UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG
Instituto de Ciências da Natureza
Curso de Geografia – Bacharelado ou Licenciatura
JÉSSICA DANIELLE FERREIRA DO AMARAL
AS RELAÇÕES DE GÊNERO NOS ACAMPAMENTOS E
ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE CAMPO DO
MEIO - MG
Alfenas - MG
2019
JÉSSICA DANIELLE FERREIRA DO AMARAL
AS RELAÇÕES DE GÊNERO NOS ACAMPAMENTOS E
ASSENTAMENTOS DO MUNICÍPIO DE CAMPO DO
MEIO - MG
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como parte dos requisitos para
obtenção do título de Licenciada em
Geografia pelo Instituto de Ciências da
Natureza da Universidade Federal de
Alfenas - MG, sob orientação do(a) Prof.ª
Dr.ª Ana Rute do Vale.
Alfenas – MG
2019
Banca Examinadora
_____________________________________________
Titulação, nome completo e instituição do Orientador
_____________________________________________
Titulação, nome completo e instituição do Avaliador 01
_____________________________________________
Titulação, nome completo e instituição do Avaliador 02
Alfenas (MG), __/__/____
_________________________________
Resultado
(...) Descreve seu moço, a mulher insurgente,
De foice e facão, bandeira e suor
Descreve esta luta que levo com a gente
De ser combatente com muito valor.
Descreve do jeito que bem entender,
Descreve seu moço,
Porém não te esqueças de acrescentar
Que eu também sei plantar,
Que eu também sei lutar,
Que meu nome é mulher.
(Pe Zezinho. Adaptação: Mulheres MST)
Às mulheres de ontem, às mulheres de hoje, e às
mulheres que virão. Às mulheres: Maria (Vovó
Meu Anjo da Guarda), Valdelúcia, Gabriela,
Sandra, Flávia, Ana Rute, e xs Companheirxs do
MST. À minha família e meus Companheiros e
Companheiras de luta. Ao meu querido Enzo, que
crescerá em um mundo de Mulheres de luta.
Agradecimentos
Em primeiro lugar agradeço a minha orientadora Prof.ª Dr.ª Ana Rute do Vale, que
com muita experiência, anos de muito trabalho na geografia, e com o seu carinho, me
proporcionou adentrar ao universo da geografia agrária e ao feminismo. E me ajuda a
construir minha jornada na geografia, através do seu apoio. A Prof.ª Dr.ª Sandra de Castro de
Azevedo, que me fez sentir a educação como ferramenta de luta, e que me ensina a arte de
como ser mais paciente e como ter força na luta. Ao Prof. Dr. Evânio dos Santos Branquinho,
por aceitar os desafios das minhas mirabolantes ideias, e abrir seu armário cheio de livros e
mais ideias, sempre com muito carinho.
A minha companheira, Gabriela Cristina da Silva Vitor, feminista negra, que me
ensina cotidianamente a arte de ser mais forte enquanto mulher, e que tem me ajudado a
compreender a minha branquitude, e que acompanha minha vitórias e derrotas, com muita
paciência, apoio, carinho e amor.
As mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que abriram
seus corações e vidas. E as mulheres campesinas que fazem parte das raízes da terra e já não
estão mais entre nós, que permitiram construir meu conhecimento, através daqueles que
deixaram.
A minha Vó, que mesmo até a quarta série, tem a sabedoria que me ajuda a trilha essa
vida, e sempre me impulsou a estudar.
As companheiras e companheiros de luta, que atravessaram meu caminho na
universidade e me ajudaram a construir meu conhecimento.
A minha família, que está sempre comigo, com suas diversas formas de apoio.
A todas e todos os meus Professores do Ensino Básico e aos meus Professores da
Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL -MG).
Resumo
As discussões sobre as relações de gênero tiveram um enorme avanço conceitual na
década de 1970, juntamente com o desenvolvimento de uma geografia crítica. A geografia
caminhava na tentativa de apreender esses espaços sociais. Surge então a geografia feminista,
em busca da compreensão dos diversos espaços femininos, em contrapartida, a uma ciência de
homens, que apontava apenas para uma perspectiva masculina de leitura do mundo. Na cidade
ocorreu o aumento dos movimentos sociais feministas, mas o rural não fica de fora. Pois, os
constantes movimentos rural-cidade-rural, entrelaçam a diversidade e a complexidade da
sociedade atual. As relações de gênero se tornaram um dos pontos de partida para
compreender as injustiças sociais e as desigualdades de gênero. Neste sentindo, à
aproximação aos estudos de gênero e a luta pela terra no município de Campo do Meio – MG,
que despertou questionamentos sobre as relações de gênero das mulheres acampadas e
assentadas. O objetivo desta pesquisa, busca captar através do cotidiano destas mulheres
campesinas, os elementos que estruturam os papéis sociais e as relações de gênero. A
metodologia do trabalho é um convite a um novo método de exposição, em que a
transversalidade se une ao sujeito da pesquisa, para que este possa tecer a sua história. Os
resultados da pesquisa ainda identificam várias dificuldades quando se tratam das relações de
gênero, mas os avanços estão presentes na organização e na estruturação das suas
participações, representatividades e no Coletivo Mulheres Raízes da Terra.
Palavras-chave: Cotidiano; Gênero; Campesinato; Geografia; Feminismo.
Abstract
Discussions on gender relations took a major conceptual breakthrough in the 1970s, along
with the development of a critical geography. Geography was in the process of apprehending
these social spaces. The feminist geography arises, in search of the understanding of the
diverse feminine spaces, in contrast, to a science of men, that pointed only to a masculine
perspective of reading of the world. The city is the scene of an upsurge of feminist social
movements, but the rural is not left out. For the constant rural-city-rural movements
intertwine the diversity and complexity of present-day society. Gender relations have become
one of the starting points for understanding social injustices and gender inequalities. In this
sense, the approach to gender studies and the struggle for land in the municipality of Campo
do Meio - MG, which raised questions about the gender relations of women camped and
settled. The objective of this research is to capture through the daily life of these rural women
the elements that structure social roles and gender relations. The methodology of the work is
an invitation to a new method of exposition, in which transversality joins the subject of the
research, so that it can weave its history. The results of the research still identify several
difficulties when dealing with gender relations, but the advances are present in the
organization and structuring of its participations, representativities and in the Collective
Mulheres Raízes da Terra.
Keywords: Everyday life; Gender; Peasantry; Geography; Feminism.
Lista de ilustrações
Figura 01 – Mapa de localização geográfica do município de Campo do Meio – MG e dos
assentamentos Primeiro do Sul e Nova Conquista II............................................................... 18
Figura 02 – Mapa de localização dos acampamentos na ex-usina Ariadnópolis – Campo do
Meio-MG................................................................................................................................. 19
Figura 03 – Reunião do setor de saúde dos assentamentos e acampamentos..........................21
Figura 04 – Reunião sobre o curso de plantas medicinais dos acampamentos e assentamentos
– Campo do Meio-MG..............................................................................................................21
Figura 05 – Compartilhando saberes com as acampadas e assentadas – Campo do Meio-
MG............................................................................................................................................35
Figura 06 – Mapa mental da P.M. ...........................................................................................39
Figura 07 – Residência da P.M. ..............................................................................................39
Figura 08 – Residência da D.R. ..............................................................................................40
Figura 09 – Mapa mental da D.R. ...........................................................................................40
Figura 10 – Mapa mental da E.A. ...........................................................................................41
Figura 11 – Mapa mental E.E. ................................................................................................41
Figura 12 – Mapa mental da D.C. ...........................................................................................42
Figura 13 – Mapa mental da C.A. ...........................................................................................43
Figura 14 – Habitat I................................................................................................................50
Figura 15 – À luta I..................................................................................................................51
Figura 16 – À luta II.................................................................................................................51
Figura 17 – Habitat II...............................................................................................................52
Figura 18 – Habitat III.............................................................................................................52
Figura 19 – À luta III...............................................................................................................53
Figura 20 – Encontro do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.............................................71
Lista de quadros
Quadro 01 – Resumo dos dados coletados e das anotações sobrea as mulheres acampadas e
assentadas................................................................................................................................. 23
Quadro 02 – Diferenças entres acampamentos e assentamentos.............................................44
Quadro 03 – Demandas das mulheres acampadas e assentadas do MST................................47
Quadro 04 – Processo histórico dos acampamentos e dos assentamentos..............................54
Quadro 05 – Acampamentos do Quilombo Campo Grande....................................................56
Lista de siglas
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FACA – Feira Agroecológica e Cultural de Alfenas – MG
FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura)
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Sumário
Lista de ilustrações ..................................................................................................................... 9
Lista de quadros ........................................................................................................................ 10
Lista de siglas ........................................................................................................................... 11
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
2 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS RAÍZES DA TERRA .................................................. 17
3 O COTIDIANO COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE ............................................... 30
3.1 A (re)produção do cotidiano das mulheres: O que elas têm a nos dizer? ................... 38
3.2 Uma estrutura em colapso: O patriarcado no meio rural ............................................ 48
3.3 Do habitat à luta, da luta ao habitat ............................................................................... 52
4 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DAS MULHERES CAMPESINAS ................................ 61
4.1 A geografia a caminho de outras categorias: As relações de gênero ........................... 63
4.2 A geografia agrária das mulheres campesinas .............................................................. 68
4.3 E para não dizer que não falei das “Margaridas”: Participando sem medo de ser
mulher! .................................................................................................................................... 72
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 76
ANEXOS ................................................................................................................................. 82
13
1 INTRODUÇÃO
Ao iniciar os estudos, a partir das relações de gênero dentro da geografia, os processos
de reforma agrária e a formação política realizada pelo MST no ano de 2014 no assentamento
Primeiro do Sul, alguns questionamentos surgiram em torno desses temas. O primeiro,
pensando sobre a realidade vivida pelas mulheres e a relação com o espaço geográfico: como
esses espaços de vida cotidiana, de assentamentos e acampamentos, produz as relações de
gênero? O segundo, como os instrumentos teórico-metodológicos da ciência geográfica são
suficientes para compreender de que forma essas mulheres campesinas produzem o espaço?
