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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO ROSALINA TELLIS...

Date post: 11-Aug-2020
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186
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ROSALINA TELLIS GONÇALVES LINGUAGEM ORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA: A PRODUÇÃO DE GENERO TEXTUAL ORAL VALORIZADA POR UMA PRÁTICA REFLEXIVA VITÓRIA 2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ROSALINA TELLIS GONÇALVES

LINGUAGEM ORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA:

A PRODUÇÃO DE GENERO TEXTUAL ORAL VALORIZADA POR UMA PRÁTICA

REFLEXIVA

VITÓRIA

2007

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ROSALINA TELLIS GONÇALVES

LINGUAGEM ORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA:

A PRODUÇÃO DE GENERO TEXTUAL ORAL VALORIZADA POR UMA PRÁTICA

REFLEXIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagens. Orientador: Profª Drª Gerda Margit Schütz Foerste.

VITÓRIA

2007

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Gonçalves, Rosalina Tellis, 1972- G635l Linguagem oral na educação infantil indígena : a produção de gênero

textual oral valorizada por uma prática reflexiva / Rosalina Tellis Gonçalves. – 2007.

186 f. : il. Orientadora: Gerda Margit Schütz Foerste. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,

Centro de Educação. 1. Comunicação oral. 2. Gêneros literários. 3. Textos infantis. 4.

Educação de crianças. 5. Índios – Educação. I. Foerste, Gerda Margit Schütz. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

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A José Bernardo Gonçalves (in memoriam), meu pai, pelo esforço na criação dos filhos. A Celita Tellis, minha mãe, por todo o carinho e incentivo em todos os meus estudos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida, pela fundamental parceria em todos os instantes de

minha jornada e pela oportunidade para realizar este trabalho.

Às crianças indígenas da aldeia Tupinikim “Pau Brasil”, que me acolheram

permitindo conhecê-las e desenvolver esta pesquisa, e a todos os seus familiares

pela confiança e carinho.

A todos os educadores da Educação Infantil Indígena de Aracruz e, em especial, à

educadora tupinikim Kátia Cilene pela acolhida em sua sala de aula.

À Secretaria Municipal de Educação de Aracruz que propiciou minha disponibilidade

para freqüentar o curso de Mestrado.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação pela oportunidade de atuar na linha

de pesquisa, Educação e Linguagens.

À Professora Drª Edivanda Mugrabi pela orientação dada em boa parte da

construção deste trabalho.

À Zélia Forechi, Graça Cota e Kalna Teao pelas importantes contribuições acerca da

questão indígena.

À Alina pela fundamental e primorosa contribuição na revisão

A todos os amigos que torceram pelo meu sucesso e, em especial Wirlândia por

todo o companheirismo, incondicional estímulo e partilha de dúvidas.

Aos professores da banca examinadora Vera Vasconcellos, Cláudia Gontijo, Erineu

Foerste por suas valiosas considerações e em especial à professora Gerda Foerste

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pelas sábias palavras, confiança e serenidade na continuidade e finalização da

orientação deste trabalho.

A todos os meus familiares e em especial à minha irmã Alessandra.

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Tal como a chuva e a neve caem do céu e para lá não volvem sem ter regado a terra,

sem ter fecundado, e feito germinar as plantas,

sem dar o grão a semear e o pão a comer, assim acontece à palavra que minha boca

profere: não volta sem ter produzido seu efeito,

sem ter executado minha vontade e cumprido sua missão. (ISA 55, 10-11)

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1-

Capacidade de linguagem inerentes à produção de texto.......................

66

QUADRO 2-

A metáfora do trânsito em analogia com a conversação........................

69

QUADRO 3-

Atendimento escolar à população infantil indígena em Aracruz-1996

89

QUADRO 4-

Esferas sociais de comunicação.............................................................

106

QUADRO 5-

Síntese das atividades realizadas nas rodas de conversa......................

127

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Oferta escolar para a população indígena no Brasil -2005....................

82

TABELA 2 - Educação infantil indígena nas aldeias-2005.........................................

90

TABELA 3 - Educação infantil indígena nas aldeias -2006........................................

90

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LISTA DE IMAGENS

FOTO 1- Aldeia de Pau Brasil................................................................................ 36

FOTO 2- Outdoor sobre os conflitos pela posse da terra.........................................38

FOTO 3- Outdoor sobre os conflitos pela posse da terra...................................... 39

FOTO 4- Escola onde realizamos a pesquisa........................................................ 93

FOTO 5- Roda de conversa.....................................................................................97

FOTO 6- Passeio pela aldeia de Pau Brasil............................................................ 98

FOTO 7- Desenho do lixo avistado na aldeia......................................................... 98

FOTO 8- Alunos dispostos em pequenos grupos na sala de aula..........................113

FOTO 9- Leitura de texto na roda........................................................................... 121

MAPA 1- Aracruz no Estado do Espírito Santo...................................................... 34

MAPA 2- A disposição das aldeias em Aracruz-ES............................................... 35

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

AC - Análise da Conversação

CIMI - Conselho Indigenista Missionário

COFAVI - Companhia Ferro e Aço de Vitória

CNE - Conselho Nacional de Educação

EEI - Educação Escolar Indígena

FUNAI - Fundação Nacional do Índio

GT - Grupo Técnico da FUNAI

IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

IDEA - Instituto Para o Desenvolvimento e Educação de Adultos

INEP - Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPE - Instituto de Pesquisa em Educação

LDB - Lei de Diretrizes e Bases

MEC - Ministério da Educação e Cultura

PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais

PdT - Pedagogia do Texto

PMA - Prefeitura Municipal de Aracruz

PPGE - Programa de Pós-Graduação em Educação

RCNE/Indígena - Referencial Curricular Nacional de Educação Indígena

RCNE/Infantil - Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil

SEF - Secretaria de Educação Federal

SEDU - Secretaria Estadual de Educação

SEMED - Secretaria Municipal de Educação

SPI - Serviço de Proteção ao Índio

UFES - Universidade Federal do Espírito Santo

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SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................. 15

ABSTRACT............................................................................................ 16

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

17

1- PARA INÍCIO DE CONVERSA UM POUCO DE HISTÓRIA: E OS

OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO.........................................................

20

1.1- ALGUMAS REFERÊNCIAS AO PERCURSO HISTÓRICO DA

EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA....................................................

20

1.2- ALGUMAS REFERÊNCIAS AO PERCURSO HISTÓRICO

DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA..................................................

23

1.3- REFERÊNCIAS AO CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO......................... 33

1.4- OS OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO.................................................... 40

2- LINGUAGEM E EDUCAÇÃO: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS............. 45

2.1- A CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO E DE APRENDIZAGEM A

PARTIR DO REFERENCIAL HISTÓRICO-CULTURAL........................

45

2.2- CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA

DE LINGUAGEM....................................................................................

49

2.3- A LINGUAGEM ORAL COMO OBJETO DE ENSINO E

DE APRENDIZAGEM.............................................................................

56

2.4- O ENSINO-APRENDIZAGEM NAS ALDEIAS E AS CAPACIDADES

DE LINGUAGEM.....................................................................................

62

2.5- A “CONVERSA”: UM GÊNERO TEXTUAL A SER EXPLORADO

NA EDUCAÇÃO INFANTIL.......................................................................

67

2.6- E O QUE DIZEM AS CRIANÇAS SOBRE AS RODAS

DE CONVERSA?..................................................................................

74

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3- A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO

ESCOLAR INDÍGENA: OS SUJEITOS, O PROBLEMA E OS

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE INVESTIGAÇÃO............

