+ All Categories
Home > Documents > Silencio Das Linguas - A Possibilidade de Traduzir Um Poema

Silencio Das Linguas - A Possibilidade de Traduzir Um Poema

Date post: 17-Sep-2015
Category:
Upload: lucas-albuquerque
View: 3 times
Download: 0 times
Share this document with a friend
Description:
texto sobre tradução de poemasjstor
Popular Tags:
12
UNESP Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Revista de Letras. http://www.jstor.org O silêncio das línguas: a possibilidade de traduzir um poema Author(s): Maria das Graças G. Villa da Silva Source: Revista de Letras, Vol. 40 (2000), pp. 181-191 Published by: UNESP Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Stable URL: http://www.jstor.org/stable/27666741 Accessed: 01-06-2015 23:37 UTC Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at http://www.jstor.org/page/ info/about/policies/terms.jsp JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected]. This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTC All use subject to JSTOR Terms and Conditions
Transcript
  • UNESP Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Revista de Letras.

    http://www.jstor.org

    O silncio das lnguas: a possibilidade de traduzir um poema Author(s): Maria das Graas G. Villa da Silva Source: Revista de Letras, Vol. 40 (2000), pp. 181-191Published by: UNESP Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita FilhoStable URL: http://www.jstor.org/stable/27666741Accessed: 01-06-2015 23:37 UTC

    Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at http://www.jstor.org/page/ info/about/policies/terms.jsp

    JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected].

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • O SILENCIO DAS L?NGUAS: A POSSIBILIDADE DE TRADUZIR UM POEMA

    Maria das Gra?as G. Villa da SILVA

    RESUMO: Neste ensaio, retoma-se a afirma?ao do tradutor Sergio Augusto de Andrade sobre a impossibilidade de se traduzir um poema. Por meio da no?ao derridiana de significante e significado, que inclu? a existencia de uma pre

    sen?a-aus?ncia na origem do significado, tenta-se demonstrar que a tradu?ao ? poss?vel, em razao do movimento de dissemina?ao/contamina?ao do signi ficado ou suplementaridade do signo.

    PALAVRAS-CHAVE: e. e. cummings; Sergio Augusto de Andrade; Jacques Derrida; tradu?ao po?tica; diff?rance.

    H? s?culos o tradutor vem sendo mal visto por seu trabalho, consi derado imperfeito, imposs?vel. Alguns ousam e levam ? frente a tarefa "insana" de que literaturas v?o se alimentando, se comunicando, se en

    trela?ando. Na Inglaterra, as bases da literatura foram construidas com ecos de tradu?oes latinas e francesas. No Brasil, de tradu?oes francesas,

    muitas vezes textos escritos, originalmente, em ingles. Dessa forma, os textos estrangeiros foram percorrendo o mundo e

    se "aclimatando" ao sabor das escolhas de seus tradutores. Esses leito res atuam sobre o texto2 que perde estabilidade e deixa de ser "um re

    1 Departamento de Letras Modernas - Faculdade de Ciencias e Letras - ?NESP - 14800-901 - Ara raquara - SP.

    2 Arrojo (1986, p.23-4), cuja defim?ao adotamos, considera o texto como: "uma m?quina de signifi cados em potencial", um palimpsesto, ou seja, "o texto que se apaga, em cada comunidade cultu ral em cada ?poca, para dar lugar a outra escritura (interpretac?o, leitura, ou tradu??o) do 'mesmo" texto'.

    Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000 181

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • cept?culo em que algum "conte?do" ? depositado e mantido sob con trole" (Arrojo, 1986), sua equivalencia se desequilibra em detrimento da fidelidade.

    Embora as tradu?oes tenham dado contribui?oes significativas, a

    no?ao de infidelidade e intraduzibilidade persiste. Para alguns, isso ocorre, principalmente, quando o texto ? considerado literario, pois for

    ma e conte?do s?o indissoci?veis e com peculiaridades espec?ficas. As id?ias est?o co?udas, ?nicamente, ?as palavras, s?o insepar?veis d?las e o leitor ? mero decodificador de sentidos j? expressos. ? o ponto de vista do logocentrismo ou cartesianismo para o qual o h?rnern, ser racio nal (Pens?, logo existo), descobre o significado do texto sem se envolver com ele, dando sentido ? no?ao da literalidade, ou seja, o significado est? contido na letra, imune ? interpreta?ao do sujeito.

