UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FE
PAULO FABRÍCIO ROQUETE GOMES
QUAIS OS IMPACTOS DA LEI N°10.639/03? A VOZ E A VEZ DE
ADOLESCENTES DIZEREM O QUE PENSAM
CAMPINAS – SP
2019
PAULO FABRÍCIO ROQUETE GOMES
QUAIS OS IMPACTOS DA LEI N°10.639/03? A VOZ E A VEZ DE
ADOLESCENTES DIZEREM O QUE PENSAM
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de
Campinas para obtenção do título
de Mestre em Educação, na área
de concentração de Educação.
Orientadora: Gabriela Guarnieri de Campos Tebet
Este trabalho corresponde à versão final de dissertação defendida pelo aluno
Paulo Fabrício Roquete Gomes, e orientada pela Professora Dra. Gabriela
Guarnieri de Campos Tebet
CAMPINAS – SP
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FE
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
QUAIS OS IMPACTOS DA LEI N°10.639/03? A VOZ E A VEZ DE
ADOLESCENTES DIZEREM O QUE PENSAM
AUTOR: Paulo Fabrício Roquete Gomes
COMISSÃO JULGADORA:
Dra. Gabriela Guarnieri de Campos Tebet
Dr. Sidnei Barreto Nogueira
Dra. Simone Gibran Nogueira
Dra. Ângela Fátima Soligo
A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no
SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da
Unidade.
CAMPINAS – SP
2019
DEDICATÓRIA
Dedico o meu mestrado e a minha dissertação a três figuras femininas
formidáveis que me acompanham em espirito. E a uma que me deu a vida, e
portanto, a oportunidade de desenvolver esta pesquisa.
À minha mãe Osùn, que me diz em que caminhos devo andar e a quem
ouço com muito amor e dedicação.
À minha avó materna Dona Marta Roquete de Melo, descendente
indígena da comunidade dos Tapúios em Minas Gerais, uma segunda mãe,
mulher honesta e justa que ganhou a vida e criou 10 filhos e mais alguns netos,
passando roupas para diversas famílias em Paracatu-MG, que sempre me disse
o quão longe eu poderia chegar – sobretudo quando nem mesmo eu acreditava
– e a quem tenho a maior gratidão por ter sido a primeira a me dizer o quanto o
racismo pode ser cruel, mas o quanto eu também devo reagir diante dele.
Infelizmente, este ano ela partiu sem poder me ouvir dizer: “Vó, eu consegui!”.
Sei que, onde estiver, ela estará sempre cantando e sorrindo.
À Dona Conceição Gonzaga, minha avó paterna, que nos deixou no início
dessa jornada de estudos. Mas que sempre se orgulhou de ter um neto que a
levava aos bailes da terceira idade. Mulher forte, afro-brasileira, professora,
quituteira de mão cheia (como dizemos em Minas). Que me ensinou o valor da
experiência e quão bobos são nossos pré-conceitos.
Dedico ainda à minha mãe, Dona Margareth Roquete de Melo, por quem
tenho um amor incondicional, mulher companheira, compreensiva e alegre, a
quem devo a vida.
AGRADECIMENTOS
Agradecer é um exercício que deveríamos praticar todos os dias,
principalmente porque acredito que nada do que fazemos ou produzimos é
confeccionado de forma solitária.
Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Gabriela Tebet, pela dedicação
em me orientar e direcionar este estudo.
Ao meu companheiro de vida, Lucivaldo, e à nossa filha Letícia, que
pacientemente me apoiaram durante estes anos.
Aos colegas de trabalho que seguraram as pontas para que eu pudesse
me dedicar a este estudo.
Aos amigos e familiares que acreditaram e apostaram nessa proposta. De
forma especial, às amigas Juliana, Adriana e Thaís, que dispensaram parte de
seu tempo para revisar esta dissertação.
“Ser negro é, além disto, tomar consciência
do processo ideológico que, através de um
discurso mítico acerca de si, engendra uma
estrutura de descobrimento que o aprisiona
numa imagem alienada, na qual se
reconhece. Ser negro é tomar posse desta
consciência e criar uma nova consciência
que reassegure o respeito às diferenças e
que reafirme uma dignidade alheia a qualquer
nível de exploração. Assim, ser negro não é
uma condição dada, a priori, é um vir a ser.
Ser negro é tornar-se negro”
Neusa Santos Souza
RESUMO
Em 2003, foi sancionada a Lei n°10.639, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e torna obrigatório – nos currículos da educação básica do país – o estudo da história e da cultura africanas e afro-brasileiras. Dezesseis anos se passaram desde que a legislação entrou em vigor. Por essa razão, buscamos analisar, a partir da perspectiva de adolescentes de 13 a 17 anos – portanto aqueles que vivenciaram todo o seu processo de escolarização sob a vigência da Lei –, como essa temática os intercepta e que impactos ela causa na construção das identidades destes estudantes. Assim, o objetivo geral da pesquisa é compreender, através da perspectiva dos adolescentes dos ensinos fundamental e médio, de que forma o estudo de história e cultura africanas e afro-brasileiras impacta a constituição da identidade. Participaram da pesquisa estudantes que cursavam, no momento da aplicação, o 7º e 8º anos do ensino fundamental II e os três anos do ensino médio. Para tanto, desenvolvemos como metodologia questionários que foram distribuídos a partir do Facebook. Dessa forma, a abrangência do estudo é nacional, uma vez que obtivemos respostas dos 26 estados e do Distrito Federal. As análises buscaram identificar, com base no que os estudantes disseram, sua associação com a educação para as relações étnico-raciais. A partir disso, traçamos uma discussão acerca de temas como raça, racismo, branquitude e os privilégios que dela advêm, negritude e lugar de fala. Os resultados indicam que há muito a se avançar na implementação da Lei, uma vez que, de acordo com os adolescentes, as questões relacionadas às africanidades não aparecem com frequência na trajetória escolar. A pesquisa demonstrou evidências de que pode estar ocorrendo uma interpretação equivocada da Lei n°10.639, pois os estudantes apontaram que as disciplinas em que os conteúdos têm sido trabalhados são exatamente aquelas explicitadas no texto da legislação. O estudo também mostrou que, quando implementados, os estudos das africanidades são muito importantes na constituição da identidade de adolescentes. Por fim, o estudo apresenta que o racismo – até pouco tempo considerado velado – tem se mostrado cada vez mais de forma declarada, e a intolerância religiosa e a branquitude acrítica têm ganhado força na atual conjuntura brasileira.
Palavras-chave: Lei nº 10.639. Racismo. Identidade
ABSTRACT
In 2003, the Law 10.639 was sanctioned. It changes the Brazilian Educational Laws and Guidelines and makes the study of African and Afro-Brazilian history and culture mandatory in basic education curriculum. Sixteen years have passed since this law came into force. For this reason, we analyzed, from the perspective of adolescents from 13 to 17 years old – who experienced their schooling process under this law – how this thematic intercepts them and which are the impacts of it in their identities construction. The general objective of the research, therefore, is to understand, from the perspective of high school adolescents, how the study of African and Afro-Brazilian history and culture impacts the constitution of their identity. The students who participated in this research were attending, at the time of its application, the 7th and 8th grades of elementary school and the three grades of high school. In order to achieve the objectives, as methodology, we developed questionnaires, which were published on Facebook. Its coverage is national, since we obtained answers from the 26 states and the Federal District. The analyzes allowed us to discuss themes such as race as race, racism, whiteness and the privileges that come from it, negritude and place of speech. The results indicate that there is still much to advance in the implementation of the Law, since, according to the adolescents, issues related to Africanities do not appear frequently in the school trajectory. The research has shown evidence that a misinterpretation of the Law 10.639 may be occurring, since students have pointed out that the subjects in which the content has been worked are exactly those that are on the scope of the law. The study also showed that the studies of Africanities are very important in the constitution of the identity of adolescents when implemented. Finally, the study shows that racism – considered veiled until recently – has been increasingly declared, and religious intolerance and uncritical whiteness have gained strength in the current Brazilian context. Keywords: Law 10.639. Racism. Identity
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Produções Acadêmicas de 2004 a 2016 do acervo CAPES que apresentam como tema a Lei nº10.639 ....................................................................... 35
Gráfico 2 – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa .................................... 38
Gráfico 3 – Cor/Raça dos participantes da pesquisa................................................... 39
Gráfico 4 – Rede de ensino em que os estudantes participantes da pesquisa cursaram a maior parte da trajetória escolar............................................................................... 40
Gráfico 5 – Estado em que residem os participantes da pesquisa .............................. 41
Gráfico 6 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você já ouviu falar sobre as Leis n°10.639/03 e n°11.645/08, que instituíram a inclusão do Ensino de História e Cultura Africanas, Afro-brasileiras e dos povos indígenas no currículo?” .... 61
Gráfico 7 – Resposta dos estudantes do ensino fundamental II, participantes da pesquisa, à pergunta: “Você se lembra de ter atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais na escola?” ........................................................................ 64
Gráfico 8 – Resposta dos estudantes do ensino médio, participantes da pesquisa, à pergunta: “Você se lembra de ter atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais na escola?” ........................................................................................... 66
Gráfico 9 – Conteúdos estudados durante trajetória escolar pelos participantes da pesquisa – alunos do ensino fundamental II ............................................................... 68
Gráfico 10 – Disciplinas que introduziram no currículo conteúdos sobre africanidades durante a trajetória escolar dos participantes da pesquisa – alunos do ensino fundamental II ............................................................................................................. 69
Gráfico 11 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você já viu ou sofreu algum ato de racismo?” .................................................................................... 81
Gráfico 12 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você acha que já teve uma ação racista em algum momento da sua vida?” .......................................... 82
Gráfico 13 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você acha que ter contato com Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas impactou o modo como você constitui sua própria identidade?” ............................................................. 99
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mapa Racial do Brasil 2010 ....................................................................... 42 Figura 2 – Mapa da Luz no Brasil 2000 ...................................................................... 44 Figura 3 – Mapa do PIB per capita brasileiro em 2010 ................................................ 45 Figura 4 – Mapa do acesso domiciliar à internet no Brasil em 2010 ............................ 46
SUMÁRIO
MEMORIAL ................................................................................................................ 14
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 23
Capítulo 1 – A PESQUISA .......................................................................................... 29
1.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................................ 29
1.1.1 Objetivos Específicos ............................................................................................. 29
1.1.2 Hipóteses ................................................................................................................. 30
1.2 MÉTODO ......................................................................................................................... 30
1.2.1 Aplicação do piloto ................................................................................................ 32
1.2.2 Aplicação no Facebook para estudantes do 7º e 8º anos – fundamental II .. 33
1.2.3 Aplicação no Facebook para estudantes do ensino médio ............................. 33
1.3 JUSTIFICANDO A DELIMITAÇÃO DA PESQUISA: DIÁLOGOS COM
PESQUISAS JÁ PRODUZIDAS SOBRE O TEMA ......................................................... 34
1.4 DADOS INICIAIS DA PESQUISA ............................................................................... 37
Capítulo 2 - A LEI N°10.639/03 E A PESQUISA DESENVOLVIDA ............................. 48
2.1 OS MOVIMENTOS NEGROS E SUA LUTA NO CONTEXTO HISTÓRICO ........ 48
2.2 OS MOVIMENTOS NEGROS CONTEMPORÂNEOS E AS LUTAS PARA
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................................. 51
2.3 AFRICANIDADES NA EDUCAÇÃO BASICA: O QUE DIZEM OS ESTUDANTES
................................................................................................................................................. 60
Capítulo 3 - RAÇA, RACISMO, REPRESENTAÇÃO SOCIAL E LUGAR DE FALA .... 71
3.1 RAÇA ............................................................................................................................... 71
3.2 RACISMO ....................................................................................................................... 76
3.3 REPRESENTAÇÃO SOCIAL ....................................................................................... 83
3.4 LUGAR DE FALA ........................................................................................................... 86
Capítulo 4 – AFRICANIDADES NA SOCIEDADE BRASILEIRA; A QUESTÃO
CULTURAL COMO MARCA DA IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL............................... 90
4.1 IDENTIDADE .................................................................................................................. 90
4.1.1 Identidade Negra ........................................................................................................ 92
4.1.2 O que dizem os Adolescentes quanto ao Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileiras e Africanas e a constituição de suas identidades? ................................. 98
4.1.3 Identidade e Branquitude .................................................................................... 111
4.1.4 A internet potencializando o discurso extremista ............................................ 120
4.1.5 Identidade e Negritude ........................................................................................ 124
4.1.6 A educação para as relações étnico-raciais e a intolerância religiosa ........ 129
Capítulo 5. – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 135
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 141
ANEXO 1 - Quadro de tramitação do PL 259/99 ....................................................... 147
ANEXO 2 – Termo de Assentimento ......................................................................... 150
ANEXO 3 – Questionário aplicado aos estudantes do ensino fundamental II ........... 152
ANEXO 4 – Termo de Assentimento ......................................................................... 156
ANEXO 5 – Questionário aplicado aos estudantes do ensino médio ........................ 158
ANEXO 6 – Estudos publicados sobre a temática “constituição de identidade e ensino
médio”, até novembro de 2017, disponíveis no acervo CAPES. ............................... 161
ANEXO 7 - Gráfico – Estado em que residem os participantes da pesquisa, do Ensino
Fundamental II .......................................................................................................... 166
ANEXO 8 - Gráfico – Estado em que residem os participantes da pesquisa, do Ensino
Médio ........................................................................................................................ 167
ANEXO 9 - Gráfico – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa, do Ensino
Fundamental II .......................................................................................................... 168
ANEXO 10 - Gráfico – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa, do Ensino
Médio ........................................................................................................................ 169
ANEXO 11 - Gráfico – Raça/Cor dos estudantes participantes da pesquisa, do Ensino
Fundamental II .......................................................................................................... 170
ANEXO 12 - Gráfico – Raça/Cor dos estudantes participantes da pesquisa, do Ensino
Médio ........................................................................................................................ 171
ANEXO 13 - Gráfico – Raça/Cor dos pais dos estudantes participantes da pesquisa,
do Ensino Fundamental II ......................................................................................... 172
ANEXO 14 - Gráfico – Raça/Cor dos pais dos estudantes participantes da pesquisa,
do Ensino Médio ....................................................................................................... 173
ANEXO 15 - Gráfico – Rede de ensino em que os participantes da pesquisa cursaram
a maior parte da trajetória escolar – alunos do Ensino Fundamental II ..................... 174
ANEXO 16 - Gráfico – Rede de ensino em que os participantes da pesquisa cursaram
a maior parte da trajetória escolar – alunos do Ensino Médio ................................... 175
ANEXO 17 - Gráfico – Ano em que o participante da pesquisa está matriculado –
alunos do Ensino Médio ............................................................................................ 176
ANEXO 18 - Algumas digressões do pesquisador durante a execução da pesquisa 177
14
MEMORIAL
Ao pensar sobre como acessaria minhas memórias e as colocaria em forma
de texto, com o intuito de me apresentar e fazer a conexão da minha história de
vida com o trabalho que ora desenvolvo, pude perceber que minha trajetória
enquanto militante do Movimento Negro aconteceu através de um ponto de
partida que acredito fazer parte de uma das formas de enegrecimento. Neste
contexto, acredito que estes disparadores – aos quais chamo aqui de ponto de
partida – sejam marcadores importantes para negras e negros, pois refletem o
momento exato em que nos reconhecemos enquanto sujeitos, cidadãos, e é a
partir daí que se iniciam nossas buscas pessoais e coletivas por dignidade e
respeito.
Quando criança, especificamente aos 6 anos de idade – pelo menos é a
partir dessa idade que tenho lembranças vivas em minha memória –, sempre
dizia para meus familiares que era marrom; não aceitava, naquele momento, ser
chamado de preto, negro ou nenhuma outra denominação. Vejo, hoje, que isso
acontecia porque, em meu entendimento enquanto criança, ser marrom era ser
aceito, ser bonito, ser inteligente, ser tudo o que qualquer criança deseja. E esse
sentimento era reforçado a todo momento nas relações sociais, quando ouvia as
pessoas dizerem, “Ah, que bom que ele tem a pele mais clara, é bonito”, ou
“Ainda bem que não é escurinho”. Naquela época, eu não sabia o que estava
por trás dessas afirmações, nem mesmo que isso se tratava de uma forma
perversa de racismo. Cresci rodeado por esse tipo de comentário, principalmente
por ser o primeiro membro preto da família – minha família materna é composta
basicamente por uma mistura entre descendentes de comunidades indígenas
(avó materna) e de europeus (avô materno). Já minha família paterna é
composta por negros. Meus pais se separaram quando eu tinha menos de 1 ano
de idade, e fiquei com minha mãe – razão pela qual meu contato com a família
materna foi mais intenso. Isso cerceou minhas referências familiares negras na
infância, então não nutria o sentimento de “ser um estranho no ninho”, e acabei
criando subterfúgios para lidar com essas diferenças relacionadas à cor da pele
15
– queria sempre parecer mais próximo daquilo que eu tinha como referenciais, o
que é natural para uma criança. Contudo, a partir do início da minha
adolescência, comecei a conhecer como funciona o racismo brasileiro,
camuflado sob uma falsa aceitação difundida pela ideologia de democracia
racial. Para relatar aqui esses episódios complicados, acredito ser necessário,
primeiro, apresentar informações importantes a respeito do local geográfico de
onde se constrói minha fala.
Nasci em Paracatu, cidade de aproximadamente 90 mil habitantes no
interior de Minas Gerais, situada na região noroeste do estado. No passado, a
cidade era conhecida como a “Atenas Mineira”, por sua relação com a educação
e a cultura. Nos dias de hoje, o munícipio é mais conhecido pelas figuras ilustres
e de projeção nacional que nasceram por lá, como o jurista, político e historiador
Afonso Arinos e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
De acordo com informações encontradas no arquivo público municipal, a
cidade de Paracatu surgiu por volta do século XVIII, e tem sua história vinculada
ao movimento das bandeiras que percorriam a região na busca pelo ouro. Nessa
ocasião, era conhecida como Arraial de São Luiz e Sant’ana das Minas de
Paracatu. Posteriormente, tornou-se Paracatu do Príncipe, por ter sido dada de
presente ao príncipe Dom Pedro I pela rainha Maria. O município vivenciou de
forma muito ativa o ciclo do ouro e, para a extração do mineral, recebeu muitos
negros escravizados.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística - IBGE1, a
população do município era formada, em 2010, por cerca de 80% de negros
(pretos e pardos). Contudo, essa constituição majoritária de negros não
significava que as relações raciais fossem equilibradas – ao contrário, ainda é
possível observar e, no meu caso específico, vivenciar o preconceito racial de
forma muito perversa.
Nos anos 90, início da minha adolescência, tive o primeiro choque de
realidade. Minha avó, uma mulher forte e determinada, com uma sabedoria
1 Dados do Índice de Desenvolvimento Humano, apresentados pelo Censo 2010 e disponíveis no site do IBGE.
16
ímpar, sempre acreditou ser muito importante nos ensinar a partir da prática.
Com esse pensamento, em determinada ocasião, levou-me ao supermercado
para ajudá-la a fazer a ‘compra do mês’2. Minha função era empurrar o carrinho
de compras e buscar o que ela me pedisse enquanto pegava outras mercadorias.
Em uma dessas idas às gôndolas, percebi que estava sendo seguido por todo o
mercado por um funcionário. Continuei a fazer o que minha avó havia solicitado,
e, ao ir ao banheiro, o funcionário me seguiu e questionou o que eu teria levado
comigo para esconder. Neste momento, acusado de roubo, conheci a face mais
perversa do racismo: eu, praticamente uma criança, fui humilhado, acuado,
envergonhado... Minha reação inevitavelmente foi o choro, enquanto corria em
direção à minha avó, escoltado pelo funcionário do supermercado. Minha avó,
mulher de pele clara, sem se identificar, indagou-lhe o que estava acontecendo,
e foi informada de que se tratava de um “marginalzinho” que havia roubado o
estabelecimento. Quando se apresentou como minha avó, o discurso do
funcionário tomou outro rumo: passou a dizer que poderia se tratar de um “mal-
entendido”. É evidente que, aos 11 anos de idade, faltavam-me a perspectiva e
a capacidade para entender que essa ação vinha de um mecanismo de
discriminação estrutural e estruturante das relações raciais no Brasil. A mim, só
cabiam a mágoa e o sofrimento que o ato causara. Anos mais tarde, já ao fim da
adolescência, compreendi um pouco mais essas questões, tendo como ponto de
partida dois fatos marcantes e significativos para minha constituição enquanto
pessoa.
O primeiro deles ocorreu aos meus 14 anos, ao assistir a um showmício3
em que fui tocado de forma muito ímpar. Na ocasião, a artista abriu sua
apresentação cantando uma música de Gerônimo, chamada “É d’Oxum”:
Nessa cidade, todo mundo é d'Oxum Homem, menino, menina, mulher
Toda essa gente irradia magia
2 Durante as décadas de 1980 e 1990, fazer compras para todo o mês era um hábito muito comum nas
cidades do interior de Minas. Este hábito foi criado devido à constante alta dos preços dos produtos, uma vez que não havia controle da inflação. 3 Comício político que trazia, como atrativo, uma apresentação musical.
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Presente na água doce Presente na água salgada
E toda cidade brilha
Presente na água doce Presente na água salgada
E toda cidade brilha
Seja tenente ou filho de pescador Ou um importante desembargador
Se der presente é tudo uma coisa só
A força que mora n'água Não faz distinção de cor E toda cidade é d'Oxum
A força que mora n'água Não faz distinção de cor E toda cidade é d'Oxum
É d'Oxum, é d'Oxum É d'Oxum
Eu vou navegar Eu vou navegar nas ondas do mar
Eu vou navegar Eu vou navegar
Eu vou navegar nas ondas do mar Eu vou navegar
Compositores: Gerônimo Duarte /
Everaldo Calazans De Almeida Filho
Ainda não consigo explicar com palavras por que essa música me chamou
a atenção de tal maneira, mas acredito ter sido uma (re)conexão com minha
ancestralidade. A partir daquele dia, minha inquietação em saber quem era
Oxum foi tamanha que me levou a conhecer as comunidades tradicionais de
terreiro, a estudar sobre candomblé e, por fim, a aceitar o chamado espiritual
para a iniciação. Esta necessidade de descobrir mais sobre minha
ancestralidade me abriu o horizonte para questões relacionadas ao povo negro
– porém de forma ainda limitada, uma vez que, naquele momento, busquei
conhecer apenas os aspectos religiosos dos povos africanos e afro-brasileiros
(embora não seja possível dissociar ambos). O amadurecimento para as
questões sociais, para o racismo e para as relações étnico-raciais aconteceu
mais tarde, aos 19 anos, quando fui contratado como instrutor de natação pela
Fundação Conscienciarte, uma organização social da cidade, dada minha
experiência com a atividade. Foi neste período – em que pude desenvolver
atividades ligadas às questões de educação, saúde, trabalho e cidadania das
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comunidades remanescentes de quilombo e da população afrodescendente dos
municípios pertencentes à região noroeste de Minas Gerais – que me envolvi
mais efetivamente nas questões ligadas às relações raciais. Este trabalho me
motivou a buscar cada vez mais conhecimentos acadêmicos e, por esta razão,
em 2003, ingressei no curso de Sistemas de Informação, em uma faculdade
particular situada em uma cidade vizinha. Minha primeira impressão com o
ambiente acadêmico foi de não pertencimento, principalmente devido ao baixo
número de negras e negros que estudavam, naquela ocasião, na faculdade.
Essa foi uma questão que também me causou bastante incômodo, e que
posteriormente seria uma das pautas com que eu me envolveria no
desenvolvimento do trabalho junto à comunidade negra. Apesar de o curso em
que me formei não se relacionar de forma direta com a educação, foi importante
para que eu entendesse que a academia era um dos locais onde poderia me
expressar de forma livre, apontando minhas angústias e sonhos. Durante o
último ano do curso, tive a oportunidade de fazer uma pós-graduação na
Universidade de Brasília cujo tema me possibilitou adentrar o universo das
relações raciais: assim, minha pesquisa ao final da graduação buscou conhecer
os motivos que levavam as crianças da periferia de Paracatu a ter fascínio pela
prática da natação. Durante a coleta de dados, deparei-me com uma maioria
expressiva de crianças negras, que não tinha acesso a outros espaços de prática
esportiva e/ou lazer, o que havia sido ponto decisivo para que elas se
apaixonassem pela natação, pois a Fundação Conscienciarte era o único espaço
em que podiam utilizar piscinas gratuitamente. Esta constatação me fez refletir
sobre questões relacionadas à desigualdade social, sobre as lacunas que elas
produzem – falta de acesso, de oportunidades – e, principalmente, sobre sua
relação com as questões raciais.
Esse foi o segundo momento em que despertei para as reflexões
relacionadas às questões da minha identidade enquanto negro. A partir daí,
passei a me envolver com outros projetos desenvolvidos pela Fundação, alguns
mais voltados para o mundo do trabalho, e outros cuja temática principal eram
as relações étnico-raciais – estes me permitiram conhecer melhor outros
aspectos da vida e do cotidiano do nosso povo. A partir daí, tive interesse e me
19
envolvi com as demandas das comunidades remanescentes de quilombos de
Paracatu.
Destaco aqui que Paracatu possui cinco (5) comunidades remanescentes
de quilombos: Machadinho, Amaros, São Domingos, Cercado e Pontal. Contudo,
atualmente, apenas duas dessas comunidades ainda desenvolvem ações de
fortalecimento e resistência: São Domingos e Amaros
Os projetos desenvolvidos pela Fundação Conscienciarte me auxiliaram
particularmente na compreensão da constituição do racismo na nossa
sociedade. E, uma vez tendo este conhecimento, foi inevitável não me envolver
para tentar, de alguma forma, permitir que outras pessoas também
compreendam essa dinâmica.
Dentre os projetos que participei e/ou coordenei, acredito que alguns foram
mais significativos, como o projeto “O Negro no Mercado de Trabalho”,
desenvolvido em parceria com o Ministério do Trabalho e a Fundação Cultural
Palmares. Eram realizados debates, seminários e oficinas nas capitais de cinco
estados do nordeste, e participei ativamente do planejamento e execução das
atividades em Salvador. Ao contrário da maioria dos brasileiros, não conheci o
circuito turístico da cidade: meu trabalho era desenvolvido para as comunidades
negras, e isso possibilitou que eu transitasse dentro dessas comunidades,
conhecesse um pouco de seus cotidianos, compartilhando seus problemas e
suas realizações. As oficinas eram realizadas, em sua maioria, por membros da
comunidade local e para outras comunidades periféricas da capital baiana. Os
debates realizados nos seminários possibilitaram compreender melhor como se
dá o processo de racismo institucional e como a ideologia da democracia racial
afeta o povo negro. O viés desse projeto era um estudo do mercado de trabalho
para o negro, e resultou na publicação do livro “O Negro no Mercado de
Trabalho”. A obra traz um relato de todo o processo de execução do projeto,
apresentando os debates, proposições e resultados das oficinas e seminários.
Essa experiência me deu condições de entender que a desigualdade entre
negros e brancos no Brasil é latente.
Outro projeto interessante do qual pude fazer parte intitulava-se
20
“Valorização das Manifestações Culturais Africanas”, desenvolvido em parceria
com a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial. Minha participação
se deu, principalmente, na constituição e no planejamento do que seria
produzido a partir do projeto. A proposta era desenvolver uma capacitação para
professores de ensino fundamental e médio acerca da Lei n°10.639/2003, com
o objetivo de lhes apresentar recursos e ideias sobre os conteúdos referidos pela
lei e a forma de abordagem dos mesmos. Este projeto capacitou cerca de 100
professores em dois municípios do noroeste de Minas – Paracatu e Vazante.
Outra preocupação deste projeto foi o trabalho de resgate do cultivo e utilização
das plantas medicinais e litúrgicas de origem africana, através da criação de
viveiros e distribuição de mudas às comunidades remanescentes de quilombos
da região.
Por fim, o projeto “Negro Uai”, desenvolvido nas comunidades quilombolas
do noroeste de Minas, possibilitou que eu tivesse acesso a várias comunidades
e conseguisse conhecer minimamente sua realidade. O projeto tinha como
proposta fortalecer as comunidades a partir da execução de capacitações e
formação de lideranças. Dentre as atividades desenvolvidas estavam a
realização de oficinas de cabeleireiro afro, confecção de bonecas negras,
culinária afro e confecção de artesanatos com materiais e temática quilombola.
As atividades aconteciam nas comunidades e o objetivo das ações era valorizar
a cultura quilombola e fomentar o empreendedorismo.
Apresento esses três projetos para exemplificar como meu trabalho com as
questões da negritude no noroeste de Minas Gerais foi me conduzindo para a
busca de novos conhecimentos relacionados à comunidade negra da qual faço
parte. Aproveito esta narrativa para refletir um pouco sobre a constituição da
negritude, ou o processo de enegrecer, dos negros e negras brasileiros. A
constituição da negritude geralmente não ocorre de forma natural, como no meu
caso e no caso da grande maioria de negras e negros que conheço. O enegrecer
é um processo lento, reflexivo e individual. Como nos diz Souza (1983), nascer
preto no Brasil e compartilhar de uma mesma história de escravidão e
discriminação racial não são suficientes para se constituir uma identidade negra;
ser negro é, além disso, tomar consciência do processo ideológico que nos
21
aprisiona. Neste sentido, tornar-se negro e adquirir essa consciência é um
processo. Digo isso como cidadão negro, filho de mãe mestiça e pai negro,
nascido no interior de Minas Gerais, e, mesmo tendo convivido durante toda a
minha vida com o preconceito e a discriminação, só tive condições de
compreendê-los e buscar formas de combatê-los a partir do envolvimento com
as questões do meu povo.
A partir dessa percepção, entendo que o processo de constituição da
identidade negra – que, neste trabalho, chamarei de processo de enegrecimento
– é fundamental para que o sujeito se perceba como membro de uma estrutura
cujo modelo é eurocêntrico. E para que, a partir disso, possa constituir sua
identidade tendo outras referências como balizadores de sua percepção de
mundo, de sociedade e de identidade.
Em 2013, saí da Fundação Conscienciarte para ingressar no serviço
público, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo
Mineiro – IFTM, onde comecei a ter contato com a educação técnica e
tecnológica e, mais uma vez, deparei-me com questões ligadas às
desigualdades sociais e raciais. Trabalhei no departamento financeiro do IFTM,
e uma das funções que exerci se relacionava ao lançamento de bolsas para
alunos em condição de vulnerabilidade social – e encontrei um grande número
de adolescentes negros que necessitavam das bolsas. Cerca de um ano mais
tarde, solicitei redistribuição para o Instituto Federal de São Paulo, no município
de Boituva, onde me reaproximei do trabalho direto com as questões raciais a
partir do projeto de extensão intitulado “Valorização das Africanidades”,
desenvolvido com o envolvimento da comunidade acadêmica e com o apoio do
movimento negro. Nessa ocasião, tive a oportunidade de conhecer a
comunidade negra de Boituva e trabalhar com ela – e voltei ao mundo
universitário com o objetivo de aliar a militância ao conhecimento acadêmico,
cursando, como aluno especial na Universidade Federal de São Carlos,
disciplina do programa de pós-graduação em educação, de Sorocaba, onde me
aproximei do pensamento teórico relacionado à juventude. Em 2016, solicitei
remoção em meu trabalho para o Câmpus Jundiaí, onde também tenho buscado
desenvolver ações voltadas para a comunidade negra. E, por todos os motivos
22
referenciados aqui, cheguei ao mestrado pelo programa de pós-graduação em
Educação da Unicamp, com a proposta de estudar as relações raciais a partir do
olhar dos adolescentes.
23
APRESENTAÇÃO
Este estudo diz muito a respeito da minha vivência pessoal, da
constituição da minha identidade enquanto homem, homossexual, pai, sacerdote
de candomblé, acadêmico. Diz mais ainda sobre o processo de tornar-me negro.
Para ser mais específico, acredito que a expressão chave do estudo é
exatamente o que Neusa Santos Souza (1983) define como “Tornar-se Negro”.
Em seu estudo, posteriormente transformado em livro, a pesquisadora buscou
conhecer, através da história de vida de seus entrevistados, a forma com que
estes tiveram suas vidas tocadas pelo enegrecimento. Para ela, o negro
brasileiro não pode afirmar ou negar sua identidade, por não possuir uma
identidade positiva.
E que, no Brasil, nascer com a pele preta e/ou outras características do tipo negroide e compartilhar de uma mesma história de desenraizamento, escravidão e discriminação racial, não organiza, por si só, uma identidade negra. (SOUZA, 1983 p.77)
A autora compreende que é preciso mais do que simplesmente
compartilhar das mesmas histórias – neste contexto, o “tornar-se negro” não se
configura como tarefa simples, depende de um conjunto de fatores internos e
externos. A ideologia de democracia racial e de embranquecimento, somada à
vivência do racismo, funciona como um véu que cobre a consciência tanto de
negros quanto de brancos. No caso dos negros, esses fatores são responsáveis
ainda pelo sentimento de inferioridade e pela aceitação dos padrões ditados pela
branquitude. Com os brancos, eles atestam e ampliam os privilégios da
branquitude.
A constituição da identidade negra é, portanto, um processo de tomada
de consciência, é entender o processo ideológico que desumaniza o povo negro
e propaga a alienação a partir de um discurso que aprisiona e aliena.
Ser negro é tomar posse desta consciência e criar uma nova consciência que resseagure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade alheia a qualquer nível de exploração. Assim ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro. (SOUZA, 1983, p.77, grifo nosso)
24
E tornar-se negro numa sociedade que supervaloriza a branquitude, em
uma sociedade eurocêntrica que tem como modelo de beleza e inteligência o
branco, não é algo fácil. Na realidade, tudo o que se tem pensado até hoje no
Brasil se baseia no ideal de branqueamento e se alicerça na ideologia de
democracia racial, razões pelas quais o negro tende a se aproximar dessas
ideias. Para Souza (1983), a constituição de uma identidade negra é uma tarefa
eminentemente política, pois exige a contestação do modelo branco, que, na
maioria das vezes, já é instituído no lar pelos pais. Além disso, as representações
sociais, como veremos mais à frente, são fundamentais para promover a ruptura
com este modelo, e seriam o primeiro passo para criar o próprio rosto, a própria
identidade.
Mas, para compreender o que chamo aqui de processo de enegrecimento
e que Souza conceitua como “tornar-se negro”, faz-se necessário apresentar
algumas conceituações importantes de raça, racismo, negritude, branquitude,
identidade, identidade negra e representação social – conceitos sobre os quais
repousa toda a construção desta pesquisa. É importante dizer que, quando
propus um estudo que tivesse como foco o adolescente negro, fi-lo pensando
em possibilitar uma forma de reflexão para as comunidades negras das quais
faço parte enquanto militante. Dessa forma, não poderia produzir resultados
meramente acadêmicos e teóricos. Assim, pretendo produzir algo que possa ser
utilizado na base dessas comunidades, algo que faça sentido para esses
adolescentes. Contudo entendo que o racismo não deve ser considerado algo
pertinente apenas ao negro: a proposta do estudo se amplia também aos
brancos com o objetivo de ouvir estas vozes, conhecer os movimentos de
constituição de identidade inerentes aos adolescentes brancos, e de permitir um
debate importante sobre o reconhecimento da branquitude e dos privilégios que
dela advêm. Para isso, procurei me debruçar sobre os conceitos ligados à
psicologia social e, a partir deste olhar, busquei ancorar meu referencial teórico.
Reconheço que busquei dialogar com autores que não são ligados a esta área,
mas que, de uma forma muito peculiar, apresentam conceitos que vão ao
encontro da construção que pretendo fazer no decorrer deste estudo. Dentre
eles, destaco Kabengele Munanga (2003), Nilma Lino Gomes (2005), Valter
25
Roberto Silvério (2002) e Andreas Hofbauer (2003). Dos autores ligados à
psicologia social, procurei dialogar com António Costa Ciampa (1984), Neuza
Santos Souza (1983), Serge Moscovici (2009) Maria Aparecida da Silva Bento
(2002) e Ângela Soligo (2014). Além disso, buscamos dialogar com teóricos
importantes na discussão acerca das questões raciais, como Frantz Fanon e
Achille Mbembe.
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie apresentou ao mundo
suas ideias referentes aos perigos de uma história única em palestra realizada
pelo grupo Tecnology, Entertainment and Design (TED), e divulgada através da
plataforma YouTube4. Nesta ocasião, a escritora apresentou, a partir da sua
história de vida, o que ela chamou de perigos de uma história única. Para ela, a
realidade tem sido apresentada por meio de só uma perspectiva estereotipada e
incompleta, baseada em apenas uma fonte de referência. Neste sentido, essas
histórias contadas criam uma falsa identidade, pois as pessoas tentam se
adequar ao que lhes é apresentado de forma sistemática, ou seja, surgem várias
versões de uma mesma história. Ao pensarmos um pouco sobre as palavras de
Chimamanda, observamos que, até 2003 – com a implementação da Lei
n°10.639, essa também era a realidade do Brasil – podemos, então, avaliar o
tamanho do problema criado a partir de uma única história. Entretanto mudar
esta realidade que já dura séculos é algo complexo e lento. É preciso narrar
novas histórias.
No entanto, este estudo não busca apenas entender de que forma os
negros e negras constituem sua identidade, mas também entender de que forma
os brancos se percebem neste processo, como os adolescentes brancos
concebem as relações racializadas e os privilégios da branquitude. Este
procedimento será feito a partir da escuta dessas vozes: adolescentes, negros e
brancos, apresentando sua relação com temas como negritude, branquitude e
racismo. A análise feita a partir dessas falas também tem como proposta
4 Vídeo da palestra a escritora Chimamanda Ngozi Adichie disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc
26
compreender as representações sociais que os adolescentes constituem dos
diversos termos que compõem o universo das relações racializadas.
