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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTOportais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_12532_Disserta%E7%E3...À...

Date post: 25-Jan-2021
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS E DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES DIANA PAULA DIOGO CORREIA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS DE COMPANHIA: UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA EM UMA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL ALEGRE 2018
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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

    CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS E DA SAÚDE

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, EDUCAÇÃO BÁSICA E

    FORMAÇÃO DE PROFESSORES

    DIANA PAULA DIOGO CORREIA

    EDUCAÇÃO AMBIENTAL E GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS DE

    COMPANHIA: UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA EM UMA ESCOLA DE ENSINO

    FUNDAMENTAL

    ALEGRE

    2018

  • DIANA PAULA DIOGO CORREIA

    EDUCAÇÃO AMBIENTAL E GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS DE

    COMPANHIA: UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA EM UMA ESCOLA DE ENSINO

    FUNDAMENTAL

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores do Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores, na linha de pesquisa Ensino de Ciências Naturais e Matemática. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luceli de Souza

    ALEGRE

    2018

  • Modelo de ficha catalográfica fornecido pelo Sistema Integrado deBibliotecas da Ufes para ser confeccionada pelo autor

    C824eCorreia, Diana Paula Diogo, 1985-CorEducação ambiental e guarda responsável de animais decompanhia : uma prática pedagógica em uma escola de ensinofundamental / Diana Paula Diogo Correia. - 2018.Cor115 f. : il.

    CorOrientadora: Luceli de Souza.CorDissertação (Mestrado em Ensino, Educação Básica e Formaçãode Professores) - Universidade Federal do Espírito Santo, Centrode Ciências Exatas, Naturais e da Saúde.

    Cor1. Percepção ambiental. 2. Bem-estar animal. 3. Zoonoses. 4.Prática pedagógica. 5. Pesquisa qualitativa. 6. Análise deconteúdo. I. Souza, Luceli de. II. Universidade Federal doEspírito Santo. Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde.III. Título.

    CDU: 37

  • AGRADECIMENTOS

    À minha mãe Andrea Diogo e à minha irmã Dayane Diogo Correia por me apoiarem e

    entenderem minha ausência durante o processo de construção desta dissertação.

    À professora Dr.ª Luceli de Souza, que me escolheu por sua orientanda, pela

    compreensão nos momentos de dúvida, pelo apoio e incentivo no decorrer desse

    período e, claro, por acreditar no meu trabalho.

    Ao Campus de Alegre do Instituto Federal do Espírito Santo, em especial, à diretora-

    geral, Maria Valdete Santos Tannure e ao professor Carlos Humberto Sanson Moulin,

    o “Nininho”, por proporcionarem esta oportunidade ímpar de crescimento profissional,

    bem como por abrirem as portas dessa instituição para a realização da visita dos

    alunos.

    À diretora escolar, Érika Almeida Furtado, pela receptividade e por possibilitar a

    realização desta pesquisa na EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”.

    Agradecimentos também à pedagoga Eliane Souza do Valle por confiar a mim um

    espaço no horário escolar e à professora Nathália Suemi Saito por ceder um lugar em

    sua sala de aula, pela colaboração dada e pelas experiências compartilhadas comigo.

    Aos alunos da turma 6ºM01 pela participação neste estudo, permitindo-me adentrar a

    intimidade de suas manhãs durante o período de observação em sala de aula.

    Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e

    Formação de Professores da Universidade Federal do Espírito Santo por contribuírem

    com a minha formação.

    À minha colega de turma e amiga Flávia Pirovani Arial Bernardo pelo companheirismo

    durante as aulas e por ser minha confidente nos momentos de angústia e de dúvidas.

    Ao exímio médico veterinário Paulo Sérgio Cruz de Andrade Júnior, querido amigo,

    pela generosidade, pelas palavras afirmativas que me fizeram acreditar no propósito

    desta pesquisa e por não medir esforços na concretização da prática pedagógica,

    compartilhando com os alunos o conceito de guarda responsável de animais de

    companhia.

    À querida amiga Maria Aparecida Zaché, a “Cida”, por colaborar com esta pesquisa,

    recebendo e orientando os alunos durante a realização da visita ao Centro de

  • Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-guia do Instituto Federal do Espírito

    Santo, Campus de Alegre. E, claro, não poderia deixar de agradecer-lhe por me

    socorrer nos momentos finais da entrega do relatório de qualificação.

    Ao meu amigo Graziane Berdague Parajara por me apoiar durante o processo de

    seleção para o mestrado e por cuidar da Megg e do Gold durante meus compromissos

    acadêmicos.

    Aos professores Drs. Elias Terra Werner e Marcos Antônio Sattler, o “Tuim”, pela

    participação em minha banca de qualificação e pelos apontamentos que direcionaram

    este estudo.

    Aos membros da banca examinadora Drs. Antonio Donizetti Sgarbi e Carolina

    Demétrio Ferreira por participarem deste momento que conclui a árdua jornada que é

    o mestrado.

    A todos que direta ou indiretamente contribuíram para que fosse possível a realização

    deste trabalho.

  • RESUMO

    O objetivo desta pesquisa foi analisar a implementação de uma prática pedagógica de

    Educação ambiental sobre temas abrangidos pelo “conceito de guarda responsável

    de animais de companhia” em uma turma do 6º ano do ensino fundamental de uma

    escola estadual do município de Alegre, Espírito Santo, buscando-se elucidar até que

    ponto essa abordagem promoveria nos alunos a compreensão dos malefícios que as

    práticas de maus-tratos contra os animais causam ao equilíbrio ambiental e à saúde

    pública na comunidade em que estão inseridos. Configurada como pesquisa de abor-

    dagem qualitativa, teve como fundamentos teórico-conceituais a pedagogia freiriana

    e a teoria histórico-cultural. O olhar investigativo foi orientado pelo método de pes-

    quisa-ação e os dados foram obtidos por meio de análise documental, da observação

    participante, da aplicação de questionário composto por questões abertas e fechadas,

    do desenvolvimento do plano de aula apresentado à escola parceira e de entrevista

    semiestruturada. O trabalho analítico dos dados baseou-se na técnica de análise de

    conteúdo e na estatística descritiva por meio do cálculo de porcentagem, empre-

    gando-se tabelas para sumarização dos dados. Os resultados evidenciaram que a

    concepção predominante de meio ambiente dos alunos estudados foi como um con-

    junto de problemas a serem prevenidos e resolvidos. Não se perceberam como parte

    integrante desse meio ambiente, tampouco consideraram a intervenção humana so-

    bre ele. No que tange à Educação ambiental, a concepção conservacionista foi pre-

    ponderante, limitando-se à aprendizagem de comportamentos preservacionistas em

    relação aos ambientes naturais e à abstenção de comportamentos poluitivos. A pro-

    blemática ambiental, para a maioria dos alunos estudados, reservou-se à poluição por

    lixo. Em relação aos cuidados que demandam a guarda responsável de animais de

    companhia, os alunos apresentaram um bom nível de conhecimento prévio. Obser-

    vou-se que eles percebem o abandono de cães e gatos pelas ruas da localidade em

    que vivem como um problema para a saúde e para o equilíbrio ambiental, sendo os

    acidentes de trânsito a consequência mais frequentemente apontada. Já sobre zoo-

    noses, os alunos demonstraram um razoável nível de conhecimento prévio. Sobre a

    prática pedagógica, foi identificado que os alunos não vincularam a observância dos

    cuidados que constituem a guarda responsável de animais de companhia ao controle

    populacional de cães e gatos abandonados na comunidade em que moram, bem

  • como aos riscos de transmissão de zoonoses. Dessa forma, concluiu-se que os con-

    ceitos que abarcam a guarda responsável de animais nas salas de aula devem ser

    abordados permanentemente no currículo do ensino fundamental, visando ao equilí-

    brio ambiental, ao bem-estar dos animais e à prevenção de doenças. Sugere-se, para

    trabalhos futuros, implementar a prática pedagógica, ampliando-se a carga horária

    prevista para os conteúdos programados no plano de aula constante do delineamento

    metodológico.

    Palavras-chave: Percepção ambiental. Bem-estar animal. Zoonoses. Pesquisa quali-tativa. Análise de conteúdo.

  • ABSTRACT

    The objective of this research was to analyze the implementation of a pedagogical

    practice of Environmental Education about themes covered by the concept of respon-

    sible guard of companion animals in a class of the 6th grade of elementary school of a

    state school of the county of Alegre, Espírito Santo, seeking to elucidate the extent to

    which this approach would promote in students an understanding of the harm that mal-

    treatment practices cause to environmental equilibrium and public health in the com-

    munity in which they are inserted. Configured as a qualitative research, it had as the-

    oretical-conceptual foundations Freirian pedagogy and historical-cultural theory. The

    investigative look was guided by the action-research method and the data were ob-

    tained through documentary analysis, participant observation, the application of ques-

    tionnaires composed of open and closed questions, the development of the lesson

    plan presented to the partner school and semi-structured interview. The analytical work

    of the data was based on the technique of content analysis and in the descriptive sta-

    tistics through the calculation of percentage, using tables for data summarization. The

    results showed that the predominant environmental conception of the students studied

    was like a set of problems to be prevented and solved. They did not perceive them-

    selves as an integral part of this environment, nor did they consider human intervention

    on it. Regarding environmental education, the conservationist conception was prepon-

    derant, limiting itself to the learning of preservationist behaviors in relation to the natu-

    ral environments and the abstention of pollution behaviors. The environmental prob-

    lem, for the majority of students studied, was reserved for trash pollution. In relation to

    the care that demand the responsible guarding of companion animals, the students

    presented a good level of prior knowledge. it was observed that they perceive the

    abandonment of dogs and cats in the streets of the locality in which they live as a

    problem for health and for the environmental balance, being the traffic accidents the

    consequence most frequently pointed. Already about zoonoses, students demon-

    strated a reasonable level of prior knowledge. About the pedagogical practice, it was

    identified that the students did not link the observance of the cares that constitutes the

    responsible guard of companion animals to the population control of abandoned dogs

    and cats in the community where they live, as well to the risks of transmission of the

    zoonoses. Thus, it was concluded that concepts that the encompass responsible

    guarding of animals in classrooms should be addressed permanently in the curriculum

  • of fundamental education, aiming at environmental balance, to animal welfare and to

    animal welfare prevention. the It is suggested, for future work, to implement the peda-

    gogical practice, increasing the expected timetable for the contents programmed in the

    lesson plan included in the methodological outline.

