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Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas Teories ...

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Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 3, p. 9-31, jan./jun. 2001. Editora da UFPR 9 Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas Teories of the city and the contemporary urban reforms Yara VICENTINI * RESUMO O entendimento das novas tendências do pensamento sobre a cidade representa a temática abordada. Para o período pós anos 60, discute-se como a utopia da sociedade, baseada na idéia central de progres- so e apropriação social de uma tecnologia que gerasse qualidade de vida e igualdade de acesso à riqueza produzida, fragmenta-se. A concepção de vanguarda cristaliza-se, apropriada pela mídia de um mercado consumidor. Na discussão das teorias urbanas, a impossibilidade de reprodução de modelos urbanísti- cos universais constrói a possibilidade de abordagens mais aprofundadas sobre estas novas tendências contemporâneas, na sua relativização e diversidade. A amplitude e a diversidade das novas tendências, no âmbito do entendimento do urbanismo contemporâneo, constituiu-se em temática essencial do traba- lho. Vincula-se à área de teoria do urbanismo e se propõe a desvendar formulações, conteúdos e paradigmas vinculados a estas novas tendências em análise de exemplos nacionais e internacionais de cidades. Palavras-chave: teorias urbanas, urbanismo contemporâneo, história urbana ABSTRACT The compreension of the new thought tendencies about the city represents the thematic approached. In the period pos sixties it is discussed the fragmentation on society’s utopia based on the central idea of progress and social appropriation of a technology that it generates quality and equality to the produced wealth. The vanguard conception crystallizes, appropriate by the media of a consuming market.The impossibility of universal urban models reprodution, builds the possibility of approaches more deepened on these new contemporary tendencies. The width and the diversity of the new tendencies was constituted in thematic essential of the work, in the ambit about the understanding on the contemporary urbanization. This article is linked to the area of the urban theory intends to revelate formulations, contents and link paradigms of these new tendencies, analysing international and national citis examples. Key-words: urban theories, contemporary urban, urban history * Prof. a Dra. do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPR e do Programa de Pós-Graduação Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da PRPPG/UFPR. Pesquisadora da CNPq.
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Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 3, p. 9-31, jan./jun. 2001. Editora da UFPR 9

VICENTINI, Y. Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas

Teorias da cidade e as reformas urbanascontemporâneas

Teories of the city and the contemporary urban reforms

Yara VICENTINI*

RESUMO

O entendimento das novas tendências do pensamento sobre a cidade representa a temática abordada.Para o período pós anos 60, discute-se como a utopia da sociedade, baseada na idéia central de progres-so e apropriação social de uma tecnologia que gerasse qualidade de vida e igualdade de acesso à riquezaproduzida, fragmenta-se. A concepção de vanguarda cristaliza-se, apropriada pela mídia de um mercadoconsumidor. Na discussão das teorias urbanas, a impossibilidade de reprodução de modelos urbanísti-cos universais constrói a possibilidade de abordagens mais aprofundadas sobre estas novas tendênciascontemporâneas, na sua relativização e diversidade. A amplitude e a diversidade das novas tendências,no âmbito do entendimento do urbanismo contemporâneo, constituiu-se em temática essencial do traba-lho. Vincula-se à área de teoria do urbanismo e se propõe a desvendar formulações, conteúdos e paradigmasvinculados a estas novas tendências em análise de exemplos nacionais e internacionais de cidades.

Palavras-chave: teorias urbanas, urbanismo contemporâneo, história urbana

ABSTRACT

The compreension of the new thought tendencies about the city represents the thematic approached. Inthe period pos sixties it is discussed the fragmentation on society’s utopia based on the central idea ofprogress and social appropriation of a technology that it generates quality and equality to the producedwealth. The vanguard conception crystallizes, appropriate by the media of a consuming market.Theimpossibility of universal urban models reprodution, builds the possibility of approaches more deepenedon these new contemporary tendencies. The width and the diversity of the new tendencies was constitutedin thematic essential of the work, in the ambit about the understanding on the contemporary urbanization.This article is linked to the area of the urban theory intends to revelate formulations, contents and linkparadigms of these new tendencies, analysing international and national citis examples.

Key-words: urban theories, contemporary urban, urban history

* Prof.a Dra. do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPR e do Programa de Pós-Graduação Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento daPRPPG/UFPR. Pesquisadora da CNPq.

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VICENTINI, Y. Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas

TTTTTeorias da cidade e as reorias da cidade e as reorias da cidade e as reorias da cidade e as reorias da cidade e as reformas urbanas contem-eformas urbanas contem-eformas urbanas contem-eformas urbanas contem-eformas urbanas contem-porâneasporâneasporâneasporâneasporâneas

A reflexão histórica sobre a cidade na modernidadeexpõe o plano como manifestação recorrente da históriado poder, distinguindo as utopias pré-modernas (as cida-des morais exemplares) das topias modernas, como as de-fine Fernández (1996), considerando, entre outros exem-plos, as cidades produtivas, as reformas urbanas do séculoXIX ou o urbanismo socialista entre guerras.

Nestes casos, a arquitetura do tecido urbano sugere amultiplicação de um repertório, onde diferenciados proje-tos urbanos subordinam-se a uma lógica do plano da cida-de. Portanto, a utopia da cidade moderna difunde no terri-tório mais do que um plano, um poder instituído a partir deuma complexa trama de ações de transformação territorial.

Por outro lado, as relações entre arquitetura e urba-nismo, que se desenvolvem durante o movimento damodernidade, enfatizam uma vocação exemplificadora, comfunções didáticas, como comenta Fernández (1996, p.7):

La arquitectura pro-urbana corbusierana (immueblestype, maisons citrohan y domino, unités d’habitacion,etc.) cumple rigurosamente esa vocación ejemplariza-dora, incluso todavia, exarcebada su función regulatoriaen la proposición, primeiro de los cinco puntos y luegodel esquema Ciam. Varios discursos tardomodernos,aunque buscan la misma línea de determinación proyecto/plan, por ejemplo en los planteos tecnohumanistasdel Team X (Smithson, Hansen, Kahn, Van Eyck) y ensus consecuencias histórico-contextualistas (Rogers,Quaroni, De Carlo). El optimismo tecnológico sesentista(Archigram, en grupo metabolista) recae en la mismatesitura, en este caso, apelando a las megaestructuras,lisa e llanamente a un concepto de arquitectura gran-de.

Sobre as funções reguladoras, enquanto projeto po-lítico da modernidade, Souza Santos (1995) baseia sua aná-lise em dois princípios, o da regulação – pautado no papeldo estado moderno, do mercado e da civilização – e o daemancipação – constituído pelas lógicas das racionalidadesconvencionadas em uma racionalidade da moral-prática daética, uma racionalidade cognitiva-instrumental das ciên-cias e da técnica e uma racionalidade estética-expressiva,vinculada aos princípios de identidade.

