qualquer medida alternativa à prisão, será cabível o re-

curso em sentido estrito, por força da analogia ao Art. 581, inc. V, do CPP. Para a

defesa, será cabível, ainda, a utilização do habeas corpus.

De outro giro, vale destacar que as novas medidas alternativas também de-

vem se submeter a prazo determinado. Em outras palavras, as medidas alternati-

vas à prisão não podem ser impostas ad eternum, pois são medidas excepcionais,

que restringem a liberdade ou outros bens jurídicos do acusado. Assim, embora

o legislador não tenha estabelecido prazo expresso, a jurisprudência deverá ana-

lisar se há ou não razoabilidade no tempo de imposição da medida cautelar. O

norte que deve guiar o intérprete também deve ser a teoria dos três critérios,

baseando-se nos seguintes: a) complexidade do assunto; b) atividade proces-

sual do interessado e c) conduta das autoridades judiciais31. De qualquer sorte,

o intérprete não pode se olvidar que as medidas alternativas à prisão são menos

gravosas que a segregação cautelar, de forma que o prazo máximo de duração

daquelas deve ser mais maleável que o da prisão preventiva. Há uma relação in-

versamente proporcional entre a gravidade da medida e o prazo de sua duração.

Em outras palavras, quanto mais gravosa a medida, menor deverá ser o prazo de

30 Tanto assim que o Art. 5º do Decreto n. 7.627 assevera que “o equipamento de monitoração eletrônica deverá ser utilizado de modo a respeitar a integridade física, moral e social da pessoa monitorada”. Ademais, o Art. 6º do mesmo diploma assegura que o “sistema de monitoramento será estruturado de modo a preservar o sigilo dos dados e das informações da pessoa monitora-da”.

31 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Genie Lacayo vs. Nicarágua, sentença de 29 de janeiro de 1997, § 77.

67 Revista Omnes - ANPR no 1

sua imposição e vice-versa.

Por fim, dúvidas surgirão sobre a possibilidade de detração32 no caso das

medidas alternativas à prisão. Se estivermos diante de uma pena final restritiva

de direitos, será mais fácil defender o cabimento à detração, desde que haja

similitude entre a gravidade da medida cautelar e a pena final aplicada. Assim,

deve-se descontar na pena de limitação de finais de semana (Art. 48 do CP)

o período em que o agente ficou obrigado a recolher-se durante a noite e nos

finais de semana. Por outro lado, se houver completa disparidade entre a

gravidade da medida alternativa à prisão e a pena restritiva aplicada, deve-se

negar a detração. Assim, por exemplo, se o magistrado impôs, a título cautelar,

o comparecimento mensal em juízo, tal medida não pode ser descontada da

pena de prestação de serviços à comunidade, pois são medidas totalmente

diversas em termos de gravidade.

Mais complexa é a detração entre medidas alternativas à prisão e a pena

privativa de liberdade aplicada ao final. É possível a detração no caso da

internação provisória do inimputável (Art. 319, inc. VII) – até em decorrência

do Art. 42 do CP – e no caso da prisão domiciliar alternativa (arts. 317/318,

c.c. o Art. 282, § 6º). Nas duas situações há total restrição à liberdade

ambulatorial, a justificar a detração. No entanto, em geral, nas demais

medidas cautelares alternativas, como não há previsão legal e especialmente

porque há total ausência de compatibilidade e semelhança entre a gravidade

das medidas cautelares e a pena privativa de liberdade, inviável falar-se em

detração. Como afirmou o STJ no RHC 17.501/SP, “as restrições inerentes à

medida de liberdade provisória, além de não se enquadrarem na definição

expressa do artigo 42, não correspondem às hipóteses autorizadoras da

32 A detração significa o desconto, na pena final aplicada, do tempo em que o réu ficou preso cautelarmente. Está disciplinada no Art. 42 do CP, nos seguintes termos: “Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior [internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico].”

68 Revista Omnes - ANPR no 1

analogia”33. Porém, a situação concreta poderá demonstrar a necessidade

de aplicação da detração em situações excepcionais, especialmente quando

se verifique que a detração é uma forma razoável de compensação em face

dos graves vínculos impostos ao acusado durante o processo. Não se pode

esquecer que o fundamento da detração é a própria noção de justiça, que deve

guiar o intérprete na análise do tema.

3.6. Previsão do Banco Nacional de Mandados de Prisão.

Afirma-se que no Brasil há mais de trezentos mil mandados de prisão sem

cumprimento efetivo. Justamente para buscar dar efetividade aos mandados de

prisão no país, a Lei 12.403 incluiu o Art. 289-A no CPP, determinando a criação

do Banco Nacional de Mandados de Prisão, no âmbito do Conselho Nacional de

Justiça. Referido banco de dados já foi criado e regulamentado pela Resolução

nº 137 do CNJ, embora ainda esteja em fase de testes. A ideia é que os juízes insi-

ram o mandado de prisão no sistema e qualquer agente policial possa realizar a

prisão, em qualquer local do território nacional. Para tanto, bastará consultar e

verificar que consta mandado de prisão registrado no CNJ em aberto. Veja, por-

tanto, que esta é uma hipótese de prisão sem exibição do referido mandado, que é

admitida justamente porque já houve o filtro por parte do CNJ. De qualquer sor-

te, para cercar o ato de garantias – uma vez que não houve a exibição do mandado

de prisão -, o dispositivo exige diversas providências: a) o agente de polícia que

efetuou o cumprimento do mandado deve comunicar imediatamente ao juiz do

local de cumprimento da medida; b) o juiz do local do cumprimento da medida

irá providenciar certidão extraída do sistema do CNJ e comunicará ao juiz que

expediu a ordem; c) o preso será informado de seus direitos e, caso não informe

33 STJ, RHC 17.501/SP, Rel. Min. Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 23.8.2005, DJ de 6.3.2006, p. 442.

69 Revista Omnes - ANPR no 1

advogado, será comunicada a Defensoria Pública.

Interessante notar que o Art. 2º da Resolução nº 137 do CNJ estabelece que “o

BNMP será disponibilizado na rede mundial de computadores, assegurado o di-

reito de acesso às informações a toda e qualquer pessoa, independentemente de

prévio cadastramento ou demonstração de interesse, sendo de responsabilidade

do Conselho Nacional de Justiça a sua manutenção e disponibilidade”. Relem-

bre-se, porém, que o direito de efetivar a prisão não pode ser deferido a qualquer

pessoa, mas apenas às Autoridades Públicas encarregadas da segurança pública.

3.7. Alterações em relação à prisão em flagrante

Foi estabelecida uma importante alteração no tocante à prisão em flagrante

que, com a reforma introduzida pela Lei 12.403, retomou o seu caráter próprio,

de medida decretada de maneira temporária e excepcional. A referida prisão

possui, basicamente, dupla finalidade: a) impedir a continuidade delitiva, como

verdadeira reação social à prática delitiva (o que justifica o permissivo de que

qualquer do povo a execute) e b) colheita dos elementos de prova que estão pre-

sentes no momento da prisão, evitando sua dispersão. A primeira finalidade está

ligada à detenção, enquanto a segunda está ligada à lavratura do auto de prisão

em flagrante, que uma vez lavrado perde seu caráter cautelar próprio, ou seja,

deixa de existir finalidade cautelar autônoma.

Justamente diante desta realidade é que o Art. 310 do CPP foi alterado34. As-

sim, segundo o dispositivo legal, o magistrado possui três alternativas ao rece-

34 Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - rela-xar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do Art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

70 Revista Omnes - ANPR no 1

ber uma situação de prisão em flagrante: a) relaxá-la em caso de ilegalidade; b)

converter a prisão em flagrante em preventiva ou c) conceder liberdade provisó-

ria, com ou sem fiança. Não pode o juiz, portanto, simplesmente homologar o

auto de prisão em flagrante, como se fazia anteriormente, nem aceitar o malfa-

dado despacho: “Flagrante formalmente em ordem. Aguardo a vinda do inqué-

rito policial”. O juiz deve adotar, fundamentadamente, uma das três alternativas

indicadas, não podendo mais simplesmente manter a prisão em flagrante, uma

vez que a finalidade cautelar desta se esvaiu com a lavratura do auto de prisão em

flagrante. De qualquer sorte, embora a Lei preveja apenas três alternativas, há,

ainda, uma quarta: a concessão da liberdade total ao investigado (não a liberda-

de provisória, com vínculos). Como toda medida cautelar deve buscar uma das

três finalidades indicadas no Art. 282, inc. I, caso o magistrado entenda que não

há nenhum risco, por mínimo que seja, à prova de fuga ou de prática de novas

infrações penais, deve conceder liberdade ampla ao réu, sem qualquer vínculo

ao processo.

Embora não seja expresso, o magistrado possui 48 horas para aplicar o Art.

310 do CPP. Isto se extrai da interpretação sistemática do texto legal, uma vez que

é esse o prazo que o juiz possui para fixar fiança (Art. 322, parágrafo único). Se

o prazo para uma das hipóteses do Art. 310 é de 48 horas (liberdade provisória

com fiança, inc. III), o lapso temporal para aplicação do Art. 310 também deve

ser de 48 horas.

Por fim, embora o texto legal seja omisso, como o Ministério Público é titular

exclusivo da ação penal pública, em razão do texto constitucional, e em razão até

mesmo de seu desenho constitucional, deve ser ouvido previamente à aplicação

do Art. 310. Do contrário seria inócua, inclusive, a alteração que previu a necessi-

dade de a Autoridade Policial comunicar ao Ministério Público a prisão (Art. 306,

71 Revista Omnes - ANPR no 1

caput)35. O MP deverá se manifestar no prazo de 24 horas, de sorte que ainda seja

possível ao juiz decidir dentro do prazo de 48 horas.

3.8. Alterações no tocante à prisão preventiva

Talvez as alterações mais sentidas tenham sido no tocante à prisão preventi-

va. A primeira consideração é que essa somente poderá ser decretada se demons-

trada a insuficiência ou inadequação das medidas alternativas à prisão. Assim,

ao postular sua decretação, o Ministério Público, o querelante ou o assistente da

acusação deverá indicar, expressamente, por quais motivos as demais medidas

alternativas à prisão não são adequadas e suficientes.

Mas não é só. PaRa a deCRetação da PRisão PReventiva, eM PRinCíPio, deveM seR ana-

lisadas as suas Condições de adMissiBilidade, ou seja, eM quais CRiMes é adMissível a

sua deCRetação. CoMo RegRa, soMente seRá Possível a deCRetação: “i - nos CRiMes

dolosos Punidos CoM Pena PRivativa de liBeRdade MáxiMa suPeRioR a 4 (quatRo) anos”.

a finalidade deste disPositivo está uMBiliCalMente ligada ao aRt. 44 do CP, CoM

Redação dada Pela lei 9714/98, que Passou a PeRMitiR, eM RegRa, a suBstituição da

Pena PRivativa de liBeRdade PoR RestRitiva de diReitos nos CRiMes dolosos CoM Pena

de até 4 anos36. se ao final do PRoCesso o agente teRá diReito a uMa Pena RestRitiva

de diReitos, não deve seR PReso duRante o PRoCesso, soB Pena de violaR o PRinCíPio da

35 Esta disposição já era prevista para o Ministério Público Federal, em razão do disposto no Art. 10 da Lei Complementar 75/93, e agora foi ampliada pelo Art. 306 do CPP também aos Ministé-rios Públicos estaduais.

36 É necessário, ainda, que o crime não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa (inc. I), que o réu não seja reincidente em crime doloso (inc. II) e que as circunstâncias judiciais sejam favoráveis (inc. III).

72 Revista Omnes - ANPR no 1

PRoPoRCionalidade.

