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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO … · Monografia final de curso apresentada à...

Date post: 12-Mar-2020
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO MURILO LEITE PEREIRA NETO CONVERSANDO COM MARX SOBRE O ESTADO E O DIREITO: ANÁLISE DOS ESCRITOS DA GAZETA RENANA PARA POLÍTICA, COMÉRCIO E OFÍCIOS (1842 1843) FORTALEZA 2015
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

MURILO LEITE PEREIRA NETO

CONVERSANDO COM MARX SOBRE O ESTADO E O DIREITO: ANÁLISE DOS

ESCRITOS DA GAZETA RENANA PARA POLÍTICA, COMÉRCIO E OFÍCIOS

(1842 – 1843)

FORTALEZA 2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca da Faculdade de Direito

P436c Pereira Neto, Murilo Leite. Conversando com Marx sobre o estado e o direito: análise dos escritos da Gazeta

Renana para política, comércio e ofícios (1842-1843) / Murilo Leite Pereira Neto. – 2015. 122 f.: il.; 30 cm. Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito,

Curso de Direito, Fortaleza, 2015. Orientação: Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque. 1. Filosofia do Direito. 2. Historiografia Marxista. I. Título. CDD 340.12

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MURILO LEITE PEREIRA NETO

CONVERSANDO COM MARX SOBRE O ESTADO E O DIREITO: ANÁLISE DOS ESCRITOS DA GAZETA RENANA PARA POLÍTICA, COMÉRCIO E OFÍCIOS (1842

– 1843)

Monografia final de curso apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito para conclusão do curso de Bacharelado em direito.

Área de Conhecimento: Ciência Política. Filosofia do Direito.

Orientador: Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque

FORTALEZA

2015

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MURILO LEITE PEREIRA NETO

CONVERSANDO COM MARX SOBRE O ESTADO E O DIREITO: UMA ANÁLISE

DOS ESCRITOS DA GAZETA RENANA PARA POLÍTICA, COMÉRCIO E OFÍCIOS

(1842 – 1843)

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em _____/_____/________.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________

Prof. Dr. Paulo Antonio de Menezes Albuquerque

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________

Profa. Dra. Gretha Leite Maia de Messias

Universidade Federal do Ceará (UFC)

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Pequeña Serenata Diurna

Silvio Rodríguez Vivo en un país libre Cual solamente puede ser libre En esta tierra, en este instante Y soy feliz porque soy gigante. Amo a una mujer clara Que amo y me ama Sin pedir nada -o casi nada, Que no es lo mismo Pero es igual-. Y si esto fuera poco, Tengo mis cantos Que poco a poco Muelo y rehago Habitando el tiempo, Como le cuadra A un hombre despierto. Soy feliz, Soy un hombre feliz, Y quiero que me perdonen Por este día Los muertos de mi felicidad.

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F A R E W E L L Pablo Neruda

1 DESDE el fondo de ti, y arrodillado, un niño triste, como yo, nos mira. Por esa vida que arderá en sus venas tendrían que amarrarse nuestras vidas. Por esas manos, hijas de tus manos, tendrían que matar las manos mías. Por sus ojos abiertos en la tierra veré en los tuyos lágrimas un día. 2 YO NO lo quiero, Amada. Para que nada nos amarre que no nos una nada. Ni la palabra que aromó tu boca, ni lo que no dijeron las palabras. Ni la fiesta de amor que no tuvimos, ni tus sollozos junto a la ventana. 3 (AMO el amor de los marineros que besan y se van. Dejan una promesa. No vuelven nunca más. En cada puerto una mujer espera: los marineros besan y se van. Una noche se acuestan con la muerte en el lecho del mar. 4 AMO el amor que se reparte en besos, lecho y pan. Amor que puede ser eterno y puede ser fugaz. Amor que quiere libertarse para volver a amar. Amor divinizado que se acerca Amor divinizado que se va.) 5 YA NO se encantarán mis ojos en tus ojos, ya no se endulzará junto a ti mi dolor. Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada y hacia donde camines llevarás mi dolor. Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos un recodo en la ruta donde el amor pasó. Fui tuyo, fuiste mía. Tu serás del que te ame, del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo. Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste. Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy. ...Desde tu corazón me dice adiós un niño. Y yo le digo adiós.

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AGRADECIMENTOS

Finalmente, posso dizer Fim! Mas não sem antes agradecer à infinidade de

seres humanos grandiosos que fazem parte da minha vida, deixando um pouco de si

no meu espírito.

Agradeço, primeiramente, aos meus familiares, que na medida do possível

e da paciência me apoiaram a seguir pelos caminhos que escolhi, ainda que não

concordassem. Sou eternamente grato a três mulheres, que, com força e coragem,

venceram a pobreza, transmitindo-me toda sua força, são elas: Maria Uchôa Pereira,

minha querida vô, Sandra Cátia Uchôa Pereira, minha mãe por escolha e Rita de

Cássia Pereira Uchôa, a mulher que não se abate frente ao sofrimento, minha mãe.

Agradeço também ao meu avô, Murilo Leite Pereira, por tanto carinho e

atenção.

Ao meu primo José Maria, que me inspira com sua dedicação. Obrigado

pela enobrecedora companhia ao longo desses longos anos em que moramos juntos.

Minha gratidão e meu amor à Kauhana, que me ensinou o verdadeiro

sentido do amor desinteressado, livre e pleno, que não cabe nos parâmetros da

sociedade burguesa. Amor que é amizade, carinho, afeto, dedicação,

companheirismo. Obrigado por estar ao meu lado mesmo nos momentos mais

difíceis. A sua mão eu encontrei quando a vida quase faltou.

Agradeço aos amigos da Parquelândia que me ensinaram a simplicidade

da vida.

Aos companheiros e companheiros do Coletivo de Movimento Estudantil

Conteste! e do Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária, em especial a Kauhana,

Breno, Melka, Marcos, Dillyane, Natália, Sol, Ladislau, Lorena, Nicole, Lia, Vitão,

Mayara, Larissa, Bruninho, Enale, Marcus, Zé, Carol, Camila, Gláucia, José Maria.

Com eles, compartilhei o sonho de um mundo justo e socialista.

Ao seu Moura, seu José Wilson e seu Marvenier pelas vezes que com

presteza abriram as salas da faculdade para a realização das atividades do NAJUC e

do Conteste!.

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Ao grande Caio de Lima, o verdadeiro ―Negro drama‖, que é um exemplo

de força e fé na vida.

À Prycilla Joca, pela pesquisa inspiradora e por ter doado ao Grupo Direito

e Crítica o material literário que incentivou esta pesquisa.

Ao Eduardo Dias, que, embora jovem, é capaz de atitudes firmes e bem

decididas. Seu empenho e sua humildade nos estudos me animam.

À Carolina, mulher forte e decidida, com quem compartilho meus dias,

agradeço amorosamente sua paciência e seu carinho.

À professora Dra. Linda Gondim pela oportunidade de ser seu bolsista de

iniciação científica (PIBIC) no Laboratório de Estudos da Cidade (LEC).

Ao professor Fernando Basto Ferraz pela experiência engrandecedora de

vivenciar o cotidiano da sala de aula, quando na ocasião pude ser Monitor da

Disciplina de Ciência Política e Teoria do Estado.

Ao professor Dr. Eduardo Chagas pela sua dedicação cotidiana no campo

da formação marxista na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Ao professor Dr. Vitor Sartori pelas inúmeras orientações nos caminhos

muitas vezes tortuosos da crítica ao direito. Agradeço-lhe pelo estímulo, bem como

por sua humildade e atenção.

Ao professor Dr. Newton de Menezes Albuquerque, pela amizade,

companheirismo e orientação neste trabalho. Obrigado pela confiança dada a mim e

pela plena liberdade. Newton, és um resistente.

Ao professor Dr. Paulo de Menezes Albuquerque e ao professor Dr. Fábio

Maia Sobral por terem gentilmente aceito o convite para compor a minha banca de

monografia. Agradeço pela enorme paciência em ler essas mal traçadas linhas, nas

quais os conceitos se confundem constantemente.

À professora Dra. Gretha Leite por ter aceito com tanta humildade,

gentileza e carinho o convite para compor a banca avaliadora. Sou-lhe profudamente

grato.

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Ao CNPQ pelo apoio financeiro que permitiu que eu me dedicasse à

pesquisa com mais tranquilidade.

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RESUMO

O presente trabalho tem por escopo a análise das concepções de Estado e Direito ao

longo do percurso de Karl Marx como jornalista na Gazeta Renana para Política,

Comércio e Ofício (Rheinische Zeitung fur Politik, Handel und Gewerbe) durante o

período de 1842 – 1843. Pretende-se abordar o contexto histórico e biográfico

contemporâneo ao início das suas atividades políticas enquanto jornalista, delimitando

suas posições críticas em relação ao Estado prussiano, que adotava medidas cada

vez mais autoritárias e absolutizantes. As críticas ao Estado prussiano estão bem

determinadas nos artigos em que analisa as Instruções à censura e nos escritos

sobre os debates da VI Dieta Renana sobre a liberdade de imprensa, publicados

respectivamente no Anekdota e na Gazeta Renana. Buscou-se, então, traçar uma

análise que contribua para compreensão do pensamento marxiano, notadamente, em

sua relação com o direito. Para tanto, serão estudados dois dos principais textos em

que Marx tratou sobre o assunto. Acredita-se que a partir desses escritos seja

possível realizar um retrato da posição do autor relativa ao pensamento jurídico, bem

como ao complexo processo jurígeno como um todo. Os textos analisados são: O

Manifesto filosófico da escola histórica do direito e Debates sobre a lei que pune o

roubo da madeira. Metodologicamente, deu-se preferência à imanência dos escritos

do jovem jornalista, respeitando a coerência interna dos conceitos por ele delineados

em detrimento da terceirização dessa tarefa e do recurso exclusivo à bibliografia

comentada.

PALAVRAS-CHAVE: Karl Marx. Gazeta Renana. Estado Racional. Direito dos

Oprimidos.

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ABSTRACT

The present work aims at presenting an analysis of the concepts of State and Law

throughout the course of Karl Marx‘s experiences as a journalist for the Rhenish

Newspaper for Politics, Commerce and Trade (Rheinische Zeitung für Politik, Handel

und Gewerbe) ranging from 1842 until 1843. It is intended to cover the historical and

biographical context dated from the beginning of his political activities as a journalist,

stressing out his critical positions regarding the Prussian State, which featured

increasingly authoritarian and absolutist measures. The critics towards the Prussian

State are well set in the articles in which Marx analyses the Instructions to censorship

and in the writings on the debates of the VI Rhenish Diet on freedom of press, printed

respectively in the Anedokta and in the Rhenish Newspaper. It was then aimed at

sketching an analysis that could contribute to the understanding of the marxian

thought, above all, in its relationship with Law. Therefore two of the main texts in which

Marx deals with this subject are studied. It is believed that, from these writings, it is

possible to frame the author‘s position regarding the legal thought, as well as the

complex legal generative process as a whole. The studied texts are: The philosophical

manifest of the historical school of Law and Debates on the wood theft law. The

method consisted in an immanent reading of the writings of the young journalist, with

respect to the internal coherence of the concepts laid by him, instead of leaving this

task to a ‗third party‘, and the exclusive resource of the commented bibliography.

KEYWORDS: Karl Marx. Rhenish Newspaper. Rational State. Rights of the

Opressed.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14

2 MARX E A ESQUERDA HEGELIANA ALEMÃ ....................................................... 20

2.1 ANÁLISE HISTÓRICA DA ALEMANHA .............................................................. 21

2.2 A CONTROVÉRSIA ACERCA DO LEGADO HEGELIANO ................................. 28

2.3 O JOVEM MARX ADERE AO MOVIMENTO HEGELIANO ................................. 45

3 O ESTADO COMO LIVRE COMUNIDADE DE HOMENS ÉTICOS NOS ARTIGOS

SOBRE A LIBERDADE DE IMPRENSA .................................................................... 59

3.1 O AUFKLÄRUNG E A TRADIÇÃO PERIODISTICA ALEMÃ .............................. 60

3.2 KARL MARX: UM PERIODISTA EM DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA

.................................................................................................................................... 67

3.3 MARX CONTRA O SR. HERMES: PELA SUPREMACIA DO POLÍTICO ............ 86

4 KARL MARX E DIREITO DOS MISERÁVEIS DA TERRA ...................................... 91

4.1 DIREITO E MARXISMO: O CASO SOVIÉTICO ................................................... 92

4.2 A CRÍTICA DE MARX AO “MANIFESTO FILOSÓFICO DA ESCOLA HISTÓRICA

DO DIREITO” .............................................................................................................. 97

4.3 EM DEFESA DO DIREITO DOS MISERÁVEIS DA TERRA .............................. 102

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 113

REFERÊNCIAS..........................................................................................................115

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico tem por objetivo formal cumprir os

requisitos necessários ao encerramento do curso de graduação em Direito na

Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde ingressei no

segundo semestre de 2009.

A presente pesquisa tem por escopo a análise do itinerário de Karl Marx no

período em que trabalhou como jornalista na Gazeta Renana para Política, Comércio

e Ofício (Rheinische Zeitung fur Politik, Handel und Gewerbe) durante os anos de

1842 e 1843. Devido às exigências acadêmicas que demandam do pesquisador a

capacidade analítica microscópica, com o risco de se perder a noção da totalidade,

optou-se por concentrar o olhar em torno das concepções de Estado e de Direito

desenvolvidas pelo autor no aludido período. Metodologicamente, deu-se preferência

à imanência dos escritos do jovem jornalista, respeitando a coerência interna dos

conceitos por ele delineados em detrimento da terceirização, tão comum em relação

aos autores cujo pensamento de envergadura exige tempo e paciência.

Esta pesquisa não se iniciou em janeiro de 2015, data das matrículas nas

disciplinas de Monografia, mas é resultado de alguns anos dedicados à práxis

socialista dentro da militância estudantil. Nesses anos, sentindo-se constantemente

engolido pela voracidade com que a realidade nos demanda respostas, a teoria se

apresenta como necessidade de primeira ordem, pois sempre haverá uma esfinge a

nos dizer: ―Decifra-me ou devoro-te‖.

O pensamento marxiano surge, então, como uma fagulha de esperança

frente a essa enigmática realidade, pois na sua dialética, em vez de leis deterministas

que nos levariam necessariamente ao fim do capitalismo, encontram-se as múltiplas

possibilidades de concreção da verdadeira sociedade humana na terra, impossível de

se realizar no império das leis do Capital, para o qual o Humano é mero objeto coisal.

Como vinha dizendo, o percurso que culminou neste trabalho se iniciou há

tempos. Remeto ao Curso de História da Universidade Estadual do Ceará (UECE),

onde tive o meu primeiro contato com as leituras socialistas, que de pronto me

causaram entusiasmo. Vivia atravessado por muitas dúvidas, deixando o espírito

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repleto de inquietação, não obstante o entusiasmo juvenil. Nesse período me debrucei

numa leitura nada sistemática dos textos de Marx e dos Marxistas. Li com uma

animação, típica de um néscio, as obras de Jacques Le Goff, Eric Hobsbawm,

Christopher Hill, encantei-me com Formação da classe operária inglesa de Edward P.

Thompson, conheci toda erudição dos historiadores (Marc Bloch, Lucien Febvre,

Fernand Braudel, etc.) da École des Annales, que me apresentaram um marxismo

aberto, como diz E. Mandel. Com esses historiadores pude sair da fragmentação

imposta pelo cotidiano e ver a história como totalidade ou como um processo

totalizante.

No curso de História tive meus primeiros contatos com a militância

estudantil. Disputando o Centro Acadêmico de História – Caldeirão (CAHIS), na chapa

“Combates pela História”, eu enfrentei as primeiras dificuldades da síntese teórico-

prática.

No curso de Direito, tive oportunidade de militar no coletivo CONTESTE! e

no Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (NAJUC), nos quais tive a

oportunidade de compartilhar cotidianamente com muitos companheiros e

companheiras a esperança de um mundo justo e socialista. Atuamos longos anos na

luta por direito à moradia junto às Comunidades dos Trilhos, onde vimos de perto o

desenvolvimento do Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM). Movimento

protagonizado em sua maioria por mulheres fortes da classe trabalhadora, que viram

na defesa de suas moradias um horizonte de luta política e social. Lá pude ver e

sentir com os meus olhos todo processo de empoderamento dos subalternos, que na

luta cotidiana se radicalizam.

Todas essas experiências me conduziram para a necessidade de conhecer

melhor a realidade através da teoria, que é apenas uma dentre tantas maneiras de

desvelar o real. As trilhas teóricas dessa caminhada passam também pelo Grupo de

estudo em filosofia dos direitos humanos, orientado pelo Professor Dr. Regenaldo

Rodrigues da Costa, onde tive a chance de entrar em contato com leitura de Kant,

Hobbes, Locke e Rousseau, além da experiência de conviver com pesquisadores

sérios e críticos. Marcante também são as inúmeras atividades do Grupo de Estudos

Marxistas (GEM), bem como do Grupo de Estudos Marxista Avançado, que contam

com a prestigiosa orientação do professor Dr. Eduardo Chagas. Nesses grupos fiz

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minhas primeiras leituras sistemáticas das obras de Marx. Com a ajuda do professor

Dr. Marcos Fábio Alexandre Nicolau, fiz as primeiras viagens na nebulosa obra

hegeliana. Não menos importante foi a experiência como bolsista de Iniciação

Científica (PIBIC) da professora Dra. Linda Gondim, orientadora do Laboratório de

Estudos da Cidade (LEC). Com ela pude vivenciar os fazeres do pesquisador no seu

cotidiano. Valioso para minha formação teórica no campo do marxismo foram as aulas

ministradas pelo professor Dr. Fábio Sobral, um propagador das ideias socialistas na

UFC, que resiste com muito valor e dedicação ao avanço neoliberal no curso de

Economia, ministrando semestralmente sua disciplina de Marxismo I, a qual tive o

enorme prazer de acompanhar.

Enobrecedora também foram as experiências como bolsista de Iniciação à

Docência, na qual ocupei a função de monitor da disciplina de Ciência Política e

Teoria do Estado sob a orientação do professor Dr. Fernando Basto Ferraz. Enquanto

monitor, desenvolvi diversos grupos de estudo em teoria política, no qual Marx

sempre figurou como pensador obrigatório.

Por fim, organizei, junto a outros estudantes, o Grupo de Estudos Direito e

Crítica, sob a orientação companheira do professor Dr. Newton de Menezes

Albuquerque. O grupo “Direito e Crítica” se dedicou durante dois anos ao estudo das

obras marxianas, desde O Manifesto do Partido Comunista, passando pelas críticas

de Marx à filosofia do direito de Hegel, Sobre a questão judaica até chegarmos ao

temido Capítulo 1 d’O Capital, para o qual dedicamos mais de seis meses. O grupo

rendeu ótimas discussões sobre as críticas marxistas ao Direito e ao Estado.

A presente monografia se divide em três capítulos, são eles: capítulo 01 –

Marx e a esquerda hegeliana alemã; capítulo 02 – O Estado como livre comunidade

de homens éticos nos artigos sobre a liberdade de imprensa; capítulo 03 – Karl Marx

e o direito dos miseráveis da terra. Cada um desses três capítulos se divide em três

secções.

O primeiro capítulo está assim dividido: secção 1: Análise histórica da

Alemanha; secção 2: A controvérsia acerca do legado hegeliano; secção 3: O jovem

Marx adere ao movimento hegeliano. Pintar-se-á, no primeiro tópico deste capítulo,

um colorido quadro do cenário em que Marx iniciou as atividades enquanto periodista,

para tanto, recuperar-se-á, ainda que panoramicamente, a situação político-

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econômica da Alemanha dos anos 1830. Tendo compreendido as ligações históricas

que conectam Marx aos debates empreendidos no período em análise, passa-se, no

segundo tópico, ao debate acerca do legado hegeliano, que tem início, obviamente,

após a morte de Hegel, em 1831. Disso, desagua-se, necessariamente, nas

intepretações radicais do grupo conhecido como Jovens Hegelianos de Esquerda. Ao

final, na terceira secção do capítulo, expor-se-á, de maneira não menos sintética, o

itinerário de Marx que precede as atividades na Gazeta Renana. Desse período, o

texto que merece mais atenção é a sua tese de doutoramento em filosofia, cujo título

é As diferenças entres as filosofias da natureza de Demócrito e Epicuro.

Segue-se para o segundo capítulo, assim dividido: secção 1 – O Aufklärung

e a tradição periodista alemã; secção 2 – Karl Marx: um periodista em defesa da

liberdade de imprensa; secção 3 – Marx contra o Sr. Hermes: pela supremacia do

Político. Com este capítulo, pretende-se abordar o início das atividades políticas de

Karl Marx enquanto jornalista, delimitando suas posições críticas em relação ao

Estado prussiano, que adota medidas cada vez mais autoritárias e absolutizantes. As

críticas ao Estado prussiano estão bem delimitadas nos artigos sobre a liberdade de

imprensa e na defesa que Marx faz do periodismo político na Alemanha.

A primeira secção trabalha com a noção de Aufklärung, a fim de situar o

pensamento de Marx como herdeiro do movimento iluminista alemão. Fazendo parte

dos jovens hegelianos de esquerda e compartilhando os ideais de um idealismo ativo,

que vislumbra na razão toda sua positividade emancipatória dos seres humanos e faz

do mundo um reino de liberdade.

A segunda secção do capítulo 02 se relaciona diretamente com os textos

periodísticos de Karl Marx, nos quais critica as medidas repressivas do Estado

prussiano em relação aos órgãos de imprensa. Os textos analisados serão:

―Observações sobre a recente Instrução prussiana sobre a censura‖ (escrito entre 15

de janeiro e 10 de fevereiro de 1842, com ele Marx inicia suas atividades políticas

como periodista), ―Os debates da VI Dieta Renana: os debates sobre a liberdade de

imprensa e a publicação dos debates da Dieta‖ (publicado entre 5 – 19 de maio de

1842). O primeiro artigo, escrito para o Anekdota, marca o início da ruptura de Marx

com as expectativas liberalizantes do governo de Frederico Guilherme IV. Nesse

texto, ele denuncia as medidas reacionárias do Estado prussiano, que aumenta a

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censura sobre a imprensa alemã, impedindo-a de exercer livremente a sua função. O

segundo artigo dessa secção inaugura as contribuições de Marx na Gazeta Renana.

Ele, atuando como observador histórico, disseca a anatomia estamental da VI Dieta

Renana ao mostrar a difícil tarefa de se defender os ideais liberais e democráticos na

Alemanha daquele período.

A terceira secção, que ainda se relaciona com a liberdade de imprensa,

tem como foco o artigo intitulado ―O editorial de número 179 da ‗Gazeta de Colonia‘‖.

Nesse artigo, Marx critica a posição do editor da Gazeta de Colônia, Sr. Hermes, que

defende a censura dos órgãos de imprensa para que esses não abordem temas ―tão

sérios‖ quanto a questão religiosa. Defendendo a liberdade de imprensa, Marx

encaminha sua argumentação nos rumos do Estado racional, que é autônomo em

relação à religião.

Por fim, aporta-se no terceiro capítulo, que assim como os demais, está

seccionado em três pontos: secção 1 – Direito e Marxismo: o caso soviético; secção 2

– A crítica de Marx ao ―Manifesto filosófico da escola histórica‖; secção 3 – Em defesa

do direito dos miseráveis da terra.

Buscou-se traçar as primeiras linhas de uma análise mais ampla que

pretende compreender a relação do pensamento marxiano com o direito. Para tanto,

por hora, os objetos a serem estudados serão os dois principais textos nos quais Marx

tratou do assunto de forma menos transversal, portanto, a partir desses escritos é

possível realizar um retrato mais fiel da posição do autor relativa ao pensamento

jurídico, bem como ao processo jurígeno como um todo. Os textos analisados são: O

Manifesto filosófico da escola histórica do direito e Debates sobre a lei que pune o

roubo da madeira.

A primeira secção pretende contextualizar o leitor em meio aos debates

realizados pela tradição marxista acerca do caráter burguês ou não do direito, como

caso paradigmático se elegeu as discussões que ocorreram na escola soviética do

direito. Ao passo que se entendeu a tradição, passa-se ao remonte das posições de

Marx nos seus próprios textos, que serão os objetos do segundo e do terceiro tópico.

No segundo tópico, O Manifesto filosófico da escola histórica do direito,

deixou-se exposta as críticas de Marx à escola histórica do direito na figura do seu

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patrono, Gustav Hugo. Aqui, o jovem jornalista, que nos tempos de estudante já havia

polemizado com a escola de Savigny, denuncia o caráter retrógrado e medieval da

escola histórica alemã.

Já no terceiro e último ponto, o texto trata dos Debates sobre a lei que

pune o roubo da madeira, no qual Marx toma conhecimento da miséria do povo

alemão, tendo como principais vítimas os camponeses. Nesse caso, ele defende a

racionalidade do Direito que nasce junto aos ―de baixo‖, enquanto aquele ―direito‖ que

surge única e exclusivamente para tutelar os proprietários, legítimos representantes

da propriedade privada, é indigno de receber tal nome, sendo, pois, um direito egoísta

e apequenado.

Tem-se, portanto, a topografia do presente trabalho de conclusão de curso.

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2 MARX E A ESQUERDA HEGELIANA ALEMÃ

Pretende-se, neste capítulo, situar o pensamento de Karl Marx1 no âmbito

da filosofia alemã, em que pese a forte influência dos jovens hegelianos de esquerda

sobre a sua obra. Esse grupo fez parte do movimento que se iniciou em Berlim na

década de 1830 com o Clube dos Doutores (Doktorklub), tendo no pensamento

hegeliano seus alicerces mais firmes. Como se verá, Marx adota em seus textos as

posições desencadeadas dentro dos círculos hegelianos, que passaram a fazer parte

da sua vida intelectual e política a partir do ingresso como estudante de Direito na

Universidade de Berlim.

O jovem renano inicia os estudos de Direito na Universidade de Bonn, no

outono de 1835, onde leva uma ―vida de estudante‖, isto é, a dedicação à vida

acadêmica era o que menos importava, relata Franz Mehring (2013, p. 21). Um ano

mais tarde, com aprovação do seu pai, Heinrich Marx, transferiu-se para Berlim, onde

deu continuidade aos estudos, agora com mais seriedade, pois longe da ensolarada

Renânia e distante da sua amada Jenny Von Westphalen2, a capital da Prússia era

fria e melancólica. A solidão lhe deu a seriedade necessária para encarar os estudos

de outra maneira. Para além das motivações subjetivas que levaram o autor a encarar

com mais afinco a vida acadêmica, é relevante ressaltar o cenário encontrado por ele

na capital prussiana, centro dos grandes debates políticos e filosóficos, como se verá

mais à frente.

Pintar-se-á, no primeiro tópico deste capítulo, um colorido quadro do

cenário em que Marx iniciou as atividades enquanto periodista, para tanto, recuperar-

se-á, ainda que panoramicamente, a situação político-econômica da Alemanha dos

anos 1830.

1 Devido aos estritos limites dessa monografia não é possível aprofundar aspectos importantes da vida pessoal e intelectual de Karl Marx, portanto, indica-se para pesquisa: Franz Mehring (2013), David Mclellan (1977), Francis Wheen (2003), Maximilien Rubel (1970), Max Beer (1921), Ernest Bloch (1972) e Auguste Cornu (1965). Longe de se querer esgotar as indicações de boas biografias intelectuais, visto ser impossível, destacam-se essas pela profundidade de detalhes com que descrevem e analisam a vida e o pensamento do autor.

2 Sobre a história de Karl Marx e Jenny von Westphalen, recomenda-se a leitura da obra de Mary Gabriel (2013), que descreve nos pormenores a vida familiar de Marx, bem como o importante papel exercido por Jenny, que consciente dos propósitos do marido, teve papel ativo na sua vida.

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Tendo compreendido as ligações históricas que conectam Marx aos

debates empreendidos no período em análise, passa-se, no segundo tópico, ao

debate acerca do legado hegeliano, que tem início, obviamente, após a morte de

Hegel, em 1831. Disso, desagua-se, necessariamente, nas intepretações radicais do

grupo conhecido como Jovens Hegelianos de Esquerda.

Ao final, na terceira secção do capítulo, expor-se-á, de maneira não menos

sintética, o itinerário de Marx que precede as atividades na Gazeta Renana, em 5 de

maio de 1842, na qual chega em poucos meses ao cargo de editor chefe do aludido

periódico. Desse período, o texto que merece mais atenção é a sua tese de

doutoramento em filosofia, cujo título é As diferenças entres as filosofias da natureza

de Demócrito e Epicuro.

2.1 ANÁLISE HISTÓRICA DA ALEMANHA

O presente tópico, como dito antes, pretende dar conta do cenário

encontrado por Marx ao chegar em Berlim, tratando, prioritariamente, dos seus

aspectos históricos, políticos e filosóficos. A atenção se volta para o período posterior

à morte de Hegel, 14 de novembro de 1831, tendo em vista que, a partir de então, há

uma disputa acirrada em torno do legado filosófico-político do grande mestre, questão

que será discutida de maneira menos epidérmica no próximo ponto.

Nos anos que se seguiram à Revolução Francesa, a Alemanha3 podia ser

considerada um país de estrutura político-econômica arcaica; a isto se chama

comumente ―destituição‖ alemã. Essa ―destituição‖, como destaca David Mclellan

(1970, p. 1), é mais perceptível quando se lança o olhar para a França e pra a

Inglaterra, aquela transitava da agricultura para a manufatura, enquanto esta

vivenciava o boom da industrialização. Frise-se que entre o fim do século XVIII e

início do XIX, a Alemanha possuía ¾ da população vivendo no campo.

A ―destituição‖ alemã começa a se modificar, segundo Mclellan (1970), a

partir de outubro de 1807, quando a arcaica estrutura feudal da Prússia recebeu o

3 Como destaca David Mclellan (1970, p. 1), a Alemanha, neste período, era tão somente uma expressão geográfica que denotava um grupo de estados que compartilhavam de uma mesma língua e o fato de terem apoiado o Sacro Império Romano.

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primeiro golpe. Nesta data, Frederico William III, ministro dos negócios internos,

regulamentou a compra e a venda das terras, além de ter posto fim à servidão,

embora os servos ainda possuíssem obrigações com seus senhores. A essa reforma

se seguiram outras duas que merecem destaque, a segunda reforma (1811) permitiu

que os camponeses cedessem suas terras para os grandes proprietários de terra,

fazendo com que eles se tornassem donos de todas elas; por fim, a terceira reforma4

(1821), dando continuidade ao que já havia se iniciado, sacramentou a derrocada

econômica das estruturas feudais, mas não sem antes fortalecer a parcela dos

proprietários de terra, a classe que mais cumulou poder político e econômico.

O campesinato é normalmente o primeiro a sofrer as dores do parto de

uma sociedade capitalista, foi assim na Inglaterra5, e não poderia ser diferente na

Alemanha, onde os camponeses, agora livres do laço servil, passaram a vender sua

força de trabalho para a novíssima burguesia alemã, diz Mclellan (1970, p. 2):

The later began to exploit their estates economically, which had never been done before, and increasingly shared the views of the bourgeoisie on economic development. The former serfs, having acquired liberty of marriage and domicile, either stayed on as day labourers on the large estates or moved to the towns to form the growing proletariat.

