UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, EDUCAÇÃO BÁSICA E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DIANA PAULA DIOGO CORREIA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS DE
COMPANHIA: UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA EM UMA ESCOLA DE ENSINO
FUNDAMENTAL
ALEGRE
2018
DIANA PAULA DIOGO CORREIA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS DE
COMPANHIA: UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA EM UMA ESCOLA DE ENSINO
FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores do Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores, na linha de pesquisa Ensino de Ciências Naturais e Matemática. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luceli de Souza
ALEGRE
2018
Modelo de ficha catalográfica fornecido pelo Sistema Integrado deBibliotecas da Ufes para ser confeccionada pelo autor
C824eCorreia, Diana Paula Diogo, 1985-CorEducação ambiental e guarda responsável de animais decompanhia : uma prática pedagógica em uma escola de ensinofundamental / Diana Paula Diogo Correia. - 2018.Cor115 f. : il.
CorOrientadora: Luceli de Souza.CorDissertação (Mestrado em Ensino, Educação Básica e Formaçãode Professores) - Universidade Federal do Espírito Santo, Centrode Ciências Exatas, Naturais e da Saúde.
Cor1. Percepção ambiental. 2. Bem-estar animal. 3. Zoonoses. 4.Prática pedagógica. 5. Pesquisa qualitativa. 6. Análise deconteúdo. I. Souza, Luceli de. II. Universidade Federal doEspírito Santo. Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde.III. Título.
CDU: 37
AGRADECIMENTOS
À minha mãe Andrea Diogo e à minha irmã Dayane Diogo Correia por me apoiarem e
entenderem minha ausência durante o processo de construção desta dissertação.
À professora Dr.ª Luceli de Souza, que me escolheu por sua orientanda, pela
compreensão nos momentos de dúvida, pelo apoio e incentivo no decorrer desse
período e, claro, por acreditar no meu trabalho.
Ao Campus de Alegre do Instituto Federal do Espírito Santo, em especial, à diretora-
geral, Maria Valdete Santos Tannure e ao professor Carlos Humberto Sanson Moulin,
o “Nininho”, por proporcionarem esta oportunidade ímpar de crescimento profissional,
bem como por abrirem as portas dessa instituição para a realização da visita dos
alunos.
À diretora escolar, Érika Almeida Furtado, pela receptividade e por possibilitar a
realização desta pesquisa na EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”.
Agradecimentos também à pedagoga Eliane Souza do Valle por confiar a mim um
espaço no horário escolar e à professora Nathália Suemi Saito por ceder um lugar em
sua sala de aula, pela colaboração dada e pelas experiências compartilhadas comigo.
Aos alunos da turma 6ºM01 pela participação neste estudo, permitindo-me adentrar a
intimidade de suas manhãs durante o período de observação em sala de aula.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e
Formação de Professores da Universidade Federal do Espírito Santo por contribuírem
com a minha formação.
À minha colega de turma e amiga Flávia Pirovani Arial Bernardo pelo companheirismo
durante as aulas e por ser minha confidente nos momentos de angústia e de dúvidas.
Ao exímio médico veterinário Paulo Sérgio Cruz de Andrade Júnior, querido amigo,
pela generosidade, pelas palavras afirmativas que me fizeram acreditar no propósito
desta pesquisa e por não medir esforços na concretização da prática pedagógica,
compartilhando com os alunos o conceito de guarda responsável de animais de
companhia.
À querida amiga Maria Aparecida Zaché, a “Cida”, por colaborar com esta pesquisa,
recebendo e orientando os alunos durante a realização da visita ao Centro de
Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-guia do Instituto Federal do Espírito
Santo, Campus de Alegre. E, claro, não poderia deixar de agradecer-lhe por me
socorrer nos momentos finais da entrega do relatório de qualificação.
Ao meu amigo Graziane Berdague Parajara por me apoiar durante o processo de
seleção para o mestrado e por cuidar da Megg e do Gold durante meus compromissos
acadêmicos.
Aos professores Drs. Elias Terra Werner e Marcos Antônio Sattler, o “Tuim”, pela
participação em minha banca de qualificação e pelos apontamentos que direcionaram
este estudo.
Aos membros da banca examinadora Drs. Antonio Donizetti Sgarbi e Carolina
Demétrio Ferreira por participarem deste momento que conclui a árdua jornada que é
o mestrado.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para que fosse possível a realização
deste trabalho.
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi analisar a implementação de uma prática pedagógica de
Educação ambiental sobre temas abrangidos pelo “conceito de guarda responsável
de animais de companhia” em uma turma do 6º ano do ensino fundamental de uma
escola estadual do município de Alegre, Espírito Santo, buscando-se elucidar até que
ponto essa abordagem promoveria nos alunos a compreensão dos malefícios que as
práticas de maus-tratos contra os animais causam ao equilíbrio ambiental e à saúde
pública na comunidade em que estão inseridos. Configurada como pesquisa de abor-
dagem qualitativa, teve como fundamentos teórico-conceituais a pedagogia freiriana
e a teoria histórico-cultural. O olhar investigativo foi orientado pelo método de pes-
quisa-ação e os dados foram obtidos por meio de análise documental, da observação
participante, da aplicação de questionário composto por questões abertas e fechadas,
do desenvolvimento do plano de aula apresentado à escola parceira e de entrevista
semiestruturada. O trabalho analítico dos dados baseou-se na técnica de análise de
conteúdo e na estatística descritiva por meio do cálculo de porcentagem, empre-
gando-se tabelas para sumarização dos dados. Os resultados evidenciaram que a
concepção predominante de meio ambiente dos alunos estudados foi como um con-
junto de problemas a serem prevenidos e resolvidos. Não se perceberam como parte
integrante desse meio ambiente, tampouco consideraram a intervenção humana so-
bre ele. No que tange à Educação ambiental, a concepção conservacionista foi pre-
ponderante, limitando-se à aprendizagem de comportamentos preservacionistas em
relação aos ambientes naturais e à abstenção de comportamentos poluitivos. A pro-
blemática ambiental, para a maioria dos alunos estudados, reservou-se à poluição por
lixo. Em relação aos cuidados que demandam a guarda responsável de animais de
companhia, os alunos apresentaram um bom nível de conhecimento prévio. Obser-
vou-se que eles percebem o abandono de cães e gatos pelas ruas da localidade em
que vivem como um problema para a saúde e para o equilíbrio ambiental, sendo os
acidentes de trânsito a consequência mais frequentemente apontada. Já sobre zoo-
noses, os alunos demonstraram um razoável nível de conhecimento prévio. Sobre a
prática pedagógica, foi identificado que os alunos não vincularam a observância dos
cuidados que constituem a guarda responsável de animais de companhia ao controle
populacional de cães e gatos abandonados na comunidade em que moram, bem
como aos riscos de transmissão de zoonoses. Dessa forma, concluiu-se que os con-
ceitos que abarcam a guarda responsável de animais nas salas de aula devem ser
abordados permanentemente no currículo do ensino fundamental, visando ao equilí-
brio ambiental, ao bem-estar dos animais e à prevenção de doenças. Sugere-se, para
trabalhos futuros, implementar a prática pedagógica, ampliando-se a carga horária
prevista para os conteúdos programados no plano de aula constante do delineamento
metodológico.
Palavras-chave: Percepção ambiental. Bem-estar animal. Zoonoses. Pesquisa quali-tativa. Análise de conteúdo.
ABSTRACT
The objective of this research was to analyze the implementation of a pedagogical
practice of Environmental Education about themes covered by the concept of respon-
sible guard of companion animals in a class of the 6th grade of elementary school of a
state school of the county of Alegre, Espírito Santo, seeking to elucidate the extent to
which this approach would promote in students an understanding of the harm that mal-
treatment practices cause to environmental equilibrium and public health in the com-
munity in which they are inserted. Configured as a qualitative research, it had as the-
oretical-conceptual foundations Freirian pedagogy and historical-cultural theory. The
investigative look was guided by the action-research method and the data were ob-
tained through documentary analysis, participant observation, the application of ques-
tionnaires composed of open and closed questions, the development of the lesson
plan presented to the partner school and semi-structured interview. The analytical work
of the data was based on the technique of content analysis and in the descriptive sta-
tistics through the calculation of percentage, using tables for data summarization. The
results showed that the predominant environmental conception of the students studied
was like a set of problems to be prevented and solved. They did not perceive them-
selves as an integral part of this environment, nor did they consider human intervention
on it. Regarding environmental education, the conservationist conception was prepon-
derant, limiting itself to the learning of preservationist behaviors in relation to the natu-
ral environments and the abstention of pollution behaviors. The environmental prob-
lem, for the majority of students studied, was reserved for trash pollution. In relation to
the care that demand the responsible guarding of companion animals, the students
presented a good level of prior knowledge. it was observed that they perceive the
abandonment of dogs and cats in the streets of the locality in which they live as a
problem for health and for the environmental balance, being the traffic accidents the
consequence most frequently pointed. Already about zoonoses, students demon-
strated a reasonable level of prior knowledge. About the pedagogical practice, it was
identified that the students did not link the observance of the cares that constitutes the
responsible guard of companion animals to the population control of abandoned dogs
and cats in the community where they live, as well to the risks of transmission of the
zoonoses. Thus, it was concluded that concepts that the encompass responsible
guarding of animals in classrooms should be addressed permanently in the curriculum
of fundamental education, aiming at environmental balance, to animal welfare and to
animal welfare prevention. the It is suggested, for future work, to implement the peda-
gogical practice, increasing the expected timetable for the contents programmed in the
lesson plan included in the methodological outline.