Neste sentido, os Movimento Negros têm sido fundamentais no
engendramento e na difusão de debates acerca da negritude, com pautas que
possibilitaram a instituição de várias políticas públicas de valorização e
reconhecimento da comunidade negra na constituição do Brasil. Além disso, os
Movimentos Negros também elegeram como pauta fundamental a constituição
de uma identidade negra, que valorize suas raízes e sua cultura, possibilitando
ao povo negro se ver de forma positiva e assim ter elementos para construção
positiva de sua própria identidade.
Em 2003, pressionado pelos Movimentos Negros, o governo do Brasil
alterou a Lei n° 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, fazendo surgir a
Lei n°10.639/03, que determina a obrigatoriedade do estudo de história e cultura
africanas e afro-brasileiras na educação básica do país. Na sequência, em 2004,
foram aprovadas, pelo Conselho Nacional de Educação, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas, que direcionam e
apontam os caminhos para o cumprimento da Lei n°10.639.
É importante salientar que a luta dos Movimentos Negros por ações
afirmativas, por políticas de reparações, pelo reconhecimento e valorização da
história, cultura e identidade do povo negro e por uma educação livre de
preconceitos e racismo não é recente – estas são pautas antigas, entretanto
somente em 2003 as reivindicações foram ouvidas pelo Estado. Na concepção
dos Movimentos Negros, é imprescindível que as crianças e adolescentes
brasileiros possam acessar outras narrativas quanto à história do negro no Brasil,
o que seria possivelmente a forma mais eficaz de promover uma reestruturação
educacional – o que, por consequência, tende a desenvolver, a longo prazo, uma
nova cultura sobre as relações racializadas no país.
Este estudo foi desenvolvido com adolescentes dos ensinos fundamental
e médio, especificamente aqueles que cursavam, na ocasião da aplicação dos
questionários, os 7º e 8º anos do ensino fundamental e os 1º, 2º e 3º anos do
27
ensino médio de escolas da rede pública e privada. A coleta de dados foi
realizada através da rede social Facebook, razão pela qual obtivemos respostas
em todas as 5 regiões do país, nos 26 estados da federação e no Distrito Federal
– totalizando 217 municípios representados através do preenchimento dos
questionários. A proposta foi compreender, a partir da perspectiva dos
adolescentes, ouvindo suas vozes, dando visibilidade ao seu pensamento e a
suas formas de expressão, a relação dos estudantes do educação básica com
às questões ligadas a implementação da Lei n°10.639, buscando entender que
representações os mesmos fazem da escola da juventude e das relações
racializadas no Brasil. Buscamos, ainda, refletir sobre o processo de constituição
da identidade tanto dos adolescentes negros quanto dos brancos, e, para estes
últimos, procuramos pensar sobre a constituição dos privilégios da branquitude.
O estudo foi dividido em cinco capítulos. É importante salientar que
optamos por não trazer um capitulo único de análise dos dados. Ao contrário,
buscamos inserir em cada capítulo as análises pertinentes a seus respectivos
temas, de forma a tratar os dados na medida em que estes se relacionam com
a abordagem escolhida para conduzir este estudo.
No primeiro capítulo, apresentamos a pesquisa, seus objetivos, as
hipóteses, o método e as justificativas para sua realização. Também retratamos
aqui os dados iniciais referentes à caracterização dos adolescentes
participantes, bem como as discussões que se desdobram a partir do olhar sobre
estes dados.
No segundo capítulo, pretendemos levar o leitor a compreender como se
dá a constituição de políticas públicas – e, no caso específico deste estudo, como
se deu a constituição da Lei n°10.639. Para isso, contextualizamos a história dos
Movimentos Negros e sua relação direta com a instituição dessa política pública.
Além disso, trazemos a implementação das africanidades na educação através
do olhar dos adolescentes.
O terceiro capítulo dialoga com autores da pedagogia, antropologia e
psicologia social em busca da conceituação de raça, racismo, representação
social e lugar de fala. Este processo foi necessário para que pudéssemos
28
apresentar a conceituação destes termos – uma vez que julgamos serem
extremamente importantes e fundamentais para o desenvolvimento e a
compreensão deste estudo.
A questão da identidade é o ponto central do quarto capítulo, no qual
analisamos os dados colhidos a partir do estudo, apresentando as vozes dos
adolescentes, suas perspectivas, suas visões sobre as questões ligadas às
relações racializadas, à constituição da identidade e às representações sociais
acerca da escola, seus anseios e sua relação com a temática.
No quinto e último capítulo, deixamos nossas considerações – não como
forma de finalizar o estudo, mas como um ponto de reflexão sobre as questões
levantadas durante o mesmo; o que consideramos importante dar continuidade,
o que precisa ser revisto a partir do olhar de quem vivencia o dia a dia da escola,
e para quem são pensadas as políticas públicas.
29
Capítulo 1 – A PESQUISA
Neste capítulo, apresentamos os objetivos, as hipóteses, a justificativa
para o desenvolvimento deste estudo, a delimitação da pesquisa, o método e
instrumentos utilizados.
Ao propor ouvir os adolescentes e conhecer o que dizem sobre as
questões raciais, buscamos delimitar um recorte: definimos que os adolescentes
que participariam da pesquisa seriam estudantes da educação básica,
especificamente os que cursavam o 7º e o 8º anos do ensino fundamental II e os
três anos do ensino médio. Com esta delimitação, objetivamos:
1.1 OBJETIVO GERAL
Compreender, através da perspectiva dos adolescentes dos ensinos
fundamental II e médio, de que forma o estudo de história e cultura africanas e
afro-brasileiras impacta a constituição da identidade dos mesmos.
1.1.1 Objetivos Específicos
Analisar as pesquisas já produzidas sobre a Lei n°10.639/03;
Identificar/analisar, a partir do discurso dos(as) adolescentes, elementos
que possibilitem reflexões sobre como se dá o processo de constituição
da identidade negra e qual o papel da escola nesse processo;
Compreender que representações sociais estes(as) adolescentes
constroem na escola, na adolescência/juventude, com relação às
questões raciais;
Compreender como os(as) adolescentes se relacionam com a questão do
racismo.
30
1.1.2 Hipóteses
Os jovens que participaram da pesquisa têm entre 13 e 17 anos e,
portanto, nasceram entre os anos de 2001 e 2005, tendo chegado ao ensino
obrigatório já com a Lei n°10.639/03 em vigor. Portanto, pelo menos em tese, ao
longo de sua escolarização, esses jovens deveriam ter aprendido história e
cultura africanas e afro-brasileiras em disciplinas do currículo escolar. Contudo,
estudos como o de Campos (2018), Moreira e Viana (2015) e Gomes e Jesus
(2013) indicam uma dificuldade das escolas em atender ao estabelecido na Lei,
bem como o fato de que muitas não a aplicam efetivamente.
Assim, essa pesquisa parte de algumas hipóteses:
Nossa primeira hipótese é a de que a referida Lei ainda não está
totalmente implementada em todas as escolas.
Nossa segunda hipótese é a de que o ensino de história e cultura
africanas e afro-brasileiras, quando bem desenvolvidos pela escola, pode
impactar positivamente a construção da identidade de estudantes negros e
brancos.
Em terceiro lugar, presumimos que a análise da trajetória escolar de
adolescentes cuja escolarização coincide com a vigência da Lei pode nos
oferecer importantes dados sobre a questão.
Por último, assumimos que os adolescentes são sujeitos sociais,
informantes importantes sobre elementos da sociedade em que vivem, e,
sobretudo, os maiores conhecedores dos elementos que dizem respeito às suas
vidas – portanto, seus pontos de vista constituem uma parte da história que deve
ser considerada nas pesquisas sobre a questão.
1.2 MÉTODO
Utilizamos como método a realização de questionários. O questionário,
segundo a definição de Gil (2008, p. 140), é uma “técnica de investigação
composta por um conjunto de questões submetidas a pessoas com o propósito
de obter informações sobre conhecimentos, crenças, sentimentos, valores,
31
interesses, expectativas, aspirações, temores, comportamento presente ou
passado etc.”.
Neste caso, realizamos a aplicação através de uma ferramenta virtual
gratuita, o Google Forms. A escolha deste mecanismo se deu por entender que
o pesquisador teria maior facilidade em tabular os dados, uma vez que o número
de municípios e escolas onde aconteceria a aplicação do mesmo seria muito
elevado – tornando praticamente inviável, tanto financeiramente, quanto do
ponto de vista ecológico, a aplicação de questionários impressos. Para avaliar
o instrumento e minimizar a possibilidade de erros e/ou equívocos na
intepretação das questões, foi efetuado um teste (piloto) com cinco estudantes
escolhidos aleatoriamente, sem que os mesmos se comprometessem com a
pesquisa. O teste foi realizado na presença do pesquisador e serviu apenas
como forma de validação das questões elaboradas, para tornar a linguagem
utilizada no questionário a mais próxima possível do público a ser pesquisado.
Desta forma, as respostas geradas a partir do piloto foram descartadas e não
compõem os dados deste estudo.
O questionário foi utilizado de forma ampla, para dar um parâmetro de
comparação sobre a implementação das diretrizes curriculares nacionais para
educação quanto às relações étnico-raciais e quanto ao ensino de história e
cultura afro-brasileiras e africanas.
Iniciamos esse estudo a partir do encaminhamento e aprovação da
estrutura de pesquisa junto ao Comitê de Ética da Unicamp. Esta ação ocorreu
entre os meses de novembro de 2017 e fevereiro de 2018. Neste momento,
foram encaminhados ao Comitê o projeto de pesquisa, o roteiro do questionário
e os termos de assentimento e consentimento. Em fevereiro de 2018, o Comitê
aprovou os mesmos sem ressalvas ou solicitação de readequações. Os dados
referentes ao protocolo de aprovação do estudo junto ao Comitê de Ética da
Unicamp encontram-se disponíveis através do código de publicação
apresentado nos termos de consentimento e assentimento e podem ser
visualizados nos anexos 2 e 4.
O próximo passo foi a aplicação do questionário “Quais os impactos da
32
Lei n°10.639/03 – A voz e a vez dos adolescentes dizerem o que pensam”,
destinado a adolescentes do 7º e 8º anos ensino fundamental II e dos três anos
do ensino médio (anexos 3 e 5).
Com o intuito de ampliar o alcance da ferramenta de pesquisa, sem que
isso impactasse de forma a inviabilizar a realização da mesma, optamos por
realizá-la pelo website do Facebook5. Para tanto, incorporamos ao formulário o
termo de assentimento, condição para que o adolescente pudesse responder
ao questionário virtual. A utilização deste mecanismo trouxe potencialidades,
mas também limitações para a pesquisa. As potencialidades se refletem em:
amplitude que a ferramenta permitiu alcançar, uma vez que obtivemos
representações de todos os estados da federação; agilidade na coleta de dados,
porque o pesquisador não precisou se deslocar para cada uma das localidades
com representação no estudo; garantia de anonimato, tendo em vista que o
Facebook foi apenas uma ferramenta de divulgação da pesquisa – ou seja, para
efetivamente participar, o estudante foi direcionado a um formulário
desenvolvido pelo pesquisador na plataforma Google Forms e, ao migrar para
esta plataforma, o adolescente não necessitaria fazer nenhum tipo de
identificação. Dessa forma, nem mesmo o pesquisador conseguiria identificar
os adolescentes que responderam ao questionário. Além disso, esta ferramenta,
por ser disponibilizada na internet, permitiu que os estudantes respondessem
de forma que muitas vezes não fariam na presença do pesquisador. Por outro
lado, esta forma de aplicação não permite que o pesquisador perceba – através
do contato direto com o pesquisado – suas reações ao se deparar com questões
que lhe pudessem causar algum tipo de sentimento, não possibilitando um
aprofundamento e utilização de outras metodologias a partir do surgimento de
alguma questão específica.
A seguir, apresentaremos de que forma o questionário foi aplicado.
1.2.1 Aplicação do piloto
Ao propor este estudo, definimos que a aplicação do questionário piloto
5 Facebook é uma rede social que possibilita a interação de pessoas em diversas localidades do mundo.
33
seria realizada com 5 adolescentes matriculados no 7º ou 8º anos do ensino
fundamental II, oriundos das escolas da rede pública de ensino do município de
Vinhedo, local de residência do pesquisador. É importante salientar que a
aplicação do piloto não caracteriza a participação dos alunos no estudo,
servindo, portanto, apenas como mecanismo de ajustamento da ferramenta e de
adequação da linguagem a ser utilizada no questionário ao público ao qual o
mesmo se destina. No caso dos alunos do ensino médio, a aplicação do
piloto/teste foi realizada com dois adolescentes do círculo de convivência do
pesquisador e da orientadora e, a partir do que foi apresentado por estes
adolescentes, foram realizadas alterações na estrutura do instrumento com o
objetivo de deixá-lo o mais compreensível possível para os estudantes do ensino
fundamental e médio. Durante a realização, da pesquisa em especial, na
aplicação do piloto, algumas digressões sobre o processo foram elaboradas pelo
pesquisador e estão disponíveis no anexo 18.
1.2.2 Aplicação no Facebook para estudantes do 7º e 8º anos – fundamental
II
Para a primeira aplicação, utilizamos como critérios: estar cursando o 7º
ou 8º anos do ensino fundamental II; e não limitamos estados ou regiões do país,
pois acreditamos que, com uma maior amplitude, poderíamos ter mais material
para discussão e uma maior diversidade de perspectivas. A pesquisa ficou
disponível no período compreendido entre a segunda quinzena do mês de maio
e a primeira quinzena do mês de junho de 2018. Ao final deste período, o
formulário foi retirado do ar para evitar que novos preenchimentos
atrapalhassem a tabulação dos dados. Foram obtidas 146 respostas que serão
analisadas mais adiante.
1.2.3 Aplicação no Facebook para estudantes do ensino médio
O segundo questionário, destinado aos estudantes do ensino médio,
começou a ser divulgado em julho de 2018 na página criada no Facebook. O
procedimento adotado foi o mesmo da primeira aplicação. Os alvos eram
34
adolescentes e jovens de 13 a 17 anos de todo o país. O questionário ficou ativo
por cerca de 30 dias, encerrando-se em 03 de agosto de 2018. Após esta data,
o formulário também foi retirado do ar com o intuito de que novos
preenchimentos não comprometessem a tabulação dos dados. Nesta etapa, 442
estudantes acessaram o link da pesquisa. Destes, 4 não aceitaram participar,
assinalando a opção “não aceito participar da pesquisa”; e 438 aceitaram
participar espontaneamente, assinalando a opção “aceito participar da pesquisa”
– que dava acesso ao formulário do estudo. Os gráficos gerados a partir da
leitura dos dados desta etapa serão apresentados mais adiante.
1.3 JUSTIFICANDO A DELIMITAÇÃO DA PESQUISA: DIÁLOGOS COM
PESQUISAS JÁ PRODUZIDAS SOBRE O TEMA
Com o objetivo de construir uma questão de pesquisa que dialogasse com
a produção acadêmica recente, realizamos um levantamento das pesquisas de
mestrado, mestrado profissional e doutorado produzidas nos últimos 12 anos
sobre a questão racial no Brasil, disponíveis para pesquisa no acervo CAPES,
em novembro de 2017. O resultado deste levantamento é apresentado a seguir.
A busca inicial foi feita a partir das palavras-chave: [Lei n°] “10.639”, “afro-
brasileira”, e “étnico-racial”. Os critérios avançados de busca foram: Mestrado,
Mestrado Profissional e Doutorado; anos de 2004 a 2016; área de concentração:
ciências humanas; e área de conhecimento: educação. Obtivemos um total de
739 trabalhos, sendo 385 com a chave de busca “afro-brasileira”; 69 com “étnico-
racial”; e 285 com “10.639”. Ao apurar os resultados, detectamos 89 trabalhos
em duplicidade – ou seja, que se repetiam em uma das buscas. Procedemos à
retirada das amostras duplicadas e chegamos a um total de 650 estudos.
Os estudos apontavam para diversas vertentes, que organizamos em 9
categorias: formação docente; constituição de identidade; políticas públicas e
legislação educacional e avaliação; práticas pedagógicas; currículo; racismo e
relações raciais; livro didático; ancestralidade, africanidades e cultura popular; e
outras temáticas (gráfico 1).
35
Gráfico 1 – Produções Acadêmicas de 2004 a 2016 do acervo CAPES que apresentam como tema a Lei nº10.639
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador
Das 650 dissertações e teses encontradas na busca, 86 se referiam à
formação docente; 69, à constituição da identidade; 112, a políticas públicas,
legislação educacional e avaliação; 76 apresentavam estudo sobre práticas
pedagógicas; 37 versavam sobre currículo; 22, sobre livro didático; 76, sobre
ancestralidade, africanidades e cultura popular; 130, sobre racismo e relações
raciais; e 42 não apresentavam temas relacionados à temática, portanto não
foram categorizadas em nenhuma das opções.
Para este estudo, optamos por analisar as 69 dissertações e teses que
tratavam da constituição de identidade. Buscamos com isso descobrir o que já
foi dito e o que ainda precisa ser explorado sobre este tema. Dos 69 estudos
analisados, apenas 6 envolvem, de alguma forma, a questão da identidade e a
educação básica. Os demais versam sobre questões variadas dentro do
universo de constituição da identidade, como: identidade docente; ensino
superior; identidade indígena; infância e identidade; e outros. Apresentamos, no
anexo 6, os estudos e suas proposições.
As dissertações e teses do anexo 6 abordam temas muito variados dentro
86
69
112
76
37
22
76
130
42
0
20
40
60
80
100
120
140
Qu
an
tid
ad
e d
e d
isse
rta
çõe
s e
te
ses
Categorias
Produções Acadêmicas2004 a 2016 - CAPES
Formação docente
Constituição de identidade
Políticas públicas e Legislaçãoeducacional e avaliação
Práticas pedagógicas
Currículo
Livro didático
Ancestralidade, Africanidades ecultura popular
Racismo e relações raciais
Outras temáticas
36
do universo “educação básica e a constituição da identidade”. Algumas trazem
o olhar da arte, do esporte, da cultura popular, do sucesso ou insucesso escolar;
mas nenhuma apresenta o olhar do adolescente sobre a constituição da sua
própria identidade, ou mesmo sobre as representações sociais dos mesmos
acerca da escola, da juventude e das relações racializadas em seu contexto
escolar. Neste sentido, este estudo buscou esta compreensão, ao dialogar com
os adolescentes dos ensinos fundamental e médio das cinco regiões do Brasil.
Além das pesquisas identificadas no banco de teses e dissertações da
CAPES, outras não podem deixar de ser mencionadas aqui, por sua relevância
histórica e pelo marco que significam no campo dos estudos raciais.
É o caso, por exemplo, dos estudos de Virginia Leone Bicudo. Essa
socióloga e psicanalista desenvolveu, em 1955, estudo intitulado “Atitudes dos
alunos dos grupos escolares em relação com a cor de seus colegas”. De acordo
com Santos (2018), nesse estudo, Bicudo se ocupou de pesquisar junto aos
alunos dos grupos escolares (especialmente aqueles que frequentavam o
terceiro grau), e seus familiares, tendo como universo da pesquisa o município
de São Paulo. Sua pesquisa objetivava obter esclarecimentos a respeito da
natureza psicossocial, das relações de dependência indicadas pela análise
estatística e das racionalizações apresentadas nos motivos de preferência ou de
rejeição entre os colegas (BICUDO, 1955).
Contudo, não foi a visão quanto às relações raciais mostrada pela autora
o que nos fez buscar este estudo como referência, e sim o caráter inovador que
o mesmo apresentou – uma vez que sua abordagem previa, em 1955,
compreender as relações raciais na sociedade brasileira a partir da perspectiva
da criança. O que se assemelha um pouco com o que pretendemos neste
estudo, pois nossa proposta busca compreender o impacto do estudo das
africanidades na constituição das identidades dos adolescentes, tendo como
perspectiva o que pensam os próprios adolescentes.
Também utilizamos, como referência em nossa pesquisa, as ideias do
sociólogo Alberto Guerreiro Ramos – que, em seus estudos sobre as relações
raciais no Brasil, buscou evidenciar o que chamou de “patologia social do
branco”. Para ele, a forma com que o negro era tratado – ou seja, como um
37
“problema” – refletia muito mais sobre o comportamento social e ideológico do
branco do que propriamente sobre uma questão problemática do negro. Sua
postura se devia principalmente a seu engajamento com as questões da
negritude. Neste sentido, para Guerreiro Ramos (1954), não haveria outra
alternativa para a questão das relações raciais no país que não passasse pela
integração do negro na vida social. Desta forma, não seria uma questão de
pensar no negro como um “problema”, mas sim de pensar a sociedade como um
todo, ou mesmo sua forma de constituição – que privilegiava a brancura e seus
valores enquanto modelo a ser seguido. Para ele, esta temática se relacionava
à sua concepção de desenvolvimento do Brasil enquanto nação.
Sua análise quanto à questão racial passa inicialmente por sua
identificação. Ou seja, Guerreiro Ramos (1954) assume sua negritude como
suporte para seu orgulho pessoal. Por essa razão, foi um grande crítico das
teorias e estudos que tinham como tema as relações raciais, uma vez que estas
– como dito anteriormente – não buscavam a integração do negro na sociedade;
ao contrário, apresentavam-no como um “problema” que – na visão da maioria
dos teóricos da época – precisava ser resolvido através do branqueamento da
população e da mestiçagem.
Essa crítica que o autor apresenta quanto à visão da sociedade e aos
padrões estipulados pela branquitude nos ajudou a pensar sobre os privilégios
da branquitude e o protagonismo do negro na atual conjuntura – e, por fim, sobre
a própria construção da identidade.
1.4 DADOS INICIAIS DA PESQUISA
A seguir, apresentamos os dados gerais da pesquisa. Compreendemos
como dados gerais aqueles que dizem respeito à caracterização dos
participantes.
Na primeira etapa, destinada a adolescentes do ensino fundamental II,
obtivemos 146 respostas válidas, ou seja, de estudantes que acessaram o
38
formulário on-line, leram o termo de assentimento6 e aceitaram participar da
pesquisa. Na segunda etapa, destinada a adolescentes do ensino médio, foram
obtidas 438 respostas válidas. Os gráficos produzidos por estes dados e suas
respectivas análises seguem abaixo. Preferimos disponibilizar os dados das
duas etapas de maneira unificada; os gráficos de cada etapa estão
disponibilizados separadamente nos anexos 7 a 17.
Gráfico 2 – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador
A partir dos dados constantes no gráfico 2, percebemos que – assim como nos
dados do Censo 2010, porém evidentemente em proporções escalares
infinitamente menores – as mulheres representaram o maior número de
participantes. Contudo, ao analisar com o olhar voltado para a questão da escola,
percebemos também que estes dados nos dão indícios de que as mulheres
compõem uma maioria significativa nos ensinos fundamental II e médio tanto das
escolas da rede pública quanto da rede privada de educação. Este é um dado
importante se pensarmos que a presença das mulheres no ambiente escolar
aconteceu de forma mais tardia, ou seja, as mulheres conquistaram o direito ao
6 No formulário disponibilizado para os adolescentes, há uma introdução que contém o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido. Para participar da pesquisa, o estudante deveria ler o termo e marcar a opção “aceito participar da pesquisa”. Uma vez marcada esta opção, o estudante seria encaminhado à página da pesquisa. Caso assinalasse a opção “não aceito participar da pesquisa”, o formulário seria encerrado, não sendo possível preencher o questionário.
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estudo em escolas formais muito tempo depois dos homens. Entretanto, quando
cruzamos os dados de sexo com a cor, percebemos que as mulheres brancas
ocupam, mesmo que de forma não muito expressiva, uma ligeira dianteira – ou
seja, das 326 mulheres que responderam à pesquisa, 159 (48,8%) são brancas,
enquanto 156 (47,9%) são negras (pretas e pardas); 7 (2,1%) se autodeclaram
indígenas e, por fim, 4 (1,2%) dizem ser asiáticas. Estes dados nos permitem
perceber que, mesmo não sendo muito expressiva a diferença, as mulheres
brancas são maioria nos ambientes escolares de ensino fundamental II e ensino
médio.
Gráfico 3 – Cor/Raça dos participantes da pesquisa
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador
Segundo os dados do Censo 2010, a população que se autodeclara negra
(somatória de autodeclarados pardos e pretos) no país é superior a 55%, porém
o mesmo não se reflete quanto aos participantes desta pesquisa, como o gráfico
3 nos permite perceber. Ao contrário, ele nos apresenta que, dentre os
participantes, a maioria se autodeclara branca. Esta questão nos dá indícios de
algo mais profundo, e que se relaciona com a questão do acesso à educação, à
informação, à internet e também ao local de residência dos adolescentes que
participaram da pesquisa, como poderemos ver mais adiante.
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Gráfico 4 – Rede de ensino em que os estudantes participantes da pesquisa cursaram a maior parte da trajetória escolar
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador
Ao analisar os dados referentes à rede de ensino em que os adolescentes
trilham sua trajetória escolar (gráfico 4), percebemos outra questão que também
se relaciona às anteriormente citadas e corrobora a compreensão da exclusão
da população negra: 69% dos participantes são oriundos de escolas da rede
pública. Ou seja, mesmo com maioria significativa de adolescentes da escola
pública, quando cruzamos os dados com a cor da pele dos participantes,
podemos perceber que, dos 584 participantes, apenas 200 se autodeclaram
negros e estudam em escolas da rede pública. Estes números ficam ainda
menores quando tentamos relacionar os adolescentes negros que estudam em
escolas da rede privada: apenas 64 dos 584 adolescentes se autodeclaram
negros e estudam na rede privada. Os dados coletados neste estudo não nos
permitem afirmar precisamente que os estudantes negros têm menor acesso à
educação privada, ou que são minoria na rede pública de ensino, mas dão
indícios de que algo relacionado a esta questão pode estar acontecendo. Para
que seja feita uma afirmação mais precisa sobre esta questão, seria necessário
um aprofundamento da investigação destes dados. A priori, dentro do universo
da pesquisa, podemos perceber que grande parte dos participantes que se
autodeclaram negros não tem acesso à educação na rede privada,
correspondendo a 49% dos que estão matriculados na rede pública de ensino, o
que nos evidencia que esta parcela da sociedade tem acesso limitado à
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educação, ou não tem acesso à internet – ou mesmo uma combinação dos dois
fatores.
Gráfico 5 – Estado em que residem os participantes da pesquisa
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador
Quando nos debruçamos sobre os dados referentes aos estados onde
residem os participantes da pesquisa (gráfico 5), percebemos que a região
Sudeste foi a mais representada: temos São Paulo com 41,9% do total de
participantes, seguido de Minas Gerais com 9,7%. É importante salientar que a
participação mais evidenciada de São Paulo nada tem a ver com o fato de o
pesquisador residir neste estado. O fato de ser um dos estados com maior
densidade demográfica, PIB elevado, grande concentração de acesso à energia
elétrica e à internet pode ter possibilitado esse elevado índice de participação.
Em segundo lugar está a região Sul, com Rio Grande do Sul apresentando
8,3% dos participantes e Paraná com 7,8%. Observando estas regiões e estados
que apresentam maiores números relativos à participação, resolvemos cruzar
alguns dados quanto à questão do acesso à internet a fim de compreendermos
melhor esta relação. Para isso, apresentamos a seguir quatro mapas: a figura 1
traz o mapa racial, que mostra a distribuição da população brasileira conforme a
cor/raça; o mapa da luz (figura 2) corresponde aos locais cuja população tem
acesso à energia elétrica; a figura 3 apresenta o mapa do PIB brasileiro, em que
42
podemos visualizar a concentração de riquezas (financeiras); e, por fim, o mapa
da inclusão digital (figura 4) traz dados referentes ao acesso à internet.
Figura 1 – Mapa Racial do Brasil 2010
Fonte: Adaptado pelo pesquisador a partir de dados disponíveis em: http://patadata.org/maparacial/#lat=-
87.110736&lon=76.571172&z=3&o=t
O mapa racial foi desenvolvido pelo site PATA DATA, e está disponível
para consulta e detalhamento no endereço eletrônico que se encontra na
legenda da figura. No mapa, cada ponto colorido corresponde a uma pessoa.
Em virtude da escala ser muito pequena, não é possível, através desta imagem,
perceber os pontos de forma específica. Contudo, quando se acessa o site, é
possível ver cada ponto e sua localização detalhada por bairro, cidade e estado.
Neste caso, limitaremos nossa observação à composição geral do mapa, que
nos permite ver de forma nítida os dados relevantes à argumentação.
Assim, naquelas regiões e estados onde obtivemos maior participação na
pesquisa, podemos perceber que há uma maior concentração de brancos. Este
dado nos ajuda a compreender os números apresentados no gráfico 3, mesmo
43
o Brasil sendo um país que, segundo o Censo 2010, possui cerca de 55% de
sua população negra.
Ao focar onde se encontram os participantes – negros, indígenas e
asiáticos – por região, 58,6% encontram-se na região Sudeste; 10,1%, na região
Sul; 7,2% estão na região Centro-Oeste; 19,8%, na região Nordeste; e 4,3%, na
região Norte.
A partir destes dados, e em virtude da densidade populacional dos
estados que compõem a região Sudeste, é possível dizer que o maior índice de
participantes negros, indígenas e asiáticos se encontra nesta região – e que
estas pessoas estão mais incluídas social e digitalmente, uma vez que a
pesquisa aconteceu 100% on-line.
Percebemos ainda que a região Nordeste concentra quase 20% dos
participantes que se autodeclaram indígenas, asiáticos ou negros. Nos estados
com maior participação na pesquisa, como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande
do Sul e Paraná, a concentração de brancos é mais significativa.
Cabe observar também que os estados com menor participação na
pesquisa – como Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pernambuco, Sergipe
– ou possuem um índice populacional muito baixo, ou a maioria da população é
negra.
44
Figura 2 – Mapa da Luz no Brasil 2000
Fonte: Adaptado pelo pesquisador a partir de imagem disponível em:
http://developmentinformatics.org/workshops/2007/steyn/world-at-night.html
O mapa da luz nada mais é do que uma imagem noturna feita por satélite
que permite visualizar, através dos pontos brancos, os locais em que a energia
elétrica em forma de iluminação (pública ou residencial) ocorre com maior
incidência.
Ao analisar este mapa, percebemos a desproporção na iluminação dos
estados Sul e Sudeste com relação às outras três regiões do país. Esta
informação nos permite notar quais adolescentes (foco desta pesquisa) teriam
maior acesso a itens básicos como a energia.
45
Figura 3 – Mapa do PIB per capita brasileiro em 2010
Fonte: Adaptado pelo pesquisador a partir de imagem disponível em: https://www.researchgate.net/figure/Figura-4-
Classifi-cacao-do-Produto-Interno-Bruto-Real-per-capita-dos-estados-do-Brasil_fig4_303786356
O mapa na figura 3 apresenta o PIB7 per capita do Brasil no ano de 2010.
O Produto Interno Bruto é um indicador utilizado para medir a atividade
econômica de uma determinada localidade. No caso em questão, observamos o
PIB per capita por região.
Destacamos neste mapa que as regiões Sul e Sudeste apresentam certa
discrepância frente às demais regiões quanto à economia – isto é, os estados
que compõem as regiões Sul e Sudeste são responsáveis por uma parte
significativa da produção de bens e serviços do país.
7 PIB: Produto Interno Bruto; corresponde à soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país.
46
Figura 4 – Mapa do acesso domiciliar à internet no Brasil em 2010
Fonte: Adaptado pelo pesquisador a partir de dados disponíveis em:
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/20738/Sumario-Executivo-Mapa-da-Inclusao-Digital.pdf
O mapa do acesso domiciliar à internet desenvolvido em 2010 (figura 4)
demonstra quais as localidades em que a internet se faz presente nas
residências. Os dados apresentados por este mapa corroboram os demais
mapas vistos anteriormente. E, novamente, as regiões Sul e Sudeste
apresentam números superiores aos demais estados e regiões. Como podemos
observar, as regiões Norte e Nordeste apresentam o menor índice de acesso à
internet – possivelmente em decorrência do acesso restrito à energia elétrica que
essas mesmas regiões possuem, e de seus PIBs díspares daqueles
apresentados pelas regiões Sul e Sudeste do país.
Buscamos analisar estes quatro mapas para facilitar a compreensão
quanto às diferenças sociais, econômicas e raciais do Brasil. Assim, percebemos
a enorme distância em termos de desenvolvimento entre as regiões brasileiras,
47
aliada à questão econômica. Estes dados sugerem que o poder econômico se
restringe a uma minoria branca, residente no Sudeste e Sul do país. As situações
apresentadas nos quatro mapas se relacionam intimamente e, além disso,
colaboram para a existência e ampliação das desigualdades – quando
concentram toda a riqueza, os bens de produção e serviço, os recursos
energéticos e o acesso à informação. Por fim, contribuem para aumentar as
tensões dentro das complexas relações raciais no Brasil.
Quando analisamos os dados referentes à raça/cor e ao estado de
residência dos participantes, não podemos deixar de lado estas questões
econômicas, sociais e de acesso – que acabam por influenciar de alguma forma
o estudo. É necessário entender de que adolescentes estamos falando, de que
localidades eles falam, como se relacionam com as questões sociais,
econômicas e raciais. Estas questões são imprescindíveis para viabilizar a
análise de maneira mais profunda quanto às questões da constituição de
identidade destes adolescentes. Em virtude das limitações de tempo para a
realização do mestrado, e de deslocamentos para as regiões brasileiras, este
estudo não abarcou uma busca mais localizada que permitisse adentrar estas
questões. Neste sentido, apontamos para a necessidade de que pesquisas
futuras busquem analisar esses fatores e seus desdobramentos.
48
Capítulo 2 - A LEI N°10.639/03 E A PESQUISA DESENVOLVIDA
Neste capítulo, apresentaremos a importante trajetória dos Movimentos
Negros na constituição e implementação de propostas que objetivam diminuir as
desigualdades raciais no Brasil. Para isso, contextualizamos a partir da história
dos movimentos, passando pela luta que culminou no desenvolvimento da Lei
n°10.639/2003 – que torna obrigatório o estudo de história e cultura africanas e
afro-brasileiras no currículo da educação básica brasileira. Isto posto, passamos
a apresentar os caminhos percorridos pelo movimento até que o governo do
presidente Lula sancionasse a Lei.
Por fim, fizemos uma abordagem sobre as africanidades na educação a
partir da análise dos dados da pesquisa efetuada a partir do olhar dos
adolescentes, estudantes dos ensinos fundamental e médio.
2.1 OS MOVIMENTOS NEGROS E SUA LUTA NO CONTEXTO HISTÓRICO
Quando se busca compreender de que forma uma política pública se faz
necessária para um grupo social, é importante entender como e para quem ela
se constitui. Assim, ao pensarmos em políticas de ação afirmativa ou políticas
reparatórias para a população negra, é preciso compreender e estudar a história
dos Movimentos Negros8 enquanto forma de resistência e luta contra o racismo
– que surge com a chegada dos africanos ao Brasil (NASCIMENTO apud
PEREIRA, 2013). Neste contexto, porém, a pauta do movimento negro de então
se caracterizava pela luta e libertação do povo negro. Posteriormente, com a
abolição, a pauta passa a ser a luta contra o racismo. Amauri Mendes Pereira
(2008) e Petrônio Domingues (2007), também citados por Pereira (2013),
afirmam existir três fases dos movimentos negros brasileiros com características
distintas ao longo do século XX:
“a primeira, do início do século até o Golpe do Estado Novo, em 1937;
8 Utilizamos como forma de identificação a expressão Movimentos Negros por entender a multiplicidade
e a pluralidade existentes dentro destes movimentos, e porque, principalmente, ao estudá-los, percebemos que estas características são marcas que definem o movimento social.
49
a segunda, do período que vi do processo de redemocratização, em meados dos anos 1940, até o Golpe Militar de 1964; e a terceira, o movimento negro contemporâneo, que surge na década de 1970 e ganha impulso após o início do processo de Abertura política em 1974.” (PEREIRA, 2013)
A diferença entre cada fase dos movimentos negros se dá principalmente
em função do contexto histórico em que está inserida. Na primeira fase, o
movimento tem uma proposta baseada no pós-abolição – toda a discussão se
dá em torno do processo de inserção social. Em um segundo momento, essa
discussão abrange o combate ao racismo e a ideologia de branqueamento. Já
na fase contemporânea, a discussão envolve também o combate à propagação
da ideologia de democracia racial – uma visão mais politizada que compreende
a luta pela criação de políticas públicas para a população negra.
É interessante perceber que os Movimentos Negros, diferentemente de
outros movimentos sociais, apresentam uma configuração muito peculiar. Suas
fases poderiam ser identificadas como movimentos distintos, não fosse a
existência de um objetivo comum: o combate ao racismo. Os Movimentos
Negros, em sua constituição, não apresentam uma liderança que desponta
isoladamente, a partir da qual suas lutas são pensadas e pautadas. Ao contrário,
vários grupos e lideranças se espalham em todo o país e criam organizações
negras com diferentes formas de pensar e agir – intitulando-se movimento negro.
Embora os pensamentos sejam variados e as visões de mundo, distintas, é
perceptível o elemento aglutinador: a luta pela igualdade racial. Os Movimentos
Negros são múltiplos e, ao mesmo tempo, são um só; a distinção entre suas
fases não é evidenciada de forma marcante, mas estas se confundem e se
fundem.