    Keywords: Environmental perception. Animal welfare. Zoonoses. Qualitative research. Content analysis.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Análise estatística das questões que abordaram a percepção ambiental

    dos alunos participantes da pesquisa (N=19). EEEFM “Professora Célia

    Teixeira do Carmo”- Alegre, ES, 2017. .................................................. 60

    Tabela 2 - Problemas causados ao equilíbrio ambiental pelo abandono de cães e

    gatos nas ruas, apontados pelos alunos participantes da pesquisa (N=19).

    EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”- Alegre, ES, 2017. ........ 61

    Tabela 3 - Frequência absoluta e relativa dos animais de companhia que os alunos

    participantes da pesquisa têm em casa. EEEFM “Professora Célia

    Teixeira do Carmo”- Alegre, ES, 2017. .................................................. 62

    Tabela 4 - Análise estatística das respostas que abordaram o conhecimento dos

    alunos participantes da pesquisa (N=19) sobre guarda responsável de

    animais de companhia. EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”-

    Alegre, ES, 2017. ................................................................................... 63

    Tabela 5 - Análise estatística das respostas que abordaram o o conhecimento dos

    alunos participantes da pesquisa (N=19) sobre zooonoses e modos de

    transmissão. EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre-ES,

    2017. ...................................................................................................... 64

    Tabela 6 - Zoonoses apontadas pelos alunos participantes da pesquisa (N=19).

    EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre-ES, 2017. ......... 66

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Síntese dos aspectos divergentes da EA na prática escolar e nas reflexões

    teóricas, na concepção de Luzzi (2012) ................................................. 27

    Figura 2 - O antagonismo entre a educação problematizadora e a educação bancária,

    conforme Freire (2017) ........................................................................... 38

    Figura 3 - Fórmula do comportamento do homem, conforme Vigotski (2010) .......... 41

    Figura 4 - Escola lócus da pesquisa ......................................................................... 45

    Figura 5 - Esquema de ambientes da oficina sobre endoparasitas e ectoparasitas

    realizada com os alunos da turma 6ºM01, EEEFM “Professora Célia

    Teixeira do Carmo”, Alegre-ES ............................................................... 50

    Figura 6 - Realização da dinâmica de grupo tempestade mental com os alunos da

    turma 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre,

    ES ........................................................................................................... 67

    Figura 7 - Dinâmica de tempestade mental em relação ao conceito de meio ambiente

    realizada com os alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira

    do Carmo”, Alegre, ES ............................................................................ 68

    Figura 8 - Dinâmica de tempestade mental em relação ao conceito de EA realizada

    com os alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira do

    Carmo”, Alegre, ES ................................................................................. 69

    Figura 9 - Palestra e roda de conversa ministrada por médico veterinário sobre guarda

    responsável e noções de zoonoses com alunos da 6ºM01, da EEEFM

    “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre, ES ................................. 70

    Figura 10 - Material didático montado para realização da oficina sobre endoparasitas

    e ectoparasitas com o grupo estudado, no Laboratório de Informática da

    EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre, ES .................... 72

    Figura 11 - Realização da oficina sobre endoparasitas e ectoparasitas com o grupo

    estudado, no Laboratório de Informática da EEEFM “Professora Célia

    Teixeira do Carmo”, Alegre, ES .............................................................. 72

    Figura 12 - Recepção dos alunos da 6ºM01, da EEEF “Professora Célia Teixeira do

    Carmo”, Alegre, ES, no auditório do CFTICG, do Ifes, Campus de Alegre.

    ................................................................................................................ 74

  • Figura 13 - Revisora de texto braille, deficiente visual - cega, apresentando aos alunos

    da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, os espaços

    físicos do CFTICG, Ifes, Campus de Alegre ........................................... 75

    Figura 14 - Alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”,

    Alegre, ES, interagindo com os animais durante a visita ao CFTICG, do

    Ifes, Campus de Alegre. ......................................................................... 76

    Figura 15 - Finalização da visita dos alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia

    Teixeira do Carmo”, Alegre, ES, ao CFTICG, do Ifes, Campus de Alegre.

    ................................................................................................................ 77

    Figura 16 - Atividades da cartilha sobre guarda responsável de animais de companhia

    realizadas pelos alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira

    do Carmo”, Alegre, ES ............................................................................ 78

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1- Sistematização das correntes em EA com as respectivas concepções

    dominantes de meio ambiente e principais objetivos educativos, segundo

    cartografia de Sauvé (2008)................................................................... 25

    Quadro 2 - Síntese das características básicas de uma pesquisa qualitativa .......... 44

    Quadro 3 - Plano de aula desenvolvido com alunos da turma 6ºM01 da EEEFM

    “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Rive, Alegre, ES ....................... 48

    Quadro 4 - Descrição do sistema de categorias e subcategorias para análise de

    conteúdo das definições dadas pelos alunos participantes da pesquisa

    sobre EA e meio ambiente fundamentado em Sauvé (2008) ................ 52

    Quadro 5 - Análise de conteúdo das respostas dadas pelos alunos participantes da

    pesquisa em relação à concepção de meio ambiente, suas respectivas

    frequências e unidades de contexto ...................................................... 55

    Quadro 6 - Análise de conteúdo das respostas dos alunos participantes da pesquisa

    em relação à concepção de EA, suas respectivas frequências e unidades

    de contexto ............................................................................................ 58

    Quadro 7 - Questionamentos apresentados pelos alunos da turma 6ºM01 durante a

    realização da palestra sobre guarda responsável de animais e noções de

    zoonoses, na EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre, ES

    ............................................................................................................... 70

    Quadro 8 - Grade temática obtida das entrevistas semiestruturadas na turma 6ºM01.

    Categoria temática: Percepção sobre a prática pedagógica .................. 79

    Quadro 9 - Grade temática obtida das entrevistas semiestruturadas na turma 6ºM01.

    Categoria temática: Compreensão dos malefícios que as práticas de

    maus-tratos aos animais causam ao equilíbrio ambiental e à saúde

    pública ................................................................................................... 81

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CF Constituição federal

    CFTICG Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia

    DCNEA Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental

    EA Educação Ambiental

    EEEFM Escola Estadual do Ensino Fundamental e Médio

    EF Ensino Fundamental

    EM Ensino Médio

    ES Espírito Santo (Estado do)

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

    Ifes Instituto Federal do Espírito Santo

    Libras Língua Brasileira de Sinais

    MS Ministério da Saúde

    ONU Organização das Nações Unidas

    PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

    PL Projeto de lei

    PNEA Política Nacional de Educação Ambiental

    PNMA Política Nacional do Meio Ambiente

    PNS Pesquisa Nacional de Saúde

    Sedu Secretaria de Estado de Educação

    SUS Sistema Único de Saúde

    Ufes Universidade Federal do Espírito Santo

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 16

    2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 21

    2.1 A TEMÁTICA AMBIENTAL NO ÂMBITO NACIONAL ......................................... 21

    2.1.1 A superação da visão simplista: a perspectiva crítica da Educação

    Ambiental ................................................................................................................. 25

    2.2 A EDUCAÇÃO PARA A GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS COM VISTAS À

    MANUTENÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA E DO EQUILÍBRIO AMBIENTAL ................. 29

    2.3 AS CONTRIBUIÇÕES DE FREIRE E VIGOTSKI: PERSPECTIVAS DIALÓGICA E

    HISTÓRICO-CULTURAL .......................................................................................... 36

    3 METODOLOGIA .................................................................................................... 44

    3.1 DELINEAMENTO METODOLÓGICO ................................................................. 44

    3.2 CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL DA PESQUISA ............................................... 45

    3.3 SUJEITOS DA PESQUISA .................................................................................. 46

    3.4 ASPECTOS ÉTICOS........................................................................................... 46

    3.5 PLANEJAMENTO E PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ................... 47

    3.5.1 Análise documental........................................................................................ 47

    3.5.2 Observação em sala de aula ......................................................................... 47

    3.5.3 Questionário ................................................................................................... 48

    3.5.4 Prática pedagógica......................................................................................... 48

    3.5.5 Entrevista ........................................................................................................ 50

    3.6 PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS DOS DADOS ................................................ 51

    3.6.1 Análise de Conteúdo ...................................................................................... 51

    3.6.2 Estatística descritiva ...................................................................................... 53

    4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 54

    4.1 A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS ALUNOS ..................................................... 54

    4.2 OS CONHECIMENTOS SOBRE GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS DE

    COMPANHIA E ZOONOSES .................................................................................... 60

    4.3 A PRÁTICA PEDAGÓGICA SOBRE GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS DE

    COMPANHIA E ZOONOSES .................................................................................... 66

    4.3.1 Aulas 1 e 2 ....................................................................................................... 66

