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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG · 2019. 4. 20. · Figura 06 – Mapa mental da P.M. ......

Date post: 18-Feb-2021
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG Instituto de Ciências da Natureza Curso de Geografia Bacharelado ou Licenciatura JÉSSICA DANIELLE FERREIRA DO AMARAL AS RELAÇÕES DE GÊNERO NOS ACAMPAMENTOS E ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE CAMPO DO MEIO - MG Alfenas - MG 2019
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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG

    Instituto de Ciências da Natureza

    Curso de Geografia – Bacharelado ou Licenciatura

    JÉSSICA DANIELLE FERREIRA DO AMARAL

    AS RELAÇÕES DE GÊNERO NOS ACAMPAMENTOS E

    ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE CAMPO DO

    MEIO - MG

    Alfenas - MG

    2019

  • JÉSSICA DANIELLE FERREIRA DO AMARAL

    AS RELAÇÕES DE GÊNERO NOS ACAMPAMENTOS E

    ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE CAMPO DO

    MEIO - MG

    Trabalho de Conclusão de Curso

    apresentado como parte dos requisitos para

    obtenção do título de Licenciada em

    Geografia pelo Instituto de Ciências da

    Natureza da Universidade Federal de

    Alfenas - MG, sob orientação do(a) Prof.ª

    Dr.ª Ana Rute do Vale.

    Alfenas – MG

    2019

  • Banca Examinadora

    _____________________________________________

    Titulação, nome completo e instituição do Orientador

    _____________________________________________

    Titulação, nome completo e instituição do Avaliador 01

    _____________________________________________

    Titulação, nome completo e instituição do Avaliador 02

    Alfenas (MG), __/__/____

    _________________________________

    Resultado

  • (...) Descreve seu moço, a mulher insurgente,

    De foice e facão, bandeira e suor

    Descreve esta luta que levo com a gente

    De ser combatente com muito valor.

    Descreve do jeito que bem entender,

    Descreve seu moço,

    Porém não te esqueças de acrescentar

    Que eu também sei plantar,

    Que eu também sei lutar,

    Que meu nome é mulher.

    (Pe Zezinho. Adaptação: Mulheres MST)

  • Às mulheres de ontem, às mulheres de hoje, e às

    mulheres que virão. Às mulheres: Maria (Vovó

    Meu Anjo da Guarda), Valdelúcia, Gabriela,

    Sandra, Flávia, Ana Rute, e xs Companheirxs do

    MST. À minha família e meus Companheiros e

    Companheiras de luta. Ao meu querido Enzo, que

    crescerá em um mundo de Mulheres de luta.

  • Agradecimentos

    Em primeiro lugar agradeço a minha orientadora Prof.ª Dr.ª Ana Rute do Vale, que

    com muita experiência, anos de muito trabalho na geografia, e com o seu carinho, me

    proporcionou adentrar ao universo da geografia agrária e ao feminismo. E me ajuda a

    construir minha jornada na geografia, através do seu apoio. A Prof.ª Dr.ª Sandra de Castro de

    Azevedo, que me fez sentir a educação como ferramenta de luta, e que me ensina a arte de

    como ser mais paciente e como ter força na luta. Ao Prof. Dr. Evânio dos Santos Branquinho,

    por aceitar os desafios das minhas mirabolantes ideias, e abrir seu armário cheio de livros e

    mais ideias, sempre com muito carinho.

    A minha companheira, Gabriela Cristina da Silva Vitor, feminista negra, que me

    ensina cotidianamente a arte de ser mais forte enquanto mulher, e que tem me ajudado a

    compreender a minha branquitude, e que acompanha minha vitórias e derrotas, com muita

    paciência, apoio, carinho e amor.

    As mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que abriram

    seus corações e vidas. E as mulheres campesinas que fazem parte das raízes da terra e já não

    estão mais entre nós, que permitiram construir meu conhecimento, através daqueles que

    deixaram.

    A minha Vó, que mesmo até a quarta série, tem a sabedoria que me ajuda a trilha essa

    vida, e sempre me impulsou a estudar.

    As companheiras e companheiros de luta, que atravessaram meu caminho na

    universidade e me ajudaram a construir meu conhecimento.

    A minha família, que está sempre comigo, com suas diversas formas de apoio.

    A todas e todos os meus Professores do Ensino Básico e aos meus Professores da

    Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL -MG).

  • Resumo

    As discussões sobre as relações de gênero tiveram um enorme avanço conceitual na

    década de 1970, juntamente com o desenvolvimento de uma geografia crítica. A geografia

    caminhava na tentativa de apreender esses espaços sociais. Surge então a geografia feminista,

    em busca da compreensão dos diversos espaços femininos, em contrapartida, a uma ciência de

    homens, que apontava apenas para uma perspectiva masculina de leitura do mundo. Na cidade

    ocorreu o aumento dos movimentos sociais feministas, mas o rural não fica de fora. Pois, os

    constantes movimentos rural-cidade-rural, entrelaçam a diversidade e a complexidade da

    sociedade atual. As relações de gênero se tornaram um dos pontos de partida para

    compreender as injustiças sociais e as desigualdades de gênero. Neste sentindo, à

    aproximação aos estudos de gênero e a luta pela terra no município de Campo do Meio – MG,

    que despertou questionamentos sobre as relações de gênero das mulheres acampadas e

    assentadas. O objetivo desta pesquisa, busca captar através do cotidiano destas mulheres

    campesinas, os elementos que estruturam os papéis sociais e as relações de gênero. A

    metodologia do trabalho é um convite a um novo método de exposição, em que a

    transversalidade se une ao sujeito da pesquisa, para que este possa tecer a sua história. Os

    resultados da pesquisa ainda identificam várias dificuldades quando se tratam das relações de

    gênero, mas os avanços estão presentes na organização e na estruturação das suas

    participações, representatividades e no Coletivo Mulheres Raízes da Terra.

    Palavras-chave: Cotidiano; Gênero; Campesinato; Geografia; Feminismo.

  • Abstract

    Discussions on gender relations took a major conceptual breakthrough in the 1970s, along

    with the development of a critical geography. Geography was in the process of apprehending

    these social spaces. The feminist geography arises, in search of the understanding of the

    diverse feminine spaces, in contrast, to a science of men, that pointed only to a masculine

    perspective of reading of the world. The city is the scene of an upsurge of feminist social

    movements, but the rural is not left out. For the constant rural-city-rural movements

    intertwine the diversity and complexity of present-day society. Gender relations have become

    one of the starting points for understanding social injustices and gender inequalities. In this

    sense, the approach to gender studies and the struggle for land in the municipality of Campo

    do Meio - MG, which raised questions about the gender relations of women camped and

    settled. The objective of this research is to capture through the daily life of these rural women

    the elements that structure social roles and gender relations. The methodology of the work is

    an invitation to a new method of exposition, in which transversality joins the subject of the

    research, so that it can weave its history. The results of the research still identify several

    difficulties when dealing with gender relations, but the advances are present in the

    organization and structuring of its participations, representativities and in the Collective

    Mulheres Raízes da Terra.

    Keywords: Everyday life; Gender; Peasantry; Geography; Feminism.

  • Lista de ilustrações

    Figura 01 – Mapa de localização geográfica do município de Campo do Meio – MG e dos

    assentamentos Primeiro do Sul e Nova Conquista II............................................................... 18

    Figura 02 – Mapa de localização dos acampamentos na ex-usina Ariadnópolis – Campo do

    Meio-MG................................................................................................................................. 19

    Figura 03 – Reunião do setor de saúde dos assentamentos e acampamentos..........................21

    Figura 04 – Reunião sobre o curso de plantas medicinais dos acampamentos e assentamentos

    – Campo do Meio-MG..............................................................................................................21

    Figura 05 – Compartilhando saberes com as acampadas e assentadas – Campo do Meio-

    MG............................................................................................................................................35

    Figura 06 – Mapa mental da P.M. ...........................................................................................39

    Figura 07 – Residência da P.M. ..............................................................................................39

    Figura 08 – Residência da D.R. ..............................................................................................40

    Figura 09 – Mapa mental da D.R. ...........................................................................................40

    Figura 10 – Mapa mental da E.A. ...........................................................................................41

    Figura 11 – Mapa mental E.E. ................................................................................................41

    Figura 12 – Mapa mental da D.C. ...........................................................................................42

    Figura 13 – Mapa mental da C.A. ...........................................................................................43

    Figura 14 – Habitat I................................................................................................................50

    Figura 15 – À luta I..................................................................................................................51

    Figura 16 – À luta II.................................................................................................................51

    Figura 17 – Habitat II...............................................................................................................52

    Figura 18 – Habitat III.............................................................................................................52

    Figura 19 – À luta III...............................................................................................................53

    Figura 20 – Encontro do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.............................................71

  • Lista de quadros

    Quadro 01 – Resumo dos dados coletados e das anotações sobrea as mulheres acampadas e

    assentadas................................................................................................................................. 23

    Quadro 02 – Diferenças entres acampamentos e assentamentos.............................................44

    Quadro 03 – Demandas das mulheres acampadas e assentadas do MST................................47

    Quadro 04 – Processo histórico dos acampamentos e dos assentamentos..............................54

    Quadro 05 – Acampamentos do Quilombo Campo Grande....................................................56

  • Lista de siglas

    EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

    FACA – Feira Agroecológica e Cultural de Alfenas – MG

    FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização das Nações

    Unidas para Alimentação e Agricultura)

    IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

    INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

    MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

  • Sumário

    Lista de ilustrações ..................................................................................................................... 9

    Lista de quadros ........................................................................................................................ 10

    Lista de siglas ........................................................................................................................... 11

    1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13

    2 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS RAÍZES DA TERRA .................................................. 17

    3 O COTIDIANO COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE ............................................... 30

    3.1 A (re)produção do cotidiano das mulheres: O que elas têm a nos dizer? ................... 38

    3.2 Uma estrutura em colapso: O patriarcado no meio rural ............................................ 48

    3.3 Do habitat à luta, da luta ao habitat ............................................................................... 52

    4 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DAS MULHERES CAMPESINAS ................................ 61

    4.1 A geografia a caminho de outras categorias: As relações de gênero ........................... 63

    4.2 A geografia agrária das mulheres campesinas .............................................................. 68

    4.3 E para não dizer que não falei das “Margaridas”: Participando sem medo de ser

    mulher! .................................................................................................................................... 72

    5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 76

    ANEXOS ................................................................................................................................. 82

  • 13

    1 INTRODUÇÃO

    Ao iniciar os estudos, a partir das relações de gênero dentro da geografia, os processos

    de reforma agrária e a formação política realizada pelo MST no ano de 2014 no assentamento

    Primeiro do Sul, alguns questionamentos surgiram em torno desses temas. O primeiro,

    pensando sobre a realidade vivida pelas mulheres e a relação com o espaço geográfico: como

    esses espaços de vida cotidiana, de assentamentos e acampamentos, produz as relações de

    gênero? O segundo, como os instrumentos teórico-metodológicos da ciência geográfica são

    suficientes para compreender de que forma essas mulheres campesinas produzem o espaço?