    Tal concepc?o acaba sendo abalada com a publicac?o dos traba lhos de Nietszche e Freud. Nietzsche (1983) analisa a rela?ao do sujeito com o real a partir da linguagem e suas met?foras, o que leva a um dis tanciamento da ess?ncia. Para Freud (1988), n?o ? a raz?o que comanda o ser humano, mas seu inconsciente, seu lado desconhecido, o que se

    op?e ? literalidade, ou seja, o significado depositado na letra imune ? in terpreta?ao do sujeito.

    Apoiado sobretudo nessas id?ias e em outras, o fil?sofo franc?s Jac ques Derrida (1973) retoma o conceito de significado de Saussure (1972), segundo o quai sua produ?ao se d? pela forma?ao de signos, marcados por dois aspectos: percepc?o sensorial

    -

    significante (a palavra ouvida ou escrita) - e o conceito ligado ? palavra - significado, resultante da selec?o de um conjunto de diferen?as.

    Na palavra gato, por exemplo, seu significado ou conceito est? associado ? percepc?o sensorial (o significante -g/a/t/o) + a imagem do animal (significado), selecionada entre os varios tipos de gato exis tentes. O signo se forma nessa rela?ao: percepc?o sensorial + algo que pensamos (selec?o de diferen?as). Os significantes e significados s?o criados em um sistema de diferen?as.

    Os sons /g/, /pi, III, por exemplo, em si mesmos nada significam, mas s?o diferentes entre si, o que torna poss?vel a criac?o de outros sig nificados: gato, pato, rato. No entanto, Derrida (1973) afirma que, para o /g/ ser ouvido, ? preciso que o Ipl, n?o o seja. Embora ausente na pala vra gato, sua existencia se faz necess?ria para que o /g/ seja identificado e carregue significado.

    A ausencia do /p/ implica presen?a/exist?ncia e ? um trago cons tante em /g/, que joga incessantemente com a presen?a/aus?ncia, con

    182 Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • tida na origem do significado: uma instabilidade inerente a que nenhu ma lingua pode escapar. Para mostrar essa instabilidade, Derrida cria um neologismo: diff?rance (grafado com a) que n?o ? palavra francesa,

    mas se relaciona com algumas d?las: com o substantivo la diff?rence (a diferen?a) e com o verbo diff?rer (diferir /adiar e diferir/ ser diferente, dis cordar).

    Esse neologismo possibilita a Derrida exemplificar o jogo existente entre o significado e sua instabilidade. Diff?rance, com a mesma pronun cia de diff?rence, permite a demonstrac?o desse jogo. Oculta a diferen?a que n?o pode ser ouvida, mas ? percebida na escrita. Substitu? a noc?o saussuriana da diferen?a por presen?a/ausencia, deixando o significado,

    marcado por esse tra?o, entregue ? oscilac?o da presen?a/aus?ncia, con figurada como elemento desestabilizador. A lingua se sustenta na alter nancia entre o que est? l? e o que n?o est?. Essa suplementaridade do signo ou movimento de dissemina?ao/contamina?ao do significado comp?e toda a rede de significados da lingua e permite a leitura e traduc?o de textos.

    Pelo exposto, a quest?o de fidelidade/infidelidade ou de intraduzi bilidade parece estar esclarecida, no entanto ?, as vezes, retomada. Ser gio Augusto de Andrade (1998), em O silencio das l?nguas - Da impossi bilidade de traduzir um poema, afirma que traduzir um poema ? uma tarefa imposs?vel, mas acaba por apresentar sua traduc?o para um poema de e. e. cummings (cf. Anexo). O autor diz que criticar a traduc?o de um poema ? "um ato ingenuo", "uma contradi?ao escandalosa", visto que ? tarefa imposs?vel, em raz?o da presen?a de certos sons. A atitude po?tica ? "a mais impenetr?vel e irredut?vel da linguagem", uma "ilus?o pr?diga", e d? exemplos: as tradu?oes de Poe feitas por Mal larm?, as de Guido Cavalcanti por Pound e da Il?ada por Pope.

