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Sinopse Da Teoria Geral Do Facto Punivel 121 179

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  • 7/28/2019 Sinopse Da Teoria Geral Do Facto Punivel 121 179

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    Maria da Conceio Valdgua

    DIREITO PENAL, PARTE GERAL

    SINOPSE DA TEORIA GERAL DO FACTO PUNVEL

    (O crime por acco, doloso, consumado, realizado por um autor singular)

    1. A teoria geral do facto punvel, tambm chamada teoria geral

    da infraco penal ou teoria geral do crime, porque se ocupa

    dos pressupostos gerais da conduta punvel, abstraindo das

    especificidades de cada tipo legal de crime, constitui o principal e

    mais elaborado domnio da dogmtica do Direito Penal - que,

    como j sabemos, visa o conhecimento sistemtico do DireitoPenal positivo (cfr. supra, Introduo, p. 12 ss., n de margem 12)

    e, talvez por isso mesmo, representa o ncleo central de qualquer

    manual ou tratado sobre a Parte Geral do Direito Penal.

    Ela deve merecer um estudo especialmente cuidado porque, alm

    de desempenhar um importante papel na formao de um jurista,

    permite obter os conhecimentos necessrios para resolver com

    rigor qualquer caso prtico. Alm disso, para o estudante de Direito

    Penal tem um interesse imediato, uma vez que o exame final escrito

    consiste, precisamente, numa hiptese complexa, compreendendo

    vrios aspectos da teoria geral do crime, em que pedida a anlise

    da responsabilidade penal dos vrios intervenientes. A execuo

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    dessa tarefa pressupe necessariamente um razovel domnio da

    dogmtica do crime.

    2. Objecto e funo da teoria geral do facto punvel

    A teoria geral do crime ocupa-se dos pressupostos gerais daconduta punvel, dos elementos que so comuns generalidade dos

    crimes e constituem as categorias que formam a definio geral de

    crime - aco, tipicidade, ilicitude, culpabilidade e punibilidade.

    Elabora-os, desenvolve-os em pormenor e ordena-os coerente e

    racionalmente, num sistema em que cada uma das categorias que o

    compem funciona relativamente seguinte como um antecedente

    em relao a um consequente e consubstancia em si a(s)

    anterior(es). Assim, a tipicidade pressupe a existncia de uma

    aco humana; a ilicitude (penalmente relevante) pressupe a

    tipicidade da aco; a culpabilidade pressupe uma aco tpica e

    ilcita; a punibilidade pressupe uma aco tpica, ilcita e

    culposa (ou culpvel).

    Cada uma das categorias em que o facto unitrio que o crime se

    decompe , por sua vez, decomposta nos elementos que a

    integram, de modo a permitir uma anlise o mais rigorosa possvel

    do caso concreto a subsumir na previso legal. Assim, na

    tipicidade distinguem-se elementos objectivos e subjectivos do

    tipo; na ilicitude, elementos (ou requisitos) objectivos e

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    subjectivos das causas de justificao; na culpabilidade,

    elementos positivos e negativos da culpa; na punibilidade,

    condies objectivas de punibilidade e causas de iseno da pena.

    A teoria geral do crime fornece-nos critrios cientficos que nos

    permitem proceder a um correcto e rigoroso enquadramento doscasos concretos nas previses legais, necessariamente gerais e

    abstractas por fora do princpio da igualdade. Nessa medida, ela

    traduz-se numa tcnica de subsuno que possibilita uma maior

    racionalidade, objectividade e igualdade na aplicao do Direito

    Penal, contribuindo, desse modo, para uma maior certeza jurdica.

    2.1 Na moderna dogmtica do Direito Penal , geralmente, reconhecido

    que um comportamento punvel se apresenta sempre como uma

    aco tpica, ilcita e culposa (ou culpvel), a que, eventualmente,

    podem acrescer, em alguns casos especficos, pressupostos

    especiais de punibilidade. Mas o contedo pormenorizado dessas

    categorias e a sua inter-relao so bastante discutidos e vistos a

    partir de perspectivas cientficas divergentes, a luzes tambm

    diferentes.

    Assim, por exemplo, o contedo da ilicitude ou o contedo da

    culpa no o mesmo dentro dos vrios sistemas da teoria do crime

    que historicamente se foram sucedendo (sistema clssico, neo-

    clssico, finalista e ps-finalista).

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    Para os defensores dos sistemas clssico e neo-clssico, cujas

    diferenas indicaremos posteriormente, o dolo era alheio ao tipo de

    ilcito, tendo a sua sede prpria apenas ao nvel da culpa. Era esta

    a ideia sufragada, entre ns, pelos Profs. Cavaleiro de Ferreira e

    Eduardo Correia, defensores, respectivamente, dos sistemasclssico e neoclssico.

    Para os sistemas finalista e ps-finalista (ambos modalidades do

    sistema do ilcito pessoal) o dolo integra, desde logo, a tipicidade.

    No campo dos crimes dolosos, no h sequer ilcito tpico, se o

    agente no tiver actuado com dolo. O dolo o elemento subjectivo

    comum a todos os tipos legais de crime dolosos, ao qual acrescem,

    por vezes, outros elementos subjectivos, especficos de alguns tipos

    legais, como, por exemplo, a inteno de apropriao no crime de

    furto ou a inteno de enriquecimento no crime de burla.

    Mas, mesmo dentro de cada sistema, h divergncias de opinio

    quanto ao contedo das vrias categorias, sobretudo no que se

    refere ilicitude e culpabilidade. Assim, entre os seguidores da

    teoria do ilcito pessoal, subjacente tanto ao sistema finalista como

    ao ps-finalista, entendem uns que o dolo integra os tipos legais de

    crime dolosos e s mediatamente se reflecte na culpa (isto , a

    anlise do dolo tem a sua sede apenas na tipicidade e s porque um

    tipo de ilcito doloso mais grave do que um tipo de ilcito

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    negligente que a culpa por um ilcito doloso tambm mais grave

    do que a culpa por um ilcito negligente). Outros sustentam que,

    embora o dolo integre os tipos legais de crime dolosos, devendo a

    ser analisado, tem que ser de novo ponderado ao nvel da culpa,

    porque tambm elemento dela. Nesta perspectiva o dolo tem uma

    dupla colocao na sistemtica do crime : pertence tipicidade e culpabilidade e desempenha funes diferentes em cada uma

    dessas categorias do sistema. Esta a tese defendida, entre ns,

    pelo Prof. Figueiredo Dias.

    Mas, abstraindo de todas as divergncias pontuais, pode constatar-

    se um consenso mnimo, a partir do qual podemos obter uma base

    de compreenso, inicial e provisria, que nos permite fazer uma

    abordagem global (embora, por enquanto, necessariamente

    sumria) da teoria do crime.

    Parece-nos til do ponto de vista pedaggico fazer uma referncia,

    ainda que breve, s diversas categorias do sistema do crime e s

    questes mais significativas que em cada uma delas se colocam,

    partindo das opinies dominantes na moderna dogmtica do Direito

    Penal, antes de entrarmos no estudo da evoluo histrica dos

    diferentes sistemas e na anlise e discusso pormenorizadas de

    cada elemento do crime. Este mtodo possibilitar, em nosso

    entender, a obteno de uma ideia de conjunto da teoria geral da

    infraco, que habilitar de imediato o estudante de Direito Penal a

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    resolver casos prticos sem erros graves, embora, naturalmente,

    ainda sem grande profundidade na discusso dos problemas que

    eventualmente se coloquem.

    3. A aco humana como primeiro elemento do sistema do crime

    3.1 H acordo na Doutrina dominante e na jurisprudncia em que todo

    o facto punvel pressupe necessariamente a existncia de uma

    aco humana. As divergncias comeam quando se pretende saber

    qual o conceito de aco mais fecundo em Direito Penal. A nosso

    ver, a razo est com aqueles que adoptam o conceito pessoal de

    aco, recentemente desenvolvido por Roxin (e prximo do j

    antes proposto por Arthur Kaufmann), e concebem a aco como

    exteriorizao da personalidade, entendendo esta como unidade

    de corpo e esprito. Como, no entanto, no nos parece conveniente

    antecipar para este momento a discusso sobre o conceito de

    aco, adoptaremos, provisoriamente, e sem prejuzo de no

    momento prprio lhe tecermos as crticas que nos parece merecer,

    o conceito de aco mais divulgado na nossa Doutrina, segundo o

    qual aco relevante para o Direito Penal todoo comportamento

    humano, dominado ou dominvel pela vontade, com reflexos no

    mundo exterior.

    Da definio de aco acabada de dar resulta que, em sentido

    jurdico-penal, no so aces os factos resultantes de foras da

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    natureza , o comportamento de animais ou os actos de uma

    pessoa jurdica. Tem que tratar-se de um comportamento humano.

    Tambm no so aces relevantes para o Direito Penal os

    simples pensamentos ou atitudes interiores, quando no tm

    reflexos ou consequncias no mundo exterior. Assim, se A tem odesejo, mesmo que muito intenso, de que B morra, ou toma a

    resoluo de assaltar um banco, sem a exteriorizar em actos, no

    pratica nenhuma aco penalmente relevante.

