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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE...

Date post: 20-Jan-2021
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FE PAULO FABRÍCIO ROQUETE GOMES QUAIS OS IMPACTOS DA LEI N°10.639/03? A VOZ E A VEZ DE ADOLESCENTES DIZEREM O QUE PENSAM CAMPINAS SP 2019
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FE

PAULO FABRÍCIO ROQUETE GOMES

QUAIS OS IMPACTOS DA LEI N°10.639/03? A VOZ E A VEZ DE

ADOLESCENTES DIZEREM O QUE PENSAM

CAMPINAS – SP

2019

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PAULO FABRÍCIO ROQUETE GOMES

QUAIS OS IMPACTOS DA LEI N°10.639/03? A VOZ E A VEZ DE

ADOLESCENTES DIZEREM O QUE PENSAM

Dissertação de Mestrado

apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da

Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de

Campinas para obtenção do título

de Mestre em Educação, na área

de concentração de Educação.

Orientadora: Gabriela Guarnieri de Campos Tebet

Este trabalho corresponde à versão final de dissertação defendida pelo aluno

Paulo Fabrício Roquete Gomes, e orientada pela Professora Dra. Gabriela

Guarnieri de Campos Tebet

CAMPINAS – SP

2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FE

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

QUAIS OS IMPACTOS DA LEI N°10.639/03? A VOZ E A VEZ DE

ADOLESCENTES DIZEREM O QUE PENSAM

AUTOR: Paulo Fabrício Roquete Gomes

COMISSÃO JULGADORA:

Dra. Gabriela Guarnieri de Campos Tebet

Dr. Sidnei Barreto Nogueira

Dra. Simone Gibran Nogueira

Dra. Ângela Fátima Soligo

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no

SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da

Unidade.

CAMPINAS – SP

2019

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DEDICATÓRIA

Dedico o meu mestrado e a minha dissertação a três figuras femininas

formidáveis que me acompanham em espirito. E a uma que me deu a vida, e

portanto, a oportunidade de desenvolver esta pesquisa.

À minha mãe Osùn, que me diz em que caminhos devo andar e a quem

ouço com muito amor e dedicação.

À minha avó materna Dona Marta Roquete de Melo, descendente

indígena da comunidade dos Tapúios em Minas Gerais, uma segunda mãe,

mulher honesta e justa que ganhou a vida e criou 10 filhos e mais alguns netos,

passando roupas para diversas famílias em Paracatu-MG, que sempre me disse

o quão longe eu poderia chegar – sobretudo quando nem mesmo eu acreditava

– e a quem tenho a maior gratidão por ter sido a primeira a me dizer o quanto o

racismo pode ser cruel, mas o quanto eu também devo reagir diante dele.

Infelizmente, este ano ela partiu sem poder me ouvir dizer: “Vó, eu consegui!”.

Sei que, onde estiver, ela estará sempre cantando e sorrindo.

À Dona Conceição Gonzaga, minha avó paterna, que nos deixou no início

dessa jornada de estudos. Mas que sempre se orgulhou de ter um neto que a

levava aos bailes da terceira idade. Mulher forte, afro-brasileira, professora,

quituteira de mão cheia (como dizemos em Minas). Que me ensinou o valor da

experiência e quão bobos são nossos pré-conceitos.

Dedico ainda à minha mãe, Dona Margareth Roquete de Melo, por quem

tenho um amor incondicional, mulher companheira, compreensiva e alegre, a

quem devo a vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é um exercício que deveríamos praticar todos os dias,

principalmente porque acredito que nada do que fazemos ou produzimos é

confeccionado de forma solitária.

Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Gabriela Tebet, pela dedicação

em me orientar e direcionar este estudo.

Ao meu companheiro de vida, Lucivaldo, e à nossa filha Letícia, que

pacientemente me apoiaram durante estes anos.

Aos colegas de trabalho que seguraram as pontas para que eu pudesse

me dedicar a este estudo.

Aos amigos e familiares que acreditaram e apostaram nessa proposta. De

forma especial, às amigas Juliana, Adriana e Thaís, que dispensaram parte de

seu tempo para revisar esta dissertação.

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“Ser negro é, além disto, tomar consciência

do processo ideológico que, através de um

discurso mítico acerca de si, engendra uma

estrutura de descobrimento que o aprisiona

numa imagem alienada, na qual se

reconhece. Ser negro é tomar posse desta

consciência e criar uma nova consciência

que reassegure o respeito às diferenças e

que reafirme uma dignidade alheia a qualquer

nível de exploração. Assim, ser negro não é

uma condição dada, a priori, é um vir a ser.

Ser negro é tornar-se negro”

Neusa Santos Souza

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RESUMO

Em 2003, foi sancionada a Lei n°10.639, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e torna obrigatório – nos currículos da educação básica do país – o estudo da história e da cultura africanas e afro-brasileiras. Dezesseis anos se passaram desde que a legislação entrou em vigor. Por essa razão, buscamos analisar, a partir da perspectiva de adolescentes de 13 a 17 anos – portanto aqueles que vivenciaram todo o seu processo de escolarização sob a vigência da Lei –, como essa temática os intercepta e que impactos ela causa na construção das identidades destes estudantes. Assim, o objetivo geral da pesquisa é compreender, através da perspectiva dos adolescentes dos ensinos fundamental e médio, de que forma o estudo de história e cultura africanas e afro-brasileiras impacta a constituição da identidade. Participaram da pesquisa estudantes que cursavam, no momento da aplicação, o 7º e 8º anos do ensino fundamental II e os três anos do ensino médio. Para tanto, desenvolvemos como metodologia questionários que foram distribuídos a partir do Facebook. Dessa forma, a abrangência do estudo é nacional, uma vez que obtivemos respostas dos 26 estados e do Distrito Federal. As análises buscaram identificar, com base no que os estudantes disseram, sua associação com a educação para as relações étnico-raciais. A partir disso, traçamos uma discussão acerca de temas como raça, racismo, branquitude e os privilégios que dela advêm, negritude e lugar de fala. Os resultados indicam que há muito a se avançar na implementação da Lei, uma vez que, de acordo com os adolescentes, as questões relacionadas às africanidades não aparecem com frequência na trajetória escolar. A pesquisa demonstrou evidências de que pode estar ocorrendo uma interpretação equivocada da Lei n°10.639, pois os estudantes apontaram que as disciplinas em que os conteúdos têm sido trabalhados são exatamente aquelas explicitadas no texto da legislação. O estudo também mostrou que, quando implementados, os estudos das africanidades são muito importantes na constituição da identidade de adolescentes. Por fim, o estudo apresenta que o racismo – até pouco tempo considerado velado – tem se mostrado cada vez mais de forma declarada, e a intolerância religiosa e a branquitude acrítica têm ganhado força na atual conjuntura brasileira.

Palavras-chave: Lei nº 10.639. Racismo. Identidade

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ABSTRACT

In 2003, the Law 10.639 was sanctioned. It changes the Brazilian Educational Laws and Guidelines and makes the study of African and Afro-Brazilian history and culture mandatory in basic education curriculum. Sixteen years have passed since this law came into force. For this reason, we analyzed, from the perspective of adolescents from 13 to 17 years old – who experienced their schooling process under this law – how this thematic intercepts them and which are the impacts of it in their identities construction. The general objective of the research, therefore, is to understand, from the perspective of high school adolescents, how the study of African and Afro-Brazilian history and culture impacts the constitution of their identity. The students who participated in this research were attending, at the time of its application, the 7th and 8th grades of elementary school and the three grades of high school. In order to achieve the objectives, as methodology, we developed questionnaires, which were published on Facebook. Its coverage is national, since we obtained answers from the 26 states and the Federal District. The analyzes allowed us to discuss themes such as race as race, racism, whiteness and the privileges that come from it, negritude and place of speech. The results indicate that there is still much to advance in the implementation of the Law, since, according to the adolescents, issues related to Africanities do not appear frequently in the school trajectory. The research has shown evidence that a misinterpretation of the Law 10.639 may be occurring, since students have pointed out that the subjects in which the content has been worked are exactly those that are on the scope of the law. The study also showed that the studies of Africanities are very important in the constitution of the identity of adolescents when implemented. Finally, the study shows that racism – considered veiled until recently – has been increasingly declared, and religious intolerance and uncritical whiteness have gained strength in the current Brazilian context. Keywords: Law 10.639. Racism. Identity

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Produções Acadêmicas de 2004 a 2016 do acervo CAPES que apresentam como tema a Lei nº10.639 ....................................................................... 35

Gráfico 2 – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa .................................... 38

Gráfico 3 – Cor/Raça dos participantes da pesquisa................................................... 39

Gráfico 4 – Rede de ensino em que os estudantes participantes da pesquisa cursaram a maior parte da trajetória escolar............................................................................... 40

Gráfico 5 – Estado em que residem os participantes da pesquisa .............................. 41

Gráfico 6 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você já ouviu falar sobre as Leis n°10.639/03 e n°11.645/08, que instituíram a inclusão do Ensino de História e Cultura Africanas, Afro-brasileiras e dos povos indígenas no currículo?” .... 61

Gráfico 7 – Resposta dos estudantes do ensino fundamental II, participantes da pesquisa, à pergunta: “Você se lembra de ter atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais na escola?” ........................................................................ 64

Gráfico 8 – Resposta dos estudantes do ensino médio, participantes da pesquisa, à pergunta: “Você se lembra de ter atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais na escola?” ........................................................................................... 66

Gráfico 9 – Conteúdos estudados durante trajetória escolar pelos participantes da pesquisa – alunos do ensino fundamental II ............................................................... 68

Gráfico 10 – Disciplinas que introduziram no currículo conteúdos sobre africanidades durante a trajetória escolar dos participantes da pesquisa – alunos do ensino fundamental II ............................................................................................................. 69

Gráfico 11 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você já viu ou sofreu algum ato de racismo?” .................................................................................... 81

Gráfico 12 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você acha que já teve uma ação racista em algum momento da sua vida?” .......................................... 82

Gráfico 13 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você acha que ter contato com Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas impactou o modo como você constitui sua própria identidade?” ............................................................. 99

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa Racial do Brasil 2010 ....................................................................... 42 Figura 2 – Mapa da Luz no Brasil 2000 ...................................................................... 44 Figura 3 – Mapa do PIB per capita brasileiro em 2010 ................................................ 45 Figura 4 – Mapa do acesso domiciliar à internet no Brasil em 2010 ............................ 46

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SUMÁRIO

MEMORIAL ................................................................................................................ 14

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 23

Capítulo 1 – A PESQUISA .......................................................................................... 29

1.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................................ 29

1.1.1 Objetivos Específicos ............................................................................................. 29

1.1.2 Hipóteses ................................................................................................................. 30

1.2 MÉTODO ......................................................................................................................... 30

1.2.1 Aplicação do piloto ................................................................................................ 32

1.2.2 Aplicação no Facebook para estudantes do 7º e 8º anos – fundamental II .. 33

1.2.3 Aplicação no Facebook para estudantes do ensino médio ............................. 33

1.3 JUSTIFICANDO A DELIMITAÇÃO DA PESQUISA: DIÁLOGOS COM

PESQUISAS JÁ PRODUZIDAS SOBRE O TEMA ......................................................... 34

1.4 DADOS INICIAIS DA PESQUISA ............................................................................... 37

Capítulo 2 - A LEI N°10.639/03 E A PESQUISA DESENVOLVIDA ............................. 48

2.1 OS MOVIMENTOS NEGROS E SUA LUTA NO CONTEXTO HISTÓRICO ........ 48

2.2 OS MOVIMENTOS NEGROS CONTEMPORÂNEOS E AS LUTAS PARA

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................................. 51

2.3 AFRICANIDADES NA EDUCAÇÃO BASICA: O QUE DIZEM OS ESTUDANTES

................................................................................................................................................. 60

Capítulo 3 - RAÇA, RACISMO, REPRESENTAÇÃO SOCIAL E LUGAR DE FALA .... 71

3.1 RAÇA ............................................................................................................................... 71

3.2 RACISMO ....................................................................................................................... 76

3.3 REPRESENTAÇÃO SOCIAL ....................................................................................... 83

3.4 LUGAR DE FALA ........................................................................................................... 86

Capítulo 4 – AFRICANIDADES NA SOCIEDADE BRASILEIRA; A QUESTÃO

CULTURAL COMO MARCA DA IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL............................... 90

4.1 IDENTIDADE .................................................................................................................. 90

4.1.1 Identidade Negra ........................................................................................................ 92

4.1.2 O que dizem os Adolescentes quanto ao Ensino de História e Cultura Afro-

Brasileiras e Africanas e a constituição de suas identidades? ................................. 98

4.1.3 Identidade e Branquitude .................................................................................... 111

4.1.4 A internet potencializando o discurso extremista ............................................ 120

4.1.5 Identidade e Negritude ........................................................................................ 124

4.1.6 A educação para as relações étnico-raciais e a intolerância religiosa ........ 129

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Capítulo 5. – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 135

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 141

ANEXO 1 - Quadro de tramitação do PL 259/99 ....................................................... 147

ANEXO 2 – Termo de Assentimento ......................................................................... 150

ANEXO 3 – Questionário aplicado aos estudantes do ensino fundamental II ........... 152

ANEXO 4 – Termo de Assentimento ......................................................................... 156

ANEXO 5 – Questionário aplicado aos estudantes do ensino médio ........................ 158

ANEXO 6 – Estudos publicados sobre a temática “constituição de identidade e ensino

médio”, até novembro de 2017, disponíveis no acervo CAPES. ............................... 161

ANEXO 7 - Gráfico – Estado em que residem os participantes da pesquisa, do Ensino

Fundamental II .......................................................................................................... 166

ANEXO 8 - Gráfico – Estado em que residem os participantes da pesquisa, do Ensino

Médio ........................................................................................................................ 167

ANEXO 9 - Gráfico – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa, do Ensino

Fundamental II .......................................................................................................... 168

ANEXO 10 - Gráfico – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa, do Ensino

Médio ........................................................................................................................ 169

ANEXO 11 - Gráfico – Raça/Cor dos estudantes participantes da pesquisa, do Ensino

Fundamental II .......................................................................................................... 170

ANEXO 12 - Gráfico – Raça/Cor dos estudantes participantes da pesquisa, do Ensino

Médio ........................................................................................................................ 171

ANEXO 13 - Gráfico – Raça/Cor dos pais dos estudantes participantes da pesquisa,

do Ensino Fundamental II ......................................................................................... 172

ANEXO 14 - Gráfico – Raça/Cor dos pais dos estudantes participantes da pesquisa,

do Ensino Médio ....................................................................................................... 173

ANEXO 15 - Gráfico – Rede de ensino em que os participantes da pesquisa cursaram

a maior parte da trajetória escolar – alunos do Ensino Fundamental II ..................... 174

ANEXO 16 - Gráfico – Rede de ensino em que os participantes da pesquisa cursaram

a maior parte da trajetória escolar – alunos do Ensino Médio ................................... 175

ANEXO 17 - Gráfico – Ano em que o participante da pesquisa está matriculado –

alunos do Ensino Médio ............................................................................................ 176

ANEXO 18 - Algumas digressões do pesquisador durante a execução da pesquisa 177

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MEMORIAL

Ao pensar sobre como acessaria minhas memórias e as colocaria em forma

de texto, com o intuito de me apresentar e fazer a conexão da minha história de

vida com o trabalho que ora desenvolvo, pude perceber que minha trajetória

enquanto militante do Movimento Negro aconteceu através de um ponto de

partida que acredito fazer parte de uma das formas de enegrecimento. Neste

contexto, acredito que estes disparadores – aos quais chamo aqui de ponto de

partida – sejam marcadores importantes para negras e negros, pois refletem o

momento exato em que nos reconhecemos enquanto sujeitos, cidadãos, e é a

partir daí que se iniciam nossas buscas pessoais e coletivas por dignidade e

respeito.

Quando criança, especificamente aos 6 anos de idade – pelo menos é a

partir dessa idade que tenho lembranças vivas em minha memória –, sempre

dizia para meus familiares que era marrom; não aceitava, naquele momento, ser

chamado de preto, negro ou nenhuma outra denominação. Vejo, hoje, que isso

acontecia porque, em meu entendimento enquanto criança, ser marrom era ser

aceito, ser bonito, ser inteligente, ser tudo o que qualquer criança deseja. E esse

sentimento era reforçado a todo momento nas relações sociais, quando ouvia as

pessoas dizerem, “Ah, que bom que ele tem a pele mais clara, é bonito”, ou

“Ainda bem que não é escurinho”. Naquela época, eu não sabia o que estava

por trás dessas afirmações, nem mesmo que isso se tratava de uma forma

perversa de racismo. Cresci rodeado por esse tipo de comentário, principalmente

por ser o primeiro membro preto da família – minha família materna é composta

basicamente por uma mistura entre descendentes de comunidades indígenas

(avó materna) e de europeus (avô materno). Já minha família paterna é

composta por negros. Meus pais se separaram quando eu tinha menos de 1 ano

de idade, e fiquei com minha mãe – razão pela qual meu contato com a família

materna foi mais intenso. Isso cerceou minhas referências familiares negras na

infância, então não nutria o sentimento de “ser um estranho no ninho”, e acabei

criando subterfúgios para lidar com essas diferenças relacionadas à cor da pele

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– queria sempre parecer mais próximo daquilo que eu tinha como referenciais, o

que é natural para uma criança. Contudo, a partir do início da minha

adolescência, comecei a conhecer como funciona o racismo brasileiro,

camuflado sob uma falsa aceitação difundida pela ideologia de democracia

racial. Para relatar aqui esses episódios complicados, acredito ser necessário,

primeiro, apresentar informações importantes a respeito do local geográfico de

onde se constrói minha fala.

Nasci em Paracatu, cidade de aproximadamente 90 mil habitantes no

interior de Minas Gerais, situada na região noroeste do estado. No passado, a

cidade era conhecida como a “Atenas Mineira”, por sua relação com a educação

e a cultura. Nos dias de hoje, o munícipio é mais conhecido pelas figuras ilustres

e de projeção nacional que nasceram por lá, como o jurista, político e historiador

Afonso Arinos e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.

De acordo com informações encontradas no arquivo público municipal, a

cidade de Paracatu surgiu por volta do século XVIII, e tem sua história vinculada

ao movimento das bandeiras que percorriam a região na busca pelo ouro. Nessa

ocasião, era conhecida como Arraial de São Luiz e Sant’ana das Minas de

Paracatu. Posteriormente, tornou-se Paracatu do Príncipe, por ter sido dada de

presente ao príncipe Dom Pedro I pela rainha Maria. O município vivenciou de

forma muito ativa o ciclo do ouro e, para a extração do mineral, recebeu muitos

negros escravizados.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística - IBGE1, a

população do município era formada, em 2010, por cerca de 80% de negros

(pretos e pardos). Contudo, essa constituição majoritária de negros não

significava que as relações raciais fossem equilibradas – ao contrário, ainda é

possível observar e, no meu caso específico, vivenciar o preconceito racial de

forma muito perversa.

Nos anos 90, início da minha adolescência, tive o primeiro choque de

realidade. Minha avó, uma mulher forte e determinada, com uma sabedoria

1 Dados do Índice de Desenvolvimento Humano, apresentados pelo Censo 2010 e disponíveis no site do IBGE.

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ímpar, sempre acreditou ser muito importante nos ensinar a partir da prática.

Com esse pensamento, em determinada ocasião, levou-me ao supermercado

para ajudá-la a fazer a ‘compra do mês’2. Minha função era empurrar o carrinho

de compras e buscar o que ela me pedisse enquanto pegava outras mercadorias.

Em uma dessas idas às gôndolas, percebi que estava sendo seguido por todo o

mercado por um funcionário. Continuei a fazer o que minha avó havia solicitado,

e, ao ir ao banheiro, o funcionário me seguiu e questionou o que eu teria levado

comigo para esconder. Neste momento, acusado de roubo, conheci a face mais

perversa do racismo: eu, praticamente uma criança, fui humilhado, acuado,

envergonhado... Minha reação inevitavelmente foi o choro, enquanto corria em

direção à minha avó, escoltado pelo funcionário do supermercado. Minha avó,

mulher de pele clara, sem se identificar, indagou-lhe o que estava acontecendo,

e foi informada de que se tratava de um “marginalzinho” que havia roubado o

estabelecimento. Quando se apresentou como minha avó, o discurso do

funcionário tomou outro rumo: passou a dizer que poderia se tratar de um “mal-

entendido”. É evidente que, aos 11 anos de idade, faltavam-me a perspectiva e

a capacidade para entender que essa ação vinha de um mecanismo de

discriminação estrutural e estruturante das relações raciais no Brasil. A mim, só

cabiam a mágoa e o sofrimento que o ato causara. Anos mais tarde, já ao fim da

adolescência, compreendi um pouco mais essas questões, tendo como ponto de

partida dois fatos marcantes e significativos para minha constituição enquanto

pessoa.

O primeiro deles ocorreu aos meus 14 anos, ao assistir a um showmício3

em que fui tocado de forma muito ímpar. Na ocasião, a artista abriu sua

apresentação cantando uma música de Gerônimo, chamada “É d’Oxum”:

Nessa cidade, todo mundo é d'Oxum Homem, menino, menina, mulher

Toda essa gente irradia magia

2 Durante as décadas de 1980 e 1990, fazer compras para todo o mês era um hábito muito comum nas

cidades do interior de Minas. Este hábito foi criado devido à constante alta dos preços dos produtos, uma vez que não havia controle da inflação. 3 Comício político que trazia, como atrativo, uma apresentação musical.

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Presente na água doce Presente na água salgada

E toda cidade brilha

Presente na água doce Presente na água salgada

E toda cidade brilha

Seja tenente ou filho de pescador Ou um importante desembargador

Se der presente é tudo uma coisa só

A força que mora n'água Não faz distinção de cor E toda cidade é d'Oxum

A força que mora n'água Não faz distinção de cor E toda cidade é d'Oxum

É d'Oxum, é d'Oxum É d'Oxum

Eu vou navegar Eu vou navegar nas ondas do mar

Eu vou navegar Eu vou navegar

Eu vou navegar nas ondas do mar Eu vou navegar

Compositores: Gerônimo Duarte /

Everaldo Calazans De Almeida Filho

Ainda não consigo explicar com palavras por que essa música me chamou

a atenção de tal maneira, mas acredito ter sido uma (re)conexão com minha

ancestralidade. A partir daquele dia, minha inquietação em saber quem era

Oxum foi tamanha que me levou a conhecer as comunidades tradicionais de

terreiro, a estudar sobre candomblé e, por fim, a aceitar o chamado espiritual

para a iniciação. Esta necessidade de descobrir mais sobre minha

ancestralidade me abriu o horizonte para questões relacionadas ao povo negro

– porém de forma ainda limitada, uma vez que, naquele momento, busquei

conhecer apenas os aspectos religiosos dos povos africanos e afro-brasileiros

(embora não seja possível dissociar ambos). O amadurecimento para as

questões sociais, para o racismo e para as relações étnico-raciais aconteceu

mais tarde, aos 19 anos, quando fui contratado como instrutor de natação pela

Fundação Conscienciarte, uma organização social da cidade, dada minha

experiência com a atividade. Foi neste período – em que pude desenvolver

atividades ligadas às questões de educação, saúde, trabalho e cidadania das

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comunidades remanescentes de quilombo e da população afrodescendente dos

municípios pertencentes à região noroeste de Minas Gerais – que me envolvi

mais efetivamente nas questões ligadas às relações raciais. Este trabalho me

motivou a buscar cada vez mais conhecimentos acadêmicos e, por esta razão,

em 2003, ingressei no curso de Sistemas de Informação, em uma faculdade

particular situada em uma cidade vizinha. Minha primeira impressão com o

ambiente acadêmico foi de não pertencimento, principalmente devido ao baixo

número de negras e negros que estudavam, naquela ocasião, na faculdade.

Essa foi uma questão que também me causou bastante incômodo, e que

posteriormente seria uma das pautas com que eu me envolveria no

desenvolvimento do trabalho junto à comunidade negra. Apesar de o curso em

que me formei não se relacionar de forma direta com a educação, foi importante

para que eu entendesse que a academia era um dos locais onde poderia me

expressar de forma livre, apontando minhas angústias e sonhos. Durante o

último ano do curso, tive a oportunidade de fazer uma pós-graduação na

Universidade de Brasília cujo tema me possibilitou adentrar o universo das

relações raciais: assim, minha pesquisa ao final da graduação buscou conhecer

os motivos que levavam as crianças da periferia de Paracatu a ter fascínio pela

prática da natação. Durante a coleta de dados, deparei-me com uma maioria

expressiva de crianças negras, que não tinha acesso a outros espaços de prática

esportiva e/ou lazer, o que havia sido ponto decisivo para que elas se

apaixonassem pela natação, pois a Fundação Conscienciarte era o único espaço

em que podiam utilizar piscinas gratuitamente. Esta constatação me fez refletir

sobre questões relacionadas à desigualdade social, sobre as lacunas que elas

produzem – falta de acesso, de oportunidades – e, principalmente, sobre sua

relação com as questões raciais.

Esse foi o segundo momento em que despertei para as reflexões

relacionadas às questões da minha identidade enquanto negro. A partir daí,

passei a me envolver com outros projetos desenvolvidos pela Fundação, alguns

mais voltados para o mundo do trabalho, e outros cuja temática principal eram

as relações étnico-raciais – estes me permitiram conhecer melhor outros

aspectos da vida e do cotidiano do nosso povo. A partir daí, tive interesse e me

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envolvi com as demandas das comunidades remanescentes de quilombos de

Paracatu.

Destaco aqui que Paracatu possui cinco (5) comunidades remanescentes

de quilombos: Machadinho, Amaros, São Domingos, Cercado e Pontal. Contudo,

atualmente, apenas duas dessas comunidades ainda desenvolvem ações de

fortalecimento e resistência: São Domingos e Amaros

Os projetos desenvolvidos pela Fundação Conscienciarte me auxiliaram

particularmente na compreensão da constituição do racismo na nossa

sociedade. E, uma vez tendo este conhecimento, foi inevitável não me envolver

para tentar, de alguma forma, permitir que outras pessoas também

compreendam essa dinâmica.

Dentre os projetos que participei e/ou coordenei, acredito que alguns foram

mais significativos, como o projeto “O Negro no Mercado de Trabalho”,

desenvolvido em parceria com o Ministério do Trabalho e a Fundação Cultural

Palmares. Eram realizados debates, seminários e oficinas nas capitais de cinco

estados do nordeste, e participei ativamente do planejamento e execução das

atividades em Salvador. Ao contrário da maioria dos brasileiros, não conheci o

circuito turístico da cidade: meu trabalho era desenvolvido para as comunidades

negras, e isso possibilitou que eu transitasse dentro dessas comunidades,

conhecesse um pouco de seus cotidianos, compartilhando seus problemas e

suas realizações. As oficinas eram realizadas, em sua maioria, por membros da

comunidade local e para outras comunidades periféricas da capital baiana. Os

debates realizados nos seminários possibilitaram compreender melhor como se

dá o processo de racismo institucional e como a ideologia da democracia racial

afeta o povo negro. O viés desse projeto era um estudo do mercado de trabalho

para o negro, e resultou na publicação do livro “O Negro no Mercado de

Trabalho”. A obra traz um relato de todo o processo de execução do projeto,

apresentando os debates, proposições e resultados das oficinas e seminários.

Essa experiência me deu condições de entender que a desigualdade entre

negros e brancos no Brasil é latente.

Outro projeto interessante do qual pude fazer parte intitulava-se

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“Valorização das Manifestações Culturais Africanas”, desenvolvido em parceria

com a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial. Minha participação

se deu, principalmente, na constituição e no planejamento do que seria

produzido a partir do projeto. A proposta era desenvolver uma capacitação para

professores de ensino fundamental e médio acerca da Lei n°10.639/2003, com

o objetivo de lhes apresentar recursos e ideias sobre os conteúdos referidos pela

lei e a forma de abordagem dos mesmos. Este projeto capacitou cerca de 100

professores em dois municípios do noroeste de Minas – Paracatu e Vazante.

Outra preocupação deste projeto foi o trabalho de resgate do cultivo e utilização

das plantas medicinais e litúrgicas de origem africana, através da criação de

viveiros e distribuição de mudas às comunidades remanescentes de quilombos

da região.

Por fim, o projeto “Negro Uai”, desenvolvido nas comunidades quilombolas

do noroeste de Minas, possibilitou que eu tivesse acesso a várias comunidades

e conseguisse conhecer minimamente sua realidade. O projeto tinha como

proposta fortalecer as comunidades a partir da execução de capacitações e

formação de lideranças. Dentre as atividades desenvolvidas estavam a

realização de oficinas de cabeleireiro afro, confecção de bonecas negras,

culinária afro e confecção de artesanatos com materiais e temática quilombola.

As atividades aconteciam nas comunidades e o objetivo das ações era valorizar

a cultura quilombola e fomentar o empreendedorismo.

Apresento esses três projetos para exemplificar como meu trabalho com as

questões da negritude no noroeste de Minas Gerais foi me conduzindo para a

busca de novos conhecimentos relacionados à comunidade negra da qual faço

parte. Aproveito esta narrativa para refletir um pouco sobre a constituição da

negritude, ou o processo de enegrecer, dos negros e negras brasileiros. A

constituição da negritude geralmente não ocorre de forma natural, como no meu

caso e no caso da grande maioria de negras e negros que conheço. O enegrecer

é um processo lento, reflexivo e individual. Como nos diz Souza (1983), nascer

preto no Brasil e compartilhar de uma mesma história de escravidão e

discriminação racial não são suficientes para se constituir uma identidade negra;

ser negro é, além disso, tomar consciência do processo ideológico que nos

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aprisiona. Neste sentido, tornar-se negro e adquirir essa consciência é um

processo. Digo isso como cidadão negro, filho de mãe mestiça e pai negro,

nascido no interior de Minas Gerais, e, mesmo tendo convivido durante toda a

minha vida com o preconceito e a discriminação, só tive condições de

compreendê-los e buscar formas de combatê-los a partir do envolvimento com

as questões do meu povo.

A partir dessa percepção, entendo que o processo de constituição da

identidade negra – que, neste trabalho, chamarei de processo de enegrecimento

– é fundamental para que o sujeito se perceba como membro de uma estrutura

cujo modelo é eurocêntrico. E para que, a partir disso, possa constituir sua

identidade tendo outras referências como balizadores de sua percepção de

mundo, de sociedade e de identidade.

Em 2013, saí da Fundação Conscienciarte para ingressar no serviço

público, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo

Mineiro – IFTM, onde comecei a ter contato com a educação técnica e

tecnológica e, mais uma vez, deparei-me com questões ligadas às

desigualdades sociais e raciais. Trabalhei no departamento financeiro do IFTM,

e uma das funções que exerci se relacionava ao lançamento de bolsas para

alunos em condição de vulnerabilidade social – e encontrei um grande número

de adolescentes negros que necessitavam das bolsas. Cerca de um ano mais

tarde, solicitei redistribuição para o Instituto Federal de São Paulo, no município

de Boituva, onde me reaproximei do trabalho direto com as questões raciais a

partir do projeto de extensão intitulado “Valorização das Africanidades”,

desenvolvido com o envolvimento da comunidade acadêmica e com o apoio do

movimento negro. Nessa ocasião, tive a oportunidade de conhecer a

comunidade negra de Boituva e trabalhar com ela – e voltei ao mundo

universitário com o objetivo de aliar a militância ao conhecimento acadêmico,

cursando, como aluno especial na Universidade Federal de São Carlos,

disciplina do programa de pós-graduação em educação, de Sorocaba, onde me

aproximei do pensamento teórico relacionado à juventude. Em 2016, solicitei

remoção em meu trabalho para o Câmpus Jundiaí, onde também tenho buscado

desenvolver ações voltadas para a comunidade negra. E, por todos os motivos

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referenciados aqui, cheguei ao mestrado pelo programa de pós-graduação em

Educação da Unicamp, com a proposta de estudar as relações raciais a partir do

olhar dos adolescentes.

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APRESENTAÇÃO

Este estudo diz muito a respeito da minha vivência pessoal, da

constituição da minha identidade enquanto homem, homossexual, pai, sacerdote

de candomblé, acadêmico. Diz mais ainda sobre o processo de tornar-me negro.

Para ser mais específico, acredito que a expressão chave do estudo é

exatamente o que Neusa Santos Souza (1983) define como “Tornar-se Negro”.

Em seu estudo, posteriormente transformado em livro, a pesquisadora buscou

conhecer, através da história de vida de seus entrevistados, a forma com que

estes tiveram suas vidas tocadas pelo enegrecimento. Para ela, o negro

brasileiro não pode afirmar ou negar sua identidade, por não possuir uma

identidade positiva.

E que, no Brasil, nascer com a pele preta e/ou outras características do tipo negroide e compartilhar de uma mesma história de desenraizamento, escravidão e discriminação racial, não organiza, por si só, uma identidade negra. (SOUZA, 1983 p.77)

A autora compreende que é preciso mais do que simplesmente

compartilhar das mesmas histórias – neste contexto, o “tornar-se negro” não se

configura como tarefa simples, depende de um conjunto de fatores internos e

externos. A ideologia de democracia racial e de embranquecimento, somada à

vivência do racismo, funciona como um véu que cobre a consciência tanto de

negros quanto de brancos. No caso dos negros, esses fatores são responsáveis

ainda pelo sentimento de inferioridade e pela aceitação dos padrões ditados pela

branquitude. Com os brancos, eles atestam e ampliam os privilégios da

branquitude.

A constituição da identidade negra é, portanto, um processo de tomada

de consciência, é entender o processo ideológico que desumaniza o povo negro

e propaga a alienação a partir de um discurso que aprisiona e aliena.

Ser negro é tomar posse desta consciência e criar uma nova consciência que resseagure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade alheia a qualquer nível de exploração. Assim ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro. (SOUZA, 1983, p.77, grifo nosso)

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E tornar-se negro numa sociedade que supervaloriza a branquitude, em

uma sociedade eurocêntrica que tem como modelo de beleza e inteligência o

branco, não é algo fácil. Na realidade, tudo o que se tem pensado até hoje no

Brasil se baseia no ideal de branqueamento e se alicerça na ideologia de

democracia racial, razões pelas quais o negro tende a se aproximar dessas

ideias. Para Souza (1983), a constituição de uma identidade negra é uma tarefa

eminentemente política, pois exige a contestação do modelo branco, que, na

maioria das vezes, já é instituído no lar pelos pais. Além disso, as representações

sociais, como veremos mais à frente, são fundamentais para promover a ruptura

com este modelo, e seriam o primeiro passo para criar o próprio rosto, a própria

identidade.

Mas, para compreender o que chamo aqui de processo de enegrecimento

e que Souza conceitua como “tornar-se negro”, faz-se necessário apresentar

algumas conceituações importantes de raça, racismo, negritude, branquitude,

identidade, identidade negra e representação social – conceitos sobre os quais

repousa toda a construção desta pesquisa. É importante dizer que, quando

propus um estudo que tivesse como foco o adolescente negro, fi-lo pensando

em possibilitar uma forma de reflexão para as comunidades negras das quais

faço parte enquanto militante. Dessa forma, não poderia produzir resultados

meramente acadêmicos e teóricos. Assim, pretendo produzir algo que possa ser

utilizado na base dessas comunidades, algo que faça sentido para esses

adolescentes. Contudo entendo que o racismo não deve ser considerado algo

pertinente apenas ao negro: a proposta do estudo se amplia também aos

brancos com o objetivo de ouvir estas vozes, conhecer os movimentos de

constituição de identidade inerentes aos adolescentes brancos, e de permitir um

debate importante sobre o reconhecimento da branquitude e dos privilégios que

dela advêm. Para isso, procurei me debruçar sobre os conceitos ligados à

psicologia social e, a partir deste olhar, busquei ancorar meu referencial teórico.

Reconheço que busquei dialogar com autores que não são ligados a esta área,

mas que, de uma forma muito peculiar, apresentam conceitos que vão ao

encontro da construção que pretendo fazer no decorrer deste estudo. Dentre

eles, destaco Kabengele Munanga (2003), Nilma Lino Gomes (2005), Valter

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Roberto Silvério (2002) e Andreas Hofbauer (2003). Dos autores ligados à

psicologia social, procurei dialogar com António Costa Ciampa (1984), Neuza

Santos Souza (1983), Serge Moscovici (2009) Maria Aparecida da Silva Bento

(2002) e Ângela Soligo (2014). Além disso, buscamos dialogar com teóricos

importantes na discussão acerca das questões raciais, como Frantz Fanon e

Achille Mbembe.

A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie apresentou ao mundo

suas ideias referentes aos perigos de uma história única em palestra realizada

pelo grupo Tecnology, Entertainment and Design (TED), e divulgada através da

plataforma YouTube4. Nesta ocasião, a escritora apresentou, a partir da sua

história de vida, o que ela chamou de perigos de uma história única. Para ela, a

realidade tem sido apresentada por meio de só uma perspectiva estereotipada e

incompleta, baseada em apenas uma fonte de referência. Neste sentido, essas

histórias contadas criam uma falsa identidade, pois as pessoas tentam se

adequar ao que lhes é apresentado de forma sistemática, ou seja, surgem várias

versões de uma mesma história. Ao pensarmos um pouco sobre as palavras de

Chimamanda, observamos que, até 2003 – com a implementação da Lei

n°10.639, essa também era a realidade do Brasil – podemos, então, avaliar o

tamanho do problema criado a partir de uma única história. Entretanto mudar

esta realidade que já dura séculos é algo complexo e lento. É preciso narrar

novas histórias.

