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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS …da língua portuguesa como língua...

Date post: 01-Oct-2020
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS JULIA CAROLINE MACIEL CORRÊA DA SILVEIRA A LITERATURA BRASILEIRA NO ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA NÃO MATERNA: PROPOSTAS DIDÁTICAS JOÃO PESSOA 2016
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS

JULIA CAROLINE MACIEL CORRÊA DA SILVEIRA

A LITERATURA BRASILEIRA NO ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA

NÃO MATERNA: PROPOSTAS DIDÁTICAS

JOÃO PESSOA

2016

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JULIA CAROLINE MACIEL CORRÊA DA SILVEIRA

A LITERATURA BRASILEIRA NO ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA

NÃO MATERNA: PROPOSTAS DIDÁTICAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

Curso de Licenciatura em Letras da

Universidade Federal da Paraíba, como

requisito parcial para a obtenção do grau de

Licenciada em Letras – Língua Portuguesa.

Orientadora: Profª Drª Margarete von M. Poll

JOÃO PESSOA

2016

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AGRADECIMENTOS

À universidade, por ter me concedido tantas possibilidades para que eu pudesse agregar

experiência às minhas vivências docentes.

Ao Programa Linguístico-Cultural para Estudantes Internacionais e sua equipe de

Coordenadoras e estagiários, especialmente à Profª Drª Oriana de Nadai Fulaneti e aos

companheiros pleianos, pelo suporte que me foi oferecido durante três longos anos.

À Profª Drª Margarete von Mühlen Poll, por ter sido uma luz no fim do túnel em meio ao

caos acadêmico.

À minha família, por ter percebido que investir em sonhos pode ser uma experiência

surpreendente, e por ter me permitido seguir os meus.

A Rafael Oliveira, pois este trabalho não teria acontecido sem sua ideia extraordinária.

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RESUMO

A Literatura, além de desenvolver o campo imaginativo e de ser uma forma artística de

entretenimento, carrega consigo um extenso acervo das línguas, das histórias e das culturas

das civilizações. Compreender uma Literatura que se refira a uma sociedade ou produzida por

ela é, concomitantemente, inferir percepções sobre sua história, sua cultura e suas relações

sociais e, dessa forma, analisar suas peculiaridades, suas falhas, suas problemáticas e seus

desenvolvimentos. No contexto brasileiro, o background das narrativas e dos versos,

presentes nas poesias, nos livros, nos contos e nas crônicas, revela a realidade social em que o

país se situa (ou se situou). Por isso, a transparência da Literatura Brasileira pode ser utilizada

como uma alternativa para o ensino de português como língua não materna. Assim, este

trabalho visa a sugerir a possibilidade de trabalho com textos literários para a aprendizagem

da língua portuguesa como língua estrangeira, como segunda língua e para o conhecimento de

questões culturais e históricas do Brasil. É essencial ressaltar, também, que as sugestões de

ensino de língua e cultura brasileiras apresentadas neste trabalho são voltadas para alunos de

nível intermediário ou superior do português brasileiro, uma vez que os textos selecionados

demandam uma maior compreensão da língua. Na proposta de trabalho aqui apresentada,

utilizamos dois contos, duas crônicas e dois poemas de autores brasileiros que retratem

particularidades do nosso cotidiano, nossa língua, nossos costumes, nossas culturas e nossa

história, como Luís Fernando Veríssimo, Rubem Fonseca, Machado de Assis, Gonçalves Dias

e Oswald de Andrade. Ademais, utilizamos, como embasamento teórico, Selbach (2010),

Santos & Alvarez (2010), Mascia (2003), Cândido (1996/2006) e Cosson (2009), bem como

fontes de pesquisas acadêmicas que contribuíram significativamente para o desenvolvimento

deste trabalho.

Palavras-chave: literatura; ple; contos; crônicas; poesias.

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ABSTRACT

Literature, besides developing the imaginative capacity and being an artistic form of

entertainment, carries within itself an extensive bagage of the languages, the histories and the

cultures of civilizations. To comprehend a literature related to a society or produced by it is,

simultaneously, infering perceptions on its history, its culture and its social relations and,

thus, analyzing its peculiarities, its flaws, its problems and its developments. In the Brazilian

context, the background of the narratives and the verses, present in poetry, books, tales and

chronicles, reveals the social reality in which the country is experiencing. Thus, the

transparence of the Brazilian literature can be used as an alternative to the teaching of

Portuguese as a non-native language, as a second language and for the knowledge of cultural

and historical matters of Brazil. It is essential to emphasize, also, that the suggestions

presented in this undergraduate thesis regarding the teaching of the language and culture are

focused on students with intermediary or advanced proficiency in Brazilian Portuguese, for

the texts selected here require a better comprehension of the language. In this teaching

proposal, we used two short-stories, two chronicles and two poems, written by Brazilian

authors, that portray the particularities of our daily lives, our language, our habits, our cultures

and our history, such as Luís Fernando Veríssimo, Rubem Fonseca, Machado de Assis,

Gonçalves Dias and Oswald de Andrade. Furthermore, we used, as theoretical contributions,

Selbach (2010), Santos & Alvarez (2010), Mascia (2003), Cândido (1996/2006) and Cosson

(2009), as well as academic research sources that have significantly contributed to the

development of this overture.

Keywords: literature; pfl; short-stories; chronichles; poetries

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LISTA DE ABREVIATURAS

PLNM: Português como Língua Não Materna

PLE: Português como Língua Estrangeira

PSL: Português como Segunda Língua

LB: Literatura Brasileira

PB: Português Brasileiro

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8

2 O ENSINO DE PLNM: TEORIAS E CONSIDERAÇÕES ............................................ 10

3 ENSINO E CONCEPÇÕES DE LITERATURA E CULTURA ..................................... 14

4 O LETRAMENTO LITERÁRIO PARA FALANTES DE PLNM ................................ 20

5 PROPOSTAS DIDÁTICAS ................................................................................................ 24

5.1 PÁ, PÁ, PÁ: GÍRIAS E COSTUMES SOCIAIS ............................................................ 24

5.2 PAPOS: O NORMATIVO E O CORRETO (PARTE 1) ............................................... 26

5.3 O COBRADOR: IMPACTO DA REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA ..................... 27

5.4 PAI CONTRA MÃE: A OBJETIFICAÇÃO DO SER HUMANO .................................. 30

5.5 CANÇÃO DO EXÍLIO: O PATRIOTISMO BRASILEIRO ........................................... 31

5.6 PRONOMINAIS: O NORMATIVO E O CORRETO (PARTE 2) ................................. 32

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 34

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 36

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o intuito de apresentar uma compilação de propostas didáticas

sugeridas como guias para administrar a Literatura Brasileira (LB) em sala de aula com

alunos de Português como Língua Não Materna – PLNM, podendo ser como língua

estrangeira (PLE) ou como segunda língua (PSL).

O interesse por esse tópico e, por conseguinte, a motivação para o desenvolvimento

deste trabalho, deu-se a partir da verificação de que o campo do ensino de PLNM ainda não

foi muito explorado no Brasil e, portanto, não dispõe de um largo acervo de materiais

didáticos para guiar os professores nesse rumo, além da falta de visibilidade oferecida ao

trabalho da Literatura de forma extensiva – inclusive transcendente – ao conteúdo ministrado

em sala de aula nos cursos de PLNM. O ensino da Literatura associado ao ensino da língua

possibilita o aluno a compreender integralmente uma diversidade de outros fatores essenciais

ao ensino de PLNM através da linguagem, assim como a cultura, os costumes, a história e os

usos linguísticos. Nesse sentido, a Literatura pode ser assimilada não apenas como uma

manifestação artística, mas também como uma poderosa ferramenta de preservação cultural

de diversas épocas da história do Brasil, sendo, também, possível viabilizar um ensino

dinâmico da língua.

No planejamento didático das aulas sugeridas neste trabalho, a Literatura não é a

principal protagonista. O foco é trabalhar a Literatura contígua à Cultura e à Língua, de forma

que esses campos tenham sua devida importância e sejam trabalhados harmonicamente.

Assim, é possível utilizar as aulas em cursos de Literatura, de Língua e de Cultura Brasileira.

Serão utilizados contos, crônicas e poemas de alguns autores renomados no Brasil,

popularmente conhecidos como Luís Fernando Veríssimo, Rubem Fonseca, Machado de

Assis, Gonçalves Dias e Oswald de Andrade, facilitando a pesquisa sobre esses autores para

alunos que não moram no Brasil.

O objetivo deste trabalho é sugerir seis (06) aulas, distribuídas igualmente entre

contos, crônicas e poemas, para serem trabalhadas esporadicamente ao longo de um curso de

dos professores de português brasileiro como língua não materna em qualquer lugar do

mundo. Além disso, este trabalho visa a atender necessidades dos professores de PLNM,

oferecendo materiais alternativos para incluir em seus planejamentos semestrais. Para isso,

serão utilizados, como embasamento teórico, Selbach (2010), Santos & Alvarez (2010),

Mascia (2003), Cândido (1996/2006) e Cosson (2009), bem como fontes de pesquisas

acadêmicas que contribuíram significativamente para o desenvolvimento deste trabalho.

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A metodologia utilizada para a elaboração das aulas será uma adaptação da

Sequência Expandida elaborada por Cosson, baseada nas teorias de Selbach em Língua

Estrangeira e Didática. De acordo com Cosson (2006, p. 46), as aulas de Literatura no Brasil,

de um modo geral, consistem em boas práticas, mas ainda precisam ser organizadas. O

método do letramento literário proposto por ele foi selecionado neste trabalho devido à

sistematização desenvolvida, que tem como principal finalidade o ensino da Literatura e de

elementos adjacentes a ela. Além disso, já utilizamos algumas das aulas aqui propostas com

alunos de PLNM e o método contribuiu de forma significativa com resultados positivos.