Keywords: Environmental perception. Animal welfare. Zoonoses. Qualitative research. Content analysis.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Análise estatística das questões que abordaram a percepção ambiental
dos alunos participantes da pesquisa (N=19). EEEFM “Professora Célia
Teixeira do Carmo”- Alegre, ES, 2017. .................................................. 60
Tabela 2 - Problemas causados ao equilíbrio ambiental pelo abandono de cães e
gatos nas ruas, apontados pelos alunos participantes da pesquisa (N=19).
EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”- Alegre, ES, 2017. ........ 61
Tabela 3 - Frequência absoluta e relativa dos animais de companhia que os alunos
participantes da pesquisa têm em casa. EEEFM “Professora Célia
Teixeira do Carmo”- Alegre, ES, 2017. .................................................. 62
Tabela 4 - Análise estatística das respostas que abordaram o conhecimento dos
alunos participantes da pesquisa (N=19) sobre guarda responsável de
animais de companhia. EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”-
Alegre, ES, 2017. ................................................................................... 63
Tabela 5 - Análise estatística das respostas que abordaram o o conhecimento dos
alunos participantes da pesquisa (N=19) sobre zooonoses e modos de
transmissão. EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre-ES,
2017. ...................................................................................................... 64
Tabela 6 - Zoonoses apontadas pelos alunos participantes da pesquisa (N=19).
EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre-ES, 2017. ......... 66
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Síntese dos aspectos divergentes da EA na prática escolar e nas reflexões
teóricas, na concepção de Luzzi (2012) ................................................. 27
Figura 2 - O antagonismo entre a educação problematizadora e a educação bancária,
conforme Freire (2017) ........................................................................... 38
Figura 3 - Fórmula do comportamento do homem, conforme Vigotski (2010) .......... 41
Figura 4 - Escola lócus da pesquisa ......................................................................... 45
Figura 5 - Esquema de ambientes da oficina sobre endoparasitas e ectoparasitas
realizada com os alunos da turma 6ºM01, EEEFM “Professora Célia
Teixeira do Carmo”, Alegre-ES ............................................................... 50
Figura 6 - Realização da dinâmica de grupo tempestade mental com os alunos da
turma 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre,
ES ........................................................................................................... 67
Figura 7 - Dinâmica de tempestade mental em relação ao conceito de meio ambiente
realizada com os alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira
do Carmo”, Alegre, ES ............................................................................ 68
Figura 8 - Dinâmica de tempestade mental em relação ao conceito de EA realizada
com os alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira do
Carmo”, Alegre, ES ................................................................................. 69
Figura 9 - Palestra e roda de conversa ministrada por médico veterinário sobre guarda
responsável e noções de zoonoses com alunos da 6ºM01, da EEEFM
“Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre, ES ................................. 70
Figura 10 - Material didático montado para realização da oficina sobre endoparasitas
e ectoparasitas com o grupo estudado, no Laboratório de Informática da
EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre, ES .................... 72
Figura 11 - Realização da oficina sobre endoparasitas e ectoparasitas com o grupo
estudado, no Laboratório de Informática da EEEFM “Professora Célia
Teixeira do Carmo”, Alegre, ES .............................................................. 72
Figura 12 - Recepção dos alunos da 6ºM01, da EEEF “Professora Célia Teixeira do
Carmo”, Alegre, ES, no auditório do CFTICG, do Ifes, Campus de Alegre.
................................................................................................................ 74
Figura 13 - Revisora de texto braille, deficiente visual - cega, apresentando aos alunos
da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, os espaços
físicos do CFTICG, Ifes, Campus de Alegre ........................................... 75
Figura 14 - Alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”,
Alegre, ES, interagindo com os animais durante a visita ao CFTICG, do
Ifes, Campus de Alegre. ......................................................................... 76
Figura 15 - Finalização da visita dos alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia
Teixeira do Carmo”, Alegre, ES, ao CFTICG, do Ifes, Campus de Alegre.
................................................................................................................ 77
Figura 16 - Atividades da cartilha sobre guarda responsável de animais de companhia
realizadas pelos alunos da 6ºM01, da EEEFM “Professora Célia Teixeira
do Carmo”, Alegre, ES ............................................................................ 78
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Sistematização das correntes em EA com as respectivas concepções
dominantes de meio ambiente e principais objetivos educativos, segundo
cartografia de Sauvé (2008)................................................................... 25
Quadro 2 - Síntese das características básicas de uma pesquisa qualitativa .......... 44
Quadro 3 - Plano de aula desenvolvido com alunos da turma 6ºM01 da EEEFM
“Professora Célia Teixeira do Carmo”, Rive, Alegre, ES ....................... 48
Quadro 4 - Descrição do sistema de categorias e subcategorias para análise de
conteúdo das definições dadas pelos alunos participantes da pesquisa
sobre EA e meio ambiente fundamentado em Sauvé (2008) ................ 52
Quadro 5 - Análise de conteúdo das respostas dadas pelos alunos participantes da
pesquisa em relação à concepção de meio ambiente, suas respectivas
frequências e unidades de contexto ...................................................... 55
Quadro 6 - Análise de conteúdo das respostas dos alunos participantes da pesquisa
em relação à concepção de EA, suas respectivas frequências e unidades
de contexto ............................................................................................ 58
Quadro 7 - Questionamentos apresentados pelos alunos da turma 6ºM01 durante a
realização da palestra sobre guarda responsável de animais e noções de
zoonoses, na EEEFM “Professora Célia Teixeira do Carmo”, Alegre, ES
............................................................................................................... 70
Quadro 8 - Grade temática obtida das entrevistas semiestruturadas na turma 6ºM01.
Categoria temática: Percepção sobre a prática pedagógica .................. 79
Quadro 9 - Grade temática obtida das entrevistas semiestruturadas na turma 6ºM01.
Categoria temática: Compreensão dos malefícios que as práticas de
maus-tratos aos animais causam ao equilíbrio ambiental e à saúde
pública ................................................................................................... 81
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF Constituição federal
CFTICG Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de Cães-Guia
DCNEA Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental
EA Educação Ambiental
EEEFM Escola Estadual do Ensino Fundamental e Médio
EF Ensino Fundamental
EM Ensino Médio
ES Espírito Santo (Estado do)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ifes Instituto Federal do Espírito Santo
Libras Língua Brasileira de Sinais
MS Ministério da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PL Projeto de lei
PNEA Política Nacional de Educação Ambiental
PNMA Política Nacional do Meio Ambiente
PNS Pesquisa Nacional de Saúde
Sedu Secretaria de Estado de Educação
SUS Sistema Único de Saúde
Ufes Universidade Federal do Espírito Santo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 16
2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 21
2.1 A TEMÁTICA AMBIENTAL NO ÂMBITO NACIONAL ......................................... 21
2.1.1 A superação da visão simplista: a perspectiva crítica da Educação
Ambiental ................................................................................................................. 25
2.2 A EDUCAÇÃO PARA A GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS COM VISTAS À
MANUTENÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA E DO EQUILÍBRIO AMBIENTAL ................. 29
2.3 AS CONTRIBUIÇÕES DE FREIRE E VIGOTSKI: PERSPECTIVAS DIALÓGICA E
HISTÓRICO-CULTURAL .......................................................................................... 36
3 METODOLOGIA .................................................................................................... 44
3.1 DELINEAMENTO METODOLÓGICO ................................................................. 44
3.2 CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL DA PESQUISA ............................................... 45
3.3 SUJEITOS DA PESQUISA .................................................................................. 46
3.4 ASPECTOS ÉTICOS........................................................................................... 46
3.5 PLANEJAMENTO E PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ................... 47
3.5.1 Análise documental........................................................................................ 47
3.5.2 Observação em sala de aula ......................................................................... 47
3.5.3 Questionário ................................................................................................... 48
3.5.4 Prática pedagógica......................................................................................... 48
3.5.5 Entrevista ........................................................................................................ 50
3.6 PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS DOS DADOS ................................................ 51
3.6.1 Análise de Conteúdo ...................................................................................... 51
3.6.2 Estatística descritiva ...................................................................................... 53
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 54
4.1 A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS ALUNOS ..................................................... 54
4.2 OS CONHECIMENTOS SOBRE GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS DE
COMPANHIA E ZOONOSES .................................................................................... 60
4.3 A PRÁTICA PEDAGÓGICA SOBRE GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS DE
COMPANHIA E ZOONOSES .................................................................................... 66
4.3.1 Aulas 1 e 2 ....................................................................................................... 66
4.3.2 Aulas 3 e 4 ....................................................................................................... 73
4.4 A INFLUÊNCIA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA COMPREENSÃO DOS ALUNOS
SOBRE A QUESTÃO AMBIENTAL NA COMUNIDADE EM QUE ESTÃO INSERIDOS
.................................................................................................................................. 77
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 85
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 88
APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO -
DIREÇÃO ESCOLAR ............................................................................................... 95
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA
PROFESSORA ......................................................................................................... 96
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DO (A)
ALUNO (A) ................................................................................................................ 97
APÊNDICE D - QUESTIONÁRIO APLICADO .......................................................... 98
APÊNDICE E - ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA .................... 100
APÊNDICE F - APRESENTAÇÃO SOBRE GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS
DE COMPANHIA E NOÇÕES SOBRE ZOONOSES ............................................. 101
APÊNDICE G - CARTILHA PARA COLORIR “GUARDA RESPONSÁVEL DE
ANIMAIS DE COMPANHIA” .................................................................................. 110
16
1 INTRODUÇÃO
As imagens de rios contaminados, lixo, poluição do ar, aquecimento global e
desmatamento da Amazônia são imediatamente idealizadas quando se fala em
Educação Ambiental (EA). De fato, a EA despontou na emergência ecológica
planetária, porém considerar somente suas dimensões ecológica e conceitual significa
reduzir e simplificar a complexa trama de relações entre a educação e o ambiente
(LUZZI, 2012).
