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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GIOVANNA LOBIANCO SILVEIRA
BERÇÁRIO COMO LUGAR: SIGNIFICAÇÕES SEGUNDO PROFISSIONAIS DE
EDUCAÇÃO INFANTIL DAS UNIDADES DE ATENDIMENTO À CRIANÇA DE ATÉ TRÊS
ANOS NO MUNICÍPIO DE CUIABÁ
CUIABÁ/MT
2013
1
GIOVANNA LOBIANCO SILVEIRA
BERÇÁRIO COMO LUGAR: SIGNIFICAÇÕES SEGUNDO PROFISSIONAIS DE
EDUCAÇÃO INFANTIL DAS UNIDADES DE ATENDIMENTO À CRIANÇA DE ATÉ TRÊS
ANOS NO MUNICÍPIO DE CUIABÁ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como
requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação na
Área de Concentração: Educação, Linha de Pesquisa: Cultura,
Memória e Teorias em Educação.
PROFESSORA DOUTORA DANIELA B. S. FREIRE ANDRADE
ORIENTADORA
CUIABÁ/MT
2013
2
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GRADUAÇÃO
Av. Fernando Corrêa da Costa, 2367 – Boa Esperança – Cep:78060900 – CUIABÁ/MT
Tel.: 3615-8431/ 3615-8429 - Email: [email protected]
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO: “Berçário como lugar: significações segundo profissionais de Educação
Infantil das unidades de atendimento à criança de até três anos no município de Cuiabá”
AUTOR: Mestranda Giovanna Lobianco Silveira
Dissertação defendida e aprovada em 16/03/2013
Composição da Banca Examinadora:
___________________________________________________________________________
Presidente Banca/ Orientadora Doutora Daniela Barros da Silva Freire Andrade
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinadora Interna Doutora Rute Cristina Domingos da Palma
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinadora Externa Doutora Lenira Haddad
Instituição: UFAL
Examinadora Suplente Doutora Ozerina Victor de Oliveira
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CUIABÁ, 16/03/2013
3
Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus
seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul
E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
e tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com muitas borboletas.”
Manoel de Barros
4
DEDICATÓRIA
Ao meu pai Pedro Lobianco, por sempre acreditar em mim, e confiar
nas minhas escolhas;
Ao meu esposo Roberto Silveira, pelo apoio incondicional, pela
compreensão e paciência nas horas difíceis;
Às minhas filhas queridas Bárbara e Gabriela, por compreender os
momentos de ausência, pelo apoio e pela torcida constantes.
5
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Professora Doutora Daniela Barros da Silva Freire Andrade, por
acreditar na minha capacidade, por me orientar, não somente nas questões referentes ao meu
estudo, mas em tantas outras situações; por estar presente em todos os momentos, desde a
graduação, proporcionando minha formação integral.
À Professora Doutora Lenira Haddad por aceitar fazer parte da Banca Examinadora
deste trabalho, contribuindo com valiosas reflexões.
Às Professoras Doutoras Rute Cristina Domingos da Palma e Ozerina Vitor de
Oliveira, por aceitarem fazer parte da Banca Examinadora deste trabalho, e também por
contribuírem significativamente na minha formação durante a graduação, mostrando os
caminhos que eu queria trilhar.
Às minhas Professoras de Graduação Marlene Gonçalves, Solange Tomé Gonçalves
Dias e Sumaya Persona de Carvalho, por serem as primeiras a acreditarem em mim durante
minha trajetória acadêmica.
Ao Professor Doutor Carlo Ralph de Musis, pelas valiosas contribuições estatísticas.
À Professora Doutora Tânia Beraldo, por enriquecer as discussões durante as aulas das
disciplinas do curso de mestrado.
Ao meu amado esposo Roberto Silveira, por tanta paciência, carinho e por
compreender meus momentos de ansiedade; por estar sempre ao meu lado e por me ajudar a
manter minha cabeça no lugar.
Às minhas queridas filhas Bárbara e Gabriela, pela torcida, pelo amor, pela
compreensão nos momentos de ausência.
Ao meu pai querido Pedro Lobianco, que torce por mim e se orgulha de tudo o que
faço, me motivando a querer sempre ir em frente.
À minha querida tia Ligia Paiva, que me ensinou a nunca perder a fé, por maior que
seja a adversidade.
A todos os Gppinianos, que por algum momento partilharam comigo experiências,
alegrias, tristezas, estudos, poesias... Que me ensinaram que a família vai além dos laços de
sangue.
À Mona Lisa Resende Carrijo, pela extraordinária companhia nesses dois anos, por me
ensinar tanto e partilhar comigo momentos tão intensos, por sua amizade tão querida, que
quero ter para sempre.
6
À Iury Lara Alves, pela parceria afinada no campo e no estudo, pelas trocas tão ricas,
por todo o companheirismo e amizade.
À Eliza Moura Pereira da Silva, por sua amizade, carinho e respeito mútuos. Por
proporcionar momentos inesquecíveis, sempre.
À Camila Ferreira, pelos momentos de descontração, pelo carinho e amizade.
Às amigas Érica, Naiara e Carla, pelas valiosas contribuições sobre softwares,
evocações, conselhos.
Às amigas de graduação Suelene Rezende, Danúbia Rodrigues e Nayara Menezes,
pelo entusiasmo que alimentou meu interesse pela Educação Infantil.
Às amigas Francinalda Pereira da Silva e Lara Laux, que mesmo longe, sempre
estiveram presentes, torcendo por mim.
Aos queridos amigos Karina Rei e Leonardo Salgado, que no reencontro mesmo
longe, me deram tanta alegria, combustível precioso nos momentos de desânimo.
À equipe da Secretaria Municipal de Educação, que contribuiu na viabilização deste
trabalho.
Às profissionais de Educação Infantil dos berçários das creches de Cuiabá, que
aceitaram pacientemente em fazer parte desse estudo.
Aos bebês dos berçários das creches de Cuiabá, que tornaram a minha pesquisa tão
prazerosa.
À FAPEMAT, pelo financiamento da Bolsa que tornou possível este estudo.
Aos Funcionários da Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFMT: Luísa, Marisa e Delma, por todo auxílio e orientação.
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RESUMO
O presente estudo de mestrado do tipo etnográfico busca identificar as significações
compartilhadas por um grupo de profissionais de Educação Infantil que atuam nas creches da
rede municipal de ensino acerca do berçário como lugar de trabalho. O estudo deste objeto de
representação é tomado como indicador para se pensar a identidade profissional destes
profissionais, sobretudo aqueles que trabalham com bebês. Neste contexto entende-se
identidade profissional construída social e historicamente, e deste modo considera-se que o
profissional de Educação Infantil é um ator recente na história da profissão docente.
Originalmente concebida como um lugar de guarda, a creche por sua vez, foi durante séculos
destinada a acolher crianças de famílias pobres. Atualmente, essa instituição compõe a
primeira etapa da educação básica brasileira. Desse modo, compreender as significações que
orientam a formação identitária desse profissional que se constitui em um espaço que traz em
sua história uma concepção assistencialista, justifica a relevância deste trabalho. O aporte
teórico que orienta esse estudo é a Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 1978,
JODELET, 2001), seu diálogo com os estudos sobre espaço (JODELET, 1982; TUAN, 1980;
ROSSETI-FERREIRA, 2009; CAMPOS-DE-CARVALHO, 2003, 2008), identidade
(DESCHAMPS & MOLINER, 2003) bem como estudos sobre Educação Infantil (HADDAD,
2009, CERISARA, 2002) e identidade docente (SARMENTO 1994, TARDIF, 2002). O
estudo divide-se em estudo I e estudo 2. Os procedimentos metodológicos referentes ao
primeiro estudo são associação livre de palavras e entrevista semiestruturada. O segundo
estudo, realizado em uma das oito creches que possuem berçário, teve como procedimentos
metodológicos a observação participante e entrevista semiestruturada. Os dados coletados da
técnica de associação livre de palavras foram processados pelo programa Programmes
Permettant l’Analyse des Evocations (EVOC) e os resultados submetidos à análise orientada
pela Teoria do Núcleo Central (ABRIC, 1998). As entrevistas semiestruturadas foram
processadas pelo Analyse Lexicale par Contexte d´um Esemble de Segments de Texte
(ALCESTE), bem como análise de conteúdo. O grupo pesquisado é composto por 35 das 70
profissionais que ocupam o cargo de TDI – técnico do desenvolvimento infantil - que
trabalham nos oito berçários da rede municipal de Cuiabá-MT. Na amostra, todos os sujeitos
são do sexo feminino, e apresentam formação profissional variada. Os resultados demonstram
que as representações sociais do grupo estudado objetivam o berçário como lugar de guarda e
proteção, remetendo a sua concepção historicamente construída. Quanto ao profissional de
Educação Infantil, os significados partilhados pelo grupo ancoram-se mais fortemente à
imagem de uma segunda-mãe, que apresenta características atribuídas a uma babá
competente. A imagem de uma professora de bebês surge na figura da educadora, anunciando
a presença de novos significados atribuídos a esse profissional. É possível dizer que o
profissional de Educação Infantil se constitui na tensão entre os significados anunciados nos
centros de formação profissional e os que circulam na sociedade, legitimado pelas
incongruências entre os documentos oficiais e as reais condições de trabalho a que se
submetem tais profissionais.
Palavras-chave: Educação Infantil. Profissão Docente. Representações Sociais.
8
ABSTRACT
The current ethnographic like dissertation work aims to identify the shared significations of a
group of early childhood development technicians working at the municipality daycare
centers towards their understanding of the nursery as a workplace. This subject is taken as an
indicator to provide access to these professionals’ identities particularly those that work with
babies. In this context, the professional identity is build by social and historical events, thus
considering the early childhood professional as a recent actor in the history of the teaching
careers. Originally conceived as a caregiver place the daycare centers were destined for
centuries to receive children from the poorest families. Currently this Institution represents the
first stage of the basic educational process in Brazil. This way, this work is justified by the
importance of understanding the processes that structure the identity of these professional
particularly in a workspace that is very much attached to an assistentialist past. This work is
mainly based in the Social Representation Theory (MOSCOVICI, 1978, JODELET, 2001), its
dialogue with space related studies (JODELET, 1982; TUAN, 1980; ROSSETI-FERREIRA,
2009; CAMPOS-DE-CARVALHO, 2003, 2008), identity (DESCHAMPS & MOLINER,
2003) as well as studies about childhood education (HADDAD, 2009, CERISARA, 2002) and
teacher´s identity (SARMENTO 1994, TARDIF, 2002). This study is presented in two
sections. The methodological procedures related to the first section are free word association
and semi-structured interviews. The second section is based in studies made in eight daycare
centers that also provide nurseries and employed as methodological procedures the participant
observation and semi-structured interviews. Data obtained by free word association were
processed in the software Programmes Permettant l’Analyse des Evocations (EVOC) and its
results subjected to analysis under the scope of the Central Nuclear Theory (ABRIC, 1998).
Interviews were processed in the software Analyse Lexicale par Contexte d´um Esemble de
Segments de Texte (ALCESTE), as well as its contents analysis. The group of professionals
studied comprised 35 of the 70 people employed as Early Childhood development technician
working in the eight daycare centers of Cuiabá-MT municipality. All subjects are of female
genre with many degrees of professional education. The results show that the studied group
considered the nursery social representation as a place for safekeeping and protection which is
linked to the historical conceptualization of the daycare centers. Regarding the group shared
significations of the early childhood professional takes back to the image of the second
mother, which present characteristics of a competent babysitter. The image of a teacher of
babies appears as an educator, preluding the new significances given to these professionals. It
is possible to express that the early childhood technician profession lies in the tension
between the significances obtained in the professional education centers and those
significances that runs in the society, legitimated by the incongruences of the official
documents and their real work conditions.
Keywords: Early Childhood education, Teacher, Social Representations
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 01 Características do sistema central e do sistema periférico de
uma representação social
28
Ilustração 02 Organização dos estudos 1 e 2 54
Ilustração 03 Imagem de bebês assistindo televisão 60
Ilustração 04 Sequência de imagens de uma brincadeira entre dois bebês 60
Ilustração 05 Imagem de bebês escalando o berço 61
Ilustração 06 Esquema de arranjos espaciais do tipo aberto e fechado
observados no estudo 2
61
Ilustração 07 Imagem da organização do espaço da creche do estudo 2 na
situação I
64
Ilustração 08 Imagem da organização do espaço da creche do estudo 2 na
situação II
64
Ilustração 09 Elementos estruturais relativos ao mote indutor mãe,
processados por OME – ordem média de evocação
69
Ilustração 10 Elementos estruturais relativos ao mote indutor mãe,
processados por OMI – ordem média de importância
69
Ilustração 11 Distribuição das evocações por categorias referente ao mote
indutor mãe
71
Ilustração 12 Elementos estruturais relativos ao mote indutor bebê,
processados por OME – ordem média de evocação
72
Ilustração 13 Elementos estruturais relativos ao mote indutor bebê,
processados por OMI – ordem média de importância
73
Ilustração 14 Distribuição das evocações por categorias referente ao mote
indutor bebê
74
Ilustração 15 Elementos estruturais relativos ao mote indutor babá
processados por OME – ordem média de evocação
75
Ilustração 16 Elementos estruturais relativos ao mote indutor babá
processados por OMI – ordem média de importância
75
Ilustração 17 Distribuição das evocações por categorias referentes ao mote
indutor babá
77
Ilustração 18 Elementos estruturais relativos à expressão indutora professora
de bebês processados por OME – ordem média de evocação
78
10
Ilustração 19 Elementos estruturais relativos à expressão indutora professora
de bebês processados por OMI – ordem média de importância
79
Ilustração 20 Distribuição das evocações por categorias referentes à
expressão indutora professora de bebês
80
Ilustração 21 Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE 82
Ilustração 22 Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE 83
Ilustração 23 Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras
pertencentes à Classe 1
83
Ilustração 24 Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE 86
Ilustração 25 Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras
pertencentes à Classe 3
86
Ilustração 26 Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE 89
Ilustração 27 Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras
pertencentes à Classe 6
89
Ilustração 28 Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE 93
Ilustração 29 Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras
pertencentes à Classe 2
93
Ilustração 30 Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE 96
Ilustração 31 Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras
pertencentes à Classe 4
97
Ilustração 32 Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE 100
Ilustração 33 Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras
pertencentes à Classe 5
100
Ilustração 34 Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE 103
Ilustração 35 Quadro de distribuição de variáveis referente à formação dos
sujeitos pesquisados
105
Ilustração 36 Distribuição das palavras pela variável formação em ordem
decrescente de Khi2
106
Ilustração 37 Imagem do berçário do Estudo 2 em arranjo espacial aberto 110
Ilustração 38 Esquema de arranjos espaciais do tipo aberto e fechado
presentes no berçário do Estudo 2
110
Ilustração 39 Imagem do berçário em momento de atividade livre 111
Ilustração 40 Imagem do berçário do Estudo 2 após modificação do espaço 111
11
Ilustração 41 Imagem do berçário no momento do lanche 113
Ilustração 42 Imagem do berçário no momento do sono 114
Ilustração 43 Imagem do berçário no momento de atividade livre 114
Ilustração 44 Imagem do berçário no momento de atividade livre após
modificação do espaço
115
Ilustração 45 Quadro de categorizações da primeira questão da entrevista do
Estudo 2
117
Ilustração 46 Quadro de categorizações da segunda questão da entrevista do
Estudo 2
117
Ilustração 47 Quadro de categorizações da terceira questão da entrevista do
Estudo 2
118
Ilustração 48 Quadro de categorizações da quarta questão da entrevista do
Estudo 2
118
Ilustração 49 Quadro de categorizações da quinta questão da entrevista do
Estudo 2
119
Ilustração 50 Quadro de categorizações da sexta questão da entrevista do
Estudo 2
119
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 Distribuição dos berçários por região administrativa 53
Tabela 02 Distribuição dos sujeitos por faixa etária 67
Tabela 03 Distribuição dos sujeitos por formação 68
Tabela 04 Distribuição dos sujeitos por tempo de serviço 68
Tabela 05 Palavras representativas da Classe 1 em ordem decrescente de Khi2 84
Tabela 06 Palavras representativas da Classe 3 em ordem decrescente de Khi2 87
Tabela 07 Palavras representativas da Classe 6 em ordem decrescente de Khi2 90
Tabela 08 Palavras representativas da Classe 2 em ordem decrescente de Khi2 94
Tabela 09 Palavras representativas da Classe 4 em ordem decrescente de Khi2 97
Tabela 10 Palavras representativas da Classe 5 em ordem decrescente de Khi2 101
Tabela 11 Descrição das atividades da rotina do berçário 112
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 15
1. A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E SUA ARTICULAÇÃO COM AS
NOÇÕES DE IDENTIDADE E ESPAÇO ........................................................................................ 21
1.1 A representação ........................................................................................................................... 21
1.2 Teoria das Representações Sociais .............................................................................................. 23
1.2.1 Dinâmica das representações sociais .................................................................................... 25
1.2.2 Estrutura das Representações Sociais e Teoria do Núcleo Central ...................................... 26
1.2.3 Processos formadores da representação social ..................................................................... 30
1.2.4 Funções das representações sociais ...................................................................................... 33
1.2.5 Representações sociais e identidade ..................................................................................... 35
1.2.6 Representações sociais e estudos multidisciplinares sobre o espaço: representações
socioespaciais ................................................................................................................................ 36
2. ELEMENTOS DE ANCORAGEM PARA O ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES
IDENTITÁRIAS DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL ......................................... 39
3. OS CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA .................................................................... 51
3.1 Objetivo geral .............................................................................................................................. 51
3.2 Objetivos específicos ................................................................................................................... 51
3.3 Contextualização da pesquisa: a rede municipal de atendimento à criança de até três anos da
cidade Cuiabá .................................................................................................................................... 51
3.4 Etapas da pesquisa, plano de coleta e processamento de dados .................................................. 53
3.4.1 Estudo 1 .................................................................................................................................... 55
3.4.1.1 Associação livre de palavras ................................................................................................. 55
3.4.1.2 Entrevista semiestruturada .................................................................................................... 58
3.4.2 Estudo 2 .................................................................................................................................... 63
3.4.2.1 Observação participante ........................................................................................................ 63
3.4.2.2 Entrevista semiestruturada .................................................................................................... 64
3.4 Contextualização do processo de coleta de dados ....................................................................... 65
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS .................................................................................... 67
4.1 Caracterização dos sujeitos ......................................................................................................... 67
4.2 Estudo I ....................................................................................................................................... 68
4.2.1 Análise estrutural - EVOC ....................................................................................................... 68
4.2.1.1 Termo indutor mãe ................................................................................................................ 68
4.2.1.2 Termo indutor bebê ............................................................................................................... 72
4.2.1.3 Termo indutor babá ............................................................................................................... 75
14
4.2.1.4 Termo indutor professora de bebê..........................................................................................77
4.2.2 Análise das entrevistas semiestruturadas – ALCESTE ............................................................ 81
4.2.2.1 Classe 1 – Cuidados e rotina: aspectos do trabalho codificado ............................................. 82
4.2.2.2 Classe 3 – O espaço e a ação da criança ................................................................................ 86
4.2.2.3 Classe 6 – O adulto que protege ............................................................................................ 89
4.2.2.4 Classe 2 – Entre o doméstico e o profissional: A expectativa da família .............................. 93
4.2.2.5 Classe 4 – Tornar-se professor da Educação Infantil ............................................................ 96
4.2.2.6 Classe 5 – Imagens concorrentes da profissionalidade no berçário ................................... 100
4.2.3 Relação entre as classes do ALCESTE .................................................................................. 102
4.2.4 Análise tri-croisé .................................................................................................................... 105
4.3 Entrelaçamento de dados do Estudo I: EVOC e ALCESTE ..................................................... 107
4.4.1 Observação participante ......................................................................................................... 107
4.4.2 Observação participante: alguns achados ............................................................................... 109
4.4.2.1 A organização do espaço do berçário .................................................................................. 109
4.4.2.2 Categoria: Rotina................................................................................................................. 112
4.4.2.3 Categoria: interação adulto-criança ..................................................................................... 114
4.4.2.4 Categoria Relação adulto- adulto ........................................................................................ 116
4.4.3 Entrevista semiestruturada – Análise de conteúdo ................................................................. 116
4.4.4 Entrelaçamento de dados: algumas considerações entre os Estudos I e II ............................. 120
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 121
EPÍLOGO .......................................................................................................................................... 124
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................124
15
INTRODUÇÃO
O presente estudo é fruto do interesse originado durante o curso de graduação em
Pedagogia, em aprofundar os estudos sobre criança e infância, somado à vontade de conhecer
aspectos do campo da formação profissional em Educação Infantil.
Este trabalho foi desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá – MT, no Grupo de Pesquisa
em Psicologia da Infância (GPPIN)1; e configura-se como uma proposta para identificar como
os profissionais de Educação Infantil que trabalham nos berçários das creches municipais da
cidade de Cuiabá-MT, significam, orientam e justificam suas práticas. Os profissionais que
trabalham nas creches ocupam o cargo de TDI – técnico do desenvolvimento infantil. No caso
desse estudo, dentre esse grupo de profissionais, apenas os que trabalharam nos berçários no
ano de 2011 compõem o universo pesquisado.
A relevância deste estudo é justificada por compreender o professor de Educação
Infantil como ator recente no cenário educacional, que segundo Haddad (2009) constrói sua
identidade de forma turbulenta, na tensão da dicotomia entre o cuidar e o educar.
Historicamente, creche e pré-escola tem origens distintas. Enquanto a pré-escola foi
pensada como instituição educativa, a creche originou-se como instituição de assistência para
crianças de famílias desfavorecidas economicamente, para abriga-las durante a jornada de
trabalho de seus responsáveis. A história da creche acompanha as modificações do papel da
mulher na sociedade, inicialmente pela necessidade do trabalho feminino no contexto da
expansão industrial, até o reconhecimento pela sociedade da importância das experiências
sociais para o desenvolvimento infantil.
Inicialmente lotadas na Secretaria de Bem Estar ou na Secretaria da Saúde, as creches
hoje fazem parte da Secretaria de Educação, e compõem a primeira etapa da Educação Básica.
Esta mudança orientou também a formação dos profissionais que nela atuam, pois se antes
não se exigia nem mesmo formação no Ensino Médio2 para desempenhar tal tarefa,
atualmente em Cuiabá3 exige-se graduação em Pedagogia para atender as crianças de zero a
1 A partir do projeto guarda-chuva, intitulado O potencial narrativo dos espaços da infância: estudo das
significações e das práticas socioeducativas destinadas às crianças, com o apoio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT).
2 Na cidade de Cuiabá, o primeiro concurso para exercer a função de ADI – Auxiliar do desenvolvimento
infantil, cargo designado para atendimento nas creches, exigiam apenas primeiro grau completo (hoje
denominado Ensino Fundamental).
3 Dados do último concurso municipal para provimento de vagas na rede de creches de Cuiabá.
16
três anos nas creches municipais, embora tais profissionais ainda ocupem um cargo técnico,
de TDI. Em nível nacional, ainda não há essa exigência, pois de acordo com o artigo 62 da
LDB 9394/96, é “admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na
educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível
médio, na modalidade Normal” (BRASIL, 2011).
A distinção historicamente construída entre creche e pré-escola conduz a uma
dicotomia entre o cuidar e o educar, de modo a orientar a uma compreensão equivocada de
que a creche cuida, e a pré-escola educa (HADDAD, 1998; CERISARA, 2002). Nessa
dicotomia, as ações ligadas ao corpo são desvalorizadas em relação àquelas consideradas
“pedagógicas”, influenciando assim, a formação do profissional de Educação Infantil, que
segundo Sarat (2001) tem sua profissão historicamente marcada pela desvalorização e
discriminação.
Este estudo admite o pressuposto de que as representações destes profissionais, bem
como as diretrizes que norteiam seu processo de formação, baseiam-se nas representações
sobre a infância e sobre os processos educativos (CHOMBART DE LAUWE, 1991;
ROSSETI-FERREIRA et al, 2009). Para Silva (2008), construir o sujeito profissional da
Educação Infantil demanda uma particular construção teórica sobre a criança até seis anos.
Segundo a autora, “essa construção é fundamental para a compreensão não apenas das
práticas das educadoras, mas também dos processos identitários por elas vivenciados.” (2008,
p. 133).
Sobre os aspectos identitários, primeiramente é útil a compreensão do termo
profissionalidade: que conforme André e Hobold (2009, p.224), é “o conjunto de
conhecimentos, habilidades e atitudes que compõem a competência do professor”. Sacristán
(1991) entende profissionalidade como “a afirmação do que é específico na acção docente,
isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que
constituem a especificidade de ser professor” (1991, p.65). Ainda, para Sarmento (1994, p.91)
a profissionalidade docente é “o conjunto maior ou menor de saberes e de capacidades de que
dispõe o professor, no desempenho de suas atividades, e o conjunto do grupo profissional dos
professores num dado momento histórico”. Assim, os autores mostram que a prática docente é
construída social e historicamente, e é organizada pelo conjunto de significados dispostos na
cultura.
17
O entendimento da docência como construção social e histórica leva a destacar a
subjetividade4 dos professores ao entendê-los como sujeitos ativos, produtores de saberes
específicos do seu trabalho (TARDIFF, 2002). E é nesse sentido que se destaca o termo
profissionalidade.
Ambrosetti e Almeida (2007) recorrem a Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) para
mostrar que a profissionalidade envolve um processo dialético de construção de uma
identidade social,
entre a profissionalização, como processo interno entendida como a construção de
uma profissionalidade, onde o professor adquire conhecimentos que são
mobilizados na atividade docente, e a profissionalização, como processo externo
que se refere ao profissionalismo e, envolve a reivindicação de status dentro da
visão social do trabalho, que requer negociações por grupo de atores no intuito de
reconhecimento perante a sociedade das qualidades específicas, complexas e
difíceis de serem aprendidas. (AMBROSETTI E ALMEIDA, 2007, p.3)
No caso desse estudo, o foco estará na tensão entre os processos interno e externo,
mediados pela noção de representação construída na relação eu-grupo-cultura.
Para Angotti (2008), a profissionalidade para os educadores infantis deve ser
“entendida na sua perspectiva de liberdade, do prazer e do brincar como condição básica para
promover o desenvolvimento infantil, promovendo uma articulação possível entre o cuidar e o
educar”. Essa profissionalidade para a autora fundamenta-se “na efetivação de um cuidar que
promova a educação, e de uma educação que não deixe de cuidar da criança, e de atendê-la
em suas necessidades e exigências essenciais desde a sua mais tenra idade, em atividades,
espaços e tempos de ludicidade” (2008, p.19).
Pesquisas neste campo mostram que na área da Educação Infantil, os saberes docentes
são construídos em sua maioria na prática, partilhados entre colegas de trabalho, ora pela
aprendizagem com as próprias crianças com quem trabalham, ora pela experiência materna
que trazem para a sala de aula. É frequente a queixa quanto a ausência de conteúdos
específicos à docência dirigido à criança de zero a três anos nos cursos de formação. Essa
ausência parece ser suprida pelo referencial materno de cuidado no âmbito doméstico. Deste
modo, compreender a rede de significações que envolvem as profissionalidades das
profissionais que trabalham nos berçários pode contribuir para a formação de professores
desta área.
Os profissionais de Educação Infantil, especialmente os que trabalham nas creches,
têm sua profissão marcada pela desvalorização. Essa tensão entre a formação e o
4 Entende-se por subjetividade como define Molon (2003): processo permanente, dialético, onde o sujeito é
constituído pelo reconhecimento do eu e do outro, na interface do psicológico e das relações sociais.
18
reconhecimento requer um acompanhamento junto a esses profissionais, para que se possa
compreender como significam a profissão e o trabalho junto à criança pequena.
As questões que norteiam esse estudo propõem delinear os conteúdos e as estruturas
das representações sociais sobre a educação de bebês no contexto da Educação Infantil e,
compreender a rede de significações subjacente à compreensão do berçário como lugar de
trabalho partilhado pelas profissionais que nele atuam.
Estudos anteriores realizados no GPPIN5 mostram que os acadêmicos do curso de
Pedagogia não almejam a Educação Infantil como campo de trabalho. Tais indicadores
revelam a necessidade de uma reflexão sobre o papel das professoras de bebês, o caráter
educacional dos berçários, os processos de desenvolvimento e aprendizagens de bebês, as
funções das instituições, bem como sobre a concepção de criança.
Um levantamento dos trabalhos apresentados nas cinco últimas reuniões anuais da
ANPEd6, mostra que do total de 85 trabalhos apresentados no grupo de trabalho destinado à
educação da criança de zero a seis anos, apenas onze deles referiam-se a creche como campo
de estudo, e destes, apenas cinco referiam-se especificamente aos bebês e/ou profissionais
desta faixa etária. No grupo de trabalho de formação de professores, dos 104 trabalhos
apresentados nos últimos cinco anos, nenhum deles refere-se a aspectos da formação do
profissional de creche. Esses dados revelam que, no contexto das pesquisas brasileiras, as
questões referentes à realidade da creche ainda ocupam a periferia das investigações
identificadas no contexto da Educação Infantil e neste sentido, corroboram para a relevância
deste trabalho.
Os referencias teóricos que norteiam esse estudo são a Teoria das Representações
Sociais de Serge Moscovici (1961, 2003), sua articulação com a Teoria do Núcleo Central
(ABRIC, 1976) com a identidade em Representações Sociais (DESCHAMPS & MOLINER
2009) e estudos sobre o espaço (JODELET 2002). Apoia-se também nas contribuições de
Chombart de Lauwe (1991), Ariès (1981), Sarmento (2007), Haddad (1997, 1998, 2009),
Cerisara (2002), Morettine (2000), Tardiff & Lessard (2001, 2002, 2005), Badinter (1985),
Montenegro (2001, 2005) entre outros.
5 De mãe substituta a babá malvada? Representações sociais sobre professora de bebês segundo acadêmicos de
Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá, de Carla Adriana Rossi Ramos, estudo de mestrado, 2011; e O aprender
do bebê: representações sociais segundo acadêmicos de Pedagogia da UFMT, Campus Cuiabá de Sandra
Cavallari, estudo de mestrado, 2011.