Neste trabalho, serão focados os tópicos relacionados à Literatura, Língua, história e Cultura.

Este trabalho está dividido em quatro capítulos: o primeiro versa sobre teorias e

considerações sobre o ensino de PLNM; o segundo, sobre ensino e concepções de Literatura e

Cultura; o terceiro, sobre a metodologia utilizada para a elaboração das aulas e, por fim, o

quarto, que apresenta a compilação didática propriamente dita.

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2 O ENSINO DE PLNM: TEORIAS E CONSIDERAÇÕES

A língua é uma das ferramentas mais influentes que o desenvolvimento humano foi

capaz de produzir. A habilidade de comunicação falada e escrita, propagada e modificada por

muitos séculos, é, hoje, considerada um instrumento determinante da participação e inclusão

social de um indivíduo. Naturalmente, é possível concluir, por exemplo, que um falante de

alemão terá consideráveis dificuldades em se comunicar com um falante de inglês, a não ser

que ambos tenham, no mínimo, conhecimento elementar de uma língua em comum. Por isso,

o aprendizado de múltiplas línguas – além da língua materna – é de extrema importância para

pessoas que almejam explorar territórios internacionais ou conhecer falantes de outras

línguas.

Almeida (2009) afirma que o aprendizado de uma língua pode acontecer de três

formas: como uma língua materna (L1), uma segunda língua (L2) ou uma língua estrangeira

(LE).

A língua materna (L1) é a língua falada pelo indivíduo desde o seu primeiro contato

com ela, desde que esse contato seja constante. A motivação para a aquisição de uma L1 se

caracteriza pela imersão, pelo contato direto e pela necessidade de interação social. A

aquisição da L1 acontece durante os primeiros (e constantes) contatos do indivíduo com a

língua, geralmente durante os primeiros anos de vida da criança, e isso contribui

significativamente para o rápido desenvolvimento linguístico. Em alguns casos, também é

possível adquirir duas línguas maternas quando ambas são aprendidas simultaneamente.

Por outro lado, a segunda língua (L2) é uma língua opcional que pode ser adquirida

posteriormente à língua materna. O falante de uma L2 não precisa necessariamente ter

proficiência avançada nessa língua, mas precisa ser suficientemente competente nas

habilidades comunicativas nela. De acordo com Almeida (2009), as motivações para o

aprendizado de uma segunda língua podem ser variadas, mas a mais comum é “o contato

estreito entre duas línguas num mesmo espaço e numa dada relação de poder mantida

temporária ou perenemente” (ALMEIDA, 2009, p. 6). Em outras palavras, é comum que

estrangeiros se sintam motivados a adquirir uma segunda língua quando estão

temporariamente ou permanentemente inseridos numa comunidade em que ela é falada.

Embora seja bastante similar à aquisição da L1, a aprendizagem da L2 também pode

acontecer após a alfabetização e, assim, “tudo se torna muito mais difícil porque é impossível

à criança pensar coisas em línguas diferentes, sempre a pensará em sua língua para depois

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percorrer o imenso dicionário de sua memória e tentar encontrar a palavra equivalente em

outra língua” (SELBACH, 2010, p. 21).

A Língua Estrangeira (LE), por sua vez, “não conta tradicionalmente com o contato

social próximo, interativo e generalizado com uma L1 predominante” (ALMEIDA, 2009, p.

6) e, dessa forma, é possível que um aprendiz tenha conhecimento de uma língua estrangeira

sem que, necessariamente, esta seja sua segunda língua. Geralmente, o ensino de uma LE é

apenas uma “experiência educacional na escola enquanto disciplina do currículo”

(ALMEIDA, 2009, p. 7), mas pode se tornar uma segunda, terceira ou quarta língua

posteriormente, com dedicação e contato direto. O ensino de português como língua

estrangeira pode, por exemplo, acontecer numa situação de não-imersão, entretanto, esse fator

pode dificultar a aprendizagem do aluno que visa a língua portuguesa como uma segunda

língua, pois não existe o contato direto com a língua-alvo.

Por imersão, compreendemos que seja uma situação em que o indivíduo está inserido

em uma comunidade em que se fala uma língua materna (L1). Nada impede que essa

comunidade, assim como afirma Almeida (2009), seja classificada como perene, ou seja, uma

comunidade que estabeleceu uma língua oficial numa região em que, majoritariamente, outra

língua é falada. No Brasil, muitas comunidades indígenas, num caso análogo, podem

estabelecer uma língua indígena dentro da comunidade e podem escolher aprender o

português como segunda língua. Nesse caso, não se tem o português como língua imersiva,

mas como uma língua estrangeira e, possivelmente, como uma segunda língua. Também é

possível simular um processo de imersão, embora este não seja tão eficiente, através da

prática diária da língua com falantes nativos.

Para simplificar as nomenclaturas, utilizaremos a nomenclatura Português como

Língua Não Materna (PLNM) para englobar o ensino de Português como Segunda Língua

(PSL) e de Português como Língua Estrangeira (PLE). Embora este trabalho seja voltado para

o ensino de PSL, as aulas aqui propostas também podem ser utilizadas no ensino de PLE,

dependendo da motivação dos alunos.

Embora o ensino de Português como Língua Estrangeira, no Brasil, tenha iniciado

com a chegada dos jesuítas às colônias lusoamericanas, apenas recentemente as

sistematizações e os métodos de ensino mais aprimorados se tornam visíveis. Na linguística

aplicada, esse campo ainda não foi tão explorado e, consequentemente, não temos um acervo

bibliográfico didático nacional tão extenso quanto o de outras línguas, mas podemos

considerar que o PLNM segue os modelos de ensino desenvolvidos para o ensino de língua

estrangeira – seja ela qual for – e, dentre os mais conhecidos, “encontram-se os seguintes: a)

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Método Tradicional (Gramática-Tradução); b) Método Direto; c) Método Áudio-Oral; d)

Método Audiovisual; e) Abordagem Comunicativa” (MASCIA, 2003, p. 3).

O Método Tradicional, assim como explicado por Mascia (2003), foi originado na

Europa para o ensino de línguas como grego e latim. Esse método tinha, como principal foco,

o ensino da gramática para facilitar a tradução de textos, e o professor ministrava as aulas

falando a língua-alvo. Esse modelo ainda é bastante utilizado nos dias de hoje e, embora não

seja visto com bons olhos, mostrou-se eficiente durante muito tempo.

O Método Direto, em contraposição, surgiu para priorizar o desenvolvimento

individual do aprendiz, que adquiria a língua estrangeira de forma natural e indutiva. Os

métodos Áudio-Oral e Audiovisual deram sequência ao método anterior, sendo o primeiro

uma forma urgente de ensinar uma segunda língua por meio de automatismos linguísticos e, o

segundo, uma maneira de ensinar a língua-alvo priorizando o uso cotidiano da língua.

Como a ideologia behaviorista tinha muita popularidade na época em que esses

métodos foram desenvolvidos, percebeu-se que frequentemente os alunos recorriam à

memorização e os professores não levavam em consideração as bagagens socioculturais que

eles possuíam. Por isso, em 1970, o Movimento Comunicativo foi iniciado para suprir as

necessidades da sociedade daquela época, já que coincide com o início do Mercado Comum

Europeu. O Método Comunicativo passou a definir a língua como “um instrumento de

comunicação ou de interação social, tendo como objetivo desenvolver no aluno a competência

comunicativa” (MASCIA, 2003, p. 6) e visava ao ensino da língua através dos seus aspectos

semânticos. Nesse método, a competência comunicativa “englobaria as quatro habilidades a

serem desenvolvidas (compreensão oral e escrita e produção oral e escrita), levando-se em

conta o comportamento não-verbal” (MASCIA, 2003, p. 6). Nessa abordagem, espera-se que

o aluno seja sujeito e agente do seu aprendizado, e “a relação professor-aluno é permeada pelo

filtro afetivo” (MASCIA, 2003, p. 7). Um desses fatores – e, talvez, o mais importante – é a

motivação. A aprendizagem significativa utiliza a motivação como um fator que possibilita a

sedução do RAD: sistema radicular, amígdala e dopamina.

De acordo com Selbach (2010, p. 16), “para que uma informação consiga passar pelo

primeiro filtro “R”, necessita que se apresente como novidade que seja, portanto,

interessante”. Dessa forma, para que o aluno possa aprender um conteúdo, este precisa ser

novo e atraente. Para isso, mesmo antes de ministrar o conteúdo, o docente precisa estar

ciente daquilo que o discente já sabe e usar esse conhecimento prévio como uma ponte para o

conteúdo que está por vir. Além do conteúdo precisar ser interessante, o aluno precisa se

identificar com ele emocionalmente – filtro “A” – e, por fim, precisa ser prazeroso para

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“banhar-se” em dopamina – filtro “D”. A autora afirma que o sistema neurológico

automaticamente bloqueia informações que não sejam novas, atraentes e prazerosas;

consequentemente, não é possível seduzir os filtros RAD sem a motivação, compreendida

aqui como um incentivo pré-aprendizado. A motivação do aprendizado de uma língua pode

ser diferente, dependendo da perspectiva que o aprendiz possui sobre a língua-alvo. Como já

mencionado anteriormente, é preciso que o professor saiba, antes, se o aluno pretende

aprender uma língua estrangeira ou se o aluno pretende aprender uma segunda língua. Ao

aprender uma segunda língua, o aluno deve, necessariamente, estar em situação de imersão.