82

3.1- A FORMAÇÃO DO EDUCADOR INDÍGENA PARA A EDUCAÇÃO

INFANTIL EM ARACRUZ – ES...............................................................

87

3.2- A ESCOLA INDÍGENA INFANTIL EM ARACRUZ – ES......................... 89

3.3- OS SUJEITOS DA PESQUISA................................................................ 90

3.4- O PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO....................................................... 94

3.5- A PESQUISA PARTICIPANTE DE CARÁTER ETNOGRÁFICO........... 104

4- ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS: ALGUNS IMPACTOS

NA PRODUÇÃO TEXTUAL ORAL DE CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO

INFANTIL...............................................................................................

111

4.1- ATIVIDADES DE LINGUAGEM ORAL FREQUENTEMENTE

REALIZADAS NAS SALAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA

TUPINIKIM..............................................................................................

112

4.1.1- Organização de calendário.................................................................... 114

4.1.2- Roda de Conversa.................................................................................. 117

4.2- É POSSÍVEL ABORDAR O ORAL COMO OBJETO DE ENSINO EM

CLASSES DE EDUCAÇÃO INFANTIL.................................................

122

4.2.1- Formação continuada e a realização de seqüências didáticas.............. 123

4.2.2- O desenvolvimento da segunda seqüência didática............................. 126

4.2.2.1- As rodas de conversa e suas caracterizações....................................... 126

4.2.2.2- Os episódios de conversa (subsídios para a produção da primeira

versão de três textos orais).....................................................................

128

4.2.2.3- Análise da produção da primeira versão de três textos orais................. 131

4.2.2.4- Os episódios de conversa (subsídios para a produção da segunda

versão de três textos orais).....................................................................

136

4.2.2.5- Análise da produção da segunda versão de três textos orais..................139

4.3- A PRODUÇÃO DE TEXTO ORAL VALORIZADA POR UMA PRÁTICA

REFLEXIVA............................................................................................

143

4.3.1- Os episódios de conversa (subsídios para a produção da terceira

versão do texto de Le).............................................................................

143

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4.3.2- Análise da produção da terceira versão do texto de Lê.......................... 147

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 151

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 156

APÊNDICE............................................................................................. 169

APÊNDICE A- Primeira seqüência didática.................................................................... 170

APÊNDICE B- Segunda seqüência didática...................................................................

171

APÊNDICE C- Questões elaboradas com as crianças para a entrevista com o

cacique....................................................................................................

173

APÊNDICE D-

Questões dinamizadoras da conversa na nona roda -2ª seqüência.......

174

ANEXOS................................................................................................ 175

ANEXO A – CONVENÇÕES PARA A TRANSCRIÇÃO DAS FITAS..........................

176

ANEXO B – FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA

INDÍGENA..............................................................................................

177

ANEXO C- FOLHA DO DIÁRIO DE CAMPO............................................................ 179

ANEXO D- ROTEIRO DA ENTREVISTA COM A PROFESSORA........................... 180

ANEXO E- FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS.............. 183

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RESUMO

Este trabalho é desenvolvido no contexto da educação escolar infantil indígena com

o objetivo de investigar o lugar da linguagem oral nos instantes de produção de

gêneros textuais orais específicos. Parte do pressuposto de que a oralidade não

deve servir apenas como um veículo no desenvolvimento de atividades rotineiras na

escola de educação infantil. Trata-se de uma pesquisa participante de caráter

etnográfico que realiza intervenção em processos de ensino do oral a partir do

trabalho colaborativo com os educadores da educação infantil que também envolve

o programa de extensão ”Formação Continuada de Educadores indígenas” da

Universidade Federal do Espírito Santo. Os aportes teóricos da abordagem histórico-

cultural em Vigotski (2001) e enunciativo-discursiva em Bakhtin (2003, 2004) bem

como as contribuições de Schneuwly (2004) são fundamentais para a realização

deste estudo. Foram utilizados, como procedimentos para a coleta de dados,

videogravações, fotografias, diário de bordo, questionário e entrevistas semi-

estruturadas, individuais e em grupos focais. Para a efetivação da pesquisa, a

“conversa na roda” foi tomada como um espaço de interação verbal importante, e na

formação continuada dos educadores, duas seqüências didáticas foram planejadas,

materializando-se em contextos precisos de produção textual oral das crianças. Nas

primeiras análises dos dados, obtidos por meio de estudo exploratório, foi

constatado que a atividade oral realizada na roda de conversa, na perspectiva do

educador e na concepção da criança, só era validada quando respaldada pela

escrita. Com a utilização de seqüências didáticas e o exercício reflexivo sobre as

práticas cotidianas de oralidade, um ambiente mais discursivo se instaurou e

proporcionou aos sujeitos confrontar diferentes saberes e tomar a linguagem oral

como objeto particular de estudo e análise.

Palavras-chave: Educação infantil. Linguagem oral. Ensino. Educação Escolar

Indígena

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ABSTRACT

This study is developed in the context of the Indians Children Education aiming at

investigating the place of the oral language during the production of specific oral

textual genders. It assumes that the oral language should not work only as a gadget

in the development of the every day activities in the children education school. It is

about a participant research with ethnographic character that interferes in the oral

teaching process, through the collaborative work with the educators. It also involves

the extension program called “Continuing Formation of Indian Educators” (Formação

Continuada de Educadores Indígenas) of the Espírito Santo State Federal University.

The theoretical basis of the historical-cultural approach in Vigotski (2001) and the

enunciatively-discursive in Bakhtin (2003, 2004), as well as contributions of

Schneuwly (2004) are fundamental for the study accomplishment. It uses as

procedures for data collection tape recordings, pictures, journals, questionnaires and

individual and group semi-structured interviews. For the research effectuation, the

“group chatting” was taken as an important verbal interaction space and, in the

educators’ continuing formation, two didactical sequences were planned materializing

themselves in precise contexts of the children oral textual production. In the first

analysis of data, through exploratory study, it was observed that the oral activity

during the group chatting, in the educator perspective and the child conception, was

only valued when supported by the writing. With the use of the didactical sequences

and the reflexive exercise about the oral everyday practices, a more discursive

environment was created, what has provided the confrontation of different knowledge

and the belief of the oral language as a particular object of studies and analysis.

Keywords: Children education. Oral language. Teaching. Indian School Education

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS1

A oralidade é prática social interativa indissoluvelmente associada às condições de

comunicação.

Em especial na tradição indígena, a oralidade sempre foi e ainda é um importante

mecanismo de manutenção de tradição entre as gerações constituindo-se como um

dos mais importantes e fundamentais meios de propagação da cultura e da história,

ao resgatar como foram vividas as mudanças pelos povos.

No contexto da educação educativa infantil indígena estamos atenta a observar que

a prática social interativa da oralidade apresenta-se por meio de diferentes gêneros

textuais. Assim, numa perspectiva que compreenda a linguagem oral como objeto de

ensino, dentro da relação de ensino-aprendizagem, focalizamos as observações na

educação escolar das crianças pequenas para quem a interação social se processa

em grande parte pela comunicação oral.

