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Date post: 24-Nov-2015
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Revista do Professor de educação infantil Entrevista Lanfranco Bassi e Elena Giacopini Reportagem educação infantil indígena Relato Pedagogia Freinet Infra-estrutura e educação A g o s t o 2 0 0 7 M i n i s t é r i o d a E d u c a ç ã o 43
Transcript
  • Revista

    do Professor de educao infantil

    EntrevistaLanfranco Bassi e Elena Giacopini

    Reportagemeducao infantil indgena

    RelatoPedagogia Freinet

    Infra-estrutura e educao

    Agosto 2007 M

    inistrio da Edu

    ca

    o 43

  • Presidncia

    Ministrio da Educao

    Secretaria Executiva

    Secretaria de Educao Bsica

    Departamento de Polticas da Educao Infantil e Ensino Fundamental

    Coordenao de Educao Infantil

    Consultora EditorialVitria Lbia Barreto de Faria

    Jornalista ResponsvelAdriana Maricato - MTB 024546/SP

    EditorAlex Criado

    ReportagemAnglica Miranda, Bernardete Toneto, Cristina Guimares, Eduardo Andrejew e Mirella Falco

    Direo de ArteTDA Comunicao

    Criao e Projeto GrficoLetcia Neves Soares

    DiagramaoJoana Frana

    FotografiasDouglas Mansur, Gil Gosh, Heinz Glessen, Maria Edna de Souza, Pedro Silveira, Priscila Carvalho e Walter de Souza

    RevisoRoberta Gomes

    Foto Capa Pedro Silveira, Unidade Municipal de Educao Infantil Castelo Belo Horizonte (MG)

    Envie cartas para o endereo:Ministrio da Educao Coordenao-Geral de Educao Infantil DPE/SEBEsplanada dos Ministrios, Bloco L Edifcio Sede, 6o andar Sala 62370047-900 Braslia DF. Tel: (61) 2104 8645E-mail: [email protected] desta edio: 200 mil exemplares. Agosto de 2007.

    expediente

    Ministrioda Educao

  • revista criana 3

    19 31 34sumrio

    carta ao professor

    entrevistaBruna Elena Giacopini e Lanfranco Bassi

    caleidoscpioBases curriculares para a educao infantil? Ou isto ou aquiloOs contedos em educao infantilCurrculo e prticas pedaggicas na educao infantil

    professor faz literaturaArte est em toda parte

    matria de capaArquitetura e educao juntas por uma educao infantil melhor

    artigoFaz-de-conta: inveno do possvel

    relatoA vida invadindo o trabalho nas creches: uma experincia com a Pedagogia Freinet

    reportagemEducao infantil indgena: o que melhor para os curumins?

    reportagem

    resenha

    notas

    cartas

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  • revista criana4

    carta ao professor

    revista criana4

    Prezado (a) professor (a),

    O ano de 2007 iniciou-se com o que consideramos mais uma mudana estruturante na educao bsica: a vigncia do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Edu-cao (Fundeb), cuja Emenda Constitucional que permitiu sua implementao havia sido promulgada pelo Congresso Nacional em 29 de dezembro de 2006. Essa emenda tem por objetivo a elevao dos investimentos em educao e sua nova distribuio. A lei que cria o Fundeb foi sancionada pelo presidente em 20 de junho. O Fundeb visa garantir a educao bsica a todos os brasileiros, desde a creche ao final do ensino mdio, at queles que no tiveram acesso educao em sua infncia.

    Com esta conquista, a educao infantil do Pas tem muito que comemorar, mas tambm muito ainda por fazer. A grande diferena que, agora, a educao das crianas de 0 a 6 anos poder contar com uma poltica de financiamento para o alcance de metas que garantam uma educao cada vez mais com qualidade social. Dessa forma, a Revista Criana no poderia deixar de parabenizar todos aqueles que, conosco, lutaram por esta vitria!

    Na edio passada, destacamos as mudanas legais referentes ampliao do ensino fundamental para nove anos de durao e a conseqente e necessria reorganizao curricular das duas primeiras etapas da educao bsica. O Conselho Nacional de Educao j vem promovendo debates a esse respeito. Preocupados com isso, procu-ramos destacar alguns enfoques curriculares na educao infantil na seo Caleidoscpio. Nesta seo, os enfoques curriculares esto pautados em uma perspectiva cultural, na pedagogia da infncia e nas mltiplas linguagens. Esperamos que essas reflexes possam colaborar para uma discusso mais ampla a respeito das propostas curriculares na educao infantil.

    Tambm na edio passada, em nossa Matria de Capa, demos incio a uma discusso fundamental a respeito da incluso educacional na primeira etapa da educao bsica. Na continuidade desta proposta, apresenta-mos, nesta edio, relatos de especialistas e experincias abordando a questo da educao infantil em comunidades indgenas, na reportagem Educao infantil indgena: o que melhor para os curumins.

    Nesta edio, vocs tambm encontraro reflexes e propostas sobre a infra-estrutura das instituies de edu-cao infantil, a brincadeira, os bebs na educao infantil e tantos outros artigos, matrias e resenhas que ampliam e enriquecem o nosso olhar sobre o mundo, a cultura e, acima de tudo, a educao das crianas de 0 a 6 anos de idade.

    As nossas sees de Cartas e Professor faz literatura continuam abertas para o dilogo e para a publicao das contribuies dos professores de educao infantil. Solicitamos tambm o envio de desenhos e fotos de crianas, acompanhadas de autorizao dos pais para serem divulgados em nossa revista.

    Boa leitura!

  • revista criana 5

    entrevista

    Reggio Emlia: uma experincia inspiradora

    Vitria Faria e Alex CriadoTraduo do italiano: Fernanda Landucci Ortale e Ilse Paschoal MoreiraReviso tcnica: Ana Lcia Goulart de Faria

    A cidade italiana de Reggio Emilia, capital da provncia de mesmo nome, no norte da Itlia, tornou-se conhecida em todo o mundo pela qualidade da educao que oferece s suas crianas pequenas. As instituies de educao infantil da cidade caracterizam-se pela inovao terica, experimentao, documentao, formao contnua de seus profissionais e intensa participao da famlia e da comunidade na gesto da escola.

    Por isso, a Revista Criana entrevistou Bruna Elena Giacopini, pedagoga formada pela Uni-versidade de Bologna e coordenadora pedaggica da Prefeitura de Reggio Emilia e o educador Lanfranco Bassi, que ocupa a funo de atelierista em uma das escolas da infncia1 daquela cidade. Eles estiveram no Brasil para debater com educadores brasileiros o projeto educacional desenvolvido naquela cidade italiana.

    1 Escola da infncia na Itlia para as crianas de 3 a 6 anos de idade, j denominada escola materna, equivale a nossa escola de educao infantil.

    revista criana 5

    Como se desenvolvem as relaes entre o cuidar, o educar e o brincar em Reggio Emilia?

    Elena Giacopini Na nossa experincia, pensamos em uma menininha e um menininho que auto-aprende e constri o prprio conhecimento na relao com os outros. Isso significa que, na creche e na escola da infncia, o preparo de contextos de brincadeiras e de experincias assume importncia particular e responsabilidade pedaggica do professor. O percurso educativo entrelaa todos os momentos do dia, remete a situaes de brincadeiras, de dilo-go entre crianas e adultos, crianas entre si e adultos entre si. uma viso sistmica, nunca previsvel e repetitiva, que no pressupe aulas por parte do professor. Os meninos e as meni-nas tm, de fato, o direito a um lugar educativo pensado para eles, onde possam se arriscar, escolher como se exprimir, ser ouvidos e ouvir, experimentar diversas linguagens e contedos, assumir posturas investigativas, experimentar situaes de grupo grande e pequeno.

    Os professores esto comprometidos em valorizar os processos de conhecimento das crianas e procuram tornar visvel e, portanto, compreensvel, as diversas estratgias cogni-tivas que as crianas adotam e os diferentes percursos que realizam. Questionam-se sobre a relao ensino/aprendizagem e sobre como se aprende a aprender. Esto comprometidos em tornar explcita a cultura elaborada e produzida pela infncia, em dar voz s crianas.

    por isso que gostamos de enfatizar que os adultos aprendem com as crianas, aprendem como as crianas constroem as suas peculiares teorias cognitivas. Estas so, com certeza, teorias provisrias, moles, como as definia Loris Malaguzzi, capazes de serem rapidamente mo-dificadas, mas importantes porque nos ajudam a entender as idias, as representaes mentais e emocionais que as crianas ativam e elaboram.

    Bruna Elena Giacopini e Lanfranco Bassi

  • revista criana6

    entrevista

    revista criana6

    O que faz um atelierista nas instituies de educao infantil de Reggio Emilia?

    Lanfranco Bassi Vou tentar responder essa pergunta, que muito ampla, de maneira mais simples e, ao mesmo tempo, mais articulada possvel. Primeiro, preciso explicar o que se entende teoricamente por ateli no nosso projeto educativo. O ateli, antes de tudo, uma metfora da idia de escola entendida como grande laboratrio, oficina das idias e de prticas educativas, que acolhe e amplifica as abordagens e os olhares criativos de adultos e crianas. Outra metfora a das cem linguagens, entendendo por linguagens todas as formas cognitivas e expressivas que oferecemos s crianas; so linguagens possveis no seu processo de crescimento individual e de grupo (a linguagem verbal, grfica, musical, potico-metafrica, do corpo etc.).

    E nesse grande laboratrio que a escola da infncia e a creche, qual o papel do atelierista no dia-a-dia?

    Lanfranco Bassi Vamos comear pelo que no um atelierista. Um atelierista no um especialista em arte, mas um conhecedor de comunicao visual. No ensina tcnicas artsticas, mas utiliza a mdia de comunicao visual como suporte e estrutura lingstica para as pesquisas das crianas.

    Por que recusamos a idia de especialista h tempos? Porque entendemos a escola como um lugar de troca de culturas. Acreditamos que mais frutfero e enriquecedor que as diversas competncias em jogo (pedaggicas, artstico-visuais) entrem em dilogo complexo feito de mediaes de diversos pontos de vista. Deste jogo, que estratgia didtica e de projeto, participam adultos e crianas.

    Por isso, o atelierista, concretamente, cuida da dimenso esttica e cultural dos projetos e do ambiente, realiza uma gesto criativa dos projetos didticos, por meio do estmulo no plano expressivo e cognitivo, cuida da documentao e da interpre-tao dos processos cognitivos das crianas junto com professores e pedagogista,2 participa e planeja a organizao de exposies, de laboratrios de expresso com crianas e, s vezes, com os pais; e colabora com outros colegas em projetos que se relacionem, por exemplo, com diversas experincias da e na cidade. Da se deduz que no uma funo que pode ser facilmente definida com conjunto de atribuies rgidas. Pelo contrrio, uma funo extremamente flexvel e essa flexibilidade que a torna nica e importante.

    Voc pode relatar alguma experincia interessante que ilustre o traba-lho do atelierista?