    Os trabalhos que Andrade considera "frustrantes" tiveram papel de grande importancia. A obra de Poe, por Mallarm?, acabou por eclodir o movimento simbolista na Franca, for?ando a releitura do escritor e o questionamento de seu lugar na literatura norte-americana. A traduc?o da Il?ada por Pope contribuiu para despertar um novo fazer literario. N?o se pode negar que, apesar da "utopia gentil", as tradu?oes trouxeram algo inusitado, por causa da leitura dos tradutores.

    Antes de apresentar sua traduc?o para o portugu?s do poema de e. e. cummings (1894-1963), justifica-se, classificando-a como "imperti nencia indecorosa":

    um fracasso que, de antem?o, n?o pode aspirar nem sequer a qualquer forma de dignidade ... N?o se trata, propriamente, de uma traduc?o; nem

    mesmo de uma par?frase. ? minha absoluta convicc?o de que um verso

    Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000 183

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • bem escrito ? t?o deslumbrante e anebatador quanto a sucess?o das esta

    ??es do ano. ? tamb?m igualmente insubstitu?vel e ... independente do

    controle humano. Ningu?m pode emprestar uma tarde de maio para aliviar

    um pouco o peso de certos c?us de outono. (Andrade, p.23)

    O autor parece nao se dar conta de que a tradu?ao depende da lei tura do tradutor e das escolhas que faz. O "arrebatamento", o "deslum

    bramento" sentidos por e. e. cummings jamais ser?o recuperados por Andrade, pois correspondem a uma experiencia individual. Cabe-lhe apenas sentir seu pr?prio arrebatamento, movido por seu desejo e sua imagina?ao ligados a um contexto hist?rico, social e cultural.

    Como a escritura, a leitura ? uma forma de violencia e, nesse caso, contra o pr?prio texto/autor com quem o leitor pode estabelecer uma rela

    ?ao, j? que esse texto/autor jamais ser? repetido ou resgatado num pro cesso impessoal ou desinteressado, e sim tomado, possu?do e transformado

    pelo desejo e pelas circunstancias do leitor que com ele se misturar. (A?ojo, 1993)

    Negando que se possa tomar emprestada uma tarde de maio em

    pleno outono, Andrade, no poema "ensolarado" de e. e. cummings, re

    corre as alegr?as de ver?o para amenizar o invern? prolongado. Isso de monstra que o desejo, amparado pela imagina?ao, pode fazer, exata mente o que o ensa?sta nega: tomar emprestado uma tarde.

    Cumprindo um ritual de "culpa pela posse" do texto, Andrade tra duz o poema "musical e delicado", justificando, segundo afirma, o "in

    justific?vel", apresentando-o como a "tentac?o" de participar dos jogos das meninas maggie, milly, molly e may durante um dia na praia. Para o

    autor: "levar um poema para passear em outra lingua ? namorar um

    pouco a linguagem". Nesse ensaio, o "passeio-namoro" de Andrade (poema de 12 versos

    irregulares, rimas ricas, emparelhadas com encadeamento) ? contra

    posto ao texto de e. e. cummings (poema de 12 versos regulares de qua tro p?s, rimas ricas, emparelhadas, misturadas com encadeamento) para verificac?o das associa?oes que ambos proporcionam. O contraponto ?

    minucioso, e o exame de cada estrofe busca demonstrar, passo a passo, as escolhas do tradutor.

    1 maggy and milly and molly and may 1 maggy e milly e molly e may 2 went down to the beach 2 foram brincar no mar

    (to play one day) (e ? s? o que eu sei)

    184 Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • Na estrofe inicial, composta de dois versos, quatro meninas, mag

    gie, milly, molly e may v?o ? praia para brincar. No texto de Andrade, os nomes das meninas, em ingl?s, preservam o ritmo e a aliterac?o do texto de e. e. cummings, sugerindo o vai-e-vem do movimento das ondas

    mar?timas, real?ado pelo emprego da express?o: "e ? s? o que eu sei", contraposto a "may", ecoando o som da rima em ingl?s.