O atendimento escolar às crianças pequenas expandiu-se nas últimas décadas no

Brasil e no mundo, em virtude de uma intensa urbanização, pela maior participação

feminina no mercado de trabalho e pelas mudanças ocorridas na organização e

estruturação das famílias. Em decorrência desse quadro social, houve maior

demanda por uma educação institucional para crianças. E nas aldeias de alguns

povos indígenas, várias mudanças sociais também ocorreram desencadeando um

quadro em que as famílias solicitam espaços para que as crianças possam ter

acesso a conhecimentos diversos que venham a fortalecer a “causa” indígena. Com

a promulgação da Constituição Federal de 1988, tornou-se legalmente garantido às

comunidades indígenas o direito à diferença, em formas particulares de organização

escolar. Desde os anos 90, a escolarização desses povos tem-se fortalecido no

1 Esta pesquisa desenvolveu-se inicialmente sob orientação da Profª Drª Edivanda Mugrabi (abril/2005 a fev/2007). Posteriormente, com o afastamento da mesma por motivos pessoais, assumiu a Profª Drª Gerda Margit Schütz Foerste, a partir da aprovação (março/2007), pelo colegiado do programa de Pós-graduação em Educação/CE/UFES, dando assim continuidade e término aos tramites finais da orientação (agos/2007).

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País, como fruto de reivindicações das comunidades que lutam para efetivar os

direitos garantidos em lei.

No Espírito Santo, o ensino escolar às crianças das pequenas em aldeias Tupinikim

e Guarani iniciou-se por volta de 1996, quando um grupo de índios fez o Curso do

Magistério Indígena. A luta por tal escolarização surgiu da necessidade de também

manter um atendimento escolar às crianças pequenas, com um currículo voltado

para as realidades de suas etnias. O presente estudo propõe discutir uma das

vertentes do atendimento escolar as crianças pequenas, ou seja: a linguagem oral

nos processos educativos, na perspectiva que vê a linguagem oral como objeto

particular de ensino, exigindo organização planejada do educador e esforço

intelectual do aluno.

Utilizando o procedimento seqüência didática, realizamos oficinas de aprendizagem

para a produção de gêneros orais específicos que serviram como recurso a

potencializar entre os alunos práticas de linguagem novas a serem

ensinadas/aprendidas na educação infantil, uma vez que contribuem para o

desenvolvimento de capacidades de ação, discursivas e lingüístico-discursivas.

Assim, todo o processo de construção e eixo de investigação estará, pois,

constituído na interface das discussões sobre a educação infantil, a educação

indígena e o ensino da linguagem oral.

Para melhor compreensão do objeto de estudo, a estruturação do trabalho

apresentar-se-á organizada em quatro capítulos. O capítulo primeiro fará uma

explanação sobre algumas referências ao percurso histórico da educação infantil

brasileira e à educação escolar indígena, apresentando, ainda, considerações

particulares ao contexto pesquisado e os objetivos que delimitaram os eixos

investigativos.

O segundo capítulo trará os pressupostos teóricos norteadores da investigação

Inicialmente, apresentaremos a concepção de desenvolvimento e de aprendizagem

na perspectiva dos estudos de Vigotski (1995, 2001). Em seguida, discutiremos a

concepção enunciativo-discursiva, tendo por base as contribuições de Bakhtin

(2003, 2004) sobre os estudos da linguagem. Em continuidade, abordaremos a

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linguagem oral como objeto de ensino e de aprendizagem, baseando-nos em

estudos de Schneuwly e Dolz (1999, 2004). Com base em Faundez (1999), Mugrabi

(2002), Faundez e Mugrabi (2006), Faundez (2006) teceremos alguns comentários

acerca da PdT, uma abordagem educativa atualmente utilizada no ensino escolar

das aldeias indígenas do município de Aracruz. A partir daí, referendando-nos em

Kerbrat-Orecchioni (1996) e em Mugrabi (2002), abordaremos um conceito de texto

explorando a “conversa” como um gênero textual a ser trabalhado e discutido

teoricamente na educação infantil.

O terceiro capítulo focalizará as particularidades da escola indígena no município de

Aracruz/ES, situando a formação do profissional da educação infantil e, em

seqüência, contextualizando os sujeitos pesquisados. O fio condutor desta

apresentação é a idéia de que a criança, juntamente com seus congêneres, contribui

para a produção/reprodução da cultura. Ou seja, é sujeito histórico das relações

sociais no contexto histórico e geográfico de sua comunidade. O capítulo ainda

apresentará observações dos caminhos que percorremos para desenvolver a

investigação, mostrando as linhas gerais delineadoras do problema investigado,

sinalizando o exercício reflexivo sobre as práticas cotidianas de oralidade como

possibilidades de se potencializar o ambiente da educação infantil como espaços

discursivos.

O quarto capítulo será dedicado à descrição, análise e discussão de dados que

obtivemos, tomando em conta nossas questões de investigação e o referencial

teórico que subsidiou toda a pesquisa.

As considerações finais serão contempladas com nossas reflexões acerca de todo o

trabalho realizado. Apresentaremos alguns elementos colaboradores ao debate

sobre um novo olhar que observa a educação infantil como instância primeira para a

realização de processo educativo consciente, intencionado social.

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1 - PARA INÍCIO DE CONVERSA: UM POUCO DE HISTÓRIA E OS OBJETIVOS

DA INVESTIGAÇÃO

1.1 - ALGUMAS REFERÊNCIAS AO PERCURSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO

INFANTIL BRASILEIRA

A história da educação infantil brasileira é recente e recua aos anos 1970. De acordo

com Rosemberg (2005), é possível destacar três grandes períodos nesse percurso:

o primeiro entre o final dos anos 1970 e final dos anos 1980, correspondente à

implantação de modelo assistencialista que preconizava uma educação pré-escolar

compensatória de carências às populações pobres, exigindo poucas verbas do

Estado para sua manutenção. Esse período se caracterizou também por uma

superposição de responsabilidades dos setores da assistência, da educação, da

saúde e do trabalho (Rosemberg, 2005). A autora ainda aborda que, desse período,

restou à educação infantil brasileira a herança de uma educação não formal

utilizando-se

[...] espaços físicos, material pedagógico e mão de obra improvisada; a criação de creches e pré-escolas comunitárias; sua municipalização; o recurso a educadores leigos com formação inferior ao curso normal ou secundário; a retenção de crianças com 7 anos e mais nos programas de educação infantil; a consolidação das nomenclaturas – creches, pré-escolas e classes de alfabetização (Rosemberg, 2005, p. 28).

O segundo período iniciou-se com a abertura política após a ditadura militar, dando

início a diversas ações de movimentos sociais organizados, que culminaram – a

partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 – com o reconhecimento à

criança de zero a seis anos do direito à educação complementar àquela recebida na

família, ou seja, o direito de ser reconhecida como um sujeito de direitos. Nunes

(2005), ao discutir o reconhecimento social da infância no Brasil, de sua menoridade

à condição de cidadãos, aponta como importantes elementos desse reconhecimento

os padrões de intervenção social compostos de políticas sociais e o entendimento

de que a educação infantil não é apenas um elemento a mais das políticas voltadas

para a infância.

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Como sujeitos de direitos, não podem tornar-se objetos de ações disciplinares ou repressivas que atentem contra a sua peculiar condição de desenvolvimento e/ou que atentem contra os direitos humanos [...] A criança deve ser priorizada [...] em atendimento prestado por órgãos públicos [...] (Nunes, 2005, p. 89-90).

A partir deste período, a educação infantil brasileira passou a contar com um número

expressivo de pesquisadores da área da infância e com a elaboração de políticas

nacionais que, questionando o modelo anterior assistencialista, promoveram uma

concepção do educar equivalente ao cuidar. Vasconcelos (2005, p. 117), ao tratar da

infância e políticas de Educação Infantil, apresenta que “[...] é o investimento na

formação inicial e continuada dos profissionais que atuam na educação dos

pequeninos [...]” o elemento fundamental para a consolidação de uma educação de

qualidade. Rosemberg (2005, p. 30), chama a atenção para o fato de que é nesse

período, que

[...] a hegemonia de uma concepção de educação infantil não diferencia creches de pré-escolas pelo padrão de qualidade, pela formação dos educadores e pela responsabilidade administrativa. Consideram-se as instâncias educacionais como regulamentação, fiscalização, financiamento e oferta da educação infantil [...] (Rosemberg, 2005, p. 30).