No entanto, este estudo não busca apenas entender de que forma os

negros e negras constituem sua identidade, mas também entender de que forma

os brancos se percebem neste processo, como os adolescentes brancos

concebem as relações racializadas e os privilégios da branquitude. Este

procedimento será feito a partir da escuta dessas vozes: adolescentes, negros e

brancos, apresentando sua relação com temas como negritude, branquitude e

racismo. A análise feita a partir dessas falas também tem como proposta

4 Vídeo da palestra a escritora Chimamanda Ngozi Adichie disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc

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compreender as representações sociais que os adolescentes constituem dos

diversos termos que compõem o universo das relações racializadas.

Neste sentido, os Movimento Negros têm sido fundamentais no

engendramento e na difusão de debates acerca da negritude, com pautas que

possibilitaram a instituição de várias políticas públicas de valorização e

reconhecimento da comunidade negra na constituição do Brasil. Além disso, os

Movimentos Negros também elegeram como pauta fundamental a constituição

de uma identidade negra, que valorize suas raízes e sua cultura, possibilitando

ao povo negro se ver de forma positiva e assim ter elementos para construção

positiva de sua própria identidade.

Em 2003, pressionado pelos Movimentos Negros, o governo do Brasil

alterou a Lei n° 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, fazendo surgir a

Lei n°10.639/03, que determina a obrigatoriedade do estudo de história e cultura

africanas e afro-brasileiras na educação básica do país. Na sequência, em 2004,

foram aprovadas, pelo Conselho Nacional de Educação, as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas, que direcionam e

apontam os caminhos para o cumprimento da Lei n°10.639.

É importante salientar que a luta dos Movimentos Negros por ações

afirmativas, por políticas de reparações, pelo reconhecimento e valorização da

história, cultura e identidade do povo negro e por uma educação livre de

preconceitos e racismo não é recente – estas são pautas antigas, entretanto

somente em 2003 as reivindicações foram ouvidas pelo Estado. Na concepção

dos Movimentos Negros, é imprescindível que as crianças e adolescentes

brasileiros possam acessar outras narrativas quanto à história do negro no Brasil,

o que seria possivelmente a forma mais eficaz de promover uma reestruturação

educacional – o que, por consequência, tende a desenvolver, a longo prazo, uma

nova cultura sobre as relações racializadas no país.

Este estudo foi desenvolvido com adolescentes dos ensinos fundamental

e médio, especificamente aqueles que cursavam, na ocasião da aplicação dos

questionários, os 7º e 8º anos do ensino fundamental e os 1º, 2º e 3º anos do

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ensino médio de escolas da rede pública e privada. A coleta de dados foi

realizada através da rede social Facebook, razão pela qual obtivemos respostas

em todas as 5 regiões do país, nos 26 estados da federação e no Distrito Federal

– totalizando 217 municípios representados através do preenchimento dos

questionários. A proposta foi compreender, a partir da perspectiva dos

adolescentes, ouvindo suas vozes, dando visibilidade ao seu pensamento e a

suas formas de expressão, a relação dos estudantes do educação básica com

às questões ligadas a implementação da Lei n°10.639, buscando entender que

representações os mesmos fazem da escola da juventude e das relações

racializadas no Brasil. Buscamos, ainda, refletir sobre o processo de constituição

da identidade tanto dos adolescentes negros quanto dos brancos, e, para estes

últimos, procuramos pensar sobre a constituição dos privilégios da branquitude.

O estudo foi dividido em cinco capítulos. É importante salientar que

optamos por não trazer um capitulo único de análise dos dados. Ao contrário,

buscamos inserir em cada capítulo as análises pertinentes a seus respectivos

temas, de forma a tratar os dados na medida em que estes se relacionam com

a abordagem escolhida para conduzir este estudo.

No primeiro capítulo, apresentamos a pesquisa, seus objetivos, as

hipóteses, o método e as justificativas para sua realização. Também retratamos

aqui os dados iniciais referentes à caracterização dos adolescentes

participantes, bem como as discussões que se desdobram a partir do olhar sobre

estes dados.

No segundo capítulo, pretendemos levar o leitor a compreender como se

dá a constituição de políticas públicas – e, no caso específico deste estudo, como

se deu a constituição da Lei n°10.639. Para isso, contextualizamos a história dos

Movimentos Negros e sua relação direta com a instituição dessa política pública.

Além disso, trazemos a implementação das africanidades na educação através

do olhar dos adolescentes.

O terceiro capítulo dialoga com autores da pedagogia, antropologia e

psicologia social em busca da conceituação de raça, racismo, representação

social e lugar de fala. Este processo foi necessário para que pudéssemos

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apresentar a conceituação destes termos – uma vez que julgamos serem

extremamente importantes e fundamentais para o desenvolvimento e a

compreensão deste estudo.

A questão da identidade é o ponto central do quarto capítulo, no qual

analisamos os dados colhidos a partir do estudo, apresentando as vozes dos

adolescentes, suas perspectivas, suas visões sobre as questões ligadas às

relações racializadas, à constituição da identidade e às representações sociais

acerca da escola, seus anseios e sua relação com a temática.

No quinto e último capítulo, deixamos nossas considerações – não como

forma de finalizar o estudo, mas como um ponto de reflexão sobre as questões

levantadas durante o mesmo; o que consideramos importante dar continuidade,

o que precisa ser revisto a partir do olhar de quem vivencia o dia a dia da escola,

e para quem são pensadas as políticas públicas.

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Capítulo 1 – A PESQUISA

Neste capítulo, apresentamos os objetivos, as hipóteses, a justificativa

para o desenvolvimento deste estudo, a delimitação da pesquisa, o método e

instrumentos utilizados.

Ao propor ouvir os adolescentes e conhecer o que dizem sobre as

questões raciais, buscamos delimitar um recorte: definimos que os adolescentes

que participariam da pesquisa seriam estudantes da educação básica,

especificamente os que cursavam o 7º e o 8º anos do ensino fundamental II e os

três anos do ensino médio. Com esta delimitação, objetivamos:

1.1 OBJETIVO GERAL

Compreender, através da perspectiva dos adolescentes dos ensinos

fundamental II e médio, de que forma o estudo de história e cultura africanas e

afro-brasileiras impacta a constituição da identidade dos mesmos.

1.1.1 Objetivos Específicos

Analisar as pesquisas já produzidas sobre a Lei n°10.639/03;

Identificar/analisar, a partir do discurso dos(as) adolescentes, elementos

que possibilitem reflexões sobre como se dá o processo de constituição

da identidade negra e qual o papel da escola nesse processo;

Compreender que representações sociais estes(as) adolescentes

constroem na escola, na adolescência/juventude, com relação às

questões raciais;

Compreender como os(as) adolescentes se relacionam com a questão do

racismo.

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1.1.2 Hipóteses

Os jovens que participaram da pesquisa têm entre 13 e 17 anos e,

portanto, nasceram entre os anos de 2001 e 2005, tendo chegado ao ensino

obrigatório já com a Lei n°10.639/03 em vigor. Portanto, pelo menos em tese, ao

longo de sua escolarização, esses jovens deveriam ter aprendido história e

cultura africanas e afro-brasileiras em disciplinas do currículo escolar. Contudo,

estudos como o de Campos (2018), Moreira e Viana (2015) e Gomes e Jesus

(2013) indicam uma dificuldade das escolas em atender ao estabelecido na Lei,

bem como o fato de que muitas não a aplicam efetivamente.

Assim, essa pesquisa parte de algumas hipóteses:

Nossa primeira hipótese é a de que a referida Lei ainda não está

totalmente implementada em todas as escolas.

Nossa segunda hipótese é a de que o ensino de história e cultura

africanas e afro-brasileiras, quando bem desenvolvidos pela escola, pode

impactar positivamente a construção da identidade de estudantes negros e

brancos.

Em terceiro lugar, presumimos que a análise da trajetória escolar de

adolescentes cuja escolarização coincide com a vigência da Lei pode nos

oferecer importantes dados sobre a questão.

Por último, assumimos que os adolescentes são sujeitos sociais,

informantes importantes sobre elementos da sociedade em que vivem, e,

sobretudo, os maiores conhecedores dos elementos que dizem respeito às suas

vidas – portanto, seus pontos de vista constituem uma parte da história que deve

ser considerada nas pesquisas sobre a questão.

1.2 MÉTODO

Utilizamos como método a realização de questionários. O questionário,

segundo a definição de Gil (2008, p. 140), é uma “técnica de investigação

composta por um conjunto de questões submetidas a pessoas com o propósito

de obter informações sobre conhecimentos, crenças, sentimentos, valores,

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interesses, expectativas, aspirações, temores, comportamento presente ou

passado etc.”.

Neste caso, realizamos a aplicação através de uma ferramenta virtual

gratuita, o Google Forms. A escolha deste mecanismo se deu por entender que

o pesquisador teria maior facilidade em tabular os dados, uma vez que o número

de municípios e escolas onde aconteceria a aplicação do mesmo seria muito

elevado – tornando praticamente inviável, tanto financeiramente, quanto do

ponto de vista ecológico, a aplicação de questionários impressos. Para avaliar

o instrumento e minimizar a possibilidade de erros e/ou equívocos na

intepretação das questões, foi efetuado um teste (piloto) com cinco estudantes

escolhidos aleatoriamente, sem que os mesmos se comprometessem com a

pesquisa. O teste foi realizado na presença do pesquisador e serviu apenas

como forma de validação das questões elaboradas, para tornar a linguagem

utilizada no questionário a mais próxima possível do público a ser pesquisado.

Desta forma, as respostas geradas a partir do piloto foram descartadas e não

compõem os dados deste estudo.

O questionário foi utilizado de forma ampla, para dar um parâmetro de

comparação sobre a implementação das diretrizes curriculares nacionais para

educação quanto às relações étnico-raciais e quanto ao ensino de história e

cultura afro-brasileiras e africanas.

Iniciamos esse estudo a partir do encaminhamento e aprovação da

estrutura de pesquisa junto ao Comitê de Ética da Unicamp. Esta ação ocorreu

entre os meses de novembro de 2017 e fevereiro de 2018. Neste momento,

foram encaminhados ao Comitê o projeto de pesquisa, o roteiro do questionário

e os termos de assentimento e consentimento. Em fevereiro de 2018, o Comitê

aprovou os mesmos sem ressalvas ou solicitação de readequações. Os dados

referentes ao protocolo de aprovação do estudo junto ao Comitê de Ética da

Unicamp encontram-se disponíveis através do código de publicação

apresentado nos termos de consentimento e assentimento e podem ser

visualizados nos anexos 2 e 4.

O próximo passo foi a aplicação do questionário “Quais os impactos da

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Lei n°10.639/03 – A voz e a vez dos adolescentes dizerem o que pensam”,

destinado a adolescentes do 7º e 8º anos ensino fundamental II e dos três anos

do ensino médio (anexos 3 e 5).

Com o intuito de ampliar o alcance da ferramenta de pesquisa, sem que

isso impactasse de forma a inviabilizar a realização da mesma, optamos por

realizá-la pelo website do Facebook5. Para tanto, incorporamos ao formulário o

termo de assentimento, condição para que o adolescente pudesse responder

ao questionário virtual. A utilização deste mecanismo trouxe potencialidades,

mas também limitações para a pesquisa. As potencialidades se refletem em:

amplitude que a ferramenta permitiu alcançar, uma vez que obtivemos

representações de todos os estados da federação; agilidade na coleta de dados,

porque o pesquisador não precisou se deslocar para cada uma das localidades

com representação no estudo; garantia de anonimato, tendo em vista que o

Facebook foi apenas uma ferramenta de divulgação da pesquisa – ou seja, para

efetivamente participar, o estudante foi direcionado a um formulário

desenvolvido pelo pesquisador na plataforma Google Forms e, ao migrar para

esta plataforma, o adolescente não necessitaria fazer nenhum tipo de

identificação. Dessa forma, nem mesmo o pesquisador conseguiria identificar

os adolescentes que responderam ao questionário. Além disso, esta ferramenta,

por ser disponibilizada na internet, permitiu que os estudantes respondessem

de forma que muitas vezes não fariam na presença do pesquisador. Por outro

lado, esta forma de aplicação não permite que o pesquisador perceba – através

do contato direto com o pesquisado – suas reações ao se deparar com questões

que lhe pudessem causar algum tipo de sentimento, não possibilitando um

aprofundamento e utilização de outras metodologias a partir do surgimento de

alguma questão específica.

A seguir, apresentaremos de que forma o questionário foi aplicado.

1.2.1 Aplicação do piloto

Ao propor este estudo, definimos que a aplicação do questionário piloto

5 Facebook é uma rede social que possibilita a interação de pessoas em diversas localidades do mundo.

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seria realizada com 5 adolescentes matriculados no 7º ou 8º anos do ensino

fundamental II, oriundos das escolas da rede pública de ensino do município de

Vinhedo, local de residência do pesquisador. É importante salientar que a

aplicação do piloto não caracteriza a participação dos alunos no estudo,

servindo, portanto, apenas como mecanismo de ajustamento da ferramenta e de

adequação da linguagem a ser utilizada no questionário ao público ao qual o

mesmo se destina. No caso dos alunos do ensino médio, a aplicação do

piloto/teste foi realizada com dois adolescentes do círculo de convivência do

pesquisador e da orientadora e, a partir do que foi apresentado por estes

adolescentes, foram realizadas alterações na estrutura do instrumento com o

objetivo de deixá-lo o mais compreensível possível para os estudantes do ensino

fundamental e médio. Durante a realização, da pesquisa em especial, na

aplicação do piloto, algumas digressões sobre o processo foram elaboradas pelo

pesquisador e estão disponíveis no anexo 18.

1.2.2 Aplicação no Facebook para estudantes do 7º e 8º anos – fundamental

II

Para a primeira aplicação, utilizamos como critérios: estar cursando o 7º

ou 8º anos do ensino fundamental II; e não limitamos estados ou regiões do país,

pois acreditamos que, com uma maior amplitude, poderíamos ter mais material

para discussão e uma maior diversidade de perspectivas. A pesquisa ficou

disponível no período compreendido entre a segunda quinzena do mês de maio

e a primeira quinzena do mês de junho de 2018. Ao final deste período, o

formulário foi retirado do ar para evitar que novos preenchimentos

atrapalhassem a tabulação dos dados. Foram obtidas 146 respostas que serão

analisadas mais adiante.

1.2.3 Aplicação no Facebook para estudantes do ensino médio

O segundo questionário, destinado aos estudantes do ensino médio,

começou a ser divulgado em julho de 2018 na página criada no Facebook. O

procedimento adotado foi o mesmo da primeira aplicação. Os alvos eram

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adolescentes e jovens de 13 a 17 anos de todo o país. O questionário ficou ativo

por cerca de 30 dias, encerrando-se em 03 de agosto de 2018. Após esta data,

o formulário também foi retirado do ar com o intuito de que novos

preenchimentos não comprometessem a tabulação dos dados. Nesta etapa, 442

estudantes acessaram o link da pesquisa. Destes, 4 não aceitaram participar,

assinalando a opção “não aceito participar da pesquisa”; e 438 aceitaram

participar espontaneamente, assinalando a opção “aceito participar da pesquisa”

– que dava acesso ao formulário do estudo. Os gráficos gerados a partir da

leitura dos dados desta etapa serão apresentados mais adiante.

1.3 JUSTIFICANDO A DELIMITAÇÃO DA PESQUISA: DIÁLOGOS COM

PESQUISAS JÁ PRODUZIDAS SOBRE O TEMA

Com o objetivo de construir uma questão de pesquisa que dialogasse com

a produção acadêmica recente, realizamos um levantamento das pesquisas de

mestrado, mestrado profissional e doutorado produzidas nos últimos 12 anos

sobre a questão racial no Brasil, disponíveis para pesquisa no acervo CAPES,

em novembro de 2017. O resultado deste levantamento é apresentado a seguir.

A busca inicial foi feita a partir das palavras-chave: [Lei n°] “10.639”, “afro-

brasileira”, e “étnico-racial”. Os critérios avançados de busca foram: Mestrado,

Mestrado Profissional e Doutorado; anos de 2004 a 2016; área de concentração:

ciências humanas; e área de conhecimento: educação. Obtivemos um total de

739 trabalhos, sendo 385 com a chave de busca “afro-brasileira”; 69 com “étnico-

racial”; e 285 com “10.639”. Ao apurar os resultados, detectamos 89 trabalhos

em duplicidade – ou seja, que se repetiam em uma das buscas. Procedemos à

retirada das amostras duplicadas e chegamos a um total de 650 estudos.

Os estudos apontavam para diversas vertentes, que organizamos em 9

categorias: formação docente; constituição de identidade; políticas públicas e

legislação educacional e avaliação; práticas pedagógicas; currículo; racismo e

relações raciais; livro didático; ancestralidade, africanidades e cultura popular; e

outras temáticas (gráfico 1).

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Gráfico 1 – Produções Acadêmicas de 2004 a 2016 do acervo CAPES que apresentam como tema a Lei nº10.639

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador

Das 650 dissertações e teses encontradas na busca, 86 se referiam à

formação docente; 69, à constituição da identidade; 112, a políticas públicas,

legislação educacional e avaliação; 76 apresentavam estudo sobre práticas

pedagógicas; 37 versavam sobre currículo; 22, sobre livro didático; 76, sobre

ancestralidade, africanidades e cultura popular; 130, sobre racismo e relações

raciais; e 42 não apresentavam temas relacionados à temática, portanto não

foram categorizadas em nenhuma das opções.

Para este estudo, optamos por analisar as 69 dissertações e teses que

tratavam da constituição de identidade. Buscamos com isso descobrir o que já

foi dito e o que ainda precisa ser explorado sobre este tema. Dos 69 estudos

analisados, apenas 6 envolvem, de alguma forma, a questão da identidade e a

educação básica. Os demais versam sobre questões variadas dentro do

universo de constituição da identidade, como: identidade docente; ensino

superior; identidade indígena; infância e identidade; e outros. Apresentamos, no

anexo 6, os estudos e suas proposições.

As dissertações e teses do anexo 6 abordam temas muito variados dentro

86

69

112

76

37

22

76

130

42

0

20

40

60

80

100

120

140

Qu

an

tid

ad

e d

e d

isse

rta

çõe

s e

te

ses

Categorias

Produções Acadêmicas2004 a 2016 - CAPES

Formação docente

Constituição de identidade

Políticas públicas e Legislaçãoeducacional e avaliação

Práticas pedagógicas

Currículo

Livro didático

Ancestralidade, Africanidades ecultura popular

Racismo e relações raciais

Outras temáticas

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do universo “educação básica e a constituição da identidade”. Algumas trazem

o olhar da arte, do esporte, da cultura popular, do sucesso ou insucesso escolar;

mas nenhuma apresenta o olhar do adolescente sobre a constituição da sua

própria identidade, ou mesmo sobre as representações sociais dos mesmos

acerca da escola, da juventude e das relações racializadas em seu contexto

escolar. Neste sentido, este estudo buscou esta compreensão, ao dialogar com

os adolescentes dos ensinos fundamental e médio das cinco regiões do Brasil.

Além das pesquisas identificadas no banco de teses e dissertações da

CAPES, outras não podem deixar de ser mencionadas aqui, por sua relevância

histórica e pelo marco que significam no campo dos estudos raciais.

É o caso, por exemplo, dos estudos de Virginia Leone Bicudo. Essa

socióloga e psicanalista desenvolveu, em 1955, estudo intitulado “Atitudes dos

alunos dos grupos escolares em relação com a cor de seus colegas”. De acordo

com Santos (2018), nesse estudo, Bicudo se ocupou de pesquisar junto aos

alunos dos grupos escolares (especialmente aqueles que frequentavam o

terceiro grau), e seus familiares, tendo como universo da pesquisa o município

de São Paulo. Sua pesquisa objetivava obter esclarecimentos a respeito da

natureza psicossocial, das relações de dependência indicadas pela análise

estatística e das racionalizações apresentadas nos motivos de preferência ou de

rejeição entre os colegas (BICUDO, 1955).

Contudo, não foi a visão quanto às relações raciais mostrada pela autora

o que nos fez buscar este estudo como referência, e sim o caráter inovador que

o mesmo apresentou – uma vez que sua abordagem previa, em 1955,

compreender as relações raciais na sociedade brasileira a partir da perspectiva

da criança. O que se assemelha um pouco com o que pretendemos neste

estudo, pois nossa proposta busca compreender o impacto do estudo das

africanidades na constituição das identidades dos adolescentes, tendo como

perspectiva o que pensam os próprios adolescentes.

Também utilizamos, como referência em nossa pesquisa, as ideias do

sociólogo Alberto Guerreiro Ramos – que, em seus estudos sobre as relações

raciais no Brasil, buscou evidenciar o que chamou de “patologia social do

branco”. Para ele, a forma com que o negro era tratado – ou seja, como um

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“problema” – refletia muito mais sobre o comportamento social e ideológico do

branco do que propriamente sobre uma questão problemática do negro. Sua

postura se devia principalmente a seu engajamento com as questões da

negritude. Neste sentido, para Guerreiro Ramos (1954), não haveria outra

alternativa para a questão das relações raciais no país que não passasse pela

integração do negro na vida social. Desta forma, não seria uma questão de

pensar no negro como um “problema”, mas sim de pensar a sociedade como um

todo, ou mesmo sua forma de constituição – que privilegiava a brancura e seus

valores enquanto modelo a ser seguido. Para ele, esta temática se relacionava

à sua concepção de desenvolvimento do Brasil enquanto nação.

Sua análise quanto à questão racial passa inicialmente por sua

identificação. Ou seja, Guerreiro Ramos (1954) assume sua negritude como

suporte para seu orgulho pessoal. Por essa razão, foi um grande crítico das

teorias e estudos que tinham como tema as relações raciais, uma vez que estas

– como dito anteriormente – não buscavam a integração do negro na sociedade;

ao contrário, apresentavam-no como um “problema” que – na visão da maioria

dos teóricos da época – precisava ser resolvido através do branqueamento da

população e da mestiçagem.

Essa crítica que o autor apresenta quanto à visão da sociedade e aos

padrões estipulados pela branquitude nos ajudou a pensar sobre os privilégios

da branquitude e o protagonismo do negro na atual conjuntura – e, por fim, sobre

a própria construção da identidade.

1.4 DADOS INICIAIS DA PESQUISA

A seguir, apresentamos os dados gerais da pesquisa. Compreendemos

como dados gerais aqueles que dizem respeito à caracterização dos

participantes.

Na primeira etapa, destinada a adolescentes do ensino fundamental II,

obtivemos 146 respostas válidas, ou seja, de estudantes que acessaram o

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formulário on-line, leram o termo de assentimento6 e aceitaram participar da

pesquisa. Na segunda etapa, destinada a adolescentes do ensino médio, foram

obtidas 438 respostas válidas. Os gráficos produzidos por estes dados e suas

respectivas análises seguem abaixo. Preferimos disponibilizar os dados das

duas etapas de maneira unificada; os gráficos de cada etapa estão

disponibilizados separadamente nos anexos 7 a 17.

Gráfico 2 – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador

A partir dos dados constantes no gráfico 2, percebemos que – assim como nos

dados do Censo 2010, porém evidentemente em proporções escalares

infinitamente menores – as mulheres representaram o maior número de

participantes. Contudo, ao analisar com o olhar voltado para a questão da escola,

percebemos também que estes dados nos dão indícios de que as mulheres

compõem uma maioria significativa nos ensinos fundamental II e médio tanto das

escolas da rede pública quanto da rede privada de educação. Este é um dado

importante se pensarmos que a presença das mulheres no ambiente escolar

aconteceu de forma mais tardia, ou seja, as mulheres conquistaram o direito ao

6 No formulário disponibilizado para os adolescentes, há uma introdução que contém o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido. Para participar da pesquisa, o estudante deveria ler o termo e marcar a opção “aceito participar da pesquisa”. Uma vez marcada esta opção, o estudante seria encaminhado à página da pesquisa. Caso assinalasse a opção “não aceito participar da pesquisa”, o formulário seria encerrado, não sendo possível preencher o questionário.

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estudo em escolas formais muito tempo depois dos homens. Entretanto, quando

cruzamos os dados de sexo com a cor, percebemos que as mulheres brancas

ocupam, mesmo que de forma não muito expressiva, uma ligeira dianteira – ou

seja, das 326 mulheres que responderam à pesquisa, 159 (48,8%) são brancas,

enquanto 156 (47,9%) são negras (pretas e pardas); 7 (2,1%) se autodeclaram

indígenas e, por fim, 4 (1,2%) dizem ser asiáticas. Estes dados nos permitem

perceber que, mesmo não sendo muito expressiva a diferença, as mulheres

brancas são maioria nos ambientes escolares de ensino fundamental II e ensino

médio.

Gráfico 3 – Cor/Raça dos participantes da pesquisa

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador

Segundo os dados do Censo 2010, a população que se autodeclara negra

(somatória de autodeclarados pardos e pretos) no país é superior a 55%, porém

o mesmo não se reflete quanto aos participantes desta pesquisa, como o gráfico

3 nos permite perceber. Ao contrário, ele nos apresenta que, dentre os

participantes, a maioria se autodeclara branca. Esta questão nos dá indícios de

algo mais profundo, e que se relaciona com a questão do acesso à educação, à

informação, à internet e também ao local de residência dos adolescentes que

participaram da pesquisa, como poderemos ver mais adiante.

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Gráfico 4 – Rede de ensino em que os estudantes participantes da pesquisa cursaram a maior parte da trajetória escolar

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador

Ao analisar os dados referentes à rede de ensino em que os adolescentes

trilham sua trajetória escolar (gráfico 4), percebemos outra questão que também

se relaciona às anteriormente citadas e corrobora a compreensão da exclusão

da população negra: 69% dos participantes são oriundos de escolas da rede

pública. Ou seja, mesmo com maioria significativa de adolescentes da escola

pública, quando cruzamos os dados com a cor da pele dos participantes,

podemos perceber que, dos 584 participantes, apenas 200 se autodeclaram

negros e estudam em escolas da rede pública. Estes números ficam ainda

menores quando tentamos relacionar os adolescentes negros que estudam em

escolas da rede privada: apenas 64 dos 584 adolescentes se autodeclaram

negros e estudam na rede privada. Os dados coletados neste estudo não nos

permitem afirmar precisamente que os estudantes negros têm menor acesso à

educação privada, ou que são minoria na rede pública de ensino, mas dão

indícios de que algo relacionado a esta questão pode estar acontecendo. Para

que seja feita uma afirmação mais precisa sobre esta questão, seria necessário

um aprofundamento da investigação destes dados. A priori, dentro do universo

da pesquisa, podemos perceber que grande parte dos participantes que se

autodeclaram negros não tem acesso à educação na rede privada,

correspondendo a 49% dos que estão matriculados na rede pública de ensino, o

que nos evidencia que esta parcela da sociedade tem acesso limitado à

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educação, ou não tem acesso à internet – ou mesmo uma combinação dos dois

fatores.

Gráfico 5 – Estado em que residem os participantes da pesquisa

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador

Quando nos debruçamos sobre os dados referentes aos estados onde

residem os participantes da pesquisa (gráfico 5), percebemos que a região

Sudeste foi a mais representada: temos São Paulo com 41,9% do total de

participantes, seguido de Minas Gerais com 9,7%. É importante salientar que a

participação mais evidenciada de São Paulo nada tem a ver com o fato de o

pesquisador residir neste estado. O fato de ser um dos estados com maior

densidade demográfica, PIB elevado, grande concentração de acesso à energia

elétrica e à internet pode ter possibilitado esse elevado índice de participação.

Em segundo lugar está a região Sul, com Rio Grande do Sul apresentando

8,3% dos participantes e Paraná com 7,8%. Observando estas regiões e estados

que apresentam maiores números relativos à participação, resolvemos cruzar

alguns dados quanto à questão do acesso à internet a fim de compreendermos

melhor esta relação. Para isso, apresentamos a seguir quatro mapas: a figura 1

traz o mapa racial, que mostra a distribuição da população brasileira conforme a

cor/raça; o mapa da luz (figura 2) corresponde aos locais cuja população tem

acesso à energia elétrica; a figura 3 apresenta o mapa do PIB brasileiro, em que

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podemos visualizar a concentração de riquezas (financeiras); e, por fim, o mapa

da inclusão digital (figura 4) traz dados referentes ao acesso à internet.

Figura 1 – Mapa Racial do Brasil 2010

Fonte: Adaptado pelo pesquisador a partir de dados disponíveis em: http://patadata.org/maparacial/#lat=-

87.110736&lon=76.571172&z=3&o=t

O mapa racial foi desenvolvido pelo site PATA DATA, e está disponível

para consulta e detalhamento no endereço eletrônico que se encontra na

legenda da figura. No mapa, cada ponto colorido corresponde a uma pessoa.

Em virtude da escala ser muito pequena, não é possível, através desta imagem,

perceber os pontos de forma específica. Contudo, quando se acessa o site, é

possível ver cada ponto e sua localização detalhada por bairro, cidade e estado.

Neste caso, limitaremos nossa observação à composição geral do mapa, que

nos permite ver de forma nítida os dados relevantes à argumentação.

Assim, naquelas regiões e estados onde obtivemos maior participação na

pesquisa, podemos perceber que há uma maior concentração de brancos. Este

dado nos ajuda a compreender os números apresentados no gráfico 3, mesmo

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o Brasil sendo um país que, segundo o Censo 2010, possui cerca de 55% de

sua população negra.

Ao focar onde se encontram os participantes – negros, indígenas e

asiáticos – por região, 58,6% encontram-se na região Sudeste; 10,1%, na região

Sul; 7,2% estão na região Centro-Oeste; 19,8%, na região Nordeste; e 4,3%, na

região Norte.

A partir destes dados, e em virtude da densidade populacional dos

estados que compõem a região Sudeste, é possível dizer que o maior índice de

participantes negros, indígenas e asiáticos se encontra nesta região – e que

estas pessoas estão mais incluídas social e digitalmente, uma vez que a

pesquisa aconteceu 100% on-line.

Percebemos ainda que a região Nordeste concentra quase 20% dos

participantes que se autodeclaram indígenas, asiáticos ou negros. Nos estados

com maior participação na pesquisa, como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande

do Sul e Paraná, a concentração de brancos é mais significativa.

Cabe observar também que os estados com menor participação na

pesquisa – como Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pernambuco, Sergipe

– ou possuem um índice populacional muito baixo, ou a maioria da população é

negra.

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Figura 2 – Mapa da Luz no Brasil 2000

Fonte: Adaptado pelo pesquisador a partir de imagem disponível em:

http://developmentinformatics.org/workshops/2007/steyn/world-at-night.html

O mapa da luz nada mais é do que uma imagem noturna feita por satélite

que permite visualizar, através dos pontos brancos, os locais em que a energia

elétrica em forma de iluminação (pública ou residencial) ocorre com maior

incidência.

Ao analisar este mapa, percebemos a desproporção na iluminação dos

estados Sul e Sudeste com relação às outras três regiões do país. Esta

informação nos permite notar quais adolescentes (foco desta pesquisa) teriam

maior acesso a itens básicos como a energia.

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Figura 3 – Mapa do PIB per capita brasileiro em 2010

Fonte: Adaptado pelo pesquisador a partir de imagem disponível em: https://www.researchgate.net/figure/Figura-4-

Classifi-cacao-do-Produto-Interno-Bruto-Real-per-capita-dos-estados-do-Brasil_fig4_303786356

O mapa na figura 3 apresenta o PIB7 per capita do Brasil no ano de 2010.

O Produto Interno Bruto é um indicador utilizado para medir a atividade

econômica de uma determinada localidade. No caso em questão, observamos o

PIB per capita por região.

Destacamos neste mapa que as regiões Sul e Sudeste apresentam certa

discrepância frente às demais regiões quanto à economia – isto é, os estados

que compõem as regiões Sul e Sudeste são responsáveis por uma parte

significativa da produção de bens e serviços do país.

7 PIB: Produto Interno Bruto; corresponde à soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país.

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Figura 4 – Mapa do acesso domiciliar à internet no Brasil em 2010

Fonte: Adaptado pelo pesquisador a partir de dados disponíveis em:

https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/20738/Sumario-Executivo-Mapa-da-Inclusao-Digital.pdf

O mapa do acesso domiciliar à internet desenvolvido em 2010 (figura 4)

demonstra quais as localidades em que a internet se faz presente nas

residências. Os dados apresentados por este mapa corroboram os demais

mapas vistos anteriormente. E, novamente, as regiões Sul e Sudeste

apresentam números superiores aos demais estados e regiões. Como podemos

observar, as regiões Norte e Nordeste apresentam o menor índice de acesso à

internet – possivelmente em decorrência do acesso restrito à energia elétrica que

essas mesmas regiões possuem, e de seus PIBs díspares daqueles

apresentados pelas regiões Sul e Sudeste do país.

Buscamos analisar estes quatro mapas para facilitar a compreensão

quanto às diferenças sociais, econômicas e raciais do Brasil. Assim, percebemos

a enorme distância em termos de desenvolvimento entre as regiões brasileiras,

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aliada à questão econômica. Estes dados sugerem que o poder econômico se

restringe a uma minoria branca, residente no Sudeste e Sul do país. As situações

apresentadas nos quatro mapas se relacionam intimamente e, além disso,

colaboram para a existência e ampliação das desigualdades – quando

concentram toda a riqueza, os bens de produção e serviço, os recursos

energéticos e o acesso à informação. Por fim, contribuem para aumentar as

tensões dentro das complexas relações raciais no Brasil.

Quando analisamos os dados referentes à raça/cor e ao estado de

residência dos participantes, não podemos deixar de lado estas questões

econômicas, sociais e de acesso – que acabam por influenciar de alguma forma

o estudo. É necessário entender de que adolescentes estamos falando, de que

localidades eles falam, como se relacionam com as questões sociais,

econômicas e raciais. Estas questões são imprescindíveis para viabilizar a

análise de maneira mais profunda quanto às questões da constituição de

identidade destes adolescentes. Em virtude das limitações de tempo para a

realização do mestrado, e de deslocamentos para as regiões brasileiras, este

estudo não abarcou uma busca mais localizada que permitisse adentrar estas

questões. Neste sentido, apontamos para a necessidade de que pesquisas

futuras busquem analisar esses fatores e seus desdobramentos.

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Capítulo 2 - A LEI N°10.639/03 E A PESQUISA DESENVOLVIDA

Neste capítulo, apresentaremos a importante trajetória dos Movimentos

Negros na constituição e implementação de propostas que objetivam diminuir as

desigualdades raciais no Brasil. Para isso, contextualizamos a partir da história

dos movimentos, passando pela luta que culminou no desenvolvimento da Lei

n°10.639/2003 – que torna obrigatório o estudo de história e cultura africanas e

afro-brasileiras no currículo da educação básica brasileira. Isto posto, passamos

a apresentar os caminhos percorridos pelo movimento até que o governo do

presidente Lula sancionasse a Lei.

Por fim, fizemos uma abordagem sobre as africanidades na educação a

partir da análise dos dados da pesquisa efetuada a partir do olhar dos

adolescentes, estudantes dos ensinos fundamental e médio.

2.1 OS MOVIMENTOS NEGROS E SUA LUTA NO CONTEXTO HISTÓRICO

Quando se busca compreender de que forma uma política pública se faz

necessária para um grupo social, é importante entender como e para quem ela

se constitui. Assim, ao pensarmos em políticas de ação afirmativa ou políticas

reparatórias para a população negra, é preciso compreender e estudar a história

dos Movimentos Negros8 enquanto forma de resistência e luta contra o racismo

– que surge com a chegada dos africanos ao Brasil (NASCIMENTO apud

PEREIRA, 2013). Neste contexto, porém, a pauta do movimento negro de então

se caracterizava pela luta e libertação do povo negro. Posteriormente, com a

abolição, a pauta passa a ser a luta contra o racismo. Amauri Mendes Pereira

(2008) e Petrônio Domingues (2007), também citados por Pereira (2013),

afirmam existir três fases dos movimentos negros brasileiros com características

distintas ao longo do século XX:

“a primeira, do início do século até o Golpe do Estado Novo, em 1937;

8 Utilizamos como forma de identificação a expressão Movimentos Negros por entender a multiplicidade

e a pluralidade existentes dentro destes movimentos, e porque, principalmente, ao estudá-los, percebemos que estas características são marcas que definem o movimento social.

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a segunda, do período que vi do processo de redemocratização, em meados dos anos 1940, até o Golpe Militar de 1964; e a terceira, o movimento negro contemporâneo, que surge na década de 1970 e ganha impulso após o início do processo de Abertura política em 1974.” (PEREIRA, 2013)

A diferença entre cada fase dos movimentos negros se dá principalmente

em função do contexto histórico em que está inserida. Na primeira fase, o

movimento tem uma proposta baseada no pós-abolição – toda a discussão se

dá em torno do processo de inserção social. Em um segundo momento, essa

discussão abrange o combate ao racismo e a ideologia de branqueamento. Já

na fase contemporânea, a discussão envolve também o combate à propagação

da ideologia de democracia racial – uma visão mais politizada que compreende

a luta pela criação de políticas públicas para a população negra.