A pluralidade e a complexidade são marcas importantes dentro da
militância dos Movimentos Negros em toda a sua história. E isso se apresenta
na forma de conflitos, em sua maioria por motivações ideológicas. Na década de
1930, por exemplo, a Frente Negra Brasileira – FNB, em determinado momento,
foi muito criticada por apresentar um nacionalismo exacerbado. Segundo Pereira
(2013), esses conflitos por vezes geraram dissidências que culminaram na
criação de novas organizações sociais negras, como o Clube Negro de Cultura
Social e a Frente Negra Socialista – ambas criadas em 1932 após Correia Leite,
50
um dos fundadores da FNB, negar-se a ser conivente com o que chamou de
“Inclinação Fascista” da Frente Negra Brasileira. Estes conflitos são comuns
numa estrutura tão grande, múltipla, plural e complexa, como são os Movimentos
Negros Brasileiros. Porém uma questão precisa ser observada: mesmo com
todos os conflitos existentes nos Movimentos Negros e as divergências
ideológicas de seus militantes, suas conquistas sociais foram significativas para
a comunidade negra brasileira.
Os conflitos ideológicos internos, sua pluralidade e multiplicidade, no
entanto, não influenciaram algo muito caro à militância: o despertar da
consciência racial – ou seja, o momento em que cada cidadão negro se percebe
como tal e entende que precisa lutar contra o preconceito, o racismo e a
desigualdade. Nas entrevistas realizadas por Alberti e Pereira (2007), é possível
entender esse momento do despertar da consciência racial, que é diferente para
cada pessoa. Como é o caso de Frei David, fundador do Educafro: o momento
de seu despertar para a consciência racial ocorreu no seminário, em
comemoração ao dia 13 de maio, quando uma ação dos colegas seminaristas
possibilitou que tivesse um diálogo libertador com um frei alemão. Este o fez
perceber que é necessário ter orgulho de suas raízes, buscando sempre
conhecer sua própria história e se aproximar dela. Este episódio lhe possibilitou
rever sua conduta enquanto cidadão negro em negação de suas origens.
Outro depoimento importante sobre este despertar da consciência é o de
Jurema Batista, fundadora do Nzinga – coletivo de mulheres negras – e
vereadora no Rio de Janeiro por três mandatos consecutivos. Para ela, o
despertar da consciência racial aconteceu após ouvir algumas palestras
ministradas pela militante, escritora e professora Lélia Gonzales. Jurema afirma
nunca ter acreditado que o racismo existisse no Brasil, e só percebeu que era
real após ouvir várias vezes as falas de Gonzales. Dessa forma, promovendo
debates e ampliando o número de negros racialmente conscientes, o movimento
negro desenhou seu repertório e se configurou como movimento social.
As expressões ‘despertar da consciência’, ‘processo de enegrecimento’ e
‘tornar-se negro’ serão recorrentes durante todo este trabalho, tendo em vista
que o objetivo é ouvir adolescentes negros e brancos sobre suas experiências e
51
vivências a partir do estudo da história e cultura africanas e afro-brasileiras.
Acreditamos que este possa ser o pontapé inicial para o despertar da
consciência em alguns destes adolescentes. Além disso, em minha história de
vida, tais expressões são carregadas de significados – e, a partir deste meu
despertar da consciência, essa proposta de estudo foi concebida, amadureceu
e agora toma forma.
2.2 OS MOVIMENTOS NEGROS CONTEMPORÂNEOS E AS LUTAS PARA
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
No final dos anos de 1970, com a diminuição da repressão da ditadura
militar os Movimentos Negros Contemporâneos inauguraram uma fase de
desenvolvimento de ações e atividades com o objetivo de construir uma
identidade para a comunidade negra do país. Com a pauta de luta e
reivindicação, eles se reafirmaram como movimento social, tendo como
particularidade a atuação em relação à questão racial (PEREIRA, 2013).
Ainda trazem, em suas propostas, a denúncia da ideologia de democracia
racial e o combate à discriminação racial, ao mesmo tempo em que buscam
fomentar a afirmação de uma identidade político-cultural negra.
Nesse clima de reconstrução, surgem organizações como o Movimento
Negro Unificado, em São Paulo, que determina o tom a ser adotado a partir
dessa nova fase. Isso se dá através de sua carta de princípios, que diz:
“Nós, membros da população negra brasileira – entendendo como negro todo aquele que possui na cor da pele, no rosto ou nos cabelos,
sinais característicos dessa raça –, reunidos em Assembleia Nacional,
CONVENCIDOS da existência de: discriminação racial; marginalização racial, política, econômica, social e cultural do povo negro; péssimas condições de vida; desemprego; subemprego; discriminação na admissão em empregos e perseguição racial no trabalho; condições sub humanas de vida dos presídios; permanente repressão, perseguição e violência policial; exploração sexual, econômica social da mulher negra; abandono e mal tratamento dos menores, negros em sua maioria; colonização, descaracterização, esmagamento e comercialização de nossa cultura; mito da democracia racial. RESOLVEMOS juntar nossas forças e lutar por: defesa do povo negro em todos os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais através
52
da conquista de: maiores oportunidades de emprego; melhor assistência à saúde, à educação e à habitação; reavaliação da cultura negra e combate sistemático à sua comercialização, folclorização e distorção; extinção de todas as formas de perseguição, exploração, repressão e violência a que somos submetidos; liberdade de organização e de expressão do povo negro. E CONSIDERANDO ENFIM QUE: nossa luta de libertação deve ser somente dirigida por nós; queremos uma nova sociedade onde todos realmente participem; como não estamos isolados do restante da sociedade brasileira; NOS SOLIDARIZAMOS: a) com toda e qualquer luta reivindicativa dos setores populares da sociedade brasileira que vise a real conquista de seus direitos políticos, econômicos e sociais; b) com a luta internacional contra o racismo. POR UMA AUTÊNTICA DEMOCRACIA RACIAL! PELA LIBERTAÇÃO DO POVO NEGRO! MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO – MNU (1978)
Em 1971, embalado por esta ideia de (res)significar as lutas da população
negra, surge o Grupo Palmares, em Porto Alegre – RS, apresentando à
comunidade negra a proposição de uma nova data que marcaria a história de
lutas do povo negro. Trata-se de 20 de Novembro, ocasião da morte de Zumbi
dos Palmares, retratado pelo Grupo como precursor da luta por liberdade e
resistência negra. Com isso, buscavam desconstruir a ideia de uma princesa
benevolente que livra a comunidade negra do sofrimento (Princesa Isabel,
signatária da Lei Áurea), e atribuem essa conquista à luta dos negros liderados
por Zumbi – trazendo a consciência de que o povo negro não esperou
passivamente por sua liberdade, ao contrário, foi uma conquista. Essa data foi
adotada inicialmente pelo Grupo Palmares e, já em 1978, foi aprovada na
segunda assembleia Nacional do MNU em Salvador:
Nós negros brasileiros, orgulhosos por descendermos de ZUMBI, líder da República Negra de Palmares, que existiu no estado de Alagoas, de 1595 a 1695, desafiando o domínio português e até holandês, nos reunimos hoje, após 283 anos, para declarar a todo o povo brasileiro nossa verdadeira e efetiva data: 20 de Novembro, DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA! Dia da morte do grande líder negro nacional, ZUMBI, responsável pela PRIMEIRA E ÚNICA tentativa brasileira de estabelecer uma sociedade democrática, ou seja, livre, e em que todos - negros, índios, brancos - realizaram um grande avanço político e social. Tentativa esta que sempre esteve presente em todos os quilombos. (GONZALEZ, 1982, p. 51)
Desde então, as reivindicações dos Movimentos Negros passam a ser
outras; as lutas englobam questões relacionadas à conquista da cidadania, da
justiça social e da educação. Mais do que um movimento social, a partir da
década de 1970, os Movimentos Negros surgem como um movimento político,
53
tendo como pauta a busca por igualdade de direitos entre brancos e negros.
Neste contexto, desenvolveram importantes intervenções que pressionaram o
governo brasileiro, conseguindo, anos depois, conquistas significativas neste
âmbito. Uma das grandes bandeiras levantadas pelos Movimentos Negros
sempre foi a educação, a inclusão da verdadeira história do negro no currículo
escolar e o acesso e permanência da população negra na escola. Para Gomes
(2008), o movimento negro brasileiro
[...] é o principal responsável pelo reconhecimento do direito à educação para a população negra, pelos questionamentos ao currículo escolar no que se refere ao material didático com imagens estereotipadas sobre o negro, pela inclusão da temática racial na formação de professores (as), pela atual inclusão da história da África e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares via lei federal e pelas políticas de ação afirmativa nas suas mais diferentes modalidades. (GOMES, 2008, p.100)
Em “O Movimento Negro Educador”, Gomes (2017) traz ainda elementos
importantes que nos permitem pensar os Movimentos Negros como os grandes
responsáveis pelas conquistas políticas e sociais da população negra. Para a
autora,
[...] os conhecimentos sobre as relações raciais e as questões da diáspora africana, que hoje fazem parte das preocupações teóricas das diversas disciplinas das ciências humanas e sociais, só passaram a receber o devido valor epistemológico e político devido à forte atuação do Movimento Negro. Esse movimento social trouxe as discussões sobre racismo, discriminação racial, desigualdade racial, crítica à democracia racial, gênero, juventude, ações afirmativas, igualdade racial, Africanidades, saúde da população negra, educação das relações étnico-raciais, intolerância religiosa contra as religiões afro-brasileiras, violência, questões quilombolas, e antirracismo para o cerne das discussões teóricas e epistemológicas das Ciências Humanas, Sociais, Jurídicas e da Saúde, indagando, inclusive, as produções das teorias raciais do século XIX disseminadas na teoria e no imaginário social e pedagógico. (GOMES, 2017, p. 17)
Neste contexto, nota-se que as lutas dos Movimentos Negros no Brasil
vão se adequando às necessidades e aos anseios do povo negro. Assim, ao
apresentarem como pauta de luta a educação, os Movimentos pretendem ir além
e promover um debate que parte das bases, chega à academia, (res)significa-
se, agrega robustez teórica e retorna às bases. Os Movimentos Negros agem
como interlocutores entre as reivindicações sociais e a produção acadêmica,
bem como tradutores do que tem sido produzido academicamente para a
comunidade negra. Mas, mais que isso, os Movimentos trazem para o ambiente
54
acadêmico o pensamento e o corpo negro, reivindicando o acesso e a
permanência nesses espaços. Essa pauta tensiona as relações entre o Estado
Brasileiro e a comunidade negra, iniciando-se no governo de Fernando Henrique
Cardoso. Como afirma Gomes,
A partir da segunda metade dos anos de 1990, a raça ganhou outra centralidade na sociedade brasileira e nas políticas de Estado. A sua releitura e ressignificação emancipatória construída pelo Movimento Negro extrapola os fóruns da militância política e o conjunto de pesquisadores interessados no tema. Dentre as diversas ações do Movimento Negro nesse período destaca-se, em 1995, a realização da “Marcha Nacional Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” em Brasília no dia 20 de novembro. Como resultado foi entregue ao presidente da república da época, Fernando Henrique Cardoso, o “Programa para a superação do racismo e da desigualdade étnico-racial”. Neste, a demanda por ações afirmativas já se fazia presente como proposição para a educação superior e o mercado de trabalho. (GOMES, 2017, P.33-34).
É importante salientar que, a partir da pressão realizada pelos
Movimentos Negros, foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial para
Valorização da População Negra em 1996. Como resultado, foi responsável por
incluir nos temas transversais a pluralidade cultural, ação que não apresenta
muita efetividade prática, mas demonstra um pequeno avanço nos debates de
raça.
Ainda Segundo Gomes (2017), a culminância do processo de inflexão na
trajetória dos Movimentos Negros acontece nos anos 2000, com a participação
na preparação da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação
Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância promovida pela
Organização das Nações Unidas (ONU), em agosto de 2001 em Durban, na
África do Sul. Isso porque, ao assinar o Plano de Ação de Durban, o Brasil
reconhece internacionalmente a existência da forma institucionalizada de
racismo no país e se compromete a desenvolver ações para superação, como
as ações afirmativas na educação e no trabalho. A partir daí, os Movimentos
Negros passam a intensificar as ações com o intuito de pressionar o Estado
brasileiro.
Conforme afirmam Katrib e Bernardes(2010), as tensões causadas pelas
pressões exercidas pelos Movimentos Negros acirraram, em 2002, durante a
55
campanha presidencial, os debates sobre as ações afirmativas, forçando um
posicionamento dos candidatos; na ocasião, o então candidato Luiz Inácio Lula
da Silva apresentou em sua campanha o documento “Brasil sem Racismo” que
teve contribuições de pesquisadores e militantes dos movimentos negros. A
partir do diagnóstico e mapeamento de ações de discriminação, o então
candidato assina o documento, assumindo o compromisso de combater o
racismo através da implementação de ações afirmativas.
Em 2003, após tomar posse, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina
a Lei n°10.639/2003. Contudo é importante salientar que a proposta de criação
da Lei não surge apenas neste momento: ela já vinha tramitando no congresso
a partir do Projeto de Lei - PL 259/1999 apresentado em 11/03/1999 pelos
deputados Esther Grossi - PT/RS e Ben Hur Ferreira - PT/MS.
O projeto apresentado em 1999 tramitou, durante o ano de sua
apresentação, inicialmente na mesa diretora da câmara, sendo acolhido na
sequência pelo plenário da câmara. No ano de 99, apenas a Comissão de
Educação e Cultura fez a apreciação do PL.
O Projeto de Lei 259/99, que em 2003 se transformaria na Lei n°10.639,
foi aprovado pelo relator da Comissão de Educação e Cultura, Evandro
Milhomem, em 16/06/1999.
No parecer, o relator da Comissão apresenta uma contextualização
histórica da situação do povo negro desde a abolição e cita Florestan Fernandes
para justificar seu posicionamento favorável ao PL 259.
[...]No dizer do ilustre sociólogo e ex-Deputado Federal, Florestan
Fernandes, "portanto, trata-se de uma consciência que os psicólogos
e sociólogos chamariam de diferenciada, porque ela é diferente da
consciência indígena, da consciência daqueles pobres que não
carregam a marca visível da estigmatização negra. E ela traduz a
disposição do negro de ser ele próprio e não o branco o autor de sua
auto-emancipação coletiva [...] Entendo que está em jogo a cidadania
do negro, como também a do indígena e de todos aqueles que são
excluídos, humilhados e ofendidos. E, arremata: trata-se de dizer que
o negro, como membro de classe, como membro da raça, precisa
dispor na sociedade brasileira de um espaço intelectual para se
desenvolver e para ter os seus talentos aprovados [...] (Trechos
extraídos do Pronunciamento e emenda constitucional do Deputado
Florestan Fernandes, abordando as desigualdades raciais e a
56
consciência negra, no opúsculo "Consciência Negra e Transformação
da Realidade", pág. 8).
Por todo o exposto, o nosso parecer é no sentido da aprovação do
Projeto de Lei n° 259/99, na forma em que foi proposto.
Em agosto de 1999, a Comissão de Educação e Cultura aprova por
unanimidade o parecer favorável do relator e encaminha o PL à Comissão de
Constituição e Justiça e Cidadania, que só analisaria o processo no ano
seguinte.
Em maio de 2000, o relator da Comissão de Constituição e Justiça e
Cidadania, André Benassi, emite parecer favorável à aprovação da PL. O projeto
de lei também seria aprovado por unanimidade nas comissões de Educação
Cultura e Desporto, e de Constituição e Justiça e Redação, que aprovaram ainda
a emenda ao projeto original que suprime o artigo 5 que trazia o seguinte texto:
“Art. 5 – Revogam-se as disposições em contrário”. Seguindo o parecer do
relator:
II - Voto do Relator De acordo com o art. 32, inciso 111, alínea a, do Regimento Interno, cabe a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação manifestar-se sobre a constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa da proposição. Quanto ao primeiro aspecto, estão obedecidos os preceitos constitucionais pertinentes à competência da União para legislar sobre o assunto nele tratado, consoante o disposto nos arts. 22, inciso XXIV, 24, inciso IX, 48, caput, e 215, § 2°, da Constituição Federal. Quanto aos demais, nada obsta a tramitação do projeto, devendo-se, apenas, proceder à supressão da cláusula de revogação genérica, por via de emenda, a fim de adequá-lo à Lei Complementar nº 95, de 1998. Isto posto, o voto é pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do Projeto de Lei n° 259-A, de 1999, nos termos da emenda anexa. Sala da Comissão, 26 de maio de 2000. - Deputado André Benassi, Relator.
EMENDA SUPRESSIVA Suprima-se o art. 5° do projeto. Sala da Comissão, 26 de maio de 2000. - Deputado André Benassi, Relator.
III - Parecer da Comissão A Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, em reunião ordinária realizada hoje, opinou unanimemente pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, com emenda, do Projeto de Lei n° 259-A/99, nos termos do parecer do Relator, Deputado André Benassi.
Dessa forma, o projeto seguiu tramitação e foi aprovado sem alterações
significativas, mantendo sua proposição inicial.
57
No Anexo I, apresentamos o quadro detalhado da tramitação do projeto
de Lei 259/99.
Dessa forma, em 09 de janeiro de 2003, o governo brasileiro instituiu a
Lei nº10.639, que dispõe sobre a inclusão da história e cultura afro-brasileiras no
currículo escolar. A mesma é modificada cinco anos mais tarde, pela Lei nº
11.645/08, que mantém o disposto na lei anterior e a amplia, instituindo a
inclusão da história e cultura dos povos indígenas brasileiros.
Com isso, surge a obrigatoriedade da adequação do currículo para a
inclusão de ações que tenham como foco a educação para as relações étnico-
raciais. Estas ações encontraram (e ainda encontram) problemas e dificuldades
em seu processo de constituição, que não podem ser considerados, no entanto,
fatores impeditivos para sua implementação. Para Gomes e Jesus (2013, p. 32),
O caráter emancipatório da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem contribuído para legitimar as práticas pedagógicas antirracistas já existentes, instiga a construção de novas práticas, explicita divergências, desvela imaginários racistas presentes no cotidiano escolar e traz novos desafios para a gestão dos sistemas de ensino, para as escolas, para os educadores, para a formação inicial e continuada de professores e para a política educacional.
Em 2004, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprova as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas. Apontam-se alguns
direcionamentos acerca da implementação da Lei, no que se refere
principalmente às responsabilidades e à autonomia das instituições na
concepção dos projetos pedagógicos:
[...] É preciso ter clareza que o Art. 26A acrescido à Lei 9.394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas. A autonomia dos estabelecimentos de ensino para compor os projetos pedagógicos, no cumprimento do exigido pelo Art. 26A da Lei 9.394/1996, permite que se valham da colaboração das comunidades a que a escola serve, do apoio direto ou indireto de estudiosos e do Movimento Negro, com os quais estabelecerão canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir nas vivências promovidas pela escola, inclusive em conteúdos de disciplinas, as temáticas em questão. Caberá, aos sistemas de ensino, às mantenedoras, à coordenação pedagógica dos estabelecimentos de ensino e aos professores, com base neste parecer, estabelecer
58
conteúdos de ensino, unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares. Caberá aos administradores dos sistemas de ensino e das mantenedoras prover as escolas, seus professores e alunos de material bibliográfico e de outros materiais didáticos, além de acompanhar os trabalhos desenvolvidos, a fim de evitar que questões tão complexas, muito pouco tratadas, tanto na formação inicial como continuada de professores, sejam abordadas de maneira resumida, incompleta, com erros.
O parecer abre um leque muito amplo de possibilidades que podem ser
aproveitadas pelas instituições de ensino, objetivando o cumprimento da Lei
n°10.639/03. Além disso, apresenta direcionamentos para promover a formação
dos professores para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas,
e para Educação das Relações Étnico-Raciais.
Com relação aos avanços que a Lei n°10.639/03 traz, Gomes (2011,
p.116) afirma que as ações “possibilitaram uma inflexão na educação brasileira.
[...] São políticas de ação afirmativa voltadas para a valorização da identidade,
da memória e da cultura negras”.
Entretanto, todo o processo de reconhecimento e proposição imposto por
esta lei não necessariamente significa que as práticas na Educação Básica
estejam asseguradas – principalmente por entrarem em conflito com a estrutura
e funcionamento do sistema de ensino no Brasil. Todavia é de suma importância
que conceitos como democracia racial e naturalização das desigualdades raciais
sejam paulatinamente minados e que a educação para as relações étnico-raciais
consiga ser efetivada no ambiente escolar.
É inegável que a aprovação da lei e seus desdobramentos apontam para
um marco importante na reparação humanitária da população negra brasileira,
principalmente por se constituir como referência para que todas as ações e
medidas concernentes ao combate ao racismo sejam tomadas.
De acordo com Munanga (2005, p.17), “a educação é capaz de oferecer
tanto aos adolescentes como aos adultos a possibilidade de questionar e
desconstruir os mitos.” Dessa forma, a proposta iniciada em 2003 tem um papel
muito maior do que simplesmente apresentar uma conceituação. Ela se
caracteriza como um processo de transformação que se inicia na formação dos
professores e continua no processo educacional de crianças e adolescentes,
59
como forma de promover a reconstrução da democracia brasileira.
Contudo, dezesseis anos após sua aprovação, não se pode afirmar que
a implementação da lei aconteceu de forma efetiva ou mesmo que está em
andamento. De acordo com pesquisas realizadas por Campos (2018), muitos
municípios brasileiros não têm dado a devida importância a tal implementação.
Além disso, têm criado resistência na reformulação do currículo para atender aos
princípios norteadores da referida lei. Campos afirma ainda que alguns
municípios implementaram a 10.639/03 sem oferecer nenhum tipo de suporte
teórico na abordagem da temática: a falta de formação inicial e continuada dos
professores e a falta de apoio das secretarias de educação são algumas das
causas da deficiência no estabelecimento das diretrizes que amparam a lei.
Somam-se a isso questões relacionadas à resistência de uma parcela de
educadores em desenvolver a temática. A pesquisa de Campos foi realizada em
três municípios brasileiros, Vitória da Conquista – BA, Porto Seguro – BA e São
Carlos – SP, e consistia na realização de entrevistas com os professores e
representantes de secretarias de governo. Nas localidades em que a aplicação
da lei acontece, a pesquisa sugere que isso ocorra por existirem professores
militantes dos Movimentos Negros nas escolas.
Souza e Pereira (2013), a partir de pesquisa realizada em 6 escolas
municipais e estaduais localizadas nos estados da Bahia, Maranhão, Ceará e
Sergipe, apontam questões sobre a aplicabilidade e implementação da lei e das
Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais. As
autoras destacam que algumas das escolas pesquisadas criaram disciplina
específica para o desenvolvimento de atividades relacionadas à cultura africana
e afro-brasileira. Essa proposta, segundo as pesquisadoras, gera dificuldades
para o estabelecimento de um diálogo interdisciplinar, restringindo as discussões
apenas à disciplina específica.
Assim como Campos, Souza e Pereira observam que, em algumas
localidades, o desenvolvimento de atividades relacionadas à lei acontece a partir
do envolvimento de alguns professores e professoras que possuem algum tipo
de engajamento social. Contudo alertam que, nas ações individuais, quase que
totalmente desvinculadas das atividades curriculares, não se observa a
60
participação generalizada da comunidade escolar, e os projetos não constituem
elo de integração da comunidade.
Os estudos utilizados como referência para o desenvolvimento desta
pesquisa apontam questões recorrentes como possíveis causas e ou entraves
para a efetiva implementação da Lei n°10.639/03 e das Diretrizes Curriculares.
Dentre elas, estão a falta de formação e capacitação dos professores e
professoras, aliada às convicções, preconceitos e subjetividades desses
professores e professoras; a dificuldade de acesso ao material didático
relacionado à temática; a negação da existência do racismo e a crença na
democracia racial; e a necessidade de reformulação dos currículos.
Nesta pesquisa, no entanto, podem aparecer novos apontamentos ou um
reforço do que já foi citado, tendo em vista que a proposta é ouvir os
adolescentes estudantes, a fim de conhecer o olhar do outro, daquele que é parte
do processo – mas que não tem pensado o currículo.
2.3 AFRICANIDADES NA EDUCAÇÃO BASICA: O QUE DIZEM OS
ESTUDANTES
Os estudantes que participaram desta pesquisa foram convidados a
responder a questões sobre o estudo de história e cultura africanas e afro-
brasileiras na sua trajetória escolar por meio de questionário com questões de
múltipla escolha e outras questões abertas, nas quais podiam se expressar mais
livremente.
61
Gráfico 6 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você já ouviu falar sobre as Leis n°10.639/03 e n°11.645/08, que instituíram a inclusão do Ensino de História e Cultura Africanas, Afro-brasileiras e dos povos indígenas no currículo?”
Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino fundamental e médio.
Quando indagados sobre se já haviam ouvido falar da Lei n°10.639 de
2003 ou da Lei n°11.645 de 2008, que instituíram a inclusão do ensino de história
e cultura africanas e afro-brasileiras e dos povos indígenas no currículo escolar
da educação básica no Brasil, 56,1% dos adolescentes responderam que não
(gráfico 6) – dado preocupante, tendo em vista que os adolescentes participantes
da pesquisa iniciaram sua escolarização após a vigência da Lei. Estes dados
vão ao encontro de nossa primeira hipótese – de que a Lei ainda não está
totalmente implementada em todas as escolas. Isto também pode ser visto a
partir dos estudos de Gomes e Jesus (2013), Moreira e Viana (2015) e Campos
(2018).
O artigo de Gomes e Jesus (2013), “As práticas pedagógicas de trabalho
com relações étnico-raciais na escola na perspectiva de Lei 10.639/2003:
desafios para a política educacional e indagações para a pesquisa”, foi
concebido a partir da análise do programa “Práticas Pedagógicas de Trabalho
com Relações Étnico-raciais na Escola na Perspectiva de Lei 10.639/2003” da
62
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(SECADI). A pesquisa, que teve abrangência nacional, objetivou identificar,
mapear e analisar as iniciativas desenvolvidas pelas redes públicas de ensino e
as práticas pedagógicas realizadas por escolas pertencentes a essas redes na
perspectiva da Lei n°10.639/2003. Em uma das fases, o estudo se voltou a ouvir
gestores, coordenadores pedagógicos e docentes, realizar grupos de discussão
com estudantes e análises dos documentos e promover conversas informais.
Dentre os pontos abordados pelo artigo, os autores apresentam algumas
reflexões importantes quanto à implementação da legislação:
As escolas em que o mito da democracia racial se mostrou mais presente nos depoimentos colhidos, revelando a sua força enquanto concepção e imaginário social e pedagógico sobre a diversidade, apresentaram práticas mais individualizadas, projetos com menor envolvimento do coletivo de profissionais e pouco investimento na formação continuada na perspectiva da Lei e suas Diretrizes. Dessa forma, apresentam níveis mais fracos de enraizamento e sustentabilidade.
A sustentabilidade das práticas pedagógicas está estreitamente relacionada com algumas características mais gerais da própria escola: (a) a gestão escolar e de seu corpo docente; (b) os processos de formação continuada de professores na temática étnico-racial; e (c) a inserção no PPP. Não se pode esquecer o peso da cultura escolar, a organização dos tempos e espaços, bem como a materialidade da escola e sua relação com as práticas observadas.
O desinteresse pelas questões étnico-raciais notado em algumas escolas não diz respeito apenas às questões do racismo, da discriminação, do preconceito e do mito da democracia racial. Está relacionado também ao modo como os/as educadores/as lidam com questões mais gerais de ordem política e pedagógica, por exemplo, formas autoritárias de gestão, descompromisso com o público, desestímulo à carreira e à condição do/a docente, bem como visões políticas conservadoras de maneira geral. Os conhecimentos dos próprios docentes sobre as relações étnico- -raciais e sobre História da África ainda são superficiais, cheios de estereótipos e por vezes confusos. O grupo de discussão com os/as estudantes foi revelador de tal situação. Os/as estudantes demonstraram de maneira geral que o trabalho envolvendo a Educação das Relações Étnico-Raciais tem conseguido alertá-los, sensibilizá-los, informá-los sobre a dimensão ética do racismo, do preconceito e da discriminação racial, mas lhes oferece pouco conhecimento conceitual sobre a África e sua inter-relação com as questões afro-brasileiras.
Algumas práticas pedagógicas desenvolvidas pelas escolas revelaram-se pautadas em interpretações dogmáticas de cunho religioso, demonstrando a presença da intolerância religiosa.
Gomes e Jesus concluem que não há uniformidade no processo de
63
implementação da Lei n°10.639 nos sistemas de ensino e nas escolas públicas
participantes da pesquisa, tratando-se de um contexto marcado por tensões,
avanços e limites.
Moreira e Viana (2015), em estudo realizado com professores dirigentes
e alunos de escolas da rede municipal de ensino do município de Senhor do
Bomfim-BA, constataram que 30% das pessoas participantes nunca ouviram
falar da Lei n°10.639 – ou seja, ainda existe muito desconhecimento quanto à
existência da Lei. Além disso, 45% dos entrevistados que disseram saber da
existência da 10.639, afirmaram não a conhecer.
Os pesquisadores questionaram quais são os aspectos que
desfavorecem o trabalho de implementação da Lei n°10.639 na escola. 80% dos
professores afirmaram que falta informação sobre os temas da Lei, e 10%
responderam que falta material, 95% dos professores afirmam que as escolas
não se encontram preparadas para trabalhar com o que determina a legislação
referente à educação para as relações étnico-raciais.
O estudo conclui que:
[...] 60% dos professores não reconhecem a discriminação na escola,
30% não tem conhecimento da lei,[...] 85% apontaram a falta de conhecimento sobre os temas da lei como ponto que desfavorece o trabalho de aplicação da lei nas escolas, 60% não participou de curso de forma que tratassem da diversidade cultural e étnica, 60% não acredita que a escola seja a mediadora capaz de quebrar os estereótipos criados em torno dos conceitos étnicos e cultural. (MOREIRA E VIANA 2015)
Campos realizou seu estudo nos municípios de São Carlos-SP, Porto
Seguro e Vitoria da Conquista, na Bahia, e observou que as constantes
mudanças na equipe gestora das secretarias de educação influenciam
diretamente a implementação da 10.639, principalmente por haver dificuldades
em continuar o desenvolvimento de ações e atividades que tenham sido
propostas por gestões anteriores. Além disso, as mudanças na gestão municipal
e/ou estadual são fatores decisivos para o avanço ou retrocesso no que se refere
à educação para as relações étnico-raciais. Isso porque as correntes ideológicas
se alternam tanto na gestão escolar quanto na gestão pública, ora alavancando,
ora travando os avanços nesta questão.
64
Gráfico 7 – Resposta dos estudantes do ensino fundamental II, participantes da pesquisa, à pergunta: “Você se lembra de ter atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais na escola?”
Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino fundamental II.
Os estudantes do ensino fundamental II foram indagados sobre suas
lembranças quanto a ter participado de atividades relacionadas à educação para
as relações étnico-raciais durante sua trajetória escolar (gráfico 7). É importante
dizer que, nesta questão, os adolescentes poderiam escolher mais de uma
opção em suas repostas, dessa forma a incidência de respostas foi contada
separadamente e o percentual foi feito a partir do número de alternativas
marcadas, e não pelo número de participantes.
Neste sentido, 15,5% disseram não se lembrar de ter atividades na área
em nenhum momento. Este percentual é significativo porque reflete duas
possibilidades: a primeira, de que o conteúdo não está sendo trabalhado; e a
segunda, de que, se está sendo trabalhado, não o tem sido feito de maneira a
criar marcas nos adolescentes – visto que é esquecido. Todavia, 84,5%
afirmaram se lembrar de ter participado de alguma atividade relacionada à
educação para as relações étnico-raciais. Os dados são bem expressivos
quando se trata do ensino fundamental II – que representa 47,2% das respostas.
Contudo não podemos, com isso, afirmar a que tipo de atividades os
65
adolescentes estão se referindo: a uma comemoração de 20 de novembro ou 13
de maio, ou a uma atividade sistemática desenvolvida a partir de projetos da
escola.
Quanto ao baixo índice de adolescentes que disseram se lembrar de ter
atividades relacionadas às africanidades na creche (tanto no gráfico 7 quanto no
gráfico 8), é importante dizer que os dados colhidos não nos permitem aferir com
precisão se, para este item especifico, a questão não se relaciona mais com a
memória do que com a ausência das atividades. Isto porque, quando estavam
na creche, os respondentes tinham entre 0 e 3 anos de idade, período da vida,
do qual em geral temos poucas recordações. Nesse sentido, a existência de
respostas positivas pode significar atividades significativas que tenham deixado
registros em fotos, por exemplo, ou que sejam relatadas por terceiros. Assim,
não podemos dizer que para os estudantes pesquisados o estudo das
africanidades efetivamente aconteceram ou não, uma vez que a metodologia
adotada depende da memória dos pesquisados. Um debate sobre a presença
ou não de proposta para o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira
na creche nos primeiros anos após a aprovação da Lei, carece de novas
pesquisas pautadas em outros métodos.
66
Gráfico 8 – Resposta dos estudantes do ensino médio, participantes da pesquisa, à pergunta: “Você se lembra de ter atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais na escola?”
Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino médio.
Aos adolescentes do ensino médio, desenvolvemos um questionamento
que continha uma opção a mais que a apresentada aos estudantes do ensino
fundamental II, ou seja, eles poderiam escolher a opção “no ensino médio”. Da
mesma forma que na pergunta anterior, os adolescentes podiam escolher mais
de uma opção de resposta. Neste sentido, o valor considerado para confecção
do gráfico 8 se refere ao número de opções selecionadas e não ao número de
adolescentes participantes.
A partir dos dados apresentados pelo gráfico 8, podemos perceber que
89,3% das respostas afirmam que os adolescentes participaram de atividades
relacionadas à educação étnico-racial, enquanto 10,7% dizem não se lembrar de
ter participado de atividades relacionadas à questão.
Observamos ainda que, em ambos os grupos de adolescentes em que o
questionário foi aplicado, há uma expressiva relevância nos dados que se
referem a atividades durante o ensino fundamental (I e II). Isso nos permite
perceber que os conteúdos podem estar sendo implementados de forma muito
67
disforme entre a educação infantil e os ensinos fundamental e médio.
As respostas que os gráficos 7 e 8 nos apresentam são preocupantes no
que se refere à educação infantil, uma vez que, nas duas aplicações, o
percentual de recordação dos adolescentes é muito pequeno. Contudo não é
possível afirmar com exatidão os porquês destes dados, pois talvez sejam uma
questão de memória – por terem se passado alguns anos, os adolescentes
podem não se recordar das atividades das quais participaram na educação
infantil. Por outro lado, preocupa-nos a qualidade do trabalho escolar feito nos
anos iniciais, pois, em algum momento, o mesmo deveria servir como referência
a estes adolescentes. Neste sentido, caberia um detalhamento futuro no estudo
específico da educação infantil, com o objetivo de compreender o que pode estar
acontecendo.
As informações extraídas a partir destes dados reforçam nossa primeira
hipótese de que existem falhas na implementação da Lei em todo o país – sejam
elas relacionadas ao formato, à relevância ou mesmo à existência de um trabalho
efetivo na abordagem das questões referentes à educação para as relações
étnico-raciais, nas várias fases da educação básica.
68
Gráfico 9 – Conteúdos estudados durante trajetória escolar pelos participantes da pesquisa – alunos do ensino fundamental II
Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino fundamental II.
Ao analisarmos os dados presentes no gráfico 9, destaca-se o percentual
de 44% de estudantes que dizem ter estudado o processo de escravização e
diáspora. Contudo não cremos que isto seja consequência apenas da aplicação
da referida lei, uma vez que o estudo sobre a escravização não é novidade no
currículo. Na realidade, trata-se de conteúdo já muito difundido no processo de
educação brasileiro. Esta é uma das questões apontadas pelos Movimentos
Negros como falhas no processo, porque conta apenas a versão romantizada do
processo de escravização – não se aprofundando em questões muito
importantes para a comunidade negra. Por outro lado, quando percebemos que
69
28% dos estudantes afirmam ter visto conteúdos relacionados ao racismo, pode
ser que o tema esteja sendo tratado como forma de conscientizar os
adolescentes quanto à sua perversidade tanto para a comunidade negra quanto
para os brancos. Outro ponto muito lembrado pelos participantes do estudo se
relaciona aos aspectos geográficos do continente africano (19%). Este também
é um tema delicado, pois nos remete à forma com que estas questões eram
tratadas nos anos 1990. Isso porque os aspectos geográficos eram
apresentados de modo estereotipado, sendo mostrados apenas os desertos e
as savanas africanas – e nunca evidenciando outras questões relevantes para a
formação de uma visão diferente do continente africano. Seria interessante um
maior detalhamento dos conteúdos apresentados e que se fizeram relevantes a
ponto de marcar a memória dos estudantes. Assim, acreditamos na possibilidade
de uma exploração mais particularizada a partir de novos estudos que voltem o
olhar para a questão do currículo.
Gráfico 10 – Disciplinas que introduziram no currículo conteúdos sobre africanidades durante a trajetória escolar dos participantes da pesquisa – alunos do ensino fundamental II
Fonte: Dados dos questionários respondidos por estudantes do ensino fundamental II.