    4.3.2 Aulas 3 e 4 ....................................................................................................... 73

  • 4.4 A INFLUÊNCIA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA COMPREENSÃO DOS ALUNOS

    SOBRE A QUESTÃO AMBIENTAL NA COMUNIDADE EM QUE ESTÃO INSERIDOS

    .................................................................................................................................. 77

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 85

    REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 88

    APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO -

    DIREÇÃO ESCOLAR ............................................................................................... 95

    APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA

    PROFESSORA ......................................................................................................... 96

    APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DO (A)

    ALUNO (A) ................................................................................................................ 97

    APÊNDICE D - QUESTIONÁRIO APLICADO .......................................................... 98

    APÊNDICE E - ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA .................... 100

    APÊNDICE F - APRESENTAÇÃO SOBRE GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS

    DE COMPANHIA E NOÇÕES SOBRE ZOONOSES ............................................. 101

    APÊNDICE G - CARTILHA PARA COLORIR “GUARDA RESPONSÁVEL DE

    ANIMAIS DE COMPANHIA” .................................................................................. 110

  • 16

    1 INTRODUÇÃO

    As imagens de rios contaminados, lixo, poluição do ar, aquecimento global e

    desmatamento da Amazônia são imediatamente idealizadas quando se fala em

    Educação Ambiental (EA). De fato, a EA despontou na emergência ecológica

    planetária, porém considerar somente suas dimensões ecológica e conceitual significa

    reduzir e simplificar a complexa trama de relações entre a educação e o ambiente

    (LUZZI, 2012).

    Diante disso, a proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

    Ambiental (DCNEA) é que a dimensão ambiental da educação adote uma abordagem

    socioambiental, transpondo a visão simplista e naturalista do meio ambiente ainda

    muito difundida na prática pedagógica das instituições de ensino (BRASIL, 2012).

    O abandono de cães e gatos é comum em todo o mundo, tornando-se um problema

    de saúde pública e fator de desequilíbrio ambiental (ALVES et al., 2013). São

    apontadas como possíveis causas desse abandono a falta de conscientização sobre

    a guarda responsável por parte da maioria da população (PORTO; ANDRADE; MOTA,

    2015; CATAPAN et al., 2015; ANDRADE et al., 2015), a capacidade reprodutiva e a

    carência de legislação eficaz relacionada ao comércio e criação desses animais

    (LIMA; LUNA, 2012).

    Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) referente ao ano de 2013 divulgados

    no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) destacaram que 44,3% dos

    domicílios brasileiros (equivalente a 28,9 milhões de unidades domiciliares) possuíam

    pelo menos um cachorro; já 17,7%, possuíam pelo menos um gato (correspondente a

    11,5 milhões de unidades domiciliares) (IBGE, 2015). Não foi estimado, contudo, o

    número de animais errantes e semidomiciliados que, conforme Costa e outros (2000),

    são relevantes na transmissão da raiva e de outras zoonoses em razão do convívio

    mais estreito com o ser humano.

    No município de Alegre, Espírito Santo (ES), Neta e Silveira (2015) levantaram o

    quantitativo de mais de 9 mil animais de companhia, cerca de 30% da população

    humana. Uma grande parcela desse contingente foi representada por animais

    errantes ou semidomiciliados.

  • 17

    Uma campanha de controle populacional de cães e gatos no ES já foi objeto do Projeto

    de lei (PL) 647/2009 (ESPÍRITO SANTO, 2009), e no município de Alegre, ES, o

    sancionamento da Lei n.º 3.138, de 04 de março de 2011, constituiu-se como iniciativa

    de uma política pública de controle populacional de animais abandonados,

    disciplinando a criação, guarda, uso e transporte de cães e gatos, inclusive

    responsabilizando os proprietários com a aplicação de multas e apreensão dos

    animais negligenciados (ALEGRE, 2011).

    Iniciativas de esterilização e práticas educativas para a guarda responsável de

    animais de companhia são realizadas por duas instituições federais de ensino no

    município de Alegre, ES. Vinculados à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes),

    Cardinot e outros (2015) promoveram ações para disseminação de conhecimentos

    sobre as responsabilidades pertinentes à tutela de animais domésticos em escolas

    dos municípios de Alegre, ES e Guaçuí, ES, Brasil, atingindo cerca de 700

    espectadores com idade de 06 a 10 anos.

    O Campus de Alegre do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) desenvolve, desde

    setembro de 2016, o projeto de extensão à comunidade intitulado Controle

    Populacional e Posse Responsável de Cães e Gatos. O despertar para este estudo

    tem as suas raízes na atuação desta pesquisadora como servidora dessa instituição

    de ensino e também na condição de membro constituinte do aludido projeto de

    extensão. O envolvimento com as questões administrativas, em especial no que tange

    às atividades realizadas no Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de

    Cães-Guia (CFTICG), uma unidade desse campus, motivou a investigação sobre a

    guarda responsável de animais de companhia como prática pedagógica dentro do

    contexto escolar na comunidade de Rive, distrito de Alegre, ES.

    O ambiente formal de ensino constitui-se como um importante espaço para a

    abordagem dessa temática. Dessa forma, o trabalho pedagógico realizado com os

    alunos em torno das questões ambientais não deve abranger somente a preservação

    ecológica, mas também a melhoria da qualidade de vida da comunidade e do meio

    em que os alunos estão inseridos, compreendendo que a EA pressuposta nas DCNEA

    deve fomentar nos sujeitos o pensamento crítico em relação ao meio ambiente, ao

    bem-estar animal e às consequências das práticas de maus-tratos a animais para o

    equilíbrio ambiental e para a saúde pública.

  • 18

    Neste estudo, pretendeu-se elucidar o seguinte problema de pesquisa:

    Até que ponto a prática pedagógica de EA acerca de temas abarcados pelo conceito

    de “guarda responsável de animais de companhia” pode promover nos sujeitos a

    compreensão dos malefícios que as práticas de maus-tratos contra os animais

    causam ao equilíbrio ambiental e à saúde pública na comunidade em que estão

    inseridos?

    Diante do exposto, algumas questões foram levantadas: Qual a percepção ambiental

    desses sujeitos? Quais conhecimentos possuem acerca dos cuidados que o tutor

    deve ter em relação ao seu animal? A inserção de conteúdos relacionados à guarda

    responsável de animais de companhia na prática escolar pode influenciar a concepção

    dos sujeitos em relação à EA e à questão ambiental na comunidade em que estão

    inseridos? Os estudantes podem ser agentes multiplicadores dessa temática nos

    núcleos familiar e social deles?

    A partir desses questionamentos foi definido o objetivo geral desta pesquisa que

    consistiu em analisar a implementação de uma prática pedagógica de EA sobre temas

    abrangidos pelo conceito de “guarda responsável de animais de companhia” com

    alunos de uma turma do 6º ano do Ensino Fundamental (EF).

    Os objetivos específicos direcionados para essa meta foram: (i) identificar as

    concepções acerca de meio ambiente e de EA dos alunos; (ii) avaliar o conhecimento

    prévio dos alunos sobre guarda responsável de animais de companhia e zoonoses;

    (iii) detectar a influência da prática pedagógica sobre os temas abrangidos pelo

    conceito de “guarda responsável de animais de companhia” na compreensão dos

    alunos sobre a questão ambiental na comunidade em que estão inseridos; (iv) verificar

    se o grupo estudado atuou como agente multiplicador do tema “guarda responsável

    de animais de companhia” nos núcleos familiar e social.

    Esta pesquisa qualitativa foi desenvolvida com 28 alunos do 6º ano do EF da Escola

    Estadual do Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) “Professora Célia Teixeira do

    Carmo”, no município de Alegre, ES, no período de março a junho de 2017. O critério

    de seleção da turma se deu em razão de o plano pedagógico escolar para o 6º ano

    do EF da escola estudada não contemplar conteúdos sobre os seres vivos.

    O procedimento técnico de pesquisa configurou-se como uma pesquisa-ação, tendo

    como referencial teórico a pedagogia freiriana (FREIRE, 1979, 1992, 2015, 2017) e a

  • 19

    teoria histórico-cultural (VIGOTSKI, 2007, 2008, 2010; VIGOTSKY, 2009). O ato

    cognoscente nessas duas perspectivas implica a interação recíproca entre atores que,

    por meio das mediações semiótica e pedagógica, apropriam-se da bagagem de

    conhecimentos constituídos pela humanidade e a reconstroem. Desse modo, o sujeito

    se desenvolve como gênero humano.

    Esta dissertação encontra-se estruturada na seguinte ordem:

    Em Revisão de literatura, discorre-se sobre a temática ambiental no âmbito nacional,

    trazendo um breve relato de seu surgimento, sua institucionalização como política pú-

    blica no Brasil, bem como da trajetória da EA na legislação educacional brasileira até

    o estabelecimento das DCNEA. Enfocando os diferentes discursos acerca da prática

    educativa no campo da EA, o texto lança mão da cartografia das diversas correntes

    elaborada por Sauvé (2008) e das diferentes abordagens percebidas na prática esco-

    lar e na teoria por Luzzi (2012), revelando as origens da dicotomia homem versus

    natureza nas visões de Guimarães (2007, 2011), Reigota (2009, 2010) e Carvalho

    (2004). Outrossim, aborda-se a “educação para a guarda responsável de animais”,

    tema da prática pedagógica de EA implementada, como ação que visa à manutenção

    da saúde pública e do equilíbrio ambiental. Por fim, buscam-se as aproximações entre

    os pressupostos pedagógicos freirianos (FREIRE, 1979, 1992, 2015, 2017) e a teoria

    histórico-cultural (VIGOTSKI, 2007, 2008, 2010; VIGOTSKY, 2009), que embasaram

    o desenvolvimento da intervenção desta pesquisa-ação e as reflexões acerca dessa.