É interessante perceber que os Movimentos Negros, diferentemente de

outros movimentos sociais, apresentam uma configuração muito peculiar. Suas

fases poderiam ser identificadas como movimentos distintos, não fosse a

existência de um objetivo comum: o combate ao racismo. Os Movimentos

Negros, em sua constituição, não apresentam uma liderança que desponta

isoladamente, a partir da qual suas lutas são pensadas e pautadas. Ao contrário,

vários grupos e lideranças se espalham em todo o país e criam organizações

negras com diferentes formas de pensar e agir – intitulando-se movimento negro.

Embora os pensamentos sejam variados e as visões de mundo, distintas, é

perceptível o elemento aglutinador: a luta pela igualdade racial. Os Movimentos

Negros são múltiplos e, ao mesmo tempo, são um só; a distinção entre suas

fases não é evidenciada de forma marcante, mas estas se confundem e se

fundem.

A pluralidade e a complexidade são marcas importantes dentro da

militância dos Movimentos Negros em toda a sua história. E isso se apresenta

na forma de conflitos, em sua maioria por motivações ideológicas. Na década de

1930, por exemplo, a Frente Negra Brasileira – FNB, em determinado momento,

foi muito criticada por apresentar um nacionalismo exacerbado. Segundo Pereira

(2013), esses conflitos por vezes geraram dissidências que culminaram na

criação de novas organizações sociais negras, como o Clube Negro de Cultura

Social e a Frente Negra Socialista – ambas criadas em 1932 após Correia Leite,

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um dos fundadores da FNB, negar-se a ser conivente com o que chamou de

“Inclinação Fascista” da Frente Negra Brasileira. Estes conflitos são comuns

numa estrutura tão grande, múltipla, plural e complexa, como são os Movimentos

Negros Brasileiros. Porém uma questão precisa ser observada: mesmo com

todos os conflitos existentes nos Movimentos Negros e as divergências

ideológicas de seus militantes, suas conquistas sociais foram significativas para

a comunidade negra brasileira.

Os conflitos ideológicos internos, sua pluralidade e multiplicidade, no

entanto, não influenciaram algo muito caro à militância: o despertar da

consciência racial – ou seja, o momento em que cada cidadão negro se percebe

como tal e entende que precisa lutar contra o preconceito, o racismo e a

desigualdade. Nas entrevistas realizadas por Alberti e Pereira (2007), é possível

entender esse momento do despertar da consciência racial, que é diferente para

cada pessoa. Como é o caso de Frei David, fundador do Educafro: o momento

de seu despertar para a consciência racial ocorreu no seminário, em

comemoração ao dia 13 de maio, quando uma ação dos colegas seminaristas

possibilitou que tivesse um diálogo libertador com um frei alemão. Este o fez

perceber que é necessário ter orgulho de suas raízes, buscando sempre

conhecer sua própria história e se aproximar dela. Este episódio lhe possibilitou

rever sua conduta enquanto cidadão negro em negação de suas origens.

Outro depoimento importante sobre este despertar da consciência é o de

Jurema Batista, fundadora do Nzinga – coletivo de mulheres negras – e

vereadora no Rio de Janeiro por três mandatos consecutivos. Para ela, o

despertar da consciência racial aconteceu após ouvir algumas palestras

ministradas pela militante, escritora e professora Lélia Gonzales. Jurema afirma

nunca ter acreditado que o racismo existisse no Brasil, e só percebeu que era

real após ouvir várias vezes as falas de Gonzales. Dessa forma, promovendo

debates e ampliando o número de negros racialmente conscientes, o movimento

negro desenhou seu repertório e se configurou como movimento social.

As expressões ‘despertar da consciência’, ‘processo de enegrecimento’ e

‘tornar-se negro’ serão recorrentes durante todo este trabalho, tendo em vista

que o objetivo é ouvir adolescentes negros e brancos sobre suas experiências e

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vivências a partir do estudo da história e cultura africanas e afro-brasileiras.

Acreditamos que este possa ser o pontapé inicial para o despertar da

consciência em alguns destes adolescentes. Além disso, em minha história de

vida, tais expressões são carregadas de significados – e, a partir deste meu

despertar da consciência, essa proposta de estudo foi concebida, amadureceu

e agora toma forma.

2.2 OS MOVIMENTOS NEGROS CONTEMPORÂNEOS E AS LUTAS PARA

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

No final dos anos de 1970, com a diminuição da repressão da ditadura

militar os Movimentos Negros Contemporâneos inauguraram uma fase de

desenvolvimento de ações e atividades com o objetivo de construir uma

identidade para a comunidade negra do país. Com a pauta de luta e

reivindicação, eles se reafirmaram como movimento social, tendo como

particularidade a atuação em relação à questão racial (PEREIRA, 2013).

Ainda trazem, em suas propostas, a denúncia da ideologia de democracia

racial e o combate à discriminação racial, ao mesmo tempo em que buscam

fomentar a afirmação de uma identidade político-cultural negra.

Nesse clima de reconstrução, surgem organizações como o Movimento

Negro Unificado, em São Paulo, que determina o tom a ser adotado a partir

dessa nova fase. Isso se dá através de sua carta de princípios, que diz:

“Nós, membros da população negra brasileira – entendendo como negro todo aquele que possui na cor da pele, no rosto ou nos cabelos,

sinais característicos dessa raça –, reunidos em Assembleia Nacional,

CONVENCIDOS da existência de: discriminação racial; marginalização racial, política, econômica, social e cultural do povo negro; péssimas condições de vida; desemprego; subemprego; discriminação na admissão em empregos e perseguição racial no trabalho; condições sub humanas de vida dos presídios; permanente repressão, perseguição e violência policial; exploração sexual, econômica social da mulher negra; abandono e mal tratamento dos menores, negros em sua maioria; colonização, descaracterização, esmagamento e comercialização de nossa cultura; mito da democracia racial. RESOLVEMOS juntar nossas forças e lutar por: defesa do povo negro em todos os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais através

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da conquista de: maiores oportunidades de emprego; melhor assistência à saúde, à educação e à habitação; reavaliação da cultura negra e combate sistemático à sua comercialização, folclorização e distorção; extinção de todas as formas de perseguição, exploração, repressão e violência a que somos submetidos; liberdade de organização e de expressão do povo negro. E CONSIDERANDO ENFIM QUE: nossa luta de libertação deve ser somente dirigida por nós; queremos uma nova sociedade onde todos realmente participem; como não estamos isolados do restante da sociedade brasileira; NOS SOLIDARIZAMOS: a) com toda e qualquer luta reivindicativa dos setores populares da sociedade brasileira que vise a real conquista de seus direitos políticos, econômicos e sociais; b) com a luta internacional contra o racismo. POR UMA AUTÊNTICA DEMOCRACIA RACIAL! PELA LIBERTAÇÃO DO POVO NEGRO! MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO – MNU (1978)

Em 1971, embalado por esta ideia de (res)significar as lutas da população

negra, surge o Grupo Palmares, em Porto Alegre – RS, apresentando à

comunidade negra a proposição de uma nova data que marcaria a história de

lutas do povo negro. Trata-se de 20 de Novembro, ocasião da morte de Zumbi

dos Palmares, retratado pelo Grupo como precursor da luta por liberdade e

resistência negra. Com isso, buscavam desconstruir a ideia de uma princesa

benevolente que livra a comunidade negra do sofrimento (Princesa Isabel,

signatária da Lei Áurea), e atribuem essa conquista à luta dos negros liderados

por Zumbi – trazendo a consciência de que o povo negro não esperou

passivamente por sua liberdade, ao contrário, foi uma conquista. Essa data foi

adotada inicialmente pelo Grupo Palmares e, já em 1978, foi aprovada na

segunda assembleia Nacional do MNU em Salvador:

Nós negros brasileiros, orgulhosos por descendermos de ZUMBI, líder da República Negra de Palmares, que existiu no estado de Alagoas, de 1595 a 1695, desafiando o domínio português e até holandês, nos reunimos hoje, após 283 anos, para declarar a todo o povo brasileiro nossa verdadeira e efetiva data: 20 de Novembro, DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA! Dia da morte do grande líder negro nacional, ZUMBI, responsável pela PRIMEIRA E ÚNICA tentativa brasileira de estabelecer uma sociedade democrática, ou seja, livre, e em que todos - negros, índios, brancos - realizaram um grande avanço político e social. Tentativa esta que sempre esteve presente em todos os quilombos. (GONZALEZ, 1982, p. 51)

Desde então, as reivindicações dos Movimentos Negros passam a ser

outras; as lutas englobam questões relacionadas à conquista da cidadania, da

justiça social e da educação. Mais do que um movimento social, a partir da

década de 1970, os Movimentos Negros surgem como um movimento político,

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tendo como pauta a busca por igualdade de direitos entre brancos e negros.

Neste contexto, desenvolveram importantes intervenções que pressionaram o

governo brasileiro, conseguindo, anos depois, conquistas significativas neste

âmbito. Uma das grandes bandeiras levantadas pelos Movimentos Negros

sempre foi a educação, a inclusão da verdadeira história do negro no currículo

escolar e o acesso e permanência da população negra na escola. Para Gomes

(2008), o movimento negro brasileiro

[...] é o principal responsável pelo reconhecimento do direito à educação para a população negra, pelos questionamentos ao currículo escolar no que se refere ao material didático com imagens estereotipadas sobre o negro, pela inclusão da temática racial na formação de professores (as), pela atual inclusão da história da África e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares via lei federal e pelas políticas de ação afirmativa nas suas mais diferentes modalidades. (GOMES, 2008, p.100)

Em “O Movimento Negro Educador”, Gomes (2017) traz ainda elementos

importantes que nos permitem pensar os Movimentos Negros como os grandes

responsáveis pelas conquistas políticas e sociais da população negra. Para a

autora,

[...] os conhecimentos sobre as relações raciais e as questões da diáspora africana, que hoje fazem parte das preocupações teóricas das diversas disciplinas das ciências humanas e sociais, só passaram a receber o devido valor epistemológico e político devido à forte atuação do Movimento Negro. Esse movimento social trouxe as discussões sobre racismo, discriminação racial, desigualdade racial, crítica à democracia racial, gênero, juventude, ações afirmativas, igualdade racial, Africanidades, saúde da população negra, educação das relações étnico-raciais, intolerância religiosa contra as religiões afro-brasileiras, violência, questões quilombolas, e antirracismo para o cerne das discussões teóricas e epistemológicas das Ciências Humanas, Sociais, Jurídicas e da Saúde, indagando, inclusive, as produções das teorias raciais do século XIX disseminadas na teoria e no imaginário social e pedagógico. (GOMES, 2017, p. 17)

Neste contexto, nota-se que as lutas dos Movimentos Negros no Brasil

vão se adequando às necessidades e aos anseios do povo negro. Assim, ao

apresentarem como pauta de luta a educação, os Movimentos pretendem ir além

e promover um debate que parte das bases, chega à academia, (res)significa-

se, agrega robustez teórica e retorna às bases. Os Movimentos Negros agem

como interlocutores entre as reivindicações sociais e a produção acadêmica,

bem como tradutores do que tem sido produzido academicamente para a

comunidade negra. Mas, mais que isso, os Movimentos trazem para o ambiente

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acadêmico o pensamento e o corpo negro, reivindicando o acesso e a

permanência nesses espaços. Essa pauta tensiona as relações entre o Estado

Brasileiro e a comunidade negra, iniciando-se no governo de Fernando Henrique

Cardoso. Como afirma Gomes,

A partir da segunda metade dos anos de 1990, a raça ganhou outra centralidade na sociedade brasileira e nas políticas de Estado. A sua releitura e ressignificação emancipatória construída pelo Movimento Negro extrapola os fóruns da militância política e o conjunto de pesquisadores interessados no tema. Dentre as diversas ações do Movimento Negro nesse período destaca-se, em 1995, a realização da “Marcha Nacional Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” em Brasília no dia 20 de novembro. Como resultado foi entregue ao presidente da república da época, Fernando Henrique Cardoso, o “Programa para a superação do racismo e da desigualdade étnico-racial”. Neste, a demanda por ações afirmativas já se fazia presente como proposição para a educação superior e o mercado de trabalho. (GOMES, 2017, P.33-34).

É importante salientar que, a partir da pressão realizada pelos

Movimentos Negros, foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial para

Valorização da População Negra em 1996. Como resultado, foi responsável por

incluir nos temas transversais a pluralidade cultural, ação que não apresenta

muita efetividade prática, mas demonstra um pequeno avanço nos debates de

raça.

Ainda Segundo Gomes (2017), a culminância do processo de inflexão na

trajetória dos Movimentos Negros acontece nos anos 2000, com a participação

na preparação da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação

Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância promovida pela

Organização das Nações Unidas (ONU), em agosto de 2001 em Durban, na

África do Sul. Isso porque, ao assinar o Plano de Ação de Durban, o Brasil

reconhece internacionalmente a existência da forma institucionalizada de

racismo no país e se compromete a desenvolver ações para superação, como

as ações afirmativas na educação e no trabalho. A partir daí, os Movimentos

Negros passam a intensificar as ações com o intuito de pressionar o Estado

brasileiro.

Conforme afirmam Katrib e Bernardes(2010), as tensões causadas pelas

pressões exercidas pelos Movimentos Negros acirraram, em 2002, durante a

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campanha presidencial, os debates sobre as ações afirmativas, forçando um

posicionamento dos candidatos; na ocasião, o então candidato Luiz Inácio Lula

da Silva apresentou em sua campanha o documento “Brasil sem Racismo” que

teve contribuições de pesquisadores e militantes dos movimentos negros. A

partir do diagnóstico e mapeamento de ações de discriminação, o então

candidato assina o documento, assumindo o compromisso de combater o

racismo através da implementação de ações afirmativas.

Em 2003, após tomar posse, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina

a Lei n°10.639/2003. Contudo é importante salientar que a proposta de criação

da Lei não surge apenas neste momento: ela já vinha tramitando no congresso

a partir do Projeto de Lei - PL 259/1999 apresentado em 11/03/1999 pelos

deputados Esther Grossi - PT/RS e Ben Hur Ferreira - PT/MS.

O projeto apresentado em 1999 tramitou, durante o ano de sua

apresentação, inicialmente na mesa diretora da câmara, sendo acolhido na

sequência pelo plenário da câmara. No ano de 99, apenas a Comissão de

Educação e Cultura fez a apreciação do PL.

O Projeto de Lei 259/99, que em 2003 se transformaria na Lei n°10.639,

foi aprovado pelo relator da Comissão de Educação e Cultura, Evandro

Milhomem, em 16/06/1999.

No parecer, o relator da Comissão apresenta uma contextualização

histórica da situação do povo negro desde a abolição e cita Florestan Fernandes

para justificar seu posicionamento favorável ao PL 259.

[...]No dizer do ilustre sociólogo e ex-Deputado Federal, Florestan

Fernandes, "portanto, trata-se de uma consciência que os psicólogos

e sociólogos chamariam de diferenciada, porque ela é diferente da

consciência indígena, da consciência daqueles pobres que não

carregam a marca visível da estigmatização negra. E ela traduz a

disposição do negro de ser ele próprio e não o branco o autor de sua

auto-emancipação coletiva [...] Entendo que está em jogo a cidadania

do negro, como também a do indígena e de todos aqueles que são

excluídos, humilhados e ofendidos. E, arremata: trata-se de dizer que

o negro, como membro de classe, como membro da raça, precisa

dispor na sociedade brasileira de um espaço intelectual para se

desenvolver e para ter os seus talentos aprovados [...] (Trechos

extraídos do Pronunciamento e emenda constitucional do Deputado

Florestan Fernandes, abordando as desigualdades raciais e a

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consciência negra, no opúsculo "Consciência Negra e Transformação

da Realidade", pág. 8).

Por todo o exposto, o nosso parecer é no sentido da aprovação do

Projeto de Lei n° 259/99, na forma em que foi proposto.

Em agosto de 1999, a Comissão de Educação e Cultura aprova por

unanimidade o parecer favorável do relator e encaminha o PL à Comissão de

Constituição e Justiça e Cidadania, que só analisaria o processo no ano

seguinte.

Em maio de 2000, o relator da Comissão de Constituição e Justiça e

Cidadania, André Benassi, emite parecer favorável à aprovação da PL. O projeto

de lei também seria aprovado por unanimidade nas comissões de Educação

Cultura e Desporto, e de Constituição e Justiça e Redação, que aprovaram ainda

a emenda ao projeto original que suprime o artigo 5 que trazia o seguinte texto:

“Art. 5 – Revogam-se as disposições em contrário”. Seguindo o parecer do

relator:

II - Voto do Relator De acordo com o art. 32, inciso 111, alínea a, do Regimento Interno, cabe a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação manifestar-se sobre a constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa da proposição. Quanto ao primeiro aspecto, estão obedecidos os preceitos constitucionais pertinentes à competência da União para legislar sobre o assunto nele tratado, consoante o disposto nos arts. 22, inciso XXIV, 24, inciso IX, 48, caput, e 215, § 2°, da Constituição Federal. Quanto aos demais, nada obsta a tramitação do projeto, devendo-se, apenas, proceder à supressão da cláusula de revogação genérica, por via de emenda, a fim de adequá-lo à Lei Complementar nº 95, de 1998. Isto posto, o voto é pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do Projeto de Lei n° 259-A, de 1999, nos termos da emenda anexa. Sala da Comissão, 26 de maio de 2000. - Deputado André Benassi, Relator.

EMENDA SUPRESSIVA Suprima-se o art. 5° do projeto. Sala da Comissão, 26 de maio de 2000. - Deputado André Benassi, Relator.

III - Parecer da Comissão A Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, em reunião ordinária realizada hoje, opinou unanimemente pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, com emenda, do Projeto de Lei n° 259-A/99, nos termos do parecer do Relator, Deputado André Benassi.

Dessa forma, o projeto seguiu tramitação e foi aprovado sem alterações

significativas, mantendo sua proposição inicial.

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No Anexo I, apresentamos o quadro detalhado da tramitação do projeto

de Lei 259/99.

Dessa forma, em 09 de janeiro de 2003, o governo brasileiro instituiu a

Lei nº10.639, que dispõe sobre a inclusão da história e cultura afro-brasileiras no

currículo escolar. A mesma é modificada cinco anos mais tarde, pela Lei nº

11.645/08, que mantém o disposto na lei anterior e a amplia, instituindo a

inclusão da história e cultura dos povos indígenas brasileiros.

Com isso, surge a obrigatoriedade da adequação do currículo para a

inclusão de ações que tenham como foco a educação para as relações étnico-

raciais. Estas ações encontraram (e ainda encontram) problemas e dificuldades

em seu processo de constituição, que não podem ser considerados, no entanto,

fatores impeditivos para sua implementação. Para Gomes e Jesus (2013, p. 32),

O caráter emancipatório da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem contribuído para legitimar as práticas pedagógicas antirracistas já existentes, instiga a construção de novas práticas, explicita divergências, desvela imaginários racistas presentes no cotidiano escolar e traz novos desafios para a gestão dos sistemas de ensino, para as escolas, para os educadores, para a formação inicial e continuada de professores e para a política educacional.

Em 2004, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprova as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas. Apontam-se alguns

direcionamentos acerca da implementação da Lei, no que se refere

principalmente às responsabilidades e à autonomia das instituições na

concepção dos projetos pedagógicos:

[...] É preciso ter clareza que o Art. 26A acrescido à Lei 9.394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas. A autonomia dos estabelecimentos de ensino para compor os projetos pedagógicos, no cumprimento do exigido pelo Art. 26A da Lei 9.394/1996, permite que se valham da colaboração das comunidades a que a escola serve, do apoio direto ou indireto de estudiosos e do Movimento Negro, com os quais estabelecerão canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir nas vivências promovidas pela escola, inclusive em conteúdos de disciplinas, as temáticas em questão. Caberá, aos sistemas de ensino, às mantenedoras, à coordenação pedagógica dos estabelecimentos de ensino e aos professores, com base neste parecer, estabelecer

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conteúdos de ensino, unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares. Caberá aos administradores dos sistemas de ensino e das mantenedoras prover as escolas, seus professores e alunos de material bibliográfico e de outros materiais didáticos, além de acompanhar os trabalhos desenvolvidos, a fim de evitar que questões tão complexas, muito pouco tratadas, tanto na formação inicial como continuada de professores, sejam abordadas de maneira resumida, incompleta, com erros.

O parecer abre um leque muito amplo de possibilidades que podem ser

aproveitadas pelas instituições de ensino, objetivando o cumprimento da Lei

n°10.639/03. Além disso, apresenta direcionamentos para promover a formação

dos professores para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas,

e para Educação das Relações Étnico-Raciais.

Com relação aos avanços que a Lei n°10.639/03 traz, Gomes (2011,

p.116) afirma que as ações “possibilitaram uma inflexão na educação brasileira.

[...] São políticas de ação afirmativa voltadas para a valorização da identidade,

da memória e da cultura negras”.

Entretanto, todo o processo de reconhecimento e proposição imposto por

esta lei não necessariamente significa que as práticas na Educação Básica

estejam asseguradas – principalmente por entrarem em conflito com a estrutura

e funcionamento do sistema de ensino no Brasil. Todavia é de suma importância

que conceitos como democracia racial e naturalização das desigualdades raciais

sejam paulatinamente minados e que a educação para as relações étnico-raciais

consiga ser efetivada no ambiente escolar.

É inegável que a aprovação da lei e seus desdobramentos apontam para

um marco importante na reparação humanitária da população negra brasileira,

principalmente por se constituir como referência para que todas as ações e

medidas concernentes ao combate ao racismo sejam tomadas.

De acordo com Munanga (2005, p.17), “a educação é capaz de oferecer

tanto aos adolescentes como aos adultos a possibilidade de questionar e

desconstruir os mitos.” Dessa forma, a proposta iniciada em 2003 tem um papel

muito maior do que simplesmente apresentar uma conceituação. Ela se

caracteriza como um processo de transformação que se inicia na formação dos

professores e continua no processo educacional de crianças e adolescentes,

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como forma de promover a reconstrução da democracia brasileira.

Contudo, dezesseis anos após sua aprovação, não se pode afirmar que

a implementação da lei aconteceu de forma efetiva ou mesmo que está em

andamento. De acordo com pesquisas realizadas por Campos (2018), muitos

municípios brasileiros não têm dado a devida importância a tal implementação.

Além disso, têm criado resistência na reformulação do currículo para atender aos

princípios norteadores da referida lei. Campos afirma ainda que alguns

municípios implementaram a 10.639/03 sem oferecer nenhum tipo de suporte

teórico na abordagem da temática: a falta de formação inicial e continuada dos

professores e a falta de apoio das secretarias de educação são algumas das

causas da deficiência no estabelecimento das diretrizes que amparam a lei.

Somam-se a isso questões relacionadas à resistência de uma parcela de

educadores em desenvolver a temática. A pesquisa de Campos foi realizada em

três municípios brasileiros, Vitória da Conquista – BA, Porto Seguro – BA e São

Carlos – SP, e consistia na realização de entrevistas com os professores e

representantes de secretarias de governo. Nas localidades em que a aplicação

da lei acontece, a pesquisa sugere que isso ocorra por existirem professores

militantes dos Movimentos Negros nas escolas.

Souza e Pereira (2013), a partir de pesquisa realizada em 6 escolas

municipais e estaduais localizadas nos estados da Bahia, Maranhão, Ceará e

Sergipe, apontam questões sobre a aplicabilidade e implementação da lei e das

Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais. As

autoras destacam que algumas das escolas pesquisadas criaram disciplina

específica para o desenvolvimento de atividades relacionadas à cultura africana

e afro-brasileira. Essa proposta, segundo as pesquisadoras, gera dificuldades

para o estabelecimento de um diálogo interdisciplinar, restringindo as discussões

apenas à disciplina específica.

Assim como Campos, Souza e Pereira observam que, em algumas

localidades, o desenvolvimento de atividades relacionadas à lei acontece a partir

do envolvimento de alguns professores e professoras que possuem algum tipo

de engajamento social. Contudo alertam que, nas ações individuais, quase que

totalmente desvinculadas das atividades curriculares, não se observa a

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participação generalizada da comunidade escolar, e os projetos não constituem

elo de integração da comunidade.

Os estudos utilizados como referência para o desenvolvimento desta

pesquisa apontam questões recorrentes como possíveis causas e ou entraves

para a efetiva implementação da Lei n°10.639/03 e das Diretrizes Curriculares.

Dentre elas, estão a falta de formação e capacitação dos professores e

professoras, aliada às convicções, preconceitos e subjetividades desses

professores e professoras; a dificuldade de acesso ao material didático

relacionado à temática; a negação da existência do racismo e a crença na

democracia racial; e a necessidade de reformulação dos currículos.

Nesta pesquisa, no entanto, podem aparecer novos apontamentos ou um

reforço do que já foi citado, tendo em vista que a proposta é ouvir os

adolescentes estudantes, a fim de conhecer o olhar do outro, daquele que é parte

do processo – mas que não tem pensado o currículo.

2.3 AFRICANIDADES NA EDUCAÇÃO BASICA: O QUE DIZEM OS

ESTUDANTES

Os estudantes que participaram desta pesquisa foram convidados a

responder a questões sobre o estudo de história e cultura africanas e afro-

brasileiras na sua trajetória escolar por meio de questionário com questões de

múltipla escolha e outras questões abertas, nas quais podiam se expressar mais

livremente.

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Gráfico 6 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você já ouviu falar sobre as Leis n°10.639/03 e n°11.645/08, que instituíram a inclusão do Ensino de História e Cultura Africanas, Afro-brasileiras e dos povos indígenas no currículo?”

Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino fundamental e médio.

Quando indagados sobre se já haviam ouvido falar da Lei n°10.639 de

2003 ou da Lei n°11.645 de 2008, que instituíram a inclusão do ensino de história

e cultura africanas e afro-brasileiras e dos povos indígenas no currículo escolar

da educação básica no Brasil, 56,1% dos adolescentes responderam que não

(gráfico 6) – dado preocupante, tendo em vista que os adolescentes participantes

da pesquisa iniciaram sua escolarização após a vigência da Lei. Estes dados

vão ao encontro de nossa primeira hipótese – de que a Lei ainda não está

totalmente implementada em todas as escolas. Isto também pode ser visto a

partir dos estudos de Gomes e Jesus (2013), Moreira e Viana (2015) e Campos

(2018).

O artigo de Gomes e Jesus (2013), “As práticas pedagógicas de trabalho

com relações étnico-raciais na escola na perspectiva de Lei 10.639/2003:

desafios para a política educacional e indagações para a pesquisa”, foi

concebido a partir da análise do programa “Práticas Pedagógicas de Trabalho

com Relações Étnico-raciais na Escola na Perspectiva de Lei 10.639/2003” da

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Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

(SECADI). A pesquisa, que teve abrangência nacional, objetivou identificar,

mapear e analisar as iniciativas desenvolvidas pelas redes públicas de ensino e

as práticas pedagógicas realizadas por escolas pertencentes a essas redes na

perspectiva da Lei n°10.639/2003. Em uma das fases, o estudo se voltou a ouvir

gestores, coordenadores pedagógicos e docentes, realizar grupos de discussão

com estudantes e análises dos documentos e promover conversas informais.

Dentre os pontos abordados pelo artigo, os autores apresentam algumas

reflexões importantes quanto à implementação da legislação:

As escolas em que o mito da democracia racial se mostrou mais presente nos depoimentos colhidos, revelando a sua força enquanto concepção e imaginário social e pedagógico sobre a diversidade, apresentaram práticas mais individualizadas, projetos com menor envolvimento do coletivo de profissionais e pouco investimento na formação continuada na perspectiva da Lei e suas Diretrizes. Dessa forma, apresentam níveis mais fracos de enraizamento e sustentabilidade.

A sustentabilidade das práticas pedagógicas está estreitamente relacionada com algumas características mais gerais da própria escola: (a) a gestão escolar e de seu corpo docente; (b) os processos de formação continuada de professores na temática étnico-racial; e (c) a inserção no PPP. Não se pode esquecer o peso da cultura escolar, a organização dos tempos e espaços, bem como a materialidade da escola e sua relação com as práticas observadas.

O desinteresse pelas questões étnico-raciais notado em algumas escolas não diz respeito apenas às questões do racismo, da discriminação, do preconceito e do mito da democracia racial. Está relacionado também ao modo como os/as educadores/as lidam com questões mais gerais de ordem política e pedagógica, por exemplo, formas autoritárias de gestão, descompromisso com o público, desestímulo à carreira e à condição do/a docente, bem como visões políticas conservadoras de maneira geral. Os conhecimentos dos próprios docentes sobre as relações étnico- -raciais e sobre História da África ainda são superficiais, cheios de estereótipos e por vezes confusos. O grupo de discussão com os/as estudantes foi revelador de tal situação. Os/as estudantes demonstraram de maneira geral que o trabalho envolvendo a Educação das Relações Étnico-Raciais tem conseguido alertá-los, sensibilizá-los, informá-los sobre a dimensão ética do racismo, do preconceito e da discriminação racial, mas lhes oferece pouco conhecimento conceitual sobre a África e sua inter-relação com as questões afro-brasileiras.

Algumas práticas pedagógicas desenvolvidas pelas escolas revelaram-se pautadas em interpretações dogmáticas de cunho religioso, demonstrando a presença da intolerância religiosa.

Gomes e Jesus concluem que não há uniformidade no processo de

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implementação da Lei n°10.639 nos sistemas de ensino e nas escolas públicas

participantes da pesquisa, tratando-se de um contexto marcado por tensões,

avanços e limites.

Moreira e Viana (2015), em estudo realizado com professores dirigentes

e alunos de escolas da rede municipal de ensino do município de Senhor do

Bomfim-BA, constataram que 30% das pessoas participantes nunca ouviram

falar da Lei n°10.639 – ou seja, ainda existe muito desconhecimento quanto à

existência da Lei. Além disso, 45% dos entrevistados que disseram saber da

existência da 10.639, afirmaram não a conhecer.

Os pesquisadores questionaram quais são os aspectos que

desfavorecem o trabalho de implementação da Lei n°10.639 na escola. 80% dos

professores afirmaram que falta informação sobre os temas da Lei, e 10%

responderam que falta material, 95% dos professores afirmam que as escolas

não se encontram preparadas para trabalhar com o que determina a legislação

referente à educação para as relações étnico-raciais.

O estudo conclui que:

[...] 60% dos professores não reconhecem a discriminação na escola,

30% não tem conhecimento da lei,[...] 85% apontaram a falta de conhecimento sobre os temas da lei como ponto que desfavorece o trabalho de aplicação da lei nas escolas, 60% não participou de curso de forma que tratassem da diversidade cultural e étnica, 60% não acredita que a escola seja a mediadora capaz de quebrar os estereótipos criados em torno dos conceitos étnicos e cultural. (MOREIRA E VIANA 2015)

Campos realizou seu estudo nos municípios de São Carlos-SP, Porto

Seguro e Vitoria da Conquista, na Bahia, e observou que as constantes

mudanças na equipe gestora das secretarias de educação influenciam

diretamente a implementação da 10.639, principalmente por haver dificuldades

em continuar o desenvolvimento de ações e atividades que tenham sido

propostas por gestões anteriores. Além disso, as mudanças na gestão municipal

e/ou estadual são fatores decisivos para o avanço ou retrocesso no que se refere

à educação para as relações étnico-raciais. Isso porque as correntes ideológicas

se alternam tanto na gestão escolar quanto na gestão pública, ora alavancando,

ora travando os avanços nesta questão.

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Gráfico 7 – Resposta dos estudantes do ensino fundamental II, participantes da pesquisa, à pergunta: “Você se lembra de ter atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais na escola?”

Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino fundamental II.

Os estudantes do ensino fundamental II foram indagados sobre suas

lembranças quanto a ter participado de atividades relacionadas à educação para

as relações étnico-raciais durante sua trajetória escolar (gráfico 7). É importante

dizer que, nesta questão, os adolescentes poderiam escolher mais de uma

opção em suas repostas, dessa forma a incidência de respostas foi contada

separadamente e o percentual foi feito a partir do número de alternativas

marcadas, e não pelo número de participantes.

Neste sentido, 15,5% disseram não se lembrar de ter atividades na área

em nenhum momento. Este percentual é significativo porque reflete duas

possibilidades: a primeira, de que o conteúdo não está sendo trabalhado; e a

segunda, de que, se está sendo trabalhado, não o tem sido feito de maneira a

criar marcas nos adolescentes – visto que é esquecido. Todavia, 84,5%

afirmaram se lembrar de ter participado de alguma atividade relacionada à

educação para as relações étnico-raciais. Os dados são bem expressivos

quando se trata do ensino fundamental II – que representa 47,2% das respostas.

Contudo não podemos, com isso, afirmar a que tipo de atividades os

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adolescentes estão se referindo: a uma comemoração de 20 de novembro ou 13

de maio, ou a uma atividade sistemática desenvolvida a partir de projetos da

escola.

Quanto ao baixo índice de adolescentes que disseram se lembrar de ter

atividades relacionadas às africanidades na creche (tanto no gráfico 7 quanto no

gráfico 8), é importante dizer que os dados colhidos não nos permitem aferir com

precisão se, para este item especifico, a questão não se relaciona mais com a

memória do que com a ausência das atividades. Isto porque, quando estavam

na creche, os respondentes tinham entre 0 e 3 anos de idade, período da vida,

do qual em geral temos poucas recordações. Nesse sentido, a existência de

respostas positivas pode significar atividades significativas que tenham deixado

registros em fotos, por exemplo, ou que sejam relatadas por terceiros. Assim,

não podemos dizer que para os estudantes pesquisados o estudo das

africanidades efetivamente aconteceram ou não, uma vez que a metodologia

adotada depende da memória dos pesquisados. Um debate sobre a presença

ou não de proposta para o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira

na creche nos primeiros anos após a aprovação da Lei, carece de novas

pesquisas pautadas em outros métodos.

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Gráfico 8 – Resposta dos estudantes do ensino médio, participantes da pesquisa, à pergunta: “Você se lembra de ter atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais na escola?”

Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino médio.

Aos adolescentes do ensino médio, desenvolvemos um questionamento

que continha uma opção a mais que a apresentada aos estudantes do ensino

fundamental II, ou seja, eles poderiam escolher a opção “no ensino médio”. Da

mesma forma que na pergunta anterior, os adolescentes podiam escolher mais

de uma opção de resposta. Neste sentido, o valor considerado para confecção

do gráfico 8 se refere ao número de opções selecionadas e não ao número de

adolescentes participantes.

A partir dos dados apresentados pelo gráfico 8, podemos perceber que

89,3% das respostas afirmam que os adolescentes participaram de atividades

relacionadas à educação étnico-racial, enquanto 10,7% dizem não se lembrar de

ter participado de atividades relacionadas à questão.

Observamos ainda que, em ambos os grupos de adolescentes em que o

questionário foi aplicado, há uma expressiva relevância nos dados que se

referem a atividades durante o ensino fundamental (I e II). Isso nos permite

perceber que os conteúdos podem estar sendo implementados de forma muito

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disforme entre a educação infantil e os ensinos fundamental e médio.

As respostas que os gráficos 7 e 8 nos apresentam são preocupantes no

que se refere à educação infantil, uma vez que, nas duas aplicações, o

percentual de recordação dos adolescentes é muito pequeno. Contudo não é

possível afirmar com exatidão os porquês destes dados, pois talvez sejam uma

questão de memória – por terem se passado alguns anos, os adolescentes

podem não se recordar das atividades das quais participaram na educação

infantil. Por outro lado, preocupa-nos a qualidade do trabalho escolar feito nos

anos iniciais, pois, em algum momento, o mesmo deveria servir como referência

a estes adolescentes. Neste sentido, caberia um detalhamento futuro no estudo

específico da educação infantil, com o objetivo de compreender o que pode estar

acontecendo.

As informações extraídas a partir destes dados reforçam nossa primeira

hipótese de que existem falhas na implementação da Lei em todo o país – sejam

elas relacionadas ao formato, à relevância ou mesmo à existência de um trabalho

efetivo na abordagem das questões referentes à educação para as relações

étnico-raciais, nas várias fases da educação básica.

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Gráfico 9 – Conteúdos estudados durante trajetória escolar pelos participantes da pesquisa – alunos do ensino fundamental II

Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino fundamental II.

Ao analisarmos os dados presentes no gráfico 9, destaca-se o percentual

de 44% de estudantes que dizem ter estudado o processo de escravização e

diáspora. Contudo não cremos que isto seja consequência apenas da aplicação

da referida lei, uma vez que o estudo sobre a escravização não é novidade no

currículo. Na realidade, trata-se de conteúdo já muito difundido no processo de

educação brasileiro. Esta é uma das questões apontadas pelos Movimentos

Negros como falhas no processo, porque conta apenas a versão romantizada do

processo de escravização – não se aprofundando em questões muito

importantes para a comunidade negra. Por outro lado, quando percebemos que

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28% dos estudantes afirmam ter visto conteúdos relacionados ao racismo, pode

ser que o tema esteja sendo tratado como forma de conscientizar os

adolescentes quanto à sua perversidade tanto para a comunidade negra quanto

para os brancos. Outro ponto muito lembrado pelos participantes do estudo se

relaciona aos aspectos geográficos do continente africano (19%). Este também

é um tema delicado, pois nos remete à forma com que estas questões eram

tratadas nos anos 1990. Isso porque os aspectos geográficos eram

apresentados de modo estereotipado, sendo mostrados apenas os desertos e

as savanas africanas – e nunca evidenciando outras questões relevantes para a

formação de uma visão diferente do continente africano. Seria interessante um

maior detalhamento dos conteúdos apresentados e que se fizeram relevantes a

ponto de marcar a memória dos estudantes. Assim, acreditamos na possibilidade

de uma exploração mais particularizada a partir de novos estudos que voltem o

olhar para a questão do currículo.