70
A Lei n°10.639 estabelece uma mudança no artigo 26 da LDB, que passa
a ter a seguinte redação:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
.§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. grifo nosso - (BRASIL, 2003)
Quando a lei especifica que os referidos conteúdos devem ser
ministrados “em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e
História Brasileiras”, abre margem para que a discussão dos mesmos não seja
incluída no currículo em outras disciplinas. Isto pode ser visto nos dados
apresentados no gráfico 10: o maior indice na resposta dos estudantes à questão
“disciplinas que introduziram no currículo conteúdos sobre africanidades”
aparece em História, com 25%, seguida de Geografia, com 20% – disciplina que,
conforme pudemos ver no gráfico 9, responde em grande parte pelos conteúdos
relacionados aos aspectos geográficos. Logo em seguida, estão Artes e
Portugues, com 12% cada. Ou seja, as disciplinas que mais têm discutido as
questões referentes à lei, além de Geografia, são exatamente aquelas que o
texto da legislação especifica de forma explícita. Esta observação nos evidencia
que as demais disciplinas podem estar se omitindo em trabalhar os conteúdos a
partir de uma interpretação do texto da lei. Outro ponto curioso diz respeito ao
grande índice de adolescentes que assinalaram a opção “Outra” – não temos
subsídios suficientes para analisar o que estes estudantes quiseram dizer
quando optaram por “Outra”. Contudo, é possivel imaginar que, dentre estas
respostas, possam estar projetos desenvolvidos extraclasse por algum professor
ou disciplina, que discutam as relações raciais.
Outra questão atravessa a análise desses dados, e se refere ao fato de
que nem todas as escolas tem em seu currículo, no ensino fundamental II a
disciplina de filosofia, dessa forma, é necessário compreender que o indice de
3% pode ser o reflexo disso.
71
Capítulo 3 - RAÇA, RACISMO, REPRESENTAÇÃO SOCIAL E LUGAR DE
FALA
Neste capítulo e no próximo, apresentamos conceitos e discussões
importantes para o entendimento de questões relacionadas à construção da
identidade. Esta conceituação se faz necessária para que se possa entender a
partir de qual ótica se deu a realização e as análises propostas por este estudo,
e quais linhas teóricas balizaram-nas. Para além disso, discutimos pontos que
foram trazidos pelos adolescentes através da participação na pesquisa.
3.1 RAÇA
Segundo Munanga (2003), na história das ciências naturais, o conceito de
raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as
espécies animais e vegetais; depois, passou a designar a descendência, a
linhagem – ou seja, um grupo de pessoas com um ancestral comum. Nos séculos
XVI e XVII, o conceito tomou novos contornos e passou a ser utilizado para
legitimar as relações de dominação e de sujeição. O autor afirma que os
conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o
pensamento. É neste sentido que o conceito de raça e a classificação da
diversidade humana em raças teriam servido:
Em qualquer operação de classificação, é preciso primeiramente estabelecer alguns critérios objetivos com base na diferença e semelhança. No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d’água entre as chamadas raças. Por isso que a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletivo e na terminologia científica: raça branca, negra e amarela. (MUNANGA, 2003, p. 3).
Em sua argumentação, Munanga (2003) segue apresentando os critérios
científicos para a existência das diferenças na tonalidade de pele – que são
definidas pela concentração de melanina:
[...] É justamente o degrau dessa concentração que define a cor da pele, dos olhos e do cabelo. A chamada raça branca tem menos concentração de melanina, o que define a sua cor branca, cabelos e olhos mais claros que a negra que concentra mais melanina e por isso tem pele, cabelos e olhos mais escuros e a amarela numa posição intermediária que define a sua cor de pele que por aproximação é dita
72
amarela. Ora, a cor da pele resultante do grau de concentração da melanina, substância que possuímos todos, é um critério relativamente artificial. Apenas menos de 1% dos genes que constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da pele, dos olhos e cabelos. Os negros da África e os autóctones da Austrália possuem pele escura por causa da concentração da melanina. Porém, nem por isso eles são geneticamente parentes próximos. Da mesma maneira que os pigmeus da África e da Ásia não constituem o mesmo grupo biológico apesar da pequena estatura que eles têm em comum. (MUNANGA, 2003)
Posteriormente, essa conceituação deu lugar às teorias que
possibilitaram o surgimento da ideia de superioridade de alguns povos sobre
outros. Essa nova conceituação surge como forma de atribuir poder ao grupo
hegemônico e, portanto, viabilizar a escravização daqueles considerados
inferiores por sua raça. O conceito de raça tomou vários contornos e formas,
sem, no entanto, perder suas características ideológicas de mecanismo de
dominação.
No livro “A Falsa Medida do Homem”, Stephen Jay Gould (1991) faz uma
análise acerca do determinismo biológico utilizado para validar a ideologia de
hierarquização das raças, relacionando-as à questão da superioridade de um
grupo racial sobre outros considerados inferiores. O autor mostra a forma
tendenciosa com que esta teoria foi utilizada para garantir o poder e a hegemonia
“branca”.
Gould apresenta algumas teorias de poligenia, ou seja, o pensamento de
que as raças teriam origens distintas. É o caso da craniometria, que compreendia
que, quanto maior fosse o crânio, maior seria a inteligência atribuída àquela
pessoa. O estudo desenvolvido por Samuel George Norton com crânios
humanos afirmava que a medida da cabeça dos homens ofereceria indícios que
justificariam a hierarquização racial. Essa afirmação, segundo Gould, caiu em
descrédito após descobertas de que Norton havia manipulado as informações
para obter resultados que favorecessem sua teoria.
Outra teoria é a chamada QI Hereditário, que atribuía a inteligência a
fatores genéticos. Todos estes estudos, quando analisados por Gould (1991),
caíram em descredito – porque utilizavam-se de mecanismos forjados para
73
justificar seus resultados. Estes nada mais eram que uma forma de dominação
a partir da hierarquização das raças, em que o branco ocidental era visto como
superior aos negros.
Estas ideias duraram até o século XX, quando, graças aos avanços da
genética, descobriram-se marcadores genéticos no sangue que permitiram aos
pesquisadores chegarem à conclusão de que raça não é uma realidade
biológica, mas um conceito cientificamente inválido para explicar a diversidade
humana. Isso inviabilizou a divisão dos seres humanos em raças, pois,
biologicamente, elas não existem.
Contudo a conceituação de raça não se limitou a categorizar as relações
biológicas – ou a descoberta do século XX teria encerrado esses debates. Ao
contrário, os naturalistas não se limitaram a classificar os grupos humanos em
função das características físicas, mas
se deram o direito de hierarquizar, isto é, de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças. O fizeram erigindo uma relação intrínseca entre o biológico (cor da pele, traços morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais. Assim, os indivíduos da raça “branca” foram decretados coletivamente superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função de suas características físicas hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio (dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo, etc. que segundo pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as outras raças, principalmente a negra mais escura de todas e consequentemente considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos inteligente e portanto a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de dominação. (MUNANGA, 2003).
Dessa forma, segundo Hofbauer (2003), as interpretações naturalizadas
das diferenças humanas ganharam fôlego na Europa e nos Estados Unidos.
Neste sentido, a biologização da raça ou a raça biologizada serviu como
argumento básico para a hierarquização da humanidade, tendo como pano de
fundo a necessidade de justificar e validar os sistemas de dominação racial. Um
dos resultados desse processo foi a criação de leis segregacionistas nos EUA e
na África do Sul. Além disso, esses pensamentos foram responsáveis pela
legitimação de barbáries como, por exemplo, o holocausto na Alemanha-Áustria
nazista.
74
Munanga afirma que o conceito de raça nada tem a ver com questões
biológicas. Para ele, é uma conceituação político-ideológica:
Se na cabeça de um geneticista contemporâneo ou de um biólogo molecular a raça não existe, no imaginário e na representação coletivos de diversas populações contemporâneas existem ainda raças fictícias e outras construídas a partir das diferenças fenotípicas como a cor da pele e outros critérios morfológicos. É a partir dessas raças fictícias ou “raças sociais” que se reproduzem e se mantêm os racismos populares. (MUNANGA, 2003)
O conceito biológico de raças humanas atualmente não tem valor
científico, embora essa questão ainda seja muito forte no senso comum –
principalmente porque, a partir dele e aliado a outros fatores, ainda se sustentam
alguns argumentos racistas. Contudo o termo raça é muito utilizado nos estudos
sociológicos como forma de apresentar uma realidade social e política. Neste
sentido, a raça é considerada pelas ciências sociais como uma construção
sociológica. De acordo com Hofbauer (2003), autores das áreas de sociologia e
antropologia “afirmam que “raça” não deve ser entendida como um “dado
biológico”, mas como uma “construção social”. Hofbauer, no entanto, propõe
analisar denominações de cor/raça como “construções ideológicas nos
contextos econômicos, históricos e sociais específicos”. Bernardino-Costa,
Santos e Silvério (2009) também compreendem o conceito de raça como sendo
uma construção social. Para esses autores, embora a raça não exista
cientificamente, ela existe socialmente. Neste sentido, eles afirmam existir no
Brasil o racialismo, que seria a existência de um sistema de classificação social
que supõe a existência de raças como categorias somente no plano das relações
sociais.
Guimarães (1999) define raça como:
um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao contrário, de um conceito que se denota tão-somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algo endodeterminado. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundo social. Mas, por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de ‘raça’ permite - ou seja, fazer passar por realidade natural preconceitos, interesses e valores sociais negativos e nefastos -, tal conceito tem uma realidade social plena, e o combate ao comportamento social que ele enseja é impossível de ser travado sem que se lhe reconheça a realidade social que só o ato de nomear permite (GUIMARÃES, 1999 p. 9)
75
Contudo é importante apresentar o contorno e o sentido que se pretende
dar à questão da raça neste estudo. Dessa forma, a argumentação de Gomes
(2005) no artigo “Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre Relações
Raciais no Brasil: Uma breve discussão”, vem ao encontro da proposta que
busquei debater neste estudo. A autora corrobora com os conceitos
apresentados por Guimarães e Bernardino-Costa, Santos e Silvério: para ela,
podemos compreender que as raças são, na realidade, construções sociais,
políticas e culturais produzidas nas relações sociais e de poder ao longo do
processo histórico. Ainda segundo Gomes (2005), a conceituação de raça
amplamente discutida nas diversas áreas da ciência, como antropologia e
ciências sociais, possibilita ter uma visão sobre os termos, mas é extremamente
importante que se compreenda:
[...] o que se quer dizer quando se fala em raça, quem fala e quando fala. Ao usarmos o termo raça para falar sobre a complexidade existente nas relações entre negros e brancos no Brasil, não estamos nos referindo, de forma alguma, ao conceito biológico de raças humanas usado em contextos de dominação, como foi o caso do nazismo de Hitler, na Alemanha.
Ao ouvirmos alguém se referir ao termo raça para falar sobre a realidade dos negros, dos brancos, dos amarelos e dos indígenas no Brasil ou em outros lugares do mundo, devemos ficar atentos para perceber o sentido em que esse termo está sendo usado, qual o significado a ele atribuído e em que contexto ele surge. (GOMES, 2005)
Assim é importante dizer que o conceito que utilizo neste estudo com
relação à raça vai também ao encontro da ideia utilizada pelos Movimentos
Negros:
que se baseia na dimensão social e política do referido termo. E, ainda, usam-no porque a discriminação racial e o racismo existentes na sociedade brasileira se dão não apenas devido aos aspectos culturais dos representantes de diversos grupos étnico-raciais, mas também devido à relação que se faz na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis na estética corporal dos pertencentes às mesmas. (GOMES, 2005)
Esta visão também é defendida pelo escritor Achille Mbembe, no livro
“Crítica da Razão Negra”, em que Mbembe afirma que o colonialismo estruturou
a forma com que a visão do negro e da raça são construídos e visualizados na
contemporaneidade. Para ele, trata-se de uma construção social. Além disso, o
autor apresenta como o capitalismo designa o conceito de negro à condição de
76
subalternidade. E essa subalternidade desumaniza o negro, transformando “a
pessoa humana em coisa, objeto ou mercadoria” (MBEMBE, 2018). Para ele, a
raça se estrutura principalmente em uma maneira de estabelecer o poder.
Sobre o conceito de raça, Mbembe afirma que:
A raça não existe enquanto fato natural físico, antropológico ou genético. A raça não passa de uma ficção útil, uma construção fantasmática ou uma projeção ideológica, cuja função é desviar a atenção de conflitos considerados, sob outro ponto de vista, como mais genuínos – a luta de classe ou a luta de sexos, por exemplo. (MBEMBE, 2018 p. 28-29)
Contudo é oportuno salientar que apresentamos aqui os conceitos de raça
a partir de uma contextualização histórica, que aponta como se deu o processo
de constituição do racismo no Brasil. Entretanto não utilizaremos a expressão
“relações raciais” no decorrer deste estudo, mas sim o conceito de “relações
racializadas” – pois, segundo Soligo (2014), o racismo não é decorrência de
raças biologicamente definidas: para esta pesquisadora, o conceito científico de
raças, cunhado na modernidade, é decorrência do racismo, ou seja, as relações
marcadas pelo preconceito não são decorrentes da raça, mas do racismo.
3.2 RACISMO
De acordo com Munanga (2003), “por razões lógicas e ideológicas, o
racismo é geralmente abordado a partir da raça.” Para este autor, o racismo é
[...] uma ideologia essencialista que postula a divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas suportes das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores desiguais. Visto deste ponto de vista, o racismo é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural. [...] (MUNANGA, 2003 p. 8)
Pensar o racismo requer pensar sobre os conceitos de raça que outrora
tinham explicações teológicas e que, com o avanço da ciência, passaram por
outras conceituações até chegar àquela que se perpetuou por muito tempo, que
trata da conceituação biológica, em que os indivíduos são classificados através
de suas características (cor de pele, cabelo, olhos...). Contudo Kabengele
Munanga (2006) afirma que o conceito de raça utilizado hoje não se relaciona
77
com as questões biológicas. Para ele, é um conceito carregado de ideologia,
pois, “como todas as ideologias, esconde um fato não proclamado: a relação de
poder e de dominação. [...] É a partir dessas raças fictícias ou “raças sociais” que
se reproduzem e se mantêm os racismos populares.”
Nesse contexto, o racismo considera que a capacidade intelectual e moral
dos grupos tem relação direta com suas características físicas e biológicas. Para
Silva (1997), o negro é estereotipado como feio, mau, sem regras, instintivo e
sem moral. Isto ocorre através dos aparelhos de reprodução ideológica e
instituições oficiais de forma abrangente e violenta.
Ainda sobre o racismo, Munanga (2006) demonstra duas formas pelas
quais ele se apresenta: o racismo clássico, que se alimenta da noção de raça; e
o racismo novo, que se alimenta da noção de etnia definida como um grupo
cultural. Sendo assim, as diferenças culturais e sociais são suficientes para
estimular cada vez mais o racismo, embora as vítimas continuem sendo as
mesmas.
Sobre o racismo, Gomes (2005) afirma que ele é:
[...] por um lado, um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. Ele é por outro lado um conjunto de ideias e imagens referente aos grupos humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores. O racismo também resulta da vontade de se impor uma verdade ou uma crença particular como única e verdadeira.
Os autores supracitados definem o racismo como uma construção
ideológica que se sustenta na crença da existência de superioridade e
inferioridade ligadas à raça. Há, no entanto, debates que defendem o banimento
do termo raça do vocabulário da ciência. Por outro lado, os Movimentos Sociais
Negros acreditam que a utilização do conceito, desde que no sentido sociológico
atribuído ao mesmo, serve para auxiliar no entendimento do racismo enquanto
processo ideológico. Este estudo busca se ater às questões relacionadas à
forma com que o racismo impacta a constituição da identidade e o processo de
tornar-se negro. E é por este caminho que se direciona este referencial teórico.
É importante perceber que o racismo, assim como o capitalismo e o
machismo, é um sistema ideológico, forjado na estrutura da sociedade brasileira
78
desde o início do processo de escravização dos povos africanos, que se
institucionalizou de forma tão orgânica e visceral nesta sociedade que lutar
contra ele é uma tarefa muito complexa. O combate ao racismo necessariamente
deve compreender que a estrutura social está corrompida, e se alimenta ainda
hoje de teorias como a democracia racial.
Assim, o confronto deve acontecer não apenas com ações punitivas, mas,
principalmente, com ações de educação e conscientização. Este processo é
lento e complexo, e requer uma mudança de mentalidade que precisa se iniciar
na academia com a formação de professores – que serão multiplicadores e
formadores de opinião na educação infantil, no ensino fundamental e no médio.
De acordo com Silva (2005),
As políticas curriculares de combate ao racismo são basilares para superar a mentalidade monocultural, informada por preconceitos contra grupos que a sociedade mantém a sua margem e denomina de excluídos, impede de compreender a diversidade de experiências, de visões de mundo. O grande desafio para reconhecer, respeitar, valorizar a diversidade própria de sociedades multiculturais está em ir muito além de simplesmente admitir que há diferenças sociais e raciais entre grupos e pessoa. (SILVA, 2005, s.p.).
Almeida (2018) acredita que o racismo se define como:
Uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam. (ALMEIDA, 2018, p.25)
Almeida classifica três concepções de racismo partindo dos critérios a
seguir: a concepção individualista está na relação estabelecida entre o racismo
e a subjetividade; a concepção institucional é estabelecida a partir da relação
entre racismo e Estado; e a concepção estrutural é a relação estabelecida entre
o racismo e a economia.
Na concepção individualista, o racismo é visto como uma ação individual
ou coletiva que se configura como um “desvio” de conduta. Partindo disso, o
racismo é observado apenas como o preconceito praticado de forma direta a
alguém, sem viés político. Esta visão esvazia de sentido o conceito racismo,
porque o mesmo tende a ser considerado um ato isolado, individual ou de grupos
que teriam alguma “patologia”, e, portanto, algo “condenável”. Esta visão,
segundo Almeida, é a mais difundida quando se discute o racismo. Nesse
79
sentido, pode ser considerada a mais popularizada – porém vazia, do ponto de
vista teórico.
Na concepção institucional, o racismo é tratado como “resultado do
funcionamento das instituições”, que passam a atuar em uma dinâmica que
confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios a partir da raça.
Nesta concepção, o racismo tem o “poder” como elemento central.
Segundo Almeida, “o domínio se dá a partir do estabelecimento de parâmetros
discriminatórios baseados na raça, servindo como forma de manutenção da
hegemonia do um grupo racial no poder”. O efeito dessa hegemonia é que:
O racismo pode ter sua forma alterada pela ação direta ou pela omissão dos poderes institucionais – Estado, escola, etc. -, que podem tanto modificar a atuação dos mecanismos discriminatórios, como também estabelecer novos significados para a raça, inclusive, atribuindo certas vantagens sociais a membros de grupos raciais historicamente discriminados, Isso demonstra que, na visão institucionalista, o racismo não se separa de um projeto político e de condições socioeconômicas específicas. (ALMEIDA, 2018, p.32)
Dessa forma, é possível compreender o racismo institucional como a
forma criada para manter o poder e a hegemonia – perpetuando e ressaltando
privilégios e institucionalizando as formas de discriminação racial. As instituições
atuam de forma a evidenciar a supremacia da comunidade branca em detrimento
da comunidade não branca, formulando normas e impondo padrões que
perpetuam os privilégios. Um exemplo disso é o genocídio da população negra
nas comunidades periféricas, pela associação indevida do negro à prática de
delitos. O ponto conflitante disso é que – diferentemente do racismo
individualista, em que a ação individual ou de grupos pode ser facilmente
detectada e por muitas vezes questionada pela sociedade – no racismo
institucional estas questões são muito sutis e dificilmente detectadas. O racismo
institucional oprime a comunidade negra e a confina aos guetos, numa tentativa
de potencializar o controle social desta comunidade.
Para Almeida, o racismo institucional representa um avanço no estudo
das relações raciais, pois ultrapassa o âmbito da ação individual. O autor
também evidencia a dimensão do poder como balizador das relações raciais.
Assim, as instituições reproduzem as condições para o estabelecimento e a
manutenção da ordem social.
Nesse sentido, Almeida argumenta que:
80
Assim como a instituição tem sua atuação condicionada a uma estrutura social previamente existente - com todos os conflitos que lhe são próprios -, o racismo que esta instituição venha a expressar é também parte desta mesma estrutura. (ALMEIDA, 2018, p.36)
Assim, as instituições apenas materializam uma estrutura social que tem
o racismo como um de seus componentes orgânicos. Ou seja, “as instituições
são racistas porque a sociedade é racista”.
Portanto, o racismo decorre da própria estrutura social – isto é, o racismo
é estrutural, e se expressa concretamente na forma de desigualdades políticas,
econômicas e jurídicas. Neste sentido, o racismo cria uma forma sistemática de
discriminação.
Por ser estrutural, o racismo também é um processo político – uma vez
que, como processo sistêmico de discriminação que influencia a organização da
sociedade, depende do poder político para se constituir.
Analisando as três concepções de racismo apresentadas por Almeida, é
possível compreender que o racismo estrutural se alimenta e é alimentado pelas
duas outras concepções de racismo – a individualizada e a institucional. Em
outras palavras, ele se constitui a partir do enraizamento estrutural que se reflete
nas ações individuais e institucionais de uma sociedade.
Neste estudo, buscamos compreender o que dizem os adolescentes
sobre diversos temas ligados à educação para as relações étnico-raciais – e um
dos questionamentos que fizemos diz respeito ao racismo: perguntamos se já
viram ou sofreram algum ato de racismo. O resultado desta pergunta pode ser
visto no gráfico 11.
81
Gráfico 11 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você já viu ou sofreu algum ato de racismo?”
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
Dentre os adolescentes que responderam à pesquisa, é possível perceber
que 86,4% dos estudantes afirmam já ter visto ou sofrido alguma forma de
racismo dentro ou fora da escola. Este dado corrobora a presença do racismo
em nosso país. Além disso, dentre os que disseram já ter sofrido racismo
observamos, ao analisar os dados referentes a raça/cor dos participantes, que
15% são negros ou indígenas, enquanto que os brancos representam 4%
daqueles que disseram já ter sofrido racismo na escola ou fora dela. Isso nos
permite constatar como o racismo se faz presente na vida de negros e indígenas.
Contudo, quando observamos o gráfico 12, conseguimos perceber uma
inconsistência nesta informação – pois 53% dos estudantes afirmam não terem
sido racistas, ou não se lembrar de ter sido em algum momento. Ou seja,
enquanto 86,4% dos participantes do estudo dizem já ter visto ou sofrido
racismo, apenas 47% assumem já ter sido racista em algum momento.
82
Gráfico 12 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você acha que já teve uma ação racista em algum momento da sua vida?”
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
A análise feita por Schwarcz (2001) – a partir de pesquisas realizadas pela
USP (1988) e pelo Datafolha (1995) – demonstra uma situação muito parecida
com a que evidenciamos aqui. Os números mostram que as pessoas acreditam
e afirmam ter conhecimento do racismo – mas, quando são indagadas se são
racistas, negam. Tendo por base a pesquisa de 1988, Schwarcz chega à
conclusão de que vivemos em uma “ilha de democracia racial”, cercados de
racistas por todos os lados. Esse ponto nos permite observar como o racismo
estrutural se manifesta e se impregna no tecido social, de forma a impedir que
as pessoas compreendam o quanto a questão racial é complexa no Brasil. No
entanto, convém notar que, dada a conjuntura atual do país e o fato de que a
pesquisa foi realizada pela internet – ou seja, sem o contato direto do
pesquisador com o pesquisado –, houve um aumento no percentual de pessoas
que afirmam ter tido alguma atitude racista em algum momento de sua vida. Na
pesquisa de Schwarcz (2001), o número girava em torno de 10%; neste estudo,
chegou a 47%. É evidente que esta comparação não pode ser feita de forma
literal, porque os universos de pesquisa dos dois estudos são diferentes – na
abrangência, no público e no método utilizado. Porém ambos nos permitem
perceber uma tendência maior do indivíduo em declarar já ter tido algum tipo de
83
comportamento racista na pesquisa mais recente.
3.3 REPRESENTAÇÃO SOCIAL
A constituição da identidade negra, o refutamento da ideologia de
democracia racial e de embranquecimento e o reconhecimento da existência do
racismo na nossa sociedade são entendimentos que precisam ser construídos a
partir de um processo de identificação. Tomando como referência minha própria
trajetória, posso afirmar que as representações sociais são fundamentais para o
processo de “tornar-se negro” – pois é a partir da compreensão que temos destas
representações que conseguimos nos ver refletidos, e é esse reflexo que nos
apresenta de forma contundente o que somos, como somos e como estamos
sendo apresentados, tanto no âmbito individual quanto no coletivo. Quando
estes reflexos não são positivos, não há como criar uma identidade positiva de
nós mesmos, da nossa raça e da nossa cor.
Assim, é importante compreender de que forma as representações sociais
tocam as pessoas no que se refere à questão das relações racializadas. Soligo
(2014) nos possibilita entender este processo a partir da perspectiva de
Moscovici, afirmando que:
o preconceito e o racismo não são características inerentes aos sujeitos, mas formas de interpretação da realidade aprendidas e construídas no âmbito da cultura, nas relações entre as pessoas e grupo, nos modos de comunicação engendrados nas sociedades. Constituintes das subjetividades, orientam o modo como olhamos aqueles a quem chamamos diferentes, bem como as ações, e conferem sentido aos atos discriminatórios contra negros. (SOLIGO, 2014, p.186)
Neste sentido, Serge Moscovici, através da Teoria das Representações
Sociais, torna-se referencial imprescindível para este estudo, porque permite
desvelar e conhecer as formas de opressão e racismo que existem no Brasil.
Antes de conhecer os caminhos por onde trilha a teoria das
representações sociais de Moscovici, é importante que se entenda que Durkheim
apresenta, em seus estudos, conceituações de representações as quais chama
de coletivas – e é exatamente neste ponto que o posicionamento de Durkheim e
Moscovici divergem. Na visão de Durkheim, as representações coletivas
84
abrangem uma cadeia completa de formas intelectuais que incluem qualquer tipo
de ideia, emoção ou crença. Para Moscovici (2009), isso representa um
problema pois, em sua visão, quando se tenta incluir demais, acaba-se incluindo
de menos. Ou seja, querer compreender tudo é na verdade perder tudo – pois é
impossível cobrir um raio de atuação tão amplo. Ainda sobre as representações
sociais, Moscovici prefere tratar como fenômeno e não como conceito. Nesse
sentido, ele apresenta sua concepção do fenômeno:
As representações sociais devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam, com efeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa. (MOSCOVICI, 2009, p. 46)
Outra divergência entre a concepção de Durkheim e Moscovici está na
ideia de que as representações são estagnadas – ideia refutada por Moscovici
(2009), que entende as representações sociais como “estruturas dinâmicas,
operando em um conjunto relações e de comportamentos que surgem e
desaparecem, junto com as representações.”
As representações possuem duas funções: em primeiro lugar,
convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos, dando-lhes uma
forma definitiva, localizando-as, colocando-as como um modelo; em segundo
lugar, são prescritivas, ou seja, impõem-se sobre nós com uma força irresistível.
Essa força é uma combinação de uma estrutura presente antes mesmo de
começarmos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado
(MOSCOVICI, 2009).
Ao convencionalizar objetos, pessoas e/ou acontecimentos, as
representações se caracterizam como uma fonte importante de conhecimento,
principalmente para os adolescentes – uma vez que este público em especial
busca, a partir das referências, constituir sua própria visão de mundo.
Moscovici, em sua teoria, apresenta a ancoragem como um dos
processos que gera as representações sociais. Para ele, a ancoragem
transforma algo estranho a nós em algo mais próximo do que conhecemos, a
partir de um processo de comparação e classificação. Se a classificação assim
85
obtida é aceita, então qualquer opinião que se relacione à categoria irá se
relacionar também ao objeto ou à ideia.
Ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Nós experimentamos uma resistência, um distanciamento, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-lo a nós mesmos ou a outras pessoas, o primeiro passo para superar essa resistência, em direção à conciliação de um objeto ou pessoa, acontece quando nós somos capazes de colocar esse objeto ou pessoa em uma determinada categoria, de rotulá-lo com um nome conhecido. No momento em que nós podemos falar sobre algo, avaliá-lo e então comunicá-lo [...] então nós podemos representar o não-usual em nosso mundo familiar, reproduzi-lo como uma réplica de um modelo familiar. Pela classificação do que é inclassificável, pelo fato de se dar um nome ao que não tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo. De fato, representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes. (MOSCOVICI, 2009 pp.61-62)
Moscovici diz ainda que categorizar alguém ou alguma coisa significa
escolher um dos paradigmas estocados em nossa memória e estabelecer uma
relação positiva ou negativa com ele.
Ao transportar este pensamento para as relações raciais, percebe-se
como a classificação e a categorização de tudo que circunda o universo negro
têm sido negligenciadas e tratadas de forma menor e negativa.
Nesse sentido, Jango afirma que:
[...] quando abordamos as representações sociais acerca da criança negra, por exemplo, sabemos que a ela é imposta toda a discriminação que recai sobre o grupo ao qual ela faz parte. Mesmo na tenra idade, as crianças negras são, portanto, julgadas e percebidas como representantes do segmento negro, que carrega estereótipos negativos, além de um legado de submissão econômica e social, sendo vistas, dessa maneira como incapazes desde muito cedo. (JANGO, 2017, p.82)
Quando esta realidade é transportada para adolescentes, a situação fica
ainda mais complexa, pois, além de terem passado a infância convivendo com
estereótipos negativos, vivenciam a adolescência e a entrada no mundo adulto
com uma carga ainda maior de submissão econômica e social, e rótulos de
incapacidade.
Moscovici afirma que, em sua grande maioria, essas classificações são
feitas comparando as pessoas a um protótipo, geralmente aceito como
86
representante de uma classe, e que as primeiras são definidas através da
aproximação, ou da coincidência, com o último. Conclui dizendo que:
se é verdade que nós classificamos e julgamos as pessoas e coisas comparando-os com um protótipo, então nós inevitavelmente estamos inclinados a perceber e a selecionar aquelas características que são mais representativas desse protótipo. (MOSCOVICI, 2009, p. 64)
A partir disso, busco entender que tipos de protótipo têm sido utilizados
para compreender as representações que estes adolescentes fazem da escola,
da adolescência/juventude e das questões raciais.
É importante entender que, assim como as representações sociais não
são inertes e estáticas, a adolescência/juventude também é dinâmica, ativa e
produz, reproduz, comunica-se e cria representações próprias e inerentes a esta
fase da vida. Além disso, partimos do pressuposto que, ao se estudar história e
cultura africanas e afro-brasileiras na escola, é possível que estes adolescentes
tenham conseguido, a partir do processo de ancoragem defendido por
Moscovici, tornar familiares questões que até 2003, com a implementação da Lei
n°10.639, eram estranhas e ameaçadoras.
3.4 LUGAR DE FALA
Tendo em vista a perspectiva de ouvir as vozes dos adolescentes acerca
de suas próprias vivências relacionadas ao racismo, opressão, consciência,
negritude e branquitude, que são alguns dos componentes que constituem as
relações racializadas no Brasil, faz todo o sentido entender o que é o “lugar de
fala”. Dessa forma, buscamos compreender com as pesquisadoras Patrícia Hill
Collins e Djamila Ribeiro o que nos trazem sobre essa expressão.
Collins foi uma das primeiras intelectuais a tratar sobre a conceituação da
expressão “lugar de fala”, embora não tenha sido a primeira a trazer à tona a
discussão sobre a questão. Collins (2016), no texto: “Aprendendo com a outsider
within: a significação sociológica do pensamento feminista negro”, ancora sua
discussão na ideia de “insider e outsider” – que, em tradução livre, seria “de
dentro/interno” e “de fora/externo”, respectivamente. A autora utiliza o termo
“estrangeiro” para dar sentido à palavra “outsider” no contexto em que a mesma
87
é empregada. O debate proposto pela autora encaminha a discussão por esta
perspectiva para compreender como sociologicamente as mulheres negras se
relacionam com a questão do feminismo negro. Nós, no entanto, traremos esta
discussão mais adiante, tendo como foco a questão da empatia, o olhar do outro,
a visão do outro sobre os temas pertinentes a este estudo.
O estudo proposto por Collins, contudo, utiliza-se da discussão acerca do
pensamento feminista negro para dialogar sobre como a opressão produz e
reproduz a inferiorização destas mulheres. Embora o estudo tenha sido realizado
a partir do olhar voltado para as mulheres afro-americanas, a construção do
argumento de Collins possibilita entender a importância da cultura no processo
de conscientização das mulheres negras e, por consequência, no ativismo
feminista. Estes argumentos evoluem para um debate importante sobre o lugar
de fala. A autora apresenta conceituações referentes à autodefinição e à
autoavaliação como mecanismos de sobrevivência, resistência e humanização
da mulher negra. Para ela,
Quando mulheres negras definem a si próprias, claramente rejeitam a suposição irrefletida de que aqueles que estão em posições de se arrogarem a autoridade de descreverem e analisarem a realidade têm o direito de estarem nessas posições. Independentemente do conteúdo de fato das autodefinições de mulheres negras, o ato de insistir na autodefinição dessas mulheres valida o poder de mulheres negras enquanto sujeitos humanos. O tema relacionado da autoavaliação de mulheres negras põe todo esse processo um passo adiante. Enquanto a autodefinição de mulheres negras dialoga com a dinâmica do poder envolvida no ato de se definir imagens do self e da comunidade, o tema da autoavaliação das mulheres negras trata do conteúdo de fato dessas autodefinições. (COLLINS, 2016)
Ao apresentar este debate, Collins propõe um protagonismo que não é
permitido pelo modelo opressor. A ideia, com isso, não é calar as vozes
existentes, mas sim dar sonoridade a outras vozes, incluir novos narradores para
as histórias – ou seja, uma mudança de perspectiva. E este é o sentido de lugar
de fala que podemos atribuir a partir do debate sobre feminismo negro apontado
por Collins: as falas são diferenciadas a partir das condições sociais de
determinados grupos. Este seria, então, o sentido de lugar de fala – possibilitar
que vozes historicamente silenciadas se pronunciem a partir do prisma que as
oprime e que as condiciona a este lugar de invisibilidade e silêncio.
88
Ribeiro (2017) afirma não haver uma epistemologia determinada sobre o
termo lugar de fala. Para ela, a origem do termo é imprecisa, contudo acredita
que o modo com que é utilizado amplamente na atualidade tenha surgido a partir
dos debates relacionados ao feminismo. Ribeiro se utiliza das reflexões de
Collins (2016) para articular sua argumentação. Sua defesa é de que, a partir do
ponto de vista feminista, seja possível dialogar sobre o termo lugar de fala.
Para Ribeiro, um dos principais marcadores do lugar de fala não são as
experiências individuais e sim as condições sociais que permitem ou não que
grupos sociais acessem lugares de cidadania. Neste sentido,
seria, principalmente, um debate estrutural. Não se trataria de afirmar as experiências individuais, mas de entender como o lugar social que certos grupos ocupam restringem oportunidades. (RIBEIRO, 2017, p. 61)
No Brasil, há um certo equívoco quanto à conceituação do termo, pois o
conceito muitas vezes é pensado a partir do indivíduo isoladamente e não das
diversas condições que resultam nas desigualdades e hierarquias que localizam
grupos subalternizados (Ribeiro, 2017). Para esta pesquisadora,
As experiências desses grupos localizados socialmente de forma hierarquizada e não humanizada faz com que as produções intelectuais, saberes e vozes sejam tratados de modo igualmente subalternizado, além das condições sociais os manterem num lugar silenciado estruturalmente. (RIBEIRO, 2017, p. 63)
Ao apresentar o lugar social como fundamento para o debate sobre o
lugar de fala, Ribeiro evidencia que a luta feminista possibilita compreender a
expressão. Do mesmo modo que as mulheres foram e ainda são impedidas de
acessar certos espaços, alguns grupos inferiorizados, como a população negra,
também têm essa dificuldade. Essa situação amplia ainda mais o distanciamento
social – ou seja, o acesso a determinados espaços, como a universidade, é
dificultado. As produções epistemológicas inerentes a estes grupos também se
tornam parcas ou inexistentes, e, com isso, impede-se que as vozes desses
grupos sejam ouvidas.
Ribeiro nos permite fazer uma reflexão importante ao notar que, no Brasil,
é recorrente o atrelamento do “lugar de fala” unicamente às experiências e
89
vivências individuais – especialmente no âmbito dos debates virtuais. Isso
possibilita uma desqualificação do discurso a partir das oportunidades
individuais, enquanto a proposta é exatamente entender as condições sociais
que constituem o grupo do qual a pessoa faz parte. Ou seja, as oportunidades,
experiências e vivências individuais servem para compor – junto a outros
indivíduos que fazem parte do mesmo grupo social – um conjunto de condições
que constituem este grupo.
A discussão sobre lugar de fala carrega consigo diversas forças
opressoras que estão entrelaçadas na sociedade. Não seria possível desatrelar
as questões de gênero, sexualidade, raça e classe, pois se articulam de forma
estrutural. O que busco dizer com isso é que, ao teorizar sobre lugar de fala,
precisamos compreender que questões como machismo, racismo, homofobia e
capitalismo sempre atravessarão e constituirão um mecanismo de exclusão e
opressão que deve ser combatido de forma indissociável.
O fundamental é que indivíduos pertencentes ao grupo social privilegiado em termos de locus social, consigam enxergar as hierarquias produzidas a partir desse lugar e como esse lugar impacta diretamente na constituição dos lugares de grupos subalternizados. (RIBEIRO, 2017. p 85).
Ribeiro defende que todas as pessoas possuem lugares de fala, porque
este é um conceito ligado à localização social. Neste contexto, o lugar de fala
não trata apenas da possibilidade de ouvir outras vozes, mas também de
interromper a exclusividade dada às vozes dos grupos privilegiados e
hegemônicos.