    Movimentos reflexos (por exemplo, convulses) e actos

    realizados em estado de hipnose ou de sonambulismo, sobre os

    quais no h qualquer domnio da vontade nem possibilidade dele,

    tambm no podem constituir aco com relevncia penal. Assim,

    se um epilptico, em consequncia das convulses produzidas por

    um ataque, parte um objecto de terceiro ou fere algum, no

    estaremos em face de uma aco humana para efeitos do

    preenchimento do tipo de dano (art. 212 ss.) ou dos tipos de

    ofensas corporais (arts. 143 ss. e 148), respectivamente. No

    existe um comportamento dominado nem dominvel pela vontade

    e, por isso, no pode ser realizado nenhum tipo legal de crime.

    Do mesmo modo e pelas mesmas razes, tambm faltar a aco,

    como elemento fundamental do crime, se um automobilista causa

    um acidente ou atropela algum em consequncia, por exemplo, de

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    uma picada de abelha num olho, de uma forte cibra ou de um

    ataque cardaco, uma vez que tais actos no constituram

    exteriorizao da personalidade do agente, ou, na perspectiva da

    teoria da aco que temos vindo a tomar por base, no foram

    dominados nem eram dominveis pela vontade.

    Compreende-se que a aco relevante para o Direito Penal tenha

    que ser controlada pela instncia mental do eu, tenha que ser

    dominada ou dominvel pela vontade, uma vez que, se o Direito

    Penal visa evitar a leso de bens jurdicos impondo ao homem

    normas de conduta, a essncia da conduta humana ter que ser

    decisiva no que respeita s formas bsicas do facto punvel. As

    proibies e os comandos legais dirigem-se ao homem e, por isso,

    no podem ir alm da sua capacidade de intervir com a sua aco

    no decurso dos acontecimentos. O inevitvele o impossvel no

    podem, respectivamente proibir-se nem impor-se ao homem. De

    resto, se o fim das penas sempre (embora na ideia de alguns no

    exclusivamente) prevenir que as pessoas cometam crimes - violem

    comandos ou proibies penais -, s faz sentido o Direito Penal

    proibir ou comandar o que acessvel ao controlo espiritual do

    homem.

    3.2 Se no momento em que o agente actuano tem domnio dos seus

    actos, mas teve, num momento anterior, possibilidade de evitar

    essa situao de no domnio, isso ser suficiente para que se

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    possa afirmar a existncia de uma aco relevante para o Direito

    Penal, na medida em que o comportamento era dominvel pela

    vontade. Fala-se, nestes casos, de uma aco livre na causa

    (actiolibera in causa), figura que oportunamente estudaremos.

    Vejamos alguns exemplos de aces livres na causa:Imaginemos que um agulheiro dos caminhos de ferro passa a noite

    numa festa sabendo que na manh seguinte est de servio e que o

    seu trabalho lhe exige a maior ateno. Podia ter descansado nessa

    noite, mas no o fez. Em consequncia disso adormeceu no seu

    posto e no mudou as agulhas provocando, desse modo, um

    descarrilamento. No momento em que o agulheiro dormia no teve

    domnio da conduta de no mudar as agulhas, no exteriorizou a

    sua personalidade nesse acto. Mas f-lo num momento anterior ao

    colocar-se no estado de cansao que o fez adormecer e no cumprir

    o seu dever. Nesse momento ele teve possibilidade de domnio dos

    seus actos e, nessa medida, o comportamento de no mudar as

    agulhas era dominvel pela vontade, exteriorizou atravs dele a sua

    personalidade.

    Situao idntica anteriormente descrita poderia verificar-se no

    caso de um mdico ou uma enfermeira, sabendo que estaro de

    servio durante a noite, se colocarem anteriormente numa situao

    de cansao tal que adormecem durante o seu turno e no mudam,

    por hiptese, a bala de oxignio ao doente que, em consequncia

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    disso, vem a morrer. No momento em que omitiram o

    comportamento devido (mudar a bala de oxignio) eles no tinham

    domnio da vontade, uma vez que se encontravam a dormir. Mas

    tiveram possibilidade de domnio, pois no momento em que se

    colocaram na situao de cansao que os fez adormecer

    dominavam os seus actos. Existe, por isso, uma aco relevantepara o Direito Penal, porque o comportamento era dominvel pela

    vontade.

    Tambm um condutor que por embriaguez completa causa um

    acidente no controla os seus movimentos no momento da

    ocorrncia. No entanto, no momento em que se colocou naquela

    situao, sabendo que teria de conduzir o veculo, ele tinha

    controlo espiritual dos seus actos. Podia no se ter embriagado e

    estar, portanto, no momento do acidente, no pleno domnio da sua

    vontade. Por isso, tal como nos casos anteriores, o comportamento

    era dominvel pela vontade. Isso quanto basta para que se possa

    afirmar a existncia de uma aco humana, capaz de funcionar

    como primeiro elemento do conceito de crime.

    3.3 importante notar que no conceito de aco se compreende tanto a

    aco em sentido restrito (o comportamento activo, ou agir

    positivo), como a omisso (o comportamento omissivo), o que,

    alis, decorre j de alguns dos exemplos supra referidos.

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    Assim, tanto pratica uma aco quem dispara sobre outra pessoa,

    matando-a (art. 131), como aquele que, nos termos do art. 190,

    n1, ltima parte, permanece em habitao alheia depois de

    intimado a retirar-se, ou aquele que vendo uma pessoa gravemente

    ferida num acidente, no lhe presta o auxlio que o art. 200 exige,

    ou ainda a me que no amamenta o filho, deixando-o morrer fome.

    No caso da omisso de abandonar a habitao alheia (art. 190, n

    1, ltima parte ) ou no caso da omisso de auxlio (art. 200), trata-

    se de omisses puras ou prprias. Nelas o tipo descreve

    directamente a conduta que dever ser levada a cabo pelo agente.

    A omisso da conduta devida preenche, pois, directamente o tipo

    legal de crime, independentemente da verificao de qualquer

    resultado e sem necessidade de o intrprete apurar se essa omisso

    equiparvel a uma aco em sentido restrito.

    s omisses puras ou prprias contrapem-se as omisses

    impuras ou imprprias, que constituem os comportamentos

    punveis nos chamados crimes comissivos por omisso. O que

    caracteriza esta categoria o facto de o comportamento omissivo

    no se encontrar directamente descrito nos tipos legais de crime de

    onde se retira a sua incriminao, pois esses tipos apenas

    descrevem, de modo directo, determinados resultados (morte,

    ofensas corporais, danos, etc.), incriminando os comportamentos

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    que causarem esses resultados. Nestes casos, as omisses de

    comportamentos que teriam evitado tais resultados consideram-se

    abrangidas pelos ditos tipos legais de crime, desde que, nos termos

    do art. 10, a omisso deva equiparar-se ao agir positivo, em

    virtude de recair sobre o agente um especial dever jurdico de

    evitar o resultado tpico.

    Assim, no caso do homicdio por omisso, praticado pela me que

    no amamentou o filho, trata-se de uma omisso impura ou

    imprpria abrangida pelo art. 131 (e, eventualmente pelo art. 132,

    n 2, alnea a)) conjugado com o art. 10. Quando o art. 131 define

    o homicdio, utiliza termos que na linguagem comum correspondem

    a uma aco em sentido restrito (agir positivo). Diz-se a: "Quem

    matar outra pessoa." (e no: quem deixar morrer outra pessoa).

    Nestes casos de omisses impuras, tem que poder equiparar-se a

    omisso aco para que o agente possa ser responsabilizado pelo

    resultado verificado em consequncia da sua omisso. Tal

    equiparao regulada pelo art. 10, que constitui uma extenso

    dos tipos de crime de resultado.

    Mas o art. 10 suscita importantes dvidas, porque o problema est,

    precisamente, em saber quando que se pode afirmar que uma

    pessoa tem o deverjurdico de evitar o resultado. Se h casos

    (como, por exemplo, o da me que no amamenta o filho,

    deixando-o morrer de fome) em que fcil afirmar um dever

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    jurdico da me de evitar a morte do filho, outros h em que pode

    tornar-se bastante difcil determinar se existe (ou no) o dever

    jurdicode actuar, ou seja, se existe uma posio de garantepela

    no produo do resultado, que permita equiparar a omisso

    aco.

    Pense-se, por hiptese, numa "babysitter" que, lembrando-se que o

    seu contrato terminou na vspera, abandona a casa onde est a

    cuidar de uma criana, deixando-a s. Se a criana, porventura, vai

    para a varanda, cai e morre da queda, ser que podemos equiparar

    a omisso de vigilncia da "babysitter" a uma aco positiva de

    matar, mesmo tendo em conta que o seu contrato para cuidar da

    criana j no estava em vigor? E, no caso da me que no

    amamenta o filho, se uma vizinha sabe disso, nada faz para salvar a

    criana e esta vem a morrer por falta de alimentos, ser a vizinha

    jurdico-penalmente responsvel pela omisso de evitar a morte da

    criana?