6 Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa na Educação. Por ser o evento mais importante do país em
pesquisa na educação, os trabalhos nele apresentados servem de parâmetro para fazer um levantamento das
produções acadêmicas brasileiras de maior relevância.
19
O trabalho é composto por dois estudos – Estudo1 e Estudo 2. O Estudo 1 envolveu 35
das 70 profissionais que trabalham nos berçários da rede municipal de creches. Os
procedimentos metodológicos adotados alinham-se à perspectiva estrutural do estudo em
representações sociais com a utilização da técnica de associação de palavras – a partir dos
termos indutores bebê, mãe, babá e da expressão indutora professora de bebês – e entrevista
semiestruturada. O processamento e análise dos dados do Estudo 1 consideram duas etapas: 1
– análise do quadro de elementos estruturais a partir do Ensemble de programmes permettant
l’analyse des evocations (EVOC), contemplando a ordem média (OME) e a ordem de
importância (OMI) das evocações; 2 – Análise das entrevistas semiestruturadas processadas
pelo programa Analyse Lexicale par Contexte d´um Esemble de Segments de Texte
(ALCESTE), que permite a identificação de diferentes classes de discursos no material
obtido.
O Estudo 2 foi realizado em uma7 das oito creches que possuem berçário. Este estudo,
caracterizado como estudo de caso, utilizou como procedimentos metodológicos a observação
participante e a entrevista semiestururada, submetida a uma análise compreensiva.
Este trabalho está apresentado em quatro capítulos, a saber:
O primeiro capítulo intitulado A Teoria das Representações Sociais e sua articulação
com as noções de identidade e espaço apresenta a representação como fenômeno da
Psicologia, e sua compreensão à luz da Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI,
2003; JODELET, 2001), a Teoria do Núcleo Central (ABRIC, 1998), a articulação entre
representações sociais e identidade (DESCHAMPS & MOLINER, 2009) e entre
representações sociais e o espaço (JODELET2001, 2002).
O segundo capítulo intitulado Elementos de ancoragem para o estudo das
representações identitárias do profissional de Educação Infantil traz discussões a respeito de
alguns elementos de ancoragem que contribuem para o entendimento da rede de significados
atribuídos a ser professor de Educação Infantil. Os elementos selecionados referem-se a
construção social da criança e da família e sua influência na significação da Educação Infantil
e da identidade do profissional que nela atua em articulação com sua profissionalidade.
O terceiro capítulo descreve o percurso metodológico tanto do Estudo 1, quanto do
Estudo 2, e por último o quarto capítulo, que apresenta e discute os dados do Estudo 1,
7 A escolha da creche foi feita a partir de vários fatores: por ser uma das primeiras construídas na cidade, é
referência para a população; atende a um grande número de crianças; participa de projetos de extensão dos
cursos de Pedagogia, Psicologia e Enfermagem da UFMT, e por isso os profissionais que nela atuam têm maior
abertura para receber pesquisadores; e por fim, pela manifestação do desejo em participar do projeto proposto
pelo GPPIN, que previa também outro estudo, realizado pela mestranda Iury Lara Alves, com o objetivo de
compreender os bebês e sua relação com seus pares e com o espaço.
20
referente a análise estrutural dos dados obtidos da técnica de associação livre de palavras,
apresenta também a análise textual das entrevistas; em seguida os dados do Estudo 2 –
observação participante e entrevista semiestruturada. O quarto capítulo é finalizado com o
entrelaçamento dos dados de ambos os estudos, seguido das considerações finais.
21
1. A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E SUA ARTICULAÇÃO COM AS
NOÇÕES DE IDENTIDADE E ESPAÇO
Este capítulo apresenta as concepções teóricas norteadoras desse estudo. Inicialmente,
o fenômeno da representação será tratado de forma ampla, para em seguida ser abordado à luz
da Teoria das Representações Sociais de modo a destacar a compreensão da representação
como um processo imbricado social e historicamente. Em seguida, será discutido o conceito
de identidade em representações sociais, e enfim estudos multidisciplinares sobre espaço e
representações socioespaciais.
1.1 A representação
O conceito de representação em Psicologia pode ser definido conforme Jovchelovitch
(2008), como resultado de uma atividade psíquica que se realiza com o objetivo de tornar
presente o que está ausente por meio de símbolos. No campo da Psicologia, este fenômeno
apresenta tradicionalmente uma concepção apoiada em um modelo dualista, baseado em uma
visão cartesiana da mente. Herança da Psicologia Cognitivista, o ato de representar foi por
muito tempo reduzido a um processo cognitivo individual.
Ao analisar a linha evolutiva da Psicologia, é possível perceber que as raízes
filosóficas que a fundamentaram como ciência acompanharam as visões de mundo e de
homem dominantes de cada época, e essa busca marcou na história da Psicologia um
movimento caracterizado por Freitas (1994) como um constante oscilar, que ora apresenta
uma tendência subjetivista calcada na consciência individualista, ora para uma tendência
objetivista. O movimento de superação aconteceu a partir da interação entre essas duas
tendências, tendo seu início sinalizado pela autora nos estudos de Piaget. A Psicologia do
Desenvolvimento segundo a perspectiva piagetiana apresenta uma visão interacionista que
afirma que o conhecimento provém da interação do sujeito com o real, a partir do qual é
construído.
Para Jovchelovitch (2008), as representações estão na base de todos os sistemas de
saber, sejam individuais ou coletivos. Ao recuperar os trabalhos de Piaget e Vigotski, a autora
demonstra que a ontogênese da representação envolve ao mesmo tempo processos de
individuação e de socialização, permeados pelo crescimento e desenvolvimento do saber.
É a partir desta relação de interdependência entre sujeito e objeto que a Psicologia
Social entende o processo representacional, visto como simbólico e social
22
(JOVCHELOVITCH, 2008). Na perspectiva da Psicologia Social, há uma dimensão
fundamental no estudo das representações, que se apresenta conforme anuncia Jovchelovitch
(2008), no problema do sentido. É a partir da função simbólica da representação e seu sentido,
que emerge uma perspectiva verdadeiramente psicossocial da representação. Para a autora, é
pela análise do sentido que se pode esclarecer o fato de que pessoas em diferentes contextos e
tempos produzem visões diferentes, assim como símbolos e narrativas diferentes sobre a
realidade. Pela análise do sentido, é possível entender como essas diferentes representações
relacionam-se entre si e com o mundo social. Em consonância com essa afirmação, Abric
(1987) mostra que a representação, além de ser uma forma de conhecimento elaborada e
partilhada socialmente, é ao mesmo tempo, “produto e processo de uma atividade mental,
através da qual um indivíduo ou grupo reconstitui a realidade com a qual ele se confronta e
para qual ele atribui significado específico” (ABRIC, 1987, p. 64).
Desse modo, a representação não é um simples reflexo da realidade, e sim uma
organização significante, sendo esta significação dependente de vários fatores, tanto do
contexto imediato, quanto de fatores mais globais, como a organização social, história do
indivíduo e do grupo, determinantes sociais e sistemas de valores.
Ao compreender a representação como processo simbólico e social, a teoria histórico-
cultural (Vigotski, 2007) apresenta-se como contribuição relevante, ao caracterizar o ser
humano na sua relação com o mundo físico e social a partir da mediação semiótica. Esse
processo realiza-se por meio da apropriação dos significados sociais e da criação de sentidos
pessoais – atividades de reprodução e criação. Para Vigotski (2007), significado e sentido
fazem parte do processo de significação da palavra, sendo o significado mais próximo da
configuração social, que se refere segundo Oliveira (1995), ao “sistema de relações objetivas
que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, consistindo num núcleo
relativamente estável de compreensão da palavra, compartilhado com todas as pessoas que a
utilizam” (1995, p.50); já o sentido refere-se ao significado que cada indivíduo atribui à
palavra, e por isso é algo mais amplo, fluido, mais próximo do potencial criativo sem, no
entanto, deixar de estabelecer relação com o significado. Por esse motivo, Vigotski mostra
que “os significados das palavras se desenvolvem” (2001, p.399, grifo do autor), pois se
modificam ao longo do tempo e dos grupos culturais aos quais os indivíduos fazem parte. Por
isso o desenvolvimento é histórico e cultural. Assim, a representação na Psicologia Social
aproxima-se do conceito de palavra em Vigotski.
Conforme Jodelet (2001), criamos as representações para, além de nos ajustar a esse
mundo, dominá-lo física ou intelectualmente, identificar e resolver os problemas que se
23
apresentam. Para a autora as representações nos guiam no modo de “nomear e definir
conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses
aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva”.
Duveen (1994) afirma que as representações são sempre construtivas, os sujeitos
constroem as representações para garantir o seu lugar no mundo, e ao internalizá-las, elas os
situam. É essa dupla operação de definir o mundo e localizar um lugar nele que fornece às
representações o seu valor simbólico.
A psicologia social da representação tem como palco central o sentido, sua produção e
transformação por indivíduos e comunidades, e considera a significação e o contexto social
como dimensões fundamentais de todos os fenômenos representacionais. A partir da
significação e do contexto social, a psicologia social das representações busca responder
questões relacionadas à produção e transformação do saber, problemas centrais da Psicologia
e das Ciências Sociais em geral, como a construção da representação e do conhecimento à
racionalidade de diferentes sistemas de saber (JOVCHELOVITCH, 2008). A abordagem
psicossocial da representação fundamenta o presente estudo.
1.2 Teoria das Representações Sociais
Serge Moscovici apresenta a Teoria das representações sociais em 1961, a partir de
sua obra “La psychanalyse, son image et son public”. No Brasil, a sua tradução é intitulada
“Representação social da psicanálise”. Sua intenção, de acordo com Alves-Mazzotti (1994),
era redefinir o campo da Psicologia Social a partir daquele fenômeno. Nesta, Moscovici
apresenta os resultados oriundos de seu estudo realizado na França sobre as representações
partilhadas por diversos grupos da sociedade francesa sobre a psicanálise. Seu objetivo nesse
estudo era compreender o processo de transformação de um conhecimento científico em um
conhecimento socialmente elaborado e partilhado.
A partir de suas análises, o autor define uma representação social como um sistema
de valores, ideias e práticas, que possui dupla função: a primeira consiste em estabelecer uma
ordem, que possibilita às pessoas orientar-se no mundo social e controla-lo; a segunda dedica-
se a possibilitar a comunicação entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes para
isso um código comum, para nomear e classificar os vários aspectos do mundo e de sua
história individual e social.
O estudo da influência das representações no pensamento social inicia-se em
Durkheim com seu conceito de representações coletivas. Em sua época, Durkheim buscava
24
estabelecer a Sociologia como ciência autônoma, e para isso seu esforço orientava-se no
sentido de definir as forças e as estruturas que pudessem preservar ou conservar o todo contra
qualquer desintegração da sociedade. Assim, Durkheim buscou definir o conceito propondo
um conjunto de elementos que pudesse explicar uma multiplicidade de fenômenos sociais,
formas de pensamento e saberes partilhados coletivamente, como crenças, mitos, ciência,
opiniões e religiões. Para o sociólogo, as representações são coletivas à medida que tem a
capacidade de manter a coesão de uma sociedade; são como saberes que têm poder de coerção
sobre os indivíduos de modo a integrar a sociedade como um todo.
Enquanto Durkheim se preocupou com as formas estáveis de compreensão coletiva,
Moscovici se interessou em explorar a variação e a diversidade das ideias coletivas na
sociedade moderna. Segundo Duveen (apud Moscovici, 2003) essa diversidade das
sociedades contemporâneas apresenta diferenças que geram uma heterogeneidade de
representações. Assim, o sistema representacional de qualquer cultura apresenta pontos de
tensão, e é ao redor deles que novas representações emergem:
Em outras palavras, nestes pontos de clivagem há uma falta de sentido, um ponto
onde o não familiar aparece. E, do mesmo modo que a natureza detesta o vácuo,
assim também a cultura detesta a ausência de sentido, colocando em ação algum tipo
de trabalho representacional para familiarizar o não-familiar, e assim restabelecer
um sentido de estabilidade. (2003, p.16)
Moscovici define o conceito de representações sociais como “fenômenos específicos
que estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar – um
modo que cria tanto a realidade como o senso comum” (2003, p.49). Isto porque em uma
sociedade pensante, pessoas e grupos não são meramente receptores passivos, pensam por si
mesmos, produzem e comunicam de forma incessante suas representações e soluções às
questões colocadas por eles mesmos. E nesta sociedade pensante, coexistem dois universos: o
consensual e o reificado. O universo reificado abrange o conhecimento científico, e sua
finalidade é definida por Moscovici como “estabelecer um mapa de forças, dos objetos e
acontecimentos que são independentes de nossos desejos e fora de nossa consciência e aos
quais nós devemos reagir de modo imparcial e submisso” (2003, p.52). Já o universo
consensual – ou senso comum – é o local das representações, que restauram a consciência
coletiva e lhe dão forma, explicando os objetos e acontecimentos de tal modo que se tornam
acessíveis a qualquer um e coincidem com os interesses imediatos. Esse universo tem como
característica a presença de diferentes visões, concepções ideológicas, culturais, que a partir
da negociação e da aceitação entre os grupos, permite a coexistência de diversos sistemas
25
cognitivos. Essa coexistência é definida por Moscovici (1978) como polifasia cognitiva, e
justifica as diferentes formas possíveis de refletir e se posicionar frente ao desconhecido.
Para Alves-Mazzotti (1994), o conceito de Moscovici mostra-se verdadeiramente
psicossocial, à medida que procura dialetizar as relações entre indivíduo e sociedade, partindo
da premissa de não existir uma separação entre o universo interno e o universo externo do
sujeito, de modo que em sua atividade representativa, o objeto não é passivamente
reproduzido, mas reconstruído. Nesse processo, o sujeito constitui-se e situa-se no universo
material e social. Assim, o sujeito psicossocial de Moscovici aproxima-se do sujeito em
Vigotski, cuja atividade se desenvolve nos movimentos de reprodução dos significados
partilhados e da criação de sentidos pessoais.
1.2.1 Dinâmica das representações sociais
A representação social constitui-se em três esferas de pertencimento (Jodelet, 2007): a
subjetiva, a intersubjetiva, e a trans-subjetiva. De acordo com Jodelet, a teoria parte da
concepção das pessoas não como indivíduos isolados, e sim como atores sociais ativos, que se
desenvolvem em um contexto social, inseridas em uma rede de interações, onde fatores como
pertença social, nível de inserção nos grupos sociais e culturais vão definir sua identidade. No
nível da subjetividade, as representações sociais são analisadas como tomadas de posição a
partir do pertencimento social.
No nível da intersubjetividade estabelecem-se as representações partilhadas,
elaboradas na interação interindividual, que numa comunicação verbal direta resultará em
uma transmissão de informações, construção de saberes em torno de um objeto comum,
possibilitando a criação de significações ou ressignificações consensuais.
Já a esfera trans-subjetiva pertence ao espaço social e público, onde circulam
representações difundidas pela mídia, imposições institucionais, pressões ideológicas, como
também normas, valores culturais e práticas coletivas.
A compreensão de tais níveis permite segundo Jodelet (2007), identificar numa
pesquisa de campo, as fontes dos elementos que constituem as representações sociais, para ir
além da investigação, pensar uma proposta de intervenção, quer seja no plano da
ressignificação da experiência dos indivíduos ou grupos, ou da compreensão dos sistemas de
pensamentos hegemônicos, como “modelos culturais, crenças, prescrições difundidas pelas
instituições de formação e socialização, mídias de informação” (2007, p. 70). Assim, tal
compreensão apresenta relevância no estudo ora apresentado, uma vez que objetiva além de
26
investigar as representações partilhadas pelo grupo participante, contribuir para a elaboração
de propostas de intervenção no âmbito da formação continuada destes profissionais.
1.2.2 Estrutura das Representações Sociais e Teoria do Núcleo Central
Uma das abordagens utilizadas para o estudo da Teoria das Representações Sociais foi
desenvolvida por Jean Claude Abric, em 1976, a Teoria do Núcleo Central, e refere-se a uma
abordagem estrutural, cujos pressupostos orientam parte desse estudo.
Esta teoria parte do pressuposto que toda representação se constitui em volta de um
núcleo central, e que toda representação é composta por duas dimensões: a dos conteúdos –
referentes a informações, atitudes, opiniões em relação ao objeto representado; e da estrutura
– que é a organização interna desses conteúdos. Cada informação assume um sentido em
função de seu lugar na estrutura e da relação com os outros elementos. Essa estrutura, por sua
vez, se organiza em dois sistemas: o núcleo central e o sistema periférico.
O núcleo central – ou núcleo estruturante – “é a base comum propriamente social e
coletiva que define a homogeneidade de um grupo [...] tem papel imprescindível na
estabilidade e coerência da representação” (ABRIC, 1998, p. 33). O núcleo central de uma
representação é relacionado e determinado por condições históricas, sociológicas e
ideológicas e por isso é fortemente marcado pela memória coletiva do grupo e pelas normas
que regem seu funcionamento.
Abric (2003) explica que o núcleo central comporta dois grandes tipos de elementos,
os normativos e os funcionais. Os elementos normativos se originam diretamente do sistema
de valores dos indivíduos, constituindo assim, a dimensão fundamentalmente social do núcleo
e da representação, pois são ligados à história e à ideologia do grupo. São estes que
determinam os julgamentos e as tomadas de posição relativas ao objeto. Os elementos
funcionais por sua vez, são associados às características descritivas e à inscrição do objeto nas
práticas sociais ou operatórias e determinam assim, as condutas relativas ao objeto. A
coexistência dos dois tipos de elementos permite ao núcleo central realizar seu duplo papel:
avaliativo – pois justifica os julgamentos de valor, e pragmático – atribuir práticas específicas.
Abric (2003) ressalta que embora o conteúdo do núcleo central não se modifique em
função do ambiente, seus elementos são ativados distintamente, dependendo do contexto
social. Deste modo, em algumas situações é possível que apenas alguns elementos sejam
ativados. Os fatores que influenciam a ativação ou não dos elementos são: a finalidade da
situação, a distância do grupo para com o objeto e o contexto de enunciação da representação.
27
Em situações de finalidade operatória ou pragmática, são ativados os elementos
funcionais do núcleo. Por outro lado, em situações se intercâmbio social ou posicionamento
avaliativo, são solicitados os elementos normativos do núcleo.
O autor analisa ainda que em relação à distância diante do objeto, ou seja, a ausência
de prática favorece a ativação de uma representação fortemente avaliativa, privilegiando os
julgamentos e as tomadas de posição, resultando em uma representação mais idealizada que
descritiva. Por outro lado, um grupo que possui uma relação efetiva com o objeto tende a
privilegiar mais os elementos descritivos.
Quanto ao contexto de enunciação, o autor destaca sua importância uma vez que as
condições que se apresentam podem estimular o emprego de alguns elementos e não de
outros. Em relação a esse aspecto, Abric (2003) cita os trabalhos de Flament (1999) e
Guimelli e Deschamps (2000), que mostram que as respostas fornecidas em questionários de
representação podem variar consideravelmente “segundo modelo normativo ativado” (2003,
p.48). Então, em determinados contextos de enunciação, elementos que correspondem aos
modelos ditos contra-normativos são ocultados, na medida que o entrevistado quer oferecer
uma imagem positiva de si mesmo – o que Abric (2003) denomina de zona muda da
representação social. Essa zona muda é constituída de elementos da representação que não são
verbalizados pelos sujeitos com os métodos clássicos de coleta, e pode ser definida como um
subconjunto específico de cognições ou de crenças que sempre estando disponíveis,
não são exprimidos pelos sujeitos nas condições normais de produção...“e que”, se
forem exprimidos (notadamente em certas situações) poderiam por em causa valores
morais ou normas valorizadas pelo grupo” (GUIMELLI E DESCHAMPS, 2000
apud ABRIC, 2003).
Para lidar com esse problema, Abric (2003) propõe como consequência metodológica
em estudos de representação social, o uso da técnica dos contextos de substituição, que
consiste em solicitar aos sujeitos pesquisados a produção de várias representações – que eles
próprios elaboram, mas também, de outros membros do seu grupo de pertença.
O sistema periférico se organiza em torno do núcleo central. Seus elementos são mais
acessíveis e aptos às mudanças, estão mais ligados às características individuais, bem como a
realidade imediata, nos quais os sujeitos estão inseridos. Enquanto os elementos centrais são
mais abstratos e possuem natureza normativa, os elementos periféricos referem-se a scripts de
práticas concretas, que funcionam como esquemas de natureza mais funcional, para descrever
e determinar ações (Abric, 2003; Flament, 2001; Wachelke e Camargo, 2007). Segundo Abric
28
(1998), os elementos periféricos respondem a três funções essenciais: função de
concretização, regulação e defesa.
Em relação à função de concretização, os elementos periféricos constituem a interface
entre o núcleo central e a situação concreta na qual a representação é elaborada ou colocada
em funcionamento, permitindo assim a formulação da representação em termos concretos,
imediatamente compreensíveis e transmissíveis.
A função de regulação permite a adaptação da representação às evoluções do contexto,
de modo que novas informações podem ser integradas na periferia da representação. Do
mesmo modo, elementos susceptíveis a conflitar o núcleo central são integrados na periferia,
seja diminuindo sua importância, ou ainda reinterpretando-os de acordo com o núcleo central.
Por último, a função de defesa, no sentido de proteger o núcleo central, modificando e
neutralizando importantes modificações no meio, de modo a evitar ao máximo transformações
bruscas do núcleo e evitar o ataque aos elementos centrais por parte da realidade, quando esta
sofre uma mudança intensa. Assim, é no sistema periférico que se opera a transformação das
representações e também é nele que poderão aparecer e ser toleradas as contradições.
(ABRIC, 1998). Isso possibilita, por exemplo, que discursos diferentes sobre o mesmo objeto
de representação não signifiquem representações distintas, e sim elaborações com variadas
ativações de certos esquemas periféricos.
Assim, a representação social e seus dois componentes – núcleo central e elementos
periféricos compõem para Abric (1998) um duplo sistema, com características que se
complementam, organizadas da seguinte forma:
Ilustração1 – Quadro de características do sistema central e do sistema periférico de uma
representação social SISTEMA CENTRAL SISTEMA PERIFÉRICO
Ligado à memória coletiva e à história do grupo Permite a integração de das experiências e histórias
individuais.
Consensual: define a homogeneidade do grupo. Suporta a heterogeneidade do grupo
Estável, coerente e rígido Flexível, suporta as contradições
Resistente à mudança Evolutivo
Pouco sensível ao contexto imediato Sensível ao contexto imediato
Funções:
Gera a significação da representação;
Determina sua organização
Funções:
Permite adaptação à realidade concreta
Permite a diferenciação do conteúdo;
Protege o sistema central
ABRIC 1998, p.34.
Abric (1998) também estabelece relação entre a organização da representação e seu
processo de transformação, que pode ser compreendida a partir da relação entre
29
representações e práticas sociais. Quando os atores sociais são levados a desenvolver práticas
sociais que contradizem seu sistema de representação, pode haver transformação deste, a
menos que haja o que Claude Flament (1998) denomina de reversibilidade da situação. Abric
explica que quando os atores sociais, engajados em determinada situação que os fazem
desenvolver certas práticas, podem fazê-los pensar que esta situação seja reversível, significa
que o retorno às práticas anteriores é percebido como possível, sendo a situação atual
temporária, ou excepcional. Desse modo, as novas práticas contraditórias serão integradas na
representação, através do processo de transformação do sistema periférico, mantendo o núcleo
central estável. Esse processo é mostrado como uma transformação real, porém superficial da
representação. Por outro lado, caso não haja possibilidade de retornar as práticas anteriores –
situações irreversíveis – pode ocasionar três tipos diferentes de transformação (1998, p.35-
36):
1. Transformação resistente: refere-se ao caso onde as práticas novas e contraditórias
podem ainda ser gerenciadas pelo sistema periférico e por mecanismos clássicos de
defesa: interpretação e justificação, racionalizações, referências a normas externas a
representação, etc. Aparecem “esquemas estranhos” no sistema periférico, que por um
período de tempo protege o núcleo central.
2. Transformação progressiva da representação: esse tipo ocorre quando as práticas
novas não são totalmente contraditórias com o núcleo central. A transformação da
representação vai então se efetivar progressivamente, ativando esquemas que irão se
integrando aos esquemas do núcleo central e fundir com estes para constituir um novo
núcleo, e consequentemente, uma nova representação.
3. Transformação brutal: neste caso, as novas práticas “atacam” diretamente o
significado central da representação, sem fazer uso dos mecanismos de defesa do
sistema periférico. As novas práticas, sua permanência e caráter irreversível provocam
uma transformação direta e completa do núcleo central, e consequentemente, de toda
representação.
As análises destes processos de transformação destacam a necessidade de se
considerar a organização interna da representação, para compreensão da dinâmica das
representações sociais. Desse modo, Abric (1998) a partir de numerosas pesquisas (Aissani,
1991; Flament et al, 1998; Mugny, 1996; Abric e Tafani, 1995) mostra que a abordagem
estrutural das representações sociais deve ser considerada na análise de questões das ciências
sociais, como a “compreensão e a evolução das mentalidades, a ação sobre as atitudes e
30
opiniões, a influência social e enfim, a organização interna e as regras de transformação
social” (ABRIC, 1998, p.37).
Em estudos anteriores realizados conforme a perspectiva estrutural das representações
sociais, Ramos8 (2012) com seu trabalho intitulado “De mãe substituta a babá malvada?
Representações sociais sobre professora de bebês segundo acadêmicos de Pedagogia da
UFMT” identificou que o grupo estudado compartilha representações sociais sobre o
profissional de Educação Infantil fortemente ancoradas em duas imagens: a de uma mãe
idealizada, boa, amorosa, que atende a todas as necessidades de seu bebê; e a figura de uma
babá, que embora profissional, também apresenta características negativas associadas a maus
tratos. Ainda, as atividades desenvolvidas por esse profissional são relacionadas àquelas que
ocorrem no ambiente doméstico. A presença de qualidades negativas na representação do
profissional de Educação Infantil evidencia que o grupo pesquisado não se identifica com tal
imagem.
No estudo de Cavallari9 (2012), também realizado com acadêmicos do mesmo curso,
intitulado “O aprender do bebê: representações sociais segundo acadêmicos de Pedagogia da
UFMT, Campus Cuiabá”, evidenciou-se que o bebê é representado segundo ideias de
incompletude, passividade, dependência e desenvolvimento. A representação sobre o aprender
do bebê se constitui a partir da sua relação com a ideia de desenvolvimento ora compreendido
segundo noções das perspectivas interacionista e sócio-interacionista, ora como algo natural
estimulado pela via da afetividade, provavelmente atribuída à figura materna. Observou-se o
silenciamento de conteúdos associados à Educação Infantil, sendo a relação adulto-criança em
contexto familiar aspecto mais saliente no campo representacional em questão. Em ambos os
estudos, os resultados indicam que, para os acadêmicos de Pedagogia, a Educação Infantil em
creches não é vislumbrada como campo de trabalho.
1.2.3 Processos formadores da representação social
São dois os processos sociocognitivos fundamentais e interdependentes presentes na
elaboração representativa: amarração ou ancoragem, e objetivação. A ancoragem é o
processo que tenta familiarizar o desconhecido ou novo ao que já é conhecido, interpretando-
8 O estudo de mestrado de Carla Rossi Ramos faz parte dos estudos do GPPIN – Grupo de pesquisa em
Psicologia da Infância, que privilegia a investigação de objetos de representação associados à Educação Infantil
destacando-se dois eixos de pesquisa: eixo I – ser e estar de crianças em instituições de Educação Infantil e
Saúde; eixo II – Significações de professores e futuros professores sobre objetos de representações sociais no
contexto da Educação Infantil. 9 Estudo de mestrado, inserido no mesmo Eixo acima descrito.
31
o e conferindo significado a ele. Segundo Moscovici (2003), seus dois papéis são: classificar e
nomear, formando assim uma rede de significações. Nesse processo, Moscovici (2003)
denomina como rotinização o ato de classificar e nomear o novo a partir de palavras ou
expressões familiares. Andrade (2007) mostra que essa rotinização dos significados vai buscar
seu ponto de apoio nas referências mais enraizadas no tecido cultural, e consequentemente
mais familiares, partilhadas por várias gerações, de modo a formar um mapa coletivo: “nesse
processo, busca-se uma tradução icônica da representação e essa, paulatinamente, vai se
concretizando através de uma imagem, que sintetiza todo o discurso acerca do objeto em
questão. Tem-se então, a objetivação” (2007, p.45). A objetivação permite que um conceito
ganhe o status de realidade, dando materialidade a ele por meio de uma imagem ou esquema.
Desta forma, as imagens tornam real um esquema conceitual. Elas se tornam elementos da
realidade, em vez de elementos do pensamento.
Ao buscar as referências mais enraizadas no tecido cultural, aproximamo-nos do
conceito de themata – ou conjunto de temas, que tem o poder de esquematização, e orienta a
construção das representações sociais. São para Moscovici (2003) ideias primárias, pois além
de governarem a construção das representações, estão profundamente ancoradas na memória
coletiva.
Themata compreendem as primeiras concepções, ainda que intuitivas, as quais
sustentam a construção do conhecimento porque estão profundamente arraigadas em
imagens arquetípicas do mundo, caracterizando-se como ideias primitivas, estratos
originais da cognição que governam certo número de desenvolvimentos discursivos
(ANDRADE, 2007, p.46).
As thema possuem um conteúdo potencial que se infiltra em uma representação
através da ancoragem, e a partir dele, Andrade (2007) mostra ser possível a identificação de
temas comuns, objetivações e metáforas que delineiam a formação de famílias de
representações ou paradigmas, que podem estabilizar ou desestabilizar as representações
sociais.
Geralmente, as thema se organizam em sistemas de oposições, obedecendo a uma
lógica binária, onde os termos relacionam-se pelo contraste, como bem e mal: “são relativas
ao corpo, ao ser, à ação na sociedade e ao mundo de maneira geral.” (MOSCOVICI, 2003,
p.246).
Na ordem do trans-subjetivo, as thema estão na base do mapa conceitual de categorias
para a formação das representações de um grupo ou sociedade.