    Em Metodologia de pesquisa, são descritas as estratégias teórico-metodológicas

    seguidas para o alcance dos objetivos propostos, apresentando o contexto da pes-

    quisa com relação às características da escola investigada, aos sujeitos participantes

    e aos procedimentos utilizados para a coleta dos dados e para a análise dos resulta-

    dos.

    Em Resultados e discussão, os resultados alcançados na investigação são compre-

    endidos e discutidos à luz da literatura levantada na construção da base teórica desta

    dissertação.

    Em Considerações finais, apresentam-se os apontamentos desta pesquisadora,

    tendo em consideração a discussão teórica atrelada à experiência compartilhada com

    os sujeitos durante a construção da pesquisa.

  • 20

    Espera-se que este estudo contribua com a promoção de discussões acerca da

    perspectiva de EA que é abordada com os escolares no contexto educacional da

    instituição investigada, bem como traga subsídios que possibilitem à gestão escolar

    avaliar se a abordagem da temática ambiental no currículo condiz com os

    pressupostos definidos nas DCNEA.

  • 21

    2 REVISÃO DE LITERATURA

    2.1 A TEMÁTICA AMBIENTAL NO ÂMBITO NACIONAL

    Segundo Carvalho (2004), a EA surgiu como parte do ideário ecologista presente no

    contexto dos grandes movimentos sociais e civis ocorridos no Hemisfério Norte no fim

    da década de 1960 e também no Brasil e na América Latina nas décadas de 1970 e

    1980. Essas ações objetivaram denunciar as agressões ambientais decorrentes do

    modo de vida das sociedades industrializadas.

    Um marco desses movimentos foi a realização da Conferência Intergovernamental de

    Tbilisi, no período de 14 a 26 de outubro de 1977, que é referenciada até os dias atuais

    em razão do momento histórico em que ocorreu e da representatividade de nações

    participantes. Esse evento assinalou a EA como processo educativo que possibilita

    compreender a articulação entre as dimensões ambiental e social da realidade, pro-

    blematizando-a na busca pelas raízes da crise civilizatória. Cuidando para que à EA

    não fosse atribuída toda a responsabilidade pela mudança de práticas e relações so-

    ciais, as recomendações resultantes dessa conferência, entre outras, sugeriram aos

    Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) que viabilizassem polí-

    ticas públicas a serem permanentemente revisadas por meio de avaliações sistemáti-

    cas com vistas à consolidação da EA (LOUREIRO, 2012).

    Outros eventos e marcos legais foram estabelecidos desde a promoção dessa confe-

    rência, porém não cabe mencioná-los nesta revisão.

    A instituição da EA como política pública no Brasil se deu no contexto da conferência

    supracitada com a criação da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), consoante

    a Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, publicada anteriormente à promulgação da

    Constituição federal (CF) em 1988. O propósito dessa lei foi assegurar condições ao

    desenvolvimento socioeconômico do país mediante a preservação, a melhoria e a re-

    cuperação da qualidade ambiental. Nos princípios elencados nessa política, a EA apa-

    rece disposta a todos os níveis de ensino, até mesmo na educação da comunidade

    com o objetivo de capacitá-la para a participação ativa na defesa do meio ambiente.

    (BRASIL, 1981).

    http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%206.938-1981?OpenDocument

  • 22

    Na PNMA, a manutenção do equilíbrio ecológico é alvo da ação governamental, sendo

    o meio ambiente considerado como um patrimônio público. De acordo com o artigo

    3º, meio ambiente é entendido como “[...] o conjunto de condições, leis, influências e

    interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em

    todas as suas formas [...]” (BRASIL, 1981).

    A julgar pelo artigo 1.º do Decreto n.º 99.274, de 6 de junho de 1990 (regulamenta a

    execução da PNMA) que incumbe ao poder público, entre outros, o dever de orientar

    a educação em todos os níveis para a participação ativa do cidadão e da comunidade

    na defesa do meio ambiente, nota-se nessa política uma perspectiva naturalista do

    meio ambiente que desconsidera a complexidade da inter-relação da natureza com o

    homem, bem como as interações de ordens social e cultural. Nesse contexto, o estudo

    da ecologia tornou-se obrigatório, devendo abranger as diversas matérias obrigatórias

    dos currículos escolares (BRASIL, 1990).

    A CF promulgada em 1988 confere aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente

    ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à qualidade de vida

    saudável, conforme inciso VI do § 1º do artigo 225. Para garantia desse direito, atribui

    ao poder público o dever, entre outros, de “[...] promover a educação ambiental em

    todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio

    ambiente [...]” (BRASIL, 1988).

    No âmbito educacional, conforme a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que

    define as diretrizes e bases da educação nacional, o legislador não cita

    expressamente o termo “educação ambiental”. A referência é feita no artigo 32, inciso

    II, que estabelece para o EF a formação básica do cidadão mediante “[...] a

    compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das

    artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade [...]”; e no parágrafo 1º do

    artigo 26, ao instituir que os currículos da educação infantil, do EF e do ensino médio

    (EM) devem englobar obrigatoriamente “[...] o conhecimento do mundo físico e natural

    e da realidade social e política, especialmente do Brasil” (BRASIL, 1996).

    Em 1997, o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), produzidos

    com base na lei supramencionada, objetivou nortear o trabalho dos educadores, bem

    como a elaboração do projeto educativo das escolas. O meio ambiente, nesse

    documento, foi estabelecido como tema transversal, e a questão ambiental, disposta

    http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEC%2099.274-1990?OpenDocument

  • 23

    de modo que enfatizasse o estabelecimento da ligação entre os conteúdos estudados

    pelos alunos e a realidade cotidiana deles, pretendendo-se alcançar com isso o

    aprendizado significativo e o início de um processo de mudança de comportamento.

    Verifica-se também a importância da promoção de situações no interior da escola com

    vistas à articulação do currículo com os problemas locais, e, se possível, com a

    participação de pessoas da comunidade ou de outras instituições nessas ações

    (BRASIL, 1997).

    De acordo com os PCN, o meio ambiente não se constitui como conceito definitivo.

    Trata-se antes de uma representação social, isto é, da visão que cada grupo tem do

    seu entorno e dos ambientes mais abrangentes em que está inserido. Essa visão se

    modifica com o tempo e depende do grupo social em que é utilizada. Dessa maneira,

    o trabalho com esse tema transversal deve incidir sobre a representação social, visto

    que as representações coletivas dos grupos sociais aos quais os sujeitos pertencem

    são influentes na formação de opiniões e no estabelecimento de atitudes individuais.

    Mesmo assim, o termo “meio ambiente” é tido como espaço formado por componentes

    bióticos e abióticos e suas interações em que um ser vive, se desenvolve e troca

    energia. Também compõem esse espaço os elementos produzidos ou transformados

    pela ação humana (BRASIL, 1997).

    Acerca da diversidade de definições para o meio ambiente, Reigota (2010) corrobora

    o disposto nos PCN ao ratificar não haver um consenso sobre esse conceito na

    comunidade científica. A julgar pelo caráter difuso desse termo, o autor considera a

    noção de meio ambiente como representação social. Nessa lógica, a realização da

    EA deve iniciar pela identificação das representações que possuem os sujeitos

    envolvidos no processo educativo.

    Com o estabelecimento da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA)

    conforme a Lei n.º 9.795, de 27 de abril de 1999, regulamentada posteriormente pelo

    Decreto n.º 4.281, de 25 de junho de 2002, a EA passa a ser um componente

    permanente da educação nacional, devendo estar presente em todos os níveis e

    modalidades do processo educativo, quer seja formal, quer seja não formal. Para fins

    de definição, encontra-se disposto no artigo 1.º:

    Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio

  • 24

    ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999).

    Impende salientar que o reconhecimento da gravidade dos problemas ambientais e o

    anseio por mudanças despontaram no meio educacional com a inserção da EA como

    componente obrigatório da educação formal e não formal a partir do estabelecimento

    da PNEA, em 1999. Ainda assim, essa medida não influenciou a redução da

    degradação ambiental.

    Conforme alerta Guimarães (2011, p. 23), “[...] hoje, apesar desta difusão da educação

    ambiental, a sociedade moderna destrói mais a natureza do que há 25 ou 30 anos”.

    O autor enfatiza que, embora os educadores demonstrem mais sensibilidade em re-

    lação à dimensão ambiental, não deixam de ser atores sociais que vivem a submissão

    à racionalidade da sociedade moderna no próprio cotidiano, tornando-se reféns de

    uma visão ingênua da realidade.

    Apesar das precedentes menções à temática ambiental na legislação educacional, a

    necessidade de se estabelecer normas que atendessem ao propósito da EA, consi-

    derando a complexidade da crise civilizatória, culminou na instituição das DCNEA,

    conforme Resolução n.º 2, de 15 de junho de 2012. Essas diretrizes reafirmam a rele-

    vância e a obrigatoriedade da EA como componente integrante da educação nacional

    que deve perpassar todos níveis e modalidades da educação básica e da superior.

    Nessa perspectiva de transversalidade, esse documento, de acordo com o artigo 2.º,

    conceitua a EA como:

    [...] uma dimensão da educação, é atividade intencional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental (BRASIL, 2012).