    Estes e outros casos, ainda mais complexos, sero tratados quando

    desenvolvermos a matria da omisso. Por agora, referiremos

    apenas que a doutrina tradicional indicava como fontes da posio

    de garante (ou do especial dever jurdico de evitar o resultado), a

    lei, o contrato e a ingerncia (entendendo esta como um

    comportamento anterior que cria ilicitamente o perigo de

    verificao do resultado tpico). Mas esta doutrina das fontes

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    formais do dever de agir, como j mostrou Armin Kaufmann, em

    finais dos anos 50, apresenta vrias insuficincias. Hoje entende-

    se, predominantemente, que decisivas so antes as relaes

    materiais que esto subjacentes quelas fontes formais. So as

    chamadasfontes materiais do dever de agir. Nesta perspectiva as

    posies de garante derivam, fundamentalmente, de:1) - especficas funes de proteco do bem jurdicopor parte do

    agente (por exemplo, os pais relativamente aos filhos e vice-versa,

    os cnjuges relativamente um ao outro, os enfermeiros ou os

    mdicos relativamente aos seus pacientes, a babysitter

    relativamente criana que est sua guarda, etc.);

    2) - dever de controlo de fontes de perigo que sobre o agente

    impenda ( por exemplo, a ingerncia ilcita, a deteno de fontes de

    perigo, como sejam armas, animais perigosos, explosivos, poos,

    etc.).

    4. Tipicidade

    4.1 O segundo pressuposto essencial do crime a tipicidade. Uma

    aco s tem relevncia jurdico-penal se for tpica. Por isso

    mesmo, autores h que entendem ser desnecessrio um tratamento

    da aco prvio tipicidade. Esta ideia, propugnada por Radbruch

    no incio dos anos trinta, defendida, entre ns, pelo Prof.

    Figueiredo Dias. No nos parece, contudo, acertada tal posio,

    pelas razes que mais tarde exporemos.

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    Quando que se pode dizer que determinado comportamento

    tpico? Quando a conduta do agente corresponda previso

    objectiva e subjectiva de um tipo legal de crime ou a alguma das

    extenses da tipicidade previstas na Parte Geral do Cdigo Penal.

    Assim, por exemplo, ser tpica a conduta do agente que subtrai

    uma coisa mvel alheia com inteno de se apropriar dela para si

    ou para outra pessoa (art. 203), ou a aco daquele que emitir

    radiaes ou libertar substncias radioactivas e criar desse modo

    perigo para a vida ou para a integridade fsica de outrem, ou para

    bens patrimoniais de valor elevado pertencentes a outra pessoa (art.

    272, n 1, alnea d)), ou o comportamento daquele que

    dolosamente mata outra pessoa (art. 131).

    A exigncia de tipicidade da aco uma consequncia do

    princpio "nullum crimen nulla poena sine lege", como vimos ao

    tratar do princpio da legalidade. Ningum pode ser punido por um

    comportamento que no momento da sua prtica no esteja

    tipificado na lei como crime (arts. 29 da Constituio e 1 do

    Cdigo Penal).

    4.2 O tipo legal de crime composto por elementos objectivos de

    carcter descritivo (ou seja, imediatamente apreensveis pelos

    sentidos), e/ou de carcternormativo (isto , que necessitam do

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    recurso a uma norma jurdica ou social para serem compreendidos)

    e por elementos subjectivos. Podemos, pois, distinguir:

    a) - o tipo objectivo, constitudo por todos os elementos do tipo

    legal de crime exteriores psique do agente;

    b) - o tipo subjectivo,composto pelos elementos do tipo legal de

    crime que consistem em factos interiores, psquicos, do agente

    (como o conhecimento da existncia dos elementos objectivos do

    tipo, a resoluo de praticar certo acto, a vontade de produzir

    determinado resultado, etc.).

    4.2.1. Tipo objectivo

    O tipo objectivo abrange, nomeadamente:

    1) - o objecto da aco, por exemplo: a pessoa nos crimes de

    homicdio (arts. 131ss.) ou nos crimes de ofensas corporais

    (arts. 143 ss.), a coisa alheia no crimes de dano (arts. 212 ss.),

    etc.;

    2) - o resultado, nos crimes de resultado (ou seja, aqueles que

    exigem que se siga conduta um resultado dela separvel no

    espao e no tempo), por exemplo, nos crimes acima referidos e

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    pela mesma ordem, a morte da vtima, as leses corporais e a

    destruio, desfigurao ou danificao da coisa alheia;

    3) - o nexo de causalidade da aco em relao ao resultado,

    nos crimes de resultado cometidos por uma aco em sentido

    restrito, ou crimes comissivos por aco (nos crimes comissivospor omisso no h causalidade real, embora se atenda, nesses

    casos, a uma causalidade hipottica), por exemplo: no caso de

    homicdio a morte da vtima tem que estar ligada conduta do

    agente por uma relao de causalidade, que existir, nos termos

    da teoria da conditio sine qua non, sempre que, suprimindo

    mentalmente a aco, o resultado tambm desaparea . Esta

    teoria tem sido, com razo, sujeita a vrias crticas, como

    veremos a seu tempo;

    4) - a imputao objectiva do resultado conduta do agente

    (elemento objectivo no escrito dos crimes de resultado, mas

    que resulta do art. 10, n1), para determinao da qual existem

    vrios critrios, que no se excluem uns aos outros: antes,

    podem e devem ser tidos em conta cumulativamente. Em todo o

    caso, modernamente a imputao objectiva

    predominantemente determinada com base na teoria do risco,

    segundo a qual, um resultado deve ser objectivamente imputado

    conduta do agente quando ela cria ou aumenta (ou no

    afasta ou diminui, no caso de omisso) um risco proibido que

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    se concretiza no resultado tpico. De acordo com esta teoria

    no haver imputao objectiva do resultado conduta do

    agente quando este, com o seu comportamento:

    - diminuiuo risco de produo de um resultado mais grave;

    - criou ou aumentou um risco permitido;

    - no criou nem aumentou o risco proibido que se concretizouno resultado;

    - criou um risco que no ultrapassou o risco permitido.

    o que acontece nos chamados casos de comportamento

    lcito alternativo, ou seja, naqueles casos em que o

    resultado, com uma probabilidade raiante da certeza, se

    verificaria precisamente do mesmo modo e no mesmo

    momento, se o agente tivesse tido o comportamento lcito

    que deveria ter tido, em alternativa ao que teve. A teoria do

    comportamento alternativo, que nos permite solucionar os

    problemas de imputao objectiva nos referidos casos, ,

    afinal, uma decorrncia da teoria do risco.

    Um critrio de imputao objectiva bastante utilizado entre ns,

    quer pela Doutrina, quer pela jurisprudncia, a chamada

    teoria da adequao (tambm denominada teoria da

    causalidade adequada), que aparece aflorada no art. 10, n 1,

    do C.P., e segundo a qual a imputao objectiva do resultado

    conduta do agente far-se-, quando, segundo um juzo de

    prognose pstuma, fosse previsvel para uma pessoa mdia,

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    colocada nas circunstncias concretas em que o agente

    actuou e com os conhecimentos concretos deste, que o

    resultado, como em concreto se produziu, surgiria como

    uma consequncia normal da conduta. Esta teoria, como

    veremos desenvolvidamente mais tarde, no satisfatria,

    porque, de acordo com ela, seria possvel imputarobjectivamente o resultado conduta do agente em vrios

    grupos de casos em que tal imputao deve ser negada. o

    que se passa relativamente a resultados que so consequncia

    da concretizao de riscos permitidos, ou a resultados que so

    consequncia de uma diminuio do risco, ou a resultados que

    se produziriam do mesmo modo e no mesmo momento se o

    agente, em vez do comportamento que teve, tivesse tido um

    comportamento lcito (comportamento lcito alternativo) e a

    resultados no abrangidos pelo mbito de proteco da

    norma.

    5) - as vrias modalidades de aco, como, por exemplo, o

    uso da violncia no roubo (art. 210), ou na violao (art. 164);

    6) - as qualidades especiais do agente nos crimes especficos

    (ou seja, aqueles cujo crculo de autores limitado a

    determinadas pessoas), como, por exemplo: no crime de

    denegao de justia e de prevaricao, ser funcionrio (art.

    369), advogado ou solicitador (art. 370); nos crimes de

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    peculato (arts. 375 s.) ou de corrupo passiva (372 s.), ser

    funcionrio; nos crimes de recusa de mdico (art. 284 ss.), ser

    mdico;

    7) - a posio de garante pela no produo do resultado, nos

    crimes comissivos por omisso (cfr. supra, 3.3).

    8) - a violao do dever objectivo de cuidado, nos crimes por

    negligncia.

    O preenchimento do tipo objectivo pressupe que, no caso

    concreto, estejam presentes todos os requisitos de carcter

    objectivo exigidos pelo tipo legal de crime em causa.

    Assim, se, por exemplo, num crime de resultado o agente

    realiza actos idneos a produzi-lo mas ele no chega a

    verificar-se, ou, verificando-se, no pode ser objectivamente

    imputado conduta do agente, o tipo objectivo no estar

    preenchido. Isso poder ter consequncias diferentes consoante

    estejamos no mbito dos crimes dolosos ou no dos crimes

    negligentes. Tratando-se de um crime doloso, a situao

    descrita constituir uma tentativa do crime que o agente

    pretendia cometer (art. 22); tratando-se de um crime

    negligente, determinar a inexistncia de crime (o desvalor da

    conduta negligente insuficiente para punir por tentativa. Esta

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    pressupe sempre o dolo do agente, como resulta do art. 22, n

    1: "crime que decidiu cometer"). A punio de um

    comportamento negligente pressupe sempre que se verifique,

    alm do desvalor da aco, o desvalor do resultado.