    Lanfranco Bassi Uma experincia interessante foi o Projeto Labirintos e arredores. Iniciamos o ano letivo 2005-2006 com a presena de um labirinto vegetal no ptio da nossa escola. Esse labirinto passou a ser tema-objeto de brincadeiras cotidianas, princi-palmente por parte da turma de crianas de 5 anos, que ficava fisicamente prxima des-se espao. Percebemos que esse tema-objeto, que fascina muito as crianas, comeou a aparecer em muitas manifestaes grficas espontneas e, numa manh, Matteo nos mostrou um livro de mitologia que representava um labirinto.

    2 Pedagogista, em italiano, equivale ao especialista no Brasil, isto , pedagoga que ocupa cargo no setor educacional.

  • revista criana 7revista criana 7

    Como foi desenvolvido esse projeto?Lanfranco Bassi Em uma primeira etapa esse interesse das crianas foi entendido

    pelas professoras da turma como uma rea potencial de pesquisa. Estvamos no incio do ano letivo, momento em que adultos e crianas procuram as prprias bssolas para orientar o olhar. Essa observao compartilhada durante uma fase de atualizao do projeto com o ateli para comear a imaginar possveis desdobramentos. Tratava-se de um primeiro nvel de troca interpretativa entre professores de turma e o atelierista.

    Foram lidos os textos das crianas, reunidos a partir de conversas em grupos peque-nos e mdios, que evidenciavam alguns de seus interesses, como a organizao espa-cial do labirinto, o dentro, o fora, o centro como questo tpica, quem mora no labirinto, a idia de se perder e de encontrar a sada, os medos e os perigos que guarda dentro dele, as formas do labirinto.

    Pareceu-nos sedutora a idia do labirinto como motor de pesquisa para desenvolver a lateralidade e os seus vrios aspectos interligados. Da a idia de um ttulo que pudesse orientar e dar identidade ao percurso Labirinto e arredores, entendendo por arredores to-dos os aspectos transversais que esse lugar simblico-metafrico colocava em evidncia.

    Mas como possvel diferenciar o trabalho do ateli daquele desenvolvido na sala da turma e estabelecer a interao entre eles?

    Lanfranco Bassi Em uma segunda etapa, decidimos gerar contextos diferentes de pesquisa em grupos pequenos, tanto no ateli como na sala da turma. Na sala da turma foram feitas propostas grficas e construtivas sobre os temas relacionados com topologia, sinalizao e forma dos labirintos; no ateli foram propostas experincias no plano expressivo com o papel e a argila para dar forma a alguns labirintos, criando uma espcie de micro cenografias ambientais e diversas pesquisas sobre a sonorida-de. O fruto dessas experincias foi constantemente compartilhado entre os professo-res e o atelierista, e tambm em processos recognitivos com e entre as crianas. Como? Por meio de documentao escrita e fotogrfica, o que nos permitiu construir o percurso e modificar eventuais estratgias no decorrer do trabalho.

    Numa etapa final, era preciso sintetizar todo o percurso e torn-lo comunicvel aos colegas, s crianas e s famlias. Ento, todo o material reunido, grfico, fotogrfico, matrico,3 digital, verbal, foi rediscutido e reinterpretado pelos professores e pelo atelierista com base em escolhas conceituais. O projeto foi, ento, documentado em forma de psteres e de PowerPoint. Tambm foi construdo um jogo interativo, concebido com a ajuda de um dos pais e entregue s famlias no final do ano.

    Como se d a formao dos(as) profissionais que trabalham na escola da infncia e nas creches?

    Elena Giacopini O processo de formao parte do trabalho que diariamente toma vida na instituio. O investimento , portanto, muito alto e permanente. importante deixar claro que se emprega muito tempo nisso e nunca suficiente. Cada professor apre-senta o prprio olhar cultural e a prpria capacidade de reler a contemporaneidade, no confiando apenas nos instrumentos de formao escolares j adquiridos. As professoras

    3 Arte matrica uma forma de arte que pretende comunicar significados atravs da valorizao dos materiais de que feita (geralmente pape-lo, retalhos, plsticos e outros materiais tidos como pobres). (N.T.)

    entrevista

  • revista criana8

    entrevista

    tm um compromisso de trabalho de 36 horas semanais: 30 so com as crianas e seis para serem articuladas em momentos de planejamento, de atualizao, de formao con-tinuada e de encontros com as famlias.

    So, portanto, previstas diferentes estratgias de formao: encontros coletivos de todo o grupo de trabalho, at mesmo com o pessoal de apoio, outros momentos dedi-cados a preparar encontros com as famlias e projetos didticos, outras iniciativas, orga-nizadas de maneira centralizada, que prevem a participao de alguns representantes de cada creche ou escola da infncia.

    Todos os dias as professoras documentam os percursos das experincias realizadas pelas crianas. So vdeos, fotos, anotaes... Certamente parciais e subjetivos, mas que procuram evidenciar quanto e como as crianas conhecem. Todo esse material um patrimnio que circula entre as colegas, discutido e interpretado, alm de ser co-locado disposio das famlias. uma postura investigativa que adquire fora a partir do confronto entre diversos pontos de vista, com a conscincia de que, em educao, o fundamental assumir a incerteza como parmetro de referncia.

    Como a famlia participa da vida na creche e na escola da infncia?Elena Giacopini A idia que queremos defender de educao participativa. O

    percurso comea bem cedo, entre janeiro e maro, quando todas as famlias recebem as primeiras informaes enviadas pela prefeitura, sobre os equipamentos educativos da rede pblica e conveniada, e tm a possibilidade de decidir se esto interessadas em freqentar creches e escolas da infncia, apresentando o pedido de inscrio.

    Seguem-se, nos meses de maio a agosto bem antes do incio do ano letivo, que co-mea em setembro encontros para a apresentao da unidade, geralmente realizada pelas crianas que j a freqentam. H a divulgao de materiais dedicados s crianas e s famlias ingressantes. um modo acolhedor de se passar a vivncia na experincia educacional. Compartilham-se estratgias, tempos e propostas para o perodo de am-bientao. Realizam-se entrevistas individuais e encontros de turma, j testemunhando a ateno a cada uma das crianas e famlias.

    Durante o ano letivo, a comunicao cotidiana entre professores, crianas e famlias assume grande importncia, em geral, apoiada por instrumentos como agendas, dirios, cadernos de trabalho... Essas informaes so posteriormente retomadas e comple-mentadas por reflexes e consideraes em encontros noturnos mensais entre pais e professores de cada turma.

    Alm disso, cada creche e escola da infncia organiza um Conselho Infncia-Cidade, formado por pais interessados e por todos os funcionrios, professores, cozinheira, auxiliar, pedagogista. O Conselho promove iniciativas culturais, educativas e organizacionais, como palestras, encontros, festas; mantm contato com as realidades sociais e polticas presen-tes no municpio. Em sntese, a rede pblica de creches e escolas da infncia contribui para criar uma densa trama de relaes possveis, em que os pais decidem inserir-se e partici-par junto com as professoras. Eles so, juntos, construtores da experincia educativa.

    Lanfranco Bassi Dentre tantas possveis, a nossa filosofia educativa tem como pon-to alto a interao entre profissionais de diversas reas, pais, crianas e ambiente. no dilogo tecido entre todos os sujeitos que participam do projeto que se constri uma cultura do conhecimento compartilhado, que procura incluir as diversidades sub-jetivas e profissionais.

    revista criana8

  • Uma das discusses mais polmicas da educao infantil na atualidade refere-se ao currculo, uma vez que no existe ainda uma definio clara sobre o que ensi-nar, para que ensinar e como ensinar nesta etapa da educao. Entretanto, necessrio enfrentar a questo se pretendemos desenvolver um trabalho intencional e de qualidade junto s crianas de 0 a 6 anos.

    Para contribuir com essa discusso, convidamos as professoras ngela Scalabrin Coutinho e Eloisa Acires Candal Rocha da Universidade Federal de Santa Catari-na; defensoras da pedagogia da infncia, tm como objeto de preocupao os processos de constituio do conhecimento pelas crianas, como seres humanos concretos e reais.

    J a professora Anelise Monteiro do Nascimento parte da premissa de que necessrio definir caminhos pedaggicos explicitados no currculo, para que o espa-o escolar favorea o encontro da cultura infantil, valori-zando as trocas entre todos os que ali esto.

    Finalmente, o professor Gabriel de Andrade Junqueira Filho, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, relaciona contedo curricular e linguagem, afirmando que quando nos referimos linguagem, estamos nos referindo a tudo o que existe no mundo ns, inclusive e estamos dizendo o mundo e ns mesmos. ca

    leid

    osc

    pio

  • revista criana10

    Falar em bases currculares, programas pedaggicos ou projetos educativos (como preferimos), significa indiscutivelmente afirmar a funo educativa das creches e das pr-escolas como parte do sistema educa-cional brasileiro. No entanto, essa intencionalidade no suficiente para irmos alm, no sentido de uma pe-dagogia que permita a construo de projetos educacionaispedaggicos2 que considerem sua vinculao social e poltica e ultrapassem o mito de uma infncia que ignora os processos de dominao e de reprodu-o da desigualdade social.

    Em tempos neoliberais, os projetos educativos vem-se seduzidos pelos apelos do mercado (capacitao de domnios bsicos, flexibilizao etc.), pela iluso da equiparao dos conhecimentos pela via da transmisso e do ensino de mo nica. Ou, por outro lado, rendem-se aos anseios de uma igualdade de oportunidades focada no individual e na criana como vir-a-ser.

    Ou isto ou aquilo A curta durao da histria da

    educao infantil no Brasil no tem escapado da reproduo dos an-tigos binmios que deram base s pedagogias, aos currculos e s prticas educacionais. De um lado, as escolas de orientao tra-dicional/conservadora equiparam o ensinar a transmitir. Ao profes-sor cabe dominar os processos de instruo e criana nica, abs-trata e natural assimilar os conte-dos. De outro lado, as de orienta-o nova/liberal, em que a criana tambm nica, abstrata e natu-ral necessita para aprender que o professor conhea seus nveis

    de desenvolvimento e organize as condies para que este ocorra.

    Mesmo perspectivas recentes, que reiteram a necessidade de transmisso de contedos, no ultrapassam perfil que podemos definir como neo-conservador, pois no rompem com os mo-delos de assimilao passiva, os quais reafirmam as funes de re-produo hegemnica.

    As bases curriculares colocam, portanto, a centralidade da ao pedaggica com crianas peque-nas, ora no plo dos contedos disciplinares, ora nas reas ou aspectos do desenvolvimento. Outros ainda tentam somar es-tas duas dimenses cruzando

    caleidoscpio

    Bases curriculares para a educao infantil? Ou isto ou aquilo1ngela Scalabrin Coutinho* Eloisa Acires Candal Rocha*

    1 Como referncia poesia de Ceclia Meireles com este ttulo.2 Termo utilizado por Machado (1996).

    * ngela Scalabrin Coutinho e Eloisa Acires Candal Rocha so pesquisadoras do Ncleo de Estudos da educao na Pequena Infncia (NUPEIN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

    revista criana10

    procedimentos pedaggicos. Isto , entre atividades e projetos que contemplem as duas dimenses sem, contudo, romper com a base comum que os orienta: a criana e a infncia como referncias abs-tratas e universais.