    Podemos incialmente afirmar, que existe uma invisibilidade, que começa a ser

    descortinada sobre as mulheres na abordagem geográfica, devido aos estudos de

    pesquisadoras, e o desenvolvimento da Geografia Feminista nos anos 70. Quando se fala das

    relações de gênero dentro dos assentamentos e acampamentos de reforma agrária, fazendo um

    recorte geográfico, busca-se dar visibilidade a esse tema dentro da ciência geográfica. Temos

    que levar em consideração que existe diferenças de atuações no espaço geográfico, entre

    mulheres e homens, que passam pela categoria de gênero.

    Essa pesquisa avança quando percebe que a análise sobre as relações de gênero no

    campo deve ir além de uma compreensão do público para alcançar a escala do privado, e por

    isso fomos até o cotidiano, porque compreendemos que é nele que o sujeito apresenta sua

    realidade de forma mais intensa e informal. Relacionar as relações de gênero, através de uma

    leitura geográfica se torna uma proposta teórica, na tentativa de apreender o papel das

    mulheres e suas atuações que envolvem tempo, espaço e escala dentro dos assentamentos e

    acampamentos. Mesmo com todos os avanços promovidos pelo MST, ainda existe a

    invisibilidade do papel feminino na produção do espaço, e espaços destinados às atividades

    femininas, como por exemplo, a horta. Mas, de que forma as mulheres produzem o espaço?

    A geografia de gênero busca interpretar as relações socioespaciais, as desigualdades de

    gênero que atingem principalmente as mulheres, o trabalho feminino, para além, da esfera

    doméstica e o trabalho informal, para a apreensão das origens da subordinação das mulheres.

    Os estudos sobre gênero no meio rural datam aproximadamente da década de 1980, com

    temáticas que envolvem as atividades produtivas, reprodutivas e o excesso de trabalho. O

    tempo dedicado a atividade (re)produtiva se alterou, através da modernização do campo e o

    avanço do capitalismo, que foi responsável por estabelecer em algumas regiões um complexo

    agroindustrial, o que possivelmente ocasionou uma outra dinâmica no campo, e na própria

    estrutura de uma prática de agricultura de base familiar. A influência do marxismo no

    feminismo propiciou elaborar um recorte de classe, mas foi fundamental ir além dos fatores

  • 14

    econômicos para perceber como as campesinas nas suas relações de gênero produzem o

    espaço.

    Foram selecionados os acampamentos e assentamentos de reforma agrária, por ser o

    universo de vivência das mulheres. Os acampamentos podem ser considerados espaços de

    transição, ocupados por um período temporário, no qual os sem-terra constroem barracos de

    lona, os mais conhecidos são os barracos de lona preta, nas beiras das estradas, mas também

    podem ocupar áreas consideradas centrais nas propriedades fundiárias. As terras ocupadas são

    configuradas, através de abandono do proprietário, ou seja, são consideradas “improdutivas”,

    ou tem dívidas trabalhistas ou dívidas com o Estado. Sendo assim, essas terras devem ser

    analisadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), se houve

    irregularidades, a terra deverá ser destinada para fins de reforma agrária. Nenhuma terra é

    “invadida”, a terra é ocupada, e dela homens e mulheres buscam o seu direito pela terra, que é

    ocasionada pela não ocorrência de reforma agrária no país, sujeitando esses indivíduos a

    condições de acampadas e acampados em situações precárias. Quando há ocupação, mesmo

    depois de percebido as irregularidades da área, o proprietário poderá solicitar a desocupação

    forçada e imediata da propriedade, o que é chamado de reintegração de posse.

    O acampamento então se apresenta como lugar de transição, sendo um espaço

    estratégico para forçar o governo a assentar. Os assentamentos são áreas já consolidadas,

    regularizadas pelo INCRA, são terras destinadas para o fim de reforma agrária. As unidades

    agrícolas, que são as parcelas, lotes ou glebas, são distribuídos pelo INCRA às famílias que

    não têm condições de adquirir terras. Mas, o processo de um assentamento não é tão simples

    assim; poucos assentamentos são regularizados, sem ter antes passado por um processo de

    acampamento.

    Nesta pesquisa não vamos adentrar a essas categorias, sobre o que é um acampamento

    e assentamento. O objetivo foi apenas iniciar uma pequena explanação sobre o tema, na

    tentativa de compreender o porquê dos conceitos e o que está por trás deles, em forma de lutas,

    conflitos e conquistas dos sem-terra. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

    (MST), iniciou sua formação no Centro-Sul do País, no ano de 1979, com o objetivo de

    organizar famílias/trabalhadores rurais na busca pelo direito à terra. Mesmo depois da

    conquista dos assentamentos, o movimento permanece, porque compreende que para além de

    assentar, é necessário reforma agrária popular. O movimento é organizado em setores, níveis,

    coordenadorias, direções, núcleos, e depende da região, surgem outros papéis surgem.

    O objetivo geral da pesquisa pretendeu analisar as relações de gênero, que envolvem

    as mulheres acampadas e assentadas do município de Campo do Meio-MG, a fim de

  • 15

    apresentar as dificuldades e os mecanismos de superação. Os objetivos específicos foram

    promover um resgate histórico da luta pela terra na mesorregião, caracterizar em termos

    demográficos, socioeconômico e espacial, com os elementos dos dados coletados através das

    entrevistas não diretivas; compreender a organização das mulheres para permanecer na terra,

    mesmo depois de serem assentadas; verificar as funções das mulheres dentro dos

    assentamentos e acampamentos; analisar a situação atual dessas mulheres campesinas frente a

    questão agrária, e como a geografia pode contribuir na construção de uma ciência mais ampla

    que abarque as diversidades sociais - que no caso dessa pesquisa está relacionado às relações

    de gênero nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária.

    Como trata-se de uma pesquisa qualitativa à divisão dos capítulos com seus subtópicos,

    buscou valorizar aquilo que esse tipo de técnica nos traz, que é um processo que se inicia no

    campo da pesquisa, na qual os eventos e os processos vão guiando o desenvolvimento da

    pesquisa, até a chegada aos conceitos mais amplos, que estruturam a fundamentação teórica

    do trabalho. Durante a leitura, o leitor irá se deparar com a metodologia diluída durante a

    pesquisa, apesar de um tópico vinculado a mesma, pois a inversão dos capítulos traz uma

    outra experiência na formatação do trabalho, dos processos e das situações que apareceram

    durante a pesquisa. A divisão dos capítulos segue uma proposta de exposição, desafiando o

    leitor a construir as questões e posicionamentos sobre o tema: No primeiro capítulo é

    apresentado uma breve introdução sobre a problemática da pesquisa, objetivos gerais e

    específicos, iniciando as explanações obre o que a pesquisa irá abordar. No segundo capítulo,

    intitulado “Relações de Gênero nas Raízes da Terra”, está presente a caracterização da área de

    estudo, localização da área, relato sobre o que foi encontrado, um quadro com um breve

    resumo das mulheres que participaram e ajudaram na construção da pesquisa; sendo um

    capítulo de apresentação das mulheres e da própria pesquisa, com alguns dados incorporados.

    No terceiro capítulo, “O cotidiano como ferramenta de análise”, aqui é apresentado a

    metodologia de pesquisa do trabalho, com os procedimentos, métodos de investigação e

    alguns resultados. O que pode chamar a atenção, é que no início do capítulo três ocorrerá uma

    articulação entre a metodologia da pesquisa, e o recorte, que foi o cotidiano de algumas dessas

    mulheres, que se conecta com o capítulo anterior. Nos subtópicos, “A (re)produção do

    cotidiano das mulheres: o que elas têm a nos dizer”, “Uma estrutura em colapso: O

    patriarcado no meio rural” e “Do habitat à luta, da luta ao habitat”, foi aprofundado a

    apresentação, e através dos dados e das relações estabelecidas busca, apresentar o que estaria

    “ocultado entrelinhas”, aqui os resultados da pesquisa começam a ser aprofundados, mas

    estarão distribuídos, no universo totalizante do trabalho; neste capítulo o referencial teórico

  • 16

    começa a adentrar a pesquisa. No capítulo quatro, “A produção do espaço das mulheres

    campesinas”, introduz os aspectos teóricos da geografia e da geografia agrária nos estudos das

    relações de gênero, que vai se condensando nos subtópicos: “A geografia a caminho de outras

    categorias: As relações de gênero”, “A geografia agrária das mulheres campesinas”, e por

    último, “E para não dizer que não falei das “Margaridas”: Participando sem medo de ser

    mulher!, finaliza, apresentando, que apensar do avanço teórico, e dos estudos sobre as

    relações de gênero dentro da geografia, a ciência geográfica ainda precisa ampliar seu campo

    conceitual para compreender e apresentar as diversas realidades sociais. Esta pesquisa é uma

    forma de denúncia contra as injustiças sociais, em meio as declarações e posicionamentos do

    governo atual, que reforçam ainda mais o caráter desigual das relações de gênero, e

    criminalizam os movimentos socias, dentre eles o MST. A pesquisadora não é assentada ou

    acampada, mas tomou os devidos cuidados ao demonstrar as relações de gênero dessas

    mulheres campesinas que dispensam simpatizantes e apresentações. Elas estão lá lutando, e

    entre estas linhas reforçando a luta.