    O aspecto gr?fico do texto em ingl?s ? mantido na traduc?o, inclu? os par?nteses, o que, em ingl?s, parece evocar o torn de uma historia in fantil pelo emprego de "one day", ressaltando a ac?o das meninas. Al?m disso, os par?nteses pospostos ? palavra "beach", limitando, gr?fica

    mente, o espa?o, permitem a associac?o com o verbo "to beach" que,

    segundo o dicion?rio, indica algo que foi retirado do mar (um barco, por exemplo) e deixado sobre a areia (encalhado). No caso das meninas, elas est?o na praia com um ?nico intuito: brincar/jogar (play). No texto de

    Andrade, a escolha da palavra "mar" conota amplid?o, espa?o aberto, restando apenas o conhecimento limitado do eu do poema sobre a histo ria das meninas (e ? s? o que eu sei).

    A escolha de "mar" indica uma das interferencias de Andrade no poema, demonstrando seu trabalho de leitor/tradutor, corroborando a afirmac?o de que leitura "? uma forma de violencia". O tradutor atua so bre o texto para estabelecer uma especie de elo de comunicac?o, confir mando que a tarefa n?o ? desinteressada e est? associada ao jogo exis tente entre o significado e sua instabilidade, ressaltado por Derrida.

    3 and maggie discovered a shell that 3 e maggie achou uma concha que sang cantava t?o bem

    4 so sweetly she couldn't remember 4 que fez sumir seus problemas, num

    her troubles, and suave vai-e-vem, e

    Na segunda estrofe, em ingl?s, composta de versos regulares, a

    brincadeira-jogo continua. Maggie descobriu uma concha que canta t?o suavemente que a faz esquecer seus problemas. Os versos, rimados e ir

    regulares, de Andrade tamb?m v?o contando a historia. A concha pro duz o mesmo efeito na garota, reiterac?o conseguida pelo emprego de "t?o bem", "suave vai-e-vem" e "e", ap?s a v?rgula, refor?adores do mo

    vimento ininterrupto, presente no texto de cummings por meio de "sang" e "and" (separado por v?rgula), colocados no final dos versos da estrofe, criando urn continuum que indica o movimento eterno do tempo e do mar, enquanto elas, distra?das, brincam na praia. ?ndices da rela??o do tradutor com o texto, expondo o trabalho transformador, norteado

    por ajustes, oscilando na presen?a/aus?ncia desestabilizadora.

    Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000 185

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • Na estrofe ?cima, o tradutor opta pela tradu?ao de "discovered" como "achou" (encontrar por acaso), que recupera a sonoridade de "shell/sang",

    no contraste de "achou/concha" e permite a mesma associac?o evocada pelo texto do poeta, sugerindo que as experiencias na vida se d?o por acaso, inesperadamente, acidentalmente. A express?o "t?o bem" cor

    responde ? "so sweetly" (t?o docemente), auxiliando na manutenc?o da cadencia e rima da estrofe traduzida. "She couldn't remember" (n?o po dia lembrar), no segundo verso, refere-se a "fez sumir", que ajuda a manter o sentido negativo de "couldn't remember" e explicita o que ocorreu com "troubles" (problemas) na vers?o portuguesa: "fez sumir seus problemas".

    H? um jogo constante de sonoridades, estabelecido entre sons pre sentes e ausentes do poema e significados entregues ao movimento de dissemina?ao/contamina?ao, permitindo a traduzibilidade, motivada por associa?oes.

    "Num suave vai-e-vem" recupera a ternura do cantar da concha, omitida com o emprego de "t?o bem". As alitera?oes, em ingl?s: "she?", "sang", "sweetly","she", que sugerem o ruido das ondas do mar, s?o re

    presentadas, em portugu?s, por ch: achou, concha, estabelecendo uma

    especie de contraste, por meio da grada?ao do som do ch e do s em: "sumir", "seus" e "suave", canc?o que embala a historia infantil. O

    "and" interliga a descoberta de maggie com a de milly na terceira estrofe, t?cnica repetida nos versos de Andrade.