    Ou aquilo ou isto

    O desafio para o campo da pe-dagogia da infncia est em ir raiz desta questo! Definir criticamente bases curriculares para a educa-o infantil nos exige redefinir, em uma perspectiva socio/histrica e cultural, a constituio da criana, da infncia e do conhecimento.

  • revista criana 11

    A dimenso que os conheci-mentos assumem na educao infantil coloca-se em uma relao extremamente vinculada aos pro-cessos gerais de constituio da criana: as linguagens, as intera-es e o ldico.

    Nesse sentido, entendemos que as bases para os projetos de edu-cao na pequena infncia no se resumem aos contedos escolares retritos a uma verso escolarizada,3 pois toda e qualquer aprendiza-gem conseqncia das relaes que as crianas estabelecem com a realidade social e natural, no m-bito de uma infncia determinada.

    Portanto, a pedagogia da infn-cia ter como objeto de preocupa-o os processos de constituio do conhecimento das crianas como seres humanos concretos e reais, pertencentes a diferentes contextos sociais e culturais tam-bm constitutivos de suas infn-cias. A construo deste campo poder diferenciar-se na medida em que considere as diferentes dimenses humanas envolvidas na construo do conhecimento e os sujeitos histricos objetos da interveno educativa.

    Nem isto, nem aquilo

    Para superarmos a viso ho-mognea de criana e de infncia que segundo Sarmento e Pinto (1997) s pode ser considerada

    se pensarmos no fato da infncia ser constituda por seres huma-nos de pouca idade , devemos partir da idia da infncia como construo social. Nesta pers-pectiva, a infncia deve ser reco-nhecida em sua heterogeneida-de. Fatores como classe social, etnia, gnero, religio determi-nam a constituio das diferentes infncias e de suas culturas.

    Desvelar o que conforma e d forma s diferentes infncias exi-ge considerar as prprias crian-as nesta dimenso social. Uma pedagogia da infncia, compro-metida, definir as bases para um projeto educacional-pedaggico, para o cumprimento de sua fun-o educativa de ampliao e de diversificao dos conhecimentos e experincias infantis. Mas para exercer esta tarefa no basta co-nhecermos as crianas (padroni-zadas e uniformizadas) ou estudar os modelos e mtodos para ensi-nar os contedos.

    Os ncleos da ao pedaggi-ca abrangem os diferentes mbi-tos que constituem a construo do conhecimento pela criana (linguagem gestual, corporal, oral, pictrica, plstica e escrita; rela-es sociais, culturais e com a na-tureza). E exigem conhecer tam-bm as crianas por meio de seu complexo acervo de patrimnio lingstico, intelectual, expressivo, emocional, enfim as bases cultu-rais que as constituem como tal.

    A auscultao das crianas implica em desdobramentos na prtica pedaggica que, asso-ciada ao conhecimento sobre os contextos educativos, permite o permanente dimensionamento das orientaes e das prticas educativo-pedaggicas dirigidas a elas. A aproximao s crianas e s infncias concretiza um en-contro entre adultos e a alterida-de da infncia. E exige ainda que eduquemos o nosso olhar, a fim de rompermos com a relao ver-ticalizada, passando a constituir a relao na qual adultos e crianas compartilham amplamente sua experincia de viver parte de suas vidas nas creches e pr-escolas.

    Nem isto nem aquilo. educao como emancipao. Nem subal-ternidade, nem espontanesmo.

    revista criana 11

    BIBLIOGRAFIA

    COUTINHO, ngela Scalabrin. As crianas no interior da creche: a educao e o cuidado nos momentos de sono, higie-ne e alimentao. Florianpolis: UFSC (Dissertao de Mestrado), 2002.MACHADO, M. L. de A. Formao e va-lorizao do profissional de educao infantil. In: II SIMPSIO NACIONAL DE EDUCAO INFANTIL, 1996, Braslia. ROCHA, Eloisa Candal. A pesquisa em educao infantil no Brasil: trajetria recente e perspectivas de consolidao de uma pedagogia. Campinas: UNICAMP (Tese de Doutorado), 1999.SARMENTO, Manuel J.; PINTO, Manuel. As crianas e a infncia: definindo conceitos delimitando o campo. In: PINTO, Manuele SARMENTO, Manuel J. (Coord.). As crian-as - contextos e identidades. Braga, Portugal: Centro de Estudos da Criana, 1997. pp. 7-28.

    caleidoscpio

    3 Esta categoria verso escolar do conhecimento definida para identificar a forma parcializada e fragmentada que o conhecimento toma ao ser traduzido para o currculo e o ensino na escola. (ROCHA, 1991).

  • revista criana12

    Os contedos em educao infantilGabriel de Andrade Junqueira Filho*

    Tudo fica mais fcil se significar-mos contedo como aquilo sobre o que conversamos, exploramos, vivenciamos em diferentes lin-guagens com as crianas. Ou seja, contedo tudo o que inter-media a relao entre educado-ras e as crianas, tanto aquilo que foi selecionado intencionalmente pela professora, quanto aquilo que foi consentido intencional e curiosamente por ela, sempre que surgem situaes inusitadas disparadas pelas crianas nos seus jeitos espontneos de dar-se a conhecer.

    Em outras palavras, hoje, pode-mos chamar de contedo tudo o que uma professora ou professor sabe, gosta, interessa, mobiliza, hipotetisa ou escolhe para come-ar a se apresentar a seus alunos. E no s se apresentar, mas tam-bm comear a conhec-los a partir das escolhas de contedos que fez, buscando avaliar se essas escolhas fazem sentido tambm s crianas. E nessa investigao sobre produo de sentido entre professoras e crianas, identificar o que de mais significativo exis-te na vida de cada um, em cada

    momento da vida desses pares educativos: crianas e crianas, crianas e professora, crianas e mundo.

    A lgica de funcionamento des-se jeito de selecionar e articular os contedos para e junto com as crianas pode ser explicada a partir do seguinte jogo de pala-vras: com sentido = consentido (seja para as crianas, seja para a professora); sem sentido = no consentido (tanto em relao uma quanto outra).

    Essa lgica de seleo e de ar-ticulao de contedos tem ou-tros desdobramentos. Por exem-plo: crianas e professores so considerados sujeitos-leitores e, ao mesmo tempo, objetos de co-nhecimento de si mesmos, uns dos outros e do mundo. Em ou-tras palavras, crianas e profes-sores so considerados tambm contedos, alm de sujeitos-lei-tores do mundo.

    Tanto assim que os relatrios que a professora encaminha aos familiares de cada criana um documento que registra, sobretu-do, o olhar da professora. Um olhar sobre a criana de uma professora

    que sujeito-leitor, mas que se tor-na tambm, nesse relatrio, objeto de conhecimento.

    Os pais das crianas e a equi-pe de coordenao da esco-la podem conhecer um pouco mais sobre a professora, como contedo que ela , a partir dos relatrios que ela elaborou sobre as crianas. Alm disso, ao lon-go do ano, as crianas tambm vo aprendendo sua professora sujeitos-leitores que so dela e objeto de conhecimento que ela para as crianas pela forma como ela organizar o trabalho no dia-a-dia.

    Portanto, cada um dos elemen-tos do par educativo se produz nessa relao a partir de dois pa-pis e funcionamentos diferentes, ou seja, como objeto de conheci-mento e como sujeito que investi-ga esse objeto de conhecimento. Sujeito que investiga tambm tudo o que no mas afeta o objeto de conhecimento. Mas do que feito esse tudo? Cabe ao professor e s crianas investigarem e, uma vez identificado, estudarem as ar-ticulaes entre os elementos de composio desse tudo.

    Crianas e professores como sujeitos-leitores e objetos de conhecimento

    caleidoscpio

    revista criana12

    * Gabriel de Andrade Junqueira Filho pedagogo, doutor em educao e professor da Faculdade de educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Autor de Interdisciplinaridade na pr-escola: anotaes de um educador on the road e Linguagens geradoras: seleo e articulao de contedos em educao infantil.

  • revista criana 13

    Pois ! Contedo e linguagem. Estamos diante de duas expres-ses bastante presentes hoje nas discusses sobre educao in-fantil. Que relaes poderamos estabelecer entre elas? Sobre contedos j falamos. E sobre lin-guagem? O que dizer?

    A primeira coisa a ser dita nes-sa relao entre contedo e lin-guagem que quando falamos de linguagem estamos nos referindo s linguagens verbais (oralidade e escrita) e no-verbais (a arquitetu-ra, o trnsito, as leis, a medicina, o teatro, o cinema, a flora, a fauna, a chuva, o vento, a noite, o dia, as quatro estaes da natureza...). Ou seja, quando dizemos lingua-gem, estamos nos referindo a tudo que existe no mundo ns, inclusive e estamos dizendo o mundo e ns mesmos. Estamos formulando nossas perguntas e as hipteses que temos sobre o modo como o mundo e ns fun-cionamos. E tambm o que j sa-bemos sobre o funcionamento do mundo e sobre o nosso prprio jeito e funcionamento.

    Quem nos possibilita signifi-car linguagem dessa maneira o

    Contedo como linguagem

    caleidoscpio

    revista criana 13

    norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), semioticis-ta, filsofo, lgico, matemtico, quando nos afirma que linguagem toda e qualquer produo, reali-zao, funcionamento do homem e da natureza.

    No que diz respeito seleo e articulao de contedos em edu-cao infantil, significar contedo como linguagem implica reconhe-cer toda e qualquer produo das crianas e da professora como contedos que indicam reve-lando, escondendo, perguntando algo sobre as crianas e a pro-fessora. Algo que tanto as crian-as quanto a professora querem, porque precisam muito conhecer, ou ocultar, ou disfarar, ou negar.

    Nessa perspectiva, contedo tambm tudo o que gera a pos-sibilidade de revelao ou inda-gao sobre o sujeito ou objeto de conhecimento. Tudo o que se quer conhecer e que surge es-pontaneamente do sujeito ou a partir do consentimento (ou recu-sa) desse sujeito a uma proposta de algum. No nosso caso, da professora criana, ou o con-trrio.

    Que contedos so esses? Como selecion-los? Quem deve selecion-los? Enquanto a pro-fessora no descobre esses con-tedos que mobilizam as crian-as, ela trabalha com qu?

    A ansiedade diante dessas e de outras questes relativas a este tema compreensvel e inevitvel. E a resposta que apresento no sentido de ameniz-la de que estes contedos so sempre ar-bitrrios, por muitos motivos. Por isso, a necessidade do professor de exercitar-se dia-a-dia como sujeito-leitor de si mesmo, das crianas e do mundo. E ter cons-cincia de que tambm objeto de conhecimento.

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    O que dizer da infncia hoje? O poema de Pedro Bandeira fala sobre a infncia vivida em intera-o com o mundo, fala sobre a nsia da criana em conhecer o universo que a rodeia. O conheci-mento desejado no um conhe-cimento superficial e sim algo que ocorre na intimidade, no contato.

    E quem essa criana que quer ter barro nos ps? Poderamos di-zer que ela qualquer uma das crianas de nossas esco-las que, como afirma o poeta Carlos Drummond de Andrade, tem pressa de viver. As crian-as possuem expectativas frente ao mundo que se expressam na medida em que a sociedade vol-ta seu olhar para esse perodo da vida. Mas, como criar espaos dentro de nossas instituies para que as crianas possam apren-der o mundo, como no poema?