Destarte, na sala de aula, percebe-se que o professor precisa levar esses fatores em

consideração. Se o aluno escolher aprender uma segunda língua, é preciso que o professor

exija muito mais dele e que o aluno aprenda, além da norma culta padrão, as variações

linguísticas dessa língua. É por esse motivo que um indivíduo conhecedor do português

europeu pode enfrentar dificuldades ao conversar com falantes nativos do português

americano ou do português africano. É ainda mais difícil que um estrangeiro se depare com

variações linguísticas intraterritoriais, como os diferentes sotaques no Brasil ou dialetos nos

países africanos de língua oficial portuguesa. O aprendizado de uma segunda língua requer

contato direto com os diversos tipos de variação linguística da língua-alvo e, dessa forma, o

aprendiz estará preparado para as múltiplas situações de interação linguística.

No capítulo seguinte, serão introduzidas as concepções de literatura e cultura, e as

formas que podem ser utilizadas para aplicá-las na sala de aula com alunos de PLNM.

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3 ENSINO E CONCEPÇÕES DE LITERATURA E CULTURA

Desde a pré-história, compreendemos o ser humano como uma espécie que opera de

forma mais eficiente quando inserido numa sociedade e, dessa forma, é suscetível a

adaptações para que consiga melhor se acomodar a uma comunidade. A transformação da

civilização humana foi a razão da construção de muitos métodos de comunicação para

sustentar a harmonia social. Eventualmente, também formamos diferentes civilizações a partir

de ramificações territoriais, o que ocasionou diferentes formas de comunicação específicas

para cada corporação civil. O distanciamento geográfico dessas comunidades – futuramente

países –, entre outros fatores, deu origem a alguns produtos, como as diferentes línguas e

culturas. Podemos definir “cultura, de acordo com Dourado e Poshar (apud Alvarez e Santos,

2010, p. 41), como “um modo único de adaptação do homem a todos os aspectos da vida

humana” e “sua função é manter os grupos humanos unidos e proporcionar modos de

comportamento e crenças”. Assim surgiu a literatura, como uma consequência proveniente da

língua adaptada de acordo com a cultura de uma determinada comunidade.

Não é possível encontrar uma razão específica para o surgimento da literatura;

entretanto, mesmo antes da transição para a modalidade escrita, inferimos uma premência dos

nossos ancestrais de transmitir adiante suas vivências, seus costumes e seus hábitos, e a

literatura oral é um exemplo essencial disso, assim como outros gêneros performativos

artísticos mais à frente, que contribuíram significativamente para o nosso acervo

antropológico atual.

Com o surgimento da modalidade escrita da língua, o gênero literário surge como

“derivado de littera, o termo latino litteratura corresponderia à cultura do letrado, daquele que

domina um conjunto de habilidades necessárias para se produzir textos” (ALMEIDA,2014, p.

23). Percebe-se, então, que a literatura já foi – e ainda é – considerada um elemento

diretamente relacionado à intelectualidade, pois "socialmente, conhecer obras literárias está

relacionado com maior desenvoltura intelectual, uma vez que o leitor precisa de

conhecimentos extratextuais para atingir a plena compreensão da obra” (ALMEIDA, 2014, p.

16). Portanto, quando um professor visa um debate consistente e proveitoso na sala de aula

sobre o texto literário em questão, de acordo com Almeida (2014), é preciso ir além do texto e

“fazer uma leitura visando a compreender os contextos sócio-históricos, políticos e

econômicos que originaram aquele discurso, ainda que esses contextos sejam totalmente

fictícios (...)" (ALMEIDA, 2014, p. 16). Ainda que não tivesse um propósito determinado, a

literatura passou a ser considerada, também, um tipo de manifestação artística através da

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utilização da palavra, quando, a partir do século XIX, “(...) o termo literatura se firma como

algo que designa o uso estético da linguagem escrita. E passa, assim, a ser o termo primeiro

para denominar a arte que se expressa por meio de palavras” (ALMEIDA, 2014, p. 24).

Além dessa função, a literatura também costumava ser vista como um elemento

essencial para as civilizações humanas anteriores. Um exemplo de como textos literários

podem interferir positivamente ou negativamente em uma civilização foi a reforma

protestante, que teve, como um dos elementos catalisadores, as publicações de Martinho

Lutero. Outros exemplos conhecidos são a ditadura nazista alemã, com a grande queima de

livros considerados inconvenientes ao regime, e as célebres epopeias, que tinham o propósito

de exaltar heróis e suas grandes histórias. Por isso, a literatura podia ser escrita ou usada com

bons ou maus propósitos, sendo relevante para a harmonia e a preservação de uma sociedade.

Nesse sentido, “antes procurava-se mostrar que o valor e o significado de uma obra

dependiam de ela exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía o

que ela tinha de essencial” (CÂNDIDO, 2000, p. 12), em outras palavras, antes, compreendia-

se que a literatura deveria ser escrita como uma representação mimética do convívio em

sociedade e tudo relacionado a ela, assim como os diferentes aspectos da natureza humana.

Entretanto, depois, chegou-se à conclusão de que o conteúdo de uma obra é meramente

acessório “e que a sua importância deriva das operações formais postas em jogo, conferindo-

lhe uma peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer condicionamentos,

sobretudo social (...)" (CÂNDIDO, 2000, p. 12). Isso acontece, por exemplo, na literatura

fantástica, que explora a ficção, e na literatura ultrarromântica brasileira, que retrata

realidades geográficas muito distantes. Independente da razão ou da função da literatura, esta

sempre contribuiu socialmente ao longo do desenvolvimento humano.

Apesar disso, o trabalho do magistério na disciplina de literatura é um desafio, pois,

socialmente, nos dias de hoje, vê-se a literatura como um objeto de estudo facultativo e de

pouca utilidade, em comparação a outros objetos de estudo que desempenham funções

essenciais ao funcionamento da sociedade. Assim como afirma Oliveira (2010), a função do

texto literário:

(...) não diz respeito ao famigerado ‘pragmatismo’ da sociedade de consumo que

exige a permanente necessidade de que tudo tenha de ser útil, ou seja, tudo que

existe na sociedade precisa servir para alguma coisa. Assim, o texto literário, como

um texto estranho, não se enquadra no campo das necessidades urgentes e

pragmáticas, funcionando, então, como um dispositivo estético próprio para

desencadear prazer e provocar questionamentos acerca das verdades universais

(OLIVEIRA, 2010, p. 37).

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Socialmente, é comum ver os valores ensinados e atribuídos à literatura como: 1)

artísticos, pois nos é conveniente contemplar e analisar as obras literárias como arte; 2)

morais, para personalidades em desenvolvimento, sendo a Literatura Infantil um exemplo; 3)

culturais e históricas, para a compreensão do funcionamento de sociedades com as quais não

é possível ter contato direto, como costumes brasileiros de gerações passadas e comunidades

estrangeiras; 4) linguísticas, para apreender informações sobre a língua em questão,

absorvendo informações sintáticas, morfológicas, semânticas etc.

Nesse sentido, em muitas ocasiões, a literatura torna-se tão versátil que acaba como

anexa a uma diversidade de outros campos de estudo independentes, assim como

antropologia, história, artes e linguística. Mesmo dentro da disciplina, existem controvérsias

quanto ao que pode e ao que deve ser ensinado e a quem deve ser ensinado. Cândido (2006)

chama atenção à distinção entre o ensino da literatura “anexa”, utilizada em outras disciplinas

com outros fins, e o ensino da literatura por si só, pois qualquer fator externo ao texto literário

“pode ser legítimo quando se trata de sociologia da literatura, pois esta não propõe a questão

do valor da obra, e pode interessar-se, justamente, por tudo que é condicionamento”

(CÂNDIDO, 2000, p. 13). Nesse pensamento, encaixa-se o trabalho com elementos

paratextuais, dados bibliográficos, contextos sócio-históricos e uma diversidade de outros

componentes. Essa afirmação é necessária, conquanto não determinante. Numa proposta

comunicativa, a literatura deve ser tão flexível quanto a cultura, com propósitos e

interpretações inesgotáveis, apropriados para serem utilizados em um contexto de português

como língua estrangeira:

A literatura, naturalmente, é uma das possibilidades de exploração e utilização da

língua, das palavras, para uma diversidade de fins, de propósitos os quais as teorias

literárias e as teorias lingüísticas, bem como outras vertentes dos estudos das línguas

e das literaturas, têm contribuído decisivamente para caracterizar, pontuando as

mudanças de acordo com os diferentes momentos históricos, com os diferentes

povos, com as diferentes línguas, mas sempre, apesar de todas as diferenças de

gêneros e conteúdos, apontando para essa marca da natureza humana (sic) que é o

fazer literário, o fazer poético, fazer em que a língua, em sua modalidade escrita ou

oral, é utilizada para expressar e justificar a existência humana. (BRAIT, 2003, p.

19-20 apud TAKAHASHI, 2008, p. 20)

Dessa forma, o dever do professor é tentar ao máximo captar o interesse do aluno

através dos valores que este pretende atribuir à literatura, mesmo que, em algumas

circunstâncias, esse interesse seja quase inexistente. O afortunado diferencial dos alunos de

PLNM é que a maioria consegue estabelecer ao menos um motivo para adquirir proficiência

na língua, tornando o trabalho do professor mais simples, principalmente o de integrar textos

literários ao seu plano de curso. Nesse caso, a literatura traz benefícios significativos para a

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aprendizagem do Português Brasileiro (PB), além de cultura e história, pois o professor pode,

além de ensinar a Literatura como arte, explorar informações sobre nossa sociedade e nossa

língua de uma forma mais dinâmica. Santos & Alvarez (2010) afirmam que o aprendizado de

uma língua estrangeira “concorre para o desenvolvimento social do aprendiz, através do

contato com a língua e cultura estrangeiras, o que amplia a sua visão de cidadania, os valores

culturais de seu país e de sua própria língua” (SANTOS & ALVAREZ, 2010, p. 17). Assim, a

Literatura apresenta-se como um conector capaz de ativar a relação catalítica entre Língua e

Cultura, podendo capturar um momento estável na sua instabilidade, já que a Língua “é um

instrumento vivo e constantemente em desenvolvimento que sofre influência da cultura, e é

um dos sistemas de expressão de uma cultura” (SANTOS & ALVAREZ, 2010, p. 17).