Define, desta forma, uma complexidade interna dadiscussão, com a riqueza e a diversidade que articulam oprojeto da modernidade, expondo um projeto ambicioso erevolucionário que, no transcorrer do século XX, torna-seum modelo de concentração e exclusão que vai penetrartodos os princípios articulados da modernidade. Conformeo autor, no pilar da regulação o crescimento, sem prece-dentes do mercado, rompe os limites territoriais einstitucionais, concentrando-se na formação de conglome-rados que esboçam a hegemonia do final do século. Nocampo da emancipação, o modernismo mostra os caminhosda especialização e diferenciação funcional, no pensar daracionalidade técnica, afastando de forma irreconciliável aciência da cultura.

Harvey (1992) também explora estes enfoques, quan-do enfatiza que o princípio da racionalidade estética ex-pressa a idéia de totalidade e determina, no campo do ur-banismo, sua conjugação com a possibilidade do planeja-mento racional, através do qual se almejava alcançar a igual-dade social. Por outro lado, vai ao encontro do objetivoprático da racionalização, ou seja, a racionalização globalda vida coletiva e da vida individual na cidade. Assim, acidade zonificada veio a se constituir na culminação doprojeto moderno racionalista.

Na convergência de argumentos, a crise no mundopós-guerra configura a crise do humanismo na experiênciado século XX, de crescimento do mundo técnico e de umasociedade ocidental racionalizada onde, como apontaVattimo (1985), a relação com a técnica e as ciências hu-manas, corresponde a uma ameaça, cuja reação é uma cons-ciência mais aguda sobre as características que distinguemo mundo humano do mundo da objetividade científica,como se fosse possível ao homem despedir-se de sua sub-jetividade e assumir incontinente o pensamento racionalista.

É, ainda, Sousa Santos (1995) que discute como, paraos anos oitenta/noventa, retrata-se a perplexidade perantea rapidez, a profundidade e a imprevisibilidade que algu-mas transformações recentes conferem ao tempo presente,onde a realidade parece ter tomado definitivamente a dian-teira sobre a teoria. Com isso a realidade, como expõe oautor, torna-se “hiper-real” e parece teorizar-se a si mes-ma. A rapidez e intensidade com que tudo acontece se, porum lado, torna a realidade hiper-real, por outro lado,trivializa-a, banaliza-a. Uma realidade assim torna-se fácilde teorizar, tão fácil que a banalidade quase nos faz crerque a teoria é a própria realidade com outro nome, isto é,que a teoria se auto-realiza.

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A perplexidade retrata-se, também, na política eco-nômica em geral e em suas práticas transnacionais, dainternacionalização da economia à translocalização da po-pulação mundial, das redes interplanetárias de informaçãoàs lógicas do consumismo, da marginalização dos EstadosNacionais à perda de sua autonomia e sua capacidade deregulação. Nesta direção, o esgotamento do estruturalismodo pensamento traz a revalorização dos indivíduos queprotagonizam esta mesma realidade. O regresso dos indi-víduos - análises da vida privada, dos modos de vida, doespectador, do micro e do localismo, coloca-se, conformeconsidera o autor, em aparente contradição com a intensi-ficação das interações globais, mesmo que algumas per-manências, surpreendam, como o conceito de democracia,um dos importantes paradigmas sobrevivente damodernidade, cuja promoção é feita hoje peloneoliberalismo e em dependência dele. Nestes termos, oautor comenta o moderno e o pós-moderno nos países cen-trais – destacando a história do capitalismo e o projeto damodernidade, polemizando:

No entanto, enquanto Habermas acredita que o projetoda modernidade é apenas um projeto incompleto, po-dendo ser completado com recurso aos instrumentos ana-líticos, políticos e culturais desenvolvidos pelamodernidade (1985), eu penso que o que quer que falteconcluir da modernidade não pode ser concluído emtermos modernos sob pena de nos mantermos prisionei-ros da mega-armadilha que a modernidade nos prepa-rou: a transformação incessante das energiasemancipatórias em energias regulatórias. Daí a necessi-dade de pensar em descontinuidades, em mudançasparadigmáticas e não meramente subparadigmáticas(SANTOS, 1995, p. 113).

Defende a tese de que a idéia moderna daracionalidade global da vida social e pessoal acabou por sedesintegrar numa miríade de mini-racionalidades ao servi-ço de uma irracionalidade global e incontrolável. Nessecaso, nomeia as subjetividades correspondentes às váriasformas básicas de poder que circulam na sociedade. Ashierarquias que, se por um lado, se aprofundam, por outrotrivializam-se e, em ambos os casos, deslegitimam-se. Osmicros despotismos do cotidiano, do trabalho, do lazer edo consumo estão em parte ligados a esta perda da vonta-de. Se na modernidade a alienação assentava-se, sobretudona estúpida compulsão pelo trabalho, no presente assenta-

se na estúpida convulsão do consumo. Se as mini-racionalidades não são racionalidades mínimas − citandonovamente Habermas−, conclui o autor que perante airracionalidade global as mini-racionalidades só poderiamser locais em suas soluções. Introduz o conceito de planofragmentário, como um triunfo de uma relação históricapós-moderna, como estratégia de um poder neo-liberal,supõe o fracasso do conteúdo utopista moderno, abando-nando a discussão entre teoria urbana e política, já que onovo modelo neo-liberal consolida sua natureza em pro-cessos de descontinuidade e ruptura, nos quais inclui oformalismo do tecido urbano. Sobre este aspecto é aindaFernández (1996, p. 5) que considera:

Los términos com que se anuncia la última generaciónde planes – los lhamados planes estratégicos parecen,por una parte, consagrar el definitivo desinterés por laforma urbis y por outra, la volúntad de restabelercualidades funcionales que ahora deben emerger comocompetitivas en los más vastos e hiperintegrados bassinterritoriales.

Perante estes paradigmas, o planejamento da cidadepassa agora a envolver uma operação técnica da produçãode projetos de um refinado jogo capitalista, e pode-se pres-tar a expressar uma maior qualidade dos espaços urbanosem algum fragmento edificado, em uma abordagem daimagem competitiva de alguma cidade global. Assiste-seao desenvolvimento de um pensamento urbano consolida-do em um plano de projetos localizados, reduzindo, apa-rentemente, o desenho urbano a um formalismo do consu-mo.