90
Capítulo 4 – AFRICANIDADES NA SOCIEDADE BRASILEIRA; A QUESTÃO
CULTURAL COMO MARCA DA IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL
4.1 IDENTIDADE
Sobre identidade, vejamos o que as ciências sociais e a psicologia social
apresentam como conceituação para este termo. Gomes, em seu artigo “Alguns
termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: Uma
breve discussão”, posiciona-se dizendo que a enorme popularização do termo
identidade tem difundido cada vez mais a sua utilização, encorajando seu uso
mais relaxado e irresponsável (GOMES, 2003, p. 40).
Para a autora,
A identidade não é algo inato. Ela se refere a um modo de ser no mundo e com os outros. É um fator importante na criação das redes de relações e de referências culturais dos grupos sociais. Indica traços culturais que se expressam através de práticas linguísticas, festivas, rituais, comportamentos alimentares e tradições populares referências civilizatórias que marcam a condição humana. [...] a identidade não se prende apenas ao nível da cultura. Ela envolve, também, os níveis sócio-político e histórico em cada sociedade. (GOMES, 2003. P. 41)
Neste contexto, d’Adesky (2001) apud Gomes (2002) afirma que, para se
constituir a identidade, pressupõe-se interação, a ideia que o indivíduo faz de si
mesmo e do outro. Dessa forma, a identidade não pode ser construída no
isolamento. Ela se constitui no diálogo tanto interior quanto exterior.
Munanga (2006) também define a identidade da mesma forma:
A identidade é uma realidade sempre presente em todas as sociedades humanas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico sempre selecionou alguns aspectos pertinentes de sua cultura para definir-se em contraposição ao alheio. A definição de si (autodefinição) e a definição dos outros (identidade atribuída) têm funções conhecidas: a defesa da unidade do grupo, a proteção do território contra inimigos externos, as manipulações ideológicas por interesses econômicos, políticos, psicológicos, etc. (MUNANGA, 2006, p.17).
91
Assim, de acordo com estes autores, a identidade se constitui a partir da
autodefinição, da definição do outro, e da relação que se tem com o coletivo.
Para Ciampa (1984), identidade é movimento, é o desenvolvimento do
concreto, é metamorfose. Na concepção deste autor, a identidade “é sermos o
Um e um Outro, para que cheguemos a ser Um, numa infindável transformação.”
Dessa forma, cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando
uma identidade pessoal. Uma história de vida, um projeto de vida no
emaranhado das relações sociais. Ciampa afirma ainda que uma identidade
concretiza uma política, dá corpo a uma ideologia. E, dessa forma, o conjunto de
identidades constitui a sociedade, ao mesmo tempo em que cada uma delas
também é constituída pela sociedade. O autor acredita que a identidade não
deve ser vista como questão apenas científica, nem meramente acadêmica: é
sobretudo uma questão social, uma questão política.
Ciampa (1984) entende que a diferença e a igualdade são ingredientes
presentes no processo de constituição da identidade. Assim, vamos nos
diferenciando e nos igualando à medida em que vamos nos relacionando
socialmente. Ou seja, são as diferenças que distinguem os indivíduos e os
aproximam de grupos dos quais se tem a sensação de pertencimento, e
proporcionam a percepção de igualdade enquanto membro daquele determinado
grupo social.
A concepção do psicólogo Antônio Costa Ciampa (1984) com relação à
identidade é fundamental para o desenvolvimento deste estudo, uma vez que,
ao considerar a identidade como um processo construtivo – não sendo, dessa
forma, algo pronto e atemporal – o autor possibilita o entendimento de que a
identidade se relaciona de forma direta com o meio – e, por essa razão, está em
constante metamorfose. Ciampa (2007) afirma que “identidade é o
reconhecimento de que é o próprio de quem se trata; é aquilo que prova ser uma
pessoa determinada, e não outra.” Na concepção do autor, possuímos várias
identidades que são utilizadas separadamente, em momentos distintos.
Contudo, a pessoa é uma totalidade e, nesses momentos, o que ocorre é a
manifestação de uma parte da unidade. Mesmo com as diferentes identidades e
92
as constantes metamorfoses, a nossa identidade é uma totalidade contraditória,
mutável e múltipla, mas continua sendo una.
A afirmação de que esta concepção é a que mais se aproxima do que
pretendemos a partir deste estudo se deve ao fato de termos buscado conhecer
o processo de constituição da identidade dos adolescentes a partir do contato
com a história e cultura africanas e afro-brasileiras na escola. A ideia foi entender
como isso toca os adolescentes, de que forma essa relação ocorre e em que
medida influencia a constituição das identidades desses adolescentes.
4.1.1 Identidade Negra
O que dizem os intelectuais acerca da identidade negra?
Souza (1983, p.77) afirma que o negro brasileiro não possui uma
identidade positiva que possa afirmar ou negar, e explica que isso se dá porque
nascer com a pele preta e compartilhar uma mesma história que remete à
escravidão, ao desenraizamento e à discriminação racial, por si só, não organiza
uma identidade negra. Nesse sentido, a autora acredita que a identidade negra
é uma construção que só se inicia quando se toma consciência do processo
ideológico que aprisiona negros e negras numa imagem alienada e negativa.
Assim, Souza defende que ser negro ou constituir uma identidade negra é tomar
posse desta consciência, é uma tarefa política que exige a contestação do
modelo estabelecido – que impõe um lugar ao negro. Dessa forma, para a
autora, ser negro não é uma condição – é um vir a ser, ou o que chama de
“tornar-se negro”.
Para Gomes (2002), a identidade negra deve ser entendida como:
“uma construção social, histórica e cultural repleta de densidade, de conflitos e de diálogos. Ela implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da relação com o outro. Um olhar que, quando confrontado com o do outro, volta-se sobre si mesmo, pois só o outro interpela nossa própria identidade. A identidade negra é também uma construção política. Por isso, ela não pode ser vista de forma idealizada ou romantizada. O que isso significa? Significa que, no contexto das relações de poder e dominação vividas historicamente pelos negros, no Brasil e na diáspora, a construção de elos simbólicos vinculados à uma matriz cultural africana tornou-se um imperativo na trajetória de vida e política
93
dos(as) negros(as) brasileiros(as). Ser negro e afirmar-se negro, no Brasil, não se limita à cor da pele. É uma postura política.” (GOMES, 2002, p. 39)
Gomes (2003) acrescenta que é no âmbito da cultura e da história que,
enquanto sujeitos sociais, definimos as identidades. A autora coloca
‘identidades’ por acreditar que todas essas identidades (de gênero, sexuais,
raciais, de classe...) se constituem da mesma forma: a partir da relação que se
tem com grupos sociais, com instituições, e de como essas situações se
apresentam e a forma com que reagimos a elas. Ainda segundo a autora,
reconhecer-se numa identidade supõe responder afirmativamente a uma
interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de
referência.
Segundo Gomes (2003), a identidade negra:
se constrói gradativamente, num movimento que envolve inúmeras
variáveis, causas e efeitos, desde as primeiras relações estabelecidas
no grupo social mais íntimo, no qual os contatos pessoais se
estabelecem permeados de sanções e afetividades e onde se
elaboram os primeiros ensaios de uma futura visão de mundo.
Geralmente este processo se inicia na família e vai criando
ramificações e desdobramentos a partir das outras relações que o
sujeito estabelece. (GOMES, 2003)
Gomes acredita que a identidade negra é uma construção social, histórica,
cultural e política. Implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de
sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial, sobre si mesmos, a
partir da relação com o outro. A autora conclui que:
a identidade negra também é construída durante a trajetória escolar, e
que, portanto, a escola tem a responsabilidade social e educativa de
compreendê-la na sua complexidade, respeitá-la, assim como às
outras identidades construídas pelos sujeitos que atuam no processo
educativo escolar, e lidar positivamente com a mesma. (GOMES, 2003)
Neste mesmo sentido, Zubaran e Silva (2012) nos alertam que o
pertencimento precede a construção da identidade. Para as autoras, a
desumanização dos negros a partir das teorias raciais, a constituição do racismo,
a ideologia de democracia racial e o discurso de branqueamento são algumas
94
das questões que dificultam a obtenção do sentimento de pertença da
comunidade negra. Dessa forma, a constituição da identidade da comunidade
afrodescendente é comprometida de forma significativa, uma vez que:
Os negros só teriam chance de reconhecimento e ascensão social caso se assimilassem à cultura branca. Desse modo, na perspectiva da democracia racial, passava-se a associar pertencimento étnico-racial de raiz europeia à obtenção de sucesso na sociedade brasileira. (ZUBARAN E SILVA, 2012)
Também nessa linha, Ferreira (2000) acredita que a identidade é uma
construção. Como tal, faz-se a partir de experiências pessoais que ocorrem
numa articulação de sua visão de mundo e de si mesmo, sendo incluídos seus
conceitos, crenças, ideias, atribuições de si e de seu ambiente físico e social.
Para o autor, é como se o homem construísse teorias pessoais sobre o que lhe
rodeia – tanto material quanto socialmente –, e essas teorias passam a guiar e
referenciar seu relacionamento social, favorecendo um ambiente seguro para
seus projetos individuais e coletivos.
Ferreira explica que “a experiência psicológica encerra um caráter de
construção permanente, em que as especificidades das experiências pessoais
determinam a maneira como o indivíduo constrói suas referências de mundo” –
ou seja, sua identidade. Dessa forma, a identidade é uma referência em torno da
qual a pessoa se constitui. É importante dizer que essa experiência não é
estática, mas um processo dinâmico, sempre associado a mudanças e a
(re)construções a partir das referências e experimentações individuais e
coletivas.
Em relação à construção da identidade afrodescendente, Ferreira (2000)
se ancora em estudos anteriormente realizados para apresentar o
desenvolvimento da identidade afrodescendente em quatro estágios: submissão;
impacto; militância; e articulação.
Esta divisão apresentada por Ferreira nos permite compreender como se
dá o desenvolvimento da identidade afrodescendente de maneira muito
interessante, pois apresenta, em cada estágio, a ocorrência de processos
transitórios na construção da subjetividade.
95
No estágio de submissão, o afrodescendente se submete às crenças e
valores da cultura branca, eurocêntrica e dominante, assimilando a ideia de que
o branco é certo e o negro é errado – sendo que esta internalização de
estereótipos negativos ocorre de maneira inconsciente.
O tema geral, em torno do qual as pessoas neste estágio se articulam, corresponde a uma idealização da visão dominante de mundo branco, visto como superior. Em decorrência, há uma desvalorização do mundo negro ou uma tendência dos indivíduos a assumirem como insignificante para suas vidas o fato de serem afro descendentes. (FERREIRA, 2000)
Para que essa concepção se mantenha, o afrodescendente desenvolve
formas de se dissociar, afastando-se de referências negras das quais faz parte,
e assimilando valores brancos. Acontece aqui uma negação do pertencimento –
ou seja, o indivíduo busca se afastar daquilo que lhe determina a pertença.
Ferreira afirma que, neste estágio, é comum os indivíduos encararem as
categorias raça e etnia como problema de estigma, desenvolvido pela
discriminação racial.
No estágio de submissão, o afrodescendente busca fugir de tudo o que
pode relacioná-lo às suas raízes étnico-raciais, tentando se aproximar ao
máximo de valores eurocêntricos, negando a existência do racismo e valorizando
a ideologia de democracia racial.
“Porque aprender sobre indígenas e africanos é inútil”
Participante: 231; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado: SP;
Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio.
“Pois o assunto não me interessa.” Participante: 216; Sexo:
Masculino; Raça/ cor: Preta; Estado: PR; Escola: Pública; 3º Ano -
Ensino Médio.
“Não, pois eu entendo que isso esteja me rotulando e eu acredito
que isso até seja algo racista” Participante: 225; Sexo: Masculino;
Raça/ cor: Preta; Estado: RJ; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
As falas dos adolescentes 231, 216 e 225, ilustram bem a forma de pensar
do negro na fase de submissão. Observe que ao afirmar que aprender sobre
indígenas e africanos é inútil, o adolescente tenta se colocar numa posição de
distanciamento, tenta se aproximar dos valores brancos numa tentativa de se
auto afirmar como diferente. O mesmo acontece com o estudante 216 ao afirmar
96
que o assunto não o interessa, isso porque para ele o assunto não lhe afeta, não
lhe toca e por essa razão não vê a necessidade de discuti-lo. Já o adolescente
225, vai além ao afirmar que isso o rotula e portanto se configura como algo
racista, uma vez que, ele mesmo não deseja ser destacado enquanto negro,
dessa forma percebemos a tentativa de um distanciamento que, para ele pode
lhe aproximar dos valores da branquitude.
No estágio de impacto, o afrodescendente começa a perceber as
questões raciais e a descobrir o grupo étnico-racial ao qual pertence. O indivíduo
que se encontra no estágio de impacto tende a permanecer nele até que ocorra
uma experiência que rompa a sua resistência. “É o momento no qual torna-se
impossível negar a não aceitação por parte do “mundo branco””. São
experiências que destroem a visão de mundo presente, aplicando um choque de
realidade e apresentando novos sentidos. É um momento de espanto, o
momento de tomada de consciência quanto a sua condição racial num mundo
dominado por uma visão do branco. Ferreira nos mostra que o “estágio de
impacto passa a desenvolver-se no indivíduo a partir do momento da tomada de
consciência da discriminação, sofrida ao longo da vida, exercida pelo grupo de
hegemonia branca.”
O estágio de militância, por sua vez, caracteriza-se por ser o momento de
construção de uma identidade afro-centrada:
Após o período de conflito no qual o afro-descendente vê desarticular-se a estrutura de subjetividade provedora de sustentação e segurança, inicia-se um processo de intensa metamorfose pessoal, em que ele vai, gradualmente, demolindo velhas perspectivas e, ao mesmo tempo, passa a desenvolver uma nova estrutura pessoal referenciada em valores etno-raciais de matrizes africanas. (FERREIRA, 2000)
Este é o momento em que a pessoa se decide por uma mudança: ela já
tem familiaridade com os aspectos da identidade a serem desconstruídos,
contudo não conhece a estrutura daqueles que precisará formar. “A estrutura
pessoal entra em colapso e suas referências passam a ser valoradas de maneira
negativa”. Esta é uma situação muito incômoda, pois a pessoa não tem
referências muito definidas de como tornar-se negra. Neste estágio, são comuns
97
comportamentos radicalizados e obsessivos, e uma ideologia pouco flexível e
muitas vezes dicotômica.
Durante o estágio de articulação, a pessoa “passa a desenvolver uma
perspectiva afro-centrada não estereotipada, com atitudes voltadas à
valorização das qualidades referentes à sua negritude mais abertas e menos
defensivas”. Percebe-se aí a pertença: o grupo negro passa a ser sua maior
referência.
As pessoas neste estágio são mais abertas à articulação com outros
grupos, mantendo suas características e negritude – porém favoráveis ao
diálogo e à compreensão do diferente. É nesse estágio que a pessoa consegue
se perceber mudada, e altera seu grupo de referência – que se encontra então
completamente enraizado na cultura negra.
A conceituação destes estágios será importante, mais adiante, para a
compreensão de algumas falas dos adolescentes afrodescendentes e para o
entendimento dos estágios de constituição da identidade pelos quais eles
possivelmente podem estar transitando.
Hall (2006) nos diz que a identidade – no contexto sociológico – é a
combinação entre o interior e o exterior, entre o mundo pessoal e o público. Para
ele,
O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos os seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinharmos nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade então costura [...] o sujeito à estrutura. (HALL, 2006 p. 11 -12)
Em resumo, nossas identidades são moldadas a partir do que tomamos
como pertença, e das representações que fazemos de nós mesmos, da estrutura
social e do que nos é apresentado enquanto sujeitos. Neste sentido, a partir do
desenvolvimento de um questionamento sobre a constituição da identidade dos
adolescentes, buscamos compreender de que forma o conteúdo relacionado às
relações étnico-raciais pode ter impactado a constituição de suas próprias
identidades.
98
A partir do diálogo com estes autores, tomaremos como processo
construtivo para este estudo a visão da identidade como uma construção que
engloba os âmbitos da estrutura social, política e cultural dos indivíduos – isto é,
partimos da compreensão de que a identidade se constitui e se constrói numa
interligação e no equilíbrio destes componentes.
4.1.2 O que dizem os Adolescentes quanto ao Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileiras e Africanas e a constituição de suas identidades?
Neste tópico optamos por trazer dados que ilustram o que os
adolescentes disseram a respeito do estudo das africanidades, dessa forma
utilizamos os dados extraídos a partir de duas questões que compuseram o
questionário respondido pelos adolescentes . A primeira é apresentada a seguir,
no gráfico 13, e analisamos seu desdobramento na sequência – ou seja, o que
os adolescentes participantes da pesquisa disseram ao serem convidados a
justificar sua resposta.
99
Gráfico 13 – Resposta dos participantes da pesquisa à pergunta: “Você acha que ter contato com Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas impactou o modo como você constitui sua própria identidade?”
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
Dos estudantes que responderam que ter contato com o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas não impactou o modo como
constituem sua própria identidade (31%), observamos que 47,4% são do sexo
feminino, e 52,6%, do masculino; 54,1% são brancos; 36,7%, pardos; 6%, pretos;
0,5% são indígenas; e 2% se autodeclaram asiáticos. Quanto à região em que
residem, cruzamos os dados para verificar o percentual destes adolescentes que
se encontra nos estados Sul e Sudeste: 69,2% dos pretos, 62,5% dos pardos e
84% dos brancos. Esses dados nos mostram que a maioria dos estudantes que
dizem não ter sido impactados pelo estudo de história e cultura africanas – sejam
eles pardos, brancos ou pretos – reside nas regiões Sul e Sudeste. Isso nos
remete a uma questão apresentada anteriormente: nestas regiões, o processo
de constituição da identidade não ocorre da mesma forma que nas demais. Esse
fato também sugere que a implementação da Lei n°10.639 não obedece aos
mesmos parâmetros ou não acontece de forma efetiva nas diversas regiões do
país.
Quanto aos 69% dos adolescentes que disseram ter sido impactados pelo
100
estudo das africanidades temos que: 70% deles são oriundos de escolas da rede
pública; 30% da rede privada; 47% são negros, 50% se autodeclararam brancos,
asiáticos e indígenas aparecem com a margem de 1,5% cada. Estes dados nos
mostram que dentre os que se sentiram impactados pelo estudo das
africanidades o percentual de branco é ligeiramente maior, mais adiante
traremos discussões que evidenciam de que forma estes adolescentes disseram
ter sido impactados.
Ao justificarem a resposta da questão anterior, em espaço disponível para
discorrerem em formato de livre redação, várias foram as explicações.
Passaremos a apresentar estas respostas tentando, a partir delas, promover
uma discussão em diálogo com as teorias que achamos importantes para a
compreensão destas questões.
Resgatamos aqui nossas hipóteses de pesquisa, pois agora
conseguimos, de forma mais concreta, apresentá-las através do que disseram
os adolescentes.
Nossa primeira hipótese é a de que a Lei n°10.639/03 ainda não está
totalmente implementada em todas as escolas; isso pode ser comprovado pelas
questões anteriores já discutidas, e é reafirmado a partir das respostas dos
estudantes disponibilizadas a seguir.
Nossa segunda hipótese é a de que o ensino de história e cultura
africanas e afro-brasileiras, quando bem desenvolvido pela escola, pode
impactar positivamente a construção da identidade de estudantes negros e
brancos.
A terceira hipótese presume que a análise da trajetória escolar de jovens
cuja escolarização coincide com a vigência da Lei pode nos oferecer importantes
dados sobre a questão;
E nossa última hipótese assume que os jovens são sujeitos sociais,
informantes importantes sobre elementos da sociedade em que vivem, e,
sobretudo, os maiores conhecedores dos elementos que dizem respeito às suas
vidas – portanto, seus pontos de vista constituem uma parte da história que deve
ser considerada nas pesquisas sobre a questão.
Categorizamos a seguir alguns grupos de respostas que buscam elucidar
nossas hipóteses. O primeiro se refere à ausência de abordagem ou à
101
abordagem insuficiente dos conteúdos relacionados à Lei n°10.639: as
respostas que se relacionavam ao fato de os adolescentes afirmarem que não
tiveram ou não se lembravam de ter estudado sobre as relações étnico-raciais.
A pergunta que gerou esta reflexão foi o desdobramento do
questionamento sobre se os estudantes foram impactados pelo estudo de
história e cultura africanas e afro-brasileiras. As respostas a seguir representam
as justificativas dos adolescentes que responderam de forma negativa ao
questionamento citado.
“Porque foram coisas bem superficialmente vistas.” Participante:
29; Sexo: Feminino; Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 9º Ano do
Ensino Fundamental.
“Foram insuficientes para causar tal impacto em minha vida.”
Participante: 94; Sexo: Feminino; Raça/cor: Parda; Escola: Pública;
Ensino médio.
“As atividades escolares não foram tão influentes assim.”
Participante: 25; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: SC;
Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.
“Pois não foi nada aprofundado para me provocar a questionar
sobre.” Participante: 367; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Preta; Estado:
BA; Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.
“Não consigo me lembrar por ser superficial as atividades na
escola.” Participante: 376; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado:
SP; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
“Pois não me lembro.” Participante: 331; Sexo: Feminino; Raça/ cor:
Amarela (asiático); Estado: ES; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
“Acho que não foi muito efetivo pois eu estudei sobre a África
apenas nas aulas de história. Não houve nenhum tipo de incentivo
sobre tais assuntos.” Participante: 350; Sexo: Feminino; Raça/ cor:
Parda; Estado: RJ; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.
Estas participantes, todas de escola pública, ressaltam a superficialidade
do conteúdo trabalhado como justificativa por não se sentirem impactadas ou
influenciadas de maneira significativa. Algumas chegam a dizer que não se
lembram devido à superficialidade com que o conteúdo aparece no currículo,
não produzindo assim nenhuma marca que as fizessem lembrar de ter ao menos
discutido a história da África e dos afrodescendentes. Além disso, também
percebemos, a partir da fala da participante 350, a limitação das discussões à
disciplina de história. Mais uma vez, apresentamos nossas preocupações com
102
as especificações expressas na Lei, que abrem margem para dupla
interpretação ao afirmarem que os conteúdos devem ser trabalhados
preferencialmente nas disciplinas de história, educação artística e literatura.
“[...] Na escola não lidamos muito com essas questões, quanto
deveria.” Participante: 44; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Parda; Estado:
MG; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
“Tudo o que sei da minha raça, aprendi com a vida, sem a ajuda
da escola.” Participante: 51; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Parda;
Estado: RS; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
Para a participante 44, a escola trabalha menos do que deveria estas
questões. Esta visão é compartilhada com a participante 51, autodeclarada
parda, que acrescenta que tudo que aprendeu sobre a sua raça se deu com a
vida, afirmando que a escola não a ajudou nesse processo.
“Nada.” Participante: 61; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado:
PE; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
O estudante 61 foi categórico ao afirmar que não aprendeu “nada”. Esta
resposta nos deixou bastante intrigados, tendo em vista que ele poderia ter dito
que não aprendeu nada ainda que o conteúdo tivesse sido trabalhado. Sendo
assim, buscamos maiores informações no formulário preenchido por ele, e
percebemos que este participante disse nunca ter ouvido falar sobre a Lei
n°10.639/03 e acredita que ter conhecimento da mesma não mudaria nada em
sua vida. No entanto, o mesmo estudante declara já ter sofrido ações racistas
fora do ambiente escolar, ao mesmo tempo em que relata também ter tido
atitudes racistas em algum momento de sua vida. Percebemos aqui um
desinteresse por parte do estudante em falar sobre as questões raciais que o
afligem, mesmo tendo se autodeclarado pardo. Nesse sentido, podemos verificar
uma revolta por parte dele quanto ao trato de questões relacionadas a sua
própria identidade. Contudo não temos elementos suficientes para aprofundar
uma análise teórica, tendo em vista que as respostas oferecidas pelo participante
foram sempre muito curtas e sem argumentação. Soma-se a isso o fato de que
a pesquisa aconteceu a partir do preenchimento de um questionário on-line, e
não tivemos contato direto com o estudante.
“Foram baseadas em outros fatores.” Participante: 92; Sexo:
Masculino; Raça/ cor: Preta; Estado: PR; Escola: Privada; 3º Ano -
103
Ensino Médio.
O estudante 92, de escola da rede privada, autodeclarado preto, afirma
que as atividades trabalhadas na escola foram baseadas em outros fatores –
visão consonante à apresentada pelo estudante 140, também oriundo de escola
da rede privada, que justifica que a escola apresentou conceitos voltados para
os aspectos históricos com o objetivo de atender às exigências dos vestibulares.
“Obtive apenas conhecimentos históricos a ponto de saber o que
cai no vestibular, não a ponto de entender e refletir.” Participante:
140; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP; Escola: Privada;
2º Ano - Ensino Médio.
Outra estudante da rede privada de ensino declara:
“Achei muito interessante, porém não houve aprofundamento no
Ensino Médio.” Participante: 171; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca;
Estado: RJ; Escola: Privada; 3º Ano - Ensino Médio.
Estas afirmações nos fazem pensar sobre como a rede privada tem
percebido a implementação da Lei n°10.639/03 nos seus currículos. Parece
haver uma preocupação muito mais contundente com o conteúdo a ser abordado
pelo sistema de admissão de estudantes nas universidades do que com o próprio
processo de educação destes adolescentes. Cabem aqui alguns
questionamentos: como as universidades públicas e privadas e o Governo
Federal têm visto a Lei n°10.639/03?
“Porque eu não lembro.” Participante: 121; Sexo: Feminino; Raça/
cor: Parda; Estado: SP; Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.
“Porque não deram devida importância.” Participante: 141; Sexo:
Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP; Escola: Privada; 2º Ano -
Ensino Médio.
“Nunca participei por conta própria, sempre foram trabalhos,
seminários e projetos que computavam pontos.” Participante: 234;
Sexo: Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado: SP; Escola: Privada; 1º
Ano - Ensino Médio.
Também nos causou bastante incômodo o fato de que muitos
adolescentes apresentaram visões estereotipadas da África e do estudo de
história e cultura africanas e afro-brasileiras – principalmente porque a proposta
da implementação destes conteúdos no currículo escolar buscava exatamente
extinguir este tipo de visão, que já vinha sendo reforçado pela escola há
décadas. No entanto, o que vemos nas falas de vários estudantes nos aponta o
104
contrário.
“Porque eles passam fome, sede e nós temos coisas melhores
para viver.” Participante: 19; Sexo: Masculino; Raça/cor: Parda;
Escola: Pública; 8º Ano do Ensino Fundamental.
“Porque eles têm o estilo de vida diferente do atual.” Participante:
20; Sexo: Feminino; Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 8º Ano do
Ensino Fundamental.
“Vivo no futuro não penso no passado não vou mudar minha
forma de agir numa coisa de séculos atrás.” Participante: 45; Sexo:
Masculino; Raça/cor: Parda; Escola: Privada; 9º Ano do Ensino
Fundamental.
A visão apresentada por estes adolescentes nos remete a um continente
que vive em miséria e conflitos assustadores, em que a fome é o cartão postal –
enquanto aqui temos uma vida completamente diferente, pois temos melhores
condições para viver. Este pensamento abre margem para que o continente
africano continue sendo visto como um local desprovido de riquezas naturais e
culturais, e amplia a desumanização atribuída ao povo africano – enfim, reforça
todos os estereótipos que já são comuns desde os tempos de escravização do
povo africano.
As ideologias raciais de supremacia branca e inferioridade negra, do
ponto de vista científico, foram rechaçadas e não se configuram como teorias
válidas na atualidade. Contudo deixaram um legado de desumanização. Fanon
(2008) relata que elas alimentam o racismo até os dias atuais. Este processo de
desumanização, no entanto, não acomete apenas aos negros: é um processo
que desumaniza negros e brancos e está enraizado no ideário racial que
atravessa, em diversos momentos, a constituição das identidades.
Isso pode ser visto nas falas dos estudantes de forma positiva, quando
dizem que estudar as questões relacionadas à história africana e afro-brasileira
os tornou “mais humanos”.
“Estes tipos de ensinamentos nos ajudam a ser "mais humanos"”
Participante: 87; Sexo: Feminino; Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 7º
Ano do Ensino Fundamental.
“Porque percebi que sou igual a todos” Participante: 136; Sexo:
Feminino; Raça/cor: Parda; Escola: Privada; 8º Ano do Ensino
Fundamental.
105
Ao afirmar que percebeu que é “igual a todos”, a participante 136 nos
sinaliza que sua construção ideológica das relações raciais anteriores lhe
embutia uma inferioridade que a fazia pensar que não seria “igual a todos” do
ponto de vista de direitos. Dizemos isso porque, do ponto de vista de
individualidades e subjetividades, sabemos que ninguém é igual ao outro.
“Me fez pensar sobre o sofrimento que eles passaram e ainda
passam, e ter a noção de que isso deve mudar já que também são
seres humanos iguaizinhos a qualquer outro.” Participante: 10;
Sexo: Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado: SP; Escola: Privada; 2º
Ano - Ensino Médio.
O estudante identificado com o número 10 traz em sua fala a percepção
de que a desumanização dos povos negros ainda se faz presente, e busca
argumentar que o sofrimento pelo qual os negros passaram (supomos que ele
se refira ao período de escravização) deve ter fim, justificando que “são seres
humanos iguaizinhos a qualquer outro.” Um ponto curioso nesta declaração é
que o estudante se autodeclara pardo, mas trata os negros como sendo os
outros – numa tentativa de se ausentar desta categorização da qual ele não se
sente pertencente. Neste sentido, através do artigo “Diversidade, diferença e
mal-estar: ensaio para novos modos de pensar o ato educativo”, desenvolvido
por Souza e Tebet (2017), buscamos compreender esta noção de outro. As
autoras constroem o artigo a partir de um diálogo com Freud, Foucault e
Deleuze. Na visão das pesquisadoras, a questão do outro, do estrangeiro, nasce
como forma de controlar e manter a ordem das coisas – uma vez que a
convivência com grupos ou indivíduos em que se nota uma diferença, ou seja,
aqueles que não reconheço como membros do meu grupo, devem ser
controlados numa tentativa de não destruir a ordem constituída. As
pesquisadoras exemplificam sua argumentação com a ideia das fraternidades,
que,
[...] nesse sentido, podem ser compreendidas como uma dessas
formas de controle. Como agremiações humanas não permitem a
diferença fora de um laço forte de união em torno de um conjunto de
princípios e/ou de práticas que os identifiquem como sendo do mesmo
partido, da mesma raça, do mesmo time, crentes da mesma fé etc. É
um misto de ódio e de amor (admiração, inveja etc.) que une os
semelhantes contra o estrangeiro, porque este põe a nu a
arbitrariedade das regras, mantidas por convenção ou acordo; de fato,
o estrangeiro mostra que outras formas de existência e de gozo são
106
possíveis, formas que uma fraternidade duramente se empenhou em
reprimir para se manter una. Em outras palavras, a segregação funda
a fraternidade [...] (SOUZA; TEBET, 2017).
O artigo segue apresentando as inúmeras formas de demonstração de
controle e manutenção do poder que se constituem a partir do não
reconhecimento e aceitação das diferenças, aliadas “às certezas” ideológicas
apresentadas por ativistas políticos que instigam “o ódio e a morte – mesmo
simbólica – do outro considerado maléfico (o problema é sempre do outro, que
insiste e resiste em não ser cópia ou modelo daquele que o mira)” (SOUZA;
TEBET, 2017).
As pesquisadoras concluem o artigo destacando que:
[...] a pacificação das diferenças nos faz reproduzir o mesmo e nos torna o mesmo; a pacificação do conflito, sua negação ou conciliação fraterna, impede-nos de receber o estrangeiro que somos para nós mesmos e em relação àquele que nos afronta com seu olhar. (SOUZA; TEBET, 2017)
Dizendo de outro modo, é necessário que possamos compreender que as
diferenças que constituem o outro não nos distanciam, nem nos desumanizam.
São apenas outras formas de constituição do ser, de leitura de mundo e/ou de
compreensão do cosmos.
Nogueira (2014), no artigo “Políticas de identidade, branquitude e
pertencimento étnico-racial”, traz outro olhar acerca desta questão. A partir de
uma perspectiva de visão de mundo africana, a autora faz uma importante
explanação a respeito do pertencimento. Para ela,
Dentro da especificidade da luta pela humanização, reconhecimento e emancipação, tanto de brasileiros descendentes de europeus quanto de descendentes de africanos, o sentimento de pertencimento étnico-racial torna-se um fator-chave para a constituição de uma identidade política afirmativa (emancipatória) tanto para afro-brasileiros, colonizados e negros quanto para descendentes de europeus, colonizadores e brancos. (NOGUEIRA, 2014, p.56)
Nogueira diz ainda que a compreensão do pertencimento étnico-racial
está diretamente relacionada ao entendimento de pertença ao gênero humano.
Ou seja, sentir-se parte ou pertencer a um grupo de pessoas pressupõe
entender-se enquanto ser humano. Porém, para a autora, esta relação não é
107
algo simples – pois nem toda relação entre pessoas constitui processos de
humanização. Neste sentido, Nogueira apresenta um paradigma africano que
traduz o que significa ser humano: “a pessoa só se pode reconhecer como
humana a partir do momento em que reconhece a humanidade do Outro ou das
outras pessoas”. Dessa forma, ainda segundo a autora, ao perceber outras
pessoas como humanas, reconheço a minha própria humanidade e a partir daí
posso desenvolver o sentimento de que pertencemos coletivamente ao gênero
humano.
Assim, quanto às relações étnico-raciais, Nogueira diz que a incapacidade
de compreender e reconhecer que outras pessoas podem ter outras origens e
pertencer a outras culturas e serem tão humanas quanto as outras significa a
incapacidade de reconhecer que a minha origem e a minha pertença cultural não
são as únicas no mundo.
As falas abaixo exemplificam o que Nogueira apresenta como
pertencimento étnico-racial:
“Pois eu não sou que nem eles” Participante: 47; Sexo: Feminino;
Raça/ cor: Parda; Estado: PR; Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio.
“Porque me ensinou que não existe uma etnia-racial inferior do
que a minha” Participante: 318; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca;
Estado: SP; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.
Quando observamos as falas da estudante 47 e do participante 318,
percebemos muito nitidamente a existência dessa desumanização – em
situações distintas. Na primeira, a estudante afirma não ser “que nem eles” – o
que deixa nítida sua visão desumanizada da questão étnico-racial e seu
desprezo pela temática. Salientamos que a estudante 47 é oriunda de uma
escola da rede privada, residente no estado do Paraná, e, mesmo afirmando não
ser “que nem eles”, se autodeclara parda – portanto é considerada negra.
Contudo sua declaração conota uma desumanidade que, como já dissemos, não
acomete apenas aos brancos.
No segundo caso, o estudante apresenta como argumento o fato de que,
ao estudar sobre a história e cultura africanas e afro-brasileiras, teve a
possibilidade de perceber e de reconhecer a humanidade do outro – resgatando
assim, de acordo com a visão africana, sua humanidade.
108
A visão de desumanização do ser se configura em formas muito cruéis de
imprimir sofrimento e opressão ao outro, como podemos observar nas falas a
seguir:
“Porque quando se é negra, em uma sala onde a maioria é branco,
as vezes você deseja ter nascido de outra cor” Participante: 351;
Sexo: Feminino; Raça/ cor: Preta; Estado: MG; Escola: Pública; 1º Ano
- Ensino Médio.
O que podemos perceber a partir deste relato é que a estudante se
envergonha e sofre pelo fato de ser negra numa realidade que valoriza a
branquitude como modelo de beleza, inteligência e humanidade. Esta
desumanização se apresenta de forma tão hostil que a estudante –
autodeclarada preta – deseja ter nascido de outra cor para, provavelmente, evitar
passar por situações que são desagradáveis e agressivas.
Na fala do adolescente 152, é possível perceber que o contato com uma
educação antirracista possibilitou que ele se percebesse enquanto ser humano,
reconhecendo sua própria humanidade e se desvencilhando de uma visão que
o oprimia e imprimia nele o papel de subalterno, ao qual foi submetido e ensinado
por sua cor.
“Pude me enxergar e me ver pertencente como coisa boa. Não só
para coisa ruim. Achava que meu papel seria o de servir, como fui
ensinado.” Participante: 152; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Preta;
Estado: RJ; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.
Também como argumentação, encontramos alguns adolescentes que
buscavam justificar seus relatos na ideologia de democracia racial – que até hoje
reverbera no imaginário brasileiro.
“Somos todos iguais.” Participante: 99; Sexo: Feminino; Raça/ cor:
Parda; Estado: MG; Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.
“Eu sempre tive amigos de várias raças.” Participante: 174; Sexo:
Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: PR; Escola: Pública; 2º Ano -
Ensino Médio.
Para esses participantes, o fato de sermos “todos iguais” ou de termos
“amigos de várias raças” são suficientes para que a temática não seja
desenvolvida no contexto escolar. Na visão deles, isso já configura, por si só,
que vivemos numa democracia racial – portanto não seria necessário apresentar
109
como conteúdo na educação básica as abordagens sobre a constituição do povo
brasileiro. Almeida (2018), ao apresentar a concepção individualista de racismo,
nos permite compreender visões como a apresentada pelo estudante 174: o
racismo é justificado como um ato individual ou de um grupo, e que, por essa
razão, é visto como patológico e irracional – mascarando assim a forma
estrutural com que ele se desenvolveu no bojo da nossa sociedade.
Argumentações como as apresentadas por estes adolescentes foram
responsáveis por muito tempo pela perpetuação do racismo, pela naturalização
das desigualdades e pela culpabilização das vítimas.
Ademais as africanidades ou mesmo a presença do negro na escola são
algo recente, como podemos ver no artigo “Movimentos negros e o direito à
educação: das lutas pelo acesso à implementação da lei 10.639/2003 no
contexto escolar brasileiro”, em que Campos e Tebet (2018) discutem o contexto
escolar brasileiro e as políticas voltadas para o campo da educação numa
contextualização histórica. Estes autores nos possibilitam compreender como o
Estado brasileiro foi responsável, ora por omissão e ora por imposição de leis,
pela perpetuação da discriminação e estruturação do racismo no país.