  • 17

    2 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS RAÍZES DA TERRA

    As relações de gênero na cidade começam a chamar atenção dos pesquisadores e

    pesquisadoras, na tentativa de compreender as relações de gênero e a reprodução social desses

    agentes. Mas, as relações de gênero com os seus conflitos, também, estão presentes no meio

    rural. E foi através da observação da pesquisadora com a aproximação dos acampamentos e

    assentamentos de reforma agrária, localizados no município de Campo do Meio-MG que os

    questionamentos surgiram. As mulheres do campo construíram essas questões sobre as

    relações de gênero, quando trabalham na terra, cuidam de sua família, militam no MST e

    resistem na terra.

    A observação de como essas mulheres produzem o espaço no campo, vem nos mostrar

    que as lutas e as relações de gênero passam principalmente pelo cotidiano, e por mulheres e

    homens, que traçam sua resistência e constroem juntos e juntas suas histórias no campesinato.

    Um dos objetivos desta pesquisa é captar e compreender as relações de gênero das mulheres

    assentadas e acampadas no município de Campo do Meio – MG, através da análise do

    cotidiano; “[...] a vida real? Não é justamente disso que se ocupam as ciências ditas humanas

    ou sociais há mais de um século” (LEFEBVRE, 1991, p. 27).

    O município de Campo do Meio – MG encontra-se na mesorregião Sul/Sudoeste do

    Estado de Minas Gerais (figura 2), com uma população de 11.476 habitantes, com população

    de 10.106 (88%) que residem na zona urbana, e aproximadamente 1.370 (12%) na zona rural

    (IBGE, 2010). O município está localizado na microrregião do reservatório de Furnas, o qual

    foi construído no ano de 1962, e é formado pelos rios Sapucaí e Grande. A área do município

    desenvolveu-se através de doações de terreno de uma antiga fazenda da região, tornando-se

    município no dia 27 de dezembro de 1948.

    As características morfológicas observadas durante a pesquisa são de predominância

    de relevos de colinas com amplitude de 40 a 80m e altitudes de 700 até 850m (dados

    coletados via GPS, de 14 pontos). Durante os trabalhos de campo, foi possível identificar por

    meio da observação in loco dos solos, a presença marcante de latossolos vermelho escuro.

    Estes estão vinculados a relevos suaves, ocorrendo colinas amplas com amplitudes baixas. De

    acordo com a Embrapa (2019), o tipo de solo Lê-Latossolo Vermelho Escuro são solos

    porosos, profundos, consideravelmente bem drenados, permeáveis, muito argilosos, friáveis e

    de fácil preparo. Atualmente, estas colinas e planícies apresentam no uso do solo: a pastagem,

    o cultivo de café, campos antrópicos e alguns vestígios de mata secundária, se reportando a

    década de 1990, na qual a área tinha o intenso cultivo de cana - de - açúcar. Quanto as

    planícies, são áreas de acumulação dendrítica, acompanham os fundos de vales dos principais

  • 18

    cursos d’água presentes nos acampamentos e assentamentos. Podem formar solos do tipo

    gleissolos, escuros, com teor de matéria orgânica e de textura areno-argilosa.

    A população economicamente ativa por setor de atividade é maior nos setores:

    Agropecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Pesca, representando 57,59% da população

    ativa. O munícipio de Campo do Meio - MG destaca-se na agricultura da região, com

    emprego de mão-de-obra em grande escala, predominando a cultura do café (PREFEITURA

    MUNICIPAL DE CAMPO DO MEIO – MG, 2006, não paginado). A predominância da

    cultura de café na região foi responsável pela permanência do cultivo nos assentamentos.

    Ademais, o fato de o assentamento estar inserido em um contexto econômico

    mercadológico de uma região tradicionalmente produtora de café, acabou por

    induzir essas famílias a permanecerem na cafeicultura, principalmente pela

    expectativa de facilidade no escoamento da produção a bons preços. Com essa

    expectativa não atingida, a maioria dos assentados ficaram insatisfeitos, conforme os

    relatos coletados (LUCAS; VALE, 2014, p. 14).

    As mulheres que fizeram parte desta pesquisa residem nos acampamentos e

    assentamentos, localizados nas terras da antiga fazenda e usina Ariadnópolis de cana-de-

    açúcar e da antiga fazenda Jatobá (figura 01). Está localizada na antiga fazenda Jatobá, o

    assentamento Primeiro do Sul, e na ex-usina de cana-de-açúcar Ariadnópolis o acampamento

    Quilombo Campo Grande, com os outros acampamentos e o assentamento Nova Conquista II

    (figura 02). O Quilombo Campo Grande é composto por alguns acampamentos dentre eles:

    Sidney Dias, Rosa Luxemburgo, Tiradentes, Girassol, Fome Zero, Chico Mendes, Betinho,

    Irmã Dorothy, Vitória da Conquista, Potreiro e Resistência. A cultura do plantio de café ainda

    é intensiva na maioria dos acampamentos e assentamentos.

  • 19

    Figura 01 – Mapa de localização geográfica do município de Campo do Meio – MG e dos

    assentamentos Primeiro do Sul e Nova Conquista II

    Fonte: IBGE; i3GEO INGRA, 2018. Org.: Autora.

    Figura 02 – Mapa de localização dos acampamentos na ex-usina Ariadnópolis – Campo

    do Meio-MG

    Fonte: IBGE/Bing, 2018. Org.: GeoAtiva Jr.

  • 20

    É importante salientar que depois das ocupações e da criação dos dois assentamentos e

    dos acampamentos, na área da ex-usina Ariadnópolis, vem sendo cultivada por diversas

    culturas e preservada, sendo responsável pela recuperação de córregos, rios e da mata nativa,

    o que antes se encontrava em degradação devido ao intenso plantio de cana-de-açúcar. A

    atividade econômica principal do assentamento Primeiro do Sul é o cultivo do café; os

    assentados do Nova Conquista II também cultivam café, mas se diferenciam, na busca de uma

    policultura. De acordo com Lucas e Vale (2014), a permanência da produção de café, nos

    assentamentos foi vista como “cômoda”, já que a região favorece a produção; a mesorregião

    Sul/Sudoeste tem uma produção de café que corresponde a 50% do estado de Minas Gerais.

    Observando as mulheres durante 9 dias, a pesquisadora viveu em um ambiente de

    imersão, no qual, foi possível descrever e analisar junto com as mulheres e homens a

    importância de se discutir e observar na prática as relações de gênero nos acampamentos e

    assentamentos de reforma agrária. Foi no cotidiano que esses elementos sobre a produção do

    espaço das mulheres foram aparecendo. Durante esses dias a pesquisadora trabalhou junto

    com as mulheres, fez suas refeições, conversou, aprendeu, dormiu em suas casas e barracos. A

    Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)1, relata que as

    mulheres do campo são as mais ocupadas do mundo, a pesquisa comprova esse relato.

    Provavelmente, muitos pesquisadores se perguntam: o que os estudos das relações de gênero

    no campo têm a ver com a geografia, e mais precisamente, com a geografia agrária? A

    pesquisa começa na observação da vivência dessas mulheres, e encontramos as prováveis

    respostas para algumas das questões levantadas durante a pesquisa. No entanto, as respostas

    identificadas durante a pesquisa foram fundamentais para associar a geografia ao conceito de

    gênero, mas são os questionamentos que permeiam toda a pesquisa e este capítulo.

    Essas mulheres, que fazem parte das “raízes da terra” algumas vezes rompem com o

    cotidiano, que tem como característica o tempo programado. A cotidianidade dessas mulheres

    se diferencia através da percepção e ritmo da passagem do tempo, do fluxo temporal das

    mulheres da cidade, mesmo que tragam vestígios de um cotidiano urbano. Além de combater

    o machismo, essas mulheres resistem na terra contra os ataques dos latifundiários,

    desapropriação de terra, preconceitos da cidade, e mais recentemente, com o fascismo do

    atual governo, que estabelece o movimento social que essas mulheres participam como

    “terrorista”.

    1FAO. Food and Agriculture Organiztion (1993) Report Agriculture Extension And Farm Women in the 1980 s.

    Rome.

  • 21

    O que “as terras” do município de Campo do Meio -MG abrigaram e abrigam nas suas

    “raízes da terra”? Mulheres da periferia da grande São Paulo, mulheres negras, educadoras,

    bruxas, mães, mulheres que construíram nossa história, mulheres violentadas, viúvas, solteiras,

    divorciadas, meninas, mulheres pobres, mulheres resistentes e trabalhadoras, campesinas,

    mulheres que representam o MST, em sua complexa diversidade, e um Coletivo de Mulheres

    Raízes da Terra. A análise das relações de gênero, e do modo de produção da vida, também

    passa por um recorte de classe, gênero, político, econômico e de cor/raça. O modo de

    produção da vida material é, portanto, o que determina o processo social, político e espiritual

    (GIL, 2008, p.22).