Assim como as thema, os mitos também estão enraizados no tecido cultural, ocupando
o campo onde se cristaliza a memória coletiva de um grupo. Kalampalikis (2009) recorre à
32
Sociologia – onde os mitos constituem uma das formas das representações coletivas de
Durkheim – e à Antropologia para mostrar que os mitos, assim como as crenças, possuem a
força de “aceitação acrítica entre os membros de um dado grupo cultural” (2009, p.97), de
modo que possuem valores socioculturais de verdade.
É certo que ao longo do tempo, o mito ocupou papéis e funções variados. Mas o que
se quer mostrar aqui, é que as representações sociais podem assumir diversas formas e
funções, que podem ser, segundo Jodelet (1989) forma de conhecimento social, construção
operatória do real, expressão cultural, reflexo de uma realidade, e também como já pensado e
vivido individual ou coletivo, memória de um grupo.
Ao estabelecer as representações sociais como produto e processo da história,
Kalampalikis (2009) mostra que surgem duas consequências: a primeira, em relação a
natureza representacional, profundamente marcada pela historicidade, mostra o grupo
enquanto sujeito-objeto de sua história. A segunda está relacionada com sua função, enquanto
“vetor do passado coletivo” – um passado não somente associado aos fatos, mas sobretudo a
maneiras de ser e de pensar. Neste ângulo, as representações sociais remetem à memória
social, onde são armazenadas as lembranças daquele grupo.
Neste sentido, a memória social terá um papel importante, pois é aí onde o grupo irá
buscar, escolher e selecionar as provas que vão demonstrar a sua coerência e a sua
diferenciação face aos outros. Nossa concepção e elaboração do mito
contemporâneo como fazendo parte do corpo mnemônico das representações sociais
se inscreve numa visão da Psicologia Social como ciência antropológica e histórica
(KALAMPALIKIS, 2009, p.109).
Os mitos devem ser vistos no estudo em representações sociais como formas
simbólicas do saber, veiculados em si sob a forma de um “imaginário coletivo, herdado,
expresso, mediado, compartilhado e sobretudo, vivenciado em sociedade” (2009, p.112). O
autor completa ao dizer que “captar essas dimensões que se revelam através do senso comum
sob a forma de saber ou de lembrança identitária é, de certa maneira, historicizar a ideia da
sua verdade” (2009, p.112).
Para tentar fazer um esquema hierárquico de todas as formas de saber acima
discutidas, e consequentemente compreender suas interrelações, pode-se dizer que no que se
refere ao enraizamento no tecido cultural de um determinado grupo, mais profundamente
encontram-se as thema, em seguida os mitos, ideologias e crenças. Em um nível menos
enraizado estão as representações, e superficialmente, as opiniões.
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Desse modo, conhecer as thema, mitos e ideologias que originam as representações
sociais do objeto de uma pesquisa permite a compreensão da dinâmica desse processo, sua
construção histórica e consequentemente, a possibilidade de superação, pois embora o
processo de rotinização mostrado por Moscovici tenda a uma naturalização da representação
social, significados e contraditórios podem surgir, e consequentes relações de força entre eles
vão possibilitar a organização de novas categorizações para uma representação. Esse processo
inicia-se no intrasubjetivo, até se estender ao intersubjetivo. Ao emergir um novo significado,
este vai apresentar menor estabilidade, e consequentemente, menor grau de inteligibilidade,
que será melhor compreendido pelas gerações mais novas (MOSCOVICI, 2003).
Em outra teoria de Moscovici – Teoria das Minorias Ativas – é possível compreender
um modo de introduzir novos significados no processo de produção de representações sociais.
As minorias ativas, ao contrário de outras minorias, possuem a capacidade de exercer
influência social de modo a estabelecer novas atitudes frente a uma atitude ou norma, através
de dois processos: oposição consciente à norma majoritária, e manutenção coerente da contra
norma em conflito aberto com a maioria. A exemplo disso, a proposta do universo reificado,
no caso, pesquisadores que trabalham na tríade ensino-pesquisa-extensão, formam subgrupos
que podem ser considerados minorias ativas, uma vez que têm o objetivo de fomentar novos
significados no processo de produção de representações sociais. Embora o presente estudo
não contemple o aprofundamento na Teoria das Minorias Ativas, é interessante salientar que o
mesmo possibilita exploração do fenômeno da mudança e influência social, uma vez que
pretende articular ensino, pesquisa e extensão.
1.2.4 Funções das representações sociais
Moscovici mostra a presença das funcionalidades das representações sociais, ao
elucidar que as representações são prescritivas, ou seja, nos indicam o que devemos ou não
fazer, com base em uma tradição muitas vezes anterior a nossa existência, mas que decreta o
que deve ser pensado. Desse modo, os conhecimentos que se apresentam na representação
social tendem a orientar condutas dentro do grupo que a possui.
Abric (1998, p.29) especifica que as representações respondem a quatro funções
essenciais: função de saber; função identitária; função de orientação e função justificadora.
A função de saber é determinada pelo modo como as representações permitem
compreender e explicar a realidade, pois são a manifestação do esforço permanente do
homem para compreender e comunicar. A função identitária refere-se à característica das
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representações sociais de definir a identidade e permitir a proteção e a especificidade dos
grupos. A função de orientação refere-se a guias de conduta e orientação, uma vez que as
representações guiam os comportamentos e as práticas dos grupos. A função justificadora
permite a justificativa das tomadas de decisão e comportamento.
Segundo Abric (1998), as representações sociais tanto permitem a aquisição de
conhecimentos, quanto à compreensão e explicação da realidade. Estes saberes, igualmente,
orientam as práticas e justificam as tomadas de decisão. Ainda, situam os indivíduos e os
grupos na elaboração de uma identidade grupal/social e a proteção de sua especificidade.
Bauer (1997) acrescenta a quinta função de resistência, como mantenedora da
autonomia de um grupo, agindo de forma a assimilar ideias novas às já existentes,
neutralizando assim a ameaça que uma nova ideia representa para esse grupo. A resistência é
considerada um fator criativo, pois tanto a nova ideia, como o sistema que a hospeda sofrem
modificações neste processo.
Com base nas funções desempenhadas pelas representações, é possível perceber a
importância destas, para a dinâmica da comunicação entre os grupos. Em relação à função de
manutenção da identidade social e do equilíbrio sociocognitivo a ela ligados, Jodelet (2001)
lembra que a representação é um modo de conhecimento sociocêntrico, isto é, atende a
necessidades, desejos e interesses de um grupo. Por esse motivo, e por ser a representação um
processo de reconstrução, a autora mostra que, o conteúdo representativo de um objeto
apresenta uma defasagem em relação a seu referente, caracterizada de três modos: distorção,
quando todos os atributos do objeto estão presentes, porém acentuados ou atenuados; a
suplementação, que consiste em conferir atributos e conotações que não são próprias ao
objeto representado; e a subtração, que corresponde à supressão de atributos pertencentes ao
objeto.
Um conceito complementar à defasagem é a focalização, que é para Moscovici (1978)
uma característica definida pelo ato de se conceder mais atenção a alguns aspectos das
informações recebidas, ou do meio em que se vive, ao mesmo tempo em que mantém certa
distância em relação a outros aspectos. Isso ocorre porque pessoas ou grupos costumam dar
maior destaque às perspectivas que se harmonizem com suas representações anteriores, de
acordo com suas crenças, classes sociais e grupos de pertença. Assim, pode-se dizer que ao
captar informações, estas são marcadas por um sentido, por atributos positivos ou negativos
que serão então ordenadas e justificadas pelo raciocínio.
35
1.2.5 Representações sociais e identidade
A identidade em Psicologia divide-se em dois grupos: identidade pessoal e social. O
primeiro grupo pode ser compreendido como um sistema de representações de si, “um
conjunto de características físicas, psicológicas, morais, jurídicas, sociais e culturais a partir
das quais a pessoa pode se definir, se conhecer e se fazer conhecer, ou a partir das quais o
outro pode defini-la, situá-la ou reconhecê-la” (SANTOS, 1996; p. 61-62). Já o segundo
refere-se atributos que mostram a pertença a grupos ou categorias tais como nacionalidade,
idade, gênero, etnia, religião, profissão.
Identidade em termos psicossociais é vista por Deschamps e Moliner (2009) como um
fenômeno subjetivo e dinâmico, forjada na relação entre as semelhanças e diferenças entre o
eu e o outro e certos grupos, inscritos em uma realidade representada por eles. No prefácio da
edição brasileira da obra de Deschamps e Moliner (2009), Celso Sá define que “a identidade
não é, pois, aquilo que se é, mas sim um conjunto de características que se sente ter, que se
pensa ter, seja em comum com os membros de um grupo – e não de outro – seja de forma
individualmente diferenciada” (2009, p.9).
Os autores destacam que um dos fenômenos mais regularmente evidenciados nas
pesquisas sobre o ser, é a tendência do indivíduo a elaborar e manter uma representação
positiva de si mesmo. Essa tendência constitui o postulado da base da Teoria da Identidade
Social (TAJFEL; TURNER, 1979) que considera que a motivação à valorização do ser é o
fundamento principal da identidade. Para Tajfel (1972, apud Moliner, 2009) a identidade
social está “ligada ao conhecimento que um indivíduo tem de pertencer a certos grupos
sociais, e à significação emocional e avaliativa que resulta de pertencer a esses grupos”. Em
outros termos, o indivíduo terá uma representação que será positiva, se ele apreciar pertencer
a um grupo, onde se valorizam certas características. A valorização de pertencer a um grupo
repousa sobre as comparações entre os grupos realizadas pelo indivíduo. E as comparações
favoráveis dentro do grupo contribuem para a construção de uma identidade social positiva
onde há representação positiva do ser.
Outro fato destacado por Deschamps e Moliner (2009) é que a teoria da identidade
social ainda é atualmente uma das mais citadas e mais utilizadas em Psicologia Social, ao
propor uma descrição da identidade estritamente relacionada aos conhecimentos e crenças de
nós mesmos, e aos conhecimentos e crenças dos grupos aos quais se pertence e dos quais não
se pertence.
36
As representações identitárias – representações de si e representações intergrupos –
constituem a base fundamental do sentimento de identidade. É a partir dessas representações
que se operam as diferenciações e as identificações que permitem ao indivíduo provar sua
singularidade, suas semelhanças e diferenças entre si, o endogrupo e o exogrupo.
Nessa dinâmica da afirmação identitária entre grupos, Deschamps e Moliner (2009)
contribuem ao mostrar a representação como um meio de afirmar certas particularidades de
um grupo, assim como suas diferenças fora dele, de modo a agir sempre em defesa identitária.
Diante dessa necessidade de distinção, os autores caracterizam como dissimilação o processo
no qual os indivíduos podem momentaneamente abandonar crenças as quais aderem, mesmo
que estejam associadas a um grupo antagonista, ou ainda, aceitar crenças às quais não aderem,
ainda que lhes indique que essas crenças são partilhadas por grupos ideologicamente
próximos.
1.2.6 Representações sociais e estudos multidisciplinares sobre o espaço: representações
socioespaciais
Segundo Moscovici (2003), as representações convencionalizam objetos, pessoas e
acontecimentos. A experiência de um indivíduo de determinado grupo, vivida em uma
realidade predeterminada por convenções, vai ser organizada por um sistema condicionado
pelas representações e pela cultura daquele grupo. Entende-se que os arranjos espaciais são
convenções, representam um aspecto convencional da realidade, e por isso impõem
exigências em nossas percepções e pensamentos de modo que podem ser consideradas como
representações socioespaciais.
Jodelet (1982) contribui de forma bastante significativa para o entendimento da
relação entre representações sociais e representações espaciais. Ela contextualiza a busca da
Psicologia Ambiental em compreender a relação bidirecional entre pessoa e ambiente,
mostrando o espaço urbano como um conjunto de elementos materiais e físicos, arquiteturais
e geográficos, que têm um impacto tanto individual quanto social, seja de forma direta, pelas
condições e obrigações que eles impõem, seja de forma indireta, pelo modo de vida que eles
induzem. Ao abordar indivíduo e meio ambiente como mutuamente interdependentes, o
indivíduo torna-se “sujeito social” de um meio ambiente “sócio físico”, produto material e
simbólico da ação humana.
Ao analisar as concepções de representação espacial, Jodelet (1982) mostra que
mesmo quando estudada como produção de um indivíduo mediador da sua relação ao meio
ambiente, as representações espaciais que dizem respeito a uma realidade sócio física, são
37
constitutivamente sociais. Segundo Jodelet, a Teoria das Representações Sociais (Moscovici,
1978, 2003), mostra que estas concorrem para estruturar o espaço urbano como espaço social.
Nessa perspectiva, o espaço em sua materialidade, é visto como objeto de
representação, que pode ser associado a elementos de objetivação de outras representações.
Jodelet (2002) lembra que a relação do sujeito individual ou coletivo com o espaço
passa por significações também no valor simbólico conferido ao “ambiente construído pela
cultura, pelas relações sociais, pelo jogo de poder” (2007, p.34). Assim, a autora mostra que
“o espaço representa uma ordem social, e por esse motivo, presta-se a um jogo de
interpretações, que pode ser analisado por meio das representações construídas pelos sujeitos
sociais” (2002, p.35).
Desse modo, a autora utiliza a expressão “representações sócio-espaciais” para
observar o espaço como objeto de representação, passível de ser associado a elementos de
objetivação de outras representações conforme sugere Andrade (2007), “tais como o ato de
ensinar, da escola, do aluno e da ação docente”, ou no caso desse estudo, a objetivação do
berçário enquanto lugar de trabalho, para as profissionais que o organizam.
A partir de Proshansky (1983), Jodelet utiliza a expressão identidade dos lugares para
se referir a um conjunto de memórias, concepções, interpretações, ideias e sentimentos que
conferem ao espaço identidade – que por sua vez, pode proporcionar ao sujeito que nele
interage sensação de bem ou mal-estar – e por isso fazê-lo se identificar ou não com o lugar.
Andrade (2007) lembra que a identidade do lugar carrega elementos emblemáticos, que
conferem significados à memória pessoal e coletiva, bem como desvela conteúdos identitários
dos usuários.
No presente estudo, lugar é entendido conforme Tuan (1980), que o diferencia do
espaço ao atribuir a este negociação de sentidos e significados. Tuan (1980) mostra que
enquanto ao espaço é atribuída sua dimensão física, o lugar é caracterizado por sua dimensão
simbólica – é o espaço significado, que possui potencial identificador, ou seja, confere
identidade ao grupo que o compõe.
Para a abordagem psicofísica do espaço, Jodelet (2002) retoma a discussão de Seagert
(1981), que define o meio ambiente como material, artefato e matriz. Material, porque o
espaço construído define para o sujeito que o ocupa, oportunidades e imposições, e limita as
suas ações; artefato porque é produzido pelo homem, e por isso, são impregnados de
significados culturais, materializando nos objetos, lugares e práticas sociais as relações e os
modelos culturais de uma época em determinado tempo. Finalmente, o espaço como matriz,
pela possibilidade de gerar, por suas transformações, novos modos de vida e de relações,
38
revelando o espaço como estrutura subordinada e subordinante, que se materializa em objetos,
lugares e práticas sociais enraizadas nas relações e nos modelos culturais de determinada
época. Desse modo, o espaço tem potencial regulador das ações dos sujeitos, mas da mesma
forma também pode ser regulado por eles.
Jodelet (2002) lembra que a relação do sujeito individual ou coletivo com o espaço
passa por significações também no valor simbólico conferido ao “ambiente construído pela
cultura, pelas relações sociais, pelo jogo de poder” (2007, p.34). Assim, a autora mostra que
“o espaço representa uma ordem social, e por esse motivo, presta-se a um jogo de
interpretações, que pode ser analisado por meio das representações construídas pelos sujeitos
sociais” (2002, p.35).
Deste modo, conhecer como as profissionais pensam e organizam o espaço do berçário
possibilita compreender como elas percebem a criança e o seu desenvolvimento, e
consequentemente como representam a si mesmas enquanto profissionais de Educação
Infantil.
Por fim, sendo as representações sociais orientadoras de condutas e práticas dentro de
um grupo, a teoria das representações sociais pode contribuir no esclarecimento das
representações das professoras acerca do seu trabalho docente, bem como das representações
que elas constroem sobre berçário como lugar, onde se forjam identidades profissionais.
As análises empreendidas até o momento oferecem evidências que permitem organizar
o presente estudo conforme os seguintes princípios:
1. A teoria das representações sociais possibilita a compreensão da forma por meio
da qual profissionais do berçário significam, orientam e justificam suas práticas;
2. O espaço, compreendido como matriz sócio-física e como objetivação das
representações sociais daqueles que o organizam, permite a concepção de um
recorte teórico-metodológico propício para o estudo das representações
identitárias. No caso específico deste trabalho, anuncia-se as representações
partilhadas pelas profissionais sobre a atividade profissional junto a crianças de até
um ano de idade. Deste modo, elege-se a categoria profissão como delineadora da
pertença social dos sujeitos envolvidos no estudo.
39
2. ELEMENTOS DE ANCORAGEM PARA O ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES
IDENTITÁRIAS DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Este capítulo pretende abordar alguns elementos de ancoragem que dialogam com a
instância de pertencimento trans-subjetiva das representações sociais, e que possibilitarão a
análise da rede de significações que constituem a profissionalidade docente do profissional de
Educação Infantil. Para tanto, é importante a compreensão da identidade como processo
complexo e dinâmico, constituída individual e socialmente. Deste processo, elegeu-se para
esse estudo, do campo da identidade social – relacionado às pertenças sociais dos indivíduos
pesquisados - a identidade profissional, mais especificamente, as representações identitárias
relacionadas à profissão na Educação Infantil. O estudo dessas representações possibilita,
dentro do campo da Teoria das Representações Sociais, o entendimento de aspectos da
profissionalidade docente construída pelo grupo pesquisado.
Os elementos de ancoragem são pontos de amarração que o indivíduo, no exercício de
interpretar a realidade – e interpretar a si mesmo na realidade – utiliza para estabelecer sua
rede de significados, no caso desse estudo, sobre sua profissionalidade.
Os elementos discutidos neste capítulo referem-se à representação do individualismo
como ideologia que orienta o pensamento ocidental, a construção social da criança e da
família, a origem das instituições de Educação Infantil - particularmente no Brasil – e os
debates sobre como é construída a identidade docente do profissional de Educação Infantil
nesse contexto.
Sobre os aspectos identitários associados ao profissional da Educação Infantil,
entende-se a profissionalidade docente como o conjunto de conhecimentos, habilidades e
atitudes que compõem a competência do professor:
Estes aspectos constituem a subjetividade profissional, que são experiências
apreendidas e adicionadas no cotidiano escolar. É um saber fazer construído
individualmente, por meio de referenciais externos, porém, se tornam próprios e
únicos. São instrumentos construídos pelo próprio professor para deles se utilizar na
profissão, tornando-se um saber pessoal. Este saber não se refere somente à prática,
mas também à maneira de portar-se diante da profissão e entendê-la na interação e
contribuição social, ética e política (ANDRÉ e HOBOLD 2009, p. 224-225).
Para Oliveira-Formosinho (2008) a profissionalidade docente das “educadoras da
infância” diz respeito a uma ação integrada, que a profissional desenvolve junto das crianças e
suas famílias, com base nos seus conhecimentos, competências e sentimentos, assumindo
assim a dimensão moral da profissão. Para a autora, a criança pequena possui especificidades
que requerem de seus profissionais o desempenho de um “papel abrangente”, com fronteiras
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pouco definidas, que reflete em uma profunda integração entre educação e cuidados. Para
compreender o processo de construção dessa profissionalidade específica, a autora mostra a
necessidade de estudar a interação entre as educadoras e seus contextos de aprendizagem,
desde o nível micro – a sala de aula, ou sala de atividades – até o nível macro – os diferentes
grupos os quais convive, como colegas de trabalho, familiares, professores.
Em consonância com a autora, André e Hobold (2009) destacam a relevância da
formação inicial na socialização profissional e na construção identitária dos educadores, de
modo a influenciar significativamente no desenvolvimento de saberes, atitudes e valores que
compõem a especificidade de ser professor. Uma vez que a prática docente é construída social
e historicamente, é organizada pelo conjunto de significados dispostos na cultura, ou seja, por
representações sociais – que circulam nas três esferas de pertencimento – subjetivo, trans-
subjetivo, intersubjetivo.
Em uma abordagem dinâmica, no âmbito do trans-subjetivo, um ponto de ancoragem
importante refere-se ao individualismo como ideologia forjada na sociedade capitalista, que
surge no século XVIII, e que compõe um traço da cultura presente ainda hoje.
Para Farr (1991), o individualismo econômico é responsável pela desintegração da
coesão social das sociedades feudais, responsabilizando o indivíduo por suas próprias ações.
Esse pressuposto é parte da ideologia do sucesso e do fracasso, que Farr mostra regular o
comportamento social em que se elogia um membro bem sucedido, ao mesmo tempo que é
censurado aquele que fracassa. Esse “fato social” é casualmente implicado no processo pelo
qual os indivíduos sentem-se responsáveis por suas próprias ações. Essa representação resulta
em uma visão de sociedade, caracterizada por Lerner (1980 apud Farr) pela ilusão
fundamental da “crença do mundo justo”, onde o indivíduo é legalmente responsável por suas
ações, e essas, por sua vez, resultam em uma crença coletiva de um mundo justo. Farr recorre
a Ichheiser (1943, p.152):
As interpretações errôneas que consistem em subestimar a importância do
situacional, e sobrestimar a importância dos fatores pessoais, não surgem por acaso.
Essas interpretações errôneas não são erros pessoais cometidos por indivíduos
ignorantes. Elas são antes uma consequência consistente e inevitável do sistema
social e da ideologia do século XIX, que nos levaram a crer que nossa sorte no
espaço social dependia exclusivamente ou, pelo menos, predominantemente, das
nossas qualidades individuais – que nós, como indivíduos, e não nossas condições
sociais predominantes, moldamos nossas vidas. (grifos do autor).
A representação do indivíduo como responsável pelas suas ações conduz a uma
interpretação equivocada do fracasso frente ao modelo social imposto. Ao assumir o fracasso
41
como sendo culpa exclusivamente de quem fracassou, tem-se uma percepção
descontextualizada dos processos históricos que contribuíram e contribuem para a
manutenção do status quo.
Esse traço da cultura ocidental influencia a forma como são construídas as
representações sociais sobre os aspectos identitários do profissional docente. No estudo de
Ramos (2011) identificou-se na representação identitária da profissional de Educação Infantil
uma forte ancoragem à imagem da mãe. Este movimento de ancorar em um modelo
circunscrito a um espaço privado o delineamento de um papel social definido pelo coletivo,
mostra a influência do individualismo na principal referência dessa representação.
Outro ponto de ancoragem importante refere-se à compreensão dos significados
construídos sobre criança e infância ao longo da história, e que ainda hoje circulam em
diferentes grupos da sociedade. De acordo com Oliveira (2001), entender a infância enquanto
construção histórica e social, coexistindo ao mesmo tempo com múltiplas ideias de criança e
desenvolvimento infantil, possibilita a compreensão das modificações ao longo do tempo de
práticas educativas e concepções acerca da educação da criança pequena, que por sua vez
geram regulamentações e leis enquanto parte de políticas públicas historicamente elaboradas.
Inicialmente, é comum a associação da ideia de infância a uma categoria etária.
Porém, Sayão (2000) mostra que a infância vai além de uma delimitação de tempo. O termo,
originado na Idade Média, época em que as crianças eram excluídas da pertença social,
apresenta uma visão da infância – cuja origem etimológica vem do latim in-fans, que significa
ausência de linguagem. De acordo com a tradição filosófica ocidental, não ter linguagem
significa não ter pensamento, não ter conhecimento, racionalidade. Essa concepção inicial é
bastante diferente do que hoje é discutido. Segundo a autora, atualmente à infância é agregada
a noção de singularidade, o que situa o contexto da infância como determinado pelo tempo
histórico, pelo espaço geográfico e pelo movimento de categorias que agregam os conceitos
de classe social, sexo, etnia, crença religiosa, entre outras:
Na modernidade tardia – época em que vivemos – as crianças são reconhecidas
tendo como ponto de partida a idéia ou as interpretações que os adultos estabelecem
a partir delas em locais como centros de pesquisas, universidades, nas organizações
de cunho religioso, etc... Estas idéias de infância são amplamente divulgadas pela
mídia o que reforça concepções fechadas que partem unicamente da ótica dos
adultos e que, culturalmente, se incorporam às práticas cotidianas da vida social
(SAYÃO, 2000, p.3).
Pinto e Sarmento (1999), Sayão (2000) e Soares (2001) com base no estudo de
Hendrick sobre a infância, fazem um mapeamento da evolução histórica da infância moderna,
evidenciando que o conceito de infância passa por meio da identificação de diferentes
42
concepções de criança construídas ao longo dos séculos XIX e XX pela sociedade inglesa,
originando imagens de infância que até hoje circulam na sociedade. A primeira descrita surge
no século XVIII, quando a influência rousseauniana origina uma concepção romantizada da
criança, valorizando fundamentalmente sua inocência e naturalidade; um ser puro e frágil, que
precisa ser afastada da sociedade para não ser prejudicada. Essa imagem aproxima-se daquela
caracterizada por Chombart de Lauwe (1976) como a da criança mitificada.
Da Revolução Industrial nasce a criança-operária, potencial vítima das transformações
econômicas, sociais e familiares, que até o presente continua sendo evidenciada nos estudos
sobre o trabalho infantil. Em meados do século XIX os movimentos filantrópicos iniciaram
campanhas de denúncia e sensibilização relativas às condições sub-humanas das crianças
operárias. Desse movimento surge a criança delinquente, que também hoje se apresenta nos
estudos sobre meninos de rua.
Durante os séculos XVIII e XIX surge a criança médico-psicológica, resultado da
preocupação com a necessidade de se obter respostas científicas acerca do desenvolvimento
infantil. Segundo Sayão (2000), essa imagem vai sendo incorporada a partir do crescente
avanço da Medicina e da Psicologia na modernidade e “sobrepõe à infância a ideia de
“cuidado” - o que implica numa oposição à concepção de criança como sujeito ativo do
processo social” (2000, p.5). Ao fim do século XVIII, com o desenvolvimento da escola
pública surge a criança-aluna, na contracorrente da criança delinquente, a partir das
tendências de socialização que acentuam a escola como um dos principais meios para
moralizar as crianças e evitar a reprodução de comportamentos desviantes e perturbadores da
ordem social.
Complementarmente a essas últimas, os autores destacam a criança como membro da
sociedade de bem-estar, que agrega a ideia de proteção e associa políticas assistenciais para a
infância, que vai orientar a concepção das instituições de guarda, regidas pela
disciplinarização do tempo e do espaço, associada à ideia de cuidado.
Ainda surgem as imagens de criança como membro da família e da criança-pública,
construídas a partir das noções de proteção da família e do reconhecimento da criança como
membro do espaço público.
Por último, a imagem da criança-cidadã – que embora não tenha sido analisada ou
identificada pelo estudo de Hendrick, os autores mostram que ela aparece atualmente nas
reflexões feitas acerca das políticas e pedagogias que tentam reconhecer as crianças como
atores sociais e que, portanto, possuem direitos.
43
Estas imagens mostram que as representações de criança que perpassam pela história
da humanidade, vão desde a ausência de um sentimento de infância, partindo para um
sentimento de proteção, de um ser inacabado, frágil até a emergência de um novo paradigma
construído a partir da concepção de infância que emerge das áreas de Sociologia da Infância,
Psicologia do Desenvolvimento, Antropologia da Infância, Geografia da Infância, e que
reconhece as crianças como sujeitos produtores de cultura. Esses significados historicamente
construídos orientam a definição de práticas sociais e de universos de socialização destinados
à criança ao longo do tempo. Os universos de socialização (CHOMBART DE LAWE,1991)
são definidos por adultos e destinados à criança, e estabelecem estruturas de oportunidades,
que por sua vez influenciam a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças, que vão se
organizar de acordo com significados orientadores, partilhados no tecido cultural.
Ariès (1981) compreende a infância como um acontecimento moderno, como um
fenômeno que antes de uma realidade biológica, é um fato cultural. O autor mostra que os
sentimentos e as atitudes diante das crianças modificam-se e incorporam-se às mentalidades,
fazendo emergir um conceito de infância que se consolida a partir do século XVII (BUJES,
1999) na construção social da família e da escola.
Para Foucault (1997), a construção social da família e consequentemente, o
reconhecimento da criança estão diretamente relacionados com a mudança do sistema político
e econômico e a nova forma de poder que se inicia no ocidente. Essa nova paisagem social
que surge a partir do século XVIII, exige uma nova organização social e consequentemente,
nova relação entre adulto e criança. Isso se deve ao fato de que o poder, antes concentrado na
figura do monarca, agora é distribuído em uma nova forma de governar. Se o poder soberano
antes se exercia pela ameaça de morte, agora o seu papel mais importante é de garantir,
sustentar, multiplicar a vida. Ao se impor o direito à vida, os corpos dos indivíduos passam a
se tornar os novos alvos do poder. Segundo Foucault, o corpo é visto como máquina,
adestrado, ampliado em suas aptidões, extorquido de suas forças, ao mesmo tempo que cresce
em utilidade e docilidade, integrando-se nos sistemas de controle eficazes e econômicos. No
entanto, o poder necessita também exercer-se num outro âmbito, mais amplo, que se refere ao
corpo enquanto suporte dos processos biológicos (FOUCAULT, 1997).
Para garantir a vida, a saúde, e a proliferação da espécie, de acordo com Foucault
(1997), intervenções e controles são estabelecidos com a finalidade de regular tais processos:
“as disciplinas do corpo e as regulações da população constituem os dois pólos em torno dos
quais se desenvolveu a organização do poder sobre a vida” (ib. p. 131), o bio-poder.
44
De acordo com o autor, o controle do bio-poder foi o elemento indispensável para o
desenvolvimento do capitalismo, que só pode ser garantido
à custa da inserção controlada dos corpos no aparelho de produção e por meio de um
ajustamento dos fenômenos de produção e por meio de um ajustamento dos
fenômenos de população aos processos econômicos. Mas o capitalismo exigiu mais
do que isso; foi-lhe necessário o crescimento tanto de seu reforço quanto de sua
utilizabilidade e sua docilidade; foram-lhe necessários métodos de poder capazes de
majorar as forças, as aptidões, a vida em geral, sem por isso torna-las mais difíceis
de sujeitar (FOUCAULT, 1997, p.132).