Não é possível dissociar o que Perry Anderson (2004) chama de ―Era das

Reformas‖ na Prússia, algumas, inclusive, anteriores às mencionadas acima, do

rebento da Revolução Francesa, tornando inviável a existência do Ancien Régime na

Europa.

Após a Revolução Francesa, conta o historiador inglês, Napoleão desferiu

ataque fulminante contra a Prússia, que se viu obrigada ―a assinar um tratado de paz

em Tilsit, que a reduziu à condição de satélite da França‖, tendo ainda ―todo o seu

território a oeste do Elba [...] confiscado, guarnições francesas foram instaladas em

suas fortalezas e foram-lhe impostas pesadas indenizações‖ (2004, p. 269). O efeito

fundamental das reformas, como complementa Perry Anderson (2004, p. 271), ―foi

4 As consequências dessas reformas se estenderam por longo tempo, assegura Mclellan (1970, p. 2),

―prussian agriculture was rationalized and estates became much larger, the area of small and middle sized holdings decreasing by 40 per cent between 1815 and 1848, and one million hectares passing into the hands of the big landowners‖. 5 Sobre o processo de despossessão dos camponeses é fundamental visitar o capítulo 24, Sobre a acumulação primitiva, d‘O Capital de Karl Marx (2013).

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fortalecer, mais do que moderar, o Estado monárquico na Prússia‖, apesar da

passageira insatisfação da classe dos nobres.

O processo de enfraquecimento dos camponeses e consequente

fortalecimento da aristocracia agrária, que mais tarde redundaria em grandes

arrendatários de terra, classe que mais acumulará riqueza nas primeiras décadas do

modo de produção capitalista, já era bem antigo, remetendo ao início do século XVI

(ANDERSON, 2004, P. 237), quando as terras comunais das aldeias foram cercadas

e os camponeses privados de sua terra, iniciando-se o processo de lucratividade

baseado no cultivo para exportação.

A Renânia foi uma das primeiras regiões da Alemanha a passar pelo

processo de industrialização, alavancado no período correspondente à ocupação

francesa, entre 1795 e 1814, pois se podia comercializar diretamente com a França,

protegendo-se, ainda, da concorrência inglesa. Nesse período, a região natal de Marx

passa por ampla modernização no que tange aos aspectos econômicos, políticos e

sociais. Não por acaso, ocorre a inauguração da Gazeta Renana, um projeto

financiado pela burguesia liberal para se contrapor aos órgãos oficiais e semioficiais

do governo prussiano, cuja análise se dará mais à frente.

A ocupação francesa também rendeu forte admiração da população renana

à França, bem como aos seus ideais, tanto que a decisão do Congresso de Viena, em

1815, de reanexar a região à Prússia não foi bem recebida pelos seus habitantes. Só

mais tarde, entre 1830 e 1840, quando a economia prussiana começou a ganhar

maior dinamismo, esse cenário de rejeição transitou, chegando muitas vezes, a um

orgulho estatal extremo. Como destaca Perry Anderson (2004, p. 236),

[...] a Prússia representa o caso clássico de um desenvolvimento desigual e combinado que acabaria originando o maior Estado do capitalismo industrializado do continente, a partir de um dos menores e mais atrasados territórios feudais do Báltico.

A partir de 1830, demonstra Mclellan (1970), a economia alemã ganha forte

impulso, principalmente devido ao aumento da produção das minas e da indústria

metalúrgica, que quase triplicou a sua capacidade. Além disso, a produção de bens

de consumo aumentou oito vezes na década de 1830 – 1840 quando comparada ao

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período de 1800 – 1810. Todas essas mudanças, no que tange aos aspectos

econômicos (crise da estrutura feudal, remodelamento das relações de propriedade

no espaço rural e rápida industrialização), resultaram em modificações marcantes na

estrutura social alemã, embora a modernização da sociedade tenha convivido com o

passado feudal ainda por um longo tempo.

Nesse cenário, os grandes proprietários de terra, que promovem as leis de

mercado nas suas negociações, não temem em defender seus privilégios nas

assembleias provinciais (isenção dos impostos sobre a propriedade, controle dos

tribunais de justiça e da polícia), como diz Mclellan (1970, p. 4),

Though not all nobles, they combined fortunes usually built up speculation with the prestige accruing from tradition. Although they tender to lose control over the administration of towns, they still retained their hold on the highest public officers and on the Army.

Com a classe recém-criada de comerciantes (middle classes), que são

favorecidos pela industrialização e pela legislação napoleônica, ocorre algo parecido

com que houve no seio dos grandes proprietários, pois a modernização econômica

não acarretou necessariamente um ganho de consciência política. O lento progresso

ideológico é justificado pela necessidade que os burgueses tiveram em se dedicar

irrestritamente aos seus interesses econômicos particulares, principalmente depois

das guerras de libertação (além disso, destaca-se a forte religiosidade dessa

camada). No entanto, devido à proximidade com os franceses, a burguesia renana

acabou desenvolvendo uma forte consciência política, a ponto de travar verdadeira

batalha ideológica por meio do financiamento de periódicos e revistas na Alemanha,

que formulavam em geral os mesmos reclames: maior representação nas

assembleias provinciais, mais liberdade de imprensa e maior proteção das leis.

Ainda se pode tratar acerca dos artesãos e camponeses, ambos em

processo de forte proletarização, porém, antes de 1840, a estrutura econômica alemã

não lhes permitia maiores ambições, muito menos se tratando de formulações que os

percebessem enquanto classe consciente de si, assegura Mclellan (1970, p. 6):

Yet these workers did not yet amount to a class-conscious proletariat. For firstly there were not very many them: in the mid-1840s there were still more

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artisans then industrial workers in Prussia; secondly, each type of worker tended still to cling to his professional title, customs and way of working. ‗Social questions‘ were first brought to the fore by worried sections of the bourgeoisie, and though Bildungsvereine (study circles) began to form among the workers, it was the Germans working abroad who were the most class-conscious.

Diante das alterações econômicas e sociais, que ocorrem no período em

estudo, é possível delimitar uma gama de discursos e projetos políticos presentes na

Alemanha. David Mclellan (1970) faz o esforço de sistematização dessas ideias, que,

segundo ele, podem ser assim classificadas: Conservadorismo, Catolicista, Liberal,

Radical e uma tendência nascente de Socialismo. Faz-se necessário destacar o

multifacetário universo dos projetos políticos presentes no cenário alemão à época de

Marx, pois, ele mesmo, ao enfrentar o árduo cotidiano de uma redação de jornal,

colocou-se frente a frente a esses tão diversos programas, seja na defesa de um ou

na crítica de outros.

Inicia-se esse balanço pelo Conservadorismo, que não é simplesmente a

negação do liberalismo ou, ainda, a mera defesa do retorno às velhas estruturais

feudais. Há nuanças que merecem destaque, pois o pensamento conservador na

Alemanha, como destaca Mclellan (1970, p. 7), não age feito grupo organizado, da

mesma forma como ocorria na França e na Inglaterra, onde muitas vezes os

conservadores formavam partidos políticos. Na Alemanha ―the conservative nobility

were powerful but not organized. They formed no political party and their only formal

groupings were in certain pietist movements‖.

Entre os conservadores, dos quais se sobressaem os irmãos Gerlach, o

filósofo Stahl, o teólogo Hengstenberg e historiador Leo, há um fio condutor, qual seja,

a luta contra o racionalismo, o liberalismo e o pensamento democrático. Segundo

Mclellan (1970, p. 7),

[…] they believed that the whole was definitely superior to its parts, looked back with admiration to the Empire of the Middle Ages and gave their support to the supra-national Holy Alliance. They laid emphasis on tradition and legitimacy and thus were Strong royalists, integrating these conceptions into a hierarchical and organic outlook stemming from the romantic philosophers like Müller and Friedrich Schlegel.

Eles defendiam a instituição de um Estado Cristão na Alemanha e foram os

primeiros a olhar para os problemas sociais e a miséria das classes pobres. Lorenz

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Von Stein, por exemplo, defendia uma ―monarquia social‖, em que os pobres deviam

ser ajudados em detrimento dos ricos. Contudo, houve também grupos conservadores

liberais, liderados por Ranke e Radovitz, cuja maior preocupação girava em torno da

unidade alemã.

A partir de 1837, os ânimos católicos se acirraram, levando-os a compor a

tessitura política alemã. O fato que levou a isso foi que o arcebispo de Colônia

resolveu fazer cumprir o decreto papal que exigia em caso de casamentos mistos o

compromisso dos pais em educar os filhos na tradição católica, o que contraria o

Édito Real de 1825, levando a arcebispo à prisão. Desde então, a oposição católica

ao governo prussiano só aumentou até que em 1840, ao suceder o trono prussiano,

Frederico IV foi forçado a reconhecer a razão aos católicos, dando a eles um

sentimento de triunfo. Quanto à posição política dos católicos, diz Mclellan (1970,

p.9),

Believing that the Church was founded by God as an instrument of eternal salvation, they held that in no circumstances should it be subordinate to the state. Thus they appeared to share the liberal thesis of the separation of Church and state and to be in favour of liberty of expression, information and assembly as means of achieving this.

Com a ascensão da burguesia no cenário econômico alemão, não é de se

espantar que também esse setor da sociedade se fizesse presente no debate político

aberto. Nesse sentido, destacam-se duas correntes liberais, uma mais conservadora,

na qual prepondera a noção mais orgânica da relação entre indivíduo e Estado, pois

segundo os defensores dessa corrente o indivíduo não está isolado feito uma

mônada, mas ocupa certo lugar de responsabilidade. Defensores da monarquia

constitucional, para esses liberais-conservadores a soberania não reside no rei, muito

menos no povo, mas no Estado, que é o verdadeiro defensor das liberdades

individuais. Contudo, diz Mclellan (1970, p. 10),

[…] the power of state was not, of course, limitless, as it was bounded by a balance of powers and a written constitution. Moreover, each person had a double status: his rights and duties as an individual could not contravene the inborn rights he possessed as a citizen.

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Os matizes filosóficos desse grupo são da linha preponderante de certo

hegelianismo, representado por nomes como Strauss e Rosenkranz6, desenvolvendo-

se mais na região da Renânia, onde a burguesia crescia e progressivamente se

colocava como defensora do Código Civil, bem como da igualdade de todos os

cidadãos diante da lei. A Renânia é a principal opositora ao Estado confessional

prussiano, que a mantinha no espectro de absolutismo semi-feudal. Já a segunda

corrente liberal, em oposição à anterior, tem na defesa da liberdade individual sua

maior bandeira, pois se inspira nos ideais franceses.

Nesse contexto, os jovens hegelianos, também objeto desse capítulo,

destacam-se no cenário político e filosófico devido ao radicalismo que encabeçam,

pois diferentemente dos demais grupos (conservadores, católicos e liberais), eles

fazem a defesa radical da democracia, como ficará claro quando da análise dos textos

escritos por Marx na Gazeta Renana.

Para esse grupo o povo é soberano, contudo o Estado exerce a

centralidade na representação das demandas populares, portanto há positividade na

sua concepção política, sem a qual é inimaginável a vida social. Como ideia central, a

soberania popular é defendida à maneira de Rousseau, isto é, a soberania emana do

povo, sendo, pois, onipresente e onipotente. O sufrágio universal e o republicanismo

também eram defendidos pelos radicais alemães, incondicionalmente contrários ao

absolutismo monárquico.

Os radicais foram responsáveis pela oposição mais sistemática ao

governo, já que os liberais não eram capazes de tal feito, pois a eles interessava mais

se adaptar ao sistema que criticá-lo de maneira mais profunda. Temas caros aos

radicais eram a liberdade de expressão e a separação entre Estado e Religião; a

laicização da política.

O radicalismo foi progressivamente se acentuando na Alemanha, com isso,

ecos socialistas eram ouvidos por toda parte. As condições materiais advindas do

estágio produtivo ainda eram muito incipientes, por isso, mesmo com as experiências

de organização política dos trabalhadores da Inglaterra e da França inspirando a

intelectualidade alemã, entre os trabalhadores germânicos não se encontravam

suficientemente desenvolvidas e organizadas as suas capacidades políticas. 6 Sobre o papel exercido por Rosenkranz ver Karl Löwith (2014, cap. 2).

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Das elites intelectuais, portanto, é que se escutam as primeiras ideias

socialistas na Alemanha, claramente inspiradas nos socialistas franceses. A primeira

obra germânica socialista data do ano de 1837, é a História Sagrada da Humanidade

(Die heilige Geschichte der Menschheit) de Moses Hess, sobre quem se tratará mais

à frente, tendo em conta a influência que seu pensamento exerceu sobre Marx.

Importa destacar a forte influência das ideias francesas tanto para parte do

pensamento liberal alemão mas, principalmente, para o embrionário pensamento

socialista alemão. O pensamento francês, encabeçado por nomes como Voltaire,

Diderot, Condilac e Rousseau, é marcantemente racionalista e se destaca pela forte

crença na capacidade da razão para explicar e mudar o mundo. Acredita que os

homens são naturalmente bons e igualmente racionais, dá ênfase, ainda, à

autoconsciência e ao seu poder de moldar o futuro; e que essas características o

distinguem dos demais animais.

Feito esse breve balanço das ideias políticas que compunham o caldo

ideológico da Alemanha da década de 1830, sobre o qual Marx terá muitas vezes que

tomar posição nos seus escritos da Gazeta Renana, parte-se para a discussão

presente no seio Escola Hegeliana acerca das variegadas posições frente à herança

do pensamento de Hegel.

2.2 A CONTROVÉRSIA ACERCA DO LEGADO HEGELIANO7

Com a morte de Hegel, em 1831, seus discípulos se viram na difícil tarefa

de representar o pensamento do mestre, que era considerado por todos eles, na

Alemanha, a filosofia definitiva. Como destaca David Mclellan (1971, p. 13), em sua

obra dedicada ao estudo dos jovens hegelianos,

[…] la opinión general era la de que la filosofía de Hegel constituía la filosofía definitiva y que todo lo que a sus discípulos les quedaba por hacer era

7 Para uma compreensão mais profunda acerca das disputas em torno do legado hegeliano e das diversas cisões ocorridas dentro do hegelianismo, ver Karl Löwith (2014, cap. 2) e Jürgen Habermas (2000, cap. 3). Este último procura situar o discurso desenvolvido no seio dos grupos hegelianos com o projeto da modernidade de superação das desigualdades por meio da razão.

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desarrollar sus implicaciones en los diversos campos, hasta entonces sólo tocados superficialmente por el propio Hegel.

Sobre a importância da filosofia hegeliana e de seu caráter pretensamente

definitivo, que era como o próprio Hegel gostava de se referir ao seu pensamento, diz

Mcllelan (1977, p. 38):

Construyendo sobre la centralidad de la razón humana propuesta por Kant, Hegel había unido en un sistema comprensivo los temas de la filosofía idealista alemana y, en particular, los de la filosofía de Fichte y Schelling: inmanencia, desarrollo y contradicción.

O pensamento hegeliano marca, no cenário geral da filosofia, o que

Manfredo de Oliveira (1993) chama de ―reviravolta historiocêntrica‖, pois, com Hegel,

o pensamento filosófico passa a se orientar por um novo paradigma, o ―historicismo

relacional‖, contrapondo-se ao, até então predominante, ―antropocentrismo-subjetal‖

de Kant, que por meio da ―reviravolta antropocêntrica‖ rompe de vez com o

―cosmocentrismo-objetal‖ da filosofia clássica.

Em termos gerais, pois se trata de tema bastante complexo para o qual

seria necessário dedicar-se mais espaço e tempo, o que não é o objetivo deste

trabalho monográfico, o pensamento clássico grego, que não é de maneira alguma

homogêneo, como ficará exposto na própria tese de doutoramento de Marx, é

marcado por considerar o indivíduo como aquele que somente se reconhece no todo,

ou seja, no que é imutável (Kosmos). No centro desse pensamento, ganha acento a

imutabilidade; essência é aquilo que em meio às mudanças permanece inalterado,

pois ―o pensamento político clássico pretendia superar a arbitrariedade da

individualidade e descobrir um espaço intersubjetivo que legitimava a organização da

vida humana‖ (MANFREDO, 1993, p. 87).

Logo, a modernidade é quando essa noção cosmocêntrica, até então

predominante no mundo ocidental, dá lugar ao horizonte antropocêntrico-subjetal,

pelo qual o homem não é mais visto como simples peça dentro de uma totalidade

imutável. O homem moderno é um sujeito capaz de conhecer o mundo através da

razão, o homem é subjetividade, agindo no mundo; ele, assevera Manfredo (p.89),

―transforma-se em fundamento, sujeito de tudo, modelo, horizonte apriórico dentro do

qual ou à luz de que se faz a determinação de tudo‖. Conclui o filósofo cearense: ―a

subjetividade passa a constituir o ponto de referência implícito do agir teórico e prático

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do homem‖. Na Modernidade, com o crescente domínio da natureza e o processo de

desenvolvimento do capitalismo, emerge um tipo novo de individualidade, chamada

por Macpherson (1979) de ―individualismo possessivo‖, identificado pelo autor nas

teorias políticas de Hobbes e Locke.

Com Hegel, objeto deste tópico, há uma nova ruptura, pois através dele o

horizonte deixa de ser o homem isolado na sua auto-realização, passando ao

horizonte historiocêntrico-relacional, que vê na reviravolta antropocêntrica um passo

necessário, mas insuficiente, já que não é capaz de alcançar ―a verdadeira dimensão

da vida humana, ou seja, o próprio processo de autogestão, portanto, a história‖

(MANFREDO, p.91). Nem realidade imutável, muito menos subjetividade

extravagante, aqui a totalidade é ―entendida enquanto processo histórico, a partir de

onde a própria subjetividade deve ser pensada‖ (MANFREDO, 1993, p. 91).

Hegel elevou o pensamento filosófico a um status de universalidade e

totalidade jamais imaginado, nada escaparia da sua filosofia da história, que tinha na

dialética, um método, e na lógica, as suas categorias. Separar dogmaticamente a

dialética idealista das categorias extraídas da sua lógica foi o erro que ocasionou as

mais diversas rupturas no seio do ―movimento‖ hegeliano. Dessa forma, o seu

pensamento corre o risco de tornar-se arma a ser apontada contra quem quer que

seja, com a diferença apenas das habilidades do atirador.

Se for verdade que ―todos os caminhos apontam para Meca‖, também é

verdadeiro que algum caminho deve ser escolhido; no caso do pensamento hegeliano

não há trajeto fácil, a aridez e a complexidade de seu pensamento causou receio no

próprio Marx, que ao se defrontar pela primeira vez com a obra hegeliana, por volta

de 1837, relata que a sua ―melodia rochosa grotesca não agradou‖ (MARX, 1982, p.

7).

O caminho escolhido no presente trabalho monográfico para expor as

rupturas engendradas no seio do movimento hegeliano é o do pensamento político de

Hegel e do lugar ocupado pelo Estado em seu pensamento. Como toda escolha deve

ser devidamente justificada, correndo-se o risco de se passar por negligente, entende-

se que a escola hegeliana tem sua cisão definitiva a partir da posição tomada por

seus seguidores nos embates em torno da legitimidade do Estado prussiano;

portanto, nesse sentido, os grupos se dividem em dois, podendo-se nomeá-los de

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direita e esquerda hegeliana. Ambos reivindicam o filósofo alemão, mas buscam, no

caso dos primeiros, fornecer legitimidade para as ações do governo prussiano;

enquanto a esquerda hegeliana8 buscou criticar e reformar a realidade presente na

Prússia.

Como diz Celso Frederico (2009, p. 15), o legado hegeliano ―é o ponto de

partida de todos os jovens-hegelianos que pensavam as questões políticas de seu

tempo tendo como referência um determinado posicionamento perante a obra de

Hegel‖. Contudo, antes de analisarmos amiúde esse movimento que tanta influência

teve sobre os escritos de Marx no período analisado, tentar-se-á traçar as linhas

gerais da aludida cisão a partir da interpretação de um famoso trecho do prefácio

escrito, em 1821, por Hegel na sua obra Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito,

ou, Direito natural e ciência do Estado em compêndio9 (no presente trabalho, adota-se

a nomenclatura mais conhecida no Brasil, qual seja, Filosofia do Direito), finalmente,

ele diz: ―O que é racional, isto é efetivo; e o que é efetivo, isto é racional‖ (HEGEL,

2010, p. 41). Diante desta obscura e enigmática passagem, como acentua Celso

Frederico (2009, p. 21), dividem-se as interpretações e o campo político se abre para

as polêmicas no centro do movimento hegeliano.

Enquanto a direita hegeliana priorizou o segundo momento da passagem,

que diz que o que é efetivo é racional e com isso tentava justificar a racionalidade das

instituições do Estado prussiano, os jovens hegelianos de esquerda ―preferiram

enfatizar o racional para contrapô-lo às mazelas da realidade, para mostrar que o

momento da racionalidade ainda não tinha chegado e que ele só se efetivaria

mediante a negação do existente e toda a sua gritante irracionalidade‖ (FREDERICO,

2009, p. 21). Ainda sobre a busca da efetivação da razão no mundo, diz Frederico

(2009, p. 21),

[...] o movimento da razão em direção à realidade, portanto, exige a superação do presente: esse não é, de forma alguma, o ponto final da

8 Para uma análise crítica e profunda do pensamento hegeliano e, principalmente, do que se seguiu após a sua morte, recomenda-se a leitura da obra de Karl Löwith (2014), David Mclellan (1971) e Sidney Hook (1962).

9 Sobre os desenvolvimentos conceituais da Filosofia do Direito de Hegel, ver mais em: Jean-Pierre Lefebvre e Pierre Macherey (1999), nessa obra os autores centram a análise nas concepções de sociedade civil e Estado do filosofo alemão.

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história, mas um momento a ser necessariamente negado pelo movimento da Ideia em sua marcha inexorável rumo à plena racionalidade.

Há duas outras controvérsias entre os hegelianos de direita e a esquerda

hegeliana que se pode destacar. Um ponto dissonante diz respeito à centralidade

dada pelos conservadores ao sistema de Hegel, o que acabava caindo num ciclo

vicioso de legitimação do existente; por outro lado, os contestadores hegelianos

davam maior acento ao método dialético, diz Frederico (2009, p. 19),

[...] do método procurava tirar desdobramentos revolucionários para o combate à monarquia prussiana. A esquerda hegeliana recorria ao caráter negativo da dialética para argumentar que o movimento ininterrupto da Ideia nunca cessa e, portanto, em sua marcha ascendente, superaria o presente, negaria o Estado prussiano monárquico, anunciaria os novos tempos.

Por fim, as querelas em relação ao caráter teológico atribuído pelos ―velhos

hegelianos‖ conservadores ao pensamento do mestre, enquanto a ala esquerda dos

hegelianos afirmava o movimento dialético que englobava, inclusive, a negação da

religião.

Neste aspecto, três obras merecem destaque no que concerne ao poderio

inaugural da crítica teológica na Alemanha, quais sejam: A vida de Jesus; A trombeta

do juízo final contra Hegel, ateu e anticristo: Um ultimatum e a fulminante A essência

do cristianismo, cujas autorias são de David Strauss, Bruno Bauer e Ludwig

Feuerbach, respectivamente, retomar-se-á essas questões em tópico próprio.

Essas discussões contam com a ampla participação de Marx, que já em

sua tese de doutoramento enfrenta, a partir da comparação entre a filosofia da

natureza de Epicuro e Demócrito, a questão do papel da filosofia no processo de

efetivação da razão no mundo, bem como dá relevo à autoconsciência humana. Nos

artigos da Gazeta Renana, ele tem sempre como background dos seus textos a

defesa do Estado racional, da liberdade de imprensa e do Estado laico. Celso

Frederico (2009, p. 25) sintetiza da seguinte maneira a posição de Marx nesse

período:

A crítica marxiana, restrita ao universo político da afirmação do Estado cristão na Prússia, baseava-se numa argumentação claramente hegeliana: esse Estado, supostamente religioso, contradizia a ideia da universalidade do

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Estado ao privilegiar uma única crença e, também, a ideia da racionalidade do Estado, entendida como a realização da liberdade, que não precisa dos dogmas para poder existir.

Segue-se, então, para uma sintética exposição das inúmeras articulações

teórico-práticas desenvolvidas por Marx com os principais pensadores do movimento

hegeliano de esquerda, no qual ingressou durante o período em que esteve na

Universidade de Berlim.

Parte-se, agora, dos aspectos gerais que possibilitam reconstituir, não sem

lacunas, o perfil do movimento dos jovens hegelianos de esquerda, trazendo à lume

as especificidades dos principais personagens deste movimento, ao qual David

Mclellan (1977, p. 41), inclusive, caracteriza como partido político, tendo em vista a

coesão de pensamento, bem como as suas ambições no âmbito político.

Strauss, em sua obra A vida de Jesus (1835), foi o responsável pela

distinção entre uma direita, um centro e uma esquerda hegelianas, à maneira do

parlamento francês, para isso, como destaca Löwith (2014, p. 61 e 62), ele priorizou

as posições frente à teologia. Sobre essa distinção, Strauss diz apenas que

[...] a direita (Goeschel, Gabler, B. Bauer), seguindo a distinção hegeliana da religião cristã entre conteúdo e forma, acolheu positivamente o conceito de conteúdo, enquanto a esquerda submeteu, simultaneamente, à forma da representação religiosa o conteúdo da crítica. A direita queria conservar a história evangélica completa, a partir da ideia da unidade da natureza divina e humana, o centro (Rosenkranz, e em certo sentido também Schaller e Erdmann) somente uma parte, e a esquerda afirmava que a partir da ideia não se poderiam manter os relatos históricos dos evangelhos, seja total ou parcialmente.

A passagem precisa da divisão feita por Strauss se encontra transcrita na

obra de David Mcllelan (1971, p. 16) sobre Marx e os jovens hegelianos, onde se lê:

A la pregunta de si la historia evangélica está contenida —y con qué amplitud— como historia en la idea de la unidad de la naturaleza divina y humana, pueden darse tres respuestas: a saber, que, a partir de este concepto, puede deducirse de la idea, como historia, el conjunto narrativo evangélico, o sólo una parte de él, o, por último, ni el conjunto ni una parte. Si estas tres respuestas o direcciones estuvieran representadas cada una de ellas por una rama de la Escuela Hegeliana, podríamos seguir el ejemplo tradicional y llamar a la primera dirección la derecha, como la más próxima al antiguo sistema, a la tercera la izquierda, y a la segunda el centro.

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Como frisa Mcllelan (1971) – o que passa desapercebido na obra de Karl

Löwith (2014) – a divisão de Strauss é precária, sendo motivo de críticas, inclusive de

Bruno Bauer em artigo publicado nos ―Anuários de Crítica Científica‖ (Jahrbücher für

wissenschaftliche Kritik). Repare-se o caso de Eduard Gans, diz Mcllelan (1971, p.

16), que

[…] estaba considerado por Strauss como perteneciente al ala derecha, pero era, sin embargo, el principal propagandista de las ideas saintsimonianas en Alemania, y el propio Strauss resultó un perfecto conservador años después, durante los conflictos de 1848.

Nesse sentido, deu-se prioridade aos aspectos políticos da aludida cisão,

pois se entende como mais relevante para o próprio percurso delineado por Marx nos

escritos da Gazeta Renana, em que as questões religiosas, embora estejam

presentes, são secundárias.

A. STRAUSS (1808 – 1874)

David Strauss causou verdadeiro reboliço no cenário filosófico alemão ao

publicar ―A vida de Jesus‖ (Das Leben Jesu), em 1835, pois diversamente de Hegel,

que deu pouca importância para o status histórico dos evangelhos, centrando-se

numa interpretação especulativa das escrituras, o autor ―consideraba que las

narraciones evangélicas eran la esencia de la religión Cristiana, y las trató no como

símbolos, sino como mitos que reflejaban los profundos deseos del pueblo‖

(MCLELLAN, 1971, p.15).

A obra de Strauss foi recebida com bastante empolgação, como afirma

David Mcllelan (1971, p. 15) ao citar Rudolf Haym, destacado filósofo liberal alemão,

que diz:

Fue Das Leben Jesu de Strauss el libro que a mi y a muchos compañeros míos nos satisfizo con las posiciones hegelianas y también nos apartó cada vez más de la teología. El encanto que este libro ejercía sobre uno era indescriptible: yo jamás leí libro alguno con tanto placer y tan a fondo. [...] Era como si unas costras se cayeran de mis ojos y una gran luz alumbrase mi camino.

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O autor de ―A vida de Jesus‖, rejeitando a especulação ortodoxa,

acreditava que em Hegel era possível mirar uma crítica da religião, ―pois [Hegel] já

abandonava o fato histórico à forma da representação‖. Contudo a oposição de

Strauss a Hegel residia no fato de que este último ―eleva a ‗representação‘ religiosa

ao conceito, [enquanto o primeiro] a reduz a um mito livremente criado‖ (LÖWITH,

2014, p. 373).

A conclusão a que chega Strauss, como bem sintetiza Karl Löwith ( 2014,

p. 373), é a seguinte: ―‗O Homem-Deus é a humanidade‘ – uma proposição que já se

encontrava em Hegel, pois este também não considerava o Homem-Deus como um

fato histórico isolado, mas antes como uma manifestação do absoluto que em geral é

espírito‖.

Em sua última obra, ―A antiga e a nova fé‖ (1872), Strauss rompeu de vez

com a especulação hegeliana e com o cristianismo, aderindo a uma visão humanista

da religião, segundo a qual o cristianismo deveria ser superado, ―aperfeiçoando-se‖

em direção ao humanismo.

B. BRUNO BAUER (1809 – 1882)

No período em que Marx escreve a sua tese de doutoramento é de Bruno

Bauer que o jovem estudante recebe as maiores influências, a começar pela escolha

do seu tema, questão que será retomada logo mais a frente, tendo em vista que no

presente momento da exposição interessa mais conhecer brevemente as posições

filosófico-políticas do próprio Bauer10.

Bruno Bauer estudou teologia com Hegel ao longo dos três últimos anos de

vida do mestre, sendo nomeado, em 1834, catedrático de teologia em Berlim. Nesse

mesmo período, ele polemizou com Strauss, que ao publicar ―A vida de Jesus‖,

procurou questionar a historicidade dos evangelhos, como visto anteriormente, ao

passo que o outro, na esteira de Hegel, tentou justificar especulativamente o caráter

histórico dos evangelhos.

10

A obra mais completa sobre o pensamento político de Bruno Bauer é da autoria de Douglas Moggach (2003).

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Nesse diapasão, faz sentido dizer que este fazia parte da direita hegeliana,

pois defendia exatamente a visão teológica dessa vertente, no entanto é necessário

que se olhe para o próprio movimento de radicalização pelo qual passou; o que logo

começou a desagradar os órgãos oficiais, principalmente após a chegada ao trono de

Frederico-Guilherme IV, em 1840, que nomeou Eichhorn para o cargo de Ministro da

Cultura, substituindo Altenstein, bem mais afeito ao pensamento hegeliano e ao

próprio Bauer.

As constantes e cada vez mais radicais críticas de Bauer ao cristianismo

ocasional levou a sua destituição do posto de catedrático da Universidade de Bonn,

para onde já havia sido transferido por Altenstein como forma de protegê-lo das

possíveis perseguições em Berlim. O radicalismo sem limites o conduziu até um

profundo desgaste na sua relação com Marx, que o considerava muitas vezes

irresponsável ao reduzir a crítica à fraseologia vazia.