Diante disso, a proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Ambiental (DCNEA) é que a dimensão ambiental da educação adote uma abordagem
socioambiental, transpondo a visão simplista e naturalista do meio ambiente ainda
muito difundida na prática pedagógica das instituições de ensino (BRASIL, 2012).
O abandono de cães e gatos é comum em todo o mundo, tornando-se um problema
de saúde pública e fator de desequilíbrio ambiental (ALVES et al., 2013). São
apontadas como possíveis causas desse abandono a falta de conscientização sobre
a guarda responsável por parte da maioria da população (PORTO; ANDRADE; MOTA,
2015; CATAPAN et al., 2015; ANDRADE et al., 2015), a capacidade reprodutiva e a
carência de legislação eficaz relacionada ao comércio e criação desses animais
(LIMA; LUNA, 2012).
Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) referente ao ano de 2013 divulgados
no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) destacaram que 44,3% dos
domicílios brasileiros (equivalente a 28,9 milhões de unidades domiciliares) possuíam
pelo menos um cachorro; já 17,7%, possuíam pelo menos um gato (correspondente a
11,5 milhões de unidades domiciliares) (IBGE, 2015). Não foi estimado, contudo, o
número de animais errantes e semidomiciliados que, conforme Costa e outros (2000),
são relevantes na transmissão da raiva e de outras zoonoses em razão do convívio
mais estreito com o ser humano.
No município de Alegre, Espírito Santo (ES), Neta e Silveira (2015) levantaram o
quantitativo de mais de 9 mil animais de companhia, cerca de 30% da população
humana. Uma grande parcela desse contingente foi representada por animais
errantes ou semidomiciliados.
17
Uma campanha de controle populacional de cães e gatos no ES já foi objeto do Projeto
de lei (PL) 647/2009 (ESPÍRITO SANTO, 2009), e no município de Alegre, ES, o
sancionamento da Lei n.º 3.138, de 04 de março de 2011, constituiu-se como iniciativa
de uma política pública de controle populacional de animais abandonados,
disciplinando a criação, guarda, uso e transporte de cães e gatos, inclusive
responsabilizando os proprietários com a aplicação de multas e apreensão dos
animais negligenciados (ALEGRE, 2011).
Iniciativas de esterilização e práticas educativas para a guarda responsável de
animais de companhia são realizadas por duas instituições federais de ensino no
município de Alegre, ES. Vinculados à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes),
Cardinot e outros (2015) promoveram ações para disseminação de conhecimentos
sobre as responsabilidades pertinentes à tutela de animais domésticos em escolas
dos municípios de Alegre, ES e Guaçuí, ES, Brasil, atingindo cerca de 700
espectadores com idade de 06 a 10 anos.
O Campus de Alegre do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) desenvolve, desde
setembro de 2016, o projeto de extensão à comunidade intitulado Controle
Populacional e Posse Responsável de Cães e Gatos. O despertar para este estudo
tem as suas raízes na atuação desta pesquisadora como servidora dessa instituição
de ensino e também na condição de membro constituinte do aludido projeto de
extensão. O envolvimento com as questões administrativas, em especial no que tange
às atividades realizadas no Centro de Formação de Treinadores e Instrutores de
Cães-Guia (CFTICG), uma unidade desse campus, motivou a investigação sobre a
guarda responsável de animais de companhia como prática pedagógica dentro do
contexto escolar na comunidade de Rive, distrito de Alegre, ES.
O ambiente formal de ensino constitui-se como um importante espaço para a
abordagem dessa temática. Dessa forma, o trabalho pedagógico realizado com os
alunos em torno das questões ambientais não deve abranger somente a preservação
ecológica, mas também a melhoria da qualidade de vida da comunidade e do meio
em que os alunos estão inseridos, compreendendo que a EA pressuposta nas DCNEA
deve fomentar nos sujeitos o pensamento crítico em relação ao meio ambiente, ao
bem-estar animal e às consequências das práticas de maus-tratos a animais para o
equilíbrio ambiental e para a saúde pública.
18
Neste estudo, pretendeu-se elucidar o seguinte problema de pesquisa:
Até que ponto a prática pedagógica de EA acerca de temas abarcados pelo conceito
de “guarda responsável de animais de companhia” pode promover nos sujeitos a
compreensão dos malefícios que as práticas de maus-tratos contra os animais
causam ao equilíbrio ambiental e à saúde pública na comunidade em que estão
inseridos?
Diante do exposto, algumas questões foram levantadas: Qual a percepção ambiental
desses sujeitos? Quais conhecimentos possuem acerca dos cuidados que o tutor
deve ter em relação ao seu animal? A inserção de conteúdos relacionados à guarda
responsável de animais de companhia na prática escolar pode influenciar a concepção
dos sujeitos em relação à EA e à questão ambiental na comunidade em que estão
inseridos? Os estudantes podem ser agentes multiplicadores dessa temática nos
núcleos familiar e social deles?
A partir desses questionamentos foi definido o objetivo geral desta pesquisa que
consistiu em analisar a implementação de uma prática pedagógica de EA sobre temas
abrangidos pelo conceito de “guarda responsável de animais de companhia” com
alunos de uma turma do 6º ano do Ensino Fundamental (EF).
Os objetivos específicos direcionados para essa meta foram: (i) identificar as
concepções acerca de meio ambiente e de EA dos alunos; (ii) avaliar o conhecimento
prévio dos alunos sobre guarda responsável de animais de companhia e zoonoses;
(iii) detectar a influência da prática pedagógica sobre os temas abrangidos pelo
conceito de “guarda responsável de animais de companhia” na compreensão dos
alunos sobre a questão ambiental na comunidade em que estão inseridos; (iv) verificar
se o grupo estudado atuou como agente multiplicador do tema “guarda responsável
de animais de companhia” nos núcleos familiar e social.
Esta pesquisa qualitativa foi desenvolvida com 28 alunos do 6º ano do EF da Escola
Estadual do Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) “Professora Célia Teixeira do
Carmo”, no município de Alegre, ES, no período de março a junho de 2017. O critério
de seleção da turma se deu em razão de o plano pedagógico escolar para o 6º ano
do EF da escola estudada não contemplar conteúdos sobre os seres vivos.
O procedimento técnico de pesquisa configurou-se como uma pesquisa-ação, tendo
como referencial teórico a pedagogia freiriana (FREIRE, 1979, 1992, 2015, 2017) e a
19
teoria histórico-cultural (VIGOTSKI, 2007, 2008, 2010; VIGOTSKY, 2009). O ato
cognoscente nessas duas perspectivas implica a interação recíproca entre atores que,
por meio das mediações semiótica e pedagógica, apropriam-se da bagagem de
conhecimentos constituídos pela humanidade e a reconstroem. Desse modo, o sujeito
se desenvolve como gênero humano.
Esta dissertação encontra-se estruturada na seguinte ordem:
Em Revisão de literatura, discorre-se sobre a temática ambiental no âmbito nacional,
trazendo um breve relato de seu surgimento, sua institucionalização como política pú-
blica no Brasil, bem como da trajetória da EA na legislação educacional brasileira até
o estabelecimento das DCNEA. Enfocando os diferentes discursos acerca da prática
educativa no campo da EA, o texto lança mão da cartografia das diversas correntes
elaborada por Sauvé (2008) e das diferentes abordagens percebidas na prática esco-
lar e na teoria por Luzzi (2012), revelando as origens da dicotomia homem versus
natureza nas visões de Guimarães (2007, 2011), Reigota (2009, 2010) e Carvalho
(2004). Outrossim, aborda-se a “educação para a guarda responsável de animais”,
tema da prática pedagógica de EA implementada, como ação que visa à manutenção
da saúde pública e do equilíbrio ambiental. Por fim, buscam-se as aproximações entre
os pressupostos pedagógicos freirianos (FREIRE, 1979, 1992, 2015, 2017) e a teoria
histórico-cultural (VIGOTSKI, 2007, 2008, 2010; VIGOTSKY, 2009), que embasaram
o desenvolvimento da intervenção desta pesquisa-ação e as reflexões acerca dessa.