    Eis o desafio que tem pautado

    muitos debates e pesquisas que buscam contribuir no sentido da construo da identidade da edu-cao infantil. Que escola quere-mos para as crianas de 0 a 6 anos? Que diretrizes devemos se-guir? Quais so os seus objeti-vos?

    Mas, antes de discutirmos que escola quere-mos, precisa-mos nos ques-tionar sobre quem so as crianas que esto matri-culadas nas creches, nas pr-escolas e nas turmas de

    educao infantil de escolas de Ensino Fundamental. Uma turma nunca igual a outra e dentro da mesma turma as crianas tam-bm so diferentes. Conhecer a criana o ponto de partida para uma prtica mais significativa e democrtica. A escola precisa considerar a criana em sua es-sncia, no uma criana idealiza-da (ARIS, 1978), mas a criana

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    Currculo e prticas pedaggicas na educao infantilAnelise Monteiro do Nascimento*

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    * Anelise Monteiro do Nascimento mestre em educao pela PUC-RJ. Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janei-ro (UFRRJ), participa da pesquisa Crianas e adultos em diferentes contextos: infncia e cultura contempornea coordenada pela professora Sonia Kramer.

    Como eu vou saber da terra, se eu nunca me sujar?

    Como eu vou saber das gentes, sem aprender a gostar?

    Quero ver com os meus olhos, quero a vida at o fundo,

    Quero ter barro nos ps, eu quero aprender o mundo!

    Pedro Bandeira

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    que est em nossas salas, que produz cultura, que forma e for-mada na linguagem.

    Compreendendo que o currcu-lo se materializa nas aes coti-dianas e que est impregnado de crenas, de apostas e de pers-pectivas, acreditamos que discutir sobre quem so as crianas e que educao queremos devem ser prticas freqentes que envolvam no s os professores, mas toda a comunidade escolar.

    Legislao e infncia

    Os ltimos anos podem ser considerados fundamentais no sentido da construo social de uma concepo de infncia que considere as especificidades infan-tis. Essa construo vem sendo alimentada por debates e pesqui-sas realizados por diferentes reas do conhecimento e tambm por lutas polticas em defesa dos direi-tos das crianas e das famlias.

    Acompanhando o percurso his-trico da legislao brasileira, perce-bemos como o carter das aes destinadas s crianas foi mudando ao longo dos anos. Passando por um perodo em que se apostava na criana pelo que ela poderia ser no futuro, hoje as leis se aproximam de uma concepo de infncia alicer-

    ada na histria e na cultura.Essa concepo de infncia,

    elaborada nos ltimos anos, tem sido alimentada por estudos que identificam as singularidades in-fantis no em oposio ao uni-verso adulto e sim reconhecendo que as crianas so atores so-ciais plenos, inseridos em um mundo amplo e em uma socieda-de marcada por contradies. Os estudos vm apontando para a existncia de culturas da infncia. As culturas da infncia seriam compreendidas como significa-es e formas de ao social es-pecficas que estruturam as rela-es das crianas entre si, bem como os modos pelos quais in-terpretam, representam e agem sobre o mundo (BORBA, 2006).

    Walter Benjamin (1984), filsofo crtico da modernidade, tambm traz contribuies para pensarmos sobre quem so as crianas. Para o autor, a criana possui um olhar que subverte a ordem das coisas. Seu modo de ser mostra-nos que preciso enxergar o mundo com olhos de criana para que deixe-mos de ver as coisas como ver-dades que nos so apresentadas. O autor no toma a criana de forma romntica ou ingnua, mas a entende na histria, inserida em uma classe social, sendo parte da cultura e produzida por ela.

    Educao infantil e currculo

    Denominado como proposta pe-daggica, currculo ou projeto pol-tico-pedaggico, esses so os instrumentos que vo revelar a identidade da escola. Um dos ca-minhos para se trabalhar no senti-do da valorizao da cultura infantil o de pensar sobre os aspectos que delineiam as suas prticas. A escola possui um registro da Proposta Pedaggica? Quem par-ticipou da sua elaborao?

    Cabe lembrar que no ter uma proposta pedaggica ou currcu-lo sistematizado no significa que a instituio no tenha uma pro-posta em curso. Um currculo um caminho trilhado coletivamen-te. Uma aposta que contm con-cepo de infncia, de homem, de educao, de conhecimento e de cultura fundamentada em re-ferncias tericos que se articu-lam prtica. Para que ela seja efetivada deve contar com a co-laborao de todos (KRAMER, 1999).

    Se queremos um espao cheio de significados e aprendizagens, devemos ter em mente que na interao com o outro e com o mundo que construmos conhe-cimentos e compreendemos a realidade que nos cerca. Nesse

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    sentido, o currculo no pode ser vivido como uma listagem de ob-jetivos e contedos a serem atin-gidos.

    O currculo algo vivo e din-mico. Ele est relacionado a todas as aes que envolvem a criana no seu dia-a-dia dentro das insti-tuies de ensino, no s quando ns professores consideramos que as crianas esto aprenden-do. O currculo deve prever espa-o de interaes entre as crianas sem a mediao direta do profes-sor, e espaos de aprendizagem na interao com os adultos, nos quais as crianas sejam as prota-gonistas.

    Considerando que cada crian-a nica, nosso desafio est em desenvolver uma escuta atenta e um olhar sensvel s produes infantis, que vo nos informar so-bre seus conhecimentos, interes-ses e as hipteses que levantam para a soluo de problemas. Essa escuta e olhar sensveis re-velam as aprendizagens que no esto somente nos livros, mas as aprendizagens que so fruto das interaes com o meio, que pas-sam pelo desejo e pela superao de desafios, que partem tanto do mundo exterior como da vontade ntima da criana de ultrapassar seus limites. Assim, para a ela-borao desses documentos de-vemos ter em mente a realidade sociocultural e os desejos das crianas e de suas famlias.

    Currculo e projetos

    Buscando uma prtica que con-sidere o conhecimento como tra-

    ma tecida no cotidiano, algumas escolas tm optado pelo trabalho com projetos. Essas instituies tiveram de criar novas expectati-vas para o processo de ensino e aprendizagem das crianas.

    Mesmo que o professor tenha um projeto previamente elaborado e objetivos pr-definidos a alcan-ar, muito difcil que na prtica o projeto no tome novos rumos e seja influenciado pelos interes-ses das crianas. Ter flexibilidade parece ser condio para a rea-lizao de prticas com projetos porque o projeto no do profes-sor, ele de todos os envolvidos. Os projetos exigem cooperao, interesse, curiosidade, pesquisa coletiva em diferentes fontes. Ao professor cabe a mediao de cada momento do processo por meio do planejamento, da orga-nizao de propostas, de pesqui-sas, de registro e de avaliao.

    Elaborar um currculo que tenha como uma de suas fontes o traba-lho com projetos pode significar a oportunidade de criao de uma escola que lide com conhecimen-tos significativos para as crianas, que valorize as culturas locais, as artes, a brincadeira e tantos ou-

    tros aspectos que nos instigam e envolvem.

    Ao discutirmos o currculo, no podemos deixar de considerar que as prticas escolares, os projetos polticos-pedaggicos e as legis-laes refletem as concepes que a sociedade tem da infncia. Essas idias esto presentes em todas as prticas existentes no interior da escola, deixando mais ou menos explcitos os valores e os conceitos daquela instituio. Desse modo, no cotidiano, a orga-nizao do espao da escola e da sala de aula, a valorizao ou no das produes infantis, as vozes ouvidas ou silenciadas, a esttica dos espaos e as relaes que se estabelecem, revelam o que pen-samos sobre criana e educao.

    Pensar o currculo e o coti-diano da educao infantil um exerccio que requer tanto uma tomada de conscincia pessoal, quanto o fortalecimento da orga-nizao coletiva de estudo acerca o tema. Esse exerccio neces-srio porque, mesmo tendo uma proposta pedaggica elaborada coletivamente, a sua efetivao requer constantes reflexes e mudanas.

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    Se acreditarmos que o princi-pal papel da escola o desenvol-vimento integral da criana, deve-mos consider-la em suas vrias dimenses: afetiva, ou seja, nas relaes com o meio, com as ou-tras crianas e adultos com quem convive; cognitiva, construindo co-nhecimentos por meio de trocas com parceiros mais e menos ex-perientes e do contato com o co-nhecimento historicamente cons-trudo pela humanidade; social, freqentando no s a escola como tambm outros espaos de interao como praas, clu-bes, festas populares, espaos religiosos, cinemas e outras insti-tuies culturais; e finalmente na dimenso psicolgica, atenden-do suas necessidades bsicas como higiene, alimentao, mo-radia, sono, alm de espao para fala e escuta, carinho, ateno, respeito aos seus direitos (MEC, 2005).

    H de se definir caminhos pe-daggicos explicitados no cur-rculo em que o espao escolar favorea o encontro da cultura infantil, valorizando as trocas en-tre todos os que ali esto. E, so-bretudo, valorizar a construo

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    BIBLIOGRAFIA

    ANDRADE, Carlos Drummond. A salvao da alma. In: ANDRADE, Carlos Drummond. Contos de aprendiz. Rio de Janeiro: Record, 1987. p. 6. ARIS, P. Histria social da criana e da famlia. Rio de Janeiro: Zahar,1978. BORBA, ngela. O brincar como um modo de ser e estar no mundo. 2006 (mimeo).BANDEIRA, Pedro. Vai j pra dentro menino! In: BANDEIRA, Pedro. Mais respeito que eu sou criana. So Paulo: Moderna, 2002. pp. 14 e 15. BENJAMIN, W. Reflexes: a criana, o brinquedo, a educao. So Paulo: Summus, 1984. KRAMER, Sonia. Propostas pedaggicas ou curriculares: subsdios para uma leitura crtica. In . MOREIRA, Antonio Flavio. Curr-culo: polticas e prticas. Campinas, SP: Papirus, 1999. MINISTRIO DA EDUCAO Governo Federal, Brasil Proinfantil, Programa de Formao Inicial para Professores em Exerccio na educao infantil, 2005.

    de autonomia, por meio da qual as crianas possam recriar as relaes da sociedade em que esto inseridas e possam ex-pressar suas emoes e formas de ver e de significar o mundo. Tomar a criana real que est nas salas de aula nosso gran-de desafio. Reconhecer a sua produo como cultura a base para o desenvolvimento de prti-cas que tragam a criana como protagonista.

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    Arte est em toda parteEst na Natureza

    Arte perceber a sutileza observar a levezaDe uma folha caindo

    A arte contemplar o pr-do-solAssistir ao arrebolNo horizonte... sumindo

    Arte admirarOs primeiros raios solaresE ter tempo para inalar O perfume das belas flores Arte ouvir o gorjearDos pssaros multicores

    Arte est em toda parte Est na educao

    Pedagogia uma arteA arte de conduzir Abrir novos horizontesE acreditar no porvir

    Professor,Arte a reflexo De sua prtica educativa Arte ser mediador Arte ser pesquisador ser facilitadorArte tudo que incentiva

    professor faz literatura

    Professor,Na arte de ensinar A ao que mais fascina sua arte de moldar O que j obra prima.Obra prima sem minutaExige arte e desvelo Depende da sua condutaDe estigma ou de zelo.