O terceiro período se instala com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases, nº

9.394/96. Essa lei apresenta, de forma incisiva, a necessidade de abordar e se

estreitar o vínculo entre o atendimento e a educação de crianças de zero a seis

anos. Segundo Rosemberg (2005), a aprovação dessa lei coincide com o momento

histórico vivido pelo País com a eleição de um Governo Federal que apóia

alterações na concepção de Estado, em que esse, se inserindo em uma hegemonia

neoliberal, faculta uma política social referendada em razões econômicas

globalizadas. Ou seja, em razões que defendem a instituição de um sistema de

governo no qual o indivíduo tenha mais importância do que o Estado, sob a

argumentação de que quanto menor a participação do Estado na economia, maior

será o poder dos indivíduos e mais rapidamente a sociedade poderá se desenvolver

e progredir, para o bem dos cidadãos.

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Ghiraldelli (2002, p. 11), ao discutir questões relacionadas com a infância, em

tempos de um governo neoliberal, pontua a inerente capacidade de tal doutrina “[...]

colaborar na proliferação das mazelas sociais na medida em que pretendem de

maneiras variadas, deslocar de uma vez por todas a educação para o campo da

iniciativa privada [...]”.

Assim sendo, é importante salientar que, no período da década de 1990, dá-se, no

Brasil, a entrada de ações organizadas pelo Banco Mundial que “[...] elaboram e

divulgam modelos de política educacional, redefinindo prioridades e estratégias à luz

dos conceitos de rede de proteção social e de focalização de políticas sociais para

populações pobres” (Rosemberg, 2005, p. 32). Desse modo, é inserido, de maneira

velada, o conceito de “desenvolvimento infantil” atrelado à idéia de que este pode

ser implantado por quaisquer que sejam os membros da sociedade. Para

Rosemberg (2005), após a promulgação da LDB, a educação infantil vivia um

momento um tanto quanto conturbado, pois, de um lado, buscava a regulação de

serviços e, por outro uma tentativa de reafirmar uma concepção de atendimento

assistencialista à criança pequena, com o que também concorda Bujes (2001).

Com a visão de que as crianças, desde que nascem, são sujeitos de cultura, e que, por conseguinte, têm o direito a educar-se, busca-se superar as práticas assistencialistas (onde a criança é apenas objeto cuidado da assistência) e práticas escolarização precoce (onde apenas se valorizam as habilidades para ‘ler, escrever e contar’) (Bujes, 2001 apud Vasconcelos, 2005, p. 129).

Desse modo, segundo Ghiraldelli (2002, p. 38-39), altera-se o conceito de infância,

apresentando a criança como “[...] um corpo que consome coisas de criança”. Por

conseguinte, há uma nova atribuição à função pedagógica, pois esta “[...] deve

pensar numa escola para alguém que é apenas consumidor – consumidor de

técnicas – só podendo pensar em fazer da escola uma empresa” . A escola dos

tempos neoliberais, afirma Ghiraldelli (2002), é, então, a junção dessas duas

necessidades. Entretanto pensamos que mais do que oferecer o acesso seria

necessário também garantir que ele, de fato, contribuísse na superação de

desigualdades sociais via educação conforme afirma Vasconcellos (2005, p.143). A

autora esclarece que seria por meio da defesa do direito pela “[...] garantia de vagas

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na educação infantil [...]” que poderíamos superar a política de exclusão, e “[...]

superar desigualdades regionais e socioeconômicas”. Em nosso trabalho, por tratar-

se da questão indígena, os fatos apontados acima assumem dimensão relevante,

pois o tratamento escolar à educação infantil indígena é recente. Iniciada com uma

proposta assistencialista e posteriormente se contextualizado com a proposta da

causa indígena que foi resultante das lutas no percurso das mudanças políticas do

País. A seguir, apresentaremos algumas referências ao percurso histórico da

educação [principalmente] escolar indígena no Brasil e no Espírito Santo, de

maneira que essa contextualização nos forneça elementos para o entendimento de

questões relacionadas ao nosso contexto investigado.

1.2 - ALGUMAS REFERÊNCIAS AO PERCURSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO

ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL

Ocorreu, ao longo da História, uma drástica redução populacional de diversas etnias,

em decorrência de seguidos massacres, doenças e de uma postura excludente e

preconceituosa dos invasores europeus. Tal postura do colonizador primava por

divulgar, a todo instante, uma certa “superioridade européia” em detrimento da

cultura e particularidades dos povos indígenas.

Assim, desconsiderando seus saberes, desconsiderava-se o que poderia ser

chamada de educação indígena já existente e praticada (seus costumes, tradições,

valores, crenças, mitos), para fazer valer uma educação vinda de fora (catequização,

civilização e integração forçada dos índios à sociedade nacional), ou seja, uma

educação para o índio que se prolongou por mais de 500 anos de História do Brasil.

Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 é que a população

indígena obteve um dispositivo que lhes garantiu fortalecimento legalmente

reconhecido. A partir daí, diversas ações voltaram-se para fazer valer o que estava

garantido na Constituição.

Muitos autores (Fernandes, 1964; Fernandes, 1976; Freire, 2004) já se debruçaram

sobre o estudo da educação indígena e várias são as fontes históricas utilizadas a

demonstrar que os indígenas, habitantes das terras que foram denominadas “Brasil”,

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eram produtores de saberes e também detentores de formas de educação próprias,

de pedagogias próprias. Muitos documentos que comprovam o percurso desses

saberes já foram localizados, analisados e identificados em arquivos de âmbito

estadual (Monteiro, 1994) e nacional (Freire, 1995, 1996). Segundo Freire (2004) é

possível propor um agrupamento desses documentos de acordo com a sua natureza

ou a periodização da história tradicional do Brasil.

Desse modo vemos que, no Período Colonial, há uma farta documentação que foi

deixada por missionários, sobretudo jesuítas, ou ainda produzida pela Coroa

portuguesa, ou pelos diretores de índios, 2 a qual pode ser encontrada em arquivos

europeus ou brasileiros: correspondência para a administração colonial, narrativas

epistolares, relatórios das visitas às aldeias, crônicas, cartas régias, regimento das

missões, listas de matrículas de índios, mapas de índios ausentes e outros. Do

Período Imperial, é possível consultar os relatórios das Diretorias de Índios (1845),

os documentos de catequese elaborados pelos Capuchinhos, os relatos de viajantes

ao longo do século XIX e os relatórios do Ministério dos Negócios da Agricultura,

Comércio e Obras Públicas (1861). Do Período Republicano, valiosas informações

podem ser encontradas em relatórios de órgãos governamentais, censos parciais e

mapas de alunos de escolas de aldeias e arredores que funcionavam no século XX,

informações elaboradas por missões de diferentes ordens religiosas, além de ofícios,

memorandos, planos de serviço, quadros, tabelas, memórias e relatórios produzidos

por órgãos administrativos. Sobre as últimas décadas do século XX e agora na

contemporaneidade do século XXI, as documentações originaram-se de diversas e

diferentes fontes: os próprios povos indígenas, universidades, Ministério da

Educação, Conselho Nacional de Educação, Conselhos Estaduais de Educação,

Secretarias de Educação (municipais e estaduais), Conselho Indigenista Missionário

e Funai.