O auge do radicalismo baueriano se dá com a publicação de um folheto

chamado A Trombeta do Juízo Final contra Hegel Ateu e Anticristo (Die Posaune des

Jungsten Gerichts über Hegel den Atheisten und Antichristen), em 1841, em que ele

reafirma sua aproximação com o mestre. Em relação a Hegel, já havia se dissolvido a

ideia de religião e a autoconsciência era a única coisa que restava. Quando for

tratada acerca da tese de Marx, retornar-se-á ao relevo dado a autoconsciência,

contudo, por agora, cabe apenas informar que essa temática é inspirada nas ideias

hegelianas, principalmente na sua obra Fenomenologia do Espírito (1807).

Importa salientar, em linhas gerais, a concepção de Estado que guiava o

pensamento de Bruno Bauer. Em nenhum momento de sua produção teórica se nota

nele uma crítica profunda e radical ao Estado, pois está presente a crença hegeliana

que coloca o Estado enquanto demiurgo da sociabilidade e representante universal de

todos os interesses. Para ele, o Estado e o Direito são manifestações da liberdade. A

crítica, que pode parecer dirigir-se ao Estado como um todo, na verdade, tem um alvo

certo: o Estado cristão, este, explica Mclellan (1971, p. 82 e 83), ―es el Estado en el

que el elemento religioso es el principal, o se pretende que lo sea. [...] El objetivo del

Estado es la unidad y la armonía, mientras que la Iglesia aparta al hombre de sí

mismo‖.

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Como se terá oportunidade de perceber, através do estudo imanente dos

textos de Marx da Gazeta Renana, a postura que credita ao Estado e as suas

instituições uma racionalidade própria capaz de garantir a efetivação da liberdade e

da justiça, é a marca dos escritos desse período.

C. FEUERBACH (1804 – 1872)

Maior agitação causou a obra de Ludwig Feuerbach, A essência do

cristianismo (1841), base de toda crítica teológica alemã. Friedrich Engels não nega o

efeito avassalador da obra de Feuerbach sobre o espírito dos jovens contestadores,

diz ele num artigo intitulado Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã

(1977, p. 87):

Foi então que apareceu A Essência do cristianismo de Feuerbach. De repente, essa obra pulverizou a contradição criada ao restaurar o materialismo em seu trono. [...] Quebra-se o encantamento: o ―sistema‖ salvo em pedaços e era posto de lado – e a contradição ficava resolvida, pois existia apenas na imaginação. Só tendo vivido, em si mesmo, a força libertadora desse livro, é que se pode imaginá-la. O entusiasmo foi geral – e momentaneamente todos nós nos transformamos em ―feuerbachianos‖. Com que entusiasmo saudou a nova concepção e até que ponto se deixou influenciar por ela – apesar de todas as suas reservas críticas – pode ser visto em A Sagrada Família.

Há que se suavizar a exagerada empolgação de Engels ao afirmar que

todos se tornaram feuerbachianos11, pois como alerta Mcllelan (1971, p. 109),

La declaración de Engels acerca del efecto del libro está en total desacuerdo con los hechos. [...] la opinión general entre los jóvenes hegelianos era la de que el libro de Feuerbach constituía una continuación de las doctrinas de Hegel, casi en los mismos términos que Bruno Bauer reivindicaba en su Posaune. Ruge, que se encontraba, como director de la Hallische Jahrbücher, en las encrucijadas de opinión de los jóvenes hegelianos, habla del 'progreso (de Feuerbach) frente a Hegel', de Strauss, de Feuerbach y de Bruno Bauer como de «los verdaderos intérpretes de la filosofía de Hegel', y empareja a Feuerbach con Bruno Bauer en otra carta.

Feuerbach se contrapõe tanto a Strauss quanto a B. Bauer, pois continua

sob o manto da filosofia hegeliana, enquanto os outros dois romperam com ela,

11

Sobre o legado Feuerbachiano, ver mais em obra organizada por Deyve Redyson e Eduardo Chagas (2011).

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embora distancie-se mais do segundo. Diferente deles, o autor de A essência do

cristianismo não intenta a destruição da teologia cristã e do cristianismo, ―mas uma

tentativa de manter o essencial desse último, na forma de uma ‗antropologia‘

religiosa‖ (LÖWITH, 2014, p. 375). Na realidade, A essência do cristianismo teve

grande difusão entre os jovens hegelianos, mas as obras posteriores12 de Feuerbach

foram as que mais influenciaram o grupo, com exceção de Arnold Ruge que seguiu

fiel às lições da referida obra.

No prefácio à primeira edição da obra A Essência do cristianismo,

Feuerbach trata de afastar qualquer semelhança do seu pensamento com a

especulação e com a teologia, pois, diz ele (2013, p. 11),

[...] a filosofia especulativa da religião sacrifica a religião à filosofia e a mitologia cristã, a filosofia à religião; aquela faz da religião um joguete da arbitrariedade especulativa, esta faz da razão um joguete de um materialismo religioso e fantástico; aquela só permite que a religião diga o que ela mesma pensou, mas diz ainda mais, esta só permite à religião falar ao invés da razão; aquela, incapaz de sair de si mesma, faz das imagens da religião os seus próprios pensamentos, esta, incapaz de voltar para si, faz das imagens coisas.

Criticando a filosofia especulativa, no prefácio à segunda edição da obra

supracitada, Feuerbach (2013, p. 20) diz:

Sou astronomicamente diferente dos filósofos que arrancam os olhos da cabeça para poderem pensar melhor; eu, para pensar, necessito dos sentidos, mas acima de todos dos olhos, fundamento minhas ideias sobre meteriais que podemos buscar sempre através da atividade dos sentidos, não produzo coisas a partir do pensamento, mas inversamente os pensamentos, a partir das coisas, mas coisa é somente o que existe fora da cabeça.

E ainda,

12

Destacam-se as seguintes obras de Feuerbach (2002): Necessidade de uma reforma da filosofia (1842), Teses provisórias para uma reforma da filosofia (1842) e Princípios da filosofia do futuro (1843). O conjunto de sua obra tem forte influência sob a esquerda hegeliana, incidindo particularmente na produção teórico de Marx, em que esse critica a filosofia especulativa de Hegel, tendo em vista que Feuerbach (2012), em 1839, escreve a sua obra Para a crítica da filosofia de Hegel.

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como um espécimen desta filosofia que tem por princípio o mais positivo princípio real, i.e., o ente real ou o mais real possível, o verdadeiro ens realissimum: o homem e não a substância de Spinoza, nem o Eu de Kant e Fichte, nem a identidade absoluta de Schelling, nem o espírito absoluto de Hegel; em resumo, nenhum princípio abstrato ou somente pensado ou imaginado, da matéria, da essência, dos sentidos, que de início se comporta sensorialemente, i.e., passiva e receptivamente em relação as seus objetos para só depois determina-los pelo pensamento; como este espécimem não é então o meu livro [...] de forma nenhuma um produto que se poderia classificar na categoria da especulação, mas é antes o extremo oposto: é a dissolução da especulação(FEUERBACH, 2013, p. 22).

Para o próprio Marx, a influência dessa obra deve ser mitigada, tendo em

vista que o humanismo presente nela importa mais a ele que propriamente a crítica

religiosa. Todavia, não se aprofundará ainda mais esse ponto devido aos limites do

presente objeto, que visa tratar do pensamento de Marx no período da Gazeta

Renana. Até o início de 1843, o diálogo entre o jovem renano e Feuerbach é pouco

relevante se comparado às obras posteriores a 1843, principalmente a Crítica a

filosofia do direito de Hegel (1843), Sobre a questão judaica (1843 – 1844), Crítica a

filosofia do direito de Hegel – Introdução (1844) e Manuscritos Econômico-filosóficos

(1844).

D. CIESZKOWSKI (1814 – 1894)

Passo importante é dado por Conde August Cieszkowski ao formular, de

maneira embrionária, a noção de práxis, que será desenvolvida por Moses Hess e

encontrará em Marx sua concepção mais bem acabada13.

Cieszkowski, o mesmo que acusou Bauer de ―terrorismo científico‖,

publicou, em 1838, Prolegômenos para Historiosofia (Prolegomena zur

Historiosophie), em 1838, através do qual buscou

[…] substituir la filosofía especulativa con una filosofía que entre sus posibilidades ofreciese la de una acción practica‖, segundo ele, ―no bastaba con descubrir la leyes de la historia pasada, sino que los hombres deben usar este conocimiento para cambiar el mundo de futuro (MCLLELAN, 1971, p. 22).

13

Sobre o desenvolvimento conceitual de práxis, ver mais em: Karel Kosik (2011).

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Como alerta Leszek Kolakowski (1976, p. 92), incluir este autor na

esquerda hegeliana é fazer uma escolha por um aspecto de seu pensamento, qual

seja a sua visão da filosofia como ação. Contudo, não se pode olvidar que seu

posicionamento em relação à religião e ao cristianismo se aproxima da direita

hegeliana. Sem dúvida, o aspecto mais relevante de seu pensamento é a noção de

uma filosofia realizada no mundo, para isso ele não se deixa restringir pelo tempo

presente, mas a sua filosofia aponta para o futuro enquanto terreno pertencente

também ao filósofo, que tem o papel de desbravá-lo.

A missão do filósofo para Cieszkowski, explica Mcllelan (p. 22),

[...] era la de construir, mas allá de las épocas pasadas de la historia, su totalidad ideal y especialmente el futuro aunque Cieszkowski sólo pretendía, mediante su ciencia, la facultad de deducir la esencia del futuro, no sus particularidades – era praesagium, no praescientia.

Assim como Hegel, ele julgava que seu tempo era de crise e transição.

Contudo, diferentemente do mestre, não acreditava que o agente transformador era a

ideia, mas a sua crença estava guardada sobretudo na vontade, essa era a força

motora capaz de sintetizar pensamento e ação.

Por fim, ressalte-se a marcante influência exercida pelo pensamento

fichteano sobre o movimento dos jovens hegelianos, incluindo Marx, pois ―Fichte

oponía constantemente el pensamiento, concebido por él como voluntad em acción, a

la realidad presente, y consideraba que la principal misión del pensamiento era la de

determinar el futuro‖ (MCLLELAN, 1971, p. 23).

E. MOSES HESS (1812 – 1875)

Seguindo as trilhas de uma filosofia da ação, destacam-se no cenário

alemão as obras de Moses Hess, nascido na região da Renânia, em 1812, de família

judia14, assim como Marx. Ávido leitor de Rousseau e Spinoza, não demorou muito

até entrar em contato com a literatura socialista francesa. Seu primeiro livro, fruto

14

Sobre a relação de Moses Hess com o judaísmo, ver obra organizada e escrita por Jacob Guinsburg (1970).

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dessas leituras iniciais, foi ―História Sagrada da Humanidade‖ (Die heilige Geschichte

der Menschheit), em 1837, primeira expressão do pensamento socialista alemão.

Em suma, Hess acreditava na transição pacífica para o comunismo, em

que se instauraria um reino de liberdade e igualdade. Porém, temia o aprofundamento

das tensões entre ricos e pobres, pois o pauperismo da população era crescente, o

que conduzia ao desaparecimento das camadas médias da sociedade. Em Moses

Hess, Marx encontrou as primeiras ilações sobre uma possível tendência de

concentração de capital e pauperização da sociedade.

Sua segunda obra, ―Triarquia europeia‖ (Die europäische Triarchie), em

1841, defende uma aliança entre a Prússia, Inglaterra e França. Tal obra marca uma

significativa radicalização de Hess a caminho da filosofia da ação, já iniciada por

Cieszkowski, mas que encontra no pensador judeu formulações revolucionárias,

apontando para um futuro comunista. Neste livro, explica Mcllelan (1971, p. 159),

Hess proponía varias ideas que habían de tener una gran influencia sobre sus contemporáneos. [...] Creía, sin duda, que la abolición de la propiedad privada era esencial para todo nuevo orden social. Una sociedad unificada era imposible, si las entidades que la formaban tenían diferentes intereses.

Sua obra mais lida, a Triarquia europeia, influenciou profundamente o

pensamento dos jovens hegelianos, principalmente no que tange à radicalização do

seu caráter e criticidade. Muitos viram nas ideias socialistas uma esperança para a

miséria alemã, principalmente quando se deparavam com a incapacidade da

burguesia de realizar reformas mínimas no campo político e social.

Como dito no início do capítulo, a modernização da economia não era

acompanhada da modernização das instituições políticas, estas cada vez mais

autoritárias; no âmbito social, à maneira das grandes nações capitalistas, a

pauperização crescia a níveis assustadores, questão que não passou despercebida

nos escritos jornalísticos de Marx.

Visando fazer frente ao periódico católico e conservador ―Jornal de

Colônia‖ (Kölnische Zeitung), é fundada a Gazeta Renana, financiada por parte da

burguesia liberal renana, que pretendia difundir ideias liberais no seio da sociedade

alemã. Hess articulou sua fundação, o que lhe rendeu esperanças de ocupar cargo de

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destaque, porém isso não ocorreu devido ao receio dos financiadores em relação às

suas ideias radicais, por isso, passou a ocupar a função de subdiretor. Sua maior

contribuição se deu no papel de articulista, através do qual lhe foi permitido discorrer

amplamente sobre as suas ideias e projetos de sociedade, que seguiram o percurso

teórico da Triarquia européia.

Em abril de 1841, Hess se encontra com Karl Marx pela primeira vez, este

vai a Bonn ao encontro de Bauer com a expectativa de conseguir uma vaga na

Universidade, o que não ocorre, pois o cerco da censura sobre este, como referido

anteriormente, se intensifica. Nesse encontro, o primeiro ficou bastante entusiasmado

com as capacidades de Marx, tanto que em carta a Berthold Auerbach, datada de 2

de setembro de 1841, ele (HESS, 1982, p. 696) diz, referindo-se a Marx:

Esta persona de que te hablo ha causado en mí una impresión imponente, aunque yo me muevo precisamente en el mismo campo: para decirlo en pocas palabras, disponte a conocer al más grande, tal vez al único verdadero filósofo viviente, que pronto, en cuanto se dé a conocer públicamente (en los libros y en la cátedra) atraerá sobre él las miradas de Alemania.

Termina a missiva dizendo (1982, p. 697):

El doctor Marx, pues así se llama mi ídolo, es todavía un hombre joven (tiene, cuando más, veinticuatro años), llamado a descargar el último golpe sobre la religión y la política medievales, pues sabe hermanar a la más profunda seriedad filosófica el ingenio más tajante; imagínate a Rousseau, Voltaire, Holbach, Lessing, Heine y Hegel reunidos en una sola persona -digo reunidos, pero no revueltos- y tendrás al doctor Marx.

Contudo, ao que parece, a recíproca não foi verdadeira, Hess não causa a

mesma empolgação em Marx, principalmente porque este não nutre, neste momento,

simpatia pelas ideias socialistas, embora não negue a sua importância e a

necessidade de estudar mais detalhadamente a temática.

Em seu famoso Prefácio de Para a crítica da Economia Política, Marx

(1982, p. 24) diz:

[...] fez-se ouvir na Gazeta Renana um eco de franco matiz filosófico do socialismo e comunismo francês. Eu me declarei contra essa remendagem, mas ao mesmo tempo em uma controvérsia com o Jornal Geral de

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Augsburgo (Allgemeine Augsburger Zeitung) confessei francamente que os meus estudos feitos até então não me permitiam ousar qualquer julgamento sobre o conteúdo das correntes francesas.

O artigo ao qual ele se refere fora publicado em 16 de outubro de 1842 sob

o título de ―O comunismo e a ‗Gazeta geral de Augsburgo‖. O jornal de Augsburgo

havia acusado a Gazeta Renana de albergar artigos e ideias comunistas, referindo-

se, principalmente, ao relatório retirado da revista de Weitling, ―A Jovem Geração‖

(Die Junge Generation), publicado em 30 de setembro, em seu número 273, na

Gazeta Renana (p. 717, Nota 106), bem como aos artigos de Moses Hess.

Marx, então, é obrigado a se posicionar pela primeira vez sobre o assunto.

Ao responder à acusação, deu-se conta da superficialidade com que eram discutidas

as ideias comunistas, que se resumiam a frases soltas, dizendo mais sobre a

ignorância e a pobreza de espírito que dominavam a Alemanha naquele período.

Nesse sentido, respondendo ao artigo da Gazeta Geral de Augsburgo, diz ele (MARX,

1982, p. 245):

Pero usted, querida y excelente dama augsburguesa, nos da a entender, a propósito del comunismo, cuan pobre es actualmente Alemania en personalidades independientes, como las nueve décimas partes de la juventud culta mendigan al Estado el pan del mañana, como nuestros ríos fluyen en el mayor de los abandonos, como la navegación esta por los suelos, como nuestras ciudades comerciales un día florecientes yacen en la incuria, como en Prusia las instituciones libres llevan un curso mortecino, como el sobrante de nuestra población vaga errante, tratando de encontrar acomodo en naciones extranjeras [...].

Portanto, a situação de Marx, no período da Gazeta Renana, é de

assumido desconhecimento e certa desconfiança em relação às ideias comunistas,

pois, lê-se: ―La Gaceta Renana, que ni siquiera puede reconocer o reputar posible la

realidad teórica a las ideas comunistas bajo su forma actual, y menos aún desear su

realización práctica, se propone someter estas ideas a una crítica a fondo‖ (MARX,

1987, p. 247).

Em seus projetos está o estudo aprofundado das ideias comunistas e uma

crítica profunda a elas. A fim de deixar firmado o delineamento do pensamento de

Marx em relação ao Comunismo, cita-se passagem de uma carta escrita para Arnold

Ruge, na qual o jovem renano critica a abordagem superficial dos jovens hegelianos

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de esquerda em relação à matéria do comunismo e socialismo, escreve ele (1987, p.

688):

Los intimaba a emplear menos vagas elucubraciones, menos frases grandilocuentes, y menos palabrería enfatuada y mayor claridad y precisión, más penetración en las realidades concretas y mayor conocimiento de causa. Les hice saber que consideraba inadmisible y hasta inmoral el contrabando de dogmas comunistas y socialistas, es decir, de una nueva manera de ver el mundo, en las críticas teatrales corrientes, etc., y que exigía, si se trataba el tema, un estudio totalmente distinto y más a fondo del comunismo.

F. ARNOLD RUGE (1802 – 1880)

Arnold Ruge foi outro personagem marcante no quadro delineado, com ele

Marx estabeleceu fortes relações, principalmente após 1842, ano em que trocam

inúmeras cartas e, principalmente, planejaram o lançamento de um periódico franco-

alemão, os Anais Franco-alemães, que não passou da primeira edição, lançada em

1844, pois logo as diferenças entre as concepções políticas entre os dois os

colocariam em campos opostos.

Destaca-se, aqui, o papel de Arnold Ruge na difusão das ideias dos jovens

hegelianos, que se concentravam na Hallische Jahrbücher e, posteriormente, após

fechamento da revista, passaram a se reunir no ―Anuário Alemão‖ (Deutsche

Jarbücher), ambas revistas dirigidas por ele. O objetivo deste pensador, como cita

Mclellan (1971, p. 25), era alcanzar un ―independiente y auténtico criticismo a partir de

un punto de vista científico, juntamente con una cuidada información de los problemas

que interesan a los espíritus contemporáneos‖.

Ao passo em que albergava os jovens hegelianos em suas revistas, Ruge

via seus veículos de comunicação se radicalizando cada vez mais através desse

grupo de jovens contestadores, que se reuniam em torno do Doktorklub, que existia

desde 1837, em Berlim e foi, justamente, onde Marx teve seus primeiros contatos com

as ideias de Hegel e dos seus discípulos.

Passa-se agora para a análise da adesão de Marx ao hegelianismo, bem

como dos escritos anteriores ao seu ingresso na Gazeta Renana. De agora em

diante, tratar-se-á do desenvolvimento intelectual de Marx partindo de suas próprias

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palavras; portanto, a imanência aos textos será um desafio, que não é só do escritor,

mas, sobretudo, do leitor, que acostumado a leituras terceirizadas, terá que testar a

pena do próprio Marx. Da parte que cabe ao escritor, procurou-se delinear e organizar

a exposição de forma simples e fluida, evitando, quando possível, longuíssimas

citações.

2.3 O JOVEM MARX ADERE AO MOVIMENTO HEGELIANO

A Carta ao pai (1837), como ficou conhecido o valioso documento, posto

que é o único, relata as viragens e inflexões intelectuais pela qual Marx passa no ano

de 1837 em Berlim. Nessa carta, o autor relata ao seu pai, que estava em Trier, a sua

―nova direção‖ teórica frente aos estudos de Direito e Filosofia, para esta última

disciplina ele passou a se dedicar a partir de então, escrevendo sua tese de

doutoramento em Filosofia. Portanto, os estudos de Direito foram secundarizados,

juntamente com suas incursões no campo literário.

A vida em Berlim, como anteriormente mencionado, foi solitária e triste, ao

contrário da ―vida de estudante‖ que levava na Renânia, onde estava perto de seus

amigos e de sua amada Jenny von Westphalen. Toda essa situação colabora para

que Marx concentre suas forças nos estudos jurídicos e, sobretudo, no

amadurecimento de seus conhecimentos filosóficos, que se tornam prioridade.

Completamente inquieto em relação as suas atividades intelectuais, tendo

dificuldade para concluir com êxito qualquer projeto que se propunha, causava

tremendas ―dores de cabeça‖ ao seu pai, que reconhecia no filho um gênio, mas

temia que se perdesse em meio a tantas divagações. Na aludida carta, ele revela a

seu pai que está tomando ―nova direção‖, como dito, pois girava sua atenção quase

que inteiramente para a filosofia, apesar de cursar formalmente Direito.

Acompanhando as linhas escritas ao seu pai, sente-se um certo tom

diluviano, revelado quando ele se sente forçado ―a contemplar o passado e o presente

com os olhos de águia do pensamento, a fim de tornarmo-nos conscientes de nossa

posição real‖ (MARX, 1987, p. 5). Vê-se nessas poucas palavras que Marx já se

encontrava sob o espectro do pensamento idealista, em especial, do pensamento

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hegeliano, que foi a partir do qual ele encontrou saída para sobreviver ao seu dilúvio

intelectual.

O tom idealista não é por acaso, pois, como conta, neste período estudou

em profundidade o idealismo alemão, passando por Kant, Fichte, Schelling até aportar

sua âncora em Hegel, diz ele (1987, P. 10):

Partindo do idealismo, o qual, dito de passagem, comparei e enriqueci com o idealismo de Kant e o de Fichte, cheguei ao ponto, então, de investigar a idéia, na realidade mesma. Se os Deuses haviam, anteriormente, habitado a terra, tornavam-se, agora, o centro da mesma. Havia lido fragmentos da Filosofia de Hegel, cuja melodia rochosa grotesca não agradou.

O primeiro contato com Hegel não o agradou, o que o inclui dentro do

universo dos mortais que um dia resolveram encarar o desafio de compreender tal

pensador. Tempos depois, ―como rigoroso andarilho‖, trilhou os caminhos da filosofia

hegeliana, ―rumo a um desenvolvimento filosófico-dialético da divindade‖. Tendo lido

Hegel do começo ao fim, filosofia que reconhece como sendo ―a filosofia do mundo

atual‖, Marx mesclou seu hegelianismo com as diversas concepções político-

filosóficas nascida nos debates dos Doktorclub, que se reuniam em torno das revistas

de Arnold Ruge, nas quais a fidelidade ao pensamento hegeliano frente à

necessidade de crítica é tudo que menos importa. Mesclavam concepções kantianas

e, sobretudo, fichteanas com a dialética negativa de Hegel.

Com o propósito de preencher o lacunoso pensamento marxiano do

período em análise é que se parte para um breve estudo dos textos escritos nos anos

anteriores a 1842, qual seja as ―Reflexões de um jovem na escolha da profissão‖

(Betrachtung eines Jünglings bei der Wahl eines Berrufs), em 1835, e, por fim, a sua

tese de doutoramento intitulada As diferenças entre as filosofias da natureza em

Demócito e Epicuro (1840/41), este será o texto de maior relevância do período que

precede as suas como periodista.

Karl Marx, aos 17 anos, concluiu o Ginásio de Trier (Liceu), em 16 de

agosto de 1835, para tanto foi necessário prestar os exames finais que consistiam em

apresentar três trabalhos, dos quais um possuía tema livre, o outro deveria ser escrito

em latim e, ainda, um terceiro, que versasse sobre questões religiosas.

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Merece destaque o trabalho cujo tema era livre e que Marx intitulou

Betrachtung eines Jünglings bei der Wahl eines Berufs, mais à frente apenas

Betrachtung (1835). Nele, o jovem Karl trata das reflexões ou considerações

(Betrachtung) pelas quais a juventude deve passar ao escolher uma profissão, em

suma, as questões são: o que determina a escolha da profissão? Ou, o que se deve

considerar no momento desta escolha? Como reconhecer a vocação para

determinada profissão?

Em termos estilísticos15, o estudante do Liceu em Trier já demostrava seu

gosto pelas metáforas, o que será criticado pelo seu avaliador. No entanto, apesar da

falta de precisão, percebe-se uma erudição metódica na exposição da temática

abordada, segundo Wyttenbach, seu avaliador,

Recomenda-se o trabalho por sua riqueza de pensamentos e por uma boa disposição metódica. Aliás, por isso mesmo, o autor recai também, aqui, em seus habituais erros, em uma busca exagerada por expressões metafóricas e difusas; por isso, falta à composição, nas muitas passagens marcadas, a necessária clareza e precisão, e frequentemente exatidão (ao escrever), como em algumas sentenças isoladas, por exemplo, em períodos compostos.

Na Betrachtung (1835), Marx, destaque-se, é levado por um alto

sentimento comunitário, entendendo que o jovem, ao escolher sua profissão, não

deve levar em conta apenas seus desejos, mas o bem da humanidade. Nesta época,

o autor em destaque, com clara influência aristotélica, já não partilhava da visão

filosófica que encara o ser humana isolado da comunidade, ao homem, diz ele, ―cabe

enobrecer o próprio homem e a humanidade‖ (CALDAS, 2007, p. 113). Para ele,

assim como para boa parte do pensamento clássico, o homem só se reconhece na

comunidade. A opção por uma determinada profissão é, portanto, uma ação política

no sentido aristotélico, visto que não se faz sozinho, só fazendo sentido quando

contempla o bem comum.

Essa escolha vocacionada é o meio para se atingir o fim, que é a

realização individual e o bem comum da sociedade, dois aspectos da vida que não

colidem, pois a realização privada só é possível por meio da esfera pública. Por isso,

ele busca analisar o que se deve considerar para melhor reconhecer a vocação

profissional, pois tal escolha ―é um grande privilégio perante os outros seres da

15

Ver mais em: Ludovico Silva (2012).

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Criação, mas também um ato que pode destruir toda a sua vida, frustrar todos os

seus planos, pode fazê-lo infeliz‖ (MARX, 2007, p. 113). A profissão é o elo entre a

esfera privada e a esfera pública, através dela o indivíduo toma conhecimento da vida

pública. Ao retomar o tema da felicidade, tão caro aos gregos, percebe-se que Marx

transfere a satisfação pessoal – privada – para dentro da comunidade, onde os

interesses particulares não se chocam com os interesses gerais da sociedade.

Para a escolha da melhor profissão, isto é, daquela que torna o indivíduo

feliz, pleno e digno seria necessário se afastar das ambições e fantasias, que

precipitam e só consideram os louros da atividade, e, ao mesmo tempo aproximar-se

do que é verdadeiramente desejado. Dessa forma, o jovem devia pedir conselho aos

pais, ―que já experimentaram a dureza do destino‖ (MARX, 2007, p.114), para que

reconhecesse as responsabilidades e os fardos da profissão. Caso, ainda assim, a

fantasia permanecer, diz ele, ―devemos agarrá-la [a profissão], então nem o

entusiasmo nos ilude, nem a precipitação se apodera de nós aí‖ (MARX, 2007, p.114).

O jovem renano não considera apenas as determinações pessoais,

advindas da vontade e do desejo, que persistem mesmo conhecendo o fardo da

profissão, mas também que há condicionamentos advindos da sociedade, afinal, diz

ele, ―nossas relações em sociedade já de certo modo se iniciaram antes mesmo que

nós estivéssemos em condição de determina-las‖ (MARX, 2002, p. 114). As

determinações sociais a que alude são relativas ao físico, ou seja, a escolha de uma

profissão que não se adequa à constituição física do indivíduo. Por isso, em síntese,

para a escolha da melhor profissão, deve-se conjugar o íntimo desejo pessoal, o

afastamento das ambições e das paixões que turvam a visão e as condições físicas

exigidas socialmente para aquela atividade.

A má escolha da profissão pode levar o ser humano a um sentimento de

autocondenação, devido à permanente sensação de inutilidade. Contudo, feita a

escolha certa, vocacionada, o indivíduo se reverte de dignidade, o que Marx não trata

como algo intrínseco, natural, mas conquistado através da realização profissional, que

faz com que esse indivíduo não se sinta um mero instrumento servil, pois dignidade,

diz ele, ―é aquilo que eleva o Homem ao máximo, o que empresta às suas ações, a

todo seu esforço a mais alta nobreza, o que o deixa intocado, admirado e, de modo

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sublime, acima de toda gente‖ (MARX, 2002, p. 114). Sentir-se desta maneira

somente é possível quando se exerce a profissão para qual fora vocacionado.

Marx (2002, p. 115) finaliza seu trabalho de conclusão ginasial com uma

passagem na qual ele elege o bem da humanidade como fio condutor de toda escolha

da profissão,

[...] a Natureza do Homem é de tal modo orientada que ele só pode alcançar sua completeza, se ele agir para a perfeição, para o Bem de seu meio. Se ele trabalha somente para si, é bem provável que ele possa se tornar um erudito famoso, um grande sábio, um excelente poeta, mas jamais um Homem completo, verdadeiro e grande.

Portanto, imbuído de um profundo espírito comunitário, influenciado,

sobretudo, pela filosofia grega, com claras influências aristotélicas, o jovem estudante

de Trier encara a escolha individual da profissão como meio de se alcançar o fim

maior que é o bem comum da sociedade. A felicidade não é o prazer individual, muito

menos a quantidade de certo hormônio, como o cientificismo contemporâneo busca

provar, mas a realização dos interesses individuais dentro de uma comunhão de

interesses. Ele entende que a felicidade é a conquista da dignidade por meio da

profissão, para a qual o indivíduo se sinta verdadeiramente vocacionado e para a qual

o fim último seja o bem comum. Portanto, pensa sobre esse conceito de forma

comunitária e compartilhada, ―nossa felicidade pertence a milhões‖, diz ele,

afastando-se da ―alegria pequena‖, do egoísmo, pois.

Concluídos seus estudos secundários, em 1836, Marx vai para

Universidade de Berlim, onde pretende se formar em Direito, contudo, como dito na

Carta ao Pai, ele assume ―nova direção‖, fincando pé na filosofia hegeliana à maneira

dos membros do DoktorKlub.

O último texto escrito por Marx antes de iniciar sua atividade como

periodista, que compreende os dois artigos publicados no Anekdota e sua importante

atuação como jornalista e editor da Gazeta Renana, objeto a ser estudado em

seguida, foi a sua tese de doutorado em filosofia apresentada na pequena

Universidade de Jena em 15 de abril de 1841. O motivo que o levou a sair de Berlim

e, formalmente, defender sua tese em Jena, foi a forte censura do Estado prussiano.