Gráfico 10 – Disciplinas que introduziram no currículo conteúdos sobre africanidades durante a trajetória escolar dos participantes da pesquisa – alunos do ensino fundamental II

Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino fundamental II.

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A Lei n°10.639 estabelece uma mudança no artigo 26 da LDB, que passa

a ter a seguinte redação:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

.§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. grifo nosso - (BRASIL, 2003)

Quando a lei especifica que os referidos conteúdos devem ser

ministrados “em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e

História Brasileiras”, abre margem para que a discussão dos mesmos não seja

incluída no currículo em outras disciplinas. Isto pode ser visto nos dados

apresentados no gráfico 10: o maior indice na resposta dos estudantes à questão

“disciplinas que introduziram no currículo conteúdos sobre africanidades”

aparece em História, com 25%, seguida de Geografia, com 20% – disciplina que,

conforme pudemos ver no gráfico 9, responde em grande parte pelos conteúdos

relacionados aos aspectos geográficos. Logo em seguida, estão Artes e

Portugues, com 12% cada. Ou seja, as disciplinas que mais têm discutido as

questões referentes à lei, além de Geografia, são exatamente aquelas que o

texto da legislação especifica de forma explícita. Esta observação nos evidencia

que as demais disciplinas podem estar se omitindo em trabalhar os conteúdos a

partir de uma interpretação do texto da lei. Outro ponto curioso diz respeito ao

grande índice de adolescentes que assinalaram a opção “Outra” – não temos

subsídios suficientes para analisar o que estes estudantes quiseram dizer

quando optaram por “Outra”. Contudo, é possivel imaginar que, dentre estas

respostas, possam estar projetos desenvolvidos extraclasse por algum professor

ou disciplina, que discutam as relações raciais.

Outra questão atravessa a análise desses dados, e se refere ao fato de

que nem todas as escolas tem em seu currículo, no ensino fundamental II a

disciplina de filosofia, dessa forma, é necessário compreender que o indice de

3% pode ser o reflexo disso.

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Capítulo 3 - RAÇA, RACISMO, REPRESENTAÇÃO SOCIAL E LUGAR DE

FALA

Neste capítulo e no próximo, apresentamos conceitos e discussões

importantes para o entendimento de questões relacionadas à construção da

identidade. Esta conceituação se faz necessária para que se possa entender a

partir de qual ótica se deu a realização e as análises propostas por este estudo,

e quais linhas teóricas balizaram-nas. Para além disso, discutimos pontos que

foram trazidos pelos adolescentes através da participação na pesquisa.

3.1 RAÇA

Segundo Munanga (2003), na história das ciências naturais, o conceito de

raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as

espécies animais e vegetais; depois, passou a designar a descendência, a

linhagem – ou seja, um grupo de pessoas com um ancestral comum. Nos séculos

XVI e XVII, o conceito tomou novos contornos e passou a ser utilizado para

legitimar as relações de dominação e de sujeição. O autor afirma que os

conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o

pensamento. É neste sentido que o conceito de raça e a classificação da

diversidade humana em raças teriam servido:

Em qualquer operação de classificação, é preciso primeiramente estabelecer alguns critérios objetivos com base na diferença e semelhança. No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d’água entre as chamadas raças. Por isso que a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletivo e na terminologia científica: raça branca, negra e amarela. (MUNANGA, 2003, p. 3).

Em sua argumentação, Munanga (2003) segue apresentando os critérios

científicos para a existência das diferenças na tonalidade de pele – que são

definidas pela concentração de melanina:

[...] É justamente o degrau dessa concentração que define a cor da pele, dos olhos e do cabelo. A chamada raça branca tem menos concentração de melanina, o que define a sua cor branca, cabelos e olhos mais claros que a negra que concentra mais melanina e por isso tem pele, cabelos e olhos mais escuros e a amarela numa posição intermediária que define a sua cor de pele que por aproximação é dita

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amarela. Ora, a cor da pele resultante do grau de concentração da melanina, substância que possuímos todos, é um critério relativamente artificial. Apenas menos de 1% dos genes que constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da pele, dos olhos e cabelos. Os negros da África e os autóctones da Austrália possuem pele escura por causa da concentração da melanina. Porém, nem por isso eles são geneticamente parentes próximos. Da mesma maneira que os pigmeus da África e da Ásia não constituem o mesmo grupo biológico apesar da pequena estatura que eles têm em comum. (MUNANGA, 2003)

Posteriormente, essa conceituação deu lugar às teorias que

possibilitaram o surgimento da ideia de superioridade de alguns povos sobre

outros. Essa nova conceituação surge como forma de atribuir poder ao grupo

hegemônico e, portanto, viabilizar a escravização daqueles considerados

inferiores por sua raça. O conceito de raça tomou vários contornos e formas,

sem, no entanto, perder suas características ideológicas de mecanismo de

dominação.

No livro “A Falsa Medida do Homem”, Stephen Jay Gould (1991) faz uma

análise acerca do determinismo biológico utilizado para validar a ideologia de

hierarquização das raças, relacionando-as à questão da superioridade de um

grupo racial sobre outros considerados inferiores. O autor mostra a forma

tendenciosa com que esta teoria foi utilizada para garantir o poder e a hegemonia

“branca”.

Gould apresenta algumas teorias de poligenia, ou seja, o pensamento de

que as raças teriam origens distintas. É o caso da craniometria, que compreendia

que, quanto maior fosse o crânio, maior seria a inteligência atribuída àquela

pessoa. O estudo desenvolvido por Samuel George Norton com crânios

humanos afirmava que a medida da cabeça dos homens ofereceria indícios que

justificariam a hierarquização racial. Essa afirmação, segundo Gould, caiu em

descrédito após descobertas de que Norton havia manipulado as informações

para obter resultados que favorecessem sua teoria.

Outra teoria é a chamada QI Hereditário, que atribuía a inteligência a

fatores genéticos. Todos estes estudos, quando analisados por Gould (1991),

caíram em descredito – porque utilizavam-se de mecanismos forjados para

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justificar seus resultados. Estes nada mais eram que uma forma de dominação

a partir da hierarquização das raças, em que o branco ocidental era visto como

superior aos negros.

Estas ideias duraram até o século XX, quando, graças aos avanços da

genética, descobriram-se marcadores genéticos no sangue que permitiram aos

pesquisadores chegarem à conclusão de que raça não é uma realidade

biológica, mas um conceito cientificamente inválido para explicar a diversidade

humana. Isso inviabilizou a divisão dos seres humanos em raças, pois,

biologicamente, elas não existem.

Contudo a conceituação de raça não se limitou a categorizar as relações

biológicas – ou a descoberta do século XX teria encerrado esses debates. Ao

contrário, os naturalistas não se limitaram a classificar os grupos humanos em

função das características físicas, mas

se deram o direito de hierarquizar, isto é, de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças. O fizeram erigindo uma relação intrínseca entre o biológico (cor da pele, traços morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais. Assim, os indivíduos da raça “branca” foram decretados coletivamente superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função de suas características físicas hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio (dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo, etc. que segundo pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as outras raças, principalmente a negra mais escura de todas e consequentemente considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos inteligente e portanto a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de dominação. (MUNANGA, 2003).

Dessa forma, segundo Hofbauer (2003), as interpretações naturalizadas

das diferenças humanas ganharam fôlego na Europa e nos Estados Unidos.

Neste sentido, a biologização da raça ou a raça biologizada serviu como

argumento básico para a hierarquização da humanidade, tendo como pano de

fundo a necessidade de justificar e validar os sistemas de dominação racial. Um

dos resultados desse processo foi a criação de leis segregacionistas nos EUA e

na África do Sul. Além disso, esses pensamentos foram responsáveis pela

legitimação de barbáries como, por exemplo, o holocausto na Alemanha-Áustria

nazista.

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Munanga afirma que o conceito de raça nada tem a ver com questões

biológicas. Para ele, é uma conceituação político-ideológica:

Se na cabeça de um geneticista contemporâneo ou de um biólogo molecular a raça não existe, no imaginário e na representação coletivos de diversas populações contemporâneas existem ainda raças fictícias e outras construídas a partir das diferenças fenotípicas como a cor da pele e outros critérios morfológicos. É a partir dessas raças fictícias ou “raças sociais” que se reproduzem e se mantêm os racismos populares. (MUNANGA, 2003)

O conceito biológico de raças humanas atualmente não tem valor

científico, embora essa questão ainda seja muito forte no senso comum –

principalmente porque, a partir dele e aliado a outros fatores, ainda se sustentam

alguns argumentos racistas. Contudo o termo raça é muito utilizado nos estudos

sociológicos como forma de apresentar uma realidade social e política. Neste

sentido, a raça é considerada pelas ciências sociais como uma construção

sociológica. De acordo com Hofbauer (2003), autores das áreas de sociologia e

antropologia “afirmam que “raça” não deve ser entendida como um “dado

biológico”, mas como uma “construção social”. Hofbauer, no entanto, propõe

analisar denominações de cor/raça como “construções ideológicas nos

contextos econômicos, históricos e sociais específicos”. Bernardino-Costa,

Santos e Silvério (2009) também compreendem o conceito de raça como sendo

uma construção social. Para esses autores, embora a raça não exista

cientificamente, ela existe socialmente. Neste sentido, eles afirmam existir no

Brasil o racialismo, que seria a existência de um sistema de classificação social

que supõe a existência de raças como categorias somente no plano das relações

sociais.

Guimarães (1999) define raça como:

um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao contrário, de um conceito que se denota tão-somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algo endodeterminado. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundo social. Mas, por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de ‘raça’ permite - ou seja, fazer passar por realidade natural preconceitos, interesses e valores sociais negativos e nefastos -, tal conceito tem uma realidade social plena, e o combate ao comportamento social que ele enseja é impossível de ser travado sem que se lhe reconheça a realidade social que só o ato de nomear permite (GUIMARÃES, 1999 p. 9)

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Contudo é importante apresentar o contorno e o sentido que se pretende

dar à questão da raça neste estudo. Dessa forma, a argumentação de Gomes

(2005) no artigo “Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre Relações

Raciais no Brasil: Uma breve discussão”, vem ao encontro da proposta que

busquei debater neste estudo. A autora corrobora com os conceitos

apresentados por Guimarães e Bernardino-Costa, Santos e Silvério: para ela,

podemos compreender que as raças são, na realidade, construções sociais,

políticas e culturais produzidas nas relações sociais e de poder ao longo do

processo histórico. Ainda segundo Gomes (2005), a conceituação de raça

amplamente discutida nas diversas áreas da ciência, como antropologia e

ciências sociais, possibilita ter uma visão sobre os termos, mas é extremamente

importante que se compreenda:

[...] o que se quer dizer quando se fala em raça, quem fala e quando fala. Ao usarmos o termo raça para falar sobre a complexidade existente nas relações entre negros e brancos no Brasil, não estamos nos referindo, de forma alguma, ao conceito biológico de raças humanas usado em contextos de dominação, como foi o caso do nazismo de Hitler, na Alemanha.

Ao ouvirmos alguém se referir ao termo raça para falar sobre a realidade dos negros, dos brancos, dos amarelos e dos indígenas no Brasil ou em outros lugares do mundo, devemos ficar atentos para perceber o sentido em que esse termo está sendo usado, qual o significado a ele atribuído e em que contexto ele surge. (GOMES, 2005)

Assim é importante dizer que o conceito que utilizo neste estudo com

relação à raça vai também ao encontro da ideia utilizada pelos Movimentos

Negros:

que se baseia na dimensão social e política do referido termo. E, ainda, usam-no porque a discriminação racial e o racismo existentes na sociedade brasileira se dão não apenas devido aos aspectos culturais dos representantes de diversos grupos étnico-raciais, mas também devido à relação que se faz na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis na estética corporal dos pertencentes às mesmas. (GOMES, 2005)

Esta visão também é defendida pelo escritor Achille Mbembe, no livro

“Crítica da Razão Negra”, em que Mbembe afirma que o colonialismo estruturou

a forma com que a visão do negro e da raça são construídos e visualizados na

contemporaneidade. Para ele, trata-se de uma construção social. Além disso, o

autor apresenta como o capitalismo designa o conceito de negro à condição de

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subalternidade. E essa subalternidade desumaniza o negro, transformando “a

pessoa humana em coisa, objeto ou mercadoria” (MBEMBE, 2018). Para ele, a

raça se estrutura principalmente em uma maneira de estabelecer o poder.

Sobre o conceito de raça, Mbembe afirma que:

A raça não existe enquanto fato natural físico, antropológico ou genético. A raça não passa de uma ficção útil, uma construção fantasmática ou uma projeção ideológica, cuja função é desviar a atenção de conflitos considerados, sob outro ponto de vista, como mais genuínos – a luta de classe ou a luta de sexos, por exemplo. (MBEMBE, 2018 p. 28-29)

Contudo é oportuno salientar que apresentamos aqui os conceitos de raça

a partir de uma contextualização histórica, que aponta como se deu o processo

de constituição do racismo no Brasil. Entretanto não utilizaremos a expressão

“relações raciais” no decorrer deste estudo, mas sim o conceito de “relações

racializadas” – pois, segundo Soligo (2014), o racismo não é decorrência de

raças biologicamente definidas: para esta pesquisadora, o conceito científico de

raças, cunhado na modernidade, é decorrência do racismo, ou seja, as relações

marcadas pelo preconceito não são decorrentes da raça, mas do racismo.

3.2 RACISMO

De acordo com Munanga (2003), “por razões lógicas e ideológicas, o

racismo é geralmente abordado a partir da raça.” Para este autor, o racismo é

[...] uma ideologia essencialista que postula a divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas suportes das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores desiguais. Visto deste ponto de vista, o racismo é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural. [...] (MUNANGA, 2003 p. 8)

Pensar o racismo requer pensar sobre os conceitos de raça que outrora

tinham explicações teológicas e que, com o avanço da ciência, passaram por

outras conceituações até chegar àquela que se perpetuou por muito tempo, que

trata da conceituação biológica, em que os indivíduos são classificados através

de suas características (cor de pele, cabelo, olhos...). Contudo Kabengele

Munanga (2006) afirma que o conceito de raça utilizado hoje não se relaciona

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com as questões biológicas. Para ele, é um conceito carregado de ideologia,

pois, “como todas as ideologias, esconde um fato não proclamado: a relação de

poder e de dominação. [...] É a partir dessas raças fictícias ou “raças sociais” que

se reproduzem e se mantêm os racismos populares.”

Nesse contexto, o racismo considera que a capacidade intelectual e moral

dos grupos tem relação direta com suas características físicas e biológicas. Para

Silva (1997), o negro é estereotipado como feio, mau, sem regras, instintivo e

sem moral. Isto ocorre através dos aparelhos de reprodução ideológica e

instituições oficiais de forma abrangente e violenta.

Ainda sobre o racismo, Munanga (2006) demonstra duas formas pelas

quais ele se apresenta: o racismo clássico, que se alimenta da noção de raça; e

o racismo novo, que se alimenta da noção de etnia definida como um grupo

cultural. Sendo assim, as diferenças culturais e sociais são suficientes para

estimular cada vez mais o racismo, embora as vítimas continuem sendo as

mesmas.

Sobre o racismo, Gomes (2005) afirma que ele é:

[...] por um lado, um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. Ele é por outro lado um conjunto de ideias e imagens referente aos grupos humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores. O racismo também resulta da vontade de se impor uma verdade ou uma crença particular como única e verdadeira.

Os autores supracitados definem o racismo como uma construção

ideológica que se sustenta na crença da existência de superioridade e

inferioridade ligadas à raça. Há, no entanto, debates que defendem o banimento

do termo raça do vocabulário da ciência. Por outro lado, os Movimentos Sociais

Negros acreditam que a utilização do conceito, desde que no sentido sociológico

atribuído ao mesmo, serve para auxiliar no entendimento do racismo enquanto

processo ideológico. Este estudo busca se ater às questões relacionadas à

forma com que o racismo impacta a constituição da identidade e o processo de

tornar-se negro. E é por este caminho que se direciona este referencial teórico.

É importante perceber que o racismo, assim como o capitalismo e o

machismo, é um sistema ideológico, forjado na estrutura da sociedade brasileira

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desde o início do processo de escravização dos povos africanos, que se

institucionalizou de forma tão orgânica e visceral nesta sociedade que lutar

contra ele é uma tarefa muito complexa. O combate ao racismo necessariamente

deve compreender que a estrutura social está corrompida, e se alimenta ainda

hoje de teorias como a democracia racial.

Assim, o confronto deve acontecer não apenas com ações punitivas, mas,

principalmente, com ações de educação e conscientização. Este processo é

lento e complexo, e requer uma mudança de mentalidade que precisa se iniciar

na academia com a formação de professores – que serão multiplicadores e

formadores de opinião na educação infantil, no ensino fundamental e no médio.

De acordo com Silva (2005),

As políticas curriculares de combate ao racismo são basilares para superar a mentalidade monocultural, informada por preconceitos contra grupos que a sociedade mantém a sua margem e denomina de excluídos, impede de compreender a diversidade de experiências, de visões de mundo. O grande desafio para reconhecer, respeitar, valorizar a diversidade própria de sociedades multiculturais está em ir muito além de simplesmente admitir que há diferenças sociais e raciais entre grupos e pessoa. (SILVA, 2005, s.p.).

Almeida (2018) acredita que o racismo se define como:

Uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam. (ALMEIDA, 2018, p.25)

Almeida classifica três concepções de racismo partindo dos critérios a

seguir: a concepção individualista está na relação estabelecida entre o racismo

e a subjetividade; a concepção institucional é estabelecida a partir da relação

entre racismo e Estado; e a concepção estrutural é a relação estabelecida entre

o racismo e a economia.

Na concepção individualista, o racismo é visto como uma ação individual

ou coletiva que se configura como um “desvio” de conduta. Partindo disso, o

racismo é observado apenas como o preconceito praticado de forma direta a

alguém, sem viés político. Esta visão esvazia de sentido o conceito racismo,

porque o mesmo tende a ser considerado um ato isolado, individual ou de grupos

que teriam alguma “patologia”, e, portanto, algo “condenável”. Esta visão,

segundo Almeida, é a mais difundida quando se discute o racismo. Nesse

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sentido, pode ser considerada a mais popularizada – porém vazia, do ponto de

vista teórico.

Na concepção institucional, o racismo é tratado como “resultado do

funcionamento das instituições”, que passam a atuar em uma dinâmica que

confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios a partir da raça.

Nesta concepção, o racismo tem o “poder” como elemento central.

Segundo Almeida, “o domínio se dá a partir do estabelecimento de parâmetros

discriminatórios baseados na raça, servindo como forma de manutenção da

hegemonia do um grupo racial no poder”. O efeito dessa hegemonia é que:

O racismo pode ter sua forma alterada pela ação direta ou pela omissão dos poderes institucionais – Estado, escola, etc. -, que podem tanto modificar a atuação dos mecanismos discriminatórios, como também estabelecer novos significados para a raça, inclusive, atribuindo certas vantagens sociais a membros de grupos raciais historicamente discriminados, Isso demonstra que, na visão institucionalista, o racismo não se separa de um projeto político e de condições socioeconômicas específicas. (ALMEIDA, 2018, p.32)

Dessa forma, é possível compreender o racismo institucional como a

forma criada para manter o poder e a hegemonia – perpetuando e ressaltando

privilégios e institucionalizando as formas de discriminação racial. As instituições

atuam de forma a evidenciar a supremacia da comunidade branca em detrimento

da comunidade não branca, formulando normas e impondo padrões que

perpetuam os privilégios. Um exemplo disso é o genocídio da população negra

nas comunidades periféricas, pela associação indevida do negro à prática de

delitos. O ponto conflitante disso é que – diferentemente do racismo

individualista, em que a ação individual ou de grupos pode ser facilmente

detectada e por muitas vezes questionada pela sociedade – no racismo

institucional estas questões são muito sutis e dificilmente detectadas. O racismo

institucional oprime a comunidade negra e a confina aos guetos, numa tentativa

de potencializar o controle social desta comunidade.

Para Almeida, o racismo institucional representa um avanço no estudo

das relações raciais, pois ultrapassa o âmbito da ação individual. O autor

também evidencia a dimensão do poder como balizador das relações raciais.

Assim, as instituições reproduzem as condições para o estabelecimento e a

manutenção da ordem social.

Nesse sentido, Almeida argumenta que:

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Assim como a instituição tem sua atuação condicionada a uma estrutura social previamente existente - com todos os conflitos que lhe são próprios -, o racismo que esta instituição venha a expressar é também parte desta mesma estrutura. (ALMEIDA, 2018, p.36)

Assim, as instituições apenas materializam uma estrutura social que tem

o racismo como um de seus componentes orgânicos. Ou seja, “as instituições

são racistas porque a sociedade é racista”.

Portanto, o racismo decorre da própria estrutura social – isto é, o racismo

é estrutural, e se expressa concretamente na forma de desigualdades políticas,

econômicas e jurídicas. Neste sentido, o racismo cria uma forma sistemática de

discriminação.

Por ser estrutural, o racismo também é um processo político – uma vez

que, como processo sistêmico de discriminação que influencia a organização da

sociedade, depende do poder político para se constituir.

Analisando as três concepções de racismo apresentadas por Almeida, é

possível compreender que o racismo estrutural se alimenta e é alimentado pelas

duas outras concepções de racismo – a individualizada e a institucional. Em

outras palavras, ele se constitui a partir do enraizamento estrutural que se reflete

nas ações individuais e institucionais de uma sociedade.

Neste estudo, buscamos compreender o que dizem os adolescentes

sobre diversos temas ligados à educação para as relações étnico-raciais – e um

dos questionamentos que fizemos diz respeito ao racismo: perguntamos se já

viram ou sofreram algum ato de racismo. O resultado desta pergunta pode ser

visto no gráfico 11.

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Gráfico 11 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você já viu ou sofreu algum ato de racismo?”

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

Dentre os adolescentes que responderam à pesquisa, é possível perceber

que 86,4% dos estudantes afirmam já ter visto ou sofrido alguma forma de

racismo dentro ou fora da escola. Este dado corrobora a presença do racismo

em nosso país. Além disso, dentre os que disseram já ter sofrido racismo

observamos, ao analisar os dados referentes a raça/cor dos participantes, que

15% são negros ou indígenas, enquanto que os brancos representam 4%

daqueles que disseram já ter sofrido racismo na escola ou fora dela. Isso nos

permite constatar como o racismo se faz presente na vida de negros e indígenas.

Contudo, quando observamos o gráfico 12, conseguimos perceber uma

inconsistência nesta informação – pois 53% dos estudantes afirmam não terem

sido racistas, ou não se lembrar de ter sido em algum momento. Ou seja,

enquanto 86,4% dos participantes do estudo dizem já ter visto ou sofrido

racismo, apenas 47% assumem já ter sido racista em algum momento.

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Gráfico 12 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você acha que já teve uma ação racista em algum momento da sua vida?”

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

A análise feita por Schwarcz (2001) – a partir de pesquisas realizadas pela

USP (1988) e pelo Datafolha (1995) – demonstra uma situação muito parecida

com a que evidenciamos aqui. Os números mostram que as pessoas acreditam

e afirmam ter conhecimento do racismo – mas, quando são indagadas se são

racistas, negam. Tendo por base a pesquisa de 1988, Schwarcz chega à

conclusão de que vivemos em uma “ilha de democracia racial”, cercados de

racistas por todos os lados. Esse ponto nos permite observar como o racismo

estrutural se manifesta e se impregna no tecido social, de forma a impedir que

as pessoas compreendam o quanto a questão racial é complexa no Brasil. No

entanto, convém notar que, dada a conjuntura atual do país e o fato de que a

pesquisa foi realizada pela internet – ou seja, sem o contato direto do

pesquisador com o pesquisado –, houve um aumento no percentual de pessoas

que afirmam ter tido alguma atitude racista em algum momento de sua vida. Na

pesquisa de Schwarcz (2001), o número girava em torno de 10%; neste estudo,

chegou a 47%. É evidente que esta comparação não pode ser feita de forma

literal, porque os universos de pesquisa dos dois estudos são diferentes – na

abrangência, no público e no método utilizado. Porém ambos nos permitem

perceber uma tendência maior do indivíduo em declarar já ter tido algum tipo de

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comportamento racista na pesquisa mais recente.

3.3 REPRESENTAÇÃO SOCIAL

A constituição da identidade negra, o refutamento da ideologia de

democracia racial e de embranquecimento e o reconhecimento da existência do

racismo na nossa sociedade são entendimentos que precisam ser construídos a

partir de um processo de identificação. Tomando como referência minha própria

trajetória, posso afirmar que as representações sociais são fundamentais para o

processo de “tornar-se negro” – pois é a partir da compreensão que temos destas

representações que conseguimos nos ver refletidos, e é esse reflexo que nos

apresenta de forma contundente o que somos, como somos e como estamos

sendo apresentados, tanto no âmbito individual quanto no coletivo. Quando

estes reflexos não são positivos, não há como criar uma identidade positiva de

nós mesmos, da nossa raça e da nossa cor.

Assim, é importante compreender de que forma as representações sociais

tocam as pessoas no que se refere à questão das relações racializadas. Soligo

(2014) nos possibilita entender este processo a partir da perspectiva de

Moscovici, afirmando que:

o preconceito e o racismo não são características inerentes aos sujeitos, mas formas de interpretação da realidade aprendidas e construídas no âmbito da cultura, nas relações entre as pessoas e grupo, nos modos de comunicação engendrados nas sociedades. Constituintes das subjetividades, orientam o modo como olhamos aqueles a quem chamamos diferentes, bem como as ações, e conferem sentido aos atos discriminatórios contra negros. (SOLIGO, 2014, p.186)

Neste sentido, Serge Moscovici, através da Teoria das Representações

Sociais, torna-se referencial imprescindível para este estudo, porque permite

desvelar e conhecer as formas de opressão e racismo que existem no Brasil.

Antes de conhecer os caminhos por onde trilha a teoria das

representações sociais de Moscovici, é importante que se entenda que Durkheim

apresenta, em seus estudos, conceituações de representações as quais chama

de coletivas – e é exatamente neste ponto que o posicionamento de Durkheim e

Moscovici divergem. Na visão de Durkheim, as representações coletivas

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abrangem uma cadeia completa de formas intelectuais que incluem qualquer tipo

de ideia, emoção ou crença. Para Moscovici (2009), isso representa um

problema pois, em sua visão, quando se tenta incluir demais, acaba-se incluindo

de menos. Ou seja, querer compreender tudo é na verdade perder tudo – pois é

impossível cobrir um raio de atuação tão amplo. Ainda sobre as representações

sociais, Moscovici prefere tratar como fenômeno e não como conceito. Nesse

sentido, ele apresenta sua concepção do fenômeno:

As representações sociais devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam, com efeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa. (MOSCOVICI, 2009, p. 46)

Outra divergência entre a concepção de Durkheim e Moscovici está na

ideia de que as representações são estagnadas – ideia refutada por Moscovici

(2009), que entende as representações sociais como “estruturas dinâmicas,

operando em um conjunto relações e de comportamentos que surgem e

desaparecem, junto com as representações.”

As representações possuem duas funções: em primeiro lugar,

convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos, dando-lhes uma

forma definitiva, localizando-as, colocando-as como um modelo; em segundo

lugar, são prescritivas, ou seja, impõem-se sobre nós com uma força irresistível.

Essa força é uma combinação de uma estrutura presente antes mesmo de

começarmos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado

(MOSCOVICI, 2009).

Ao convencionalizar objetos, pessoas e/ou acontecimentos, as

representações se caracterizam como uma fonte importante de conhecimento,

principalmente para os adolescentes – uma vez que este público em especial

busca, a partir das referências, constituir sua própria visão de mundo.

Moscovici, em sua teoria, apresenta a ancoragem como um dos

processos que gera as representações sociais. Para ele, a ancoragem

transforma algo estranho a nós em algo mais próximo do que conhecemos, a

partir de um processo de comparação e classificação. Se a classificação assim

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obtida é aceita, então qualquer opinião que se relacione à categoria irá se

relacionar também ao objeto ou à ideia.

Ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Nós experimentamos uma resistência, um distanciamento, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-lo a nós mesmos ou a outras pessoas, o primeiro passo para superar essa resistência, em direção à conciliação de um objeto ou pessoa, acontece quando nós somos capazes de colocar esse objeto ou pessoa em uma determinada categoria, de rotulá-lo com um nome conhecido. No momento em que nós podemos falar sobre algo, avaliá-lo e então comunicá-lo [...] então nós podemos representar o não-usual em nosso mundo familiar, reproduzi-lo como uma réplica de um modelo familiar. Pela classificação do que é inclassificável, pelo fato de se dar um nome ao que não tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo. De fato, representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes. (MOSCOVICI, 2009 pp.61-62)

Moscovici diz ainda que categorizar alguém ou alguma coisa significa

escolher um dos paradigmas estocados em nossa memória e estabelecer uma

relação positiva ou negativa com ele.

Ao transportar este pensamento para as relações raciais, percebe-se

como a classificação e a categorização de tudo que circunda o universo negro

têm sido negligenciadas e tratadas de forma menor e negativa.

Nesse sentido, Jango afirma que:

[...] quando abordamos as representações sociais acerca da criança negra, por exemplo, sabemos que a ela é imposta toda a discriminação que recai sobre o grupo ao qual ela faz parte. Mesmo na tenra idade, as crianças negras são, portanto, julgadas e percebidas como representantes do segmento negro, que carrega estereótipos negativos, além de um legado de submissão econômica e social, sendo vistas, dessa maneira como incapazes desde muito cedo. (JANGO, 2017, p.82)

Quando esta realidade é transportada para adolescentes, a situação fica

ainda mais complexa, pois, além de terem passado a infância convivendo com

estereótipos negativos, vivenciam a adolescência e a entrada no mundo adulto

com uma carga ainda maior de submissão econômica e social, e rótulos de

incapacidade.

Moscovici afirma que, em sua grande maioria, essas classificações são

feitas comparando as pessoas a um protótipo, geralmente aceito como

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representante de uma classe, e que as primeiras são definidas através da

aproximação, ou da coincidência, com o último. Conclui dizendo que:

se é verdade que nós classificamos e julgamos as pessoas e coisas comparando-os com um protótipo, então nós inevitavelmente estamos inclinados a perceber e a selecionar aquelas características que são mais representativas desse protótipo. (MOSCOVICI, 2009, p. 64)

A partir disso, busco entender que tipos de protótipo têm sido utilizados

para compreender as representações que estes adolescentes fazem da escola,

da adolescência/juventude e das questões raciais.

É importante entender que, assim como as representações sociais não

são inertes e estáticas, a adolescência/juventude também é dinâmica, ativa e

produz, reproduz, comunica-se e cria representações próprias e inerentes a esta

fase da vida. Além disso, partimos do pressuposto que, ao se estudar história e

cultura africanas e afro-brasileiras na escola, é possível que estes adolescentes

tenham conseguido, a partir do processo de ancoragem defendido por

Moscovici, tornar familiares questões que até 2003, com a implementação da Lei

n°10.639, eram estranhas e ameaçadoras.

3.4 LUGAR DE FALA

Tendo em vista a perspectiva de ouvir as vozes dos adolescentes acerca

de suas próprias vivências relacionadas ao racismo, opressão, consciência,

negritude e branquitude, que são alguns dos componentes que constituem as

relações racializadas no Brasil, faz todo o sentido entender o que é o “lugar de

fala”. Dessa forma, buscamos compreender com as pesquisadoras Patrícia Hill

Collins e Djamila Ribeiro o que nos trazem sobre essa expressão.

Collins foi uma das primeiras intelectuais a tratar sobre a conceituação da

expressão “lugar de fala”, embora não tenha sido a primeira a trazer à tona a

discussão sobre a questão. Collins (2016), no texto: “Aprendendo com a outsider

within: a significação sociológica do pensamento feminista negro”, ancora sua

discussão na ideia de “insider e outsider” – que, em tradução livre, seria “de

dentro/interno” e “de fora/externo”, respectivamente. A autora utiliza o termo

“estrangeiro” para dar sentido à palavra “outsider” no contexto em que a mesma

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é empregada. O debate proposto pela autora encaminha a discussão por esta

perspectiva para compreender como sociologicamente as mulheres negras se

relacionam com a questão do feminismo negro. Nós, no entanto, traremos esta

discussão mais adiante, tendo como foco a questão da empatia, o olhar do outro,

a visão do outro sobre os temas pertinentes a este estudo.

O estudo proposto por Collins, contudo, utiliza-se da discussão acerca do

pensamento feminista negro para dialogar sobre como a opressão produz e

reproduz a inferiorização destas mulheres. Embora o estudo tenha sido realizado

a partir do olhar voltado para as mulheres afro-americanas, a construção do

argumento de Collins possibilita entender a importância da cultura no processo

de conscientização das mulheres negras e, por consequência, no ativismo

feminista. Estes argumentos evoluem para um debate importante sobre o lugar

de fala. A autora apresenta conceituações referentes à autodefinição e à

autoavaliação como mecanismos de sobrevivência, resistência e humanização

da mulher negra. Para ela,

Quando mulheres negras definem a si próprias, claramente rejeitam a suposição irrefletida de que aqueles que estão em posições de se arrogarem a autoridade de descreverem e analisarem a realidade têm o direito de estarem nessas posições. Independentemente do conteúdo de fato das autodefinições de mulheres negras, o ato de insistir na autodefinição dessas mulheres valida o poder de mulheres negras enquanto sujeitos humanos. O tema relacionado da autoavaliação de mulheres negras põe todo esse processo um passo adiante. Enquanto a autodefinição de mulheres negras dialoga com a dinâmica do poder envolvida no ato de se definir imagens do self e da comunidade, o tema da autoavaliação das mulheres negras trata do conteúdo de fato dessas autodefinições. (COLLINS, 2016)

Ao apresentar este debate, Collins propõe um protagonismo que não é

permitido pelo modelo opressor. A ideia, com isso, não é calar as vozes

existentes, mas sim dar sonoridade a outras vozes, incluir novos narradores para

as histórias – ou seja, uma mudança de perspectiva. E este é o sentido de lugar

de fala que podemos atribuir a partir do debate sobre feminismo negro apontado

por Collins: as falas são diferenciadas a partir das condições sociais de

determinados grupos. Este seria, então, o sentido de lugar de fala – possibilitar

que vozes historicamente silenciadas se pronunciem a partir do prisma que as

oprime e que as condiciona a este lugar de invisibilidade e silêncio.

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Ribeiro (2017) afirma não haver uma epistemologia determinada sobre o

termo lugar de fala. Para ela, a origem do termo é imprecisa, contudo acredita

que o modo com que é utilizado amplamente na atualidade tenha surgido a partir

dos debates relacionados ao feminismo. Ribeiro se utiliza das reflexões de

Collins (2016) para articular sua argumentação. Sua defesa é de que, a partir do

ponto de vista feminista, seja possível dialogar sobre o termo lugar de fala.

Para Ribeiro, um dos principais marcadores do lugar de fala não são as

experiências individuais e sim as condições sociais que permitem ou não que

grupos sociais acessem lugares de cidadania. Neste sentido,

seria, principalmente, um debate estrutural. Não se trataria de afirmar as experiências individuais, mas de entender como o lugar social que certos grupos ocupam restringem oportunidades. (RIBEIRO, 2017, p. 61)

No Brasil, há um certo equívoco quanto à conceituação do termo, pois o

conceito muitas vezes é pensado a partir do indivíduo isoladamente e não das

diversas condições que resultam nas desigualdades e hierarquias que localizam

grupos subalternizados (Ribeiro, 2017). Para esta pesquisadora,

As experiências desses grupos localizados socialmente de forma hierarquizada e não humanizada faz com que as produções intelectuais, saberes e vozes sejam tratados de modo igualmente subalternizado, além das condições sociais os manterem num lugar silenciado estruturalmente. (RIBEIRO, 2017, p. 63)

Ao apresentar o lugar social como fundamento para o debate sobre o

lugar de fala, Ribeiro evidencia que a luta feminista possibilita compreender a

expressão. Do mesmo modo que as mulheres foram e ainda são impedidas de

acessar certos espaços, alguns grupos inferiorizados, como a população negra,

também têm essa dificuldade. Essa situação amplia ainda mais o distanciamento

social – ou seja, o acesso a determinados espaços, como a universidade, é

dificultado. As produções epistemológicas inerentes a estes grupos também se

tornam parcas ou inexistentes, e, com isso, impede-se que as vozes desses

grupos sejam ouvidas.

Ribeiro nos permite fazer uma reflexão importante ao notar que, no Brasil,

é recorrente o atrelamento do “lugar de fala” unicamente às experiências e

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vivências individuais – especialmente no âmbito dos debates virtuais. Isso

possibilita uma desqualificação do discurso a partir das oportunidades

individuais, enquanto a proposta é exatamente entender as condições sociais

que constituem o grupo do qual a pessoa faz parte. Ou seja, as oportunidades,

experiências e vivências individuais servem para compor – junto a outros

indivíduos que fazem parte do mesmo grupo social – um conjunto de condições

que constituem este grupo.