Com relação a essas fontes, destaque ainda deve ser dado aos diários de classe de

professores, às atas e relatórios de reuniões, documentos oficiais e publicações do

2O diretor de índio era um encarregado por aldeia, diferente do diretor-geral que era encarregado de província. Ambos os cargos foram criados pelo Governo Imperial da época, a partir da assinatura de um decreto de 24-6-1845. O diretor de índio deveria ser nomeado pelo Imperador e, se possível, ser um missionário. O decreto de 1845 regulamentava as missões de catequese e civilização dos índios (Cota, 2000).

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Ministério de Educação e Cultura (MEC) na década de 1990, que incluem diretrizes,

normas decretos, leis, censos escolares, pareceres e resoluções do Conselho

Nacional de educação (CNE) e documentos diversos sobre cursos de educação

bilíngüe, bem como de documentações de programas e projetos de implantação de

escolas indígenas, pesquisas e projetos desenvolvidos por universidade e algumas

dissertações3 de pós-graduação (Freire, 2003). Em alguns desses documentos,

embora por vezes fragmentadas, dispersas ou mesmo freqüentemente impregnadas

de etnocentrismo, é possível reconstituir, após cinco séculos de história do Brasil,

elementos que informam sobre certos princípios pedagógicos do sistema de

educação tradicional oral das aldeias do litoral do Brasil, habitadas por alguns povos

indígenas, 4 dentre eles, os Tupinikim.

Fernandes (1964, apud Freire, 2004), em estudos referentes à etnia Tupinambá,

observou que a educação desse povo era norteada, entre outros, por três valores: o

valor da tradição oral, o valor da ação e o valor do exemplo. A transmissão desses

valores/saberes se processava no intercâmbio cotidiano, por meio de contatos

pessoais e diretos. A aprendizagem se dava em todo momento e pode-se dizer que

todos contribuíam para a educação do conjunto da população. Freire (2004) pontua

que a observação acima é passível de críticas, uma vez que esquematiza e idealiza

a figura do indígena. Mas argumenta, ainda, que há méritos em Fernandes, uma vez

que, pioneiramente, chama a atenção para a existência de um discurso construído

pelos indígenas sobre as suas próprias práticas pedagógicas que até então não

haviam sido consideradas. De acordo com Cota (2000, p. 26-27) devido à

semelhança cultural entre os Tupinikim e os demais povos Tupi, pode-se afirmar que

“[...] entre estes povos o principal objetivo da educação era o de assimilar o indivíduo

à ordem social tribal”. Dessa forma, a autora argumenta que “[...] não existiam

especialistas em educação”. Outro aspecto importante que salienta é que, para “[...]

estes índios a educação era um processo que acontecia ao longo da vida” cujo

principal objetivo era a transmissão de conhecimentos, dos quais faziam parte não

somente conteúdos, mas principalmente atitudes, convicções e aspirações, que “[...]

3 Cf. Cota, 2000; Padilha, 2004; Marcilino, 2005; Neves, 2005; Godinho, 2006; Teao, 2007; Magalhães, 2007. 4 Os povos que habitavam o litoral brasileiro eram de origem Tupi (Tupinikim, Tamoio, Kaeté, Potiguára, Tobajara). Ocupavam uma extensa faixa do litoral brasileiro que ia do Ceará ao Estado de São Paulo e possuíam semelhanças lingüísticas e culturais.

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tinham de ser assimiladas para que a pessoa pudesse ser um autêntico Tupinikim,

Tupinambá, Tamoio, etc”.

Na observação das práticas pedagógicas indígenas, registros históricos mostram

que, no século XVI, o colonizador europeu criticou incisivamente os procedimentos

de correção de erros dos indígenas. Missionários jesuítas identificaram que na forma

de transmitir costumes e valores, os indígenas “[...] amam os filhos

extraordinariamente, [porém] nenhum gênero de castigo tem para os filhos, nem há

pai nem mãe que em toda a vida castigue nem toque em filho” (Cardim, 1980, p. 91,

apud Freire, 2004, p. 16). Cronistas como Pero de Magalhães Gandavo, provedor da

Fazenda na Bahia, entre 1565 e 1570, observou também que os índios “[...] criam

seus filhos viciosamente, sem nenhuma maneira de castigo” (Gandavo, 1980, apud

Freire, 2004, p. 16). Freire (2004) sinaliza ainda que este tipo de relação em que a

criança é socializada sem nenhuma forma de repressão, é observável ainda hoje no

século XXI, sobretudo em aldeias Guarani do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Pelas observações acima, é possível afirmar que o colonizador não reconhecia a

maneira de educar dos indígenas como sendo práticas pedagógicas resultantes de

uma reflexão coletiva. Interpretavam-nas como negligência ou falta de princípios

pedagógicos. O estranhamento diante das pedagogias indígenas levou o

colonizador a efetivar imposição de outra forma de educação e de catequização

como instrumento civilizatório. O colonizador, em uma violenta imposição de

costumes seus aos gentios, ignorava a visão de mundo desses povos, obrigando-os

a falar o português, a acreditar em outro Deus e a abandonar hábitos culturais que

eles, os indígenas, já cultivavam ao longo de muitos anos. Assim, o entendimento

nunca se efetivava, porque, para o colonizador, se o índio parecia gentil e amável,

tornava-se um alvo fácil de submissão à escravidão. Entretanto, se demonstrava

ciência de sua condição de donos das terras e reagia à invasão, era considerado

selvagem, sanguinário e carente de uma domesticação emergente.5

[...] a inexistência da escola, da sala de aula, do docente, do currículo, de horários, de uma disciplina rígida, de punições de castigos corretivos permitiu-lhes concluir que os povos indígenas não tinham educação e

5 Conf. Lima (1995) e Teixeira (1995).

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precisavam ser civilizados, de acordo com o modelo europeu de educação escolarizada (Freire, 2004, p. 16).

Sob a ótica dos colonizadores, os indígenas estavam sempre em um grau de

inferioridade e, portanto, seus modos próprios de ser, eram menosprezados. Por

outro lado, era do interesse do colonizador estreitar relações entre os nativos de

modo a obter vantagens para explorar a terra desconhecida na busca de ouro ou na

expansão agrícola ou pastoril. Como a língua diferente impossibilitava o contato

entre brancos e índios, grande foi a repressão que os europeus impuseram aos

nativos para eliminar suas línguas nativas, impondo-lhes a língua do colonizador.

Certamente, a proibição ao uso da língua nativa e imposição do idioma português

deu-se porque os colonizadores entendiam que a utilização das línguas nativas

reforçava as tradições e costumes tribais que eles queriam exterminar.

Garcia (2005) analisa o empenho da Coroa Portuguesa em fazer campanha para

disseminar o idioma português no período colonial e propagar a idéia de que, com

uma série de leis, iriam transformar os índios em súditos da Coroa, iguais aos

colonos. A autora esclarece que assim os colonizadores pretendiam eliminar as

diferenças características dos povos indígenas, fazendo deles pessoas “civilizadas”.