Em Metodologia de pesquisa, são descritas as estratégias teórico-metodológicas
seguidas para o alcance dos objetivos propostos, apresentando o contexto da pes-
quisa com relação às características da escola investigada, aos sujeitos participantes
e aos procedimentos utilizados para a coleta dos dados e para a análise dos resulta-
dos.
Em Resultados e discussão, os resultados alcançados na investigação são compre-
endidos e discutidos à luz da literatura levantada na construção da base teórica desta
dissertação.
Em Considerações finais, apresentam-se os apontamentos desta pesquisadora,
tendo em consideração a discussão teórica atrelada à experiência compartilhada com
os sujeitos durante a construção da pesquisa.
20
Espera-se que este estudo contribua com a promoção de discussões acerca da
perspectiva de EA que é abordada com os escolares no contexto educacional da
instituição investigada, bem como traga subsídios que possibilitem à gestão escolar
avaliar se a abordagem da temática ambiental no currículo condiz com os
pressupostos definidos nas DCNEA.
21
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 A TEMÁTICA AMBIENTAL NO ÂMBITO NACIONAL
Segundo Carvalho (2004), a EA surgiu como parte do ideário ecologista presente no
contexto dos grandes movimentos sociais e civis ocorridos no Hemisfério Norte no fim
da década de 1960 e também no Brasil e na América Latina nas décadas de 1970 e
1980. Essas ações objetivaram denunciar as agressões ambientais decorrentes do
modo de vida das sociedades industrializadas.
Um marco desses movimentos foi a realização da Conferência Intergovernamental de
Tbilisi, no período de 14 a 26 de outubro de 1977, que é referenciada até os dias atuais
em razão do momento histórico em que ocorreu e da representatividade de nações
participantes. Esse evento assinalou a EA como processo educativo que possibilita
compreender a articulação entre as dimensões ambiental e social da realidade, pro-
blematizando-a na busca pelas raízes da crise civilizatória. Cuidando para que à EA
não fosse atribuída toda a responsabilidade pela mudança de práticas e relações so-
ciais, as recomendações resultantes dessa conferência, entre outras, sugeriram aos
Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) que viabilizassem polí-
ticas públicas a serem permanentemente revisadas por meio de avaliações sistemáti-
cas com vistas à consolidação da EA (LOUREIRO, 2012).
Outros eventos e marcos legais foram estabelecidos desde a promoção dessa confe-
rência, porém não cabe mencioná-los nesta revisão.
A instituição da EA como política pública no Brasil se deu no contexto da conferência
supracitada com a criação da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), consoante
a Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, publicada anteriormente à promulgação da
Constituição federal (CF) em 1988. O propósito dessa lei foi assegurar condições ao
desenvolvimento socioeconômico do país mediante a preservação, a melhoria e a re-
cuperação da qualidade ambiental. Nos princípios elencados nessa política, a EA apa-
rece disposta a todos os níveis de ensino, até mesmo na educação da comunidade
com o objetivo de capacitá-la para a participação ativa na defesa do meio ambiente.
(BRASIL, 1981).
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%206.938-1981?OpenDocument
22
Na PNMA, a manutenção do equilíbrio ecológico é alvo da ação governamental, sendo
o meio ambiente considerado como um patrimônio público. De acordo com o artigo
3º, meio ambiente é entendido como “[...] o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em
todas as suas formas [...]” (BRASIL, 1981).
A julgar pelo artigo 1.º do Decreto n.º 99.274, de 6 de junho de 1990 (regulamenta a
execução da PNMA) que incumbe ao poder público, entre outros, o dever de orientar
a educação em todos os níveis para a participação ativa do cidadão e da comunidade
na defesa do meio ambiente, nota-se nessa política uma perspectiva naturalista do
meio ambiente que desconsidera a complexidade da inter-relação da natureza com o
homem, bem como as interações de ordens social e cultural. Nesse contexto, o estudo
da ecologia tornou-se obrigatório, devendo abranger as diversas matérias obrigatórias
dos currículos escolares (BRASIL, 1990).
A CF promulgada em 1988 confere aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à qualidade de vida
saudável, conforme inciso VI do § 1º do artigo 225. Para garantia desse direito, atribui
ao poder público o dever, entre outros, de “[...] promover a educação ambiental em
todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente [...]” (BRASIL, 1988).
No âmbito educacional, conforme a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
define as diretrizes e bases da educação nacional, o legislador não cita
expressamente o termo “educação ambiental”. A referência é feita no artigo 32, inciso
II, que estabelece para o EF a formação básica do cidadão mediante “[...] a
compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das
artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade [...]”; e no parágrafo 1º do
artigo 26, ao instituir que os currículos da educação infantil, do EF e do ensino médio
(EM) devem englobar obrigatoriamente “[...] o conhecimento do mundo físico e natural
e da realidade social e política, especialmente do Brasil” (BRASIL, 1996).
Em 1997, o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), produzidos
com base na lei supramencionada, objetivou nortear o trabalho dos educadores, bem
como a elaboração do projeto educativo das escolas. O meio ambiente, nesse
documento, foi estabelecido como tema transversal, e a questão ambiental, disposta
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEC%2099.274-1990?OpenDocument
23
de modo que enfatizasse o estabelecimento da ligação entre os conteúdos estudados
pelos alunos e a realidade cotidiana deles, pretendendo-se alcançar com isso o
aprendizado significativo e o início de um processo de mudança de comportamento.
Verifica-se também a importância da promoção de situações no interior da escola com
vistas à articulação do currículo com os problemas locais, e, se possível, com a
participação de pessoas da comunidade ou de outras instituições nessas ações
(BRASIL, 1997).
De acordo com os PCN, o meio ambiente não se constitui como conceito definitivo.
Trata-se antes de uma representação social, isto é, da visão que cada grupo tem do
seu entorno e dos ambientes mais abrangentes em que está inserido. Essa visão se
modifica com o tempo e depende do grupo social em que é utilizada. Dessa maneira,
o trabalho com esse tema transversal deve incidir sobre a representação social, visto
que as representações coletivas dos grupos sociais aos quais os sujeitos pertencem
são influentes na formação de opiniões e no estabelecimento de atitudes individuais.
Mesmo assim, o termo “meio ambiente” é tido como espaço formado por componentes
bióticos e abióticos e suas interações em que um ser vive, se desenvolve e troca
energia. Também compõem esse espaço os elementos produzidos ou transformados
pela ação humana (BRASIL, 1997).
Acerca da diversidade de definições para o meio ambiente, Reigota (2010) corrobora
o disposto nos PCN ao ratificar não haver um consenso sobre esse conceito na
comunidade científica. A julgar pelo caráter difuso desse termo, o autor considera a
noção de meio ambiente como representação social. Nessa lógica, a realização da
EA deve iniciar pela identificação das representações que possuem os sujeitos
envolvidos no processo educativo.
Com o estabelecimento da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA)
conforme a Lei n.º 9.795, de 27 de abril de 1999, regulamentada posteriormente pelo
Decreto n.º 4.281, de 25 de junho de 2002, a EA passa a ser um componente
permanente da educação nacional, devendo estar presente em todos os níveis e
modalidades do processo educativo, quer seja formal, quer seja não formal. Para fins
de definição, encontra-se disposto no artigo 1.º:
Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio
24
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999).
Impende salientar que o reconhecimento da gravidade dos problemas ambientais e o
anseio por mudanças despontaram no meio educacional com a inserção da EA como
componente obrigatório da educação formal e não formal a partir do estabelecimento
da PNEA, em 1999. Ainda assim, essa medida não influenciou a redução da
degradação ambiental.
Conforme alerta Guimarães (2011, p. 23), “[...] hoje, apesar desta difusão da educação
ambiental, a sociedade moderna destrói mais a natureza do que há 25 ou 30 anos”.
O autor enfatiza que, embora os educadores demonstrem mais sensibilidade em re-
lação à dimensão ambiental, não deixam de ser atores sociais que vivem a submissão
à racionalidade da sociedade moderna no próprio cotidiano, tornando-se reféns de
uma visão ingênua da realidade.
Apesar das precedentes menções à temática ambiental na legislação educacional, a
necessidade de se estabelecer normas que atendessem ao propósito da EA, consi-
derando a complexidade da crise civilizatória, culminou na instituição das DCNEA,
conforme Resolução n.º 2, de 15 de junho de 2012. Essas diretrizes reafirmam a rele-
vância e a obrigatoriedade da EA como componente integrante da educação nacional
que deve perpassar todos níveis e modalidades da educação básica e da superior.
Nessa perspectiva de transversalidade, esse documento, de acordo com o artigo 2.º,
conceitua a EA como:
[...] uma dimensão da educação, é atividade intencional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental (BRASIL, 2012).
À vista disso, essa dimensão da educação que objetiva tornar os alunos
ambientalmente éticos em relação à natureza e aos outros seres humanos deve
adotar uma abordagem que transponha a prática simplista da EA e supere, conforme
o artigo 6.º das DCNEA, “[...] a visão despolitizada, acrítica, ingênua e naturalista ainda
muito presente na prática pedagógica das instituições de ensino”. Para tanto, a
integração da EA ao currículo da educação nacional não deve resumir-se à mera
distribuição da temática ambiental pelos demais componentes curriculares, podendo
25
ocorrer: pela transversalidade, mediante temas relacionados com o meio ambiente e
com a sustentabilidade socioambiental; como conteúdo dos componentes já
constantes do currículo; e pela combinação de transversalidade e de tratamento nos
componentes curriculares (BRASIL, 2012).