    Vejamos alguns exemplos:Suponha-se que A est a limpar a sua caadeira enquanto

    conversa com B, que se encontra na sua frente. Por descuido A

    prime o gatilho e s no atinge o corao de Bporque este teve

    a sorte de, nesse preciso momento, se baixar para apertar os

    atacadores. Se A tivesse atingido mortalmente B, estaramos

    em face de um crime de homicdio por negligncia (art. 137).

    Como, no entanto, o resultado tpico no se verificou no foi

    preenchida a previso objectiva do referido tipo, pelo que no

    existir crime, uma vez que se trata de um crime por

    negligncia e estes no so punveis na forma tentada.

    Suponha-se agora que A disparou a caadeira, no por

    descuido, mas sim porque pretendia matarB, tudo se passando,

    quanto ao resto, como na hiptese anterior. Neste caso,

    estaramos em presena do crime de homicdio doloso, previsto

    no art. 131, se o agente tivesse produzido o resultado tpico.

    Como isso no aconteceu, no esto preenchidos os elementos

    objectivos do referido tipo, uma vez que falta o resultado tpico.

    No entanto, porque A agiu com inteno de matar B, o seu

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    comportamento, traduzido num acto em geral idneo para

    matar, suficiente para o punir por tentativa de homicdio, nos

    termos do art. 131 conjugado com o art. 22, ns. 1 e 2, alnea

    b).

    A soluo idntica acabada de referir levam os casos em que,actuando o agente com dolo, o resultado tpico se verifica mas

    no pode ser objectivamente imputado conduta do agente,

    pois, como vimos, o nexo de imputao objectiva elemento

    (no escrito) do tipo objectivo. Pode servir de exemplo a

    hiptese anterior se alterarmos a matria de facto do seguinte

    modo: A consegue realmente atingir B, mas este no morre

    imediatamente. transportado ao hospital e, no percurso, vem

    a morrer em consequncia da coliso da ambulncia com outro

    veculo. O tipo legal de crime a analisar seria, naturalmente,

    como na hiptese anterior, o de homicdio doloso, previsto no

    art. 131, uma vez que A pretendeu matar B com o tiro.

    Contudo, no podemos afirmar o preenchimento do tipo

    objectivo por falta de um dos seus elementos: a imputao

    objectiva do resultado conduta do agente. Com efeito,

    aplicando a teoria do risco, teremos de concluir que o risco

    criado pelo comportamento de A, ao atingirB com o tiro, no

    foi o que se concretizou no resultado tpico (morte de B), uma

    vez que este morreu em consequncia do acidente. Foi outro o

    risco (de morte por acidente de viao) que se materializou no

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    resultado tpico. A poderia, no entanto, ser punido por tentativa

    de homicdio, por conjugao dos arts. 131 e 22, ns. 1 e 2,

    alnea b), uma vez que, com dolo de homicdio ("crime que

    decidiu cometer" - art. 22, n1), praticou actos de execuo

    desse crime (o disparo de uma caadeira sobre o corao de

    uma pessoa , indiscutivelmente, um acto em geral idneo aproduzir a morte - art. 22, n 2, alnea b)).

    4.2.2 O tipo subjectivo

    Do ponto de vista da teoria do ilcito pessoal, que hoje

    doutrina absolutamente dominante, existe, a par do tipo

    objectivo, um tipo subjectivo. E este no se reconduz apenas s

    intenes especiais exigidas em alguns crimes e resoluo

    criminosa na tentativa, como pretendiam os defensores do

    sistema neoclssico. Todos os crimes dolosos tm como

    elemento subjectivo comum o dolo, ao qual acrescem, em

    determinados tipos legais de crime, outros elementos

    subjectivos especficos desses crimes (por exemplo, a inteno

    de apropriao, no furto, art. 203 s., ou no roubo, art. 210,

    ou a inteno de enriquecimento, na burla, art. 217 s., na

    burla informtica, art. 221, ou na extorso, art. 222. Quanto

    aos crimes por negligncia discute-se, entre os defensores da

    teoria do ilcito pessoal, o contedo do tipo subjectivo e a sua

    autonomia relativamente ao tipo objectivo, onde se considera j

    143

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    a violao do dever de cuidado. Esta , no entanto, uma

    questo especfica da dogmtica dos crimes negligentes, que

    no vamos antecipar agora.

    4.2.2.1 O dolo, cujas modalidades se encontram descritas no art. 14,

    define-se como o conhecimento dos elementos objectivos deum tipo legal de crime e a vontade de os realizar. Compe-se,

    portanto, como resulta da sua definio, de dois elementos:

    a) - um elemento intelectual ou cognitivo (conhecimento dos

    elementos objectivos do tipo legal de crime);

    b) - umelemento volitivo(vontade de realizar o tipo objectivo).

    O dolo s poder ser afirmado quando se verificarem

    cumulativamente os seus dois elementos (no entanto, para

    efeitos de anlise convm autonomiz-los e tratar, em primeiro

    lugar, o elemento intelectual, que precede logicamente o

    elemento volitivo, uma vez que s se pode querer algo que se

    conhece). Alm disso, o dolo tem que se verificar no momento

    da aco, tem que ser actual. So irrelevantes para o

    preenchimento do tipo o dolo antecedente, e o dolo

    subsequente.

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    4.2.2.2 Se o elemento intelectual do dolo se traduz no conhecimento

    dos elementos objectivos do tipo, ele no existir se o agente

    ignora ou se representa falsamente aquela realidade objectiva,

    isto , se o agente se encontra em erro sobre o facto tpico. A

    este erro se refere o art. 16, n1, primeira parte, atribuindo-

    lhe, precisamente, a consequncia de excluir o dolo.

    Vejamos alguns exemplos de erro sobre o facto tpico:

    1 - Suponha-se que A, durante uma caada, dispara sobre um

    vulto que v mexer-se atrs de uma moita, na convico de que

    se trata de uma pea de caa. Quando vai recolher a suposta

    pea de caa verifica que, afinal, matara uma criana que

    andava por ali a apanhar caruma.

    A estava em erro sobre elementos de facto de um tipo de crime,

    mais concretamente em erro sobre o objecto tpico do crime

    de homicdio - a pessoa - (art. 131), na medida em que

    supunha estar a disparar sobre um animal de caa ("res

    nullius"). O agente no se representou, portanto, o objecto

    tpico do homicdio, pelo que est excludo o dolo,por falta do

    seu elemento intelectual. Estamos em face da situao prevista

    no art. 16, n 1, primeira parte, segundo o qual "o erro

    sobre elementos de facto ou de direito de um tipo legal de

    crime ...exclui o dolo" . A poderia, no entanto, ser punido por

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    homicdio por negligncia, previsto no art. 137, caso se

    verificassem os requisitos gerais de punibilidade da negligncia

    (art. 16, n 3), ou seja: estar prevista na lei a punibilidade do

    facto por negligncia (no presente caso encontra-se no art

    137), ter o agente causado o resultado por violao de um

    dever objectivo de cuidado, ter o agente o poder individual(subjectivo) de observar o cuidado objectivamente devido.

    2 - Alteremos a hiptese anterior e suponhamos que A, em vez

    de ter querido matar uma pea de caa ("res nullius"), queria

    matar o co de caa de B, disparou convencido que era o

    referido co que se encontrava por trs da moita e, afinal, era a

    criana, que morreu do tiro. Neste caso, ao contrrio do

    anterior, A teria actuado com dolo de dano, na medida em que

    queria destruir coisa alheia (art. 212), mas no conseguiu

    realizar o resultado tpico do crime de dano (neste caso

    concreto a morte do co), porque, ao contrrio do que ele

    supunha, no era o objecto tpico do dano que l se encontrava,

    mas sim o objecto tpico do crime de homicdio. A teria, nesta

    hiptese, realizado uma tentativa (impossvel, por inexistncia

    do objecto - art. 23, n3) de dano (art. 212, conjugado com

    o art. 22, ns 1 e 2, alnea b) e art. 23, n 3).

    Quanto ao homicdio tudo se passa como na hiptese anterior

    (cfr., supra, exemplo 1, p. 16), ou seja: A estava em erro

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    sobre o objecto tpico do homicdio, desconhecia que estava a

    disparar sobre uma pessoa, pelo que, est excludo o dolo de

    homicdio, nos termos do art. 16, n 1, primeira parte, sendo,

    no entanto, possvel puni-lo por homicdio por negligncia, nos

    termos do art. 137, caso se verificassem, no caso concreto, os

    restantes requisitos de punibilidade da negligncia (indicadosna parte final da hiptese 1, p. 16).

    Note-se que o erro sobre o objecto tpico, previsto no art.