    À vista disso, essa dimensão da educação que objetiva tornar os alunos

    ambientalmente éticos em relação à natureza e aos outros seres humanos deve

    adotar uma abordagem que transponha a prática simplista da EA e supere, conforme

    o artigo 6.º das DCNEA, “[...] a visão despolitizada, acrítica, ingênua e naturalista ainda

    muito presente na prática pedagógica das instituições de ensino”. Para tanto, a

    integração da EA ao currículo da educação nacional não deve resumir-se à mera

    distribuição da temática ambiental pelos demais componentes curriculares, podendo

  • 25

    ocorrer: pela transversalidade, mediante temas relacionados com o meio ambiente e

    com a sustentabilidade socioambiental; como conteúdo dos componentes já

    constantes do currículo; e pela combinação de transversalidade e de tratamento nos

    componentes curriculares (BRASIL, 2012).

    Na próxima subseção, a discussão se dá em torno das multifacetas da EA e do

    movimento por uma perspectiva crítica em contraposição à visão simplista ainda

    disseminada e que pouco tem a contribuir com o enfrentamento da crise ambiental

    vivida.

    2.1.1 A superação da visão simplista: a perspectiva crítica da Educação

    Ambiental

    Considerando a diversidade de discursos e práticas pedagógicas no campo da EA,

    Sauvé (2008) apresenta uma sistematização de correntes (Quadro 1) em função da

    concepção dominante de meio ambiente e da intenção central da EA. A autora salienta

    que essa cartografia foi explorada dos contextos norte-americano e europeu, não

    integrando suficientemente trabalhos dos educadores da América Latina nem de

    outros contextos culturais.

    Quadro 1- Sistematização das correntes em EA com as respectivas concepções dominantes de meio ambiente e principais objetivos educativos, segundo cartografia de Sauvé (2008)

    (continua)

    Correntes em EA Concepção de meio ambiente

    Objetivos educativos

    Naturalista Natureza Reconstruir uma ligação com a natureza.

    Conservacionista/recursista Recurso Educar para a conservação da natureza, desenvolvendo habilidades relativas à gestão ambiental.

    Resolutiva Problema Desenvolver habilidades de resolução das problemáticas ambientais: do diagnóstico à ação.

    Sistêmica Sistema

    Desenvolver o pensamento sistêmico que possibilite uma compreensão global da realidade ambiental, seus componentes, relações e problemáticas a fim de identificar e escolher soluções mais apropriadas.

  • 26

    Quadro 1 - Sistematização das correntes em EA com as respectivas concepções dominantes de meio ambiente e principais objetivos educativos, segundo cartografia de Sauvé (2008)

    (conclusão)

    Correntes em EA

    Concepção de meio ambiente

    Objetivos educativos

    Científica Objeto de estudos Desenvolver conhecimentos referentes às ciências do meio ambiente e habilidades ligadas à observação e à experimentação.

    Humanista Meio de vida

    Apreender o ambiente como um meio de vida, com suas dimensões biofísicas, históricas, culturais, políticas, econômicas e estéticas, desenvolvendo um sentimento de pertença.

    Moral/ética Objeto de valores Desenvolver valores ambientais, construindo um sistema ético próprio.

    Holística Totalidade de cada

    ser

    Desenvolver as múltiplas dimensões de seu ser em interação com o conjunto de dimensões do meio ambiente.

    Biorregionalista Lugar de pertença/ Projeto comunitário

    Desenvolver uma relação preferencial com o meio local ou regional, no desenvolvimento de um sentimento de pertença a este último e no compromisso em favor da valorização deste meio.

    Práxica Cadinho de

    ação/Reflexão

    Aprender em, para e pela ação. Desenvolver competências de reflexão a fim de operar mudanças em um meio (nas pessoas e no meio ambiente).

    Crítica social Objeto de

    transformação

    Desenvolver uma postura crítica, desconstruindo as realidades socioambientais e visando transformar o que causa problemas.

    Feminista Objeto de solicitude Integrar os valores feministas à relação com o meio ambiente.

    Etnográfica Lugar de identidade Reconhecer a estreita ligação entre natureza e cultura, fundada na pertença e não no controle.

    Ecoeducação Polo de interação para

    a formação pessoal

    Experimentar o meio ambiente para experimentar-se e formar-se em e pelo meio ambiente. Os laços com o meio ambiente devem ser considerados como um elemento central e primordial da ontogênese.

    Sustentabilidade Recursos para o desenvolvimento

    econômico

    Promover um desenvolvimento econômico ligado à conservação dos recursos naturais e a um compartilhar equitativo dos recursos.

    Fonte: Sauvé (2008, p. 40-42).

    Mesmo assim, Luzzi (2012), na introdução do livro Educação e meio ambiente: uma

    relação intrínseca, alerta que quando se fala em EA os pensamentos evocados

    imediatamente são os de rios contaminados, lixo, poluição do ar, aquecimento global

    e o desmatamento da Amazônia. Para o autor, essa visão sugere rumos diferentes na

  • 27

    abordagem da EA (Figura 1): de um lado, intelectuais a caracterizam com um enfoque

    socioambiental na formação de cidadãos críticos; por outro, a prática se reduz, na

    maioria das vezes, a atividades ecológicas e a eixos transversais, ignorando o

    conhecimento integrado da realidade pelo ser humano e suas problemáticas de vida.

    Figura 1 - Síntese dos aspectos divergentes da EA na prática escolar e nas reflexões teóricas, na concepção de Luzzi (2012)

    Fonte: Adaptado de Luzzi (2012).

    Assim, percebe-se que a dimensão ecológica da EA está fortemente impregnada em

    nosso ideário, influenciando uma visão de meio ambiente que Carvalho (2004) explica

    ser naturalista, a qual se assenta na concepção de natureza como fenômeno

    completamente biológico e como dicotomizada do mundo humano, trazendo como

    consequência a desconsideração pelos caracteres histórico e dinâmico das relações

    entre a cultura humana e a natureza na busca por soluções para os problemas

    ambientais.

    Esses problemas têm origens causadoras na intervenção antrópica sobre o ambiente

    que vem rompendo a capacidade de este se reequilibrar por meio da dinâmica natural.

    Essa intervenção não é inata ao homem, mas fruto das interações sociais constituintes

    de um meio de produção que impulsiona um modelo de desenvolvimento

    caracterizado por uma relação dicotomizada entre sociedade e natureza que simplifica

    a complexidade da realidade (GUIMARÃES, 2007, 2011; REIGOTA, 2009).

    EA nas reflexões teóricas

    •Abordagem da complexa realidadepor meio da interdisciplinaridade;

    •Relação sociedade e ambiente;

    •Formação do sujeito pela práxis -reflexão e ação.

    EA na prática escolar

    •Conhecimentos descritivos e explicativos(oficinas de papel reciclado, aulas sobreaquecimento global, estímulo à separação e àreciclagem do lixo, organização de hortasorgânicas, trilhas de interpretação ambiental,entre outros);

    •A complexidade do ambiente é fragmentada emeixos transversais;

    •Atividades isoladas e desenvolvidas a partir daboa vontade de um ou mais professores.

  • 28

    Frequentemente, o foco pedagógico da EA incide em interações com o ambiente

    natural, buscando-se a sua compreensão física e biológica e a apreensão das

    consequências da ação humana sobre a natureza pura. As trilhas de interpretação

    ambiental são apontadas como exemplo de um recurso pedagógico na concepção

    naturalista do meio ambiente. Essas atividades giram em torno dos conhecimentos

    sobre o funcionamento dos ecossistemas, a fauna, a flora e os recursos naturais e, ao

    restringirem o ato educativo ao repasse de informações das ciências naturais,

    centram-se nas condições físico-biológicas do meio ambiente. O risco dessa visão

    reducionista está em se desconsiderar a interdependência entre esses conhecimentos

    e a complexidade das questões sociais que também o constituem (CARVALHO,

    2004).

    Diante disso, Carvalho (2004, p. 37) sugere “trocar as lentes” ao afirmar a necessária

    superação da visão ingênua da EA pela visão socioambiental que:

    [...] orienta-se por uma racionalidade complexa e interdisciplinar e pensa o meio ambiente não como sinônimo de natureza intocada, mas como um campo de interações entre a cultura, a sociedade e a base física e biológica dos processos vitais, no qual todos os termos dessa relação se modificam dinâmica e mutuamente. Tal perspectiva considera o meio ambiente como espaço relacional, em que a presença humana, longe de ser percebida como extemporânea, intrusa ou desagregadora [...], aparece como um agente que pertence à teia de relações da vida social, natural e cultural e interage com ela.

    As DCNEA provocam a visão socioambiental que corresponde a uma EA crítica,

    instituindo-a, segundo os princípios e objetivos preconizados, como atividade

    intencional que visa à formação de um sujeito humano, social e historicamente

    situado, pleno de ética ambiental cujo desenvolvimento se dá na relação dele com a

    natureza e com os outros seres humanos, pelos quais se torna corresponsável

    (BRASIL, 2012).

    No que tange à formação ética do sujeito, cumpre observar que o controle, a predição

    e a manipulação da natureza são, de acordo com Carvalho (2004), os norteadores

    éticos da conexão humana com o mundo, constituindo-se como causas da dicotomia

    homem versus natureza.