Podemos incialmente afirmar, que existe uma invisibilidade, que começa a ser
descortinada sobre as mulheres na abordagem geográfica, devido aos estudos de
pesquisadoras, e o desenvolvimento da Geografia Feminista nos anos 70. Quando se fala das
relações de gênero dentro dos assentamentos e acampamentos de reforma agrária, fazendo um
recorte geográfico, busca-se dar visibilidade a esse tema dentro da ciência geográfica. Temos
que levar em consideração que existe diferenças de atuações no espaço geográfico, entre
mulheres e homens, que passam pela categoria de gênero.
Essa pesquisa avança quando percebe que a análise sobre as relações de gênero no
campo deve ir além de uma compreensão do público para alcançar a escala do privado, e por
isso fomos até o cotidiano, porque compreendemos que é nele que o sujeito apresenta sua
realidade de forma mais intensa e informal. Relacionar as relações de gênero, através de uma
leitura geográfica se torna uma proposta teórica, na tentativa de apreender o papel das
mulheres e suas atuações que envolvem tempo, espaço e escala dentro dos assentamentos e
acampamentos. Mesmo com todos os avanços promovidos pelo MST, ainda existe a
invisibilidade do papel feminino na produção do espaço, e espaços destinados às atividades
femininas, como por exemplo, a horta. Mas, de que forma as mulheres produzem o espaço?
A geografia de gênero busca interpretar as relações socioespaciais, as desigualdades de
gênero que atingem principalmente as mulheres, o trabalho feminino, para além, da esfera
doméstica e o trabalho informal, para a apreensão das origens da subordinação das mulheres.
Os estudos sobre gênero no meio rural datam aproximadamente da década de 1980, com
temáticas que envolvem as atividades produtivas, reprodutivas e o excesso de trabalho. O
tempo dedicado a atividade (re)produtiva se alterou, através da modernização do campo e o
avanço do capitalismo, que foi responsável por estabelecer em algumas regiões um complexo
agroindustrial, o que possivelmente ocasionou uma outra dinâmica no campo, e na própria
estrutura de uma prática de agricultura de base familiar. A influência do marxismo no
feminismo propiciou elaborar um recorte de classe, mas foi fundamental ir além dos fatores
14
econômicos para perceber como as campesinas nas suas relações de gênero produzem o
espaço.
Foram selecionados os acampamentos e assentamentos de reforma agrária, por ser o
universo de vivência das mulheres. Os acampamentos podem ser considerados espaços de
transição, ocupados por um período temporário, no qual os sem-terra constroem barracos de
lona, os mais conhecidos são os barracos de lona preta, nas beiras das estradas, mas também
podem ocupar áreas consideradas centrais nas propriedades fundiárias. As terras ocupadas são
configuradas, através de abandono do proprietário, ou seja, são consideradas “improdutivas”,
ou tem dívidas trabalhistas ou dívidas com o Estado. Sendo assim, essas terras devem ser
analisadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), se houve
irregularidades, a terra deverá ser destinada para fins de reforma agrária. Nenhuma terra é
“invadida”, a terra é ocupada, e dela homens e mulheres buscam o seu direito pela terra, que é
ocasionada pela não ocorrência de reforma agrária no país, sujeitando esses indivíduos a
condições de acampadas e acampados em situações precárias. Quando há ocupação, mesmo
depois de percebido as irregularidades da área, o proprietário poderá solicitar a desocupação
forçada e imediata da propriedade, o que é chamado de reintegração de posse.
O acampamento então se apresenta como lugar de transição, sendo um espaço
estratégico para forçar o governo a assentar. Os assentamentos são áreas já consolidadas,
regularizadas pelo INCRA, são terras destinadas para o fim de reforma agrária. As unidades
agrícolas, que são as parcelas, lotes ou glebas, são distribuídos pelo INCRA às famílias que
não têm condições de adquirir terras. Mas, o processo de um assentamento não é tão simples
assim; poucos assentamentos são regularizados, sem ter antes passado por um processo de
acampamento.
Nesta pesquisa não vamos adentrar a essas categorias, sobre o que é um acampamento
e assentamento. O objetivo foi apenas iniciar uma pequena explanação sobre o tema, na
tentativa de compreender o porquê dos conceitos e o que está por trás deles, em forma de lutas,
conflitos e conquistas dos sem-terra. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), iniciou sua formação no Centro-Sul do País, no ano de 1979, com o objetivo de
organizar famílias/trabalhadores rurais na busca pelo direito à terra. Mesmo depois da
conquista dos assentamentos, o movimento permanece, porque compreende que para além de
assentar, é necessário reforma agrária popular. O movimento é organizado em setores, níveis,
coordenadorias, direções, núcleos, e depende da região, surgem outros papéis surgem.
O objetivo geral da pesquisa pretendeu analisar as relações de gênero, que envolvem
as mulheres acampadas e assentadas do município de Campo do Meio-MG, a fim de
15
apresentar as dificuldades e os mecanismos de superação. Os objetivos específicos foram
promover um resgate histórico da luta pela terra na mesorregião, caracterizar em termos
demográficos, socioeconômico e espacial, com os elementos dos dados coletados através das
entrevistas não diretivas; compreender a organização das mulheres para permanecer na terra,
mesmo depois de serem assentadas; verificar as funções das mulheres dentro dos
assentamentos e acampamentos; analisar a situação atual dessas mulheres campesinas frente a
questão agrária, e como a geografia pode contribuir na construção de uma ciência mais ampla
que abarque as diversidades sociais - que no caso dessa pesquisa está relacionado às relações
de gênero nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária.
Como trata-se de uma pesquisa qualitativa à divisão dos capítulos com seus subtópicos,
buscou valorizar aquilo que esse tipo de técnica nos traz, que é um processo que se inicia no
campo da pesquisa, na qual os eventos e os processos vão guiando o desenvolvimento da
pesquisa, até a chegada aos conceitos mais amplos, que estruturam a fundamentação teórica
do trabalho. Durante a leitura, o leitor irá se deparar com a metodologia diluída durante a
pesquisa, apesar de um tópico vinculado a mesma, pois a inversão dos capítulos traz uma
outra experiência na formatação do trabalho, dos processos e das situações que apareceram
durante a pesquisa. A divisão dos capítulos segue uma proposta de exposição, desafiando o
leitor a construir as questões e posicionamentos sobre o tema: No primeiro capítulo é
apresentado uma breve introdução sobre a problemática da pesquisa, objetivos gerais e
específicos, iniciando as explanações obre o que a pesquisa irá abordar. No segundo capítulo,
intitulado “Relações de Gênero nas Raízes da Terra”, está presente a caracterização da área de
estudo, localização da área, relato sobre o que foi encontrado, um quadro com um breve
resumo das mulheres que participaram e ajudaram na construção da pesquisa; sendo um
capítulo de apresentação das mulheres e da própria pesquisa, com alguns dados incorporados.
No terceiro capítulo, “O cotidiano como ferramenta de análise”, aqui é apresentado a
metodologia de pesquisa do trabalho, com os procedimentos, métodos de investigação e
alguns resultados. O que pode chamar a atenção, é que no início do capítulo três ocorrerá uma
articulação entre a metodologia da pesquisa, e o recorte, que foi o cotidiano de algumas dessas
mulheres, que se conecta com o capítulo anterior. Nos subtópicos, “A (re)produção do
cotidiano das mulheres: o que elas têm a nos dizer”, “Uma estrutura em colapso: O
patriarcado no meio rural” e “Do habitat à luta, da luta ao habitat”, foi aprofundado a
apresentação, e através dos dados e das relações estabelecidas busca, apresentar o que estaria
“ocultado entrelinhas”, aqui os resultados da pesquisa começam a ser aprofundados, mas
estarão distribuídos, no universo totalizante do trabalho; neste capítulo o referencial teórico
16
começa a adentrar a pesquisa. No capítulo quatro, “A produção do espaço das mulheres
campesinas”, introduz os aspectos teóricos da geografia e da geografia agrária nos estudos das
relações de gênero, que vai se condensando nos subtópicos: “A geografia a caminho de outras
categorias: As relações de gênero”, “A geografia agrária das mulheres campesinas”, e por
último, “E para não dizer que não falei das “Margaridas”: Participando sem medo de ser
mulher!, finaliza, apresentando, que apensar do avanço teórico, e dos estudos sobre as
relações de gênero dentro da geografia, a ciência geográfica ainda precisa ampliar seu campo
conceitual para compreender e apresentar as diversas realidades sociais. Esta pesquisa é uma
forma de denúncia contra as injustiças sociais, em meio as declarações e posicionamentos do
governo atual, que reforçam ainda mais o caráter desigual das relações de gênero, e
criminalizam os movimentos socias, dentre eles o MST. A pesquisadora não é assentada ou
acampada, mas tomou os devidos cuidados ao demonstrar as relações de gênero dessas
mulheres campesinas que dispensam simpatizantes e apresentações. Elas estão lá lutando, e
entre estas linhas reforçando a luta.