Estes, sem dúvida, têm sido os extensos argumentosexpostos por autores como Harvey (1992) e Frampton(1987) e exemplificados com as mais diversas celebraçõesde uma especulação imobiliária seletiva, como apontaFernández (1996), a área para a Expo 98, em Lisboa, oPlano Estratégico de Barcelona, os estaleiros de BuenosAires, as downtowns recolonizadas e gentrificadas em di-ferentes cidades mundiais etc. Arantes (1998) aponta parao fim do urbanismo, como já antecipava Tafuri (1985),referindo-se, mais apropriadamente, ao fim das possibili-dades utópicas dos modelos do pensar a cidade moderna:

O fim do utopismo e o nascimento do realismo não sãomomentos mecânicos no interior do processo de forma-

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ção da ideologia do “movimento moderno”. Pelo con-trário, a partir do quarto decénio do século XIX, outopismo realista e o realismo utópico sobrepõem-se ecompensam-se. O declínio da utopia social determina arendição da ideologia à política das coisas realizadaspelas leis do lucro: à ideologia arquitectónica, artísticae urbana resta a utopia da forma, como projecto de re-cuperação da totalidade humana numa síntese ideal,como posse da desordem através da ordem (TAFURI,1985, p. 72)

Desta forma, em um contexto de generalidades e sobum primeiro olhar, estamos todos de acordo, onde o revivaldo urbanismo, ou o seu fim, sucumbe às leis do mercadoimobiliário nas cidades mundiais para o paradigma pre-sente que se refere à organização dos espaços de consumoe não mais da produção. O espaço público, enquanto espa-ço privado, transforma-se em diversos simulacros e asimbologia do poder na cidade refere-se, agora, ao poderdas grandes multinacionais e suas ramificações, um modode vida, todos presentes nos grandes projetos urbanos nosúltimos 30 anos.

Mas será que podemos nos contentar com análisesgerais e recorrentes? Quando se examina o volume de in-vestimentos urbanos nas grandes cidades mundiais ou osdetalhes da infra-estrutura envolvida nestes projetos – comoanalisar em corte um deles, com três ou quatro lajes empisos subterrâneos, com fantásticas inovações tecnológicase diferentes configurações de redes de infra-estrutura sani-tária, viária, ferroviária e metropolitana construídas sob acasca de uma arquitetura mundializada em grifes – exami-na-se, em verdade, um processo de renovação urbana, taiscomo as reformas urbanas nas capitais da revolução indus-trial do século XIX ou a reconstrução das grandes cidadeseuropéias no pós segunda guerra mundial. Para enfatizar oargumento, basta lembrar a cidade de Berlim que foireconstruída por duas vezes nos últimos cinquenta anos.

Nessa medida, as alterações dos patamarestecnológicos do mundo industrial contemporâneo, subver-tem a lógica da cidade moderna com o aumento da densi-dade, alterações e diversidade de usos comuns, areinterpretação e confusão entre os espaços públicos e pri-vados e as subjetividades de uma nostalgia individualiza-da, gerando amplas reformas urbanas e a inversão deparadigmas e concepções territoriais. A metrópole, tão ce-lebrada pelo modernismo, aponta para espaços urbanospulverizados, concentração em áreas suburbanas, redescaracterizadas não mais pelo mote da produção industrial

concentrada, mas por redes tecnológicas de informação e“áreas ambientalistas” de preservação e prevenção no usodos recursos naturais nas cidades mundiais dos países de-senvolvidos.

Essas redes são, agora, transnacionais e representamsignificativos investimentos de renovação urbana, mesmoque possam sugerir o fim das idéias do urbanismo. Ao con-trário, mesmo considerando o anacronismo de alguns megaprojetos urbanos, indigestos em relação às discussões derestauração, preservação, reabilitação e imagem, seudescolamento pensado de um plano da cidade, como deum plano de sociedade caracterizam a realidade presente aser compreendida e discutida. Portanto, não se trata do fimdo urbanismo, mas sim o fim das possibilidades de repro-duzir utopias sociais urbanas.

Nesse caso, Gottdiener (1993) em sua longa exposi-ção das teorias urbanas do século XX, mapea a passagemdos modelos de análise da produção social do espaço urba-no que, para além das vanguardas do início do século, ca-racterizaram o pensamento sobre o determinismotecnológico a partir de teorias de equilíbrio, sistemas decidades e previsões de infinda expansão urbana das metró-poles. Modelos estes contestados pela elaboração das teo-rias da economia política a partir de autores como Lefebvre(1976), Castells (1977) e Harvey (1981) entre outros, queengendraram, a partir da década de setenta, as análises demais de uma geração de teóricos da cidade, vinculando odesenvolvimento estrutural da teoria marxista aos proces-sos de acumulação urbana e ao Estado, em seu papelredistribuidor do capital social produzido, todos perplexosperante o contexto da produção contemporânea do espaçourbano. Gottdiener (1993, p. 272) é enfático:

Dessa maneira, a hegemonia da economia sobre os te-mas sociais, culturais e políticos não é uma consequênciainexorável de alguma lógica estrutural do capitalismo,mas apenas a essência da ideologia burguesa. Por con-seguinte, a economia política marxista e a ortodoxiadominante possuem as mesmas raízes ideológicas (...)O presente é testemunha da progressiva marginalizaçãoe confinamento espacial daqueles grupos sociais menoscapazes de desempenhar um papel ativo na economiapolítica (...) e mais importante, a ação do espaço abstra-to fragmenta todos os grupos sociais, e não apenas omenos poderoso, de tal forma que a vida da comunida-de local perde a rua e áreas públicas em favor da priva-cidade do lar.

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Em suma, redefine-se uma estratégia de atuação noespaço urbano, “neoconservadora”, como afirma o autor,que propõe políticas públicas que reforcem o poder políti-co de grupos restritos e lugares beneficiados pelo novoentendimento da desconcentração, variando em suaheterogenia da desconcentração nos subúrbios americanosem torno dos shoppings centers, ou da aplicação dodarwinismo social nas denominadas áreas em depressãonas cidades latino-americanas.

Neste sentido, a análise de Arantes (1998) é supera-da pela própria realidade urbana, com as grandes reformasurbanas contemporâneas nas cidades mundiais, definitiva-mente excludentes da população urbana não mais perten-cente ao corpo do mundo do trabalho ou do consumo, par-te dos pressupostos de um novo urbanismo, com o dese-nho arbitrado da cidade-comunidade, uma cultura de ani-mação, sem senso ou modelo plausível de uma modernidadee um humanismo recorrente. Na periferia do mundoglobalizado (não mais a periferia de um capitalismo do pro-gresso extensivo), na direção da discussão atenta deMaricato (1996), um misto de exclusão e promiscuidadedos interesses públicos e privados, com arremedos de so-luções contemporâneas sem caráter.

Mesmo considerando os pressupostos perversos donovo olhar sobre a cidade, interessa examinar o pensamen-to teórico contemporâneo, fragmentado em múltiplas ten-dências, na tentativa de desvendar o político e o social dopresente.