Na próxima subseção, a discussão se dá em torno das multifacetas da EA e do
movimento por uma perspectiva crítica em contraposição à visão simplista ainda
disseminada e que pouco tem a contribuir com o enfrentamento da crise ambiental
vivida.
2.1.1 A superação da visão simplista: a perspectiva crítica da Educação
Ambiental
Considerando a diversidade de discursos e práticas pedagógicas no campo da EA,
Sauvé (2008) apresenta uma sistematização de correntes (Quadro 1) em função da
concepção dominante de meio ambiente e da intenção central da EA. A autora salienta
que essa cartografia foi explorada dos contextos norte-americano e europeu, não
integrando suficientemente trabalhos dos educadores da América Latina nem de
outros contextos culturais.
Quadro 1- Sistematização das correntes em EA com as respectivas concepções dominantes de meio ambiente e principais objetivos educativos, segundo cartografia de Sauvé (2008)
(continua)
Correntes em EA Concepção de meio ambiente
Objetivos educativos
Naturalista Natureza Reconstruir uma ligação com a natureza.
Conservacionista/recursista Recurso Educar para a conservação da natureza, desenvolvendo habilidades relativas à gestão ambiental.
Resolutiva Problema Desenvolver habilidades de resolução das problemáticas ambientais: do diagnóstico à ação.
Sistêmica Sistema
Desenvolver o pensamento sistêmico que possibilite uma compreensão global da realidade ambiental, seus componentes, relações e problemáticas a fim de identificar e escolher soluções mais apropriadas.
26
Quadro 1 - Sistematização das correntes em EA com as respectivas concepções dominantes de meio ambiente e principais objetivos educativos, segundo cartografia de Sauvé (2008)
(conclusão)
Correntes em EA
Concepção de meio ambiente
Objetivos educativos
Científica Objeto de estudos Desenvolver conhecimentos referentes às ciências do meio ambiente e habilidades ligadas à observação e à experimentação.
Humanista Meio de vida
Apreender o ambiente como um meio de vida, com suas dimensões biofísicas, históricas, culturais, políticas, econômicas e estéticas, desenvolvendo um sentimento de pertença.
Moral/ética Objeto de valores Desenvolver valores ambientais, construindo um sistema ético próprio.
Holística Totalidade de cada
ser
Desenvolver as múltiplas dimensões de seu ser em interação com o conjunto de dimensões do meio ambiente.
Biorregionalista Lugar de pertença/ Projeto comunitário
Desenvolver uma relação preferencial com o meio local ou regional, no desenvolvimento de um sentimento de pertença a este último e no compromisso em favor da valorização deste meio.
Práxica Cadinho de
ação/Reflexão
Aprender em, para e pela ação. Desenvolver competências de reflexão a fim de operar mudanças em um meio (nas pessoas e no meio ambiente).
Crítica social Objeto de
transformação
Desenvolver uma postura crítica, desconstruindo as realidades socioambientais e visando transformar o que causa problemas.
Feminista Objeto de solicitude Integrar os valores feministas à relação com o meio ambiente.
Etnográfica Lugar de identidade Reconhecer a estreita ligação entre natureza e cultura, fundada na pertença e não no controle.
Ecoeducação Polo de interação para
a formação pessoal
Experimentar o meio ambiente para experimentar-se e formar-se em e pelo meio ambiente. Os laços com o meio ambiente devem ser considerados como um elemento central e primordial da ontogênese.
Sustentabilidade Recursos para o desenvolvimento
econômico
Promover um desenvolvimento econômico ligado à conservação dos recursos naturais e a um compartilhar equitativo dos recursos.
Fonte: Sauvé (2008, p. 40-42).
Mesmo assim, Luzzi (2012), na introdução do livro Educação e meio ambiente: uma
relação intrínseca, alerta que quando se fala em EA os pensamentos evocados
imediatamente são os de rios contaminados, lixo, poluição do ar, aquecimento global
e o desmatamento da Amazônia. Para o autor, essa visão sugere rumos diferentes na
27
abordagem da EA (Figura 1): de um lado, intelectuais a caracterizam com um enfoque
socioambiental na formação de cidadãos críticos; por outro, a prática se reduz, na
maioria das vezes, a atividades ecológicas e a eixos transversais, ignorando o
conhecimento integrado da realidade pelo ser humano e suas problemáticas de vida.
Figura 1 - Síntese dos aspectos divergentes da EA na prática escolar e nas reflexões teóricas, na concepção de Luzzi (2012)
Fonte: Adaptado de Luzzi (2012).
Assim, percebe-se que a dimensão ecológica da EA está fortemente impregnada em
nosso ideário, influenciando uma visão de meio ambiente que Carvalho (2004) explica
ser naturalista, a qual se assenta na concepção de natureza como fenômeno
completamente biológico e como dicotomizada do mundo humano, trazendo como
consequência a desconsideração pelos caracteres histórico e dinâmico das relações
entre a cultura humana e a natureza na busca por soluções para os problemas
ambientais.
Esses problemas têm origens causadoras na intervenção antrópica sobre o ambiente
que vem rompendo a capacidade de este se reequilibrar por meio da dinâmica natural.
Essa intervenção não é inata ao homem, mas fruto das interações sociais constituintes
de um meio de produção que impulsiona um modelo de desenvolvimento
caracterizado por uma relação dicotomizada entre sociedade e natureza que simplifica
a complexidade da realidade (GUIMARÃES, 2007, 2011; REIGOTA, 2009).
EA nas reflexões teóricas
•Abordagem da complexa realidadepor meio da interdisciplinaridade;
•Relação sociedade e ambiente;
•Formação do sujeito pela práxis -reflexão e ação.
EA na prática escolar
•Conhecimentos descritivos e explicativos(oficinas de papel reciclado, aulas sobreaquecimento global, estímulo à separação e àreciclagem do lixo, organização de hortasorgânicas, trilhas de interpretação ambiental,entre outros);
•A complexidade do ambiente é fragmentada emeixos transversais;
•Atividades isoladas e desenvolvidas a partir daboa vontade de um ou mais professores.
28
Frequentemente, o foco pedagógico da EA incide em interações com o ambiente
natural, buscando-se a sua compreensão física e biológica e a apreensão das
consequências da ação humana sobre a natureza pura. As trilhas de interpretação
ambiental são apontadas como exemplo de um recurso pedagógico na concepção
naturalista do meio ambiente. Essas atividades giram em torno dos conhecimentos
sobre o funcionamento dos ecossistemas, a fauna, a flora e os recursos naturais e, ao
restringirem o ato educativo ao repasse de informações das ciências naturais,
centram-se nas condições físico-biológicas do meio ambiente. O risco dessa visão
reducionista está em se desconsiderar a interdependência entre esses conhecimentos
e a complexidade das questões sociais que também o constituem (CARVALHO,
2004).
Diante disso, Carvalho (2004, p. 37) sugere “trocar as lentes” ao afirmar a necessária
superação da visão ingênua da EA pela visão socioambiental que:
[...] orienta-se por uma racionalidade complexa e interdisciplinar e pensa o meio ambiente não como sinônimo de natureza intocada, mas como um campo de interações entre a cultura, a sociedade e a base física e biológica dos processos vitais, no qual todos os termos dessa relação se modificam dinâmica e mutuamente. Tal perspectiva considera o meio ambiente como espaço relacional, em que a presença humana, longe de ser percebida como extemporânea, intrusa ou desagregadora [...], aparece como um agente que pertence à teia de relações da vida social, natural e cultural e interage com ela.
As DCNEA provocam a visão socioambiental que corresponde a uma EA crítica,
instituindo-a, segundo os princípios e objetivos preconizados, como atividade
intencional que visa à formação de um sujeito humano, social e historicamente
situado, pleno de ética ambiental cujo desenvolvimento se dá na relação dele com a
natureza e com os outros seres humanos, pelos quais se torna corresponsável
(BRASIL, 2012).
No que tange à formação ética do sujeito, cumpre observar que o controle, a predição
e a manipulação da natureza são, de acordo com Carvalho (2004), os norteadores
éticos da conexão humana com o mundo, constituindo-se como causas da dicotomia
homem versus natureza.
Nesse sentido, ao refletir sobre a urgência da atual crise ecológica e civilizacional,
Junges (2004) julga necessário haver uma ética ambiental inspirada pelo modelo do
29
cuidado, para a qual o processo educativo é imprescindível na formação do agente
humano que se entenda inserido e integrado na natureza, dependente dos mesmos
fatores que possibilitam a vida dos outros viventes:
Existem dois modos básicos de o ser humano estar no mundo: pelo trabalho ou pelo cuidado. Pelo primeiro, o ser humano entra em confronto cultural com a natureza, tentando moldar o ambiente às condições humanas. Constrói seu habitat e adapta o meio a seus propósitos. Prolonga a evolução, introduzindo realidades novas, que a própria natureza não teria produzido. Pelo trabalho, o ser humano pilota a evolução, fazendo interagir natureza e sociedade num processo de simbiose. Pelo cuidado, o ser humano desenvolve relações afetivas de respeito diante dos seus semelhantes, dos animais e da própria natureza, não transformando-os em puros meios a serviço de seus interesses. O trabalho está centrado na transformação dos recursos naturais, e o cuidado acentua mais o valor da convivência ambiental e social. Ambas as dimensões são necessárias para a sobrevivência humana (JUNGES, 2004, p. 77-78, grifo nosso).