De acordo com Garcia (2005), na segunda metade do século XVIII, a Coroa

Portuguesa organizou, em 1757, um conjunto de leis sistematizadas num texto

chamado Diretório dos Índios6 (Garcia, 2005). Por intermédio dessas leis, a Coroa

promoveu, no início da década de 1770, a fundação de duas instituições. 7 Com

elas, os colonizadores pretendiam impor o uso do idioma português, uma vez que

entendiam ser essa uma importante arma de dominação e controle político dos

6 O Diretório dos Índios, publicado em 1757, foi concebido com o objetivo de inserir os índios na sociedade portuguesa como homens livres e vassalos do rei, substituindo os hábitos culturais dos indígenas por costumes europeus. O Diretório estipulava uma série de mudanças: a substituição das línguas indígenas pelo português; o incentivo aos casamentos mistos de índias e portugueses; a transformação das aldeias em vilas, entre outras (Garcia, 2005). Por trás dessa política, existia o interesse de manipular os indígenas para a defesa do território colonizado. Uma vez tratados como vassalos do rei, os indígenas defenderiam as fronteiras, incrementariam a agricultura e pagariam impostos. Apesar de, inicialmente, ter sido elaborado para a Amazônia, o Diretório foi estendido a todo o restante da colônia. No entanto, dada a diversidade dos indígenas, sofreu uma série de alterações. Fracassando em suas intenções, foi abolido em 1798 (Garcia, 2005). 7 Essas duas instituições de ensino para os índios eram: uma escola para os meninos e um recolhimento para as meninas atendendo a uma população com idade mínima de seis anos e a máxima de doze anos. Foram fundadas na aldeia Nossa Senhora dos Anjos que foi povoada por índios Guarani, trazidos dos Sete Povos das Missões por Gomes Freire de Andrade, no final da década de 1750. Nos dias atuais, onde antes fora a referida aldeia, hoje se localiza a cidade de Gravataí, região metropolitana de Porto Alegre, RS.

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súditos e, gradativamente, impor-lhes costumes ocidentais europeus. As crianças

deveriam ser convertidas à fé católica, vestindo-se como os brancos e sendo

disciplinadas para o trabalho (Garcia, 2005). Em sua educação, recebiam castigos

físicos, quando utilizavam a língua própria, pois não havia lugar para as

manifestações culturais dos indígenas. O que se ensinava era essencialmente os

elementos da cultura portuguesa, desconsiderando-se toda a herança cultural dos

antepassados dos educandos indígenas, assim como suas experiências anteriores.

Os colonizadores consideravam que as instituições e os ensinamentos europeus

eram universais e, não detectando vestígios desses ensinamentos entre os

indígenas, concluíam serem estes carentes de práticas educativas consistentes. A

inexistência de escolas, salas de aulas, currículos, horários para atividades,

punições aos erros, no modelo educativo dos povos indígenas 8, reforçou nos

colonizadores a necessidade de implementar um processo de “civilização” dos

indígenas, segundo os moldes europeus, para torná-los “pessoas de bem”, no qual a

escola para índios assumia uma função essencialmente civilizatória. Com isso, a

oferta de programas de educação escolar às comunidades indígenas esteve

pautada pela catequização, civilização e integração forçada dos índios à sociedade

nacional dando-se o início da implantação do que estamos definindo como educação

escolar para índios.

No desenvolvimento dessa educação, algumas iniciativas se propunham a

acompanhar como ela se realizava. Dessa forma, em 1861, o poeta Antônio

Gonçalves Dias, após ser nomeado para o cargo de visitador das escolas do

Solimões, pelo presidente da Província do Amazonas, viajou pelo rio Solimões até

os limites com o Peru e a Colômbia e pelo rio Negro até Cucuí, na fronteira com a

Venezuela, visitando escolas encontradas no curso da viagem. O objetivo principal

da viagem era observar e registrar as condições da instrução primária em escolas

com predominância de alunos indígenas que sequer falavam a língua portuguesa. O

resultado dessa viagem foram dois relatórios que procuraram apresentar

informações “[...] acerca do progresso ou regresso da instrução primária naqueles

lugares” (Gonçalves Dias, 1861-2002, p. 7). O poeta, visitando as regiões de Coari,

8 Cf.: IBASE. Educação escolar em Terras Brasilis, tempo de novo descobrimento. Rio de Janeiro: 2004, p. 16.

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Tefé, Alvarães, Fonte Boa, Olivença e Tabatinga, produziu um primeiro relatório

sobre as condições dos lugares visitados apresentando informações diversas tais

como: os dados estatísticos sobre os alunos; os horários de funcionamento das

escolas; o currículo e livros didáticos utilizados; a situação dos professores no que

compete à formação, seleção, remuneração, aposentadoria; a evasão dos alunos.

Tudo isso porque lhe foi possível assistir às aulas, entrevistar professores, verificar

cadernos dos alunos, conferir e confrontar os números referentes aos alunos

efetivamente matriculados e os que estavam presentes.

Nos registros, Gonçalves Dias (1861-2002) chama a atenção para dois problemas

que considera mais graves e relevantes: a questão da formação dos professores e a

evasão escolar. Sobre a formação dos professores, pontua que “[...] a primeira falta

que se nota é a insuficiência dos mestres” (Gonçalves Dias, 1861-2002, p. 5).

Acrescenta ele, que “[...] se considera profissão de mestre como recurso para

indivíduo sem habilitações para outra indústria qualquer, ou como um meio de

aumentar vencimentos” (Gonçalves Dias, 1861-2002, p. 5). Sobre a evasão,

assegura ele, que o grande e principal motivo é devido “[...] a falta de suficientes

meios de subsistência ou a carência dos gêneros de primeira necessidade” (p. 11)

uma vez que esta ausência de recursos contribuiu para que “[... ] a gente menos

remediada se retirasse com seus filhos para outros lugares” (Gonçalves Dias, 1861-

2002, p.11).

Para o diálogo com a nossa pesquisa, a discussão dos dados apresentados por

Garcia (2005) e Gonçalves Dias (1861) reporta-nos a reflexões acerca de questões

referentes à educação escolar nas comunidades Tupinikim e Guarani na atualidade.

Nessas localidades, no período anterior à estruturação de uma educação

caracterizada como indígena, ou seja, do que estamos definindo como educação

escolar indígena, tinha-se um quadro com características semelhantes às

apresentadas pelos autores acima citados apresentando dados preocupantes sobre

uma grande maioria de alunos que não concluíam o ensino fundamental em

períodos de escolarização regular, altos índices de evasão de alunos e o ensino

oferecido por educadores não indígenas. A exposição de uma educadora Tupinikim

e coordenadora pedagógica da Educação Indígena no município demonstra a

expressão de importância do projeto de educação escolar indígena. Em seu

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depoimento, justifica de maneira explícita, a necessidade de uma instituição escolar

indígena que não sirva como instrumento de imposição de valores alheios e

negação de identidades e culturas diferenciadas, mas, sim, uma escola aliada ao

revigoramento da cultura já bastante desgastada.

O fato de ter educador indígena está ainda em fase de construção e muita coisa ainda tem de se rever. Coisas que assim as crianças não viam na família estão vendo na escola, né? Que, às vezes os pais contam histórias, né contam histórias do que se fazia... muitas coisas... igual... as crianças aprendem a fazer trabalhar com pintura a ver artesanato... e antes na família.... Qual a família que está mais centrada? Na verdade pro comércio a criança tem contato o tempo todo com isso... agora a família que não tem isso que os pais trabalham fora praticamente isso não existe, não tem ou então tem muito pouco. E ai assim... é interessante você tendo o educador indígena eles tentam colocar que dentro da família vai trabalhar isso e aí vem lugar para trabalhar uma pesquisa sobre o que os pais falaram das plantas medicinais, do cacicado, da história e acaba que envolve bastante (EDUCADORA TUPINIKIM, Coordenadora da Educação Indígena).

Com o desenvolvimento do projeto de educação diferenciada e intercultural

indígena, esse quadro mudou consideravelmente. Resultante de lutas, em 1988, a

promulgação da Constituição Federal Brasileira reconhece aos povos indígenas o

direito a um ensino fundamental diferenciado, assegurando o uso de suas línguas

maternas e processos próprios de aprendizagem (art. 210). O direito à diferença é

também garantido no reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas,

crenças e tradições (art. 231) e à difusão de suas manifestações culturais (art. 215).