    Arte, professor, ...Ao entrar em sua salaPerceber cada educando Cada um com sua falaOutros at se calando

    como a arte de ler o vento Que diz como est o tempo Professor, esse o momentoDa arte de se lerLer seus educandosQue so artistas esperandoFazer arte para aprender

    Arte est em toda parte Est na vida!

    Vida.Obra de arte divina Tudo que se descortina a arte de viver bem

    Como? Arte? Onde se v?Quem o artista?O artista desta arteEncontra-se em toda a parteUm deles... pode ser voc!

    * Maria Terezinha Alves Castilho supervisora de educao infantil da Escola Municipal Padre Germano Mayer - Arapongas/PR.

    Arte est em toda parteMaria Terezinha Alves Castilho*

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    Arquitetura e educao juntas por uma educao infantil melhorAnglica Miranda | Rio de Janeiro/RJ*

    Creches e pr-escolas devem ter um ambiente estimulante, seguro e acessvel para promover o desenvolvimento da criana. O espao tem que ser ldico, dinmico, vivo, onde ela brinque, se alimente, tome banho, oua e conte histrias. O MEC distribuiu documento com os parmetros bsicos para construo e reforma de escolas de educa-o infantil

    Imagine a pr-escola dos seus sonhos. Um prdio funcional, onde as crianas possam interagir, brincar, aprender, conviver de forma harmo-niosa com a natureza e cercadas de segurana. Um lugar pensado de forma a interferir o mnimo possvel no meio ambiente e que possa contribuir para o desenvolvimento da criana. Difcil chegar l? Nem tanto. Para especialistas de vrias reas, essa escola vivel.

    O Grupo Ambiental educao (GAE), formado por profissionais de arquitetura e de engenharia, pedagogos e psiclogos, enfatiza o princ-pio de que o espao fsico, quando bem planejado, pode interferir de forma positiva no projeto pedaggico. Foi partindo desse princpio que

    * Colaborou Cristina Guimares, de Belo Horizonte.

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    o GAE participou como consultor, juntamente com a equipe da Secre-taria Municipal de educao de Belo Horizonte, da discusso e elabo-rao do documento Parmetros Bsicos de Infra-estrutura para Insti-tuies de educao infantil, produzido pela Coordenao-Geral de educao infantil DPE/SEB do Ministrio da educao. Esse documen-to comeou a ser distribudo no incio de 2007 e oferece referncias para as secretarias de educao construrem ou reformarem os pr-dios das instituies de educao infantil.

    Para Flvia Julio, gerente de educao Bsica e Incluso da Se-cretaria Municipal de educao de Belo Horizonte (MG), o espao no apenas um cenrio, ele tambm faz parte da proposta pedaggica. Essa dimenso fundamental para que possamos planejar e construir escolas que contemplem a criana e suas especificidades. O proje-to arquitetnico deve levar em considerao reas para a criana se desenvolver e aprender, ou seja, espaos para ela brincar, para se ali-mentar, para tomar banho, para ouvir e contar histrias, para desenhar, colorir e pintar, afirma a educadora.

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    Menina brinca de supermercado

    Escola contribui para mudar realidade no RSEduardo Andrejew | Porto Alegre/RS

    A vila Santa Rosa, situada na zona norte de Porto Alegre, enfrenta um cotidiano de pobreza e violncia. Esse, entretanto, apenas um dos lados da moeda. O outro o da soli-dariedade e da cooperao entre os moradores. E um bom exemplo des-se sentimento comunitrio a Esco-la Municipal Infantil Santa Rosa, que atende 132 crianas de at 6 anos, em turno integral.

    Graas ao esforo coletivo dos moradores e da comunidade esco-lar, a instituio vem conseguindo, nos ltimos anos, melhorar a infra-estrutura e a qualidade do trabalho pedaggico desenvolvido com os pequeninos. A cada ano acontecem

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    Mveis devem ser adequados ao tamanho das crianas

    computador, telefone, fax e mquina de calcular. Nenhum aparelho est li-gado energia eltrica e s funciona graas ao faz-de-conta das crianas, que reproduzem, e at reinventam, o cotidiano em suas brincadeiras.

    Todas as atividades so feitas com interveno dos pedagogos e visam, entre outras coisas, estimular a auto-nomia e o equilbrio corporal. Nicole, de dois anos, d comidinha para a boneca e decide passear no super-mercado, onde Filipe, de 1 ano e 10 meses, cuida do caixa. Brincadeiras que ajudam a conhecer o mundo. A idia ter espaos pedaggicos e ldicos. A escola tem de ser um lo-cal interessante, explica Ana Isabel. Por conta disso, as crianas acabam freqentando diferentes reas duran-te a semana, como a sala de vdeo, o parquinho, a piscina de bolinha, a biblioteca e o quiosque.

    melhorias em prol das crianas com a construo de pracinha com brin-quedos, quiosque, sala de vdeo, biblioteca. Tudo conseguido pelo sistema de oramento participativo junto Prefeitura modelo no qual a comunidade elege as prioridades de investimentos pblicos na sua regio. Alm da mobilizao, os educado-res da escola tambm apelam para a criatividade para driblar a carncia de recursos. Entre as idias mais in-teressantes est a Brinquedoteca, localizada no ltimo piso da escola. A pedagoga Ana Isabel Lima Ramos exibe o espao que h quatro anos no passava de um depsito, e hoje um dos locais favoritos das crianas. O ambiente imita uma casa, com pe-quenas poltronas e mveis, televiso, geladeira e fogo. Ao lado da casa, um supermercado, com carrinho de compras, embalagens de produtos,

    O ambiente tambm uma opor-tunidade para que as crianas expe-rimentem uma realidade diferente da vivida na vila cheia de privaes. ali, na biblioteca, em contato com os livros que elas despertam para a lite-ratura, mesmo que ainda no saibam ler. Curiosamente, nesses peque-nos detalhes que a escola contribui para mudanas importantes na Santa Rosa. Algumas crianas levam livri-nhos para a casa e pedem para que seus pais leiam para elas. E alguns so analfabetos, mas acabam deci-dindo procurar a educao de Jovens e Adultos (EJA), revela a coordena-dora pedaggica Maria Ins Soares.

    Tais acontecimentos, segundo a diretora Jaqueline Moura Martins, acabam servindo de estmulo para continuar melhorando a escola. Ela avisa que o prximo passo batalhar pela implantao de um laboratrio.

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    Escola bonita fundamental no desen-volvimento das crianas

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    Mudana de concepo

    A psicloga Vera Maria Ramos de Vasconcellos, integrante do GAE e professora titular em educao infantil da Universidade Esta-dual do Rio de Janeiro (UERJ), conta que, no passado, as creches, em geral, foram idealizadas para o simples atendimento de crianas pobres, e, portanto, organizadas com base na lgica da pobreza. Os servios prestados pelo poder pblico ou por entidades religiosas e filantrpicas no eram considerados um direito das crianas e de suas famlias, mas sim uma doao que se fazia e, muitas vezes, ainda se faz sem grandes investimentos. Alm dessas iniciativas, as populaes das periferias e das favelas tambm procuraram criar espaos coletivos para acolher crianas, organizando creches e pr-escolas comunitrias. E assim, construram e adaptaram pr-dios com poucos recursos, o que continuam fazendo na ausncia do Estado.

    Desde ento, pesquisas e prticas vm buscando afirmar a importn-cia de se promover uma educao de qualidade para todas as crianas, o que envolve tambm o ambiente construdo. A Constituio de 1988 representou um grande avano, ao estabelecer a obrigao do Estado, por meio dos municpios, em oferecer educao infantil. Essa conquis-ta da sociedade significou uma mudana de concepo. A educao infantil comeou a deixar de ser mera caridade para se transformar em direito da criana. Desde 1996, com a promulgao da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a educao infantil foi definida como a primeira etapa da educao Bsica.

    O diagnstico apresentado no Plano Nacional de educao (PNE-2001) conclui que ainda h srios problemas a se enfrentar nesse cam-po e define como uma de suas metas a elaborao de padres de in-fra-estrutura para o funcionamento das instituies de educao infantil. O documento Parmetros Bsicos de Infra-estrutura foi debati-do com dirigentes estaduais e municipais de educao e representan-tes da sociedade civil em 2004, quando a Secretaria de Educao B-sica do Ministrio da Educao (SEB/MEC) realizou oito seminrios regionais para traar uma poltica nacional de educao infantil. Cerca de mil municpios participaram dos debates.

    A arquiteta e coordenadora do GAE, Giselle Arteiro Nielsen Azevedo, que professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora em engenharia de produo, espera que esse documento sirva como referncia para que Estados e municpios determinem parmetros de construes de creches e de pr-escolas, particulares ou pblicas. Ela lembra que existem muitas creches particulares que funcionam em casas adaptadas, com espaos apertados, insalubres e desconfortveis. Muitas vezes, no h sequer ptios para banho de sol. E isso no bom para as crianas.

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    Iluminao e ventilao naturais so caractersticas importantes

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    Ambiente acolhedor

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    Ateli com fantoches

    Em Belo Horizonte, espao coisa sria Cristina Guimares | Belo Horizonte/MG

    As primeiras horas do dia na Uni-dade Municipal de educao infantil (Umei) Castelo, em Belo Horizonte (MG), podem ser aproveitadas de vrios modos sob o olhar atento das educadoras. A infra-estrutura da es-cola possibilita o desenvolvimento e a aprendizagem das 250 crianas de at 5 anos e 8 meses atendidas em meio turno ou em horrio integral.

    Inaugurada em agosto de 2004, a Umei Castelo foi uma das unidades piloto que a Secretaria Municipal de educao (SMED) de Belo Horizonte construiu para expandir a oferta de educao infantil em espaos con-dizentes com as necessidades das crianas e dos profissionais que atu-am nesse nvel de ensino.

    Por dentro

    Nesse sentido, na Umei Castelo assim como nas 31 Umeis da capital mineira o espao para a criana com at 1 ano de idade tem cuida-dos especficos. Fica preservado das reas de grande movimentao, pro-porcionando conforto acstico e tr-mico. A rea de repouso tem beros individuais e os bebs contam com espao para socializao, alm de fraldrio.

    Para as demais faixas etrias, as salas de atividades possibilitam di-ferentes organizaes como cantos para brincadeiras em pequenos gru-pos, jogos, atividades plsticas, ex-plorao de livros e brinquedos bem como espaos para o repouso das crianas, em momentos especficos.

    Alm das salas de atividades, a escola conta com uma sala multiuso, organizada de acordo com a proposta

    rvore oferece grande sombra para as crianas que preferem brincar com terra no parquinho, ao mesmo tempo em que outros se divertem no escor-regador, trepa-trepa, balanos, tneis e na casa que precisa ser escalada.