Assim, a família torna-se instrumento para o governo da população, e as crianças
passam a ser alvo privilegiado destas operações que administram os corpos: tornam-se objetos
de operações políticas, de intervenções econômicas, de campanhas ideológicas de
moralização e de escolarização; de uma intervenção calculada.
Se a nova conjuntura econômica que se anuncia pelo capitalismo requer mão de obra
para fazê-lo funcionar, a família precisa ser responsável pela geração que segue. Devido às
condições econômicas e políticas da época, toda a responsabilidade de cuidar da prole é
atribuída à mulher (ARIÈS, 1981) em nome do bem estar coletivo. Para o autor, até o século
XVII o amor materno, tal como hoje se concebe, era inexistente.
Badinter (1985) afirma que foi preciso apelar para os sentimentos femininos para que
as mulheres aceitassem suas tarefas maternas. Assim, moralistas, administradores, médicos
empenharam-se na tarefa de persuadi-las. Nesta ocasião surge, segundo a autora, a associação
de duas palavras: “amor” e “materno”, que significa não só a promoção do sentimento, como
também a elevação do estatuto da mulher enquanto mãe. Torna-se imperativo que ela assuma
os cuidados com a criança. A perda de crianças passa a interessar ao Estado que, desta forma,
também, perderia pessoas que mais tarde poderiam servi-lo.
Após 1760, as publicações a respeito do amor materno se tornam abundantes, na
tentativa de modificar radicalmente a imagem da mulher. Assim foi “engendrado o mito que
continua bem vivo duzentos anos mais tarde: o do instinto materno, ou do amor espontâneo,
de toda mãe pelo filho” (BADINTER, 1985, p.145).
A partir das leituras de Badinter (1985) pode-se pensar que o discurso sobre o amor
materno influenciou a construção da identidade profissional de professores da Educação
Infantil, pois de acordo com os discursos da sociedade do século XVIII, o futuro da nação
dependia da boa vontade das mães, que deveriam assegurar aos seus filhos não só cuidados
físicos, mas também sua educação. Dessa forma, uma parte importante de sua formação
intelectual contemplava a imagem da mãe educadora.
45
Pesquisas recentes, como a de Ramos (2012) mostram a maternidade como ponto de
ancoragem dos discursos sobre o profissional da Educação Infantil, que de acordo com alguns
autores, ao ser associada à ordem do doméstico sugere a desvalorização do trabalho docente.
Em um panorama mais amplo, ainda hoje o profissional que trabalha com crianças
pequenas é pouco reconhecido. Para Moss (2011) existe uma uniformidade e uma
conformidade hoje, no que se refere à primeira infância, tanto no âmbito do pensamento
quanto da prática. A primeira infância anglo-americana para Moss é moldada por uma série de
perspectivas: quanto à disciplina, refere-se à psicologia do desenvolvimento; o neoliberalismo
como orientação política e econômica, que por sua vez é ordenada por uma perspectiva
filosófica específica, o pensamento Iluminista, que orienta para:
Um mundo ordenado, certo, controlável e previsível, construído sobre fundamentos
de leis, explicações e propriedades descontextualizadas, conhecidas e universais;
conhecimento como algo que espelha o mundo objetivamente, separado de valores e
políticas e revelado pela ciência e pela razão, as quais ocupam um ponto de vista
universal e isento de valores; separação da razão e da emoção; progresso linear; a
superioridade do Ocidente; e uma única solução verdadeira para qualquer problema
e ditada pela razão (MOSS, 2011, p.236).
Esse estudo de Moss se mostra como um exercício para se pensar a infância como
criação de uma sociedade, influenciando diretamente nas escolhas politicas e pedagógicas.
Esse relato é emblemático, no sentido de compreender a afirmação de Rinaldi (apud MOSS,
2011, p.242) que enfatiza ser a infância uma criação da sociedade, e ao escolher uma imagem
de criança para compô-la, é feita uma escolha política e pedagógica. O autor mostra que em
países como Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, as instituições de serviços para a
primeira infância são conceitualizadas a partir de parâmetros de qualidade que consideram a
instituição infantil como uma “usina de processamento”, onde seus serviços são direcionados
a intervir na “redução de comportamentos criminosos e indesejáveis” (2000, p.241). Sua
administração enfatiza o controle, a vigilância e a regulamentação com vistas ao resultado
esperado.
Nesse contexto, a atual força de trabalho nos serviços para a primeira infância na
Inglaterra e em outros países, está fragmentada em um grupo pequeno de professores bem
treinados e relativamente bem pagos, e o restante recebe baixa formação e é mal pago,
resultando em duas construções dominantes de primeira infância: como substituta da mãe e
como um técnico de nível inferior para executar tecnologias prescritas. Ambas construções
por ele definidas conduzem a uma natural feminização do trabalho com crianças pequenas.
46
No Brasil, também é possível perceber essas duas categorias de profissionais. Grande
parte dos profissionais que atuam nas creches brasileiras não têm formação específica, prática
afirmada pelas próprias políticas públicas que regulamentam a profissão.
A dicotomia entre cuidar e educar tão discutida na Educação Infantil suscita discussão
em torno do significado do cuidar associado às práticas historicamente construídas nas
instituições de atendimento à criança pequena.
O cuidado no cotidiano das creches brasileiras já foi abordado por diversos estudos.
Montenegro (2001, 2005) lembra que o termo “cuidado” substituiu o que até na década de
1980 era denominado de “guarda" nestas instituições. Esse movimento acompanhou a
passagem da creche da assistência para a creche como instituição educativa, o que também
implica na ampliação do debate sobre a profissionalização daqueles que atuam nestas
instituições.
Para Montenegro (2005), o significado do termo cuidado não é consensual entre os
que estão envolvidos na Educação Infantil, e são muito poucos os estudos que abordam tal
questão. Desta maneira, é importante qualificar o sentido deste termo, uma vez que o mesmo
caracteriza-se por ser uma função fundamental da creche. A dificuldade em significar o
cuidado pode ser explicada principalmente pelo componente emocional que este carrega, pois
além de ser uma habilidade técnica, é uma qualidade relacional, uma disponibilidade para a
relação com o outro.
Para aprofundar a discussão sobre o termo cuidado, Montenegro (2001, 2005) mostra
uma dupla origem no vocábulo cuidar: cogitare, oriunda do latim, frequentemente associada a
pensar, imaginar; e curare, que traz o sentido de tratar de. Entende-se então que cuidar não
apenas envolve uma habilidade técnica, mas uma atenção, reflexão, contato, que somados ao
componente emocional envolve também carinho, atenção ao outro. Deste modo, trata-se de
algo ao mesmo tempo relacionado ao corpo, emoção e mente, de modo integrado. Cuidado
também não se restringe ao campo da introspecção, mas implica também atitudes para com o
outro, podendo dirigir-se a coisas ou pessoas, voltados para si e para o mundo.
Ao estudar o cuidado no campo dos estudos da moralidade, Montenegro (2005) mostra
que das virtudes humanas, a que mais se aproxima do cuidado é a generosidade. A discussão
sobre o cuidado passa a ser de ordem moral quando se considera o direcionamento da
afetividade, da emotividade, portanto da atenção para o cuidado:
Se o cuidado é um processo que inclui componentes morais, cognitivos e
emocionais, derivados de um contexto cultural, a formação das educadoras,
47
principalmente no que se refere ao exercício da função de cuidar de crianças
pequenas, envolve não só as comumente referidas áreas de conhecimento, mas,
também, a educação moral (MONTENEGRO, 2005, p.20)
Na Educação Infantil, a discussão sobre o cuidado na perspectiva da educação moral
contribui não só para autonomia dessas educadoras, mas também para torná-las sensíveis às
necessidades do outro, o que implica:
[...] adotar uma concepção de moralidade que não se limite à noção de justiça como
direito universal, portanto impessoal– não deixando de reconhecer sua importância –
mas que inclua situações específicas, em que os dilemas morais ocorrem,
considerando os vínculos relacionais entre os indivíduos envolvidos, e reconheça,
com isso, o caráter pessoal na resolução dos conflitos morais. A inclusão desses
aspectos pessoais e relacionais num paradigma teórico traz à tona, necessariamente,
a discussão sobre valores individuais, assim como a relevância da formação de
valores morais, que entendo como educação moral. (MONTENEGRO 2001, p. 106-
107)
A partir disso, pode-se afirmar que o cuidado promove uma dimensão de liberdade e
generosidade nas pessoas que a ele se dedicam, além de autoestima e valorização de si. Para
Montenegro (2005), essa é uma pista importante ao rever o conceito de cuidado na relação
dos profissionais de Educação Infantil com as crianças. Essa discussão vai ao encontro do que
defende a Pedagogia da Infância, que respeita e considera a criança “desde o nascimento
como produtora de conhecimento e cultura, a partir das múltiplas interações sociais e das
relações que estabelece com o mundo, influenciando e sendo influenciada por ele, construindo
significados a partir dele” (CERISARA, 2004). Para isso, deve-se repensar o trabalho
docente, que na perspectiva de Tardiff e Lessard (2005) pode ser dividido em duas categorias:
o trabalho codificado e o trabalho não codificado. O primeiro considera os aspectos mais
formais da profissão, aqueles codificados, rotineiros, voltados para o cumprimento das
obrigações, normas, regulamentos, procedimentos. As atividades obedecem a um padrão
inalterável. Nessa perspectiva, não são levadas em consideração nem a heterogeneidade e nem
a diversidade dos sujeitos envolvidos. Nas creches, o trabalho codificado pode ser associado à
rígida rotina quanto aos horários de alimentação, sono, higiene, bem como a organização do
espaço orientada pela perspectiva adultocêntrica.
O trabalho não codificado é definido por Tardiff e Lessard (2005) pela flexibilidade
que o docente possui em interpretar e executar seu ofício, de modo a valorizar as atividades de
aprendizagem e o uso de técnicas pedagógicas. Embora existam as regras institucionais
determinadas, os autores mostram que tanto os alunos como professores conseguem construir
48
canais e situações escapes que lhes permitem resistir a total passividade, possibilitando novas
ressignificações e abertura à múltiplas influências.
Embora os autores se refiram à profissão docente de modo amplo, o trabalho não
codificado na Educação Infantil pode ser pensado a partir da compreensão das singularidades
dos bebês e das crianças de forma geral, que possibilita um olhar diferenciado, organizando a
rotina da creche de modo mais flexível. Picanço (2008) sugere alternativas estabelecidas com
base na escuta, negociação e observação, tornando possível uma prática pedagógica que
valorize a diversidade e a heterogeneidade como fontes de aprendizagens, bem como
considerar a instituição infantil como um lócus privilegiado para o desenvolvimento e a
aprendizagem.
Uma vez que se compreende o desenvolvimento humano dentro da cultura de um
grupo, sendo todos os artefatos produzidos pelo homem, constituídos pela cultura, pode-se
pensar o espaço como um artefato cultural produzido pelo homem a partir de representações
espaciais partilhadas pelo seu grupo. Em outras palavras, o espaço é organizado a partir das
representações que seus usuários têm acerca de sua função ou uso. Assim, a análise do espaço
do berçário revela a objetivação das representações que as profissionais que nele atuam têm
quanto as suas práticas e crenças. Desse modo, elege-se o espaço do berçário como outro
elemento de ancoragem nesse estudo.
Conforme Lopes (2009), para compreender o ser humano em sua condição histórica,
não se pode negar a sua condição geográfica. Tal pressuposto instigou o autor a pensar as
crianças nos espaços a elas destinados:
O espaço das crianças é portanto, um espaço geográfico, e pensar suas ações sobre
este deve ser percebido nessas condições. A experiência sensório-motora, a
percepção ambiental não pode ser compreendida apenas como um conjunto de
maturações e ações, mas sim em planos culturalmente construídos, em que o
processo de mediação está sempre presente (LOPES, 2009, p.128).
Neste sentido, o autor mostra que a cultura de cada grupo atua como elemento
mediador entre o Eu-individual e o espaço que o cerca, fazendo da nossa relação com o
espaço, uma mediação simbólica.
No contexto deste trabalho, o que se quer destacar é como a espacialidade reflete e
influencia os processos identitários dos adultos que trabalham em berçários.
Segundo Campos-de Carvalho (2008) os aspectos físicos ambientais influenciam e ao
mesmo tempo refletem o modo como as pessoas, crianças e adultos, sentem, pensam e se
comportam em um determinado contexto ambiental.
49
Por exemplo, bebês e crianças pequenas respondem mais prontamente a referenciais
físicos do ambiente texturas, cores, vibrações, formas, barreiras, sons, vozes,
presença de marcos físicos, etc. para se orientarem no espaço, para compreenderem
o que é socialmente apropriado em diferentes espaços e para determinarem que
lugares são seguros ou não. O desenvolvimento de bebês e crianças pequenas é
otimizado quando todo o espaço físico forma e volume da sala, chão, teto, paredes e
superfícies horizontais e verticais é planejado para dar suporte às suas necessidades
desenvolvimentais e às suas atividades, bem como às dos adultos que os educam e
deles cuidam (OLDS, 1987 apud CAMPOS-DE-CARVALHO, 1993).
De acordo com os Parâmetros Básicos de infraestrutura para instituições de Educação
Infantil (BRASIL, 2006), o espaço destinado a crianças de zero a um ano deve ser
concebido como local voltado para cuidar e educar crianças pequenas, incentivando
o seu pleno desenvolvimento. As crianças de 0 a 1 ano, com seus ritmos próprios,
necessitam de espaços para engatinhar, rolar, ensaiar os primeiros passos, explorar
materiais diversos, observar, brincar, tocar o outro, alimentar-se, tomar banho,
repousar, dormir, satisfazendo, assim, suas necessidades essenciais. Recomenda-se
que o espaço a elas destinado esteja situado em local silencioso, preservado das
áreas de grande movimentação e proporcione conforto térmico e acústico (2006,
p.11).
Haddad (199610
) orienta a pensar o espaço da creche em uma dimensão de ambiente,
que deve conter o que denomina de “focos de interesse”, que vão orientar a organização das
crianças. De acordo com a autora, as crianças se agrupam em função dos seus interesses – que
pode ser brincar junto, um objeto ou conjunto de objetos, ou ainda uma ideia ou
possibilidades que aquele conjunto pode suscitar. Com isso, é possível afirmar, que o espaço
organiza além do movimento, as ideias, as intenções, os interesses da criança.
Essa afirmação dialoga com o conceito de affordance (Günther, 2003), que em uma
abordagem ecológica do espaço, mostra uma reciprocidade indivíduo e ambiente, de modo
que um define e é definido pelo outro. Para o autor, todo espaço possui affordances, definidas
como aquilo que o ambiente oferece para quem o ocupa, ou seja, são estruturas de
oportunidades percebidas, dispostas no espaço e disponíveis para serem ou não utilizadas. No
espaço educacional, essas oportunidades podem ou não facilitar o desenvolvimento e
aprendizagem.
Andrade (2007 p.108) diz que “as situações de organização e ocupação do espaço
baseiam-se nas representações construídas pelos sujeitos sociais que, por sua vez, estariam
relacionadas com as formas materiais e com os reguladores sociais do espaço”. Em seus
estudos sobre o espaço, a autora recorre a Sennet (1990) para compreender os espaços das
instituições educativas a partir da díade espaço linear e espaço narrativo. Para a autora, o
10
Retirado de documentário intitulado “Organização do espaço e do tempo”, elaborado pela TV Univesp em 18
de novembro de 2010. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Gdg2j_Y-BsQ
50
espaço narrativo pode ser entendido como um espaço aberto para desenvolver as atividades
imprevisíveis de eventos que se colocam de forma aberta para criar uma história. Essa história
pode ser objeto de interpretação ou ponto de partida para outras histórias. Já o espaço linear
pode ser definido como um espaço cuja forma segue a função.
Desse modo, o espaço se comporta como referência identitária para o adulto e para a
criança que o ocupam. Identificar as significações que o grupo de profissionais constrói sobre
o berçário como lugar de trabalho permite compreender as representações sociais partilhadas
pelo grupo sobre a identidade profissional deste, bem como sobre a criança e o seu
desenvolvimento em contexto educacional.
Ao comparar os espaços descritos com as categorias de Tardiff e Lessard, a
linearidade comporta o trabalho codificado, assim como dispositivos de disciplinarização
anunciados como o bio-poder de Foucault, enquanto que o espaço narrativo é aquele do
trabalho não codificado.
Os pontos de ancoragem ora apresentados mostram que a profissão docente na
Educação Infantil está inserida numa rede de significados marcada pelo individualismo, pela
representação da criança como um ser de falta, por uma ética do cuidado marcada pela ideia
de um adulto protetor e diretivo, e por uma dimensão codificada do trabalho docente – são
esses alguns dos elementos mais presentes na memória social, na tradição.
As discussões atuais vêm revisitando esses elementos no campo da profissionalidade
da Educação Infantil, seja nos processos de formação, seja nos grupos de pesquisa – no
discurso reificado – na tentativa de contribuir para trazer novos significados, como a
discussão da ética do cuidado, o entendimento das múltiplas infâncias, de modo a produzir
novas representações acerca desse profissional, que não necessariamente estão presentes nos
discursos dos sujeitos entrevistados.
51
3. OS CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA
Este capítulo apresenta o percurso metodológico realizado. A partir das questões
norteadoras que orientam esse estudo, serão apresentados os objetivos – geral e específicos –
e em seguida será descrito o caminho trilhado, contextualizando o universo pesquisado em
cada etapa da investigação.
3.1 Objetivo geral
Conhecer a rede de significados subjacentes à compreensão do berçário como lugar de
trabalho, e capturar as representações identitárias destas profissionais.
3.2 Objetivos específicos
Analisar os significados compartilhados acerca dos objetos de representação – mãe,
babá, bebê e professora de bebês;
Identificar, na articulação das significações dos objetos de representações
apresentados e nas práticas educacionais orientadas pela organização espacial,
elementos identitários vinculados à profissão.
3.3 Contextualização da pesquisa: a rede municipal de atendimento à criança de até três
anos da cidade Cuiabá
O estudo de Sousa (2008) mostra que inicialmente lotadas na Secretaria de Assistência e
Bem Estar Social, a rede de creches do município de Cuiabá visava atender às crianças de 0 a
6 anos que estivessem em situação de risco e vulnerabilidade social, conforme legislação da
Educação e da Assistência Social. Ao constatar a pobreza, o aumento do índice de
desemprego, da violência e a falta de condições de muitas famílias de suprirem as carências
mínimas de seus filhos, as primeiras creches originaram-se na intenção de criar condições
para que a população adulta pudesse trabalhar, deixando seus filhos em segurança. Sousa
(2008) relata que a rede governamental, embora contasse com pedagogos, psicólogos,
nutricionistas, enfermeiras e recreadores no quadro profissional, privilegiava ações de
assistência às famílias e a manutenção dos direitos das crianças, na medida em que, segundo
servidores da época, era prioridade realizar as visitas e levantar as condições socioeconômicas
das crianças, além de encaminhá-las ao atendimento assistencial básico.
As primeiras creches municipais inauguradas em Cuiabá (1985/1986) surgiram a partir
de organizações já existentes, como clube de mães e associação de moradores. Inaugurada a
52
primeira unidade em julho de 1985, a Creche Santa Inês, do bairro Poção, não tinha distinção
na formação da clientela. Já a segunda, inaugurada em fevereiro de 1886, denominada Creche
Espaço Livre, no Bairro Araés, era destinada aos filhos de servidores públicos municipais.
Nesta época, segundo Sousa (2008), exigia-se da mãe da criança um comprovante de trabalho
como condição para fazer a matricula da criança, que era suspendida se a mãe ficasse
desempregada. Ainda era exigido da mãe um dia de trabalho por mês, independente da
condição trabalhista, entre outras situações, que para a autora, funcionavam como
mecanismos de controle criados pelos gestores das antigas Secretarias de Estado de Promoção
Social e Municipal de Bem-Estar Social sobre as poucas vagas existentes, insuficientes para
atender as comunidades.
Sousa (2008) mostra que
diante da demanda de necessidades, as creches foram colocadas à disposição da
comunidade para suprir as más condições de moradia e estrutura dos bairros,
deficitários em espaço e estrutura de moradia, serviços públicos e outros capazes de
abrigar eventos comunitários. As creches e escolas em alguns casos ainda
constituíam o único espaço público possível de se ocupar para reunir pessoas nos
bairros periféricos. Ainda hoje é de praxe realizar casamentos, reuniões e festejos
populares nessas instituições (2008, p.59).
No período de 1996 à 2005, a ampliação da demanda resulta na expansão da rede de
creches em número de prédios e de vagas, saltando de 08 para 43 creches, disponibilizando
cerca de 4 mil vagas para atender crianças de 4 meses à 3 anos e 11 meses, conforme
estabelece a LDB Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu
artigo 23. Concomitantemente à expansão de vagas, a funcionária mais antiga da rede relata a
perda da qualidade do serviço antes oferecido, no que se refere a oferta de recursos humanos –
médicos, enfermeiras, psicólogos e assistentes sociais – e materiais, como fraldas, roupas e
agasalhos para as crianças.
Das 4311
creches municipais distribuídas na cidade de Cuiabá, oito delas possuem
berçário. Destas, sete12
participaram da pesquisa, distribuídas pelas quatro regiões
administrativas da cidade conforme tabela a seguir:
11
Dado do ano em que foi realizada a pesquisa de campo, 2011. Em 2012, um CEI –Centro de Educação Infantil
com berçário foi inaugurado, e a previsão é que outros CEI iniciem suas atividades a partir de 2012. Dados da
Secretaria Municipal de Educação atualizaram para 48 o número de creches em Cuiabá no ano de 2013. 12
Em uma das creches, a pesquisa não foi autorizada pela direção.
53
Tabela 1 - Distribuição dos berçários por região administrativa
Regional Norte Creche Municipal Wilmon Ferreira de Souza
Regional Sul Creche Municipal Rafael Rueda (CAIC Pedra 90)
Regional Leste Creche Municipal Caic Eldorado
Creche Municipal Lucila Fortes
Creche Municipal Risoleta Neves
Creche Municipal Santa Inês
Regional Oeste Creche Municipal Elzira Cavalcante
Creche Municipal Espaço Livre
O quadro de profissionais que trabalham nas creches é distribuído em dois turnos, e no
caso do berçário, deve obedecer a proporção de uma profissional para cada cinco crianças.
Assim, no ano de 2011, 70 profissionais eram distribuídas pelos oito berçários municipais,
atendendo ao todo, 350 crianças.
3.4 Etapas da pesquisa, plano de coleta e processamento de dados
No que se refere às pesquisas em representações sociais no campo educacional, não se
privilegia uma metodologia específica (SÁ, 1998). Desse modo, o pesquisador pode escolher
a técnica de coleta e processamento de dados que seja mais adequada aos objetivos que se
quer alcançar.
No caso desse estudo, o recorte metodológico inspira-se tanto na perspectiva estrutural
do estudo em representações sociais – para investigação da estrutura das representações
investigadas – quanto na perspectiva dinâmica, a partir da investigação dos processos de
objetivação e ancoragem dos sujeitos pesquisados.
Os procedimentos metodológicos empregados nesse estudo resultam em uma
abordagem plurimetodológica, com a adoção de técnicas qualitativas e quantitativas, de modo
a triangular os dados obtidos na pesquisa de campo (GÜNTHER, 2006) e assim, verificar a
exatidão dos resultados dos dados da pesquisa.
Günther (2006) ao comparar pesquisas quantitativas e qualitativas remete ao chamado
paradoxo da psicologia, pois existe um confronto entre o estudo de caso – objeto de interesse
da psicologia pelo aprofundamento de um evento individual – e a necessidade de estabelecer
parâmetros para os atributos desse evento – oriundos de estudos quantitativos, que geram
resultados generalizáveis, isto é, parâmetros.
54
Desta maneira dilui-se a controvérsia entre o estudo de caso, i.é, uma investigação
profundada de uma instância de algum fenômeno, e o estudo envolvendo um
número estatisticamente significativo de instâncias de um mesmo fenômeno, a partir
do qual seria possível generalizar para outras instâncias. Além do mais, num estudo
de caso é possível utilizar tanto procedimentos qualitativos quanto quantitativos
(2006, p.204).
Para o aprofundamento apropriado que requer um estudo de caso, escolheu-se uma das
oito creches descritas acima. A escolha foi feita a partir de vários fatores: a creche em questão
é uma das mais antigas e por isso é uma referência na cidade de Cuiabá; atende a um grande
número de crianças; os funcionários recebem com frequência os estudantes de graduação dos
cursos de Pedagogia e Psicologia, e por isso permitem uma maior abertura para atuação; e por
fim, pela manifestação do desejo dos profissionais em participar do projeto do GPPIN, que
previa a ação conjunta de duas pesquisadoras, com pesquisas distintas, mas
complementares13
.
Com a finalidade de conhecer melhor o grupo de profissionais de berçário da rede
municipal e de estabelecer possíveis parâmetros necessários ao estudo de caso, foi realizada
uma etapa de coleta de dados a toda a rede de berçários do município de Cuiabá, que será
descrita adiante.
As fases então foram organizadas em estudo 1 e estudo 2, conforme mostra a figura:
Ilustração 2 – Organização dos estudos 1 e 2
13
O estudo de mestrado intitulado Marcações sócio-espaciais no berçário e sua influência no comportamento de
bebês desenvolvido pela mestranda Iury Lara Alves, intenta compreender o comportamento dos bebês e sua
relação com o espaço do berçário que ao longo da pesquisa, sofreu intervenções no espaço – inicialmente
disposto em arranjo aberto com ênfase nas praticas de cuidado, passando para organização de zonas circunscritas
de atividade lúdica – utilizando para isso registro por meio da videografia e observação participante.
55
O estudo 1 objetiva uma visão geral do grupo estudado. Abrange procedimento de
coleta de associação de palavras e entrevistas semiestruturadas a 35 profissionais dos oito
berçários da rede. O estudo 2 consiste em procedimento de estudo de caso no berçário
selecionado, composto por observação participante da rotina do berçário14
, entrevistas
semiestruturadas no início e no fim da observação. Cronologicamente, os estudos se
interpõem na medida que se complementam, do geral para o específico e vice-versa.
3.4.1 Estudo 1
3.4.1.1 Associação livre de palavras
A técnica de associação livre de palavras tem, segundo Oliveira et al (2005) origem na
Psicologia Clínica e na Neurologia. É utilizada como técnica de coleta de dados na pesquisa
científica por duas razões: possibilita a apreensão das projeções mentais de maneira
espontânea e a revelação de conteúdos que podem ser mascarados em uma entrevista; e por
ser uma técnica em que se obtém o conteúdo semântico de forma rápida e objetiva, reduzindo-
se assim, as dificuldades e limites do trabalho de campo. Ainda segundo Oliveira et al (2005,
p.575), a técnica tem o objetivo de “apreender a percepção de um grupo social a partir de uma
composição semântica preexistente”. É comum o emprego dessa técnica em grupos de
sujeitos. No caso desse estudo, a técnica foi empregada individualmente no início de cada
entrevista, com auxílio de gravador, lápis e papel.
Para maior comodidade do grupo a ser entrevistado, o local da coleta foi realizado no
próprio local de trabalho. Antes de iniciar a coleta, cada participante foi devidamente
esclarecido quanto ao procedimento de coleta de dados. Em seguida, foi oferecido um termo
de consentimento livre e esclarecido para ser assinado por cada participante. Esse termo foi
confeccionado em conformidade com o Comitê de ética e pesquisa envolvendo seres humanos
do Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM/UFMT) – Resolução portaria 196/96.
A técnica consiste em pedir aos sujeitos participantes que escrevam em um papel um
número pré-definido de palavras que lhes vem a cabeça ao ouvirem o mote indutor anunciado
pelo pesquisador. Em seguida, é pedido que as palavras sejam numeradas seguindo uma
14
O berçário foi selecionado devido ao histórico de trabalhos anteriores realizados no local, bem como da
manifestação de interesse por parte da equipe pedagógica, possibilitando assim a inserção da equipe de pesquisa.
56
ordem de importância. A palavra mais importante deve ser justificada formando uma frase
que contenha a palavra relacionada ao mote indutor.
Os motes indutores escolhidos foram bebê, mãe, babá e professora de bebês15
. Para
cada mote, eram pedidas ao entrevistado cinco palavras, seguidas de hierarquização, em
consonância com Abric (2003, apud, OLIVEIRA, 2005), que mostra a relevância do sujeito
pesquisado atribuir uma ordem de importância ao analisar as evocações, a partir da
justificativa de que o conteúdo essencial das associações pode aparecer apenas depois de uma
fase de aquecimento e de redução de mecanismos de defesa. Por último, era pedido uma frase
para ser usada como justificativa da palavra mais importante, procedimento útil no momento
de padronização dos dados conforme preparação do banco de dados para ser processado pelo
EVOC.
Estudos anteriores, como os de Braga (2010), Lima (2010) e Ramos (2012)
apresentaram análises comparativas entre o processamento dos dados por ordem de
importância e de evocação. Assim, o presente estudo levará em consideração tanto a ordem de
importância quanto a ordem de evocação das palavras.
Para o processamento dos dados, utilizou-se o programa computacional Ensemble de
Programmes Permettant l’Analyse des Evocations – EVOC, desenvolvido por Vergés (1984),
que utiliza os critérios de frequência e de ordem média de importância. Estes índices são
combinados de forma a identificar os elementos estruturais das representações sociais
investigadas. Os resultados são distribuídos em quatro quadrantes: núcleo central, primeira
periferia, zona de contraste e segunda periferia. O núcleo central apresenta os elementos mais
frequentes e considerados de maior importância para o grupo. Na primeira periferia estão os
elementos que também possuem altas frequências, no entanto, não tem a mesma importância
para o grupo. Na zona de contraste é possível encontrar palavras evocadas por poucos
sujeitos, ou seja, com baixas frequências, porém consideradas importantes para determinado
subgrupo, possibilitando encontrar subgrupos que partilham conteúdos diferenciados da
representação estudada.