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O interesse pela filosofia clássica, em especial pelas filosofias pós-

aristotélicas, advêm das influências que o jovem Marx, integrante dos círculos

hegelianos em Berlim, recebeu de Bruno Bauer – que ao que tudo indica foi quem

sugeriu o tema – bem como de Köppen, a quem ele faz referência logo no prefácio,

dizendo: ―Tais sistemas [pós-aritotélicos] são a chave da verdadeira história da

filosofia grega; e sobre as suas relações com a vida grega pode encontrar-se um

esboço bastante profundo na obra do seu amigo Köppen intitulada ‗Frederico o

grande e os seus adversários‘‖ (MARX, 1972 p. 124). Portanto, não se pode fechar os

olhos para o tom hegeliano com o qual o autor dirige toda sua tese, principalmente

para a linguagem utilizada, outrossim que não se fuja da percepção que o

hegelianismo que adota é marcado pela leitura que os jovens faziam do mestre.

O interesse dos jovens hegelianos despertado pela filosofia pós-aristotélica

é assim explicado por Mcllelan (1977, p. 45 e 46):

[...] en primero lugar, tras la ‗filosofía total‘ de Hegel, jóvenes hegelianos se sintieron en la misma posición que los griegos tras Aristóteles; en segundo lugar, pensaban que la filosofía postaritotélica contenía los ingredientes esenciales del pensamiento moderno: había establecido los fundamentos del Imperio romano, influido profundamente en la moralidad Cristiana primitiva, y contenia también rasgos racionalistas de la Ilustración del XVIII.

A escolha do tema da sua tese tem como objetivo ―arrojar luz sobre la

situación filosófica contemporánea posthegeliana mediante el examen de un período

paralelo de la historia de la filosofía griega (MCLLELAN, 1977, p. 46). Impossível

dissociar a tese do Marx da indelével marca do pensamento iluminista, que traz em

seu bojo o ideário da razão, a que tudo desvenda, e da liberdade, para a qual a

humanidade deve sempre caminhar. As batalhas empreendidas pelos iluministas

contra o obscurantismo religioso compõem o cenário que motiva a escolha dessa

temática, afinal, dentre os antigos, Epicuro é destacado como o maior combatente do

misticismo religioso.

Devido aos limites do presente escrito, abordar-se-á a tese de Marx em

seus aspectos gerais, partindo-se, como já dito, do desenvolvimento da própria obra

em análise, o que trará consequências para as quais o leitor será advertido. Primeiro,

é dada ao leitor, ainda não iniciado na obra marxiana e ao já iniciado, mas que não

teve contato com a tese do renano, tendo em vista o local periférico a que foi

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destinado tal obra, a oportunidade de acompanhar geneticamente o desenvolver da

temática pelo próprio Marx. Contudo, a isso se soma uma segunda consequência,

com a qual o leitor terá que lidar e que traz maiores danos à leitura, refere-se ao local

destinado aos possíveis debates e interpretações ―extrínsecas‖ que envolvem a

aludida tese, neste trabalho essas questões serão abordadas em breves indicações

em notas de rodapé. Esperando a compreensão dos leitores desta monografia,

passa-se, enfim, à sua tese.

Em 1841, como já situado, o candidato ao título de doutor em filosofia

apresenta a sua tese cujo título é Diferença entre as filosofias da natureza em

Demócrito e Epicuro na Faculdade de Filosofia da Universidade de Jena. O caminho

tomado em direção à filosofia já havia sido anunciado, como visto, na sua Carta ao

pai.

A edição portuguesa da sua tese (1972), utilizada neste trabalho

monográfico, é dividida em duas partes, a primeira delas, escrita em 1839,

circunscreve-se aos ―trabalhos preparatórios‖ e é composta por 7 (sete) cadernos,

dentre os quais restaram apenas extratos dos cadernos de número 5 e 6, em que o

autor coleta uma série de citações de Epicuro, além de confrontar as interpretações

clássicas de Plutarco e Lucrécio acerca da filosofia epicurista; a segunda parte desta

edição é dedicada à tese propriamente dita. A primeira parte da tese, portanto, é

destinada aos aspectos genéricos das diferenças entre as filosofias da natureza em

Demócrito e Epicuro, enquanto a segunda parte trata dos pormenores das aludidas

filosofias pós-aristotélicas.

Tendo em vista o objetivo de obter o título de doutor em filosofia, pois ainda

tinha esperanças de ingressar como catedrático em alguma universidade alemã, Marx

foi obrigado a seguir certas formalidades acadêmicas, o que não se verão nas obras

posteriores do pensador alemão. Uma delas foi a descrição do seu objeto de estudo,

em que ele relocalizou o papel ocupado pelas filosofias pós-aristotélicas – estoicismo,

epicurismo e ceticismo – na historiografia filosófica. A visão mais aceita é a de que o

pensamento de Aristóteles constituiu o último sopro de genialidade desta filosofia,

―com Aristóteles, o Alexandre da Macedônia da filosofia grega, parece terminar, na

Grécia, a história objetiva da filosofia‖ (MARX, 1972 p. 135). Contudo, longe de

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desvalorizar a filosofia aristotélica, muito cara a ele, Marx reconhece o devido valor

dos sistemas posteriores ao de Aristóteles, dizendo (MARX, 1972, p. 137):

[...] parece-me que, se os sistemas anteriores são mais significativos e mais interessantes para a análise do conteúdo da filosofia grega, os sistemas pós-aristotélicos, e sobretudo o ciclo das escolas epicuristas, estoicas e cépticas o são ainda para o estudo da forma subjetiva, o caráter desta filosofia.

Nas filosofias pós-aristotélicas, Marx busca situar o conhecimento filosófico

a partir das suas manifestações subjetivas, isto é, partindo-se da noção de um sujeito

ativo capaz de conhecer o mundo, este deixa de atuar apenas objetivamente sobre os

indivíduos, que, por meio da autoconsciência, agem sobre o mundo.

A filosofia pós-aristotélica não surge deslocada dos processos históricos

mais amplos que gestam as condições para que tal forma de pensamento possa

finalmente ser possível. Fundamental para isso, destaca José Américo Motta

Pessanha (1985, pp. 1 e 2), foi a derrota dos gregos para a Macedônia, dando início

ao período helenístico, que marca a enorme expansão da cultura grega, ―tornando-se

patrimônio comum a todos os países mediterrâneos‖. No período helenístico há um

progressivo avanço na especialização dos conhecimentos, que ganham cada vez

mais autonomia. Desse processo, surge um novo tipo de intelectual: o especialista

erudito.

Com essa especialização, o conhecimento toma direção nova,

secundarizando o universo político. Esse novo direcionamento caminha para ―a

realização subjetiva e pessoal, que acompanha o ideal de ciência pela ciência‖

(PESSANHA, 1985, P. 2). As éticas que se destacam nesse período da história

procuram o bem individual em uma sabedoria que vise à plenitude da realização

subjetiva; por isso,

[...] as éticas helenísticas – o epicurismo e o estoicismo – partem de uma concepção do universo fundamentada racionalmente. Ao contrário do que propunha o socratismo, epicuristas e estóicos fazem da ciência sobre a natureza das coisas a base para as suas construções morais (PESSANHA, 1985, P. 3).

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Contrapondo-se à fama de Demócrito, Marx enaltece o pensamento de

Epicuro16 ao propor uma inovadora interpretação acerca de sua filosofia da natureza,

que para muitos, como tratou o filosofo alemão, era mera modificação um tanto

quanto arbitrária da filosofia da natureza democritiana, para tanto ele procurou

―demonstrar a existência de uma diferença essencial, estendendo-se até os

pormenores, entre as físicas de Demócrito e de Epicuro [...]‖ (MARX, 1972, p.138). A

filosofia epicurista supera a física de Demócrito em muitos aspectos, em especial,

quando se pode pensar em estendê-la até uma ética.

Todas as opiniões, dos antigos aos modernos, reconhecem a influência de

Demócrito para Epicuro, principalmente no que tange à física. Além disso, consideram

o epicurismo uma cópia mal acabada da filosofia de Demócrito. A essa torrente de

opiniões negativas em relação à filosofia epicurista é que o autor da tese irá se

contrapor, fazendo, muitas vezes, o trabalho de historiador filosófico, ao modo de

Hegel nas suas Lições sobre história da filosofia, em que isola cada sistema, a fim de

depreender as determinações próprias de cada um, bem como os argumentos e as

justificativas dadas por eles. Para Marx (MARX, 1972, p. 115), a historiografia

filosófica não deve aceitar as pretensões de determinado pensamento filosófico

baseando-se apenas na autoridade de um povo e na fé de vários séculos, pois

[...] a prova só pode ser fornecida pela exposição da essência da filosofia a que nos referimos; estes dois aspectos, o essencial e o inessencial, a apresentação e o conteúdo, devem ser separados pelo historiador da filosofia sob pena de, não o fazendo, se limitar a copiar, não tendo já o direito de traduzir e ainda menos o de intervir no debate ou de rasurar, etc. Será apenas o copiador de uma cópia.

Já no prefácio à tese, ele julga ter resolvido um problema de difícil solução

até aquele momento, qual seja o papel periférico ocupado pela filosofia epicurista no

cenário do pensamento antigo, agravado, segundo ele, pelas interpretações de

Plutarco, que realiza uma leitura teologizante de Epicuro, explica: ―entre outras coisas,

não nos preocupamos com a falsidade genérica do ponto de vista de Plutarco quando

arrasta a filosofia para o tribunal da religião a fim de a julgar‖ (MARX, 1972, p. 124).

16

Para uma outra visão acerca da teoria de Epicuro, ver Cornford (1989, cap. 2). Nessa obra, o autor procura investigar as origens do pensamento filosófico grego, bem como seu estatuto de cientificidade. Cornford questiona a cientificidade das observações de Epicuro, acusando-o, inclusive, de dogmático.

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Enredado pelo grande debate de sua época, qual seja a questão da

interferência da religião na vida política, Marx projeta em Epicuro um olhar

inteiramente moderno, que teve nos movimentos Iluministas de um modo geral seus

maiores representantes. Por isso, diz-se que o autor se coloca também como

iluminista em sua tese, defendendo a laicização da vida pública, bem como a

separação entre filosofia e religião.

Não se pode deixar escapar o fato de a questão religiosa ser tema

recorrente nos ciclos hegelianos, em destaque, aqui, a influência de Bruno Bauer por

ser catedrático de teologia e ter uma visão inteiramente radical com relação à religião,

de que é exemplo a obra polêmica, chamada A Trombeta do Juízo Final contra Hegel

Ateu e Anticristo (Die Posaune des Jungsten Gerichts über Hegel den Atheisten und

Antichristen), em 1841, na qual advogava a favor de um Hegel ateu.

Mais do que trazer à luz o verdadeiro valor da filosofia epicurista em

contraponto à glorificada filosofia de Demócrito, o objetivo implícito de Marx com sua

tese era apontar para uma nova conduta frente ao mundo moderno, que passaria pela

mesma situação que o mundo antigo, isto é, o fim de uma Era e início de uma nova

demanda uma consciência renovada.

Segundo Marx, as diferenças gerais entre as duas filosofias se alocam na

redução que Demócrito faz do mundo sensível à aparência, enquanto Epicuro faz

deste mesmo mundo sensível um fenômeno objetivo (MARX, 1972, p. 146). A fim de

clarear a sua posição frente às duas filosofias, cita-se: ―Enquanto Demócrito,

insatisfeito com a filosofia, se lança nos braços do saber empírico, Epicuro despreza

as ciências positivas, pois elas em nada contribuem para a verdadeira perfeição‖

(MARX, 1972, p. 148).

Nesse sentido, os pensamentos de Epicuro e Demócrito são

irreconciliáveis, tendo em vista que tem Demócrito na necessidade o fio condutor da

sua filosofia, e isso, afirma Marx, converte-se em determinismo. No caminho oposto

ao de Demócrito, Epicuro valoriza o acaso e com ele abandona qualquer noção

determinista, abrindo espaço ao reino das possibilidades, como explica (MARX, 1972,

pp. 153 e 154):

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[...] o acaso é uma realidade que só tem valor de possibilidade; mas a possibilidade abstracta é precisamente a antítese da possibilidade real. Esta última é limitada rigorosamente, tal como o entendimento; e a primeira é ilimitada, tal como a imaginação. A possibilidade real procura basear a necessidade e a realidade efetiva do seu objeto; a possibilidade abstrata não se ocupa do objeto que é explicado mas sim do assunto que explica. O objeto deve ser apenas possível, pensável. O que é possível de acordo com a possibilidade abstrata, o que pode ser pensado, não se ergue como obstáculo no caminho do sujeito pensante, não constitui para ele uma limitação ou uma dificuldade.

É interessante ressaltar a atitude do autor frente à filosofia clássica, pois a

sua rejeição ao determinismo democritiano e sua escolha pelo reino de possibilidades

pensáveis do epicurismo é algo que o acompanhará ao longo de todo seu percurso

intelectual. Na sua obra maior, O Capital: crítica da economia política, ele rejeita as

leis imutáveis do Capitalismo, insistindo no caráter histórico dos modos de produção.

Mas para que não se incorra no erro de ser anacrônico, ou seja, de creditar

características de determinada época a outro tempo histórico. Saliente-se que as

motivações de Marx ao escolher o epicurismo foram de um liberalismo democrático,

que defendia as potencialidades dos sujeitos, embora não isolados, mas conscientes

em si.

Em seus cadernos de estudo sobre a filosofia epicurista, o escritor alemão

vê a grandeza desse pensador grego no fato de não estabelecer nenhuma prioridade

sobre as representações, pois para ele (MARX, 1972, p. 16),

[...] o princípio da filosofia consiste em demonstrar que o mundo e o pensamento são pensáveis, isto é, possíveis; e a prova que nos fornece, o princípio de que parte e ao qual volta, é ainda a possibilidade no seu ser para si, cuja expressão natural é o átomo e cuja expressão espiritual é o acaso e o arbítrio.

Além disso, ele é o primeiro a negar (1972, p. 24)

[...] a filosofia antiga de uma forma muito mais rigorosa do que os cépticos. [...] A antiguidade procurava suas raízes na natureza, no substancial; a sua degradação, a sua profanação, é a marca profunda da ruptura da vida substancial virgem. O mundo moderno procura-se no espírito e pode facilmente desembaraçar-se do seu Outro, da natureza (p.24).

Marx considera Epicuro, dentre todos os filósofos gregos, o maior dos

filósofos das luzes (MARX, 1972, p.214). O epicurismo é, das filosofias antigas, a que

mais se aproxima do pensamento moderno, como já foi mencionado, pois traz em seu

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bojo a preocupação com a ―liberdade da consciência‖. Os antigos estavam presos aos

limites da natureza, todas as suas ações eram determinadas por condições naturais,

enquanto os modernos, livres das limitações de ordem natural, tem como pressuposto

filosófico a ação do espírito.

Nesse ponto, eleva-se a discussão em torno da inovação engendrada pelo

pensamento desse filósofo grego em torno do atomismo, no qual ele concebe a

possibilidade de haver um desvio do átomo (clinamen atomi). Até então, a teoria

atomista não admitia a possibilidade de haver desvios na linha reta traçada pelos

átomos dentro do seu movimento, o que tornava a teoria teleológica e determinista.

Contudo, com o clinamen atomi, Epicuro assegurou a existência de momentos em

que se rompe com o determinismo e o novo surge na forma de múltiplas

possibilidades de desvio do átomo, somente a partir dele pode surgir o movimento

autônomo.

Sobre o desvio da linha reta, explica Pessanha (1985, p. 7):

Afastando-se do rígido mecanismo da física dos primeiros atomistas, Epicuro introduz então a noção de "desvio" (clinamen): sem nenhuma razão mecânica, os átomos, em qualquer momento de suas trajetórias verticais, podem se desviar e se chocar. O clinamen aparece, assim, como a introdução do arbítrio e do imponderável num jogo de forças estritamente mecânico: é a ruptura da necessidade, no plano da física, para acolher a contingência.

O desvio da linha reta funciona, na ética epicurista, como a possibilidade

de saída do universo de coisas comandadas pelo fatalismo e pela necessidade

mecânica. Nesse sentido é que Marx considera Epicuro um esclarecido, pois, a partir

da doutrina do clinamen, ele lança sob o mundo grego um pensamento que trata da

espontaneidade da alma, da autonomia da vontade e da liberdade humana.

O clinamen atomi constitui uma das mais ―profundas consequências da

filosofia epicurista‖, destaca Marx, que ainda diz (MARX, 1972, p. 75):

O átomo desvia-se do seu pressuposto, foge à sua natureza qualitativa e demonstra assim que esse acto de fuga, esse ser-fechado-sobre-si privado de pressuposto e de conteúdo, é a forma como aparece a sua qualidade própria [...].

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O desvio do átomo constitui algo completamente indeterminado, aberto às

inúmeras possibilidades, pode-se dizer, ao acaso – categoria soberana para os

epicuristas –, não há lugar nem tempo determinado para acontecer, ―é antes a alma

do átomo‖ (MARX, 1972, p.77). Contradizendo toda a ideia de revolução aceita pelos

antigos, qual seja a de que tudo volta ao seu início, nada muda, a aceitação dos

desvios ocasionais da linha reta afasta as noções de destino e providência, abrindo

espaço ao novo, o princípio da esperança se projeta sobre o presente e se estende

até o futuro, que é reino de possibilidades.

Marx, no entanto, convencido da superioridade do pensamento idealista17,

não encara o ―desvio da linha reta‖ enquanto possibilidade empírica, mas tão somente

enquanto possibilidade filosófica, momentos em que as grandes filosofias são

geradas. Os desvios são pontos nodais em que a filosofia se eleva ao mundo

concreto. A filosofia é, para ele, o demiurgo do real, diz (MARX, 1972, p. 85 e 86)

[...] há igualmente alguns momentos em que a filosofia volta o seu olhar para o mundo exterior, deixa de procurar concebê-lo e, por assim dizer, como se fosse uma pessoa em carne e osso, faz intrigas com ele, saindo do reino transparente do Amânti para se lançar nos braços da sereia do mundo. É a época carnavalesca da filosofia. (grifo do autor)

Além disso, entende a filosofia como anunciadora do mundo exterior, a

antecipação da própria realidade, que cinde este mesmo mundo e fragmenta-o, afinal,

As harpas normais deixam ouvir os seus sons quando qualquer mão lhes toca; mas as harpas eólicas só tocam quando sentem a tempestade. Não nos deixemos enganar pelo tufão que se segue a uma grande filosofia, a uma

filosofia do mundo (MARX, 1972, p. 87).

17

Ao dedicar sua tese de doutoramento ao seu sogro, Ludwig von Westphalen, Marx deixa transparecer todo seu afã idealista, pois diz: ―Possam todos aqueles que duvidam da ideia ter, como eu, a felicidade de admirar um ancião cheio de força juvenil, que saúda cada progresso com o entusiasmo e a prudência que caracterizam o amor à verdade e que, imbuído desse idealismo profundamente seguro e luminoso que conhece a verdade e perante o qual comparecem todos os espíritos do mundo, nunca recuou frente às sombras dos fantasmas retrógrados [...] mas que, com uma energia divina e um olhar resoluto, nunca deixou de contemplar o empíreo que, apesar dos seus disfarces, arde no coração do mundo. Vós, meu paternal amigo, fostes sempre para mim um vivo argumentum ad oculos de que o idealismo não é uma ficção mas sim uma verdade‖ (MARX, 1972, p. 121).

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58

E continua, ―as épocas que sucedem a uma filosofia total e às suas formas

de desenvolvimento subjectivas são titânicas, pois a dissensão que constitui a

unidade é gigantesca‖ (MARX, 1972, p.88).

Note-se que, embora idealista, não foge a Marx a possibilidade da filosofia

se tornar prática, tornar-se mundana, pois ao que parece a filosofia da ação, iniciada

por Cieszkowski e desenvolvida por Moses Hess, entra no seu horizonte. Em suas

palavras: ―é a época carnavalesca da filosofia‖.

O que aproxima precisamente Epicuro é a independência que o filosofo

grego concebe ao sujeito pensante, que pode determinar-se a partir da auto-

consciência de si, pode ser livre no pensamento, explica (MARX, 1972, p. 116):

Quando consideramos a natureza como sendo racional, termina a nossa dependência relativamente a ela. Deixa de ser um sujeito de medo para a nossa consciência; ora é justamente Epicuro que faz da forma da consciência na sua imediaticidade (o ser para si), a forma da natureza. Só quando a natureza é deixada totalmente livre da razão consciente e é considerada no interior de si mesma como razão, é que é totalmente possuída por ela. Qualquer relação com a natureza, enquanto tal é simultaneamente um ser alienado dessa natureza.

Compreenda-se bem isto, o autor vê no epicurismo a filosofia mais

moderna dentre as filosofias antigas. Como gostava de dizer o jovem candidato ao

título de doutor, Epicuro foi o maior Aufklärer grego. Nos contornos modernos do

filósofo, Marx encontra a negação do misticismo e do obscurantismo das crenças

religiosas, a noção de clinamen atomi, bem como a auto-consciência conquistada

pelos sujeitos, que então passam a ter consciência de si no mundo.

Longe de ficarem isoladas no percurso do jovem alemão, as ideias da sua

tese ganharam projeção nos seus escritos jornalísticos dos anos subsequentes,

período que se passará a analisar, considerando a sua posição frente ao Estado e ao

Direito. O próximo capítulo trará apontamentos acerca das suas posições em relação

ao Estado, seguindo, no capítulo terceiro do presente trabalho, igualmente de breves

apontamentos da noção de Direito que percorre alguns de seus artigos periodísticos.

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3 O ESTADO COMO LIVRE COMUNIDADE DE HOMENS ÉTICOS NOS ARTIGOS

SOBRE A LIBERDADE DE IMPRENSA

Neste capítulo, pretende-se abordar o início das atividades políticas de Karl

Marx enquanto jornalista, delimitando suas posições críticas em relação ao Estado

prussiano, que vinha adotando medidas cada vez mais autoritárias e absolutizantes.

Os argumentos utilizados pelo autor estão bem determinados nos artigos que ele

escreve sobre a liberdade de imprensa na defesa do periodismo político na

Alemanha.

O presente capítulo está seccionado em três partes: na primeira, trabalha-

se com a noção de Aufklärung, a fim de situar o pensamento marxiano como herdeiro

do movimento iluminista alemão, fazendo parte dos jovens hegelianos de esquerda e

compartilhando os ideais de um idealismo ativo, que vê na razão toda sua

positividade capaz de emancipar os seres humanos e fazer do mundo um reino de

liberdade. Ainda nessa primeira secção, trata-se da cultura periodista alemã, que tem

início na última fase do Aufklärung, com a ―filosofia popular‖. Reconhecer que tanto o

jornalista alemão quanto toda sua geração foi herdeira do esclarecimento não quer

dizer que se limitem aos debates dessa fase anterior.

A segunda secção já se relaciona diretamente com os textos periodísticos,

nos quais se critica as medidas repressivas do Estado prussiano em relação aos

órgãos de imprensa. Os textos analisados serão: “Observações sobre a recente

instrução prussiana acerca da censura” (escrito entre 15 de janeiro e 10 de fevereiro

de 1842, com ele Marx inicia suas atividades políticas como periodista) e “A VI Dieta

Renana: os debates sobre a liberdade de imprensa e acerca da publicação dos

debates” (publicado entre 5 – 19 de maio de 1842). O primeiro artigo, escrito para o

Anekdota, marca a ruptura de Marx com as expectativas liberalizantes do governo de

Frederico Guilherme IV. Nesse texto, ele denuncia as medidas reacionárias do Estado

prussiano, que aumenta a censura sobre a imprensa alemã, impedindo-a de exercer

livremente a sua função. No segundo artigo dessa secção, são inauguradas as

contribuições na Gazeta Renana, em que ele, atuando como observador histórico,

disseca a anatomia estamental da VI Dieta Renana, mostrando a difícil tarefa de se

defender os ideais liberais e democráticos na Alemanha.

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A terceira secção, que ainda se relaciona com a liberdade de imprensa,

tem como foco o artigo intitulado O edital de número 179 da “Gazeta de Colônia”,

publicado entre 10 e 14 de julho de 1842, nas edições de número 191, 193 e 195 da

Gazeta Renana. Nesse artigo, Marx critica a posição do editor da Gazeta de Colônia,

Sr. Hermes, que defendia a censura dos órgãos de imprensa para que eles não

abordassem temas ―tão sérios‖, como é a questão religiosa. Defendendo a liberdade

de imprensa, o jornalista alemão encaminha sua argumentação nos rumos do Estado

racional, que é autônomo em relação à religião. Relevante também é a reflexão

desenvolvida por ele sobre a filosofia que se tornando mundana torna-se inteiramente

compatível de ser tratada pelos periódicos.

Tem-se, pois, caro leitor, a topografia do capítulo segundo18.

3.1 O AUFKLÄRUNG E A TRADIÇÃO PERIODISTICA ALEMÃ

A fim de introduzir os debates travados por Marx enquanto jornalista

político, é necessária uma breve incursão sobre o pensamento iluminista alemão

(Aufklärung), que acabou, em última instância, popularizando os debates filosóficos

via periódicos e revistas. Entende-se também que o pensamento marxiano toca em

vários pontos nas proposições do Aufklärung, principalmente no que tange à defesa

de instituições políticas racionais e livres, à crítica empreendida contra o antigo

regime e à exigência de tolerância religiosa.

Atestando a filiação do autor a vertentes do Aufklärung, encontra-se nos

seus escritos desse período, como salienta Chasim (2009, p. 49), uma determinação

ontopositiva da politicidade. Argumenta o filósofo brasileiro:

18

A primeira dificuldade que se enfrentou ao estabelecer os objetivos deste trabalho foi de encontrar a tradução em língua portuguesa, contudo tudo que se viu foram traduções mal editadas e fragmentadas dos textos desse período. Por isso, diante das traduções precárias dos escritos de Karl Marx nesse período pré-1843, optou-se por utilizar a tradução já clássica de Wenceslao Roces da Fondo de Cultura Económica, que, seguindo as edições da Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA), procura publicar em língua hispânica a partir dos textos originais em alemão as obras fundamentais de Marx e Engels.

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Marx é um adepto exímio da vertente – clássica e de origem tão remota quanto a filosofia – que identifica na política e no Estado a própria realização do humano e de sua racionalidade. Vertente para a qual Estado e Liberdade ou universalidade, civilização ou hominização se manifestam em determinações recíprocas, de tal forma que a politicidade é tomada como predicado intrínseco ao ser social e, nessa condição – enquanto atributo eterno da sociabilidade – reiterada sob modos diversos que, de uma ou de outra maneira, a conduziram à plenitude da estatização verdadeira na modernidade. Politicidade como qualidade perene, positivamente indissociável da autêntica entificação humana, portanto, constitutiva do gênero, de sorte que orgânica e essencial em todas as suas atualizações.

A posição de Marx, contudo, não é de um encantamento cego pelo Estado

e suas instituições, afinal o que é racional é efetivo; o critério utilizado para julgar o

real é a própria razão, delineadora de instituições positivas. Nos artigos sobre a Dieta

Renana, por exemplo, ele ―descobre já uma contradição entre essa concepção ideal

de Estado e o facto de os ‗Stände‘ representados na Dieta provincial da Renânia se

esforçarem por ‗degradar o Estado à ideia do interesse privado‘‖ (MANDEL, 1978, p.

12). E mais, diz Mandel (1978, p. 12), ―o Estado que deveria ser a incarnação [sic] do

‗interesse geral‘, parece agir apenas no interesse da propriedade privada e, para fazê-

lo, viola não apenas a lógica do direito, mas ainda princípios humanos evidentes‖. Nas

suas funções como jornalista, ele é levado constantemente a conflitar suas ideias

filosóficas com a realidade material do mundo.

O Aufklärung é parte de um movimento mais amplo que ocorria na Europa

desde meados do século XVII com o Iluminismo inglês19, posteriormente

acompanhado pelo Iluminismo francês20, assuntos os quais não serão

detalhadamente tratados neste trabalho21. Sobre o primeiro, destaca-se a pergunta

feita pela revista Berlinische Monatsschift, qual seja ―O que é o esclarecimento

[Aufklärung]?”. A partir dessa indagação, vários intelectuais alemães22 se propuseram

a formular uma resposta satisfatória. Destaquem-se, aqui, as tentativas clássicas de

Moses Mendelssohn (1753 – 1804) e Immanuel Kant (1724 – 1804).

19

Ver mais em: SINA, Mario. O iluminismo inglês. In.; ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. 4ª edição. São Paulo: Loyola, 2006.

20 Ver mais em: SINA, Mario. O iluminismo francês. In.; ROVIGHI, Sofia Vanni. História da filosofia moderna: da revolução científica a Hegel. 4ª edição. São Paulo: Loyola, 2006.

21 Sobre os aspectos gerais do pensamento iluminista, ver mais em: CASSIRER, Ernst. A filosofia do iluminismo. São Paulo: Editora da Unicamp: 1992.

22 Respondendo à mesma pergunta, ―O que é o Iluminismo?‖, destacam-se os seguintes textos: Uma carta sobre o iluminismo de Hamann (1989), Seis perguntas sobre o iluminismo de Wieland (1989), O iluminismo é uma necessidade do entendimento humano de Riem (1989) e Sobre a verdade de Lessing (1989).

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O primeiro, Mendelssohn, argumenta que o esclarecimento (Aufklärung),

assim como educação (Bildung) e cultura (Kultur) ―são modificações da vida social;

efeitos do trabalho (Fleißes) e do esforço (Bemühungen) dos homens para melhorar a

situação social‖ (1989, p. 11). Os homens agem e por meio desse agir modificam seu

meio social para melhor. A marca desse pensamento é a crença no progresso, bem

como a fé na razão.

Mendelssohn prossegue dizendo: ―quanto mais se põe em harmonia a

situação social de um povo, por meio da arte [Kunst] e do trabalho, com o destino

[Bestimmung] humano, tanto mais educação tem este povo‖ (1989, p. 11). Marco

Paolinelli (2006, p. 430) assim sintetiza o seu pensamento: ―quanto mais avançado é

o iluminismo, mais o homem se aproxima historicamente do ideal de homem e de

sociedade plenamente humana‖.

Precisamente, para Mendelssohn, a educação (Bildung) é composta por

cultura (Kultur) e esclarecimento (Aufklärung), em que a primeira se liga ao lado mais

prático do agir humano, enquanto o segundo se refere ao aspecto teórico desse agir.

O nível de esclarecimento de uma sociedade pode ser medido pela habilidade que

essa sociedade tem de, por meio do conhecimento racional, refletir razoavelmente

acerca da vida humana, dirigindo tal reflexão para a concreção do destino humano,

que segundo ele, pode ser dividido em dois: o destino do homem como homem

(Mensch) e o destino do homem como cidadão (Bürger). Cinde-se a humanidade em

dois momentos, destacando para cada um desses momentos uma tipologia de

esclarecimento, pois, diz ele (1989, p. 13): ―o esclarecimento que se interessa para o

homem como tal é universal, não havendo distinção entre as diferentes posições

sociais; o esclarecimento [do cidadão] se modifica conforme o nível social e a

profissão‖.