É Montaner (1993) quem expõe que, a partir de 1945,assiste-se a uma simbiose dos pressupostos do MovimentoModerno com os aportes de outros contextos, culturas eidentidades, em relação à suas tradições, suas formas espe-cíficas de entendimento do espaço, sua disponibilidade demateriais e condição criativa, mesmo que aqui se possaestabelecer uma ressalva em relação a posições críticas maisveementes e específicas, como a expressa por Jacob (1964).Por um lado, tratava-se, no entender otimista deste autor,de superar o esquematismo da produção do MovimentoModerno e resgatar a ruptura com a tradição e a evoluçãohistórica da arquitetura e do urbanismo. Por outro, aceita-va-se a recolocação da idéia de cidade, ante o que conside-ra o indiscutível fracasso da urbanística racionalista, comsua separação de funções e o entendimento dacriação\renovação de cidades a partir da aplicação de prin-cípios cartesianos.

Com estes argumentos, expõe na análise do pensa-mento contemporâneo, uma organização metodológica/

temática que inclui: a arquitetura e sua relação antropoló-gica; a visão da arquitetura da cidade ou, como denomina,a racionalidade da disciplina arquitetônica; a arquitetura eurbanismo como sistema comunicativo; a arquitetura e ur-banismo como conceito na busca de uma nova retórica daabstração formal; a arquitetura e a exclusão do pensamen-to do urbanismo na alternativa tecnológica; e a linha deargumentação da arquitetura e urbanismo em relação aocontextualismo cultural.

De maneira correlata, o autor Frampton (1987) vaiformular sua análise a partir do conhecimento do períododo pós-guerra, utilizando-se de categorias de análise quebuscam, na história do pensamento político e social vincu-lado à modernidade no século XX, um elo contemporâneoonde, em forma similar a Montaner (1993), esquematica-mente aponta para a compreensão das tendências contem-porâneas do pensamento sobre a arquitetura e o urbanísti-co: as idealizações racionalistas, baseadas no formalismodo objeto; a relativização dos conceitos de tempo e espaçona superação de uma datação de estilos e desenhos da for-ma urbana; a busca da contextualização populista na cida-de; o apelo ao estruturalismo, aqui entendido como as pro-postas e formulações antropológicas e étnicas ou, ainda, oregionalismo crítico, como tendência de reconstrução damemória cultural e sua reinterpretação, derivação do pró-prio entendimento contextualista no urbanismo contempo-râneo. A discussão sugere diferentes temáticas paraaprofundamento, como: cidade e racionalismo pragmáti-co; cidade, etnia, segregação e violência; cidade e subjeti-vidade; cidade e forma urbana; memória, permanências ereleituras; etc.

Em outra direção, Castells e Borja (1996) apresen-tam argumentos em que são expostos os parâmetros dodenominado Plano Estratégico, onde as cidades são anali-sadas como atores políticos e sociais complexos, como ci-dades no interior do processo de globalização, elas mes-mas atuando no sentido de promoção de acordos e associ-ações, como núcleo central de articulação entre a socieda-de civil, a iniciativa privada e as instâncias do Estado. Apropagação destes pressupostos, o “Projeto Cidade”, vemganhando expressão significativa em várias cidades euro-péias. Incluem as discussões de espacialidade e subjetivi-dade com debates pertinentes às cidades mundiais e cida-des latino-americanas. A ênfase na discussão coloca-se nadiversidade do mundo contemporâneo ao abordar a cons-ciência individualista e sua manifesta “forma de solidão”,vinculada aos não-lugares e à conquista do anonimato. Nes-

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ses termos, o universo dos espaços padronizados os tornaintercambiáveis, equivalentes, gerando, supostamente umaparalisia da subjetividade que se reflete na impossibilida-de do pensamento utópico.

Os exemplos que apontam para esta discussão sãoinúmeros e tratam da implantação de reformas urbanas con-temporâneas. A seguir, destacam-se exemplos representa-tivos para os argumentos deste artigo.

As reformas urbanas contemporâneasAs reformas urbanas contemporâneasAs reformas urbanas contemporâneasAs reformas urbanas contemporâneasAs reformas urbanas contemporâneas

Talvez a política de renovação urbana da cidade deBerlim seja uma das mais significativas em curso nas cida-des européias, até pelo caráter simbólico de recuperaçãode uma cidade dividida no pós-guerra pelo muro de Berlime pelo fato de vir a se transformar na nova capital da Ale-manha, após quase meio século de divisão do país.

Ao pensar a cidade de Berlim, surpreende como umacidade pode ser reconstruída duas vezes em cinquenta anos,primeiro como cópia fiel da cidade destruída pela segundaguerra, como mostram as fotos da época e, neste momento,como símbolo de uma vontade de inaugurar um novo perí-odo histórico na tentativa de esquecimento do passado re-cente.

Antes mesmo da queda do Muro na década de 80 esob o tema – o centro da cidade como lugar para viver −desenvolve-se a experiência conhecida do IBA – Interna-tionale Bauausstellung – dividida em áreas de recuperaçãoe áreas para novas construções. Para o processo de recupe-ração definiram-se zonas próximas ao muro que dividia acidade, onde foram organizados concursos para as áreas derenovação urbana, abarcando conjuntamente as áreas ur-banas de Tegel, Prazer Platz, Distrito de Tiergarten deFriedrichstadt Sul na cidade de Berlim. Participaram des-ta experiência diferentes arquitetos, como os italianos AldoRossi, Giorgio Grassi e Vittorio Gregotti, além de outroscomo Charles Moore, Oswald M. Ungers, Hans Kollhoff ePeter Eisenman. Para Colquhoun (1989) as intervençõesdo IBA representaram a retomada do conceito de espaçourbano de domínio público na Alemanha.

O modelo de reconstrução, conforme afirmaBronstein (1996), procurou restituir a estrutura policêntricada cidade e o traçado urbano tradicional, com seus padrõesde ruas, fachadas, quarteirões e espaços públicos. Nos quar-teirões caracteriza-se seu fechamento, conformando os pá-tios internos, negando a ausência de hierarquia das expan-

sões modernas do pós-guerra e a adoção do zoning de con-figuração de espaços abstratos. Pretendeu-se a distinçãoentre espaços públicos, semi-públicos e privados, em umareferência ao texto de Aldo Rossi – Arquitetura da Cidade– publicado pela primeira vez em 1965, que preconizava aleitura urbana através da arquitetura e dos monumentos nacidade. Também a participação em projetos de CarlosAymonino e Robert Krier denotam a assimilação da ten-dência italiana no pensamento do reconstruir a cidade, alémda abertura a debates e conferências com os convidadosRobert Venturi, Oswald Ungers e Charles Moore. Na ava-liação de todo o processo, em 1987, constatou-se que asáreas de renovação urbana mostraram-se mais econômicase garantiram a permanência de quase a totalidade da popu-lação, inclusive as famílias de origem turcas, nos seus lo-cais de habitação.

Por outro lado, as críticas formuladas no período di-zem respeito à diversidade deste processo que conduziuem alguns trechos urbanos a uma dispersão e fragmenta-ção, como afirma Lampugnani (1990). Em verdade o temaabordado por este autor – a cidade da tolerância – coloca anú uma vontade política de abertura na cidade alemã deBerlim, um mostruário internacional que introduz o pensar“estrangeiro”, uma característica também perceptível nosprojetos urbanos contemporâneos da década de noventa.