Portanto, a perspectiva crítica da EA não se limita a um campo de compreensão mútua
a unir todos os educadores para ensinarem boas práticas e bons comportamentos
ambientais (CARVALHO, 2004), mas pressupõe a formação do indivíduo que analisa
e repensa seu estar no mundo com o outro e com os demais seres vivos, pelos quais
também se responsabiliza, mediante uma prática pedagógica que concebe
integralmente o meio ambiente em suas dimensões humana, natural e construída.
Tendo em vista que a saúde pública e o equilíbrio ambiental são direitos garantidos
constitucionalmente, discute-se na próxima subseção acerca do processo educativo
voltado para a guarda responsável de animais como forma de incitar no contexto
escolar um olhar crítico em torno da interação entre os seres humanos e os demais
animais e das consequentes questões relacionadas à saúde e aos problemas
ambientais.
2.2 A EDUCAÇÃO PARA A GUARDA RESPONSÁVEL DE ANIMAIS COM VISTAS À
MANUTENÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA E DO EQUILÍBRIO AMBIENTAL
A saúde é um direito constitucional assegurado por meio de políticas sociais e
econômicas que visam à redução do risco de doença e de outros agravos e por meio
do acesso universal e igualitário às ações e aos serviços que integram o Sistema
30
Único de Saúde (SUS). Já no que tange ao manejo ambiental, a CF de 1988 garante
o direito universal de um meio ambiente ecologicamente equilibrado (BRASIL, 1988,
1990).
Embora ocupem capítulos separados dentro da lei maior e possuam objetivos
diferentes, saúde e meio ambiente estabelecem entre si uma forte relação. Verifica-
se, pois, no próprio art. 225 da CF a orientação de que o equilíbrio ambiental é
essencial à qualidade de vida saudável da coletividade. Do mesmo modo, conforme
art. 3.º da Lei n.º 8.080, de 18 de setembro de 1990, o termo “saúde” define o estado
de completo bem-estar físico, mental e social do indivíduo, tendo como fatores
determinantes e condicionantes: “[...] a alimentação, a moradia, o saneamento básico,
o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o
lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”. Também é evidente a
indissociabilidade entre saúde e meio ambiente ao destacarem-se entre os campos
de atuação estabelecidos para o SUS a execução de ações de vigilância
epidemiológica e a colaboração na proteção do meio ambiente (BRASIL, 1988,
1990, grifo nosso).
A relação da população humana com seu ambiente e os animais nele incluídos
propicia constantemente condições para a transmissão e a manutenção de doenças
(BRASIL, 2016).
Nos domicílios brasileiros, cachorros e gatos constituem-se como animais mais
presentes, com a predominância dos primeiros. Estima-se, de acordo com o IBGE,
uma população de cachorros domiciliados em 52,2 milhões e a de gatos, em 22,1
milhões (IBGE, 2015). Outras pesquisas acerca do perfil de tutores de animais de
companhia também corroboram essa estimativa, destacando o cão como espécie
mais citada (SILVANO et al., 2010; LANGONI et al., 2011; MORAES, 2013; MATTE,
2014; CATAPAN et al., 2015).
Esses animais são identificados em conformidade com os hábitos de vida deles:
– domiciliados: são animais totalmente dependentes do proprietário. Saem do domicílio acompanhados e contidos através do uso de coleira e guia, recebem vacinas e são submetidos a controles clínicos periódicos. Podem ser considerados de baixo risco para a transmissão do vírus da raiva. – semi-domiciliados [sic]: são animais dependentes do proprietário, mas permanecem fora do domicílio, desacompanhados, por períodos indeterminados. Recebem vacinas e algum tipo de cuidado.
31
– comunitários ou de vizinhança: são semi-dependentes [sic], por não terem um proprietário, mas diversas pessoas cuidam que tenham alimentação. São mantidos soltos nas ruas. Podem receber vacinas por ocasião de campanhas públicas, na dependência da disposição de alguém que por eles se interesse. – errantes: são animais independentes, vivem soltos nas ruas, em sítios, chácaras ou fazendas. Não recebem qualquer tipo de atenção. Obtêm alimento de restos descartados e abrigo em locais públicos, edifícios abandonados e outros pontos, competindo, para a sobrevivência, com animais de outras espécies (COSTA et al., 2000, p. 4-5).
Importa salientar que é ausente um levantamento estatístico em âmbito nacional
acerca do número de cães e gatos errantes. Guilloux (2011) justifica que o
conhecimento acerca da população animal errante é imprescindível para o
planejamento de ações em saúde pública, embora reconheça a dificuldade de
recenseamento desse contingente.
O crescimento populacional de cães e gatos tem como alguns dos principais fatores
causadores a falta de conhecimento sobre os cuidados que abrangem a guarda
responsável por parte da maioria da população, associada à capacidade reprodutiva
dessas espécies. As consequências disso para o bem-estar animal são: o abandono,
os maus-tratos, a violência, o confinamento cruel e o extermínio (LIMA; LUMA, 2012;
OSÓRIO, 2011), práticas tidas como crime contra a fauna, conforme a Lei dos Crimes
Ambientais n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que prescreve sanções penais e
administrativas com previsão de pena de detenção (de três meses a um ano) e multa
para o combate ao abuso, maus-tratos, ferimentos e mutilações de animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (BRASIL, 1998).
Precedendo a Lei dos Crimes Ambientais, a CF de 1988 vedou práticas que
colocassem em risco os processos ecológicos essenciais, tais como a extinção de
espécies e a submissão de animais à crueldade (BRASIL, 1988). Contudo, as
primeiras medidas de proteção aos animais foram estabelecidas pelo governo federal
em 1934, mediante o Decreto n.º 24.645, que considerou todos os animais existentes
no País como tutelados pelo Estado e previu a aplicação de multa e pena de prisão
em regime fechado aos infratores que infligissem maus-tratos a animais pública ou
privadamente (BRASIL, 1934).
Em que pese a legislação como instrumento para a preservação ambiental e
regulação da interação humana com o meio ambiente, conforme alerta Zago (2008),
32
a aplicabilidade e o cumprimento legais só se efetivarão por meio do ato fiscalizatório
incumbido ao poder público.
A superpopulação de cães e gatos mantidos sem controle oferece riscos à sociedade.
No tocante à segurança pública, citam-se as agressões por mordeduras, os ataques
a transeuntes e os acidentes de trânsito. Como consequência para a saúde pública,
destaca-se a transmissão de zoonoses e de parasitas. Quanto ao equilíbrio ambiental,
aponta-se a poluição ambiental por dejetos em vias públicas (SILVEIRA; NETA, 2014;
LIMA; LUMA, 2012). Também abandonados no entorno de áreas de conservação,
cães se tornam uma espécie exótica invasora cuja interação com as espécies nativas
dessas unidades conservatórias acarreta a competição por território, a predação e a
disseminação de agentes patogênicos (MACÊDO, 2016).
Zoonose é uma “[...] infecção ou doença infecciosa transmissível, sob condições na-
turais, de homens a animais e vice-versa” (BRASIL, 2016, p. 119). A raiva humana,
também conhecida como hidrofobia, é uma das zoonoses mais graves que se tem
conhecimento, sendo considerada letal em 100% dos casos. O agente causador
dessa doença é o vírus rábico pertencente à família Rhabdoviridae e ao gênero Lys-
savirus, que acomete somente mamíferos e é transmitido ao homem através da pe-
netração desse vírus contido na saliva do animal infectado no organismo, principal-
mente pela mordedura e, menos comum, pela lambedura e arranhadura de mucosas.
Essa zoonose caracteriza-se por uma encefalite progressiva e aguda, e as manifes-
tações clínicas marcantes da instalação do vírus rábico no sistema nervoso central
(cérebro, cerebelo e medula) são os espasmos dos músculos da laringe, faringe e
língua quando o paciente vê ou tenta ingerir líquido, apresentando sialorreia (isto é,
baba, salivação excessiva) e a disfagia (dificuldade de engolir) (BRASIL, 2014a).
No Brasil, cães e gatos são as principais fontes de infecção nas áreas urbanas. Nas
áreas silvestres, morcegos são os principais responsáveis pela cadeia epidemiológica
dessa zoonose. De qualquer forma, é importante frisar que todos os mamíferos são
vulneráveis ao vírus da raiva (BRASIL, 2014a).
Também são zoonoses provenientes comumente da inobservância dos cuidados
básicos que compõem a guarda responsável de animais: a ancilostomíase, a larva
migrans cutânea, a dermafitose, a esporotricose e a sarna sarcóptica.