A discussão sobre lugar de fala carrega consigo diversas forças

opressoras que estão entrelaçadas na sociedade. Não seria possível desatrelar

as questões de gênero, sexualidade, raça e classe, pois se articulam de forma

estrutural. O que busco dizer com isso é que, ao teorizar sobre lugar de fala,

precisamos compreender que questões como machismo, racismo, homofobia e

capitalismo sempre atravessarão e constituirão um mecanismo de exclusão e

opressão que deve ser combatido de forma indissociável.

O fundamental é que indivíduos pertencentes ao grupo social privilegiado em termos de locus social, consigam enxergar as hierarquias produzidas a partir desse lugar e como esse lugar impacta diretamente na constituição dos lugares de grupos subalternizados. (RIBEIRO, 2017. p 85).

Ribeiro defende que todas as pessoas possuem lugares de fala, porque

este é um conceito ligado à localização social. Neste contexto, o lugar de fala

não trata apenas da possibilidade de ouvir outras vozes, mas também de

interromper a exclusividade dada às vozes dos grupos privilegiados e

hegemônicos.

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Capítulo 4 – AFRICANIDADES NA SOCIEDADE BRASILEIRA; A QUESTÃO

CULTURAL COMO MARCA DA IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL

4.1 IDENTIDADE

Sobre identidade, vejamos o que as ciências sociais e a psicologia social

apresentam como conceituação para este termo. Gomes, em seu artigo “Alguns

termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: Uma

breve discussão”, posiciona-se dizendo que a enorme popularização do termo

identidade tem difundido cada vez mais a sua utilização, encorajando seu uso

mais relaxado e irresponsável (GOMES, 2003, p. 40).

Para a autora,

A identidade não é algo inato. Ela se refere a um modo de ser no mundo e com os outros. É um fator importante na criação das redes de relações e de referências culturais dos grupos sociais. Indica traços culturais que se expressam através de práticas linguísticas, festivas, rituais, comportamentos alimentares e tradições populares referências civilizatórias que marcam a condição humana. [...] a identidade não se prende apenas ao nível da cultura. Ela envolve, também, os níveis sócio-político e histórico em cada sociedade. (GOMES, 2003. P. 41)

Neste contexto, d’Adesky (2001) apud Gomes (2002) afirma que, para se

constituir a identidade, pressupõe-se interação, a ideia que o indivíduo faz de si

mesmo e do outro. Dessa forma, a identidade não pode ser construída no

isolamento. Ela se constitui no diálogo tanto interior quanto exterior.

Munanga (2006) também define a identidade da mesma forma:

A identidade é uma realidade sempre presente em todas as sociedades humanas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico sempre selecionou alguns aspectos pertinentes de sua cultura para definir-se em contraposição ao alheio. A definição de si (autodefinição) e a definição dos outros (identidade atribuída) têm funções conhecidas: a defesa da unidade do grupo, a proteção do território contra inimigos externos, as manipulações ideológicas por interesses econômicos, políticos, psicológicos, etc. (MUNANGA, 2006, p.17).

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Assim, de acordo com estes autores, a identidade se constitui a partir da

autodefinição, da definição do outro, e da relação que se tem com o coletivo.

Para Ciampa (1984), identidade é movimento, é o desenvolvimento do

concreto, é metamorfose. Na concepção deste autor, a identidade “é sermos o

Um e um Outro, para que cheguemos a ser Um, numa infindável transformação.”

Dessa forma, cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando

uma identidade pessoal. Uma história de vida, um projeto de vida no

emaranhado das relações sociais. Ciampa afirma ainda que uma identidade

concretiza uma política, dá corpo a uma ideologia. E, dessa forma, o conjunto de

identidades constitui a sociedade, ao mesmo tempo em que cada uma delas

também é constituída pela sociedade. O autor acredita que a identidade não

deve ser vista como questão apenas científica, nem meramente acadêmica: é

sobretudo uma questão social, uma questão política.

Ciampa (1984) entende que a diferença e a igualdade são ingredientes

presentes no processo de constituição da identidade. Assim, vamos nos

diferenciando e nos igualando à medida em que vamos nos relacionando

socialmente. Ou seja, são as diferenças que distinguem os indivíduos e os

aproximam de grupos dos quais se tem a sensação de pertencimento, e

proporcionam a percepção de igualdade enquanto membro daquele determinado

grupo social.

A concepção do psicólogo Antônio Costa Ciampa (1984) com relação à

identidade é fundamental para o desenvolvimento deste estudo, uma vez que,

ao considerar a identidade como um processo construtivo – não sendo, dessa

forma, algo pronto e atemporal – o autor possibilita o entendimento de que a

identidade se relaciona de forma direta com o meio – e, por essa razão, está em

constante metamorfose. Ciampa (2007) afirma que “identidade é o

reconhecimento de que é o próprio de quem se trata; é aquilo que prova ser uma

pessoa determinada, e não outra.” Na concepção do autor, possuímos várias

identidades que são utilizadas separadamente, em momentos distintos.

Contudo, a pessoa é uma totalidade e, nesses momentos, o que ocorre é a

manifestação de uma parte da unidade. Mesmo com as diferentes identidades e

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as constantes metamorfoses, a nossa identidade é uma totalidade contraditória,

mutável e múltipla, mas continua sendo una.

A afirmação de que esta concepção é a que mais se aproxima do que

pretendemos a partir deste estudo se deve ao fato de termos buscado conhecer

o processo de constituição da identidade dos adolescentes a partir do contato

com a história e cultura africanas e afro-brasileiras na escola. A ideia foi entender

como isso toca os adolescentes, de que forma essa relação ocorre e em que

medida influencia a constituição das identidades desses adolescentes.

4.1.1 Identidade Negra

O que dizem os intelectuais acerca da identidade negra?

Souza (1983, p.77) afirma que o negro brasileiro não possui uma

identidade positiva que possa afirmar ou negar, e explica que isso se dá porque

nascer com a pele preta e compartilhar uma mesma história que remete à

escravidão, ao desenraizamento e à discriminação racial, por si só, não organiza

uma identidade negra. Nesse sentido, a autora acredita que a identidade negra

é uma construção que só se inicia quando se toma consciência do processo

ideológico que aprisiona negros e negras numa imagem alienada e negativa.

Assim, Souza defende que ser negro ou constituir uma identidade negra é tomar

posse desta consciência, é uma tarefa política que exige a contestação do

modelo estabelecido – que impõe um lugar ao negro. Dessa forma, para a

autora, ser negro não é uma condição – é um vir a ser, ou o que chama de

“tornar-se negro”.

Para Gomes (2002), a identidade negra deve ser entendida como:

“uma construção social, histórica e cultural repleta de densidade, de conflitos e de diálogos. Ela implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da relação com o outro. Um olhar que, quando confrontado com o do outro, volta-se sobre si mesmo, pois só o outro interpela nossa própria identidade. A identidade negra é também uma construção política. Por isso, ela não pode ser vista de forma idealizada ou romantizada. O que isso significa? Significa que, no contexto das relações de poder e dominação vividas historicamente pelos negros, no Brasil e na diáspora, a construção de elos simbólicos vinculados à uma matriz cultural africana tornou-se um imperativo na trajetória de vida e política

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dos(as) negros(as) brasileiros(as). Ser negro e afirmar-se negro, no Brasil, não se limita à cor da pele. É uma postura política.” (GOMES, 2002, p. 39)

Gomes (2003) acrescenta que é no âmbito da cultura e da história que,

enquanto sujeitos sociais, definimos as identidades. A autora coloca

‘identidades’ por acreditar que todas essas identidades (de gênero, sexuais,

raciais, de classe...) se constituem da mesma forma: a partir da relação que se

tem com grupos sociais, com instituições, e de como essas situações se

apresentam e a forma com que reagimos a elas. Ainda segundo a autora,

reconhecer-se numa identidade supõe responder afirmativamente a uma

interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de

referência.

Segundo Gomes (2003), a identidade negra:

se constrói gradativamente, num movimento que envolve inúmeras

variáveis, causas e efeitos, desde as primeiras relações estabelecidas

no grupo social mais íntimo, no qual os contatos pessoais se

estabelecem permeados de sanções e afetividades e onde se

elaboram os primeiros ensaios de uma futura visão de mundo.

Geralmente este processo se inicia na família e vai criando

ramificações e desdobramentos a partir das outras relações que o

sujeito estabelece. (GOMES, 2003)

Gomes acredita que a identidade negra é uma construção social, histórica,

cultural e política. Implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de

sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial, sobre si mesmos, a

partir da relação com o outro. A autora conclui que:

a identidade negra também é construída durante a trajetória escolar, e

que, portanto, a escola tem a responsabilidade social e educativa de

compreendê-la na sua complexidade, respeitá-la, assim como às

outras identidades construídas pelos sujeitos que atuam no processo

educativo escolar, e lidar positivamente com a mesma. (GOMES, 2003)

Neste mesmo sentido, Zubaran e Silva (2012) nos alertam que o

pertencimento precede a construção da identidade. Para as autoras, a

desumanização dos negros a partir das teorias raciais, a constituição do racismo,

a ideologia de democracia racial e o discurso de branqueamento são algumas

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das questões que dificultam a obtenção do sentimento de pertença da

comunidade negra. Dessa forma, a constituição da identidade da comunidade

afrodescendente é comprometida de forma significativa, uma vez que:

Os negros só teriam chance de reconhecimento e ascensão social caso se assimilassem à cultura branca. Desse modo, na perspectiva da democracia racial, passava-se a associar pertencimento étnico-racial de raiz europeia à obtenção de sucesso na sociedade brasileira. (ZUBARAN E SILVA, 2012)

Também nessa linha, Ferreira (2000) acredita que a identidade é uma

construção. Como tal, faz-se a partir de experiências pessoais que ocorrem

numa articulação de sua visão de mundo e de si mesmo, sendo incluídos seus

conceitos, crenças, ideias, atribuições de si e de seu ambiente físico e social.

Para o autor, é como se o homem construísse teorias pessoais sobre o que lhe

rodeia – tanto material quanto socialmente –, e essas teorias passam a guiar e

referenciar seu relacionamento social, favorecendo um ambiente seguro para

seus projetos individuais e coletivos.

Ferreira explica que “a experiência psicológica encerra um caráter de

construção permanente, em que as especificidades das experiências pessoais

determinam a maneira como o indivíduo constrói suas referências de mundo” –

ou seja, sua identidade. Dessa forma, a identidade é uma referência em torno da

qual a pessoa se constitui. É importante dizer que essa experiência não é

estática, mas um processo dinâmico, sempre associado a mudanças e a

(re)construções a partir das referências e experimentações individuais e

coletivas.

Em relação à construção da identidade afrodescendente, Ferreira (2000)

se ancora em estudos anteriormente realizados para apresentar o

desenvolvimento da identidade afrodescendente em quatro estágios: submissão;

impacto; militância; e articulação.

Esta divisão apresentada por Ferreira nos permite compreender como se

dá o desenvolvimento da identidade afrodescendente de maneira muito

interessante, pois apresenta, em cada estágio, a ocorrência de processos

transitórios na construção da subjetividade.

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No estágio de submissão, o afrodescendente se submete às crenças e

valores da cultura branca, eurocêntrica e dominante, assimilando a ideia de que

o branco é certo e o negro é errado – sendo que esta internalização de

estereótipos negativos ocorre de maneira inconsciente.

O tema geral, em torno do qual as pessoas neste estágio se articulam, corresponde a uma idealização da visão dominante de mundo branco, visto como superior. Em decorrência, há uma desvalorização do mundo negro ou uma tendência dos indivíduos a assumirem como insignificante para suas vidas o fato de serem afro descendentes. (FERREIRA, 2000)

Para que essa concepção se mantenha, o afrodescendente desenvolve

formas de se dissociar, afastando-se de referências negras das quais faz parte,

e assimilando valores brancos. Acontece aqui uma negação do pertencimento –

ou seja, o indivíduo busca se afastar daquilo que lhe determina a pertença.

Ferreira afirma que, neste estágio, é comum os indivíduos encararem as

categorias raça e etnia como problema de estigma, desenvolvido pela

discriminação racial.

No estágio de submissão, o afrodescendente busca fugir de tudo o que

pode relacioná-lo às suas raízes étnico-raciais, tentando se aproximar ao

máximo de valores eurocêntricos, negando a existência do racismo e valorizando

a ideologia de democracia racial.

“Porque aprender sobre indígenas e africanos é inútil”

Participante: 231; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado: SP;

Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio.

“Pois o assunto não me interessa.” Participante: 216; Sexo:

Masculino; Raça/ cor: Preta; Estado: PR; Escola: Pública; 3º Ano -

Ensino Médio.

“Não, pois eu entendo que isso esteja me rotulando e eu acredito

que isso até seja algo racista” Participante: 225; Sexo: Masculino;

Raça/ cor: Preta; Estado: RJ; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

As falas dos adolescentes 231, 216 e 225, ilustram bem a forma de pensar

do negro na fase de submissão. Observe que ao afirmar que aprender sobre

indígenas e africanos é inútil, o adolescente tenta se colocar numa posição de

distanciamento, tenta se aproximar dos valores brancos numa tentativa de se

auto afirmar como diferente. O mesmo acontece com o estudante 216 ao afirmar

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que o assunto não o interessa, isso porque para ele o assunto não lhe afeta, não

lhe toca e por essa razão não vê a necessidade de discuti-lo. Já o adolescente

225, vai além ao afirmar que isso o rotula e portanto se configura como algo

racista, uma vez que, ele mesmo não deseja ser destacado enquanto negro,

dessa forma percebemos a tentativa de um distanciamento que, para ele pode

lhe aproximar dos valores da branquitude.

No estágio de impacto, o afrodescendente começa a perceber as

questões raciais e a descobrir o grupo étnico-racial ao qual pertence. O indivíduo

que se encontra no estágio de impacto tende a permanecer nele até que ocorra

uma experiência que rompa a sua resistência. “É o momento no qual torna-se

impossível negar a não aceitação por parte do “mundo branco””. São

experiências que destroem a visão de mundo presente, aplicando um choque de

realidade e apresentando novos sentidos. É um momento de espanto, o

momento de tomada de consciência quanto a sua condição racial num mundo

dominado por uma visão do branco. Ferreira nos mostra que o “estágio de

impacto passa a desenvolver-se no indivíduo a partir do momento da tomada de

consciência da discriminação, sofrida ao longo da vida, exercida pelo grupo de

hegemonia branca.”

O estágio de militância, por sua vez, caracteriza-se por ser o momento de

construção de uma identidade afro-centrada:

Após o período de conflito no qual o afro-descendente vê desarticular-se a estrutura de subjetividade provedora de sustentação e segurança, inicia-se um processo de intensa metamorfose pessoal, em que ele vai, gradualmente, demolindo velhas perspectivas e, ao mesmo tempo, passa a desenvolver uma nova estrutura pessoal referenciada em valores etno-raciais de matrizes africanas. (FERREIRA, 2000)

Este é o momento em que a pessoa se decide por uma mudança: ela já

tem familiaridade com os aspectos da identidade a serem desconstruídos,

contudo não conhece a estrutura daqueles que precisará formar. “A estrutura

pessoal entra em colapso e suas referências passam a ser valoradas de maneira

negativa”. Esta é uma situação muito incômoda, pois a pessoa não tem

referências muito definidas de como tornar-se negra. Neste estágio, são comuns

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comportamentos radicalizados e obsessivos, e uma ideologia pouco flexível e

muitas vezes dicotômica.

Durante o estágio de articulação, a pessoa “passa a desenvolver uma

perspectiva afro-centrada não estereotipada, com atitudes voltadas à

valorização das qualidades referentes à sua negritude mais abertas e menos

defensivas”. Percebe-se aí a pertença: o grupo negro passa a ser sua maior

referência.

As pessoas neste estágio são mais abertas à articulação com outros

grupos, mantendo suas características e negritude – porém favoráveis ao

diálogo e à compreensão do diferente. É nesse estágio que a pessoa consegue

se perceber mudada, e altera seu grupo de referência – que se encontra então

completamente enraizado na cultura negra.

A conceituação destes estágios será importante, mais adiante, para a

compreensão de algumas falas dos adolescentes afrodescendentes e para o

entendimento dos estágios de constituição da identidade pelos quais eles

possivelmente podem estar transitando.

Hall (2006) nos diz que a identidade – no contexto sociológico – é a

combinação entre o interior e o exterior, entre o mundo pessoal e o público. Para

ele,

O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos os seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinharmos nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade então costura [...] o sujeito à estrutura. (HALL, 2006 p. 11 -12)

Em resumo, nossas identidades são moldadas a partir do que tomamos

como pertença, e das representações que fazemos de nós mesmos, da estrutura

social e do que nos é apresentado enquanto sujeitos. Neste sentido, a partir do

desenvolvimento de um questionamento sobre a constituição da identidade dos

adolescentes, buscamos compreender de que forma o conteúdo relacionado às

relações étnico-raciais pode ter impactado a constituição de suas próprias

identidades.

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A partir do diálogo com estes autores, tomaremos como processo

construtivo para este estudo a visão da identidade como uma construção que

engloba os âmbitos da estrutura social, política e cultural dos indivíduos – isto é,

partimos da compreensão de que a identidade se constitui e se constrói numa

interligação e no equilíbrio destes componentes.

4.1.2 O que dizem os Adolescentes quanto ao Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileiras e Africanas e a constituição de suas identidades?

Neste tópico optamos por trazer dados que ilustram o que os

adolescentes disseram a respeito do estudo das africanidades, dessa forma

utilizamos os dados extraídos a partir de duas questões que compuseram o

questionário respondido pelos adolescentes . A primeira é apresentada a seguir,

no gráfico 13, e analisamos seu desdobramento na sequência – ou seja, o que

os adolescentes participantes da pesquisa disseram ao serem convidados a

justificar sua resposta.

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Gráfico 13 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você acha que ter contato com Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas impactou o modo como você constitui sua própria identidade?”

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

Dos estudantes que responderam que ter contato com o Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas não impactou o modo como

constituem sua própria identidade (31%), observamos que 47,4% são do sexo

feminino, e 52,6%, do masculino; 54,1% são brancos; 36,7%, pardos; 6%, pretos;

0,5% são indígenas; e 2% se autodeclaram asiáticos. Quanto à região em que

residem, cruzamos os dados para verificar o percentual destes adolescentes que

se encontra nos estados Sul e Sudeste: 69,2% dos pretos, 62,5% dos pardos e

84% dos brancos. Esses dados nos mostram que a maioria dos estudantes que

dizem não ter sido impactados pelo estudo de história e cultura africanas – sejam

eles pardos, brancos ou pretos – reside nas regiões Sul e Sudeste. Isso nos

remete a uma questão apresentada anteriormente: nestas regiões, o processo

de constituição da identidade não ocorre da mesma forma que nas demais. Esse

fato também sugere que a implementação da Lei n°10.639 não obedece aos

mesmos parâmetros ou não acontece de forma efetiva nas diversas regiões do

país.

Quanto aos 69% dos adolescentes que disseram ter sido impactados pelo

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estudo das africanidades temos que: 70% deles são oriundos de escolas da rede

pública; 30% da rede privada; 47% são negros, 50% se autodeclararam brancos,

asiáticos e indígenas aparecem com a margem de 1,5% cada. Estes dados nos

mostram que dentre os que se sentiram impactados pelo estudo das

africanidades o percentual de branco é ligeiramente maior, mais adiante

traremos discussões que evidenciam de que forma estes adolescentes disseram

ter sido impactados.

Ao justificarem a resposta da questão anterior, em espaço disponível para

discorrerem em formato de livre redação, várias foram as explicações.

Passaremos a apresentar estas respostas tentando, a partir delas, promover

uma discussão em diálogo com as teorias que achamos importantes para a

compreensão destas questões.

Resgatamos aqui nossas hipóteses de pesquisa, pois agora

conseguimos, de forma mais concreta, apresentá-las através do que disseram

os adolescentes.

Nossa primeira hipótese é a de que a Lei n°10.639/03 ainda não está

totalmente implementada em todas as escolas; isso pode ser comprovado pelas

questões anteriores já discutidas, e é reafirmado a partir das respostas dos

estudantes disponibilizadas a seguir.

Nossa segunda hipótese é a de que o ensino de história e cultura

africanas e afro-brasileiras, quando bem desenvolvido pela escola, pode

impactar positivamente a construção da identidade de estudantes negros e

brancos.

A terceira hipótese presume que a análise da trajetória escolar de jovens

cuja escolarização coincide com a vigência da Lei pode nos oferecer importantes

dados sobre a questão;

E nossa última hipótese assume que os jovens são sujeitos sociais,

informantes importantes sobre elementos da sociedade em que vivem, e,

sobretudo, os maiores conhecedores dos elementos que dizem respeito às suas

vidas – portanto, seus pontos de vista constituem uma parte da história que deve

ser considerada nas pesquisas sobre a questão.

Categorizamos a seguir alguns grupos de respostas que buscam elucidar

nossas hipóteses. O primeiro se refere à ausência de abordagem ou à

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abordagem insuficiente dos conteúdos relacionados à Lei n°10.639: as

respostas que se relacionavam ao fato de os adolescentes afirmarem que não

tiveram ou não se lembravam de ter estudado sobre as relações étnico-raciais.

A pergunta que gerou esta reflexão foi o desdobramento do

questionamento sobre se os estudantes foram impactados pelo estudo de

história e cultura africanas e afro-brasileiras. As respostas a seguir representam

as justificativas dos adolescentes que responderam de forma negativa ao

questionamento citado.

“Porque foram coisas bem superficialmente vistas.” Participante:

29; Sexo: Feminino; Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 9º Ano do

Ensino Fundamental.

“Foram insuficientes para causar tal impacto em minha vida.”

Participante: 94; Sexo: Feminino; Raça/cor: Parda; Escola: Pública;

Ensino médio.

“As atividades escolares não foram tão influentes assim.”

Participante: 25; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: SC;

Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.

“Pois não foi nada aprofundado para me provocar a questionar

sobre.” Participante: 367; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Preta; Estado:

BA; Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.

“Não consigo me lembrar por ser superficial as atividades na

escola.” Participante: 376; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado:

SP; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

“Pois não me lembro.” Participante: 331; Sexo: Feminino; Raça/ cor:

Amarela (asiático); Estado: ES; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

“Acho que não foi muito efetivo pois eu estudei sobre a África

apenas nas aulas de história. Não houve nenhum tipo de incentivo

sobre tais assuntos.” Participante: 350; Sexo: Feminino; Raça/ cor:

Parda; Estado: RJ; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.

Estas participantes, todas de escola pública, ressaltam a superficialidade

do conteúdo trabalhado como justificativa por não se sentirem impactadas ou

influenciadas de maneira significativa. Algumas chegam a dizer que não se

lembram devido à superficialidade com que o conteúdo aparece no currículo,

não produzindo assim nenhuma marca que as fizessem lembrar de ter ao menos

discutido a história da África e dos afrodescendentes. Além disso, também

percebemos, a partir da fala da participante 350, a limitação das discussões à

disciplina de história. Mais uma vez, apresentamos nossas preocupações com

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as especificações expressas na Lei, que abrem margem para dupla

interpretação ao afirmarem que os conteúdos devem ser trabalhados

preferencialmente nas disciplinas de história, educação artística e literatura.

“[...] Na escola não lidamos muito com essas questões, quanto

deveria.” Participante: 44; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Parda; Estado:

MG; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

“Tudo o que sei da minha raça, aprendi com a vida, sem a ajuda

da escola.” Participante: 51; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Parda;

Estado: RS; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

Para a participante 44, a escola trabalha menos do que deveria estas

questões. Esta visão é compartilhada com a participante 51, autodeclarada

parda, que acrescenta que tudo que aprendeu sobre a sua raça se deu com a

vida, afirmando que a escola não a ajudou nesse processo.

“Nada.” Participante: 61; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado:

PE; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

O estudante 61 foi categórico ao afirmar que não aprendeu “nada”. Esta

resposta nos deixou bastante intrigados, tendo em vista que ele poderia ter dito

que não aprendeu nada ainda que o conteúdo tivesse sido trabalhado. Sendo

assim, buscamos maiores informações no formulário preenchido por ele, e

percebemos que este participante disse nunca ter ouvido falar sobre a Lei

n°10.639/03 e acredita que ter conhecimento da mesma não mudaria nada em

sua vida. No entanto, o mesmo estudante declara já ter sofrido ações racistas

fora do ambiente escolar, ao mesmo tempo em que relata também ter tido

atitudes racistas em algum momento de sua vida. Percebemos aqui um

desinteresse por parte do estudante em falar sobre as questões raciais que o

afligem, mesmo tendo se autodeclarado pardo. Nesse sentido, podemos verificar

uma revolta por parte dele quanto ao trato de questões relacionadas a sua

própria identidade. Contudo não temos elementos suficientes para aprofundar

uma análise teórica, tendo em vista que as respostas oferecidas pelo participante

foram sempre muito curtas e sem argumentação. Soma-se a isso o fato de que

a pesquisa aconteceu a partir do preenchimento de um questionário on-line, e

não tivemos contato direto com o estudante.

“Foram baseadas em outros fatores.” Participante: 92; Sexo:

Masculino; Raça/ cor: Preta; Estado: PR; Escola: Privada; 3º Ano -

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Ensino Médio.

O estudante 92, de escola da rede privada, autodeclarado preto, afirma

que as atividades trabalhadas na escola foram baseadas em outros fatores –

visão consonante à apresentada pelo estudante 140, também oriundo de escola

da rede privada, que justifica que a escola apresentou conceitos voltados para

os aspectos históricos com o objetivo de atender às exigências dos vestibulares.

“Obtive apenas conhecimentos históricos a ponto de saber o que

cai no vestibular, não a ponto de entender e refletir.” Participante:

140; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP; Escola: Privada;

2º Ano - Ensino Médio.

Outra estudante da rede privada de ensino declara:

“Achei muito interessante, porém não houve aprofundamento no

Ensino Médio.” Participante: 171; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca;

Estado: RJ; Escola: Privada; 3º Ano - Ensino Médio.

Estas afirmações nos fazem pensar sobre como a rede privada tem

percebido a implementação da Lei n°10.639/03 nos seus currículos. Parece

haver uma preocupação muito mais contundente com o conteúdo a ser abordado

pelo sistema de admissão de estudantes nas universidades do que com o próprio

processo de educação destes adolescentes. Cabem aqui alguns

questionamentos: como as universidades públicas e privadas e o Governo

Federal têm visto a Lei n°10.639/03?

“Porque eu não lembro.” Participante: 121; Sexo: Feminino; Raça/

cor: Parda; Estado: SP; Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.

“Porque não deram devida importância.” Participante: 141; Sexo:

Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP; Escola: Privada; 2º Ano -

Ensino Médio.

“Nunca participei por conta própria, sempre foram trabalhos,

seminários e projetos que computavam pontos.” Participante: 234;

Sexo: Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado: SP; Escola: Privada; 1º

Ano - Ensino Médio.

Também nos causou bastante incômodo o fato de que muitos

adolescentes apresentaram visões estereotipadas da África e do estudo de

história e cultura africanas e afro-brasileiras – principalmente porque a proposta

da implementação destes conteúdos no currículo escolar buscava exatamente

extinguir este tipo de visão, que já vinha sendo reforçado pela escola há

décadas. No entanto, o que vemos nas falas de vários estudantes nos aponta o

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contrário.

“Porque eles passam fome, sede e nós temos coisas melhores

para viver.” Participante: 19; Sexo: Masculino; Raça/cor: Parda;

Escola: Pública; 8º Ano do Ensino Fundamental.

“Porque eles têm o estilo de vida diferente do atual.” Participante:

20; Sexo: Feminino; Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 8º Ano do

Ensino Fundamental.

“Vivo no futuro não penso no passado não vou mudar minha

forma de agir numa coisa de séculos atrás.” Participante: 45; Sexo:

Masculino; Raça/cor: Parda; Escola: Privada; 9º Ano do Ensino

Fundamental.

A visão apresentada por estes adolescentes nos remete a um continente

que vive em miséria e conflitos assustadores, em que a fome é o cartão postal –

enquanto aqui temos uma vida completamente diferente, pois temos melhores

condições para viver. Este pensamento abre margem para que o continente

africano continue sendo visto como um local desprovido de riquezas naturais e

culturais, e amplia a desumanização atribuída ao povo africano – enfim, reforça

todos os estereótipos que já são comuns desde os tempos de escravização do

povo africano.

As ideologias raciais de supremacia branca e inferioridade negra, do

ponto de vista científico, foram rechaçadas e não se configuram como teorias

válidas na atualidade. Contudo deixaram um legado de desumanização. Fanon

(2008) relata que elas alimentam o racismo até os dias atuais. Este processo de

desumanização, no entanto, não acomete apenas aos negros: é um processo

que desumaniza negros e brancos e está enraizado no ideário racial que

atravessa, em diversos momentos, a constituição das identidades.

Isso pode ser visto nas falas dos estudantes de forma positiva, quando

dizem que estudar as questões relacionadas à história africana e afro-brasileira

os tornou “mais humanos”.

“Estes tipos de ensinamentos nos ajudam a ser "mais humanos"”

Participante: 87; Sexo: Feminino; Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 7º

Ano do Ensino Fundamental.

“Porque percebi que sou igual a todos” Participante: 136; Sexo:

Feminino; Raça/cor: Parda; Escola: Privada; 8º Ano do Ensino

Fundamental.

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Ao afirmar que percebeu que é “igual a todos”, a participante 136 nos

sinaliza que sua construção ideológica das relações raciais anteriores lhe

embutia uma inferioridade que a fazia pensar que não seria “igual a todos” do

ponto de vista de direitos. Dizemos isso porque, do ponto de vista de

individualidades e subjetividades, sabemos que ninguém é igual ao outro.

“Me fez pensar sobre o sofrimento que eles passaram e ainda

passam, e ter a noção de que isso deve mudar já que também são

seres humanos iguaizinhos a qualquer outro.” Participante: 10;

Sexo: Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado: SP; Escola: Privada; 2º

Ano - Ensino Médio.

O estudante identificado com o número 10 traz em sua fala a percepção

de que a desumanização dos povos negros ainda se faz presente, e busca

argumentar que o sofrimento pelo qual os negros passaram (supomos que ele

se refira ao período de escravização) deve ter fim, justificando que “são seres

humanos iguaizinhos a qualquer outro.” Um ponto curioso nesta declaração é

que o estudante se autodeclara pardo, mas trata os negros como sendo os

outros – numa tentativa de se ausentar desta categorização da qual ele não se

sente pertencente. Neste sentido, através do artigo “Diversidade, diferença e

mal-estar: ensaio para novos modos de pensar o ato educativo”, desenvolvido

por Souza e Tebet (2017), buscamos compreender esta noção de outro. As

autoras constroem o artigo a partir de um diálogo com Freud, Foucault e

Deleuze. Na visão das pesquisadoras, a questão do outro, do estrangeiro, nasce

como forma de controlar e manter a ordem das coisas – uma vez que a

convivência com grupos ou indivíduos em que se nota uma diferença, ou seja,

aqueles que não reconheço como membros do meu grupo, devem ser

controlados numa tentativa de não destruir a ordem constituída. As

pesquisadoras exemplificam sua argumentação com a ideia das fraternidades,

que,

[...] nesse sentido, podem ser compreendidas como uma dessas

formas de controle. Como agremiações humanas não permitem a

diferença fora de um laço forte de união em torno de um conjunto de

princípios e/ou de práticas que os identifiquem como sendo do mesmo

partido, da mesma raça, do mesmo time, crentes da mesma fé etc. É

um misto de ódio e de amor (admiração, inveja etc.) que une os

semelhantes contra o estrangeiro, porque este põe a nu a

arbitrariedade das regras, mantidas por convenção ou acordo; de fato,

o estrangeiro mostra que outras formas de existência e de gozo são

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possíveis, formas que uma fraternidade duramente se empenhou em

reprimir para se manter una. Em outras palavras, a segregação funda

a fraternidade [...] (SOUZA; TEBET, 2017).

O artigo segue apresentando as inúmeras formas de demonstração de

controle e manutenção do poder que se constituem a partir do não

reconhecimento e aceitação das diferenças, aliadas “às certezas” ideológicas

apresentadas por ativistas políticos que instigam “o ódio e a morte – mesmo

simbólica – do outro considerado maléfico (o problema é sempre do outro, que

insiste e resiste em não ser cópia ou modelo daquele que o mira)” (SOUZA;

TEBET, 2017).

As pesquisadoras concluem o artigo destacando que:

[...] a pacificação das diferenças nos faz reproduzir o mesmo e nos torna o mesmo; a pacificação do conflito, sua negação ou conciliação fraterna, impede-nos de receber o estrangeiro que somos para nós mesmos e em relação àquele que nos afronta com seu olhar. (SOUZA; TEBET, 2017)

Dizendo de outro modo, é necessário que possamos compreender que as

diferenças que constituem o outro não nos distanciam, nem nos desumanizam.

São apenas outras formas de constituição do ser, de leitura de mundo e/ou de

compreensão do cosmos.

Nogueira (2014), no artigo “Políticas de identidade, branquitude e

pertencimento étnico-racial”, traz outro olhar acerca desta questão. A partir de

uma perspectiva de visão de mundo africana, a autora faz uma importante

explanação a respeito do pertencimento. Para ela,

Dentro da especificidade da luta pela humanização, reconhecimento e emancipação, tanto de brasileiros descendentes de europeus quanto de descendentes de africanos, o sentimento de pertencimento étnico-racial torna-se um fator-chave para a constituição de uma identidade política afirmativa (emancipatória) tanto para afro-brasileiros, colonizados e negros quanto para descendentes de europeus, colonizadores e brancos. (NOGUEIRA, 2014, p.56)

Nogueira diz ainda que a compreensão do pertencimento étnico-racial

está diretamente relacionada ao entendimento de pertença ao gênero humano.

Ou seja, sentir-se parte ou pertencer a um grupo de pessoas pressupõe

entender-se enquanto ser humano. Porém, para a autora, esta relação não é

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algo simples – pois nem toda relação entre pessoas constitui processos de

humanização. Neste sentido, Nogueira apresenta um paradigma africano que

traduz o que significa ser humano: “a pessoa só se pode reconhecer como

humana a partir do momento em que reconhece a humanidade do Outro ou das

outras pessoas”. Dessa forma, ainda segundo a autora, ao perceber outras

pessoas como humanas, reconheço a minha própria humanidade e a partir daí

posso desenvolver o sentimento de que pertencemos coletivamente ao gênero

humano.

Assim, quanto às relações étnico-raciais, Nogueira diz que a incapacidade

de compreender e reconhecer que outras pessoas podem ter outras origens e

pertencer a outras culturas e serem tão humanas quanto as outras significa a

incapacidade de reconhecer que a minha origem e a minha pertença cultural não

são as únicas no mundo.

As falas abaixo exemplificam o que Nogueira apresenta como

pertencimento étnico-racial:

“Pois eu não sou que nem eles” Participante: 47; Sexo: Feminino;

Raça/ cor: Parda; Estado: PR; Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio.

“Porque me ensinou que não existe uma etnia-racial inferior do

que a minha” Participante: 318; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca;

Estado: SP; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.

Quando observamos as falas da estudante 47 e do participante 318,

percebemos muito nitidamente a existência dessa desumanização – em

situações distintas. Na primeira, a estudante afirma não ser “que nem eles” – o

que deixa nítida sua visão desumanizada da questão étnico-racial e seu

desprezo pela temática. Salientamos que a estudante 47 é oriunda de uma

escola da rede privada, residente no estado do Paraná, e, mesmo afirmando não

ser “que nem eles”, se autodeclara parda – portanto é considerada negra.

Contudo sua declaração conota uma desumanidade que, como já dissemos, não

acomete apenas aos brancos.

No segundo caso, o estudante apresenta como argumento o fato de que,

ao estudar sobre a história e cultura africanas e afro-brasileiras, teve a

possibilidade de perceber e de reconhecer a humanidade do outro – resgatando

assim, de acordo com a visão africana, sua humanidade.

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A visão de desumanização do ser se configura em formas muito cruéis de

imprimir sofrimento e opressão ao outro, como podemos observar nas falas a

seguir:

“Porque quando se é negra, em uma sala onde a maioria é branco,

as vezes você deseja ter nascido de outra cor” Participante: 351;

Sexo: Feminino; Raça/ cor: Preta; Estado: MG; Escola: Pública; 1º Ano

- Ensino Médio.

O que podemos perceber a partir deste relato é que a estudante se

envergonha e sofre pelo fato de ser negra numa realidade que valoriza a

branquitude como modelo de beleza, inteligência e humanidade. Esta

desumanização se apresenta de forma tão hostil que a estudante –

autodeclarada preta – deseja ter nascido de outra cor para, provavelmente, evitar

passar por situações que são desagradáveis e agressivas.

Na fala do adolescente 152, é possível perceber que o contato com uma

educação antirracista possibilitou que ele se percebesse enquanto ser humano,

reconhecendo sua própria humanidade e se desvencilhando de uma visão que

o oprimia e imprimia nele o papel de subalterno, ao qual foi submetido e ensinado

por sua cor.