17
2 RELAÇÕES DE GÊNERO NAS RAÍZES DA TERRA
As relações de gênero na cidade começam a chamar atenção dos pesquisadores e
pesquisadoras, na tentativa de compreender as relações de gênero e a reprodução social desses
agentes. Mas, as relações de gênero com os seus conflitos, também, estão presentes no meio
rural. E foi através da observação da pesquisadora com a aproximação dos acampamentos e
assentamentos de reforma agrária, localizados no município de Campo do Meio-MG que os
questionamentos surgiram. As mulheres do campo construíram essas questões sobre as
relações de gênero, quando trabalham na terra, cuidam de sua família, militam no MST e
resistem na terra.
A observação de como essas mulheres produzem o espaço no campo, vem nos mostrar
que as lutas e as relações de gênero passam principalmente pelo cotidiano, e por mulheres e
homens, que traçam sua resistência e constroem juntos e juntas suas histórias no campesinato.
Um dos objetivos desta pesquisa é captar e compreender as relações de gênero das mulheres
assentadas e acampadas no município de Campo do Meio – MG, através da análise do
cotidiano; “[...] a vida real? Não é justamente disso que se ocupam as ciências ditas humanas
ou sociais há mais de um século” (LEFEBVRE, 1991, p. 27).
O município de Campo do Meio – MG encontra-se na mesorregião Sul/Sudoeste do
Estado de Minas Gerais (figura 2), com uma população de 11.476 habitantes, com população
de 10.106 (88%) que residem na zona urbana, e aproximadamente 1.370 (12%) na zona rural
(IBGE, 2010). O município está localizado na microrregião do reservatório de Furnas, o qual
foi construído no ano de 1962, e é formado pelos rios Sapucaí e Grande. A área do município
desenvolveu-se através de doações de terreno de uma antiga fazenda da região, tornando-se
município no dia 27 de dezembro de 1948.
As características morfológicas observadas durante a pesquisa são de predominância
de relevos de colinas com amplitude de 40 a 80m e altitudes de 700 até 850m (dados
coletados via GPS, de 14 pontos). Durante os trabalhos de campo, foi possível identificar por
meio da observação in loco dos solos, a presença marcante de latossolos vermelho escuro.
Estes estão vinculados a relevos suaves, ocorrendo colinas amplas com amplitudes baixas. De
acordo com a Embrapa (2019), o tipo de solo Lê-Latossolo Vermelho Escuro são solos
porosos, profundos, consideravelmente bem drenados, permeáveis, muito argilosos, friáveis e
de fácil preparo. Atualmente, estas colinas e planícies apresentam no uso do solo: a pastagem,
o cultivo de café, campos antrópicos e alguns vestígios de mata secundária, se reportando a
década de 1990, na qual a área tinha o intenso cultivo de cana - de - açúcar. Quanto as
planícies, são áreas de acumulação dendrítica, acompanham os fundos de vales dos principais
18
cursos d’água presentes nos acampamentos e assentamentos. Podem formar solos do tipo
gleissolos, escuros, com teor de matéria orgânica e de textura areno-argilosa.
A população economicamente ativa por setor de atividade é maior nos setores:
Agropecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Pesca, representando 57,59% da população
ativa. O munícipio de Campo do Meio - MG destaca-se na agricultura da região, com
emprego de mão-de-obra em grande escala, predominando a cultura do café (PREFEITURA
MUNICIPAL DE CAMPO DO MEIO – MG, 2006, não paginado). A predominância da
cultura de café na região foi responsável pela permanência do cultivo nos assentamentos.
Ademais, o fato de o assentamento estar inserido em um contexto econômico
mercadológico de uma região tradicionalmente produtora de café, acabou por
induzir essas famílias a permanecerem na cafeicultura, principalmente pela
expectativa de facilidade no escoamento da produção a bons preços. Com essa
expectativa não atingida, a maioria dos assentados ficaram insatisfeitos, conforme os
relatos coletados (LUCAS; VALE, 2014, p. 14).
As mulheres que fizeram parte desta pesquisa residem nos acampamentos e
assentamentos, localizados nas terras da antiga fazenda e usina Ariadnópolis de cana-de-
açúcar e da antiga fazenda Jatobá (figura 01). Está localizada na antiga fazenda Jatobá, o
assentamento Primeiro do Sul, e na ex-usina de cana-de-açúcar Ariadnópolis o acampamento
Quilombo Campo Grande, com os outros acampamentos e o assentamento Nova Conquista II
(figura 02). O Quilombo Campo Grande é composto por alguns acampamentos dentre eles:
Sidney Dias, Rosa Luxemburgo, Tiradentes, Girassol, Fome Zero, Chico Mendes, Betinho,
Irmã Dorothy, Vitória da Conquista, Potreiro e Resistência. A cultura do plantio de café ainda
é intensiva na maioria dos acampamentos e assentamentos.
19
Figura 01 – Mapa de localização geográfica do município de Campo do Meio – MG e dos
assentamentos Primeiro do Sul e Nova Conquista II
Fonte: IBGE; i3GEO INGRA, 2018. Org.: Autora.
Figura 02 – Mapa de localização dos acampamentos na ex-usina Ariadnópolis – Campo
do Meio-MG
Fonte: IBGE/Bing, 2018. Org.: GeoAtiva Jr.
20
É importante salientar que depois das ocupações e da criação dos dois assentamentos e
dos acampamentos, na área da ex-usina Ariadnópolis, vem sendo cultivada por diversas
culturas e preservada, sendo responsável pela recuperação de córregos, rios e da mata nativa,
o que antes se encontrava em degradação devido ao intenso plantio de cana-de-açúcar. A
atividade econômica principal do assentamento Primeiro do Sul é o cultivo do café; os
assentados do Nova Conquista II também cultivam café, mas se diferenciam, na busca de uma
policultura. De acordo com Lucas e Vale (2014), a permanência da produção de café, nos
assentamentos foi vista como “cômoda”, já que a região favorece a produção; a mesorregião
Sul/Sudoeste tem uma produção de café que corresponde a 50% do estado de Minas Gerais.
Observando as mulheres durante 9 dias, a pesquisadora viveu em um ambiente de
imersão, no qual, foi possível descrever e analisar junto com as mulheres e homens a
importância de se discutir e observar na prática as relações de gênero nos acampamentos e
assentamentos de reforma agrária. Foi no cotidiano que esses elementos sobre a produção do
espaço das mulheres foram aparecendo. Durante esses dias a pesquisadora trabalhou junto
com as mulheres, fez suas refeições, conversou, aprendeu, dormiu em suas casas e barracos. A
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)1, relata que as
mulheres do campo são as mais ocupadas do mundo, a pesquisa comprova esse relato.
Provavelmente, muitos pesquisadores se perguntam: o que os estudos das relações de gênero
no campo têm a ver com a geografia, e mais precisamente, com a geografia agrária? A
pesquisa começa na observação da vivência dessas mulheres, e encontramos as prováveis
respostas para algumas das questões levantadas durante a pesquisa. No entanto, as respostas
identificadas durante a pesquisa foram fundamentais para associar a geografia ao conceito de
gênero, mas são os questionamentos que permeiam toda a pesquisa e este capítulo.
Essas mulheres, que fazem parte das “raízes da terra” algumas vezes rompem com o
cotidiano, que tem como característica o tempo programado. A cotidianidade dessas mulheres
se diferencia através da percepção e ritmo da passagem do tempo, do fluxo temporal das
mulheres da cidade, mesmo que tragam vestígios de um cotidiano urbano. Além de combater
o machismo, essas mulheres resistem na terra contra os ataques dos latifundiários,
desapropriação de terra, preconceitos da cidade, e mais recentemente, com o fascismo do
atual governo, que estabelece o movimento social que essas mulheres participam como
“terrorista”.
1FAO. Food and Agriculture Organiztion (1993) Report Agriculture Extension And Farm Women in the 1980 s.
Rome.
21
O que “as terras” do município de Campo do Meio -MG abrigaram e abrigam nas suas
“raízes da terra”? Mulheres da periferia da grande São Paulo, mulheres negras, educadoras,
bruxas, mães, mulheres que construíram nossa história, mulheres violentadas, viúvas, solteiras,
divorciadas, meninas, mulheres pobres, mulheres resistentes e trabalhadoras, campesinas,
mulheres que representam o MST, em sua complexa diversidade, e um Coletivo de Mulheres
Raízes da Terra. A análise das relações de gênero, e do modo de produção da vida, também
passa por um recorte de classe, gênero, político, econômico e de cor/raça. O modo de
produção da vida material é, portanto, o que determina o processo social, político e espiritual
(GIL, 2008, p.22).
O Coletivo de Mulheres Raízes da Terra 2 surgiu em 2012, com participação de
aproximadamente 50 mulheres, dos assentamentos Primeiro do Sul, Nova Conquista II e os
acampamentos Sidney Dias, Rosa Luxemburgo, Tiradentes, Girassol, Fome Zero, Chico
Mendes, Betinho, Irmã Dorothy, Vitória da Conquista, Potreiro e Resistência. As primeiras
reuniões das mulheres aconteciam uma vez por mês. Atualmente as reuniões acontecem as
quartas-feiras, no período da manhã (08h00 – 11h00), iniciando com um café coletivo e, logo
em seguida, realizam as atividades na horta, como a colheita de camomila. Das 12h00 às
13h00 ocorre o almoço coletivo, no qual duas mulheres saem da atividade da manhã para
realizar essa atividade, às vezes as mulheres trazem pratos. Às 13h00 retornam para as
atividades, esporadicamente ocorre reuniões neste horário, como uma realizada pelo setor de
saúde durante essa pesquisa (figura 03). Durante o acompanhamento da pesquisa, as mulheres
estavam realizando o curso sobre plantas medicinais (figura 04).