Na história da educação brasileira, destaca-se a maneira pela qual as
políticas públicas se emaranhavam aos interesses conservadores, que tinham
como objetivo dificultar o acesso de grupos étnicos – ou seja, as minorias. Dessa
forma, os grupos elitizados se perpetuaram no comando do “poder político,
econômico, social e impuseram a sua cultura por meio da ideologia de
superioridade, inferiorizando os africanos, afro-brasileiros e os povos indígenas”
(CAMPOS; TEBET, 2018). Ainda neste sentido, os autores pontuam que o
Estado brasileiro determinou quem poderia ter acesso à educação no país a
partir da criação de decretos e leis – como o Decreto nº 1.331 de Fevereiro de
1854, que versava sobre o perfil das pessoas que poderiam ser admitidas na
escola. Esse decreto limitava, por consequência, o acesso das pessoas
escravizadas – uma vez que proibiam a matrícula de meninos que não
estivessem contaminados com doenças contagiosas; que não estivessem
vacinados e escravos – cabe aqui destacar que o estudo só era permitido aos
homens. Ora, a população que se encontrava envolvida por estes critérios era
composta em sua grande maioria por negros escravizados. Na mesma linha,
110
seguem outros decretos, como o 7.031-A, de 06 de setembro de 1878, que cria
cursos noturnos para adultos nas escolas públicas – contudo esta criação se
limitava às escolas urbanas. Ou seja, não poderiam existir tais cursos nas
escolas periféricas, mais uma clara forma de limitar o acesso aos negros, uma
vez que estes residiam nas periferias e não tinham acesso facilitado às áreas
urbanas.
Os autores continuam a apresentar argumentos que evidenciam a
exclusão de negros e indígenas no processo educacional do país e, a partir
disso, percebem que:
[...] a nossa educação foi edificada, dentro de uma óptica restrita, com acesso quase impossível para os escravizados, e assim permaneceu ao longo da história, por meio de reorganização na tentativa de dificultar o acesso dos ex-escravizados e, por conseguinte dos afro-brasileiros [...].
Em meio a todo esse debate, percebemos que as classes dirigentes ao comandar os aparelhos do Estado não se preocuparam com o desenvolvimento de ações sociais que atendessem de maneira democrática a todos os cidadãos, mas estiveram preocupados apenas com os seus interesses exclusivos. Os detentores do poder político criaram dispositivos eficazes para barrar o acesso dos negros à educação [...]. (CAMPOS; TEBET, 2018)
Como consequências desse processo histórico no Brasil, os autores
afirmam que os negros tiveram suas vidas marcadas pela “exclusão,
discriminação, subserviência e opressão de um sistema econômico, político e
social cruel”, desenvolvido através de um “modelo de educação escolar que, ao
longo de nossa história, não soube dialogar com as diferenças étnico-raciais do
povo brasileiro” (CAMPOS; TEBET, 2018).
Por esta razão, não podemos ter uma visão romantizada das relações
raciais no Brasil, como a apresentada por Freyre (2003) no livro Casa Grande &
Senzala, uma vez que elas ainda se mantêm vivas no imaginário popular. Esta
é, sem dúvida, uma das razões pelas quais se faz necessário que outras histórias
sejam contadas no contexto escolar, para que crianças e adolescentes tenham
uma percepção diversa de como se configuram as relações racializadas no país.
O tópico apresentado, nos mostra algumas das reflexões relacionadas ao
111
que disseram os adolescentes quanto aos impactos que o estudo das
africanidades trouxe para suas vidas, no entanto, pudemos perceber que, de
acordo com o que eles apresentam, há muito que se aprimorar no que se refere
a abordagem do tema, isso porque na argumentação dos adolescentes é
recorrente a afirmação de que ou não aprenderam muita coisa, ou que os
conteúdos abordados foram superficiais. Este tipo de abordagem superficial, nos
possibilita perceber que, no imaginário desses adolescentes ainda permanece o
mito da democracia racial, o conceito de meritocracia e uma visão muito
estereotipada do continente africano. Entretanto, para alguns adolescentes,
principalmente para os autodeclarados pretos ou pardos o estudo das
africanidades funcionou como uma forma de autoafirmação e reconhecimento
de suas origens.
4.1.3 Identidade e Branquitude
Ao analisar os dados percebemos o quanto as questões relacionadas a
branquitude aparecem e através toda a construção das argumentações da
maioria dos adolescentes, isto é, uma quantidade muito grande de adolescentes
justificou suas respostas a partir de uma visão de branquitude e privilégios. A
partir disso, buscamos através deste tópico, sistematizar uma leitura destes
dados de maneira a dialogar com as principais teorias relacionadas ao estudo
da branquitude. Dessa forma, buscamos as definições sobre branquitude,
partindo do que está sendo produzido pela sociologia e pela psicologia social a
este respeito.
Primeiramente, acreditamos que seja necessário explicar por que
utilizaremos o termo branquitude ao invés de branquidade. Não existe um
consenso entre os pesquisadores quanto à utilização do termo branquitude ou
branquidade quando se busca dialogar sobre as questões relacionadas à
identidade racial branca. Para alguns autores, como Liv Sovik (2004; 2009) apud
Cardoso (2017), as expressões se assemelham; para outros, como Edith Piza
(2005) apud Cardoso (2017), são distintos:
112
O termo branquidade que ela [Piza] propõe baseia-se na negridade e o termo branquitude, na negritude. A negridade seria uma concepção do ativismo negro dos anos 1930, que busca se integrar no “mundo branco” rejeitando sua história cultural diaspórica, haja vista que a cultura ocidental, os valores branco-cêntricos, seriam mais elevados. É uma concepção do negro que rejeita parte de si e procura ser “educado”, no sentido de absorver os valores do universo ocidental. A negritude por outro lado, remete-se ao ativismo negro dos anos 1970, representado pelo Teatro Experimental do Negro. Trata-se de uma alusão ao negro que se aceita por inteiro em termos corporais e culturais. (CARDOSO, 2017, p. 47)
Nossa proposta de discussão busca trazer estes conceitos a partir do que
prega a psicologia social. Desta forma, optamos por trabalhar com o termo
branquitude, assim como faz Cida Bento (2002) no artigo “Branquitude e
Branqueamento”.
Quando se pensa em branquitude, de alguma forma, tentamos criar uma
ideia de oposição ao que se entende por negritude – contudo a questão é mais
ampla. Segundo Gaioli e Müller (2017), estudos atribuem a W. E. B. Du Bois as
primeiras teorizações sobre identidade racial da população branca. Mas é
importante dizer que, assim como com outros temas relacionados às questões
raciais, não há uma única visão acerca da temática. Sendo assim, utilizaremos
aqui conceitos de intelectuais como Müller e Cardoso (2017); Bento (2002); Silva
(2017) e Silvério (2002).
A branquitude, segundo Müller e Cardoso (2017), significa pertença
étnico-racial atribuída ao branco. Para esses autores, o conceito pode ser
entendido como o lugar mais elevado da hierarquia racial. Ser branco se
expressa na corporeidade e vai além do fenótipo. Ser branco consiste em ser
proprietário de privilégios raciais simbólicos e materiais.
Para Silva:
Os estudos críticos da branquitude nasceram da percepção de que era preciso analisar o papel da identidade racial branca enquanto elemento ativo nas relações raciais em sociedades marcadas pelo colonialismo europeu. (SILVA, 2017. p.21)
A branquitude, então, surge com a colonização em que a raça e a cor da
pele configuram-se como balizadores para as relações simbólicas de dominação
e poder, instituindo com isso, privilégios e posição de poder aos colonizadores.
Conforme nos afirma Silvério (2002), o encontro com os índios e pretos – neste
113
caso, considerados o ‘outro’, numa tentativa de justificar sua desumanidade e
coisificação – permitiu aos colonizadores europeus entenderem a branquitude
como uma representação da identidade e ponto de referência para legitimar a
distinção e a superioridade, assegurando assim sua posição de privilégio.
Gadioli e Müller (2017) corroboram com estas ideias e acrescentam que
a branquitude se configura como sendo a identidade racial branca, na qual
prevalecem os privilégios simbólicos e materiais que contribuem para a
manutenção do status quo e reprodução de preconceitos. Além disso, acreditam
que a questão seja mais ampla que apenas a conceituação: para as autoras, a
questão envolve relações de poder, discute privilégios e conservação de práticas
discriminatórias.
Silva define branquitude da seguinte forma:
É um construto ideológico, no qual o branco se vê e classifica os não brancos a partir de seu ponto de vista. Ela implica vantagens materiais e simbólicas aos brancos em detrimento dos não brancos. Tais vantagens são frutos de uma desigual distribuição de poder (político, econômico e social) e de bens materiais e simbólicos. Ela apresenta-se como norma, ao mesmo tempo em que como identidade neutra, tendo a prerrogativa de fazer-se presente na consciência de seu portador, quando é conveniente, isto é, quando o que está em jogo é a perda de vantagens e privilégios. (SILVA, 2017, p. 27,28)
É possível perceber que é consenso entre os autores supracitados que a
branquitude trata da questão da identidade racial branca e dos privilégios que a
ela estão relacionados, além da relação de poder que se apresenta a partir da
questão.
Cardoso (2017) acrescenta a esta discussão a ideia de que existem dois
critérios de distinção da branquitude: a branquitude crítica e a branquitude
acrítica. O primeiro está relacionado àqueles (brancos) que se posicionam contra
o racismo, ou seja, ao indivíduo ou ao grupo de brancos que desaprovam
“publicamente” o racismo. O segundo se relaciona àqueles (brancos) que não
admitem seu racismo e, por essa razão, não o condenam e se percebem numa
posição hierarquicamente superior aos negros, ou seja, identidade branca
individual ou coletiva que argumenta a favor da superioridade racial. Trazemos
estas definições para ampliar o conhecimento sobre o que está sendo discutido
na academia sobre a ideia de branquitude. Além disso, é importante dizer que
as definições de Cardoso vêm servindo de base para o desenvolvimento de
114
novos estudos relacionados à questão da branquitude, evidenciando discussões
importantes acerca da temática. Contudo não aprofundaremos esta vertente,
pois a proposição é apenas apresentar o que há de conceituação acerca da
branquitude.
Bento (2002), no texto “Branqueamento e Branquitude no Brasil”,
apresenta uma argumentação muito relevante para a compreensão da
branquitude – ou o que a autora chama de ‘traços da identidade racial do branco
brasileiro’. A autora acredita que o silêncio sobre o branco é uma espécie de
pacto em que os brancos não se reconhecem como parte essencial na
permanência das desigualdades raciais no Brasil. Esta afirmação é feita a partir
da conclusão de estudos que Bento realizou juntamente com o Centro de
Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT. A pesquisadora
afirma que os brancos reconhecem as desigualdades raciais, só que não as
associam à discriminação, situação que ela considera como primeiro sintoma da
branquitude. Em sua argumentação, evidencia que evitar focalizar o branco é
evitar discutir as diferentes dimensões do privilégio.
[...] o legado da escravidão para o branco é um assunto que o país não quer discutir, pois os brancos saíram da escravidão com uma herança simbólica e concreta extremamente positiva, fruto da apropriação do trabalho de quatro séculos de outro grupo. Há benefícios concretos e simbólicos em se evitar caracterizar o lugar ocupado pelo branco na história do Brasil. Este silêncio e cegueira permitem não prestar contas, não compensar, não indenizar os negros: no final das contas, são interesses econômicos em jogo. (BENTO, 2002, p.3)
Para Bento, o silêncio, a omissão e a distorção do lugar do branco na
situação das desigualdades raciais têm um forte componente narcísico9, de
autopreservação, uma vez que vem acompanhado de um grande investimento
na colocação desse grupo como referência da condição humana.
Ao trazer esta discussão, Bento busca fazer uma reflexão sobre dois
pontos: ter a si próprio como modelo e projetar sobre o outro as mazelas que
não se é capaz de assumir (para não arranhar o modelo). Segundo a autora, o
primeiro está associado ao narcisismo, e o segundo, à projeção. Assim, no
contexto das relações raciais, eles visam a justificar e legitimar a ideia de
9 A autora utiliza esta expressão freudiana para apresentar as ideias de amor a si mesmo ou ao seu grupo de pertença como forma de legitimação e preservação dos privilégios do grupo social. Situação que gera aversões ao que é diferente.
115
superioridade de um grupo sobre o outro, naturalizando as desigualdades e a
apropriação de bens concretos e simbólicos.
A autora também traz outro elemento que, segundo ela, corrobora para a
manutenção do silêncio. O medo – medo do diferente, medo do outro. Bento cita
diversos estudos que justificam como o medo, no decorrer dos séculos, foi
responsável por diversas barbáries e como ele é capaz de afetar as relações
raciais.
Neste sentido, Bento conclui que: “uma boa maneira de se compreender
melhor a branquitude e o processo de branqueamento é entender a projeção do
branco sobre o negro, nascida do medo, cercada de silêncio, fiel guardiã dos
privilégios.”
Imbuídos dessas definições, passemos a analisar as falas dos
estudantes. Alguns alunos reconhecem sua branquitude e os privilégios
materiais e simbólicos que ela traz. As falas desses adolescentes evidenciam a
importância do estudo de história e cultura africanas e afro-brasileiras para o
despertar desta consciência de branquitude e privilégios.
“Foi algo que me ajudou a perceber o quanto nós, brancos,
possuímos privilégios apenas pela nossa cor de pele.”
Participante: 32; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP;
Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
“Bom eu sou branca, eu acabo tendo na sociedade os privilégios
de uma pessoa branca, acabo não sendo tão afetada quanto
outros por essa parte da história” Participante: 140; Sexo: Feminino;
Raça/cor: Branca; Escola: Pública; Ensino médio.
“Eu sou branca então isso me afeta de um jeito muito mínimo,
acaba que as relações étnicas e raciais não mudam muito quando
aplicadas a minha pessoa” Participante: 203; Sexo: Feminino; Raça/
cor: Branca; Estado: PR; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
“Eu sou branca. Nunca sofri racismo, mas acredito que se eu
fosse negra, o assunto seria mais impactante pra mim, por causa
da identificação e a vontade de saber mais sobre as minhas
origens.” Participante: 133; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca;
Estado: SC; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
“Inevitavelmente, por ser branca, cresci cercada de privilégios, e,
sem ter conhecimento sobre as relações étnico-raciais e sobre a
história e cultura africana, internalizei muitas questões históricas,
reproduzindo, ainda que inconscientemente, preconceitos.”
Participante: 360; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP;
Escola: Privada; 3º Ano - Ensino Médio.
116
“A cultura africana/afro-brasileira está diretamente ligada com o
meio que estamos inseridos hoje, a cultura e o povo africano são
parte da nossa história. Estudar sobre sua cultura é estudar a
base da nossa. Negar ou olhar com preconceito para com relações
afro-brasileiras, é negar seu passado. Contribuí para a formação
de respeito com os africanos e seus costumes, vendo isso como
parte importantíssima do que nos faz o povo que somos.”
Participante: 226; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: PR;
Escola: Privada; 2º Ano - Ensino Médio.
O que vemos nas falas acima se relaciona ao que Cardoso (2017) chama
de ‘branquitude crítica’ – aquela em que o indivíduo branco desaprova
“publicamente” o racismo e os privilégios que se tem enquanto cidadão branco,
a partir dele. Notamos, porém, que a branquitude crítica presente nas falas
desses adolescentes precisou ser provocada pela inclusão de temas
relacionados a relações étnico-raciais no Brasil, na sala de aula – evidenciando
mais uma vez a necessidade de que estas discussões façam parte do cotidiano
escolar de negros, mas sobretudo de brancos.
Entretanto a grande maioria dos estudantes apresenta uma visão
narcísica e busca, a partir de seus privilégios, justificar a manutenção dos
mesmos. É o que Cardoso (2017) denomina de ‘branquitude acrítica’ – ou seja,
aquela em que o indivíduo argumenta a favor da superioridade racial e
manutenção dos privilégios. O estudante 46 afirma não ser negro e, com isso,
tenta justificar que sua identidade não é impactada a partir do contato com a
história do outro. Nesse sentido, percebemos como a desumanização afeta as
pessoas de maneiras distintas.
“Não sou negro” Participante: 46; Sexo: Masculino; Raça/cor: Branca;
Escola: Privada; Ensino médio.
“Porque os costumes que não tem ligação com os meus não
causam impacto na minha vida” Participante: 80; Sexo: Feminino;
Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 8º Ano, 9º Ano do Ensino
Fundamental.
“Não acho necessário isso, pois para mim isso parece racismo,
querer estuda uma raça, só porque tem uma cor diferente,
#SomosIguasNãoImportaACor” Participante: 100; Sexo: Masculino;
Raça/cor: Branca; Escola: Pública; Ensino médio.
No caso dos estudantes 80 e 100, percebemos em suas falas que, por
117
entenderem que não são negros, não existe a necessidade de compreenderem
as questões que se relacionam com a constituição cultural e étnica que compõe
o nosso país. Acreditam viver em um ambiente sem interferências culturais e
“costumes” africanos, e condenam o que chamam de ‘estudar uma raça única’ –
contudo não fazem menção ao que fez parte do currículo escolar até a
implementação da Lei n°10.639 em 2003. O estudante 100 declara que estudar
apenas uma raça seria uma forma de racismo, em sua fala, não fica explícita a
expressão ‘racismo reverso’, porém percebemos a presença da ideologia de
racismo reverso. Na concepção de Almeida (2018), a ideia de racismo reverso é
completamente sem sentido, uma vez que o racismo é um processo político.
Para ele, o racismo reverso seria um racismo das minorias dirigido às maiorias
– no que afirma haver um grande equívoco,
Porque membros de grupos raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação, mas não podem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos majoritários, seja direta ou indiretamente. (ALMEIDA, 2018, p 41)
Ainda segundo o autor, a ideia de racismo reverso traz o sentido de que
há uma inversão, ou seja, há algo fora do lugar, como se existisse uma forma
“correta” ou “normal” de expressão do racismo. Neste sentido, o racismo seria
considerado normal quando aplicado contra as minorias; mas, se aplicado a
outros grupos, seria sua forma reversa. Assim, a ideia de racismo reverso serviria
apenas para deslegitimar as demandas por igualdade racial.
O participante 165 afirma não acreditar na existência da “dívida histórica”
como forma de justificativa para a existência de cotas raciais. Ao tratar essa
questão, o estudante acaba fugindo um pouco da questão principal, que seria o
impacto causado pelo estudo de africanidades. Contudo revela uma visão de
meritocracia que sempre figura entre as discussões raciais e que se ancora na
ideologia de democracia racial. O estudante afirma ainda que não trata as
pessoas negras de forma diferenciada ou especial apenas pela cor da pele. O
que vemos neste discurso é uma forma de negação do racismo e da sua forma
estrutural. Mais uma vez, percebemos a branquitude defendendo os privilégios
que lhe são oferecidos, em uma tentativa de atribuí-los aos próprios méritos. O
118
mesmo acontece com o estudante 259, que relata não concordar com “os
privilégios recebidos por eles” – neste contexto, “eles” seriam os negros, na fala
do participante. Em sua visão, o estudante procura fazer uma inversão para
argumentar sobre os privilégios. Não há informações suficientes para afirmarmos
que se trata da questão de cotas – porém, por se tratar de um aluno branco da
rede privada de ensino, presumimos que ele tenta se referir à existência das
cotas raciais em universidades e concursos públicos como “privilégios”. No
entanto, o estudante não desenvolve o argumento para que possamos fazer uma
análise mais profunda de sua fala.
“Não acredito na existência da "dívida histórica" devido ao
passado de escravidão, assim como não acho válida a existência
de cotas raciais. Também não alterei a forma que trato pessoas
negras: Como humanos normais, sem nenhum tipo de tratamento
especial só por serem negras[...]” Participante: 165; Sexo:
Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: RJ; Escola: Privada; 2º Ano -
Ensino Médio
“Pois não concordo com os privilégios recebidos por eles”
Participante: 259; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: SP;
Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio
Quando observamos as seis falas que se seguem, notamos certa
complementaridade entre elas. O estudante de número 186, oriundo do Rio
Grande do Sul, de escola da rede privada de educação, argumenta não ter sido
impactado pois não descende de nenhum africano – portanto não acredita que
estudar estas questões seja relevante para sua vida – que é o relato do
estudante 197. O adolescente cujo número é 245 afirma que não acha que a
temática mereça tanta repercussão, pois existem questões mais sérias a serem
discutidas. Por fim, o participante 323 resume sua resposta em uma única
palavra: “besteira”.
As falas destes seis adolescentes demonstram que, por serem brancos,
o assunto não lhes parece tão interessante – principalmente porque não os toca
de maneira significativa, ou não seja uma questão sobre a qual necessitem falar.
Essa situação é preocupante, uma vez que as questões étnico-raciais não
interessam apenas ao negros – como afirma Munanga (2005).
“Pois não descendo de nenhum africano.” Participante: 186; Sexo:
Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado: RS; Escola: Privada; 1º Ano -
Ensino Médio.
119
“Porque não era relevante na minha vida.” Participante: 197; Sexo:
Feminino; Raça/ cor: Branca; Estado: BA; Escola: Privada; 1º Ano -
Ensino Médio.
“Na realidade não acho que deveria haver tanta repercussão sobre
o assunto, é importante sim, mas há coisas mais sérias a serem
focadas.” Participante: 245; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca;
Estado: ES; Escola: Pública; 3º Ano - Ensino Médio.
“Besteira” Participante: 323; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca;
Estado: CE; Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio.
Quando o adolescente apresenta como argumento a inutilidade de se
aprender sobre algo, de alguma forma também está demostrando seu desprezo
– uma vez que não compreende como as relações racializadas influenciam todos
os âmbitos de nossas vidas. Além disso, como nos diz Nogueira (2014), “a
pessoa só se pode como humana a partir do momento em que reconhece a
humanidade do outro”.
“Não tenho etnia negra, acho importante para quem é, mas isso
não faz parte de minha identidade e não afetou meu eu. Acho
extremamente importante o estudo principalmente pela relação
com a história brasileira e tirar um pouco o foco eurocêntrico da
história.” Participante: 329; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Parda; Estado:
RS; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.
Ao analisar a fala da estudante 329, percebemos que se autodeclara
parda, portanto, segundo a conceituação do IBGE (2010), é considerada negra.
Mas, em sua exposição, diz não ter etnia negra – esta argumentação é
contraditória do ponto de vista teórico, contudo é perfeitamente compreensível
se pensarmos na ideologia de branqueamento – que embutiu no imaginário
brasileiro que a mistura das raças seria uma forma de embranquecer a
população, diluindo assim as características físicas que identificam os negros,
contribuindo para o que acreditavam ser o melhoramento da raça. Essa teoria
não se sustenta cientificamente, mas ainda é muito presente ideologicamente. A
própria fala desta estudante, que se autodeclara parda mas não reconhece sua
“etnia negra”, permite-nos perceber como esta ideologia permanece no
imaginário popular.
Acreditamos ser importante conceituar etnia, numa tentativa de
apresentar como este conceito se difere do conceito de raça na atualidade. A
120
raça, como já apresentamos anteriormente, foi utilizada como conceito biológico,
que tinha como objetivo hierarquizar os povos. Desse conceito, nasceram as
ideias de supremacia racial e hegemonia branca – em detrimento dos povos
negros e indígenas. Munanga (2003) define o conceito de etnia como sendo uma
conceituação sociocultural, histórica e psicológica. Para ele,
Um conjunto populacional dito raça “branca”, “negra” e “amarela”, pode conter em seu seio diversas etnias. Uma etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território. Algumas etnias constituíram sozinhas nações. Assim é o caso de várias sociedades indígenas brasileiras, africanas, asiáticas, australianas, etc. que são ou foram etnias nações.
Cientificamente já se sabe que a humanidade tem sua origem no
continente africano. Nesse caso específico, evidenciamos ainda que a estudante
afirma ser parda.
Fanon (2008) nos alerta sobre uma questão importante e que podemos
ver refletida na fala desta adolescente: o “objetivo”, o “destino” do negro é ser
branco. Neste sentido, ao assegurar que não tem etnia negra, a estudante
pretende se afastar daquilo que teme – ou seja, do fato de ser negra, de
pertencer e de ter na sua composição étnica a ancestralidade africana. Ela busca
com isso se aproximar do branco, do ideário de beleza e inteligência que é
erroneamente reivindicado pela branquitude.
Este tópico nos permitiu compreender a visão de branquitude e privilégios,
bem como a forma crítica ou acrítica com que os adolescentes estão lidando com
a temática, neste sentido, é importante salientar que as falas destes
adolescentes refletem um modelo de branquitude que tem como pilar o racismo,
escancarando a forma estrutural pela qual ele se constitui em nossa sociedade.
4.1.4 A internet potencializando o discurso extremista
A contemporaneidade tem experimentado cada vez mais o extremismo
como forma de imposição de uma “verdade” e de um “ponto de vista” que não
admite ser questionado. Esse extremismo já foi experimentado com Adolf Hitler
na Alemanha, Josef Stalin na Rússia e Benito Mussolini na Itália, entre outros.
121
Com o advento da internet e das redes sociais, esse legado acaba se
potencializando, de maneira a criar raízes e influenciar o sistema político e social
de forma globalizada.
No Brasil, por exemplo, esta visão extremista é compartilhada entre as
religiões neopentecostais que propagam a intolerância religiosa, numa tentativa
de ressaltar e impor a sua “verdade”. E, mais recentemente, com a eleição de
2018 que deu poder à maior bancada de candidatos da extrema direita – não só
no congresso federal (câmara e senado) como também nas assembleias
legislativas de todos os estados brasileiros. Essa onda crescente e
ultraconservadora foi capitaneada pelo presidente eleito com mais de 57 milhões
de votos – ou seja, com um apoio expressivo de cidadãos que, de alguma forma,
comungam de suas ideias extremistas. Como resultados imediatos,
conseguimos perceber que pautas consideradas conservadoras, como é o caso
do aborto, da violência contra a mulher, da homofobia e do estado laico, já
passaram a ser questionadas pelos poderes executivo e legislativo do Brasil.
Esse extremismo se reflete também nos adolescentes participantes deste
estudo. Acreditamos que a internet tenha potencializado esse posicionamento,
principalmente porque o questionário foi encaminhado através de uma
ferramenta on-line e disponibilizado por uma rede social, sendo garantido o
anonimato. O que queremos dizer com isso é que, protegidos atrás de uma tela
de computador ou celular, ou ainda algum outro aparelho eletrônico com acesso
à internet, os participantes podiam se expressar livremente sem receio de serem
identificados – razão pela qual acreditamos que muitas das respostas que
mostramos a seguir não seriam dadas se o instrumento de pesquisa utilizado
fosse outro. Não pretendemos, no entanto, recriminar o posicionamento desses
adolescentes. Pelo contrário, acreditamos que suas manifestações extremistas
servem para que possamos investigar o que realmente pensam.
A combinação do racismo, do extremismo e da internet proporcionou a
criação de uma espécie de “crime perfeito”, uma vez que se tem o assunto/tema
causador de conflitos (o racismo), a motivação “adequada” para se promover
esses conflitos (o extremismo), e o local propício para a propagação dessas
ideias (a internet).
Quando pensamos nas questões raciais, deparamo-nos com fatores que se
122
juntam e proporcionam um discurso que busca legitimar a superioridade racial,
manter os privilégios da branquitude e, por consequência, perpetuar o racismo.
“Eu sempre fui diferente desse tipo de gente, logo não me afeta
muito.” Participante: 254; Sexo: Masculino; Raça/ cor: Branca; Estado:
MG; Escola: Privada; 2º Ano - Ensino Médio.
A fala deste adolescente, além de se configurar como uma expressão
racista – quando usa a expressão “sempre fui diferente desse tipo de gente” –,
demonstra sua desumanização em recusar a humanidade do outro.
“Eu apoio a Ku klux klan.” Participante: 77; Sexo: Masculino;
Raça/cor: Branca; Escola: Privada; 8º Ano do Ensino Fundamental.
A organização racista denominada Ku Klux Klan nasceu no Tennessee,
nos Estados Unidos, durante o século XIX. Inicialmente, surgiu como um clube
que reunia veteranos de guerra. Sua principal função era a defesa da
manutenção da supremacia branca naquele país. Para tanto, o grupo promovia
atos de violência e intimidação contra os negros, judeus, católicos e imigrantes.
Seus militantes adotaram capuzes brancos e roupões fantasmagóricos para
esconder suas identidades e assustar as vítimas.
A fala deste adolescente demonstra sua aversão aos negros e uma
necessidade de externar isso de forma violenta. É uma questão grave que
precisa ser discutida também em sala de aula – e, neste caso, falar sobre as
relações étnico-raciais se torna fundamental para que haja a possibilidade de
apresentar aos adolescentes com essa mesma visão uma outra perspectiva
sobre a temática racial. Mas, sobretudo, essa fala evidencia uma branquitude
acrítica que, para se sobrepor e manter seus privilégios, utiliza-se de conceitos
já rechaçados pela ciência, como é o caso da supremacia racial, para justificar o
racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira.
“Lixo.” Participante: 147; Sexo: Masculino; Raça/cor: Branca; Escola: Pública; 8º Ano do Ensino Fundamental.
Assim como a fala anterior, a fala deste adolescente nos permite fazer
uma reflexão acerca do que ele pensa sobre o debate racial. Quando pensamos
em “lixo”, pensamos em algo que não nos serve, que é repulsivo, que não tem
utilidade. Sendo assim, ao utilizar essa expressão, esse adolescente nos permite
perceber que – por ser branco – não se importa com a discussão racial a ponto
123
de achá-la dispensável.
A branquitude utiliza ainda outras formas de opressão para legitimar o seu
racismo, como vemos na fala que se segue:
“Por que é algo desnecessário para criação de caráter ou para
ingressar no mercado de trabalho.” Participante: 164; Sexo:
Masculino; Raça/ cor: Parda; Estado: PR; Escola: Pública; 1º Ano -
Ensino Médio.
O estudante utiliza como argumento o ingresso no mercado de trabalho
– para ele, compreender os contextos raciais do país é desnecessário para este
fim. A visão de democracia racial também é responsável pela perpetuação de
pensamentos como este, mas destacamos que ele se autodeclara pardo,
portanto é negro – talvez tenha a tonalidade da pele mais clara e, por essa razão,
não tenha sofrido a face mais cruel do racismo, que, no Brasil, acentua-se
conforme o grau de melanina que temos na pele. Porém, embora o estudante se
autodeclare pardo, sua visão se aproxima daquela de uma pessoa branca que
não reconhece a existência do racismo e que acredita que os debates na escola
só devem acontecer se a temática for necessária para o ingresso no mercado de
trabalho.
Este tópico nos permitiu compreender como a internet potencializa
discursos de ódio, além disso, pudemos perceber o quanto os adolescentes
estão expostos e podem ser facilmente cooptados por mecanismos que além de
propagar o ódio podem se tornar uma ameaça para as liberdades individuais e
coletivas. Entretanto não devemos ver a internet como um espaço de produções
unicamente negativas, ao contrário disso é necessário que se construa novas
formas de se utilizar a internet potencializando suas vantagens aliadas a
capacidade que a juventude tem de se apropriar dessas tecnologias de forma a
produzir conteúdos que sejam verdadeiramente relevantes para a sociedade de
uma forma geral.
124
4.1.5 Identidade e Negritude
Como este estudo buscou compreender o impacto das relações étnico-
raciais no contexto escolar sobre construção da identidade dos adolescentes do
ensino fundamental e médio, acreditamos que construir uma argumentação
sobre negritude é fundamental para compreender de que forma esta contribui
para a formação da identidade desses estudantes.
Para Munanga (1986), a conceituação de negritude nasce no período
colonial, com intelectuais negros que se recusam a assimilar os valores culturais
dos brancos. Para este autor, os motivos que levaram o negro a recusar o
embranquecimento cultural foi exatamente a percepção de que este processo
não ocasionaria a igualdade social entre negros e brancos: esta ação seria
responsável apenas pelo esquecimento cultural dos valores dos povos negros.
Neste sentido, houve a percepção de que – mesmo assimilando os valores
culturais brancos, o domínio da língua e qualquer outro aspecto – nada mudaria
com relação à aceitação social do negro. Ou seja:
Continuando a ser recusado socialmente, o negro intelectual descobre que uma possível solução a essa situação residiria na retomada de si, na negação do embranquecimento, na aceitação de sua herança sociocultural que, de antemão, deixaria de ser considerada inferior. A esse retorno chamamos negritude. (MUNANGA, 1986. p.6)
Na concepção deste autor, tratava-se de uma reação: “a negritude não
deixa de ser uma resposta racial negra a uma agressão branca de mesmo teor”.
É importante salientar que o conceito de negritude não permaneceu
estático ao longo do tempo. Ao contrário, ele assume diferentes conotações e
interpretações em diversos contextos.
No livro “Negritude – usos e sentidos”, publicado em 1986, Kabengele
Munanga traça um panorama histórico, que se inicia no período colonial e
perpassa os séculos, para contextualizar os momentos históricos e como foi se
construindo o racismo no Brasil e no mundo. O autor busca este caminho para
promover uma reflexão acerca de como o racismo foi responsável pela criação
da imagem inferiorizada do negro. Durante este percurso, ele debate algumas
questões estereotipadas criadas no imaginário popular que auxiliam na
125
manutenção das desigualdades relacionadas à raça. Toda a contextualização
feita pelo autor serve, acima de tudo, para a compreensão da negação do negro
na assimilação dos valores e estereótipos criados pelos brancos sobre os
negros.
Era tempo de buscar outros caminhos. A situação do negro reclama uma ruptura e não um compromisso. Ela passará pela revolta, compreendendo que a verdadeira solução dos problemas não consiste em macaquear o branco, mas em lutar para quebrar as barreiras sociais que o impedem de ingressar na categoria dos homens. Assiste-se agora a uma mudança de termos. Abandonada a assimilação, a liberação do negro deve efetuar-se pela reconquista de si e de uma dignidade autônoma. O esforço para alcançar o branco exigia total auto-rejeição; negar o europeu será o prelúdio indispensável à retomada. É preciso desembaraçar-se desta imagem acusatória e destruidora, atacar de frente a opressão, já que é impossível contorná-la.
Aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. [...] Ele assumirá a cor negada e verá nela traços de beleza e de feiura como qualquer ser humano “normal”. (MUNANGA, 1986. p.32)
Quanto ao conceito, é possível compreender que a negritude é um
movimento que se configura como forma de voltar às origens, de aceitação e de
valorização de si e de suas raízes. Um movimento que busca a rejeição de
imposições sociais, culturais e religiosas como meio único de expressão da
sabedoria, da beleza e da verdade.
Com relação aos objetivos da negritude, Munanga apresenta três principais:
Buscar o desafio cultural do mundo negro (a identidade negra africana), protestar contra a ordem colonial, lutar pela emancipação de seus povos oprimidos e lança o apelo de uma revisão das relações entre os povos para que se chegasse a uma civilização não universal como a extensão de uma regional imposta pela fornaça – mas uma civilização do universal, encontro de todas as outras, concretas e particulares. (MUNANGA, 1986. p. 43)
No tocante à questão da identidade, é fundamental compreender que este
objetivo tem como proposição que o negro assuma com orgulho sua condição
de negro, sua cultura, sua história e sua identidade – rejeitando todas as formas
de opressão relacionadas à sua cor e origem. Neste sentido, segundo o autor, a
negritude aparece como uma operação de desintoxicação semântica e de
constituição de um novo lugar de inteligibilidade no que se refere às relações –
consigo, com o outro e com o mundo.
126
Quando se fala de luta pela emancipação, é importante perceber que
estamos falando de luta por liberdade de pensamento, por liberdade política, pelo
desejo de afirmação e, acima de tudo, contra a ordem colonial, o imperialismo e
o racismo.
Por fim, o último objetivo apresentado por Munanga se relaciona ao repúdio
ao ódio e à busca do diálogo. Este objetivo potencializa a ideia de coletividade e
solidariedade, uma vez que se configura como uma forma importante de
desenvolvimento da empatia – ou seja, colocar-se no lugar do outro,
compreender a forma de pensar do outro num movimento de construção de uma
nova sociedade. “O negro não quer se isolar do resto do mundo”, ao contrário, o
que importa é a coletividade.
A partir destes conceitos pretendemos analisar as falas dos adolescentes
que se sentiram de alguma forma impactados.
As falas desses adolescentes se relacionam à descoberta da negritude, da
ancestralidade, do reconhecimento do racismo e do processo de enegrecimento
do qual falei no início deste estudo. Percebemos nos depoimentos o
posicionamento orgulhoso, o pertencimento e a vontade de conhecer mais sobre
sua própria história.
“Me fez ter mais orgulho de ser negro.” Participante: 2; Sexo:
Masculino; Raça/cor: Preta; Escola: Pública; 8º Ano do Ensino
Fundamental.
Toda a construção cultural que foi apresentada aos estudantes até a
implementação da Lei n°10.639 só apresentava os negros como um povo servil,
desumanizado. Além disso, o racismo propagou a visão de que ser negro era
algo ruim, sujo, feio, inferior. O resultado dessa desumanização se deu na forma
de rejeição por parte do povo negro: ninguém quer ser visto como inferior, ruim
ou feio (FANON, 2008).
A fala do participante 2 é, na nossa visão, a condensação de tudo o que
buscamos neste estudo, uma vez que é carregada de sentido e simbologia.