Mas e como se chegar a esta pena de 4 anos? Embora haja lacuna, não temos

dúvidas em asseverar que devem ser observadas as normas relativas ao concurso

de crimes, seja somando-as (no concurso material) ou aplicando a majorante no

máximo (no caso do crime continuado ou do concurso formal). Em outras pa-

lavras, se em razão da aplicação das regras do concurso de crimes resultar pena

máxima superior a quatro anos, será plenamente cabível a decretação da prisão

preventiva. Realmente, a finalidade da limitação criada pelo Art. 313, inc. I, como

visto, é privilegiar o princípio da homogeneidade ou da proporcionalidade entre

a medida cautelar e a pena final a ser aplicada, somente decretando-se prisão

preventiva se houver possibilidade de aplicação da pena privativa de liberdade

ao final do processo. Ora, se há concurso de crimes, as penas não serão consi-

deradas isoladamente para fins de aplicação da substituição por pena restritiva

de direitos. Ao contrário, o magistrado, ao final do processo, deverá somar as

penas ou aplicar a majorante do concurso de crimes. Somente se na sentença a

pena ficar abaixo de quatro anos, após a aplicação das regras do concurso, é que

substituirá por pena restritiva de direitos37. Ademais, se o agente comete dois

crimes, em concurso, há certamente maior gravidade em abstrato dessa conduta

em comparação com outra conduta, praticada isoladamente, o que não pode ser

desconsiderada pelo intérprete. Relembre-se, ainda, que as Súmulas 723 do STF

37 Veja, neste sentido, decisão do STJ: “Para a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, exige-se que o réu preencha os requisitos objetivos e subjetivos constantes do Art. 44 do CP. Conforme preceitua o Art. 69 do Código Penal, na hipótese de concurso mate-rial, as penas privativas de liberdade aplicam-se cumulativamente. Verifica-se, no caso, a existên-cia de concurso material entre os crimes de receptação e adulteração de sinal de veículo automo-tor, o que representa 6 anos de reclusão. Dessa forma, considerando o disposto no Art. 44, I, c/c o Art. 69, caput, ambos do Código Penal, não se admite substituição da pena privativa de liberda-de por restritiva de direitos, tendo em vista o quantum total da pena, superior a 4 anos de reclu-são” (STJ, HC 94.646/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 11.12.2008, DJe 2.2.2009).

73 Revista Omnes - ANPR no 1

e 243 do STJ também são no sentido de que, em caso de concurso de crimes, a

majorante e a soma das penas devem ser consideradas para fins de concessão ou

não dos benefícios legais, pois alteram a gravidade, em abstrato, do delito. Tal

raciocínio é plenamente aplicável na análise das condições de admissibilidade

da prisão preventiva. Assim, em resumo, devem ser consideradas as regras do

concurso de crimes para fins de encontrar a pena máxima do delito e, assim,

verificar o cabimento da prisão preventiva38.

Porém, é possível a decretação da prisão preventiva fora desta hipótese (cri-

me doloso com pena superior a 4 anos), nas três exceções estabelecidas no Art.

313, quais sejam: a) se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença

transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do Art. 64 do

Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (inc. II); b) se o

crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adoles-

cente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das

medidas protetivas de urgência (inc. III); c) quando houver dúvida sobre a iden-

tidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para

esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a

identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (pa-

rágrafo único).

Outra questão importante é que a nova legislação estabeleceu, ao lado da pri-

são preventiva autônoma ou originária, decretada originariamente, a chamada

“prisão preventiva substitutiva” de medida cautelar, prevista em dois dispositi-

38 Apenas devemos distinguir se se trata de concurso material, formal ou crime continuado. No caso do concurso material (Art. 69 do CP), devem ser somadas as penas para análise da pena máxima cominada. Em caso de concurso formal (Art. 70 do CP), deve-se aplicar a majorante no máximo (aumento de metade). Da mesma forma, na hipótese de continuidade delitiva (Art. 71 do CP), a majorante também deve ser aplicada em seu máximo (dois terços).

74 Revista Omnes - ANPR no 1

vos, quais sejam: Art. 282, §4º e Art. 312, § único. Veja que a prisão preventiva a

que faz menção o Art. 312, parágrafo único, c.c. o Art. 282, § 4º, será decretada

em caso de descumprimento das medidas alternativas à prisão previstas no Art.

319 do CPP, quando não for suficiente a substituição por outra medida alternativa

ou a aplicação cumulativa. Neste caso, a preventiva não é decretada de maneira

originária, mas em substituição a uma medida cautelar alternativa à prisão ante-

riormente decretada, que se mostrou insuficiente, em razão do descumprimento

de suas condições pelo investigado ou acusado. Se o agente está descumprindo

as condições impostas no Art. 319 e, no caso concreto, não é suficiente substituir

a medida alternativa à prisão ou impor outra em cumulação, nos termos do Art.

282, § 4º, o legislador entende presente o fundamento para a decretação da pri-

são preventiva (Art. 312, parágrafo único). Com razão, inclusive. Se o agente teve

oportunidade de cumprir medida alternativa menos gravosa e, mesmo assim,

insiste em descumprir as condições e restrições referentes às medidas alternati-

vas à prisão, continuando a colocar em risco os bens jurídicos indicados no Art.

282, inc. I, sua conduta demonstra que há motivo e necessidade da decretação de

prisão preventiva. Esta prisão preventiva substitutiva foi criada, inclusive, como

forma de conceder eficiência e operacionalidade à nova sistemática de medidas

cautelares introduzida pela nova Lei 12.403/2011. Ademais, no caso de descum-

primento da medida alternativa à prisão, isto indicará a insuficiência da pena

restritiva de direitos, nos termos do Art. 44 do CP, a justificar a aplicação de pena

privativa39.

Como consequência deste raciocínio – ou seja, de que a prisão preventiva

substitutiva poderá ser decretada em substituição a qualquer medida cautelar

anteriormente imposta, em caso de descumprimento –, a prisão preventiva subs-

39 Para análise profunda destes e de outros argumentos, ver MENDONÇA, Andrey Borges. Prisão e outras medidas cautelares pessoais, p. 445/448.

75 Revista Omnes - ANPR no 1

titutiva poderá ser decretada sem necessidade de observância das condições de

admissibilidade do Art. 313 do CPP. Neste caso, a prisão preventiva substitutiva

apenas deverá respeitar as condições de admissibilidade das medidas cautelares

em geral, em especial o Art. 283, § 1º, observado, é claro, o princípio constitucio-

nal da proporcionalidade.

3.9. Alterações no tocante à fiança

No tocante à fiança, pode-se dizer que a reforma tentou resgatar a sua im-

portância, que fora perdida com a edição da Lei 6.416/1977. Assim, colocou-se a

fiança como uma das medidas alternativas à prisão, nos termos do Art. 319, que

pode ser aplicada isolada ou cumulativamente com as demais medidas.

O legislador, ademais, tentou inicialmente compatibilizar seu valor com a

realidade. Afastou-se o anterior critério de fixação – salário mínimo de referên-

cia – e adotou-se expressamente o salário mínimo como indexador da fiança.

Ademais, os valores foram sensivelmente ampliados. Em regra, nos termos do

Art. 325, o valor da fiança será de 1 a 100 salários mínimos nos crimes com pena

máxima de até 4 anos e de 10 a 200 salários mínimos nos crimes com pena su-

perior a 4 anos40. Ademais, poderá, ainda, ser dispensado, nos termos do Art.

350, em razão da pobreza do agente, reduzida até 2/3 ou aumentada em mil ve-

zes. Esta majoração pode levar a fiança a ultrapassar, atualmente, o valor de cem

40 Este valor, embora não expresso, deverá observar a data da decisão, por dois motivos. O primei-

ro é que se trata de norma processual. O segundo é que a fixação do salário mínimo é justamente

para que o valor seja corrigido automaticamente e sempre esteja adequado à realidade. Caso se

utilize valor da data do fato, poder-se-á chegar a uma situação em que o salário mínimo, em ra-

zão da distância temporal, não mais seja adequado para vincular o réu ao processo.

76 Revista Omnes - ANPR no 1

milhões de reais.

A nova legislação ampliou a possibilidade de o delegado conceder fiança. An-

tes era possível nos crimes apenados com prisão simples e detenção; agora, nos

crimes cuja pena não exceda 4 anos. Não obstante a ausência de previsão legal, o

delegado deve sempre motivar o despacho de concessão da fiança.

Outra alteração relevante foi a diminuição das hipóteses de inafiançabilida-

de. Agora, a maioria esmagadora das infrações são afiançáveis, com exceções

dos artigos 323 e 324 do CPP41. Fora destas hipóteses, todas as infrações são

afiançáveis42.

Por outro giro, o legislador ampliou os deveres do afiançado, ao prever diver-

sas outras hipóteses de quebramento da fiança no Art. 341. Assim, além daque-

les previstos nos artigos 327 e 328; indiretamente, impõe-se a observância dos

deveres estabelecidos no Art. 341.

3.10. Alterações no tocante à liberdade provisória.

41 Art. 323.  Não será concedida fiança: I - nos crimes de racismo; II - nos crimes de tortura, trá-fico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011). V - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011). Art. 324.  Não será, igualmente, concedida fiança: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente conce-dida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; II - em caso de prisão civil ou militar; III - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011). IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (Art. 312). 

42 O legislador trouxe ao Art. 323 todas as hipóteses de inafiançabilidade, revogando as demais hipóteses, inclusive, da legislação especial. Como o dispositivo do Art. 323 foi amplo e incluiu em seu conteúdo infrações inclusive da legislação especial (racismo, tortura, crimes hediondos, etc.) defendemos que houve derrogação das hipóteses de inafiançabilidade não previstas no Art. 323.

77 Revista Omnes - ANPR no 1

Por fim, mas não menos importante, o sistema da liberdade provisória foi

profundamente alterado. Primeiramente, manteve-se, apenas por razões his-

tórico-constitucionais, a divisão entre liberdade provisória com ou sem fiança.

Na verdade, ao contrário do regime originário do CPP – no qual, como visto, ter

ou não direito à fiança era praticamente sinônimo de ficar ou não em liberda-

de – hoje há diversas medidas alternativas à prisão. Nesta senda, deve-se deixar

claro o que cada um dos conceitos significa. Inicialmente, não há mais dúvidas

de que a liberdade provisória é uma medida cautelar, que vincula o agente ao

cumprimento de determinados deveres processuais, que, em geral, são os indi-

cados nos Arts. 319 e 32043. Em outras palavras, a liberdade provisória veicula

uma ou algumas medidas alternativas à prisão, normalmente indicadas no Art.

319. Assim sendo, a liberdade provisória poderá ter as mais diversas facetas, em

razão da aplicação isolada ou cumulativa das medidas alternativas do Art. 319.

Pode, assim, ser concedida liberdade provisória com fiança e com compareci-

mento mensal em juízo, por exemplo. As diversas medidas alternativas previstas

no ordenamento poderão ser conjugadas por intermédio da liberdade provisória.

Feita esta ressalva, verifica-se que, em verdade, a expressão liberdade provi-

sória com fiança ou sem fiança somente significa a liberdade provisória com a

possibilidade ou não de fiança. Na liberdade provisória sem fiança, o juiz poderá

impor ao réu todos os vínculos do Art. 319 (e demais previstos no ordenamento

jurídico) com exceção da fiança. Da mesma forma, na liberdade provisória com

fiança, o juiz poderá aplicar todas as medidas do Art. 319, inclusive a fiança. Veja

que é uma possibilidade, pois o simples fato de a infração ser afiançável não sig-

nifica que o juiz inexoravelmente terá que aplicar a fiança. Isto porque não há em

nosso ordenamento jurídico nenhuma medida automática. Como consequência,

43 Excepcionalmente há uma destas medidas no Art. 310, parágrafo único, e também nos artigos 317 e 318 para aqueles que admitem a prisão domiciliar como substitutiva da prisão preventiva.