Figura 03 – Reunião do Setor de Saúde dos assentamentos e acampamentos -
Campo do Meio-MG
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.
2 O Coletivo de Mulheres Raízes da Terra, foi criado no ano de 2012, através da demanda local das mulheres
acampadas e assentadas do município de Campo do Meio – MG.
22
Figura 04 – Reunião sobre o curso de plantas medicinais dos assentamentos e
acampamentos - Campo do Meio-MG
Fonte: Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.
Para Gonçalves (2009, p. 199), as mulheres estão sempre na linha de frente nas
ocupações, nos acampamentos, elas buscam se organizar, resultando em uma maior
participação política, mas quando é estabelecido os assentamentos, foi identificado que existe
um recuo das mulheres para o ambiente doméstico. É por isso que é fundamental a criação do
setor de gênero dentro do MST, para maior politização e ação das mulheres.
Durante a pesquisa os principais setores citados foram: Saúde, quem tem como
objetivo fazer levantamentos e acompanhar os acampamentos e assentamentos, captar as
necessidades ligadas a saúde; Educação, que organiza os processos educativos e a
implementação das escolas; Formação, que tem como objetivo promover processos de
formação política e de bases; Cultura, responsável pelas místicas, eventos e as atividades
culturais; Comunicação, divulga as informações e faz os repasses através de boletins, sites e
redes sociais; Produção, que atua na organização das produções dos acampamentos e
assentamentos; Frente de Massas, responsável pelas as ocupações e dirige os acampamentos;
Gênero, com o objetivo de organizar os coletivos de gênero, mobilizando através de ações e
politicamente as mulheres assentadas e acampadas. Outras especificações, como setor da
juventude sem-terra, os sem-terrinhas (as crianças), também fazem parte da estrutura e
23
organização do MST, que conduz a organicidade dos acampamentos e assentamentos de
Campo do Meio -MG.
Nos anos de 1990 começou a ser criado um Coletivo Nacional de Mulheres do MST; a
“invisibilidade” da participação feminina passou a ser o objeto de debates e resoluções
(GONÇALVES, p. 202, 2009). Para essas mulheres a terra é algo sagrado, lugar que
sobrevivem, sozinhas ou com sua família; para o sistema capitalista de produção a terra é
tratada como objeto de negócio, o qual apropria-se do trabalho alheio, extraindo a mais-valia,
transformando-a em mercadoria. O trabalho realizado no roçado conta com a família e ajuda
coletiva. Quanto à propriedade camponesa, constitui-se em terra de trabalho, estando a
exploração restrita ao regime de trabalho familiar; assim, essa não se configura como
instrumento de acumulação de capital, mas de sobrevivência da família (PAULINO, 2006,
p.30).
O quadro logo a seguir (quadro 01) apresenta um resumo de alguns dados das
mulheres participantes dessa pesquisa como: identificação3; estado civil; tem filhos; já morou
em cidade; qual é o seu assentamento ou acampamento, participa do Coletivo de Mulheres
Raízes da Terra? E por último, outras informações observadas. Este quadro tem como
objetivo iniciar as considerações dos levantamentos dos dados, e uma tentativa de estabelecer
um perfil das mulheres que participaram da pesquisa. Foram retirados informações e
fragmentos das entrevistas, para dar início a apresentação dos dados informados e registrados
nas entrevistas e nas anotações.
Quadro 01 - Resumo dos dados sobre as mulheres participantes da pesquisa dos
assentamentos e acampamentos - Campo do Meio-MG.
3 Foi preservado o anonimato das mulheres.
P. M.: tem 55 anos, sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres, apenas uma vive com
ela. Se criou na roça, mas passou boa parte da sua vida em Campinas. Veio para Campo do
Meio – MG em 2012. Reside no assentamento Sidney Dias, há aproximadamente 7 anos, e
participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra. Suas principais plantações são milho,
feijão, banana; cria uma leitoa, galinhas; cultiva seu roçado e sua horta com a ajuda da filha.
Todo cultivo é para subsistência; ganha um salário mínimo por trabalhar nos serviços gerais
e de cozinheira na escola do campo, que é uma extensão da escola urbana de Campo do
Meio -MG. Seu principal meio de descolamento é um carro, simples, que funciona com
muita dificuldade. Mora em casa de alvenaria, com algumas paredes finalizadas com
24
cimento. E dentro do MST é responsável pelo setor de saúde, gênero e educação. Cursou até
a antiga 3ª série do ensino fundamental (4°ano). Foi acompanhada, entre o dia 05 e 08 de
agosto de 2018.
1. C. A.: tem 35 anos, quatro filhos, está em processo de divórcio, vive no assentamento
Primeiro do Sul. Não foi informado se já morou na cidade. Participa do Coletivo de
Mulheres Raízes da terra. Foi uma entrevista rápida, o que dificultou a identificação
de maiores detalhes.
2. R. A.: não foi entrevistada. Participou da elaboração do mapa mental; participa do
Coletivo de Mulheres Raízes da terra.
3. E. E.: tem 54 anos, tem cinco filhos, solteira, reside no assentamento Primeiro do Sul.
Não foi informado se já morou na cidade, mas através da entrevista podemos
identificar que existe uma ideia do que seria a cidade: “Liberdade! A gente é livre de
muitas coisas que a gente encontra na cidade né. Muitas coisas feias que tá
acontecendo, então assim a importância, não tem nem palavra para falar da
importância da rente viver no campo” (E.E, 2018). Participa do Coletivo de
Mulheres Raízes da terra. Foi uma entrevista rápida, o que dificultou a identificação
de maiores detalhes.
4. D. R.: tem 68 anos, solteira, nasceu no interior de São Paulo, infância vivida na roça,
“ A gente estava no interior né, aí quando foi o êxodo rural dos anos 60 minha família
como tantas outras teve que sair da roça, porque nós não tínhamos mais terra, nós
éramos meeiro, arrendatário, e não se tinha mais campo para gente na roça, aí nós
fomos para São Paulo capital” (D.R, 2018). Tem um filho, que não mora com ela.
Cursou o ensino fundamental completo. Participa do Coletivo de Mulheres Raízes da
Terra. Não reside no seu acampamento, devido a um incêndio, considerado
criminoso, no dia 24 de julho de 2017. Ela reside hoje na chamada “Coloninha”, que
fica entre a escola e o assentamento Nova Conquista II. Seu rendimento vem através
de sua aposentadoria, e de alguns trocados que ganha na sua participação na Feira
Agroecológica e Cultural de Alfenas - MG (F.A.C.A), que acontece todos os sábados
na cidade de Alfenas – MG, das 07h00 até às 15h00. Faz parte do setor de saúde, e
25
principalmente de educação. Foi acompanhada em dois dias diferentes. Possuí apenas
um pequeno espaço em frente à sua porta onde cultiva algumas ervas e frutos.
5. M. L.: tem 65 anos, não tem filhos que residem com ela, apenas um neto, é casada.
Antes de morar no acampamento Irmã Dorothy, veio de Campinas -SP. Participa do
Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.
6. S. A.: tem 43 anos, tem cinco filhos, é casada, morava em Campinas – SP. Reside
atualmente no acampamento Rosa Luxemburgo. Participa do Coletivo de Mulheres
Raízes da Terra.
7. M. A.: tem 58 anos, não tem filhos. Devido à dificuldade na fala, a acampada não
conseguiu realizar até o final a entrevista. Mas as informações foram retiradas do
mapa mental: o ano de nascimento, e o acampamento que é o Herbet de Souza.
8. M. C.: tem 56 anos, acampamento Girassol, veio de Campinas, e já está a sete anos
acampada. Não tem nenhum filho morando com ela, é viúva. Participa do Coletivo de
Mulheres Raízes da Terra.
9. C. M.: tem 64 anos, tem uma filha, é viúva e tem um companheiro. Veio de
Uberlândia – MG. Reside no acampamento Rosa Luxemburgo. Participa do Coletivo
de Mulheres Raízes da Terra.
10. D. C.: tem uma filha, é casada, veio de São Paulo. Reside no acampamento Rosa
Luxemburgo. Participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.
11. S. M.: nenhuma entrevista coletada; participou da elaboração do mapa mental;
participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.
12. E. A.: reside no acampamento Betinho, tem 45 anos, tem dois filhos, um casal. “Eu
sou daqui da região mesmo. Meu marido trabalhava aqui na usina e depois a gente já
ficou por aqui” (E.A, 2018); participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.
26
13. R. S.: tem 47 anos, tem três filhos, é solteira, veio de São Paulo, faz 12 anos que
reside no assentamento Primeiro do Sul; participa do Coletivo de Mulheres Raízes da
terra.
14. D. J.: tem 64 anos, morou no estado de São Paulo, veio para o acampamento em
2013, tem seu lote no Sidney Dias, mas ainda reside na Coloninha. Acaba visitando e
trabalhando no lote. É viúva, mas tem um companheiro, tem filhos, mas não informou
a quantidade. Não participa do Coletivo Mulheres Raízes da Terra.
15. O. B.: antes de ser assentada, morou no Vale do Ribeira – SP. Tem 49 anos, tem dez
filhos, sete homens e três meninas. É solteira, mas tem um namorado. É acampada no
Nova Conquista II; faz parte do Setor de Saúde; participa do Coletivo de Mulheres
Raízes da Terra.