    To concorrida quanto o parqui-nho, a Manso dos Coelhos fica sob o olhar constante das meninas e dos meninos. O espao surgiu do Projeto Diversidade, que faz parte do Programa Ambiental da Umei Caste-lo. Os coelhinhos branco, preto, mar-rom e malhado tornam-se referncia para a discusso da convivncia com as diferenas, que apresentada como um direito e uma oportunida-de. As crianas negras, brancas, de baixa renda, de classe mdia, com e sem deficincia, atendidas na escola misturam-se nas atividades propos-tas pelas educadoras e sentem-se seguras com o projeto arquitetnico da instituio, que leva em conside-rao a acessibilidade e a incluso. Outra ao do Programa Ambiental o cuidado com a horta. As crian-as aprendem na prtica o valor dos alimentos e que devem respeitar a natureza.

    pedaggica da instituio, que pode ser utilizada por todas as faixas et-rias, como alternativa para biblioteca, sala de televiso, vdeo ou DVD e som. Outra organizao possvel para o es-pao multiuso o de ateli para o de-senvolvimento de diversas atividades de arte, como teatro de fantoches ou apresentaes com fantasias. Aos poucos, fomos definindo os espaos e as atividades mais apropriadas para serem desenvolvidas a partir das ne-cessidades das crianas, relembra a educadora Maria Martha Ferrari de Faria Athayde, que trabalha na insti-tuio desde a inaugurao.

    Os banheiros infantis so adapta-dos e foram implantados prximos s salas de atividades, no tendo comu-nicao direta com a cozinha e com o refeitrio. Foram ainda previstos ba-nheiros de uso exclusivo dos adultos, sendo que alguns deles acumulam a funo de vestirio.

    Do lado de fora

    A rea externa da Unidade tem duchas com torneiras acessveis s crianas, quadros azulejados para ati-vidades com tinta lavvel. A copa da

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    Arquitetura e participao

    Para Flvia Julio, necessrio que haja uma equipe interdisciplinar dialogando constantemente para planejar o projeto da escola, que deve estar em consonncia com a proposta pedaggica. Para isso neces-srio envolver, alm de arquitetos, engenheiros e educadores, as mes e os pais, os funcionrios da unidade escolar e as crianas. Vera Vascon-cellos recomenda ainda a incluso de um profissional da rea de sade para opinar sobre as condies de salubridade do ambiente.

    O professor e arquiteto da UFRJ, Paulo Rheingantz, que tambm participa do GAE, observa que, na maioria das cidades pequenas, a escola o espao mais importante para a comunidade: onde as pessoas se renem, participam de festas e reunies, desenvolvem uma srie de atividades. Portanto, nada mais justo que esse espao oferea uma infra-estrutura condizente com as necessidades locais.

    Passo a passo

    Um planejamento bem embasado vai definir o sucesso do projeto. Flvia Julio defende que vale a pena investir no planejamento, porque as refor-mas tm limitaes, e muitas vezes, saem to caras quanto a construo de um prdio novo. Esse planejamento deve ser feito passo a passo.

    Primeiro, a comunidade deve pensar sobre a proposta pedaggica que se pretende adotar. A partir dela, avalia-se a localizao, as con-dies do terreno, as plantas, o andamento das obras, a escolha do material de acabamento, as cores das paredes, o mobilirio, os brin-quedos fixos e mveis. Enfim, cada etapa dever ser discutida.

    O custo de cada projeto vai variar de acordo com o material utilizado na construo. E bom lembrar que luxo nem sempre sinnimo de

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    conforto. O que se busca simplicidade e funcionalidade. O GAE recomen-da que os materiais sejam prprios da regio: No tem sentido, por exem-plo, um arquiteto bolar um sistema todo de concreto em plena Amaznia. A dificuldade de transporte pode inviabilizar um projeto, explica Rheingantz. Outro instrumento que pode ser til no caso de cidades pequenas seria a elaborao de cartilhas com orientaes para a construo. Rheingantz conta que essa soluo foi utilizada com sucesso no Mxico.

    Giselle Arteiro acrescenta que preciso estar atento questo da pre-servao do meio ambiente: Antes de comear as obras, deve-se anali-sar as condies sanitrias do entorno, do terreno e evitar interferncias desnecessrias na sua topografia e na vegetao. A acessibilidade do prdio outro ponto importante na opinio da arquiteta. Desde a entrada, o edifcio deve mostrar-se agradvel e acessvel, j que estamos falando de crianas pequenas. A separao dos pais complicada. Um ambiente acolhedor facilita a possibilidade de adaptao das crianas. Alm do mais, devemos optar por um espao que se integra ao ambiente externo, onde a criana possa ver o lado de fora, com janelas na altura dela. Um outro aspecto, segundo Flvia Julio a dimenso esttica: uma escola bonita, colorida, confortvel muito importante para o pleno desenvolvi-mento da criana e para o bem-estar dos profissionais.

    Ambiente e aprendizagem

    Instalaes sanitrias, pias, bebedouros, armrios, livros e brinque-dos tudo deve estar ao alcance das crianas. Uma providncia que vai facilitar a autonomia e torn-las mais independentes. Esse conceito in-clui ainda a construo de espao acessvel a pessoas com necessi-dades especiais. O ideal seria prever uma planta baixa com um s pa-vimento. No caso de impossibilidade, deve-se optar por rampas no

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    matria de capa

    lugar de escadarias, alm de portas largas e pisos sem obstculos para a passagem de cadeiras de rodas e carrinhos de beb.

    Partindo do princpio de que o ambiente fsico um poderoso instru-mento de aprendizagem, o mobilirio pea importante do projeto. Deve ser leve, na altura da criana, sem quinas e que possa ser rearranjado o tempo todo. Vera Vasconcellos lembra que criana gosta de cantinhos onde ela possa buscar privacidade e criar brincadeiras.

    A organizao deve levar em conta o que importante para o desen-volvimento de todos, incorporando valores culturais das famlias em suas propostas pedaggicas. Um espao em que as crianas possam re-sig-nificar, transformar, propor, recriar, explorar e modificar o que foi planejado. Ambientes diferentes podem favorecer diferentes tipos de interaes e o professor tem papel importante nisso. um trabalho que requer escuta, dilogo, observao das necessidades e dos interesses expressos pelas crianas; desejos que se transformam em objetivos pedaggicos.

    A escolha das cores das paredes tambm importante. Nas salas de atividades, cores fortes e alegres. Nos berrios, tons mais claros e aconchegantes. Ptios e salas com quadros e murais onde as crian-as possam pendurar seus desenhos. O material de acabamento deve prever a facilidade de limpeza: pisos lisos e tintas lavveis nas paredes. Sempre que possvel, azulejos na cozinha, refeitrio, banhei-ros e fraldrio. Mas o GAE enfatiza que na maioria das vezes pode haver uma opo mais acessvel.

    Iluminao e ventilao naturais so imprescindveis. Janelas gran-des e com proteo. Alm do mais, criana precisa de sol. rea ex-terna deve fazer parte de todo e qualquer projeto. O ptio ideal ter uma parte coberta para o caso de sol forte. Quando possvel, pomar e horta, alm de um anfiteatro.

    Mobilizar para transformar

    Para a pedagoga Lgia Maria Leo de Aquino, professora da UERJ e tambm integrante do GAE, preciso divulgar o documento produ-zido pelo MEC. O papel do educador fundamental nesse processo, porque ele tem contato estreito com os pais. O educador precisa ouvir e ser ouvido. Opinar e dar sugestes. Conversar com os pais, encami-nhar propostas direo da escola, aos conselhos de educao.

    As diretoras das pr-escolas tambm tm papel importante nisso. Segundo Vera Vasconcellos, esse um assunto que, com certeza, vai atrair o interesse de muita gente. Vera lembra que o projeto no se es-gota com a construo do edifcio. A comunidade escolar deve conti-nuar se reunindo para discutir e propor melhorias que sempre podero ser feitas. Mais uma vez, a participao do professor ser fundamental, j que ele quem vai testar a funcionalidade das instalaes e sugerir adaptaes. Sempre interpretando os desejos das crianas.

    O espao fsico das creches e

    prescolas deve proporcionar:

    Acessibilidade portas e pisos sem obstculos para a passagem de cadeiras de rodas e carrinhos de beb, sanitrios adaptados para crianas e adultos deficientes

    Autonomia equipamentos na altura das crianas (bebedouros, maanetas, vasos sanitrios) para que elas possam agir independen-temente dos adultos

    Ambiente ldico paredes coloridas, ambientes alegres e aconchegantes

    Segurana disposio dos espaos e dos equipamentos de maneira a evitar que as crianas estejam expostas a riscos de que-da, de ferimento ou intoxicao

    Higiene uso de materiais de fcil limpeza, como tinta lavvel nas paredes e piso liso no cho

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    Criana tem mesmo uma ma-nia saudvel de inventar, tirar lei-te de pedra ou boneca de leite. Boneca de leite? Sim, era minha boneca preferida! Adorava ir pa-daria buscar leite. Pelo caminho, vinha ninando meu beb saquinho de leite embrulhado naquelas fo-lhas-cetim. E lavar o beb na pia e enxug-lo no pano de prato. Era o mximo! Pena que nunca podia fi-car brincando com o saquinho de leite por muito tempo, afinal para adulto... Larga isso! T pensando que brinquedo? U? Para mim era. E j no se fazem mais brin-quedos como antigamente...

    Os saquinhos esto sendo substitudos por caixas duras. Tudo bem! Certamente as caixas duras tero outras finalidades nas mos das crianas. Elas sempre encontram relaes inusitadas, estabelecem conexes que os adultos j desaprenderam, como essa do saquinho de leite. Como pode algo to frio ser um beb? At isso era incorporado na brin-cadeira. A gua da torneira sem-pre estava mais quente que o saquinho de leite. Assim, o beb podia desfrutar de outra tempe-ratura no banho, na pia, antes de

    ser agasalhado com o pano de prato.

    Outros brinquedos de infncia fantsticos eram os saquinhos ren-dados, aqueles que serviam para embalar limes, laranja, cebola... Na feira quase tudo vinha nestes saquinhos. Eu vivia pedindo aos feirantes uns a mais. Colecionava uma variedade de cores. Enrolava os saquinhos ao contrrio at fica-rem no formato de frutas. A sim po-dia montar minha prpria barraca!

    Estes objetos me acompanha-ram durante toda a infncia. E continuam me acompanhando, mas agora de outra forma: como educadora que se preocupa com a questo ldica na vida das crian-as, jovens e adultos.

    So tantas as brincadeiras de faz-de-conta das crianas e seus universos riqussimos em possibi-lidades. Tudo muito simples, co-mea-se pelo princpio do t bom que eu era... rei, princesa, modelo, professora, super-heri, fada, bruxa, piloto de frmula 1, samurai, palhao...

    As brincadeiras de faz-de-con-ta tambm so conhecidas como jogo simblico, jogo de papis. Este jogo se caracteriza pela capa-

    cidade que desenvolvemos de re-presentar, de simbolizar. O uso do smbolo de considerar uma coisa como sendo outra uma carac-terstica do pensamento imaginati-vo. Uma caneta, a princpio, um objeto que serve para escrever, mas nas mos de uma criana pode virar termmetro, cigarro, pente, lixa de unha etc. Tudo isso s possvel porque a criana capaz de utilizar smbolos: a caneta vira, na brincadeira, smbolo do ter-mmetro, pente... Por isso este tipo de jogo se chama jogo simblico.