A segunda periferia é caracterizada por elementos com baixa frequência cuja
importância foi secundarizada pelos depoentes. No entanto, os atributos ali alojados
estabelecem relação com a prática cotidiana do grupo, além de identificar elementos de
ancoragem da representação social analisada.
15
A escolha dos motes e expressão indutora foi feita com base em trabalhos anteriores (RAMOS, 2012 e
CAVALLARI, 2012). Neste estudo, optou-se pelo uso dos mesmos para que os dados pudessem ser
comparados.
57
Para o processamento dos dados no EVOC, estes devem inicialmente passar por um
procedimento de padronização do corpus, o que pode ser chamado de dicionarização, que tem
a finalidade de agrupar as evocações de mesmo significado, variando somente em flexões de
gênero e número, ou ainda aquelas que possuem similaridade semântica. Esse procedimento
possibilita maior aproveitamento do corpus, pois não há dispersão de palavras que apresentem
o mesmo significado.
Para esse estudo, as evocações inicialmente foram agrupadas obedecendo a
dicionarização dos estudos anteriores (ROSSI, 2012 e CAVALLARI, 2012) para posteriores
triangulações dos resultados. As evocações novas, que ainda não tinham sido dicionarizadas,
foram analisadas conjuntamente por um grupo de juízes composto por acadêmicos de
graduação, mestrado e doutorado. As frases justificadoras foram utilizadas para compreender
o sentido das palavras evocadas.
Após esse processo, os bancos de dados, já com as evocações dicionarizadas, foram
montados separadamente, dois para cada mote – sendo um obedecendo a ordem em que as
palavras foram evocadas, e o outro, obedecendo à hierarquização. Os bancos de dados foram
submetidos a processamento do EVOC. Para cada mote foi calculado o ponto de corte,
definindo a montagem dos quadrantes. Para esse cálculo, é comum o uso da Lei de Zipf, que
segundo Vergès, mostra que a distribuição de palavras e suas frequências
[...] segue uma lei logaritma (lei de Zipf). Ela permite identificar três zonas de
freqüências: aquela onde as palavras são muito pouco numerosas para uma mesma
freqüência; aquela onde as palavras são pouco numerosas para uma mesma
freqüência; e a zona onde o número de palavras é muito importante para uma mesma
freqüência. Essa partição permitirá a escolha de diferentes pontos de corte utilizados
[...](1999, p.11-12, apud OLIVEIRA, 2005, p.581)
Outra possibilidade de ponto de corte é utilizada pelas pesquisadoras do Centro
Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade (CIERS-ed), liderado
pelas pesquisadoras Clarilza Prado de Souza e Lucia Pintor Santiso Villas Bôas, na qual o
resultado de duas contas feitas a partir do relatório fornecido pelo rangmot, é base para formar
a ilustração dos elementos estruturais fornecido pelo tabrgraf, sendo possível construir o
quadro de quatro casas. Neste estudo optou-se pelo mesmo procedimento utilizado pelas
pesquisadoras do (CIERS-ed).
A definição dos pontos de corte se deu em função primeiramente da frequência que
marcava uma queda brusca na quantidade de palavras diferentes e uma relativa estabilização
sequente, juntamente com a consideração do percentual de aproveitamento do corpus neste
58
ponto. Nesse sentido, objetivou-se manter as palavras que obtiveram maior consensualidade
no grupo.
Definido o ponto de corte, os quadrantes foram organizados a partir de três valores de
referência: a frequência mínima, delimitada pelo ponto de corte e que define quais elementos
aparecem no quadrante; a média das ordens médias, gerada pelo programa; e a frequência
mínima delimitada a partir da escolha do ponto de corte. São esses dois últimos valores que
definem a distribuição dos elementos nos quadros.
3.4.1.2 Entrevista semiestruturada
Uma das características da entrevista semiestruturada é a utilização de um roteiro
previamente elaborado. Para Triviños (1987, p. 146) a entrevista semiestruturada possui
questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da
pesquisa. Complementa o autor, afirmando que a entrevista semiestruturada “[...] favorece
não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de
sua totalidade [...]” além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no
processo de coleta de informações (TRIVIÑOS, 1987, p. 152).
No caso desse estudo, o roteiro de entrevista foi elaborado a partir das categorias de
observação oriundas do estudo 2, somadas as teorias e hipóteses que norteiam esse trabalho.
Antes de cada entrevista, foi apresentado o “Termo de consentimento livre e
esclarecido”, de acordo com as normas do CEP HUJM, elaborado de forma a esclarecer ao
entrevistado os objetivos da pesquisa. Neste, foi esclarecido ao participante o propósito da
pesquisa, e firmou-se o comprometimento em preservar sua identidade. Após esse momento, é
pedido seu consentimento em utilizar o gravador, de modo a agilizar a entrevista e garantir
que todos os dados sejam registrados.
O instrumento foi organizado em núcleos, distribuídos da seguinte forma:
I. Contextualização do sujeito:
Esse núcleo objetiva traçar um perfil da amostra. Foi perguntado a cada entrevistado,
na seguinte ordem: idade, formação, tempo de serviço, trabalhos anteriores, e o motivo que
influenciou a decisão em trabalhar com bebês.
II. Imagens da profissão
59
Com o objetivo de identificar o núcleo figurativo da representação, esse núcleo foi
composto por uma pergunta direta, e outras induzidas por metonímias16
:
Que nome você dá para o profissional que trabalha em berçário?
Algumas pessoas pensam que a imagem do psicólogo está próxima da imagem do padre. E as
pessoas que trabalham no berçário, estariam próximas de qual imagem?
E por quê?
E você acha que existiriam outras imagens? Quais?
Em seguida, foi realizada a técnica de associação de palavras para cada mote, na
seguinte ordem: bebê, mãe, babá, professora de bebês. Em seguida, perguntou-se:
O que você acha da expressão: professora de bebês?
III. Dentro e fora do berçário
Na tentativa de compreender como as profissionais objetivam o berçário como espaço
de trabalho, perguntou-se:
Na sua opinião, o que seus colegas pensam quando ouvem:
Estar dentro do berçário
Estar fora do berçário
IV. Especificidade do lugar
Neste núcleo, o objetivo foi identificar o nível de informação que o grupo partilha
sobre o trabalho no berçário:
Se você fosse abordada na rua por alguém que te perguntasse: berçário para quê? O que
você responderia a essa pessoa? E se ele tivesse curiosidade de saber como funciona um
berçário, como você explicaria?
O que essa pessoa precisa saber sobre o que não pode faltar no berçário?
E se ela te perguntasse: se o berçário fosse outro lugar, que lugar seria?
V. Saber da prática
Neste grupo, objetivou-se fazer emergir a prática partilhada pelo grupo, na
identificação dos scripts recorrentes de algumas situações, e qual a função social que o grupo
16
Metonímia, segundo Cegalla (2005) consiste em usar uma palavra por outra, com a qual se acha relacionada.
Essa troca se faz não porque as palavras são sinônimas, mas porque uma evoca a outra.
60
atribui ao berçário. Para alguns itens, utilizou-se fotografias do momento de observação do
estudo 2.
Se você tivesse recebendo uma nova colega de trabalho, que dicas você daria a ela com
relação ao que ela deve saber fazer?
Quais as principais ações que ela vai realizar?
Como você aconselharia ela a reagir quando:
Situação 1: duas crianças disputam um brinquedo, e uma delas morde a outra, que começa a
chorar?
E diante dessas situações17
:
A partir do registro do caderno de campo durante o período de observação, foram
selecionadas algumas imagens cujas recorrências apresentaram maior frequência. Privilegiou-
se situações vinculadas à lógica do adulto e situações vinculadas à lógica das crianças.
Situação 2: televisão
Ilustração 3 – Bebês assistindo televisão
Fonte: arquivo pessoal
Situação 3: uma brincadeira
Ilustração 4 – Sequência de imagens de uma brincadeira entre dois bebês
Fonte: arquivo pessoal
17
As imagens foram feitas durante a observação, e selecionadas a partir de um grupo de juízes composto por
alunos de graduação, alunos de pós-graduação, professores e coordenadora do GPPIN.
61
Situação 4: escalando o berço
Ilustração 5 – Imagem de bebês escalando o berço
Fonte: arquivo pessoal
Situação 5: criança pedindo colo. Para esta cena, não houve um registro fotográfico que
pudesse ser utilizado. Então, nesta situação foi solicitado que se respondesse à seguinte
pergunta: e quando uma criança pede colo? O que sua colega deve fazer nessa situação?
Organização do espaço:
Sua nova colega precisa te ajudar na arrumação do berçário: (mostrar os arranjos espaciais
observados inicialmente)18
Ilustração 6 – Esquema de arranjos espaciais do tipo aberto e fechado observados no estudo 2
Como você explicaria para ela a arrumação dos berços nesta posição? Quais os objetivos
que ela deve levar em consideração para arrumar dessa forma?
18
Esse trecho do roteiro apresentou uma variação em relação à creche do estudo de caso. Nesta, foi feito um
desenho prévio de dois arranjos frequentemente notados durante o período de observação do estudo 2. Nas
demais creches era pedido às entrevistadas que desenhasse o arranjo espacial do berçário, e explicasse o porquê
– o que não gerou resultados significativos devido à não adesão das entrevistadas em fazer o registro.
Tro
cad
or
or
Berços
Mesa de TV
colchonetes
Tro
cad
or
or
Berços
Mesa de TV
colchonetes
62
Em termos de brinquedo: o que colocar e o que não colocar? Em que quantidade?
Para as outras creches: faça um desenho da organização do espaço do berçário,
perguntando o porquê da disposição dos objetos. Este item não foi contemplado na
apresentação dos resultados, uma vez que não obteve adesão por parte das entrevistadas.
VI. O outro
Este núcleo destina-se a compreender as representações intergrupos partilhadas pelas
profissionais acerca de outros grupos que convivem com elas – os bebês, seus familiares e
profissionais de outras turmas:
Na sua opinião, o que os familiares dos bebês esperam do trabalho no berçário?
De que forma essa expectativa dos pais afeta o trabalho das berçaristas?19
Como seus colegas, que trabalham com crianças mais velhas, pensam o trabalho no
berçário?
Observando as crianças, o que você acha que elas pensam sobre o berçário?
Se as crianças pudessem montar um berçário, como você acha que elas montariam?
Como seria a rotina?
O espaço?
Os brinquedos?
Relações entre as crianças?
Relações entre os adultos?
Para finalizar, foi disponibilizado um momento para que o entrevistado pudesse
manifestar alguma opinião, enfim, se expressasse de forma livre. Ao fim desse tempo, que era
definido pelo entrevistado, a entrevista era finalizada, com o agradecimento pela participação
e o desligamento do gravador.
Os dados coletados nas entrevistas foram analisados através do software ALCESTE
(AnalyseLexicale par Contexte d´um Esemble de Segments de Texte) que emprega uma
análise de classificação hierárquica descendente, permitindo assim o exame lexicográfico do
19
Inicialmente, foi utilizado o termo berçarista para delimitar, dentre o grupo de profissionais que trabalham nas
creches, aquelas que trabalham nos berçários. Mas por sugestão da banca de qualificação, optou-se por modificar
o termo para “profissional de Educação Infantil”.
63
material textual, oferecendo classes lexicais que são caracterizadas pelo seu vocabulário e
pelos segmentos de textos que compartilham este vocabulário. (CAMARGO, 2005).
De acordo com Kalampalikis (2003), o programa seleciona fragmentos no corpus, que
são nomeados como unidades de contexto e dividem-se em unidades de contexto iniciais
(UCIs) – que correspondem às divisões feitas pelo pesquisador – no caso desse estudo, as
respostas de cada entrevistado; e as unidades de contexto elementares (UCEs), que durante o
processamento dos dados são separadas, de modo a permitir a contextualização do
vocabulário típico de cada classe obtida.
Para a utilização desse programa, é necessário que todo o material textual oriundo das
entrevistas seja preparado em uma formatação específica para a correta leitura do programa.
Esse procedimento envolve a supressão de algumas acentuações gráficas e a redução quanto
ao excesso de pontuação. Para cada sujeito entrevistado, é criada uma “linha estrelada”, que
contém os dados sociodemográficos de cada indivíduo. Uma vez processado, cada classe
passa por um teste de saturação – teste scree – que segundo Hair et al (2005), identifica de
forma eficaz um número relevante de fatores cuja variação posterior passa a ser pequena. O
teste auxiliou nesse estudo a identificar a quantidade de palavras a serem analisadas em cada
classe, localizando o ponto a partir do qual as palavras trazem menor contribuição quantitativa
para a análise dos dados.
3.4.2 Estudo 2
3.4.2.1 Observação participante
A observação participante, técnica que se origina na Antropologia e na Sociologia, é
utilizada na pesquisa qualitativa para coleta de dados in loco, no ambiente em que o grupo
estudado desempenha a atividade a ser pesquisada. Essa técnica possui algumas diferenças
quanto a sua concepção. No caso desse estudo, foi utilizada a definição de Becker (1994), em
que o pesquisador coleta dados, participa do grupo, desempenhando algumas tarefas e observa
as pessoas e seus comportamentos nas situações do cotidiano. Conforme Whyte (2005), a
observação requer tempo para que se possa superar o estranhamento inicial e assim
compreender a evolução do comportamento das pessoas e do grupo estudado. O autor também
mostra a importância de se fazer uma autoanálise ao longo da pesquisa, quanto a conduta do
pesquisador na rotina do grupo, e ainda sistematizar os dados. O registro em caderno de
campo foi feito ao fim de cada intervenção. No caso desse estudo, essa etapa divide-se em
dois momentos: antes e depois da intervenção no espaço do berçário. Os dados coletados no
64
primeiro serviram de base para a criação de categorias de análise, utilizadas para a confecção
do instrumento de entrevista semiestruturada.
3.4.2.2 Entrevista semiestruturada
O estudo 2 também contempla a entrevista semiestruturada, aplicada em dois
momentos: no início e no fim do período de observação, compreendendo o período em que o
berçário sofreu uma intervenção no arranjo espacial, conforme dito anteriormente.
O roteiro da entrevista foi elaborado para a situação I (antes da modificação do
espaço) e para a situação II (após a modificação do espaço), com utilização de fotografias do
berçário:
Situação I:
Ilustração 7 – Imagem da organização do espaço da creche do estudo 2 na situação I
Fonte: arquivo pessoal
A partir desta imagem, responda por favor:
Quais as principais preocupações ou o foco de atenção de um profissional que trabalha em
um espaço como esse?
O que ele pode falar dele mesmo a partir desta cena?
Como o trabalhador desse setor descreveria a si próprio como profissional?
Ilustração 8 – Imagem da organização do espaço da creche do estudo 2 na situação II
Fonte: arquivo pessoal
65
A partir desta imagem, responda por favor:
Quais as principais preocupações ou o foco de atenção de um profissional que trabalha num
espaço como esse?
O que ele pode falar dele mesmo a partir desta cena?
Como o trabalhador desse setor descreveria a si próprio como profissional?
Agora imagine que você está recebendo uma nova colega nessa nova situação. Como você
vai orientá-la?
Vamos falar sobre como foi para você ter visto essa reorganização?
O que mudou (na prática)?
O que não mudou?
De que forma isso afeta o entendimento que você tem da sua profissão?
Por se tratar de um pequeno grupo de sujeitos, os dados coletados não produziram
volume suficiente para ser processado pelo software ALCESTE. Desse modo, os dados
coletados a partir deste instrumento foram submetidos a uma análise de conteúdo, entendida
como:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens
(BARDIN, 2002, p.38).
Assim, a análise de conteúdo objetiva a compreensão dos conteúdos das respostas
dadas. A análise é feita a partir da leitura do discurso e categorização das respostas. Ao fim da
análise, é feita uma verificação da frequência de cada categoria para o entendimento dos
significados mais frequentemente partilhados pelo grupo entrevistado.
3.4 Contextualização do processo de coleta de dados
A coleta de dados dos Estudos 1 e 2 ocorreu de forma simultânea. Após autorização da
Secretaria Municipal de Educação e do Comitê de Ética do HUJM, iniciou-se o procedimento
de observação participante do Estudo 2, no dia 31 de maio de 2011. A observação foi feita
duas vezes por semana – uma no período da manhã, outra no período da tarde – com duração
de duas horas cada, durante cinco meses.
Neste período de tempo, a observação foi partilhada com outra pesquisadora, Iury Lara
Alves, que com o olhar direcionado para os bebês e suas interações entre eles e o espaço,
66
utilizou de registro videográfico e fotográfico para captar essas interações. Durante esse
período, a creche passou por uma intervenção no espaço – o que proporcionou o
enriquecimento de ambos os estudos.
O primeiro mês de observação sugeriu algumas categorias para a elaboração do roteiro
de entrevista semiestruturada do Estudo 1. De junho a dezembro de 2011 foram coletadas as
evocações livres e entrevistas de todas as profissionais de berçários das creches acima
mencionadas que se dispuseram a participar do estudo. O procedimento foi igual em todas as
creches: inicialmente foi feito contato telefônico com a diretora ou sua substituta de cada
creche, quando era solicitada uma reunião para explicar o estudo proposto. Diante da
aceitação, era combinado com as profissionais do berçário um momento fora do horário de
trabalho para conceder a entrevista. Somente uma diretora não autorizou a pesquisa, alegando
não poder dispor de tempo, uma vez que a creche estava passando por reforma.
A pesquisadora então passava o dia todo em cada creche, de modo a poder conversar
com profissionais de ambos os turnos, manhã e tarde.
O grau de receptividade para a pesquisa variou em algumas creches, porém a maioria
das profissionais entrevistadas mostrou-se muito solícita e interessada.
67
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Este capítulo apresenta os dados obtidos nesse estudo. Inicialmente, será feita uma
breve contextualização do grupo de sujeitos que participaram dos diferentes estudos, para em
seguida apresentar os resultados dos estudos 1 e 2.
4.1 Caracterização dos sujeitos
De um universo de 70 profissionais que atuavam nos berçários das creches da rede
pública de Educação Infantil na cidade de Cuiabá-MT no ano de 2011, participaram desse
estudo um grupo de 35 sujeitos, distribuídos em sete dos oito berçários em funcionamento no
mesmo ano. Os sujeitos investigados fazem parte do quadro de funcionários da rede pública
de creches da cidade de Cuiabá, Mato Grosso. Oficialmente, ocupam o cargo de TDI –
Técnico do Desenvolvimento Infantil. Este quadro é composto por funcionários em regime de
contrato temporário ou aprovados em concursos públicos. Destes, temos um perfil bastante
variado, visto que os primeiros concursos realizados exigiam formação mínima de 1º grau, até
o último concurso, em 2009, que passou a exigir formação em Pedagogia.
Em comparação ao cargo de professor da rede municipal, o TDI ocupa uma posição
menos privilegiada, pois não tem direito aos 45 dias de férias da categoria docente, possui
uma carga horária de trabalho maior (30h/semana), uma remuneração menor, além de não ter
direito a hora-atividade.
Todos os entrevistados são do sexo feminino, e apresentam a seguinte distribuição
etária:
Tabela 2 – distribuição dos sujeitos por faixa etária
Idade nº %
20-29 3 8,57
30-39 10 28,57
40-49 16 45,72
50-59 5 14,28
60 ou mais 1 2,86
Total 35 100
De acordo com a tabela, pode-se perceber que o grupo com maior representatividade
tem entre 40 e 49 anos (45,72%), seguido pelo grupo que compreende 30 a 39 anos (28,57%).
No que se refere à formação e ao tempo de serviço na Educação Infantil, os
entrevistados apresentaram a seguinte distribuição:
68
Tabela 3 – distribuição dos sujeitos por formação
2º grau 16 45,72
Curso de Pedagogia
NEAD
Outros
10
4
5
28,57
11,43
14,28
Total 35 100
Das 35 entrevistadas, 16 possuem o segundo grau e 19 possuem formação superior,
divididas em Pedagogia (28,57%), NEAD – Curso de Pedagogia com ênfase em Educação
Infantil, oferecido na modalidade à distância pela UFMT (11,43%) e 14,28% tem formação
superior em outras áreas.
Tabela 4 – Distribuição dos sujeitos por tempo de serviço
Tempo de
serviço (anos)
nº %
1 a 5 8 22,86
6 a 10 6 17,14
11 a 15 3 8,57
16 a 20 12 34,29
21 ou mais 6 17,14
Total 35 100
De acordo com a distribuição por tempo de serviço, é possível perceber que mais da
metade da amostra (51,43%) possui mais de 16 anos de tempo de serviço.
4.2 Estudo I
Os dados obedecem à ordem das análises realizadas. Primeiramente serão
apresentados os dados referentes à análise estrutural da associação livre de palavras dos motes
indutores bebê, mãe, babá e expressão indutora professora de bebês, seguido da análise
textual das entrevistas semiestruturadas.
4.2.1 Análise estrutural - EVOC
4.2.1.1 Termo indutor mãe
Das 175 evocações coletadas para o termo indutor mãe, observou-se 48 diferentes.
Definiu-se para ponto de corte a frequência mínima de quatro recorrências, sendo aproveitado
79,4% do corpus. A ordem média obtida, tanto na evocação espontânea (OME) quanto na
hierarquização (OMI), foi 3 e a frequência média, aproximadamente 9. Por meio do
69
processamento desses dois bancos de dados obteve-se os quadros que apresentam
respectivamente OME e OMI:
Ilustração 9 – Elementos estruturais relativos ao mote indutor mãe processados por OME -
ordem média de evocação
OME 3,0 OME≥ 3,0
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥
9
Atributos F OMI Atributos F OMI
amor
carinho
24
18
2,708
2,389
dedicação
cuidado
responsabilidade
14
12
9
3,071
3,250
3,222
<
9
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
Atributos F OMI Atributos F OMI
amizade
companheira
respeito
paciência
perfeita
proteção
6
6
5
5
5
4
2,500
2,500
2,600
2,800
1,000
2,250
compreensão
atenção
afeto
ajuda
segurança
ternura
7
6
5
5
4
4
3,143
3,167
3,600
3,400
3,000
3,000
Ilustração10 – Elementos estruturais relativos ao mote indutor mãe processados por OMI -
ordem média de importância
OMI 3,0 OMI≥ 3,0
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥
9
Atributos F OMI Atributos F OMI
amor
responsabilidade
24
9
1,375
2,333
carinho
dedicação
cuidado
17
15
12
3,471
3,267
3,167
<
9
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
Atributos F OMI Atributos F OMI
compreensão
companheira
respeito
ajuda
segurança
7
6
5
5
4
2,714
2,500
2,800
2,800
2,250
amiga
atenção
paciência
perfeita
afeto
proteção
ternura
6
6
5
5
5
4
4
3,167
3,500
4,200
4,400
3,600
3,000
4,000
Em ambos os quadros, pode-se perceber que amor está no quadrante do núcleo central
da representação. Junto a carinho, compõe a dimensão afetiva da representação. O atributo
responsabilidade está associado à dimensão atitudinal, que indica uma visibilidade da questão
ética na relação mãe-bebê. Assim, afeto e atitude ética permeiam os elementos estruturais da
representação sobre mãe.
70
Na primeira periferia destaca-se a dimensão prática presente no atributo cuidado
configurando a mãe como aquela que exerce a prática de cuidar do outro de forma dedicada,
carinhosa e responsável.
Na zona de contraste emerge a objetivação relacionada a imagem de companheira, e
na segunda periferia, tem-se a imagem de amiga e perfeição.
Neste aspecto, a representação de mãe é ancorada em elementos idealizados, revelando
seu potencial caráter hegemônico e ideológico.
De modo geral, tem-se uma organização consensual, a medida que não se observa
elementos contraditórios salientes a ponto de ameaçar a estrutura e os conteúdos presentes no
núcleo central. No entanto, ao observar as frases, é possível dizer que as profissionais
atribuem à mãe a figura de um ator social cujas principais características são sua capacidade
de amar, e sua disponibilidade para o outro:
A mãe de verdade tem que ter amor puro, verdadeiro, sincero. A mãe é capaz de
mover montanhas pelo seu filho. É o que eu sou, eu seria capaz de dar minha vida
pela minha filha. É o amor mais puro, primeiro vem o amor de Deus, depois o amor
de mãe, e hoje eu sou mãe. (Suj.23)
Também é possível identificar com a ajuda das frases justificadoras, dois tipos de mãe:
o primeiro refere-se àquela idealizada, amorosa e responsável. Quanto ao atributo
responsabilidade, este também sinaliza para um pequeno grupo, uma característica que falta
às mães dos bebês da creche – a mãe real, diferente daquela idealizada:
Porque acho que as mães deixam muito a desejar, principalmente algumas mães
aqui do bairro. A gente convive com algumas aqui do bairro, e a gente vê muitas
vezes que elas nem vem trazer o filho para a creche, mandam outra pessoa trazer,
então acho que tem que ter mais responsabilidade, principalmente nessa fase, que
as crianças são pequenas. (Suj. 5)
Porque a mãe precisa saber o que está acontecendo com seu filho na creche. A
gente faz reunião, e poucas vem, não se interessam em participar. Então eu acho
que isso é importante, a mãe precisa saber o que está acontecendo com seu filho na
creche, acompanhar o desenvolvimento dele. (Suj. 11)
Após o processamento das evocações pelo EVOC, estas foram também categorizadas
a partir da análise do seu conteúdo temático. Esse procedimento buscou identificar os
elementos constitutivos do conteúdo semântico da representação do termo indutor mãe.
A análise possibilitou o agrupamento dos elementos dos campos representacionais em
quatro blocos temáticos. O primeiro bloco foi denominado Competências e qualidades da
mãe – Dimensão atitudinal, e reúne as atitudes da mãe para com seu filho. O segundo bloco,
71
Competências e qualidades da mãe – Dimensão pessoal, reúne por sua vez as características
pessoais da mãe; o terceiro bloco Competências e qualidades da mãe – Dimensão afetiva
refere-se aos atributos relacionados à mãe que são da ordem do afeto; e por último, o quarto
bloco, Atributos que remetem à dimensão prática de ser mãe reúnem as evocações referentes
às ações que a mãe exerce em sua prática materna. As evocações podem então ser distribuídas
do seguinte modo:20
Ilustração 11 – Distribuição das evocações por categorias referentes ao mote indutor mãe
Competências e qualidades da mãe –
Dimensão atitudinal
Competências e qualidades da mãe –
Dimensão pessoal
Frequência
Porcentagem (%)
49
28,00
Frequência
Porcentagem (%)
23
13,14
Dedicação
Compreensão
Amizade
Ajuda
Paciência
Respeito
União
Bondade
Compaixão
Compartilha
Interesse
Participativa
14
7
6
5
5
5
2
1
1
1
1
1
Perfeita
Confiança
Importante
Maravilhosa
Alegria
Base
Benção
Doçura
Especial
Esperança
Futuro
Gratidão
Nervosa
Otimista
Obediência
Paz
5
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Competências e qualidades da mãe –
Dimensão afetiva
Atributos que remetem à dimensão prática de
ser mãe
Frequência
Porcentagem (%)
59
33,72
Frequência
Porcentagem (%)
42
24,00
Amor
Carinho
Companheira
Afeto
Ternura
Apego
Cumplicidade
24
18
6
5
4
1
1
Cuidado
Responsabilidade
Atenção
Proteção
Segurança
Aconselha
Comunicação
Educadora
Força
Preocupação
Superproteção
12
9
6
4
4
2
1
1
1
1
1
20
Todas as palavras evocadas a partir do termo indutor mãe estão presentes neste quadro, com exceção de duas
delas: família e sonho, por não apesentar relação com os blocos temáticos.
72
A partir destas categorias verifica-se o consenso da imagem idealizada da boa mãe
para com seu filho frágil e indefeso. O conjunto de competências e qualidades pessoais
mostram atributos positivos que partem de dois grandes blocos – afeto e atitude – totalizando
61,72% das evocações, que remetem ao atendimento ao bebê que precisa de cuidado,
segurança e proteção, que refletem nas práticas (24%) as ações dessa mãe idealizada.
No bloco referente às características pessoais, a imagem idealizada é confirmada pelos
atributos positivos, com exceção da palavra nervosa, com uma única frequência, em um total
de 23 evocações.
4.2.1.2 Termo indutor bebê
Neste processamento, das 175 palavras evocadas foram atribuídas 48 evocações
diferentes. O ponto de corte se deu na frequência mínima de quatro recorrências, sendo
aproveitado 70,9% dos dados. A frequência média para esse termo é 11, e a ordem média,
três. Os dados foram distribuídos da seguinte forma:
Ilustração 12 – Elementos estruturais relativos ao mote indutor bebê processados por OME -
ordem média de evocação
OME 3,0 OME≥ 3,0
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
Atributos F OMI Atributos F OMI
≥
11
carinho
24 1,875 amor
alegria
atenção
22
12
11
3,182
3,250
3,000
<
11
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
Atributos F OMI Atributos F OMI
fofo
frágil
prazer
dependência
7
4
4
4
2,571
2,000
2,000
2,750
afeto
bebe-difícil
cuidado
inocência
dedicação
desenvolvimento
7
7
7
7
4
4
3,143
3,571
3,429
3,429
3,250
3,500
73
Ilustração 13 - Elementos estruturais relativos ao mote indutor bebê processados por OMI -
ordem média de importância
OMI 3,0 OMI≥ 3,0
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
Atributos F OMI Atributos F OMI
≥
11
carinho
amor
atenção
24
22
11
2,792
1,909
2,727
alegria
12 4,000
<
11
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
Atributos F OMI Atributos F OMI
afeto
dedicação
7
4
2,000
2,750
bebê-difícil
cuidado
fofo
inocência
dependência
desenvolvimento
frágil
prazer
7
7
7
7
4
4
4
4
3,286
3,286
4,000
4,286
4,750
3,500
3,000
4,250
No quadrante do núcleo central, carinho aparece como elemento organizador da
representação social. As palavras evocadas trazem elementos que tratam da atitude dos
adultos para com os bebês – carinho, amor, atenção – atributos que destacam tanto a
dimensão afetiva quanto atitudinal e ética. Este mesmo movimento se repete na zona de
contraste, com os vocábulos afeto, dedicação do quadrante organizado pela OMI.