16. R. T.: veio da Bahia, tem 40 anos, está a 15 anos no movimento, tem dois filhos. Não
informou se morou na cidade, mas demostra algum conhecimento “É muito
importante né, que a gente fique aqui trabalhando, consegui melhor pra morar que a
cidade” (R.T, 2018). Não informou onde reside atualmente, se é em acampamento ou
assentamento; participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.
17. A. T.: tem 54 anos, tem três filhas, mas não reside com ela, é divorciada. Faz quatro
anos que é acampada no Rosa Luxemburgo. “Eu saí do campo eu tinha 15 anos, casei
fui para Cidade né, agora retornei pro campo” (A.T, 2018); participa do Coletivo de
Mulheres Raízes da Terra.
18. E. G.: nenhuma entrevista coletada; participou da elaboração do mapa mental;
participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.
19. E. L.: nenhuma entrevista coletada; participou da elaboração do mapa mental;
participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra.
20. T. A.: nenhuma entrevista coletada; não participou da elaboração do mapa mental;
participa do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra. Reside no acampamento Nova
27
Fonte: Trabalho de campo, 2018. Org.: Autora.
De acordo com o quadro apresentado, a maioria das mulheres que fizeram parte da
pesquisa residiram no estado de São Paulo, mais precisamente na cidade de Campinas. Nas
conversas informais, elas relatam as dificuldades de viver na periferia, como falta de
saneamento básico, problemas com o tráfico de drogas e a falta de emprego. A estrutura
familiar dessas mulheres é bem diferente daquela que estamos acostumados a perceber, ou
seja, muitas delas são divorciadas, solteiras, viúvas ou apenas tem companheiros, vivendo
com os filhos no lote. A idade dessas mulheres varia entre 30 a 68 anos. Tendo em vista o
universo da pesquisa, e no período da pesquisa (agosto de 2018), os jovens e a maioria dos
assentados e acampados estavam envolvidas com as atividades políticas do MST. A maioria é
acampada, mas em vários momentos assentadas e acampadas se unem para se organizaram
nos seus setores e atividades. Todas essas características são incorporadas e acabam definindo
os papéis sociais, que são desempenhados por mulheres e homens, tanto na cidade, como nos
acampamentos e assentamentos de reforma agrária. Devido a esta construção social, os papéis
atribuídos aos seres de ambos os sexos, assim como seus direitos, podem variar no tempo e no
espaço e estão sujeitos a mudanças (BRUMER, 2005, p.351).
Conquista II, faz parte do setor de produção, é referência no MST. Ela foi
acompanhada, mas por uma ocorrência específica que ocorreu antes do início da
pesquisa em campo, a pesquisadora optou por não registrar nenhuma entrevista, por
uma situação de tensão, responsável pelo furto a residência da acampada.
21. D. A.: é natural de Minas, mas se criou no interior de São Paulo, é filha da O.B. É
dirigente regional do MST em Campo do Meio – MG. Tem ensino médio completo, é
casada e tem dois filhos, uma menina e um menino. Reside atualmente no
acampamento Irmã Dorothy. Idade não foi informada, mas através da análise da
entrevista da O.B, sua idade varia dos 30 aos 35 anos. Tem uma horta, produzia arroz
orgânico, vivia de leite e queijo, plantava arroz e feijão. É dirigente regional do MST,
e conta com uma ajuda de custo de R$ 800,00 reais. É responsável pela organização
dos acampamentos e assentamentos. Seu marido coopera no cultivo, no roçado, no
cuidado com a casa, com as crianças e desempenha as tarefas de construções no
viveiro de mudas. Ambos participam ativamente do movimento (MST).
28
Levando em consideração os papéis sociais adotados por homens e mulheres, os quais
representam no espaço geográfico, há necessidade de compreender esses papéis, nos leva a
refletir, de acordo com Heller (2008), que quando se incorpora os papéis, os seres tendem a
degradar suas relações sociais, juntamente com o aparecimento de estereótipos, transformam
aquilo que seria elementos qualitativos do ser em sentidos apenas quantitativos,
empobrecendo sua essência. Esses papéis por questões sociais, culturais, econômicas e
políticas atribuíram as diferenças entre homens e mulheres.
Ao considerarmos o que foi dito anteriormente, surge a pergunta: qual é a produção do
espaço dessas mulheres, que desempenham papéis sociais em torno de uma estrutura
patriarcal, machista, latifundiária e de luta pela terra? Por esse e outros motivos, alguns
pesquisadores e pesquisadoras levam apenas em consideração o recorte de classe social, por
consequência dos estereótipos e dos papéis sociais estabelecem dificuldades de
(re)conhecimentos e intepretações, que são encobridas pela exterioridade, perguntam-se: qual
é a importância de se estudar as relações de gênero na geografia? É preciso compreender que
estamos cercados de uma alienação quando estabelecemos apenas uma visão universal.
Reconhecer o tipo de papel desempenhado por mulheres e homens em uma sociedade, é
também, uma forma de revelar suas desigualdades. É fundamental partir de uma investigação
que leve em consideração mulheres e homens, na constituição familiar, e na luta pela terra,
que circundam as relações de trabalho e família, para entender o papel da (re)produção social.
Como os pesquisadores explicam o aparecimento de um “novo” termo de violência contra as
mulheres, que também ocorre no campo, o chamado feminicídio4. Se para muitas dessas
mulheres que lutam e sobrevivem no campo a frase de Margarida Maria Alves5 se faz como
autoexplicativa “é melhor morrer na luta, do que morrer de fome”. Será que a ciência
geográfica, nada tem a nos dizer, sobre essas “raízes da terra”, ou é essas mulheres que tem
algo a dizer a ciência geográfica?
Se o campesinato que essas mulheres e homens constroem estão interligados com a
cidade, os quais trazem (re)produção de elementos da vida cotidiana urbana para o campo, os
casos de violência contra a mulher, violência sexual, ou problemas relacionados a drogas,
acompanham alguns indivíduos dentro dos assentamentos e acampamentos de reforma agrária.
O próprio MST se organiza em várias assembleias em busca de solucionar ou de alguma
medida paliativa, e acompanham mulheres e homens, que buscam se “aculturar” no campo.
4 Lei 13.104/2015, que altera o Código Penal (art. 121 do Decreto Lei nº 2.848/40). 5 Frase dita pela líder sindical Margarida Maria Alves, em discurso de comemoração pelo 1° de maio, em
Alagoa Grande – PB, no ano 1983.
29
O diferencial, é que no campo isso não vira “assunto de polícia”, mas é tratado como “um
problema, muitas vezes relacionado à saúde ou patologia social”, e é na construção coletiva
que se sugere possíveis resoluções de futuros problemas, sempre em busca de uma construção
coletiva, seja na luta pela terra ou na ajuda a alguma companheira ou companheiro de luta.
Foi relatado, que houve processos de “trairagem”, ou seja, alguns acampados ou assentados
“se venderam para os latifundiários”, e comprometeram a transparência do movimento e dos
seus trabalhadores. Mas, em momento algum, podemos afirmar que mesmo com as
dificuldades enfrentadas, precariedades, possibilidade de despejo, tentativas de homicídio, que
o melhor lugar seria o retorno para a cidade. Desafio ao leitor que vá até alguns desses
acampamentos e assentamentos e pergunte, se preferem deixar a terra e voltar para a cidade?
A terra é a joia mais desejável de um país, não se planta no asfalto, é através da terra que se
alimenta o latifundiário e o sem-terra.
30
3 O COTIDIANO COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE
O primeiro contado da pesquisadora com uma das representantes do MST foi realizado
por rede social, um mês antes do trabalho de campo desta pesquisa. Essa representante é
assentada no Nova Conquista II, é responsável pela organização do grupo das mulheres e faz
parte da coordenação o setor de produção. Foi realizada uma reunião no primeiro dia, com
algumas mulheres do coletivo, no Sindicato da Agricultura Familiar, localizado no município
de Campo do Meio – MG, no dia 30 de julho de 2018, para que fosse explicado o que iria
ocorrer durante os dias da pesquisa. Logo depois da conversa e da aceitação das mulheres
presentes na reunião, seguimos para a “Coloninha”, próxima ao assentamento Nova Conquista
II, onde a pesquisadora foi hospedada na casa de uma dessas mulheres, cujo dia a dia foi
acompanhado pela pesquisadora, entre o dia 30 e 31 de julho de 2018. É importante registrar,
que na quarta-feira, dia 01 de agosto de 2018, dia da reunião do Coletivo de Mulheres Raízes
da Terra, a pesquisadora se apresentou às demais mulheres do coletivo, o motivo pelo qual as
estaria acompanhando por 9 dias. Os registros das experiências e algumas anotações foram
realizados no diário da pesquisadora. Devido à dinâmica dos acampamentos e assentamentos,
estabelecer uma rotina de pesquisa não iria alcançar o objetivo proposto. As reuniões se
modificam, bem como as atividades das mulheres e seus prazos para o término delas, viagens
e imprevisto podem surgir, como relata uma das acampadas: “tá demorando é muito, começa
uma coisa hoje já mudou amanhã, amanhã né, hoje... ontem à noite mesmo tinha uma viagem
para gente ir. Então aí antes de ontem postaram que não ia mais, muda muito as coisas” (P.M,
2018). Foram realizadas anotações, elaborados cerca de 15 mapas mentais, 17 entrevistas
coletadas e a observação mais intensa de 6 mulheres, o que ocasionou as diferentes formas de
análises dos dados.