    O Coletivo de Mulheres Raízes da Terra 2 surgiu em 2012, com participação de

    aproximadamente 50 mulheres, dos assentamentos Primeiro do Sul, Nova Conquista II e os

    acampamentos Sidney Dias, Rosa Luxemburgo, Tiradentes, Girassol, Fome Zero, Chico

    Mendes, Betinho, Irmã Dorothy, Vitória da Conquista, Potreiro e Resistência. As primeiras

    reuniões das mulheres aconteciam uma vez por mês. Atualmente as reuniões acontecem as

    quartas-feiras, no período da manhã (08h00 – 11h00), iniciando com um café coletivo e, logo

    em seguida, realizam as atividades na horta, como a colheita de camomila. Das 12h00 às

    13h00 ocorre o almoço coletivo, no qual duas mulheres saem da atividade da manhã para

    realizar essa atividade, às vezes as mulheres trazem pratos. Às 13h00 retornam para as

    atividades, esporadicamente ocorre reuniões neste horário, como uma realizada pelo setor de

    saúde durante essa pesquisa (figura 03). Durante o acompanhamento da pesquisa, as mulheres

    estavam realizando o curso sobre plantas medicinais (figura 04).

    Figura 03 – Reunião do Setor de Saúde dos assentamentos e acampamentos -

    Campo do Meio-MG

    Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

    2 O Coletivo de Mulheres Raízes da Terra, foi criado no ano de 2012, através da demanda local das mulheres

    acampadas e assentadas do município de Campo do Meio – MG.

  • 22

    Figura 04 – Reunião sobre o curso de plantas medicinais dos assentamentos e

    acampamentos - Campo do Meio-MG

    Fonte: Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

    Para Gonçalves (2009, p. 199), as mulheres estão sempre na linha de frente nas

    ocupações, nos acampamentos, elas buscam se organizar, resultando em uma maior

    participação política, mas quando é estabelecido os assentamentos, foi identificado que existe

    um recuo das mulheres para o ambiente doméstico. É por isso que é fundamental a criação do

    setor de gênero dentro do MST, para maior politização e ação das mulheres.

    Durante a pesquisa os principais setores citados foram: Saúde, quem tem como

    objetivo fazer levantamentos e acompanhar os acampamentos e assentamentos, captar as

    necessidades ligadas a saúde; Educação, que organiza os processos educativos e a

    implementação das escolas; Formação, que tem como objetivo promover processos de

    formação política e de bases; Cultura, responsável pelas místicas, eventos e as atividades

    culturais; Comunicação, divulga as informações e faz os repasses através de boletins, sites e

    redes sociais; Produção, que atua na organização das produções dos acampamentos e

    assentamentos; Frente de Massas, responsável pelas as ocupações e dirige os acampamentos;

    Gênero, com o objetivo de organizar os coletivos de gênero, mobilizando através de ações e

    politicamente as mulheres assentadas e acampadas. Outras especificações, como setor da

    juventude sem-terra, os sem-terrinhas (as crianças), também fazem parte da estrutura e

  • 23

    organização do MST, que conduz a organicidade dos acampamentos e assentamentos de

    Campo do Meio -MG.

    Nos anos de 1990 começou a ser criado um Coletivo Nacional de Mulheres do MST; a

    “invisibilidade” da participação feminina passou a ser o objeto de debates e resoluções

    (GONÇALVES, p. 202, 2009). Para essas mulheres a terra é algo sagrado, lugar que

    sobrevivem, sozinhas ou com sua família; para o sistema capitalista de produção a terra é

    tratada como objeto de negócio, o qual apropria-se do trabalho alheio, extraindo a mais-valia,

    transformando-a em mercadoria. O trabalho realizado no roçado conta com a família e ajuda

    coletiva. Quanto à propriedade camponesa, constitui-se em terra de trabalho, estando a

    exploração restrita ao regime de trabalho familiar; assim, essa não se configura como

    instrumento de acumulação de capital, mas de sobrevivência da família (PAULINO, 2006,

    p.30).

    O quadro logo a seguir (quadro 01) apresenta um resumo de alguns dados das

    mulheres participantes dessa pesquisa como: identificação3; estado civil; tem filhos; já morou

    em cidade; qual é o seu assentamento ou acampamento, participa do Coletivo de Mulheres

    Raízes da Terra? E por último, outras informações observadas. Este quadro tem como

    objetivo iniciar as considerações dos levantamentos dos dados, e uma tentativa de estabelecer

    um perfil das mulheres que participaram da pesquisa. Foram retirados informações e

    fragmentos das entrevistas, para dar início a apresentação dos dados informados e registrados

    nas entrevistas e nas anotações.

    Quadro 01 - Resumo dos dados sobre as mulheres participantes da pesquisa dos

    assentamentos e acampamentos - Campo do Meio-MG.

    3 Foi preservado o anonimato das mulheres.

    P. M.: tem 55 anos, sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres, apenas uma vive com

    ela. Se criou na roça, mas passou boa parte da sua vida em Campinas. Veio para Campo do

    Meio – MG em 2012. Reside no assentamento Sidney Dias, há aproximadamente 7 anos, e

    participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra. Suas principais plantações são milho,

    feijão, banana; cria uma leitoa, galinhas; cultiva seu roçado e sua horta com a ajuda da filha.

    Todo cultivo é para subsistência; ganha um salário mínimo por trabalhar nos serviços gerais

    e de cozinheira na escola do campo, que é uma extensão da escola urbana de Campo do

    Meio -MG. Seu principal meio de descolamento é um carro, simples, que funciona com

    muita dificuldade. Mora em casa de alvenaria, com algumas paredes finalizadas com

  • 24

    cimento. E dentro do MST é responsável pelo setor de saúde, gênero e educação. Cursou até

    a antiga 3ª série do ensino fundamental (4°ano). Foi acompanhada, entre o dia 05 e 08 de

    agosto de 2018.

    1. C. A.: tem 35 anos, quatro filhos, está em processo de divórcio, vive no assentamento

    Primeiro do Sul. Não foi informado se já morou na cidade. Participa do Coletivo de

    Mulheres Raízes da terra. Foi uma entrevista rápida, o que dificultou a identificação

    de maiores detalhes.

    2. R. A.: não foi entrevistada. Participou da elaboração do mapa mental; participa do

    Coletivo de Mulheres Raízes da terra.

    3. E. E.: tem 54 anos, tem cinco filhos, solteira, reside no assentamento Primeiro do Sul.

    Não foi informado se já morou na cidade, mas através da entrevista podemos

    identificar que existe uma ideia do que seria a cidade: “Liberdade! A gente é livre de

    muitas coisas que a gente encontra na cidade né. Muitas coisas feias que tá

    acontecendo, então assim a importância, não tem nem palavra para falar da

    importância da rente viver no campo” (E.E, 2018). Participa do Coletivo de

    Mulheres Raízes da terra. Foi uma entrevista rápida, o que dificultou a identificação

    de maiores detalhes.

    4. D. R.: tem 68 anos, solteira, nasceu no interior de São Paulo, infância vivida na roça,

    “ A gente estava no interior né, aí quando foi o êxodo rural dos anos 60 minha família

    como tantas outras teve que sair da roça, porque nós não tínhamos mais terra, nós

    éramos meeiro, arrendatário, e não se tinha mais campo para gente na roça, aí nós

    fomos para São Paulo capital” (D.R, 2018). Tem um filho, que não mora com ela.

    Cursou o ensino fundamental completo. Participa do Coletivo de Mulheres Raízes da

    Terra. Não reside no seu acampamento, devido a um incêndio, considerado

    criminoso, no dia 24 de julho de 2017. Ela reside hoje na chamada “Coloninha”, que

    fica entre a escola e o assentamento Nova Conquista II. Seu rendimento vem através

    de sua aposentadoria, e de alguns trocados que ganha na sua participação na Feira

    Agroecológica e Cultural de Alfenas - MG (F.A.C.A), que acontece todos os sábados

    na cidade de Alfenas – MG, das 07h00 até às 15h00. Faz parte do setor de saúde, e

  • 25

    principalmente de educação. Foi acompanhada em dois dias diferentes. Possuí apenas

    um pequeno espaço em frente à sua porta onde cultiva algumas ervas e frutos.

    5. M. L.: tem 65 anos, não tem filhos que residem com ela, apenas um neto, é casada.

    Antes de morar no acampamento Irmã Dorothy, veio de Campinas -SP. Participa do

    Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

    6. S. A.: tem 43 anos, tem cinco filhos, é casada, morava em Campinas – SP. Reside

    atualmente no acampamento Rosa Luxemburgo. Participa do Coletivo de Mulheres

    Raízes da Terra.

    7. M. A.: tem 58 anos, não tem filhos. Devido à dificuldade na fala, a acampada não

    conseguiu realizar até o final a entrevista. Mas as informações foram retiradas do

    mapa mental: o ano de nascimento, e o acampamento que é o Herbet de Souza.

    8. M. C.: tem 56 anos, acampamento Girassol, veio de Campinas, e já está a sete anos

    acampada. Não tem nenhum filho morando com ela, é viúva. Participa do Coletivo de

    Mulheres Raízes da Terra.

    9. C. M.: tem 64 anos, tem uma filha, é viúva e tem um companheiro. Veio de

    Uberlândia – MG. Reside no acampamento Rosa Luxemburgo. Participa do Coletivo

    de Mulheres Raízes da Terra.

    10. D. C.: tem uma filha, é casada, veio de São Paulo. Reside no acampamento Rosa

    Luxemburgo. Participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

    11. S. M.: nenhuma entrevista coletada; participou da elaboração do mapa mental;

    participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

    12. E. A.: reside no acampamento Betinho, tem 45 anos, tem dois filhos, um casal. “Eu

    sou daqui da região mesmo. Meu marido trabalhava aqui na usina e depois a gente já

    ficou por aqui” (E.A, 2018); participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

  • 26

    13. R. S.: tem 47 anos, tem três filhos, é solteira, veio de São Paulo, faz 12 anos que

    reside no assentamento Primeiro do Sul; participa do Coletivo de Mulheres Raízes da

    terra.

    14. D. J.: tem 64 anos, morou no estado de São Paulo, veio para o acampamento em

    2013, tem seu lote no Sidney Dias, mas ainda reside na Coloninha. Acaba visitando e

    trabalhando no lote. É viúva, mas tem um companheiro, tem filhos, mas não informou

    a quantidade. Não participa do Coletivo Mulheres Raízes da Terra.