O mau uso do esclarecimento, isto é, do conhecimento racional, pode levar

à debilidade moral (moralische Gefühl), ao egoísmo (Egoismus), à irreligião (Irreligion)

e, por fim, à anarquia (Anarchie). O Estado é um componente importante para o

esclarecimento, pois atua como garantidor da sociabilidade humana, permitindo o

desenvolvimento do homem enquanto cidadão, determinando seus direitos e deveres.

Ainda sobre o Estado, diz Mendelssohn (1989, p. 14):

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Infeliz é o Estado que tem que confessar que nele o destino humano essencial não se harmoniza com o destino essencial do cidadão, ou seja, que nele o esclarecimento – imprescindível para a humanidade – não pode levar por todas as camadas sociais [Stände] do Império, sem correr o risco de que a sua constituição [Verfassung] venha abaixo.

A segunda resposta ao questionamento posto pela Berlinische Monatsschift

a ser destacado é a de Immanuel Kant, talvez a mais conhecida, pois seu texto tem a

força de sintetizar em poucas páginas o que foi o Aufklärung, intitulando-se Resposta

à pergunta: o que é o esclarecimento?, escrito em 5 de dezembro de 1783, isto é,

dois anos depois da publicação da primeira de suas três críticas23, A crítica da Razão

Pura (1781).

Nas primeiras linhas de sua resposta, Kant diz que o esclarecimento é a

saída do homem da sua menor idade (Unmündigkeit) da razão, pela qual ele mesmo

é responsável. Por menor idade, ele compreende como sendo a incapacidade do

homem de se servir do próprio entendimento (Verstandes), sendo guia da sua própria

vida (1989, p. 17). Aquele que não tem capacidade de trilhar seu próprio caminho,

arcando, inclusive, com as consequências das suas escolhas – princípio da

responsabilidade –, encontra-se na menor idade da razão. Embora nem todos o

façam, é vocação de todo homem pensar por si, usando para isso sua própria razão.

A autoconsciencialidade, tão marcante em Marx, tem lugar marcante na filosofia

kantiana.

O mais importante para o esclarecimento é a liberdade, sobretudo ―a

liberdade de fazer sempre e em todo lugar o uso público da própria razão‖ (KANT,

1989, p. 19), contudo, constantemente se escuta, acrescenta ele (1989, p. 19): ―Não

raciocines! O oficial diz: Não raciocines, adestra-te! O funcionário da fazenda diz: Não

raciocines, pague! O sacerdote: Não raciocines, tenha fé! (Somente um senhor no

mundo diz: raciocine tudo que queira e sobre o que queira, mas obedeça)‖. Por toda

parte se encontrará limitações à liberdade, mas há uma limitação em especial que

impede o esclarecimento, essa limitação é a do uso público da razão, que deve ser

sempre livre.

23

Sobre as três críticas kantiana, ver mais em: FERRY, Luc. Kant: uma leitura das três ―críticas‖. Rio de Janeiro: Difel, 2009.

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A Alemanha, diz Kant, ainda não pode ser considerada uma sociedade

esclarecida, mas se encontra em amplo processo de esclarecimento, defende ele.

Corrobora amplamente com o esclarecimento o fato de se viver no século de

Frederico, sobre ele diz (KANT, 1989, p. 24):

Um príncipe que não acha indigno de si declarar que considera como um dever não prescrever nada aos homens em matéria de religião, deixando-lhes em plena liberdade, inclusive rechaça o pretencioso nome de tolerância, é um príncipe esclarecido, e merece que o mundo e a posteridade o exalte com agradecimento.

Vale menção à obra Frederico, o Grande, e seus Adversários de Karl

Friedrich Köppen, pensador que exerceu forte influência sobre Marx no tempo em que

esteve Berlim. Köppen, que dedicou a referida obra a este último, exalta nela

Frederico como o rei filósofo, grande representante do Aufklärung, retrato bastante

idealizado, como destaca Mclellan (1977, p. 29). Contudo, como se pode averiguar no

texto de Kant, essa era a imagem mais comum que se pululava entre os pensadores

da época. Köppen diz (apud. Mclellan, 1977, p. 29) em tom grandiloquente que: ―no

permanecen los cielos con más seguridad sobre los hombros de Atlas, que Prusia

sobre el desarrollo, adaptado a las necesidades de nuestro tiempo, de los principios

de Federico el Grande‖.

Um Estado racional é o que deseja Kant para a Alemanha. Esse também é

o desejo de Marx no período em que escreve os artigos para a Gazeta Renana; um

Estado guiado pela razão, onde as liberdades públicas sejam respeitadas e mais, seja

dever do Estado respeitá-las.

Kant, por fim, estabelece três máximas que pretendem guiar o ser humano

pelos caminhos do esclarecimento, são elas: 1. Pensar por si mesmo; 2. Pensar no

lugar de cada um; 3. Pensar sempre de acordo consigo mesmo. A primeira, diz ele, é

a máxima do modo de pensar livre de prejuízos ou do entendimento, enquanto a

segunda é a máxima do extensivo ou do juízo, já a terceira é a do pensar

consequente ou da razão. Esta última é mais difícil de alcançar, pois para tanto é

preciso unir as duas primeiras, aplicando-as com habilidade.

Acerca dos pretensos antimetaficismo, anti-religiosidade e anti-historicismo

do pensamento iluminista, é importante destacar que, se já não são adequados para o

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iluminismo francês e inglês, em se tratando do Aufklärung a inadequação é completa.

Observe-se o exemplo da questão religiosa, destaca Paolinelli (2006, p. 431),

[...] o que acontece é uma progressiva secularização, entendida como atitude pela qual se deseja uma investigação sobre as leis próprias do mundo natural e humano que tenha menos pressa em lançar mão dos atributos divinos, ou da imediata intervenção divina na criação, para explicar seus princípios.

No que tange à periodização do iluminismo alemão, aqui tratado por

Aufklärung, tem seu início em 1690 (quando C. Thomasius começa a lecionar em

Halle) e final em 1781 (data da publicação da Crítica da Razão Pura de I. Kant). Os

locais onde se difundia o pensamento iluminista na Alemanha passam por

modificações. As Universidades se destacavam como principal centro de elaboração

filosófico-cultural, o que difere o caso alemão dos tradicionais ingleses e franceses;

posteriormente, somaram-se aos polos universitários a Academia Real de Ciências de

Berlim24, onde se poderiam encontrar pensadores do porte de Lambert, Mendelssohn

e Lessing. Este último deu nome à segunda fase do iluminismo alemão, Era Lessing.

Depois de passar pelas universidades e pela Academia de Berlim, o Aufklärung ganha

impulsos mais populares, passando a centro difusor do pensamento os periódicos

eruditos e as ―revistas morais‖.

No final do século XVII, irrompe na Alemanha um processo de difusão do

pensamento filosófico por meio da imprensa periódica, processo que se combina com

o auge da ―filosofia popular‖ ou ―de divulgação‖ (Populärphilosophie) de Mendelssohn.

Por meio da imprensa se busca alcançar um público cada vez maior, no qual o

pensamento do Aufklärung possa agir positivamente. Nesses jornais eruditos, o

esclarecimento era abordado entrelaçado com os mais variados temas, ―ligados à

vida cotidiana, e temas relativos à moral, à religião, à estética, sem intenção de

aprofundamento especulativo, mas com fins claramente pedagógicos‖ (PAOLINELLI,

2006, p. 470).

24

A Academia Real de Ciências de Berlim foi uma reformulação da antiga Sociedade das Ciências, fundada em Berlim em 1700 por decreto de Frederico III de Brandenburgo (depois Frederico I, rei da Prússia). A reformulação ficou a cargo do rei filósofo, Frederico II, que desejava ver Wolff e Maupertius na direção da Academia, contudo, diante da recusa do primeiro, que preferiu voltar a lecionar em Halle, apenas o segundo presidiu a aludida Academia.

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Na crítica ao Editorial escrito por Hermes na Gazeta de Colônia, Marx

expõe sua opinião acerca de qual deve ser a relação da filosofia com o periodismo.

Aquele defendia a ideia oficial de que os jornais não deveriam travar debates

filosóficos, pois não eram os veículos adequados para esse nível de questão.

Enquanto este, aproximando-se da noção iluminista de publicização e popularização

da filosofia, que ganha contornos radicais na filosofia da ação de Cieszkowski e

Moses Hess, defende a total compatibilidade dos temas filosóficos com a atividade

desenvolvida nos jornais.

A filosofia alemã isolada nos seus sistemas e ―apaixonada pela auto-

contemplação‖ é um objeto estranho para os jornais, que tem como característica

fundamental a imediaticidade e o caráter prático, ―a filosofia nunca deu o primeiro

passo para trocar a sua ascética veste sacerdotal pela leve veste convencional dos

jornais‖ (MARX, 1982, p.230). E diz (1982, p.230):

A filosofia, entendida no seu desenvolvimento sistemático, é anti-popular; o seu tecer secreto, no próprio íntimo, aparece aos olhos profanos como um histérico esforço sem praticidade; ela se assemelha a um professor das artes mágicas, cujos exorcismos parecem solenes porque não se os entende.

No entanto, o mundo mudou e a filosofia, que não está fora do mundo,

também passa por alterações, afinal ―os filósofos não crescem da terra como fungos,

são fruto de seu tempo e de seu povo, cuja seiva mais sutil, invisível e preciosa flui

nas ideias filosóficas‖ (MARX, 1982, p.230). A face mundana da filosofia se revela ao

passo que o espírito do mundo passa por ela, essa é a visão do autor, que diz:

[...] o mesmo espírito que com as mãos da indústria constrói as ferrovias, constrói nos cérebros dos filósofos os sistemas filosóficos. A filosofia não está fora do mundo, assim como o cérebro não está fora do homem por não se encontrar no estômago (1982, p. 230).

Inspirado na filosofia da ação, Marx anuncia o contato e o intercâmbio entre

a filosofia e o mundo real de seu tempo, o que não se dá apenas de um modo

interiorizado, mas na exterioridade é que a ―filosofia se torna mundana‖ enquanto ―o

mundo torna-se filosófico‖.

Nos mais obscuros jornais da Alemanha, mesmo nesses, via-se ecoar

Hegel, Schelling, Feuerbach, Bauer, etc. A filosofia entra nas redações dos jornais e

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imprime um novo padrão de crítica, pois fala sempre de modo diverso sobre objetos

filosóficos e religiosos. Sobre a maneira particular da filosofia tratar seus objetos, diz

Marx (1982, p. 232):

Vós falais sem estudo, e ela fala com estudo. Vós vos voltais à paixão, e ela volta-se à razão. Vós amaldiçoais, e ela ensina. Vós exigis a fé nos vossos resultados, ela não exige fé nos seus, mas que se examine a dúvida. Vós assustais, e ela acalma. E, em verdade, a filosofia é atilada o suficiente para saber que os seus resultados não lisonjeiam nem a sensualidade nem o egoísmo do mundo celeste ou do mundo terreno [...].

Portanto, não se deve perguntar mais se as questões filosóficas devem ser

debatidas nos jornais, pois se interessam ao público como questões jornalísticas é

sinal de que são questões da época. Qualquer restrição no tratamento de questões

filosóficas pela imprensa se torna uma questão de liberdade de imprensa, ou seja, se

ela deve ser livre e cuidar das questões reais do povo.

3.2 KARL MARX: UM PERIODISTA EM DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA

Neste tópico, como dito antes, pretende-se expor as posições de Marx em

relação ao Estado e ao Direito a partir da análise dos seus artigos que abordam os

problemas com a Censura prussiana. Em defesa do ―uso público da razão‖, que tem

na imprensa livre seu grande veículo, irrompem as críticas ao Estado prussiano, bem

como ao governo de Frederico Guilherme IV, no poder desde 1840.

Em 1842, entre os meses de janeiro e maio, Marx escreveu dois artigos

cuja temática principal era a defesa da liberdade de imprensa frente ao crescente

autoritarismo prussiano. Os artigos relacionados à liberdade de imprensa são:

“Observações sobre a recente instrução prussiana acerca da censura” (escrito entre

15 de janeiro e 10 de fevereiro de 1842, com ele Marx inicia suas atividades políticas

como periodista) e “A VI Dieta Renana: os debates sobre a liberdade de imprensa e

acerca da publicação dos debates” (publicado entre 5 – 19 de maio de 1842)

O marco do início das atividades jornalísticas de Marx, em 1842, é o artigo

publicado, em fins de janeiro, no Anekdota zur neuesten deutschen Philosophie und

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Publizístík (daqui em diante apenas Anekdota), revista de Arnold Ruge, na qual,

inclusive, redigiu seu primeiro artigo de intervenção política, as “Observações sobre a

recente instrução prussiana acerca da censura”, que será analisada em seus

pormenores mais à frente.

Lutero, árbitro entre Strauss e Feuerbach é o título do artigo inaugural da

sua carreira jornalística, nesse pequeno artigo, assinado como ―Kein Berliner‖25, Marx

adota posição contrária aos artigos desses autores dos ―Anais alemães de Ciência e

de Arte‖, argumentando que Strauss aborda o problema do milagre como um teólogo,

portanto sem liberdade; enquanto Feuerbach o faz à margem da teologia, isto é,

livremente. O primeiro, diz o jovem periodista, ―ve las cosas tal y como se manifiestan

a los ojos de la filosofía especulativa‖, já Feuerbach, ―las ve tal y como son‖ (MARX,

1982, p. 147).

Marx, demonstrando certa indisposição teórica com determinada filosofia

especulativa e mais ainda com a teologia, influenciado sobretudo por Bauer, coloca-

se favorável a Feuerbach26, que, segundo ele, traz em sua obra, ―A essência do

cristianismo‖, as definições de Providência, de Onipotência, de Criação, de Milagre e

de Fé. Por isso, aos teólogos e filósofos especulativos cabe passar, necessariamente,

por Feuerbach, a fim de descobrir a verdade e a liberdade, pois ele ―es el purgatorio

de nuestro tiempo‖ (MARX, 1982, p. 148).

Tomando parte pelo ateísmo de Feuerbach27, como destaca Maximilien

Rubel (1991, p. 20), Marx dirige os primeiros ataques à filosofia especulativa, que se

25

Karl Marx prefere assinar este artigo como ―Não berlinense‖, pois pretende com ele contrapor os artigos publicados na revista hegeliana ―Anais alemães de Ciência e de Arte‖, os quais eram assinados também por pseudônimos, ―Um berlinense‖ e ―Outro berlinense‖.

26 Sobre as influências de Feuerbach sobre o pensamento de Marx, ver mais em: BUONOMO, Maria Teresa. Considerações acerca da influência de Feuerbach sobre Marx e da crítica de Marx a Feuerbach. In.: CHAGAS, Eduardo; REDYSON, Deyve (ORG.). Ludiwig Feuerbach: filosofia, religião e natureza. São Leopoldo: Editora Nova Harmonia, 2011.

27 Para uma visão mais profunda da temática, tanto do suposto ateísmo de Feurbach quanto da relação entre o marxismo e a religião, recomenda-se ao leitor a obra de Ernst Bloch (1980, pp. 92 – 102). Bloch distingue três espécies de ateísmo: ateísmo vulgar, ateísmo burguês e uma espécie de ateísmo humanista. O primeiro, muito comum entre os marxistas, caracteriza-se por confundir igreja e religião, isto é, por acreditar que a religião instrumentalizada pela igreja é o mesmo que religiosidade; acaba por condenar a religião como sendo única e exclusivamente o ―ópio do povo‖. Já o ateísmo burguês costuma contrapor a religião à razão, considerando a religião como sendo simplesmente uma falsa consciência da realidade, outorgando à razão o monopólio da verdade. Outra alternativa de ateísmo, completamente diversa das primeiras, é a de um ateísmo religioso (ou humanista) onde a religião é encarada a partir da antropologia radicalizada, na qual a religião também constitui um campo de batalha importante. O ateísmo humanista revoluciona as perspectivas religiosas, vislumbrando seus potenciais emancipatórios.

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tornarão cada vez mais frequentes ao longo do seu percurso intelectual. Como

defende José Chasin (2009), criticando a ideia de amálgama originário28, entre os

anos de 1843 e 1845, pode-se perceber, diz ele, o desabrochar de um pensamento

originário29 em Marx, tal pensamento, então, até se enformar no que se conhece,

genericamente, por marxismo, passou por três momentos ou três críticas ontológicas:

crítica ontológica à filosofia especulativa, crítica ontológica à politicidade e crítica

ontológica à economia política. No caso dos escritos que são objeto desse trabalho,

antes de 1843 o pensamento marxiano era influenciado por um amplo espectro de

correntes do pensamento, portanto não se pode atribuir ainda a ele nenhuma

originalidade.

Contudo, vê-se como fundamental demarcar nesse artigo do Anekdota

(Lutero, arbitro entre Strauss e Feuerbach) os primeiros lampejos críticos de Marx à

especulação, pois se referindo aos novos filósofos, diz que eles deveriam se desfazer

dos conceitos e de todos os preconceitos entabulados pela filosofia especulativa

anterior. Essas faíscas de uma crítica à especulação levarão alguns anos para se

transformar num verdadeiro incêndio.

O mais significativo desse início é o artigo “Observações sobre a recente

Instrução prussiana sobre a censura”, escrito em 1842, entre 15 de janeiro e 10 de

fevereiro, publicado também no Anekdota. Nesse artigo, como ficará claro, ele

desvela o caráter autoritário do Estado prussiano, que busca adornar, por meio da

Instrução, em tons liberais a censura sistemática que existe desde 1819, quando foi

aprovado o Édito de censura.

Ao assumir o trono prussiano, em 1840, passados exatamente um século

da coroação do rei-filósofo Frederico II, Frederico IV renova as esperanças

liberalizantes da intelectualidade alemã – sobretudo, dos jovens hegelianos –, assim

28

O amálgama originário é como José Chasin nomeia as inúmeras teorias que ao formular sobre o que é o pensamento de Marx acabam por reduzi-lo a um simples amálgama da filosofia especulativa alemã, do pensamento político francês e da economia política inglesa. Procedem assim, segundo Chasim, tanto Lênin quanto Kautsky, para citar apenas dois.

29 O pensamento originário de Karl Marx teria início com a Crítica da filosofia do direito de Hegel publicada em 1843, seguida da obra Sobre a questão judaica e Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução, ambas publicadas nos Anais Franco-alemães de 1844. Essas obras marcam a ruptura de Marx com a filosofia especulativa de Hegel, assim como também a crítica de Marx à politicidade, esta não será mais encarada por ele na positividade, adotando uma visão ontologicamente negativa da política. Por fim, fechando o tecer do seu pensamento originário, em 1844, Marx inicia a terceira crítica ontológica, qual seja a crítica da economia política, que se inicia nos Manuscritos Econômico-filosóficos.

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como também da burguesia tedesca, que no início aprovou seu governo, como diz

Mclellan (1977, p. 55):

[…] cierto que el nuevo rey compartía con la burguesía un odio hacia la burocracia regimentada: su ideal era un gobierno paternalista. Estaba de acuerdo con la pretensión de la burguesía en cuanto a ésta expresara sus opiniones en el Parlamento y la prensa […].

A burguesia, inclusive, aceitou como necessárias as Instruções sobre a

censura, aprovadas em 24 de dezembro de 1841, duramente criticadas por Marx no

artigo que agora se analisa. A esperança era que no seu reinado as instituições

político-jurídicas se modernizassem, realizando reformas constitucionais e a

unificação da Alemanha.

Todavia, foram por água abaixo tais esperanças de um governo liberal,

democrático e modernizador, diante das primeiras medidas reacionárias de Frederico

Guilherme IV, assim sintetizadas por Enderle (2005, p. 11):

[Houve a] substituição, como Ministro da Instrução, do ―Ilustrado‖ Karl Siegmund Altenstein pelo pietista Johann Albrecht Eichhorn e, na cadeira de filosofia do direito em Berlim, do hegeliano Eduard Gans pelo teocrata Friedrich Julius Stahl, condução de Schelling a Berlim, em 1841, para ocupar a cátedra de Hegel, afastamento dos hegelianos das universidades, reforço da censura e [...] nomeação, em 28 de fevereiro de 1842, de Friedrich Carl von Savigny [...] para o cargo de Ministro para a Reforma da Legislação Prussiana.

É no bojo dessas reformas e do recrudescimento da censura que Karl

Marx, impedido de exercer atividades acadêmicas devido a sua proximidade com o

grupo dos jovens hegelianos de esquerda, acaba por se voltar às atividades

jornalísticas.

A crítica neste artigo é limitada ao Estado prussiano, que, diferente do ideal

por ele pretendido, não se guia pela Razão e, portanto, também não pode ser

considerado um verdadeiro Estado. Apesar de radicalmente democrática, a sua visão

não é capaz ainda de enxergar no Estado e no Direito mais do que a própria ideia de

racionalidade e liberdade. Como destaca Celso Eidt, corroborando com a noção já

exposta aqui de que o jornalista alemão se situa na tradição iluminista, diz ele (2001,

p. 81): ―ao tempo da Gazeta Renana, Marx não é nenhum crítico radical da tradição

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filosófica ocidental, mas, ao contrário, se filia a ela, com o que, em boa medida,

partilha do pensamento filosófico em voga na Alemanha da época‖.

Com a instrução sobre a censura, o governo prussiano ―busca‖ liberalizar a

imprensa nacional das ―infundadas restrições‖ (MARX, 1982, p. 149) impostas,

principalmente, após a aprovação do Édito sobre a censura de 1819. Contudo, como

mostra o autor, é apenas aparente a ―boa vontade‖30 do legislador prussiano com o

liberalismo político, pois,

Estamos ante una especie de aparente liberalismo, que se presta a hacer concesiones y sacrifica a las personas, a los instrumentos, para mantener en pie la cosa, la institución. Se trata com elo de desviar la atención de um público superficial (MARX, 1982, p. 150).

O Estado prussiano se revestia da carapuça liberal, mas na prática era um

inimigo do Aufklärung. A razão não guiava as suas ações, a liberdade não era sequer

um horizonte para o governo da Prússia. Este era capaz, inclusive, de sacrificar seus

próprios funcionários, culpando-os por ―infundadas restrições‖ à liberdade de

imprensa. No entanto, o centro do problema foi a própria Prússia, que proclamou o

reino da verdade oficial, da opinião oficial, enfim, da crítica oficial, impedindo o livre

exercício da imprensa e, portanto, da crítica.

A Instrução sobre a censura impunha uma forma de escrita pré-

determinada, ―la ley me permite escribir, pero me ordena escribir en un estilo que no

es el mío‖ (MARX, 1982, p. 152), argumenta. A escrita devia seguir a forma indicada

pelos órgãos estatais. O escritor não tinha liberdade de forma, pois as cores oficiais o

limitam no seu exercício. Entretanto, defende Marx, forma e conteúdo são partes de

uma só totalidade, formando uma unidade, pois.

Enfrentando problemas com a censura, Feuerbach toma posição crítica

frente à miséria alemã, na qual a verdade perde força, diz ele (2013, pp. 18 e 19):

verdade não é para nossa época somente imoralidade, a verdade é também não cientificidade – verdade é o limite da ciência. Assim como a liberdade de navegação da Renânia alemã se estende jusqu‘à la mer, estende-se a

30

Como o próprio Marx (2013, p. 345) diz n‘O Capital: ― [...] o caminho para o inferno é pavimentado com boas intenções [...]‖.

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liberdade da ciência alemã jusqu‘à la verité. Quando a ciência chega à verdade, torna-se verdade, aí deixa ela de ser ciência e torna-se um objeto da polícia – a polícia é a fronteira entre a verdade e a ciência.

Na Alemanha, o verdadeiro sábio, que busca de forma incorruptível a

verdade, sempre a verdade, que não se limita a dados estatísticos, prendendo-se às

formas oficiais, ―que agarra o mal pela raiz, que mostra sempre o centro da crise‖,

este sábio, diz Feuerbach (2013, p. 19), é um iconoclasta que merece a forca ou o

pelourinho. E acrescenta o filosofo alemão, denunciando a interferência da religião

cristã nas questões de Estado:

Sim, para o pelourinho, pois a morte na forca é, de acordo com os princípios expressos pelo atual ‗direito do estado cristão‘, uma morte não política e ‗não cristã‘, porque é uma morte pública, inegável; mas a morte no pelourinho é uma morte burguesa, uma morte altamente política e cristã porque manhosa e dissimulada – é morte, mas uma morte que não parece ser morte. E aparência, pura aparência é a essência da época em todas as questões críticas (FEUERBACH, 2013, p. 19).

Marx segue o mesmo sentindo de Feuerbach na sua crítica à instrução

prussiana sobre a censura, pois esta ao delimitar a formatação do texto, limita

sobremaneira o conteúdo, portanto, ao impor que a opinião pública se submeta às

colorações artificiais da oficialidade estatal o que se encontra ameaçado é o

desenvolvimento da Razão, que sem ela resta impossível a prática da liberdade. O

Estado prussiano desejava ―que le sol del espíritu, al refractarse en incontables

individuos e innumerables objetos, se manifieste en un solo color, en el color oficial‖

(MARX, 1982, p. 152).

Em termos jurídicos, não é a veracidade do que se escreve que é levada

em consideração, mas a capacidade de se escrever de forma séria e modesta.

Lembrando Voltaire31, o gênero predileto do Estado prussiano é o gênero tedioso,

este é oficial, portanto ao tédio todos os escritores devem se submeter se não

quiserem ver seus textos barrados pela censura, pois só o tédio pode se balizar pela

modéstia e seriedade.

31

Voltaire quando perguntado sobre seu gênero predileto, respondeu: o gênero não tedioso.

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O fundamento da nova Instrução sobre a cesura era evitar a crítica

religiosa muito comum nos jornais alemães da época. Portanto, como esclarece Marx,

o Estado prussiano confunde o princípio político com o princípio religioso. A crítica

deste artigo é justamente ao caráter confessional do Estado prussiano, visto que isso

impede a realização da razão política e jurídica tanto no Estado quanto nas suas

instituições. O jovem jornalista batalha para ver efetivado na Alemanha o projeto da

Ilustração, suas referências são de um idealismo ativo, que passa por Hegel, sem

dúvida, mas também por Kant e Fichte, até Spinosa, Rousseau e Maquiavel.

O Estado prussiano não se manifesta enquanto Estado político, posto que

o governo era o único veículo da razão estatal, por isso se tornava um partido que

sancionava leis arbitrárias e tendenciosas. As leis do Estado prussiano eram a

positivação da arbitrariedade, não são leis, são privilégios. Essas leis são um insulto

aos cidadãos, diz Marx (MARX, 1982, p. 159):

Las leyes basadas en las intenciones no son leyes del Estado dictadas para los ciudadanos, sino leyes de un partido en contra de otro. Las leyes tendenciosas suprimen la igualdad de los ciudadanos ante la ley. [...] No son leyes, sino privilegios.

O verdadeiro Estado político caminha sempre para a liberdade, bem como

para o reconhecimento jurídico da igualdade entre seus cidadãos. A sociabilidade é

pensada em moldes inteiramente clássicos, partindo-se sempre da ideia de que o

Estado é o demiurgo do social, e que suas instituições presam sempre pela razão e

pela liberdade. O ser social é subordinado à política. Observe-se o caso de um dos

grandes nomes da Filosofia Política Moderna: Hobbes.

Como bem sintetiza Francisco Teixeira (1995), a modernidade é um divisor

de águas entre a época em que o ser humano era servo da natureza e o período no

qual ele passou a dominá-la; por isso a sociabilidade humana é pensada,

primordialmente, a partir da individualidade, que emancipada da natureza pode,

então, criar a esfera do self. Contudo, essa construção da individualidade apartada do

todo não se faz sem conflito, portanto, a própria modernidade pode ser encarada

como a contradição entre instâncias particulares e universais.

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A filosofia política busca resolver essa contradição das mais diversas

maneiras, ficando, este trabalho restrito à solução hobbesiana, pois julga-se

paradigmática. Para Hobbes, o homem não nasce apto para viver em sociedade, isto

é, a sociabilidade não é natural a ele, embora a deseje, pois, no estado de natureza, a

vida vai se tornando cada vez mais difícil diante da constante competição entre os

homens, ―os homens estão constantemente envolvidos em uma competição pela

honra e pela dignidade‖ (HOBBES, 1983, p. 104). A única maneira de pôr fim à

insegurança e garantir que os homens vivam de ―seu próprio labor e graças aos frutos

da terra‖ (p. 105) é instituindo um poder comum e exterior a cada indivíduo. Esse

poder comum só pode ser alcançado através do pacto, designando:

[...] um homem ou uma assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns. (p. 105).

O pacto que gesta o Estado soberano em Hobbes tem o papel de fundar,

inclusive, a propriedade privada, que em Hobbes, diversamente de Locke, não é

natural. Antes da instituição do Soberano é impossível que haja propriedade, pois, em

tal estado de natureza, todos têm direito a todas as coisas. As leis civis, pois, só são

possíveis após o pacto que cria o Estado. Devolvendo o debate para a modernidade,

acerca da relação entre o particular e o universal, Teixeira (1995) conclui que Hobbes

o particular é esmagado e anulada pelo universal; somente nessa condição a vida é

possível.

Marx parte então da noção que vê no Estado um criador e garantidor da

vida social e que traz consigo um sentido bem mais amplo do que o mero governo,

englobando na sua composição orgânica os ideais democrático-burgueses; bom

exemplo disso é sua concepção abstrata de povo. Por isso, embebido do idealismo

hegeliano e da visão democrática que circulava no meio dos jovens hegelianos, diz

ele (1982, p. 159 e 160):

El Estado moral atribuye a sus miembros las intenciones del Estado, aunque se hallen en oposición frente a un órgano del Estado, frente al gobierno; pero la sociedad en que un órgano se considera depositario único y exclusivo de la

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razón de Estado y de la moral del Estado, um gobierno que se coloca en una oposición de principio contra el Pueblo y, por tanto, considera sus intenciones contrarias al Estado como las intenciones generales y normales, animado por la mala consciencia de la facción, inventa leyes tendenciosas, leyes de verganza contra una intención que sólo se encuentra en los mismos miembros del gobierno.

A Prússia era um não-Estado, pois não era político ao subordinar a razão

universal às emanações das vontades particularistas das facções que dominavam o

governo. Marx já era capaz de observar a conflitualidade imanente às esferas pública

e privada/particular e universal, contudo a sua crítica não se aprofunda, não vai à raiz

do problema, como anos depois ele fez, ficando apenas na epiderme do problema.

Após sua breve contribuição no Anekdota, o jornalista alemão iniciou um

período decisivo para a sua formação intelectual e política, em 5 de maio de 1842,

publica seu primeiro artigo na Gazeta Renana, tratando acerca da VI Dieta Renana32.

O seu projeto inicial era escrever três artigos sobre os debates da Dieta, sendo

conhecido apenas o primeiro e terceiro dessa série.

Ao tratar do lugar ocupado pela Gazeta Renana no cenário político alemão,

ele (1982, p.286) diz que ela ―no se propone ser vacua amalgamas de escuetas

informaciones y bajas adulaciones, sino que aspira a fines más altos mediantes la

critica consciente de la condiciones del Estado y las instituciones de la patria [...]‖. E

ainda, sobre o caráter liberal da Gazeta, diz Marx: [...] nuestro periódico se ha trazado

como su mira fundamental el atraer hacia Alemania las miradas que muchos dirigían a

Francia, para fomentar, en vez de un liberalismo francés, un liberalismo alemán [...]