78 Revista Omnes - ANPR no 1

nas infrações inafiançáveis é possível a concessão da liberdade provisória com

todas as medidas do Art. 319 (e demais do ordenamento jurídico), com exceção da

fiança. Nas infrações afiançáveis, por sua vez, o juiz pode aplicar todas as medi-

das do Art. 319 (e demais do ordenamento jurídico), inclusive a fiança. Porém,

para manter a coerência do sistema, o operador não deve aplicar, a uma infração

inafiançável, vínculos menos gravosos que para uma infração afiançável, sobre-

tudo aqueles crimes cuja inafiançabilidade decorre do texto constitucional e que

estão expressas no Art. 323. Do contrário estaria violando o princípio da isono-

mia e, ainda, desconsiderando o mandamento constitucional para tratamento

mais gravoso das infrações inafiançáveis.

De outro giro, outra alteração, pouco percebida pela doutrina. Ao contrário

do que se entendia majoritariamente até a edição da Lei 12.403/2011, a liberdade

provisória não é mais apenas medida de contracautela (ou seja, substitutiva de

um estado prisional anterior), tampouco é contracautela apenas da prisão em

flagrante.

Realmente, segundo sempre se entendeu, a liberdade provisória era espécie

de contracautela, sucedâneo ou substitutivo da prisão em flagrante, exigindo,

como pressuposto fundamental a existência de estado coercitivo legal anterior.

Assim, uma vez preso em flagrante, dever-se-ia verificar se era o caso de manter

a prisão em flagrante, analisando se estavam ou não presentes os requisitos e

fundamentos para a decretação da preventiva. Não os havendo, era o caso de

concessão de liberdade provisória. Deste entendimento decorriam duas conse-

quências. A primeira é que se entendia, majoritariamente, que era inviável con-

ceder liberdade provisória – com ou sem fiança – para alguém que tivesse sido

preso preventivamente ou em razão de prisão temporária. A referida contracau-

tela era ligada apenas à prisão em flagrante, por ausência de previsão legal e no

79 Revista Omnes - ANPR no 1

caso da prisão preventiva ou temporária não se imporia a liberdade provisória. A

segunda consequência é que se entendia como inviável a imposição de liberdade

provisória ao investigado ou réu solto. A liberdade provisória era vista apenas

como contracautela ou sucedâneo de uma prisão anterior (a prisão em flagrante).

Assim, em resumo, prevalecia, na antiga sistemática, a necessidade de dois pres-

supostos para a concessão da liberdade provisória: a existência de uma prisão

prévia e que esta prisão fosse em flagrante. A nova sistemática, porém, afastou-

-se destas ideias.

Primeiro, para afirmar que a liberdade provisória pode se aplicar como con-

tracautela (em substituição a um estado prisional anterior, nos termos do Art.

310 do CPP), mas também comow cautela originária (ou seja, independentemente

de qualquer estado prisional anterior). Assim, pela nova disciplina, o juiz pode,

no momento do recebimento da denúncia e sem que o réu tenha sido preso ante-

riormente, fixar liberdade provisória (com a aplicação das medidas do Art. 319).

Isto se justifica por várias medidas. Primeiro, porque do próprio Art. 5º, inc.

LXVI, da CF já se deflui que a liberdade provisória não deve ser entendida apenas

e tão somente como sucedâneo da prisão. Pode ser decretada de maneira autôno-

ma, justamente impedindo a decretação de uma medida cautelar prisional. Veja

que o texto constitucional é claro ao asseverar que ninguém será levado à prisão

quando couber a liberdade provisória (Art. 5º, inc. LXVI). Portanto, não apenas

a liberdade provisória substitui a prisão, mas também impede a sua decretação.

Ademais, imaginar que a liberdade provisória fosse medida apenas de contra-

cautela seria o mesmo que afirmar a existência de duas realidades paralelas: no

caso de prisão processual anterior, o sistema permitiria a sua substituição por

qualquer das medidas do Art. 319; no caso de não ter sido preso, o sistema conti-

nuaria bipolar. Ora, não há qualquer razão para a distinção! O sistema justamen-

te visa afastar-se de seu caráter bipolar, para impedir a decretação da prisão cau-

80 Revista Omnes - ANPR no 1

telar em situações em que se mostra desnecessária. Justamente para assegurar a

excepcionalidade da prisão cautelar é que a liberdade provisória deve ser medida

com caráter autônomo, justamente para impedir a decretação da prisão. Assim,

em resumo, a liberdade provisória não é mais apenas medida de contracautela ou

um sucedâneo da prisão cautelar, mas também cautela originária.44

De outro giro, a liberdade provisória não substitui apenas a prisão em fla-

grante, mas qualquer estado prisional, inclusive a prisão preventiva. Veja que o

Art. 282, § 6º é claro ao asseverar que “a prisão preventiva será determinada quan-

do não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”. Como estas

outras medidas cautelares serão concedidas mediante liberdade provisória, nos

termos do Art. 310, inc. III, do CPP, não há mais dúvidas de que a liberdade pro-

visória não substitui apenas a prisão em flagrante, mas qualquer prisão. Isto

vem expressamente indicado pela nova redação conferida ao Art. 321 pela Lei

12.403/2011, que afirma: “ausentes os requisitos que autorizam a decretação da

prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o

caso, as medidas cautelares previstas no Art. 319 deste Código e observados os

critérios constantes do Art. 282 deste Código”45.

Do quanto dito, portanto, não há mais dúvidas de que o magistrado poderá

substituir a prisão preventiva anteriormente decretada por liberdade provisória,

mediante condições. Mesmo em caso de relaxamento da prisão por excesso de

44 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 323.

45 Em verdade, desde a Constituição de 1988 não havia motivos para restringir a liberdade provi-sória ao flagrante. O Art. 5º, inc. LXVI, afirma que ninguém será levado à prisão quando a lei admitir a liberdade provisória. Veja que ao Poder Constituinte não interessa qual é essa modali-dade de prisão cautelar, pouco importando se é flagrante, temporária ou preventiva. O que o texto constitucional assevera e impõe é que a liberdade provisória deve ser a regra, como verda-deira garantia do acusado, que não deve ser levado ao cárcere sempre que a liberdade provisória for suficiente.

81 Revista Omnes - ANPR no 1

prazo, é possível a aplicação de medidas alternativas em substituição, desde que

não signifique total restrição à liberdade ambulatorial. Da mesma forma, nada

impede que o juiz, após a prisão temporária, imponha restrições, mediante li-

berdade provisória.

Em síntese: após 2011, a liberdade provisória livrou-se das amarras de ser so-

mente medida de contracautela. Pode ser imposta mesmo sem estado prisional

anterior – como cautela originária - e justamente para impedir a decretação da

prisão cautelar, resguardando o princípio da subsidiariedade da prisão cautelar,

a variabilidade do sistema e superando o caráter bipolar anteriormente vigente.

4. Conclusão

Pela análise do quanto foi asseverado até aqui, verifica-se que a Lei 12.403/2011

alterou realmente todo o sistema das medidas cautelares pessoais. É verdade que

a potencialidade das alterações e o verdadeiro alcance dependerão de reflexão e

de maturação, por parte da doutrina e da jurisprudência. Porém, o que se espera

é que a análise seja feita com os olhos focados na principiologia constitucional,

evitando-se uma interpretação amarrada aos antigos dogmas e interpretações

que perderam sentido desde a edição do nosso CPP. Somente assim se poderá

avançar na análise deste tema, tão relevante em termos de garantias individuais

e para a eficiência do processo penal brasileiro.

82 Revista Omnes - ANPR no 1

O trânsito em julgado para a acusação como

marco inicial da prescrição da pretensão

executória e a impossibilidade de execução

provisória da pena: prescrição sem inércia?

Isac Barcelos Pereira de Souza

1 Introdução

2O trânsito em julgado para a acusação como marco inicial da pretensão

executória, a impossibilidade de execução provisória da pena e os fundamentos da prescrição: uma conformação necessária

3Por uma interpretação sistemática do art. 112, i, do Código Penal

4O trânsito em julgado para ambas as partes como marco inicial da

prescrição da pretensão executória: precedentes do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais-regionais federais das cinco regiões

5Conclusões

83 Revista Omnes - ANPR no 1

1. Introdução

A partir do cometimento de um fato penalmente relevante origina-se para o

Estado o ius puniendi, compreendido como o poder-dever punitivo estatal. A prá-

tica de um crime constitui circunstância que, além de lesar direitos individuais,

perturba a estabilidade social, incumbindo ao Estado o restabelecimento da or-

dem, pois detentor exclusivo do poder de aplicação da lei penal.

A prescrição, instituto há muito previsto nas legislações, fulmina o ius punien-

di estatal, em virtude do seu não exercício no lapso temporal legalmente previs-

to, tendo por consequência a extinção da punibilidade do agente. Há previsão no

ordenamento jurídico brasileiro de duas espécies de prescrição penal, a saber, a

prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória.

A prescrição da pretensão executória refere-se à perda do direito estatal na

execução da sanção imposta na sentença, havendo estabelecido a lei penal no

artigo 112, I, do Código Penal, o trânsito em julgado da sentença condenatória

84 Revista Omnes - ANPR no 1

para a acusação como o seu marco inicial.

Neste contexto e, considerando o atual entendimento do Supremo Tribunal

Federal, vedando a execução da sentença penal condenatória antes do trânsi-

to em julgado da decisão, o presente artigo objetiva analisar a necessidade de

interpretação conforme a constituição do disposto no artigo 112, I, do Código

Penal, uma vez que sua literal aplicação acarretaria o início do curso do prazo

prescricional antes da exigibilidade do título exequendo e, por conseguinte, em

momento anterior à verificação da inércia estatal.

2. O trânsito em julgado para a acusação como marco inicial da pretensão

executória, a impossibilidade de execução provisória da pena e os fundamentos

da prescrição: uma conformação necessária

De acordo com o disposto no artigo 112, I, do Código Penal, o trânsito em

julgado da sentença condenatória para a acusação constitui o marco inicial da

prescrição da pretensão executória.

O início do prazo prescricional da pretensão executória antes do trânsito em

julgado para ambas as partes tem sido alvo de críticas, uma vez que penalizaria

o Estado pelo seu suposto desinteresse na execução da pena, sem considerar a

inexigibilidade do título em momento anterior àquele marco.

O problema adquire contornos ainda mais graves e evidentes quando coteja-

do com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido da veda-

ção à execução provisória da pena.

85 Revista Omnes - ANPR no 1

2.1. A vedação à execução provisória da pena

O Supremo Tribunal Federal, em 05.02.2009, no julgamento do HC 84.078/

MG, por maioria de votos e em decisão plenária1, reconheceu a incompatibilida-

de da execução provisória da pena com o texto constitucional vigente, restando

assentado que toda prisão antes do trânsito em julgado de condenação guardaria

natureza cautelar, in verbis:

“HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA

“EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTI-

TUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º,

III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece

que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez

arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão

à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução

Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trân-

sito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de

1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será conside-

rado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenató-

ria”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de

adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal

e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes

do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a

título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo

restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de

natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julga-

1 Relatou o processo o ministro Eros Grau, restando vencidos os ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Carmem Lúcia e Menezes Direito.

86 Revista Omnes - ANPR no 1

mento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito

de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de

aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Pri-

são temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em

matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos

“crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVAN-

DRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está

desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o

mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”. 6. A antecipação

da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Consti-

tuição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos

magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio

constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inunda-

dos por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos

e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que po-

deria ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que,

no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitu-

cionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento

do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o

ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de

preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos

de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a

processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art.