A integração social de um estrangeiro à cultura nativa de um novo país, mesmo que

por tempo limitado, é necessária para que ele consiga adaptar-se e manter a harmonia com sua

nova comunidade. Para isso, é preciso que o estrangeiro compreenda, aprenda e construa em

si a nova cultura, “através do contraste entre o conhecido e o novo representado pela cultura

do aprendiz e pela cultura onde está inserida a LE estudada” (SANTOS & ALVAREZ, 2010,

p. 17). Enquanto se adquire a nova cultura, o estrangeiro concomitantemente passa a

desenvolver o pensamento crítico e o respeito às diferenças culturais quando começa a

perceber os contrastes entre si e os demais à sua volta. Evidencia-se, portanto, a importância

concedida ao trabalho com a Cultura no ensino de uma segunda língua. Através da Literatura,

vista como uma manifestação artística cultural, é possível ter acesso à Cultura de diferentes

civilizações em diferentes épocas, mesmo em distâncias intercontinentais e temporais, e no

ensino de línguas não maternas, de acordo com Dourado e Poshar (apud Alvarez e Santos,

2010, p. 33), a Cultura adquirida pelo estrangeiro é concebida como uma quinta habilidade

comunicativa que visa a facilitar a convivência pacífica com os nativos dela.

Percebe-se, aqui, o elo vigente entre literatura e cultura. Entretanto, “estabelecida a

indissociabilidade entre língua e cultura, cabe ressaltar que cultura não é algo estável, pronto e

acabado (...)” (DOURADO E POSHAR apud ALVAREZ E SANTOS, 2010, p. 41). Assim, é

importante que o professor leve em consideração a realidade da sala de aula para que se possa

analisar o que é relevante e o que não é tão relevante para uma determinada turma.

Para as propostas didáticas de textos literários brasileiros com alunos estrangeiros,

demos preferência, neste trabalho, a textos curtos e de linguagem não tão rebuscada, possíveis

de serem trabalhados em uma única aula com duração mínima de uma hora e meia (1h30min).

Assim, consideramos que os gêneros literários contos, crônicas e poemas são mais

apropriados para este trabalho, embora também seja possível utilizar livros, desde que sejam

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devidamente trabalhados e distribuídos ao longo do curso. Abaixo, descreveremos algumas

definições desses gêneros literários com os quais serão trabalhados aqui.

Gotlib (2006) discorre sobre a pluralidade de definições sobre o conto e a

impossibilidade de um desfecho. A autora introduz uma citação de Julio Cortázar sobre o

conto, definindo-o como um “gênero de tão difícil definição, tão esquivo nos seus múltiplos e

antagônicos aspectos”. Isso acontece porque existem mais contra-argumentos do que

esclarecimentos quanto à definição de conto. Por exemplo, de acordo com a autora, é possível

conceituar um conto de três formas:

1. relato de um acontecimento; 2. narração oral ou escrita de um acontecimento

falso; 3. fábula que se conta às crianças para diverti-las. Todas apresentam um ponto

comum: são modos de se contar alguma coisa e, enquanto tal, são todas narrativas.

Pois ‘toda narrativa consiste em um discurso integrado numa sucessão de

acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação’, afirma

Claude Brémond, ao examinar a ‘lógica dos possíveis narrativos’. (GOTLIB, 2006,

p. 11)

Mesmo que vantajosa, a definição oferecida torna-se vaga, no que concerne ao

estabelecimento de limites entre o que pode e o que não pode ser classificado como um conto.

Outros gêneros, mesmo não-literários, podem se enquadrar nas definições acima apresentadas.

Entretanto, levando em consideração a maleabilidade estrutural que um conto pode oferecer,

não é possível determinar muito mais do que isso. Ainda assim, é possível afirmar que “o

conto, no entanto, não se refere só ao acontecido. Não tem compromisso com o evento real.

Nele, realidade e ficção não têm limites precisos. (...) A esta altura, não importa averiguar se

há verdade ou falsidade: o que existe é já a ficção (...)” (GOTLIB, 2006, p. 13). Em outras

palavras, podemos acrescentar mais um fator ao agrupamento de definições: a relevância da

verossimilhança intratextual em contraposição à veracidade informacional. Consideramos

também que, em geral, contos são significativamente menores que livros. Evidentemente, o

conto é um elemento essencial para as aulas de literatura – desde que selecionado

apropriadamente para a turma –, pois é um gênero de menor extensão em comparação ao livro

e estimula o campo imaginativo do aluno.

Enquanto o gênero conto não foca na realidade factual1 da narrativa, a crônica, como

um gênero originalmente jornalístico, usa-a como um esqueleto. A realidade das coisas e o

cotidiano ordinário são basilares para a construção de uma narrativa em crônica, assim como

confirmado por Tonelli (2004), no fragmento abaixo:

1 Compreendemos, aqui, que “realidade” pode ser externa ou interna ao texto literário. Em textos ficcionais, por

exemplo, não existe uma realidade factual, mas existe uma realidade intratextual, que corresponde à

verossimilhança.

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Como um gênero narrativo em prosa, a crônica evoluiu e, na maior parte das vezes,

possui poucos personagens. Apesar de ser uma narrativa fictícia, tenta falar do

cotidiano, fazendo elo com a realidade e as situações diárias. A crônica, como

gênero textual, é uma narrativa curta, que aborda fatos específicos, como a crônica

esportiva, a crônica política e outras, ou se refere a fatos corriqueiros, narrados de

forma crítica e, inclusive, lírica. (TONELLI, 2004, p. 15)

Assim como o conto, a crônica é uma narrativa curta e, além de possuir diversas

possibilidades de abordagem, é também uma rica fonte de componentes históricos e

corriqueiros da época e da sociedade que descreve, uma vez que:

A crônica tem um conteúdo histórico, na medida em que registra fatos, dentro de

uma cronologia que demonstra uma intencionalidade de perpetuar o “instante”

transformando-o em fato histórico. Porém, por mais que esses primeiros cronistas

tenham tido a preocupação com o registro fidedigno dos fatos, o que realmente

difere o historiador do cronista é que esse último enriquece seu relato com a

criatividade, inaugurando uma estética que tem características singulares, se

comparada ao texto efetivamente historiográfico. (TONNELLI, 2004, p. 14)

Assim como visto acima, a forma que a crônica narra uma história é criativa, singular

e dinâmica e, no contexto do ensino de PLNM, é mais viável para despertar o interesse dos

alunos do que se abordada a história sem nenhum elemento motivacional anterior.

Quanto ao nosso último gênero, podemos classificá-lo como o mais complexo e

completo para ser trabalhado numa aula de PLNM. Consoante Cândido (1996), o poema pode

ser considerado como "a forma suprema de atividade criadora da palavra, devida a intuições

profundas e dando acesso a um mundo de excepcional eficácia expressiva. Por isso a

atividade poética é revestida de um caráter superior dentro da literatura (...)" (CÂNDIDO,

1996, p. 12). Uma vez que, de acordo com Cândido (1996), “todo poema é basicamente uma

estrutura sonora” (CÂNDIDO, 1996, p. 23), é nela que um professor de PLNM deve focar.

Além de ser um gênero literário adequado para trabalhar figuras de linguagem, também

proporciona uma oportunidade de trabalhar a prosódia e a ortoépia na sala de aula, pois a

construção interpretativa do aluno depende da sonoridade poética do poema, independente da

existência de métrica e rima. Para alunos de PLNM, essa abordagem é imprescindível para a

compreensão e a reprodução do português falado e, para esse fim, é possível utilizar o treino

da leitura em voz alta e declamações poéticas.

Apresentaremos o método utilizado para elaborar as aulas no capítulo a seguir, com

base nas metodologias de Cosson (2006) e Selbach (2010).

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4 O LETRAMENTO LITERÁRIO PARA FALANTES DE PLNM

Com a popularidade internacional que o Brasil está adquirindo, através da mídia e da

maior participação em eventos internacionais, mais e mais pessoas passam a se interessar pela

nossa língua nacional. Entretanto, encontramos um número limitado de livros didáticos de PB

para estrangeiros, especialmente livros que contemplem inteiramente as quatro (04)

habilidades e competências comunicativas: leitura, escuta, fala e escrita. A necessidade de

materiais e guias didáticos qualificados para professores de PLNM, voltados para os diversos

níveis de proficiência, torna-se cada vez mais ruidosa.

Como, neste trabalho, decidimos utilizar a literatura para iniciar uma formação

continuada processual, em que o aluno possa compreender e ser compreendido na língua-alvo,

procuramos um método que pudesse ser utilizado e adaptado para a realidade dos alunos

estrangeiros enquanto estudantes de português. Para isso, acreditamos que a sequência

expandida desenvolvida por Cosson (2006) é uma metodologia compatível com o objetivo

deste trabalho. Entretanto, como é um método voltado para o letramento literário de alunos de

Ensino Médio, procuramos adaptá-lo de acordo com a metodologia desenvolvida por Selbach

(2010).