    16, n 1, primeira parte, s se verifica quando o agente

    atinge um objecto tpico que no se representou (como

    acontece nas duas hipteses anteriores, ou noutras semelhantes

    em que os objectos tpicos - o atingido e o que o agente

    pretendia atingir - sejam diferentes). Quando o agente

    representa correctamente o objecto tpico que pretende atingir

    no haver erro sobre o objecto, ainda que o agente o tenha

    identificado mal. Assim, se, por exemplo, A quer matar B e

    dispara sobre uma pessoa que lhe parece serB, mas, afinal C

    (pessoa muito parecida com B), no estar em erro sobre o

    objecto tpico do homicdio (art. 131), dado que, o objecto

    deste tipo legal de crime qualquer pessoa ("outra pessoa") e o

    agente representouuma pessoa. A est apenas em erro sobre

    a identidade da pessoa que, neste caso, irrelevante, dado que

    a identidade da pessoa no elemento objectivo do tipo de

    homicdio previsto no art. 131. Assim sendo, o erro de A

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    Maria da Conceio Valdgua

    no incide sobre qualquer elemento objectivo do tipo legal de

    crime que ele pretendia realizar, pelo que no tem aplicao o

    disposto no art. 16, n 1, primeira parte. Mantm-se, portanto,

    o dolo de homicdio.

    3 - Suponha-se que A, sada de um restaurante, retiradescuidadamente do bengaleiro a gabardina de B, que leva

    para casa, na convico de que a sua.

    A no realizou o crime de furto (art. 203), entre outras razes,

    porque estava em erro sobre um elemento normativo do tipo

    - o carcter alheio da coisa -. Aplica-se, portanto, o art. 16,

    n1, primeira parte, excluindo-se o dolo do agente. Como o

    crime de furto s est previsto na lei na forma dolosa, no

    subsiste a possibilidade de punir o agente por negligncia, pelo

    que A no cometeu qualquer crime.

    4 - Admita-se que A subtrai do escritrio de B uma pequena

    estatueta, que o encanta pela sua originalidade e beleza,

    desconhecendo que se trata de uma valiosa obra de arte.

    A est em erro sobre o valor elevadoda coisa, circunstncia

    agravante que constitui elemento do tipo de furto

    qualificado (art. 204, n 1, alnea a)), pelo que, o seu dolo,

    relativamente a essa circunstncia tpica, deve considerar-se

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    Maria da Conceio Valdgua

    excludo, nos termos do art. 16, n 1, 1 parte. Subsiste, no

    entanto, o dolo do crime base - furto simples (art. 203) -, pelo

    qual A dever ser punido, porquanto, sabia que estava a

    subtrair uma coisa mvel alheia.

    4.2.2.3 H circunstncias agravantes que constituem meros exemplos-padro de situaes que indiciam uma especial censurabilidade

    ou perversidade do agente (como acontece, por exemplo, no

    homicdio previsto no art. 132) e que a doutrina e

    jurisprudncia dominantes na Alemanha e e em Portugal

    consideram, a meu ver bem, serem regras dedeterminao

    da medida da pena e no elementos do tipo, como pretende

    uma parte minoritria da doutrina. No entanto, todos esto de

    acordo em que o dolo tem que abranger todas as

    circunstncias agravantes relativas ao lado objectivo do

    ilcito e em que o erro sobre essas circunstncias afasta o

    dolo, por aplicao analgica do art. 16, n1 e por imposio

    do princpio da culpa (para os que entendem que as referidas

    circunstncias so regras de determinao da medida da pena)

    ou por aplicao directa do art. 16, n 1 (para os que entendem

    que as ditas circunstncias so elementos do tipo). (Cfr., mais

    desenvolvidamente, infra, p. 187 ss.).

    Exemplo:

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    Maria da Conceio Valdgua

    Suponha-se que A quer matarB numa noite de carnaval. Sabe

    que B ir a um baile de carnaval disfarado de arlequim.

    Espera-o prximo do local onde se realizar o baile e quando

    v chegar uma pessoa vestida de arlequim, dispara e atinge essa

    pessoa, matando-a. Verifica, depois, que matara o seu prprio

    filho, que fora quela festa tambm vestido de arlequim.

    Se A soubesse que estava a atirar sobre o seu prprio filho e o

    quisesse fazer, haveria dolo de homicdio qualificado, previsto

    no art. 132, n 2, alnea a). Como A desconhecia que a pessoa

    sobre a qual estava a disparar era seu "descendente", estava

    em erro sobre uma circunstncia agravante - a qualidade

    da vtima: ser "descendente" do agente - pelo que estaria

    excludo o seu dolo, por analogia com o art. 16, n 1, 1 parte.

    Como melhor veremos, quando desenvolvermos a matria

    relativa ao tipo subjectivo, na hiptese acima indicada no se

    trata de um erro sobre o objecto (ao contrrio do que se diz em

    alguns manuais e apontamentos de Direito Penal), pois o

    objecto do art. 132 o mesmo que o do art 131, a pessoa. O

    agente representa correctamente o objecto da aco, que

    comum a ambos os referidos tipos legais de crime. O que ele

    no representa uma circunstncia relativa ao objecto, que o

    facto de a vtima ser seu descendente; por isso, essa

    circunstncia qualificativa no pode ser imputada ao seu

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    Maria da Conceio Valdgua

    dolo. Subsiste, no entanto, o dolo de homicdio simples (art.

    131), uma vez que A representou correctamente o objecto

    tpico (sabia que estava a disparar sobre uma pessoa) e quis

    atingi-lo, devendo, portanto, ser punido por homicdio doloso

    simples.

    4.2.2.4 Situao diferente do erro sobre o facto tpico - e a que,

    portanto, no se aplica o regime previsto no art. 16, n1,

    que manda excluir o dolo - a do chamado erro na execuo

    ou "aberratio ictus". A "aberratio ictus" no se deve confundir

    com o erro sobre o objecto tpico, pois, neste o agente no se

    representa o objecto real da aco, mas sim outro objecto,

    tipicamente diferente - o objecto que ele queria atingir (como

    vimos, supra, nas hipteses 1 e 2, ps. 16 e 17,

    respectivamente). Na "aberratio ictus" o agente representa-se

    correctamente o objecto da aco, mas no consegue atingi-lo

    por impercia na execuo, vindo a atingir outro objecto.

    Vejamos os seguintes exemplos:

    1 - A quer matar B, dispara um tiro sobre ele, mas no

    consegue acertar-lhe, vindo a atingir mortalmente C, que se

    encontra prximo de B.

    A ser punido por tentativa de homicdio em B, que ele queria

    matar e no conseguiu (art. 131 conjugado com o art. 22, ns

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    Maria da Conceio Valdgua

    1 e 2, alnea b)), em concurso ideal (art. 30, n1) com

    homicdio por negligncia em C (art. 137), que ele atingiu por

    falta de cuidado.

    2 - A quer matar B, um pastor que deixa as suas ovelhas

    destrurem-lhe as searas. Dispara uma caadeira sobre B, masvem a atingir o co de B, que estava ao lado do dono.

    A seria punido por tentativa de homicdio, uma vez que queria

    matar B, mas no conseguiu produzir o resultado tpico (art.

    131 conjugado com o art. 22, ns. 1 e 2 alnea b)).

    Relativamente morte do co, que A atingiu por negligncia,

    no poderia ser punido, porque o dano por negligncia no est

    tipificado como crime.

    Tambm constituem situaes de "aberratio ictus" (embora, em

    geral, no se encontrem referidas nos manuais) aquelas em

    que o agente, por deficiente execuo do crime que pretende

    cometer, no atinge o objecto tpico visado do modo que

    desejava faz-lo mas, apesar de tudo, ainda o atinge, embora

    venha tambm a atingir outro objecto tpico. Pense-se, por

    exemplo, na seguinte hiptese:

    A, durante uma caada, apercebe-se que B, inimigo de C, tem

    a arma apontada s costa deste, preparando-se para o matar. A

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    Maria da Conceio Valdgua

    tenta impedir o homicdio de C disparando, de imediato, sobre

    o brao de B. O cartucho passa de raspo no brao de B,

    ferindo-o levemente, e vai atingirC num ombro.

    Trata-se de um caso de "aberratio ictus" em que o agente dirige

    a execuo para determinado objecto, ainda consegue atingi-lo,mas atinge tambm outro que no pretendia atingir.

    Relativamente a B, o agente preencheu o tipo de ofensas

    corporais dolosas simples (art. 143). No entanto, ao

    analisarmos a ilicitude temos que concluir pela sua excluso,

    porque o agente actuou ao abrigo da legtima defesa de

    terceiro, prevista no art. 32 (cfr. infra, 5.2, ps. 37 s.), no

    podendo, portanto, ser punido por essas ofensas corporais.

    Quanto ao ferimento produzido em C, A poder,

    eventualmente, ser punido por ofensas corporais por

    negligncia, tipificadas no art. 148, caso se provem os

    restantes requisitos de punibilidade da negligncia (cfr. supra,

    4.2.2.2, hiptese 1, in fine,p. 25).

    4.2.2.5 Como j dissemos (supra, 4.2.2.1, p. 23), o dolo pressupe,

    alm do elemento intelectual, um elemento volitivo, que se

    traduz em o agente querer realizar os elementos objectivos do

    tipo legal de crime que representou. Esse querer, ou vontade de

    realizao do tipo, pode ser mais ou menos intenso, consoante

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    a forma de dolo de que se trate e ele que nos permite

    distinguir o dolo eventual da negligncia consciente.