No entanto, ao final da década de 80 e na década denoventa inaugura-se para Berlim um novo patamar sobre opensar a cidade, abandonando uma política de renovaçãocom participação social e intervenções localizadas em pe-quenas escalas, capazes de propagar uma vontade políticade união e “reconstrução da cidade.”

Em controvérsia, adota-se uma política empresarialde renovação urbana, alinhada a um contexto político “con-servador-moderno” que consegue distinguir-se dasatabalhoadas intervenções privatizantes do espaço públicoem Londres (Doklands com o governo conservador deThather, na década de oitenta) ou das simbólicasreinvenções do espaço público em Paris, nas intervençõesde Miterrant. Experiências “passadas”, difíceis de manterhoje como exemplos paradigmáticos, como se pensava, emum período de rápidas superações.

Ao final da década de oitenta, o poder local berlinensedeclara 39 zonas de intervenção e investigação, com o ob-jetivo de reabilitar 180.000 habitações que ocupam 1.500ha urbanos, incluindo amplas áreas de expansão. Destas,aproximadamente 147.000 são anteriores ao ano de 1918,não atingidas pela destruição da 2.a guerra mundial, e 65.000

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VICENTINI, Y. Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas

FONTE: INTERNATIONALE BAUAUSSTELLUNG BERLIM - IBA. Project Report, Sena to for Buildingand Housing. Berlim: [s.n.], 1990; Diepgen, E. (Org.). The Catalogu and Editorial. Berlim: Status, 1998.

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VICENTINI, Y. Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas

FONTE: INTERNATIONALE BAUAUSSTELLUNG BERLIM - IBA. Project Report, Sena to for Building and Housing. Berlim:[s.n.], 1990; Diepgen, E. (Org.). The Catalogu and Editorial. Berlim: Status, 1998.

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VICENTINI, Y. Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas

FONTE: INTERNATIONALE BAUAUSSTELLUNG BERLIM - IBA. Project Report, Sena to for Building andHousing. Berlim: [s.n.], 1990; Diepgen, E. (Org.). The Catalogu and Editorial. Berlim: Status, 1998.

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VICENTINI, Y. Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas

FONTE: INTERNATIONALE BAUAUSSTELLUNG BERLIM - IBA. Project Report, Sena to for Building and Housing. Berlim: [s. n.],1990; Diepgen, E. (Org.). The Catalogu and Editorial. Berlim: Status, 1998.

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não possuíam banheiros internos, conforme relata Cladera(1995). Os investimentos são públicos e dão continuidadeà recuperação da cidade, acrescentando-se, agora, a idéiade transferência da capital e de consolidar uma imagempública universal de uma cidade aberta. A reconstrução daPostdmer Platz, área retratada no filme Asas do Desejocomo um imenso vazio urbano central, resultante da derru-bada do muro, em frente à arquitetura premiada do museude arte moderna, perpetua este significado simbólico deabertura, com projetos mundiais. Mesmo o projeto do novoparlamento, de arquitetura internacional, reforça este argu-mento e causa estranheza na população. Qual a nação quetem seu parlamento projetado por um estrangeiro?

No entanto, para não concluir apressadamente sobreuma arquitetura do simulacro ou da reprodução de espaçospós-modernos na cidade, tão diferentes da experiência doIBA, é preciso atentar para a infra-estrutura (aquilo quenão aparece e está enterrado) que os projetos contemporâ-neos de Berlim envolvem (ver imagens 1).

O paradigma é regional/nacional de recorte ambiental.A cidade mundial, como se deseja, não é uma reproduçãofortuita e imagética do contemporâneo, mas se insere emuma rede de cidades convencionadas pela questãoambiental, pautadas na configuração espacial de baciashidrográficas, que substituem, definitivamente, os recortesde redes de cidades como paradigma da década de setenta.

Sob a Potsdamer Platz esconde-se uma extensa áreade recuperação ambiental dos recursos hídricos (uma espé-cie de piscinão – reservatório) intercalado pelos acessos fer-roviários internacionais, metroviários regionais além das pis-tas rodoviárias subterrâneas e estacionamentos. O custo daobra estimado em torno de U$ 9 bilhões (comparativamenteduas hidrelétricas brasileiras ou uma e meia guerra deKosovo) não deixa dúvidas em relação à profunda reformaurbana em infra-estrutura, que extrapola os argumentos e ascríticas de uma reprodução imagética da cidade. Neste caso,não se trata de reproduzir uma simbologia universal das ci-dades mundiais contemporâneas, mas de adaptar em um novopatamar tecnológico a cidade pós-moderna, mesmo que aarquitetura visível seja “estrangeira, estranha” e configureespaços privados de aparência pública, cercados de íconesdas empresas multinacionais, assim como, uma década an-tes, o entorno do Arc’de La Defense, em Paris.

Em forma paralela, o processo de reabilitação urba-na de Lisboa, ao longo das duas últimas décadas, vem secaracterizando pelo estímulo à preservação do patrimôniohistórico-cultural, com prioridade às condições de habita-

ção e de preservação da identidade do bairro e trabalhandoatravés de uma gestão pluridisciplinar. No período pós-Revolução dos Cravos, a discussão sobre reabilitação ur-bana, assim como sobre os novos projetos urbanos, desta-cou-se em âmbito internacional, com projetos publicadosem revistas especializadas e diferentes livros de autorescríticos e professores das Universidades de Lisboa, Coimbrae do Porto, como Garcia Lamas (1993) e Portas (1985).

A seguir, na década de noventa, com o ingresso dePortugal na comunidade européia, as intervenções urbanascontemporâneas em Lisboa caracterizaram-se por uma re-novação de infra-estrutura e pela elaboração de Planos Es-tratégicos para a cidade e região, com forte viés ambiental.Entre as intervenções significativas deve-se citar a recons-trução do Chiado – bairro histórico central – depois do gran-de incêndio de 1988, a nova ponte sobre o Rio Tejo ( com14 Km de extensão), um importante conjunto de equipa-mentos sociais e culturais, a ampliação e remodelação darede de Metrô, a criação de novas áreas verdes, a remode-lação da frente ribeirinha, e a área de reconversão urbanana zona oriental da cidade – a Expo 98 − em alusão àtemática dos oceanos, com novos projetos reconhecidosmundialmente. Projetos que evocam planos de interven-ção pontuais de grande magnitude e impacto sobre a ima-gem urbana. No caso de Lisboa, cria-se uma imagem de“cidade mundial” que, na prática, constitui-se em projetosurbanos afeitos à consolidação de zonas especiais e de aber-tura ao mercado de novas áreas urbanas equipadas.