De acordo com Cosson (2006), a partir de uma análise das propostas didáticas de

professores de literatura, percebe-se que as práticas de aula são inflexíveis e insatisfatórias,

uma vez que apresentam experiências mais elementares com relação aos conteúdos dessa

disciplina. Isso se dá, segundo o autor, a partir da tripartição clássica do ensino dos gêneros

literários: o método empregado pelos professores de literatura se caracteriza pela exposição

das particularidades de cada escola literária, seguida da apresentação de uma lista de figuras

de linguagem para que o aluno as identifique nos textos e, por fim, a classificação de estrofes,

rima e métrica em textos versificados. O autor afirma que os professores de literatura são

bloqueados por obstáculos quando tentam imergir no texto literário e, dessa forma, trabalham

o texto de forma superficial, sem dissecá-lo ou analisá-lo verdadeiramente.

As constatações acima evidenciaram urgências de modificações das práticas

didáticas dos professores e isso implicou uma diversidade de proposições que pudessem

agregar conteúdo às aulas de literatura, uma vez que a aprendizagem da literatura também

estava insuficientemente sistematizada. Para isso, Cosson (2006) desenvolveu a sequência

expandida. De acordo com o autor, essa sequência tem o principal objetivo de corrigir as

inquietações dos professores que trabalham com a Literatura na sala de aula do Ensino Médio,

pois se acredita que a sequência expandida surge eventualmente como uma continuação

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complementar à sequência básica, anteriormente apresentada no livro. Como já utilizamos o

método anteriormente em aulas com alunos estrangeiros e ele apresentou resultados

significativos, entendemos que ele também proporciona vantagens para o ensino de PLNM.

Na sequência expandida, podemos encontrar sete (07) etapas de abordagem. São

elas: motivação; introdução; leitura; primeira interpretação; contextualizações; segunda

interpretação; expansão. Esse método estabelece importantes paralelos com a esquematização

proposta por Selbach (2010) para o ensino de PLE, que consiste em: pré-leitura; leitura

propriamente dita; pós-leitura; debate entre os alunos; diálogo entre a classe e o professor.

A motivação é a primeira etapa da sequência desse método. Ela equivale à etapa da

pré-leitura em Selbach (2010). O objetivo dessa etapa é de sensibilizar os alunos e propor

uma explanação introdutória ao assunto de que tratará o texto literário, posteriormente

abordado em sala de aula, com a finalidade de despertar a atenção do aluno para a temática

sobre a qual se discorrerá. Nesse primeiro momento, podem ser utilizados gêneros textuais do

dia a dia, assim como textos jornalísticos, reportagens, notícias, entre outros. Também é

motivadora a utilização de perguntas provocadoras ou de atividades dinâmicas que estimulem

o aluno a discursar sobre o assunto selecionado pelo professor para aquela aula.

Na introdução, como o próprio nome insinua, é feita uma breve introdução do

contexto da obra literária para o aluno. Assim, o professor deve apresentar dados

bibliográficos sobre o autor e sobre o livro, levar o livro físico para a sala de aula, apresentar

os elementos paratextuais presentes no livro etc.

A leitura silenciosa (Cosson) ou leitura propriamente dita (Selbach) é a fase em que

o aluno põe em prática seus conhecimentos linguísticos na interpretação do texto. É preciso

considerar que o tempo disponibilizado pelo professor em sala de aula é diretamente

proporcional à complexidade e à extensão do texto. Se o tempo para ministrar a aula for curto

em relação ao tempo necessário para a aplicação do método, essa etapa deverá ser feita

anteriormente à aula em que o método será aplicado, preferencialmente em casa. Se o docente

optar pela leitura coletiva em sala de aula e o tempo for suficiente para tal, é preciso levar em

consideração o tempo de leitura oferecido ao aluno: não pode ser nem tão curto, a ponto de o

aluno não absorver o suficiente do texto, e nem tão longo, para que o aluno não se perca na

leitura e não consiga voltar a sua atenção para a aula novamente.

Na primeira interpretação (Cosson) ou pós-leitura (Selbach), os alunos são

convidados a refletir sobre os elementos textuais. Pedem-se interpretações obtidas pelos

alunos a partir de uma leitura primária do texto. É importante que essa interpretação seja, pelo

menos, iniciada em sala de aula e, se o tempo não for suficiente, levada para casa e anexada a

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uma proposta de atividade. Como o professor de PLNM precisará apresentar textos voltados

para o contexto brasileiro, é importante que exista respeito entre as opiniões dos alunos de

diferentes países e que todas as discussões sejam realizadas pacificamente.

A contextualização, quinta etapa, é a etapa mais longa de toda a aplicação do

método, principalmente para professores de PLNM. Essa fase pode ser comparada ao debate

entre os alunos e ao diálogo entre os alunos e o professor. É nela que o docente precisará

focar o ensino de conteúdos de cultura e história brasileiras, pois desvenda-se o véu que

cobria o texto a partir do seu contexto. Os tipos de contextualização que podem ser feitos pelo

professor devem ser utilizados como forma de expansão do texto. Cosson (2006) apresenta a

proposta de sete tipos de contextualização, entretanto, neste trabalho, apresentaremos os cinco

(05) tipos de contextualização que entendemos como mais interessantes para o ensino de

português como língua estrangeira: 1) Teórica: tem a finalidade de tornar explícitas as ideias

que sustentam a obra, salientando a importância de determinados conceitos em certas obras;

2) Histórica: transporta a obra para a época de sua publicação, sendo essencial relacionar

elementos presentes na história com a obra literária, mas não permitindo que a história se

torne uma subcontextualização linear independente; 3) Presentificadora: ao contrário da

histórica, essa contextualização serve, por exemplo, para obras de épocas muito distantes da

contemporaneidade, que o professor precisa tentar aproximar da realidade cotidiana. Uma

forma de adaptar esse tipo de interpretação para o ensino de PLNM é a aproximação da

realidade cultural dos alunos com a brasileira, estabelecendo paralelos de semelhança e não

semelhança; 4) Crítica: o professor solicita uma visão crítica do aluno a partir do texto

apresentado em sala de aula, estando mais relacionada à recepção do texto literário; 5)

Temática: é feita a partir da seleção de um tema específico recorrente ao longo da obra e deve

ser analisado dentro dela, podendo, também, ser relacionada às contextualizações histórica e

teórica, e não deve ater-se puramente ao tema, mas também à repercussão dele dentro da obra.

A segunda interpretação, penúltima etapa, demanda uma apreensão mais

aprofundada do texto. Enquanto a primeira capta informações mais superficiais da obra, a

segunda procura ir mais a fundo, escavando as lacunas deixadas pela obra. Esse momento

pode estar centrado em qualquer elemento que seja ou que possa ser relevante na obra. Por

isso, a conexão que existe entre as contextualizações e a segunda interpretação é

indissociável, de forma que uma necessariamente precisa vir antes da outra, sendo realizadas

como uma única atividade.

A expansão, última etapa, é o momento de investir nas relações textuais e

intertextuais, procurando estabelecer possibilidades de diálogo entre textos ou paralelos que

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uma obra pode apresentar em si mesma. Esse trabalho é essencialmente comparativo, pois

desenvolve uma das principais habilidades interpretativas de leitura: a possibilidade de

intertextualidade, colocando duas ou mais obras em realce e destacando seus pontos

equivalentes e distintos. Uma opção para trabalhar a intertextualidade no contexto de PLNM,

além de ser feita entre obras, é estabelecer paralelos entre a obra e outras formas de

manifestação artística que tenham conteúdo similar a ela, assim como filmes, séries, histórias

nacionais e internacionais, lendas ou conhecimentos em geral, que façam com que o aluno se

familiarize mais com o texto.

O professor que se interessar por esse método não deverá se restringir a essas etapas,

mas é possível, também, diminuir ou extrapolar a quantidade de etapas, a depender de fatores

como: a quantidade de alunos, o tempo disponível, o nível de conhecimento dos alunos etc.

Para o professor de PLNM, é importante que as etapas sejam desenvolvidas e adaptadas de

acordo com os alunos e suas respectivas nacionalidades.

No próximo capítulo, apresentaremos algumas propostas didáticas sobre como esse

método pode ser utilizado no contexto do ensino de literatura para estudantes de português

como língua estrangeira.

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5 PROPOSTAS DIDÁTICAS

Antes de apresentar as propostas didáticas, faz-se necessário esclarecer que:

a) As aulas podem parecer repetitivas. Isso se deve ao fato de que todas foram

preparadas seguindo o mesmo método e, portanto, a mesma sequência. Por isso,

essas aulas não devem ser aplicadas em um curto período de tempo entre elas,

mas de forma esporádica, inclusas em um curso pré-planejado, com exceção das

aulas sobre os textos Papos e Pronominais, que devem, preferencialmente, ser

ministradas uma após a outra;

b) A etapa da contextualização requer uma pesquisa prévia sobre o tema a ser

ministrado; assim, a pesquisa fica a critério do professor que escolher utilizar as

aulas aqui propostas. Aqui, oferecemos sugestões para aulas;

c) O trabalho com vocabulário deve ser feito em todas as aulas, pois utilizamos

vários tipos de literatura. Assim, o professor deve ser responsável por oferecer

dicionários em sala de aula ou solicitar que os alunos levem os seus;

d) As aulas que contenham conversação devem ser sempre monitoradas pelo

professor, para que este possa oferecer um feedback do desempenho dos alunos ao

fim da aula;

e) As aulas são apenas sugestões e não precisam ser seguidas fielmente. O professor

precisa estar ciente das variáveis de cada classe e levar em consideração o

desempenho coletivo da turma para adaptar as propostas de forma que elas se

tornem confortáveis para o andamento da aula;

f) A compilação foi planejada considerando-se os níveis de proficiência

intermediária e avançada na língua portuguesa, pois alunos com esses níveis de

proficiência contribuem mais com a objetividade da aula, não havendo

necessidade de explicações elementares sobre a língua por parte do professor.