2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afir-

mou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do

disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso por-

que --- disse o relator --- “a se admitir a redução da remuneração dos

servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira anteci-

87 Revista Omnes - ANPR no 1

pação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo

legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que

haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí

porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido

do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de

1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação

de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito

em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no pre-

ceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve

negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a pro-

priedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança

de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os

criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para

se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas en-

tre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignida-

de (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão

social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as

singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar

plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual.

Ordem concedida.” (BRASIL, 2009)

Até então, era possível se afirmar, com certa segurança, que o entendimento

majoritário no âmbito do Superior Tribunal de Justiça era no sentido da admis-

são da execução provisória da pena. O citado Tribunal, inclusive, já havia editado

duas súmulas que, ao menos tacitamente, admitiam a questão, a saber, os Enun-

ciados 09 e 267.

Assim sendo, sem adentrar o mérito relativo ao acerto ou desacerto do citado

88 Revista Omnes - ANPR no 1

entendimento do Supremo Tribunal Federal, é inquestionável a atual vedação da

execução de uma sentença penal condenatória antes do seu trânsito em julgado,

de maneira que toda e qualquer prisão antes daquele marco processual possui

natureza cautelar.

Contudo, apesar da absoluta impossibilidade de deflagrar-se o início da exe-

cução de pena, de acordo com a expressa dicção do art. 112, I, do Código Penal,

a partir do trânsito em julgado para a acusação, inicia-se a fluência do prazo da

prescrição executória, como se fosse possível vislumbrar neste momento, inér-

cia, desinteresse ou desídia estatal.

2.2. A inércia como fundamento da prescrição penal

A prescrição penal pode ser definida como a perda do direito de punir pela

inércia do Estado, em decorrência do seu não exercício dentro de um lapso tem-

poral previamente fixado (PRADO, 2007).

Com acerto, Jesus (1991) afirma que a prescrição penal possui tríplice fun-

damento, a saber, (i) o decurso do tempo, (ii) a correção do condenado, e (iii) a

negligência da autoridade.

Na perspectiva do Direito Civil, Câmara Leal (1972) enumerou quatro condi-

ções elementares da prescrição, quais sejam: (i) a existência de uma ação exerci-

tável; (ii) inércia do titular da ação; (iii) continuidade da inércia durante um certo

lapso de tempo; e (iv) ausência de causas preclusivas de seu curso.

Certo é que o instituto da prescrição, quer em matéria civil ou em matéria

89 Revista Omnes - ANPR no 1

penal, encontra-se indissociavelmente ligado à noção de inércia2. Aliás, cabe as-

severar que esta vinculação não é nova, podendo ser observada desde as origens

romanas do instituto3.

2.3. A prescrição da pretensão executória e o trânsito em julgado

para a acusação como seu marco inicial

O ordenamento jurídico brasileiro contempla duas espécies de prescrição

penal, a saber: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão

executória.

Na hipótese da prescrição da pretensão punitiva, que ocorre antes do trânsito

em julgado da sentença final, a inércia do Estado conduz à perda da possibili-

dade de formação do título executivo judicial contra o autor do fato criminoso.

Por outro lado, a prescrição da pretensão executória diz respeito, tão-somen-

te, a perda do direito do Estado de executar a sanção imposta na sentença, sendo

válido consignar que seu alcance circunscreve-se à extinção da pena, permane-

cendo hígidos os demais efeitos da condenação.

Esta modalidade de prescrição foi introduzida no ordenamento jurídico pe-

nal brasileiro através do Decreto 774/1890 e, desde então, prevista em todos os

diplomas legais que o sucederam (GURPILHARES, 2007). Além disso, historica-

2 Observa Guaragni (2008, p. 33): “o castigo à negligência do titular do direito é argumento apre-sentável em seara civil ou penal (...)”.

3 Sobre a questão disserta Câmara Leal (1972, p. 15): “Se remontarmos às fontes romanas, ali encontraremos três fundamentos da prescrição indicados pelos textos: a) o da necessidade de fixar as relações jurídicas incertas, evitando as controvérsias; b) o castigo à negligência; e c) o do interesse público.”

90 Revista Omnes - ANPR no 1

mente, o trânsito em julgado da condenação (para ambas as partes), vinha sen-

do estabelecido como um dos marcos iniciais desta modalidade de prescrição

(GURPILHARES, 2007).

Contudo, com a reforma penal de 1984 (Lei 7.209/84), em relação ao artigo 112

do Código Penal, observou-se inovação no ordenamento jurídico pátrio4, pas-

sando a estabelecer-se o trânsito em julgado da sentença condenatória para a

acusação como o marco inicial da prescrição da pretensão executória5.

No direito comparado tem-se que o trânsito em julgado da condenação para

ambas as partes é estabelecido, em inúmeros países, como o marco inicial da

prescrição da pretensão executória, dentre os quais, Itália, Espanha, Uruguai e

Alemanha (GUARAGNI, 2008), bem como Equador, França e Portugal (GURPI-

LHARES, 2007).

Assim, é inquestionável que o simples fato do trânsito em julgado “para a

acusação” (leia-se, Ministério Público, assistente e querelante) deflagrar o curso

da prescrição da pretensão executória, por si só, já constituiria inaceitável quebra

no tratamento isonômico das partes processuais. Mas, a questão adquire espe-

4 Para Jesus (1991), a nova redação encontra justificava no entendimento jurisprudencial existente à época, uma vez que “a jurisprudência apreciando o texto do primitivo CP de 1940, decidiu que a expressão 'do dia em que passa em julgado a sentença condenatória' se referia à acusação, pres-cindindo-se até de intimação ao réu. Daí a Reforma Penal de 1984 haver acrescentado ao texto a expressão 'para a acusação'. Dessa forma, transitando a decisão em julgado para a acusação (Pro-motor de Justiça, querelante e assistente da acusação), é dessa data que se conta o lapso prescri-cional, ainda que não tenha sido intimado o réu. Isso, entretanto, depende de uma condição: que a sentença também tenha transitado em julgado para a defesa. Ocorrendo esse requisito, a con-tagem se faz da data do trânsito em julgado para a acusação."

5 “Art. 112 - No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I - do dia em que tran-sita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicio-nal da pena ou o livramento condicional; II - do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.” (BRASIL, 1940).

91 Revista Omnes - ANPR no 1

ciais contornos quando cotejada com a vedação de execução da pena antes do

trânsito em julgado.

Em que pese o evidente e inequívoco contrassenso acima explicitado, qual

seja, o início da fruição do lapso prescricional antes da formação do título exe-

cutivo e, por conseguinte, antes da inércia estatal, certo é que poucos são aqueles

que insurgem-se e/ou criticam a injustiça de tal dispositivo.

Porém, a questão não passou despercebida a Capez (2008, p. 600) que evi-

denciou sua perplexidade ante o transcurso de fluxo prescricional enquanto não

definitivamente julgada a demanda:

“Termo inicial: a prescrição da pretensão executória começa a correr

a partir:

a) da data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acu-

sação (é incrível! A condenação só pode ser executada após o transito

em julgado para ambas as partes, mas a prescrição já começa a correr

a partir do trânsito em julgado para a acusação).”

Em obra que criticou o sistema prescricional brasileiro, assim asseverou Gua-

ragni (2008, p. 135/136):

“Retomando-se o tema, a redação do CP de 1984, inovando, andou

mal. O motivo pelo qual se inicia o prazo prescricional destinado a

reger a pretensão executória com o trânsito em julgado da sentença

(sentença firme, sentença irrevogável) é evidente. Enquanto não ad-

vém sentença condenatória com força de definitiva, não há que se falar

em exercício da pretensão executória, ou jus executionis, que é espécie

do jus puniendi. Se não existe espaço para o exercício desta pretensão,

automaticamente não pode correr o prazo a ele destinado. Ao revés

92 Revista Omnes - ANPR no 1

estar-se-ia fulminando a pretensão de executar do Estado, ao pressu-

posto de seu desinteresse pela pena, sem lhe dar qualquer chance de

evidenciar seu interesse, pois está vedada a execução da pena enquan-

to a sentença condenatória não passa em julgado. Em suma: corre o

lapso destinado à extinção do direito em período no qual sequer pode

ser exercido.”

No mesmo sentido assinalou Queiroz (2009, p. 48) que:

“A prescrição da pretensão executória flui a partir do trânsito em jul-

gado definitivo, porque só aí a sentença se constitui como título exe-

cutivo. Antes disso, não cabe falar de prescrição da pretensão execu-

tória inclusive porque o STF vem, atualmente, repudiando a chamada

execução provisória da sentença condenatória, a que já nos referimos.

Além disso, faltaria o pressuposto jurídico para tanto: a inércia esta-

tal.”

Partindo-se da premissa de que, o comando condenatório contido na senten-

ça condenatória somente é exequível após o trânsito em julgado definitivo, tem-

-se como incoerente e desproporcional a fixação do marco inicial da pretensão

executória na formação da coisa julgada para a acusação.

Ora, sendo a inércia pressuposto lógico e indissociável à ocorrência da pres-

crição, como justificar o fluxo prescricional em hipóteses em que ausente a ina-

tividade do Ministério Público?

A redação do art. 112, I, do Código Penal, deturpa o próprio conceito de pres-

crição, instituto direta e logicamente ligado à noção de pretensão6. É que, a par-

6 Como leciona Galvão (2004, p. 956): “A ocorrência do fato punível faz nascer no plano material

93 Revista Omnes - ANPR no 1

tir do momento em que a comando condenatório encontra-se despido de exigi-

bilidade, ou seja, enquanto não surgida a pretensão, não é possível reconhecer o

início do curso do lapso prescricional.

Desde logo, verifica-se que, a um só tempo, restam ofendidos os princípios

constitucionais do devido processo legal e da igualdade.

O inciso LIV do artigo 5º da Constituição da República (BRASIL, 1988) esta-

belece a cláusula do devido processo legal, de onde podem ser extraídas diversas

garantias, dentre as quais, o contraditório, ampla defesa, publicidade e motiva-

ção dos atos judiciais.

Ademais, como observou Fischer (2006), uma de suas premissas basilares,

refere-se à inafastável obrigação de que, na resolução dos conflitos, seja assegu-

rada às partes antagônicas a utilização de todos os suficientes meios para que

defendam seus direitos e contraponham aos argumentos opostos.

Por outro lado, existem também aqueles que reconhecem o princípio da

igualdade como um princípio constitucional autônomo (BEDÊ-JUNIOR, 2009;

SENNA, 2009), postulado este que preconizaria um tratamento isonômico das

partes.

Em ambos os casos, quer sob o prisma do devido processo legal ou do princí-

das relações sociais, duas pretensões distintas: a pretensão de ressarcimento que, a princípio, devera ser deduzida no juízo cível; e a pretensão punitiva, a ser examinada pelo juiz criminal. No âmbito penal, a satisfação da pretensão punitiva dá-se com a obtenção do decreto judicial conde-natório, com o trânsito em julgado. Mas o poder-dever de punir somente se concretiza com a execução da condenação e, assim obtido o decreto condenatório, surge a pretensão executória. É apenas com a satisfação da pretensão executória que o Estado consegue realizar o seu poder--dever de punir. Diante da necessária processualização do poder-dever de punir, sua realização só poderá ocorrer, após a satisfação da pretensão punitiva.”

94 Revista Omnes - ANPR no 1

pio da igualdade, tem-se que o fluxo do prazo prescricional antes da possibilida-

de de execução do comando sancionador (leia-se, antes do efetivo surgimento do

título executivo), ocasiona flagrante quebra na paridade de armas entre as partes

que não pode subsistir.