O Decreto nº 26/91 atribuiu ao Ministério de Educação Escolar a responsabilidade

de coordenar, subsidiar e assessorar as ações referentes à educação escolar

indígena no País e, aos Estados e Municípios, sua execução, antes delegada à

Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Em 1993, o MEC estabelece que os projetos

de educação indígena devem estar pautados nos princípios da diferença,

especificidade, interculturalidade e bilingüismo. Em 1996, a Lei nº 9.394, em seus

arts. 78 e 79, confirma o direito a uma educação diferenciada às populações

indígenas.

Assim, as comunidades puderam articular formas particulares de organização

escolar. Adiante explicitaremos mais a esse respeito. Por ora, convém, na síntese

deste breve relato, ressaltar que, entre as etnias Tupinikim e Guarani do município

de Aracruz – ES, desde os anos 1990, esses dois povos têm vislumbrado, na

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educação escolar, uma possibilidade de recuperação e revitalização de sua cultura e

de suas tradições.

É pertinente também observar que uma nova ordem social emerge a partir da

mudança de sensibilidade ligada à aparição de novos modos de representação e de

novas formas de relação social sendo, assim, necessário repensar a questão da

tradição, pois é ela, ou seria ela, o elo de conexão entre os períodos de geração em

geração na transmissão oral de rituais, de costumes, de valores espirituais, de

memória.

Hoje é diferente pelo fato do contexto que a gente vive hoje, né? Porque antes, igual, assim... eu até me lembro quando eu era criança... eu não estudava... na minha época, há vinte anos atrás eu não estudava, eu acompanhava a minha mãe em todo lugar que ela ia. Ia pra roça... Igual, ela trabalhava às vezes no Coqueiral lavando roupa de alguma família... aí todas as crianças eram assim. Iam fazer farinha com os pais... Tudo era com os pais (EDUCADORA TUPINIKIM, coordenadora da Educação Indígena).

Na atualidade, reafirmando o que nos diz a educadora Tupinikim, muito se mudou da

cultura e tradições da comunidade Tupinikim e, portanto, o repensar sobre a tradição

faz-se urgente, uma vez que é ela, a tradição, que envolve o controle do tempo e se

relaciona com a repetição. Giddens (1997) aponta que a tradição funciona como

orientadora para o passado e também para o futuro. No que se refere ao passado,

acena que ele passa a ter pesada influência sobre o presente, pois, [...] a tradição é

uma orientação para o passado de tal forma que o passado tem uma pesada

influência ou, mais precisamente, é constituída para ter uma pesada influência sobre

o presente (Giddens, 1997, p. 80).

Sobre o futuro, as práticas tradicionais estabelecidas são utilizadas como forma de

reorganizá-lo de modo que o futuro seja modelado sem que se tenha a necessidade

de esculpi-lo como um território separado. Dessa feita, a repetição, chega a fazer o

futuro voltar ao passado, enquanto também aproxima o passado para reconstituir o

futuro (Giddens, 1997). Recuperando mais uma vez a fala da educadora, expomos

localmente o quão drásticas foram as conseqüências da séria invasão do

colonizador e de como essa violação deixou marcas profundas a ponto de

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desrefenciar o sujeito de sua condição de sujeito comprometendo perdas

relacionadas com sua língua, costumes, suas tradições.

Todos diziam que nós não somos porque não falamos... até pouco tempo quando passava um ônibus lá que ia visitar as aldeias eu cansei de ver cansei de falar papai também já cansou de falar “ah, eu vim aqui visitar os índios, a gente queria conhecer um pouco a aldeia, visitar os índio”. A gente falava “é lá pra baixo”, que era os Guarani. Nossa! A gente falou muito isso. Papai falou... outras pessoas... E até na rua quando a gente estava lá a gente via quando os ônibus passava e alguém parava... eu já vi papai falando, eu já falei, e já vi várias pessoas já falando (EDUCADORA TUPINIKIM, coordenadora da Educação Indígena).

Então, diante da reconstrução de práticas que reestruturem o futuro, a

ressignificação do conceito de ser índio também se modela. Nesse sentido, as

conexões e as formas de relação social são freqüentemente muito próximas, pois as

ações cotidianas dos indivíduos são produções/movimentos locais, sendo, pois, em

algumas vezes, também globais. Ou seja, há buscas de demarcação de espaços

locais, no que se refere ao indivíduo e suas às particularidades e de caracterizações

globais, no tocante ao indivíduo e à sua relação de pertença no todo.

[...] primeiro é preciso se identificar como índio e o grupo também identificar a gente como índio pertencente àquele grupo... e ... sei lá.... é... fazer né é... conhecer a nossa história, poder reconhecer, poder defender, argumentar sobre a nossa história, da nossa identidade como índio o que a gente tem o que a gente perdeu, por que, poder mesmo divulgar essa cultura que a gente tem hoje e que muito já se perdeu muitas coisas. É, poder lutar né... conhecer e lutar sobre as nossas questões que a gente tem hoje territorial, cultural, e outra coisas (EDUCADORA TUPINIKIM, coordenadora da Educação Indígena).

Diante da emergencial necessidade de reafirmação cultural, o Projeto de Educação

Indígena adquire relevância sobremaneira, pois, como já foi dito, amparados em um

referencial legal, é possível aos indígenas adquirirem escolarização durante o

processo de formação, garantindo-lhes que índios trabalhassem com índios e, a

partir dessa ação, possibilitasse em toda a comunidade mudanças outras.

Foi a educação que deu conta de fazer esse processo de resgate dessa identidade porque quando nós fizemos o curso de formação foi pensando deles serem índio para trabalhar com índio. Só que foi muito além disso. E aí nós começamos a ver que não só eles mas os outros índio porque estava na família e eles incentivando a comunidade eles estavam trabalhando com os valores da comunidade étnica, né então outras coisa como a mulher ser vista como colaboradora da aldeia né como uma

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provocadora de situações, assumir lideranças que até então não era vista era apenas uma atividade tipicamente de homem Tantos trabalhos pela luta pela terra, que ela entendeu que a participação dela era importante. Tudo isso é fruto da educação (EX-COORDENADORA da Educação Indígena no município de Aracruz).

Outro exemplo significativo disso é o atual ensino da língua dos ancestrais dos

Tupinikim, o Tupi. As comunidades dessa etnia desejam recuperar sua língua nativa

e vêem na educação oferecida nas escolas das aldeias um espaço privilegiado para

isso. Desde 2004, é oferecido, em todas as turmas das escolas Tupinikim (ou seja,

da educação infantil à 6ª série), 9 o ensino do Tupi. Quanto à comunidade Guarani,

esta ainda mantém preservada a língua de seus ancestrais (o Guarani), assim como

muitos rituais e costumes de sua tradição sendo para este grupo, a Língua

Portuguesa considerada como segunda língua. Por certo, faz-se necessário algum

estudo que melhor investigue como tem se dado este processo de ensino nas

aldeias, e principalmente de como os sujeitos envolvidos têm se relacionado com

esta ação.

1.3 - REFERÊNCIAS AO CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO

O município de Aracruz (Mapa 1) está localizado ao norte do Estado do Espírito

Santo (ES), distanciando-se da capital, Vitória, cerca de 83 km. Na referida cidade,

vivem duas etnias, Tupinikim e Guarani, compondo uma população indígena

constituída de 637 famílias e totalizando 2.580 pessoas. 10

9 A instituição do ensino fundamental está sendo gradual. É um projeto novo que em cada ano é estabelecida uma nova série. Em 2005, havia da educação infantil até a 5ª série. Em 2006, tem-se da educação infantil à 6ª com a perspectiva de, até 2008, haver o ensino fundamental completo, até a 8ª série. 10 Dados fornecidos pelo Censo Demográfico Indígena (FUNAI, 2006). Esse Censo é sempre realizado no segundo semestre de cada ano par.