33
Os ancilóstomos são nematoides que parasitam o intestino delgado de cães e gatos.
Em cães, são encontrados o Ancylostoma caninum; em gatos, o Ancylostoma tubae-
forme, porém ambos podem ser infectados pelo Ancylostoma braziliense e pelo Unci-
naria stenocephala. Daí a necessidade de o proprietário desses animais realizar o
protocolo de tratamento com anti-helmínticos e também recolher e descartar fezes
para evitar a contaminação do ambiente. A ancilostomíase é transmitida pela ingestão
de água e alimentos contaminados com larvas de ancilóstomos, bem como por pene-
tração cutânea. As larvas infectantes, principalmente do Ancylostoma braziliense, po-
dem penetrar a pele humana e, ao migrarem pela derme, gerarem lesões com aspeto
sinuoso e com pruridos, provocando uma doença zoonótica denominada larva mi-
grans cutânea (TILLEY; SMITH JR, 2015).
Outra doença de potencial zoonótico significativo é a dermatofitose, uma infecção fún-
gica cutânea causada por dematófitos que acometem as camadas queratinizadas dos
pelos, das unhas e da pele. Os microrganismos mais comuns são o Microsporum ca-
nis, o Trichophyton mentagrofhytes e o Microsporum gypseum (TILLEY; SMITH JR,
2015).
A esporotricose é outra doença fúngica de natureza zoonótica provocada pelo fungo
Sporothrix schenkii, presente no solo, que pode ser inoculado de forma direta em
feridas penetrantes associadas a espinhos ou farpas, assim como através do contato
resultante de mordidas e arranhões de cães e gatos contaminados. Os sinais clínicos
característicos dessa doença aparecem de forma cutânea em nódulos que formam
crostas (TILLEY; SMITH JR, 2015).
A sarna sarcóptica, também conhecida como escabiose, é uma doença cutânea pa-
rasitária de cães de todas as raças e idades, altamente contagiosa, provocada por
ácaros Sarcoptes scabiei, que cavam túneis na camada de queratina da pele, cau-
sando prurido intenso por irritação mecânica, bem como pela produção de substâncias
alergênicas. Gatos e seres humanos podem ser hospedeiros contactantes dessa do-
ença. Pessoas que mantêm contato estreito com cães acometidos pela sarna sarcóp-
tica podem desenvolver erupção cutânea pruriginosa nos braços, tórax ou no abdome
(TILLEY; SMITH JR, 2015).
Também há de se considerar a parasitação por helmintos e protozoários. O estudo
feito por Vieira e outros (2017) apontou em exames das amostras de fezes a
34
ocorrência de parasitas gastrintestinais em cães positiva para Ancylostoma spp.,
Toxocara spp., cistos de Giardia spp. e proglotes de Dipylidium caninum. Os autores
afirmaram que o potencial zoonótico desses parasitas constitui-se em um grave
problema para os animais hospedeiros e para a saúde pública.
Diante dos riscos para a saúde humana provenientes da relação homem e animais, o
Ministério da Saúde (MS), em 2014, instituiu a Portaria n.º 1.138, que estabelece,
conforme o artigo 3.º, a prevenção e o controle de zoonoses mediante a execução
temporária ou permanente de atividades educativas sujeitas ao contexto
epidemiológico, visando à guarda ou à posse responsável de animais, o manejo
ambiental e a vacinação animal. O processo educativo deve priorizar os cuidados com
os animais passíveis de infecção pela zoonose-alvo das ações de controle; as
orientações para evitar a instalação e a proliferação de vetores e da fauna sinantrópica
de relevância para a saúde pública, e o risco iminente das doenças para a população
humana (BRASIL, 2014b, 2016).
Consoante o Manual de vigilância, prevenção e controle de zoonoses, publicado pelo
MS, define-se guarda responsável de animal como a:
[...] condição na qual o guardião de um animal e de suas crias, que pode ser seu proprietário ou preposto, aceita e compromete-se a assumir uma série de deveres centrados nas necessidades físicas, biológicas e ambientais da espécie, como também a prevenir os riscos (potencial de agressão, transmissão de doenças ou danos a terceiros) que seu animal possa causar à comunidade, a outros animais e/ou ao meio ambiente (BRASIL, 2016, p. 117).
Nesse sentido, são deveres constituintes da guarda responsável de animais, conforme
as normas técnicas emanadas do MS:
• Vacinar seu cão e gato contra a raiva, conforme situação epidemiológica local. • Administração de produtos para controle de endoparasitas e/ou ectoparasitas, considerando a possibilidade da ocorrência de verminoses zoonóticas. • Manter seus animais domiciliados, para minimizar o risco de contraírem zoonoses na rua e transmitirem para as pessoas dentro do domicílio. • Manter limpos os ambientes de alojamento, abrigo e manutenção de animais domésticos e/ ou domesticados, com higienização e desinfecção periódica, a fim de evitar a aproximação e a proliferação de vetores e animais sinantrópicos. • Manter seus animais limpos para a manutenção de sua saúde e para evitar parasitas.
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• Procurar o médico veterinário particular, periodicamente, para receber orientações adequadas de como manter seu animal saudável (BRASIL, 2016, p. 91-92).
O MS também enfatiza que a educação para a guarda responsável de animais seja
um processo continuado para fins de incentivo à realização de castração dos animais
de estimação pelos proprietários visando à não ocorrência de prenhez indesejável
(BRASIL, 2014b).
A ausência de cuidados básicos com a sanidade dos animais de companhia, tais como
a vacinação e a vermifugação adequadas, nem sempre é intencional. Pode ser resul-
tante do desconhecimento sobre o manejo e as considerações éticas e morais cabidas
aos animais, bem como do baixo poder aquisitivo de grande parte dos proprietários,
trazendo o risco de zoonoses parasitárias para estes e para a saúde coletiva (SIL-
VANO et al., 2010; LOSS et al., 2012). Também se aponta a carência de conheci-
mento da população sobre zoonoses (FESTUGATTO; SILVA; HAINZENREDER,
2017; SILVA; FRANZINI; SCHERMA, 2016).
A pesquisa realizada por Porto, Andrade e Mota (2015) demonstrou o desconheci-
mento do que seria guarda responsável por grande parte população estudada em
Mossoró, estado do Rio Grande do Norte, e a incoerência da parcela que afirmou
saber o que seria, uma vez que alguns não praticaram atos condizentes, mantendo
animais em más condições de higiene e saúde.
A carência de informações dos proprietários sobre cuidados básicos com animais de
estimação também foi detectada por Andrade e outros (2015), que sugeriram a ado-
ção de condutas multidisciplinares assumidas de forma compartilhada entre médicos
veterinários, governo e sociedade para a redução dos riscos de acidentes e de trans-
missão de zoonoses.
A investigação de Domingues (2012) apontou para a importância do manejo popula-
cional de cães e gatos, haja vista a capacidade reprodutiva desses animais, por meio
da implementação de programas de controle populacional com a esterilização em
massa associada a políticas públicas educacionais que versem sobre a guarda res-
ponsável de animais, alcançando a população de baixa renda.
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Para superação do conhecimento contraditório e deficitário acerca dos cuidados ine-
rentes à guarda responsável de animais, Moraes (2013) implementou um curso semi-
presencial a distância para a formação de professores multiplicadores em controle de
zoonoses urbanas e em guarda responsável de animais de estimação, do qual parti-
ciparam alunos de escolas públicas de Jaboticabal, estado de São Paulo, e concluiu
que os participantes demonstraram maior conhecimento e percepção sobre os temas
trabalhados após a execução das atividades educativas. Assim, a autora sugeriu que
disciplinas direcionadas ao entendimento sobre a promoção da saúde pública e a pre-
venção de doenças devem estar presentes ainda na formação inicial dos professores
para que esses assuntos possam integrar as grades curriculares do EF e ser difundi-
dos constantemente às novas gerações.
Nessa esteira, Rodrigues e outros (2011) verificaram o aumento de conhecimento so-
bre as principais zoonoses, posse responsável de animal e educação em saúde, apre-
sentado por docentes da rede municipal de EF I de Araçatuba, estado de São Paulo
após ações educativas de um curso semipresencial.
Diante do exposto acima, entende-se que a “guarda responsável” engloba a promoção
do bem-estar do animal e do tutor, a prevenção de zoonoses, de riscos ambientais e
de danos a terceiros. Sendo esse o tema proposto, apresentam-se na próxima
subseção as fundamentações teórico-conceituais que embasaram a implementação
da prática pedagógica de EA, objeto de estudo da presente pesquisa.
2.3 AS CONTRIBUIÇÕES DE FREIRE E VIGOTSKI: PERSPECTIVAS DIALÓGICA E
HISTÓRICO-CULTURAL
A teoria histórico-cultural e a pedagogia freiriana constituem o aporte teórico que
sustentou o desenvolvimento das reflexões desta pesquisa. Os contributos dessas
duas áreas de conhecimento - psicologia e pedagogia, respectivamente - se dá em
que ambas as teorias partilham da concepção materialista histórico-dialética, bem
como da visão de homem como um ser social que transforma o meio em que vive e é
tocado pelas relações socioculturais compreendidas historicamente.