    15. O. B.: antes de ser assentada, morou no Vale do Ribeira – SP. Tem 49 anos, tem dez

    filhos, sete homens e três meninas. É solteira, mas tem um namorado. É acampada no

    Nova Conquista II; faz parte do Setor de Saúde; participa do Coletivo de Mulheres

    Raízes da Terra.

    16. R. T.: veio da Bahia, tem 40 anos, está a 15 anos no movimento, tem dois filhos. Não

    informou se morou na cidade, mas demostra algum conhecimento “É muito

    importante né, que a gente fique aqui trabalhando, consegui melhor pra morar que a

    cidade” (R.T, 2018). Não informou onde reside atualmente, se é em acampamento ou

    assentamento; participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

    17. A. T.: tem 54 anos, tem três filhas, mas não reside com ela, é divorciada. Faz quatro

    anos que é acampada no Rosa Luxemburgo. “Eu saí do campo eu tinha 15 anos, casei

    fui para Cidade né, agora retornei pro campo” (A.T, 2018); participa do Coletivo de

    Mulheres Raízes da Terra.

    18. E. G.: nenhuma entrevista coletada; participou da elaboração do mapa mental;

    participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

    19. E. L.: nenhuma entrevista coletada; participou da elaboração do mapa mental;

    participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.

    20. T. A.: nenhuma entrevista coletada; não participou da elaboração do mapa mental;

    participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra. Reside no acampamento Nova

  • 27

    Fonte: Trabalho de campo, 2018. Org.: Autora.

    De acordo com o quadro apresentado, a maioria das mulheres que fizeram parte da

    pesquisa residiram no estado de São Paulo, mais precisamente na cidade de Campinas. Nas

    conversas informais, elas relatam as dificuldades de viver na periferia, como falta de

    saneamento básico, problemas com o tráfico de drogas e a falta de emprego. A estrutura

    familiar dessas mulheres é bem diferente daquela que estamos acostumados a perceber, ou

    seja, muitas delas são divorciadas, solteiras, viúvas ou apenas tem companheiros, vivendo

    com os filhos no lote. A idade dessas mulheres varia entre 30 a 68 anos. Tendo em vista o

    universo da pesquisa, e no período da pesquisa (agosto de 2018), os jovens e a maioria dos

    assentados e acampados estavam envolvidas com as atividades políticas do MST. A maioria é

    acampada, mas em vários momentos assentadas e acampadas se unem para se organizaram

    nos seus setores e atividades. Todas essas características são incorporadas e acabam definindo

    os papéis sociais, que são desempenhados por mulheres e homens, tanto na cidade, como nos

    acampamentos e assentamentos de reforma agrária. Devido a esta construção social, os papéis

    atribuídos aos seres de ambos os sexos, assim como seus direitos, podem variar no tempo e no

    espaço e estão sujeitos a mudanças (BRUMER, 2005, p.351).

    Conquista II, faz parte do setor de produção, é referência no MST. Ela foi

    acompanhada, mas por uma ocorrência específica que ocorreu antes do início da

    pesquisa em campo, a pesquisadora optou por não registrar nenhuma entrevista, por

    uma situação de tensão, responsável pelo furto a residência da acampada.

    21. D. A.: é natural de Minas, mas se criou no interior de São Paulo, é filha da O.B. É

    dirigente regional do MST em Campo do Meio – MG. Tem ensino médio completo, é

    casada e tem dois filhos, uma menina e um menino. Reside atualmente no

    acampamento Irmã Dorothy. Idade não foi informada, mas através da análise da

    entrevista da O.B, sua idade varia dos 30 aos 35 anos. Tem uma horta, produzia arroz

    orgânico, vivia de leite e queijo, plantava arroz e feijão. É dirigente regional do MST,

    e conta com uma ajuda de custo de R$ 800,00 reais. É responsável pela organização

    dos acampamentos e assentamentos. Seu marido coopera no cultivo, no roçado, no

    cuidado com a casa, com as crianças e desempenha as tarefas de construções no

    viveiro de mudas. Ambos participam ativamente do movimento (MST).

  • 28

    Levando em consideração os papéis sociais adotados por homens e mulheres, os quais

    representam no espaço geográfico, há necessidade de compreender esses papéis, nos leva a

    refletir, de acordo com Heller (2008), que quando se incorpora os papéis, os seres tendem a

    degradar suas relações sociais, juntamente com o aparecimento de estereótipos, transformam

    aquilo que seria elementos qualitativos do ser em sentidos apenas quantitativos,

    empobrecendo sua essência. Esses papéis por questões sociais, culturais, econômicas e

    políticas atribuíram as diferenças entre homens e mulheres.

    Ao considerarmos o que foi dito anteriormente, surge a pergunta: qual é a produção do

    espaço dessas mulheres, que desempenham papéis sociais em torno de uma estrutura

    patriarcal, machista, latifundiária e de luta pela terra? Por esse e outros motivos, alguns

    pesquisadores e pesquisadoras levam apenas em consideração o recorte de classe social, por

    consequência dos estereótipos e dos papéis sociais estabelecem dificuldades de

    (re)conhecimentos e intepretações, que são encobridas pela exterioridade, perguntam-se: qual

    é a importância de se estudar as relações de gênero na geografia? É preciso compreender que

    estamos cercados de uma alienação quando estabelecemos apenas uma visão universal.

    Reconhecer o tipo de papel desempenhado por mulheres e homens em uma sociedade, é

    também, uma forma de revelar suas desigualdades. É fundamental partir de uma investigação

    que leve em consideração mulheres e homens, na constituição familiar, e na luta pela terra,

    que circundam as relações de trabalho e família, para entender o papel da (re)produção social.

    Como os pesquisadores explicam o aparecimento de um “novo” termo de violência contra as

    mulheres, que também ocorre no campo, o chamado feminicídio4. Se para muitas dessas

    mulheres que lutam e sobrevivem no campo a frase de Margarida Maria Alves5 se faz como

    autoexplicativa “é melhor morrer na luta, do que morrer de fome”. Será que a ciência

    geográfica, nada tem a nos dizer, sobre essas “raízes da terra”, ou é essas mulheres que tem

    algo a dizer a ciência geográfica?

    Se o campesinato que essas mulheres e homens constroem estão interligados com a

    cidade, os quais trazem (re)produção de elementos da vida cotidiana urbana para o campo, os

    casos de violência contra a mulher, violência sexual, ou problemas relacionados a drogas,

    acompanham alguns indivíduos dentro dos assentamentos e acampamentos de reforma agrária.

    O próprio MST se organiza em várias assembleias em busca de solucionar ou de alguma

    medida paliativa, e acompanham mulheres e homens, que buscam se “aculturar” no campo.

    4 Lei 13.104/2015, que altera o Código Penal (art. 121 do Decreto Lei nº 2.848/40). 5 Frase dita pela líder sindical Margarida Maria Alves, em discurso de comemoração pelo 1° de maio, em

    Alagoa Grande – PB, no ano 1983.

  • 29

    O diferencial, é que no campo isso não vira “assunto de polícia”, mas é tratado como “um

    problema, muitas vezes relacionado à saúde ou patologia social”, e é na construção coletiva

    que se sugere possíveis resoluções de futuros problemas, sempre em busca de uma construção

    coletiva, seja na luta pela terra ou na ajuda a alguma companheira ou companheiro de luta.

    Foi relatado, que houve processos de “trairagem”, ou seja, alguns acampados ou assentados

    “se venderam para os latifundiários”, e comprometeram a transparência do movimento e dos

    seus trabalhadores. Mas, em momento algum, podemos afirmar que mesmo com as

    dificuldades enfrentadas, precariedades, possibilidade de despejo, tentativas de homicídio, que

    o melhor lugar seria o retorno para a cidade. Desafio ao leitor que vá até alguns desses

    acampamentos e assentamentos e pergunte, se preferem deixar a terra e voltar para a cidade?

    A terra é a joia mais desejável de um país, não se planta no asfalto, é através da terra que se

    alimenta o latifundiário e o sem-terra.

  • 30

    3 O COTIDIANO COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE

    O primeiro contado da pesquisadora com uma das representantes do MST foi realizado

    por rede social, um mês antes do trabalho de campo desta pesquisa. Essa representante é

    assentada no Nova Conquista II, é responsável pela organização do grupo das mulheres e faz

    parte da coordenação o setor de produção. Foi realizada uma reunião no primeiro dia, com

    algumas mulheres do coletivo, no Sindicato da Agricultura Familiar, localizado no município

    de Campo do Meio – MG, no dia 30 de julho de 2018, para que fosse explicado o que iria

    ocorrer durante os dias da pesquisa. Logo depois da conversa e da aceitação das mulheres

    presentes na reunião, seguimos para a “Coloninha”, próxima ao assentamento Nova Conquista

    II, onde a pesquisadora foi hospedada na casa de uma dessas mulheres, cujo dia a dia foi

    acompanhado pela pesquisadora, entre o dia 30 e 31 de julho de 2018. É importante registrar,

    que na quarta-feira, dia 01 de agosto de 2018, dia da reunião do Coletivo de Mulheres Raízes

    da Terra, a pesquisadora se apresentou às demais mulheres do coletivo, o motivo pelo qual as

    estaria acompanhando por 9 dias. Os registros das experiências e algumas anotações foram

    realizados no diário da pesquisadora. Devido à dinâmica dos acampamentos e assentamentos,

    estabelecer uma rotina de pesquisa não iria alcançar o objetivo proposto. As reuniões se

    modificam, bem como as atividades das mulheres e seus prazos para o término delas, viagens

    e imprevisto podem surgir, como relata uma das acampadas: “tá demorando é muito, começa

    uma coisa hoje já mudou amanhã, amanhã né, hoje... ontem à noite mesmo tinha uma viagem

    para gente ir. Então aí antes de ontem postaram que não ia mais, muda muito as coisas” (P.M,

    2018). Foram realizadas anotações, elaborados cerca de 15 mapas mentais, 17 entrevistas

    coletadas e a observação mais intensa de 6 mulheres, o que ocasionou as diferentes formas de

    análises dos dados.