5.1 PÁ, PÁ, PÁ: GÍRIAS E COSTUMES SOCIAIS

Pá, Pá, Pá é uma crônica escrita por Luís Fernando Veríssimo e retrata uma

estadunidense com ávida determinação a aprender o português e sua dificuldade em

compreender as peculiaridades do PB do cotidiano. Por esse motivo, é uma crônica apropriada

para ser trabalhada com alunos estrangeiros, que possuem a mesma dificuldade; afinal, todas

as línguas possuem pelo menos duas faces, uma coloquial e outra formal, e, muitas vezes, a

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linguagem coloquial de uma língua torna-se mais difícil por estar em mutação mais constante.

Por esse motivo, essa aula será focada na modalidade oral.

Para a etapa da motivação, o professor deverá elaborar uma lista composta por

expressões idiomáticas que: a) são de conhecimento internacional e também são utilizadas no

PB; b) são bastante utilizadas no território brasileiro, mas também podem ter significados

equivalentes em outras línguas. Para uma dinâmica mais desafiadora, a lista b) pode ser

formada por expressões comuns e típicas do PB de diferentes regiões, assim como “acertar na

mosca”, “a céu aberto”, “flor que não se cheira”, “nem fede, nem cheira”, “pisar na bola”,

“encher linguiça”, “trocar as bolas”, “dar a volta por cima”, entre outras. A quantidade de

expressões deve ser par, para que a dinâmica seja realizada com êxito, e deve depender tanto

do número de alunos presentes em sala de aula quanto do tempo que o professor pretende

dedicar para esta etapa. O professor deve separar os alunos em grupos distribuir as expressões

– impressas ou escritas e cortadas em pequenos papeis – igualmente entre os grupos. Um dos

grupos, que chamaremos de G1, deverá apanhar um papel e, sem espiar, deve lerem voz alta a

expressão escolhida. Em seguida, o grupo oponente, G2, deverá atribuir um significado a essa

expressão e utilizá-la em uma frase ou situação como exemplo. Se o G2 não souber responder,

o G1 terá automaticamente um ponto; se G2 acertar ou chegar próximo do significado da

expressão, o G1 deve continuar a ler expressões, até que o G2 não consiga mais responder,

passando, assim, a vez de responder para o G1. A equipe que tiver o maior número de

expressões respondidas corretamente ganhará mais pontos e, portanto, ganhará o jogo.

Após o término da dinâmica, o professor deve prosseguir com a introdução do

assunto “expressões idiomáticas” e explicar que tais expressões são frases que, para serem

compreendidas, não podem ser interpretadas denotativamente, mas conotativamente e através

do contexto e que existem expressões idiomáticas em todas as línguas que conhecemos. A

apresentação dos elementos paratextuais do livro Comédias Para se Ler na Escola não é

relevante para essa aula, já que o propósito não é de aprofundar o conteúdo na crônica.

Provavelmente, após a leitura silenciosa, o primeiro efeito que o texto terá provocado

será a reflexão sobre outros aspectos do PB, que deve ser compartilhada após a

contextualização explicada pelo professor. Para essa crônica, apenas a contextualização

teórica é recomendada, para que o professor possa focar nos conceitos que sustentam a obra,

que são as expressões idiomáticas e as gírias. Posteriormente, os alunos devem compartilhar

suas impressões sobre a obra e suas reflexões, bem como expressões particulares de suas

respectivas línguas e seus significados. Em muitas ocasiões, expressões de diferentes línguas

podem dispor de sentidos semelhantes, e é importante salientar essas pequenas similaridades

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interlinguísticas, pois possibilitam um aprendizado transmitido não apenas do docente para os

discentes, mas também entre os próprios discentes.

Para a expansão, em duplas, os alunos devem elaborar diálogos completos utilizando

pelo menos cinco das expressões apresentadas durante a motivação. Assim que a atividade for

finalizada, dupla por dupla, os alunos devem encenar o diálogo produzido em sala de aula. Se

o tempo não for suficiente para essa atividade, a encenação dos diálogos poderá ser feita na

aula seguinte. Para casa, os alunos deverão pesquisar expressões idiomáticas ou gírias,

preferencialmente das diferentes regiões brasileiras, e trazê-las para a sala de aula, com seus

respectivos significados.

5.2 PAPOS: O NORMATIVO E O CORRETO (PARTE 1)

Papos é, assim como Pá, Pá, Pá, uma crônica escrita por Luís Fernando Veríssimo,

publicada no livro Comédias para se Ler na Escola. Essa crônica transcreve uma conversa

ordinária entre duas pessoas, quando uma delas decide fazer à outra uma correção gramatical:

“disseram-me”, ao invés de “me disseram”. A conversa acabou se tornando um debate sobre a

gramática normativa, até que chegaram à conclusão de que “pronome no lugar certo é

elitismo”.

O próprio texto será uma motivação para que seja desenvolvido o assunto de

pronomes oblíquos e colocação pronominal e, como contextualização teórica, devem-se

ministrar os conteúdos. Nesse momento, o professor ficará encarregado de apontar as

diferenças entre o que é gramaticalmente correto e o que é socialmente aceito. Por exemplo, é

importante dizer que desconsiderar regras normativas gramaticais em situações informais do

cotidiano, como uma ligação ao telefone ou em conversas com pessoas próximas, independe

de etnia ou de classe social. É comum e aceitável que brasileiros não se preocupem com

regras estabelecidas pela gramática normativa em situações de não monitoramento, assim

como ocorre em outras línguas. Entretanto, a maioria dos brasileiros não cometeria esses

mesmos usos em e-mails profissionais, artigos acadêmicos, seminários e demais situações em

que a norma culta seja considerada determinante. Esse distanciamento entre a norma culta e a

informal também acontece em outras línguas e essa é uma boa oportunidade para deixar que

os alunos discutam sobre as particularidades de suas respectivas línguas maternas no

momento da segunda interpretação.

O assunto de colocação pronominal deve chamar atenção à preferência pela ênclise

em Portugal, enquanto que, no Brasil, a preferência é pela próclise, embora não exista um

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motivo específico para essa preferência. Na segunda parte da aula, o professor precisará

retomar esse assunto, e o foco da aula será no costume de evitar o uso dos verbos no modo

imperativo, para chamar atenção à suavidade que o brasileiro normalmente prefere passar.

Exemplos de fragmentos de livros que também podem ser utilizados nessa aula são Vidas

Secas, de Graciliano Ramos, e Jangada de Pedra, de José Saramago, para demonstrar o

contraste de preferências entre o português americano e o europeu.

Para a expansão, além de exercícios de fixação de conteúdo, os alunos deverão

elaborar entrevistas com brasileiros de diferentes classes sociais, etnias e níveis de

escolaridade para apontar as semelhanças e as diferenças entre as falas de cada um. As

perguntas precisam ser sobre a língua portuguesa, assim como: “normalmente, você fala ‘me

disseram’ ou ‘disseram-me’?”. Na aula seguinte (ou logo em seguida, dependendo do tempo

disponível), os alunos poderão discutir esses resultados.

5.3 O COBRADOR: IMPACTO DA REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA

O Cobrador, escrito por José Rubem Fonseca, é um conto publicado no livro de

mesmo título, em 1979. O conto narra as atrocidades cometidas por um homem, apelidado de

Cobrador, residente nos logradouros marginais cariocas. Nesse conto, o narrador – em

primeira pessoa, o próprio Cobrador – não poupa insultos à burguesia brasileira e apresenta

aos leitores, sem filtros de censura, uma das facetas brasileiras: a pobreza no Brasil. Esse é um

tópico essencial a ser discutido em sala de aula, principalmente com alunos estrangeiros, para

que compreendam o funcionamento das comunidades brasileiras marginalizadas.

Uma forma de incorporar o conteúdo do conto O Cobrador nas aulas de Cultura

Brasileira seria realizar, no início da aula, como motivação, uma exposição de duas coletâneas

distintas de fotografias: a primeira seria composta por imagens de futebol, praias, pontos

turísticos e patrimônios históricos (Cristo Redentor, Pelourinho de Salvador, Farol do Cabo

Branco) e festas comemorativas (Carnaval, São João, Festa das Neves); a segunda seria

composta por imagens que representam aglomerados subnormais2, o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra, a miséria, a fome, a corrupção, entre outros. Após a

apresentação das duas coletâneas, o professor solicita que o aluno selecione duas imagens:

uma que represente a ideia que o aluno tinha sobre o Brasil antes de conhecer o País; outra

que se aproxime da representação do país após um determinado período de vivência no Brasil.

2 “Aglomerados subnormais” é uma nomenclatura utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –

IBGE para denominar comunidades popularmente conhecidas como “favelas”.

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É necessário explicar que as duas realidades fazem parte do contexto brasileiro, embora uma

seja mais representativa internacionalmente que a outra. A motivação ocasionará uma

discussão sobre o assunto “desigualdade social”, pois é de onde se origina um dos grandes

problemas do Brasil: a pobreza. Dessa forma, o professor de português como língua

estrangeira poderá tentar estabelecer paralelos entre alunos de países diferentes ou mesmo de

regiões diferentes de um mesmo país. É importante coletar esses pontos de vista para que,

posteriormente, os alunos consigam compreender similaridades e diferenças interculturais. A

partir disso, o professor precisará direcionar sua discussão para o tópico de interesse em razão

do texto que será trabalhado: a miséria e a luta pelo dinheiro como estratégia de sobrevivência

na contemporaneidade brasileira. Alunos de países com forte desigualdade social, onde a

pobreza ocupa as ruas urbanas de forma transparente, apresentarão uma maior familiaridade

com o assunto; os alunos provenientes de países que não demonstram distinções gritantes

entre as classes econômicas não conseguirão visualizar semelhanças interculturais e, portanto,

suas comparações serão feitas a partir de diferenças.