Desde logo, cumpre esclarecer que, por óbvio, em algumas situações e diante

de certas peculiaridades, há necessidade da concessão de tratamento diferencia-

do entre as partes, a fim de se alcançar a igualdade material entre as mesmas.

Todavia, no específico caso da deflagração do curso da prescrição executória

antes da possibilidade de execução da pena, não se verifica nenhuma situação

apta a justificar o tratamento diferenciado conferido à hipótese. Deste modo,

na medida em que esta desigualdade não visa a corrigir qualquer distorção no

equilíbrio processual, observa-se verdadeiro privilégio da defesa em prejuízo da

parte acusadora e, em última análise, do próprio Estado.

Detalhada análise da violação do princípio da igualdade pela redação do arti-

go 112, I, do Código Penal, foi realizada por Gurpilhares (2007, p.112), sendo cer-

to que até mesmo o agravamento da questão ante a impossibilidade de execução

provisória da pena foi por ela considerada:

“A igualdade entre as partes processuais é um dos traços fundamen-

tais do sistema acusatório, e isso vale para todos os aspectos, e não

simplesmente para a produção de provas. O direito à igualdade das

partes deve ser respeitado inclusive quanto aos prazos prescricionais e

suas causas de redução, suspensão e interrupção.

O referido art. 112, inc I, 1ª parte do Código Penal, na forma em que

foi aprovado, fere o princípio da igualdade, trazendo um desequilíbrio

entre as partes, na medida em que o prazo prescricional começa a cor-

rer com o trânsito em julgado para a acusação. A igualdade estaria pre-

95 Revista Omnes - ANPR no 1

sente se o prazo iniciasse com o trânsito em julgado da sentença con-

denatória, ou seja, com o trânsito em julgado para ambas as partes.

Se a acusação pudesse executar provisoriamente a sentença condena-

tória, não haveria prejuízo algum, mas diante do princípio da presun-

ção de inocência, isso é impossível, assim, o Estado encontra-se impe-

dido de executar, mas tem correndo contra ele o prazo prescricional,

evidente desequilíbrio.”

Ademais, a equidade analisada em sua dimensão substancial, deve ser com-

preendida como “distribuição proporcional de ônus e vantagens” (FISCHER,

2006), o que, a toda evidência, não ocorre no caso em debate.

Sob outra ótica, tem-se que o fluxo de prazo prescricional durante o período

em que o Ministério Público encontra-se obstado a agir acarreta, também, ofen-

sa à garantia do acesso à Justiça estabelecida no art. 5º, XXXV, da Constituição

(BRASIL, 1988).

Em obra dedicada ao estudo das garantias do processo penal acusatório, as-

sinalou-se com especial precisão que:

“Do ponto de vista do processo penal constitucional, não há dúvida

de que a parte acusadora tem o direito de, uma vez ocorrida a infração

penal, ter acesso à via jurisdicional para em juízo pleitear o direito de

punir estatal.

Neste quadro, a ação penal deve ser entendida como parte da doutrina

efetivamente a aborda, como um direito subjetivo de postular a pres-

tação jurisdicional do Estado.” (ABADE, 2005, p. 181)

Analisando o direito à tutela jurisdicional do Estado, assim se posiciona

96 Revista Omnes - ANPR no 1

TUCCI (2002, p. 198):

“Assumido, pelo Estado, o monopólio da administração da justiça, há

de ser conferido ao membro da comunidade (inclusive, evidentemen-

te, ao próprio Estado), em contrapartida, o direito de invocar pres-

tação jurisdicional com relação a determinado interesse em conflito

com o de outrem.”

Mas, para além de malferir os princípios e garantias acima evidenciados,

tem-se que há flagrante violação ao princípio da proporcionalidade7, mormente

em seu aspecto da proibição da proteção deficiente.

Atualmente, vislumbra-se uma dupla perspectiva do princípio da proporcio-

nalidade, uma delas referindo-se a proibição do excesso (Übermassverbot) e outra

ao impedimento a proteção deficiente (untermassverbot)8.

De acordo com Canaris (2009, p. 123), inequivocamente um dos precursores

de tal teorização:

“(...) há, pois, que averiguar se a proteção do direito infra-constitucio-

nal é eficaz e apropriada. Aqui não se trata de, por exemplo de medir

7 Para efeitos do presente trabalho, a proporcionalidade será abordada como princípio, a despei-to da “discussão em torno da qualificação jurídico-normativa da proporcionalidade, já que se discute a sua condição de princípio ou de regra (tomando-se aqui ambas as noções tal qual for-muladas por Robert Alexy e seus seguidores), isto sem falar nas considerações mais recentes questionando a condição propriamente principiológica da proporcionalidade (especialmente em se partindo dos referenciais apresentados por Alexy) que, segundo esta doutrina, notadamente quando se cuidar do controle de constitucionalidade (proporcionalidade) dos atos estatais, assu-me feições de postulado normativo-aplicativo, razão pela qual se faz referência a um dever de proporcionalidade” (SARLET, 2005, p. 105-149).

8 Para Silva (2002, p. 27): “conquanto a regra da proporcionalidade ainda seja predominantemen-te entendida como instrumento de controle contra excessos dos poderes estatais, cada vez mais vem ganhando importância a discussão sobre a sua utilização para finalidade oposta, isto é, como instrumento contra a omissão ou contra a ação insuficiente dos poderes estatais”.

97 Revista Omnes - ANPR no 1

a – eventual – insuficiência de proteção, ou a omissão do legislador, da

mesma forma que no caso de uma intervenção num direito fundamen-

tal, com base na proibição do excesso. É, antes, preciso verificar se a

proteção satisfaz as exigências mínimas na sua eficiência e se bens ju-

rídicos e interesses contrapostos não estão sobre-avaliados. Em todo

o caso, a eficácia da protecção integra, em princípio, logo o próprio

conteúdo do dever de protecção, já que um dever de tomar medidas

ineficazes não teria sentido.”

No âmbito do Direito Penal, essa dicotomia aponta para o reconhecimento de

um garantismo negativo, a partir da garantia da proibição do excesso e, simulta-

neamente, ao garantismo positivo, relacionado ao dever de proteção de determi-

nados bens fundamentais9.

A questão foi exposta nos seguintes termos:

“Por outro lado, o Estado – também na esfera penal – poderá frustrar

o seu dever de proteção atuando de modo insuficiente (isto é, ficando

aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos)

ou mesmo deixando de atuar, hipótese, por sua vez, vinculada (pelo

menos em boa parte) à problemática das omissões inconstitucionais.

É neste sentido que – como contraponto à assim designada proibição

de excesso – expressiva doutrina e jurisprudência tem admitido a exis-

tência daquilo que se convencionou batizar de proibição de insuficiên-

cia (no sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção

9 Como observado por Streck (2004, p. 250): “(…) o direito penal não pode ser tratado como se existisse apenas uma espécie de garantismo negativo, a partir da garantia da proibição do exces-so. Com efeito, a partir do papel assumido pelo Estado e pelo Direito no Estado Democrático de Direito, o direito penal deve ser (sempre) examinado também a partir de um garantismo positi-vo, isto é, devemos nos indagar acerca do dever de proteção de determinados bens fundamentais através do direito penal.”

98 Revista Omnes - ANPR no 1

do Estado e como tradução livre do alemão untermassverbot).” (SAR-

LET, 2005, p. 132)

E, com invulgar precisão foi sintetizada desta forma por Fischer (2006, p. 48):

“Enquanto a proibição de excesso depende da aferição de estar sendo

restringido excessivamente um direito fundamental, a proibição de

proteção deficiente está em se apurar quando direitos fundamentais –

em face de condutas que os atinjam – não estão sendo suficientemente

protegidos, ou ainda, quando se está afastando indevidamente o cum-

primento dos deveres fundamentais.”

No caso em estudo, admitir-se o início do curso da prescrição da pretensão

executória, em momento anterior à possibilidade de execução da decisão con-

denatória acarreta inequívoca insuficiência na proteção de bens jurídicos cons-

titucionalmente tutelados, uma vez que, ainda que ausentes a inércia estatal e a

exigibilidade da condenação, inicia-se o transcurso do lapso prescricional.

Logo, tem-se como inafastável que a aplicação literal do art. 112, I, do Código

Penal, ofende os princípios do devido processo legal, da igualdade e da propor-

cionalidade (mormente em seu aspecto da proibição da proteção deficiente), bem

como macula a garantia do acesso à justiça.

3. Por uma interpretação sistemática do art. 112, i, do Código Penal:

Constatado que a aplicação direta do artigo 112, I, do Código Penal ensejaria

inequívoca inconstitucionalidade, impõe-se a necessidade de uma interpretação

99 Revista Omnes - ANPR no 1

constitucional do citado dispositivo.

Desde logo, destaca-se a existência de posicionamento doutrinário que, ape-

sar de reconhecer a incongruência do citado dispositivo, ainda assim preconiza

sua aplicação literal em decorrência de suposta “clareza da lei”10.

Contudo, com o devido respeito aos posicionamentos contrários, não parece

razoável persistir-se aplicando literalmente um dispositivo flagrantemente in-

constitucional a pretexto de obediência ao princípio da legalidade, como se os

dispositivos penais estivessem imunes ao controle de constitucionalidade (e dos

respectivos métodos hermenêuticos). Sobre o tema, Streck (2004, p. 250) assina-

lou, com acerto, que:

“Não há, pois, qualquer blindagem que “proteja” a norma penal do

controle de constitucionalidade (entendido em sua profundidade, que

engloba as modernas técnicas ligadas à hermenêutica, como a inter-

pretação conforme, a nulidade parcial sem redução de texto, o apelo

ao legislador, etc). Ou isto, ou teríamos que considerar intocável, por

exemplo, um dispositivo legal que viesse a descriminalizar a corrup-

ção, a lavagem de dinheiro, os crimes fiscais (de certo modo isto já

ocorre, desde a Lei 9.249, confirmada agora pela Lei 10.684), os crimes

sexuais (estupro e atentado violento ao pudor) em face do casamento

(sic) da vítima com terceira pessoa (art. 107, VIII, do Código Penal),

tudo em nome do princípio da legalidade, como se a vigência de um

10 Neste sentido, Nucci (2009, p. 564) ao comentar o termo inicial da prescrição da pretensão executória o estabelece como “(...) a data de trânsito em julgado da sentença condenatória, para a acusação. No entanto, é inconcebível que assim seja, pois o Estado, mesmo que a sentença te-nha transitado em julgado para a acusação, não pode executar a pena, devendo aguardar o trân-sito em julgado para defesa. Ora, se não houve desinteresse do Estado, nem inépcia, para fazer o condenado cumprir a pena, não deveria estar transcorrendo a prescrição da pretensão executó-ria. Entretanto, a lei é clara: começa a ser computada a prescrição da pretensão executória a par-tir da data do trânsito em julgado da sentença condenatória.”

100 Revista Omnes - ANPR no 1

texto jurídico implicasse, automaticamente, a sua validade, problemá-

tica que, paradoxalmente, em determinadas situações, coloca no mes-

mo lado penalistas dogmáticos-normativistas e liberais-iluministas.

Nenhum campo do Direito está imune a essa vinculação constitu-

cional. Conseqüentemente, na medida em que a Constituição figura

como o alfa e o ômega do sistema jurídico-social, ocorre uma sensível

alteração no campo de conformação legislativa. Ou seja, a partir do

paradigma instituído pelo novo constitucionalismo e a partir daquilo

que o Estado Democrático de Direito representa na tradição jurídica, o

legislador não mais detém a liberdade para legislar que tinha no para-

digma liberal-iluminista.”