    As crianas e suas brincadeiras prediletas de inventar brincadei-ras! A vivncia ldica sem dvi-da a alma para a criatividade. Donas de uma imaginao infini-ta, as crianas carregam consigo um grande tesouro. O segredo de como inventar tantas brincadeiras e passar dias maravilhosos em naves espaciais, dirigindo carros fantsticos, viajando pelo mundo da imaginao. Uma viso muito transformadora do mundo, que acredita nas possibilidades. O faz-de-conta um pouco isso: dese-jar algo e apostar que possvel ter uma soluo criativa para se ter/ser/viver o que se quer.

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    Faz-de-conta: inveno do possvel1Adriana Klisys*

    * Adriana Klisys psicloga pela PUC-SP, coordenadora da Caleidoscpio Brincadeira e Arte. (Outras informaes sobre a autora, acessem o site: http://www.caleido.com.br).1 Este artigo nasceu de uma carta escrita pela autora a jovens educadores da Brinquedoteca da Fundao Gol de Letra. Depois, transformou-se em um texto que integrou a apostila da Faculdade de Educao da USP: Leitura de mundo: os espaos e tempos das linguagens e do brincar. So Paulo: 2004.

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    Os Brinquedos de minha infncia! Ah! Sucatas! Objetos-brinquedos!

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    Qual a magia do faz-de-conta?

    Todos ns algum dia vivemos experincias muito significativas em nossas vidas, como fazer castelos, tendas, esconderijos ultra-secretos, barracas usando lenis... Quan-do arranjvamos tais espaos era como se realmente acreditssemos no que crivamos. Tornar vivel o que desejamos um exerccio mui-to interessante. Transformar impos-sibilidade em possibilidade um aprendizado para a vida. Com criana a regra do improviso lei! Empreendedora por natureza, sem-pre persegue seus objetivos na brincadeira e encara esta atividade com toda a seriedade, estando muito presente no que faz.

    A criana est to empenhada em brincar porque uma das coisas importantes nesta atividade a von-tade de entender como ocorrem as relaes sociais, como o mundo dos adultos. Brincando de compra e venda, de casinha, de mdico, de mecnico, a criana tambm se apropria do mundo adulto.

    A contradio entre a necessi-dade de agir da criana, em rela-o aos objetos e ao mundo adul-to, e a impossibilidade de executar operaes exigidas pelas aes pode ser resolvida na brincadei-ra. Se ela ainda pequena para

    escolher uma profisso, pode se imaginar em uma que elegeu na brincadeira. Se ainda nova para dirigir um automvel, pode iniciar-se no papel de motorista, com carrinhos de brinquedo, ou mes-mo separando uma simples roda e imaginando-se num jogo de dirigir um carro. Assim, dizendo: t bom que eu era motorista... Constri e conhece suas possibili-dades de atuao na sociedade.

    Outro motivo pelo qual a criana brinca para experimentar sensa-es, vivenciar outras formas de se colocar no mundo. Talvez fique mais claro com um exemplo. Uma criana que brinca ser jogador de futebol o que diferente de jo-gar futebol (jogo de regra) ima-gina-se grande craque em seu faz-de-conta. medida que vai fazendo passes fantsticos com incrveis dribles narra estas mara-vilhas, como se fosse ao mesmo tempo jogador, juiz, radialista e at torcida. Sim, pois quando faz o gol, neste jogo de faz-de-conta de jogador de futebol, incorpora o Maracan inteiro no coro da torci-da clamando pelo grande jogador que se na brincadeira.

    Experimentar o sucesso na brin-cadeira, a fora ou a determinao de um heri, a braveza ou a dou-ra da me, a coragem do pirata, o esprito de aventura de um via-jante das galxias, o dio mortal s criaturas do mal, tudo isso faz parte da vida. Viver intensamente todos esses sentimentos no faz-de-conta tambm experimentar muitos papis e aprender, crescer

    e amadurecer com eles.O brincar caracteriza-se como

    uma mescla entre as apropriaes culturais e a possibilidade de expres-so da criana, fruto de sua forma particular de pensar e de interagir com o mundo. Ela articula suas pr-prias experincias de vida com as experincias de suas brincadeiras.

    Uma das formas de apropriar-se da cultura ocorre pelo contato com as imagens e pelas representa-es sociais. Nesse sentido, pode-se dizer que o brinquedo tem um lugar de destaque na apropriao cultural por ser um importante for-necedor de representaes e ima-gens manipulveis. Gilles Broug-re, pesquisador do jogo, nos ajuda a entender o brinquedo como uma mdia que carrega consigo con-tedos simblicos, representaes e valores culturais produzidos pela humanidade.

    A brincadeira, ao contrrio do que pode parecer, no espon-tnea, ela sempre referendada pela cultura. Assim sendo, a brin-cadeira de mdico que ocorre em nossa cultura distinta da corres-pondente em uma cultura indge-na. Da mesma forma, o fato de o jogo de bonecas estarem presen-te principalmente entre as meni-nas no manifestao do instin-to materno, mas sim reproduo das relaes sociais existentes na cultura, em que h uma divi-so social do trabalho no cuidado com as crianas. Se tal diviso for minimizada, a participao de me-ninos e meninas nesta brincadeira tambm tende a se transformar.

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    Qual nosso papel no jogo infantil?

    Antes de qualquer interveno no jogo infantil, preciso entender a natureza criativa da criana e seu modo de encarar a vida com toda a seriedade que uma brincadeira exige. Por isso nosso compromis-so dar conta de transformar a sala de aula, o parque e outros em espaos repletos de possibili-dades ldicas. Devemos aprender a olhar para o ambiente e trans-form-lo constantemente, tomar posse dele e dar posse s crian-as. Pensar coletivamente como podemos increment-lo. Temos de levar em conta que o espao para o brincar de faz-de-conta preci-sa ser flexvel, transformar-se em tantos outros espaos que a ima-ginao infantil inventar.

    Nosso papel no jogo simblico da criana, mais que participar diretamente, consiste, ento, em ajudar a organizar um ambiente que no seja s fsico, mas cul-tural. E para incentivar a criao e o desempenho de papis nes-te jogo, preciso muita obser-vao para entender para onde caminha a brincadeira e ajudar a enriquec-la.

    Uma das formas de intervir para que o jogo ocorra da forma mais rica possvel disponibilizar materiais versteis, que possam se transformar em muitas coisas, como panos, tocos de madeira, sucatas etc. O psiclogo Leontiev, estudioso do jogo infantil, chama tais materiais de objetos de largo alcance, pois pela prpria plastici-dade da forma pode se prestar a diferentes modos de uso.

    Uma boneca-beb, por exem-plo, sugere normalmente uma nica forma de ao: cuidados maternos, ao passo que mate-riais menos estruturados, como panos, sucata, tocos de madeira podem se configurar de diferentes modos nas diversas brincadeiras. O pano enrolado no colo de uma criana transforma-se em beb; no cabelo, em peruca; no corpo em roupa; pendurado pelas pon-tas, transforma-se numa rede; no bero vira cobertor. Ou seja, po-de-se encontrar tantos usos para objetos de largo alcance, quanto a imaginao permitir. E o mais interessante poder oferecer s crianas os vrios tipos de mate-riais ldicos: jogos, brinquedos e objetos de largo alcance.

    Algumas dicas para criar am-bientes ldicos:

    - Observar e levantar os temas de interesse das crianas.

    - Selecionar materiais.- Criar um contexto para a brin-

    cadeira acontecer. Enfim, criar contextos e obser-

    var os contextos que as crianas criam em suas brincadeiras uma excelente forma de compreender

    esta complexa atividade que a brincadeira. Realmente a melhor forma de criar ambientes ldicos, sem dvida, dar espao e criar condies para que a menina e o menino possam criar suas brinca-deiras. Nesse sentido, devemos, como educadores, nos inspirar em nossos verdadeiros mestres as crianas para inventarmos e reinventarmos jeitos de fazer uma educao que considere mais o ldico, pois segundo Contardo Calligaris: preciso rechear nos-sa existncia com pitadas de fan-tasia!

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    BIBLIOGRAFIA

    BROUGRE, Gilles. Brinquedo e cultura. So Paulo: Cortez, 1995.CALLIGARIS, Contardo. Peixe Grande e a paixo pela vida. Folha de S. Paulo, 26/02/04. LEONTIEV, Alexis N. Os Princpios da Brincadeira Pr-escolar. In: vrios autores. Linguagem, desenvolvimento e apren-dizagem. 9. ed. So Paulo: cone Editora, 2001.

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    A vida invadindo o trabalho nas creches: uma experincia com a Pedagogia FreinetAna Lcia Silva*

    Tudo comeou em 1994, na Creche Pr-escola Vila Mara, na regio Leste de So Paulo. Fui educadora nesta instituio por trs anos e l tive experincia com a Pedagogia Freinet, por interm-dio da coordenadora pedaggica que, ao acompanhar meu trabalho com as crianas de 5 anos, orien-tou-me a ler os livros de Celstin Freinet e a conhecer as propostas e o trabalho que ele desenvolveu com suas crianas na Frana.

    O primeiro livro que li de Freinet foi Pedagogia do bom senso onde descobri que o pensamen-to deste professor-autor se en-contrava com o meu. A partir da no parei mais de l-lo. O segun-do foi Freinet - evoluo his-trica e atualidades, de Rosa Maria Whitaker F. Sampaio.

    Na Creche Pr-escola Vila Mara, os grupos eram denomina-dos por cores e divididos por faixa etria. Porm, em muitos momen-tos havia a integrao inter gru-pos. A rotina era organizada de forma a favorecer estes encontros produtivos, como atelis, jogos e brincadeiras, que envolviam des-de os bebs at as crianas de 6 anos. As atividades eram progra-

    madas em todos os espaos da creche. No refeitrio, fizemos en-contros com os bebs utilizando a culinria, produzindo e comparti-lhando deliciosas saladas de fru-tas; no campo, realizamos partidas de futebol entre crianas de diver-sas faixas etrias, tendo antes com-binado regras que respeitassem as possibilidades de cada grupo; no parque, em um dia de chuva e sol, aqueles em que o arco-ris apare-ce, tomamos banho de chuva. Que experincia inesquecvel para mim e para as crianas!

    Organizamos cantinhos, produ-zimos instrumentais de parede, tra-balhamos com projetos de interes-se, trilhamos junto com as crianas belos caminhos que construram lindamente nosso currculo, ilumi-nados pelo legado terico-prtico de Celstin Freinet.

    A organizao espacial na edu-cao infantil extremamente im-portante para o cumprimento dos objetivos de formao das crian-as, em suas diversas facetas, emocional, fsico e cognitivo. Por isso, tudo estava ao alcance da criana, na sua altura. Os espa-os eram organizados de forma a proporcionar a escolha, base para

    * Ana Lcia Silva professora do ensino fundamental da rede municipal de So Paulo e de educao infantil da Prefeitura de Suzano (SP). assessora pedaggica do Sindicato dos Trabalhadores da Infncia do Estado de So Paulo (Sintrainfa).