    Nesse sentido, ao refletir sobre a urgência da atual crise ecológica e civilizacional,

    Junges (2004) julga necessário haver uma ética ambiental inspirada pelo modelo do

  • 29

    cuidado, para a qual o processo educativo é imprescindível na formação do agente

    humano que se entenda inserido e integrado na natureza, dependente dos mesmos

    fatores que possibilitam a vida dos outros viventes:

    Existem dois modos básicos de o ser humano estar no mundo: pelo trabalho ou pelo cuidado. Pelo primeiro, o ser humano entra em confronto cultural com a natureza, tentando moldar o ambiente às condições humanas. Constrói seu habitat e adapta o meio a seus propósitos. Prolonga a evolução, introduzindo realidades novas, que a própria natureza não teria produzido. Pelo trabalho, o ser humano pilota a evolução, fazendo interagir natureza e sociedade num processo de simbiose. Pelo cuidado, o ser humano desenvolve relações afetivas de respeito diante dos seus semelhantes, dos animais e da própria natureza, não transformando-os em puros meios a serviço de seus interesses. O trabalho está centrado na transformação dos recursos naturais, e o cuidado acentua mais o valor da convivência ambiental e social. Ambas as dimensões são necessárias para a sobrevivência humana (JUNGES, 2004, p. 77-78, grifo nosso).

    Portanto, a perspectiva crítica da EA não se limita a um campo de compreensão mútua

    a unir todos os educadores para ensinarem boas práticas e bons comportamentos

    ambientais (CARVALHO, 2004), mas pressupõe a formação do indivíduo que analisa

    e repensa seu estar no mundo com o outro e com os demais seres vivos, pelos quais

    também se responsabiliza, mediante uma prática pedagógica que concebe

    integralmente o meio ambiente em suas dimensões humana, natural e construída.

    Tendo em vista que a saúde pública e o equilíbrio ambiental são direitos garantidos

    constitucionalmente, discute-se na próxima subseção acerca do processo educativo

    voltado para a guarda responsável de animais como forma de incitar no contexto

    escolar um olhar crítico em torno da interação entre os seres humanos e os demais

    animais e das consequentes questões relacionadas à saúde e aos problemas

    ambientais.

    2.2 A EDUCAÇÃO PARA A GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS COM VISTAS À

    MANUTENÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA E DO EQUILÍBRIO AMBIENTAL

    A saúde é um direito constitucional assegurado por meio de políticas sociais e

    econômicas que visam à redução do risco de doença e de outros agravos e por meio

    do acesso universal e igualitário às ações e aos serviços que integram o Sistema

  • 30

    Único de Saúde (SUS). Já no que tange ao manejo ambiental, a CF de 1988 garante

    o direito universal de um meio ambiente ecologicamente equilibrado (BRASIL, 1988,

    1990).

    Embora ocupem capítulos separados dentro da lei maior e possuam objetivos

    diferentes, saúde e meio ambiente estabelecem entre si uma forte relação. Verifica-

    se, pois, no próprio art. 225 da CF a orientação de que o equilíbrio ambiental é

    essencial à qualidade de vida saudável da coletividade. Do mesmo modo, conforme

    art. 3.º da Lei n.º 8.080, de 18 de setembro de 1990, o termo “saúde” define o estado

    de completo bem-estar físico, mental e social do indivíduo, tendo como fatores

    determinantes e condicionantes: “[...] a alimentação, a moradia, o saneamento básico,

    o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o

    lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”. Também é evidente a

    indissociabilidade entre saúde e meio ambiente ao destacarem-se entre os campos

    de atuação estabelecidos para o SUS a execução de ações de vigilância

    epidemiológica e a colaboração na proteção do meio ambiente (BRASIL, 1988,

    1990, grifo nosso).

    A relação da população humana com seu ambiente e os animais nele incluídos

    propicia constantemente condições para a transmissão e a manutenção de doenças

    (BRASIL, 2016).

    Nos domicílios brasileiros, cachorros e gatos constituem-se como animais mais

    presentes, com a predominância dos primeiros. Estima-se, de acordo com o IBGE,

    uma população de cachorros domiciliados em 52,2 milhões e a de gatos, em 22,1

    milhões (IBGE, 2015). Outras pesquisas acerca do perfil de tutores de animais de

    companhia também corroboram essa estimativa, destacando o cão como espécie

    mais citada (SILVANO et al., 2010; LANGONI et al., 2011; MORAES, 2013; MATTE,

    2014; CATAPAN et al., 2015).

    Esses animais são identificados em conformidade com os hábitos de vida deles:

    – domiciliados: são animais totalmente dependentes do proprietário. Saem do domicílio acompanhados e contidos através do uso de coleira e guia, recebem vacinas e são submetidos a controles clínicos periódicos. Podem ser considerados de baixo risco para a transmissão do vírus da raiva. – semi-domiciliados [sic]: são animais dependentes do proprietário, mas permanecem fora do domicílio, desacompanhados, por períodos indeterminados. Recebem vacinas e algum tipo de cuidado.

  • 31

    – comunitários ou de vizinhança: são semi-dependentes [sic], por não terem um proprietário, mas diversas pessoas cuidam que tenham alimentação. São mantidos soltos nas ruas. Podem receber vacinas por ocasião de campanhas públicas, na dependência da disposição de alguém que por eles se interesse. – errantes: são animais independentes, vivem soltos nas ruas, em sítios, chácaras ou fazendas. Não recebem qualquer tipo de atenção. Obtêm alimento de restos descartados e abrigo em locais públicos, edifícios abandonados e outros pontos, competindo, para a sobrevivência, com animais de outras espécies (COSTA et al., 2000, p. 4-5).

    Importa salientar que é ausente um levantamento estatístico em âmbito nacional

    acerca do número de cães e gatos errantes. Guilloux (2011) justifica que o

    conhecimento acerca da população animal errante é imprescindível para o

    planejamento de ações em saúde pública, embora reconheça a dificuldade de

    recenseamento desse contingente.

    O crescimento populacional de cães e gatos tem como alguns dos principais fatores

    causadores a falta de conhecimento sobre os cuidados que abrangem a guarda

    responsável por parte da maioria da população, associada à capacidade reprodutiva

    dessas espécies. As consequências disso para o bem-estar animal são: o abandono,

    os maus-tratos, a violência, o confinamento cruel e o extermínio (LIMA; LUMA, 2012;

    OSÓRIO, 2011), práticas tidas como crime contra a fauna, conforme a Lei dos Crimes

    Ambientais n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que prescreve sanções penais e

    administrativas com previsão de pena de detenção (de três meses a um ano) e multa

    para o combate ao abuso, maus-tratos, ferimentos e mutilações de animais silvestres,

    domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (BRASIL, 1998).

    Precedendo a Lei dos Crimes Ambientais, a CF de 1988 vedou práticas que

    colocassem em risco os processos ecológicos essenciais, tais como a extinção de

    espécies e a submissão de animais à crueldade (BRASIL, 1988). Contudo, as

    primeiras medidas de proteção aos animais foram estabelecidas pelo governo federal

    em 1934, mediante o Decreto n.º 24.645, que considerou todos os animais existentes

    no País como tutelados pelo Estado e previu a aplicação de multa e pena de prisão

    em regime fechado aos infratores que infligissem maus-tratos a animais pública ou

    privadamente (BRASIL, 1934).

    Em que pese a legislação como instrumento para a preservação ambiental e

    regulação da interação humana com o meio ambiente, conforme alerta Zago (2008),

  • 32

    a aplicabilidade e o cumprimento legais só se efetivarão por meio do ato fiscalizatório

    incumbido ao poder público.

    A superpopulação de cães e gatos mantidos sem controle oferece riscos à sociedade.

    No tocante à segurança pública, citam-se as agressões por mordeduras, os ataques

    a transeuntes e os acidentes de trânsito. Como consequência para a saúde pública,

    destaca-se a transmissão de zoonoses e de parasitas. Quanto ao equilíbrio ambiental,

    aponta-se a poluição ambiental por dejetos em vias públicas (SILVEIRA; NETA, 2014;

    LIMA; LUMA, 2012). Também abandonados no entorno de áreas de conservação,

    cães se tornam uma espécie exótica invasora cuja interação com as espécies nativas

    dessas unidades conservatórias acarreta a competição por território, a predação e a

    disseminação de agentes patogênicos (MACÊDO, 2016).

    Zoonose é uma “[...] infecção ou doença infecciosa transmissível, sob condições na-

    turais, de homens a animais e vice-versa” (BRASIL, 2016, p. 119). A raiva humana,

    também conhecida como hidrofobia, é uma das zoonoses mais graves que se tem

    conhecimento, sendo considerada letal em 100% dos casos. O agente causador

    dessa doença é o vírus rábico pertencente à família Rhabdoviridae e ao gênero Lys-

    savirus, que acomete somente mamíferos e é transmitido ao homem através da pe-

    netração desse vírus contido na saliva do animal infectado no organismo, principal-

    mente pela mordedura e, menos comum, pela lambedura e arranhadura de mucosas.

    Essa zoonose caracteriza-se por uma encefalite progressiva e aguda, e as manifes-

    tações clínicas marcantes da instalação do vírus rábico no sistema nervoso central

    (cérebro, cerebelo e medula) são os espasmos dos músculos da laringe, faringe e

    língua quando o paciente vê ou tenta ingerir líquido, apresentando sialorreia (isto é,

    baba, salivação excessiva) e a disfagia (dificuldade de engolir) (BRASIL, 2014a).

    No Brasil, cães e gatos são as principais fontes de infecção nas áreas urbanas. Nas

    áreas silvestres, morcegos são os principais responsáveis pela cadeia epidemiológica

    dessa zoonose. De qualquer forma, é importante frisar que todos os mamíferos são

    vulneráveis ao vírus da raiva (BRASIL, 2014a).

    Também são zoonoses provenientes comumente da inobservância dos cuidados

    básicos que compõem a guarda responsável de animais: a ancilostomíase, a larva

    migrans cutânea, a dermafitose, a esporotricose e a sarna sarcóptica.