    No art. 14 esto contempladas trs formas de dolo:

    - dolo intencional ou dolo directo do 1 grau (n 1), queexistir quando a vontade do agente se dirige directamente,

    como objectivo final, ou como objectivo intermdio,

    realizao de um facto tpico que representou (exemplos: A

    odeia B e quer mat-lo - objectivo final; A, herdeiro de seu tio

    B, quer mat-lo - objectivo intermdio -, para receber a herana

    - objectivo final -).

    - dolo necessrio ou dolo directo do 2 grau (n 2), que se

    verifica quando a realizao do facto tpico no o objectivo

    final do agente, mas ele representa-a como consequncia

    necessria da sua conduta e, portanto quere-a. (Por exemplo:

    A afunda o seu navio, cheio de passageiros, para receber o

    valor do seguro. O seu objectivo final receber o valor do

    seguro. Mas ele sabe que afundando o barco os passageiros

    morrero, pelo que quer essas mortes como consequncia

    forosa da realizao do seu objectivo);

    - dolo eventual (n 3), que existe quando o agente representa

    como consequncia possvel da sua conduta a realizao de

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    um facto tpico e actua conformando-se com o risco dessa

    realizao. (Por exemplo: A assaltado num local onde se

    encontram muitas pessoas. Dispara sobre as pernas do

    assaltante para o fazer parar. Embora tenha conscincia do

    risco que corre de acertar em alguma das pessoas que ali se

    encontram, decide, apesar disso, disparar, ferindo uma pessoa.A conformou-se com o perigo de verificao do resultado,

    aceitou a possibilidade da sua ocorrncia e, nessa medida, quis

    o resultado).

    No fcil, por vezes, delimitar o dolo eventual da negligncia

    consciente (art. 15, alnea a)), porque o elemento intelectual

    o mesmo em ambas as figuras. O agente tem, em qualquer

    delas, que representar, como consequncia possvel da sua

    conduta, o risco de realizao de um facto tpico. Elas

    distinguem-se, apenas, pelo elemento volitivo. Assim, no dolo

    eventual o agente conforma-se com a realizao do facto, na

    negligncia consciente o agente no se conforma com aquela

    realizao. O problema est, no entanto, em saber quando que

    se pode dizer que o agente se conformou, ou no se conformou,

    com a produo do facto. A Doutrina tem apontado vrios

    critrios tendentes a permitir a delimitao das duas figuras,

    como veremos mais tarde. Contudo, poderemos, desde j,

    adiantar que hoje largamente dominante a teoria da

    conformao, para a qual, alis, aponta expressamente a nossa

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    lei no art. 14, n 3 ("quando o agente actua conformando-se

    com aquela realizao"). Segundo esta teoria haver dolo

    eventual quando o agente toma a srio o risco de leso do bem

    jurdico, conta com ele e no obstante decide-se pela

    realizao do facto.

    4.2.2.6 Em regra o dolo suficiente para preencher o lado subjectivo

    do tipo legal de crime. No entanto, em alguns casos, o tipo

    exige ainda que, alm do dolo, se verifiquem no agente outros

    elementos subjectivos especiais, que no tm correspondncia

    no tipo objectivo e sem os quais no poder afirmar-se a

    tipicidade da conduta. o caso, por exemplo, da inteno de

    apropriao no furto (art. 203), da inteno de

    enriquecimento na burla (art. 217), da inteno de alcanar

    benefcio patrimonial na usura (art. 226), etc..

    5. A ilicitude

    5.1 Em princpio, uma conduta tpica tambm ilcita, ou seja,

    contrria ordem jurdica. No entanto, esse indcio de ilicitude,

    representado pela tipicidade da conduta, pode no se confirmar

    se, porventura, se verificar, no caso concreto, alguma causa de

    justificao do facto ou de excluso da ilicitude.

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    As causas de justificao constituem permisses de actuar, em

    determinadas circunstncias e dentro de certos limites, em

    princpio nelas estabelecidos, concedidas aos cidados pela

    ordem jurdica, de modo que, se uma pessoa preenche, com a

    sua conduta, um tipo legal de crime, mas o faz ao abrigo de

    uma causa de justificao, o seu comportamento lcito.

    Assim, se, por exemplo, A dispara um tiro num brao de B,

    provocando-lhe ferimentos, no h dvida que realiza o tipo de

    ofensas corporais (art. 143), o que, em princpio, ilcito. Mas

    se A produziu essas ofensas corporais em B para defenderC,

    que estava na iminncia de ser morto por B, ento A exerceu

    um direito que a ordem jurdica lhe confere - a legtima defesa

    de terceiro (art. 32) - pelo que o seu comportamento, embora

    tpico, no ilcito.

    As causas de justificao, ou de excluso da ilicitude, no so

    apenas as que se encontram previstas no Cdigo Penal e esto,

    exemplificativamente, enumeradas no art. 31, n 2. Elas podem

    provir de qualquer ramo da ordem jurdica, como resulta, alis,

    do art. 31, n1 (onde se entende estar consagrado o princpio

    da unidade da ordem jurdica), segundo o qual, "O facto no

    criminalmente punvel quando a sua ilicitude for excluda pela

    ordem jurdica considerada na sua totalidade". Alm disso,

    com base na ideia de ilicitude material (que assenta na leso ou

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    perigo de leso de bens jurdicos e na gravidade da leso),

    possvel encontrar causas de justificao supra-legais por

    recurso analogia (no proibida nestes casos, como vimos ao

    tratar do princpio da legalidade).

    5.2 Na perspectiva da teoria do ilcito pessoal, a ilicitude integrada por um desvalor da aco (traduzido na verificao

    dos elementos subjectivos do tipo) e por um desvalor de

    resultado (traduzido na leso ou perigo de leso do(s) ben(s)

    jurdico(s) protegido(s) pelo tipo legal).

    Paralelamente ao tipo legal de crime, tambm as causas de

    justificao contm:

    - elementosobjectivos (que se traduzem nas circunstncias de

    carcter objectivo que legitimam o comportamento do agente) e

    - elementos subjectivos (que consistem, pelo menos, no

    conhecimento da situao justificante).

    E, tal como acontece em relao tipicidade, tambm as causas

    de justificao s podem funcionar como tal, isto , excluir a

    ilicitude, caso se verifiquem, cumulativamente os seus

    elementos objectivos e subjectivos. Pode dizer-se, como faz,

    por exemplo, Stratenwerth, que a verificao dos elementos

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    objectivos de uma causa de justificao compensa, ou

    anula, o desvalor de resultado e que a presena do elemento

    subjectivo da causa de justificao compensa, ou anula, o

    desvalor da aco, sendo, assim, afastada a ilicitude do

    comportamento.

    No exemplo que demossupra, em que A fere B para defender

    C, estavam verificados os elementos objectivos da legtima

    defesa - uma "agresso actual e ilcita" de B vida de C

    ("interesses juridicamente protegidos ... de terceiro") -, o que

    anula o desvalor de resultado (ofensas corporais em B) e o

    elemento subjectivo da legtima defesa (conhecimento da

    agresso), na medida em que A tinha conhecimento da agresso

    de B a C (sem o qual no poderia ter actuado "para repelir a

    agresso", como exige o art. 32). Esse conhecimento anula o

    desvalor da aco, sendo, portanto, lcito o comportamento de

    A.

    5.3 O erro sobre elementos objectivos de uma causa de

    justificao do facto ou de excluso da ilicitude

    Pode acontecer que, no caso concreto, no se verifiquem os

    elementos objectivos da causa de justificao, mas o agente

    suponha que eles existem. Estaremos, nesse caso, face a um

    erro sobre elementos objectivos da causa de justificao que

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    o agente supe estar presente. Este erro encontra-se previsto no

    art. 16, n 2, primeira parte, e a sua consequncia a

    excluso do dolo. Efectivamente, diz a referida disposio que,

    "o preceituado no nmero anterior", ou seja, a excluso do

    dolo, "abrange o erro sobre um estado de coisas que, a

    existir, excluiria a ilicitude do facto". Ora, as circunstnciasque, se existissem, afastariam a ilicitude do facto, so os

    elementos objectivos das causas de justificao ou de excluso

    da ilicitude. Se tais circunstncias existissem na realidade, e

    no apenas na mente do agente, o facto seria lcito; se elas no

    existem, mas o agente supe que sim, o facto ilcito, mas o

    agente no ser punido pelo tipo doloso que tiver realizado.

    Pode, no entanto, ser punido por negligncia, nos termos gerais

    (art. 16, n 3), isto , se o facto realizado pelo agente tambm

    estiver tipificado na forma negligente e ele tiver causado o

    resultado por violao do dever objectivo de cuidado, tendo

    subjectivamente o poder de observar o cuidado devido.

    Vejamos um exemplo:

    Suponha-se que A, sada do autocarro, d por falta da

    carteira. V, B, a pessoa que estava sentada ao seu lado no

    autocarro, atravessar a rua a correr e, supondo, erroneamente,

    tratar-se do ladro, pega numa pedra e atira-lha s pernas, para

    o fazer parar e, assim, recuperar a carteira.

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    A preencheu o tipo de ofensas corporais dolosas, previsto e

    punido no art. 143. No entanto, ao nvel da ilicitude,

    verificamos que ele supunha estar a defender-se de uma

    agresso actual e ilcita ao seu patrimnio, ou seja, supunha que

    se verificavam os elementos objectivos da legtima defesa, que

    na realidade no existiam, porque a pessoa atingida no era oagressor. O erro de A levaria ao afastamento do dolo, pelo que,

    ele no poderia ser punido por ofensas corporais dolosas

    efectivamente realizadas em B. Mas poderia, eventualmente,

    ser punido por ofensas corporais por negligncia (art. 148), se

    se provassem os restantes requisitos de punibilidade da

    negligncia.