Fixadas as premissas de que as normas penais submetem-se ao controle de

constitucionalidade e aos métodos de hermenêutica constitucional e, por outro

lado, considerando que o produto da atividade interpretativa deve guardar coe-

rência com a ordem jurídica11, há que se proceder a uma interpretação consentâ-

nea ao Estado Social e Democrático de Direito do artigo 112, I, do Código Penal.

Por tudo que até aqui se sustenta, verifica-se necessário socorrer-se a uma

interpretação constitucionalmente adequada do disposto acima citado, de ma-

neira que apenas após o trânsito em julgado definitivo da sentença condenatória

(ou seja, para acusação e defesa) seja iniciada a contagem do lapso da prescrição

11 Nesse sentido, as contundentes e precisas observações de Morgado (2008): “Poderíamos come-çar defendendo a tese de que toda a interpretação que resulte numa subversão ao conteúdo axio-lógico do Direito, aos primados mais valiosos da Constituição e à realidade social atual deve ser imediatamente rechaçada. Toda a interpretação que transforme o Direito em escudo à impunida-de, afastando através de artimanhas a aplicação da sanção jurídica deve ser imediatamente re-chaçada. Afinal se a sanção é a característica elementar da norma jurídica, se usamos a norma para nos esquivar da aplicação dessa sanção, estaremos subvertendo a própria razão de ser da norma. Mesmo os sabidamente culpados têm direito de defesa, mas o direito de defesa constitu-cionalmente assegurado não os pode transformar em inocentes, desde que sabidamente culpa-dos.”

101 Revista Omnes - ANPR no 1

da pretensão executória.

Esta interpretação é a única apta a compatibilizar, num só momento, a garan-

tia da presunção de inocência que impede a execução da pena antes do trânsito

em julgado da sentença condenatória (conforme preconizado pelo Supremo Tri-

bunal Federal), com o poder-dever punitivo do Estado (ius puniendi).

A prosperar o entendimento contrário ao que se propõe como única solução

prática a obstar a prescrição executória, a parte acusatória deverá, necessaria-

mente, recorrer de toda e qualquer decisão condenatória, ainda que a reprimen-

da imposta atenda a todos os ditames de justiça. Nestes casos, o recurso visaria,

tão-somente, a impedir o trânsito em julgado da condenação e consequentemen-

te, retardar a deflagração do início do curso prescricional.

Esta absurda situação vai de encontro ao correto entendimento do papel do

Ministério Público no processo penal, bem como sobrecarrega os Tribunais com

recursos visando apenas ao prolongamento da persecução penal.

Nesse quadro, o Parquet teria por incumbência o dever de recorrer de toda e

qualquer sentença condenatória, ainda que com o propósito exclusivo de evitar o

trânsito em julgado em relação a ela.

Surgiria, portanto, espécie sui generis de interesse recursal da acusação, sem

qualquer base no critério de sucumbência processual12. Os esforços passariam a

12 Leciona Oliveira (2009, p. 41) que: “normalmente, a noção de interesse é extraída da definição de sucumbência. Sucumbente é aquele cuja expectativa juridicamente relevante não tenha sido atendida na decisão judicial. Assim como, do ponto de vista dos interesses da acusação, qualquer decisão que não atenda a totalidade da expectativa possível de condenação pode ser encarada como prejudicial a ela, para a defesa, só a absolvição poderia afastar inteiramente a sucumbência do acusado.”

102 Revista Omnes - ANPR no 1

ser dirigidos para o máximo prolongamento da ação penal e, com isso, retardar

o início do curso do lapso da prescrição da pretensão executória.

A subversão de conceitos seria tamanha, que se vislumbraria verdadeiro cará-

ter cautelar em tais recursos, posto que não dirigidos à reforma (ou nulidade) de

uma decisão, mas tão somente a impedir o início da fluência do prazo prescricio-

nal e assegurar o resultado prático da possível execução penal vindoura.

Por outro lado, também, a defesa seria estimulada à interposição de recursos

meramente protelatórios do trânsito em julgado da condenação, a fim de garan-

tir a impunidade, nos casos em que, por convicção do órgão do Ministério Públi-

co, entendendo que a condenação satisfaz os interesses da sociedade, deixasse

de recorrer13.

Nesta ordem de ideias, até mesmo as inovações administrativas e legislati-

vas adotadas para a racionalização dos trabalhos no Poder Judiciário14 restariam

praticamente inócuas, vez que interpretação literal do disposto no art. 112, I, do

13 Esta questão não passou despercebida em julgamento do Tribunal Regional Federal da 2ª Re-gião, relatado pelo eminente Des. Federal André Fontes, no julgamento do HC 200602010148277 no ano de 2007: “(...) A contagem da prescrição da pretensão executória a partir do trânsito em julgado da condenação para a acusação representaria um indevido estímulo à interposição recur-sal da acusação com o único fim de evitar a prescrição de um crime e à interposição de recursos procrastinatórios pela defesa em busca da extinção da punibilidade pela prescrição. (…).”

14 Neste contexto destacam-se: as súmulas vinculantes (art. 102, § 2ª da CR/88), o sistema de re-percussão geral (art. 102, § 3ª da CR/88 e Lei 11.418/06); o procedimento para o julgamento de recursos repetitivos (Lei 11.672/08); os esforços de transparência na gestão de recursos públicos e movimentação processual (Resolução CNJ 102/2009); a previsão do interrogatório por meio de videoconferência (Lei 11.900/09); a criação do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (Lei 12.106/09); a informatização do Judiciário e implementação do processo eletrônico (Lei 11.419/06).

103 Revista Omnes - ANPR no 1

CP constituiria verdadeiro estímulo à interposição de recursos protelatórios.

Não se pode argumentar, também, que a necessidade de conformação entre o

atual entendimento do Supremo Tribunal Federal e a expressa dicção do art. 112,

I, do Código Penal, importariam no estabelecimento de uma causa impeditiva da

prescrição não prevista em lei.

O próprio Supremo Tribunal Federal já enfrentou questão similar por ocasião

do julgamento do habeas corpus n° 81.611-8/DF, oportunidade em que reconheceu

o esgotamento da via administrativa como condição para a instauração de pro-

cesso criminal em determinadas hipóteses de crimes contra a ordem tributá-

ria, mas ressalvou de modo expresso que o curso da prescrição permaneceria

suspenso até a constituição definitiva do crédito tributário. No ponto destaca-se

trecho do voto do eminente ministro Sepúlveda Pertence, in verbis:

“De qualquer modo, aos que a tudo antepõem o temor da prescrição,

é preciso observar que ele é menor do que, à primeira vista, pode pa-

recer.

Estou em que enquanto dure o processo administrativo fiscal por ini-

ciativa do contribuinte, aceito o decorrente empecilho à instauração

do processo penal, a prescrição terá suspenso o seu curso.

(...)

Tem-se, pois, que – antes que a Constituição explicitasse a solução – a

suspensão da prescrição, na hipótese em que a imunidade formal do

parlamentar impedisse o processo penal, o Tribunal já extraíra daí a

suspensão da prescrição, independente de texto constitucional ou le-

gal que a estipulasse.

Incidentemente, aventei a mesma solução no RE 159230, quando se

afirmou a necessidade de autorização da Assembléia Legislativa para a

104 Revista Omnes - ANPR no 1

instauração, no STJ, de processo penal contra Governador de Estado,

como consignado na ementa – RTJ 158/280:

(...)

Estou em que nada impede que a mesma conclusão se estabeleça, re-

lativamente aos crimes materiais contra a ordem tributária, enquanto

a definitividade do lançamento do tributo esteja obstado por iniciativa

ou recursos administrativos do contribuinte.

A construção alvitrada apenas não cobre a hipótese do lançamento por

homologação, enquanto pender o prazo de sua revisão de ofício: é que,

aí, é a inércia da administração tributária que, retardando a definitivi-

dade do lançamento, impede a ação penal.

Esse o quadro, reitero o voto proferido na primeira assentada deste

julgamento e defiro a ordem para trancar a ação penal: suspenso, por

isso, o curso da prescrição, nos termos referidos: é o meu voto.” (BRA-

SIL, 2005)

Portanto, a única interpretação constitucionalmente adequada do disposto

no art. 112, I, do Código Penal é aquela que estabelece o início do prazo da pres-

crição penal executória, após o trânsito em julgado definitivo (leia-se, para am-

bas as partes) da condenação.

Ora, se há atualmente firme jurisprudência no Supremo Tribunal Federal ve-

dando a denominada execução provisória da pena, forçoso reconhecer que o tí-

tulo executivo penal somente é constituído após o trânsito em julgado definitivo

da decisão condenatória, momento a partir do qual é possível iniciar-se a fluên-

cia da prescrição da pretensão executória.

Por outro lado, não se desconhece o entendimento doutrinário e jurispruden-

105 Revista Omnes - ANPR no 1

cial que vem emprestando à expressão “trânsito em julgado para a acusação”

contida no artigo 112, I, do Código Penal a acepção de “último” trânsito em jul-

gado para a parte acusadora15.

Com a maxima venia, tem-se que tal raciocínio, apesar de solucionar em parte

o equívoco constante da redação do aludido dispositivo legal, não se compatibi-

liza totalmente com os pressupostos teóricos de prescrição. Veja-se que a prospe-

rar esta compreensão, admitir-se-ia o início da contagem do lapso prescricional,

antes mesmo de surgir exigibilidade da execução da pena e, via de consequência,

da inércia estatal.

No caso em questão, a exigência do trânsito em julgado definitivo da condena-

ção para o início da contagem da prescrição executória é medida que conforma-se

aos fundamentos do instituto da prescrição, que fulmina a pretensão executória

em virtude do não exercício do poder-dever estatal16. Essa interpretação coaduna-

-se com uma perspectiva integral do garantismo penal, que contrapõe-se ao garan-

15 De acordo com Queiroz (2009, p. 201), “não se pode confundir 'trânsito em julgado da sentença' com 'trânsito em julgado da sentença em primeiro grau', uma vez que a prescrição da pretensão executória pressupõe irrecorribilidade da decisão necessariamente”. Na jurisprudência tal en-tendimento foi reconhecido por ocasião do julgamento do RSE 200135000011268, JUÍZA FEDE-RAL ROSIMAYRE GONÇALVES DE CARVALHO (CONV.), TRF1 - QUARTA TURMA, 03/03/2009

16 A corroborar este entendimento, cumpre transcrever a precisa lição do Tribunal Regional Fede-ral da 2ª Região: “(...) A interpretação que deve ser conferida à primeira parte do inciso I do art. 112 do Código Penal é a compatível não apenas com o método da análise sistemático-literal do dispositivo, mas também com os métodos lógico, sistemático e teleológico, a fim de evitar con-clusão que afronte a própria natureza da prescrição, instituto disciplinado pelo referido disposi-tivo legal, que, por sua natureza, faz desaparecer a pretensão não exercida pela inércia do seu ti-tular. A contagem do prazo prescricional anterior ao trânsito em julgado definitivo constitui um contra-senso insuperável pela lógica, em se tratando de prescrição da pretensão executória rela-tiva a pena restritiva de direitos, cuja execução só é permitida após aquele marco processual, antes do qual não é possível caracterizar a inércia do titular da pretensão executória. (...)” (HC 200602010148277, Desembargador Federal ANDRÉ FONTES, TRF2 - SEGUNDA TURMA ESPE-CIALIZADA, 09/04/2007)

106 Revista Omnes - ANPR no 1

tismo hiperbólico monocular, na feliz expressão cunhada por Fischer (2006)17.