    Os quadros elaborados servem para agrupar os dados coletados durante a pesquisa,

    para identificar os principais tópicos. Trata-se de uma pesquisa participante (Estudo de

    observador-participante), com elementos, também de um estudo de caso. Toda a construção

    da pesquisa, desde da coleta dos dados até a captação do cotidiano fazem parte dos “[...]

    ambientes da vida real pertencem às pessoas na vida real, não aos pesquisadores que

    interferem nesses ambientes” (YIN, 2016, p.102). O método utilizado para a interpretação da

    realidade dessas mulheres campesinas foi o método dialético, precisamente o materialismo

    histórico dialético. De acordo Engels (1974), apud Gil (2008), existem três princípios

    fundamentais dentro da análise do materialismo histórico dialético: a unidade dos opostos, no

    qual os objetos apresentam questões contraditórias; Quantidade e qualidade, inseridos nas

    características de todos os objetos, em um processo gradual é possível que as mudanças

  • 31

    quantitativas possam gerar mudanças qualitativas; a negação da negação, para que se possa

    avançar, nega-se a mudança e o resultado, sem retornar ao que já foi. Sendo dialético, a

    (re)produção das relações sociais devem ser compreendidas para além do trabalho do roçado,

    ou seja, a análise deve ir no sentido dos outros momentos da vida social no campo, porque

    ambos se complementam.

    A dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da

    realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando

    considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas,

    culturais etc. Por outro lado, como a dialética privilegia as mudanças qualitativas,

    opõe-se naturalmente a qualquer modo de pensar em que se a ordem quantitativa se

    torne norma (GIL, 2008, p.14).

    A metodologia utilizada no trabalho compreendeu que não basta apenas coletar a

    produtividade das áreas cultivadas, e quais eram os trabalhos realizados pelas acampadas e

    assentadas. Foi necessário ir até a subjetividade, ao ambiente privado, para captar as suas

    relações dentro da vida cotidiana, o que não foi fácil, tendo em vista a realidade urbana da

    pesquisadora.

    Nesse método, a relação entre o sujeito e o objeto se dá de forma contraditória não

    ocorrendo a “soberania” de nenhum deles, o que pode ser representada da seguinte

    forma:

    Sujeito Objeto

    No método dialético o sujeito se constrói e se transforma vis-à-vis o objeto e vice-

    versa. Nesse caso, teremos as antíteses e as teses em constante contradição e

    movimento (SPOSITO, 2003, p.46).

    O objetivo não é apenas descrever as relações observadas, mas apresentar algumas

    considerações. Um dos métodos utilizado foi o observacional, ou seja, priorizando a

    observação do cotidiano, e as atividades das mulheres, sobre o que acontece ou o que

    aconteceu. É através da observação do cotidiano que a pesquisa acontece. Porque estudar as

    relações de gênero na vida cotidiana, é estabelecer a proposição de uma mudança total na vida,

    os projetos que se estabelecem como revolucionário devem incluir, abarcar a vida por inteiro,

    e nessa perspectiva que a vida cotidiana campesina não deve ser desconsiderada. É no

    público-privado que a vida cotidiana vai tomando forma, e no campo isso não é diferente, do

    que ocorre na cidade. O cotidiano atinge todos os níveis da (re)produção social. Sendo assim,

    é preciso transcender a esfera do público, e alcançar a esfera do privado, pois ambos reforçam

    e (re)produzem as relações socioespaciais, e é nesse momento que o estudo pela vida

    cotidiana surge.

  • 32

    O estudo da vida cotidiana oferece um ponto de encontro para as ciências parcelares

    e alguma coisa mais. Mostra o lugar dos conflitos entre o racional e o irracional na

    nossa sociedade e na nossa época. Determina assim o lugar em que se formulam os

    problemas concretos da produção em sentido amplo: a maneira como é produzida a

    existência social dos seres humanos, com as transições de escassez para a

    abundância e do precioso para a depreciação (LEFEBVRE, 1991, p.30).

    O espaço é um elemento chave para compreender a (re)produção das relações de

    produção, e o estabelecimento de papéis sociais, por esse motivo as relações de gênero estão

    incorporadas ao conceito de espaço, o qual apresenta ferramentas profundas de análise sobre

    as relações de gênero nos acampamentos e assentamentos. Se o espaço é produzido através do

    trabalho de mulheres e homens, seus conflitos e suas conquistas estão interligadas. O

    momento da vida que interliga e rompe, em um processo dialético, o qual podemos considerar

    nessa pesquisa como essencial, é a vida cotidiana. É no cotidiano que as lógicas de um

    sistema patriarcal, vão se concretizar. É no espaço geográfico que existe a mediação, ou seja,

    o espaço é produto e também produtor das relações, que envolvem os indivíduos e as suas

    diferentes escalas geográficas. Nessa pesquisa trata-se de um recorte local, utilizando dados

    primários (coleta de dados em campo) e secundários.

    A realidade ordinária, cotidiana, que nasce no lugar e o constitui, feita de fatos e

    situações, que mantém a vida, pode e é o que torna a cotidianidade de um tema a se

    examinar, compreendendo “o extraordinário no ordinário”, o “sentido do

    insignificante (DAMIANI, 1999, p.164).

    O espaço é, então, um produto social, que quando optamos por observar a sua natureza

    modificada, identificamos os efeitos da sociedade. A “natureza”, de acordo com Lefebvre

    (2006), é modificada e produzida pelos seres humanos, e é assim, apresentada na vida social.

    Sendo assim, as lógicas dos papéis socias, são construídas, não somente pela cultura, que

    determina como será esses papéis, mas pelos próprios seres humanos. Ao passo que

    consideramos que a produção – produtor traz as marcas dos processos ideológicos, mesmo

    que a metafísica não seja expressa pelos produtos, ela o é através das ações, e de como a

    sociedade atual vai formular as suas questões a respeito de determinados temas. Frase

    dogmática e vaga, que restringem a produção do espaço apenas: “[...] a produção engloba a

    reprodução biológica, econômica, social, sem outra precisão” (LEFEBVRE, 2006, p. 107).

    A natureza, em si, não produz relações socias, a não ser os seus próprios elementos, mas a

    interação entre mulheres, homens, produz o espaço, e em direção à pesquisa, as relações de

    gênero; e se aprofundarmos a análise chegaremos as questões como identidades de gênero,

    orientações sexuais, e as diversidades dentro dos gêneros. O que vai definir a produção do

  • 33

    espaço, nas relações de gênero no campo, é a temporalidade e a espacialidade que vão

    conformando, as sucessões, sincronizações, que são estabelecidas por mulheres e homens.

    Ao contrário do que se pensa, que “[...] se há um sistema, é preciso descobri-lo e

    mostrá-lo, ao invés de partir dele” (LEFEBVRE, 2016, p.39), concordamos com Lefebvre

    (2016), que essa leitura dissimularia processos, no qual considera que as lógicas já estão

    estabelecidas. É por isso, que se partimos da realidade, para se aproximar das relações de

    gênero, é necessário chegar até ela. É preciso, ao contrário, mostrar sua função nesta

    perspectiva (prática e estratégica) (LEFEBVRE, 2016, p.39). Não partiremos apenas da

    totalidade para se aproximar das relações de gênero. São dois os espaços que se constituem os

    papéis e as relações de gênero na vida cotidiana das mulheres campesinas: o espaço mental

    (percebido, concebido, representado), que nesse momento, ultrapassa a restrição de um

    recorte apenas de classes; e o espaço social (construído, produzido e projetado) no campo,

    vivenciado por constantes lutas, que combatem a estrutura agrária brasileira, fundamentada

    na concentração de terra e nos latifúndios.

    O método regressivo-progressivo, com base em Lefebvre (2006), adotado sutilmente

    nesta pesquisa, numa lógica dialética, leva em consideração esses diferentes espaços como

    fundamentais e formuladores na produção do espaço. Queremos dizer aqui, que o método

    regressivo-progressivo, compreendendo o que acontece atualmente, em sentidos econômicos,

    técnicos e científicos, tenta demostrar os efeitos e ameaças que os sujeitos e a própria natureza

    podem sofrer, ora construtivas, ora destrutivas. Os conceitos então tomam forma, como ainda

    conformam o passado-presente. Os historiadores, provavelmente se apegariam ao passado ou

    presente (a história), aqui, a geografia vai detectar através dos elementos do espaço, a sua

    produção e o seu cotidiano. É através dos vestígios do cotidiano, e do espaço campesino que a

    pesquisa tenta captar as relações de gênero. Não basta, somente, levar em consideração a

    (re)produção dos meios de produção, é necessário observar e considerar o cotidiano. A vida

    cotidiana é uma repetição e inovação constante.

    Quais são, porém, perguntou eu, os momentos cotidianos da vida? Onde? No

    público e no privado. Em casa, mas também na rua e no local de trabalho: nos

    lugares em que o homem está desencontrado em relação a si mesmo. Na casa, sim,

    mas na intimidade, não. Não nos momentos do desejo e da festa. A vinculação entre

    vida privada e vida cotidiana vem do equívoco de confundir num novo objeto,

    composto e confuso, o que é residual na historiografia tradicional: a longa duração,

    o que marca tempos épocas. O cotidiano tende a ser confundido com o banal, com o

    indefinido, com o que não tem qualidade própria, que não se define a si mesmo

    como momento histórico qualitativamente único e diferente (MARTINS, 2012, p.88

    - 89).