“Pude me enxergar e me ver pertencente como coisa boa. Não só

para coisa ruim. Achava que meu papel seria o de servir, como fui

ensinado.” Participante: 152; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Preta;

Estado: RJ; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.

Também como argumentação, encontramos alguns adolescentes que

buscavam justificar seus relatos na ideologia de democracia racial – que até hoje

reverbera no imaginário brasileiro.

“Somos todos iguais.” Participante: 99; Sexo: Feminino; Raça/ cor:

Parda; Estado: MG; Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.

“Eu sempre tive amigos de várias raças.” Participante: 174; Sexo:

Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: PR; Escola: Pública; 2º Ano -

Ensino Médio.

Para esses participantes, o fato de sermos “todos iguais” ou de termos

“amigos de várias raças” são suficientes para que a temática não seja

desenvolvida no contexto escolar. Na visão deles, isso já configura, por si só,

que vivemos numa democracia racial – portanto não seria necessário apresentar

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como conteúdo na educação básica as abordagens sobre a constituição do povo

brasileiro. Almeida (2018), ao apresentar a concepção individualista de racismo,

nos permite compreender visões como a apresentada pelo estudante 174: o

racismo é justificado como um ato individual ou de um grupo, e que, por essa

razão, é visto como patológico e irracional – mascarando assim a forma

estrutural com que ele se desenvolveu no bojo da nossa sociedade.

Argumentações como as apresentadas por estes adolescentes foram

responsáveis por muito tempo pela perpetuação do racismo, pela naturalização

das desigualdades e pela culpabilização das vítimas.

Ademais as africanidades ou mesmo a presença do negro na escola são

algo recente, como podemos ver no artigo “Movimentos negros e o direito à

educação: das lutas pelo acesso à implementação da lei 10.639/2003 no

contexto escolar brasileiro”, em que Campos e Tebet (2018) discutem o contexto

escolar brasileiro e as políticas voltadas para o campo da educação numa

contextualização histórica. Estes autores nos possibilitam compreender como o

Estado brasileiro foi responsável, ora por omissão e ora por imposição de leis,

pela perpetuação da discriminação e estruturação do racismo no país.

Na história da educação brasileira, destaca-se a maneira pela qual as

políticas públicas se emaranhavam aos interesses conservadores, que tinham

como objetivo dificultar o acesso de grupos étnicos – ou seja, as minorias. Dessa

forma, os grupos elitizados se perpetuaram no comando do “poder político,

econômico, social e impuseram a sua cultura por meio da ideologia de

superioridade, inferiorizando os africanos, afro-brasileiros e os povos indígenas”

(CAMPOS; TEBET, 2018). Ainda neste sentido, os autores pontuam que o

Estado brasileiro determinou quem poderia ter acesso à educação no país a

partir da criação de decretos e leis – como o Decreto nº 1.331 de Fevereiro de

1854, que versava sobre o perfil das pessoas que poderiam ser admitidas na

escola. Esse decreto limitava, por consequência, o acesso das pessoas

escravizadas – uma vez que proibiam a matrícula de meninos que não

estivessem contaminados com doenças contagiosas; que não estivessem

vacinados e escravos – cabe aqui destacar que o estudo só era permitido aos

homens. Ora, a população que se encontrava envolvida por estes critérios era

composta em sua grande maioria por negros escravizados. Na mesma linha,

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seguem outros decretos, como o 7.031-A, de 06 de setembro de 1878, que cria

cursos noturnos para adultos nas escolas públicas – contudo esta criação se

limitava às escolas urbanas. Ou seja, não poderiam existir tais cursos nas

escolas periféricas, mais uma clara forma de limitar o acesso aos negros, uma

vez que estes residiam nas periferias e não tinham acesso facilitado às áreas

urbanas.

Os autores continuam a apresentar argumentos que evidenciam a

exclusão de negros e indígenas no processo educacional do país e, a partir

disso, percebem que:

[...] a nossa educação foi edificada, dentro de uma óptica restrita, com acesso quase impossível para os escravizados, e assim permaneceu ao longo da história, por meio de reorganização na tentativa de dificultar o acesso dos ex-escravizados e, por conseguinte dos afro-brasileiros [...].

Em meio a todo esse debate, percebemos que as classes dirigentes ao comandar os aparelhos do Estado não se preocuparam com o desenvolvimento de ações sociais que atendessem de maneira democrática a todos os cidadãos, mas estiveram preocupados apenas com os seus interesses exclusivos. Os detentores do poder político criaram dispositivos eficazes para barrar o acesso dos negros à educação [...]. (CAMPOS; TEBET, 2018)

Como consequências desse processo histórico no Brasil, os autores

afirmam que os negros tiveram suas vidas marcadas pela “exclusão,

discriminação, subserviência e opressão de um sistema econômico, político e

social cruel”, desenvolvido através de um “modelo de educação escolar que, ao

longo de nossa história, não soube dialogar com as diferenças étnico-raciais do

povo brasileiro” (CAMPOS; TEBET, 2018).

Por esta razão, não podemos ter uma visão romantizada das relações

raciais no Brasil, como a apresentada por Freyre (2003) no livro Casa Grande &

Senzala, uma vez que elas ainda se mantêm vivas no imaginário popular. Esta

é, sem dúvida, uma das razões pelas quais se faz necessário que outras histórias

sejam contadas no contexto escolar, para que crianças e adolescentes tenham

uma percepção diversa de como se configuram as relações racializadas no país.

O tópico apresentado, nos mostra algumas das reflexões relacionadas ao

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que disseram os adolescentes quanto aos impactos que o estudo das

africanidades trouxe para suas vidas, no entanto, pudemos perceber que, de

acordo com o que eles apresentam, há muito que se aprimorar no que se refere

a abordagem do tema, isso porque na argumentação dos adolescentes é

recorrente a afirmação de que ou não aprenderam muita coisa, ou que os

conteúdos abordados foram superficiais. Este tipo de abordagem superficial, nos

possibilita perceber que, no imaginário desses adolescentes ainda permanece o

mito da democracia racial, o conceito de meritocracia e uma visão muito

estereotipada do continente africano. Entretanto, para alguns adolescentes,

principalmente para os autodeclarados pretos ou pardos o estudo das

africanidades funcionou como uma forma de autoafirmação e reconhecimento

de suas origens.

4.1.3 Identidade e Branquitude

Ao analisar os dados percebemos o quanto as questões relacionadas a

branquitude aparecem e através toda a construção das argumentações da

maioria dos adolescentes, isto é, uma quantidade muito grande de adolescentes

justificou suas respostas a partir de uma visão de branquitude e privilégios. A

partir disso, buscamos através deste tópico, sistematizar uma leitura destes

dados de maneira a dialogar com as principais teorias relacionadas ao estudo

da branquitude. Dessa forma, buscamos as definições sobre branquitude,

partindo do que está sendo produzido pela sociologia e pela psicologia social a

este respeito.

Primeiramente, acreditamos que seja necessário explicar por que

utilizaremos o termo branquitude ao invés de branquidade. Não existe um

consenso entre os pesquisadores quanto à utilização do termo branquitude ou

branquidade quando se busca dialogar sobre as questões relacionadas à

identidade racial branca. Para alguns autores, como Liv Sovik (2004; 2009) apud

Cardoso (2017), as expressões se assemelham; para outros, como Edith Piza

(2005) apud Cardoso (2017), são distintos:

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O termo branquidade que ela [Piza] propõe baseia-se na negridade e o termo branquitude, na negritude. A negridade seria uma concepção do ativismo negro dos anos 1930, que busca se integrar no “mundo branco” rejeitando sua história cultural diaspórica, haja vista que a cultura ocidental, os valores branco-cêntricos, seriam mais elevados. É uma concepção do negro que rejeita parte de si e procura ser “educado”, no sentido de absorver os valores do universo ocidental. A negritude por outro lado, remete-se ao ativismo negro dos anos 1970, representado pelo Teatro Experimental do Negro. Trata-se de uma alusão ao negro que se aceita por inteiro em termos corporais e culturais. (CARDOSO, 2017, p. 47)

Nossa proposta de discussão busca trazer estes conceitos a partir do que

prega a psicologia social. Desta forma, optamos por trabalhar com o termo

branquitude, assim como faz Cida Bento (2002) no artigo “Branquitude e

Branqueamento”.

Quando se pensa em branquitude, de alguma forma, tentamos criar uma

ideia de oposição ao que se entende por negritude – contudo a questão é mais

ampla. Segundo Gaioli e Müller (2017), estudos atribuem a W. E. B. Du Bois as

primeiras teorizações sobre identidade racial da população branca. Mas é

importante dizer que, assim como com outros temas relacionados às questões

raciais, não há uma única visão acerca da temática. Sendo assim, utilizaremos

aqui conceitos de intelectuais como Müller e Cardoso (2017); Bento (2002); Silva

(2017) e Silvério (2002).

A branquitude, segundo Müller e Cardoso (2017), significa pertença

étnico-racial atribuída ao branco. Para esses autores, o conceito pode ser

entendido como o lugar mais elevado da hierarquia racial. Ser branco se

expressa na corporeidade e vai além do fenótipo. Ser branco consiste em ser

proprietário de privilégios raciais simbólicos e materiais.

Para Silva:

Os estudos críticos da branquitude nasceram da percepção de que era preciso analisar o papel da identidade racial branca enquanto elemento ativo nas relações raciais em sociedades marcadas pelo colonialismo europeu. (SILVA, 2017. p.21)

A branquitude, então, surge com a colonização em que a raça e a cor da

pele configuram-se como balizadores para as relações simbólicas de dominação

e poder, instituindo com isso, privilégios e posição de poder aos colonizadores.

Conforme nos afirma Silvério (2002), o encontro com os índios e pretos – neste

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caso, considerados o ‘outro’, numa tentativa de justificar sua desumanidade e

coisificação – permitiu aos colonizadores europeus entenderem a branquitude

como uma representação da identidade e ponto de referência para legitimar a

distinção e a superioridade, assegurando assim sua posição de privilégio.

Gadioli e Müller (2017) corroboram com estas ideias e acrescentam que

a branquitude se configura como sendo a identidade racial branca, na qual

prevalecem os privilégios simbólicos e materiais que contribuem para a

manutenção do status quo e reprodução de preconceitos. Além disso, acreditam

que a questão seja mais ampla que apenas a conceituação: para as autoras, a

questão envolve relações de poder, discute privilégios e conservação de práticas

discriminatórias.

Silva define branquitude da seguinte forma:

É um construto ideológico, no qual o branco se vê e classifica os não brancos a partir de seu ponto de vista. Ela implica vantagens materiais e simbólicas aos brancos em detrimento dos não brancos. Tais vantagens são frutos de uma desigual distribuição de poder (político, econômico e social) e de bens materiais e simbólicos. Ela apresenta-se como norma, ao mesmo tempo em que como identidade neutra, tendo a prerrogativa de fazer-se presente na consciência de seu portador, quando é conveniente, isto é, quando o que está em jogo é a perda de vantagens e privilégios. (SILVA, 2017, p. 27,28)

É possível perceber que é consenso entre os autores supracitados que a

branquitude trata da questão da identidade racial branca e dos privilégios que a

ela estão relacionados, além da relação de poder que se apresenta a partir da

questão.

Cardoso (2017) acrescenta a esta discussão a ideia de que existem dois

critérios de distinção da branquitude: a branquitude crítica e a branquitude

acrítica. O primeiro está relacionado àqueles (brancos) que se posicionam contra

o racismo, ou seja, ao indivíduo ou ao grupo de brancos que desaprovam

“publicamente” o racismo. O segundo se relaciona àqueles (brancos) que não

admitem seu racismo e, por essa razão, não o condenam e se percebem numa

posição hierarquicamente superior aos negros, ou seja, identidade branca

individual ou coletiva que argumenta a favor da superioridade racial. Trazemos

estas definições para ampliar o conhecimento sobre o que está sendo discutido

na academia sobre a ideia de branquitude. Além disso, é importante dizer que

as definições de Cardoso vêm servindo de base para o desenvolvimento de

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novos estudos relacionados à questão da branquitude, evidenciando discussões

importantes acerca da temática. Contudo não aprofundaremos esta vertente,

pois a proposição é apenas apresentar o que há de conceituação acerca da

branquitude.

Bento (2002), no texto “Branqueamento e Branquitude no Brasil”,

apresenta uma argumentação muito relevante para a compreensão da

branquitude – ou o que a autora chama de ‘traços da identidade racial do branco

brasileiro’. A autora acredita que o silêncio sobre o branco é uma espécie de

pacto em que os brancos não se reconhecem como parte essencial na

permanência das desigualdades raciais no Brasil. Esta afirmação é feita a partir

da conclusão de estudos que Bento realizou juntamente com o Centro de

Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT. A pesquisadora

afirma que os brancos reconhecem as desigualdades raciais, só que não as

associam à discriminação, situação que ela considera como primeiro sintoma da

branquitude. Em sua argumentação, evidencia que evitar focalizar o branco é

evitar discutir as diferentes dimensões do privilégio.

[...] o legado da escravidão para o branco é um assunto que o país não quer discutir, pois os brancos saíram da escravidão com uma herança simbólica e concreta extremamente positiva, fruto da apropriação do trabalho de quatro séculos de outro grupo. Há benefícios concretos e simbólicos em se evitar caracterizar o lugar ocupado pelo branco na história do Brasil. Este silêncio e cegueira permitem não prestar contas, não compensar, não indenizar os negros: no final das contas, são interesses econômicos em jogo. (BENTO, 2002, p.3)

Para Bento, o silêncio, a omissão e a distorção do lugar do branco na

situação das desigualdades raciais têm um forte componente narcísico9, de

autopreservação, uma vez que vem acompanhado de um grande investimento

na colocação desse grupo como referência da condição humana.

Ao trazer esta discussão, Bento busca fazer uma reflexão sobre dois

pontos: ter a si próprio como modelo e projetar sobre o outro as mazelas que

não se é capaz de assumir (para não arranhar o modelo). Segundo a autora, o

primeiro está associado ao narcisismo, e o segundo, à projeção. Assim, no

contexto das relações raciais, eles visam a justificar e legitimar a ideia de

9 A autora utiliza esta expressão freudiana para apresentar as ideias de amor a si mesmo ou ao seu grupo de pertença como forma de legitimação e preservação dos privilégios do grupo social. Situação que gera aversões ao que é diferente.

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superioridade de um grupo sobre o outro, naturalizando as desigualdades e a

apropriação de bens concretos e simbólicos.

A autora também traz outro elemento que, segundo ela, corrobora para a

manutenção do silêncio. O medo – medo do diferente, medo do outro. Bento cita

diversos estudos que justificam como o medo, no decorrer dos séculos, foi

responsável por diversas barbáries e como ele é capaz de afetar as relações

raciais.

Neste sentido, Bento conclui que: “uma boa maneira de se compreender

melhor a branquitude e o processo de branqueamento é entender a projeção do

branco sobre o negro, nascida do medo, cercada de silêncio, fiel guardiã dos

privilégios.”

Imbuídos dessas definições, passemos a analisar as falas dos

estudantes. Alguns alunos reconhecem sua branquitude e os privilégios

materiais e simbólicos que ela traz. As falas desses adolescentes evidenciam a

importância do estudo de história e cultura africanas e afro-brasileiras para o

despertar desta consciência de branquitude e privilégios.

“Foi algo que me ajudou a perceber o quanto nós, brancos,

possuímos privilégios apenas pela nossa cor de pele.”

Participante: 32; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP;

Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

“Bom eu sou branca, eu acabo tendo na sociedade os privilégios

de uma pessoa branca, acabo não sendo tão afetada quanto

outros por essa parte da história” Participante: 140; Sexo: Feminino;

Raça/cor: Branca; Escola: Pública; Ensino médio.

“Eu sou branca então isso me afeta de um jeito muito mínimo,

acaba que as relações étnicas e raciais não mudam muito quando

aplicadas a minha pessoa” Participante: 203; Sexo: Feminino; Raça/

cor: Branca; Estado: PR; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

“Eu sou branca. Nunca sofri racismo, mas acredito que se eu

fosse negra, o assunto seria mais impactante pra mim, por causa

da identificação e a vontade de saber mais sobre as minhas

origens.” Participante: 133; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca;

Estado: SC; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

“Inevitavelmente, por ser branca, cresci cercada de privilégios, e,

sem ter conhecimento sobre as relações étnico-raciais e sobre a

história e cultura africana, internalizei muitas questões históricas,

reproduzindo, ainda que inconscientemente, preconceitos.”

Participante: 360; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP;

Escola: Privada; 3º Ano - Ensino Médio.

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“A cultura africana/afro-brasileira está diretamente ligada com o

meio que estamos inseridos hoje, a cultura e o povo africano são

parte da nossa história. Estudar sobre sua cultura é estudar a

base da nossa. Negar ou olhar com preconceito para com relações

afro-brasileiras, é negar seu passado. Contribuí para a formação

de respeito com os africanos e seus costumes, vendo isso como

parte importantíssima do que nos faz o povo que somos.”

Participante: 226; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: PR;

Escola: Privada; 2º Ano - Ensino Médio.

O que vemos nas falas acima se relaciona ao que Cardoso (2017) chama

de ‘branquitude crítica’ – aquela em que o indivíduo branco desaprova

“publicamente” o racismo e os privilégios que se tem enquanto cidadão branco,

a partir dele. Notamos, porém, que a branquitude crítica presente nas falas

desses adolescentes precisou ser provocada pela inclusão de temas

relacionados a relações étnico-raciais no Brasil, na sala de aula – evidenciando

mais uma vez a necessidade de que estas discussões façam parte do cotidiano

escolar de negros, mas sobretudo de brancos.

Entretanto a grande maioria dos estudantes apresenta uma visão

narcísica e busca, a partir de seus privilégios, justificar a manutenção dos

mesmos. É o que Cardoso (2017) denomina de ‘branquitude acrítica’ – ou seja,

aquela em que o indivíduo argumenta a favor da superioridade racial e

manutenção dos privilégios. O estudante 46 afirma não ser negro e, com isso,

tenta justificar que sua identidade não é impactada a partir do contato com a

história do outro. Nesse sentido, percebemos como a desumanização afeta as

pessoas de maneiras distintas.

“Não sou negro” Participante: 46; Sexo: Masculino; Raça/cor: Branca;

Escola: Privada; Ensino médio.

“Porque os costumes que não tem ligação com os meus não

causam impacto na minha vida” Participante: 80; Sexo: Feminino;

Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 8º Ano, 9º Ano do Ensino

Fundamental.

“Não acho necessário isso, pois para mim isso parece racismo,

querer estuda uma raça, só porque tem uma cor diferente,

#SomosIguasNãoImportaACor” Participante: 100; Sexo: Masculino;

Raça/cor: Branca; Escola: Pública; Ensino médio.

No caso dos estudantes 80 e 100, percebemos em suas falas que, por

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entenderem que não são negros, não existe a necessidade de compreenderem

as questões que se relacionam com a constituição cultural e étnica que compõe

o nosso país. Acreditam viver em um ambiente sem interferências culturais e

“costumes” africanos, e condenam o que chamam de ‘estudar uma raça única’ –

contudo não fazem menção ao que fez parte do currículo escolar até a

implementação da Lei n°10.639 em 2003. O estudante 100 declara que estudar

apenas uma raça seria uma forma de racismo, em sua fala, não fica explícita a

expressão ‘racismo reverso’, porém percebemos a presença da ideologia de

racismo reverso. Na concepção de Almeida (2018), a ideia de racismo reverso é

completamente sem sentido, uma vez que o racismo é um processo político.

Para ele, o racismo reverso seria um racismo das minorias dirigido às maiorias

– no que afirma haver um grande equívoco,

Porque membros de grupos raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação, mas não podem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos majoritários, seja direta ou indiretamente. (ALMEIDA, 2018, p 41)

Ainda segundo o autor, a ideia de racismo reverso traz o sentido de que

há uma inversão, ou seja, há algo fora do lugar, como se existisse uma forma

“correta” ou “normal” de expressão do racismo. Neste sentido, o racismo seria

considerado normal quando aplicado contra as minorias; mas, se aplicado a

outros grupos, seria sua forma reversa. Assim, a ideia de racismo reverso serviria

apenas para deslegitimar as demandas por igualdade racial.

O participante 165 afirma não acreditar na existência da “dívida histórica”

como forma de justificativa para a existência de cotas raciais. Ao tratar essa

questão, o estudante acaba fugindo um pouco da questão principal, que seria o

impacto causado pelo estudo de africanidades. Contudo revela uma visão de

meritocracia que sempre figura entre as discussões raciais e que se ancora na

ideologia de democracia racial. O estudante afirma ainda que não trata as

pessoas negras de forma diferenciada ou especial apenas pela cor da pele. O

que vemos neste discurso é uma forma de negação do racismo e da sua forma

estrutural. Mais uma vez, percebemos a branquitude defendendo os privilégios

que lhe são oferecidos, em uma tentativa de atribuí-los aos próprios méritos. O

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mesmo acontece com o estudante 259, que relata não concordar com “os

privilégios recebidos por eles” – neste contexto, “eles” seriam os negros, na fala

do participante. Em sua visão, o estudante procura fazer uma inversão para

argumentar sobre os privilégios. Não há informações suficientes para afirmarmos

que se trata da questão de cotas – porém, por se tratar de um aluno branco da

rede privada de ensino, presumimos que ele tenta se referir à existência das

cotas raciais em universidades e concursos públicos como “privilégios”. No

entanto, o estudante não desenvolve o argumento para que possamos fazer uma

análise mais profunda de sua fala.

“Não acredito na existência da "dívida histórica" devido ao

passado de escravidão, assim como não acho válida a existência

de cotas raciais. Também não alterei a forma que trato pessoas

negras: Como humanos normais, sem nenhum tipo de tratamento

especial só por serem negras[...]” Participante: 165; Sexo:

Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: RJ; Escola: Privada; 2º Ano -

Ensino Médio

“Pois não concordo com os privilégios recebidos por eles”

Participante: 259; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP;

Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio

Quando observamos as seis falas que se seguem, notamos certa

complementaridade entre elas. O estudante de número 186, oriundo do Rio

Grande do Sul, de escola da rede privada de educação, argumenta não ter sido

impactado pois não descende de nenhum africano – portanto não acredita que

estudar estas questões seja relevante para sua vida – que é o relato do

estudante 197. O adolescente cujo número é 245 afirma que não acha que a

temática mereça tanta repercussão, pois existem questões mais sérias a serem

discutidas. Por fim, o participante 323 resume sua resposta em uma única

palavra: “besteira”.

As falas destes seis adolescentes demonstram que, por serem brancos,

o assunto não lhes parece tão interessante – principalmente porque não os toca

de maneira significativa, ou não seja uma questão sobre a qual necessitem falar.

Essa situação é preocupante, uma vez que as questões étnico-raciais não

interessam apenas ao negros – como afirma Munanga (2005).

“Pois não descendo de nenhum africano.” Participante: 186; Sexo:

Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: RS; Escola: Privada; 1º Ano -

Ensino Médio.

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“Porque não era relevante na minha vida.” Participante: 197; Sexo:

Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: BA; Escola: Privada; 1º Ano -

Ensino Médio.

“Na realidade não acho que deveria haver tanta repercussão sobre

o assunto, é importante sim, mas há coisas mais sérias a serem

focadas.” Participante: 245; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca;

Estado: ES; Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.

“Besteira” Participante: 323; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca;

Estado: CE; Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio.

Quando o adolescente apresenta como argumento a inutilidade de se

aprender sobre algo, de alguma forma também está demostrando seu desprezo

– uma vez que não compreende como as relações racializadas influenciam todos

os âmbitos de nossas vidas. Além disso, como nos diz Nogueira (2014), “a

pessoa só se pode como humana a partir do momento em que reconhece a

humanidade do outro”.

“Não tenho etnia negra, acho importante para quem é, mas isso

não faz parte de minha identidade e não afetou meu eu. Acho

extremamente importante o estudo principalmente pela relação

com a história brasileira e tirar um pouco o foco eurocêntrico da

história.” Participante: 329; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Parda; Estado:

RS; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.

Ao analisar a fala da estudante 329, percebemos que se autodeclara

parda, portanto, segundo a conceituação do IBGE (2010), é considerada negra.

Mas, em sua exposição, diz não ter etnia negra – esta argumentação é

contraditória do ponto de vista teórico, contudo é perfeitamente compreensível

se pensarmos na ideologia de branqueamento – que embutiu no imaginário

brasileiro que a mistura das raças seria uma forma de embranquecer a

população, diluindo assim as características físicas que identificam os negros,

contribuindo para o que acreditavam ser o melhoramento da raça. Essa teoria

não se sustenta cientificamente, mas ainda é muito presente ideologicamente. A

própria fala desta estudante, que se autodeclara parda mas não reconhece sua

“etnia negra”, permite-nos perceber como esta ideologia permanece no

imaginário popular.

Acreditamos ser importante conceituar etnia, numa tentativa de

apresentar como este conceito se difere do conceito de raça na atualidade. A

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raça, como já apresentamos anteriormente, foi utilizada como conceito biológico,

que tinha como objetivo hierarquizar os povos. Desse conceito, nasceram as

ideias de supremacia racial e hegemonia branca – em detrimento dos povos

negros e indígenas. Munanga (2003) define o conceito de etnia como sendo uma

conceituação sociocultural, histórica e psicológica. Para ele,

Um conjunto populacional dito raça “branca”, “negra” e “amarela”, pode conter em seu seio diversas etnias. Uma etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território. Algumas etnias constituíram sozinhas nações. Assim é o caso de várias sociedades indígenas brasileiras, africanas, asiáticas, australianas, etc. que são ou foram etnias nações.

Cientificamente já se sabe que a humanidade tem sua origem no

continente africano. Nesse caso específico, evidenciamos ainda que a estudante

afirma ser parda.

Fanon (2008) nos alerta sobre uma questão importante e que podemos

ver refletida na fala desta adolescente: o “objetivo”, o “destino” do negro é ser

branco. Neste sentido, ao assegurar que não tem etnia negra, a estudante

pretende se afastar daquilo que teme – ou seja, do fato de ser negra, de

pertencer e de ter na sua composição étnica a ancestralidade africana. Ela busca

com isso se aproximar do branco, do ideário de beleza e inteligência que é

erroneamente reivindicado pela branquitude.

Este tópico nos permitiu compreender a visão de branquitude e privilégios,

bem como a forma crítica ou acrítica com que os adolescentes estão lidando com

a temática, neste sentido, é importante salientar que as falas destes

adolescentes refletem um modelo de branquitude que tem como pilar o racismo,

escancarando a forma estrutural pela qual ele se constitui em nossa sociedade.

4.1.4 A internet potencializando o discurso extremista

A contemporaneidade tem experimentado cada vez mais o extremismo

como forma de imposição de uma “verdade” e de um “ponto de vista” que não

admite ser questionado. Esse extremismo já foi experimentado com Adolf Hitler

na Alemanha, Josef Stalin na Rússia e Benito Mussolini na Itália, entre outros.

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Com o advento da internet e das redes sociais, esse legado acaba se

potencializando, de maneira a criar raízes e influenciar o sistema político e social

de forma globalizada.

No Brasil, por exemplo, esta visão extremista é compartilhada entre as

religiões neopentecostais que propagam a intolerância religiosa, numa tentativa

de ressaltar e impor a sua “verdade”. E, mais recentemente, com a eleição de

2018 que deu poder à maior bancada de candidatos da extrema direita – não só

no congresso federal (câmara e senado) como também nas assembleias

legislativas de todos os estados brasileiros. Essa onda crescente e

ultraconservadora foi capitaneada pelo presidente eleito com mais de 57 milhões

de votos – ou seja, com um apoio expressivo de cidadãos que, de alguma forma,

comungam de suas ideias extremistas. Como resultados imediatos,

conseguimos perceber que pautas consideradas conservadoras, como é o caso

do aborto, da violência contra a mulher, da homofobia e do estado laico, já

passaram a ser questionadas pelos poderes executivo e legislativo do Brasil.

Esse extremismo se reflete também nos adolescentes participantes deste

estudo. Acreditamos que a internet tenha potencializado esse posicionamento,

principalmente porque o questionário foi encaminhado através de uma

ferramenta on-line e disponibilizado por uma rede social, sendo garantido o

anonimato. O que queremos dizer com isso é que, protegidos atrás de uma tela

de computador ou celular, ou ainda algum outro aparelho eletrônico com acesso

à internet, os participantes podiam se expressar livremente sem receio de serem

identificados – razão pela qual acreditamos que muitas das respostas que

mostramos a seguir não seriam dadas se o instrumento de pesquisa utilizado

fosse outro. Não pretendemos, no entanto, recriminar o posicionamento desses

adolescentes. Pelo contrário, acreditamos que suas manifestações extremistas

servem para que possamos investigar o que realmente pensam.

A combinação do racismo, do extremismo e da internet proporcionou a

criação de uma espécie de “crime perfeito”, uma vez que se tem o assunto/tema

causador de conflitos (o racismo), a motivação “adequada” para se promover

esses conflitos (o extremismo), e o local propício para a propagação dessas

ideias (a internet).

Quando pensamos nas questões raciais, deparamo-nos com fatores que se

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juntam e proporcionam um discurso que busca legitimar a superioridade racial,

manter os privilégios da branquitude e, por consequência, perpetuar o racismo.

“Eu sempre fui diferente desse tipo de gente, logo não me afeta

muito.” Participante: 254; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado:

MG; Escola: Privada; 2º Ano - Ensino Médio.

A fala deste adolescente, além de se configurar como uma expressão

racista – quando usa a expressão “sempre fui diferente desse tipo de gente” –,

demonstra sua desumanização em recusar a humanidade do outro.

“Eu apoio a Ku klux klan.” Participante: 77; Sexo: Masculino;

Raça/cor: Branca; Escola: Privada; 8º Ano do Ensino Fundamental.

A organização racista denominada Ku Klux Klan nasceu no Tennessee,

nos Estados Unidos, durante o século XIX. Inicialmente, surgiu como um clube

que reunia veteranos de guerra. Sua principal função era a defesa da

manutenção da supremacia branca naquele país. Para tanto, o grupo promovia

atos de violência e intimidação contra os negros, judeus, católicos e imigrantes.

Seus militantes adotaram capuzes brancos e roupões fantasmagóricos para

esconder suas identidades e assustar as vítimas.

A fala deste adolescente demonstra sua aversão aos negros e uma

necessidade de externar isso de forma violenta. É uma questão grave que

precisa ser discutida também em sala de aula – e, neste caso, falar sobre as

relações étnico-raciais se torna fundamental para que haja a possibilidade de

apresentar aos adolescentes com essa mesma visão uma outra perspectiva

sobre a temática racial. Mas, sobretudo, essa fala evidencia uma branquitude

acrítica que, para se sobrepor e manter seus privilégios, utiliza-se de conceitos

já rechaçados pela ciência, como é o caso da supremacia racial, para justificar o

racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira.

“Lixo.” Participante: 147; Sexo: Masculino; Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 8º Ano do Ensino Fundamental.

Assim como a fala anterior, a fala deste adolescente nos permite fazer

uma reflexão acerca do que ele pensa sobre o debate racial. Quando pensamos

em “lixo”, pensamos em algo que não nos serve, que é repulsivo, que não tem

utilidade. Sendo assim, ao utilizar essa expressão, esse adolescente nos permite

perceber que – por ser branco – não se importa com a discussão racial a ponto

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de achá-la dispensável.

A branquitude utiliza ainda outras formas de opressão para legitimar o seu

racismo, como vemos na fala que se segue:

“Por que é algo desnecessário para criação de caráter ou para

ingressar no mercado de trabalho.” Participante: 164; Sexo:

Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado: PR; Escola: Pública; 1º Ano -

Ensino Médio.

O estudante utiliza como argumento o ingresso no mercado de trabalho

– para ele, compreender os contextos raciais do país é desnecessário para este

fim. A visão de democracia racial também é responsável pela perpetuação de

pensamentos como este, mas destacamos que ele se autodeclara pardo,

portanto é negro – talvez tenha a tonalidade da pele mais clara e, por essa razão,

não tenha sofrido a face mais cruel do racismo, que, no Brasil, acentua-se

conforme o grau de melanina que temos na pele. Porém, embora o estudante se

autodeclare pardo, sua visão se aproxima daquela de uma pessoa branca que

não reconhece a existência do racismo e que acredita que os debates na escola

só devem acontecer se a temática for necessária para o ingresso no mercado de

trabalho.

Este tópico nos permitiu compreender como a internet potencializa

discursos de ódio, além disso, pudemos perceber o quanto os adolescentes

estão expostos e podem ser facilmente cooptados por mecanismos que além de

propagar o ódio podem se tornar uma ameaça para as liberdades individuais e

coletivas. Entretanto não devemos ver a internet como um espaço de produções

unicamente negativas, ao contrário disso é necessário que se construa novas

formas de se utilizar a internet potencializando suas vantagens aliadas a

capacidade que a juventude tem de se apropriar dessas tecnologias de forma a

produzir conteúdos que sejam verdadeiramente relevantes para a sociedade de

uma forma geral.

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4.1.5 Identidade e Negritude

Como este estudo buscou compreender o impacto das relações étnico-

raciais no contexto escolar sobre construção da identidade dos adolescentes do

ensino fundamental e médio, acreditamos que construir uma argumentação

sobre negritude é fundamental para compreender de que forma esta contribui

para a formação da identidade desses estudantes.

Para Munanga (1986), a conceituação de negritude nasce no período

colonial, com intelectuais negros que se recusam a assimilar os valores culturais

dos brancos. Para este autor, os motivos que levaram o negro a recusar o

embranquecimento cultural foi exatamente a percepção de que este processo

não ocasionaria a igualdade social entre negros e brancos: esta ação seria

responsável apenas pelo esquecimento cultural dos valores dos povos negros.

Neste sentido, houve a percepção de que – mesmo assimilando os valores

culturais brancos, o domínio da língua e qualquer outro aspecto – nada mudaria

com relação à aceitação social do negro. Ou seja:

Continuando a ser recusado socialmente, o negro intelectual descobre que uma possível solução a essa situação residiria na retomada de si, na negação do embranquecimento, na aceitação de sua herança sociocultural que, de antemão, deixaria de ser considerada inferior. A esse retorno chamamos negritude. (MUNANGA, 1986. p.6)

Na concepção deste autor, tratava-se de uma reação: “a negritude não

deixa de ser uma resposta racial negra a uma agressão branca de mesmo teor”.

É importante salientar que o conceito de negritude não permaneceu

estático ao longo do tempo. Ao contrário, ele assume diferentes conotações e

interpretações em diversos contextos.

No livro “Negritude – usos e sentidos”, publicado em 1986, Kabengele

Munanga traça um panorama histórico, que se inicia no período colonial e

perpassa os séculos, para contextualizar os momentos históricos e como foi se

construindo o racismo no Brasil e no mundo. O autor busca este caminho para

promover uma reflexão acerca de como o racismo foi responsável pela criação

da imagem inferiorizada do negro. Durante este percurso, ele debate algumas

questões estereotipadas criadas no imaginário popular que auxiliam na

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manutenção das desigualdades relacionadas à raça. Toda a contextualização

feita pelo autor serve, acima de tudo, para a compreensão da negação do negro

na assimilação dos valores e estereótipos criados pelos brancos sobre os

negros.

Era tempo de buscar outros caminhos. A situação do negro reclama uma ruptura e não um compromisso. Ela passará pela revolta, compreendendo que a verdadeira solução dos problemas não consiste em macaquear o branco, mas em lutar para quebrar as barreiras sociais que o impedem de ingressar na categoria dos homens. Assiste-se agora a uma mudança de termos. Abandonada a assimilação, a liberação do negro deve efetuar-se pela reconquista de si e de uma dignidade autônoma. O esforço para alcançar o branco exigia total auto-rejeição; negar o europeu será o prelúdio indispensável à retomada. É preciso desembaraçar-se desta imagem acusatória e destruidora, atacar de frente a opressão, já que é impossível contorná-la.

Aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. [...] Ele assumirá a cor negada e verá nela traços de beleza e de feiura como qualquer ser humano “normal”. (MUNANGA, 1986. p.32)

Quanto ao conceito, é possível compreender que a negritude é um

movimento que se configura como forma de voltar às origens, de aceitação e de

valorização de si e de suas raízes. Um movimento que busca a rejeição de

imposições sociais, culturais e religiosas como meio único de expressão da

sabedoria, da beleza e da verdade.

Com relação aos objetivos da negritude, Munanga apresenta três principais:

Buscar o desafio cultural do mundo negro (a identidade negra africana), protestar contra a ordem colonial, lutar pela emancipação de seus povos oprimidos e lança o apelo de uma revisão das relações entre os povos para que se chegasse a uma civilização não universal como a extensão de uma regional imposta pela fornaça – mas uma civilização do universal, encontro de todas as outras, concretas e particulares. (MUNANGA, 1986. p. 43)

No tocante à questão da identidade, é fundamental compreender que este

objetivo tem como proposição que o negro assuma com orgulho sua condição

de negro, sua cultura, sua história e sua identidade – rejeitando todas as formas

de opressão relacionadas à sua cor e origem. Neste sentido, segundo o autor, a

negritude aparece como uma operação de desintoxicação semântica e de

constituição de um novo lugar de inteligibilidade no que se refere às relações –

consigo, com o outro e com o mundo.