Através dela, podemos perceber que as lutas travadas pelos movimentos negros
em busca da igualdade racial e pela mudança da representação social do negro
na sociedade e na escola – que passam pela desconstrução de estereótipos –
127
produzem frutos no contexto da construção de identidades positivas do negro e
também dos brancos. Nesse sentido, vale ressaltar toda a argumentação feita
por estudiosos, como o professor Kabengele Munanga e as professoras Nilma
Lino Gomes e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, acerca da implementação
das africanidades no currículo escolar e de seus desdobramentos na
representação social afirmativa dos negros, na mudança do imaginário
pedagógico e na implementação de uma educação antirracista.
“Porque me descobri como uma afro-brasileira.” Participante: 39;
Sexo: Feminino; Raça/cor: Parda; Escola: Pública; Ensino médio.
Ferreira (2000) trata a questão apresentada pela participante 39 como o
estágio de impacto, quando a pessoa se descobre afrodescendente e, a partir
daí, começa a pensar sua identidade de maneira diferente. Essa descoberta
ainda é cercada de muitas frustrações e lutas, porque é a partir desse ponto que
começamos a perceber o quão violento é o racismo.
“Sou parda do cabelo crespo, sofri muito por causa do meu cabelo
(sofro até hoje) antes eu odiava o meu cabelo, coisa que eu não
faço mais.” Participante: 126; Sexo: Feminino; Raça/cor: Parda;
Escola: Pública; 8º Ano do Ensino Fundamental.
As mulheres negras normalmente têm o seu primeiro contato com o
racismo a partir do sofrimento que passam por conta de suas características
físicas – principalmente o cabelo. É comum ouvirmos relatos de ódio por ter o
cabelo crespo.
Para o/a adolescente negro/a, a insatisfação com a imagem, com o padrão estético, com a textura do cabelo é mais do que uma experiência comum dos que vivem esse ciclo da vida. Essas experiências são acrescidas do aspecto racial, o qual tem na cor da pele e no cabelo os seus principais representantes. Tais sinais diacríticos assumem um lugar diferente e de destaque no processo identitário de negros e brancos. (GOMES, 2002)
Em seus estudos sobre identidade negra, Gomes aponta que a
experiência com o corpo negro e o cabelo crespo se ampliam para além da
família, amigos e relacionamentos afetivos – ela se apresenta de maneira muito
incisiva na trajetória escolar de negras e negros. A autora afirma isso a partir dos
relatos adquiridos durante sua pesquisa de doutorado em antropologia social,
intitulada “Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade
negra nos salões étnicos de Belo Horizonte” (Gomes, 2002). Nesse sentido, a
128
pesquisadora considera ser este um momento importante na constituição da
identidade negra. Assim, a questão do cabelo crespo se configura como o que a
autora chama de “forte ícone identitário”. Contudo, ainda segundo Gomes, este
momento não é representado de maneira positiva, porque reforça estereótipos e
representações negativas sobre o padrão estético do grupo negro.
A partir disso, Gomes (2002) afirma que:
Durante séculos de escravidão, a perversidade do regime escravista materializou-se na forma como o corpo negro era visto e tratado. A diferença impressa nesse mesmo corpo pela cor da pele e pelos demais sinais diacríticos serviu como mais um argumento para justificar a colonização e encobrir intencionalidades econômicas e políticas. Foi a comparação dos sinais do corpo negro (como o nariz, a boca, a cor da pele e o tipo de cabelo) com os do branco europeu e colonizador que, naquele contexto, serviu de argumento para a formulação de um padrão de beleza e de fealdade que nos persegue até os dias atuais. (GOMES, 2002)
Ao fazer esta afirmação, Gomes lança algumas perguntas que se referem
principalmente aos padrões de “brancura” que podem estar presentes na escola
e de que forma eles se apresentam neste ambiente. Ao analisarmos as falas dos
estudantes participantes deste estudo, percebemos que esses padrões ainda
estão muito impregnados na cultura escolar da maioria das nossas escolas.
Nesse contexto, Gomes nos alerta que a “escola pode atuar tanto na reprodução
de estereótipos sobre o negro, o corpo e o cabelo, quanto na superação dos
mesmos.”
É o caso da estudante 126, que atribui sua libertação estética ao contato
com a educação para as relações étnico-raciais, quando diz que este contato a
impactou. Notamos com isso que, de alguma forma, a abordagem feita pela
escola e/ou pelos professores que esta adolescente teve, proporcionou uma
mudança em sua perspectiva quanto à estética negra – possibilitando e
valorizando as características que a compõem. Como conclui Gomes, “na
escola, não só aprendemos a reproduzir as representações negativas sobre o
cabelo crespo e o corpo negro; podemos também aprender a superá-las.”
“Pois nos faz pensar sobre nossos ancestrais. Quem realmente
foram os nossos antepassados.” Participante: 91; Sexo: Masculino;
Raça/ cor: Preta; Estado: RO; Escola: Privada; 1º Ano - Ensino Médio.
“Porque fez com que eu soubesse mais sobre os meus
antepassados, fazendo com que eu me orgulhasse de ser negra.”
129
Participante: 359; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Preta; Estado: SP;
Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
“Porque me interessei por buscar meus ancestrais afro-
brasileiros.” Participante: 87; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Branca;
Estado: SP; Escola: Pública; 2º Ano - Ensino Médio.
A valorização da ancestralidade é uma marca muito presente nas
tradições africanas. A partir da fala desses adolescentes, podemos perceber
que, até o momento em que tiveram contato com a história e cultura africanas e
afro-brasileiras, eles não tinham muita informação sobre sua ancestralidade e,
por consequência, poderiam inclusive vir a desenvolver uma visão racista.
Proporcionar este despertar da consciência e a valorização pelas
multiculturas que contribuem para a formação do Brasil é, sem dúvidas, uma das
formas mais importantes de se compreender a importância de a educação para
as relações étnico-raciais ser parte do currículo da educação básica no país.
Além de possibilitar uma educação antirracista, ela permite que a história
seja contada a partir de várias perspectivas diferentes, que não se excluem e
não se anulam, mas se complementam.
Este tópico nos permitiu compreender como o estudo das africanidades é
importante para a constituição positiva das identidades de adolescentes negros
e negras, inicialmente porque possibilita despertar nestes adolescentes o
sentimento de pertencimento que, como vimos, precede a constituição das
identidades. As falas apresentadas aqui representam o quanto é importante dar
voz a outras histórias, ou mesmo conhecer as histórias por outras perspectivas.
4.1.6 A educação para as relações étnico-raciais e a intolerância religiosa
Antes de passar para a análise das falas que apresentam as questões
religiosas como argumento no impacto causado pelo estudo das africanidades,
acreditamos ser necessário fazer uma contextualização quanto às influências
religiosas e ao estado laico.
As influências religiosas em todas as sociedades do mundo são, sem
dúvida, questões muito importantes para a construção da história e cultura
mundial. Neste contexto, é importante entender que não há um modelo pronto e
130
certo de se realizar julgamentos acerca desta temática – haja visto que cada
cultura carrega consigo seus próprios dogmas religiosos, o que não impede que
estes dogmas sejam múltiplos numa mesma sociedade.
Na Europa e posteriormente no Brasil, a influência das religiões sofreu um
declínio provocado pelo modelo de democracia que foi se constituindo ao longo
dos séculos. Sendo assim, a ideia de que a religião se afastaria cada vez mais
dos aspectos políticos ganhou força e proporcionou a criação de um modelo de
laicidade adotado por diversos países do ocidente, incluindo o Brasil.
Contudo, não são incomuns os casos de manifestações preconceituosas
e muitas vezes violentas contra as religiões, principalmente aquelas que têm
origem africana – também conhecidas como religiões de matriz africana, em que
se enquadram a umbanda, o candomblé, tambor de mina, e tantas outras que
compartilham a mesma origem. Tais manifestações se configuram como
intolerância religiosa e são abordadas por Oliveira (2012) como embates étnicos
e religiosos com proporções mundiais, causando desconforto quanto à
segurança e à vida dos cidadãos.
Numa esfera global, ações de intolerância religiosa foram responsáveis
por atentados nos Estados Unidos, como em 2001, na Espanha, em 2004, na
Inglaterra, em 2005, e no Oriente Médio – em uma frequência ainda maior.
No Brasil, as proporções são, em tese, menores em amplitude, mas não
menos violentas e revoltantes. O crescente aumento das denominações
neopentecostais, do fundamentalismo e da intolerância religiosa traz consigo
ameaças não só à integridade física de praticantes de outras religiões, mas
também à laicidade do Estado brasileiro. Esta situação se agravou ainda mais
com a eleição de um presidente de extrema direita que, dentre suas convicções,
figura a de ser um cristão fundamentalista.
A constituição brasileira de 1988 garante a todo cidadão brasileiro e aos
estrangeiros residentes neste país o direito à liberdade de crença, garantindo
ainda a laicidade do Estado brasileiro. Sendo assim, há, em tese, a formação de
uma esfera pública que não se vincula a nenhum tipo de grupo ou dogma
religioso, garantindo assim o tratamento igualitário de todos os cidadãos.
No entanto, em meio a tantos casos de desrespeito e intolerância religiosa,
não se pode afirmar que esta laicidade é realmente um princípio válido. Questões
131
relacionadas à exposição de símbolos religiosos em espaços do Estado, à
existência de blocos evangélicos que formam bancadas no parlamento e ao
entendimento do poder judiciário acerca do conceito de religião contradizem o
conceito de Estado Laico.
Os crescentes casos de intolerância religiosa noticiados corriqueiramente
nos meios de comunicação do país compõem um quadro preocupante de
violação de direitos – e despertam uma necessidade cada vez mais premente de
se promover uma pesquisa capaz de apontar os fatores que corroboram o
aumento de casos de desrespeito religioso.
A garantia do direito à liberdade de crença mencionada pelo artigo 5º da
Constituição deixa claro que
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa
ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-
se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
O que, afinal, estaria proporcionando ou fomentando a intolerância
religiosa, principalmente às religiões de matriz africana?
Para explicar ou tentar entender este contexto, faz-se necessário primeiro
apresentar um enfoque conceitual sobre a expressão religião. Na concepção de
Alves (2002), a religião é o resgate da identidade perdida e sua reconciliação
futura. Numa conceituação mais filosófica, Chauí apresenta a religião como
oriunda
do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo
ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo. Quais as partes
vinculadas? O mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a Natureza
(água, fogo, ar, animais, plantas, astros, metais, terra, humanos) e as
divindades que habitam a Natureza ou um lugar separado da natureza.
(CHAUÍ, 2000)
Essa visão também é defendida por Schiavo (2004), que completa
dizendo que se trata da ligação entre a terra e o céu. Oliveira (2012), por sua
vez, entende religião como um fenômeno cultural que estabelece formas de
132
reflexão e de organização cognitiva, inerentes à existência humana,
constituindo-se em referência de identidade étnica.
Assim, é possível perceber que a religião tem diversos significados e
ressignificados, de acordo com o momento histórico ou com o grupo étnico ao
qual se refere. Sendo assim, trata-se de uma questão extremamente subjetiva e
pessoal, que se organiza e reorganiza de acordo com os grupos aos quais se
apresenta. Dessa forma, o que para um grupo possui significado de “re-ligação”
do natural com o sobrenatural, ou do material com o cósmico, para outro se
configura de maneira diferente – essa relação depende do que prega cada
dogma ou doutrina religiosa.
No que corresponde à organização das religiões, Schiavo (2004) entende
que o misticismo corresponde à religiosidade individual, aos grupos e ritos
reduzidos; às seitas – grupos maiores, liderança carismática, que muitas vezes
se posicionam como oposição a grupos tradicionalmente constituídos; e às
igrejas – instituição hierarquicamente organizada, que busca abrangência
universal.
De acordo com estas visões, a religião passa a ser a forma de encontro
entre o material e o divino, a religação entre o homem e um ser supremo capaz
de promover a evolução do homem – o que contradiz a existência de intolerância
e desrespeito religioso.
O que seriam e a quem atribuir os atos de intolerância religiosa? Para as
próprias comunidades religiosas, os atos de intolerância e as práticas de
desrespeito são desvios de conduta praticados por pessoas que, por algum
motivo extremo, não são capazes de compreender a existência de opiniões
diferenciadas. Mas até que ponto as próprias doutrinas religiosas não estariam
fomentando este ódio exacerbado nos fiéis – muitas vezes através da
demonização, ou da tentativa de “purificação ou limpeza”, ou ainda da remissão
de “pecados”, ou de comportamentos inadequados para determinada filosofia
religiosa–?
O modelo cristão de religiosidade tem como marcas a dominação e a
submissão de povos como forma de manutenção do poder. Por essa razão, o
cristianismo apoiou as ideologias de hierarquização das raças, possibilitando o
surgimento de uma cultura de supremacia ocidental branca sobre as culturas
133
não ocidentais. Ou seja, a partir da visão apoiada pelo cristianismo, acreditava-
se na superioridade dos povos brancos – e essa pratica fundamentou o racismo.
A intolerância religiosa seria, então, uma das manifestações do racismo, uma
vez que as religiões de matriz africana são originárias, como o próprio nome
indica, do continente africano – razão pela qual são demonizadas a todo
momento.
Quando questionados sobre a constituição da identidade a partir do
estudo de africanidades, nove adolescentes apontaram justificativas a partir da
visão que tinham quanto à cosmovisão africana. Embora o número não seja tão
expressivo, achamos importante analisar este recorte, tendo em vista seu
surgimento a partir de uma pergunta sobre a constituição da identidade.
Passemos a analisar algumas das falas dos adolescentes quanto à questão das
religiões de matriz africana. É importante salientar que todas as falas se
direcionam para a reversão de uma visão pejorativa e estereotipada dessas
manifestações, influenciadas pelo estudo das africanidades.
“Porque passei a conhecer as religiões africanas e comecei a
respeitar e pensar de forma mais abrangente sobre o tema.”
Participante: 64; Sexo: Masculino; Raça/cor: Parda; Escola: Pública;
Ensino médio.
“[...]Um tempo atrás tinha preconceito com religiões africanas,
hoje percebo que era ignorância da minha parte, consegui
entender isso estudando toda história.” Participante: 105; Sexo:
Feminino; Raça/ cor: Parda; Estado: SP; Escola: Privada; 3º Ano -
Ensino Médio.
“Antes eu sentia repúdio de religiões diferentes da minha, então
após estudar sobre, sinto-me apta a não sentir preconceitos no
geral, inclusive em religiões afrodescendentes, por exemplo.”
Participante: 270; Sexo: Feminino; Raça/ cor: Indígena; Estado: PE;
Escola: Privada; 2º Ano - Ensino Médio.
A fala dos estudantes 64, 105 e 270 demonstram a importância do estudo
de africanidades para a quebra de estereótipos e pré-conceitos que são, muitas
vezes, criados a partir do racismo. Na argumentação da estudante 270,
percebemos a forte presença da intolerância que, segundo a jovem, era
vivenciada antes de conhecer sobre a cosmovisão africana do sagrado. O que
podemos perceber com isso é que o estudo das africanidades se faz necessário
sobretudo para que estes pré-conceitos sejam extirpados.
134
“Por que mostrou que as religiões africanas não são más e sim
que promovem a paz.” Participante: 93; Sexo: Masculino; Raça/ cor:
Branca; Estado: RS; Escola: Pública; 1º Ano - Ensino Médio.
“Por uma grande parte da minha vida eu achei que as religiões de
matriz africana eram demoníacas.” Participante: 39; Sexo:
Masculino; Raça/ cor: Preta; Estado: PE; Escola: Pública; 1º Ano -
Ensino Médio.
Percebemos aqui que o racismo se envolve nas diversas amplitudes da
vida: as manifestações do sagrado na visão afrocentrada são atacadas e
demonizadas, como forma de atribuir o que, no universo cristão, seria a
personificação do mal. Contudo trata-se apenas da perspectiva cristã, uma vez
que a figura do “diabo”, “demônio”, “satanás” ou qualquer outra denominação
atribuída ao mal, é uma criação do cristianismo com o objetivo de controlar e
manter o poder. Na cosmovisão africana, não há a figura do mal – todos somos
contraditórios e, por essa razão, não precisamos de um elemento que
personifique tal contradição na forma de um elemento maléfico. Ao contrário,
vivenciamos e experimentamos a nossa existência a partir da busca pelo
equilíbrio energético que existe entre os elementos da natureza e nós mesmos,
uma vez que também somos parte desta natureza.
135
Capítulo 5. – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não buscamos, com este estudo, esgotar o debate referente à produção
de identidades. Pelo contrário, buscamos iniciá-lo no intuito de que outros se
debrucem sobre a temática e apresentem novos olhares sobre a questão. Ao
desenvolver este estudo, várias foram as percepções que tivemos quanto à
educação para as relações étnico-raciais, no ambiente escolar.
Antes de apresentarmos nossas percepções, porém, convém retomar
nosso objetivo no desenvolvimento deste estudo: isto é, compreender, através
da perspectiva dos adolescentes do ensino médio, de que forma o estudo de
história e cultura africanas e afro-brasileiras impacta a constituição da
identidade. Dessa forma, todas as percepções e considerações que trazemos
aqui foram concebidas a partir da análise do olhar dos adolescentes sobre as
questões que apresentamos a eles.
A primeira percepção é a de que ainda se tem muito a trilhar nestes
caminhos. Há uma aquarela de possibilidades e uma, não menos numerosa, lista
de barreiras que precisam ser transpostas.
Nossa primeira hipótese é a de que a Lei n°10.639/2003 ainda não está
totalmente implementada em todas as escolas – e esta é exatamente uma das
barreiras que identificamos. Ou seja, ela se relaciona com a efetivação da
implementação da lei – que prevê a formação docente para o desenvolvimento
de uma educação antirracista, mas que ainda não se efetivou na maioria das
universidades do país, como podemos comprovar a partir do que os
adolescentes disseram. É evidente que muitas ações individuais ou de alguns
grupos de professores têm realizado um trabalho bastante produtivo, tendo em
vista o que disseram os adolescentes que se sentiram impactados com o estudo
das africanidades. Porém, o que pudemos constatar é que, assim como indicam
os estudos desenvolvidos por Campos (2018), Moreira e Viana (2015) e Gomes
e Jesus (2013), existem dificuldades por parte das escolas em atender ao
estabelecido na lei – fora o fato de que muitas não a aplicam efetivamente.
A análise do que dizem os adolescentes nos mostrou que 56,1% dos estudantes
nunca ouviram falar sobre a lei e, consequentemente, sobre as diretrizes
136
curriculares para a educação das relações étnico-raciais.
Uma segunda barreira se relaciona à forma com que essas questões
estão sendo trabalhadas dentro da escola – uma vez que não basta incluir no
currículo a questão racial, é necessário que essa abordagem aconteça de forma
efetiva. Ou seja, é importante que o conteúdo e a forma com que ele entrará no
currículo produzam sentido e reflexão entre os estudantes. Este estudo
evidenciou que 15,5 % dos estudantes do ensino fundamental II e 10,7% dos
estudantes do ensino médio não se lembram de ter estudado nada sobre a
questão racial. Esta informação nos permite perceber que os jovens não estão
se lembrando de ter estudado ou verdadeiramente não estudaram o conteúdo.
Pode ser que estes adolescentes tenham visto, em algum momento, sobre as
questões raciais, porém a informação não fez nenhum sentido para eles, a ponto
de não se lembrarem. Além disso, quando questionados sobre quais disciplinas
desenvolviam alguma discussão acerca da temática racial, os estudantes, em
sua maioria, citaram as disciplinas de história, literatura e artes – ou seja, apenas
aquelas explicitamente apontadas no texto da lei.
Outra barreira se encontra na formação dos professores. Embora não
tenha sido objeto deste estudo, é de extrema importância para a efetivação da
implementação das diretrizes curriculares que a Lei n°10.639 propõe. Este tema
acabou fazendo parte das conversas com dirigentes de escolas e com
professores no decorrer do percurso. Além disso, o próprio contato acadêmico
nos permitiu observar as limitações no processo de formação dentro da própria
Unicamp, onde a formação para as relações étnico-raciais na graduação
acontece de forma bem tímida – ou seja, poucas são as disciplinas direcionadas
para a formação dos profissionais que atuarão na educação básica, e muitas
delas são eletivas, isto é, não são obrigatórias na formação docente. Esta
questão nos faz pensar que o currículo não precisa ser revisto apenas para a
educação básica, é necessário priorizar esta temática no currículo da própria
formação docente.
A quarta barreira está ancorada na vontade política dos dirigentes
estaduais e municipais. Dizemos isso porque um dos entraves encontrados na
137
execução deste estudo, e que nos forçou a remodelar a metodologia inicial, está
exatamente neste ponto. Ao começarmos este estudo, fizemos contato com
diversas prefeituras de municípios do estado de São Paulo, com o objetivo de
realizar a pesquisa dentro das escolas da rede municipal de educação. Contudo
não obtivemos retorno de nenhuma prefeitura quanto à aceitação ou recusa para
a execução no interior das escolas. Isso pode ter ocorrido pelo fato de que,
nesses municípios, a implementação das diretrizes curriculares no que tange a
educação para as relações étnico-raciais não estava acontecendo e não fazia
parte do currículo – e, por essa razão, não obtivemos retorno, não autorizaram
nem proibiram nossa entrada, mesmo após inúmeras tentativas.
Nossa segunda hipótese se relaciona à questão da constituição da
identidade. Isto é, o ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras,
quando bem desenvolvido pela escola, pode impactar positivamente a
construção da identidade de estudantes negros e brancos.
No tocante à construção das identidades, sabemos que as
representações sociais são a forma de imprimir significados. Nesse sentido,
percebemos, através das análises, que as representações sociais que os
adolescentes participantes deste estudo fazem acerca da educação para as
relações étnico-raciais são, em sua grande maioria, negativas. Tal fato ocorre
por serem constituídas a partir de narrativas preponderantemente ocidentais,
brancas, heterossexuais e cristãs – que buscam imprimir uma forma de
dominação e manutenção do poder através desta hegemonia (FERNANDES;
SOUZA, 2016). Isso pode ser notado nas expressões de branquitude acrítica e
extremismo que observamos nas falas dos estudantes. Mas esta não é a única
razão: ao analisarmos outros dados do questionário, cruzando dados como cor,
classe social, e rede escolar em que estão matriculados, conseguimos traçar um
perfil social desses estudantes – o que nos permitiu compreender o lugar de fala
ocupado por eles. Assim percebemos não só a questão da branquitude acrítica
nos estudantes que se autodeclaram brancos, como também o que Fanon (2008)
chama de objetivo negro – ou seja, a vontade que o negro tem de se aproximar
da identidade branca com o objetivo de ser aceito –, nas falas dos estudantes
que se autodeclaram pardos ou pretos. Isso é perfeitamente compreensível,
principalmente pois, quando as representações sociais da negritude não são
138
positivas, a constituição das identidades dos negros não será construída de
forma afirmativa.
As identidades, como afirmam Ciampa (1984), Ferreira (2000), Gomes
(2002) e Hall (2006), são construídas e constituídas a partir da relação individual
e coletiva do indivíduo com todo o contexto social, político e cultural. Assim, em
um contexto racista que supervaloriza a branquitude como modelo bem
sucedido de cultura, não é possível que identidades negras sejam forjadas com
valores afirmativos. E é essa a importância de uma educação antirracista que
valorize a negritude e que apresente outras perspectivas e visão de mundo.
Nossas demais hipóteses eram de que a análise da trajetória escolar de
adolescentes cuja escolarização coincide com a vigência da Lei pode nos
oferecer importantes dados sobre a questão. E, por fim, presumimos que os
adolescentes são sujeitos sociais, informantes importantes sobre elementos da
sociedade em que vivem, e, sobretudo, os maiores conhecedores dos elementos
que dizem respeito às suas vidas – portanto, seus pontos de vista constituem
uma parte da história que deve ser considerada nas pesquisas sobre a questão.
Neste sentido, ao ouvir estas vozes – através das análises efetuadas no quarto
capítulo deste estudo –, conseguimos construir uma argumentação que dialogou
com as teorias que tratam do tema e com o que pensam os adolescentes. A
partir disso, acreditamos que a forma de se constituir uma educação antirracista
já existe e foi construída a partir de uma luta incansável dos Movimentos Negros,
tornando-se obrigatória em 2003 com a criação da Lei n°10.639. O que
precisamos garantir é que os processos de formação social sejam modificados
de forma a produzir uma representação social que reconheça a igualdade e não
valorize a supremacia de um grupo em detrimento de outro, nos diversos
contextos sociais – e de forma especial na escola, sobretudo por ser o local
responsável pela socialização do conhecimento e da cultura (GOMES, 2003).
Acreditamos que deva ser desenvolvida no ambiente escolar uma visão
afrocentrada, que busque compreender o mundo a partir da filosofia “UBUNTU”
– que determina que “eu sou porque nós somos”.
Como possibilidade de resolução das questões apresentadas até aqui,
139
está o estabelecimento de formas de acompanhamento da implementação da
Lei. Não apresentaremos sugestões quanto a mudanças no currículo, por
entendemos que outros especialistas no assunto o poderão fazer. Contudo
acreditamos na necessidade de se pensar em uma forma de unificação ou
construção de um currículo comum – salvo as especificidades de cada localidade
e região. Quanto à formação de professores, é urgente que seja criado um
mecanismo de inclusão de metodologias de ensino das africanidades durante o
período de formação docente.
No que tange a questão de vontade política, a situação é ainda mais
grave, principalmente por estarmos vivenciando a ascensão de uma ideologia de
extrema direita que busca desmantelar os direitos sociais atrelada a uma onda
racista e fundamentalista cristã – financiada pelo poder econômico e ancorada
em uma ideologia fascista que, em nome de uma religiosidade que em nada se
assemelha aos valores do cristianismo, reivindica uma supremacia religiosa que
ameaça a laicidade do estado; e, consequentemente, em nome de um moralismo
duvidoso, tende a perseguir as conquistas das comunidades LGBTI, de Negros,
Mulheres, dentre outros. Para essa questão, não existe formula pronta: é um
trabalho de resistência que precisa ser capitaneado e fomentado pela educação.
Finalizamos com apontamentos que julgamos serem fundamentais para
a continuidade da compreensão das questões relacionadas à educação para as
africanidades. Acreditamos que seriam importantes novos estudos que permitam
compreender de que forma a implementação das diretrizes curriculares para a
educação das relações étnico-raciais, num contexto mais amplo (panorama
nacional), está se desdobrando país afora. Também trazemos como sugestão
que novos estudos se ocupem de ouvir os estudantes da educação básica e da
superior quanto ao estudo de africanidades – pois esta questão ainda precisa
ser discutida com este público para que possamos, a partir de novos olhares,
compreender como vem ocorrendo este processo na concepção de quem
participa ativamente. Por fim, mas não menos importante, acreditamos que
devem ser trilhados novos caminhos no que tange a forma com que as religiões
de matriz africana têm sido vistas no contexto escolar. Fazemos essa sinalização
porque percebemos, nas falas dos adolescentes, uma necessidade de conhecer
140
outras histórias que os levem a produzir novas representações acerca da
cosmovisão africana.
141
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GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1999. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: Dp&a, 2006. 101 p. HOFBAUER, Andreas. O conceito de “raça” e o ideário do “branqueamento” no século XIX – Bases Ideológicas do Racismo Brasileiro. Teoria e Pesquisa, 42 e 43, Jan. - Jul. 2003. Disponível em <http://www.teoriaepesquisa.ufscar.br/index.php/tp/article/view/57/47>. Acesso em: 05 jun. 2018. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Índice de Desenvolvimento Humano: Paracatu. 2010. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/paracatu/pesquisa>. Acesso em: 09 ago. 2018. JANGO, Caroline Feitosa. "Aqui tem racismo": Um estudo das representações sociais e das identidades das crianças negras na escola. São Paulo: Livraria da Física, 2017. 313 p. KATRIB, Cairo Mohamad Ibraim; BERNARDES, Vânia Aparecida Martins (Org.). Histórico do Movimento Negro no Brasil. Uberlândia: Lop's, 2010. 79 p. MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. São Paulo: N-1 Edições, 2018. 320 p. MOREIRA, Romilson do Carmo; VIANA, Cristina da Silva. Avanços e desafios na implementação da Lei 10.639/2003: um estudo na rede municipal de ensino de Senhor do Bonfim/BA. Trilhas Pedagógicas, Salvador, v. 5, n. 5, p.150-167, ago. 2015. Disponível em: <http://www.fatece.edu.br/arquivos/arquivos%20revistas/trilhas/volume5/10.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2019. MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: Investigações em Psicologia Social. Tradução de Pedrinho A. Guarechi. 6ª Ed. Petropolis, RJ. Vozes, 2009. MUNANGA, K. Algumas considerações sobre "raça", ação afirmativa e identidade negra no Brasil: fundamentos antropológicos. Revista USP, v. 68, p. 45-57, 2006. MUNANGA, K. Apresentação. In: MUNANGA, Kabengele (Org.) Superando o Racismo na Escola. 2ª ed. revisada. Brasília: MEC/SECAD, 2005. MUNANGA, K. Identidade, Cidadania e Democracia: algumas reflexões sobre os discursos anti-racistas no Brasil. Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, Campinas, SP, v. 5, n. 1, p. 17-24, dez. 2006. ISSN 2178-3284. Disponível em:
145
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147
ANEXO 1 - Quadro de tramitação do PL 259/99
DATA ANDAMENTO
11/03/1999 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
▪ APRESENTAÇÃO DO PROJETO PELA DEP ESTHER GROSSI.
20/03/1999 PLENÁRIO (PLEN)
▪ LEITURA E PUBLICAÇÃO DA MATERIA. DCD 20 03 99 PAG 10942 COL
02.
15/04/1999 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
▪ DESPACHO INICIAL À CECD E CCJR (ARTIGO 54 DO RI) - ARTIGO 24,
II.
06/05/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)
▪ RELATOR DEP EVANDRO MILHOMEN.
12/05/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)
▪ PRAZO PARA ARPESENTAÇÃO DE EMENDAS: 05 SESSÕES.
19/05/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)
▪ NÃO FORAM APRESENTADAS EMENDAS.
16/06/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)
▪ PARECER FAVORAVEL DO RELATOR, DEP EVANDRO MILHOMEN.
17/08/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)
▪ APROVAÇÃO UNANIME DO PARECER FAVORAVEL DO RELATOR,
EVANDRO MILHOMEN.
(PL. 259-A/99).
DCD 25 08 99 PAG 36738 COL 02.
19/08/1999 Comissão de Educação e de Cultura (CEC)
▪ ENCAMINHADO A COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE
REDAÇÃO.
24/04/2000 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ RELATOR DEP ANDRÉ BENASSI.
02/05/2000 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE EMENDAS: 05 SESSÕES.
10/05/2000 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ NÃO FORAM APRESENTADAS EMENDAS.
26/05/2000 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ Parecer do relator pela constitucionalidade, juridicidade e técnica
legislativa, com emenda.
25/09/2001 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) - Vista
conjunta aos Deputados Iédio Rosa e Zulaiê Cobra.
27/09/2001 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
148
▪ Encerramento automático do Prazo para Vista Conjunta.
01/10/2001 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ Devolução de Vista (Dep. Iédio Rosa e Dep. Zulaiê Cobra).
08/11/2001 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) Aprovado
por Unanimidade o Parecer
08/11/2001 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
▪ Leitura e publicação dos pareceres da CECD e CCJR.
(PL. 259-B/99).
DCD 09 11 01 Pág 57418 Col 02.
11/12/2001 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
▪ Prazo para apresentação de recurso artigo 132, § 2º do RI (05 sessões)
de: 11 12 01 a 18 02 02.
DCD 11 12 01 Pág 64272 Col 02.
19/02/2002 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
▪ Encerramento automático do Prazo para Recurso.
▪ Of. SGM-P 17/02, à CCJR, encaminhando este projeto para elaboração
da Redação Final, nos termos do Artigo 58, Parágrafo Quarto e Artigo 24,
II, do RI.
▪ Encaminhado à CCP
20/02/2002 COORDENAÇÃO DE COMISSÕES PERMANENTES (CCP)
▪ Encaminhado à CCJR
20/02/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ Recebimento pela CCJR.
07/03/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ Designado Relator, Dep. Aldir Cabral
08/03/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ Recebida a Redação Final
12/03/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ Aprovado por Unanimidade o Parecer
21/03/2002 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)
▪ Encaminhado à CCP
▪ Encaminhamento à CCP para publicação.
05/04/2002 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
▪ Remessa ao Senado Federal, através do Of. PS-GSE/70/02.
10/01/2003 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
▪ Transformado na Lei 10639/03. DOFC 10 01 03 PAG 001 COL 01.
Vetado Parcialmente (MSC 07/03-PE e MSG 06/03-CN).
Razões do Veto: DO DE 10 01 03 PÁG 001 COL 01.
149
14/05/2003 CONGRESSO NACIONAL (CN)
▪ Leitura e publicação da Mensagem 06/03-CN.
DCN 15.05.03, pág. 0449, col. 01.
▪ Designação da seguinte Comissão Mista para elaboração do relatório:
SENADORES: Teotônio Vilela Filho, Leomar Quintanilha, Eduardo
Suplicy e Antero Paes de Barros.
DEPUTADOS: Gilmar Machado, Celcita Pinheiro, Sandra Rosado e José
Linhares.
Prazo para apresentação do relatório: 03.06.03 (20 dias, de acordo com
o artigo 105 do Regimento Comum).
Prazo para tramitação do veto no Congresso Nacional: 13.06.03 (30
dias, de acordo com o artigo 66, parágrafo quarto da Constituição
Federal).
DCN 15.05.03, pág. 0454, col. 02.
20/05/2004 CONGRESSO NACIONAL (CN)
▪ Discussão em turno único dos Vetos Presidenciais apostos a este Projeto.
▪ Encerrada a discussão.
▪ Votação em turno único dos Vetos Presidenciais apostos a este Projeto,
constantes da cédula única de votação, item133. DCN 21.05.04, pág. 803,
col. 01.
26/05/2004 Senado Federal (SF)
▪ Leitura da Ata de Apuração dos vetos presidenciais, constante da cédula
única de votação, utilizada na sessão conjunta realizada no dia 20.05.04,
por falta de "quorum". DSF de 28.05.04, pág. 16396, col. 01.
26/05/2004 CONGRESSO NACIONAL (CN)
▪ Adiada a votação dos vetos presidenciais apostos a este Projeto,
constante da cédula única de votação, item 133, utilizada na sessão
conjunta realizada em 20.05.04, por falta de "quorum". DSF de 28/05/2004
pág 16396 col 2.
15/04/2008 CONGRESSO NACIONAL (CN)
▪ Votação em turno único do Veto Parcial nº 4/2003, aposto a este Projeto,
pelo processo de cédula única, item 2.
DCN de 16/04/08 PÁG 874 COL 01. Sessão Conjunta.
16/04/2008 Senado Federal (SF)
▪ A Presidência do Senado Federal dá conhecimento do resultado da
apuração dos vetos presidenciais constantes da cédula única de votação
utilizada na sessão conjunta realizada em 15/4/2008. DSF de 17/4/2008.
16/04/2008 CONGRESSO NACIONAL (CN)
▪ Mantido o Veto Parcial nº 4/2003, aposto a este Projeto. Resultado
publicado no DSF de 17/4/2008.
29/04/2008 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
▪ Of. 217/2008-CN, de 29/4/2008, comunicando a manutenção dos Vetos
Presidenciais e encaminhando a Ata de Apuração dos votos de Vetos
Presidenciais constantes da cédula única de votação utilizada na Sessão
Conjunta realizada no dia 15/4/2008. Fonte: Portal Câmara dos deputados - Adaptado pelo pesquisador
150
ANEXO 2 – Termo de Assentimento
TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Quais os impactos da Lei n°10.639/03? A voz e a vez dos adolescentes dizerem o que pensam
Paulo Fabrício Roquete Gomes
Orientadora: Gabriela Guarnieri de Campos Tebet
Número do CAAE: (80187317.0.0000.8142)
Você está sendo convidado(a) a participar como voluntário(a) de uma pesquisa. Este documento, chamado Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, visa a assegurar seus direitos como participante.
Justificativa e objetivos:
Este projeto de pesquisa tem como proposta identificar e evidenciar o modo como você – jovem estudante do ensino fundamental II – percebe o trabalho sobre as relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas que foi realizado pelas escolas que você frequentou até hoje.
A proposição deste estudo, portanto, é entender o processo de implementação da Lei n°10.639/03 sob a ótica do(a) estudante. Pretende-se, através da pesquisa, conhecer os impactos ou desdobramentos da implementação desta lei na sua vida e no modo como se relaciona com você mesmo e com a sociedade.
Objetivos:
Identificar como foi realizada a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas a partir da ótica de adolescentes do 7º e 8º anos do ensino fundamental;
Analisar a partir da perspectiva dos sujeitos (estudantes) o que aprenderam na escola sobre a história e cultura afro-brasileiras após a implementação da referida lei;
Discutir as principais marcas que as experiências relativas à temática racial vividas por estes adolescentes ao longo de sua trajetória escolar implicaram na constituição de suas subjetividades;
Identificar/Analisar a partir do discurso dos adolescentes elementos que possibilitem reflexões sobre como se dá o processo de constituição da identidade negra e qual o papel da escola nesse processo.
Procedimentos:
Participando do estudo, você está sendo convidado(a) a preencher um questionário sobre o estudo de história e cultura africanas e afro-brasileiras na escola. Vale salientar que sua identidade será mantida sob sigilo.
Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se por ventura se sentir coagido(a). É importante chamar atenção ainda para o fato de que a/o jovem respondente pode sentir algum desconforto
151
ao responder a alguma pergunta do questionário e, se isso ocorrer poderá responder à pergunta indicando apenas que “não se sente à vontade para partilhar tal informação”. Você também poderá desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhum tipo de prejuízo.