Após a coleta de informações primárias pré-textuais, na introdução, o professor

apresenta os elementos paratextuais, assim como prólogos, prefácios, epígrafes, notas ou

comentários etc. Para o trabalho com esse conto, é importante apresentar o livro de mesmo

nome e também coletar interpretações imagéticas sobre a capa – a silhueta de um rosto sem

definição nem opacidade –, relacionando-as com o enredo do conto. Em seguida, o professor

partirá para a segunda etapa, a leitura silenciosa. Se essa leitura já tiver sido feita em casa, o

professor precisará guiar os alunos a uma recapitulação do texto e dar início à próxima etapa.

Indubitavelmente, na primeira interpretação, a maioria dos alunos sentirá dificuldade

na leitura do texto, não pela complexidade do português, pois a linguagem atribuída pelo

autor ao narrador é bastante coloquial e cotidiana, mas devido à grande quantidade de atos de

violência e de barbaridade descritos ao longo do conto. Isso ocasionará, antes de tudo,

estranhamento e confusão que podem bloquear a capacidade de interpretação do aluno.

Entretanto, o professor deve ser perseverante quanto à escolha do texto e partir para as

contextualizações, explicando que, apesar de ser vista com maus olhos socialmente (como

deve ser), a violência, na obra, possui um valor artístico que deve ser vista como uma

consequência amarga da desigualdade social. O narrador considera-se um representante da

indignação marginal direcionada às pessoas de maior poder aquisitivo, e a violência é a

maneira que ele encontrou de expressar sua frustração, tanto consigo mesmo, quanto com a

estruturação da sociedade capitalista. Para alunos vindos de países com ideais socialistas, esse

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conceito pode ser um tanto abstrato e deve ser introduzido previamente ou durante a primeira

interpretação.

Para trabalhar cultura brasileira no conto O Cobrador, é necessária a

contextualização crítica, para que o aluno tenha liberdade de expressar seu ponto de vista, e a

temática, para discutir sobre o tema “pobreza”, recorrente na obra. É comum que estrangeiros

que visitam o Brasil se interessem por conhecer outras regiões e estados e, se possível,

também é próspero que esses compartilhem experiências próprias vivenciadas em solo

brasileiro.

A segunda interpretação é o momento ideal para realizar a análise de elementos mais

implícitos no texto, como, por exemplo, a) a omissão do nome verdadeiro do Cobrador,

representando a transparência social dos pobres; b) a cena do estupro, em que o Cobrador

escolheu violentar a dona da casa em vez de a governanta, preferindo atá-la; c) a compaixão

que ele sente por dona Clotilde (uma das personagens do conto, vista, pelo narrador, como

uma figura materna), e toda a ternura com que cuida dela, considerando-a como uma figural

parental para compensar a carência de um lar, entre outros aspectos.

Como o exercício para essa aula é realizado em sala de aula, recomenda-se que o

professor elabore uma atividade para revisar o vocabulário. Como a linguagem utilizada é

clara e coloquial, é preciso destacar expressões, gírias, palavrões, palavras que não são mais

utilizadas no cotidiano etc. É preciso que o professor explique, por exemplo, que: a)

“cruzeiro” foi uma moeda utilizada no Brasil durante o período do Estado Novo e foi

gradualmente substituída pelo Cruzeiro Real; b) a utilização do diminutivo é comumente

utilizada pelos brasileiros como uma demonstração de afeto ou como uma forma pejorativa de

se referir a algo ou a alguém, assim como vestidinho, bonitinho, certinhos e branquinhos com

um sentido irônico na cena da mulher grávida e seu marido; e c) é habitual utilizar palavras

estrangeiras e adaptá-las ao nosso léxico cotidiano, assim como Top Executive Club e relax,

na cena do Executivo.

O filme Les Miserables, adaptação cinematográfica do livro de mesmo nome, escrito

por Victor Hugo, é uma sugestão para a etapa da expansão. Para isso, o professor deverá

solicitar que os alunos escrevam um texto sobre como a história poderia ser diferente se o

Cobrador fosse um personagem do filme, destacando sua origem brasileira e diferenciando-a

da realidade social dos demais personagens. Além de estimular a imaginação do aluno, é uma

atividade importante para conectar dois tipos diferentes de sociedade: a brasileira e a francesa.

Embora sejam histórias de ficção de diferentes épocas, ambas têm muito a apresentar sobre as

culturas e as formas de viver das pessoas.

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5.4 PAI CONTRA MÃE: A OBJETIFICAÇÃO DO SER HUMANO

Pai Contra Mãe é um conto de Machado de Assis, publicado no livro Relíquias da Casa

Velha, em que o narrador descreve um passado escravista e narra a história do casal Cândido

Neves e Clara e os problemas sociais que ambos enfrentam a partir da criação de um filho que

deverá ser interrompida (devem doá-lo) por motivos financeiros.

Para o trabalho com esse conto, como motivação, o professor deve aproximar esse

contexto distante à atualidade, para que o aluno possa compreender melhor a situação da

escravidão no Brasil, embora ela não tenha sido muito diferente da escravidão ocorrida em

outros países na América Latina. Para isso, uma maneira de introduzir a motivação seria

através da apresentação do vídeo do poema musicado Me Gritaram Negra, disponível no

YouTube, legendado. A partir do vídeo, o professor poderá desenvolver um pequeno debate

com relatos de experiências racistas que os alunos sofreram ou presenciaram ao longo da vida,

com o propósito de identificar o racismo como uma consequência da escravidão, prática da

colonização de vários países da América Latina. O professor também deve introduzir a etapa

da introdução logo após a discussão, para prolongar o tempo da contextualização adiante.

Depois da leitura do conto, a primeira coleta de interpretações poderá variar de aluno

para aluno: alguns poderão comparar a colonização brasileira com a colonização acontecida

em seu país, outros poderão manifestar desconforto com relação ao conteúdo, ou até mesmo

se sentirem alheios ao assunto, por seus países não terem passado por esse processo. Dessa

forma, evidentemente, é importante que o professor apresente uma contextualização histórica

para situar o aluno em relação à época a que a obra se refere. Além da histórica, também pode

ser utilizada a contextualização presentificadora, contrária à histórica, para realçar os

fragmentos vestigiais da colonização e suas sequelas reminiscentes no Brasil. Em seguida, o

professor disponibilizará um tempo para esclarecer dúvidas da língua portuguesa que poderão

surgir devido às mudanças ortográficas acontecidas desde a época da publicação da obra,

como, por exemplo, a utilização de “cousa” e não “coisa”, “dous” e não “dois” etc.

A segunda interpretação será dedicada a encontrar elementos implícitos da história da

colonização e escravidão brasileiras na obra. É importante ressaltar, por exemplo, que a

profissão de coletor de escravos fugidos não foi escolhida por Cândido Neves, um dos

protagonistas, mas uma solução encontrada para um problema urgente, já que Cândido era um

homem branco e livre, porém sofria de caiporismo, instabilidade financeira devido à

incapacidade de permanecer em um só emprego por muito tempo. Esse ofício era praticado

apenas por homens marginalizados, o que reforça a ideia da hierarquia social escravista. Além

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disso, o conto retrata a forma como filhos de pessoas que não tinham poder aquisitivo sofriam

uma devastadora indiferença social, assim como ainda acontece nos dias de hoje.

Para a expansão, será escrito um artigo de opinião ou um relato pessoal sobre o que o

aluno faria na situação de Cândido Neves: se o aluno receberia a gratificação e ficaria com

seu filho, devolvendo, assim, a escrava, ou se deixaria a escrava grávida livre e entregaria o

seu próprio filho.

5.5 CANÇÃO DO EXÍLIO: O PATRIOTISMO BRASILEIRO

Canção do Exílio é uma poesia escrita pelo poeta Antônio Gonçalves Dias (1823 –

1864), no ano de 1846, durante o período de efervescente nacionalismo brasileiro, também

conhecido como “indianismo”. No poema, é possível encontrar um ininterrupto saudosismo

do eu-lírico devido a seu distanciamento da sua pátria natal. Isso permite uma correlação

bibliográfica com o autor, uma vez que Gonçalves Dias o escreveu quando foi enviado a

Coimbra para cursar a faculdade de Direito.

Esse poema é ideal para ser trabalhado com estrangeiros residentes no Brasil, pois,

como já foi explicado anteriormente, é necessária uma conexão emocional com o conteúdo a

ser trabalhado em sala de aula, para que o aluno possa melhor assimilá-lo. Naturalmente,

imigrantes residentes no Brasil por tempo indeterminado e estudantes intercambistas podem

estabelecer vínculo afetivo com o poema já que eles mesmos estão temporariamente apartados

de suas respectivas terras natais. Mesmo assim, essa aula pode ser adaptada para estudantes de

português como língua estrangeira que não estejam em situação de imersão e também para

alunos de nível pré-intermediário, embora a leitura do poema, nesse caso, leve mais tempo, já

que poderá demandar muitas consultas ao dicionário devido ao vocabulário lírico.