  • 33

    Os ancilóstomos são nematoides que parasitam o intestino delgado de cães e gatos.

    Em cães, são encontrados o Ancylostoma caninum; em gatos, o Ancylostoma tubae-

    forme, porém ambos podem ser infectados pelo Ancylostoma braziliense e pelo Unci-

    naria stenocephala. Daí a necessidade de o proprietário desses animais realizar o

    protocolo de tratamento com anti-helmínticos e também recolher e descartar fezes

    para evitar a contaminação do ambiente. A ancilostomíase é transmitida pela ingestão

    de água e alimentos contaminados com larvas de ancilóstomos, bem como por pene-

    tração cutânea. As larvas infectantes, principalmente do Ancylostoma braziliense, po-

    dem penetrar a pele humana e, ao migrarem pela derme, gerarem lesões com aspeto

    sinuoso e com pruridos, provocando uma doença zoonótica denominada larva mi-

    grans cutânea (TILLEY; SMITH JR, 2015).

    Outra doença de potencial zoonótico significativo é a dermatofitose, uma infecção fún-

    gica cutânea causada por dematófitos que acometem as camadas queratinizadas dos

    pelos, das unhas e da pele. Os microrganismos mais comuns são o Microsporum ca-

    nis, o Trichophyton mentagrofhytes e o Microsporum gypseum (TILLEY; SMITH JR,

    2015).

    A esporotricose é outra doença fúngica de natureza zoonótica provocada pelo fungo

    Sporothrix schenkii, presente no solo, que pode ser inoculado de forma direta em

    feridas penetrantes associadas a espinhos ou farpas, assim como através do contato

    resultante de mordidas e arranhões de cães e gatos contaminados. Os sinais clínicos

    característicos dessa doença aparecem de forma cutânea em nódulos que formam

    crostas (TILLEY; SMITH JR, 2015).

    A sarna sarcóptica, também conhecida como escabiose, é uma doença cutânea pa-

    rasitária de cães de todas as raças e idades, altamente contagiosa, provocada por

    ácaros Sarcoptes scabiei, que cavam túneis na camada de queratina da pele, cau-

    sando prurido intenso por irritação mecânica, bem como pela produção de substâncias

    alergênicas. Gatos e seres humanos podem ser hospedeiros contactantes dessa do-

    ença. Pessoas que mantêm contato estreito com cães acometidos pela sarna sarcóp-

    tica podem desenvolver erupção cutânea pruriginosa nos braços, tórax ou no abdome

    (TILLEY; SMITH JR, 2015).

    Também há de se considerar a parasitação por helmintos e protozoários. O estudo

    feito por Vieira e outros (2017) apontou em exames das amostras de fezes a

  • 34

    ocorrência de parasitas gastrintestinais em cães positiva para Ancylostoma spp.,

    Toxocara spp., cistos de Giardia spp. e proglotes de Dipylidium caninum. Os autores

    afirmaram que o potencial zoonótico desses parasitas constitui-se em um grave

    problema para os animais hospedeiros e para a saúde pública.

    Diante dos riscos para a saúde humana provenientes da relação homem e animais, o

    Ministério da Saúde (MS), em 2014, instituiu a Portaria n.º 1.138, que estabelece,

    conforme o artigo 3.º, a prevenção e o controle de zoonoses mediante a execução

    temporária ou permanente de atividades educativas sujeitas ao contexto

    epidemiológico, visando à guarda ou à posse responsável de animais, o manejo

    ambiental e a vacinação animal. O processo educativo deve priorizar os cuidados com

    os animais passíveis de infecção pela zoonose-alvo das ações de controle; as

    orientações para evitar a instalação e a proliferação de vetores e da fauna sinantrópica

    de relevância para a saúde pública, e o risco iminente das doenças para a população

    humana (BRASIL, 2014b, 2016).

    Consoante o Manual de vigilância, prevenção e controle de zoonoses, publicado pelo

    MS, define-se guarda responsável de animal como a:

    [...] condição na qual o guardião de um animal e de suas crias, que pode ser seu proprietário ou preposto, aceita e compromete-se a assumir uma série de deveres centrados nas necessidades físicas, biológicas e ambientais da espécie, como também a prevenir os riscos (potencial de agressão, transmissão de doenças ou danos a terceiros) que seu animal possa causar à comunidade, a outros animais e/ou ao meio ambiente (BRASIL, 2016, p. 117).

    Nesse sentido, são deveres constituintes da guarda responsável de animais, conforme

    as normas técnicas emanadas do MS:

    • Vacinar seu cão e gato contra a raiva, conforme situação epidemiológica local. • Administração de produtos para controle de endoparasitas e/ou ectoparasitas, considerando a possibilidade da ocorrência de verminoses zoonóticas. • Manter seus animais domiciliados, para minimizar o risco de contraírem zoonoses na rua e transmitirem para as pessoas dentro do domicílio. • Manter limpos os ambientes de alojamento, abrigo e manutenção de animais domésticos e/ ou domesticados, com higienização e desinfecção periódica, a fim de evitar a aproximação e a proliferação de vetores e animais sinantrópicos. • Manter seus animais limpos para a manutenção de sua saúde e para evitar parasitas.

  • 35

    • Procurar o médico veterinário particular, periodicamente, para receber orientações adequadas de como manter seu animal saudável (BRASIL, 2016, p. 91-92).

    O MS também enfatiza que a educação para a guarda responsável de animais seja

    um processo continuado para fins de incentivo à realização de castração dos animais

    de estimação pelos proprietários visando à não ocorrência de prenhez indesejável

    (BRASIL, 2014b).

    A ausência de cuidados básicos com a sanidade dos animais de companhia, tais como

    a vacinação e a vermifugação adequadas, nem sempre é intencional. Pode ser resul-

    tante do desconhecimento sobre o manejo e as considerações éticas e morais cabidas

    aos animais, bem como do baixo poder aquisitivo de grande parte dos proprietários,

    trazendo o risco de zoonoses parasitárias para estes e para a saúde coletiva (SIL-

    VANO et al., 2010; LOSS et al., 2012). Também se aponta a carência de conheci-

    mento da população sobre zoonoses (FESTUGATTO; SILVA; HAINZENREDER,

    2017; SILVA; FRANZINI; SCHERMA, 2016).

    A pesquisa realizada por Porto, Andrade e Mota (2015) demonstrou o desconheci-

    mento do que seria guarda responsável por grande parte população estudada em

    Mossoró, estado do Rio Grande do Norte, e a incoerência da parcela que afirmou

    saber o que seria, uma vez que alguns não praticaram atos condizentes, mantendo

    animais em más condições de higiene e saúde.

    A carência de informações dos proprietários sobre cuidados básicos com animais de

    estimação também foi detectada por Andrade e outros (2015), que sugeriram a ado-

    ção de condutas multidisciplinares assumidas de forma compartilhada entre médicos

    veterinários, governo e sociedade para a redução dos riscos de acidentes e de trans-

    missão de zoonoses.

    A investigação de Domingues (2012) apontou para a importância do manejo popula-

    cional de cães e gatos, haja vista a capacidade reprodutiva desses animais, por meio

    da implementação de programas de controle populacional com a esterilização em

    massa associada a políticas públicas educacionais que versem sobre a guarda res-

    ponsável de animais, alcançando a população de baixa renda.

  • 36

    Para superação do conhecimento contraditório e deficitário acerca dos cuidados ine-

    rentes à guarda responsável de animais, Moraes (2013) implementou um curso semi-

    presencial a distância para a formação de professores multiplicadores em controle de

    zoonoses urbanas e em guarda responsável de animais de estimação, do qual parti-

    ciparam alunos de escolas públicas de Jaboticabal, estado de São Paulo, e concluiu

    que os participantes demonstraram maior conhecimento e percepção sobre os temas

    trabalhados após a execução das atividades educativas. Assim, a autora sugeriu que

    disciplinas direcionadas ao entendimento sobre a promoção da saúde pública e a pre-

    venção de doenças devem estar presentes ainda na formação inicial dos professores

    para que esses assuntos possam integrar as grades curriculares do EF e ser difundi-

    dos constantemente às novas gerações.

    Nessa esteira, Rodrigues e outros (2011) verificaram o aumento de conhecimento so-

    bre as principais zoonoses, posse responsável de animal e educação em saúde, apre-

    sentado por docentes da rede municipal de EF I de Araçatuba, estado de São Paulo

    após ações educativas de um curso semipresencial.

    Diante do exposto acima, entende-se que a “guarda responsável” engloba a promoção

    do bem-estar do animal e do tutor, a prevenção de zoonoses, de riscos ambientais e

    de danos a terceiros. Sendo esse o tema proposto, apresentam-se na próxima

    subseção as fundamentações teórico-conceituais que embasaram a implementação

    da prática pedagógica de EA, objeto de estudo da presente pesquisa.

    2.3 AS CONTRIBUIÇÕES DE FREIRE E VIGOTSKI: PERSPECTIVAS DIALÓGICA E

    HISTÓRICO-CULTURAL

    A teoria histórico-cultural e a pedagogia freiriana constituem o aporte teórico que

    sustentou o desenvolvimento das reflexões desta pesquisa. Os contributos dessas

    duas áreas de conhecimento - psicologia e pedagogia, respectivamente - se dá em

    que ambas as teorias partilham da concepção materialista histórico-dialética, bem

    como da visão de homem como um ser social que transforma o meio em que vive e é

    tocado pelas relações socioculturais compreendidas historicamente.