    5 milly befriended a stranded star 5 milly ficou amiga de uma estrela perdida 6 whose rays five languid 6 com cinco raios que eram dedos na

    fingers were; tarde ardida;

    Milly torna-se amiga de uma estrela perdida (stranded star), cujos raios s?o cinco dedos l?nguidos. A descoberta parece marcante para a

    garota. A rima da estrofe se rompe, quebrando-lhe o ritmo, enquanto o

    ponto-e-v?rgula, no final do segundo verso, torna sim?trica a historia de milly com a de molly, narrada na quarta estrofe.

    O termo "stranded" remete ? id?ia de isolado, retido em algum lugar, j? contida na primeira estrofe do poema por meio de "beach". O dicion?rio indica que "stranded" e

    "

    "be beached" s?o sin?nimos, quando se referem a contexto mar?timo, evocando a no?ao de limitac?o, de ficar encalhado. O termo, qualificando a estrela de cinco dedos l?nguidos, atribuidores de debilidade, sensualidade e abandono, indica seu desam paro. Como se trata de texto po?tico, conforme conven?ao, a estrela pode

    186 Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • ser uma estrela-do-mar (a five-f?nger), pois as meninas est?o numa praia, ou uma estrela celeste perdida que caiu na terra. Tais associa?oes bro

    tam do emprego de "rays" (raios) pelo poeta, referindo-se aos cinco "bracos" [arms) da estrela-do-mar (starfish/five-finger).

    Andrade mostra uma estrela perdida, "com dedos na tarde ardida",

    afastando-se das associa?oes permitidas pelo emprego de "languid fin gers" (dedos l?nguidos). Por um lado, mant?m a rima da estrofe; por outro, revela a atmosfera, a importancia do encontr? e a solid?o da nova amiga. Ecos que produzem sensac?o de desconforto no verso 5 com amiga/ perdida, verso 6 com ardida e no verso 7 perseguida, o que con tamina a estrofe seguinte. Tais procedimentos demonstram o envolvi

    mento do tradutor com sua tarefa.

    7 and molly was chased by a 7 e molly foi perseguida por uma

    horrible thing coisa honorosa

    8 which raced sideways while 8 que conia de lado soltando uma

    blowing bubbles; and bolha teimosa: e

    Na quarta estrofe, a experiencia de molly ? desestruturadora, expressa pelo estancamento da rima (versos 7 e 8), refletindo medo (cha sed/perseguida) e (ftomjbie/horr?vel). A menina ? perseguida por uma coisa horr?vel, que corre de lado, soltando bolhas. O poeta marca a sime tr?a das experiencias, colocando o ponto-e-v?rgula no final da estrofe

    para abrir espa?o para a historia de may. O tradutor mant?m a noc?o de continuidade e persegui?ao, real

    ?ada pela intermitente figura da bolha, pelo emprego de "teimosa", rimando com "horrorosa", o que conserva o ritmo dos versos e permite a

    suspens?o da melod?a, representada pelos dois pontos, no verso final, para introduzir a narrativa de may. Os dois textos possibilitam a associa c?o: quando se est? no mar da vida, brincando/jogando, corre-se o risco de ser perseguido por um monstro horr?vel.

    9 may came home with a smooth 9 may voltou para casa com uma

    round stone peque?a pedra redonda

    10 as small as a world and as large 10 grande como o mundo e doce as alone. como uma onda.

    Na quinta estrofe, ligada ? anterior por and/e, may retorna a casa com uma pedra redonda e lisa, peque?a como um mundo e t?o grande quanto estar sozinha (alone), que, associadas parecem indicar o uni

    Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000 187

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • verso particular da menina e a solid?o. Andrade efetua outras associa

    ?oes, decorrentes do emprego de "grande" e "o", referindo-se a "mundo"

    ("peque?a pedra redonda grande como o mundo") e "doce como uma onda".