Os quadros elaborados servem para agrupar os dados coletados durante a pesquisa,
para identificar os principais tópicos. Trata-se de uma pesquisa participante (Estudo de
observador-participante), com elementos, também de um estudo de caso. Toda a construção
da pesquisa, desde da coleta dos dados até a captação do cotidiano fazem parte dos “[...]
ambientes da vida real pertencem às pessoas na vida real, não aos pesquisadores que
interferem nesses ambientes” (YIN, 2016, p.102). O método utilizado para a interpretação da
realidade dessas mulheres campesinas foi o método dialético, precisamente o materialismo
histórico dialético. De acordo Engels (1974), apud Gil (2008), existem três princípios
fundamentais dentro da análise do materialismo histórico dialético: a unidade dos opostos, no
qual os objetos apresentam questões contraditórias; Quantidade e qualidade, inseridos nas
características de todos os objetos, em um processo gradual é possível que as mudanças
31
quantitativas possam gerar mudanças qualitativas; a negação da negação, para que se possa
avançar, nega-se a mudança e o resultado, sem retornar ao que já foi. Sendo dialético, a
(re)produção das relações sociais devem ser compreendidas para além do trabalho do roçado,
ou seja, a análise deve ir no sentido dos outros momentos da vida social no campo, porque
ambos se complementam.
A dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da
realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando
considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas,
culturais etc. Por outro lado, como a dialética privilegia as mudanças qualitativas,
opõe-se naturalmente a qualquer modo de pensar em que se a ordem quantitativa se
torne norma (GIL, 2008, p.14).
A metodologia utilizada no trabalho compreendeu que não basta apenas coletar a
produtividade das áreas cultivadas, e quais eram os trabalhos realizados pelas acampadas e
assentadas. Foi necessário ir até a subjetividade, ao ambiente privado, para captar as suas
relações dentro da vida cotidiana, o que não foi fácil, tendo em vista a realidade urbana da
pesquisadora.
Nesse método, a relação entre o sujeito e o objeto se dá de forma contraditória não
ocorrendo a “soberania” de nenhum deles, o que pode ser representada da seguinte
forma:
Sujeito Objeto
No método dialético o sujeito se constrói e se transforma vis-à-vis o objeto e vice-
versa. Nesse caso, teremos as antíteses e as teses em constante contradição e
movimento (SPOSITO, 2003, p.46).
O objetivo não é apenas descrever as relações observadas, mas apresentar algumas
considerações. Um dos métodos utilizado foi o observacional, ou seja, priorizando a
observação do cotidiano, e as atividades das mulheres, sobre o que acontece ou o que
aconteceu. É através da observação do cotidiano que a pesquisa acontece. Porque estudar as
relações de gênero na vida cotidiana, é estabelecer a proposição de uma mudança total na vida,
os projetos que se estabelecem como revolucionário devem incluir, abarcar a vida por inteiro,
e nessa perspectiva que a vida cotidiana campesina não deve ser desconsiderada. É no
público-privado que a vida cotidiana vai tomando forma, e no campo isso não é diferente, do
que ocorre na cidade. O cotidiano atinge todos os níveis da (re)produção social. Sendo assim,
é preciso transcender a esfera do público, e alcançar a esfera do privado, pois ambos reforçam
e (re)produzem as relações socioespaciais, e é nesse momento que o estudo pela vida
cotidiana surge.
32
O estudo da vida cotidiana oferece um ponto de encontro para as ciências parcelares
e alguma coisa mais. Mostra o lugar dos conflitos entre o racional e o irracional na
nossa sociedade e na nossa época. Determina assim o lugar em que se formulam os
problemas concretos da produção em sentido amplo: a maneira como é produzida a
existência social dos seres humanos, com as transições de escassez para a
abundância e do precioso para a depreciação (LEFEBVRE, 1991, p.30).
O espaço é um elemento chave para compreender a (re)produção das relações de
produção, e o estabelecimento de papéis sociais, por esse motivo as relações de gênero estão
incorporadas ao conceito de espaço, o qual apresenta ferramentas profundas de análise sobre
as relações de gênero nos acampamentos e assentamentos. Se o espaço é produzido através do
trabalho de mulheres e homens, seus conflitos e suas conquistas estão interligadas. O
momento da vida que interliga e rompe, em um processo dialético, o qual podemos considerar
nessa pesquisa como essencial, é a vida cotidiana. É no cotidiano que as lógicas de um
sistema patriarcal, vão se concretizar. É no espaço geográfico que existe a mediação, ou seja,
o espaço é produto e também produtor das relações, que envolvem os indivíduos e as suas
diferentes escalas geográficas. Nessa pesquisa trata-se de um recorte local, utilizando dados
primários (coleta de dados em campo) e secundários.
A realidade ordinária, cotidiana, que nasce no lugar e o constitui, feita de fatos e
situações, que mantém a vida, pode e é o que torna a cotidianidade de um tema a se
examinar, compreendendo “o extraordinário no ordinário”, o “sentido do
insignificante (DAMIANI, 1999, p.164).
O espaço é, então, um produto social, que quando optamos por observar a sua natureza
modificada, identificamos os efeitos da sociedade. A “natureza”, de acordo com Lefebvre
(2006), é modificada e produzida pelos seres humanos, e é assim, apresentada na vida social.
Sendo assim, as lógicas dos papéis socias, são construídas, não somente pela cultura, que
determina como será esses papéis, mas pelos próprios seres humanos. Ao passo que
consideramos que a produção – produtor traz as marcas dos processos ideológicos, mesmo
que a metafísica não seja expressa pelos produtos, ela o é através das ações, e de como a
sociedade atual vai formular as suas questões a respeito de determinados temas. Frase
dogmática e vaga, que restringem a produção do espaço apenas: “[...] a produção engloba a
reprodução biológica, econômica, social, sem outra precisão” (LEFEBVRE, 2006, p. 107).
A natureza, em si, não produz relações socias, a não ser os seus próprios elementos, mas a
interação entre mulheres, homens, produz o espaço, e em direção à pesquisa, as relações de
gênero; e se aprofundarmos a análise chegaremos as questões como identidades de gênero,
orientações sexuais, e as diversidades dentro dos gêneros. O que vai definir a produção do
33
espaço, nas relações de gênero no campo, é a temporalidade e a espacialidade que vão
conformando, as sucessões, sincronizações, que são estabelecidas por mulheres e homens.
Ao contrário do que se pensa, que “[...] se há um sistema, é preciso descobri-lo e
mostrá-lo, ao invés de partir dele” (LEFEBVRE, 2016, p.39), concordamos com Lefebvre
(2016), que essa leitura dissimularia processos, no qual considera que as lógicas já estão
estabelecidas. É por isso, que se partimos da realidade, para se aproximar das relações de
gênero, é necessário chegar até ela. É preciso, ao contrário, mostrar sua função nesta
perspectiva (prática e estratégica) (LEFEBVRE, 2016, p.39). Não partiremos apenas da
totalidade para se aproximar das relações de gênero. São dois os espaços que se constituem os
papéis e as relações de gênero na vida cotidiana das mulheres campesinas: o espaço mental
(percebido, concebido, representado), que nesse momento, ultrapassa a restrição de um
recorte apenas de classes; e o espaço social (construído, produzido e projetado) no campo,
vivenciado por constantes lutas, que combatem a estrutura agrária brasileira, fundamentada
na concentração de terra e nos latifúndios.
O método regressivo-progressivo, com base em Lefebvre (2006), adotado sutilmente
nesta pesquisa, numa lógica dialética, leva em consideração esses diferentes espaços como
fundamentais e formuladores na produção do espaço. Queremos dizer aqui, que o método
regressivo-progressivo, compreendendo o que acontece atualmente, em sentidos econômicos,
técnicos e científicos, tenta demostrar os efeitos e ameaças que os sujeitos e a própria natureza
podem sofrer, ora construtivas, ora destrutivas. Os conceitos então tomam forma, como ainda
conformam o passado-presente. Os historiadores, provavelmente se apegariam ao passado ou
presente (a história), aqui, a geografia vai detectar através dos elementos do espaço, a sua
produção e o seu cotidiano. É através dos vestígios do cotidiano, e do espaço campesino que a
pesquisa tenta captar as relações de gênero. Não basta, somente, levar em consideração a
(re)produção dos meios de produção, é necessário observar e considerar o cotidiano. A vida
cotidiana é uma repetição e inovação constante.
Quais são, porém, perguntou eu, os momentos cotidianos da vida? Onde? No
público e no privado. Em casa, mas também na rua e no local de trabalho: nos
lugares em que o homem está desencontrado em relação a si mesmo. Na casa, sim,
mas na intimidade, não. Não nos momentos do desejo e da festa. A vinculação entre
vida privada e vida cotidiana vem do equívoco de confundir num novo objeto,
composto e confuso, o que é residual na historiografia tradicional: a longa duração,
o que marca tempos épocas. O cotidiano tende a ser confundido com o banal, com o
indefinido, com o que não tem qualidade própria, que não se define a si mesmo
como momento histórico qualitativamente único e diferente (MARTINS, 2012, p.88
- 89).