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No que tange à teoria histórico-cultural defendida por Lev Semyonovitch Vigotski1 e
colaboradores, este estudo traz a lume as proposições acerca da mediação simbólica,
da relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem e da elaboração conceitual. Já
na pedagogia freiriana destacam-se os preceitos da mediação pedagógica pautada
na dialogicidade entre educador e educando, ambos sujeitos do processo de
construção e reconstrução do conhecimento, tendo como objetivo o desvelamento da
razão de ser das coisas, da realidade imposta cultura e economicamente por seletos
grupos sociais que é passível de ser transformada e as características contrapostas
da educação problematizadora e bancária.
Pensar a educação sob o prisma das teorias referenciadas é compreender o
aprendizado como uma atividade pessoal do aluno em colaboração e diálogo com os
demais companheiros sociais em torno de conteúdos que conferem nova tessitura à
realidade em que esses sujeitos estão inseridos e novas formas de agir nesse meio.
Paulo Freire é, sem dúvida, uma importante referência teórica para a educação crítica,
advogando uma educação como prática emancipadora na qual o homem, em comu-
nhão com outros homens, se conscientiza da realidade fragmentada e parcializada
pelas classes e ideologias dominantes que o impede de conceber outras formas de
ser e de estar no mundo.
No método freiriano para alfabetização de adultos trabalhadores, a busca dos conte-
údos programáticos procede do diálogo do educador com o povo sobre a visão que
ambos têm do mundo e que consequentemente reflete na forma como atuam nele.
Desse modo, o mundo é o mediatizador da ação educativa autêntica, pois as impres-
sões que os envolvidos nesse processo têm dele estão plenas de anseios tão próprios
que subjazem delas temas de significância para eles. Dialogar com a realidade con-
creta de vida do povo é, portanto, identificar nessas impressões os conteúdos e viabi-
lizar a superação desses por uma interpretação racional, objetiva e crítica da existên-
cia (FREIRE, 2017).
Nesse sentido, a pedagogia freiriana defende o respeito aos saberes de experiência
feitos dos alunos e a superação desses pelo saber sistematizado como um direito que
1 Ainda não há no Brasil uma grafia padrão do nome do autor. As traduções das edições norte-americanas utilizam Vygotsky. Neste trabalho, serão respeitadas as formas utilizadas nas obras referenciadas no texto.
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deve ser promovido por meio da dialogicidade em que se torna possível relacioná-los
com o ensino dos conteúdos.
Esse processo de superação, e não de ruptura, defendido por Freire (1979, 1992,
2015, 2017) posiciona-se avessamente à concepção bancária da educação, na qual
o papel do educador é transferir conteúdos sem considerar a realidade existencial dos
alunos, tomando-os como objetos ouvintes e memorizadores.
Freire (1979) explica que a ingenuidade é o estado da consciência característico da
educação bancária, sendo promovido pela escola que se afirma neutra quando, na
verdade, reproduz as relações hierárquicas ao trabalhar pela adaptação do aluno à
ordem classista pré-estabelecida. Para o autor, o ato educativo condizente com uma
educação problematizadora deve estimular o estado da criticização.
A Figura 2, a seguir, apresenta as características contrastantes entre educação que
se faz problematizadora e a educação bancária.
Figura 2 - O antagonismo entre a educação problematizadora e a educação bancária, conforme Freire (2017)
Fonte: Adaptado pela autora a partir de Freire (2017).
Nessa lógica, um educador problematizador e comprometido com o processo de
mudança social deve ser capaz de refletir sobre si mesmo e sobre seu estar neste
mundo, de perceber que a sua consciência pode estar condicionada a uma situação
concreta e imposta, a qual deve ser transgredida para ser transformada. Para resolver
Compromisso com a libertação,empenhando-se em denunciar oestado de exploração e asinjustiças de uma ordemclassista;
Tem no diálogo a essência daprática pedagógica;
Busca o discernimento;
Fundamenta-se na criatividade;
Estimula a reflexão e a ação doaluno para transformaçãorecriadora da realidade na qualele vive.
Mistifica a realidade;
Não busca profundamente asrazões que explicam a maneiracomo os alunos estão nomundo;
Inibe a criatividade;
Superposição do educadorsobre o educando;
Visa a adaptação do educandoao mundo;
Enfatiza o fatalismo.
Ed
ucação
p
rob
lem
ati
zad
ora
Ed
ucação
ban
cária
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esse impasse, a solução está na transformação da situação que o oprime e em fazer-
se “ser para si” (FREIRE, 1979, 2017).
A educação como prática educativa libertadora alicerça-se no inacabamento do ho-
mem que se sabe assim na busca permanente de ser mais, de ir além da realidade
condicionada, tornando-o sujeito do processo educativo. De acordo com Freire (1979),
o homem, ao contrário dos animais, é um ser de relações que, estando com os outros
no mundo, possui a capacidade de refletir sobre a própria realidade para captá-la e
transformá-la, e não para ajustar-se a ela. Como sujeito do processo cognoscente,
não pode ser visto como ignorante absoluto, e sim carecido de um saber sistematizado
que só se constitui por meio de uma superação constante.
Freire (2015) adverte que a educação é, por natureza, diretiva e política. Nesse sen-
tido, o professor cuja prática educativa se qualifica democrática atua a favor da exor-
tação da consciência reflexiva e contra a acomodação à propaganda ludibriante feita
pela minoria dominante da sociedade, declarando seu posicionamento político, defen-
dendo-o com seriedade enquanto instiga e respeita o discurso divergente dos alunos.
Nota-se nas colocações do autor que é tão importante os alunos aprenderem os con-
teúdos disciplinares quanto apreenderem o direito de defender seus ideais, por isso a
defesa em relação ao ensino desses conteúdos, considerando os contextos sociocul-
tural, histórico e político nos quais o aluno se insere, ou seja, contextos constituídos
pela leitura que eles fazem do mundo.
As proposições acerca do respeito aos saberes de experiência feitos com que os edu-
candos chegam à escola suscitam uma infundada compreensão de manutenção do
senso comum. Diante disso, Freire (2015) enfatiza que considerar os saberes social-
mente constituídos na prática comunitária não significa ao educador progressista con-
cordar com eles ou a eles se acomodar para conseguir a simpatia dos alunos. Trata-
se, no entanto, de com os alunos, que não são ignorantes plenos, mas detentores de
um saber relativo, estimular a curiosidade ingênua desse saber com o propósito de
superá-lo por um saber sistematizado.
Nessa direção, o ciclo gnosiológico em Freire (2015) constitui-se de um sujeito ensi-
nante, o sujeito aprendiz e o objeto a ser ensinado e aprendido. Em um dinâmico
processo, o primeiro e o segundo, como sujeitos cognoscentes que são, juntos apre-
endem o objeto cognoscível, neste caso, o conteúdo.
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Em síntese, encontram-se nesses pressupostos de Freire (1979, 1992, 2015, 2017),
mesmo este não se afirmando como um ambientalista, mas educador, as raízes de
uma educação ambiental crítica que busca tornar homens/mulheres, educador/edu-
cadora e educandos/educandas conscientes da estrutura dominante a que estão sub-
jugados e que reflete nas formas de ser e de comportar-se no contexto imediato des-
ses sujeitos. É, portanto, no diálogo verdadeiro e democrático entre ensinante e apren-
diz que apreendem social e historicamente que se torna possível o reconhecimento
crítico dessa situação de alienação e, por conseguinte, a construção de práticas cole-
tivas constituídas por novas formas de reação às desigualdades socioeconômicas e
de intervenção na comunidade em que vivem.
A visão antropológica de Freire na qual o homem, ao contrário dos animais, é um ser
de relações, expressa uma natureza fruto da interação permanente entre o inato e o
adquirido, em um processo de construção que se dá intersubjetivamente. O inacaba-
mento é uma constante da condição humana e a consciência dessa inconclusão nos
tornou capazes de promover e transformar o meio circundante que o autor denominou
de “suporte”. A partir do suporte, homens e mulheres juntos criaram cultura, elabo-
rando a linguagem conceitual que lhes permitiu a compreensão sobre o meio ambiente
e pela qual foi possível expressar o entendimento do mundo.
As concepções freirianas de homem dialogam com a teoria histórico-cultural na qual
o ser humano, em sua filogênese, está limitado às condições biológicas dadas ao
nascer, porém, por meio da atividade mediada, ele atua no meio ambiente a seu
próprio modo, ultrapassando o condicionamento estímulo-resposta e desenvolvendo
novas e diversas capacidades intelectuais. Logo, essa perspectiva defende a
premissa de que a maturação biológica é um fator secundário no desenvolvimento do
indivíduo, diferentemente do paradigma botânico e dos modelos zoológicos da
psicologia infantil (VIGOTSKI, 2007).
De acordo com Vigotski (2010), tanto o homem quanto o animal são portadores de
reações que compreendem basicamente três momentos: o sensorial, no qual o
organismo percebe os estímulos enviados pelo meio exterior; o central, em que o
estímulo é elaborado nos processos internos do organismo e incitados para a ação; e
o motor, caracterizado pela ação responsiva do organismo. A origem do sujeito
socioambiental encontra-se nos traços que particularizam a formação das re