    O contraste entre peque?a pedra/grande mundo, contrapondo pequenez e grandeza, evoca conflitos que se configuram como angus

    tia,3 relacionados a "stranded!beached". O tradutor reconstr?i atmos fera menos desesperadora, quando acrescenta "doce como uma onda",

    que se op?e as "intemp?ries" enfrentadas pelas meninas durante o pas seio pela praia, motivado pelo desejo de brincar/jogar. Redonda/onda concorrem para a marcac?o da cadencia ondulante do verso, confirmando

    o empenho do tradutor.

    O "andle", ponto de liga?ao das estrofes e da historia das meninas, ? interrompido pelo ponto, que abre espa?o para a conclus?o, a ?ltima estrofe, uma especie de "moral da historia", que n?o ? interrompida por ponto final, demonstrando a repeti?ao constante do encontr?.

    11 For whatever we lose (like a you 11 Pois quando a gente se perde e or a me) desiste de achar

    12 it's always ourselves we find in 12 ? sempre nos mesmos o que se

    the sea encontra no mar

    A conclus?o de e. e. cummings envolve o leitor na experiencia das meninas, sem sa?da da brincadeira/jogo que, segundo o eu do poema,

    "seja l? o que for que percamos, um voce ou um eu, ? sempre nos mes mos que encontramos no mar", ou seja, depois de todas as perdas, de correntes de experiencias vividas, nos defrontamos sempre com nosso EU, retorno constante ? nossa historia. H? a retomada da no?ao de isola

    mento e solid?o, aprisionando o leitor, deixando-o "encalhado" (beached) na praia, onde s? ? permitido brincar/jogar, sempre, consigo mesmo.

    O texto de Andrade ressalta a perda e a desistencia de um reencon tr?, que acaba ocorrendo por designio: a presen?a de nos mesmos no

    mar. O aprisionamento do leitor se presentifica nos versos do tradutor, acalentado pelas rimas, no vai-e-vem constante dos versos e no espe

    lhamento final.

    3 Em "Conferencias introdut?rias sobre psican?lise", Freud (1970) recorda que o substantivo Angst -Enge- Angustia significando "lugar estreito", acent?a a caracter?stica de limita?ao e respira??o, sintoma que se manifesta na ida ? praia.

    188 Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • Embora Andrade relute em apresentar sua leitura, faz aquilo que nega: conjuga "vozes, m?sica, perfumes e pausas", ajustando-os ao pa ladar estrangeiro, demonstrando a possibilidade da tarefa e o paradoxo criado. Ele salta o "abismo que separa as l?nguas" e leva o poema de e.

    e. cummings a passear pelo portugu?s.

    O trabalho est? feito e a m?sica e os perfumes impregnam o texto de Andrade com seu pr?prio perfume, pausas e silencios. O tradutor/lei tor, dominado por seus "desejos", entrega-se ? fragrancia preferida, ao ritmo do compasso escolhido, cria uma musicalidade pr?pria, revelando sua alteridade, comalitera?oes, versos irregulares, encadeamento, ecos,

    rimas emparelhadas e met?foras. A leitora/autora deste texto, perse

    guida por outros desejos, comp?s a interpretac?o com imagens e ritmos preferidos at? que outro leitor/tradutor se manifeste.

    SILVA, M. das G. G. V. da. The silence of the languages: the possibility of trans

    lating a poem. Rev. Let. (S?o Paulo), v.40, p.181-191, 2000.

    ABSTRACT: In this essay, it is considered the statement of the translator

    Sergio Augusto de Andrade about the impossibility of translating a poem.

    Applying the denidean notion of the signif?er and the signified, which includes

    the idea of an undecidable presence-absence at the origin of the meaning, it is

    discussed that the translation of a poem is possible due to the movement of

    dissemination/contamination of the meaning or supplementarity of the sign.

    KEYWORDS: e. e. cummings; Sergio Augusto de Andrade; Jacques Derrida;

    poetic translation; diff?rance.

    Referencias bibliogr?ficas

    ANDRADE, S. A. O silencio das l?nguas: da impossibilidade de traduzir um

    poema. Bravo (S?o Paulo), n.12, p.22-3, set. 1998.

    ARROJO, R. Tradu?ao, desconstru??o e psican?lise. Rio de Janeiro: Imago, 1993.