    5.4 A falta do elemento subjectivo de uma causa de justificao

    do facto ou de excluso da ilicitude

    A situao inversa descrita no nmero anterior (5.3), ou seja,

    a falta do elemento subjectivo de uma causa de justificao,

    cujos elementos objectivos se verificam no caso concreto,

    impede tambm a excluso da ilicitude do facto, uma vez que,

    como vimos, para que exista a causa de justificao

    necessria a verificao cumulativa dos seus elementos

    objectivos e subjectivos. A existncia dos elementos

    objectivos de uma causa de justificao permite afastar o

    desvalor do resultado tpico que o agente tiver realizado. Mas o

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    desvalor da aco do agente permanecer se ele desconhece

    a situao justificante, ou seja, se no existe o elemento

    subjectivo da causa de justificao.

    Ora, em Direito Penal, o simples desvalor da aco dolosa -

    sem desvalor de resultado - punvel por tentativa, comoresulta do art. 22. Esta deve ser tambm a soluo a dar aos

    casos de falta do elemento subjectivo de uma causa de

    justificao, pois a igualmente se verifica apenas o desvalor da

    aco. A mesma soluo decorre tambm da aplicao

    analgica do art. 38, n 4, que prev a falta do elemento

    subjectivo de uma causa de justificao, pelo menos na medida

    em que aplicvel ao consentimento presumido.(O

    consentimento real , para ns, uma causa de excluso da

    tipicidade, como mais tarde veremos desenvolvidamente).

    Exemplifiquemos a situao em anlise:

    Admitamos que A e B so inimigos de longa data e, certo dia,

    A, decide incendiar a casa de B. Quando A se prepara para

    deitar fogo casa, surge B, que desconhece em absoluto o que

    A ali est a fazer mas, aproveitando o facto de o ver ali

    sozinho, d-lhe uma paulada na cabea, deixando-o

    inconsciente por alguns minutos.

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    B realizou o tipo de ofensas corporais dolosas (art. 143). No

    entanto, ao nvel da ilicitude verificamos que esto presentes os

    elementos objectivos da legtima defesa, previstos no art. 32

    (uma agresso actual e ilcita de A a interesses de B

    juridicamente protegidos), o que permite afastar o desvalor do

    resultado tpico produzido pelo agente (leses corporais em A).Mas B no actuou para se defender (para repelir a agresso

    - art. 32), uma vez que no sabia que estava a ser vtima de

    uma agresso por parte de A. B desconhecia a existncia da

    situao objectiva justificante, pelo que falta o elemento

    subjectivo da legtima defesa, mantendo-se, portanto, o

    desvalor da aco, que permite puni-lo portentativa (art. 22).

    mesma soluo, de punio por tentativa, leva a aplicao

    analgica do art. 38, n 4. Como, no entanto, a pena aplicvel

    s ofensas corporais simples no superior a 3 anos de priso,

    a tentativa, neste caso concreto, no seria punvel (art. 23, n

    1).

    5.5 A excluso da ilicitude ou justificao de factos realizados

    por negligncia

    O que ficou dito nos nmeros anteriores, sobre a necessidade

    de verificao cumulativa dos elementos objectivos e

    subjectivos das causas de justificao, vale para os crimes

    dolosos, mas no para os negligentes, dada a especificidade da

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    ilicitude tpica no mbito destes crimes, que pressupe sempre

    a ocorrncia de um resultado tpico. Nos crimes por negligncia

    no punvel o desvalor da aco sem o desvalor do resultado.

    Assim, se, por exemplo, A, ao limpar a sua arma de fogo,

    dispara descuidadamente uma bala que passa rente a B, no

    preenche qualquer tipo legal de crime, apesar de a sua acoser desvaliosa e s por sorte no ter atingido B. O simples

    desvalor da aco negligente no constitui ilcito penal,no

    h tentativa por negligncia. A tentativa pressupe sempre

    um desvalor de aco doloso, como resulta do art. 22, n 1

    ("crime que decidiu cometer").

    Ora, se a ilicitude nos crimes por negligncia pressupe a

    verificao cumulativa do desvalor da aco e do desvalor do

    resultado e, como dissemos, a verificao dos elementos

    objectivos de uma causa de justificao anula o desvalor do

    resultado, ento basta a existncia dos elementos objectivos

    da causa de justificao para excluir a ilicitude do facto

    cometido por negligncia.

    Vejamos um exemplo:

    Imagine-se que A, no meio de uma multido, furta a carteira a

    B. Este, desconhecendo tal facto empurra, por descuido, A, que

    cai e sofre escoriaes numa perna, deixando cair a carteira que

    acabara de subtrair, o que permite a A recuper-la.

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    B preencheu o tipo de ofensas corporais por negligncia (art.

    148). No entanto, a ilicitude do seu comportamento est

    excluda porque se verificavam, no caso concreto, os elementos

    objectivos da legtima defesa (art. 32).

    5.6 Se a anlise de um caso concreto nos leva a concluir que foi

    realizado um facto tipicamente ilcito, mas existe uma causa de

    justificao, estar excluda a ilicitude do facto e, portanto, a

    anlise terminar ao nvel da ilicitude, uma vez que sem ela no

    poder haver culpa nem punio. No se verificando qualquer

    causa de justificao, afirmar-se- a ilicitude do facto tpico

    realizado e caber ento averiguar se ele pode ser censurado ao

    agente, ou seja, se existe culpa.

    6. A culpabilidade

    6.1 No h acordo na Doutrina sobre o conceito formal de culpa,

    nem sobre os elementos que integram o juzo de culpa, nem

    sobre o contedo material da culpa, como veremos no momento

    prprio. No entanto, em termos formais, a culpa hoje

    predominantemente entendida como um juzo de censura ao

    agente por ter actuado ilicitamente. Esse juzo de censura

    pressupe no agente:

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    - capacidade de culpa ou imputabilidade;

    - conhecimento ou possibilidade de conhecimento da

    ilicitude do facto;

    - possibilidade de determinao ou motivao normal por

    esse conhecimento.

    Na resoluo de um caso concreto, porm, os elementos

    positivos da culpa averiguam-se por forma negativa, atravs da

    anlise das causas de excluso da culpa eventualmente

    existentes na situao concreta. Isto assim porque, em regra,

    se verificam no agente os referidos requisitos e, por isso, eles

    s ganham relevncia quando, no caso concreto, a sua

    existncia (ou pode razoavelmente ser) posta em causa.

    6.2 Causas de excluso da culpa

    Parte da Doutrina considera que verdadeiras causas de excluso

    da culpa so apenas aquelas em que a inexistncia de culpa se

    deve falta de um dos seus elementos constitutivos. As

    situaes em que, apesar de se verificarem os elementos da

    culpa, a lei permite exclu-la, designar-se-iam causas de

    desculpa. Em todo o caso, e sem pretender tomar aqui posio

    quanto a essa distino doutrinria, todas as situaes que

    permitam afastar a punio por inexistir totalmente a culpa ou

    por ela ser diminuta, podem designar-se causas de excluso da

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    culpa, pelo menos em sentido amplo. Nesse sentido, so causas

    de excluso da culpa:

    - A inimputabilidade (arts. 19 e 20);

    - O erro no censurvel sobre a ilicitude (art. 17, n1);

    - O estado de necessidade desculpante ou subjectivo (art.35);

    - O excesso de legtima defesa devido a perturbao, medo

    ou susto no censurveis (art. 33, n 2);

    - A inexigibilidade do comportamento nos crimes omissivos

    (como, por exemplo no art. 200, n 3) e nos crimes por

    negligncia (art. 15);

    - A obedincia indevida desculpante (art. 37);

    - No favorecimento pessoal o agente procurar tambm a sua

    prpria impunidade, ou haver uma relao de parentesco

    prximo entre o agente e a pessoa em favor da qual ele

    actua (art. 367, n 5, alneas a) e b), respectivamente).

    Vejamos alguns exemplos:

    - Suponha-se que A, doente mental, furta a bicicleta de B. A

    pratica uma aco tpica (art. 203) e ilcita (dado que no

    existe qualquer causa de justificao), mas no culpvel, uma

    vez que incapaz de culpa, inimputvel em razo de

    anomalia psquica (art.20).

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    - Imagine-se que A falsifica um documento porque B lhe

    aponta uma pistola cabea, ameaando mat-lo, para o coagir

    a assinar. A pratica um facto tpico (art. 256) e ilcito (no

    existe qualquer causa de justificao do facto), mas no

    culpvel, dado que actuou em estado de necessidade

    desculpante ou subjectivo, previsto no art. 35.