  • 37

    No que tange à teoria histórico-cultural defendida por Lev Semyonovitch Vigotski1 e

    colaboradores, este estudo traz a lume as proposições acerca da mediação simbólica,

    da relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem e da elaboração conceitual. Já

    na pedagogia freiriana destacam-se os preceitos da mediação pedagógica pautada

    na dialogicidade entre educador e educando, ambos sujeitos do processo de

    construção e reconstrução do conhecimento, tendo como objetivo o desvelamento da

    razão de ser das coisas, da realidade imposta cultura e economicamente por seletos

    grupos sociais que é passível de ser transformada e as características contrapostas

    da educação problematizadora e bancária.

    Pensar a educação sob o prisma das teorias referenciadas é compreender o

    aprendizado como uma atividade pessoal do aluno em colaboração e diálogo com os

    demais companheiros sociais em torno de conteúdos que conferem nova tessitura à

    realidade em que esses sujeitos estão inseridos e novas formas de agir nesse meio.

    Paulo Freire é, sem dúvida, uma importante referência teórica para a educação crítica,

    advogando uma educação como prática emancipadora na qual o homem, em comu-

    nhão com outros homens, se conscientiza da realidade fragmentada e parcializada

    pelas classes e ideologias dominantes que o impede de conceber outras formas de

    ser e de estar no mundo.

    No método freiriano para alfabetização de adultos trabalhadores, a busca dos conte-

    údos programáticos procede do diálogo do educador com o povo sobre a visão que

    ambos têm do mundo e que consequentemente reflete na forma como atuam nele.

    Desse modo, o mundo é o mediatizador da ação educativa autêntica, pois as impres-

    sões que os envolvidos nesse processo têm dele estão plenas de anseios tão próprios

    que subjazem delas temas de significância para eles. Dialogar com a realidade con-

    creta de vida do povo é, portanto, identificar nessas impressões os conteúdos e viabi-

    lizar a superação desses por uma interpretação racional, objetiva e crítica da existên-

    cia (FREIRE, 2017).

    Nesse sentido, a pedagogia freiriana defende o respeito aos saberes de experiência

    feitos dos alunos e a superação desses pelo saber sistematizado como um direito que

    1 Ainda não há no Brasil uma grafia padrão do nome do autor. As traduções das edições norte-americanas utilizam Vygotsky. Neste trabalho, serão respeitadas as formas utilizadas nas obras referenciadas no texto.

  • 38

    deve ser promovido por meio da dialogicidade em que se torna possível relacioná-los

    com o ensino dos conteúdos.

    Esse processo de superação, e não de ruptura, defendido por Freire (1979, 1992,

    2015, 2017) posiciona-se avessamente à concepção bancária da educação, na qual

    o papel do educador é transferir conteúdos sem considerar a realidade existencial dos

    alunos, tomando-os como objetos ouvintes e memorizadores.

    Freire (1979) explica que a ingenuidade é o estado da consciência característico da

    educação bancária, sendo promovido pela escola que se afirma neutra quando, na

    verdade, reproduz as relações hierárquicas ao trabalhar pela adaptação do aluno à

    ordem classista pré-estabelecida. Para o autor, o ato educativo condizente com uma

    educação problematizadora deve estimular o estado da criticização.

    A Figura 2, a seguir, apresenta as características contrastantes entre educação que

    se faz problematizadora e a educação bancária.

    Figura 2 - O antagonismo entre a educação problematizadora e a educação bancária, conforme Freire (2017)

    Fonte: Adaptado pela autora a partir de Freire (2017).

    Nessa lógica, um educador problematizador e comprometido com o processo de

    mudança social deve ser capaz de refletir sobre si mesmo e sobre seu estar neste

    mundo, de perceber que a sua consciência pode estar condicionada a uma situação

    concreta e imposta, a qual deve ser transgredida para ser transformada. Para resolver

    Compromisso com a libertação,empenhando-se em denunciar oestado de exploração e asinjustiças de uma ordemclassista;

    Tem no diálogo a essência daprática pedagógica;

    Busca o discernimento;

    Fundamenta-se na criatividade;

    Estimula a reflexão e a ação doaluno para transformaçãorecriadora da realidade na qualele vive.

    Mistifica a realidade;

    Não busca profundamente asrazões que explicam a maneiracomo os alunos estão nomundo;

    Inibe a criatividade;

    Superposição do educadorsobre o educando;

    Visa a adaptação do educandoao mundo;

    Enfatiza o fatalismo.

    Ed

    ucação

    p

    rob

    lem

    ati

    zad

    ora

    Ed

    ucação

    ban

    cária

  • 39

    esse impasse, a solução está na transformação da situação que o oprime e em fazer-

    se “ser para si” (FREIRE, 1979, 2017).

    A educação como prática educativa libertadora alicerça-se no inacabamento do ho-

    mem que se sabe assim na busca permanente de ser mais, de ir além da realidade

    condicionada, tornando-o sujeito do processo educativo. De acordo com Freire (1979),

    o homem, ao contrário dos animais, é um ser de relações que, estando com os outros

    no mundo, possui a capacidade de refletir sobre a própria realidade para captá-la e

    transformá-la, e não para ajustar-se a ela. Como sujeito do processo cognoscente,

    não pode ser visto como ignorante absoluto, e sim carecido de um saber sistematizado

    que só se constitui por meio de uma superação constante.

    Freire (2015) adverte que a educação é, por natureza, diretiva e política. Nesse sen-

    tido, o professor cuja prática educativa se qualifica democrática atua a favor da exor-

    tação da consciência reflexiva e contra a acomodação à propaganda ludibriante feita

    pela minoria dominante da sociedade, declarando seu posicionamento político, defen-

    dendo-o com seriedade enquanto instiga e respeita o discurso divergente dos alunos.

    Nota-se nas colocações do autor que é tão importante os alunos aprenderem os con-

    teúdos disciplinares quanto apreenderem o direito de defender seus ideais, por isso a

    defesa em relação ao ensino desses conteúdos, considerando os contextos sociocul-

    tural, histórico e político nos quais o aluno se insere, ou seja, contextos constituídos

    pela leitura que eles fazem do mundo.

    As proposições acerca do respeito aos saberes de experiência feitos com que os edu-

    candos chegam à escola suscitam uma infundada compreensão de manutenção do

    senso comum. Diante disso, Freire (2015) enfatiza que considerar os saberes social-

    mente constituídos na prática comunitária não significa ao educador progressista con-

    cordar com eles ou a eles se acomodar para conseguir a simpatia dos alunos. Trata-

    se, no entanto, de com os alunos, que não são ignorantes plenos, mas detentores de

    um saber relativo, estimular a curiosidade ingênua desse saber com o propósito de

    superá-lo por um saber sistematizado.

    Nessa direção, o ciclo gnosiológico em Freire (2015) constitui-se de um sujeito ensi-

    nante, o sujeito aprendiz e o objeto a ser ensinado e aprendido. Em um dinâmico

    processo, o primeiro e o segundo, como sujeitos cognoscentes que são, juntos apre-

    endem o objeto cognoscível, neste caso, o conteúdo.

  • 40

    Em síntese, encontram-se nesses pressupostos de Freire (1979, 1992, 2015, 2017),

    mesmo este não se afirmando como um ambientalista, mas educador, as raízes de

    uma educação ambiental crítica que busca tornar homens/mulheres, educador/edu-

    cadora e educandos/educandas conscientes da estrutura dominante a que estão sub-

    jugados e que reflete nas formas de ser e de comportar-se no contexto imediato des-

    ses sujeitos. É, portanto, no diálogo verdadeiro e democrático entre ensinante e apren-

    diz que apreendem social e historicamente que se torna possível o reconhecimento

    crítico dessa situação de alienação e, por conseguinte, a construção de práticas cole-

    tivas constituídas por novas formas de reação às desigualdades socioeconômicas e

    de intervenção na comunidade em que vivem.

    A visão antropológica de Freire na qual o homem, ao contrário dos animais, é um ser

    de relações, expressa uma natureza fruto da interação permanente entre o inato e o

    adquirido, em um processo de construção que se dá intersubjetivamente. O inacaba-

    mento é uma constante da condição humana e a consciência dessa inconclusão nos

    tornou capazes de promover e transformar o meio circundante que o autor denominou

    de “suporte”. A partir do suporte, homens e mulheres juntos criaram cultura, elabo-

    rando a linguagem conceitual que lhes permitiu a compreensão sobre o meio ambiente

    e pela qual foi possível expressar o entendimento do mundo.

    As concepções freirianas de homem dialogam com a teoria histórico-cultural na qual

    o ser humano, em sua filogênese, está limitado às condições biológicas dadas ao

    nascer, porém, por meio da atividade mediada, ele atua no meio ambiente a seu

    próprio modo, ultrapassando o condicionamento estímulo-resposta e desenvolvendo

    novas e diversas capacidades intelectuais. Logo, essa perspectiva defende a

    premissa de que a maturação biológica é um fator secundário no desenvolvimento do

    indivíduo, diferentemente do paradigma botânico e dos modelos zoológicos da

    psicologia infantil (VIGOTSKI, 2007).

    De acordo com Vigotski (2010), tanto o homem quanto o animal são portadores de

    reações que compreendem basicamente três momentos: o sensorial, no qual o

    organismo percebe os estímulos enviados pelo meio exterior; o central, em que o

    estímulo é elaborado nos processos internos do organismo e incitados para a ação; e

    o motor, caracterizado pela ação responsiva do organismo. A origem do sujeito

    socioambiental encontra-se nos traços que particularizam a formação das re


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