Benefícios:
Esta pesquisa não trará benefícios diretos aos pesquisados. Todavia, haverá importante benefício indireto, na medida em que contribuirá para compreender, através da narrativa dos(as) adolescentes, a forma com a qual eles/elas vivenciam as experiências escolares relativas às relações raciais. A partir disso, o estudo poderá possibilitar uma reflexão por parte das instituições de educação sobre a implementação da Lei n°10.639/03 numa ótica não muito estudada, mas muito representativa, pois coloca os(as) adolescentes no papel de protagonistas no processo de construção da educação. Dessa forma, as reflexões que farão parte dos resultados do estudo podem auxiliar as escolas, educadores/as e gestores/as na construção de políticas e práticas que possam ser significativas para os(as) estudantes.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com o pesquisador Paulo Fabrício Roquete Gomes por meio do telefone (19) 99742-3994, e-mail [email protected], ou com a professora orientadora da pesquisa, Profa. Dra. Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (Faculdade de Educação/ UNICAMP), pelo e-mail [email protected].
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: [email protected].
O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir a função de órgão consultor na área de ética em pesquisas
Assentimento livre e esclarecido:
Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar.
Aceito Participar da pesquisa
Não aceito participar da pesquisa
152
ANEXO 3 – Questionário aplicado aos estudantes do ensino fundamental
II
Você é:
Menino
Menina
2. Qual sua cor/raça?
Preta
Parda
Branca
Amarela (asiático)
Indígena
3. Qual a cor/raça dos seus pais? (Preencha mais de uma alternativa quando seus pais tiverem
cor/raça diferente um do outro)
Preta
Parda
Branca
Amarela (asiático)
Indígena
4. Em que Cidade/Estado você estuda?
5. A maior parte da sua trajetória escolar foi:
em escolas públicas
em escolas particulares
6. Qual o nome da escola onde você estuda hoje?
7. Que ano você está cursando?
5º ano
6º ano
7º ano
8º ano
9º ano
Ensino Médio
8. Você já ouviu falar das leis 10.639/03 ou 11.645/08 que falam sobre a inclusão do Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e dos povos indígenas no currículo escolar?
153
Sim, mas não sei muito sobre o assunto.
Sim e acho importante discutir sobre essas questões.
Sim, mas para mim não seria necessário.
Não, mas o assunto me interessa.
Não, e não creio que isso vá acrescentar muito aos meus conhecimentos.
9. Você se lembra de ter tido atividades ligadas à Educação das Relações Étnico-Raciais ou
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em que momentos da sua trajetória
escolar?
Na creche (0 a 3 anos)
Na pré-escola (3 a 6 anos)
No ensino fundamental I (1º ao 5º ano do Ensino Fundamental)
No Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano do Ensino Fundamental)
Em nenhum momento
10. Quais desses conteúdos relativos ao Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
você se lembra de ter estudado ao longo de sua trajetória escolar? Responda mais de uma
alternativa se necessário.
Aspectos geográficos
História do processo de escravização e diáspora (dispersão dos povos)
Outras questões ligadas a história do continente africano e de seus países
A Arte dos povos africanos
Outras questões relacionadas à cultura africana; (costumes, religião, culinária,
vestimentas, etc...)
Literatura africana e de escritores afro-brasileiros
O Racismo
Nenhum conteúdo
Outros
11. Quais disciplinas introduziram conteúdos relacionados às africanidades no currículo durante
sua trajetória escolar?
Artes
Ciências
Educação Física
Filosofia
Geografia
História
Informática
154
Inglês
Matemática
Português
Disciplina específica "Afro"
Outra
Nenhuma
12. Quais foram suas principais aprendizagens/conteúdos estudados sobre Educação das
Relações Étnico-Raciais e sobre a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na escola de
quando você era bem pequeno até hoje?
13. Você acha que essas atividades impactaram o modo como você constituiu sua própria
identidade (ou seja, sua maneira de agir, seu comportamento e pensamento)
Sim
Não
14. Por quê?
15. Você acha que essas atividades impactaram o modo como você se relaciona com a
população afro-brasileira?
Sim
Não
16. Por quê?
17. O que você entende por Educação das Relações Étnico-Raciais?
18. O que você entende por racismo?
19. Você já viu ou sofreu algum ato de racismo?
Sim, sofri na escola
Sim, sofri fora da escola
Já vi racismo na escola
Já vi racismo fora da escola
Nunca vi nem sofri atos de racismo
20. Você acha que você já teve uma ação racista em algum momento da vida?
Sim. Algumas vezes
Sim. Muitas vezes
Não, que eu me lembre
Nunca
155
21. Você acredita que conhecer a história e cultura africana e afro-brasileira na escola influencia
o comportamento das pessoas frente às questões raciais?
Sim
Não
Não sei
22. Por quê? (responda se desejar)
23. Que tipo de atividade desenvolvida na escola relacionada à educação para as relações
étnico-raciais mais lhe chamou a atenção? Explique:
156
ANEXO 4 – Termo de Assentimento
TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Quais os impactos da Lei n°10.639/03? A voz e a vez dos adolescentes dizerem o que pensam
Paulo Fabrício Roquete Gomes
Orientadora: Gabriela Guarnieri de Campos Tebet
Número do CAAE: (80187317.0.0000.8142)
Você está sendo convidado(a) a participar como voluntário(a) de uma pesquisa. Este documento, chamado Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, visa a assegurar seus direitos como participante.
Justificativa e objetivos:
Este projeto de pesquisa tem como proposta identificar e evidenciar o modo como você – jovem estudante do ensino médio – percebe o trabalho sobre as relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas que foi realizado pelas escolas que você frequentou até hoje.
A proposição deste estudo, portanto, é entender o processo de implementação da Lei n°10.639/03 sob a ótica do(a) estudante. Pretende-se, através da pesquisa, conhecer os impactos ou desdobramentos da implementação desta lei na sua vida e no modo como se relaciona com você mesmo e com a sociedade.
Objetivos:
Identificar como foi realizada a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas a partir da ótica de adolescentes dos 1º, 2º e 3º anos do ensino médio;
Analisar a partir da perspectiva dos sujeitos (estudantes) o que aprenderam na escola sobre a história e cultura afro-brasileiras após a implementação da referida lei;
Discutir as principais marcas que as experiências relativas à temática racial vividas por estes adolescentes ao longo de sua trajetória escolar implicaram na constituição de suas subjetividades;
Identificar/Analisar a partir do discurso dos adolescentes elementos que possibilitem reflexões sobre como se dá o processo de constituição da identidade negra e qual o papel da escola nesse processo.
Procedimentos:
Participando do estudo, você está sendo convidado(a) a preencher um questionário sobre o estudo de história e cultura africanas e afro-brasileiras na escola. Vale salientar que sua identidade será mantida sob sigilo.
Desconfortos e riscos:
Você não deve participar deste estudo se por ventura se sentir coagido(a). É importante chamar atenção ainda para o fato de que a/o jovem respondente pode sentir algum desconforto
157
ao responder a alguma pergunta do questionário e, se isso ocorrer, poderá responder a pergunta indicando apenas que “não se sente à vontade para partilhar tal informação”. Você também poderá desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhum tipo de prejuízo.
Benefícios:
Esta pesquisa não trará benefícios diretos aos pesquisados. Todavia, haverá importante benefício indireto, na medida em que contribuirá para compreender, através da narrativa dos(as) adolescentes, a forma com a qual eles/elas vivenciam as experiências escolares relativas às relações raciais. A partir disso, o estudo poderá possibilitar uma reflexão por parte das instituições de educação sobre a implementação da Lei n°10.639/03 numa ótica não muito estudada, mas muito representativa pois coloca os(as) adolescentes no papel de protagonistas no processo de construção da educação. Dessa forma, as reflexões que farão parte dos resultados do estudo podem auxiliar as escolas, educadores/as e gestores/as na construção de políticas e práticas que possam ser significativas para os(as) estudantes.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com o pesquisador Paulo Fabrício Roquete Gomes por meio do telefone (19) 99742-3994, e-mail [email protected] ou com a professora orientadora da pesquisa, Profa. Dra. Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (Faculdade de Educação/ UNICAMP), pelo e-mail [email protected].
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões éticas do estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNICAMP das 08:30hs às 11:30hs e das 13:00hs as 17:00hs na Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936 ou (19) 3521-7187; e-mail: [email protected].
O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pesquisas envolvendo seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assumir a função de órgão consultor na área de ética em pesquisas
Assentimento livre e esclarecido:
Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar.
Aceito participar da pesquisa
Não aceito participar da pesquisa
158
ANEXO 5 – Questionário aplicado aos estudantes do ensino médio
1.Você é:
Garoto
Garota
2. Qual sua cor/raça?
Preta
Parda
Branca
Amarela (asiático)
Indígena
3. Qual a cor/raça dos seus pais? (Preencha mais de uma alternativa quando seus pais tiverem
cor/raça diferente um do outro)
Preta
Parda
Branca
Amarela (asiático)
Indígena
4. Em que Cidade/Estado você estuda?
5. A maior parte da sua trajetória escolar foi:
em escolas públicas
em escolas particulares
6. Qual o nome da escola onde você estuda hoje?
7. Que ano você está cursando?
1º ano – ensino médio
2º ano – ensino médio
3º ano – ensino médio
8. Você já ouviu falar das leis n°10.639/03 ou n°11.645/08 que falam sobre a inclusão do Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileiras, Africanas e dos povos indígenas no currículo escolar?
Sim, mas não sei muito sobre o assunto.
Sim e acho importante discutir sobre essas questões.
Sim, mas para mim não seria necessário.
Não, mas o assunto me interessa.
159
Não, e não creio que isso vá acrescentar muito aos meus conhecimentos.
9. Você se lembra de ter tido atividades ligadas à Educação das Relações Étnico-Raciais ou ao
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas em que momentos das sua trajetória
escolar?
Na creche (0 a 3 anos)
Na pré-escola (3 a 6 anos)
No ensino fundamental I (1º ao 5º ano do Ensino Fundamental)
No Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano do Ensino Fundamental)
No ensino médio
Em nenhum momento
10. Quais foram suas principais aprendizagens/conteúdos estudados sobre Educação das
Relações Étnico-Raciais e sobre a História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas na escola de
quando você era bem pequeno até hoje?
11. Você acha que essas atividades impactaram o modo como você constituiu sua própria
identidade (ou seja, sua maneira de agir, seu comportamento e pensamento)
Sim
Não
12. Por quê?
13. Você acha que essas atividades impactaram o modo como você se relaciona com a
população afro-brasileira?
Sim
Não
14. Por quê?
15. O que você entende por Educação das Relações Étnico-Raciais?
16. O que você entende por racismo?
17. Você já viu ou sofreu algum ato de racismo?
Sim, sofri na escola
Sim, sofri fora da escola
Já vi racismo na escola
Já vi racismo fora da escola
Nunca vi nem sofri atos de racismo
18. Você acha que você já teve uma ação racista em algum momento da vida?
160
Sim. Algumas vezes
Sim. Muitas vezes
Não, que eu me lembre
Nunca
19. Você acredita que conhecer a história e cultura africana e afro-brasileira na escola influencia
o comportamento das pessoas frente as questões raciais?
Sim
Não
Não sei
20. Por quê? (responda se desejar)
21. Que tipo de atividade desenvolvida na escola relacionada à educação para as relações
étnico-raciais mais lhe chamou a atenção? Explique:
161
ANEXO 6 – Estudos publicados sobre a temática “constituição de
identidade e ensino médio”, até novembro de 2017, disponíveis no acervo
CAPES.
AUTOR: ALMEIDA, GABRIELA GUERRA DE ANO DA PUBLICAÇÃO: 2015 TEMA: A Cultura Visual na Educação na Educação na Construção da Identidade Étnico-Racial RESUMO: A Cultura Visual vem ganhando importância a partir do século XX com o desenvolvimento da fotografia, do cinema, da televisão e da internet, de forma que as possibilidades de atuação dos indivíduos como emissores e receptores de informação têm se ampliado. Embora o estudo da imagem e das novas mídias dentro da escola venha ganhando relevância, ele acontece ainda de maneira tímida no que diz respeito a sua potencialidade como recurso didático e como forma de expressão. Este trabalho busca apresentar o percurso de uma pesquisa educacional baseada em artes, cujo objetivo central foi compreender como o desenvolvimento da linguagem visual pode contribuir para a construção de identidades em uma perspectiva plural, tendo em vista o tema do pertencimento étnico-racial da população brasileira e o conteúdo conflituoso vinculado às teorias raciais de cunho biológico. Desenvolveu-se uma oficina de artes visuais com estudantes do Ensino Fundamental e Médio de uma Escola Fazenda situada na região metropolitana de Belo Horizonte, na qual se buscou refletir, por meio do estudo da cultura visual, sobre o papel da interdisciplinaridade (ciências da natureza e ciências sociais) na construção das identidades étnico-raciais no Brasil.
AUTOR: BONILHA, TAMYRIS PROENÇA. ANO DA PUBLICAÇÃO: 2012 TEMA: O não-lugar do sujeito negro na educação brasileira RESUMO: Este estudo tem por objetivo analisar dados estatísticos educacionais acerca da trajetória do sujeito negro, na educação básica, de modo a identificar as regiões do Brasil que apresentam os maiores índices de exclusão escolar, e relacioná-los ao contexto político e social, a fim de identificar possíveis mecanismos que influenciam o sucesso e o fracasso escolar destes sujeitos. Foram utilizados para coleta de dados algumas fontes oficiais de pesquisa, tais como: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística); INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa); DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), bem como outras fontes de natureza teórica que fundamentaram as discussões e análise dos dados. A partir da análise dos dados, constatou-se: disparidade entre o número de alunos pretos e alunos pardos, em todos os níveis de ensino, situação está, compreendida na lógica do ideal de branqueamento; os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio representam os níveis de ensino com exclusão escolar do aluno negro. A exclusão do negro é um problema nacional, não estando circunscrita a uma região específica, isto é, o aluno negro sofre as consequências da discriminação racial em todas as regiões do país, e em todos os níveis de ensino. Esta pesquisa é de grande relevância acadêmica e social, na medida em que revela as fragilidades e deficiências existentes nos dados do Censo Escolar, e ressalta a urgência na melhora das estratégias de coleta dos dados, bem como a necessidade de maior acompanhamento e conscientização sobre sua importância para a sociedade.
AUTOR: COSTA, LÍGIA MARISE LIMA ANO DA PUBLICAÇÃO: 2012 TEMA: “SOU QUILOMBOLA, BOM ALUNO E BOM DE BOLA”: A constituição identitária de alunos do ensino médio: um estudo histórico antropológico com jovens moradores de uma comunidade remanescente de quilombo do sertão mineiro. Minas Novas, Minas Gerais
162
RESUMO: Esta dissertação intitulada “SOU QUILOMBOLA, BOM ALUNO E BOM DE BOLA”: A constituição identitária de alunos do ensino médio: um estudo histórico antropológico com jovens moradores de uma comunidade remanescente de quilombo do sertão mineiro. Minas Novas, Minas Gerais, resultou da pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da PUC-Minas. Tratou-se de um estudo etnográfico, histórico e antropológico de natureza qualitativa que teve por objetivo principal compreender como são constituídas as identidades de jovens alunos do ensino médio, moradores de uma comunidade remanescente de quilombo e que estudam em uma escola localizada fora da comunidade onde vivem. A Escola Estadual de Ribeirão da Folha fica localizada no Distrito de Ribeirão da Folha e a comunidade onde vivem os sujeitos desta pesquisa é o Quilombo. Ambas comunidades são rurais e estão localizadas no sertão do município de Minas Novas, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Nestes tempos e espaços procurou-se compreender como são formadas, conformadas ou negadas as identidades dos sujeitos tendo como categorias principais: culturas, identidade, identidade étnico-racial quilombola, educação em ambiente rural, entre outras. A metodologia usada foi a observação participante, na qual o trabalho de campo, entre a primeira visita e última, perdurou por aproximadamente 17 meses, no período de julho de 2010 a dezembro de 2011. Sendo que, durante os meses de janeiro a maio de 2011, a autora morou no campo de pesquisa. Para o desenvolvimento da observação participante foram empregadas técnicas como as observações assistemática e sistemática, conversas informais, memoriais feitos pelos sujeitos, entrevistas abertas e dialogadas, e, análise em documentos oficiais. Os resultados alcançados evidenciaram que a escola não valoriza as culturas das comunidades do seu entorno, bem como, as culturas dos remanescentes de quilombo da região, pois, em nenhum dos documentos analisados puderam ser encontradas pistas que dizem das culturas destes sujeitos e comunidades. Em contrapartida a este distanciamento da escola da realidade onde se insere, os alunos ouvidos nesta pesquisa valorizam a escola e a educação como meio necessário para alcançarem ascensão econômica e de alguma forma contribuir para o progresso da comunidade onde vivem. E por fim a investigação evidencia que para os jovens alunos, ser pessoa quilombola é, antes de tudo, assumir sua participação dentro da comunidade e reconhecer sua descendência e sua cultura como diferente da cultura do “outro”, é ser diferente como princípio de alteridade. Destacamos que nesse reconhecimento da alteridade, a cor da pele não é o principal elemento de diferenciação, pois a comunidade possui pessoas com características fenotípicas variadas, que vai desde o branco, passando por aquelas que carregam traços indígenas e negros.
AUTOR: JESUS, LORI HACK DE. ANO DA PUBLICAÇÃO: 2005 TEMA: Trajetórias de vida e estudo de alunos negros do Ensino Médio da cidade de Tapurah/MT. RESUMO: Esta Dissertação teve como principal objetivo investigar a trajetória de vida e estudo dos alunos negros do Ensino Médio, tentando detectar se existem manifestações de racismo, de discriminação e de preconceito nas vivências destes jovens estudantes, bem como, tentando levantar os fatores que os motivam a ultrapassar o gargalo escolar, apesar da relação desigual existente, completando o Ensino Médio e preparando-se para enfrentar o vestibular, dando assim, continuidade aos estudos, bem como, perceber quais são suas perspectivas para um futuro próximo. Para que isto fosse possível, coletaram-se os dados com treze alunos. Eles concederam suas histórias de vida. A História de Vida é o instrumento que permite captar parte da subjetividade, pois os narradores contam os fatos de sua existência através do tempo, de acordo com o que vivenciaram e o que acumularam de experiências significativas. Assim, esta pesquisa tem cunho qualitativo, pois a “fala” dos depoentes foi privilegiada, dando-se “voz” aos jovens, que estão em busca de espaços onde consigam passar suas percepções, pois os jovens gostam de contribuir e de participar. Foram estabelecidas relações entre os estudos, principalmente de Corti (2004) e Sposito (1999) sobre os jovens atuais e negros;
163
buscando-se significados para as respostas obtidas em Norbert Elias (2000), Frantz Fanon (1983), Goffman (1982), DaMatta (1987; 1990), Munanga (1999; 2004), Souza (1983), Oliveira (1999), Teixeira (2003), Cavalleiro (2003) e Osório (2003) sobre as relações raciais. Com este estudo, conclui-se entre outras coisas, que os jovens negros de Tapurah tem uma percepção bem elaborada sobre a forma como acontecem as situações de discriminação, isto é, comprovam a idéia de que o “racismo à brasileira” se atualiza dia-a-dia, encontrando sempre novas formas de excluir, sendo que as pessoas que continuam sofrendo as conseqüências desse preconceito continuam as mesmas: as pessoas negras. Entretanto, estes jovens se fortalecem em sua criatividade para driblar as ações racistas, pois mesmo que tenham um percurso mais acidentado que os seus colegas brancos, dão a volta por cima, continuam seus estudos, pois querem concretizar os sonhos idealizados e, muitas vezes, utilizando-se de “redes de apoio”. Portanto, é necessário evidenciar nas escolas uma política que reconheça a legitimidade da reivindicação dos jovens estudantes negros, traduzindo o discurso numa prática pedagógica que exerça a inclusão e que lhes permita serem respeitados em todos os sentidos.
AUTOR: MAIA, MARIA EDLEUZA. ANO DA PUBLICAÇÃO:2015 TEMA: A escola e a formação do aluno negro: o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana RESUMO: Este trabalho tem como objetivo identificar como a história e a cultura africana e afro-brasileira permeiam o espaço escolar e mediam processos de formação identitária do estudante negro. A pesquisa foi realizada com professores e alunos de uma escola pública estadual de ensino médio, do município de Limoeiro do Norte, Ceará, utilizando-se de recursos metodológicos como enquetes, histórias de vida e entrevistas, privilegiando as memórias e autobiografias dos que se reconhecem ou são reconhecidos como negros. Foram utilizadas também fontes bibliográficas que discorrem sobre o ensino de história e a situação dos afro-brasileiros, hoje; África em sala de aula e a função social da escola. Os estudos confirmam que a instituição escolar é importante na formação identitária dos estudantes, seja para afirmar e/ou negar identidades atribuídas, seja para adquirir outras. Os depoimentos revelam que há uma ausência de referenciais afirmativos dos negros na História da África veiculada na escola e na sociedade brasileira, e isso afeta o desempenho escolar e a identificação destes com essa história. Ainda persistem na escola comportamentos que desqualificam a estética e religiosidade negras. Há uma naturalização da desigualdade e o não reconhecimento do preconceito, inclusive, por parte dos negros. Isto contribui para elevar o descrédito dos negros em sua capacidade intelectual, influenciando no desempenho escolar. A implementação da Lei 10.639/03 demanda inúmeras ações e desafios junto à escola, aos educadores e estudantes negros. Cabe ao Estado brasileiro continuar gestando ações afirmativas e políticas antirracistas na sociedade e instituições de ensino que garantam mudanças estruturais na realidade socioeconômica de forma a enfrentar o racismo estrutural, institucional e cotidiano vivenciado por pessoas negras. Os movimentos sociais e o movimento negro em particular podem contribuir na mobilização e sensibilização desta questão.
AUTOR: NASCIMENTO, ANDERSON MESSIAS RORISO DO ANO DA PUBLICAÇÃO: 2011 TEMA: O hip hop como experiência estética: apropriações e ressignificações por jovens do ensino médio privado RESUMO: A dissertação que ora se apresente se insere no campo dos estudos sobre juventude, educação e políticas públicas. O Hip Hop enquanto movimento sócio-cultural passou a ter maior visibilidade no Brasil a partir da década de 1990, chegando também à Brasília e
164
imprimindo novos estilos de vida das juventudes residentes, sobretudo nas regiões distantes do Plano Piloto, comumente definidas como cidades satélites. Na última década o Hip Hop chegou a lugares inimagináveis, por exemplo, nas escolas privadas localizadas em regiões nobres da capital federal. Nesse contexto, o interesse de rapazes e garotas está voltando principalmente para o que se caracterizou como dança de rua, adquirindo, no entanto, características próprias e passando a ser apropriado e ressignificado por esses/as jovens de múltiplas formas, tanto no âmbito individual como coletivo. A partir desta constatação, buscou-se investigar a atuação dos/as jovens no grupo de dança dentro da escola onde estudam, como intuito de compreender o que os/as motivou a escolher o street dance como atividade cultural e quais são as leituras que eles/as fazem sobre a relação existente entre o movimento Hip Hop e as questões étnico-raciais. Para tanto, buscamos compreender a condição juvenil no contexto de duas escolas privadas que ofertam o Ensino Médio, uma vez que é possível perceber novas manifestações coletivas no interior escolar, criadoras de uma nova estética juvenil. Realizamos observações diretas nessas duas escolas assim como quatro grupo de discussão com jovens de ambos os sexos. Os resultados aqui apresentados se referem à análise em profundidade de dois grupos de discussão que foi realizada com base no método documentário de interpretação desenvolvido por Ralf Bohnsack, cujas bases teóricas encontram-se solidificadas na Sociologia do Conhecimento de Karl Mannheim.
AUTOR: SANTANA, NIVEA MARIA DE ARAUJO. ANO DA PUBLICAÇÃO: 2016 TEMA: A Lei 10.639/03, História e Interculturalidade: Reflexões sobre o papel das práticas educacionais nas construções identitárias e alteritária dos/as alunos/as do Ensino Normal Médio RESUMO: Esta dissertação apresenta as reflexões sobre em que medida as práticas educativas vivenciadas pelos/as alunos/as, após a promulgação da Lei 10.639/03, foram capazes de influenciar suas construções identitárias e alteritárias, em especial com relação a questão cor/raça. Sendo escolhidos como sujeitos das pesquisas os/as estudantes que cursavam o 4º ano do Normal Médio, na Escola Estadual Pe. Nicolau Pimentel, localizada no município de Limoeiro/PE, a partir da perspectiva que, mais que um instrumento legal, a lei possui um caráter pedagógico, através do qual se pretende fazer uma reforma não só educacional, como também social, ao trazer a questão da diferença para sala de aula, possibilitando o debate sobre temas que consideramos basilares para uma educação que se reconhece pluriétnica e multicultural. Nesta perspectiva, este trabalho tem a premissa que, ao tornar obrigatório o ensino de História e da Cultura Afro-brasileiras no Currículo da Educação Básica do país, a respectiva Lei, forneceu as ferramentas e o espaço para que o ‘Outro’ se torne visível no ambiente escolar. Entendendo, contudo, que, por se tratar de um instrumento legal que busca modificar o modelo de educação institucionalizado e naturalizado há décadas, o “cumprimento” dessa Lei na sala de aula, é um ato discricionário do/a professora/a, que dependerá, em grande medida, de sua formação acadêmica, razão pela qual, os/as alunos/as no Ensino Normal Médio, com sua natureza híbrida, representam tão bem a perspectiva assimilacionista, condição que parece própria para refletir sobre o cumprimento e os efeitos da Lei 10.639/03, após mais de dez anos de sua promulgação. Ao analisarmos os dados levantados durante o processo de pesquisa, na qual adotamos uma abordagem qualitativa, usando como estratégia a pesquisa-ação e como técnica principal de coleta de dados o grupo focal, percebemos que, mesmo de forma incipiente e diante da resistência de alguns professores em mudar suas práticas educativas para acolher a proposta da Lei, atitude que favorece a permanência de (pre)conceitos naturalizados e internalizados social e individualmente, como o mito das três raças, as inquietações e questionamentos dos/as alunos/as, assim como sua disposição em discutir a diferença na sala de aula, se posicionando e refletindo sobre problemas como a identificação racial/étnica, houve o deslocamento entre o fazer e o pensar que podemos chamar de aprendizagem.
165
AUTOR: PEREIRA, WELLINGTON GUSTAVO. ANO DA PUBLICAÇÃO: 2016 TEMA: Entender e construir representações do negro brasileiro em parceria com adolescentes RESUMO: Este estudo descreve e analisa Sequências Didáticas voltadas para educação étnico-racial e a implementação da lei 10639/03. Em aulas da disciplina Língua Portuguesa, ministradas em escolas públicas, estudantes de ensino médio e ensino fundamental produziram textos sobre algumas representações do negro brasileiro: racismo em situações cotidianas, racismo na TV brasileira e o mito do Saci. Trata-se de uma pesquisa-ação, na qual, as reflexões de adolescentes a partir de situações-problema formam o grande objeto de estudo. O conceito de Sequências Didáticas utilizado foi desenvolvido pelos autores suíços Dolz, Noverraz e Schneuwly. O ensino de língua materna está centrado nos gêneros textuais, conforme estabelecem os Parâmetros Curriculares Nacionais e explicam autores brasileiros filiados aos conceitos de Mikhail Bakhtin. Cada uma das temáticas raciais será examinada em diálogo com pesquisas que trataram especificamente daquele aspecto. Ao longo da obra, contribuições de autores como Kabengele Munanga, Nilma Lino Gomes e Antônio Sérgio Guimarães estarão presentes para melhor compreensão e interpretação das relações raciais no Brasil.
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador a partir das dissertações e teses disponíveis na plataforma CAPES.
166
ANEXO 7 - Gráfico – Estado em que residem os participantes da pesquisa, do Ensino
Fundamental II
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
27,4%
21,2%
2,7%
3,4%
7,5%
3,4%
3,4%
0,7%
4,1%
6,8%
2,7%
3,4%
4,1%
1,4%
0,7%
0,7%
1,4%
1,4%
1,4%
0,7%
1,4%
1
Estado em que estudam
DF AC PI MT RN RO AP TO CE PE GO
PR BA AL MS SC RS RJ ES MG SP
167
ANEXO 8 - Gráfico – Estado em que residem os participantes da pesquisa, do Ensino
Médio
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
46,3%
5,7%2,5%
3,9%8,7%
4,6%
1,1%
0,5%
3,9%
8,2%
1,8%
2,3%
3,0%
0,2%
0,5%
1,8%
0,2%
0,2%
1,4%
0,9%
0,9%
1,4%
0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0%
SP
MG
ES
RJ
RS
SC
MS
AL
BA
PR
GO
PE
CE
TO
RO
RN
PI
AC
DF
PA
MA
NÃO RESPONDERAM
Em que estado você estuda?
168
ANEXO 9 - Gráfico – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa, do Ensino
Fundamental II
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
43,8%
56,2%
Sexo dos Estudantes
Menino
Menina
169
ANEXO 10 - Gráfico – Sexo dos adolescentes participantes da pesquisa, do Ensino
Médio
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
44,3%
55,7%
Sexo dos participantes
Garoto
Garota
170
ANEXO 11 - Gráfico – Raça/Cor dos estudantes participantes da pesquisa, do Ensino
Fundamental II
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
6,8%
38,4%
52,1%
2,7%0,0%
Cor/raça dos participantes
Preta Parda Branca Indígena Amarelo (asiático)
171
ANEXO 12 - Gráfico – Raça/Cor dos estudantes participantes da pesquisa, do Ensino
Médio
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
9,4%
36,1%51,8%
1,6%1,1%
Cor/raça dos participantes
Preta
Parda
Branca
Indígena
Amarela (asiático)
172
ANEXO 13 - Gráfico – Raça/Cor dos pais dos estudantes participantes da pesquisa, do
Ensino Fundamental II
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
11,9%
33,8%
48,4%
1,4%
4,6%
Cor/raça dos pais
Preta Parda Branca Amarela(asiático) Indígena
173
ANEXO 14 - Gráfico – Raça/Cor dos pais dos estudantes participantes da pesquisa, do
Ensino Médio
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
49,8%
29,6%
15,2%
3,0%2,1% 0,2%
1
Cor/Raça dos Pais
Branca Parda Preta Indígena Amarela (asiático) Não responderam
174
ANEXO 15 - Gráfico – Rede de ensino em que os participantes da pesquisa cursaram a
maior parte da trajetória escolar – alunos do Ensino Fundamental II
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
69%
31%
Em que rede de ensino os estudantes cursaram a maior parte da sua trajetória escolar
Escolas públicas
Escolas particulares
175
ANEXO 16 - Gráfico – Rede de ensino em que os participantes da pesquisa cursaram a
maior parte da trajetória escolar – alunos do Ensino Médio
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
32,8%
67,2%
A maior parte da sua trajetória escolar foi:
Escolas Particulares
Escolas públicas
176
ANEXO 17 - Gráfico – Ano em que o participante da pesquisa está matriculado – alunos
do Ensino Médio
Fonte: Desenvolvido pelo pesquisador.
42,7%
32,0%
25,3%
Que ano você esta cursando?
1º Ano - ensino médio
2º Ano - ensino médio
3º Ano - ensino médio
177
ANEXO 18 - Algumas digressões do pesquisador durante a execução da pesquisa
Inicialmente, pensei que esta pesquisa seria efetuada de maneira
presencial – ou seja, enquanto pesquisador, teria a possibilidade de realizar
trocas de experiências junto aos adolescentes. Isso, na minha opinião, seria
muito bom para o processo de construção do texto de dissertação – pois, a partir
das análises que seriam feitas durante o convívio com estes adolescentes, eu
poderia sentir e perceber suas reações. Quis o destino ou não que este formato
não acontecesse, principalmente por questões burocráticas, ligadas a
autorizações que deveriam partir das prefeituras, através das secretarias
municipais de educação dos municípios inicialmente selecionados para o estudo.
Esse fato não prejudicou, na minha opinião, o desenvolvimento da pesquisa,
apenas exigiu um replanejamento, uma nova estratégia – nenhuma novidade
para quem constituiu sua trajetória a partir da militância e, por conta disso,
precisou mudar de estratégia diversas vezes durante a execução de projetos ou
negociação de propostas junto a comunidades quilombolas, empresas, artistas,
e órgãos governamentais. Não quero, com isso, dizer que foi fácil; apenas não
foi incomum.
Contudo o piloto, ou seja, o teste do instrumento precisaria ser feito de
maneira presencial, até porque, enquanto pesquisador, precisava ter a certeza
de que o que estava propondo aos adolescentes seria entendido por eles sem
criar ruídos que prejudicariam o estudo e a observação dos mesmos durante o
preenchimento do questionário nos permitiria ver em que questões surgiriam
dúvidas, quais demorariam mais para responder, e também estimar o tempo
médio de preenchimento Assim, decidi procurar escolas da rede pública que
conhecia, na tentativa de obter autorização para aplicar um teste. Graças à
compreensão da relevância do estudo por parte de uma dirigente, consegui
aplicar o teste com 5 adolescentes: 2 brancos, 2 pretos e 1 pardo, todos
matriculados no mesmo ano escolar. Para minha surpresa, não tivemos grandes
problemas quanto ao entendimento referente às questões propostas no
questionário – alguns ajustes aqui, outros ali, e o instrumento estava aprovado
por eles.
178
Contudo, o que me chamou a atenção durante o período de aplicação do
teste – e que possivelmente gerará desdobramentos futuros para outros estudos
e/ou discussões – refere-se ao posicionamento dos estudantes durante a
realização do mesmo. Percebi que os estudantes brancos responderam o teste
de maneira muito rápida: eram cerca de 23 questões (na ocasião do teste), e
eles responderam utilizando cerca de 15 minutos. É importante dizer que os
testes foram aplicados de maneira individual, para que as dúvidas geradas por
um adolescente não influenciassem o outro (esta foi uma estratégia que utilizei
na tentativa de maximizar o aprimoramento do instrumento). O estudante pardo
demorou um pouco mais – cerca de 22 minutos, e os estudantes pretos
responderam utilizando por volta de 35 minutos. Isso me deixou intrigado. Essa
diferença no tempo de preenchimento poderia se relacionar de alguma forma
com a questão racial? E, se sim, em que medida? Qual seria a razão? Quando
fui buscar nas minhas anotações – sim, eu anotei tudo o que estava
acontecendo, desde os gestos feitos pelos adolescentes durante o
preenchimento, passando pelas expressões, até os questionamentos – percebi
que, para os estudantes brancos, falar sobre sua cor, sua relação com a
constituição de identidade a partir deste quesito, não se configurava como uma
questão conflitiva. Simplesmente marcavam a resposta, sem muita reflexão
sobre a questão, porque aquela temática os afetava de forma diferente – ou seja,
eles não sofriam com o fato de que responder algo assumindo sua identidade
racial poderia lhes causar algum tipo de constrangimento ou desconforto. No
outro extremo, estavam os estudantes negros – e aqui incluo o estudante pardo,
porque, embora ele tenha levado menos tempo que os pretos, gastou mais
tempo que os brancos. Pois bem, eu percebi, analisando as reações e as
gesticulações dos estudantes negros, um certo sofrimento ou constrangimento
em estar naquele local falando sobre sua cor. Para eles, tratava-se de uma
questão causadora de angustia, sofrimento, talvez revolta – não posso, neste
momento, definir com precisão o que gerou naqueles adolescentes o
desconforto. Porém posso dizer que se relaciona ao fato de que ainda há um
enorme caminho a ser percorrido para compreender como as questões raciais
tocam de forma diferente negros e brancos; e mais, como a postura adotada pela
sociedade brasileira alimenta esta questão. Recentemente, lendo o livro de
179
Lázaro Ramos, “Na minha pele”, observei que ele faz uma reflexão sobre essa
questão – de como a branquitude não se dá conta de que a temática racial não
é uma “questão” para os brancos. O que me fez novamente refletir sobre o
episódio na escola.
Outra situação que me chamou atenção aconteceu com uma adolescente
que, pela quantidade de melanina e pelos traços físicos, “eu” não teria dúvida
em classificá-la como preta – porém é importante dizer que não é esse o meu
papel. No Brasil, o critério utilizado para classificação de cor é a autodeclaração.
Entretanto estou dizendo isso apenas para deixar evidente meu estranhamento
quando ela me perguntou: “não sei o que colocar aqui, eu sou preta? Não sou
preta, né?” – referindo-se ao campo em que deveria marcar a raça/cor que
considerava ser. Esta é uma questão que de alguma forma tratei no estudo,
portanto não tratarei novamente aqui – mas é algo que reforça a questão que
disse anteriormente, sobre o sofrimento e a angústia que os adolescentes negros
apresentaram durante a realização do teste e que se refletem também em outros
espaços.
Estas questões não entraram no texto da dissertação, primeiramente
porque estes adolescentes não participaram efetivamente do estudo; sua
participação se deu apenas no aprimoramento do instrumento que seria aplicado
na sequência. Os dados gerados a partir do preenchimento feito por eles nos
formulários foram descartados e não fazem parte dos dados que compõem esta
dissertação.
Então por que trago aqui essas digressões? Porque as achei relevantes
para futuros estudos, porque acredito que podem auxiliar outras propostas de
estudo e porque me deixaram bastante inquieto quanto à relevância de seu teor.
Tentarei, em próximas pesquisas, voltar a estas questões, pensando talvez no
desenvolvimento de um estudo específico, buscando aporte teórico para debater
mais profundamente a questão evidenciada durante a aplicação do questionário
piloto.