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Quando se fala de luta pela emancipação, é importante perceber que

estamos falando de luta por liberdade de pensamento, por liberdade política, pelo

desejo de afirmação e, acima de tudo, contra a ordem colonial, o imperialismo e

o racismo.

Por fim, o último objetivo apresentado por Munanga se relaciona ao repúdio

ao ódio e à busca do diálogo. Este objetivo potencializa a ideia de coletividade e

solidariedade, uma vez que se configura como uma forma importante de

desenvolvimento da empatia – ou seja, colocar-se no lugar do outro,

compreender a forma de pensar do outro num movimento de construção de uma

nova sociedade. “O negro não quer se isolar do resto do mundo”, ao contrário, o

que importa é a coletividade.

A partir destes conceitos pretendemos analisar as falas dos adolescentes

que se sentiram de alguma forma impactados.

As falas desses adolescentes se relacionam à descoberta da negritude, da

ancestralidade, do reconhecimento do racismo e do processo de enegrecimento

do qual falei no início deste estudo. Percebemos nos depoimentos o

posicionamento orgulhoso, o pertencimento e a vontade de conhecer mais sobre

sua própria história.

“Me fez ter mais orgulho de ser negro.” Participante: 2; Sexo:

Masculino; Raça/cor: Preta; Escola: Pública; 8º Ano do Ensino

Fundamental.

Toda a construção cultural que foi apresentada aos estudantes até a

implementação da Lei n°10.639 só apresentava os negros como um povo servil,

desumanizado. Além disso, o racismo propagou a visão de que ser negro era

algo ruim, sujo, feio, inferior. O resultado dessa desumanização se deu na forma

de rejeição por parte do povo negro: ninguém quer ser visto como inferior, ruim

ou feio (FANON, 2008).

A fala do participante 2 é, na nossa visão, a condensação de tudo o que

buscamos neste estudo, uma vez que é carregada de sentido e simbologia.

Através dela, podemos perceber que as lutas travadas pelos movimentos negros

em busca da igualdade racial e pela mudança da representação social do negro

na sociedade e na escola – que passam pela desconstrução de estereótipos –

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produzem frutos no contexto da construção de identidades positivas do negro e

também dos brancos. Nesse sentido, vale ressaltar toda a argumentação feita

por estudiosos, como o professor Kabengele Munanga e as professoras Nilma

Lino Gomes e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, acerca da implementação

das africanidades no currículo escolar e de seus desdobramentos na

representação social afirmativa dos negros, na mudança do imaginário

pedagógico e na implementação de uma educação antirracista.

“Porque me descobri como uma afro-brasileira.” Participante: 39;

Sexo: Feminino; Raça/cor: Parda; Escola: Pública; Ensino médio.

Ferreira (2000) trata a questão apresentada pela participante 39 como o

estágio de impacto, quando a pessoa se descobre afrodescendente e, a partir

daí, começa a pensar sua identidade de maneira diferente. Essa descoberta

ainda é cercada de muitas frustrações e lutas, porque é a partir desse ponto que

começamos a perceber o quão violento é o racismo.

“Sou parda do cabelo crespo, sofri muito por causa do meu cabelo

(sofro até hoje) antes eu odiava o meu cabelo, coisa que eu não

faço mais.” Participante: 126; Sexo: Feminino; Raça/cor: Parda;

Escola: Pública; 8º Ano do Ensino Fundamental.

As mulheres negras normalmente têm o seu primeiro contato com o

racismo a partir do sofrimento que passam por conta de suas características

físicas – principalmente o cabelo. É comum ouvirmos relatos de ódio por ter o

cabelo crespo.

Para o/a adolescente negro/a, a insatisfação com a imagem, com o padrão estético, com a textura do cabelo é mais do que uma experiência comum dos que vivem esse ciclo da vida. Essas experiências são acrescidas do aspecto racial, o qual tem na cor da pele e no cabelo os seus principais representantes. Tais sinais diacríticos assumem um lugar diferente e de destaque no processo identitário de negros e brancos. (GOMES, 2002)

Em seus estudos sobre identidade negra, Gomes aponta que a

experiência com o corpo negro e o cabelo crespo se ampliam para além da

família, amigos e relacionamentos afetivos – ela se apresenta de maneira muito

incisiva na trajetória escolar de negras e negros. A autora afirma isso a partir dos

relatos adquiridos durante sua pesquisa de doutorado em antropologia social,

intitulada “Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade

negra nos salões étnicos de Belo Horizonte” (Gomes, 2002). Nesse sentido, a

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pesquisadora considera ser este um momento importante na constituição da

identidade negra. Assim, a questão do cabelo crespo se configura como o que a

autora chama de “forte ícone identitário”. Contudo, ainda segundo Gomes, este

momento não é representado de maneira positiva, porque reforça estereótipos e

representações negativas sobre o padrão estético do grupo negro.

A partir disso, Gomes (2002) afirma que:

Durante séculos de escravidão, a perversidade do regime escravista materializou-se na forma como o corpo negro era visto e tratado. A diferença impressa nesse mesmo corpo pela cor da pele e pelos demais sinais diacríticos serviu como mais um argumento para justificar a colonização e encobrir intencionalidades econômicas e políticas. Foi a comparação dos sinais do corpo negro (como o nariz, a boca, a cor da pele e o tipo de cabelo) com os do branco europeu e colonizador que, naquele contexto, serviu de argumento para a formulação de um padrão de beleza e de fealdade que nos persegue até os dias atuais. (GOMES, 2002)

Ao fazer esta afirmação, Gomes lança algumas perguntas que se referem

principalmente aos padrões de “brancura” que podem estar presentes na escola

e de que forma eles se apresentam neste ambiente. Ao analisarmos as falas dos

estudantes participantes deste estudo, percebemos que esses padrões ainda

estão muito impregnados na cultura escolar da maioria das nossas escolas.

Nesse contexto, Gomes nos alerta que a “escola pode atuar tanto na reprodução

de estereótipos sobre o negro, o corpo e o cabelo, quanto na superação dos

mesmos.”

É o caso da estudante 126, que atribui sua libertação estética ao contato

com a educação para as relações étnico-raciais, quando diz que este contato a

impactou. Notamos com isso que, de alguma forma, a abordagem feita pela

escola e/ou pelos professores que esta adolescente teve, proporcionou uma

mudança em sua perspectiva quanto à estética negra – possibilitando e

valorizando as características que a compõem. Como conclui Gomes, “na

escola, não só aprendemos a reproduzir as representações negativas sobre o

cabelo crespo e o corpo negro; podemos também aprender a superá-las.”

“Pois nos faz pensar sobre nossos ancestrais. Quem realmente

foram os nossos antepassados.” Participante: 91; Sexo: Masculino;

Raça/ cor: Preta; Estado: RO; Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio.

“Porque fez com que eu soubesse mais sobre os meus

antepassados, fazendo com que eu me orgulhasse de ser negra.”

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Participante: 359; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Preta; Estado: SP;

Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

“Porque me interessei por buscar meus ancestrais afro-

brasileiros.” Participante: 87; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca;

Estado: SP; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.

A valorização da ancestralidade é uma marca muito presente nas

tradições africanas. A partir da fala desses adolescentes, podemos perceber

que, até o momento em que tiveram contato com a história e cultura africanas e

afro-brasileiras, eles não tinham muita informação sobre sua ancestralidade e,

por consequência, poderiam inclusive vir a desenvolver uma visão racista.

Proporcionar este despertar da consciência e a valorização pelas

multiculturas que contribuem para a formação do Brasil é, sem dúvidas, uma das

formas mais importantes de se compreender a importância de a educação para

as relações étnico-raciais ser parte do currículo da educação básica no país.

Além de possibilitar uma educação antirracista, ela permite que a história

seja contada a partir de várias perspectivas diferentes, que não se excluem e

não se anulam, mas se complementam.

Este tópico nos permitiu compreender como o estudo das africanidades é

importante para a constituição positiva das identidades de adolescentes negros

e negras, inicialmente porque possibilita despertar nestes adolescentes o

sentimento de pertencimento que, como vimos, precede a constituição das

identidades. As falas apresentadas aqui representam o quanto é importante dar

voz a outras histórias, ou mesmo conhecer as histórias por outras perspectivas.

4.1.6 A educação para as relações étnico-raciais e a intolerância religiosa

Antes de passar para a análise das falas que apresentam as questões

religiosas como argumento no impacto causado pelo estudo das africanidades,

acreditamos ser necessário fazer uma contextualização quanto às influências

religiosas e ao estado laico.

As influências religiosas em todas as sociedades do mundo são, sem

dúvida, questões muito importantes para a construção da história e cultura

mundial. Neste contexto, é importante entender que não há um modelo pronto e

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certo de se realizar julgamentos acerca desta temática – haja visto que cada

cultura carrega consigo seus próprios dogmas religiosos, o que não impede que

estes dogmas sejam múltiplos numa mesma sociedade.

Na Europa e posteriormente no Brasil, a influência das religiões sofreu um

declínio provocado pelo modelo de democracia que foi se constituindo ao longo

dos séculos. Sendo assim, a ideia de que a religião se afastaria cada vez mais

dos aspectos políticos ganhou força e proporcionou a criação de um modelo de

laicidade adotado por diversos países do ocidente, incluindo o Brasil.

Contudo, não são incomuns os casos de manifestações preconceituosas

e muitas vezes violentas contra as religiões, principalmente aquelas que têm

origem africana – também conhecidas como religiões de matriz africana, em que

se enquadram a umbanda, o candomblé, tambor de mina, e tantas outras que

compartilham a mesma origem. Tais manifestações se configuram como

intolerância religiosa e são abordadas por Oliveira (2012) como embates étnicos

e religiosos com proporções mundiais, causando desconforto quanto à

segurança e à vida dos cidadãos.

Numa esfera global, ações de intolerância religiosa foram responsáveis

por atentados nos Estados Unidos, como em 2001, na Espanha, em 2004, na

Inglaterra, em 2005, e no Oriente Médio – em uma frequência ainda maior.

No Brasil, as proporções são, em tese, menores em amplitude, mas não

menos violentas e revoltantes. O crescente aumento das denominações

neopentecostais, do fundamentalismo e da intolerância religiosa traz consigo

ameaças não só à integridade física de praticantes de outras religiões, mas

também à laicidade do Estado brasileiro. Esta situação se agravou ainda mais

com a eleição de um presidente de extrema direita que, dentre suas convicções,

figura a de ser um cristão fundamentalista.

A constituição brasileira de 1988 garante a todo cidadão brasileiro e aos

estrangeiros residentes neste país o direito à liberdade de crença, garantindo

ainda a laicidade do Estado brasileiro. Sendo assim, há, em tese, a formação de

uma esfera pública que não se vincula a nenhum tipo de grupo ou dogma

religioso, garantindo assim o tratamento igualitário de todos os cidadãos.

No entanto, em meio a tantos casos de desrespeito e intolerância religiosa,

não se pode afirmar que esta laicidade é realmente um princípio válido. Questões

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relacionadas à exposição de símbolos religiosos em espaços do Estado, à

existência de blocos evangélicos que formam bancadas no parlamento e ao

entendimento do poder judiciário acerca do conceito de religião contradizem o

conceito de Estado Laico.

Os crescentes casos de intolerância religiosa noticiados corriqueiramente

nos meios de comunicação do país compõem um quadro preocupante de

violação de direitos – e despertam uma necessidade cada vez mais premente de

se promover uma pesquisa capaz de apontar os fatores que corroboram o

aumento de casos de desrespeito religioso.

A garantia do direito à liberdade de crença mencionada pelo artigo 5º da

Constituição deixa claro que

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma

da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa

ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-

se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação

alternativa, fixada em lei. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

O que, afinal, estaria proporcionando ou fomentando a intolerância

religiosa, principalmente às religiões de matriz africana?

Para explicar ou tentar entender este contexto, faz-se necessário primeiro

apresentar um enfoque conceitual sobre a expressão religião. Na concepção de

Alves (2002), a religião é o resgate da identidade perdida e sua reconciliação

futura. Numa conceituação mais filosófica, Chauí apresenta a religião como

oriunda

do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo

ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo. Quais as partes

vinculadas? O mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a Natureza

(água, fogo, ar, animais, plantas, astros, metais, terra, humanos) e as

divindades que habitam a Natureza ou um lugar separado da natureza.

(CHAUÍ, 2000)

Essa visão também é defendida por Schiavo (2004), que completa

dizendo que se trata da ligação entre a terra e o céu. Oliveira (2012), por sua

vez, entende religião como um fenômeno cultural que estabelece formas de

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reflexão e de organização cognitiva, inerentes à existência humana,

constituindo-se em referência de identidade étnica.

Assim, é possível perceber que a religião tem diversos significados e

ressignificados, de acordo com o momento histórico ou com o grupo étnico ao

qual se refere. Sendo assim, trata-se de uma questão extremamente subjetiva e

pessoal, que se organiza e reorganiza de acordo com os grupos aos quais se

apresenta. Dessa forma, o que para um grupo possui significado de “re-ligação”

do natural com o sobrenatural, ou do material com o cósmico, para outro se

configura de maneira diferente – essa relação depende do que prega cada

dogma ou doutrina religiosa.

No que corresponde à organização das religiões, Schiavo (2004) entende

que o misticismo corresponde à religiosidade individual, aos grupos e ritos

reduzidos; às seitas – grupos maiores, liderança carismática, que muitas vezes

se posicionam como oposição a grupos tradicionalmente constituídos; e às

igrejas – instituição hierarquicamente organizada, que busca abrangência

universal.

De acordo com estas visões, a religião passa a ser a forma de encontro

entre o material e o divino, a religação entre o homem e um ser supremo capaz

de promover a evolução do homem – o que contradiz a existência de intolerância

e desrespeito religioso.

O que seriam e a quem atribuir os atos de intolerância religiosa? Para as

próprias comunidades religiosas, os atos de intolerância e as práticas de

desrespeito são desvios de conduta praticados por pessoas que, por algum

motivo extremo, não são capazes de compreender a existência de opiniões

diferenciadas. Mas até que ponto as próprias doutrinas religiosas não estariam

fomentando este ódio exacerbado nos fiéis – muitas vezes através da

demonização, ou da tentativa de “purificação ou limpeza”, ou ainda da remissão

de “pecados”, ou de comportamentos inadequados para determinada filosofia

religiosa–?

O modelo cristão de religiosidade tem como marcas a dominação e a

submissão de povos como forma de manutenção do poder. Por essa razão, o

cristianismo apoiou as ideologias de hierarquização das raças, possibilitando o

surgimento de uma cultura de supremacia ocidental branca sobre as culturas

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não ocidentais. Ou seja, a partir da visão apoiada pelo cristianismo, acreditava-

se na superioridade dos povos brancos – e essa pratica fundamentou o racismo.

A intolerância religiosa seria, então, uma das manifestações do racismo, uma

vez que as religiões de matriz africana são originárias, como o próprio nome

indica, do continente africano – razão pela qual são demonizadas a todo

momento.

Quando questionados sobre a constituição da identidade a partir do

estudo de africanidades, nove adolescentes apontaram justificativas a partir da

visão que tinham quanto à cosmovisão africana. Embora o número não seja tão

expressivo, achamos importante analisar este recorte, tendo em vista seu

surgimento a partir de uma pergunta sobre a constituição da identidade.

Passemos a analisar algumas das falas dos adolescentes quanto à questão das

religiões de matriz africana. É importante salientar que todas as falas se

direcionam para a reversão de uma visão pejorativa e estereotipada dessas

manifestações, influenciadas pelo estudo das africanidades.

“Porque passei a conhecer as religiões africanas e comecei a

respeitar e pensar de forma mais abrangente sobre o tema.”

Participante: 64; Sexo: Masculino; Raça/cor: Parda; Escola: Pública;

Ensino médio.

“[...]Um tempo atrás tinha preconceito com religiões africanas,

hoje percebo que era ignorância da minha parte, consegui

entender isso estudando toda história.” Participante: 105; Sexo:

Feminino; Raça/ cor: Parda; Estado: SP; Escola: Privada; 3º Ano -

Ensino Médio.

“Antes eu sentia repúdio de religiões diferentes da minha, então

após estudar sobre, sinto-me apta a não sentir preconceitos no

geral, inclusive em religiões afrodescendentes, por exemplo.”

Participante: 270; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Indígena; Estado: PE;

Escola: Privada; 2º Ano - Ensino Médio.

A fala dos estudantes 64, 105 e 270 demonstram a importância do estudo

de africanidades para a quebra de estereótipos e pré-conceitos que são, muitas

vezes, criados a partir do racismo. Na argumentação da estudante 270,

percebemos a forte presença da intolerância que, segundo a jovem, era

vivenciada antes de conhecer sobre a cosmovisão africana do sagrado. O que

podemos perceber com isso é que o estudo das africanidades se faz necessário

sobretudo para que estes pré-conceitos sejam extirpados.

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“Por que mostrou que as religiões africanas não são más e sim

que promovem a paz.” Participante: 93; Sexo: Masculino; Raça/ cor:

Branca; Estado: RS; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.

“Por uma grande parte da minha vida eu achei que as religiões de

matriz africana eram demoníacas.” Participante: 39; Sexo:

Masculino; Raça/ cor: Preta; Estado: PE; Escola: Pública; 1º Ano -

Ensino Médio.

Percebemos aqui que o racismo se envolve nas diversas amplitudes da

vida: as manifestações do sagrado na visão afrocentrada são atacadas e

demonizadas, como forma de atribuir o que, no universo cristão, seria a

personificação do mal. Contudo trata-se apenas da perspectiva cristã, uma vez

que a figura do “diabo”, “demônio”, “satanás” ou qualquer outra denominação

atribuída ao mal, é uma criação do cristianismo com o objetivo de controlar e

manter o poder. Na cosmovisão africana, não há a figura do mal – todos somos

contraditórios e, por essa razão, não precisamos de um elemento que

personifique tal contradição na forma de um elemento maléfico. Ao contrário,

vivenciamos e experimentamos a nossa existência a partir da busca pelo

equilíbrio energético que existe entre os elementos da natureza e nós mesmos,

uma vez que também somos parte desta natureza.

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Capítulo 5. – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não buscamos, com este estudo, esgotar o debate referente à produção

de identidades. Pelo contrário, buscamos iniciá-lo no intuito de que outros se

debrucem sobre a temática e apresentem novos olhares sobre a questão. Ao

desenvolver este estudo, várias foram as percepções que tivemos quanto à

educação para as relações étnico-raciais, no ambiente escolar.

Antes de apresentarmos nossas percepções, porém, convém retomar

nosso objetivo no desenvolvimento deste estudo: isto é, compreender, através

da perspectiva dos adolescentes do ensino médio, de que forma o estudo de

história e cultura africanas e afro-brasileiras impacta a constituição da

identidade. Dessa forma, todas as percepções e considerações que trazemos

aqui foram concebidas a partir da análise do olhar dos adolescentes sobre as

questões que apresentamos a eles.

A primeira percepção é a de que ainda se tem muito a trilhar nestes

caminhos. Há uma aquarela de possibilidades e uma, não menos numerosa, lista

de barreiras que precisam ser transpostas.

Nossa primeira hipótese é a de que a Lei n°10.639/2003 ainda não está

totalmente implementada em todas as escolas – e esta é exatamente uma das

barreiras que identificamos. Ou seja, ela se relaciona com a efetivação da

implementação da lei – que prevê a formação docente para o desenvolvimento

de uma educação antirracista, mas que ainda não se efetivou na maioria das

universidades do país, como podemos comprovar a partir do que os

adolescentes disseram. É evidente que muitas ações individuais ou de alguns

grupos de professores têm realizado um trabalho bastante produtivo, tendo em

vista o que disseram os adolescentes que se sentiram impactados com o estudo

das africanidades. Porém, o que pudemos constatar é que, assim como indicam

os estudos desenvolvidos por Campos (2018), Moreira e Viana (2015) e Gomes

e Jesus (2013), existem dificuldades por parte das escolas em atender ao

estabelecido na lei – fora o fato de que muitas não a aplicam efetivamente.

A análise do que dizem os adolescentes nos mostrou que 56,1% dos estudantes

nunca ouviram falar sobre a lei e, consequentemente, sobre as diretrizes

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curriculares para a educação das relações étnico-raciais.

Uma segunda barreira se relaciona à forma com que essas questões

estão sendo trabalhadas dentro da escola – uma vez que não basta incluir no

currículo a questão racial, é necessário que essa abordagem aconteça de forma

efetiva. Ou seja, é importante que o conteúdo e a forma com que ele entrará no

currículo produzam sentido e reflexão entre os estudantes. Este estudo

evidenciou que 15,5 % dos estudantes do ensino fundamental II e 10,7% dos

estudantes do ensino médio não se lembram de ter estudado nada sobre a

questão racial. Esta informação nos permite perceber que os jovens não estão

se lembrando de ter estudado ou verdadeiramente não estudaram o conteúdo.

Pode ser que estes adolescentes tenham visto, em algum momento, sobre as

questões raciais, porém a informação não fez nenhum sentido para eles, a ponto

de não se lembrarem. Além disso, quando questionados sobre quais disciplinas

desenvolviam alguma discussão acerca da temática racial, os estudantes, em

sua maioria, citaram as disciplinas de história, literatura e artes – ou seja, apenas

aquelas explicitamente apontadas no texto da lei.

Outra barreira se encontra na formação dos professores. Embora não

tenha sido objeto deste estudo, é de extrema importância para a efetivação da

implementação das diretrizes curriculares que a Lei n°10.639 propõe. Este tema

acabou fazendo parte das conversas com dirigentes de escolas e com

professores no decorrer do percurso. Além disso, o próprio contato acadêmico

nos permitiu observar as limitações no processo de formação dentro da própria

Unicamp, onde a formação para as relações étnico-raciais na graduação

acontece de forma bem tímida – ou seja, poucas são as disciplinas direcionadas

para a formação dos profissionais que atuarão na educação básica, e muitas

delas são eletivas, isto é, não são obrigatórias na formação docente. Esta

questão nos faz pensar que o currículo não precisa ser revisto apenas para a

educação básica, é necessário priorizar esta temática no currículo da própria

formação docente.

A quarta barreira está ancorada na vontade política dos dirigentes

estaduais e municipais. Dizemos isso porque um dos entraves encontrados na

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execução deste estudo, e que nos forçou a remodelar a metodologia inicial, está

exatamente neste ponto. Ao começarmos este estudo, fizemos contato com

diversas prefeituras de municípios do estado de São Paulo, com o objetivo de

realizar a pesquisa dentro das escolas da rede municipal de educação. Contudo

não obtivemos retorno de nenhuma prefeitura quanto à aceitação ou recusa para

a execução no interior das escolas. Isso pode ter ocorrido pelo fato de que,

nesses municípios, a implementação das diretrizes curriculares no que tange a

educação para as relações étnico-raciais não estava acontecendo e não fazia

parte do currículo – e, por essa razão, não obtivemos retorno, não autorizaram

nem proibiram nossa entrada, mesmo após inúmeras tentativas.

Nossa segunda hipótese se relaciona à questão da constituição da

identidade. Isto é, o ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras,

quando bem desenvolvido pela escola, pode impactar positivamente a

construção da identidade de estudantes negros e brancos.

No tocante à construção das identidades, sabemos que as

representações sociais são a forma de imprimir significados. Nesse sentido,

percebemos, através das análises, que as representações sociais que os

adolescentes participantes deste estudo fazem acerca da educação para as

relações étnico-raciais são, em sua grande maioria, negativas. Tal fato ocorre

por serem constituídas a partir de narrativas preponderantemente ocidentais,

brancas, heterossexuais e cristãs – que buscam imprimir uma forma de

dominação e manutenção do poder através desta hegemonia (FERNANDES;

SOUZA, 2016). Isso pode ser notado nas expressões de branquitude acrítica e

extremismo que observamos nas falas dos estudantes. Mas esta não é a única

razão: ao analisarmos outros dados do questionário, cruzando dados como cor,

classe social, e rede escolar em que estão matriculados, conseguimos traçar um

perfil social desses estudantes – o que nos permitiu compreender o lugar de fala

ocupado por eles. Assim percebemos não só a questão da branquitude acrítica

nos estudantes que se autodeclaram brancos, como também o que Fanon (2008)

chama de objetivo negro – ou seja, a vontade que o negro tem de se aproximar

da identidade branca com o objetivo de ser aceito –, nas falas dos estudantes

que se autodeclaram pardos ou pretos. Isso é perfeitamente compreensível,

principalmente pois, quando as representações sociais da negritude não são

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positivas, a constituição das identidades dos negros não será construída de

forma afirmativa.

As identidades, como afirmam Ciampa (1984), Ferreira (2000), Gomes

(2002) e Hall (2006), são construídas e constituídas a partir da relação individual

e coletiva do indivíduo com todo o contexto social, político e cultural. Assim, em

um contexto racista que supervaloriza a branquitude como modelo bem

sucedido de cultura, não é possível que identidades negras sejam forjadas com

valores afirmativos. E é essa a importância de uma educação antirracista que

valorize a negritude e que apresente outras perspectivas e visão de mundo.

Nossas demais hipóteses eram de que a análise da trajetória escolar de

adolescentes cuja escolarização coincide com a vigência da Lei pode nos

oferecer importantes dados sobre a questão. E, por fim, presumimos que os

adolescentes são sujeitos sociais, informantes importantes sobre elementos da

sociedade em que vivem, e, sobretudo, os maiores conhecedores dos elementos

que dizem respeito às suas vidas – portanto, seus pontos de vista constituem

uma parte da história que deve ser considerada nas pesquisas sobre a questão.

Neste sentido, ao ouvir estas vozes – através das análises efetuadas no quarto

capítulo deste estudo –, conseguimos construir uma argumentação que dialogou

com as teorias que tratam do tema e com o que pensam os adolescentes. A

partir disso, acreditamos que a forma de se constituir uma educação antirracista

já existe e foi construída a partir de uma luta incansável dos Movimentos Negros,

tornando-se obrigatória em 2003 com a criação da Lei n°10.639. O que

precisamos garantir é que os processos de formação social sejam modificados

de forma a produzir uma representação social que reconheça a igualdade e não

valorize a supremacia de um grupo em detrimento de outro, nos diversos

contextos sociais – e de forma especial na escola, sobretudo por ser o local

responsável pela socialização do conhecimento e da cultura (GOMES, 2003).

Acreditamos que deva ser desenvolvida no ambiente escolar uma visão

afrocentrada, que busque compreender o mundo a partir da filosofia “UBUNTU”

– que determina que “eu sou porque nós somos”.

Como possibilidade de resolução das questões apresentadas até aqui,

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está o estabelecimento de formas de acompanhamento da implementação da

Lei. Não apresentaremos sugestões quanto a mudanças no currículo, por

entendemos que outros especialistas no assunto o poderão fazer. Contudo

acreditamos na necessidade de se pensar em uma forma de unificação ou

construção de um currículo comum – salvo as especificidades de cada localidade

e região. Quanto à formação de professores, é urgente que seja criado um

mecanismo de inclusão de metodologias de ensino das africanidades durante o

período de formação docente.

No que tange a questão de vontade política, a situação é ainda mais

grave, principalmente por estarmos vivenciando a ascensão de uma ideologia de

extrema direita que busca desmantelar os direitos sociais atrelada a uma onda

racista e fundamentalista cristã – financiada pelo poder econômico e ancorada

em uma ideologia fascista que, em nome de uma religiosidade que em nada se

assemelha aos valores do cristianismo, reivindica uma supremacia religiosa que

ameaça a laicidade do estado; e, consequentemente, em nome de um moralismo

duvidoso, tende a perseguir as conquistas das comunidades LGBTI, de Negros,

Mulheres, dentre outros. Para essa questão, não existe formula pronta: é um

trabalho de resistência que precisa ser capitaneado e fomentado pela educação.

Finalizamos com apontamentos que julgamos serem fundamentais para

a continuidade da compreensão das questões relacionadas à educação para as

africanidades. Acreditamos que seriam importantes novos estudos que permitam

compreender de que forma a implementação das diretrizes curriculares para a

educação das relações étnico-raciais, num contexto mais amplo (panorama

nacional), está se desdobrando país afora. Também trazemos como sugestão

que novos estudos se ocupem de ouvir os estudantes da educação básica e da

superior quanto ao estudo de africanidades – pois esta questão ainda precisa

ser discutida com este público para que possamos, a partir de novos olhares,

compreender como vem ocorrendo este processo na concepção de quem

participa ativamente. Por fim, mas não menos importante, acreditamos que

devem ser trilhados novos caminhos no que tange a forma com que as religiões

de matriz africana têm sido vistas no contexto escolar. Fazemos essa sinalização

porque percebemos, nas falas dos adolescentes, uma necessidade de conhecer

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outras histórias que os levem a produzir novas representações acerca da

cosmovisão africana.

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ANEXO 1 - Quadro de tramitação do PL 259/99

DATA ANDAMENTO

11/03/1999 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)

▪ APRESENTAÇÃO DO PROJETO PELA DEP ESTHER GROSSI.

20/03/1999 PLENÁRIO (PLEN)

▪ LEITURA E PUBLICAÇÃO DA MATERIA. DCD 20 03 99 PAG 10942 COL

02.

15/04/1999 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)

▪ DESPACHO INICIAL À CECD E CCJR (ARTIGO 54 DO RI) - ARTIGO 24,

II.

06/05/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)

▪ RELATOR DEP EVANDRO MILHOMEN.

12/05/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)

▪ PRAZO PARA ARPESENTAÇÃO DE EMENDAS: 05 SESSÕES.

19/05/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)

▪ NÃO FORAM APRESENTADAS EMENDAS.

16/06/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)

▪ PARECER FAVORAVEL DO RELATOR, DEP EVANDRO MILHOMEN.

17/08/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)

▪ APROVAÇÃO UNANIME DO PARECER FAVORAVEL DO RELATOR,

EVANDRO MILHOMEN.

(PL. 259-A/99).

DCD 25 08 99 PAG 36738 COL 02.

19/08/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)

▪ ENCAMINHADO A COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE

REDAÇÃO.

24/04/2000 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ RELATOR DEP ANDRÉ BENASSI.

02/05/2000 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE EMENDAS: 05 SESSÕES.

10/05/2000 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ NÃO FORAM APRESENTADAS EMENDAS.

26/05/2000 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ Parecer do relator pela constitucionalidade, juridicidade e técnica

legislativa, com emenda.

25/09/2001 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) - Vista

conjunta aos Deputados Iédio Rosa e Zulaiê Cobra.

27/09/2001 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

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▪ Encerramento automático do Prazo para Vista Conjunta.

01/10/2001 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ Devolução de Vista (Dep. Iédio Rosa e Dep. Zulaiê Cobra).

08/11/2001 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) Aprovado

por Unanimidade o Parecer

08/11/2001 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)

▪ Leitura e publicação dos pareceres da CECD e CCJR.

(PL. 259-B/99).

DCD 09 11 01 Pág 57418 Col 02.

11/12/2001 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)

▪ Prazo para apresentação de recurso artigo 132, § 2º do RI (05 sessões)

de: 11 12 01 a 18 02 02.

DCD 11 12 01 Pág 64272 Col 02.

19/02/2002 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)

▪ Encerramento automático do Prazo para Recurso.

▪ Of. SGM-P 17/02, à CCJR, encaminhando este projeto para elaboração

da Redação Final, nos termos do Artigo 58, Parágrafo Quarto e Artigo 24,

II, do RI.

▪ Encaminhado à CCP

20/02/2002 COORDENAÇÃO DE COMISSÕES PERMANENTES (CCP)

▪ Encaminhado à CCJR

20/02/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ Recebimento pela CCJR.

07/03/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ Designado Relator, Dep. Aldir Cabral

08/03/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ Recebida a Redação Final

12/03/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ Aprovado por Unanimidade o Parecer

21/03/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)

▪ Encaminhado à CCP

▪ Encaminhamento à CCP para publicação.

05/04/2002 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)

▪ Remessa ao Senado Federal, através do Of. PS-GSE/70/02.

10/01/2003 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)

▪ Transformado na Lei 10639/03. DOFC 10 01 03 PAG 001 COL 01.

Vetado Parcialmente (MSC 07/03-PE e MSG 06/03-CN).

Razões do Veto: DO DE 10 01 03 PÁG 001 COL 01.

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14/05/2003 CONGRESSO NACIONAL (CN)

▪ Leitura e publicação da Mensagem 06/03-CN.

DCN 15.05.03, pág. 0449, col. 01.

▪ Designação da seguinte Comissão Mista para elaboração do relatório:

SENADORES: Teotônio Vilela Filho, Leomar Quintanilha, Eduardo

Suplicy e Antero Paes de Barros.

DEPUTADOS: Gilmar Machado, Celcita Pinheiro, Sandra Rosado e José

Linhares.

Prazo para apresentação do relatório: 03.06.03 (20 dias, de acordo com

o artigo 105 do Regimento Comum).

Prazo para tramitação do veto no Congresso Nacional: 13.06.03 (30

dias, de acordo com o artigo 66, parágrafo quarto da Constituição

Federal).

DCN 15.05.03, pág. 0454, col. 02.

20/05/2004 CONGRESSO NACIONAL (CN)

▪ Discussão em turno único dos Vetos Presidenciais apostos a este Projeto.

▪ Encerrada a discussão.

▪ Votação em turno único dos Vetos Presidenciais apostos a este Projeto,

constantes da cédula única de votação, item133. DCN 21.05.04, pág. 803,

col. 01.

26/05/2004 Senado Federal (SF)

▪ Leitura da Ata de Apuração dos vetos presidenciais, constante da cédula

única de votação, utilizada na sessão conjunta realizada no dia 20.05.04,

por falta de "quorum". DSF de 28.05.04, pág. 16396, col. 01.

26/05/2004 CONGRESSO NACIONAL (CN)

▪ Adiada a votação dos vetos presidenciais apostos a este Projeto,

constante da cédula única de votação, item 133, utilizada na sessão

conjunta realizada em 20.05.04, por falta de "quorum". DSF de 28/05/2004

pág 16396 col 2.

15/04/2008 CONGRESSO NACIONAL (CN)

▪ Votação em turno único do Veto Parcial nº 4/2003, aposto a este Projeto,

pelo processo de cédula única, item 2.

DCN de 16/04/08 PÁG 874 COL 01. Sessão Conjunta.

16/04/2008 Senado Federal (SF)

▪ A Presidência do Senado Federal dá conhecimento do resultado da

apuração dos vetos presidenciais constantes da cédula única de votação

utilizada na sessão conjunta realizada em 15/4/2008. DSF de 17/4/2008.

16/04/2008 CONGRESSO NACIONAL (CN)

▪ Mantido o Veto Parcial nº 4/2003, aposto a este Projeto. Resultado

publicado no DSF de 17/4/2008.

29/04/2008 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)

▪ Of. 217/2008-CN, de 29/4/2008, comunicando a manutenção dos Vetos

Presidenciais e encaminhando a Ata de Apuração dos votos de Vetos

Presidenciais constantes da cédula única de votação utilizada na Sessão

Conjunta realizada no dia 15/4/2008. Fonte: Portal Câmara dos deputados - Adaptado pelo pesquisador

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ANEXO 2 – Termo de Assentimento

TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Quais os impactos da Lei n°10.639/03? A voz e a vez dos adolescentes dizerem o que pensam

Paulo Fabrício Roquete Gomes

Orientadora: Gabriela Guarnieri de Campos Tebet

Número do CAAE: (80187317.0.0000.8142)

Você está sendo convidado(a) a participar como voluntário(a) de uma pesquisa. Este documento, chamado Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, visa a assegurar seus direitos como participante.

Justificativa e objetivos:

Este projeto de pesquisa tem como proposta identificar e evidenciar o modo como você – jovem estudante do ensino fundamental II – percebe o trabalho sobre as relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas que foi realizado pelas escolas que você frequentou até hoje.

A proposição deste estudo, portanto, é entender o processo de implementação da Lei n°10.639/03 sob a ótica do(a) estudante. Pretende-se, através da pesquisa, conhecer os impactos ou desdobramentos da implementação desta lei na sua vida e no modo como se relaciona com você mesmo e com a sociedade.

Objetivos:

Identificar como foi realizada a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas a partir da ótica de adolescentes do 7º e 8º anos do ensino fundamental;

Analisar a partir da perspectiva dos sujeitos (estudantes) o que aprenderam na escola sobre a história e cultura afro-brasileiras após a implementação da referida lei;

Discutir as principais marcas que as experiências relativas à temática racial vividas por estes adolescentes ao longo de sua trajetória escolar implicaram na constituição de suas subjetividades;

Identificar/Analisar a partir do discurso dos adolescentes elementos que possibilitem reflexões sobre como se dá o processo de constituição da identidade negra e qual o papel da escola nesse processo.

Procedimentos:

Participando do estudo, você está sendo convidado(a) a preencher um questionário sobre o estudo de história e cultura africanas e afro-brasileiras na escola. Vale salientar que sua identidade será mantida sob sigilo.

Desconfortos e riscos:

Você não deve participar deste estudo se por ventura se sentir coagido(a). É importante chamar atenção ainda para o fato de que a/o jovem respondente pode sentir algum desconforto

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ao responder a alguma pergunta do questionário e, se isso ocorrer poderá responder à pergunta indicando apenas que “não se sente à vontade para partilhar tal informação”. Você também poderá desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhum tipo de prejuízo.