Importante frisar que, a elaboração de planos estra-tégicos para as cidades européias é consequência direta deexigência da comunidade européia para empréstimos aosgovernos locais. Tem sido assimilada por diferentes con-textos urbanos, em uma difusão de um novo modelo deplanejar e atuar nas cidades. Não se trata de um modelo deintervenção hegemônico, mas de um modelo dedescentralização da gestão acrescido de políticas públicassociais, ambientais e urbanas.

Portas (1985), alinhado ao pensamento de Borja(1996), entende que o projeto urbano aparece como umaalternativa ao sistema de planos diretores, como uma novaestratégia de formulação de políticas urbanas com instru-mentos autônomos da administração, por um lado, e comoprocesso de desenvolvimento da cidade, por outro lado,revertendo o sistema de planos diretores, agora considera-do convencional e ultrapassado.

Ao novo modo de administrar a cidade, seja na cida-de de Lisboa ou em cidades européias consideradas mun-

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FONTE: FRANÇA, J. A. Lisboa: Urbanismo e arquitetura. Lisboa: Horizonte, 1997.

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diais, acrescenta-se a configuração de um novo paradigmaregional, o ambiental (por isso as exigências de EIAS eRimas da CEE) que substitui o metropolitano de redes decidades, por uma abordagem de redes transnacionais deinfra-estrutura com enfoque ambiental. O paradigmaambiental reverte-se em temática e meta de desenvolvimen-to urbano.

Em Lisboa, em 1990, o ainda denominado PlanoDiretor foi concebido com relação às novas idéias de umprocesso de intervenções pontuais. Em 1992, rebatizadode Plano Estratégico, como exigência da CEE, inclui asquestões regionais ambientais, onde em relação à nova tra-vessia do Rio Tejo, a Ponte Vasco da Gama, junto às docasdos Olivais onde se define a nova área para a implantaçãoda Expo 98. Portanto, mais do que uma nova porção paraa expansão da cidade, a Expo 98 significou extensivos in-vestimentos de saneamento, implantação de coletores e es-tação de tratamento dos poluentes domésticos e industri-ais, criando áreas de lazer com percursos de barcos, a pé,de bicicleta. A Expo 98 constituiu-se, portanto, em partedeste mega projeto de recuperação ambiental, definindoespaços de especulação imobiliária em todo seu entorno,já com as torres de escritórios e residenciais em franca ex-pansão. E pode ser considerada uma vitrine corresponden-te à vontade de inserção do país nos novos patamares deinfra-estrutura das cidades mundiais européias.

A visão equivale a um mergulho em um espaço ur-bano “pós-moderno”, simbólico e mediático que ocupa 330hectares da denominada zona de intervenção. Pode-se em-barcar em um teleférico que sobrevoa as margens do rioTejo ou subir na Ponte Vasco da Gama, com 120 metros dealtura. Junto ao mega projeto foi construída a Estação doOriente, nova intersecção dos trens internacionais e dometrô urbano, projeto de “grife” do engenheiro espanholSantiago Calatrava. O Pavilhão de Portugal, projetado peloarquiteto Álvaro Siza Vieira, também responsável pelasreconstruções do bairro histórico do Chiado, revive as con-quistas marítimas lusitanas dos séculos XV e XVI; o dosMares exibe a evolução da relação do homem com os oce-anos; e o mais paradigmático, que se constitui no Pavilhãodos Oceanos, concebido pelo americano Peter Chermayeff(ver imagens 2).

Nos investimentos, além dos empréstimos da CEE,concorreram diferentes empresas multinacionais, comoCoca-cola, Telecom, Siemens, Shell, Tap, Xerox, Sony, CTT,Alcatel e Microsoft, entre outras. As mesmas empresasmultinacionais que concorrem há três décadas com as gran-

des reformas urbanas contemporâneas das cidades mundi-ais, no novo contexto do processo de produção como odefine Castells (1995), entre outros autores.

Do ponto de vista teórico e conceitual em relação aopensamento urbanístico, não se pode falar em fim do pen-samento urbano, mas sim, em fim do pensamento urbanomoderno, como já apontava há duas décadas Tafuri (1985),ou mesmo das utopias pensadas que o mesmo engendrou.O novo espaço urbano equipado corresponde a diferentessimulacros sociais, políticos e culturais, que o mundo doconsumo urbano assimila e converte em imagensdiversificadas, por vezes melancólicas de um novo pensarsem utopia, sem os caros conceitos de progresso e desen-volvimento, sem porvir nos moldes humanitários do sécu-lo XIX.

O novo senso do espaço urbano, mantidos os cadavez mais sofisticados processos de exclusão e de explora-ção imobiliária, como já constataram Arantes (1998) eHarvey (1992), transforma em espaço “público” os espa-ços privatizados de uma alegoria urbana do consumo. Aarquitetura de eventos das cidades mundializadas reverte-se em espetáculos do não-lugar, como caminhar por calça-das na Expo 98 que em determinados pontos explodem emtufos de água colorida (verde, azul ou vermelho), como seo espetáculo da humanidade se resumisse a produzir sur-presas tão fugazes.

Em verdade, as profundas transformações sociaiscondicionaram uma fase; conforme Busquet (1976), ca-racterizada por um movimento de reconversão das condi-ções de projeto, que adquire uma capacidade reestruturantesobre a cidade em seu conjunto, como a transformação deespaços intersticiais que caíram vazios de atividades, oude reabilitação de áreas abandonadas. Neste sentido, o pla-no estratégico como mote da CEE interessa às cidadesmundiais européias, transformando-se, em tentativas dereinterpretação e assimilação, em caricaturas na América,contrastando com as áreas urbanas de extrema pobreza apartir do agravamento das desigualdades sociais e dos pro-blemas ambientais.

Deste lado da moeda encontram-se as reformas ur-banas contemporâneas nas cidades brasileiras, mesmo queos paradigmas assimilados sejam concorrentes, basta umarápida análise, de alguns exemplos escolhidos, para o des-taque das diferenças que se colocam de forma conceitual eprojetual.

À cidade de Salvador associam-se os termos memó-ria e identidade, que apesar de empregados na atualidade

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com grande vigor, ainda soam no Brasil alternativos, assimcomo as questões ligadas à revalorização de centros urba-nos e históricos. Destacam uma gama de termos, como:renovação, revitalização, reurbanização, refuncionalização,requalificação, reestruturação, reabilitação, restauro,readaptação, para citar os mais freqüentes que estão, via deregra, diretamente ligados a questão da revalorização decentros históricos, um dos carros chefes das experiênciasurbanísticas no cenário internacional. Nas palavras de Argan(1988, p. 215):

...uma cidade pode ter uma história de décadas, outra deséculos – a história é um fato eminentemente urbano,entre história e cidade há uma relação estreitíssima, tan-to assim que cidade e civilização são palavras que têm amesma raiz. Mas a história é animada dialética, até mes-mo luta, de pensamentos e atos, não é a aceleração uni-forme de uma função mecânica. Existiram e podem exis-tir cidades históricas de vinte mil almas; existem aldei-as industriais de quatro ou cinco milhões de habitantes.