34
O cotidiano gera a cotidianidade, realidade parcial da vida dessas mulheres
campesinas. A vida cotidiana começa a se conformar de acordo com Martins (2012), quando
começamos a agir de forma repetitiva, através de atos e gestos, estabelecendo uma rotina com
procedimentos, que ora não pertence e nem está sob o nosso domínio, que enquanto vivido
vai em direção a um sistema alienado, é nesse momento que a imaginação, esperança, o
mistério das ações passa despercebida, se concretiza no imediatismo, mas os vários tempos
vividos e as contradições nos trazem elementos para escapar, através da consciência. Nesse
sentido, foi necessário ampliar a visão sobre o cotidiano, para compreender a cotidianidade
que penetra a vida, para assim, defini-la, sob a ótica da observação. Durante a pesquisa, foram
delimitados alguns recortes, que serviram para uma posterior análise, as mulheres foram
separadas nas seguintes classificações: do total de 22 mulheres participantes desta pesquisa,
foram realizadas entrevistas com 17, não foram coletadas 5 entrevistas; houve registro
fotográfico de 4 mulheres, as quais foram acompanhadas. Procurou-se relacionar, as
entrevistas realizadas, com os mapas mentais e com as fotografias, levando em consideração,
o conjunto daquilo que foi coletado de cada participante (mapa mental, entrevista, fotografia
ou anotações). Devido a alguns acontecimentos, principalmente de ataques ao assentamento
Nova Conquista II e aos acampamentos 6. A pesquisa teve que ser dinâmica, a qual foi se
ajustando à realidade das acampadas e assentadas, através dos dias. O modelo de seleção dos
dados foi baseado em “dados macios”, que de acordo com Olsen (2015), são organizados
sequencialmente por um delicado ato de equilíbrio de três elementos: a entrevista, a
entrevistadora e a entrevistada. À pesquisa de campo que foi fundamental para definir a
quantidade das entrevistas, pois houve uma saturação das repostas das entrevistadas. As
entrevistas foram realizadas durante as atividades do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra,
que não contou com a presença dos companheiros das mulheres. E quando foi realizado com a
acampada D.A, o seu marido não permaneceu na cozinha e não interferiu nas repostas.
Essa pesquisa não tem objetivo de transformar a análise das relações de gênero nos
assentamentos e acampamentos em um recorte filosófico, ou melhor, somente epistemológico
sobre a produção do espaço geográfico e nem em um “economismo”, baseado no
materialismo histórico dialético, pois procura avançar nas análises, ou seja, como o espaço é
produzido por essas mulheres, para além da produção ou e do trabalho, como essas mulheres
criam e recriam seu tempo e seu espaço. O que será chamado aqui de produção de relações
sociais, e como isso é (re)produzido, vai em direção ao sentido do avanço sobre a questão de
6 Tentativa de despejo nos acampamentos; e os incêndios e roubos nas propriedades das acampadas e assentadas.
35
uma simples reprodução biológica, por isso que foi utilizado o termo relações de gênero, que
vai além do sexo. A produção do espaço deve ser compreendida através das relações de
gênero, e o cotidiano é uma possibilidade de análise, e foi através dele que identificamos o
quanto de elementos urbanos tem o cotidiano das mulheres campesinas. As mulheres que
(re)produzem aspectos do cotidiano urbano, que é fragmentado, regido por um tempo
estabelecido, com trabalho relacionado a falta de liberdade e autonomia; o trabalho no campo
difere no quesito de liberdade e autonomia, quando é a própria assentada que cuida do seu lote,
“[...]o complexo emaranhado de interpretações sobre a vida rural e urbana é fruto da
variedade de migrações e consequentes mudanças de ocupação por que passaram” (TURATTI,
2005 p.74).
Por que escolhemos o cotidiano como ferramenta de análise? Para Marx (2006, p.16),
é mais fácil estudar organismo, como um todo, do que suas células, não podemos usar nessas
condições, para captar as relações de gênero nos acampamentos e assentamentos do município
de Campo do Meio -MG, nenhum microscópio e/ou reagente químico, teremos que nos ater a
capacidade da abstração e a observação das relações sociais para substituir esses meios. A
célula do patriarcado, do trabalho não valorizado, das violências e das desigualdades entre
mulheres e homens no meio rural, é captada através das relações de gênero, resultado das
relações do cotidiano, e da cotidianidade de mulheres e homens, constituindo, assim, o
organismo.
A preocupação da corrente neomarxista com a interrelação entre micro e contexto
global permite a abordagem do cotidiano, dos papéis informais e das mediações
sociais – elementos fundamentais na apreensão das vivências desses grupos, de suas
formas de luta e de resistência. Ignorados, num enfoque marcado pelo caráter
totalizante, tornam-se perceptíveis numa análise que capte o significado de sutilezas,
possibilitando o desvendamento de processos, de outra forma, invisíveis (SOIHET,
2013, p. 36).
Para observar o cotidiano foi necessário adentrar as casas e os barracos, dessas
mulheres. Indiscreto, o habitat confessa sem disfarce o nível de renda e as ambições sociais de
seus ocupantes (CERTEAU, 2008, p.204). Por cada casa de alvenaria e barraco com algumas
partes cobertas por lonas, a pesquisadora captou, diversas situações de modo de vida. O
espaço que abriga o habitat dessas mulheres, em alguns acampamentos são as casas de
alvenaria e os barracos, feitos de madeira, que ora se misturam com telhas e remendos, ora
com tijolos e lonas plásticas. Alguns lugares que a pesquisadora, se hospedou, eram casas de
alvenaria, com cimento na parede, sem todos os acabamentos, onde muitas vezes a luz do sol
passava pelas frestas dos tijolos, as fiações elétricas estavam penduradas, mas em perfeitas
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condições de uso. Os barracos que se misturam, entre a alvenaria e o barraco de lona, davam
uma impressão de transição, ou seja, do barraco para a alvenaria. A precariedade do barraco,
que chega a se aproximar das divisões dos cômodos de uma casa de alvenaria, com suas
paredes remendadas com pedaços de madeira. Mesmo com precariedades, falta de segurança,
das suas casas de alvenarias ou barracos, o particular, ali, já tinha sido incorporado, e as
mulheres estavam presentes, fortemente, principalmente as assentadas, nos espaços
domésticos.
O território onde se desdobram e se repetem dia a dia os gestos elementares das
“artes de fazer” é antes de tudo o espaço doméstico, a casa da gente. De tudo se faz
para não “retira-se” dela, porque é o lugar “em que a gente se sente em paz”. “Entra-
se em casa”, no lugar próprio que, por definição, não poderia ser lugar de outrem.
(CERTEAU, 2008, p. 203).
A pesquisa de campo foi realizada durante 9 dias - de 30 de julho a 08 de agosto de
2018 - entre o assentamento Nova Conquista II e os acampamentos do Quilombo Campo
Grande e, após seu término, as mulheres foram acompanhadas nas redes sociais,
principalmente no grupo de WhatsApp criado pela pesquisadora, que resultou no contato mais
intensivo com o MST e do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra, responsável pelo subtópico
de um dos capítulos intitulado “do habitat à luta e da luta ao habitat”.
Devido à falta de transporte e a distância, não foi possível ir até o assentamento
Primeiro do Sul, embora também tenham sido realizadas entrevistas com as mulheres
assentadas de lá. A maioria das entrevistas foi realizada nas quartas-feiras durante a reunião
do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra. A pesquisadora buscou estar presente em
momentos formais e informais; esteve presente no Sindicato da Agricultura Familiar,
localizado no município de Campo do Meio – MG, no qual, concentra as atividades da
Cooperativa Camponesa e Guaí. Como foi muito difícil estabelecer uma rotina de campo, a
pesquisadora buscou ajudar e participar das atividades das mulheres durante a manhã,
ajudando até mesmo na horta e na organização do espaço onde o Coletivo de Mulheres Raízes
da Terra se encontra toda quarta-feira; a pesquisadora contribuiu com sua participação, no
segundo dia em campo, semeando mais de 100 sementes de tomate. As entrevistas com
algumas das mulheres acompanhadas aconteciam no período da manhã, durante o café, ou no
final da noite. No último dia da pesquisa foram realizadas as atividades de colheita de
camomila no período da manhã, e no período da tarde uma reunião, bate-papo, proposto pela
pesquisadora (o qual foi chamado de compartilhando saberes), com questões centrais como:
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relações de gênero, produção do espaço pela mulher, feminismo, campesinato, violência,
trabalho e outros temas que surgiram durante as discussões (figura 05).
Figura 05 – Compartilhando Saberes com as acampadas e assentadas - Campo do
Meio-MG
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2018.
Os principais meios de transportes usadas pelas acampadas e assentadas são bicicletas
e alguns carros que já estão muito degradados, e as caronas, principalmente no deslocamento
até a sede do município. Esses também foram utilizados pela pesquisadora, apesar de a
maioria dos trajetos terem sido feitos a pé. O viveiro de mudas, que é o local onde acontece as
reuniões do MST e das mulheres, acaba sendo um dos pontos principais dos encontros e
reuniões, além do barracão da Rosa Luxemburgo que ocorre as festas, encontros, as reuniões
dos setores, assembleias do assentamento Nova Conquista II e dos acampamentos. A Escola
do Campo Eduardo Galeano é destinada apenas as atividades do setor de educação.
Além de ter visitado alguns lares dessas mulheres, foi observado o comportamento
familiar. “O fascínio da pesquisa qualitativa é que ela permite a realização de estudos
aprofundados sobre uma ampla variedade de tópicos, incluindo seus favoritos, em termos
simples e cotidianos” (YIN, 2016, p.6). Para a observação da vida cotidiana, foi
extremamente importante utilizar a pesquisa qualitativa.
Em vez de tentar chegar a uma definição singular de pesquisa qualitativa, você pode
considerar cinco características, listadas abaixo e em seguida discutidas
individualmente:
1. estudar o significado da vida das pessoas, nas condições da vida real;
2. representar as opiniões e perspectivas das pessoas (rotuladas neste livro como os
participantes) de um estudo;
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3. abranger as condições contextuais em que as pessoas vivem;
4. contribuir com revelações sobre conceitos existentes ou emergentes que podem
ajudar a explicar o comportamento social humano; e
5. esforça-se por usar múltiplas fontes de evidências em vez de se basear em uma
única fonte (YIN, 2016, p.7).