O mesmo autor adverte ainda que:

“Se a Constituição é o ponto de partida para (também) a análise (ver-

tical) do influxo dos princípios fundamentais de natureza penal e pro-

cessual penal, decorre daí que o processo hermenêutico não poderá

assentar-se sobre fórmulas rígidas e pela simples análise pura (muito

menos literal) dos textos dos dispositivos legais (inclusive da própria

Constituição).” (Fischer, 2010, p. 32)

No mesmo sentido Freire Júnior (2004, p. 06), em artigo destinado a análise

da aplicabilidade ao processo penal do princípio de que veda o benefício da pró-

pria torpeza, sintetizou:

“Efetivamente, o Processo Penal deve ser garantista a fim de permitir

um justo equacionamento entre o direito de punir do Estado e os di-

reitos fundamentais do réu, até porque os inocentes também podem

ostentar a figura de réu no processo penal.

Ocorre que o garantismo do Processo Penal não pode chegar a ponto

de servir de mecanismo para impunidade ou deleite de criminosos.”

Portanto, a partir de uma interpretação constitucional do disposto no artigo

112, I, do Código Penal, tem-se que o início do transcurso do prazo da prescrição

de pretensão executória deva ocorrer somente após o “trânsito em julgado da

condenação para ambas as partes”, hipótese em que se atende ao postulado da

presunção de não-culpabilidade (a impedir execução da pena antes da formação

17 “Quando dizemos que tem havido uma disseminação de uma idéia apenas parcial dos ideais garantistas (daí nos referirmos a um garantismo hiperbólico monocular) é porque muitas vezes não se tem notado que não estão em voga (reclamando a devida e necessária proteção) exclusiva-mente os direitos fundamentais, sobretudo os individuais.” (FISCHER, 2009)

107 Revista Omnes - ANPR no 1

da coisa julgada) e, simultaneamente, respeitam-se os interesses estatais relati-

vos à persecução penal e punição daqueles que cometem atos ilícitos.

É preciso e, mais do que isso, é possível alcançar um ponto de equilíbrio entre

o garantismo penal (em sua perspectiva negativa) e a efetividade do processo

penal, de maneira que os direitos e garantias do acusado sejam respeitados, sem

que isso acarrete uma absoluta desproteção dos interesses da sociedade e im-

ponham o descrédito no direito penal e, em última análise, na própria ordem

jurídica.

4. O trânsito em julgado para ambas as partes como marco inicial da prescrição

da pretensão executória: precedentes do Superior Tribunal de Justiça e dos

tribunais-regionais federais das cinco regiões

Atualmente, há julgados na quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que

atribuem ao “trânsito em julgado para ambas as partes” a deflagração do lapso

da prescrição da pretensão executória18. Corroborando este entendimento:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRESCRIÇÃO DA

PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JUL-

GADO PARA AMBAS AS PARTES. LAPSO PRESCRICIONAL NÃO

TRANSCORRIDO ATÉ O PRESENTE MOMENTO. ORDEM DENEGA-

DA. 1. O termo inicial da contagem do prazo prescricional da preten-

são executória é o trânsito em julgado para ambas as partes, porquan-

18 Neste sentido: (i) HC 200900165738, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:13/12/2010; (ii) RHC 200703059785, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:16/11/2010; e (iii) HC 200901056637, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:02/08/2010.

108 Revista Omnes - ANPR no 1

to somente neste momento é que surge o título penal passível de ser

executado pelo Estado. Desta forma, não há como se falar em início

da prescrição a partir do trânsito em julgado para a acusação, tendo

em vista a impossibilidade de se dar início à execução da pena, já que

ainda não haveria uma condenação definitiva, em respeito ao disposto

no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 2. Na hipótese ver-

tente, considerando-se que a pena aplicada ao paciente foi de 5 (cinco)

anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a prescrição da pretensão execu-

tória ocorre em 12 (doze) anos, nos termos do art. 110, caput, c/c art.

109, inciso III, ambos do Código Penal. E, examinando as alíneas do

art. 117 do Código Penal, constata-se que desde o trânsito em julgado

para ambas as partes - termo inicial para a contagem do prazo - até o

presente momento, não houve o transcurso do lapso prescricional de

12 (doze) anos, motivo pelo qual, ao contrário do aventado na impetra-

ção, não se vislumbra que a pretensão executória estatal esteja fulmi-

nada pelo instituto da prescrição a ensejar a extinção da punibilidade

do paciente. 3. Ordem denegada. (HC 200900147385, JORGE MUSSI,

STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:14/02/2011)

Outrossim, há precedentes nos Tribunais Regionais Federais das cinco re-

giões, conferindo interpretação constitucional ao disposto no art. 112, I, do

Código Penal e adequando-a de modo correto aos fundamentos da prescrição e

compatibilizando-a à vedação e à execução provisória da pena.

No âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região há inúmeros preceden-

tes19, dos quais destaca-se:

PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRA-

19 Neste sentido: (i) AGEPN 200138000333632, JUÍZA FEDERAL CLEMÊNCIA MARIA ALMADA

109 Revista Omnes - ANPR no 1

ZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INI-

CIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA/ACÓRDÃO PARA

AMBAS AS PARTES. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. 1.

A data do trânsito em julgado da sentença/acórdão para ambas as par-

tes deve ser considerada como o termo inicial do prazo prescricional

da pretensão executória, tendo em vista que somente neste momento

é que surge o título penal passível de ser executado pelo Estado, em

respeito ao princípio contido no art. 5º, inciso LVII, da Constituição

Federal. Aplicação de precedentes jurisprudenciais do egrégio Supe-

rior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal. 2. No caso

dos autos, verifica-se que, embora a sentença condenatória tenha

transitado em julgado para a acusação em 04/04/2007 (fl. 183), tem-

-se, todavia, que, em relação ao delito do art. 299, do Código Penal, o

acórdão confirmatório da condenação em primeiro grau de jurisdição

transitou em julgado em 31/01/2011 (fl. 234). Deve também ser men-

cionado, in casu, que, na linha do que indicou o MM. Juízo Federal a

quo, “JOSÉ CARLOS PIGNATON e SAULO PIGNATON, já qualificados,

foram definitivamente condenados à pena privativa de liberdade de 01

(um) ano, 02 (dois) meses, 12 (doze) dias de reclusão [pena base de

um ano, acrescida de mais 02 (dois) meses e 12 (doze) dias, a titulo de

acúmulo pela continuidade delitiva: f. 148-155]” (fl. 236), o que acarre-

ta, na forma do art. 109, V, do Código Penal, um prazo prescricional

de 4 (quatro) anos, em decorrência da desconsideração do acréscimo

decorrente da continuidade delitiva, para fins do cômputo do lapso

LIMA DE ÂNGELO (CONV.), TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 DATA:17/10/2011 PAGINA:078; (ii) AGEPN 199938000402217, JUIZ FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (CONV.), TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 DATA:02/08/2011 PAGINA:179; (iii) RSE 200132000017432, JUIZ FEDE-RAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:29/01/2010 PAGINA:85.

110 Revista Omnes - ANPR no 1

prescricional. Assim, na hipótese em discussão, quanto ao delito ins-

crito no art. 299, do Código Penal, tomando-se a data do trânsito em

julgado do acórdão confirmatório da sentença proferida em primeiro

grau de jurisdição - 31/01/2011 (fl. 234) - como marco inicial da prescri-

ção executória, constata-se, na espécie, que, até a presente data, não

transcorreu o lapso prescricional de 04 (quatro) anos (art. 109, V, do

Código Penal), pelo que não se vislumbra a ocorrência, na espécie, da

extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória. 3.

Recurso em sentido estrito provido.(RSE 200541000006022, DESEM-

BARGADOR FEDERAL I’TALO FIORAVANTI SABO MENDES, TRF1 -

QUARTA TURMA, e-DJF1 DATA:08/05/2012 PAGINA:346.)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA.

IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE. TRÂN-

SITO EM JULGADO. AMBAS AS PARTES. PRESCRIÇÃO. PRETENSÃO

EXECUTÓRIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INVIABILIDADE. 1.

O Supremo Tribunal Federal sustenta o entendimento segundo o qual,

em consonância com o princípio constitucional da não-culpabilida-

de, é impossível a execução provisória de sentença condenatória (HC

84078). 2. Descabe falar em prescrição da pretensão executória com

base na interpretação literal do inciso I do art. 112 do Código Penal,

pois tal exegese não se coaduna com o texto da Constituição, sendo

mais apropriada a análise sistemática do dispositivo, exigindo-se,

também, o trânsito em julgado para o réu. 3. A necessidade de recolhi-

mento ao cárcere para apelar (antigo art. 594 do Código de Processo

Penal) encontra-se superada e esta era a razão porque não se previu,

ao tempo do Código Penal, a condenação em segundo grau ou a con-

111 Revista Omnes - ANPR no 1

firmação da sentença de primeiro grau como causas interruptivas da

prescrição (Prof. Eugênio Pacelli de Oliveira). 4. Extinção da punibi-

lidade pela prescrição da pretensão executória inviabilizada por não

terem transcorrido mais de 08 (oito) anos entre a data do trânsito em

julgado do acórdão que desproveu a apelação interposta pelo condena-

do e a da expedição da carta precatória com guia de execução e fisca-

lização das penas impostas. 5. Agravo em execução provido. (AGEPN

200138000368589, DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO,

TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:29/07/2011 PAGINA:27.)

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, também, tem precedentes20 con-

ferindo interpretação sistemática do artigo 112, I, do Código Penal, dentre os

quais:

HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL.

TRÂNSITO EM JULGADO. AMBAS AS PARTES. EXTINÇÃO DA PU-

NIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. O termo inicial do prazo pres-

cricional da pretensão executória é a data do trânsito em julgado para

ambas as partes, pois é apenas a partir deste momento que a pena

pode ser executada. 2. Com o advento da CF/88 e a consagração do

princípio constitucional da inocência ou da não culpabilidade, o art.

112, I, do CP, não foi recepcionado, não sendo mais admitido o cumpri-

mento antecipado da pena antes do trânsito em julgado definitivo da

sentença condenatória para ambas as partes. 3. Indubitável a ausência

de constrangimento ilegal, vez que a audiência para definir o cumpri-

mento da pena foi realizada antes que fosse consumada a prescrição

20 Neste sentido: (i) TRF2 HC 200602010148277, Desembargador Federal ANDRÉ FONTES - SE-GUNDA TURMA ESPECIALIZADA, 09/04/2007.

112 Revista Omnes - ANPR no 1

alegada. 4. Ordem denegada.(HC 201202010052481, Desembargadora

Federal LILIANE RORIZ, TRF2 - SEGUNDA TURMA ESPECIALIZA-

DA, E-DJF2R - Data::18/06/2012 - Página::60/61.)

PENAL. AGRAVO INTERNO. PRESCRIÇÃO. PRETENSÃO PUNITIVA.

ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRI-

CIONAL. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA. TRIBUNAIS SUPE-

RIORES. CÓDIGO PENAL. SISTEMA ADOTADO. INTERPRETAÇÃO.

CARÁTER RESTRITIVO. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO. PRETENSÃO

PUNITIVA. ENCERRAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A jurisprudên-

cia dos Tribunais Superiores é uniforme quanto ao entendimento de

que apenas o acórdão condenatório que reforma a sentença absolutó-

ria é capaz de interromper a prescrição, visto que aquele que meramen-

te confirma a condenação não se qualifica como causa de interrupção

do lapso prescricional. 2. Analisando o sistema adotado pelo Código

Penal, podemos observar que o diploma penal diferencia acórdão con-

denatório de acórdão confirmatório, tanto que preconiza em seu art.