A caracterização do bebê propriamente dito aparece na zona de contraste da
organização por ordem de evocação (OME), sendo este idealizado na sua fragilidade,
dependência e agradabilidade – fofo e prazer. A observação destes aspectos indicam a
tendência de adesão aos conteúdos vinculados à imagem da criança mitificada (DE LAUWE,
1991).
A segunda periferia aninha a convivência entre a imagem idealizada do bebê –
inocência – com a imagem do bebê real – bebê-difícil, e com a imagem do bebê tal como
partilhada pelo universo reificado – desenvolvimento. A presença destas três imagens na
segunda periferia revela os efeitos da polifasia cognitiva, que permite a convivência entre o
discurso mítico e o discurso científico mediados pelas contradições da criança real.
Os atributos referentes ao termo indutor bebê podem ser analisados quanto ao seu
conteúdo temático. Desta análise, o total21
de palavras evocadas foi distribuído em três blocos,
sendo o primeiro intitulado Atributos referentes ao bebê, agrupando 44,83% das palavras
21
Todas as palavras evocadas a partir do termo indutor bebê estão presentes no próximo quadro, com exceção da
palavra dever-da-família, com apenas uma frequência, por não apresentar relação com os temas.
74
evocadas; o segundo bloco, intitulado Atributos referentes a qualidades e atitudes do adulto
para com o bebê contém 47,13% das palavras. Por último, o terceiro bloco – Atributos
referentes ao bebê no contexto da creche, com 8,00% das palavras evocadas.
Ilustração 14 – Distribuição das evocações por categorias referentes ao mote indutor bebê
Atributos referentes ao bebê Atributos referentes a
qualidades e atitudes do adulto
para com o bebê
Atributos referentes ao bebê
no contexto da creche
Frequência
Porcentagem (%)
78
44,83
Frequência
Porcentagem (%)
82
47,13
Frequência
Porcentagem (%)
14
8,00
Alegria
Bebê-Difícil
Fofo
Inocência
Dependência
Desenvolvimento
Frágil
Prazer
Beleza
Felicidade
Vida
Ativo
Choro
Delicadeza
Equilíbrio
Esperança
Filho
Tranquilidade
Benção
Dengoso
Doçura
Fidelidade
Gratificante
Ternura
12
7
7
7
4
4
4
4
3
3
3
2
2
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
Carinho
Amor
Atenção
Afeto
Dedicação
Respeito
Paciência
Responsabilidade
Amizade
Compreensão
Desejo
Dom
Envolvimento
Fraternidade
Segurança
24
22
11
7
4
3
2
2
1
1
1
1
1
1
1
Cuidado
Alimentação
Aprendizado
Brincar
Coordenação motora
Cuidar e educar
Educação
Limpeza
7
1
1
1
1
1
1
1
A partir da análise dos três blocos, é possível identificar que os atributos concentram-
se no primeiro bloco, agrupando 24 das 47 palavras evocadas, e referem-se em sua maioria às
qualidades associadas ao bebê idealizado, frágil e dependente, com exceção dos atributos
bebê-difícil, ativo e choro. Esse bebê idealizado desperta no adulto, presente no segundo
bloco, qualidades da dimensão afetiva – carinho, amor, afeto e atitudinal – atenção e
dedicação. Em relação ao contexto da creche, o bebê evocado precisa principalmente de
cuidados.
75
4.2.1.3 Termo indutor babá
Das 175 palavras evocadas para o termo indutor babá, 44 eram diferentes. Definiu-se
para ponto de corte a frequência mínima de quatro recorrências, sendo aproveitado 75,4% do
corpus. A ordem média obtida, tanto na evocação espontânea (OME) quanto na
hierarquização (OMI), foi 3 e a frequência média de 12. Por meio do processamento desses
dois bancos de dados obteve-se os quadros que apresentam respectivamente OME e OMI:
Ilustração 15 – Elementos estruturais relativos ao mote indutor babá processados por OME -
ordem média de evocação
OME 3,0 OME≥ 3,0
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥
12
Atributos F OME Atributos F OME
cuidado
responsabilidade
28
14
1,893
2,071
amor
carinho
atenção
18
19
12
3,889
3,263
3,500
<
12
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
Atributos F OME Atributos F OME
ajuda
limpeza
5
4
1,800
2,750
respeito
alimentar
dedicação
compreensão
educação
paciência
7
6
6
5
4
4
4,000
3,500
3,800
3,800
3,500
3,000
Ilustração 16 – Elementos estruturais relativos ao mote indutor babá processados por OMI -
ordem média de importância
OMI 3,0 OMI≥ 3,0
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥
12
Atributos F OMI Atributos F OMI
carinho
amor
responsabilidade
19
18
14
2,789
2,222
2,288
cuidado
atenção
28
12
3,036
3,333
<
12
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
Atributos F OMI Atributos F OMI
respeito
limpeza
7
4
1,571
2,750
alimentar
dedicação
ajuda
compreensão
educação
paciência
6
6
5
5
4
4
3,500
3,333
3,800
3,200
3,750
3,000
76
O quadrante do núcleo central apresenta responsabilidade como elemento
organizador da estrutura da representação analisada em contexto de evocação espontânea. A
partir do exercício de hierarquização, destaca-se a adesão aos vocábulos vinculados à
dimensão afetiva – carinho e amor – em detrimento do vocábulo cuidado, que passa a se
alojar na primeira periferia. Este movimento revela a valorização da dimensão ética e afetiva,
tal como se pode notar nas evocações sobre mãe.
Esta dinâmica se repete com destaque para a dimensão atitudinal/ética, como: respeito,
dedicação, compreensão, ajuda educação e paciência. No entanto, observa-se que no mote
babá, destacam-se os vocábulos associados à dimensão prática/funcional, tais como limpeza e
alimentar distribuídos entre a zona de contraste e a segunda periferia.
De modo geral, identificamos a dimensão atitudinal bem marcada na representação de
babá. Um conjunto de atitudes, de características pessoais que mostram uma abertura para o
outro, que mostram uma atitude positiva, continente para o bebê; uma babá que é uma
substituta boa da mãe. O grupo mostra que as manifestações afetivas sobrepõem-se às de
ordem funcional para qualificar uma boa babá.
Nas frases justificadoras da escolha da palavra mais importante, o uso do discurso em
primeira pessoa sugere que algumas profissionais associaram a função de babá ao trabalho
que desempenham na creche:
Independente de como a gente é comparada, a gente não é valorizada, a gente tem
que ter amor. Independente de não sermos valorizadas, a gente tem que gostar do
que faz, e fazer bem feito (Suj.23).
Para este mote indutor, a análise quanto ao conteúdo semântico das palavras evocadas
resultou na distribuição de quatro blocos temáticos: Atributos e qualidades referentes à babá
– Dimensão afetiva, com 23,43% das palavras evocadas; Atributos e qualidades referentes à
babá – Dimensão ética, com 50,29% das evocações; Atributos e qualidades referentes à babá
– Dimensão profissional com 16,57% das evocações e Atributos e qualidades referentes à
babá – Dimensão pessoal, totalizando 9,71% das evocações.
77
Ilustração 17 – distribuição das evocações referentes ao mote indutor babá por categorias
Atributos e qualidades referentes a
babá - dimensão afetiva
Atributos e qualidades referentes a
babá - dimensão ética
Frequência
Porcentagem (%)
41
23,43
Frequência
Porcentagem (%)
88
50,29
Carinho
Amor
Amizade
Proteção
19
18
3
1
Cuidado
Responsabilidade
Atenção
Respeito
Dedicação
Ajuda
Compreensão
Educação
Paciência
Comprometimento
Comunicação
28
14
12
7
6
5
5
4
4
2
1
Atributos e qualidades referentes a
babá - dimensão profissional
Atributos e qualidades referentes à
babá- dimensão pessoal
Frequência
Porcentagem (%)
30
16,57
Frequência
Porcentagem (%)
16
9,71
Alimentar
Limpeza
Profissional
Brincar
Observação
Segunda mãe
Competência
Conhecimento
Desvalorização
Emprego
Ensino
Exclusiva
Formação
Humilhante
Necessidade
Pajem
Troca
6
4
3
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Maltrato
Companhia
Confiança
Alegria
Bondade
Caráter
Criatividade
Desconfiança
Determinação
Extrovertida
Humildade
Impaciência
3
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Na distribuição, a maior parte dos atributos relativos à babá referem-se a dimensão
ética do seu trabalho com o bebê, com 50,29% de frequência. Em seguida, a dimensão afetiva
apresenta 23,43% dos atributos. Juntas, as duas primeiras dimensões somam mais de 70% da
frequência total das evocações, corroborando os achados na análise estrutural.
A dimensão profissional da representação está presente no terceiro bloco, com
atributos referentes à prática da babá, como alimentar, limpeza, brincar, observação, ensino,
troca e também qualidades que ela deve ter: competência, conhecimento, formação. Aspectos
78
negativos da profissão surgem também neste bloco, como desvalorização, necessidade e
humilhante.
Por último, a dimensão pessoal da representação apresenta qualidades positivas, como
alegria, bondade, caráter, criatividade, extrovertida, mas também apresenta atributos
negativos como maltrato, desconfiança e impaciência.
4.2.1.4 Termo indutor professora de bebês
Em relação ao termo indutor professora de bebês, as 175 palavras evocadas
apresentaram 49 variações. A frequência mínima de quatro, possibilitou um aproveitamento
de 72% dos dados. A frequência média de 9 distribuiu as palavras da seguinte forma:
Ilustração 18 – Elementos estruturais relativos ao mote indutor professora de bebês processados
por OME - ordem média de evocação
OME 3,0 OME≥ 3,0
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥
9
Atributos F OME Atributos F OME
Ensino
cuidado
20
13
2,300
2,385
amor
carinho
desenvolvimento
responsabilidade
15
15
9
9
3,067
3,250
3,556
3,333
<
9
ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
Atributos F OME Atributos F OME
educação
dedicação
formação
7
6
5
1,429
2,833
2,400
Atenção
brincar
profissional
novidade
paciência
8
6
5
4
4
3,250
3,500
3,400
3,000
4,250
79
Ilustração 19 – Elementos estruturais relativos ao mote indutor professora de bebê processados
por OMI - ordem média de importância
OMI 3,0 OMI≥ 3,0
F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA
≥
9
Atributos F OMI Atributos F OMI
amor
carinho
15
15
1,400
2,800
ensino
cuidado
desenvolvimento
responsabilidade
20
13
9
9
3,100
3,077
3,667
3,111
<
9
ZONA DE
CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA
Atributos F OMI Atributos F OMI
Atenção
paciência
8
4
2,375
2,750
educação
brincar
dedicação
formação
profissional
novidade
7
6
6
5
5
4
3,000
4,167
3,333
3,400
3,800
3,500
Em um primeiro momento, chama a atenção o fato de não haver estabilidade no
núcleo central para o mote professora de bebês. Dos quatro motes analisados, este é o único
que sofreu mudança total do núcleo central, após exercício de hierarquização, o que sugere os
seguintes questionamentos: será a representação social sobre professora de bebês inexistente,
ou não é familiar, e por isso gera a necessidade de construção dessa representação no grupo
estudado.
Na organização por OME, o atributo ensino parece ter sido ativado pelo termo
professora, o mesmo convive no quadrante do núcleo central com o termo cuidado,
provavelmente ativado pelo termo bebê.
Já na organização por OMI, o quadrante do núcleo central passa a destacar os
vocábulos amor e carinho, aproximando a imagem da professora de bebês às imagens de mãe
e babá anteriormente analisadas. No entanto, diferente das evocações anteriores, o termo
desenvolvimento ganha visibilidade, assim como formação, brincar, profissional e novidade,
sendo o primeiro atribuído maior importância, e os demais aparecem pela primeira vez,
ativados pelos discursos alinhados a profissionalização.
Deste modo, a professora de bebês embora seja uma ideia nova, parece estar ancorada
mais fortemente à dimensão ética e afetiva atribuída a boa mãe e a boa babá. Estas dimensões
passam a conviver com discursos vinculados ao processo de profissionalização. No entanto,
na primeira periferia da organização por ordem de importância (OMI), convivem os
vocábulos ensino e cuidado, cujas associações precisam ser melhor compreendidas.
80
As frases indicam que se trata de uma representação social em formação, apresentando
nuances relativas a imagem clássica de professora e mãe, tensionadas ao discurso reificado
sobre desenvolvimento infantil, capacitação e profissionalização.
Esse nome, professora... É algo novo, né? Ainda é meio confuso, professora de
bebês (Suj.4).
Primeiro de tudo tem que ter formação, e também tem que ser paciente. Como eu
falei, a gente está sempre se capacitando (Suj. 27).
O atributo novidade mostra o estranhamento referente a expressão professora de
bebês, indicando ser algo que não faz parte dos significados partilhados pelo grupo
pesquisado.
A expressão indutora professora de bebês também foi submetida a análise temática.
As evocações foram distribuídas em quatro blocos temáticos, sendo o primeiro intitulado
Atributos e qualidades referentes à Professora de Bebês – Dimensão afetiva, contendo
19,34% das evocações; o segundo foi denominado Atributos e qualidades referentes à
Professora de Bebês – Dimensão atitudinal, contendo 16,57% das evocações. O terceiro
bloco, Competências e qualidades atribuídas à profissão compõem 49,71% das evocações, e
finalmente o bloco Atributos e qualidades referentes à Professora de Bebês – Dimensão ética,
com 13,71% das evocações.
Ilustração 20 – Distribuição das evocações por categorias referentes à expressão indutora
Professora de bebês
Atributos e qualidades referentes à
Professora de Bebês – Dimensão afetiva
Atributos e qualidades referentes à
Professora de Bebês – Dimensão atitudinal
Frequência
Porcentagem (%)
34
19,43
Frequência
Porcentagem (%)
29
16,57
Amor
Carinho
Amizade
Companheira
Proteção
15
15
2
1
1
Atenção
Dedicação
Paciência
Alegria
Compreensão
Respeito
Ajuda
8
6
4
3
3
3
2
Competências e qualidades atribuídas à
profissão
Atributos e qualidades referentes à
Professora de Bebês – Dimensão ética
Frequência
Porcentagem (%)
87
49,71
Frequência
Porcentagem (%)
24
13,71
Ensino
Desenvolvimento
Educação
Brincar
20
9
7
6
Cuidado
Responsabilidade
Comprometimento
Transparência
13
9
1
1
81
Profissional
Formação
Novidade
Cantar
Criatividade
Competência
Aprendizado
Educadora
Extrovertida
Ausência da família
Autoestima
Capacitação
Coordenação motora
Educada
Estímulo
Formadora
Habilidade
Intencionalidade
Motivação
Observação
Orientação
Planejamento
Quebra-de-paradigma
Referência
Socialização
TDI
Troca
Valorização
5
5
4
2
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
O quadro mostra que as categorias relativas a professora de bebês não apresenta um
consenso em relação a essa imagem profissional, e por isso a alta frequência no terceiro bloco.
Enquanto que as competências e qualidades pessoais assemelham-se as imagens de mãe e
babá, o bloco de competências e qualidades atribuídas à profissão traz elementos ora
associados à representação da babá, ora do professor do ensino fundamental, mostrando assim
que a representação ainda está em construção, confirmada pela evocação novidade.
4.2.2 Análise das entrevistas semiestruturadas – ALCESTE
As classificação hierárquica descendente do ALCESTE considerou 80% dos
segmentos de texto processados, correspondendo a um total de 1473 Unidades de Contexto
Elementares (UCEs) e organizou o discurso em seis classes, com as unidades assim
distribuídas: Classe 1 – 220 UCEs (18% do corpus analisado); Classe 2 – 509 UCEs (44,0%);
Classe 3 – 133 UCEs (11,0%); Classe 4 – 106 UCEs (9,0%); Classe 5 – 136 UCEs (11,0%); e
Classe 6 – 88 UCEs (7,0%).
82
A representação das relações de oposição e complementaridade entre essas Classes foi
apresentada pelo programa através de um dendrograma:
Ilustração 21 - Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE
Os nomes atribuídos às Classes e arranjos foram designados considerando o conteúdo
discursivo selecionado pelo ALCESTE, assim como as palavras mais frequentes e mais
características de cada Classe.
Através do dendrograma, é possível perceber que este divide-se em dois grandes eixos.
O primeiro, Tensões entre o trabalho codificado e o não codificado; e o segundo, referenciais
identitários. O primeiro traz as classes 1, com conteúdos referentes a cuidados e rotina – o
trabalho codificado; a classe 3, associada ao espaço e ação da criança – o trabalho não
codificado; e a classe 6, trazendo o adulto como aquele que protege. O segundo eixo traz as
classes 2 (expectativa da família), classe 4 (tornar-se professor da educação infantil) e classe 5
(imagens concorrentes da profissionalidade).
4.2.2.1 Classe 1 – Cuidados e rotina: aspectos do trabalho codificado
A classe 1 compõe 18% do corpus analisado – 220 UCEs, e organiza-se às demais
classes conforme dendrograma a seguir:
83
Ilustração 22 – Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE
A primeira do eixo Tensões entre o trabalho codificado e o não codificado, a classe 1
relaciona-se com as classes 3 e 6.
A classe 1 foi denominada de Cuidados e rotina: aspetos do trabalho codificado, por
apresentar as ações das profissionais com os bebês, no que se refere à ações de rotina e
cuidados desempenhada por elas no dia-a-dia do berçário.
O teste scree possibilitou a identificação do ponto de corte na palavra cant (seta verde)
como pode ser visto no gráfico, mas optou-se por estender a análise até o vocábulo leite (seta
amarela):
Ilustração 23 – Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras pertencentes à classe 1
84
A tabela apresentada em seguida mostra as palavras selecionadas em ordem
decrescente de Khi2, apresentando também a frequência da palavra na classe.
Tabela 5 – Palavras representativas da Classe 1 em ordem decrescente de Khi2
Palavras ou formas associadas Khi2 %
banho 163 66
Almoço 72 100
mamadeira 71 74
hora 66 47
Troca 62 64
rotina 58 57
lanche 56 88
atividade 52 63
mordem, morderem, mordeu 51 61
sono, soninho 47 63
falaria 45 57
televisão 43 78
coco 41 60
depois 41 48
fralda 39 74
funciona 38 80
horário 37 57
dvd 34 90
jantar 34 75
cantinho / cantar 33 58
papinha 30 89
leite 30 82
A classe 1 apresenta de um modo geral palavras relacionadas a ações de rotina e
cuidados das profissionais para com as crianças. Dentre as palavras que apresentam maior
Khi2 banho, coco,troca e fralda referem-se a atividades de higiene, enquanto que as palavras
almoço, mamadeira, lanche, jantar, papinha, leite referem-se àquelas ligadas à alimentação.
Esses dois conjuntos de atividades – relacionadas à higiene e alimentação – sintetizam os
discursos do grupo quanto às atividades realizadas no berçário.
Dar banho, dar papinha, mamadeira, essas coisas que a gente faz (Suj. 12,
creche1).
Eu falaria que aqui funciona a rotina, que eles chegam, vão para dentro da sala, e
quando é oito e meia eles mamam. Eles brincam, a gente coloca musiquinha, aí
quando é oito e quarenta a gente dá o banho, nove e meia eles almoçam, aí eles vão
dormir. Tem uns que acordam onze, onze e meia. Quando alguém faz coco, a gente
dá banho também. Assim que eles acordam tem outra mamadeira, aí tem lanchinho,
e depois vem a janta. (Suj. 13 creche 2)
Todos os dias os bebês chegam, tomam uma mamadeira, depois tem as atividades, o
banho, o almoço. A gente sempre fala da rotina para os pais no começo do ano. (...)
Olha, eu diria que são vários procedimentos que não podem faltar. Mas o mais
importante é a higiene (Suj. 18 creche 3).
85
As palavras hora, horário, rotina e funciona confirmam a rotina do berçário é
estabelecida pela variável tempo para que possa funcionar. A palavra atividade designa o
horário da rotina que não está relacionado com o atendimento às funções biológicas das
crianças de alimentação, higiene e sono.
Explicaria a rotina das crianças, desde o horário que elas chegam, até as
atividades, o repouso, a alimentação (Suj. 23 creche 5).
Eu falaria passo-a-passo, diria que os bebês chegam, nós recebemos eles e dentro
dos horários da rotina, da mamadeira, do soninho, do papá e das atividades,
trabalhamos dentro de uma rotina, e as crianças já pegam o ritmo. Primeiro de tudo
é a alimentação, porque o bebê não pode ficar sem sua mamadeira, seu papá.
Depois tem o banho, as atividades (Suj. 24 creche 5).
Dentro dessas atividades descritas, estão cantar, falar, televisão dvd, que se referem às
atividades das profissionais com os bebês nos momentos de atividade livre. O uso da televisão
é relatado de formas diferentes em certos berçários. Em alguns, ela faz parte da rotina, em
outros, ela faz parte do planejamento pedagógico:
Apesar que aqui no berçário, não tem muita coisa assim, de atividade mesmo. É
mais cantar, ver televisão (Suj. 8 creche 1).
Aqui tem televisão, mas para usar, tem que estar dentro do planejamento, porque
eles falam que para a criança, televisão é quinze minutos só, para a criança prestar
atenção, às vezes nem é isso, cinco minutos só. E eles vão até enjoar. Então tem que
ser de vez em quando, para não enjoar mesmo, então a gente usa duas, três vezes
por semana, só um pouquinho (Suj. 13 creche 2) Televisão, a gente tem dois dias da semana para usar, terça e quinta. Aí a gente
coloca musiquinha, essas músicas de cantiga de roda, que anima. Você vê que eles
se animam, dançam, participam o tempo todo. A gente coloca dvd assim, esses de
musicas infantis, por eles serem bebês, serem menores, eles gostam bastante, eles
participam, eles brincam (Suj. 15 creche 3).
O verbo morder é a ação da criança que não se refere às necessidades fisiológicas.
Muito temida pelas profissionais, a mordida é relatada como uma ação recorrente no berçário:
Aqui está na fase da mordida, tem muita mordida. Tem uma menina aqui que morde
demais (Suj. 16 creche 2).
Nesse momento, (atividade livre) mesmo aqui, você tem que estar atenta, porque é
nessa hora que sai mordida, você piscou o olho, dois minutos, eles mordem, ou
porque um está na frente do outro na TV, ou porque empurra, então tem que tomar
muito cuidado nesse horário (Suj. 11 creche 1).
Em síntese, a classe 1 mostra a rotina da creche como o trabalho codificado pelas
profissionais, na descrição dos scripts, das ações mais realizadas. A ação da criança e a ação
do adulto se complementam, principalmente no atendimento as necessidades fisiológicas.
86
4.2.2.2 Classe 3 – O espaço e a ação da criança
Obedecendo à ordem do dendrograma, a próxima classe é denominada “o espaço e a
ação da criança”. Com 11% do corpus, a classe 3 relaciona-se diretamente com a classe 6,
ambas no primeiro eixo, Tensões entre o trabalho codificado e o não codificado.
Ilustração 24 – Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE
O teste scree sugere o corte em caixa (seta amarela) mas optou-se em estender a
análise até mudariam (seta verde):
Ilustração 25 – Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras pertencentes à Classe 3
87
A seguir, as palavras em ordem decrescente de Khi2:
Tabela 6 – Palavras representativas da Classe 3 em ordem decrescente de Khi2
Palavras ou formas
associadas Khi2 %
Iam 431 91
Espaço 185 65
Ia 112 56
Arrumação, arrumar,
arrumado 105
81
Bagunça, bagunçado 95 93
Espalhar, espalhado 95 93
Brinquedos 77 54
Acho 76 24
Berço, berços 75 48
Eles 71 23
Dormir, dormem 66 43
Quisessem, quiser 58 61
Aberto 56 82
Caixa 56 100
Colchão, colchões 48 80
Pudessem, pudesse 48 100
Pedir 47 50
Brinquedinhos 42 36
Quer, querem, querer 41 28
Espalhados 40 100
Sozinhos 39 86
Botava, botar 35 70
Iriam 32 100
Bastante 32 48
Mudariam 32 100
De acordo com o programa ALCESTE, os vocábulos selecionados referem-se ao
discurso das profissionais em relação à ação da criança e o espaço. As palavras acho, eles,
iam, iriam, ia, pudesse, pudessem, quisessem refere-se à condição “se” os bebês pudessem
organizar o berçário do jeito deles.
Essa condição é vista pelas profissionais como desordem, de acordo com os vocábulos
bagunça, espalhados:
O espaço ia ficar bem bagunçado, com brinquedos espalhados por todo lado (Suj.
29 creche 7).
A bagunça é descrita também em outras situações da rotina:
88
Iam fazer uma bagunça danada, porque por exemplo, se deixar a comida para eles
comer, a gente já fez isso várias vezes, e eles fazem uma sujeira, põem tudo na boca,
passa a colher na cabeça do outro, ah, é uma sujeira danada. Iam empurrar tudo, ia
ser uma bagunça (Suj. 3 creche 1).
A bagunça interfere não somente no espaço, mas também no tempo:
Criança gosta é de bagunça. Acho que as crianças iam querer comer o tempo
inteiro, brincar o tempo inteiro e dormir bastante (Suj. 15 creche 2).
Em alguns relatos, a atividade lúdica é vista como bagunça, se fora do momento da
atividade livre:
Mudariam o berço de lugar, o colchão, eles mexeriam em muita coisa. Iam fazer
bagunça. Eles iam brincar muito. A vida deles seria brincar. Ia ser muito difícil. Um
ia morder o outro, puxar o cabelo, subir no berço. Seria difícil (Suj. 33 creche 7).
O momento do sono no berçário é uma atividade regulada pelo tempo. A palavra
dormir nesta classe refere-se ao desejo dos bebês de dormirem mais:
Acho que eles gostariam de dormir mais, porque ainda mais agora no horário de
verão, eles dormem menos. Então a gente acorda eles para dar o lanche, então eles
iriam querer dormir mais (Suj. 21 creche 3).
Iam também dormir na hora que quisessem, porque a gente impõe o horário para
elas, porque tem que ter a rotina, a soneca é importante para elas, e se elas não
dormem no horário, aí sai da rotina e atrapalha as outras que querem dormir (Suj.
29, creche 7).
As palavras querer e pedir mostram a criança que tem vontades além das suas
necessidades fisiológicas. O corpo que deseja é visto como parte do trabalho não codificado:
Acho que eles iam querer mais atenção, iam exigir mais atenção (Suj. 23 creche 4).
Acho que iam pedir mais colo, porque ás vezes a gente fica tão preocupada com o
bem estar da criança, em cumprir a rotina, que algumas coisas passam batidas (Suj.
4 creche 1).
Elas iam pedir para a gente brincar mais com elas (Suj. 18 creche 3).
Eu acho assim, que para as crianças não tem horário pra nada, elas tem vontade de
ir em algum lugar, elas não iriam querer ter nenhum tipo de rotina, iriam querer ter
liberdade pra fazer o que quisessem. Elas gostam quanto mais espaço, iam querer
ficar lá fora, no pátio inteiro (Suj. 35 creche 7).
Até ia ser bom, porque eles iam ficam mais à vontade, mas pra gente, ia ser uma
bagunça (Suj. 13 creche 2).
89
Enfim, o verbo mudariam indica que organização da rotina do berçário é diferente
daquela que seria escolhida pelos bebês. Esses discursos sugerem que a organização da rotina
do berçário privilegia a lógica dos adultos focada na ordem e na disciplina, ao invés da lógica
dos bebês denominada como bagunceira.
4.2.2.3 Classe 6 – O adulto que protege
Fechando o primeiro eixo, a classe 6 contém sete por cento do corpus.
Ilustração 26 – Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE
O teste scree para essa classe sugere a saturação em acostum (seta amarela) mas
optou-se por continuar a análise até o vocábulo berço (seta verde):
Ilustração 27 – Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras pertencentes à Classe 6
90
A seguir, a tabela em ordem decrescente de Khi2 para as palavras selecionadas:
Tabela 7 – Palavras representativas da Classe 6 em ordem decrescente de Khi2
Palavras ou formas associadas Khi2 %
Colo 336 66
Pegar. pega, pego 120 41
Pouquinho 99 65
Perigo, perigoso 93 77
Machuca, machucar 86 47
Subindo 66 78
Brinquedinhos, brinquedo 64 33
Subir, subirem 60 50
Brincar, brincando 58 26
Cair 53 46
Desce, descer 51 83
Senta, sentada 51 28
Ficar, ficam 50 17
Acostuma, acostumando,
acostumar 49
50
Pode 42 20
Estão 42 25
Momento 40 27
Adequados 39 80
No 38 16
Arte 38 100
Acalma, acalmar, acalmou 36 63
Chora, chorar, chorando 34 24
Pouco 34 29
Berço, berços 30 27
As palavras pegar, pouquinho e colo referem-se à atitude responsiva do adulto perante
a manifestação da criança em pedir colo. O vocábulo senta, indica a forma como elas atendem
o colo de forma a otimizá-lo, diminuindo o desgaste físico das profissionais:
Se o bebê está chorando, eu aconselho ela a sentar um pouco com o bebê pra que
ele pare de chorar. Ficar sentada com ele no colo, até ele acalmar, conversando.
Acontece comigo assim: eu ponho ele no meu colo, e depois se ele não parou de
chorar eu sento ele no colchão, e de repente ele já parou de chorar. Porque são
muitas crianças para a gente ficar pegando todas no colo, mas quando eles pedem
tem que dar um colinho pra eles (Suj. 33 creche 7).
Você dá colo para ela, mas não pode ficar com ela direto no braço. Você dá colo,
mas senta no chão, e aí quando ela ficar calminha assim, você dá um brinquedo e
bota ela no chão, e pronto! (Suj. 3 creche 1)
91
Se a criança pedir colo, pega no colo! Tem que pegar no colo, mas nem sempre. Às
vezes você senta no chão e bota ela do seu lado. Porque a criança se sente só, e te
pede colo, então para ela não se sentir só, você bota ela perto de você (Suj. 6 creche
1).
O verbo acostumar e suas derivações também estão relacionados com o colo –
regulando esta ação:
Quando a criança é nova, eu fico sentada direto com ela no colo, mas não dá para
ficar o dia todo, porque vem outras crianças também, então tem o momento que a
gente dá colo sim, brinca, mas não é sempre. Porque senão ela acostuma só no
colo. (Suj. 2 creche 1).
Um pouquinho pode, não pode é dar colo toda hora, porque senão a criança
acostuma (Suj. 5 creche 1).