    - A, professor primrio, bate num aluno desatento, porque

    supe, erradamente, que a ordem jurdica lhe d o direito de

    correco corporal sobre os seus alunos. A est em erro sobre

    a existncia de uma causa de justificao, que se traduz num

    erro indirecto sobre a proibio ou erro sobre a permisso,

    porque, na verdade, ele no tem o direito de correco

    corporal que julga ter, e no lhe assiste, portanto, essa - nem

    outra - causa de justificao. O agente sabe que ofender

    corporalmente algum ilcito, mas supe que lhe permitido

    faz-lo aos seus alunos, para os corrigir. Trata-se de um erro

    que, nos termos do art. 17, n 1, afasta a culpa, se no for

    censurvel. Se o erro for censurvel, a pena s poder ser

    especialmente atenuada, nos termos do art. 17, n 2.

    - A, estrangeira, durante umas frias em Portugal comete aborto

    em circunstncias permitidas no seu pas, mas proibidas no

    nosso, na suposio errnea de que o seu comportamento

    lcito tambm em Portugal. Pratica um facto tpico (art. 140, n

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    3) e ilcito, mas, porque est em erro sobre a ilicitude, a culpa

    ser excluda, se o erro no lhe for censurvel (art. 17, n

    1). Se o erro lhe for censurvel, manter-se- a culpa,

    podendo, no entanto, a pena serespecialmente atenuada (art.

    17, n 2).

    6.3 Erro sobre elementos objectivos de uma causa de excluso

    da culpa

    Tal como as causas de justificao do facto, as causas de

    excluso da culpa podem ter elementos objectivos e

    subjectivos. Quando o agente supe presentes os elementos

    objectivos de uma causa de excluso da culpa, que na realidade

    no se verificam, estaremos em face de um erro que, por fora

    do disposto no art. 16, n2, ltima parte, afasta o dolo

    ("...erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria ... a

    culpa do agente").

    Assim, no exemplo que demos supra, em que A falsifica um

    documento coagido porB, que lhe aponta uma arma cabea,

    ameaando mat-lo, se a arma estiver descarregada A estar em

    erro sobre elementos objectivos do estado de necessidade

    desculpante (art. 35), uma vez que, ao contrrio do que ele

    supe, a sua vida no est em perigo. Tal erro exclui o dolo

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    do crime de falsificao de documento (art. 256) por fora do

    disposto no art. 16, n 2, ltima parte.

    Como veremos mais tarde, "de jure condendo", o acerto da

    soluo legal para o erro sobre elementos objectivos de uma

    causa de excluso da culpa muito discutvel, pois tal erroafecta a motivao normal do agente necessria formao da

    culpa, mas no elimina o conhecimento e vontade do facto

    ilcito e, portanto, no deveria ser tratado como um erro que

    afasta o dolo, mas sim como um erro que afasta a culpa. No

    exemplo que demos supra a motivao do agente

    precisamente a mesma quer a arma esteja realmente carregada,

    quer ele a suponha carregada. Em qualquer dos casos a

    motivao que o leva a decidir-se pela actuao ilcita salvar

    a sua vida.

    6.4 A diferena entre as causas de excluso da ilicitude e as causas

    de excluso da culpa reside, fundamentalmente, no seguinte:

    - o comportamento tpico, quandojustificado, aprovado pela

    ordem jurdica, lcito e, por isso, a vtima obrigada a

    suport-lo e qualquer terceiro pode, em princpio, participar

    no facto, sem agir ilicitamente e, por isso, sem se tornar

    punvel, quer nos termos do art. 26, quer nos do art. 27;

    - o comportamento tpico, quando no justificado (embora no

    culpvel ou desculpado), ilcito, no aprovado mas to

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    s tolerado pela ordem jurdica e, por isso, a vtima no

    tem, em regra, de suportar esse comportamento e

    qualquer terceiro que participe no facto actua ilicitamente e

    pode tornar-se punvel, nos termos do art. 26 ou do art. 27,

    conforme os casos.

    Assim, no possvel legtima defesa contra uma pessoa que

    esteja a actuar em legtima defesa (art. 32), em direito de

    necessidade (art. 34), ou ao abrigo de qualquer outra causa de

    excluso da ilicitude, porque a legtima defesa pressupe uma

    agresso ilcita. Mas possvel a legtima defesa (embora com

    limitaes tico sociais) contra um inimputvel (arts. 19 e 20),

    contra uma pessoa que actue numa situao de estado de

    necessidade desculpante (art. 35), de excesso de legtima

    defesa no censurvel (art. 33, n 2), ou noutra qualquer

    situao que permita excluir a culpa, pois em todos esses casos

    o comportamento ilcito, embora no seja punvel (por faltar

    a culpa, que , como sabemos, um pressuposto da pena, distinto

    da ilicitude).

    Correspondentemente, actua de modo ilcito e, eventualmente,

    punvel, quem auxilia o agente contra uma pessoa que age a

    coberto de uma causa de justificao, enquanto, em princpio,

    lcito auxiliar aquele que se defende da agresso de algum que

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    est a actuar ilicitamente, embora a coberto de uma causa de

    excluso da culpa.

    Exemplos:

    - A tenta furtar a carteira a B. Este pode reagir em legtima

    defesa agredindo A, que tem de suportar a agresso de B, poisela lcita. Correspondentemente, actuar ilicitamente qualquer

    pessoa que comparticipe no facto ilcito de A e actuar

    licitamente qualquer pessoa que comparticipe no acto lcito de

    B.

    - A, inimputvel em razo de anomalia psquica (art. 20, n 1),

    portanto, incapaz de culpa, agride B. Este pode reagir em

    legtima defesa (embora com limitaes tico-sociais), pois a

    agresso praticada por A ilcita, embora no culpvel.

    Correspondentemente actuar ilicitamente quem comparticipar

    no acto ilcito de A e actuar licitamente qualquer pessoa que

    comparticipe no acto de defesa de B.

    7. Punibilidade

    7.1 Em regra, um comportamento tpico, ilcito e culposo

    tambm punvel. Mas, em certos casos, a lei exige que se

    verifiquem determinadas condies para que possa ser aplicada

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    ao agente uma pena. So as chamadas condies de

    punibilidade.

    7.2 Em sentido amplo so condies de punibilidade:

    - As condies objectivas de punibilidade, v.g., oreconhecimento judicial da situao de insolvncia, para efeitos

    de punio pelo crime de insolvncia dolosa (art. 227); a

    declarao de falncia, para que o agente possa ser punido pelo

    crime de falncia no intencional (art. 228); o agente ser

    encontrado em Portugal, para efeitos de aplicao da lei penal

    portuguesa (art. 5, n1, alneas, b), c) e d);

    - As causas de iseno da pena, v.g., a desistncia voluntria

    da tentativa e o arrependimento activo (arts. 24 e 25), ou, na

    Parte Especial, os arts. 271, n 3, os arts. 272, 273, 277 e

    280 a 284, por remisso do art. 286, 299, n 4, 300, n 6,

    301, n 2, etc.;

    - As causas de extino da responsabilidade criminal, como

    a prescrio da pena (arts. 122 ss); a prescrio do

    procedimento criminal (arts. 118 ss.); a morte do agente, a

    amnistia, o perdo genrico e o indulto (art. 127);

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    - As condies de procedibilidade, v.g., a queixa do ofendido,

    para efeitos de procedimento criminal pelos crimes previstos e

    punidos nos arts. 143, 148, 152, 153 s., 156, 203, 205,

    etc., ou a acusao particular, para efeitos de procedimento

    criminal pelos crimes previstos e punidos nos arts. 180 a 183

    e 185s., por remisso do art. 188, nos arts. 203 e 205, n1,verificando-se as circunstncias previstas no art. 207, nos arts.

    208 s., etc..

    8. Os elementos em que o facto unitrio, que o crime, se

    decompe, para efeitos de anlise (aco tpica, ilcita, culposa

    e punvel), so comuns a qualquer crime, quer se trate de crime

    por aco quer por omisso, quer seja doloso quer negligente,

    quer seja tentado quer consumado, quer seja realizado em

    autoria singular quer em comparticipao criminosa.

    No entanto, a teoria geral do crime construda,

    fundamentalmente, a partir da figura do crime doloso, por

    aco, consumado e realizado em autoria singular, enquanto

    cada uma das categorias da tentativa, da comparticipao

    criminosa, da omisso e do crime por negligncia, so

    estruturadas por contraposio quela figura bsica.

    Assim, por exemplo, na tentativa de um crime de resultado, ao

    nvel da tipicidade no se coloca o problema da imputao

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    objectiva do resultado conduta do agente, uma vez que o

    resultado no chega a verificar-se, mas h que averiguar se

    existem actos de execuo do crime que o agente visava

    cometer. Num crime realizado em comparticipao criminosa, a

    qualificao do agente como autor ou participante uma

    questo a resolver ao nvel da tipicidade, conjugando o tipolegal de crime realizado com os arts. 26 e/ou com o art.27.

    Num crime comissivo por omisso (crime de resultado

    realizado por omisso), h que averiguar, ao nvel da tipicidade,

    se sobre o agente impende um dever jurdico que pessoalmente

    o obrigue a evitar o resultado, como exige o art. 10, n2. Nos

    crimes negligentes, faz parte da tipicidade a violao do dever

    objectivo de cuidado por parte do agente.

    Depois de estudado o crime por aco, doloso, consumado, do

    autor singular, estudaremos as especificidades da tentativa, da

    comparticipao criminosa, da omisso e da negligncia,

    respectivamente. Por ltimo, trataremos do concurso de crimes

    e da medida da pena.

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