Benefícios:

Esta pesquisa não trará benefícios diretos aos pesquisados. Todavia, haverá importante benefício indireto, na medida em que contribuirá para compreender, através da narrativa dos(as) adolescentes, a forma com a qual eles/elas vivenciam as experiências escolares relativas às relações raciais. A partir disso, o estudo poderá possibilitar uma reflexão por parte das instituições de educação sobre a implementação da Lei n°10.639/03 numa ótica não muito estudada, mas muito representativa, pois coloca os(as) adolescentes no papel de protagonistas no processo de construção da educação. Dessa forma, as reflexões que farão parte dos resultados do estudo podem auxiliar as escolas, educadores/as e gestores/as na construção de políticas e práticas que possam ser significativas para os(as) estudantes.

Contato:

Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com o pesquisador Paulo Fabrício Roquete Gomes por meio do telefone (19) 99742-3994, e-mail [email protected], ou com a professora orientadora da pesquisa, Profa. Dra. Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (Faculdade de Educação/ UNICAMP), pelo e-mail [email protected].

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: [email protected].

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir a função de órgão consultor na área de ética em pesquisas

Assentimento livre e esclarecido:

Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar.

Aceito Participar da pesquisa

Não aceito participar da pesquisa

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ANEXO 3 – Questionário aplicado aos estudantes do ensino fundamental

II

Você é:

Menino

Menina

2. Qual sua cor/raça?

Preta

Parda

Branca

Amarela (asiático)

Indígena

3. Qual a cor/raça dos seus pais? (Preencha mais de uma alternativa quando seus pais tiverem

cor/raça diferente um do outro)

Preta

Parda

Branca

Amarela (asiático)

Indígena

4. Em que Cidade/Estado você estuda?

5. A maior parte da sua trajetória escolar foi:

em escolas públicas

em escolas particulares

6. Qual o nome da escola onde você estuda hoje?

7. Que ano você está cursando?

5º ano

6º ano

7º ano

8º ano

9º ano

Ensino Médio

8. Você já ouviu falar das leis 10.639/03 ou 11.645/08 que falam sobre a inclusão do Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e dos povos indígenas no currículo escolar?

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Sim, mas não sei muito sobre o assunto.

Sim e acho importante discutir sobre essas questões.

Sim, mas para mim não seria necessário.

Não, mas o assunto me interessa.

Não, e não creio que isso vá acrescentar muito aos meus conhecimentos.

9. Você se lembra de ter tido atividades ligadas à Educação das Relações Étnico-Raciais ou

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em que momentos da sua trajetória

escolar?

Na creche (0 a 3 anos)

Na pré-escola (3 a 6 anos)

No ensino fundamental I (1º ao 5º ano do Ensino Fundamental)

No Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano do Ensino Fundamental)

Em nenhum momento

10. Quais desses conteúdos relativos ao Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

você se lembra de ter estudado ao longo de sua trajetória escolar? Responda mais de uma

alternativa se necessário.

Aspectos geográficos

História do processo de escravização e diáspora (dispersão dos povos)

Outras questões ligadas a história do continente africano e de seus países

A Arte dos povos africanos

Outras questões relacionadas à cultura africana; (costumes, religião, culinária,

vestimentas, etc...)

Literatura africana e de escritores afro-brasileiros

O Racismo

Nenhum conteúdo

Outros

11. Quais disciplinas introduziram conteúdos relacionados às africanidades no currículo durante

sua trajetória escolar?

Artes

Ciências

Educação Física

Filosofia

Geografia

História

Informática

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Inglês

Matemática

Português

Disciplina específica "Afro"

Outra

Nenhuma

12. Quais foram suas principais aprendizagens/conteúdos estudados sobre Educação das

Relações Étnico-Raciais e sobre a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na escola de

quando você era bem pequeno até hoje?

13. Você acha que essas atividades impactaram o modo como você constituiu sua própria

identidade (ou seja, sua maneira de agir, seu comportamento e pensamento)

Sim

Não

14. Por quê?

15. Você acha que essas atividades impactaram o modo como você se relaciona com a

população afro-brasileira?

Sim

Não

16. Por quê?

17. O que você entende por Educação das Relações Étnico-Raciais?

18. O que você entende por racismo?

19. Você já viu ou sofreu algum ato de racismo?

Sim, sofri na escola

Sim, sofri fora da escola

Já vi racismo na escola

Já vi racismo fora da escola

Nunca vi nem sofri atos de racismo

20. Você acha que você já teve uma ação racista em algum momento da vida?

Sim. Algumas vezes

Sim. Muitas vezes

Não, que eu me lembre

Nunca

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21. Você acredita que conhecer a história e cultura africana e afro-brasileira na escola influencia

o comportamento das pessoas frente às questões raciais?

Sim

Não

Não sei

22. Por quê? (responda se desejar)

23. Que tipo de atividade desenvolvida na escola relacionada à educação para as relações

étnico-raciais mais lhe chamou a atenção? Explique:

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ANEXO 4 – Termo de Assentimento

TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Quais os impactos da Lei n°10.639/03? A voz e a vez dos adolescentes dizerem o que pensam

Paulo Fabrício Roquete Gomes

Orientadora: Gabriela Guarnieri de Campos Tebet

Número do CAAE: (80187317.0.0000.8142)

Você está sendo convidado(a) a participar como voluntário(a) de uma pesquisa. Este documento, chamado Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, visa a assegurar seus direitos como participante.

Justificativa e objetivos:

Este projeto de pesquisa tem como proposta identificar e evidenciar o modo como você – jovem estudante do ensino médio – percebe o trabalho sobre as relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas que foi realizado pelas escolas que você frequentou até hoje.

A proposição deste estudo, portanto, é entender o processo de implementação da Lei n°10.639/03 sob a ótica do(a) estudante. Pretende-se, através da pesquisa, conhecer os impactos ou desdobramentos da implementação desta lei na sua vida e no modo como se relaciona com você mesmo e com a sociedade.

Objetivos:

Identificar como foi realizada a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas a partir da ótica de adolescentes dos 1º, 2º e 3º anos do ensino médio;

Analisar a partir da perspectiva dos sujeitos (estudantes) o que aprenderam na escola sobre a história e cultura afro-brasileiras após a implementação da referida lei;

Discutir as principais marcas que as experiências relativas à temática racial vividas por estes adolescentes ao longo de sua trajetória escolar implicaram na constituição de suas subjetividades;

Identificar/Analisar a partir do discurso dos adolescentes elementos que possibilitem reflexões sobre como se dá o processo de constituição da identidade negra e qual o papel da escola nesse processo.

Procedimentos:

Participando do estudo, você está sendo convidado(a) a preencher um questionário sobre o estudo de história e cultura africanas e afro-brasileiras na escola. Vale salientar que sua identidade será mantida sob sigilo.

Desconfortos e riscos:

Você não deve participar deste estudo se por ventura se sentir coagido(a). É importante chamar atenção ainda para o fato de que a/o jovem respondente pode sentir algum desconforto

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ao responder a alguma pergunta do questionário e, se isso ocorrer, poderá responder a pergunta indicando apenas que “não se sente à vontade para partilhar tal informação”. Você também poderá desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhum tipo de prejuízo.

Benefícios:

Esta pesquisa não trará benefícios diretos aos pesquisados. Todavia, haverá importante benefício indireto, na medida em que contribuirá para compreender, através da narrativa dos(as) adolescentes, a forma com a qual eles/elas vivenciam as experiências escolares relativas às relações raciais. A partir disso, o estudo poderá possibilitar uma reflexão por parte das instituições de educação sobre a implementação da Lei n°10.639/03 numa ótica não muito estudada, mas muito representativa pois coloca os(as) adolescentes no papel de protagonistas no processo de construção da educação. Dessa forma, as reflexões que farão parte dos resultados do estudo podem auxiliar as escolas, educadores/as e gestores/as na construção de políticas e práticas que possam ser significativas para os(as) estudantes.

Contato:

Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com o pesquisador Paulo Fabrício Roquete Gomes por meio do telefone (19) 99742-3994, e-mail [email protected] ou com a professora orientadora da pesquisa, Profa. Dra. Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (Faculdade de Educação/ UNICAMP), pelo e-mail [email protected].

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: [email protected].

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir a função de órgão consultor na área de ética em pesquisas

Assentimento livre e esclarecido:

Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar.

Aceito participar da pesquisa

Não aceito participar da pesquisa

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ANEXO 5 – Questionário aplicado aos estudantes do ensino médio

1.Você é:

Garoto

Garota

2. Qual sua cor/raça?

Preta

Parda

Branca

Amarela (asiático)

Indígena

3. Qual a cor/raça dos seus pais? (Preencha mais de uma alternativa quando seus pais tiverem

cor/raça diferente um do outro)

Preta

Parda

Branca

Amarela (asiático)

Indígena

4. Em que Cidade/Estado você estuda?

5. A maior parte da sua trajetória escolar foi:

em escolas públicas

em escolas particulares

6. Qual o nome da escola onde você estuda hoje?

7. Que ano você está cursando?

1º ano – ensino médio

2º ano – ensino médio

3º ano – ensino médio

8. Você já ouviu falar das leis n°10.639/03 ou n°11.645/08 que falam sobre a inclusão do Ensino

de História e Cultura Afro-Brasileiras, Africanas e dos povos indígenas no currículo escolar?

Sim, mas não sei muito sobre o assunto.

Sim e acho importante discutir sobre essas questões.

Sim, mas para mim não seria necessário.

Não, mas o assunto me interessa.

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Não, e não creio que isso vá acrescentar muito aos meus conhecimentos.

9. Você se lembra de ter tido atividades ligadas à Educação das Relações Étnico-Raciais ou ao

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas em que momentos das sua trajetória

escolar?

Na creche (0 a 3 anos)

Na pré-escola (3 a 6 anos)

No ensino fundamental I (1º ao 5º ano do Ensino Fundamental)

No Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano do Ensino Fundamental)

No ensino médio

Em nenhum momento

10. Quais foram suas principais aprendizagens/conteúdos estudados sobre Educação das

Relações Étnico-Raciais e sobre a História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas na escola de

quando você era bem pequeno até hoje?

11. Você acha que essas atividades impactaram o modo como você constituiu sua própria

identidade (ou seja, sua maneira de agir, seu comportamento e pensamento)

Sim

Não

12. Por quê?

13. Você acha que essas atividades impactaram o modo como você se relaciona com a

população afro-brasileira?

Sim

Não

14. Por quê?

15. O que você entende por Educação das Relações Étnico-Raciais?

16. O que você entende por racismo?

17. Você já viu ou sofreu algum ato de racismo?

Sim, sofri na escola

Sim, sofri fora da escola

Já vi racismo na escola

Já vi racismo fora da escola

Nunca vi nem sofri atos de racismo

18. Você acha que você já teve uma ação racista em algum momento da vida?

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Sim. Algumas vezes

Sim. Muitas vezes

Não, que eu me lembre

Nunca

19. Você acredita que conhecer a história e cultura africana e afro-brasileira na escola influencia

o comportamento das pessoas frente as questões raciais?

Sim

Não

Não sei

20. Por quê? (responda se desejar)

21. Que tipo de atividade desenvolvida na escola relacionada à educação para as relações

étnico-raciais mais lhe chamou a atenção? Explique:

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ANEXO 6 – Estudos publicados sobre a temática “constituição de

identidade e ensino médio”, até novembro de 2017, disponíveis no acervo

CAPES.

AUTOR: ALMEIDA, GABRIELA GUERRA DE ANO DA PUBLICAÇÃO: 2015 TEMA: A Cultura Visual na Educação na Educação na Construção da Identidade Étnico-Racial RESUMO: A Cultura Visual vem ganhando importância a partir do século XX com o desenvolvimento da fotografia, do cinema, da televisão e da internet, de forma que as possibilidades de atuação dos indivíduos como emissores e receptores de informação têm se ampliado. Embora o estudo da imagem e das novas mídias dentro da escola venha ganhando relevância, ele acontece ainda de maneira tímida no que diz respeito a sua potencialidade como recurso didático e como forma de expressão. Este trabalho busca apresentar o percurso de uma pesquisa educacional baseada em artes, cujo objetivo central foi compreender como o desenvolvimento da linguagem visual pode contribuir para a construção de identidades em uma perspectiva plural, tendo em vista o tema do pertencimento étnico-racial da população brasileira e o conteúdo conflituoso vinculado às teorias raciais de cunho biológico. Desenvolveu-se uma oficina de artes visuais com estudantes do Ensino Fundamental e Médio de uma Escola Fazenda situada na região metropolitana de Belo Horizonte, na qual se buscou refletir, por meio do estudo da cultura visual, sobre o papel da interdisciplinaridade (ciências da natureza e ciências sociais) na construção das identidades étnico-raciais no Brasil.

AUTOR: BONILHA, TAMYRIS PROENÇA. ANO DA PUBLICAÇÃO: 2012 TEMA: O não-lugar do sujeito negro na educação brasileira RESUMO: Este estudo tem por objetivo analisar dados estatísticos educacionais acerca da trajetória do sujeito negro, na educação básica, de modo a identificar as regiões do Brasil que apresentam os maiores índices de exclusão escolar, e relacioná-los ao contexto político e social, a fim de identificar possíveis mecanismos que influenciam o sucesso e o fracasso escolar destes sujeitos. Foram utilizados para coleta de dados algumas fontes oficiais de pesquisa, tais como: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística); INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa); DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), bem como outras fontes de natureza teórica que fundamentaram as discussões e análise dos dados. A partir da análise dos dados, constatou-se: disparidade entre o número de alunos pretos e alunos pardos, em todos os níveis de ensino, situação está, compreendida na lógica do ideal de branqueamento; os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio representam os níveis de ensino com exclusão escolar do aluno negro. A exclusão do negro é um problema nacional, não estando circunscrita a uma região específica, isto é, o aluno negro sofre as consequências da discriminação racial em todas as regiões do país, e em todos os níveis de ensino. Esta pesquisa é de grande relevância acadêmica e social, na medida em que revela as fragilidades e deficiências existentes nos dados do Censo Escolar, e ressalta a urgência na melhora das estratégias de coleta dos dados, bem como a necessidade de maior acompanhamento e conscientização sobre sua importância para a sociedade.

AUTOR: COSTA, LÍGIA MARISE LIMA ANO DA PUBLICAÇÃO: 2012 TEMA: “SOU QUILOMBOLA, BOM ALUNO E BOM DE BOLA”: A constituição identitária de alunos do ensino médio: um estudo histórico antropológico com jovens moradores de uma comunidade remanescente de quilombo do sertão mineiro. Minas Novas, Minas Gerais

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RESUMO: Esta dissertação intitulada “SOU QUILOMBOLA, BOM ALUNO E BOM DE BOLA”: A constituição identitária de alunos do ensino médio: um estudo histórico antropológico com jovens moradores de uma comunidade remanescente de quilombo do sertão mineiro. Minas Novas, Minas Gerais, resultou da pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da PUC-Minas. Tratou-se de um estudo etnográfico, histórico e antropológico de natureza qualitativa que teve por objetivo principal compreender como são constituídas as identidades de jovens alunos do ensino médio, moradores de uma comunidade remanescente de quilombo e que estudam em uma escola localizada fora da comunidade onde vivem. A Escola Estadual de Ribeirão da Folha fica localizada no Distrito de Ribeirão da Folha e a comunidade onde vivem os sujeitos desta pesquisa é o Quilombo. Ambas comunidades são rurais e estão localizadas no sertão do município de Minas Novas, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Nestes tempos e espaços procurou-se compreender como são formadas, conformadas ou negadas as identidades dos sujeitos tendo como categorias principais: culturas, identidade, identidade étnico-racial quilombola, educação em ambiente rural, entre outras. A metodologia usada foi a observação participante, na qual o trabalho de campo, entre a primeira visita e última, perdurou por aproximadamente 17 meses, no período de julho de 2010 a dezembro de 2011. Sendo que, durante os meses de janeiro a maio de 2011, a autora morou no campo de pesquisa. Para o desenvolvimento da observação participante foram empregadas técnicas como as observações assistemática e sistemática, conversas informais, memoriais feitos pelos sujeitos, entrevistas abertas e dialogadas, e, análise em documentos oficiais. Os resultados alcançados evidenciaram que a escola não valoriza as culturas das comunidades do seu entorno, bem como, as culturas dos remanescentes de quilombo da região, pois, em nenhum dos documentos analisados puderam ser encontradas pistas que dizem das culturas destes sujeitos e comunidades. Em contrapartida a este distanciamento da escola da realidade onde se insere, os alunos ouvidos nesta pesquisa valorizam a escola e a educação como meio necessário para alcançarem ascensão econômica e de alguma forma contribuir para o progresso da comunidade onde vivem. E por fim a investigação evidencia que para os jovens alunos, ser pessoa quilombola é, antes de tudo, assumir sua participação dentro da comunidade e reconhecer sua descendência e sua cultura como diferente da cultura do “outro”, é ser diferente como princípio de alteridade. Destacamos que nesse reconhecimento da alteridade, a cor da pele não é o principal elemento de diferenciação, pois a comunidade possui pessoas com características fenotípicas variadas, que vai desde o branco, passando por aquelas que carregam traços indígenas e negros.

AUTOR: JESUS, LORI HACK DE. ANO DA PUBLICAÇÃO: 2005 TEMA: Trajetórias de vida e estudo de alunos negros do Ensino Médio da cidade de Tapurah/MT. RESUMO: Esta Dissertação teve como principal objetivo investigar a trajetória de vida e estudo dos alunos negros do Ensino Médio, tentando detectar se existem manifestações de racismo, de discriminação e de preconceito nas vivências destes jovens estudantes, bem como, tentando levantar os fatores que os motivam a ultrapassar o gargalo escolar, apesar da relação desigual existente, completando o Ensino Médio e preparando-se para enfrentar o vestibular, dando assim, continuidade aos estudos, bem como, perceber quais são suas perspectivas para um futuro próximo. Para que isto fosse possível, coletaram-se os dados com treze alunos. Eles concederam suas histórias de vida. A História de Vida é o instrumento que permite captar parte da subjetividade, pois os narradores contam os fatos de sua existência através do tempo, de acordo com o que vivenciaram e o que acumularam de experiências significativas. Assim, esta pesquisa tem cunho qualitativo, pois a “fala” dos depoentes foi privilegiada, dando-se “voz” aos jovens, que estão em busca de espaços onde consigam passar suas percepções, pois os jovens gostam de contribuir e de participar. Foram estabelecidas relações entre os estudos, principalmente de Corti (2004) e Sposito (1999) sobre os jovens atuais e negros;

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buscando-se significados para as respostas obtidas em Norbert Elias (2000), Frantz Fanon (1983), Goffman (1982), DaMatta (1987; 1990), Munanga (1999; 2004), Souza (1983), Oliveira (1999), Teixeira (2003), Cavalleiro (2003) e Osório (2003) sobre as relações raciais. Com este estudo, conclui-se entre outras coisas, que os jovens negros de Tapurah tem uma percepção bem elaborada sobre a forma como acontecem as situações de discriminação, isto é, comprovam a idéia de que o “racismo à brasileira” se atualiza dia-a-dia, encontrando sempre novas formas de excluir, sendo que as pessoas que continuam sofrendo as conseqüências desse preconceito continuam as mesmas: as pessoas negras. Entretanto, estes jovens se fortalecem em sua criatividade para driblar as ações racistas, pois mesmo que tenham um percurso mais acidentado que os seus colegas brancos, dão a volta por cima, continuam seus estudos, pois querem concretizar os sonhos idealizados e, muitas vezes, utilizando-se de “redes de apoio”. Portanto, é necessário evidenciar nas escolas uma política que reconheça a legitimidade da reivindicação dos jovens estudantes negros, traduzindo o discurso numa prática pedagógica que exerça a inclusão e que lhes permita serem respeitados em todos os sentidos.

AUTOR: MAIA, MARIA EDLEUZA. ANO DA PUBLICAÇÃO:2015 TEMA: A escola e a formação do aluno negro: o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana RESUMO: Este trabalho tem como objetivo identificar como a história e a cultura africana e afro-brasileira permeiam o espaço escolar e mediam processos de formação identitária do estudante negro. A pesquisa foi realizada com professores e alunos de uma escola pública estadual de ensino médio, do município de Limoeiro do Norte, Ceará, utilizando-se de recursos metodológicos como enquetes, histórias de vida e entrevistas, privilegiando as memórias e autobiografias dos que se reconhecem ou são reconhecidos como negros. Foram utilizadas também fontes bibliográficas que discorrem sobre o ensino de história e a situação dos afro-brasileiros, hoje; África em sala de aula e a função social da escola. Os estudos confirmam que a instituição escolar é importante na formação identitária dos estudantes, seja para afirmar e/ou negar identidades atribuídas, seja para adquirir outras. Os depoimentos revelam que há uma ausência de referenciais afirmativos dos negros na História da África veiculada na escola e na sociedade brasileira, e isso afeta o desempenho escolar e a identificação destes com essa história. Ainda persistem na escola comportamentos que desqualificam a estética e religiosidade negras. Há uma naturalização da desigualdade e o não reconhecimento do preconceito, inclusive, por parte dos negros. Isto contribui para elevar o descrédito dos negros em sua capacidade intelectual, influenciando no desempenho escolar. A implementação da Lei 10.639/03 demanda inúmeras ações e desafios junto à escola, aos educadores e estudantes negros. Cabe ao Estado brasileiro continuar gestando ações afirmativas e políticas antirracistas na sociedade e instituições de ensino que garantam mudanças estruturais na realidade socioeconômica de forma a enfrentar o racismo estrutural, institucional e cotidiano vivenciado por pessoas negras. Os movimentos sociais e o movimento negro em particular podem contribuir na mobilização e sensibilização desta questão.

AUTOR: NASCIMENTO, ANDERSON MESSIAS RORISO DO ANO DA PUBLICAÇÃO: 2011 TEMA: O hip hop como experiência estética: apropriações e ressignificações por jovens do ensino médio privado RESUMO: A dissertação que ora se apresente se insere no campo dos estudos sobre juventude, educação e políticas públicas. O Hip Hop enquanto movimento sócio-cultural passou a ter maior visibilidade no Brasil a partir da década de 1990, chegando também à Brasília e

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imprimindo novos estilos de vida das juventudes residentes, sobretudo nas regiões distantes do Plano Piloto, comumente definidas como cidades satélites. Na última década o Hip Hop chegou a lugares inimagináveis, por exemplo, nas escolas privadas localizadas em regiões nobres da capital federal. Nesse contexto, o interesse de rapazes e garotas está voltando principalmente para o que se caracterizou como dança de rua, adquirindo, no entanto, características próprias e passando a ser apropriado e ressignificado por esses/as jovens de múltiplas formas, tanto no âmbito individual como coletivo. A partir desta constatação, buscou-se investigar a atuação dos/as jovens no grupo de dança dentro da escola onde estudam, como intuito de compreender o que os/as motivou a escolher o street dance como atividade cultural e quais são as leituras que eles/as fazem sobre a relação existente entre o movimento Hip Hop e as questões étnico-raciais. Para tanto, buscamos compreender a condição juvenil no contexto de duas escolas privadas que ofertam o Ensino Médio, uma vez que é possível perceber novas manifestações coletivas no interior escolar, criadoras de uma nova estética juvenil. Realizamos observações diretas nessas duas escolas assim como quatro grupo de discussão com jovens de ambos os sexos. Os resultados aqui apresentados se referem à análise em profundidade de dois grupos de discussão que foi realizada com base no método documentário de interpretação desenvolvido por Ralf Bohnsack, cujas bases teóricas encontram-se solidificadas na Sociologia do Conhecimento de Karl Mannheim.

AUTOR: SANTANA, NIVEA MARIA DE ARAUJO. ANO DA PUBLICAÇÃO: 2016 TEMA: A Lei 10.639/03, História e Interculturalidade: Reflexões sobre o papel das práticas educacionais nas construções identitárias e alteritária dos/as alunos/as do Ensino Normal Médio RESUMO: Esta dissertação apresenta as reflexões sobre em que medida as práticas educativas vivenciadas pelos/as alunos/as, após a promulgação da Lei 10.639/03, foram capazes de influenciar suas construções identitárias e alteritárias, em especial com relação a questão cor/raça. Sendo escolhidos como sujeitos das pesquisas os/as estudantes que cursavam o 4º ano do Normal Médio, na Escola Estadual Pe. Nicolau Pimentel, localizada no município de Limoeiro/PE, a partir da perspectiva que, mais que um instrumento legal, a lei possui um caráter pedagógico, através do qual se pretende fazer uma reforma não só educacional, como também social, ao trazer a questão da diferença para sala de aula, possibilitando o debate sobre temas que consideramos basilares para uma educação que se reconhece pluriétnica e multicultural. Nesta perspectiva, este trabalho tem a premissa que, ao tornar obrigatório o ensino de História e da Cultura Afro-brasileiras no Currículo da Educação Básica do país, a respectiva Lei, forneceu as ferramentas e o espaço para que o ‘Outro’ se torne visível no ambiente escolar. Entendendo, contudo, que, por se tratar de um instrumento legal que busca modificar o modelo de educação institucionalizado e naturalizado há décadas, o “cumprimento” dessa Lei na sala de aula, é um ato discricionário do/a professora/a, que dependerá, em grande medida, de sua formação acadêmica, razão pela qual, os/as alunos/as no Ensino Normal Médio, com sua natureza híbrida, representam tão bem a perspectiva assimilacionista, condição que parece própria para refletir sobre o cumprimento e os efeitos da Lei 10.639/03, após mais de dez anos de sua promulgação. Ao analisarmos os dados levantados durante o processo de pesquisa, na qual adotamos uma abordagem qualitativa, usando como estratégia a pesquisa-ação e como técnica principal de coleta de dados o grupo focal, percebemos que, mesmo de forma incipiente e diante da resistência de alguns professores em mudar suas práticas educativas para acolher a proposta da Lei, atitude que favorece a permanência de (pre)conceitos naturalizados e internalizados social e individualmente, como o mito das três raças, as inquietações e questionamentos dos/as alunos/as, assim como sua disposição em discutir a diferença na sala de aula, se posicionando e refletindo sobre problemas como a identificação racial/étnica, houve o deslocamento entre o fazer e o pensar que podemos chamar de aprendizagem.

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AUTOR: PEREIRA, WELLINGTON GUSTAVO. ANO DA PUBLICAÇÃO: 2016 TEMA: Entender e construir representações do negro brasileiro em parceria com adolescentes RESUMO: Este estudo descreve e analisa Sequências Didáticas voltadas para educação étnico-racial e a implementação da lei 10639/03. Em aulas da disciplina Língua Portuguesa, ministradas em escolas públicas, estudantes de ensino médio e ensino fundamental produziram textos sobre algumas representações do negro brasileiro: racismo em situações cotidianas, racismo na TV brasileira e o mito do Saci. Trata-se de uma pesquisa-ação, na qual, as reflexões de adolescentes a partir de situações-problema formam o grande objeto de estudo. O conceito de Sequências Didáticas utilizado foi desenvolvido pelos autores suíços Dolz, Noverraz e Schneuwly. O ensino de língua materna está centrado nos gêneros textuais, conforme estabelecem os Parâmetros Curriculares Nacionais e explicam autores brasileiros filiados aos conceitos de Mikhail Bakhtin. Cada uma das temáticas raciais será examinada em diálogo com pesquisas que trataram especificamente daquele aspecto. Ao longo da obra, contribuições de autores como Kabengele Munanga, Nilma Lino Gomes e Antônio Sérgio Guimarães estarão presentes para melhor compreensão e interpretação das relações raciais no Brasil.

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador a partir das dissertações e teses disponíveis na plataforma CAPES.

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166

ANEXO 7 - Gráfico – Estado em que residem os participantes da pesquisa, do Ensino

Fundamental II

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

27,4%

21,2%

2,7%

3,4%

7,5%

3,4%

3,4%

0,7%

4,1%

6,8%

2,7%

3,4%

4,1%

1,4%

0,7%

0,7%

1,4%

1,4%

1,4%

0,7%

1,4%

1

Estado em que estudam

DF AC PI MT RN RO AP TO CE PE GO

PR BA AL MS SC RS RJ ES MG SP

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167

ANEXO 8 - Gráfico – Estado em que residem os participantes da pesquisa, do Ensino

Médio

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

46,3%

5,7%2,5%

3,9%8,7%

4,6%

1,1%

0,5%

3,9%

8,2%

1,8%

2,3%

3,0%

0,2%

0,5%

1,8%

0,2%

0,2%

1,4%

0,9%

0,9%

1,4%

0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0%

SP

MG

ES

RJ

RS

SC

MS

AL

BA

PR

GO

PE

CE

TO

RO

RN

PI

AC

DF

PA

MA

NÃO RESPONDERAM

Em que estado você estuda?

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ANEXO 9 - Gráfico – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa, do Ensino

Fundamental II

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

43,8%

56,2%

Sexo dos Estudantes

Menino

Menina

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ANEXO 10 - Gráfico – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa, do Ensino

Médio

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

44,3%

55,7%

Sexo dos participantes

Garoto

Garota

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ANEXO 11 - Gráfico – Raça/Cor dos estudantes participantes da pesquisa, do Ensino

Fundamental II

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

6,8%

38,4%

52,1%

2,7%0,0%

Cor/raça dos participantes

Preta Parda Branca Indígena Amarelo (asiático)

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ANEXO 12 - Gráfico – Raça/Cor dos estudantes participantes da pesquisa, do Ensino

Médio

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

9,4%

36,1%51,8%

1,6%1,1%

Cor/raça dos participantes

Preta

Parda

Branca

Indígena

Amarela (asiático)

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ANEXO 13 - Gráfico – Raça/Cor dos pais dos estudantes participantes da pesquisa, do

Ensino Fundamental II

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

11,9%

33,8%

48,4%

1,4%

4,6%

Cor/raça dos pais

Preta Parda Branca Amarela(asiático) Indígena

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ANEXO 14 - Gráfico – Raça/Cor dos pais dos estudantes participantes da pesquisa, do

Ensino Médio

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

49,8%

29,6%

15,2%

3,0%2,1% 0,2%

1

Cor/Raça dos Pais

Branca Parda Preta Indígena Amarela (asiático) Não responderam

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ANEXO 15 - Gráfico – Rede de ensino em que os participantes da pesquisa cursaram a

maior parte da trajetória escolar – alunos do Ensino Fundamental II

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

69%

31%

Em que rede de ensino os estudantes cursaram a maior parte da sua trajetória escolar

Escolas públicas

Escolas particulares

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ANEXO 16 - Gráfico – Rede de ensino em que os participantes da pesquisa cursaram a

maior parte da trajetória escolar – alunos do Ensino Médio

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

32,8%

67,2%

A maior parte da sua trajetória escolar foi:

Escolas Particulares

Escolas públicas

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ANEXO 17 - Gráfico – Ano em que o participante da pesquisa está matriculado – alunos

do Ensino Médio

Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.

42,7%

32,0%

25,3%

Que ano você esta cursando?

1º Ano - ensino médio

2º Ano - ensino médio

3º Ano - ensino médio

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ANEXO 18 - Algumas digressões do pesquisador durante a execução da pesquisa

Inicialmente, pensei que esta pesquisa seria efetuada de maneira

presencial – ou seja, enquanto pesquisador, teria a possibilidade de realizar

trocas de experiências junto aos adolescentes. Isso, na minha opinião, seria

muito bom para o processo de construção do texto de dissertação – pois, a partir

das análises que seriam feitas durante o convívio com estes adolescentes, eu

poderia sentir e perceber suas reações. Quis o destino ou não que este formato

não acontecesse, principalmente por questões burocráticas, ligadas a

autorizações que deveriam partir das prefeituras, através das secretarias

municipais de educação dos municípios inicialmente selecionados para o estudo.

Esse fato não prejudicou, na minha opinião, o desenvolvimento da pesquisa,

apenas exigiu um replanejamento, uma nova estratégia – nenhuma novidade

para quem constituiu sua trajetória a partir da militância e, por conta disso,

precisou mudar de estratégia diversas vezes durante a execução de projetos ou

negociação de propostas junto a comunidades quilombolas, empresas, artistas,

e órgãos governamentais. Não quero, com isso, dizer que foi fácil; apenas não

foi incomum.

Contudo o piloto, ou seja, o teste do instrumento precisaria ser feito de

maneira presencial, até porque, enquanto pesquisador, precisava ter a certeza

de que o que estava propondo aos adolescentes seria entendido por eles sem

criar ruídos que prejudicariam o estudo e a observação dos mesmos durante o

preenchimento do questionário nos permitiria ver em que questões surgiriam

dúvidas, quais demorariam mais para responder, e também estimar o tempo

médio de preenchimento Assim, decidi procurar escolas da rede pública que

conhecia, na tentativa de obter autorização para aplicar um teste. Graças à

compreensão da relevância do estudo por parte de uma dirigente, consegui

aplicar o teste com 5 adolescentes: 2 brancos, 2 pretos e 1 pardo, todos

matriculados no mesmo ano escolar. Para minha surpresa, não tivemos grandes

problemas quanto ao entendimento referente às questões propostas no

questionário – alguns ajustes aqui, outros ali, e o instrumento estava aprovado

por eles.

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Contudo, o que me chamou a atenção durante o período de aplicação do

teste – e que possivelmente gerará desdobramentos futuros para outros estudos

e/ou discussões – refere-se ao posicionamento dos estudantes durante a

realização do mesmo. Percebi que os estudantes brancos responderam o teste

de maneira muito rápida: eram cerca de 23 questões (na ocasião do teste), e

eles responderam utilizando cerca de 15 minutos. É importante dizer que os

testes foram aplicados de maneira individual, para que as dúvidas geradas por

um adolescente não influenciassem o outro (esta foi uma estratégia que utilizei

na tentativa de maximizar o aprimoramento do instrumento). O estudante pardo

demorou um pouco mais – cerca de 22 minutos, e os estudantes pretos

responderam utilizando por volta de 35 minutos. Isso me deixou intrigado. Essa

diferença no tempo de preenchimento poderia se relacionar de alguma forma

com a questão racial? E, se sim, em que medida? Qual seria a razão? Quando

fui buscar nas minhas anotações – sim, eu anotei tudo o que estava

acontecendo, desde os gestos feitos pelos adolescentes durante o

preenchimento, passando pelas expressões, até os questionamentos – percebi

que, para os estudantes brancos, falar sobre sua cor, sua relação com a

constituição de identidade a partir deste quesito, não se configurava como uma

questão conflitiva. Simplesmente marcavam a resposta, sem muita reflexão

sobre a questão, porque aquela temática os afetava de forma diferente – ou seja,

eles não sofriam com o fato de que responder algo assumindo sua identidade

racial poderia lhes causar algum tipo de constrangimento ou desconforto. No

outro extremo, estavam os estudantes negros – e aqui incluo o estudante pardo,

porque, embora ele tenha levado menos tempo que os pretos, gastou mais

tempo que os brancos. Pois bem, eu percebi, analisando as reações e as

gesticulações dos estudantes negros, um certo sofrimento ou constrangimento

em estar naquele local falando sobre sua cor. Para eles, tratava-se de uma

questão causadora de angustia, sofrimento, talvez revolta – não posso, neste

momento, definir com precisão o que gerou naqueles adolescentes o

desconforto. Porém posso dizer que se relaciona ao fato de que ainda há um

enorme caminho a ser percorrido para compreender como as questões raciais

tocam de forma diferente negros e brancos; e mais, como a postura adotada pela

sociedade brasileira alimenta esta questão. Recentemente, lendo o livro de

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Lázaro Ramos, “Na minha pele”, observei que ele faz uma reflexão sobre essa

questão – de como a branquitude não se dá conta de que a temática racial não

é uma “questão” para os brancos. O que me fez novamente refletir sobre o

episódio na escola.

Outra situação que me chamou atenção aconteceu com uma adolescente

que, pela quantidade de melanina e pelos traços físicos, “eu” não teria dúvida

em classificá-la como preta – porém é importante dizer que não é esse o meu

papel. No Brasil, o critério utilizado para classificação de cor é a autodeclaração.

Entretanto estou dizendo isso apenas para deixar evidente meu estranhamento

quando ela me perguntou: “não sei o que colocar aqui, eu sou preta? Não sou

preta, né?” – referindo-se ao campo em que deveria marcar a raça/cor que

considerava ser. Esta é uma questão que de alguma forma tratei no estudo,

portanto não tratarei novamente aqui – mas é algo que reforça a questão que

disse anteriormente, sobre o sofrimento e a angústia que os adolescentes negros

apresentaram durante a realização do teste e que se refletem também em outros

espaços.

Estas questões não entraram no texto da dissertação, primeiramente

porque estes adolescentes não participaram efetivamente do estudo; sua

participação se deu apenas no aprimoramento do instrumento que seria aplicado

na sequência. Os dados gerados a partir do preenchimento feito por eles nos

formulários foram descartados e não fazem parte dos dados que compõem esta

dissertação.

Então por que trago aqui essas digressões? Porque as achei relevantes

para futuros estudos, porque acredito que podem auxiliar outras propostas de

estudo e porque me deixaram bastante inquieto quanto à relevância de seu teor.

Tentarei, em próximas pesquisas, voltar a estas questões, pensando talvez no

desenvolvimento de um estudo específico, buscando aporte teórico para debater

mais profundamente a questão evidenciada durante a aplicação do questionário

piloto.


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