(1982, p.286).

O primeiro artigo sobre a Dieta, intitulado ―Os debates sobre a liberdade de

imprensa e sobre a publicação dos debates”, rendeu cinco publicações na Gazeta

Renana, entre os dias 5 e 19 de maio de 1842, nas suas edições de número 125, 128,

130, 132, 135 e 139. O terceiro comentário à Dieta Renana, cujo título é ―Debates

sobre a lei que pune o roubo da madeira‖, foi publicado nas edições 298, 300, 303,

32

Uma dieta (Landtag) é uma assembleia representativa, com alguma autoridade legislativa, de uma entidade política chamada Land (Estado, território) na Alemanha e na Áustria. Segundo Franz Mehring (2013, p. 51): ―As dietas eram representações fictícias e impotentes do povo, com as quais a coroa prussiana tentava disfarçar sua traição à promessa feita em 1815 de redigir uma Carta Constitucional‖. As representações do povo é precária, pois nas Dietas a maioria é composta por grandes proprietários de terra, portanto, o caráter patrimonialista do sistema político prussiano é de início o primeiro desafio a se enfrentar. Os latifundiários ocupavam metade das cadeiras, enquanto os proprietários urbanos tinham um terço delas, restando ao camponês pobres tão somente um sexto das vagas.

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305 e 307 desse mesmo periódico (o artigo sobre o roubo da madeira será objeto do

capítulo seguinte).

Conforme já foi dito, Marx publicou o artigo sobre os debates da VI Dieta

Renana em relação à liberdade de imprensa em seis edições da Gazeta Renana ao

logo do mês de maio, por isso, a metodologia adotada neste trabalho, a fim de não

tornar a leitura enfadonha, será tratar as publicações em sua unidade.

O autor inicia abordando criticamente o tratamento dispensado na

imprensa oficial e semi-oficial acerca da publicação do ―novo Código da Censura‖.

Segundo ele, essa imprensa não cumpriu seu papel de defesa da liberdade. O

Preussische Staats-Zeitung – periódico ligado ao governo prussiano desde 1840 – era

o alvo principal das críticas, que acusam o jornal de não contribuir com a luta pela

liberdade de imprensa, pois sequer tinha a consciência da liberdade, sendo esta a

primeira condição para ser livre. A autoconsciência permanecia presente como

categoria fundamental para o pensamento marxiano nesse período, como se pode

observar, a autoconsciência da liberdade é o primeiro momento da sua concreção.

Argumentando com base em Kant, ele acusou o Preussische Staats-

Zeitung de não ter chegado ainda à maioridade da razão, por isso não conhecia a

liberdade, vivendo feito uma criança. Notam-se no Staats-Zeitung percepções típicas

de uma criança, como a valorização da quantidade em detrimento da qualidade; o

aparente era o mundo do jornal prussiano. Isso tudo em alusão ao Novo Código da

Censura, que mandava que certos assuntos só pudessem ser tratados em livros,

determinando um mínimo de páginas, pois determinadas questões seriam sérias

demais para serem tratadas por jornais ou revistas, que deveriam se ater a temáticas

menores de cunho meramente estatístico. Sobre isso, ironicamente, diz, ―não

procurem o espírito do dia nos jornais, que querem proporcionar-lhes apenas índices

estatísticos, mas nos livros, cuja magnitude espacial já garante sua minuciosidade‖

(MARX, 2006, p.14). Portanto, livros que, se tiverem sorte, serão lidos pelo autor e

pelo revisor.

Para o Estado prussiano, o povo não deveria passar de um acidente dentro

da sua literatura política; nesse sentido a Prússia e sua imprensa se guiavam não

pelo espírito do tempo, mas pelas sombras medievais. Na Prússia dominavam os

princípios históricos mais antiquados; o seu liberalismo não passava de uma fantasia.

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A via prussiana33 de modernização era conservadora par excellece, seu liberalismo

não resistiria ao tribunal da razão, bem como o iluminismo prussiano era apenas

fachada para as sobras medievais. Nessa situação, em que a razão e a

autoconsciência não têm lugar, Estado e Direito são impensáveis. Conclui Marx: ―A

criança, portanto, não acredita no espírito [Geist], mas em fantasmas [Gespenster]‖

(2006, p.17).

Adotando a posição hegeliana ao argumentar que o Estado é o centro onde

giram as ―partes matérias‖ da vida social, Marx faz valer o conceito de sociedade civil-

burguesa desenvolvido em seus pormenores por Hegel na Filosofia do Direito. Para

Hegel, em breve síntese, a sociedade civil-burguesa é um momento mediador entre a

família e o Estado, na qual os indivíduos são independentes e isolados, cuja

finalidade é a satisfação dos seus próprios interesses. A sociedade civil-burguesa vive

a latência da contradição entre os princípios de particularidade e de universalidade,

contradição que só se resolve no momento do Estado, seu fim último.

Em suma, para o Staats-Zeitung, o político é um fantasma francês,

enquanto para Marx é o que dá sentido e coesão à vida material. Como observador

histórico, ele relata que os debates sobre a liberdade de imprensa foram

completamente prejudicados, pois mesmo os seus defensores ―nunca conceberam a

liberdade de imprensa como uma necessidade‖ (2006, p. 18), isto é, completa ele, ―os

defensores da liberdade de imprensa parecem estar realizados sem a existência da

liberdade de imprensa‖ (2006, p. 19). Cabe ao jornalista localizar cada um dos

debatedores e seus anseios na régua do progresso, que aponta sempre para a

concreção da Razão e da Liberdade.

Ao confrontar a argumentação da ―oposição liberal‖, o estamento dos

príncipes, o jornalista alemão identifica neles os interesses do retrocesso, pois nesse

estamento a falta de liberdade não é um problema.

Em nenhum outro tema a opinião dos estamentos ficou tão perceptível

como na questão da liberdade de imprensa; nesses debates o espírito específico dos

33

Aqui, a referência ao conceito de Via Prussiana de desenvolvimento capitalista formulado por Lênin (1980, p. 200) é obrigatória. O conceito de via prussiana está ligado ao processo de desenvolvimento do capitalismo no qual não há reforma agrária, pelo contrário, os grandes proprietários rurais se fortalecem econômica e politicamente, tornando-se proprietários capitalistas. Esse processo se caracteriza pelo acordo entre burguesia e nobreza agrária.

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estados manifestava-se mais claramente. Os estamentos assumiam tão somente as

posições características dos seus próprios interesses privados. Importava ao jovem

observador histórico compreender a composição da assembleia: afinal, esta

representa a vontade do povo? Melhor dizendo: o povo está representado

politicamente em seus interesses?

A ―oposição liberal‖, como era conhecida o estamento dos príncipes, não

contradiz a sua consciência ao defender a censura, pois, segundo eles, as restrições

à liberdade conduziam à ―melhor imprensa‖, e mais, advogavam a ideia de que o

desenvolvimento intelectual germânico ocorreu devido à censura.

Dizendo que ―a imprensa defende apenas o espírito e não as cadeias‖

(2006, p. 23), para Marx o desenvolvimento intelectual da Alemanha ocorreu apesar

da censura, pois a liberdade era uma força espiritual que pôs abaixo, cedo ou tarde,

os muros erguidos por ela, que visa sempre impedir o acesso do povo à razão.

O autor rechaça os argumentos ―históricos‖ do estamento dos príncipes,

que em nome do ―espírito do povo‖ defendem as mais torpes ideias, diz ele (2006, p.

31),

[...] o que é que o orador critica na liberdade de imprensa? Que as deficiências de um povo sejam ao mesmo tempo as deficiências da sua imprensa; que ela seja a mais rude expressão, o aspecto manifesto do espírito histórico de um povo.

O dito orador da ―Oposição Liberal‖ desconsiderava a ―totalidade histórica‖

ao dispensar o sensor do mesmo juízo que impõe à imprensa, estes não são

―impermeáveis ao espírito de seu tempo‖. Transparecia a sua posição avessa ao

liberalismo, não medindo esforços para evitar que a imprensa seja livre. Onde a

imprensa não é livre o pensamento também não é.

Nesse artigo, encontra-se uma análise extensa do caráter naturalmente

democrático das leis, que em si desempenham um papel positivo em relação à

liberdade. As verdadeiras leis são guardiãs da liberdade, por isso a lei de imprensa é

verdadeira, enquanto a de censura somente é no sentido formal.

Portanto, as leis em sentido material são efetivadoras da liberdade; não

basta ser formalmente uma lei, esta deve, sobretudo, ser em seu conteúdo. O

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estamento dos nobres, por exemplo, não defende as leis, mas os privilégios

medievais, contudo ―o cidadão não quer reconhecer a lei como um privilégio‖ (MARX,

2006, p. 32 e 33). Defensor dos ideais advindos das Revoluções burguesas clássicas,

principalmente da ala mais radical da Revolução Francesa – que traz em seu bojo a

noção de igualdade jurídica, universalização do direito, participação popular –, Marx

delineia seu pensamento no campo da democracia radical.

Além da Revolução Francesa, é recorrente a referência de Marx à

Independência dos Estados Unidos, ocorrida em 1776. Essas revoluções puseram fim

aos privilégios, instaurando a igualdade universal de todos perante a lei, sendo, por

isso, a pura forma da liberdade no Estado político. Nos Estados Unidos

―encontraremos o fenômeno natural da liberdade de imprensa [...], nas suas formas

mais puras e naturais‖ (MARX, 2006, p. 64). Os particularismos devem ser

suprassumidos, dando lugar ao universal, esse movimento é o que conduz ao reino

da razão e da liberdade no mundo, caminho já trilhado pelos franceses e americanos

dos Estados Unidos.

Simulando uma liberdade onde não há, os estamento dos nobres são

contrários à livre publicização dos debates das assembleias, defendendo que os

estamentos tenham a ―liberdade‖ de escolher o que virá a público. Advogam sempre

na contramão da razão e favoráveis aos privilégios estamentais. No Estado dos

nobres reina a hipocrisia e a manipulação. Ao invés de ao povo tudo, na Prússia os

debates caminham para ao povo quase nada!

Da boca do orador ecoa a ―linguagem do despotismo absoluto‖, pois ao

defender a permanência dos privilégios feudais, contrários aos interesses do povo, os

nobres em nenhum momento vislumbram o interesse público e geral. Os nobres

temem o julgamento do povo, a crítica, portanto. Segundo o orador da nobreza, citado

por Marx (2006, p. 38),

Embora [...] considere desejável que nesta Assembleia exista liberdade de discussão, parece ser igualmente necessário para ele que, a fim de manter essa liberdade de palavra e esse candor de linguagem, nossas palavras fossem julgadas apenas por aqueles para os quais elas estão dirigidas.

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A assembleia, diz Marx, ―não pode suportar a luz do dia. À noite, na nossa

vida privada, sentimo-nos cômodos‖ (2006, p. 38). O temor da opinião pública faz do

estamento dos nobres verdadeiros aviltadores da liberdade e da Razão, pois a livre

publicidade dos debates da Assembleia pelos órgãos da imprensa é um direito e não

―mera avidez pessoal‖ das províncias, exigindo ―que as palavras dos Estados sejam

transformadas numa pública e compreensível voz do país‖ (2006, p. 36). Continua o

autor, os estamentos ―agem não pela província, mas por eles mesmos, não

representando ninguém exceto eles mesmos‖ (2006, p. 36). As instituições prussianas

arcaicas, defendidas na Assembleia, solapam o progresso do espírito alemão rumo ao

esclarecimento, contradizendo, inclusive, a própria modernização econômica que já

se observa em algumas regiões da Alemanha.

Karl Marx, exercendo sua função de ―observador histórico‖, depara-se com

a conhecida ―modernização conservadora‖, na qual os avanços econômicos não

significam progresso das instituições políticas, que esbarram nas camadas sociais

remanescentes do regime anterior34. Lutando contra esse processo, defende a

positividade do Estado e do Direito; as reformas políticas de base são, portanto, um

horizonte emancipador para o periodista renano.

Inevitável não se fazer um paralelo entre a posição de Marx nesse período

e a adotada por ele nos anos de 1843 – 1844, quando escreve Sobre a questão

judaica35, para citar apenas uma obra. Nesse escrito, à emancipação política ele

contrapõe a emancipação humana genérica, portanto aquela é visto na perspectiva

dos seus limites emancipatórios, pois representa em relação a esta última um nível de

emancipação inferior. Indo ao cerne da emancipação política, diz ele (2009, p. 68 e

69):

34

Na Alemanha de Marx ocorre processo semelhante ao que Antônio Gramsci (2011a, p. 299; 2011b, pp. 319 - 323) observa ao estudar o Risogimento na Itália, respeitando-se, obviamente, as diferenças históricas e geográficas. O comunista italiano deu o nome de Revolução passiva (ou revolução-restauração) a esses processos que se inserem no contexto das Revoluções Burguesas nos quais há uma elite a dirigir o processo – no caso italiano é o piemonte – sempre ―de cima para baixo‖; o Estado passa a ter papel central frente a fragilidade da sociedade civil, na lógica do Estado é tudo e a sociedade é gelatinosa vive um processo que Gramsci conceitua como sendo uma Revolução Passiva (ou Revolução restauração), que se caracteriza pela força do Estado frente a fragilidade da sociedade civil, sintetizado na ideia do ―Estado é tudo e a sociedade é gelatinosa‖.

35 Obra publicada em 1844 na única edição dos Anais Franco-alemães e tem como escopo a crítica a Bruno Bauer e de sua visão limitada acerca da Emancipação Humana, que para Bauer não passa da simples Emancipação política.

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[...] [A emancipação política] é, simultaneamente, a dissolução da velha sociedade sobre que repousa o sistema de Estado alienado do povo, o poder soberano. A revolução política é a revolução da sociedade civil. Qual era o caráter da velha sociedade? [...] a feudalidade. [Que tinha] imediatamente um caráter político [...] os elementos da vida civil [...] estavam elevados a elementos da vida de Estado na forma da senhorialidade fundiária, do estado [social, Stand] e da corporação [...] a revolução política [...] destroçou necessariamente todos os estados [sociais, Stände], corporações, grêmios, privilégios, que eram, precisamente, outros tantas expressões da separação do povo relativamente à sua comunidade. A revolução política suprimiu, com isso, o caráter político da sociedade civil.

A posição de Marx no artigo sobre a liberdade de imprensa não se

assemelha ao ponto de vista crítico à política empreendido nos escritos de 1843 –

1844. Na Gazeta Renana tudo que almeja é reformar o Estado prussiano, posição

comum dentro dos debates que envolviam a juventude hegeliana, dizer que

emancipação política é a própria emancipação humana, sendo, por isso, ressaltado o

caráter emancipatório e libertador do Estado e do Direito.

Corroborando com o que foi defendido, Marx evoca a ―razão política‖ da

província que está prestes a ser ferida pela sua própria espada, isto é, por seus

representantes. Por ―razão política‖, explica ele, quer-se dizer interesses imbuídos do

compromisso democrático, cujo bem comum seja a finalidade; diferente dos

interesses mesquinhos defendidos pelos estamentos, que vê no Estado um meio para

a realização dos desejos privados. Os estamentos não se movem por meio da ―razão

política‖, mas, tão somente, por interesses particularistas e egoístas. Colocando a

política no centro do debate, Marx acusa a assembleia de não ser política. Esta é a

solução apresentada pelo pensador alemão para os problemas da assembleia, que,

se fosse política, evitaria as decisões particularistas e autointeressadas.

Os nobres, diz Marx, ―para salvar a liberdade especial do privilégio,

proíbem a liberdade universal humana‖ (2006, p. 41). São paladinos do atraso e do

retrocesso, pois ―do ponto de vista da Ideia‖, defende ele, liberdade e censura tem

justificativas bem distintas, a primeira é em si um aspecto da própria Ideia, portanto,

um ―bem positivo‖, enquanto a segunda não é senão a pura negação da liberdade.

Onde a censura é a regra e a liberdade de imprensa a exceção, o governo

é o único membro do Estado realmente livre, gozando suas publicações oficiais de

absoluta liberdade. Na Prússia, o Estado não é livre, mas o governo sim. A liberdade

não é um direito universal, mas um privilégio, que os estamentos dos príncipes e dos

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nobres lutam para manter; esses estamentos são porta-vozes de um mundo em

decomposição.

A liberdade, assim como a razão, é inerente a todo ser humano, tese já

propugnada pelos iluministas, pois ―ninguém luta contra a liberdade; no máximo luta-

se contra a liberdade dos outros. Por isso todos os tipos de liberdade existiram

sempre, às vezes como uma prerrogativa particular, outras como um direito geral‖

(MARX, 2006, p. 46).

A linha de argumentação que guia Marx na sua análise da assembleia é a

das oposições – Privilégio vs. Direito; sociedade medieval vs. sociedade moderna;

estamentos vs. Estado político. O que mostra a conjuntura social conflituosa pela qual

passa a Alemanha, que deve ter suas instituições político-jurídicas modernizadas,

acompanhando o que já ocorre no pensamento alemão, sempre afeito à Razão e à

liberdade.

A liberdade é um produto humano, diz ele, em passagem impregnada do

seu aristotelismo característico36, pois nem deuses nem animais são capazes da

liberdade, somente o ser humano é livre. Liberdade que se efetiva na política, na

vivência comunitária. Um Estado livre é aquele onde a liberdade pode habitar o

espírito de cada cidadão e este não é punido por praticá-la.

Não há liberdade onde a imprensa é censurada, pois ―a essência da

imprensa livre é a essência característica, razoável e ética da liberdade‖; por outro

lado, a imprensa censurada ―é um monstro civilizado, um aborto perfumado‖ (2006,

p.51). Entre a lei da imprensa e a lei da censura, Marx elege a Razão como juíza

dessas duas formas legais, dizendo ele (2006, p.55):

Numa lei da imprensa, a liberdade pune. Numa lei da censura, a liberdade é punida. A lei da censura é uma lei suspeita contra a liberdade. A lei da imprensa é um voto de confiança que a imprensa dá a si mesma. A lei da imprensa pune o abuso da liberdade. A lei da censura pune a liberdade como se fosse um abuso.

36

Sobre as inflexões da obra de Aristóteles e do pensamento grego no geral no pensamento de Marx, ver a excelente obra organizada por George E. McCarthy (1992). Nessa obra o leitor terá oportunidade de entender as minúcias das influências do pensamento antigo em Hegel, Kant, especialmente em Marx, passando da origem da dialética à noção de eudaimonia.

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Portanto, a verdadeira e única lei é a lei da imprensa, esta é a positivação

da liberdade, enquanto a lei da censura não passa de lei no sentido formal. Nela, ser

livre é um crime. Seguem-se a essas passagens, inúmeras outras nas quais Marx

desenvolve o caráter real e verdadeiro da lei que positiva a liberdade em contraponto

à lei meramente formal que pune a liberdade em si, pois diz ele, ―uma lei da imprensa

é uma lei verdadeira porque é a essência positiva da liberdade‖ (2006, p.56). É

salutar, defende ele, que se tenha uma lei da imprensa – ―reconhecimento legal da

liberdade‖ (2006, p. 56) –, pois não tê-la seria uma infundada exclusão da liberdade

de imprensa da esfera legal.

As leis ―são normas positivas, claras e universais, nas quais a liberdade

ganhou uma existência impessoal e teórica, independente do capricho de qualquer

indivíduo‖ (2006, p. 56). Embora formalmente os privilégios possam se revestir da

formalidade legal, as verdadeiras leis, isto é, as leis no sentido material são as que

universalizam direitos, cobrindo todos, sem distinção, com o manto sagrado do

Estado.

Ainda sobre a distinção entre leis no sentido formal e leis no sentido

material, Marx diz: ―[...] a censura nunca poderá ser legalizada, bem como a

escravidão, mesmo que tenha existido durante muito tempo como lei‖ (2006, p. 57).

Pois, continua ele, ―a lei é verdadeira quando, dentro dela, a lei natural da liberdade

torna-se lei consciente do Estado. Quando a lei é real – isto é, quando é a essência

da liberdade –, é a essência real da liberdade do homem‖ (2006, p.57). Tem-se,

então, um sentido elevado de legalidade, esta entendida como positivação da

liberdade por meio de um Estado Racional, que não cria a liberdade humana, posto

que esta é parte constitutiva da natureza do Homem, mas dá condições para sua

concreção.

A lei da imprensa é um direito do povo, tendo em vista que

[...] a imprensa livre é olhar onipresente [do povo], a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais (MARX, 2006, p. 58).

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A opinião pública livre ou, como diz Kant, o uso livre da razão pública é

condição para que o Estado Racional verdadeiro se aloje no espírito de um povo; já a

irracionalidade é o desabrigo espiritual de um povo.

Na Alemanha, a hipocrisia não tem limites, pois ―o governo ouve somente

sua própria voz; sabe que ouve somente a sua voz; entretanto, tenta convencer-se de

que ouve a voz do povo, e exige a mesma coisa do povo‖ (MARX, 2006, p. 65). Já o

povo, isola-se cada vez mais da vida política, abnega-se dela, caindo na ―superstição

política‖, na qual, de força pública latente, converte-se em multidão privada. Portanto,

a censura aniquila o espírito político do povo.

Apelando para o sentido clássico do político, que remete necessariamente

à coletividade, Marx contrapõe as visões mecânicas de sociabilidade, que preferem

ver indivíduos isolados em pretenso estado de natureza, onde a guerra de todos

contra todos é o único destino da natureza humana, contra essas idealidades:

[...] essas pessoas não confiam na humanidade em geral e canonizam indivíduos. Pintam um quadro aterrorizador da natureza humana e exigem que nos ajoelhemos perante o ícono de alguns indivíduos privilegiados. Sabemos que a pessoa individual é fraca, mas sabemos ao mesmo tempo em que a totalidade das pessoas é forte (MARX, 2006, p. 67).

Deixando de lado agora os argumentos dos estamentos contrários à

liberdade de imprensa, Marx fixa-se na argumentação dos representantes da ―Posição

Liberal‖, acerca da qual de pronto atesta: ―temos ante nós a posição do burguês, não

a do citoyen (cidadão)‖ (2006, p.68). Isto é, mais uma vez está-se diante de

argumentos que só visam a satisfação dos interesses privados em detrimento dos

interesses do povo. Revelam-se, então, os limites da burguesia alemã, que trata a

liberdade de imprensa não a partir das suas especificidades, mas da identidade desta

com a liberdade de ofício. Sobre essa capacidade burguesa de ver no mundo

somente a si própria, diz Marx: ―Rembrandt pintou a mãe de Deus como uma

camponesa holandesa. Por que o nosso orador não pode pintar a liberdade sob uma

forma que lhe seja segura e familiar?‖ (2006, p.72). Os interesses privados veem o

mundo a sua imagem e semelhança, pois não é a razão que os guia, mas o seu ego;

sua antropologia e psicologia são de si mesmos.

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Acredita-se corretamente, diz o autor, ―que o ser humano luta só por aquilo

que lhe interessa‖, contudo não há nada que garanta que todos os interesses são

―pequenos interesses‖, interesses egoístas, como faz crer o estamento da burguesia.

A ala burguesa presente na Assembleia contempla a atividade da imprensa

pela perspectiva do comércio ou da indústria, afinal uns usam o braço, outros a

mente. Contudo, rebate Marx, ―a emancipação do braço e da perna torna-se

humanamente significativa através da emancipação da mente, pois sabemos que os

braços e pernas transformam-se em braços e pernas através da mente, à qual

servem‖ (2006, p. 72). O mérito do argumento do orador em questão, reconhece ele,

é ter retirado a liberdade de imprensa do ―céu estrelado da imaginação‖ e encará-la

no seu aspecto real, concreto; um acerto em meio a uma torrente incontável de

equívocos. O único mérito burguês é ser ele mesmo, um homem de negócios, prático

e realista.

Marx afasta qualquer vaga semelhança da liberdade de imprensa com as

liberdades mercantis, pois ―a liberdade de ofício, a liberdade de propriedade, de

consciência, de imprensa, dos tribunais são todas espécies de um mesmo gene, a

liberdade sem sobrenome‖ (2006, p. 74). Portanto, essas liberdades são partes de

uma totalidade, são espécies do gênero liberdade. Essas liberdades tão diversas

formam uma unidade; olvidar as essencialidades de cada uma delas acarreta erro

grave.

Defender a liberdade de imprensa sem ressaltar essas necessárias

diferenciações com relação às outras, em especial à liberdade de ofício, é o mesmo

que matá-la. Segundo Marx, não diferenciar liberdades qualitativamente tão distintas

é ―como o carpinteiro que dificilmente ficaria contente quando, ao exigir liberdade para

o seu ofício, lhe dessem o equivalente à liberdade do filósofo‖ (2006, p.76), afinal, ser

livre à maneira de outro é não ser livre.

O problema da burguesia é que ela simplesmente desconhece qualquer

tipo de liberdade que não seja a de ofício; a sua própria liberdade, a liberdade de

ganho. Portanto, diz Marx, a liberdade de imprensa não é a liberdade de ofício, aquela

só pode ser ofício do ponto de vista dos impressores e comerciantes de livros, mas

não é o caso.

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A liberdade de imprensa é, dentre todas, a forma mais característica da

―liberdade sem sobrenome‖, diz Marx (2006, p.81),

[...] na falta da liberdade de imprensa, todas as outras liberdades são ilusórias, a censura nos leva todos à sujeição e, como num despotismo, todo o mundo é igual, se não em merecimento, na falta deste; esse tipo de liberdade deseja introduzir a oligarquia da mente.

A assembleia renana, como bem percebe ele, fica continuamente entre a

obstinação deliberada do privilégio e a impotência natural de uma semiliberal

vacilação, o que só demonstra a miséria política alemã quando comparada a outras

nações como França, Inglaterra e Estados Unidos. O desnível da realidade

institucional alemã também se dá em relação ao seu próprio pensamento, pois este,

no campo da filosofia, já produziu mais sobre a liberdade do que todas as nações

europeias juntas.

3.3 MARX CONTRA O SR. HERMES: PELA SUPREMACIA DO POLÍTICO

Mantendo o tom polêmico de suas publicações, Marx lançou, nas edições

191(10 de julho de 1842), 193 (12 de julho de 1842) e 195 (14 de julho de 1842) da

Gazeta Renana, um artigo criticando o editorial de número 179 da Gazeta de Colônia,

assinado por Karl Heinrich Hermes, editor do aludido jornal.

Nesse artigo, intitulado O edital de número 179 da “Gazeta de Colônia”,

Marx acusa Hermes de ser favorável à censura dos órgãos de imprensa por parte do

Estado prussiano, defendendo a igreja católica contra o protestantismo. Ele se refere

a Karl Heinrich Hermes como um ―charlatão preparado‖, pois este defende que a

censura deve agir contra charlatões despreparados, impedindo que esses publiquem

na Alemanha. Diz o jovem jornalista: ―el autor [Hermes] se refiere a los adversarios

de su punto de vista, pues ya mucho tiempo que está de acuerdo consigo en que él

es un charlatán preparado‖ (MARX, 1982, p.222).

Quando a imprensa mal havia começado a respirar, veio o Editorial do Sr.

Hermes, que mais se assemelhava aos anúncios da indústria política, o qual defende

um novo agravamento da censura, pois o editor da Gazeta de Colônia, que assina o

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editorial 179, defende ser ―inadmissível difundir ou combater, por meio de jornais,

opiniões filosóficas ou religiosas‖ (MARX, 1982, p. 221). Ou seja, volta-se a defender

que os jornais são meios impróprios para se discutir questões mais sérias da vida

política, devendo eles se dedicarem tão somente a dados estatísticos; aos periódicos

não cabe o papel de formação. Para tanto, a Gazeta de Colônia advoga a favor da

censura, que segundo o Sr. Hermes é branda demais, pois é dever do Estado ―tapar a

boca dos tagarelas não-autorizados‖. O problema da Alemanha é liberdade demais,

pois.

Citando o dito Editorial, Marx delimita a defesa reacionária que aquele faz

do cristianismo:

[...] demonstrou-se [...] por parte de ‗certas autoridades‘ uma repreensível indulgência, permitindo à mais nova escola filosófica dirigir ao cristianismo os mais indignos ataques, seja em jornais públicos, seja em outras publicações destinadas a um círculo não apenas científico de leitores (MARX, 1982, p. 222).

Ainda citando o Editorial, ele atesta o caráter retrógrado do discurso de

Hermes ao defender que ―a religião é o fundamento do Estado, como a mais

necessária premissa de toda comunidade social que não esteja orientada apenas

para alcançar qualquer fim exterior‖ (MARX, 1982, p. 224). Para defender a religião,

Hermes põe a razão histórica de cabeça para baixo e é nesse mundo invertido que

caminha toda a argumentação do Editorial da Gazeta de Colônia. Contrapondo-se à

noção de que a decadência religiosa é causa da decadência política, diz Marx em

longa passagem:

O mais elevado florescimento interno da Grécia foi na época de Péricles, e seu mais elevado florescimento externo deu-se na época de Alexandre. Na época de Péricles, os sofistas e Sócrates - a quem se pode definir como filósofo encarnado -, a arte e a retórica haviam suplantado a religião. A época de Alexandre foi a época de Aristóteles, que rechaçou a eternidade do espírito ―individual‖ e o deus das religiões positivas. Imaginem Roma, então! Leiam Cícero! A filosofia epicuréia, estóica ou cética era a religião dos romanos cultos, quando Roma chegou ao topo de sua ascensão. Se com o declínio dos Estados antigos desapareceram também as antigas religiões, isso não carece de nenhuma explicação a mais, porque a ―verdadeira religião‖ dos antigos era o culto de ―sua nacionalidade‖, de seu ―Estado‖. Não foi a decadência da velha religião que derrubou os velhos Estados, mas foi a decadência dos velhos Estados que derrubou a velha religião (MARX, 1982, p.224).

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É precisamente contra a visão teologizante do Sr. Hermes que se insurge

Marx. Aquele afirma que todas as investigações científicas só confirmaram a verdade

do cristianismo, no entanto, ele se esquece de mencionar que ―[...] todas as filosofias

do passado, sem exceção [...] foram acusadas pelos teólogos como causa da

decadência da religião cristã‖ e o cristianismo, alinhando-se à parte ―mais hábil e

consequente dos teólogos protestantes‖, completa Marx, ―não pode concordar com a

razão, porque a razão ‗mundana‘ e a ‗espiritual‘ se contradizem‖ (MARX, 1982, p.

226). Somente cristianizando as investigações científicas é que é possível ver a partir

da ótica do editor da Gazeta de Colônia, pois, de outra maneira, razão e religião não

se harmonizam.

Nesse sentido, as contradições entre Religião e Estado podem ser vistas

em Feuerbach como sendo a contradição entre Fé e Razão, diz ele (2013, p. 12):

Somente quando o homem não mais sente e pensa em harmonia com a sua fé, quando então a fé deixa de ser para os homens uma Verdade Penetrante, só então será salientada com uma ênfase especial a contradição da fé, da religião com a razão. [...] Por isso, mesmo na melhor harmonia é inevitável uma colisão de ambas, porque a especialidade da fé e a universalidade da razão não se cobrem, não se satisfazem plenamente, mas antes permanece um resto de razão livre que por si mesmo é sentida como em contradição com a razão atada ã base da fé, pelo menos em momentos especiais. Assim torna-se a diferença entre fé e razão um fato psicológico.