Em relação à segurança dos bebês, o vocábulo adequados está ligado a brinquedos
referindo-se à preocupação das profissionais quanto ao bem estar físico dos bebês:
Trouxemos assim, só brinquedo adequado, tipo aqueles bichinhos bem macios.
Quando a gente vê que tem um que machuca, a gente já tira. Porque às vezes tem
pai que pega e traz um brinquedo que não é adequado, porque no ato da matrícula
a gente pede ao pai que traga um brinquedo, para ficar aqui para as crianças.
Então a gente fala para uma profissional nova: “olha, se tiver algum brinquedo
duro, que você vê que as crianças estão batendo, tira esse brinquedo, para deixar só
os brinquedos adequados (Suj. 2 creche 1).
O vocábulo brinquedo também aparece nos momentos de atividade livre, e possíveis
conflitos que pode causar:
O problema só é quando as crianças todas querem o mesmo brinquedo, aí dá briga
(Suj. 5 creche 1).
(...) quando você vê duas crianças brigando, você vai com jeito, pega o brinquedo,
toma dela e não dá para uma nem para outra, esconde esse brinquedo, porque ela
quer esse brinquedo, então tem que pegar, e bota uma criança para um lado, outra
para o outro. Tira esse brinquedo, porque ela quer porque quer esse brinquedo,
então tira, e dá outro, e resolve o problema (Suj. 3 creche 1).
Os vocábulos subindo, machucar e perigoso mostram os perigos que o espaço –
especialmente o berço quando visto como “brinquedo de subir” – pode oferecer para o bem
estar físico das crianças. A palavra descer é a reposta do adulto para evitar acidentes:
Nesse caso, a gente tem que tirar a criança do berço, porque se ela prende o
pezinho ali na grade, é perigoso de cair e se machucar (Suj. 15 creche 2).
Escalando o berço, não pode, a gente tira e fala para eles que não pode, porque é
perigoso (Suj. 27 creche 6).
92
Estão querendo chamar a atenção, e nessa situação, a colega tem que ir até a
criança e descer ela daí, porque é perigoso dela cair e bater o queixo (Suj. 6, creche
1).
O berço quando usado pelos adultos funciona como estratégia pedagógica para suspensão do
movimento de um bebê que tenha uma atitude considerada agressiva:
Provavelmente a criança que está dentro do berço deve ser uma criança mais
agressiva, então a gente deixa um pouquinho no berço (Suj. 5 creche 1).
O vocábulo momento nesta classe sugere referir-se aos intervalos de tempo que não
fazem parte da rotina: é o tempo do afeto, do olhar cuidadoso do adulto que protege:
Acho que a gente não está aqui para brincar, eu falo no sentido de levar a vida na
brincadeira, de não ter responsabilidade, é uma coisa que você tem que levar a
sério. Mas é bom, é prazeroso, é um momento que você está ali, conversando,
partilhando, interagindo com as crianças (Suj. 4, creche 1).
Parece que estão brincando de esconde-esconde! Estão bem descontraídos! Nesse
momento, eu falaria para a colega só observar. Porque elas precisam desses
momentos, e aí não está oferecendo nenhum perigo, mas mesmo assim a gente tem
que ficar de olho (Suj. 6 creche 1).
Tem gente que diz que não pode dar colo, mas eu acho que tem momentos que tem
que dar colo. As meninas dizem que não pode acostumar a criança com colo,
porque senão ela fica apegada à você (Suj. 8 creche 1).
Acho que falaria para ela dar colo também, porque o colo é um momento de
carinho, de afeto, que dá segurança também. Tanto para você, que está começando,
quanto para aquela criança que está precisando (Suj. 9 creche 1).
Assim, a gente distingue se é uma manha, um dengo, então a gente pega a criança
por um momento, ao perceber que ela acalmou um pouco, a gente oferece um
brinquedo para distrair, e não ficar muito tempo no colo (Suj. 18 creche 3).
Tem o momento do brinquedo, da música, isso está no cronograma, o dia do som,
da tv e tem o dia do brinquedo, você coloca o brinquedo, senta com eles, brinca com
eles (Suj. 33 creche 7).
Assim, a classe 6 encerra o primeiro eixo do dendrograma, apresentando o profissional
da Educação Infantil tendo a proteção à criança como principal característica. O adulto, que se
preocupa, que tem afeto, que atende a criança em suas necessidades, responde às questões da
classe 3, da criança em um espaço que oferece perigo. Essas duas classes, reúnem as
características complementares às ações de cuidados presentes na classe 1. As três classes até
então descritas encerram as características do trabalho codificado e do trabalho não codificado
presentes na Educação Infantil.
93
4.2.2.4 Classe 2 – Entre o doméstico e o profissional: A expectativa da família
Iniciando o segundo eixo do dendrograma – Referenciais identitários – a classe 2,
intitulada a expectativa da familia possui 44% do corpus analisado.
Ilustração 28 – Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE
O teste scree sugere o corte no vocábulo exist, mas optou-se por estender a análise
até a palavra eu:
Ilustração 29 – Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras pertencentes à Classe 2
As palavras selecionadas apresentam a seguinte relação de Khi2:
94
Tabela 8 – Palavras representativas da Classe 2 em ordem decrescente de Khi2
Palavras ou formas associadas Khi2 %
Pai, pais 54
77
Mãe, mães 49 63
Trabalha, trabalho, trabalham,
trabalhando 47
62
Casa 46
78
Filho, filha 29 70
Fala, falar, falam 27 59
Creche 27 66
Pergunta, perguntar, perguntamos 26 81
Pensa, pensam, pensando 24 67
Isso 20 59
Menina, menino, meninas 18 79
Preocupa, preocupação, preocupados 18 84
Faça, fáceis, faço 16 93
Família, familiar 16 76
como-se 16 93
Que 15 45
Existe, existisse 15 85
Dia 13 58
Febre 13 92
Procura, procuramos, procurasse 13 77
Profissionais, profissional 13 72
Eu 12 48
Analisando a classe 2, é possível perceber que as palavras pai, mãe, trabalha, casa,
creche, filho mostram que a função da creche serve como uma segunda casa para acolher os
bebês cujos pais trabalham fora:
Eu acho que seria mais, no caso, pra ajudar os pais, porque eles trabalham fora
(Suj. 34 creche 7).
Berçário é para acolher os bebês. Bebês que precisam ser acolhidos, porque as
mães precisam trabalhar e não tem com quem deixar seus filhos (Suj. 1 creche 1).
O berçário serve para as mães que necessitam, que precisam ir trabalhar, tem que
deixar seus filhos. Se bem que agora, você pode deixar seu filho, né, independente
se você trabalha ou não. Mas o berçário é para isso, um local para aqueles que tem
necessidade de deixar seus filhos, um local mais seguro (Suj. 5 creche 1).
A expectativa que os pais dos bebês têm sobre o berçário:
Olha, creio que esperam que a criança seja bem cuidada, porque qualquer coisinha
que acontece, a mãe já vê, já pergunta, então ela tem total liberdade de chegar e
perguntar, como aconteceu, o que aconteceu. Ela tem que ter essa segurança de ir
trabalhar e saber que seu filho está bem cuidado (Suj. 6 creche 1).
Aqui mesmo a gente vê, quando falta água os pais reclamam que não dá pra deixar
os filhos, então é como se fosse uma segunda casa pra eles (Suj. 34 creche 7).
95
E a expectativa que as profissionais têm para com eles:
Eu acho que o objetivo deles é trazer seu filho aqui, para a gente cuidar. Não existe
o educar. Eu acho que somos para eles, que a gente não faz trabalho educativo,
porque desde quando entrei, vejo que não houve mudança. Tem um ou dois que vem
falar com a gente: tia, obrigada por cuidar do meu filho. Tem uns que chama a
gente até de professora, mas é um ou dois (Suj. 7 creche 1).
É como eu falo para as mães, se você vai deixar seu filho aqui, você tem que
confiar, porque senão, você vai trabalhar com aquela preocupação. Tem que
confiar no trabalho da gente, tem que ter confiança. (...) Você dá tanto carinho para
as crianças, e os pais não reconhecem. Tem uns que reconhecem, mas não são
todos. Eles acham que a gente não faz nada, acham que o trabalho aqui é mais
fácil, porque aqui é só rotina (Suj. 8 creche 1).
O vocábulo família mostra o trabalho do berçário próximo Ao contexto doméstico:
Acho que as imagens (do profissional que trabalha no berçário) estão ligadas com a
família, com a família toda, a mãe, a tia. Isso é o meu pensar, é do jeito que eu vejo,
é assim com a família. Aqui, a gente fala até assim: vê lá o seu filho, a gente adota
filhos, fala: olha, o seu filho está chorando! Entendeu? A imagem que tenho é a de
ligação com a família, mãe, pai, tio avó. (...) Mas quando eles já estão adaptados,
eles veem a gente como alguém da família, você pode até ver que quando chega
alguém estranho, tem muitos que começam a chorar, e já se aproximam de você,
porque pensam que você faz parte da família dele, e que não vai fazer mal a ele
(Suj. 7 creche 1).
Seria uma imagem de mãe, um tipo de mãe, porque a gente cuida até quando está
doente. É como se fosse uma extensão da família, porque eles passam muito tempo
aqui, doze horas por dia, vão para casa só para dormir (Suj. 23 creche 5).
É como se a gente fizesse parte da família delas, e elas nos comparam assim, como
mãe, avó, tia (Suj. 24 creche 5).
Porque eles ainda tem aquela percepção, eles acham que, alguns, acham que é só
jogar o filho aqui, a gente dá comida na boca, e pronto, não tem a parte da
educação, não tem nada, então os pais, alguns ainda veem a gente como babá (Suj.
2 creche 1).
Em resposta a essa expectativa, o vocábulo profissional é utilizado para a defesa do
grupo:
Eu acho que deveria, como eu falo aqui na creche, ter palestra com todos os pais,
explicando, como era a educação antigamente, como é agora, principalmente vocês,
da psicologia. Explicar para os pais, que não somos babás, que somos profissionais,
que temos nível superior, que não somos qualquer profissional, eu falei isso para
uma mãe: olha, aqui só tem profissional de alto gabarito, e nós estamos aqui para
educar seu filho. E ela até ficou meio assim, porque ela veio querendo chamar a
atenção, e eu falei: mãe, aqui a senhora não precisa se preocupar com isso. Às
vezes acontece alguma coisinha, sem a gente querer, uma fatalidade, ou outra coisa,
mas não é porque a gente quer não, e eu falei assim: e também aqui só tem
profissionais de alto gabarito, e não é qualquer profissional que vem trabalhar em
creche (Suj. 2 creche 1).
96
Agora, até a secretaria de educação está fazendo essa diferenciação, exigindo mais
requisitos para os profissionais que trabalham no berçário. Hoje a gente tem uma
equipe que trabalha bem, e que gosta de estar no berçário (Suj. 18 creche 3).
Se alguém pergunta sobre o meu trabalho, eu digo que sou TDI. Os pais dos bebês
costumam nos chamar de tia, mas a Educação mostra que nós não somos parentes
das crianças, não somos tias de ninguém, somos profissionais. É preciso tirar essa
visão dos pais, de nos ver como babás (Suj. 23 creche 5).
Os primeiros excertos das entrevistas aqui destacados mostram que a concepção de
creche dos profissionais entrevistados remete àquela primeira já descrita, da creche enquanto
instituição de assistência, essa concepção orienta também aquilo que pensam dos pais dos
bebês – ações de cuidado e assistência – remetendo o trabalho das profissionais à ordem do
doméstico. Em defesa do grupo, a resposta identitária surge destacando a profissionalização
do grupo entrevistado.
4.2.2.5 Classe 4 – Tornar-se professor da Educação Infantil
Representando 9% do corpus analisado, esta classe foi nomeada de Tornar-se
professor da Educação Infantil:
Ilustração 30 – Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE
O teste scree mostra a possiblidade de corte em peguei, mas optou-se por estender a
análise até o vocábulo reconhecimento:
97
Ilustração 31 – Gráfico referente ao teste scree aplicado as palavras pertencentes à Classe 4
A tabela abaixo mostra as palavras selecionadas em ordem decrescente de Khi2:
Tabela 9 – Palavras representativas da Classe 4 em ordem decrescente de Khi2
Palavras ou formas associadas Khi2 %
Ano 236
64
Fiz, fizemos 135 65
Curso 117 79
Concurso 117 79
Social 103 100
Época 88 67
Técnica, técnicas, técnico 87 75
Educação Infantil 83 83
Vaga 82 90
Infantil 82 90
Assistencialismo, assistente 72 89
Contagem, contar 65 75
Área 59 69
Ponto 51 86
Resolvi 51 100
Fiquei 49 56
Primeira, primeiros 48 48
Mês, meses 44 48
Era 43 30
Contratada, contrato 43 75
Peguei 41 83
Fui 37 53
Demora, demoram, demorar 37 67
98
Me 34
28
Vim 34 71
Pedagoga, pedagogia 33 45
Período 33 54
Oportunidade 33 60
Formação 31 31
Nead 31 100
Aparece 31 100
Terminando 31 100
Trabalha, trabalho, trabalhando 31 18
Reconhecimento 31 80
Toda a classe 4 está associada à trajetória profissional narrada pelas entrevistadas. As
palavras ano e época indicam os intervalos de tempo em que cada uma delas dedicou-se à
profissão, enquanto que os vocábulos curso, oportunidade, concurso, técnico, Educação
Infantil e contrato referem-se a entrada na instituição – seja por concurso ou contrato de
trabalho – e os cursos de formação técnica oferecidos pela prefeitura. A palavra contagem,
refere-se a um termo muito usado entre os servidores municipais de educação – a contagem de
pontos, realizada ao fim do ano letivo.
Os vocábulos técnica e infantil são associados ao termo ao qual se denominam
conforme a legislação municipal:
Quando entramos no concurso, nós assumimos a sala, e depois foi oferecido a nós
um curso do CEMETEC, um curso técnico e nós passamos a ser TDI –técnica do
desenvolvimento infantil (Suj. 25 creche 5).
Na época que fiz o concurso, nem sabia o que era o trabalho, porque era para
técnico do desenvolvimento infantil. (Suj. 12 creche 1)
Até então, a gente ainda está nesse processo de reconhecimento, porque para o
governo federal, somos todas professoras, mas para a secretaria de educação,
somos técnicas do desenvolvimento infantil. (Suj. 7 creche 1).
Os vocábulos assistencialismo e assistente referem-se a imagem da profissional ainda
ancorada na creche em sua origem – onde o trabalho delas associa-se ao do assistente social:
A gente ouve o tempo todo, que a secretaria de educação não quer saber de
qualidade, só quer saber de quantidade. E essa visão de creche ainda é
assistencialista. Enquanto a secretaria tiver essa visão de quantidade, os pais vão
continuar achando que aqui é assistencialismo (Suj 7 creche 1).
Um profissional educador que está na creche, pode ser formado, pós-graduado, de
repente você tem mestrado, mas devido o espaço em que você está, ainda tem esse
99
ranço, de que a creche é um lugar de assistencialismo, que antigamente era só
cuidar (Suj. 25, creche 6).
Os vocábulos pedagoga, pedagogia indicam a profissionalização específica da área. A
palavra formação está associada ao reconhecimento profissional, e apresenta os dilemas da
profissão, não reconhecida no berçário:
Se você tem vontade própria de fazer, não tem coisa melhor. Mas para isso, tem que
ter uma formação, mas aí também vem o problema do salário, porque quem investe
numa formação, quer ter um salário melhor, e a gente não é bem remunerada (Suj.
20 creche 4).
No âmbito do discurso que se refere à formação, o Nead possui o maior
reconhecimento dentro do grupo:
Quando a gente faz uma formação, como a do Nead, eles nos chamam de
professores (Suj. 4 creche 1).
Agora já me falaram que se eu quiser continuar aqui, tenho que fazer o curso de
pedagogia, para poder contar ponto, porque meu curso não vale nada. Agora que
fiz o curso técnico, as meninas já fizeram o Nead (Suj. 7 creche 1).
É diferente mesmo, a criança de Educação Infantil da criança que já está no Ensino
Fundamental, é diferente. Eu fiz especialização no Nead, e a gente aprende o
desenvolvimento da criança no dia a dia, a gente sabe trabalhar com elas (Suj. 29
creche 7).
Por fim, a palavra reconhecimento mostra-se emblemática no discurso que se refere à
tensão posta na construção do profissional de Educação Infantil:
Até então, a gente ainda está nesse processo de reconhecimento, porque para o
governo federal, somos todas professoras, mas para a secretaria de educação,
somos técnicas do desenvolvimento infantil. Mesmo se fizesse o curso de pedagogia,
eu não me sentiria professora aqui na creche, porque não basta ter a formação, a
gente tem que ter reconhecimento. E o salário, também (Suj. 7, creche 1).
Porque ainda está nessa fase de processo de transição da assistência para a
educação. Tem prefeitura que ainda está no assistencialismo. Por mais que o
governo federal diga uma coisa, tem prefeituras que ainda tem equipes que não tem
nem o ensino médio. Não sei no Mato Grosso, mas lá pelas bandas do Nordeste, tem
sim. Então é isso, enquanto não houver reconhecimento, a gente vai trabalhando
assim, mais no cuidar (Suj 23, creche 4).
Assim, as classes 2 e 4 estabelecem o diálogo entre o grupo de profissionais e outros
grupos. Enquanto a classe 2 mostra a expectativa do outro em relação ao trabalho que as
profissionais desenvolvem no berçário, estas, no movimento de defesa identitária, nomeiam e
100
justificam suas práticas na classe 4, destacando no discurso a importância da formação
acadêmica para o reconhecimento profissional.
4.2.2.6 Classe 5 – Imagens concorrentes da profissionalidade no berçário
A classe 5 é a última que compõe o eixo referenciais identitários como pode ser visto
no dendrograma:
Ilustração 32 – Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE
Conforme o teste scree, o ponto de corte desta classe poderia ser realizado na palavra
cuidado, mas optou-se por estender a análise até a palavra paciência:
Ilustração 33 – Gráfico referente ao teste scree aplicado às palavras pertencentes à classe 5
101
A seguir, as palavras da classe 5 em ordem decrescente de Khi2:
Tabela 10 – Palavras representativas da Classe 5 em ordem decrescente de Khi2
Palavras ou formas associadas Khi2 %
Amor 534
88
Carinho, carinhosa 427 67
Dedica, dedico dedicação 237 94
Importante 217 66
Baba 131 49
Compreensão 109 94
Responsabilidade 108 65
Ter 95 34
Respeito, respeitar 76 71
Atenção 72 41
Cuidar, cuidado 71 29
Afeto 59 46
Mãe 57 25
Base 56 77
Professora de bebês 56 55
Ama 55 100
Amorosa 55 100
Ternura 47 100
Atenciosa 47 100
Companheira, companheirismo 47 100
Amar 46 88
Cuidadosa 46 88
Ser 43 28
Responsável 41 73
Amiga 37 67
Palavra 32 56
Pureza, puro 31 100
Amizade 31 83
Paciência 31 48
Os vocábulos amor, carinho, afeto, ternura indicam um conjunto de qualidades
necessário para o trabalho com os bebês. Sendo amor a palavra de maior Khi2 em todo o
corpus, ligado ao vocábulo mãe indica ser uma representação hegemônica da imagem da mãe
idealizada. Além do amor da mãe, o amor é a justificativa principal no discurso das
profissionais na escolha da profissão:
A mãe é tudo para a criança. então a gente tem que se colocar no lugar daquela
mãe, como se aquela criança fosse a minha filha. Então tem que ser assim, eu tenho
102
que cuidar daquela criança como se fosse minha. Se ela está comigo, tenho que ter
amor por aquela criança, cuidar, ter carinho, dedicação (Suj 28 creche 6).
Se a professora de bebê tem amor pelo bebê que ela está cuidando, ela tem
dedicação. Eu creio que o amor é a base de tudo. Eu creio que é algo muito
importante e gratificante (Suj. 36 creche 7).
As palavras amiga, cuidadosa, atenciosa, companheira são atributos ora feitos à mãe
ora à professora de bebês, indicando a associação entre as duas imagens.
Primeiramente a professora de bebês ensina a criança a conversar, porque ela
conversa quando dá a mamadeira, ela dá banho ela conversa, ela dá comida, ela
conversa. Então o meio dela explicar é esse, ela está ensinando. Ela ensina a
engatinhar. Ela tem que ser profissional, tem que ser cuidadosa, amorosa e
atenciosa (Suj. 15 creche 2).
Já o vocábulo babá traz associados a ele os vocábulos deve, respeito e cuidado. A
associação no discurso de que a babá deve fazer algo em detrimento de outras imagens, onde
não há essa associação, sugere uma dúvida, ao invés de uma afirmação. Isso pode estar
relacionado ao silenciamento de conteúdos negativos desta imagem profissional:
A babá deve respeitar a criança, não querer bater, machucar, agredir. Tem que
escutar a criança falar (suj. 10 creche 1).
A babá é uma cuidadora, profissional, que deve ter amor, dedicação, respeito (Suj.
11 creche 1)
De um modo geral, as imagens de mãe e professora de bebês se relacionam
intimamente no discurso das entrevistadas, e aproximam-se também da imagem da boa babá.
Os vocábulos selecionados sintetizam um grupo de características, habilidades e competências
da boa profissional de Educação Infantil anunciada como segunda mãe e aparentemente
embalada na ideia do amor materno.
4.2.3 Relação entre as classes do ALCESTE
Após a caracterização de cada classe, é interessante explicitar as relações estabelecidas
entre si. Para isso, é preciso observá-las no dendrograma:
103
Ilustração 34 – Dendrograma do corpus gerado pelo ALCESTE
A primeira divisão que o dendrograma apresenta refere-se a seleção de dois eixos de
discursos, sendo o primeiro intitulado Tensões entre o trabalho codificado e o não codificado,
que traz fragmentos do discurso relacionados as práticas, a rotina do berçário e a relação entre
o bebê e o adulto neste espaço. O segundo eixo – Referenciais identitários – abrange
fragmentos do discurso relacionado aos referenciais identitários partilhados pelo grupo de
profissionais, seja a partir da relação intergrupos, seja através das representações circulantes
no intersubjetivo e no trans-subjetivo no que se refere às imagens associadas ao profissional
que trabalha com bebês.
O primeiro eixo, mostra a relação entre as classes 3 e 6, e destas com a classe 1.
A classe 1, denominada cuidados e rotina mostra no âmbito daquilo que é visto como
trabalho codificado do berçário, a relação entre a ação da criança e a ação em resposta do
adulto. Do que é entendido pelo grupo pesquisado, as ações da criança referem-se aquelas
associadas às suas necessidades fisiológicas e a ação dos adultos atende às necessidades
fisiológicas dos bebês, com exceção da mordida – ação da criança que gera no adulto a atitude
de suspensão do movimento – o uso do berço, presente na classe 3.
A classe 3 foi denominada de O espaço e a ação da criança, porque abrange o
discurso relacionado a ação do bebê no espaço do berçário. Essa ação é caracterizada pelas
profissionais como desordem, como uma ação que está “fora de lugar”, que não tem espaço
no funcionamento da rotina. Esse movimento dos bebês pode ser categorizado como elemento
do não codificado.
Assim a classe 3 mostra um bebê que se pudesse decidir, escolheria uma dinâmica que
aos olhos do adulto gera um mal estar associado ao aspecto de “estar fora do lugar”. O
104
berçário “fora de lugar” é entendido nesse estudo como fora de uma referência adulta de
ordem. Os escapes dos bebês anunciados pelas entrevistadas acontecem nas atividades de
alimentação, de sono, e de organização do espaço. Ao perguntar para as profissionais como
seria o berçário se os bebês pudessem decidir, elas mostram que a rotina está fortemente
organizada em uma referência adulta de ordem. A organização do espaço e do tempo do
berçário imprime nos bebês um movimento de docilização dos corpos, de treinar hábitos e
costumes – que não deixa espaço para a expressão das singularidades dos bebês, para a
manifestação dos desejos infantis.
Em resposta à classe 3, a classe 6 traz fragmentos do discurso associados ao adulto
que protege, o alto Khi2 para a palavra perigo sinaliza que para o grupo, a manifestação do
corpo desejante do bebê é entendido como perigo. O corpo desejante por colo mostra-se como
desvio, pois leva a hábitos ruins; o corpo que deseja comer mais, ou dormir mais também são
caracterizados por desvio, por fugir daquilo que é codificado no trabalho do berçário.
O segundo eixo, Referenciais identitários divide-se em outros dois eixos, sendo que o
primeiro contém a classe 2 – A expectativa da família e a classe 4 –Tornar-se professor da
Educação Infantil e o segundo eixo abriga a classe 5 – Imagens concorrentes da
profissionalidade.
A classe 2 mostra a expectativa do outro, na ordem do intergrupo, no caso, a família
dos bebês em relação ao trabalho desenvolvido no berçário. Os fragmentos dos discursos
agrupados na classe 2 mostram não somente a expectativa dos pais em relação à segurança
dos seus bebês e ações de cuidado, mas também mostram a imagem da creche para as
profissionais que nela atuam, ainda fortemente ancorada a sua origem: uma instituição de
cuidados para os pais que trabalham fora. Essa representação ainda fortemente enraizada no
tecido cultural, sugere estar associada a themata assistência x abandono, que orientou a
concepção da creche em sua origem, oferecendo assistência aos filhos de mães pobres, como
opção contra o abandono.
Por sua vez, a classe 4 aproxima-se da classe 2, em uma tentativa de resposta a essa
expectativa mostrando aspectos de tornar-se profissional da Educação Infantil – um
movimento de defesa identitária do grupo em relação à expectativa dos pais. Esse movimento
resulta em uma valorização da profissão, para fortalecimento do grupo, mostrando fragmentos
do discurso na classe 4 referentes a trajetória profissional percorrida pelas entrevistadas.
Por último a classe 5, intitulada Imagens concorrentes da profissionalidade,
complementando o movimento de defesa identitária do grupo, ao reunir um conjunto de
ferramentas, habilidades e competências para descrever a boa professora. Nesta classe, é
105
possível perceber a negociação de sentidos entre professora, babá e mãe. O amor, palavra com
o maior Khi2 do corpus, é uma representação que atravessa todas as imagens daquilo que é
socialmente desejável para lidar com a criança.
4.2.4 Análise tri-croisé
Ao constatar a preocupação com a formação nos discursos selecionados na classe 4 do
ALCESTE, fez-se necessária uma investigação de análise tri-croisé utilizando a variável
formação, para verificar se existem diferenças significativas nos discursos de acordo com a
formação dos sujeitos pesquisados. Uma das variáveis utilizadas no processamento de dados
do ALCESTE referia-se à formação, dividida da seguinte forma:
Ilustração 35 – quadro da distribuição de variáveis referentes à formação dos sujeitos
pesquisados
2ºGRAU
1
PEDAGOGIA
2
NEAD
3
OUTRO
CURSO
SUPERIOR
4
PEDAGOGIA
+
ESPECIALIZAÇÃO
5
O processamento tri-croisé a partir da variável formação distribui o discurso em cinco
classes, uma para cada tipo de formação. Para cada classe, o software dispõe um
dendrograma, com as palavras de maior Khi2 na classe.
Desse modo, a classe 1 apresenta as palavras mais frequentes nos discursos dos
sujeitos que possuem formação em 2º grau; a classe 2 apresenta o discurso dos sujeitos
formados em Pedagogia. A classe 3 apresenta as palavras mais frequentes daqueles que
possuem formação pelo NEAD. A classe 4 contém o discurso dos sujeitos com graduação em
outros cursos superiores, e por último a classe 5 apresenta os graduados em Pedagogia, com
pós-graduação em Educação Infantil.
A seguir, um quadro referente as principais palavras de acordo com a variável
formação em ordem decrescente de Khi2.
106
Ilustração 36 – Distribuição das palavras pela variável formação em ordem decrescente de Khi2
Fonte: relatório fornecido pelo software ALCESTE
Analisando a figura é possível verificar que realmente a formação especifica
possibilita um discurso além do senso comum para entender a realidade da profissão com
elementos do universo reificado.
A classe 3 – que se refere ao grupo formado pelo Nead – apresenta as palavras
desenvolvimento, socialização, interagindo que fazem parte do discurso presente no universo
reificado, enquanto que as palavras estudar, Nead, Pedagogia, profissional, valorização
mostram a percepção da importância da formação no processo de construção identitária.
Isso mostra uma tendência que de fato a formação específica possibilita uma maior
elaboração da rede de significados associados à profissionalidade docente da Educação
Infantil.
A outra classe que apresenta algum discurso do universo reificado – com as palavras
afetividade e autonomia – é a classe 5, que corresponde aos sujeitos que possuem curso de
especialização em Educação Infantil somada à graduação em Pedagogia.
107
Esses dados indicam a necessidade de investigação da estrutura curricular dos cursos
de formação inicial, no que se refere ao atendimento das disciplinas específicas à Educação
Infantil.
4.3 Entrelaçamento de dados do Estudo I: EVOC e ALCESTE
O entrelaçamento dos dados referentes às evocações com os dados oriundos das
entrevistas semiestruturadas do Estudo I possibilitou perceber que o método de associação de
palavras tende a sinalizar os significados mais consensuais das representações partilhadas pelo
grupo pesquisado. Ao mesmo tempo, as entrevistas semiestruturadas permitem maior acesso
às negociações que os sujeitos estabelecem com base nesses significados, o que tende a
ampliar a análise dos sentidos partilhados pelo grupo.
Os dados do EVOC revelaram pressupostos identitários das profissionais pesquisadas
alinhados às características de mãe e babá, resultando na figura de uma boa substituta
materna. Esses pressupostos manifestam-se no discurso do ALCESTE no conjunto de práticas
do trabalho docente realizadas pelas profissionais, e que referem-se a cuidar, amar, organizar
o espaço e o tempo, imprimir hábitos e proteger de acidentes.
Porém, pode-se dizer que, ao mesmo tempo, os referenciais identitários presentes no
discurso mostram também novas tendências da profissionalidade, abrindo espaço para dúvidas
e dilemas da profissão.
O quadrante do Núcleo Central da representação social e os conteúdos da
representação social identificados na análise lexical formam a dimensão codificada do
trabalho no berçário, sendo a profissional uma boa substituta materna que exerce a pedagogia
do berçário.