117, II e III, respectivamente, que a prescrição se interrompe pela pro-

núncia e pela decisão confirmatória da pronúncia, ao passo que, no in-

ciso IV, prevê como causa interruptiva a sentença condenatória recor-

rível ou o acórdão condenatório. 3. Não foi observada pelo legislador

a mesma técnica antecedente abraçada pela doutrina e jurisprudência

dominantes, uma vez que, para que fosse concedida a mesma inter-

pretação dada à decisão confirmatória da pronúncia, deveria ter sido

incluído ou criado um inciso para consignar como causa interruptiva o

acórdão confirmatório de sentença condenatória. 4. Como tal não foi

realizado, não se pode ampliar a interpretação se apenas foi consigna-

do como causa interruptiva o acórdão condenatório, inclusive porque,

113 Revista Omnes - ANPR no 1

não se pode olvidar que a lei penal, por ter caráter restritivo, há de

ser interpretada restritivamente, sem alargamentos. 5. Se considerar-

mos que o acórdão confirmatório da condenação, prolatado antes de

fluído o prazo prescricional, obsta a prescrição da pretensão punitiva,

ou como sustenta o Parquet, encerra tal fase, estaremos, do mesmo

modo, concedendo à decisão colegiada o efeito interruptivo que acima

foi rechaçado, embasado em jurisprudência amplamente dominante.

6. Não se pode alegar que a prescrição da pretensão punitiva se encerra

antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, da mesma for-

ma que não se pode sustentar que a prescrição da pretensão executória

se inicia em momento anterior ao surgimento do título penal execu-

tório, ocorrente com o trânsito em julgado da sentença condenatória

para acusação e defesa. 7. A manutenção da decisão recorrida, que re-

conheceu a prescrição da pretensão punitiva, acarreta o não conheci-

mento dos embargos de declaração opostos pela defesa do acusado,

que postulavam por tal providência. 8. Agravo Interno do Ministério

Público Federal improvido. (ACR 200551014903618, Desembargadora

Federal LILIANE RORIZ, TRF2 - SEGUNDA TURMA ESPECIALIZA-

DA, E-DJF2R - Data::27/09/2010 - Página::182 – grifou-se)

Por sua vez, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, também, há julga-

dos21 estabelecendo o trânsito em julgado para ambas as partes como o marco

inicial da prescrição da pretensão executória, in verbis:

PENAL: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETEN-

SÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL DO LAPSO PRESCRICIONAL. I

21 Neste sentido: (i) AGEXPE 00066285520104036104, DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, TRF3 - QUINTA TURMA, TRF3 CJ1 DATA:19/10/2011.

114 Revista Omnes - ANPR no 1

- A prescrição da pretensão executória verifica-se após o efetivo trân-

sito em julgado da sentença, para ambas as partes (CP, art. 110). II -

Prevalecia o entendimento de que o prazo da prescrição da pretensão

executória começava a fluir da data em que transitou em julgado a sen-

tença condenatória somente para a acusação, orientação que não pode

prevalecer considerando que não há execução provisória da pena. III

- Na hipótese dos autos, a pena definitiva foi fixada em 02 (dois) anos

de reclusão, que prescreve em 04 (quatro) anos, conforme o art. 109,

V, do Código Penal. IV - O v. acórdão confirmatório da condenação

transitou em julgado, para ambas as partes, em 26/09/2007 (fl. 42), a

partir de quando se verifica a prescrição da pretensão executória (CP,

art. 110). V - Considerando que o trânsito em julgado da condenação

para ambas as partes ocorreu em 26/09/2007 (fl. 42), e que até a pre-

sente data não houve interrupção do curso do prazo prescricional,

impõe-se reconhecer que decorreu lapso temporal superior a 04 anos,

tendo ocorrido a prescrição da pretensão executória estatal. VI - Re-

curso provido. De ofício, reconhecida a ocorrência da prescrição da

pretensão executória estatal, declarando-se extinta a punibilidade do

delito. (AGEXPE 00010522120094036103, DESEMBARGADORA FEDE-

RAL CECILIA MELLO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1

DATA:30/08/2012 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 171, § 3º c/c 14, II,

AMBOS DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JUL-

GADO. PRESCRIÇÃO EM 08 ANOS - ARTIGO 109, IV, DO CÓDIGO

PENAL. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - O paciente foi

processado e condenado em definitivo pela prática do crime previsto

no artigo 171, § 3º c.c. 14, II, ambos do Código Penal, à pena privativa

115 Revista Omnes - ANPR no 1

de liberdade de 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de re-

clusão, em regime aberto, e à pena pecuniária, na mesma proporção

da pena privativa de liberdade. II - Assim sendo, o prazo prescricional

aplicável ao caso é de 08 (oito) anos (artigos 109, IV e 110, do Códi-

go Penal). III - É de se considerar como marco inicial da contagem da

prescrição da pretensão executória o trânsito em julgado para ambas

as partes, posto que somente a partir desse momento é que passa a

ser possível a execução da pena, em respeito ao princípio previsto no

artigo 5º, LVII, da Constituição Federal. IV - No caso em tela, não há

que se falar na ocorrência da prescrição. V - Ordem denegada. (HC

201103000070710, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMA-

RÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:20/06/2011 PÁGINA:

673 – grifou-se)

Do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, colhe-se o seguinte precedente:

Penal. Artigo 112, inc. I, do CP. Prescrição da pretensão executória.

Termo a quo. Trânsito em julgado para ambas as partes. Interpreta-

ção conforme a Constituição. 1. O trânsito em julgado não deve ser

considerado como marco interruptivo apenas para a acusação, quando

a pena deixa de ser executada em face da pendência de recurso inter-

posto pela defesa. 2. Entendimento contrário levaria à ocorrência, em

diversos casos, de extinção da punibilidade sem que o Estado, em mo-

mento algum, tenha sido desidioso ou inerte. 3. Registre-se ainda que

não é hipótese de declaração de inconstitucionalidade do artigo 112,

inc. I, do CP, mas mera interpretação do referido dispositivo de acor-

do com a norma constitucional vigente, conforme, aliás, já decidido

pela Corte Especial deste TRF (HC nº 0025643-59.2010.404.0000/SC).

( 50033355620114047000, ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, TRF4 - SÉTI-

116 Revista Omnes - ANPR no 1

MA TURMA, D.E. 07/02/2012.)

PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRESCRIÇÃO

DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TRÂNSITO EM JULGADO PARA A

ACUSAÇÃO E PARA A DEFESA. MARCO INICIAL. O prazo da prescri-

ção da pretensão executória tem como dies a quo o momento em que a

sentença se torna imutável tanto para a acusação como para a defesa.

Interpretação consentânea com a Constituição Federal. Precedente do

STJ. ( 50069972820114047000, PAULO AFONSO BRUM VAZ, TRF4 -

OITAVA TURMA, D.E. 30/11/2011 – grifou-se)

Finalmente, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região também já reconheceu

a necessidade de interpretação constitucional do art. 112, I, do Código Penal, in

verbis:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERPOSTO PELO RÉU

EM SEDE EM EXECUÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO

EXECUTÓRIA. INOCORRÊNCIA. DIES A QUO A PARTIR DO TRÂN-

SITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES E, NÃO, APENAS PARA

A ACUSAÇÃO. ACERTO DA DECISÃO MONOCRÁTICA, EMANADA

DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO CO-

LENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. 1 - O direito estatal

de punir, traduzido na imposição efetiva da sanção, concretiza-se com

o advento do trânsito em julgado da condenação não apenas para a

acusação, mas para ambas as partes, significando dizer que o apelo in-

terposto pelo réu, bem como o recurso especial agitado pelo Ministé-

rio Público, postergaram o advento prescricional. 2 - Precedente deste

Regional: AGEXP nº 1311 (200783000140400), 4ª Turma. Rel. Des.Fed.

Margarida Cantarelli. Julg. 28/07/2009. unânime. DJ - Data:12/08/2009

117 Revista Omnes - ANPR no 1

- Página::205 - Nº::153. Precedente do Superior Tribunal de Justiça -

STJ: HC - HABEAS CORPUS - 137924. QUINTA TURMA. Relator mi-

nistro JORGE MUSSI. DJE DATA: 02/08/2010. 3 - Impossibilidade de

se reconhecer o fenômeno prescricional, em suas modalidades super-

veniente ou retroativa. 4 - Agravo em Execução Penal a que se nega

provimento. (AGEXP 00161572320104050000, Desembargador Federal

Marcelo Navarro, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::04/05/2011 - Pá-

gina::233.)

PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. PENA RESTRITIVA DE DIREITO.

PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DA

EXECUÇÃO PROVISÓRIA. TERMO INICIAL DA CONTAGEM. TRÂN-

SITO EM JULGADO DEFINITIVO. COISA JULGADA. INÉRCIA DO ES-

TADO NA EXECUÇÃO. AUSÊNCIA. AGRAVO PROVIDO. PRECEDEN-

TES. I. A contagem do prazo da prescrição da pretensão executória não

tem início com o trânsito em julgado da sentença condenatória apenas

para a acusação, eis que, pendente de apreciação recurso interposto

pela defesa, impedida a execução da pena, não se podendo falar, as-

sim, em inércia do Estado. II. Ao não se admitir execução provisória

da sentença criminal condenatória, a contagem da prescrição da pre-

tensão executória há de ter início com o trânsito em julgado para am-

bas as partes, a fim de se evitar um indevido estímulo à interposição

recursal pela acusação com o fito unicamente de evitar a prescrição de

um crime, e à interposição de recursos meramente procrastinatórios

pela defesa, em busca da extinção da punibilidade pela prescrição. III.

No caso presente, o decurso do prazo entre o trânsito em julgado para

a acusação e a execução da pena não se operou em face à inércia do

Estado, mas em decorrência de recursos interpostos pela defesa. IV.

118 Revista Omnes - ANPR no 1

Agravo provido para afastar a prescrição da pretensão executória da

pena restritiva de direitos aplicada. (AGEXP 200783000140400, De-

sembargadora Federal Margarida Cantarelli, TRF5 - Quarta Turma,

DJ - Data::12/08/2009 - Página::205 - Nº::153 – grifou-se.)

5. Conclusões

Analisou-se o impacto do atual entendimento do Supremo Tribunal Federal

acerca da vedação da execução provisória da pena, na questão relativa ao estabe-

lecimento do trânsito em julgado para a acusação como marco inicial do fluxo da

prescrição da pretensão executória (estabelecido pelo art. 112, inc. I, do Código

Penal), concluindo-se que:

1. Estabelecida a vedação à execução da sentença penal condenatória antes

do respectivo trânsito em julgado, não há que se falar em início da prescrição

executória a partir da formação da coisa julgada para a acusação, uma vez que o

título exequendo ainda carece de exigibilidade e não configurada inércia estatal,

corolários lógicos e indissociáveis do instituto da prescrição.

2. A possibilidade de fluência do curso da prescrição executória a partir do

trânsito em julgado para a acusação, ou seja, a aplicação literal do art. 112, inc.

I, do Código Penal, constitui ofensa aos princípios do devido processo legal, da

igualdade e da proporcionalidade (mormente em seu aspecto da proibição da

proteção deficiente - untermassverbot), bem como macula a garantia do acesso à

justiça.

3. Uma interpretação constitucional do artigo art. 112, inc. I, do Código Pe-

nal impõe o estabelecimento do trânsito em julgado da condenação para ambas

119 Revista Omnes - ANPR no 1

as partes como o marco inicial da prescrição da pretensão executória, sendo a

única apta a equacionar os direitos do acusado (princípio da não-culpabilidade)

e, ao mesmo tempo, manter íntegro o ius puniendi estatal e garantir a efetividade

processual.

4. Há precedentes no Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Regionais

Federais das cinco Regiões reconhecendo o trânsito em julgado para ambas as

partes como o marco inicial da prescrição da pretensão executória, ou seja, con-

ferindo interpretação sistemática ao disposto no artigo 112, I, do Código Penal.

120 Revista Omnes - ANPR no 1

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