Para o autor do retrógado editorial – o mais fraco dos defensores da

religião cristã –, a política é beata do cristianismo, por isso, o Estado deve vigiar com

a máxima severidade qualquer ataque a sua religião. Contra a teologia política de

Hermes, Marx lança as bases de uma filosofia política totalizante e universalista, que

se fixa no que é verdadeiro para a humanidade e não somente para alguns homens.

Diz ele:

A filosofia pesquisa a verdade e não o que está em vigor, pesquisa o que é verdadeiro para todos os homens e não para alguns; as suas verdades metafísicas não conhecem os limites da geografia política. Suas verdades políticas sabem muito bem onde começam os ―limites‖, podendo trocar o horizonte ilusório de uma particular concepção de mundo e de povo pelo verdadeiro horizonte do espírito humano (MARX, 1982, p. 227).

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Sobre a fragilidade dos teólogos alemães, que acabam se preocupando

mais com questões de Estado, deixando de lado o próprio cristianismo, diz Feuerbach

(2013, p. 19), ―o cristianismo já está tão deturpado e em desuso que até mesmo os

representantes oficiais e eruditos do cristianismo, os teólogos, não sabem mais ou

pelo menos não querem saber o que é o cristianismo‖.

O Estado, preocupação maior da teologia vulgar alemã, é, para o jornalista

da Gazeta Renana, em contraponto à ―tosca concepção de Estado‖ da Gazeta de

Colônia, ―uma livre comunidade de homens éticos‖ e que visa a ―efetivação da

liberdade‖ (MARX, 1982, p.227). O jovem periodista é um defensor radical da

liberdade e da igualdade jurídica, que traz em seu bojo a cidadania como paradigma.

Portanto, para que a ―liberdade sem sobrenome‖ possa reinar, a razão pública não

deve se confundir com a razão oficial, sobre esse ponto, cita-se:

A verdadeira educação ―pública‖ do Estado é, antes de tudo, a sua existência racional e pública. O Estado educa de fato os seus membros na medida em que os torna membros do estado, transformando os fins singulares em fins gerais, o impulso bruto em tendência ética, a independência natural em liberdade espiritual, enquanto o indivíduo goza sua vida na totalidade, e esta no sentimento do indivíduo (MARX, 1982, p. 228).

O Estado alcança seu conceito quando eleva os interesses particulares de

cada indivíduo a interesses gerais; as disputas egoístas e particularistas erigidas na

sociedade civil-burguesa e o risco de dissolução são suprassumidos na existência

estatal, que a todos deve agregar com um título da mais alta valia, o de cidadão de

um Estado.

Marx, como se pode perceber em carta envida a Arnold Ruge, acredita que

a crítica religiosa deve se dar por meio da crítica das condições políticas presentes na

Alemanha e tão bem representadas pelo governo prussiano. Vislumbram-se, então,

os limites da crítica teológica, posição que mais tarde será marcante. Escreve a Ruge:

[…] debía tenderse más bien a criticar la religión en la crítica de la condiciones políticas que a criticar la situación política a propósito de la religión, que era la que cuadraba más a la naturaleza de un periódico y a la cultura del público, ya que la religión, carente por sí de contenido, no vive del cielo, sino de la tierra y se derriba por sí misma al desaparecer la realidad invertida cuya teoría es‖ (MARX, 1982, p.688).

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O verdadeiro Estado político não deve confessar religião alguma; a razão

deve predominar nesse Estado, portanto é fundamental para o delinear da efetivação

da ―liberdade sem sobrenome‖ que haja liberdade religiosa, pois a razão que conduz

ao verdadeiro Estado toma decisões:

[...] não com base no cristianismo, mas a partir da própria natureza, a partir da essência do Estado mesmo, deveis decidir sobre justiça da constituição de um Estado; não a partir da natureza do cristianismo, mas a partir da natureza da sociedade humana (MARX, 1982, p.235).

Marx tinha clareza do significado da era moderna, que colocou abaixo as

estruturas medievais, pondo em seu lugar outro modelo arquitetônico – o Estado-

nação. Esse, livre e racional, como pensavam os iluministas, tem seu centro de

gravidade em si próprio. Como atesta Marx, a partir das leituras de Maquiavel,

Campanella, passando por Hobbes, Spinoza, até Rousseau, Fichte, chegando ao seu

maior desenvolvimento com Hegel, o político, que até então era visto pelo olhar

invertido da religião, passa a ser visto com olhos humanos, desenvolvendo suas

próprias leis desde si, pois, diz Marx: ―[...] o código francês de Napoleão não nasceu

do Velho Testamento, mas da escola de idéias de Voltaire, Rousseau, Condocet,

Mirabeu, Montesquieu e da Revolução Francesa‖ (MARX, 1982, p.236).

Portanto, Hermes não polemiza somente com a nova filosofia, mas com

toda ela, pois ―[...] a mais recente filosofia só tem continuado um trabalho já iniciado

por Heráclito e Aristóteles‖ (MARX, 1982, p.236). A moderna filosofia,

[...] considera o Estado como um grande organismo no qual a liberdade jurídica, ética e política devem alcançar a própria realização, e no qual o cidadão singular, obedecendo às leis do Estado, obedece somente às leis naturais da sua própria razão, da razão humana.

Em carta a Arnold Ruge, Marx sintetiza sua crítica ao Editorial 179 da

Gazeta de Colônia, bem como ao seu editor Hermes, dizendo: ―En él, ponía de

manifesto como los defensores del Estado mantienen el punto de vista de la iglesia y

los defensores de esta el punto de vista del Estado‖ (MARX, 1982, p. 676).

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4 KARL MARX E DIREITO DOS MISERÁVEIS DA TERRA

No presente capítulo, buscou-se traçar as primeiras linhas para

compreender a relação do pensamento marxiano com o direito. Para tanto, os objetos

estudados serão os dois principais textos nos quais Marx tratou do assunto de forma

direta, portanto, acredita-se que a partir desses escritos seja possível construir uma

visão mais fidedigna da posição do autor em relação ao pensamento jurídico de sua

época, bem como ao processo jurígeno como um todo. Os textos analisados são: O

Manifesto filosófico da escola histórica do direito e Debates sobre a lei que pune o

roubo da madeira.

Por ser esta uma primeira leitura analítica dos textos citados, procurou-se

expor os textos em sua imanência, deixando de lado, nesse momento, as

interpretações extrínsecas a eles. Contudo, para que o leitor se sinta mais confortável,

serão indicados, em breves notas de rodapé, alguns estudos clássicos acerca da

temática abordada. Assim, a quem pretenda aprofundar por sua conta e risco não

ficará desamparado para iniciar essa árdua tarefa.

Este capítulo se encontra dividido em três tópicos. O primeiro, intitulado

Direito e Marxismo: o caso soviético, pretende contextualizar o leitor acerca dos

debates realizados pela tradição marxista sobre o caráter burguês ou não do direito.

Como caso paradigmático, elegeram-se as discussões da escola soviética do direito.

Ao passo que se entendeu a tradição, passa-se ao remonte das posições de Marx

nos seus próprios textos, que serão os objetos do segundo e terceiro tópico.

No segundo, A crítica de Marx ao “Manifesto filosófico da escola histórica

do Direito”, deixou-se exposto as críticas de Marx à escola histórica do direito na

figura do seu patrono, Gustav Hugo. Aqui, o jovem jornalista, que nos tempos de

estudante já havia polemizado com a escola de Savigny, denuncia o caráter

retrógrado e medieval da escola histórica alemã.

Já no terceiro e último ponto, o texto analisado trata dos Debates sobre a

lei que pune o roubo da madeira, no qual o autor toma conhecimento do pauperismo37

37

Hans Stein (1932) contextualiza as condições de crescente pauperização que se apoderou do povo alemão no período conhecido por pré-março [Vormärz] de 1848. Nesse sentido, Stein analisa a produção de Marx na Gazeta Renana, tendo como fio condutor as posições do jornalista frente ao

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que se alastra sobre a Alemanha, tendo como principais vítimas os camponeses.

Nesse caso, ele defende a racionalidade do Direito que nasce junto aos ―de baixo‖,

enquanto aquele ―direito‖ que surge única e exclusivamente para tutelar os

proprietários, legítimos representantes da propriedade privada, é indigno de receber

tal nome, sendo, pois, um direito egoísta e apequenado.

4.1 DIREITO E MARXISMO: O CASO SOVIÉTICO

Embora não seja intenção deste capítulo remontar ao amplo quebra-

cabeça que engloba uma análise marxista do direito38, ter-se-á que situar o leitor,

ainda não envolto por essas questões, acerca das múltiplas interpretações que ao

longo do tempo foram se somando e formam hoje um verdadeiro mosaico. Longe de

se esgotar a questão, intenta-se, tão somente, auxiliar, a quem possa se deparar com

este trabalho, na leitura dos textos analisados, tendo em mente as variegadas

interpretações que sobre eles a tradição de juristas marxistas empreendeu.

Por esse motivo, elegeu-se o debate soviético sobre o papel do direito na

sociedade de classes. Afinal, o direito é sempre um direito que se exerce na

dominação de uma classe sobre a outra? Ou, ele transcende a sociedade de classes?

Essas são perguntas que atormentam todo jurista marxista e exigem dele esforço

crítico.

No pensamento soviético sobre o Direito39 é possível encontrar o cerne do

desenvolvimento dessas questões, sendo formuladas nas três primeiras décadas da

Revolução Russa (1917) por dois dos maiores juristas soviéticos40, Stuchka e

empobrecimento da população renana. É exatamente nesse contexto que se inscreve o artigo de Marx sobre o roubo da madeira.

38 Devido os claros limites delineadores do presenta trabalho, que não permite aprofundar a temática, indica-se, aqui, uma lista referencial de obras que remontam para a análise marxista do direito. Sobre marxismo e direito, ver: Roberto Lyra Filho (1980; 1983 - a; 1983 - b; 1984; 2006), Alysson Mascaro (2013), Vitor Bartoletti Sartori (2010), Ronaldo Bastos (2012), Márcio Naves Bilharinho (2014), Oscar Correas (1995), Ricardo Guastini (1989), Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero (1998), Umberto Cerroni (1975; 1972, cap. 4), Nicos Poulantzas (1967), Imre Szabo (1967) e Csaha Varga (1967). Cita-se também a importante crítica de Hans Kelsen (1955).

39 Sobre o sistema jurídico soviético, ver: Mario G. Losano (2007, cap. 5), Jacques Bellon (1975), Umberto Cerroni (1976).

40 Optou-se por enfocar apenas as posições de Stuchka e Pachukanis, em detrimento do amplo debate teórico sobre o direito soviético, por se entender que esse diálogo sintetiza bem os diferentes

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Pachukanis. Parte-se, então, para a descrição das posições tomadas por esses

pensadores, que às suas maneiras projetam todo debate da tradição marxista do

direito.

Piotr Ivánovich Stuchka41 (1865 – 1932) foi um dos mais destacados

juristas da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), onde ocupou os

cargos de Comissário do povo entre os anos de 1917 e 1918, tendo sido,

posteriormente, presidente do Tribunal Supremo da República Socialista Federativa

da Rússia. A seu cargo ficou, juntamente com Pachukanis, a organização da

Enciclopédia Soviética sobre o Estado e o Direito, onde sistematizou as suas

formulações sobre a função do Direito na sociedade de classes, bem como o papel

por este exercido em uma sociedade socialista.

Adotando uma visão instrumentalista do Estado e do Direito, Stuchka

entendia o direito como um sistema de relações sociais que tutelava a dominação

organizada de uma classe sobre a outra. Portanto, para ele, o Direito não era

puramente burguês, mas a burguesia, enquanto classe organizada, ter-se-ia utilizado

da igualdade jurídica formal para escamotear as desigualdades reais geradas pelo

sistema capitalista de produção.

O aludido jurista defendia um Direito que nasce das próprias relações

sociais, sendo a forma normativa apenas uma maneira de expressão desse Direito,

em síntese, explica Carlos Simões (1994, p. 31), ele concebe que ―a relação jurídica

aparece, então, como célula primária ou unidade de análise do tecido jurídico e a

norma como um momento posterior de que se valem os interesses privados para

aparecerem enganosamente como gerais ou públicos‖. A sua posição é sem dúvida

antinormativista, pois o direito é antes um constructo social.

Segundo concebe Stuchka (2009, p. 36), a teoria burguesa do Direito

pensa as relações jurídicas sempre a partir do Estado, portanto, com o perecimento

deste, há necessariamente o declínio do Direito em seu sentido burguês. Em

contrapartida, com a revolução socialista nasce também a possibilidade de um Direito

proletário, ainda que seja restrito ao período de transição.

problemas ao se pesquisar uma teoria marxista do direito. Contudo, para que os demais autores não fiquem esquecidos, recomenda-se a excelente resenha de Orlando Gomes (2006), onde se resume a posição dos mais diferentes autores soviéticos.

41 Ver Stuchka (1988).

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Referindo-se ao primeiro conceito de Direito verdadeiramente científico, diz

Stuchka (2009, p. 63), citando a formulação do Comissariado da Justiça de 1919: ―O

Direito é um sistema (ou uma ordem) de relações sociais que corresponde aos

interesses da classe dominante e que, por isso, é assegurado pelo seu poder

organizado (o Estado)‖. Além de revolucionário, esse conceito possui a grande

vantagem de poder ser adotado por qualquer outro sistema jurídico. Em suma, pensa

ele: ―tantas classes, tantos conceitos de Direito‖ (2009, p. 62).

Contrapondo-se à amplitude dada pelo primeiro, levanta-se Evgeny

Bronislavovich Pachukanis42 (1891 – 1937), que já nas primeiras páginas da sua

Teoria Geral do Direito e Marxismo43 (1924) demarca as diferenças com aquele

(PACHUKANIS,1988, p. 13):

Concordo, com reservas precisas, com uma outra censura que me dirige o companheiro Stucka, a de não reconhecer a existência do direito a não ser na sociedade burguesa. [...] as relações dos produtores de mercadorias entre si engendram a mais desenvolvida, universal e acabada mediação jurídica, e que, por conseguinte, toda a teoria geral do direito e toda a jurisprudência ―pura‖ não são outra coisa senão uma descrição unilateral, que abstrai de todas as outras condições das relações dos homens que aparecem no mercado como proprietários de mercadorias.

A crítica fundamental deste último à tradição marxista do direito é a de que

eles apenas introduziram mecanicamente o momento da luta de classes nas teorias

burguesas do Direito, acreditando que produziam uma teoria verdadeiramente

materialista, contudo, diz (PACHUKANIS, 1988, p. 20): ―disso não podemos esperar

mais do que uma história das formas econômicas com matizes jurídicos mais ou

menos carregados, ou uma história das instituições, mas jamais uma teoria geral do

direito‖.

Criticando Stuchka, constante interlocutor de Pachukanis ao longo da sua

obra (o que denota a importância do primeiro para a ciência jurídica soviética), diz ele

(1988, p. 41): ―ao dizermos, pois, que esta ou aquela relação social reveste formas

42

Evgeny Bronislavovich Pachukanis, filho de camponeses, foi vice-presidente da Academia Comunista e diretor do Instituto da Construção Soviética e do Direito. Exerceu o cargo de Vice-Comissário do Povo para a justiça da URSS, em 1936. Em 1937, Pachukanis desaáreceu durante as repressões estalinistas.

43 A principal obra de Pachukanis é Teoria Geral do Direito e Marxismo, publicada em 1924. Interessante é o fato dele ter revisto sua obra diversas vezes devido a censura estalinista. Sobre este processo de revisão da sua obra, recomenda-se a leitura do capítulo 5, Autocrítica e Recuperação do Direito Burguês, da obra de Márcio Naves Bilharinho (2008).

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jurídicas, nós não devemos exprimir uma simples tautologia: que o direito reveste uma

forma jurídica‖.

Em passagem elucidativa dos problemas enfrentados pelos juristas

soviéticos, por isso, pede-se permissão ao leitor para se ultrapassar os limites

razoáveis das citações, pois, na crítica pachukaniana a Stuchka, sintetiza-se os

amplos problemas da teoria do direito soviético, bem como das teorias marxistas

vindouras, diz (PACHUKANIS, 1988, p. 46):

[...] a nosso ver o companheiro Stucka expôs corretamente o problema jurídico, ao considera-lo como um problema de relações sociais. Porém, em vez de se pôr a investigar a objetividade social específica destas relações, regressou à definição formal habitual, mesmo estando esta circunstância a características de classe. Na fórmula geral dada por Stucka, o direito já não figura como relação social específica, mas como o conjunto das relações em geral, como um sistema de relações que corresponde aos interesses das classes dominantes e salvaguarda estes interesses através da violência organizada. Neste sistema de classe, o direito não pode, por conseguinte, ser separado de modo algum, enquanto relação, das relações sociais em geral, e então Stucka já não está habilitado a responder à insidiosa questão do professor Rejsner: como é que as relações sociais se transformaram em instituições, ou ainda, como é que o direito se tornou aquilo que é?

O que se pode extrair de substancial da crítica a Stuchka é que ele, assim

como a teoria burguesa do direito, eterniza a forma jurídica, embora a trate como fruto

das relações sociais, ele a generaliza e o efeito é naturalizador, portanto. Pachukanis

se destaca por adotar posição diametralmente oposta ao primeiro, buscando, por

meio da imbricação entre forma/conteúdo e essência/aparência, determinar o que há

de específico no direito, pois, segundo afirma, ―o sujeito jurídico das teorias do direito

se encontra numa relação muito íntima com o proprietário das mercadorias‖

(PACHUKANIS, 1988, p. 8). Buscou a partir do particular sistema de relações

desencadeado pelo modo de produção capitalista, amplo produtor de mercadorias44,

desentranhar a forma jurídica de sua aparente naturalidade, remontando, então, para

a história real que tem vida própria em relação ao seu conceito.

44

Marx inicia sua obra monumental, O Capital: crítica da economia política, com a seguinte citação sobre a forma elementar da riqueza na sociedade capitalista, diz ele: ―A riqueza das sociedades onde reina o modo de produção capitalista aparece como uma ‗enorme coleção de mercadorias‘, e a mercadoria individual como sua forma elementar‖ (MARX, 2013, p. 157). Da forma mercadoria, portanto, também parte Pachukanis.

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Defende que, na sociedade burguesa, a forma jurídica (PACHUKANIS,

1988, p.14)

[...] adquire uma significação universal; é por isso que a ideologia jurídica se torna a ideologia por excelência e que também a defesa dos interesses de classe dos exploradores surge, com um sucesso sempre crescente, como a defesa dos princípios abstratos da subjetividade jurídica.

A posição assumida é a de aproximar a forma mercadoria da forma

jurídica, onde recorre intensamente a obra O Capital de Marx45. Para ele, antes da

sociedade capitalista não se pode falar em um direito abstrato e universal, mas tão

somente é permitido dizer que há um protodireito46, pois com o evanescimento das

relações feudais e a generalização das trocas é que passa a fazer sentido falar em

direito. Destaca, portanto, o caráter burguês do Direito, dizendo: ―Não só indiquei que

a gênese da forma jurídica está por encontrar nas relações de troca, como também

mencionei qual o momento que, na minha opinião, representa a realização completa

da forma jurídica: o tribunal e o processo‖ (PACHUKANIS, 1988, p. 12).

Portanto, do debate soviético se depreende duas visões acerca do Direito,

a primeira, dentre outras nuances, compreende o Direito não só enquanto instrumento

de dominação de uma classe sobre a outra, mas, entendendo este como

transcendente às classes. Já a segunda visão, ligada à tradição pachukaniana,

encara o direito como essencialmente burguês e que, portanto, a forma jurídica deve

ser abolida na sociedade comunista.

Após esse breve recorte do debate soviético, entra-se na análise imanente

dos artigos de Marx da Gazeta Renana que iluminam as concepções do jovem

jornalista sobre o Direito.

45

Obra com clara inspiração pachukaniana é a de Estênio Ericson Botelho de Azevedo (2012). Estênio procura desvendar a gênese das formas jurídicas em Marx, para tanto o autor recorre à leitura da forma mercadoria desenvolvida por Marx n‘O Capital.

46 Michel Miaille (1988) é da mesma opinião de Pachukanis, pois afirma o autor francês que não se pode falar em direito na Idade Média, tendo em vista que a diferença entre servos e senhores não permitia o estabelecimento de uma qualidade comum pela qual se pudesse medir um direito também comum. As revoluções burguesas uniram a humanidade por meio do sujeito de direito abstrato, portanto, partindo dessa noção é que se pode falar em igualdade formal, portanto direito em seu sentido moderno. Antes, o máximo que se podia dizer é que haviam vários sistemas jurídicos partindo de pesos distintos.

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4.2 A CRÍTICA DE MARX AO “MANIFESTO FILOSÓFICO DA ESCOLA HISTÓRICA

DO DIREITO”

O primeiro contato sistemático de Marx com o que se pode chamar de

teoria do Direito ocorre na Universidade de Berlim, quando cursava a Faculdade de

Direito, portanto, os debates envolvendo as questões relativas à jurisprudência não

lhes eram estranhos. Mesmo diante da escolha pela filosofia, o direito é estudado de

forma complementar, tanto que ao escrever, em 1837, sua Carta ao Pai, relata ter

redigido 300 páginas do que seria uma obra sobre o Direito Público, mas que,

segundo a divisão feita entre Doutrina formal do Direito e Doutrina material do Direito,

havia cometido o erro de separar forma e conteúdo, diz ele: ―o conceito é, em

verdade, o elo intermediário entre forma e conteúdo. No desenvolvimento filosófico do

Direito, um deve emergir no outro. Com efeito, a forma pode apenas ser a

continuação do conteúdo‖ (MARX, 1982, p.4). Kant e Fichte são suas primeiras

influências filosóficas nesse projeto grandioso de construir uma filosofia do direito

(ADAMS, 1940, p. 22), projeto que não chegaria ao conhecimento do público se não

fosse a carta dirigida ao pai.

Apesar dos poucos trabalhos que tratam da relação de Marx com a filosofia

kantiana47, vê-se nos escritos da Gazeta Renana uma aberta disposição em relação a

Kant e Fichte. Note-se, por exemplo, a refutação peremptória que o autor faz acerca

da filiação filosófica de Hugo, pai da Escola histórica, com a filosofia kantiana,

questão a ser encarada mais adiante. Sobre o amplo leque de fontes a que recorre no

período em que se dedica ao jornalismo, diz Mclellan (1970, p. 101):

Some have maintained, for example, that Marx shows himself here as already practically free from hegelian influence. Although it is true that Marx has many expressions and lines of argument that are akin to Spinoza and Kant, Marx nevertheless in general declares himself a disciple of Hegel.

O caráter plural das influências de Marx neste período torna seus textos

mais ricos e complexos, principalmente devido às peculiaridades da atividade

47

Para se compreender melhor a relação entre Marx e Kant, ver Oskar Negt (2004) e Kojin Karatani (2005). No mesmo sentido de aproximar o pensamento de Kant e Marx vai a obra do neokantiano Karl Vorländer (1911), que dedicou algumas obras para discutir a relação da filosofia kantiana com o pensamento socialista.

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jornalística, na qual o diálogo entre as tradições filosóficas nem sempre está exposto

aos olhos do leitor. Feitas as devidas ressalvas, parte-se para a sua crítica ao

“Manifesto filosófico da escola histórica do direito”, mas não sem antes tecer breves

comentários acerca dessa escola e ao que ela se propõe.

A Escola Histórica Alemã do Direito48 tem o mérito, mais perceptível agora

que na época em que Marx escreveu a sua crítica, de contrapor o elemento histórico

e cultural ao método exegético de interpretação do direito. Contudo, adotar posição

contrária às codificações, como fez a escola histórica, em pleno desabrochar das

Revoluções Burguesas, que aconteciam por toda Europa ocidental, pondo abaixo os

alicerces do antigo regime, era tomar parte desse processo de maneira conservadora

e reacionária.

Os principais representantes dessa escola são Gustav Hugo49 (1764 –

1840), Puchta (1798 – 1861) e Savigny (1779 – 1861), principal representante da

Escola Histórica. É dele a autoria de uma pequena obra intitulada Da vocação da

Nossa Época para a Legislação e a Jurisprudência, em que responde a Thibaut, que

defendia, na obra Da Necessidade de um direito Civil Geral para a Alemanha, a

unificação das legislações dos diversos estados alemães em um código único.

Savigny, que ocupava o cargo de Ministro da Justiça e tinha sido professor de Marx50

na Universidade de Berlim, ―só admitia a codificação em nações que apresentassem

elevado grau de estratificação social, ou seja, em que os costumes já estivessem

devidamente consolidados e pudessem garantir eficácia à legislação‖ (MARQUES,

2001, p. 102). O Direito, para ele e para os seus discípulos da Escola Histórica, que

combatiam os ideais do Aufklärung, ―não nasce da criação racional do legislador, mas

da ‗vivência‘ de um povo, da conformação de uma ‗existência espiritual‘ que se

desenvolve espontaneamente ao longo das gerações‖ (ENDERLE, 2005, p. 112).

Contrário ao caráter racional das codificações, defendia a positividade dos costumes,

manifestação do espírito do povo.

48

Para uma breve compreensão do significado da Escola Histórica do Direito, recomenda-se a leitura Gustav Radbruch (2004, p. 27 – 30). Se a intenção for aprofundar os conhecimentos acerca dessa escola se aconselha a obra de Mário Losano (2008, Vol. 1, caps. 12 e 13).

49 Gustav Hugo já havia, inclusive, sido brevimente criticado por Hegel, que diz: [...] no creemos que

tenga la pretensión de pasar por filosofo. Pues una cosa es la consecuencia intelectiva y otra cosa el concepto filosófico‖ (1995, p. 375). 50

Recomenda-se, para o aprofundamento da temática, indica-se texto clássico do pensamento marxista francês: Hasso Jaeger (1967) no texto intitulado Savigny et Marx.

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Eduard Gans51 foi a primeira influência de Marx em Berlim, daquele o

jovem estudante renano acompanhou as disciplinas sobre o direito penal e sobre o

código civil prussiano. Como ressalta Mehring (2013, p. 26), Gans levantou sua voz

―contra a estreiteza, a obrigatoriedade e a influência nociva desta escola [histórica do

direito] na legislação e no desenvolvimento do Direito‖. É dele que Marx retira as

primeiras críticas à teoria de Savigny e sua escola.

A crítica ao “Manifesto Filosófico da Escola Histórica” fazia parte de um

projeto que envolvia outros três artigos que deveriam ser enviados para Arnold Ruge

publicar no Anekdota. Os demais artigos, que não se concretizaram, deveriam tratar

dos seguintes temas: ―Sobre a arte religiosa‖, ―Sobre os românticos‖ e ―Sobre os

filósofos positivos‖52.

O único trabalho que concretizou, não sem atrasos53 e por isso mesmo é

publicado na Gazeta Renana, foi o que tinha por objeto a crítica à famigerada Escola

Histórica. O fio condutor dessa crítica é a crença de Marx na positividade da razão,

para a qual o Estado e suas instituições devem se guiar enquanto conceito. A sua

defesa vai ao encontro do caminho já traçado nos artigos sobre a liberdade de

imprensa, objeto do capítulo anterior, isto é, ao Estado cabe garantir a máxima

efetividade da liberdade dos indivíduos enquanto cidadãos. Portanto, como defensor

da razão, ele escreve, em agosto de 1842, na edição de número 221 da Gazeta

Renana, o artigo intitulado “O Manifesto Filosófico da Escola Histórica do Direito”, no

qual procura criticar a aludida Escola do Direito desde as suas origens filosóficas, que

remontam a Gustav Hugo.

Aludindo ironicamente às correntes filosóficas do século XVIII, que

procuram as origens da sociedade no hipotético estado de natureza, diz Marx: ―El

hombre natural de la Escuela histórica, no cubierto todavía por el barniz de la cultura

51

Sobre o pensamento jurídico do hegeliano Eduard Gans, ver Mário Losano (2008, Vol. 1, pp. 162 – 169).

52 ―La ‗filosofía positiva‘ era una tendencia místico-religiosa de la filosofía de los afios treinta, que criticaba a Hegel desde la derecha (Weisse, Inm. H. Fichte, Cünther, Baader y, más tarde, Schelling). Supeditaban la filosofía a la religión, eran contrarios al conocimiento racional y no admitían más fuente del ‗saber positivo‘ que la revelación divina. Toda filosofía basada en la razón era, para ellos, negativa‖ (1982, p. 711).

53 Os atrasos com seus projetos se deviam aos vários problemas familiares pelos quais passava Marx, em 9 de julho de 1842, Marx escreve a Ruge: ―[...] es una verdadera suerte que los problemas públicos impiden que un hombre de caráter pueda irritarse por los asuntos de orden privada‖ (MARX, 1982, p. 676).

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romántica, es Hugo. Su tratado de Derecho natural es el Viejo Testamento de la

Escuela histórica‖ (1982, p. 237). Com isso, justifica a sua escolha por criticar

diretamente Gustav Hugo.

A Escola Histórica, argumenta Marx, ―ha hecho del estudio de las fuentes

su santo y seña, al llevar la pasión por las fuentes hasta el extremo de sugerir ál

navegante que mueva su buque no por el río, sino por la fuente de que nace (1982, p.

237). Portanto, contra o apego irracionalista é que se volta a sua crítica, que se

assenta na defesa da razão à maneira ora de Spinoza, ora de Kant. Nem tudo que é

positivo é racional, por isso não se deve agarrar-se acriticamente às fontes históricas,

ou à ideia obscura de espírito do povo, a razão é o tribunal, pois.

Como discípulo de Kant, Hugo é um péssimo intérprete, pois sustenta a

validade do não-verdadeiro a partir da constatação de ser impossível se chegar à

verdade, por isso procura provar que a razão não comanda nenhuma instituição

positiva, tais como a propriedade, a constituição do estado, o direito, o matrimônio

etc., na verdade, essas instituições contradizem o desenvolvimento da razão. Então,

sustentam, Hugo e seus discípulos, que o positivo existe apesar da razão. Diz Marx

(1982, p. 238),

Por tanto, Hugo profana cuanto es sagrado para el hombre jurídico, moral y político, pero sólo destroza a estos dioses para poder rendirles el culto histórico debido a las reliquias, los profana a los ojos de la razon para luego rendirles culto a los ojos de la historia y, al mismo tiempo, para rendir culto a los ojos históricos.

A Escola histórica do Direito é acrítica, assim como seu pai Hugo, dá à

história um único significado, qual seja a de ser passado e isso de antemão lhe

garante autoridade. Como explica Marx (1982, p. 238):

El siamés que considera como el orden natural eterno el que su rey pueda coserle la boca al charlatán y rasgársela hasta las orejas al orador torpe, es, para Hugo, tan positivo como el inglés, para quien es una paradoja política el hecho de que su rey ordene por sí y ante sí una emisión de monedas.

Hugo, um ―cético perfeito‖, sacraliza o passado, acorrentando o presente,

ele (MARX, 1982, p. 239):

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Entiende que se ha arrancado a lo positivo su apariencia, lo racional, pero sólo para no tener que ver ya en lo racional nada racional, para poder reconocer lo positivo sin la apariencia de la razón; entiende que se han despojado las cadenas de las flores falsas para poder llevar auténticas cadenas no adornadas por flores.