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    Autonomia na higiene pessoal

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    a formao da democracia.Este um pressuposto impor-

    tantssimo no trabalho baseado na Pedagogia Freinet, pois se o objetivo formar para a cidadania, necessrio criar estratgias para alcan-la. Freinet, em sua prtica como professor, buscava construir formas de efetivamente realizar o desafio: formar cidados autno-mos e crticos, construtores do seu saber e cooperativos em um trabalho vivo na sala de aula.

    Tudo que fazamos na creche era educativo. Havia Cantinhos da Leitura, Cantinho da Beleza, em que as crianas tinham acesso aos seus pentes individuais e sa-boneteiras, tudo organizado em utilitrios confeccionados por eles mesmos. Por exemplo, fizemos os escovrios (porta escovas de dente) de diversas formas, ora uti-lizando uma garrafa pet pendura-da no teto da sala, com furos onde se encaixavam as escovas, ora fei-to de bandeja de ovos com retrs grande de linha colado nos alvo-los da bandeja. Cada criana fazia um desenho para identificar seu espao no escovrio: havia tam-bm um espelho e uma mesinha feita com retalhos de madeira doa-dos por um pai. No Cantinho da Beleza era trabalhada a autonomia

    da criana, o auto cuidado, contri-buindo para a formao de sua identidade. Essas experincias bus-cavam sempre construir significa-dos para elas, que participavam todo o tempo nas idias e na con-feco dos materiais inventados para suprir uma necessidade do grupo.

    Outra experincia foi a Cha-mada Viva. Tratava-se de um ins-trumental que podia ser fixado na parede ou transformar-se em um tipo de instalao na classe. O im-portante que este instrumento tivesse relao com o projeto de-senvolvido na classe. Por exem-plo, no Projeto Corpo Humano, que desenvolvemos com o grupo de crianas da Creche Vila Mara, utilizamos placas de papelo e si-lhuetas de corpo humano. Cada criana pintou e recortou o seu, escrevendo o nome na placa de papel. Eu recortei com estilete o corao das silhuetas j pintadas e identificadas pelas crianas. Este corao recebia tambm o nome da criana. Ao chegar na creche, ela pegava seu cora-o e encaixava na sua silhueta. Portanto, sabia-se quem tinha faltado quando havia silhuetas sem corao. E, na hora da sa-da, conforme os pais chegavam

    para apanh-las, as crianas reti-ravam seus coraes do painel e guardavam em uma cesta pendu-rada na parede. Nesse trabalho, desenvolvemos a criatividade, a interao das crianas com os objetos produzidos na classe, a autonomia, a responsabilidade, e o conhecimento do corpo, pois aprendemos o local em que fica o nosso corao.

    Realizamos nestes anos mui-tas Chamadas Vivas diferentes. Em uma delas, fizemos um jardim em um caixote, onde cada crian-a era representada por flores que ela prpria escolheu dentre as pesquisadas. Em outra, cons-trumos uma instalao de cu e as crianas escolheram aves de diversas espcies. Dessa forma, os trabalhos facilitados por mim, como educadora, vieram das geniais idias das prprias crian-as. Enfim, como disse Freinet em uma de suas sugestes pe-daggicas: o professor deve falar o menos possvel, isso significa ouvir mais as crianas. Em nos-sa turma sempre que tnhamos um problema, este era exposto na roda e pensvamos em solu-es. Neste momento eu era fa-cilitadora e promotora de incenti-vo criao.

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    Um dos cantinhos interativos o da Fofura

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    Na periferia de Guarulhos

    Por sete anos, trabalhei no mu-nicpio de Guarulhos como pro-fessora de educao infantil e trs anos como coordenadora pedag-gica. Em 1996, na EMEI Ione Gon-alves de Oliveira de Conti, situada no bairro Jardim das Pimentas, periferia da cidade, continuei os ta-teios na Pedagogia Freinet. Fomos, ento, pioneiras com a pedagogia de projetos, a agregao da Roda na rotina da turma e a construo dos Cantinhos Interativos. O traba-lho nesta escola foi extremamente importante para solidificar minha opo de centrar minha pedagogia na criana. O gestor, neste caso a diretora, teve um papel importants-simo nesta trajetria, pois foi incen-tivadora e assumiu uma corajosa postura de apoio. Na minha clas-se, por exemplo, havia materiais e objetos que causavam estranheza em algumas pessoas. A diretora auxiliava-me na explicao dos ob-jetivos de cada pedrinha, areia, al-mofada, livro em caixas de papelo ou animaizinhos que apareciam na classe. Afinal, Freinet dizia em um dos seus escritos que necessrio que a vida invada a sala de aula. Assim fizemos.

    Na EMEI Ione fizemos vrios projetos como: Vida dos Ani-mais, Alimentao Saudvel e Volpi. Em todos eles, utilizamos as tcnicas propostas por Freinet: Reunio Cooperativa (Roda), Qua-dro de Responsabilidades, Aulas -passeio, Correspondncia Esco-lar, Livre Expresso (construo de textos e de desenhos coletivos e individuais), registro no Livro da Vida e Prtica do Plano Individual de Trabalho, que organizava as crianas quanto utilizao dos cantos e dos atelis.

    Aps sete anos como professo-ra, aceitei o desafio de coordenar pedagogicamente a Creche Mar-cos Freire. Localizada no Conjun-to Habitacional Marcos Freire, que atendia crianas de 2 a 4 anos. No foi fcil, pois havia resistncia das educadoras quanto nova proposta de no somente cuidar das crianas, mas de educ-las. L tambm encontrei na diretora uma parceira muito especial.

    Este foi nosso primeiro desa-fio, trabalhar com a formao dos educadores na perspectiva do educar cuidando e cuidar educando. As resistncias foram

    importantes, pois nos desafiaram a comprovar que trabalho com os projetos, organizao espacial e principalmente intencionalidade nas aes educativas poderiam dar certo.

    Freud nos iluminou com a se-guinte frase s a experincia for-ma o homem. Foi a partir de lei-turas, de conversas, de trocas de experincias, de visitas a creches que j trabalhavam a proposta de projetos que iniciamos o trabalho de transformao, desde a re-cepo das crianas at a forma como eram entregues a seus fa-miliares no final do dia. Iniciamos um profundo processo de ao-reflexo-ao.

    Aps uma avaliao do traba-lho da creche, desafiei os educa-dores a estudarem outra forma de educar, em que os materiais e os brinquedos no mais ficariam dentro dos armrios ou em cima deles, inatingveis para as crian-as. Propus que pudssemos pensar formas de transformar o espao da creche em um lugar prazeroso, produtivo e feliz.

    Comeamos a ler textos de Celstin Freinet, estudamos os

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    Criana identifica fotos no painel da Chamada Viva

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    Referenciais de Educao Infantil e fomos para a prtica. Os espa-os eram tristes, as paredes pin-tadas de bege, no havia interven-o no espao, apenas cadeiras e mesinhas em algumas salas e um tonel com brinquedos quebrados que eram espalhados pelo cho no momento da recreao.

    Conjuntamente, com as crian-as, comeamos as mudanas, primeiro fazendo um levantamen-to de todo material que existia na creche: brinquedos, papis, lpis etc. Isso surpreendeu a todos e as educadoras foram construo!

    Assim como ocorreu com Frei-net em suas primeiras experincias nas classes rurais, as crianas, de tristes e estressadas, comearam a se sentir melhor. A vida invadira a Creche Marcos Freire.

    Aps um ano e meio de traba-lho, houve uma reformulao na organizao das escolas da Rede Municipal de Guarulhos. Fui, ento, para outra creche, chamada Cen-tro de Educao Infantil Parque Jandaia. O atendimento era feito a crianas de 4 meses a 6 anos e 11 meses. L continuei trabalhando como coordenadora pedaggica.

    A partir da necessidade das crianas que j andavam e ti-nham a preenso necessria para segurar a mamadeira, fizemos um lugar para as crianas ma-marem um mamdromo. Para tanto, utilizamos vrios pedaos de espuma, costuramos um en-costo confortvel para elas. Ha-via neste cantinho um minisof com a mesma utilidade. As ma-madeiras eram colocadas em bandejas, funcionava como um self-service. As crianas que an-davam pegavam suas mamadei-ras e j deitavam no cantinho, confortavelmente, sob a supervi-so cuidadosa das educadoras. Depois de terminarem, colocavam a mamadeira de volta na bandeja.

    Tudo isso era uma grande brin-cadeira para as crianas, mas para ns, os educadores, era a realiza-o da nossa tarefa maior: educar cuidando e cuidar educando. Esta organizao do espao permitiu que as crianas se desenvolves-sem a partir dos desafios propos-tos pelo ambiente, neste caso, o poder de escolha e a liberdade de explorao do espao, de forma produtiva e educativa.

    Espalhando a experincia

    Concomitante coordenao no CEI Parque Jandaia, passei a realizar um trabalho de formao sobre prticas pedaggicas Frei-net. Atualmente, a Rede Municipal de Educao de Guarulhos pode ver refletido, em diversas escolas, o trabalho das professoras que participaram dessa formao.

    Aps o processo de formao das educadoras, houve um re-pensar do trabalho pedaggico, ocorreu uma mudana de para-digma e teve incio um processo de mudanas significativas. Em todos os lugares, tambm, foi ne-cessrio fazer reunies com as famlias e discutir com elas sobre as concepes que estvamos construindo. Estamos ainda no processo de construo da to sonhada educao comunitria e cooperativa. Famlia, escola e cidade juntos na promoo da ci-dadania.

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    Beb em clo artificial, feito de pneu

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    Educao infantil indgena: o que melhor para os curumins?Bernardete Toneto | So Paulo/SP

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    comunidades indgenas, profes-sores, especialistas em educao infantil e em educao indgena e tambm da Secretaria de Edu-cao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad), do MEC. Diante da indefinio de proje-tos, das prticas pedaggicas, da infra-estrutura inadequada e da falta de formao de professores especficos para os pequenos, sobram indagaes em relao educao infantil indgena.

    A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, reconhece a edu-cao infantil (oferecida em cre-ches, para crianas de 0 a 3 anos,

    O papel, antes branco, se tin-giu de verde. No centro, uma bola amarela. E mais nada. Corria o ano de 2003. Naquela manh, quando viu o desenho, Maximino Pirani-caiu levou um susto. Professor de classes de educao infantil em Dourados (MS) desde 1999, ele tinha incentivado as crianas a desenharem suas casas. Dian-te da arte do menino de 5 anos, cuja casa no tinha paredes e sim matas verdes e o sol amarelo, ele parou para pensar em sua prpria infncia na aldeia guarani-kaio-w. Lembrou dos parentes reunidos no terreiro, das

    histrias contadas pelos ances-trais, dos bebs no seio da me, do fogo sempre aceso aquecendo as conversas. Comparou essas lembranas com a sala de aula de apenas uma janela. Percebi que nossos planos de aulas esta-vam totalmente errados, recorda. Para ele, os curumins no deve-riam estar na escola.

    A preocupao de Maximino a mesma de pais, lideranas e

    O oferecimento de educao infantil para as crianas indgenas tem suscitado muitas crticas e um intenso debate entre especialistas, lideranas e povos indgenas. Muitos defendem que a educao infantil atenta contra as tradies indgenas, mas algumas comunidades indgenas tm reivindicado


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