Ao mesmo tempo, é possível afirmar a coexistência de elementos referentes ao não-
familiar da profissionalidade da Educação Infantil, que mostra a criança como ser desejante e
a dimensão não codificada do trabalho docente. Estes elementos coexistem na rede de
significações das pesquisadas oriundos daquelas que possuem formação específica e trazem
significados do universo reificado. A formação específica abre espaço para dúvidas e dilemas,
possibilitando ressignificar a criança, e ao fazê-lo, ressignifica também a prática docente.
4.4 Estudo II
4.4.1 Observação participante
108
A Creche Santa Inês é a creche pública mais antiga da cidade de Cuiabá. Inaugurada
em 1986, possui em seu quadro de funcionários profissionais que possuem formação e tempo
de serviço diversos. A funcionária mais antiga da rede trabalha no berçário no período da
manhã. Em contrapartida, a mais nova da rede, com menos de seis meses de serviço na época
do início da observação, também trabalha neste berçário, no período da tarde. Quanto à
formação, o quadro conta com profissionais que possuem desde o segundo grau e curso
técnico22
até pedagogas com formação específica em Educação Infantil - NEAD/UFMT.
A escolha da creche em questão para o Estudo II se deu por ser esta uma creche cuja
equipe desenvolveu nos últimos anos, uma relação de parceria com os cursos de Psicologia,
Pedagogia e Arquitetura da UFMT. Desta parceria, projetos de extensão foram desenvolvidos,
culminando em um projeto de intervenção no espaço do berçário. Desse modo, considerou-se
a importância do registro desse processo de mudança, e sua incorporação ao presente estudo.
Os momentos antes e depois da intervenção foram então nomeados como Situação I e
Situação II.
Inicialmente, foi feita uma apresentação formal dos projetos de pesquisa à equipe de
Educação Infantil da Secretaria de Educação, em seguida, a mesma apresentação foi feita ao
diretor da creche e à equipe de doze profissionais divididas entre os turnos matutino e
vespertino do seguinte modo23
:
Equipe do turno matutino: Ana, 54 anos, 25 em creche, possui formação em pedagogia;
Sonia, 35 anos, 10 de creche, graduada em Letras; Bia, graduada em pedagogia,40 anos, 20
anos na mesma creche; Lucia, 49 anos, sendo 27 anos de creche, está terminando a graduação
em pedagogia; Glaucia, formada em pedagogia, 59 anos, sendo 23 na creche; e Luiza, a mais
nova do grupo, com 35 anos, sendo 15 de tempo de serviço, é pedagoga e também é formada
em Pedagogia em Educação Infantil pelo NEAD24
. Todas são funcionárias efetivas, aprovadas
em concurso público, em diferentes momentos da instituição.
Equipe do turno vespertino: Maria, 47 anos, sendo 20 de tempo de serviço, possui ensino
médio incompleto; Fátima, 46 anos, tendo apenas seis meses de tempo de serviço no
momento da pesquisa, formada pelo antigo magistério, ou “curso normal”; Sandra, 40 anos, 9
na creche, formada em serviço social; Cristina, 37 anos, sendo 12 de creche, é técnica em
22
Curso técnico oferecido pela prefeitura para o desempenho da função TDI. 23
Os nomes das profissionais foram trocados para preservar a identidade. 24
Núcleo de Ensino a Distância da UFMT.
109
enfermagem, que também exerce no turno da noite em um hospital psiquiátrico; Augusta, 66
anos, sendo 21 em creche, possui segundo grau completo; e Fernanda, 34 anos, sendo oito em
creche, formada em pedagogia em Educação Infantil pelo NEAD, e pós-graduada em RH.
Deste grupo, apenas Fátima não compõe o quadro efetivo.
Durante o primeiro mês, foram feitas duas visitas por semana, uma para cada turno,
com duração de duas a três horas cada. Neste estágio inicial, foi feita uma aproximação no
grupo, auxiliando-as sempre que solicitavam, nas tarefas com os bebês, principalmente nos
momentos de alimentação. A interação entre a pesquisadora desenvolveu-se de forma
diferente entre os grupos. A aceitação da presença da pesquisadora no grupo da tarde se deu
de forma imediata, e a pesquisadora era convidada a participar dos momentos de descontração
do grupo, na hora do lanche, ou em momentos que a equipe revezava para descanso, como
também de momentos de trabalho, seja na hora da alimentação ou da atividade livre.
Quanto às observações, estas direcionavam-se para as atividades das profissionais ao
longo da rotina; as práticas desenvolvidas, o modo que interagiam entre elas e entre elas e as
crianças, aos diálogos entre elas e a pesquisadora. O registro em caderno de campo era
realizado somente ao fim do dia, para não causar desconforto.
A partir de recorrências observadas nos primeiros dias de observação, foi possível
montar um quadro de categorias de análise, que será descrito a seguir, com o auxílio de
excertos do caderno de campo.
4.4.2 Observação participante: alguns achados
As principais categorias observadas referem-se à dinâmica da organização do trabalho
no berçário e a distribuição dos adultos e das crianças nos diferentes momentos da rotina,
composta por alimentação, higiene, sono e atividade livre.
Também foram observados aspectos da organização espacial do berçário ao longo do
dia, e as interações adulto-criança, adulto-adulto (interação entre as profissionais do mesmo
turno, de turnos diferentes, e ainda entre as elas e os pais das crianças, nos momentos de
entrada e saída da creche.
4.4.2.1 A organização do espaço do berçário
O espaço físico da sala do berçário é de 60 m², composto por berços dispostos ao
fundo; colchonetes espalhados pelo chão; trocador com gavetas para guardar os pertences das
110
crianças; mesa pequena com TV e DVD e baú de brinquedos. As paredes têm pinturas de
desenhos infantis e as janelas se concentram no alto da sala do berçário sem possibilidade de
visão tantos das profissionais, quanto dos bebês, há ainda saída para um banheiro exclusivo
para a higiene dos bebês, uma cozinha para o preparo das refeições e uma pequena sala que
funciona como depósito de materiais.
Ilustração 37 – Imagem panorâmica do berçário do Estudo 2 em arranjo espacial aberto
Fonte: arquivo pessoal
Durante a primeira fase de observação, ele foi organizado de duas formas: na primeira,
os berços disponíveis são enfileirados de modo a formar um quadrado fechado no fundo da
sala, que não era permitido o acesso pelos bebês. Na segunda, os berços eram alinhados ao
longo da parede, ampliando assim, o espaço de circulação dos bebês. Nos dois tipos de
organização, o restante dos itens não variou de posição, conforme a figura mostra:
Ilustração 38 – Esquema de arranjos espaciais do tipo aberto e fechado presentes no berçário do
Estudo 2
Pelo chão, colchonetes ficam espalhados para os bebês (em azul na figura) e para as
profissionais (em vermelho). Durante o momento de atividade livre, estas sentam-se nos
Tro
cad
or
or
Berços
Mesa de TV
colchonetes
Tro
cad
or
or
Berços
Mesa de TV
colchonetes
111
colchonetes, e observam as crianças circularem pela sala, intervindo quando surge um conflito
ou choro forte. Os colchonetes azuis são destinados a acomodar os bebês que ainda não se
locomovem sozinhos, ou aqueles que por algum motivo precisam de maior atenção, como
quando estão indispostos.
Ilustração 39 – Imagem do berçário em momento de atividade livre
Fonte: arquivo pessoal
No momento de atividade livre, devido a pouca oferta de brinquedos no espaço, os
bebês se agrupam em volta da televisão, ou próximos às profissionais.
Após a intervenção no espaço, este foi modificado, da seguinte forma:
Ilustração 40 – Imagem do berçário do estudo 2 após intervenção no espaço
Fonte: arquivo pessoal
Ao fundo do berçário, a parede recebeu um espelho em “L”, acompanhado de uma
barra de apoio em toda sua extensão. No quadrado formado pelo espelho, um tatame de EVA
112
foi colocado no chão, e sobre ele, diversos brinquedos de espuma, representando formas
geométricas. No centro do berçário, foi disposto um brinquedo de espuma com várias
possibilidades de exploração. Para as profissionais, bancos tipo “pufes” coloridos foram
distribuídos pelo espaço. Cortinas de fitas coloridas dividem o espaço em ambientes
diferentes. Para os bebês menores, foram instalados brinquedos em quatro berços.
Inicialmente, esta nova disposição estimulou uma organização diferente das
profissionais em relação ao espaço. Nas primeiras semanas após a mudança, observou-se que
as profissionais se distribuíram mais pelos diferentes ambientes nos momentos de atividade
livre, com a finalidade de atender aos bebês que também se distribuíram pelo espaço.
4.4.2.2 Categoria: Rotina
No que se refere à rotina da creche, foi observado que esta divide-se em atividades de
alimentação, higiene, sono e atividade livre, conforme tabela abaixo:
Tabela 11 – Descrição das atividades da rotina do berçário
Horários Atividades
06h30min as 08h00min Chegada dos bebês/ mamadeira
08h00min as 09h00min Atividade livre
09h00min as 09h30min Lanche
09h30min as 10h00min Higiene
10h00min as 10h40min Almoço
10h40min as 12h30min Sono
12h30min as 13h00min Mamadeira
13h00min as 13h30min Higiene
13h30min as 14h30min Atividade livre
14h30min as 15h00min Lanche
16h00min as 16h40min Jantar
16h40min as 17h30min Sono
Em relação à alimentação, observou-se que esta segue uma rotina rígida de horários
estabelecidos, em que todos devem se alimentar no momento que é servido.
Pela primeira vez vi Sofia no chão, sentada, apoiada na almofada. Ela chorava o
tempo todo. (...) Perguntei às meninas se era possível pedir uma mamadeira para
Sofia, e elas me disseram que tinha que esperar a hora do jantar. Quando
finalmente veio a mamadeira, ela mamou rapidamente, e parou de chorar. (Dia 5,
28/06/2012)
Bebês que ainda tem o leite como principal fonte de alimentação sentem fome mais
rapidamente do que aqueles que já comem alimentos sólidos. Mas em função da rotina, os
bebês que ainda mamam ficam mais agitados até a hora da próxima refeição.
113
A ingestão de líquidos é controlada, sendo oferecidos em horários fixos, sempre após
as refeições.
Embora o berçário disponha de seis cadeiras de alimentação para acomodar os bebês
durante as refeições, estes são alimentados no chão, tanto na hora do lanche, como no almoço
e jantar, de modo a agilizar a tarefa, e fazer com que os bebês não esperem muito para comer.
Ilustração 41 – Imagem do berçário no momento do lanche
Fonte: arquivo pessoal
No início do ano, elas relataram o uso das cadeiras de alimentação para alimentar os
bebês, mas por serem em pouca quantidade, os bebês têm que ser revezados em grupos para
se alimentar, e isso gerava muitos conflitos pela impossibilidade de atender a todos ao mesmo
tempo.
A higiene também tem horário estabelecido, momento em que todos tomam banho e
trocam de roupa. Porém, acaba por acontecer de uma forma contínua ao longo do dia,
conforme aparece uma fralda suja. Tanto a equipe do turno da manhã quanto do turno da tarde
costumam se organizar em equipes para realizar essa tarefa.
Hoje conversei um pouco com Fernanda. Ela disse que trabalha no berçário porque
gosta de bebês: “com eles, é só afeto, dar banho, limpar cocô, fazer dormir”. Ela
me explicou também como funciona a rotina delas. Quando a equipe da tarde
chega, os bebês estão dormindo, e à medida que acordam, se estiverem sujos de
cocô, vão para o banho.(Dia 3 07/06/2012)
Em relação ao sono, este também segue uma rotina rígida. O horário do sono, depois
do almoço e depois do jantar é exclusivo para o descanso dos bebês.
114
No momento da rotina destinado ao sono, os colchonetes são organizados no canto ao
fundo da sala. Os bebês que estão de fralda limpa são levados para serem ninados. As
profissionais embalam os bebês batendo levemente em suas costas até adormecerem.
Ilustração 42 – Imagem do berçário no momento do sono
Fonte: arquivo pessoal
Durante o momento de atividade livre, alguns brinquedos são dispostos para os bebês,
assim como a televisão, que reproduz vídeos infantis.
Ilustração 43 – Imagem do berçário no momento de atividade livre
Fonte: arquivo pessoal
Os brinquedos são recolhidos na medida que acontece um conflito. Os berços que não
estão sendo usados para os bebês menores – aqueles que têm menos de seis meses ficam a
maior parte do tempo no berço para não se machucarem – muitas vezes os berços também
são utilizados para conter os bebês mais agitados. Alguns bebês são colocados com mais
frequência no berço, principalmente se mordem outros bebês.
4.4.2.3 Categoria: interação adulto-criança
Quanto à interação entre adultos e crianças, alguns mitos foram observados, como o
“mito do colo”. É comum nas instituições infantis, encontrar esse tipo de prática, na recusa
115
em oferecer colo ao bebê, para que não se “acostume” somente no colo, e assim não atrase o
processo de adaptação.
As acadêmicas do curso de Arquitetura chegaram, e algumas crianças estranharam
o movimento no berçário. Peguei um bebê no colo que não parava de chorar.
Quando se acalmou, coloquei-a no chão, e novamente começou a chorar. Sandra
então passa por mim e fala: “tá vendo? Foi pegar ela no colo...” (Dia 1
31/05/2011)
Mas essa conduta não é a única no berçário:
Fátima diz que se preocupa com os bebês, porque eles ficam lá o dia todo, e
“acabam tendo somente a nós para lhes dar atenção. E esses bebês só querem um
colo, é só isso que eles querem”. [...]. Ela sempre vai trabalhar com roupa de
ginástica, e representa bem sua dinâmica dentro do berçário, pois é bem ativa,
quase não fica sentada. De todas as funcionárias é quem mais oferece colo aos
bebês. (Dia 3 07/06/2011)
Na relação adulto-criança, o diálogo verbal que se estabelece é de regulação dos
movimentos dos bebês. No diálogo corporal, o colo negado é oferecido somente em algumas
situações. A regulação dos movimentos se dá também na sua suspensão, sendo a criança
colocada no berço diante de um comportamento considerado agressivo pelas profissionais.
Imediatamente após a modificação do espaço, a interação adulto-criança modificou
significativamente, proporcionando maior quantidade de momentos de interação entre as
profissionais e os bebês, com a utilização dos novos brinquedos inseridos no espaço, como
pode ser observado na figura:
Ilustração 44 – Imagem do berçário no momento de atividade livre após modificação do espaço
Fonte: arquivo pessoal
116
Com o passar do tempo, as interações sofreram uma diminuição na quantidade,
aproximando-se do patamar inicial.
4.4.2.4 Categoria Relação adulto- adulto
Entre as profissionais existe uma configuração diferente nos turnos da manhã e da
tarde. No primeiro, o grupo é orientado por uma hierarquia, em que aquelas que possuem
maior tempo de serviço exercem certo poder sobre o grupo. Magda, que é a mais nova, e que
tem formação mais específica no campo da Educação Infantil, muitas vezes tenta inserir
novas práticas no grupo, que não costumam ser aderidas por muito tempo.
O grupo da tarde aparenta ser mais democrático quanto às tomadas de decisão.
Embora existam profissionais antigas, estas não têm maior força na hierarquia do grupo. A
Fernanda é uma profissional que possui formação diferenciada, e suas ideias são bem
recebidas pelo grupo. O grupo também mostra-se mais aberto e receptivo para a troca de
experiências e aprendizagens, inclusive realizando um movimento para cursos de capacitação
junto ao GPPIN.
Em relação às profissionais e os pais dos bebês, há muita reclamação quanto a pouca
participação dos familiares no que se refere ao cotidiano da creche. Elas queixam-se que
muitos familiares não procuram saber o que acontece com os bebês, e os poucos momentos de
interação são para queixas e reclamações. Muito foi ouvido também em relação a atitudes
irresponsáveis de mães para com seus filhos. A rotina em uma instituição educativa tem o
propósito de organizar a vida cotidiana das instituições e das pessoas que nela interagem.
Neste estudo, não se questiona sua importância, mas sim sua pouca flexibilidade frente as
necessidades dos bebês, e sua ênfase nas práticas de cuidado.
4.4.3 Entrevista semiestruturada – Análise de conteúdo
Os dados da entrevista do Estudo II foram submetidos a análise de conteúdo. As
respostas de cada item do instrumento foram agrupadas e categorizadas, resultando no
seguinte quadro:
117
Ilustração 45 – Quadro de categorizações da primeira questão da entrevista do Estudo 2
1. Quais as principais preocupações ou o foco de atenção do profissional que
trabalha em um espaço como esse?
Situação I % Situação II %
Espaço como perigo
Preocupação com acidentes
Preocupação com mordidas
63
37
Espaço como perigo
Preocupação com acidentes;
Preocupação com mordidas;
Preocupação com os brinquedos
Olhar pedagógico
Planejamento
Material para trabalhar
15
25
25
20
15
A primeira questão, intitulada “Quais as principais preocupações ou o foco de atenção
de um profissional que trabalha em um espaço como esse?” mostra a influência do espaço na
prática profissional. No espaço da situação I, a única preocupação ou foco de atenção é em
relação aos perigos que ele pode oferecer, seja pelo espaço em si, ou pelos conflitos entre os
bebês, devido a falta de material adequado para entretê-los.
Já a situação II mostra que o espaço ainda representa potencial perigo (65%), agora
dividido entre o espaço em si, a preocupação com mordidas, e também com possíveis
acidentes com os brinquedos novos.
A situação II também propicia um novo foco e atenção, um olhar pedagógico (35%),
dividido entre a preocupação com o planejamento, e a atenção ao novo material para o
trabalho no berçário:
Porque as crianças brincam mais, tem mais objetos, eles ficam mais calmos, então
melhorou para nós em relação a isso né? Ao nosso trabalho. É como na escola, se
você tem material atrativo para dar sua aula, sua aula melhora, até seu método,
você chama melhor a atenção das crianças, dependendo do método, do que tem na
escola... Então, é lógico que ficou melhor do que estava antes, ficou bem
melhor.(Suj. 2).
Ilustração 46 – Quadro de categorizações da segunda questão da entrevista do Estudo 2
2. O que ele pode falar dele mesmo a partir desta cena?
Situação I % Situação II %
Preocupada
Desestimulada
Cansada
Responsabilidade
Dificuldades em trabalhar
Rotina
Prática de cuidados
12
34
36
6
12
5
5
Satisfação
Facilidade em trabalhar
Melhores condições de trabalho
Atenção
Prática de cuidados
38
15
31
8
8
118
A questão 2, intitulada “O que ele pode falar dele mesmo a partir desta cena?” mostra
uma grande diferença em relação ao entusiasmo deste profissional nas duas situações.
Enquanto que na situação I, o profissional é descrito como preocupado, cansado,
desestimulado, na situação II, 38% do grupo pesquisado mostra satisfação pelo trabalho. Na
situação I, a responsabilidade, associada à rotina e aos cuidados mostra a imagem desse
profissional associada a imagem da babá evocada no estudo I. Já na situação II, embora ainda
permaneçam a atenção e os cuidados, novos discursos aparecem, como facilidade em
trabalhar e melhores condições de trabalho.
Mudou, porque... Nós como profissionais, a gente melhorou, em relação ao
planejamento, eu me vejo uma profissional melhor. Agora melhorou mais o
pedagógico, porque antes era mais o cuidar, mesmo (Suj.2).
Ilustração 47 – Quadro de categorizações da terceira questão da entrevista do Estudo 2
3. Como o trabalhador desse setor descreveria a si próprio como profissional?
Situação I % Situação II %
Somente cuidados
Babá
Segunda mãe
Desvalorizada
15
62
8
15
Melhor profissional
Somente cuidados
Babá
Cuidar e educar
38
38
8
16
A questão 3 intitulada “Como o trabalhador desse setor descreveria a si próprio como
profissional?” também mostra uma diferença bastante significativa entre as situações I e II: na
situação I, 85% das entrevistadas descreve o trabalhador associado às práticas de cuidados,
ora associado à imagem de babá (62%), ora associado à imagem de uma segunda mãe (8%), o
que torna esse profissional desvalorizado (15%).
As perguntas a seguir estão relacionadas somente à situação II:
Ilustração 48 – Quadro de categorizações da quarta questão da entrevista do Estudo 2
4. Agora imagine que você está recebendo uma nova colega
nessa situação. Como você vai orientá-la?
Categoria %
Orientação referente a cuidados e rotina
Orientação referente à prática pedagógica
Atenção aos perigos do espaço
Atenção aos conflitos entre os bebês
46
42
6
6
A questão 4, exclusiva para a situação II, intitulada “Agora imagine que você está
recebendo uma nova colega nessa situação. Como você vai orientá-la?” apresenta ainda uma
grande parcela das respostas referentes aos cuidados e rotina (46%) e também aos perigos que
119
o espaço apresenta (6%) e conflitos entre os bebês (6%). Em contrapartida, aparece nessa
questão a preocupação com a prática pedagógica (42%), como fazer o planejamento, utilizar
corretamente o novo material para o trabalho com os bebês.
Acho que eu deveria assim, estimular ela, falar pra ela sobre cada objeto, e falar
para ela estimular [...] Falaria sobre o espelho, para que serve. Não sei se a
profissional que vai entrar já tem alguma noção, né? Falaria para ela ficar
olhando, para ajudar a criança a levantar, colocar na barra de apoio, para ela
prestar mais atenção nesse brinquedo aqui, o centro de atividades. Então, falaria
para ela intervir mais em certas situações daqui, dos objetos, né? E para que que
serve cada objeto, para estimular, para certas atividades... O que desenvolve, como
é trabalhado cada objeto desse aqui. Orientaria mais assim, nessas situações do
ambiente (suj.2).
Ilustração 49 – Quadro de categorizações da quinta questão da entrevista do Estudo 2
O que mudou? O que não mudou?
Categoria % Categoria %
Melhor desempenho profissional
Melhores condições de trabalho
Crianças mais calmas
Nada mudou
9
41
33
17
Rotina
Práticas de cuidado
Falta de comprometimento
65
18
17
A quinta questão, também exclusiva à situação II, refere-se ao que mudou, e ao que
não mudou na prática do grupo pesquisado. Metade das respostas sobre as mudanças
percebidas referem-se a melhores condições de trabalho (41%) e melhor desempenho
profissional (9%). Também foi percebida uma mudança em relação aos bebês – estão mais
calmos, choram menos (33%). Para um pequeno grupo, não houve mudança percebida por
eles (17%). Daquilo que não mudou, 65% das respostas referem-se a rotina, e 18% às práticas
de cuidado. Também foi citada a falta de comprometimento da equipe (17%).
Ilustração 50 – Quadro de categorizações da sexta questão da entrevista do Estudo 2
6. De que forma isso afeta o entendimento que
você tem da sua profissão?
Categoria
Não afeta
Melhorou o desempenho profissional
Valorização da profissão
Reconhecimento
Imagens associadas:
Professora
Educadora
26
10
40
8
8
8
A última questão refere-se a “De que forma isso afeta o entendimento que você tem da
sua profissão?”. As respostas a essa questão somam 40% para a valorização da profissão, 10%
120
para a melhora do desempenho profissional, 8% para o reconhecimento profissional. As
imagens associadas a essa questão são de professora e educadora, ambas com oito por cento
de frequência. Para 26% do grupo, a mudança do espaço não afeta o entendimento sobre a
profissão.
4.4.4 Entrelaçamento de dados: algumas considerações entre os Estudos I e II
É possível afirmar que o espaço do berçário pode influenciar não somente o
comportamento dos bebês, como também das profissionais que nele atuam. A grande
porcentagem de respostas relacionadas aos perigos que o espaço pode oferecer,
principalmente na situação I, pode ser associada nesse estudo, a representação partilhada pelo
grupo do bebê como ser frágil, dependente do adulto. O espaço oferece riscos, e o adulto deve
proteger o bebê, conforme já discutido nas classes 3 e 6 do ALCESTE do Estudo I.
O espaço modificado abre para novas possibilidades, para um olhar mais pedagógico.
Enquanto que na situação I o profissional que atua atem-se as práticas de cuidado e proteção,
a situação II possibilita pensar no planejamento pedagógico, oferece novas ferramentas para o
profissional que trabalha com os bebês, abre espaço para o trabalho não codificado do
berçário.
A mudança do espaço parece ter influenciado positivamente a imagem do grupo.
Enquanto que na situação I à imagem do grupo foram atribuídas características negativas,
como preocupação, falta de estímulo, cansaço, a situação II trouxe satisfação, motivação,
melhores condições de trabalho, o que reflete também na autoimagem profissional.
A análise da mudança do espaço sugere ainda que a profissionalidade docente requer
instrumentos para ser reconhecida. Assim como o professor precisa de ferramentas, no lugar
do quadro e o giz, os brinquedos, a barra e o espelho são como ferramentas para compor a
como objetivação associada ao ser professora na Educação Infantil.
De certa forma, pode-se pensar que o contexto espacial configurado revela aos
profissionais referenciais para se pensar a identidade das professoras de bebês, iniciando
assim um processo de familiarização com aquilo que foi anunciado como novidade.
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo apresentado objetivou conhecer a rede de significados subjacentes à
compreensão do berçário como lugar de trabalho a partir das representações que constituem a
identidade profissional destas profissionais, neste estudo delimitado em suas
profissionalidades.
A compreensão da profissionalidade docente da Educadora Infantil é entendida neste
estudo conforme Oliveira-Formosinho e diz respeito a uma ação integrada, que a profissional
desenvolve junto das crianças e suas famílias, com base nos seus conhecimentos,
competências e sentimentos, assumindo assim a dimensão moral da profissão. Para
compreender essa profissionalidade, faz-se necessário estudar a interação entre as educadoras
e seus contextos de aprendizagem, desde o nível micro – a sala de aula – até o nível macro –
os diferentes grupos os quais convive, como colegas de trabalho, familiares, professores, não
somente em relação aos seus pares, mas também os espaços que estão inseridas.
Os resultados referentes ao Estudo I sinalizam nas evocações os pressupostos
identitários já identificados em estudos anteriores (ROSSI, 2012) referentes à associação da
profissional da Educação Infantil a uma boa substituta materna, com características de mãe e
babá. Também foi possível afirmar que a representação de professora de bebês ainda está em
processo de formação.
A representação da creche como instituição de cuidados bastante partilhada pelo grupo
sugere pensar que os significados atribuídos a creche ainda são associados à sua origem
histórica, levantando a hipótese que esta é orientada pela themata assistência x abandono.
Os dados das entrevistas possibilitaram o desenho da rede de significados partilhada
pelas profissionais acerca da profissionalidade docente. É possível afirmar que essa
profissionalidade estabelece uma relação entre os referenciais identitários postos na cultura e
nas trocas intersubjetivas, organizando a definição das práticas do grupo.
Nesta definição de práticas existe um dilema, uma tensão estabelecida, entre a
organização regular da rotina – atribuída à dimensão do trabalho codificado, e o não-familiar
do trabalho docente, uma dimensão não codificada, associada à ideia da liberdade da criança,
ao movimento, ao desejo, mas também associada à ideia de desordem, bagunça – e a
desordem traz conflitos. O corpo da criança que deseja - seja em relação às necessidades
122
fisiológicas, comer, dormir mais – seja em relação à manifestação lúdica, associada pelo
grupo como bagunça e desordem, imprime nas profissionais um sentimento de estar “fora de
lugar”, por não caber na rotina imposta pelo adulto que organiza.
A rotina regulada pelas referências adultas visa educar a criança no sentido de
“domesticar”, de treinar hábitos, costumes, de “docilizar” os corpos infantis. Neste trabalho, a
rotina é entendida como necessária, tanto nas instituições educativas como também nos
ambientes domésticos. O que se quer questionar é em que medida essa rotina deve ser
cobrada, entre a ordem e a desordem, para que a criança possa existir não como um grupo
homogêneo, mas em sua singularidade, como um corpo desejante em processo de constituição
subjetiva? Essa constituição parece remeter a tensão entre o codificado e o não codificado das
instituições educativas, com reflexos nos pressupostos identitários do profissional da
Educação Infantil que atua no berçário, ora associado à imagem de mãe, babá cuja ação
principal é o cuidar regulado pela rotina e pelo espaço – este organizado de forma a evitar
acidentes; ora associado à imagem de educadora, assumindo a prática de cuidados associada a
atividades estimuladoras do desenvolvimento infantil também marcada pela necessidade de
conferir segurança a integridade física da criança.
A necessidade de proteger a criança de eventuais perigos, seja da mordida ou do mau
uso do brinquedo parece emergir como um pressuposto de maior destaque da prática dessas
profissionais, conferindo autoridade às mesmas para se apresentarem como profissionais
competentes frente às demandas da família quase sempre orientadas pela expectativa de ter
seus filhos bem cuidados – higiene, alimentação e segurança.
Deste modo família e o impacto das políticas públicas para a Educação Infantil e em
especial para os seus profissionais, aparecem como orientadores do processo de significação
assumidos como valorização ou desvalorização dos mesmos.
Os dados obtidos do estudo II mostram que o espaço como elemento sócio-físico não
somente é regulado pelos adultos que o organizam, mas também o regulam, conforme
observado na mudança da organização espacial. A mudança pode ser percebida tanto nas
práticas – enquanto na situação I eram restritas aos cuidados, após a modificação do espaço
(situação II) observou-se o relato de um olhar pedagógico – quanto nos referenciais
identitários partilhados pelo grupo: na situação I, o grupo atribuía para si a figura da babá, ou
da substituta materna, enquanto que o espaço modificado possibilitou a coexistência das
imagens associadas à educadora, e professora. Mas o espaço em si não é suficiente para
123
modificar uma representação. Para a mudança, é necessário também um trabalho nas
dimensões intersubjetiva e trans-subjetiva – o que reforça a importância dos centros de
formação, e no caso específico da creche acompanhada de um trabalho próximo junto a
coordenação pedagógica dentro de uma proposta vinculada a capacitação em serviço
cotidianamente.
124
EPÍLOGO
Ensinar é um privilégio.
Quem ensina com amor, o faz até sem querer, sem perceber.
Porque no fundo, essa é a única linguagem que se entende nessa vida.
Roberto Silveira
125
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