O Projeto de Revitalização do Pelourinho teve comoparadigma o processo italiano de intervenção em centroshistóricos, vinculando-se formalmente a ONGs e organi-zações de referência, como o Projeto Itália, em Roma. Noentanto, o processo de gestão do projeto Pelourinho, nasáreas já recuperadas, colocou-se de forma diversa, comestatísticas de comprovam a opção pelo ressarcimento de95% dos inquilinos e sua consequente mudança, realizadaem caminhões da prefeitura, para as favelas na periferia deSalvador por escolha própria. Desta forma, como apontamFernandes e Gomes (1998), a recuperação do centro histó-rico representou uma operação duvidosa do ponto de vistasocial e cultural.

Ao mesmo tempo, a discussão do Plano Estratégicopara a cidade de Salvador incluiu intervenções deprivatização do espaço público para o lazer dirigido e pagodos parques temáticos, como política municipal de con-cessão de áreas públicas. Água, shopping, alimentação eexotismo produzindo uma alegoria do outro, uma cidadeque se transforma em alegoria do visitante, seja ele estran-geiro ou nacional. Áreas de recuperação urbana, como arecente na orla da Barra, produzindo, assim como nas co-res do Pelourinho, um cenário ao visitante.

Nas periferias ao norte ou ao sul, como nos históri-cos alagados de Salvador, a política do saneamento básicoem associação com ONGs internacionais e com financia-

mento de bancos como BID. A política é tímida com im-plantação de uma precária rede de esgoto, em áreas invadi-das durante décadas, localizadas em cota inferior ao níveldo mar. A aproximação com moradores foi feita através detécnicos internacionais vinculados à ONGs, todos de boavontade, porém cumprindo as determinações dos fundosinternacionais de pobreza.

De forma controversa encontra-se a cidade deCuritiba que, sem dúvida, representa uma das cidades bra-sileiras que mais incorreu em ações planejadas para aredefinição de seu espaço urbano, considerando-se a pro-posta de Alfred Agache, em 1943, que dentro da concep-ção modernista dominante da arquitetura, desenha a ci-dade considerando as áreas definidas por funções afeitasao período (setores militar, educacional, industrial e demoradias, incluindo as de renda mais baixa) criando umarede de avenidas de conformação radiocêntrica. Particu-larmente, é interessante a discussão proposta pelo urba-nista francês no que diz respeito ao centro cívico – cuoreda cittá – tão pertinente às discussões travadas no contex-to do Ciam.

Nos anos sessenta, a cidade de Curitiba conta já com360.000 habitantes e representa um pólo regional para oEstado, nos moldes das definições de pólos do período. Oprocesso de Planejamento Urbano, que então se inicia, vaipautar-se na idéia de modernização nos termos do pensa-mento desenvolvimentista do período, cujo mote passa aser a industrialização em um contexto estadual rural. Em1965, o PDU é definido pelo urbanista Jorge Wilheim eArquitetos Associados, e apoiado por uma equipe local deacompanhamento, com técnicos da prefeitura e professo-res dos cursos de engenharia e arquitetura da UniversidadeFederal, embrião do IPPUC – Instituto de Planejamento eProjetos Urbanos de Curitiba, cujo primeiro presidente foio arquiteto Jaime Lerner.

A partir de 1970, os projetos urbanos elaborados peloórgão são colocados em prática, sendo que em 1971, omesmo arquiteto, já então prefeito da cidade, implanta osistema de circulação e o transportes de massa que redefineos traçados urbanos com suas vias estruturais norte-sul eos corredores de circulação. É desse período a implementa-ção da cidade industrial de Curitiba (1973), o início da cons-trução de grandes parques em um sistema de recuperaçãodas áreas deterioradas das antigas pedreiras e ocupação dasáreas vazias e inundáveis da cidade, combinados com umprojeto de revitalização do centro urbano nos moldes mo-dernistas.

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FONTE: RIO DE JANEIRO. Relatório dos Programas Rio-Cidade, e Favela Bairro do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Iplan,1999.

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O conjunto de obras realizadas pelo PDU marcou,inexoravelmente, a Cidade, mesmo com o lapso políticopartidário subsequente. Ao final da década de 80, a linhamestra de desenvolvimento da cidade é retomada, mesmoque as críticas construídas no período apontassem para amarginalização da população de baixa renda, a maioriahabitantes dos municípios vizinhos da região metropolita-na. Curitiba passa de um slogan de cidade modelo para oslogan de cidade ecológica, em um alinhamento com astransformações dos discursos sobre o urbano em nívelmundial. Uma série de temáticas ambientais e programasespecíficos são então implementados (parques, memoriais– ver imagens 3) exacerbando uma cultura do consumo dacidade, agora objeto de intensa propaganda que vai, sinto-maticamente, incluir a invenção de tradições urbanas atra-vés de uma simbologia pensada e de caráter rural − a folhade araucária, o pinhão desenhado nos cruzamentos, a folhada erva mate, os portais de migrantes etc.

Como um exemplo paradigmático, Curitiba assimilao contexto das simulações urbanas culturais das cidadesmundiais sem ser, ela mesma, uma cidade mundial ou eco-lógica, já que todas as suas bacias hidrográficas são poluí-das, conforme dados oficiais. Como uma antevisão do con-texto contemporâneo das cidades em redes globais, colo-ca-se na perspectiva imagética dos projetos temáticos ur-banos, mantendo seu forte viés rural e conservador.

A cidade, assim pensada, é um fenômeno típico dacultura contemporânea, como uma mediação possível en-tre as ações políticas, as práticas da comunicação e as in-tervenções urbanísticas, ou como um simulacro construído.

No entanto, nos anos noventa, as respostas culturaise propagandísticas vêm se esgotando, com a constataçãode que Curitiba, com seus lotes urbanos mínimos de 360m2 e sua legislação urbanística permissiva, possui uma ocu-pação total da área física do município conurbadas por in-vasões em áreas de proteção ambiental, ainda que fora doslimites do seu território. O novo recorte ambiental comoparadigma do novo pensamento da cidade, por baciashidrográficas, surpreende um conjunto de 25 municípiosque assistem à degradação de seu ambiente, perante as di-ficuldades de financiamento e novos investimentos urba-nos no Brasil neste final de século.

Talvez as análises pertinentes escapem deste texto,quando se referem à manutenção de uma imagem de cida-de única e agora isolada de seu contexto regional metropo-litano, dadas as dificuldades de assimilar os problemasambientais e sociais dos quais até agora a cidade manteve-

se afastada. Por outro lado, a imagem criada tem que sermantida mesmo que, para isso, seja necessária, como des-taca Silva Bega (1999), a invenção das tradições, quando oantigo núcleo colonial de formação portuguesa, baseadona economia extrativista, foi banido do imaginário coleti-vo e substituído por uma cidade européia, fruto da misturade migrantes alemães, italianos, poloneses, ucranianos erussos, conferindo uma identidade branca e européiaconstruída ao largo dos migrantes nacionais, que hoje re-presentam uma população negra e parda de 30% de seushabitantes.