Cada mulher observada apresenta múltiplas realidades, diferenciados em idade, estado
civil, trabalho na terra, se é ou não de origem campesina, e a própria cotidianidade. As
diferentes vozes que fizeram parte da pesquisa, foram fundamentais para complementar o
trabalho, e ajudar na tentativa de compreender as relações de gênero, e qual seria a localização
epistemológica da geografia dentro das relações de gênero. Podemos considerar que a rotina
de campo foi mais informal, tendo em vista a dinâmica do cotidiano dessas mulheres. De
acordo com as observações durante os dias, foi captado o melhor momento de oportunidades
de realizar as entrevistas.
3.1 A (re)produção do cotidiano das mulheres: O que elas têm a nos dizer?
A vida cotidiana é heterogênea e hierárquica, mas não são estabelecidas eternamente e
não são imutáveis, pois se conforma de acordo com as diversas estruturas sociais. O que está
ocupando o centro da cotidianidade no campo nos dias de hoje? Os espaços privados e
domésticos acabam revelando as funções diárias estabelecidas na vida cotidiana dessas
mulheres. Mesmo tendo filhos ou não, acordam sempre muito cedo, e vão dormir, quase
sempre, muito tarde, cuidam da janta e da casa, e ainda relembram as atividades que deverão
ser desenvolvidas no dia seguinte; como é o caso de três mulheres entrevistadas, que estão
envolvidas em praticamente todas as atividades do MST. O particular, então, começa a se
desvelar, ao se aproximar das mulheres que foram acompanhadas, ainda assim foi captado um
cotidiano, considerado como “normal”, ou seja, se não tem atividade do movimento ou algum
evento, os dias seguem, “quase sempre do mesmo jeito”.
A heterogeneidade e a ordem hierárquica (que é condição de organicidade) da vida
cotidiana coincidem no sentido de possibilitar uma explicitação “normal” da
produção e da reprodução, não apenas no “campo da produção” em sentido estrito,
mas também no que se refere às formas de intercâmbio. A heterogeneidade é
imprescindível para conseguir essa “explicação normal” da cotidianidade; e esse
funcionamento rotineiro da hierarquia espontânea é igualmente necessário para que
as esferas heterogêneas se mantenham em movimento simultâneo (HELLER, 2008,
p.32).
O que essas mulheres estão tentando nos dizer é que, mesmo com os avanços na
participação no movimento, em algum momento vão se deparar com as relações de gênero.
Principalmente, se essas mulheres tiverem companheiros e/ou filhos, “[...] a combinação de
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atividades produtivas e reprodutivas levada por longas horas pelas mulheres rurais, faz com
que elas sejam provavelmente as pessoas mais ocupadas do mundo” (FAO, 1993, não
paginado). Vamos examinar a parte da entrevista7 realizada com a D.A, que confirmará a
hipótese:
Eu acordo 5h30, esse ano tá sendo um pouquinho diferente porque minhas crianças
estão estudando depois do almoço. Mas eu sempre levantei 5h00 da manhã, levanto
faço café, meu marido contribuí bastante, quando eu não faço ele faz, e levanto faço
café, dou café pras crianças né, trato das criação, e saío. Saio, porque a gente tem um
calendário, durante o mês durante a semana do que que é, aí eu olho na minha
agenda, tem compromisso levanto de manhã vou fazer, se eu não tenho tem
semana que eu tô mais folgada, aí eu fico em casa, aí eu cuidar da minha vida, vou
cuidar de criança, lavar roupa, às vezes eu largo tanquinho batendo vou para uma
reunião, na hora que eu chego aí eu torço ponho no varal, aí depois do almoço tem
outra reunião ou alguma palestra, aí eu saio, largo o tanquinho batendo de novo, aí
chego de tardezinha, torço a roupa, às vezes não dá tempo de colocar no varal aí eu
largo torcida no tanque, no outro dia de manhã eu estendo. [...] Meu horário
padronizado mais ou menos que eu chego aqui é sempre 6 horas! Agora essa semana
eu cheguei aqui em casa 22h00 da noite (D.A, agosto de 2018).
Por que acompanhar o cotidiano dessas mulheres? Porque consideramos que o
particular é a base reveladora do cotidiano, “[...] o particular não é nem o sentimento nem a
paixão, mas sim seu modo de manifestar-se, referido ao eu e colocação a serviço da satisfação
das necessidades e da teologia do indivíduo” (HELLER, 2008, p.36). Foi dentro de suas casas
ou barracos, e na recepção do Coletivo de Mulheres Raízes da Terra, que foram retiradas as
pequenas informações, consideradas para muitos pesquisadores desimportantes, mas, o que a
vida cotidiana de mulheres acampadas e assentadas tem a nos dizer sobre as relações de
gênero? Nos deparamos então com mais um questionamento, se os acampamentos são
espaços transitórios, os seus espaços comportam o cotidiano?
Há uma demografia das coisas, que mede o seu número e a duração da existência,
assim como uma demografia dos animais e das pessoas. No entanto, essas pessoas
nascem, vivem e morrem. Vivem bem ou mal. É no cotidiano que eles ganham ou
deixam de ganhar a vida, num duplo sentido: não sobreviver ou sobreviver, apenas
sobreviver ou viver plenamente. É no cotidiano que se tem prazer ou se sofre. Aqui
e agora (LEFEBVRE, 1991, p.27).
Foi observado elementos cotidianos, ao acompanhar as mulheres acampadas, quando
relatam suas histórias dentro dos acampamentos, muitas delas residem há mais de 10 anos,
aguardando a possibilidade de terem o direito à terra. Podemos afirmar que tanto o cotidiano
das mulheres acampadas, como as assentadas, são expressões da riqueza reveladora escondida
no cotidiano, a resistência, que chega a impressionar, pela luta e a espera do direito à terra. O
7 As transcrições das entrevistas preservaram o modo de falar das entrevistadas, não houve modificações nas
transcrições.
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que tem por trás deste cotidiano? O que existe na interminável complexidade da vida
cotidiana, que para muitos parece oculta e misteriosa, mas para a pesquisadora foi admirável,
foi a revelação que em alguns momentos, os sistemas fogem das lógicas. Se existe aspectos de
sua individualidade, e de sua personalidade, a vida cotidiana vai incorporar nos sujeitos suas
assimilações inseridas na cotidianidade. Quando essas mulheres e homens assumiram papéis
sociais, assimilaram as relações sociais. Foi possível identificar que as mulheres conseguiram
apreender os elementos da cotidianidade, mesmo as que não tiveram infância no campo e/ou
se mudaram por ser a única alternativa de sobrevivência.
A questão que estamos tentando chegar, é que a espontaneidade como tendência da
vida cotidiana abriu um leque de observações singulares para a pesquisadora. Devemos
considerar que o que é tido como “normal” presente em uma vida cotidiana, já está inserido
em um processo de alienação. Em busca de captar as espontaneidades, e fugir das alienações,
relacionamos o que parece, para muitos algo distante. Algumas análises ou pesquisadores
poderiam supor: é uma questão de sorte a captação das imagens, que estabelecem a relação
com os mapas mentais e com as entrevistas. Poderíamos considerar uma questão de sorte, ou
de manipulação dos dados se fosse a pesquisadora tentando “falar”, mas pelo contrário, são as
mulheres acampadas e assentadas que estão nos dirigindo suas falas e detalhes do cotidiano.
Foi uma questão de técnica, de percepção e de arriscar no cotidiano como recorte.
As grandes ações não cotidianas que são contadas nos livros de história partem da
vida cotidiana e a ela retornam. Toda grande façanha histórica concreta torna-se
particular e histórica precisamente graças a seu posterior efeito na cotidianidade. O
que assimila a cotidianidade de sua época assimila também, com isso, o passado da
humanidade, embora tal assimilação possa não ser consciente, mas apenas “em si”
(HELLER, 2008, p.34).
Alguns detalhes cotidianos serão apresentados por meio de algumas ferramentas
utilizadas em campo. A primeira foi a elaboração do mapa mental, no último dia da pesquisa,
conforme salientado anteriormente, no qual foi solicitado que as mulheres colocassem no
papel suas representações da casa, destacando o que consideravam mais importante, e/ou do
seu roçado (percurso casa-roçado). Depois da discussão foi solicitado que fizessem como “se
fosse um mapa”, sem preocupação com a perfeição dos elementos do desenho, que apenas
desenhassem aquilo que estava na memória. Os mapas mentais são representações construídas
através da percepção dos lugares, partindo da realidade vivida. Para compreensão da produção
do espaço das mulheres através dos mapas mentais, é necessário entendermos que a Geografia,
“[...] antes de formular a caracterização da área, deve procurar investigar e interpretar os
saberes que cada um traz e que foi adquirido durante a relação de vida com aquele lugar”
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(NOGUEIRA, 2013, p.129). Lynch (2011) explica que há diversas maneiras de manifestação
da coerência da imagem. No objeto real, pode haver pouca coisa ordenada ou digna de nota,
mas ainda assim a sua imagem mental terá adquirido identidade e organização através de uma
longa familiaridade com ele”. (LYNCH, 2011, p. 7). Para esse autor, as “imagens públicas”
são imagens mentais comuns, “[...] áreas consensuais que se pode esperar surjam da interação
de uma única realidade fí