  • 34

    O cotidiano gera a cotidianidade, realidade parcial da vida dessas mulheres

    campesinas. A vida cotidiana começa a se conformar de acordo com Martins (2012), quando

    começamos a agir de forma repetitiva, através de atos e gestos, estabelecendo uma rotina com

    procedimentos, que ora não pertence e nem está sob o nosso domínio, que enquanto vivido

    vai em direção a um sistema alienado, é nesse momento que a imaginação, esperança, o

    mistério das ações passa despercebida, se concretiza no imediatismo, mas os vários tempos

    vividos e as contradições nos trazem elementos para escapar, através da consciência. Nesse

    sentido, foi necessário ampliar a visão sobre o cotidiano, para compreender a cotidianidade

    que penetra a vida, para assim, defini-la, sob a ótica da observação. Durante a pesquisa, foram

    delimitados alguns recortes, que serviram para uma posterior análise, as mulheres foram

    separadas nas seguintes classificações: do total de 22 mulheres participantes desta pesquisa,

    foram realizadas entrevistas com 17, não foram coletadas 5 entrevistas; houve registro

    fotográfico de 4 mulheres, as quais foram acompanhadas. Procurou-se relacionar, as

    entrevistas realizadas, com os mapas mentais e com as fotografias, levando em consideração,

    o conjunto daquilo que foi coletado de cada participante (mapa mental, entrevista, fotografia

    ou anotações). Devido a alguns acontecimentos, principalmente de ataques ao assentamento

    Nova Conquista II e aos acampamentos 6. A pesquisa teve que ser dinâmica, a qual foi se

    ajustando à realidade das acampadas e assentadas, através dos dias. O modelo de seleção dos

    dados foi baseado em “dados macios”, que de acordo com Olsen (2015), são organizados

    sequencialmente por um delicado ato de equilíbrio de três elementos: a entrevista, a

    entrevistadora e a entrevistada. À pesquisa de campo que foi fundamental para definir a

    quantidade das entrevistas, pois houve uma saturação das repostas das entrevistadas. As

    entrevistas foram realizadas durante as atividades do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra,

    que não contou com a presença dos companheiros das mulheres. E quando foi realizado com a

    acampada D.A, o seu marido não permaneceu na cozinha e não interferiu nas repostas.

    Essa pesquisa não tem objetivo de transformar a análise das relações de gênero nos

    assentamentos e acampamentos em um recorte filosófico, ou melhor, somente epistemológico

    sobre a produção do espaço geográfico e nem em um “economismo”, baseado no

    materialismo histórico dialético, pois procura avançar nas análises, ou seja, como o espaço é

    produzido por essas mulheres, para além da produção ou e do trabalho, como essas mulheres

    criam e recriam seu tempo e seu espaço. O que será chamado aqui de produção de relações

    sociais, e como isso é (re)produzido, vai em direção ao sentido do avanço sobre a questão de

    6 Tentativa de despejo nos acampamentos; e os incêndios e roubos nas propriedades das acampadas e assentadas.

  • 35

    uma simples reprodução biológica, por isso que foi utilizado o termo relações de gênero, que

    vai além do sexo. A produção do espaço deve ser compreendida através das relações de

    gênero, e o cotidiano é uma possibilidade de análise, e foi através dele que identificamos o

    quanto de elementos urbanos tem o cotidiano das mulheres campesinas. As mulheres que

    (re)produzem aspectos do cotidiano urbano, que é fragmentado, regido por um tempo

    estabelecido, com trabalho relacionado a falta de liberdade e autonomia; o trabalho no campo

    difere no quesito de liberdade e autonomia, quando é a própria assentada que cuida do seu lote,

    “[...]o complexo emaranhado de interpretações sobre a vida rural e urbana é fruto da

    variedade de migrações e consequentes mudanças de ocupação por que passaram” (TURATTI,

    2005 p.74).

    Por que escolhemos o cotidiano como ferramenta de análise? Para Marx (2006, p.16),

    é mais fácil estudar organismo, como um todo, do que suas células, não podemos usar nessas

    condições, para captar as relações de gênero nos acampamentos e assentamentos do município

    de Campo do Meio -MG, nenhum microscópio e/ou reagente químico, teremos que nos ater a

    capacidade da abstração e a observação das relações sociais para substituir esses meios. A

    célula do patriarcado, do trabalho não valorizado, das violências e das desigualdades entre

    mulheres e homens no meio rural, é captada através das relações de gênero, resultado das

    relações do cotidiano, e da cotidianidade de mulheres e homens, constituindo, assim, o

    organismo.

    A preocupação da corrente neomarxista com a interrelação entre micro e contexto

    global permite a abordagem do cotidiano, dos papéis informais e das mediações

    sociais – elementos fundamentais na apreensão das vivências desses grupos, de suas

    formas de luta e de resistência. Ignorados, num enfoque marcado pelo caráter

    totalizante, tornam-se perceptíveis numa análise que capte o significado de sutilezas,

    possibilitando o desvendamento de processos, de outra forma, invisíveis (SOIHET,

    2013, p. 36).

    Para observar o cotidiano foi necessário adentrar as casas e os barracos, dessas

    mulheres. Indiscreto, o habitat confessa sem disfarce o nível de renda e as ambições sociais de

    seus ocupantes (CERTEAU, 2008, p.204). Por cada casa de alvenaria e barraco com algumas

    partes cobertas por lonas, a pesquisadora captou, diversas situações de modo de vida. O

    espaço que abriga o habitat dessas mulheres, em alguns acampamentos são as casas de

    alvenaria e os barracos, feitos de madeira, que ora se misturam com telhas e remendos, ora

    com tijolos e lonas plásticas. Alguns lugares que a pesquisadora, se hospedou, eram casas de

    alvenaria, com cimento na parede, sem todos os acabamentos, onde muitas vezes a luz do sol

    passava pelas frestas dos tijolos, as fiações elétricas estavam penduradas, mas em perfeitas

  • 36

    condições de uso. Os barracos que se misturam, entre a alvenaria e o barraco de lona, davam

    uma impressão de transição, ou seja, do barraco para a alvenaria. A precariedade do barraco,

    que chega a se aproximar das divisões dos cômodos de uma casa de alvenaria, com suas

    paredes remendadas com pedaços de madeira. Mesmo com precariedades, falta de segurança,

    das suas casas de alvenarias ou barracos, o particular, ali, já tinha sido incorporado, e as

    mulheres estavam presentes, fortemente, principalmente as assentadas, nos espaços

    domésticos.

    O território onde se desdobram e se repetem dia a dia os gestos elementares das

    “artes de fazer” é antes de tudo o espaço doméstico, a casa da gente. De tudo se faz

    para não “retira-se” dela, porque é o lugar “em que a gente se sente em paz”. “Entra-

    se em casa”, no lugar próprio que, por definição, não poderia ser lugar de outrem.

    (CERTEAU, 2008, p. 203).

    A pesquisa de campo foi realizada durante 9 dias - de 30 de julho a 08 de agosto de

    2018 - entre o assentamento Nova Conquista II e os acampamentos do Quilombo Campo

    Grande e, após seu término, as mulheres foram acompanhadas nas redes sociais,

    principalmente no grupo de WhatsApp criado pela pesquisadora, que resultou no contato mais

    intensivo com o MST e do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra, responsável pelo subtópico

    de um dos capítulos intitulado “do habitat à luta e da luta ao habitat”.

    Devido à falta de transporte e a distância, não foi possível ir até o assentamento

    Primeiro do Sul, embora também tenham sido realizadas entrevistas com as mulheres

    assentadas de lá. A maioria das entrevistas foi realizada nas quartas-feiras durante a reunião

    do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra. A pesquisadora buscou estar presente em

    momentos formais e informais; esteve presente no Sindicato da Agricultura Familiar,

    localizado no município de Campo do Meio – MG, no qual, concentra as atividades da

    Cooperativa Camponesa e Guaí. Como foi muito difícil estabelecer uma rotina de campo, a

    pesquisadora buscou ajudar e participar das atividades das mulheres durante a manhã,

    ajudando até mesmo na horta e na organização do espaço onde o Coletivo de Mulheres Raízes

    da Terra se encontra toda quarta-feira; a pesquisadora contribuiu com sua participação, no

    segundo dia em campo, semeando mais de 100 sementes de tomate. As entrevistas com

    algumas das mulheres acompanhadas aconteciam no período da manhã, durante o café, ou no

    final da noite. No último dia da pesquisa foram realizadas as atividades de colheita de

    camomila no período da manhã, e no período da tarde uma reunião, bate-papo, proposto pela

    pesquisadora (o qual foi chamado de compartilhando saberes), com questões centrais como:

  • 37

    relações de gênero, produção do espaço pela mulher, feminismo, campesinato, violência,

    trabalho e outros temas que surgiram durante as discussões (figura 05).

    Figura 05 – Compartilhando Saberes com as acampadas e assentadas - Campo do

    Meio-MG

    Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.

    Os principais meios de transportes usadas pelas acampadas e assentadas são bicicletas

    e alguns carros que já estão muito degradados, e as caronas, principalmente no deslocamento

    até a sede do município. Esses também foram utilizados pela pesquisadora, apesar de a

    maioria dos trajetos terem sido feitos a pé. O viveiro de mudas, que é o local onde acontece as

    reuniões do MST e das mulheres, acaba sendo um dos pontos principais dos encontros e

    reuniões, além do barracão da Rosa Luxemburgo que ocorre as festas, encontros, as reuniões

    dos setores, assembleias do assentamento Nova Conquista II e dos acampamentos. A Escola

    do Campo Eduardo Galeano é destinada apenas as atividades do setor de educação.

    Além de ter visitado alguns lares dessas mulheres, foi observado o comportamento

    familiar. “O fascínio da pesquisa qualitativa é que ela permite a realização de estudos

    aprofundados sobre uma ampla variedade de tópicos, incluindo seus favoritos, em termos

    simples e cotidianos” (YIN, 2016, p.6). Para a observação da vida cotidiana, foi

    extremamente importante utilizar a pesquisa qualitativa.