Finalmente, cabe destacar o processo contemporâ-neo de pensar a cidade para o Rio de Janeiro. O Rio deJaneiro foi, nesta década, uma das primeiras cidades brasi-leiras a assimilar os novos paradigmas internacionais deplanejamento, tomando emprestado, em particular, a expe-riência de planejamento estratégico de Barcelona. A par daanálise mais detalhada dos projetos urbanos que este pen-sar a cidade engendrou, é significativa a leitura do PlanoEstratégico do Rio de Janeiro em si, uma proposta que seconstitui em um novo patamar metodológico da discussãourbana no Brasil.

Nesta perspectiva, vários enfoques podem ser desen-volvidos. Por um lado, a inauguração de um novo ciclo deassimilações do pensamento sobre a cidade no Brasil, ins-crevendo a análise no debate das questões que hoje orien-tam posicionamentos teóricos–analíticos para a compreen-são das sociedades contemporâneas, com termos como pós-modernidade, globalização e fragmentação. Por outro lado,implicam em alterações na reestruturação econômica, emreorientações para o planejamento urbano, em novas con-figurações espaciais e político administrativas, na recom-posição técnica do espaço e das formas de ação política ede organização da sociedade.

Nesta direção, o Plano Estratégico para o Rio de Ja-neiro e suas formulações temáticas sobre a cidade – Rio doano 2000 – incluíram a expectativa de reverter o quadro dedesordem urbana e estabelecer uma nova matriz do podersocial na cidade. Pode-se afirmar que, de acordo com ascríticas que vem sendo elaboradas como a de Randolph(1996), o Plano contém um modelo de gestão que foi ca-paz de reinterpretar metodologicamente o modeloBarcelonense, reenquadrando-o aos problemas da cidade,onde se destaca a visão definitiva das favelas urbanas his-tóricas do Rio como bairros, depois de quase um século derepulsa e tentativas de expulsão e a montagem de uma matrizsocial com parcerias, que consideram as associações de

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classe e representantes do capital empresarial em um con-sórcio de mais de quarenta empresas.

Em relação ao Programa Favela-Bairro, este se des-taca na nova formulação do planejamento na cidade.

O Programa surge inicialmente em 1993, como umdos elementos da Política Habitacional da cidade e, poste-riormente, articula-se como Programa que passa a ser in-cluído no Plano Estratégico da cidade. Resulta de um con-trato de empréstimo entre Prefeitura e BID e define com-ponentes diversos como urbanização de favelas, regulari-zação de ocupações em loteamentos, monitoramento e ava-liação permanente, educação sanitária e desenvolvimentoinstitucional, conforme explicita Randolph (1996). Preten-dia abarcar as favelas urbanas de grande porte, como asvisitadas na pesquisa de campo, as favelas da Maré, doMorro do Alemão e Cardim, com mais de 500 domicílios emenos de 2.500 cada, sendo que neste universo o Progra-ma hoje atua em mais de 100 favelas na cidade do Rio deJaneiro, que correspondem a 410.000 habitantes, ou seja,conforme dados projetados do IBGE de 1991, a 43% dototal dos domicílios em favelas do município (ver ima-gens 4).

É claro que se trata de uma adaptação de um modeloneo-liberal, ou como o define Randolph (1996), um mode-lo de assimilação de uma nova matriz do poder social paraa construção e consolidação de uma hegemonia ideológicaamparada em uma retórica social e participativa, com afir-mativas próprias de seu principal mentor, Borja (1996). Ouseja, a transferência de modelos centralizadores para a rea-lidade latino-americana inclui problemas adicionais, quevão desde as articulações sociais possíveis, até as dificul-dades de transpor o abismo social e de integração e quali-dade de vida nas cidades.

Interessante notar que, se o Plano Estratégico do Rioabre um novo período de assimilações para as políticas ur-banas no Brasil, ao mesmo tempo não considera as raízesculturais de uma discussão teórico-histórica, onde se con-cebem os planos estratégicos nas cidades mundiais euro-péias, em particular em Barcelona, matriz deste pensamen-to.

A dificuldade assinalada é recorrente na compreen-são das teorias urbanas contemporâneas frente à formula-ção de novas políticas e programas urbanos. Se durantetodo o século XX no Brasil, os modelos e as teorias urba-

nas assimiladas demonstraram sua fragilidade frente a umaanálise mais detalhada, expondo dificuldades de concreti-zação do caráter social e político dos mesmos, como já dis-cutiu amplamente Arantes (1998), novamente nos depara-mos com tal situação, mesmo que colocada em outros ter-mos.

Enfrentando a dicotomia estabelecida entre um mo-delo estratégico de planejamento das cidades mundiais,incluindo todos os ingredientes referenciais contemporâ-neos de volta ao urbanismo do lugar, frente à questão lati-no-americana das grandes cidades e seus espaços consoli-dados por décadas de exclusão, a consecução de novosmodelos de gestão urbana, em uma nova matriz de acordossociais, torna inerente mudanças profundas e não previstasnos modelos econômicos em pauta. Longa discussão quese abre para debate.

Acredita-se que, a partir do desenvolvimento teóri-co-metodológico exposto neste trabalho, pode-se concluirsobre a diversidade das tendências contemporâneas de abor-dagem das cidades mundiais. Enfatiza-se que estas tendên-cias não são homogêneas ou hegemônicas e decorrem dopensamento pós-guerra sobre as teorias urbanas, no pro-cesso de construção da crítica à cidade modernista.

Identifica-se uma linha teórica e metodológica exis-tente em cada uma das correntes analisadas, todas vincula-das a um processo histórico e cultural inerente. Quandoreinterpretadas e transpostas, soam como simulacro ou sãoinviabilizadas por um contexto diverso que, no atual pro-cesso de remodelação econômica mundial, exclui parcelasdas nações da possibilidade de uma readequação das cida-des como um bem estratégico, remodelando este bem paraformas de concentração em níveis de consumo mais sofis-ticados ou de serviços pós-industriais, como fruto de umpensar histórico, cultural e tecnológico.

Nesta medida, aos paradigmas presentes nas grandesreformas urbanas contemporâneas em curso nas cidadesmundiais, não correspondem às possibilidades de investi-mento e renda gerais da população na América Latina, re-sultando em assimilações incompletas de políticas de ges-tão urbana ou em cenários mal acabados de projetos urba-nos. Em realidade, as grandes cidades brasileiras necessi-tam de investimentos em infra-estrutura básica e em políti-cas populares de recuperação da qualidade de vida urbanae de renda.

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