Como motivação, os alunos devem imaginar que estão proibidos de voltar para seus

países de origem, que não podem sequer entrar em contato com alguém que resida

permanentemente por lá, e absolutamente tudo deve estar fora de seu alcance, inclusive na

internet. Além da família e dos amigos, do que mais ele sentiria falta? A língua, a culinária, a

literatura, a cultura, as paisagens... Existem vários fatores que podem manifestar sentimentos

dormentes de nostalgia. Se os alunos da turma forem provenientes de países diferentes, essa

etapa durará mais tempo, já que cada país tem suas particularidades e isso dará mais espaço

para que cada aluno possa compartilhá-las com os demais alunos; entretanto, se os alunos da

turma forem provenientes de um único país, é provável que essa etapa dure menos tempo, já

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que as particularidades de cada país acabam ficando repetitivas à medida que os alunos

começam a discutir sobre elas, mesmo que tenham nascido em diferentes estados ou regiões.

Após feita a motivação e a introdução do conteúdo, o professor deve dar espaço para

o momento da leitura silenciosa, seguida pela leitura compartilhada e pelas primeiras

impressões. Certamente, o professor precisará esclarecer dúvidas de vocabulário, pois o

português utilizado no poema não é facilmente encontrado no cotidiano; por isso, é

recomendável que, para essa aula, os alunos tenham lido o poema anteriormente em casa ou

tenham, em mãos, um dicionário. Além disso, o tipo de construção frasal utilizado pelo eu-

lírico do poema é bastante peculiar, o que pode confundir o aluno. Nesse sentido, é dever do

professor auxiliar na reformulação sintática dos versos. Por exemplo, os dois primeiros versos

da terceira estrofe, “em cismar, sozinho, à noite/mais prazer eu encontro lá” podem ser

reformulados como “eu encontro mais prazer em cismar lá, sozinho, à noite” para que seja de

compreensão mais fácil. A linguagem lírica utilizada no poema é importante para que o aluno

possa compreender a disparidade existente entre o PB falado hoje e o PB falado durante a

época em que o poema foi escrito, quando o Brasil ainda estava desenvolvendo sua própria

identidade linguística pós-independência e ainda era similar ao português europeu.

Uma sugestão para a quinta etapa é, ao mesmo tempo, histórica e presentificadora,

pois tem o objetivo de levar o aluno a uma breve contextualização histórica do Brasil, da

colonização à época da libertação da colônia, a fim de que ele compreenda o fervor do

nacionalismo da época em que o poema foi escrito. A primeira fase do romantismo brasileiro

amparou uma série de outros poetas, e esses também podem ser mencionados nesta etapa.

Para estabelecer paralelos, é interessante que o professor também mencione momentos

históricos dos países de origem dos alunos presentes e compare-os, por semelhanças ou por

diferenças, com a história do Brasil.

Para a expansão, o professor deverá solicitar que os alunos pesquisem sobre a

história, curiosidades, costumes e cultura de seus respectivos países e elaborem suas próprias

canções do exílio. Alguns alunos possuem dificuldade de expressar a criatividade, então é

importante que o professor abra espaço tanto para narrativas em versos quanto para narrativas

em prosa.

5.6 PRONOMINAIS: O NORMATIVO E O CORRETO (PARTE 2)

O poema Pronominais, escrito pelo poeta Oswald de Andrade (1890 – 1954), faz

parte de um movimento da literatura do século XX, repleto de manifestações vanguardistas: o

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modernismo, que teve o intuito de quebrar paradigmas e se opor ao tradicionalismo. O poema,

assim como Papos, de Luís Fernando Veríssimo, evidencia a diferença entre a gramática

normativa e a desconsideração dessas normas no cotidiano, dando como exemplo o uso da

forma “me dá” em vez da “dá-me”. É interessante que, se possível, essa aula seja aplicada em

dias próximos ou mesmo junto à aula sobre a crônica Papos, de Luís Fernando Veríssimo, já

que ambas têm o mesmo propósito, possibilitando uma leitura metalinguística entre a crônica

e o poema.

Nessa aula, o próprio poema servirá de motivação para que os alunos possam fazer

conexões entre tantas outras regras da gramática que são ignoradas em contextos informais.

Certamente, esse fenômeno ocorre em todas as línguas, e o dever do professor é de apresentar

ao aluno não apenas o que é considerado correto gramaticalmente, mas também o que é

utilizado cotidianamente pelos falantes brasileiros, uma vez que a intenção do professor de

PLNM é a de formar alunos que sejam competentes nas diversas situações comunicativas, em

níveis formais ou informais. Outro exemplo desse fenômeno é o emprego do pretérito

imperfeito do modo indicativo em vez de o futuro do pretérito, em situações como “se eu

tivesse tempo, eu lia mais”. A troca do “leria” por “lia” é, num contexto informal,

perfeitamente aceitável.

Após a leitura compartilhada, é possível que os alunos questionem os significados

das expressões “mulato sabido”, “bom negro” e “bom branco” no poema. Por isso, para a

contextualização teórica e temática, o professor deverá falar sobre a diversidade étnica

brasileira: independentemente de cor da pele ou de classe econômica, os “bons” brasileiros

não devem se incomodar com preferências informais de fala. Além da interpretação do

poema, é, também, uma boa oportunidade para introduzir os assuntos de pronomes oblíquos,

colocação pronominal e modo verbal imperativo. Dependendo do tempo disponível para essa

aula, o professor pode optar por ministrar o assunto de pronomes oblíquos e suas colocações

na primeira aula (Papos) e ministrar o assunto de verbos no modo imperativo na segunda aula

(Pronominais). Quanto ao modo verbal imperativo, é importante salientar que, no PB, é

comum substituí-lo pelo presente do indicativo, assim como acontece no poema: “dá” em vez

de “dê”. Essa é uma forma de suavizar pedidos e conselhos, já que o imperativo pode ser visto

como linguisticamente impactante.

Para a expansão, o professor deverá passar exercícios de fixação sobre o modernismo

brasileiro, focando no vocabulário utilizado pelo eu-lírico do poema Pronominais, e do

conteúdo gramatical ministrado durante a aula.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No primeiro capítulo deste trabalho, discorremos, primeiramente, sobre as diferentes

formas de aquisição de uma língua: a língua materna ou primeira língua (L1), a primeira

língua aprendida por um indivíduo; a segunda língua (L2), que pode ou não ser adquirida por

um indivíduo, posteriormente à aquisição da língua materna, numa situação de imersão; e a

língua estrangeira (LE), uma língua que o falante adquiriu superficialmente devido à falta de

contato direto e contínuo. Em seguida, falamos sobre os métodos utilizados pelos professores

para ensinar uma língua não materna: o método tradicional, utilizado originalmente para

facilitar a tradução de textos; o direto, que priorizava o desenvolvimento individual do

aprendiz; o áudio-oral, utilizado para ensinar uma língua prontamente; o audiovisual, que

priorizava o uso cotidiano da língua; e o comunicativo, que visava o ensino da língua através

dos seus aspectos semânticos.

No segundo capítulo, compreendemos a cultura como um modo de adaptação do ser

humano às inovações sociais que têm a função de manter a harmonia entre uma comunidade

e, por consequência, determinar modos de comportamento e crenças. A Literatura, por sua

vez, possui várias funções. No início, sua única função era a de produzir textos. Depois,

passou a estar relacionada à intelectualidade e, em seguida, foi vista como uma manifestação

artística. Além disso, era, também, um forte componente que podia interferir diretamente no

contexto social. Por fim, compreendemos a Literatura como uma manifestação artística que

pode mimetizar uma sociedade ou criar uma realidade alternativa sem perder sua

legitimidade. Frequentemente, pode ser uma rica fonte de bagagem sociocultural e histórica, e

também pode ser ensinada junto a outras áreas do conhecimento, assim como a História, a

Antropologia, a Sociologia etc. Entretanto, para o aluno de PLNM, a Literatura é uma

ferramenta que viabiliza o aprendizado da língua, da cultura, da história e dos costumes de

uma comunidade de forma mais dinâmica, trazendo benefícios significativos para a

aprendizagem do PB, além de facilitar a integração cultural deste indivíduo estrangeiro na

nova sociedade.

No terceiro capítulo, discorremos sobre o método da sequência expandida desenvolvido

por Cosson (2006) e adaptado com base no método desenvolvido por Selbach (2010), que

consiste em: introdução; leitura silenciosa ou leitura propriamente dita; primeira

interpretação ou pós-leitura (primeiras impressões); contextualização; segunda interpretação

(uma leitura pós-contextualização) e expansão (atividades de fixação de conteúdo). Com

relação à contextualização, nesse método adaptado, existem 5 tipos: teórica (apresentação de

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ideias na obra); histórica (contextualizar a obra historicamente); presentificadora

(aproximação da obra com a realidade atual); crítica (solicitação de visão crítica do aluno a

respeito do tema) e temática (seleção de um tema específico recorrente ao longo da obra).

No último capítulo, apresentamos as seis (06) aulas planejadas, sendo duas (02) sobre as

crônicas Pá, Pá, Pá e Papos, duas (02) sobre os contos O Cobrador e Pai Contra Mãe e duas

(02) sobre os poemas Canção do Exílio e Pronominais.

Por fim, consideramos que este trabalho alcançou o objetivo de oferecer um leque de

novas possibilidades para acrescentar – até renovar – cursos de português oferecidos para

alunos estrangeiros. Com a globalização e a popularização do Brasil no mercado

internacional, a nossa língua nacional está despertando o interesse dos estrangeiros.

Incontestavelmente, com esse fenômeno, a demanda e a procura por professores preparados

para ensinar a língua portuguesa para alunos internacionais, dentro ou fora do país, aumenta a

cada dia. Por isso, esse trabalho é importante, fornecendo materiais que possam auxiliar os

professores de PLNM a construir seus planejamentos didáticos.

Visto que assunto deste trabalho não se esgota aqui, estimulamos a possibilidade de

utilização do conteúdo desta monografia em outros projetos acadêmicos, para contribuir com

a construção do conhecimento nessa área, ainda tão inexplorada, do ensino de Português

como Língua Não Materna.

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