Como discípulo de Kant, ironicamente, Hugo é um exímio representante

dos anseios do antigo regime, nas palavras do autor (MARX, 1982, p. 239), é um

―iluminista do ancien regime‖, pois ―si podemos fundadamente considerar la filosofía

de Kant como la teoría alemana de la revolución francesa, el Derecho natural de Hugo

debe considerarse como la teoría alemana del ancien régimen francés‖.

Dando razão à crítica ao Manifesto da Escola Histórica, que representa

uma espécie de ―anti-esclarecimento‖, Rubens Enderle (2005, p. 113) diz:

[...] o que está em jogo é [...] a afirmação conservadora de uma matriz de identidade que subjaz inalterada a toda mudança histórica: o espírito do povo [compreendido como a substância, a essência que preside o desenvolvimento orgânico do direito na história] adapta-se a novas realidades, incorpora novos conteúdos, mas o faz sem modificar sua ‗essência‘, sua ‗especificidade‘, aquilo que o constitui como espírito de um povo particular.

Sobre a metodologia da Escola Histórica, explica José Barata-Moura (1994,

p. 351) que consiste em:

Proceder a uma sistematização (técnico-erudita, e não filosófico-política) do direito transmitido, tomando-o como incontornável base positiva onde se poderão decerto introduzir melhorias de ordenamento e exposição, mas em que, no limite, não haverá que inovar materialmente.

Marx neste artigo sai em defesa da razão enquanto balizadora do positivo,

isto é, das instituições do Estado, bem como da propriedade e da família, pois o ideal

em que se baseia ainda é, em certa medida, o do iluminismo. Nega-se a aceitar ―el

derecho del poder arbitrário‖ (1982, p. 243), advogando em defesa de um quadro

jurídico-político de perfil liberal e democrático. Por isso, não é de se estranhar que

Mandel e outros tantos estudiosos de Marx o qualifiquem como um democrata radical,

que ao combater o autoritarismo estatal, reafirma constantemente a razão pública e a

positividade da política.

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Segundo José Chasim (2009, p. 52), as obras pré-marxianas54 marcam ―de

cabo a rabo, uma subjetividade racional, fundante e operante, que não nega o mundo

objetivo, mesmo porque o concebe como passível de racionalização pela ação crítica

da filosofia libertadora‖. Estão presentes nos escritos desse período a mesma

autoconsciencialidade que norteia toda a tese de Marx sobre as filosofias da natureza

de Epicuro e Demócrito.

Em elegante síntese do período de Marx na Gazeta Renana, diz Mandel

(1978, pp. 11 e 12): ―a sua posição fundamental permanece a da luta por um Estado

‗humano‘; coloca-se ainda no plano dos ‗direitos humanos‘ em geral, no plano da luta

contra as reminiscências feudais‖. Acrescenta ainda que ―tal como Hegel, [Marx]

considera que o Estado deverá ser ‗a realização da liberdade‘‖. Contra a

irracionalidade e o retrocesso da Escola histórica, o jovem hegeliano de esquerda

impõe o poder e a positividade das instituições democráticas, necessariamente

racionais.

4.3 EM DEFESA DO DIREITO DOS MISERÁVEIS DA TERRA

Neste tópico, último do capítulo, Marx apresenta uma visão aberta e nada

dogmática do Direito, vendo nos miseráveis um dom natural para as criações

jurígenas. Insurgindo-se contra os representantes da propriedade privada, que

impõem a retirada do direito consuetudinário dos camponeses, gerando um processo

tenebroso de pauperização do campesinato, ele defende a superioridade do direito

desses miseráveis frente ao egoísmo dos proprietários.

Fazia parte do projeto inicial de Marx analisar os debates da VI Dieta

Renana em três artigos, no entanto publicou somente o primeiro – sobre a liberdade

de imprensa – e o terceiro – que trata da lei sobre o roubo da madeira. O segundo

artigo foi objeto da censura prussiana, não chegando sequer a ser publicado

54

Para José Chasim, os escritos de Karl Marx anteriores às primeiras críticas ao pensamento hegeliano, que remontam ao ano 1843, podem ser considerados pré-marxianos, pois não se encontram neles nenhuma marca de originalidade filosófica. Depois de 1843, Marx passa a figurar no cenário intelectual como um pensador originário, que criticando a especulação, a política e a economia política. Antes de amalgamar essas três áreas do pensamento, o pensador renano os supera, criando, assim, um pensamento digno de se chamar marxiano.

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posteriormente, o que se sabe é que supostamente abordava a ingerência da igreja

em questões de Estado.

Em fins de 1842, entre os meses de outubro e novembro, ele escreve o

artigo mais importante para o seu percurso ulterior, pois neste trabalho, publicado em

cinco edições da Gazeta Renana (298, 300, 303, 305, 307), enfrenta pela primeira vez

questões relacionadas às ditas necessidades materiais do povo55. Nele, diz Chasim

(2009), ―[Marx] procurou resolver problemas socioeconômicos recorrendo ao

pretendido formato racional do Estado moderno e da universalidade do direito‖ (p. 50).

Sua argumentação segue a linha da contraposição entre os particularismos

representados pela propriedade privada e a universalidade do Estado, que é a

encarnação da própria Razão.

Esbarrando mais uma vez nos interesses egoístas dos estamentos, o

―Estado, que deveria ser a encarnação do ‗interesse geral‘, parece agir apenas no

interesse da propriedade privada e, para fazê-lo, viola não apenas a lógica do direito,

mas ainda princípios humanos evidentes‖ (MANDEL, 1978, p. 12). Portanto, nos

debates sobre o roubo da madeira, Marx sente o calor da terra firme tocar seus pés e

as questões relativas às necessidades materiais o encaminham para as incertezas do

mundo econômico, estranho a ele até então.

No artigo cujo título é A lei sobre o roubo da madeira, a posição adotada é

de radical defesa do direito consuetudinário dos camponeses de recolher a madeira

seca, já caída, portanto. Uma lei aprovada pela Assembleia Estadual da Renânia

passou a considerar furto a ―subtração de madeira caída e apanhada no chão ou o

recolhimento de madeira seca‖ tal qual a ―subtração de madeira verde, ainda de pé‖

(MARX, 2006). Ao tratar como ―purismo gramatical‖ a discursão sobre a tipificação

jurídica da ação de retirar a madeira, tratando-a, pois, como furto, a Assembleia é

responsável que ―uma massa de seres humanos, sem intenção criminosa, seja

abatida da verdejante árvore da moralidade e lançada no inferno do crime e da

miséria, tal como se fosse madeira caída e apanhada no chão‖ (MARX, 2006).

A lei não cumpria seu dever de ser a ―porta-voz geral e autêntico da

natureza jurídica das coisas‖, pois, segundo Marx (2006), ―a natureza jurídica das

55

Para uma compreensão mais profunda e contextualizada deste artigo de Marx, ver Daniel Bensaïd (2007), Jacques Michel (1986) e Mikhaïl Xifaras (2002).

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coisas não pode, por isso, comportar-se segundo a lei, mas sim é a lei que deve

comportar-se segundo a natureza jurídica das coisas‖, haja vista que resolve ignorar

as diferenças fundamentais entre a ação humana de coletar e de roubar.

No caso da coleta, a madeira já se desprendeu da propriedade, está caída;

enquanto no roubo, ela está presa ao troco, ainda verde, portanto. Tal lei mente sobre

a natureza das coisas, que sendo jurídica, cabe à lei apenas reconhecê-la. Assim

como os lírios não nascem das leis, nesse mesmo sentido, concorda Marx, a estas

não cabe o poder de criar natureza alguma, muito menos modificar a natureza das

coisas. Coletar e roubar são ações e intenções distintas, é papel da boa legislação

reconhecer isso.

O autor denuncia os interesses privados que inundam a assembleia com

seu egoísmo, pois se baseiam na seguinte ideia: lei boa é aquela que me favorece,

sendo o proveito próprio o critério de criação das leis. O utilitarismo legal domina as

ações da assembleia, que contaminam os reais interesses do Estado, que é o bem

comum do povo.

Na assembleia, o Direito Humano mais básico, a liberdade, é sufocado em

nome de uma humanidade divorciada, animalesca. Nesse ambiente, somente é

possível a igualdade no nível de cada estamento, isto é, dos interesses egoístas de

cada estamento, subsumido nos privilégios de cada um deles. A igualdade jurídica é

impossível nesse período animalesco da humanidade, pois ―a única igualdade que

surge na vida real dos animais irracionais é a igualdade existente entre um destes e

os outros de sua espécie determinada‖ (MARX, 2006). Acerca do caráter precário e

antiliberal da Assembleia, onde o ser humano ainda vivencia sua história animal, diz

Marx:

[...] se os privilegiados do Direito legal apelam ao seu Direito Consuetudinário, exigem, em vez do conteúdo humano do Direito, a forma irracional-animalesca do Direito que, agora, transformado em mera máscara selvática-animal, perde a sua realidade (MARX, 2006).

O ponto alto do artigo é a defesa do direito costumeiro dos pobres em

disputa com os direitos da aristocracia. Ele argumenta que estes últimos contradizem

a forma da lei universal justamente pelo seu conteúdo, constituindo verdadeiros

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ilícitos consuetudinários; os direitos aristocráticos ―são formações condizentes com a

ausência da lei‖ (MARX, 2006). Já o direito que emerge dos pobres e miseráveis, por

outro lado, em nada contradiz a lei universal. São, por isso, um Direito Racional, pois

mesmo os direitos consuetudinários devem passar pelo tribunal da razão. Nas

modernas sociedades, ―o Direito deixa de depender do acaso de ser o costume

racional ou não, sendo que o costume que se torna racional, porque o Direito se torna

legal, porque o costume se torna costume do Estado‖ (MARX, 2006). O que garante a

racionalidade dos costumes é se tornar um costume no seio de um verdadeiro

Estado.

As influências de Marx nesse período, como já tratado, são as mais

diversas, ficando, em muitos pontos, explícita a sua leitura kantiana, como atesta Ana

Selva Albinati (2001, p. 115):

Nesses artigos, podemos perceber que Marx compartilha do reconhecimento do direito e do estado enquanto instâncias de representação da racionalidade e da liberdade humanas, herdeiro de uma antropologia racionalista de afiliação claramente kantiana.

O Direito Consuetudinário para ser Racional e, portanto, não colidir com a

forma da lei universal deve ter no seu costume uma ―antecipação de um Direito

Legal‖. Nisso, o autor firma o entendimento da impossibilidade de haver um Direito

Consuetudinário Racional e ao mesmo tempo aristocrático, este é, necessariamente,

contrário àquele. O mesmo não ocorre com os Direitos Consuetudinários da Pobreza.

Eles, diz Marx,

[...] são direitos contrários aos costumes do Direito Positivo. Seu conteúdo colide não com a forma legal, senão muito mais com a sua própria ausência de forma. A forma da lei a ele não se opõe, visto ser este o que ainda não alcançou a forma da lei (MARX, 2006).

Em importante passagem, ele antecipa com lucidez em que resultariam as

legislações da burguesia na sua fase de decadência ideológica, cita-se:

[...] em relação ao Direito Privado, as legislações liberais limitaram-se a formular e elevar a um nível universal os direitos que encontraram já existindo. Onde não encontraram tais direitos, não criaram nenhum [...]. Seu

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comportamento foi correto por opor-se àqueles que possuíam costumes, situados além do Direito, porém foi incorreto por proceder contra os que possuíam costumes, a despeito do Direito (MARX, 2006).

E completa, dizendo:

[...] essas legislações eram necessariamente unilaterais, pois todos os Direitos Consuetudinários dos Pobres assentavam-se sobre o fato de que uma certa forma de propriedade possuía um caráter indefinido que nem a qualificava decididamente como propriedade privada nem tampouco resolutamente como propriedade comum, sendo uma mistura de Direito Privado e de Direito Público, tal como encontramos em todas as instituições da Idade Média (MARX, 2006).

As soluções unilaterais das legislações iluministas, que aplicaram as

categorias do Direito Privado abstrato, já existente no Direito Romano, não deram

conta do caráter híbrido das formações jurídicas medievais, onde a separação entre

direito público e direito privado não estava assentada. No contexto da Idade Média é

possível identificar um duplo direito privado, qual seja o do possuidor e a do

desapossado, deste último não restou vestígio.

Em defesa dos pobres e desapossadas, ele destaca os limites do sistema

jurídico burguês, que não levou em conta a essência híbrida das formas medievais do

Direito, dizendo:

[...] há objetos de propriedade que, por sua própria natureza, não podem jamais adquirir o caráter da propriedade privada predeterminada, objetos da propriedade que pertencem, por sua essência elementar e sua existência eventual, ao Direito da Ocupação da classe que é precisamente excluída mediante o Direito da Ocupação de todas as demais propriedades, classe essa que assume, na sociedade civil, a mesma posição que aqueles objetos assumem na natureza (MARX, 2006).

Marx como se pode notar, não identifica a miséria real dos camponeses

com as próprias condições como estão se acomodando as relações materiais da sua

época, mas como uma questão de Estado e de Direito. O próprio autor vê o mundo

invertido, para ele, a miséria real, verdadeiro sujeito, converte-se em predicado;

enquanto a precariedade jurídica, consequência da miséria real, reverte-se de sujeito.

A verdade é simples: a miséria jurídica dos pobres não é mais que consequência de

sua miséria material.

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Aos pobres, os despossuídos, o autor atribui um ―sentimento instintivo de

Direito‖, que encontra sua raiz natural no Direito Consuetudinário, pois ―a existência

da própria classe pobre tem sido, até o presente momento, um mero costume da

sociedade civil, costume esse que ainda não encontrou nenhum local adequado, no

interior do círculo da organização consciente do Estado‖ (MARX, 2006). Onde a

propriedade privada fala – os ricos são seus tradutores oficiais, são seus

representantes legítimos – a camada pobre e miserável da sociedade civil burguesa é

excluída no seu Direito, perdendo sua cidadania, que é substituída pelo status de

vilania; os pobres são marginalizados e tudo que conhecem do direito é o direito penal

da sociedade capitalista. A lei em questão converte a miséria em crime, o que,

segundo Marx, é consequência do caráter privado das decisões da Assembleia, os

representantes ali reunidos não enxergam mais que seu próprio interesse.

O interesse privado não vê na lei racional uma manifestação universal da

liberdade, mas tão somente a liberdade de manifestar seus desejos em forma de lei

universal. Faz do Estado o seu servo e dos seus desafetos, inimigos do próprio

Estado. Contra o egoísmo dos proprietários, Marx impõe a defesa da cidadania, que

conecta o indivíduo-cidadão por meio de nervos vitais ao Estado. A cidadania,

entende:

Não se limitará a retirar dos participantes de uma classe a impossibilidade de pertencerem a uma esfera superior de direitos, senão elevará ainda a própria classe destes à possibilidade real de possuir direitos (MARX, 2006).

O Estado deve contemplar, diz Marx:

[...] até mesmo em um contraventor de madeira um ser humano, um membro vivo, no qual flui o sangue do coração do Estado, um soldado que deve defender a pátria, uma testemunha cuja voz deve valer diante do tribunal, um membro comunal que deve exercer funções públicas, um pai de família cuja existência é sagrada e, sobretudo, nele contemplará um cidadão do Estado (MARX, 2006).

Em cada um de seus membros vive o Estado, independentemente das

condições sociais, pois a igualdade jurídica é algo do qual não se pode abdicar. Ao

excluir um de seus membros das suas determinações, o Estado amputa a si mesmo,

isso ocorre sempre que faz de um cidadão um criminoso.

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Sob a égide do interesse privado, a razão do Estado é capitulada e o

legislador egoísta converte privilégios em leis fundadas no proveito próprio. Age,

sobretudo, por medo de ver afetado seu patrimônio, por isso não reconhece a

humanidade, mas apenas uma parcela dela; o instinto animalesco da

autoconservação comanda o processo legislativo.

Na lei sobre o furto da madeira, encontra-se a regulamentação da

jurisdição patrimonial. Impera a ―lógica do egoísmo‖, pois o interesse do proprietário

da floresta é a alma da legislação, não se procura estabelecer uma proteção de igual

medida para o proprietário de madeira e para o contraventor de madeira, predomina o

padrão jurídico medieval, que não reconhece a igualdade jurídica. A Assembleia

renana não reconhece o vínculo orgânico existente entre os indivíduos e o Estado,

isto é, a própria cidadania.

Os representantes da propriedade privada rebaixam os interesses públicos,

submetem-nos aos seus meios antijurídicos e irracionais; a propriedade privada não

tem meios de elevar-se ao nível do Estado. Enquanto este, quando autônomo aos

interesses privados, tem o dever incondicional de guiar sua conduta por meios

racionais e universais, respeitando a sua própria dignidade. Portanto, a propriedade

privada age como uma barreira à efetivação dos princípios que conduzem ao Estado

racional. Este, que deve ser o fim, torna-se meio do vil interesse dos proprietários.

No caso da lei sobre o furto da madeira, como destacado, o proprietário da

floresta é o único a ter seu interesse tutelado, não como cidadão, mas enquanto

representante dos interesses da propriedade privada. Sobre as formas de proceder

segundo privilégios, diz Marx:

[...] vê-se que o egoísmo, o proveito próprio, possui dois tipos de peso e medida como os quais mede e pesa os seres humanos, duas diferentes concepções de mundo, dois tipos de óculos: através de um deles, enxerga-se em preto, através do outro, enxerga-se colorido (MARX, 2006).

A vontade livre é aprisionada na ―sofística do interesse‖, sendo livre apenas

quando ―coincida com a esfera do arbítrio daquelas pessoas privadas privilegiadas‖

(MARX, 2006). Por isso, é intento do espírito egoísta converter suas paixões em

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paixões de Estado, suas devoções em devoções oficiais e seus privilégios em

direitos.

Assim como o Estado, o Direito é apenas um meio para a realização dos

interesses da propriedade privada; os proprietários ―tratam o Direito não enquanto um

objeto autônomo, mas sim direcionam a sua atenção [...] por detrás das costas do

Direito‖. Portanto, ―se o Direito não realiza esse objetivo final, é esse Direito um

Direito anti-teleológico. Um Direito desvantajoso para o interesse privado é, portanto,

um Direito de consequências desvantajosas‖ (MARX, 2006). Assim o interesse

privado se considera o fim para o qual tudo no mundo deve caminhar.

Esses interesses não têm limites, mas limitam a razão estatal quando a

subjugam, o Direito Público, então, converte-se em Direito Privado, a razão em

cálculo egoísta, os fins tornam-se meios, ―ao sentimento de Direito e equidade,

visando à proteção do interesse do proprietário da vida, do proprietário da

humanidade, do proprietário do Estado, do proprietário de nada, a não ser de si

mesmo‖ contrapõe-se ―o sentimento de Direito e de equidade, visando à proteção do

interesse do proprietário de floresta‖ (MARX, 2006), sendo este último o que

prevalece na Assembleia renana e onde quer que os interesses da propriedade

privada falem mais alto.

O princípio que norteia a lei sobre o furto da madeira é o do interesse

privado, que deve prevalecer, mesmo que para isso a liberdade e o Direito tenham

que ser sacrificados. O Estado, para Marx, caminha na ―trilha solar da justiça‖, por

isso ―[este] há de assegurar vosso interesse privado, na medida em que este possa

ser assegurado mediante leis racionais‖, pois ―não pode proceder contra a natureza

das coisas, não pode produzir o infinito contra as condições do finito, não pode fazer o

plenamente seguro contra o acaso‖ (MARX, 2006). Neste sentido, as formas jurídicas

são tremendo empecilho para a conclusão dos interesses privados, que se chocam

constantemente com o sentido do Direito racional. O Direito do interesse é o único

válido, pois a ele todos os outros direitos são subordinados.

A Assembleia Estadual Renana ―perfurou o coração do Direito‖, deixando a

―consciência ético-moral‖ ser vencida pela consciência egocêntrica dos proprietários

de florestas, que fazem do Direito uma simples formalidade, sem valor algum, já que

―não é a forma do conteúdo‖, pois ―ao conteúdo servil uma forma servil‖ (MARX,

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2006). A Assembleia suplantou o Direito em nome do frio interesse particular, que

despida de qualquer legalidade, vestiu-se com trajes legais para esconder seu espírito

de porco.

Portanto, é possível assegurar que a posição de referência do autor nesse

momento é a de um elegante defensor dos institutos liberais, que garantem a cada

indivíduo a medida da igualdade, permitindo a cada um gozar da mais ampla e

revigorante liberdade pública.

No entanto, já se percebe que o Estado garante a coesão racional da

sociedade civil-burguesa, que de outra maneira se desintegraria diante dos interesses

da propriedade privada. Esta passa a ser encarada por Marx como produtora de não-

direitos, pois tendo-a como paradigma nenhuma assembleia legislativa é capaz de

produzir leis em seu sentido material, enquanto positivação da liberdade, pois o

horizonte é sempre o dos privilégios.

Em contrapartida, da parte dos miseráveis, sem propriedade, pode-se

esperar dos seus costumes um direito inteiramente condizente com os ideais

racionais e universais, pois fora do mundo do frio cálculo da propriedade privada, a

sua posição é, portanto, inteiramente condizente com os interesses da humanidade

com um todo.

Marx se mostra um defensor do caráter positivo do Estado e do Direito,

delineado pelos ideais do Aufklärung e alinhado com a crítica radical dos jovens

hegelianos de esquerda, numa espécie de idealismo ativo. Isso é, em linha gerais,

ainda de modo bastante precário, o que se pode afirmar acerca das posições político-

filosóficas de Karl Marx nos tempos da Gazeta Renana, onde ele permanece até 17

de março de 1843, quando a censura não lhe dá outra escolha que não seja a sua

saída.

Em 1842, ele critica o projeto de lei do divórcio, que contou com a direção

de Savigny. Esse projeto sobre o divórcio ostentava status de ultrassecreto, contudo a

sua publicação foi antecipada na Gazeta Renana, que, posteriormente, na figura de

seus editores, negou-se a revelar a fonte. Toda essa celeuma causou a ira dos

censores que empreenderam verdadeira batalha contra o jornal renano, levando em

breve à sua suspensão.

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Com a insuportável censura, em 17 de março de 1843, Marx pede

demissão da Gazeta Renana, dizendo: ―El abajo firmante declara que, en vista de las

actuales condiciones de la censura, ha decidido apartarse de la redacción de la

Gazeta Renana a partir del día de hoy‖ (MARX, 1982, p. 703). Ele via nos órgãos de

imprensa uma função política, tanto que em carta a Dagobert Oppenheim, enaltece o

caráter prático e crítico que devem ter a imprensa, pois, frente aos problemas vividos

na Alemanha, os jornais são os locais indicados para se realizar a crítica ao Estado

prussiano. Escreve ele,

[…] un escritor aislado no puede atalayar los problemas en su conjunto como el periódico mismo, [por tanto] yo considero imprescindible que la Gaceta Renana, en vez de ser dirigida por sus colaboradores, sea ella la que los dirige‖ (1982, p.686).

Convencido da necessidade prática dos periódicos enquanto órgãos

críticos, além disso, exige que a Gazeta Renana, enquanto tal, e não somente seus

colaboradores isolados, seja um órgão símbolo dessa crítica. Contudo, na Alemanha

é impossível tal intento, escreve ele em carta a Ruge, poucos meses antes de pedir

demissão, ―En Alemania ya no tengo nada que hacer. Aquí se adultera uno. Le

quedaré, pues, muy agradecido si tiene usted a bien orientarme y aconsejarme en

este punto‖ (MARX, 1982, p.691). É um incômodo, portanto, os resultados que obteve

na Alemanha, pois ―es malo tener que prestar servicios de vasallo incluso en favor de

la libertad y luchar con alfilerazos en vez de descargar golpes de mazo‖ (MARX, 1982,

p. 691).

Marx era o alvo principal da censura dos órgãos do governo da Prússia, vê-

se pelo relatório do censor St. Paul, onde o jovem jornalista renano é descrito como o

―centro doutrinário‖, a ―fonte viva‖ (p. 699) da Gazeta Renana. Não era segredo o

papel exercido por ele na Gazeta, em um artigo do jornal de Mannheim, datado de 28

de fevereiro de 1843, Doutor Marx, como é chamado, é descrito como ―o redator que

dá ao periódico sua clara [...] e firme orientação‖. A situação era realmente

insustentável para ele. Neste mesmo artigo, corre o rumor de uma publicação

colaborativa entre o autor estudado e Ruge; lê-se: ―[...] recogeremos el rumor de que

el doctor Marx se propone, en unión del doctor Ruge, continuar los Anales Alemanes

bajo un titulo extranjero‖ (1982, p.701 e 702).

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Chega-se ao fim o importante período de Marx na Gazeta Renana, contudo

não abandonará suas atividades políticas enquanto articulista, dias antes do pedido

de demissão, escreve carta para Ruge, em 13 de março de 1843, explicitando o plano

de publicarem conjuntamente os Anais Franco-alemães, que tratará, sobretudo, do

problema enfrentado na Alemanha. O ano de 1843 foi de intensa troca de cartas, a

fim de melhor preparar a linhas fundamentais do periódico que estabelecerá conexão

direta entre a França dos socialistas e a Alemanha de Karl Marx.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final de uma obra, o espírito do leitor, de qualquer leitor, enche-se de

esperança por ver o assunto, ao qual se debruçou durante dias, ou até meses,

concluído de maneira satisfatória. Este é exatamente o desafio ao qual me lancei.

Primeiramente, gostaria de pedir licença ao leitor para que o pesquisador

que conduziu o trabalho ao longo de todo o percurso se revele. Portanto, de agora em

diante, insurge-se um sujeito simples contra a impessoalidade positivista dos

trabalhos acadêmicos, que em tantas páginas se escondeu por detrás da

indeterminação. Há um Eu que fala nesse trabalho e que, sem dúvida, confunde-se

com o objeto, afinal esse não fala por si.

À guisa de conclusão, procurei iluminar analiticamente um período da obra

marxiana para o qual a tradição negligencia quase que inteiramente. Mesmo

pesquisadores que estudam o ―jovem Marx‖ acabam dedicando umas poucas páginas

para o período pré-1843. No Brasil, a dificuldade é ainda maior, principalmente devido

à falta de uma tradução sistemática dos escritos marxianos anteriores à crítica da

filosofia do direito de Hegel. Portanto, sobre a Gazeta Renana o que se encontra são

trabalhos um tanto precários, visto que não exploram as muitas conexões que Marx

estabelece com o pensamento moderno clássico.

Procurei lançar o olhar para a história alemã, partindo dos aspectos mais

gerais que incluem o processo transacional de uma economia feudalizada para uma

economia mercantil e capitalista, passando para aspectos mais específicos da vida

cultural e filosófica da Alemanha. Nesse sentido, vimos como os diversos grupos

políticos (liberais, católicos, monarquistas, conservadores, socialistas) disputaram a

consciência do povo. No início do século XIX, principalmente após a morte de Hegel,

em 1831, surgem, na Alemanha, diversos movimentos que reivindicam o pensamento

do mestre, dentre eles podemos citar os grupos da direita e da esquerda hegeliana.

Após breve menção feita a alguns pensadores da esquerda hegeliana, procurei

demonstrar a íntima relação estabelecida entre Karl Marx e os jovens hegelianos de

esquerda, que juntos compartilham as noções de um idealismo ativo, que busca na

filosofia da autoconsciência a concreção da racionalidade no mundo.

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Juntamente com esse movimento contestador, Marx desenvolve a noção

de um idealismo ativo, que pensa a filosofia em sua relação com o mundo, mas não

só, ele procura conceber uma filosofia que não se satisfaz em ficar no Olimpo, mas

deseja o mundo e esse já não suporta os tormentos da escuridão, procurando na

filosofia a Razão.

As primeiras influências que Marx recebeu do hegelianismo se deram

através do seu professor na Universidade de Berlin, Eduard Gans, com que dividiu as

primeiras críticas à Escola histórica do Direito. A essa escola, nosso autor dedica um

artigo inteiro da Gazeta Renana para a crítica do irracionalismo propugnado por seus

fundadores, Hugo e Savigny.

Antes dos ensaios jornalísticos, Marx escreve sua tese de doutoramento

sobre as diferenças entre as filosofias da natureza de Epicuro e Demócrito. Essa tese,

cujo tema foi sugerido por Bruno Bauer, é o seu trabalho mais idealista. A

autoconsciência ganha relevo nessa obra, assim como a liberdade é concebida como

desvio da linha reta, ou seja, a liberdade é encarada fora do determinismo. A

liberdade do sujeito autoconsciente é encarada como um reino de possibilidade.

Nos capítulos 2 e 3, analisei as posições do pensador alemão em relação

ao Estado e ao Direito, destacando, ainda, as interferências do pensamento iluminista

alemão nas suas concepções. Nos artigos sobre a liberdade de imprensa, Marx

denunciou a censura do Estado prussiano, que cultuou o irracionalismo nas suas

legislações, as quais defendiam os privilégios, deixando, assim, de lado o verdadeiro

direito à igualdade. Denunciou os interesses egoístas defendidos pelos estamentos

na Dieta Renana e sua assembleia. Na Gazeta Renana, Marx pode enfrentar os

problemas cotidianos e testemunhar a hipocrisia burguesa, que na economia defende

a liberdade, enquanto vislumbra as instituições políticas como meio para a satisfação

dos seus interesses pessoais.

Por último, destaquei as análises de Marx acerca dos debates ocorridos na

VI Dieta Renana sobre a lei que passava a tipificar a conduta costumeira dos

camponeses de recolher madeira como roubo. Nesse artigo, ele entrou, pela primeira

vez, em contato com questões envolvendo as necessidades materiais do povo, o que

despertou nele diversas dúvidas, pois viu, a cada discurso da assembleia, o castelo

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construído sob as bases do Estado racional sendo destruído pela ambição privada,

que contaminava o Direito e a legislação.

As primeiras críticas mais contundentes à propriedade privada remontam a

esse artigo, contudo, Marx ainda é incapaz de ir à raiz da questão, ficando, portanto,

na superfície. Ele acredita nas possibilidades de realização do Direito, que vê nos

pobres a sua esperança, pois esses comandam processos jurígenos capazes de

alcançar os ideais da razão. O Direito dos humildes, contrapondo-se ao Direito dos

ricos, que não passa dos privilégios, tem a capacidade de ser universalmente válido,

portanto, justo.

Em suma, a conclusão que se pode tirar depois da cuidadosa análise dos

textos marxianos do período pré-1843, no qual Marx se dedicou, sobretudo, às

atividades como jornalista, é que nosso autor, defendendo os ideais liberais e imbuído

de um iluminismo amalgamado do idealismo ativo dos jovens hegelianos de

esquerda, procura no Estado racional a concreção da liberdade e da justiça. Quanto

ao Direito, as ideias de Marx se assemelham aos pensadores de seu tempo, pois é

marcante a defesa da igualdade jurídica, que deve derrotar os privilégios feudais.

As obras iniciais de Marx, apesar de não apontarem para uma alternativa

socialista – o que era improvável diante da realidade alemã de sua época –, apontam

sempre para uma sociedade mais justa e igualitária, na qual o ser humano seja fim e

não meio, numa formulação nitidamente kantiana, portanto, liberal. A torpeza de

espírito é algo que violenta profundamente o projeto societal do autor, que ao

descobrir, ainda nos artigos da Gazeta Renana, o caráter egoísta e auto-referenciado

da propriedade privada, descobre-se também como crítico desta.

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