    _. Oficina de tradu?ao: a teoria na pr?tica. S?o Paulo: ?tica, 1986.

    CUMMINGS, E. E. Selected poems 1923-1958. London: Faber and Faber, 1960.

    DERRIDA, J. A escritura e a diferen?a. Trad. Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. S?o Paulo: Perspectiva, 1995.

    Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000 189

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • DERRIDA, J. Gramatologia. Trad. Miriam Schnaiderman e Renato Janine Ribeiro. S?o Paulo: Perspectiva, 1973.

    FREUD, S. A interpreta??o dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

    _. Conferencias introdut?rias sobre psican?lise: Conferencia XXV, A ansie

    dade. In:_. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1970. v.16.

    NIETZSCHE, F. Sobre verdade e mentira no sentido extramoral. S?o Paulo: Abril

    Cultural, 1983. (Os pensadores). SAUSSURE, F. de. Curso de ling??stica geral. S?o Paulo: Cultrix, 1972.

    Dicion?rios

    COLLINS COBUILD English Language Dictionary. London, Glasgow: Collins, 1987.

    FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicion?rio da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1975.

    Anexo

    Maggie and milly and molly and may went down to the beach (to play one day)

    and maggie discovered a shell that sang so sweetly she couldn't remember her troubles, and

    milly befriended a stranded star whose rays five languid fingers were;

    and molly was chased by a horrible thing which raced sideways while

    blowing bubbles; and

    190

    Maggie e milly e molly e may foram brincar no mar (e ? s? o que eu sei)

    e maggie achou urna concha que cantava t?o bem

    que fez sumir seus problemas, num suave vai-e-vem, e

    milly ficou amiga de uma estrela

    perdida com cinco raios que eram dedos na tarde ardida;

    e molly foi perseguida por uma coisa horrorosa

    que corria de lado soltando uma bolha teimosa: e

    Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

  • may came home with a smooth round stone as small as a world and as large as alone.

    For whatever we lose (like a you or a me) It's always ourselves we find in the sea

    e. e. cummings

    may voltou para casa com uma

    peque?a pedra redonda

    grande como o mundo e doce como uma onda.

    Pois quando a gente se perde e

    desiste de achar ? sempre nos mesmos o que se encontra no mar

    Sergio Augusto de Andrade

    Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000 191

    This content downloaded from 200.145.114.22 on Mon, 01 Jun 2015 23:37:22 UTCAll use subject to JSTOR Terms and Conditions

    Article Contentsp. 181p. 182p. 183p. 184p. 185p. 186p. 187p. 188p. 189p. 190p. 191

    Issue Table of ContentsRevista de Letras, Vol. 40 (2000), pp. 1-263Front MatterApresentao: Poesia, e agora? [pp. 7-9]ConvidadosPanorama da poesia brasileira no sculo XX [pp. 13-39]Algumas consideraes sobre a poesia italiana contempornea [pp. 41-61]Itinerrio do poeta de "Macunama": uma leitura de "A meditao sobre o Tiet" [pp. 63-76]Jos Luandino Vieira: conscincia nacional e desassossego [pp. 77-98]

    A vida inteira nos versos: a potica de Manuel Bandeira [pp. 101-111]Intimismo e resistncia: reflexes sobre os discursos poticos de Ana Cristina Cesar e Ferreira Gullar [pp. 113-126]Leito de maravalhas, farfalhando: breve estudo da construo rtmica em "Leito de folhas verdes" de Gonalves Dias [pp. 127-138]Sob os caninos de Oswald [pp. 139-158]Lirismo e guerra: os poemas no-caligramticos dos "Calligrammes" [pp. 159-180]O silncio das lnguas: a possibilidade de traduzir um poema [pp. 181-191]Resenhas/ReviewsReview: untitled [pp. 195-201]Review: untitled [pp. 202-204]Review: untitled [pp. 205-208]Review: untitled [pp. 209-218]Review: untitled [pp. 219-224]Review: untitled [pp. 225-229]

    Resumos de Teses e Dissertaes/Abstracts of Doctoral Theses and Master Dissertations [pp. 233-235, 237-241, 243-249]Back Matter


Recommended