    Em vez de tentar chegar a uma definição singular de pesquisa qualitativa, você pode

    considerar cinco características, listadas abaixo e em seguida discutidas

    individualmente:

    1. estudar o significado da vida das pessoas, nas condições da vida real;

    2. representar as opiniões e perspectivas das pessoas (rotuladas neste livro como os

    participantes) de um estudo;

  • 38

    3. abranger as condições contextuais em que as pessoas vivem;

    4. contribuir com revelações sobre conceitos existentes ou emergentes que podem

    ajudar a explicar o comportamento social humano; e

    5. esforça-se por usar múltiplas fontes de evidências em vez de se basear em uma

    única fonte (YIN, 2016, p.7).

    Cada mulher observada apresenta múltiplas realidades, diferenciados em idade, estado

    civil, trabalho na terra, se é ou não de origem campesina, e a própria cotidianidade. As

    diferentes vozes que fizeram parte da pesquisa, foram fundamentais para complementar o

    trabalho, e ajudar na tentativa de compreender as relações de gênero, e qual seria a localização

    epistemológica da geografia dentro das relações de gênero. Podemos considerar que a rotina

    de campo foi mais informal, tendo em vista a dinâmica do cotidiano dessas mulheres. De

    acordo com as observações durante os dias, foi captado o melhor momento de oportunidades

    de realizar as entrevistas.

    3.1 A (re)produção do cotidiano das mulheres: O que elas têm a nos dizer?

    A vida cotidiana é heterogênea e hierárquica, mas não são estabelecidas eternamente e

    não são imutáveis, pois se conforma de acordo com as diversas estruturas sociais. O que está

    ocupando o centro da cotidianidade no campo nos dias de hoje? Os espaços privados e

    domésticos acabam revelando as funções diárias estabelecidas na vida cotidiana dessas

    mulheres. Mesmo tendo filhos ou não, acordam sempre muito cedo, e vão dormir, quase

    sempre, muito tarde, cuidam da janta e da casa, e ainda relembram as atividades que deverão

    ser desenvolvidas no dia seguinte; como é o caso de três mulheres entrevistadas, que estão

    envolvidas em praticamente todas as atividades do MST. O particular, então, começa a se

    desvelar, ao se aproximar das mulheres que foram acompanhadas, ainda assim foi captado um

    cotidiano, considerado como “normal”, ou seja, se não tem atividade do movimento ou algum

    evento, os dias seguem, “quase sempre do mesmo jeito”.

    A heterogeneidade e a ordem hierárquica (que é condição de organicidade) da vida

    cotidiana coincidem no sentido de possibilitar uma explicitação “normal” da

    produção e da reprodução, não apenas no “campo da produção” em sentido estrito,

    mas também no que se refere às formas de intercâmbio. A heterogeneidade é

    imprescindível para conseguir essa “explicação normal” da cotidianidade; e esse

    funcionamento rotineiro da hierarquia espontânea é igualmente necessário para que

    as esferas heterogêneas se mantenham em movimento simultâneo (HELLER, 2008,

    p.32).

    O que essas mulheres estão tentando nos dizer é que, mesmo com os avanços na

    participação no movimento, em algum momento vão se deparar com as relações de gênero.

    Principalmente, se essas mulheres tiverem companheiros e/ou filhos, “[...] a combinação de

  • 39

    atividades produtivas e reprodutivas levada por longas horas pelas mulheres rurais, faz com

    que elas sejam provavelmente as pessoas mais ocupadas do mundo” (FAO, 1993, não

    paginado). Vamos examinar a parte da entrevista7 realizada com a D.A, que confirmará a

    hipótese:

    Eu acordo 5h30, esse ano tá sendo um pouquinho diferente porque minhas crianças

    estão estudando depois do almoço. Mas eu sempre levantei 5h00 da manhã, levanto

    faço café, meu marido contribuí bastante, quando eu não faço ele faz, e levanto faço

    café, dou café pras crianças né, trato das criação, e saío. Saio, porque a gente tem um

    calendário, durante o mês durante a semana do que que é, aí eu olho na minha

    agenda, tem compromisso levanto de manhã vou fazer, se eu não tenho tem

    semana que eu tô mais folgada, aí eu fico em casa, aí eu cuidar da minha vida, vou

    cuidar de criança, lavar roupa, às vezes eu largo tanquinho batendo vou para uma

    reunião, na hora que eu chego aí eu torço ponho no varal, aí depois do almoço tem

    outra reunião ou alguma palestra, aí eu saio, largo o tanquinho batendo de novo, aí

    chego de tardezinha, torço a roupa, às vezes não dá tempo de colocar no varal aí eu

    largo torcida no tanque, no outro dia de manhã eu estendo. [...] Meu horário

    padronizado mais ou menos que eu chego aqui é sempre 6 horas! Agora essa semana

    eu cheguei aqui em casa 22h00 da noite (D.A, agosto de 2018).

    Por que acompanhar o cotidiano dessas mulheres? Porque consideramos que o

    particular é a base reveladora do cotidiano, “[...] o particular não é nem o sentimento nem a

    paixão, mas sim seu modo de manifestar-se, referido ao eu e colocação a serviço da satisfação

    das necessidades e da teologia do indivíduo” (HELLER, 2008, p.36). Foi dentro de suas casas

    ou barracos, e na recepção do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra, que foram retiradas as

    pequenas informações, consideradas para muitos pesquisadores desimportantes, mas, o que a

    vida cotidiana de mulheres acampadas e assentadas tem a nos dizer sobre as relações de

    gênero? Nos deparamos então com mais um questionamento, se os acampamentos são

    espaços transitórios, os seus espaços comportam o cotidiano?

    Há uma demografia das coisas, que mede o seu número e a duração da existência,

    assim como uma demografia dos animais e das pessoas. No entanto, essas pessoas

    nascem, vivem e morrem. Vivem bem ou mal. É no cotidiano que eles ganham ou

    deixam de ganhar a vida, num duplo sentido: não sobreviver ou sobreviver, apenas

    sobreviver ou viver plenamente. É no cotidiano que se tem prazer ou se sofre. Aqui

    e agora (LEFEBVRE, 1991, p.27).

    Foi observado elementos cotidianos, ao acompanhar as mulheres acampadas, quando

    relatam suas histórias dentro dos acampamentos, muitas delas residem há mais de 10 anos,

    aguardando a possibilidade de terem o direito à terra. Podemos afirmar que tanto o cotidiano

    das mulheres acampadas, como as assentadas, são expressões da riqueza reveladora escondida

    no cotidiano, a resistência, que chega a impressionar, pela luta e a espera do direito à terra. O

    7 As transcrições das entrevistas preservaram o modo de falar das entrevistadas, não houve modificações nas

    transcrições.

  • 40

    que tem por trás deste cotidiano? O que existe na interminável complexidade da vida

    cotidiana, que para muitos parece oculta e misteriosa, mas para a pesquisadora foi admirável,

    foi a revelação que em alguns momentos, os sistemas fogem das lógicas. Se existe aspectos de

    sua individualidade, e de sua personalidade, a vida cotidiana vai incorporar nos sujeitos suas

    assimilações inseridas na cotidianidade. Quando essas mulheres e homens assumiram papéis

    sociais, assimilaram as relações sociais. Foi possível identificar que as mulheres conseguiram

    apreender os elementos da cotidianidade, mesmo as que não tiveram infância no campo e/ou

    se mudaram por ser a única alternativa de sobrevivência.

    A questão que estamos tentando chegar, é que a espontaneidade como tendência da

    vida cotidiana abriu um leque de observações singulares para a pesquisadora. Devemos

    considerar que o que é tido como “normal” presente em uma vida cotidiana, já está inserido

    em um processo de alienação. Em busca de captar as espontaneidades, e fugir das alienações,

    relacionamos o que parece, para muitos algo distante. Algumas análises ou pesquisadores

    poderiam supor: é uma questão de sorte a captação das imagens, que estabelecem a relação

    com os mapas mentais e com as entrevistas. Poderíamos considerar uma questão de sorte, ou

    de manipulação dos dados se fosse a pesquisadora tentando “falar”, mas pelo contrário, são as

    mulheres acampadas e assentadas que estão nos dirigindo suas falas e detalhes do cotidiano.

    Foi uma questão de técnica, de percepção e de arriscar no cotidiano como recorte.

    As grandes ações não cotidianas que são contadas nos livros de história partem da

    vida cotidiana e a ela retornam. Toda grande façanha histórica concreta torna-se

    particular e histórica precisamente graças a seu posterior efeito na cotidianidade. O

    que assimila a cotidianidade de sua época assimila também, com isso, o passado da

    humanidade, embora tal assimilação possa não ser consciente, mas apenas “em si”

    (HELLER, 2008, p.34).

    Alguns detalhes cotidianos serão apresentados por meio de algumas ferramentas

    utilizadas em campo. A primeira foi a elaboração do mapa mental, no último dia da pesquisa,

    conforme salientado anteriormente, no qual foi solicitado que as mulheres colocassem no

    papel suas representações da casa, destacando o que consideravam mais importante, e/ou do

    seu roçado (percurso casa-roçado). Depois da discussão foi solicitado que fizessem como “se

    fosse um mapa”, sem preocupação com a perfeição dos elementos do desenho, que apenas

    desenhassem aquilo que estava na memória. Os mapas mentais são representações construídas

    através da percepção dos lugares, partindo da realidade vivida. Para compreensão da produção

    do espaço das mulheres através dos mapas mentais, é necessário entendermos que a Geografia,

    “[...] antes de formular a caracterização da área, deve procurar investigar e interpretar os

    saberes que cada um traz e que foi adquirido durante a relação de vida com aquele lugar”

  • 41

    (NOGUEIRA, 2013, p.129). Lynch (2011) explica que há diversas maneiras de manifestação

    da coerência da imagem. No objeto real, pode haver pouca coisa ordenada ou digna de nota,

    mas ainda assim a sua imagem mental terá adquirido identidade e organização através de uma

    longa familiaridade com ele”. (LYNCH, 2011, p. 7). Para esse autor, as “imagens públicas”

    são imagens mentais comuns, “[...] áreas consensuais que se pode esperar surjam da interação

    de uma única realidade fí


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