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Mapa 1: Aracruz no Estado do Espírito Santo

O povo Guarani, intitulado Guarani Mbyá, chegou à cidade na década de 1960, após

longa migração iniciada a partir de 1940. Em Ladeira (1992), encontramos aportes

que justificam ser esta uma das últimas migrações do povo Mbyá, quando eles

saíram forçados da Região Sul do Brasil, expulsos de suas terras por fazendeiros

desejosos de desenvolver nessa região o plantio da erva-mate.

Em Ciccarone (1996), temos um retrato da trajetória da migração contada por

algumas narrativas que demonstraram as dificuldades, angústias e incertezas

surgidas e ou encontradas pelas famílias peregrinas ao longo do percurso entre os

Estados do Rio grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais até a chegada ao

Espírito Santo. Atualmente, segundo o Censo Demográfico Indígena (FUNAI, 2006),

no município de Aracruz, a população Guarani compreende 64 famílias totalizando

265 índios que vivem nas aldeias de Mboapy Pindo (Boa Esperança), Tekoa Porá

(Três Palmeiras) e de Piraquê-Açu. A maioria da população Guarani é bilíngüe e

apresenta a língua e a religião como fontes de orgulho e expressão, verdadeiros e

fundamentais elementos da cultura Guarani. Em nosso contexto de investigação,

apesar de, em alguns momentos, fazermos algumas referências ao povo Guarani,

desenvolveremos, ao longo do trabalho, considerações mais específicas à

comunidade Tupinikim, uma vez que a nossa investigação foi realizada da referida

etnia.

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A população Tupinikim conta com cerca de 2.315 habitantes e encontra-se

distribuída (Mapa 2) em quatro aldeias (Irajá, Caieiras Velhas, Pau Brasil e

Comboios) em uma área de 7.559 hectares. Em tempos passados, a etnia Tupinikim

vivia basicamente da caça, da pesca, da coleta e da agricultura, tendo uma

economia de subsistência totalmente ligada à natureza. Viviam de acordo com sua

cultura, preservando costumes, tradições e idiomas. Entretanto, ao longo de mais de

500 anos de colonização européia, esse povo foi perdendo, progressivamente, o

território dos ancestrais e sendo diretamente influenciado por profundas alterações

culturais que incidiram na perda de sua língua materna e de algumas tradições. Para

a realização desta investigação, inserimo-nos no contexto da aldeia de Pau Brasil.

Mapa 2: A disposição das aldeias em Aracruz-ES

Pouco se sabe sobre a origem da aldeia de Pau Brasil (Foto 1), mas o Sr. Antônio

dos Santos (conhecido Seu Antonino), um ex-cacique de 70 anos, lembra-se, com

saudades, dos tempos passados. Em entrevista concedida no dia 29-11-2006, a um

grupo de crianças da educação infantil da aldeia, Seu Antonino disse:

Quando eu nasci, esta aldeia já tinha permanecido eu não posso contar em que ano só sei dizer que eu nasci em 36 e certamente esta aldeia já

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existia. As vez, não chamava aldeia porque realmente tudo foi chamado de aldeia quando a Funai apareceu, né? A se chamar de Aldeia. Mas a aldeia é realmente essa mesmo. Porque a gente sentava com os mais velhos que moravam aqui porque também a gente conheceu alguns ainda né... alguns. E eu não era daqui era da aldeia lá de Cantagalo, mas, sempre permaneci aqui. Passava por aqui, o caminho era aqui mesmo e depois que a gente se formou rapaz jovem a gente começou a brincar com os outros jovens daqui. E a gente nem pode nem contar porque eu mesmo nem sei, mas, sei que ela é bem antiga. Ela é.

E sobre a origem do nome da aldeia, completou “[...] é porque existia muita madeira

de Pau Brasil aqui nesta região... então certamente aqui era o central, era onde

existia mais madeira de pau-brasil... é por isso, pois, que é falado e colocado o nome

de pau Brasil” (SEU ANTÔNIO, ex-cacique, 70 anos).

Foto 1: Aldeia de Pau Brasil

A aldeia de Pau Brasil está localizada a 31 km da sede Aracruz, em uma área de

1.579 hectares, com uma população de 417 habitantes, sendo 101 famílias e a

maior faixa etária populacional compreendida entre 41-54 anos. Nessa aldeia, os

habitantes, índios Tupinikim, sobrevivem da agricultura, trabalhando com a produção

e comercialização de produtos, como mandioca (farinha), milho, feijão, café, coco e

laranja. O artesanato é outra forma de reafirmação de sua cultura. Os objetos são

feitos de fibras vegetais, couro, madeira, sementes e revelando em sua confecção

artesanal a expressão de suas identidades singulares.

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No caso do artesanato em couro, os tambores – emblemáticos da expressão étnica – manifestam-se na complexa articulação de diferentes tradições, cuja riqueza de significados dá origem a um universo simbólico peculiar que, tecido com fios da memória, criam elos entre mitos, histórias e vida cotidiana. [...] assim, como em diversas sociedades tradicionais, cada instrumento é uma pessoa, portadora de uma feição e de uma musicalidade próprias.(Ciccarone, 2004)

Em virtude de precárias condições financeiras, a subsistência com recursos próprios

da aldeia já não se fazem suficiente. Assim, vários índios saem e prestam serviços

em empreiteiras contratadas pela Aracruz Celulose. No que concerne a essa grande

empresa, é de fundamental importância pontuar que, ao longo de desenvolvimento

de nossa pesquisa, a comunidade indígena de Aracruz passou por diversos embates

com a multinacional, no que se refere à luta pela terra.

Ao longo dos séculos, os indígenas perderam gradativamente suas terras.11 Essa

perda de território tem provocado grandes alterações culturais, uma vez que a terra

representa a base de sustentação da cultura, pois, “[...] para a cultura indígena, a

terra é o centro de um sistema de hábitos e valores que compõem sua identidade”

(PROCESSO 1.353/97, fls. 901, apud do RELATÓRIO GT Portaria nº 0783/94). Os

documentos históricos corroboram dados em favor dos indígenas ao afirmar e

indicar-lhes a posse do território.

[...] de acordo com o Livro Tombo de Nova Almeida: ‘Em 1610, os índios Tupinikim receberam do representante da coroa portuguesa no Espírito Santo, donatário e presidente da província Francisco Aguiar Coutinho, a ‘doação’ de uma sesmaria de terras de seis léguas em quadro. Em 1760 a área foi demarcada, com aproximadamente 61 quilômetros no sentido Norte-Sul e 49 quilômetros no sentido Leste-Oeste’. Esse território foi medido de um lugar chamado Patranha (entre Jacaraípe e Capuaba) indo até Comboios. A sesmaria foi confirmada por Alvará em 1760. E, e em 1860, D. Pedro II visitou a aldeia Tupinikim e ratificou a doação das terras (CARTA ABERTA À POPULAÇÃO, 15-9-2006).

11 Em 1940, contrariando a Constituição Federal, o governo brasileiro concedeu à Companhia de Ferro e Aço de Vitória (COFAVI) 10 mil hectares para a produção de carvão vegetal. Em 1967, a Aracruz Celulose comprou os 10 mil hectares da COFAVI e iniciou grande desmatamento para se efetivar a plantação de eucalipto. Em virtude dos confrontos, a multinacional reivindica essas terras como suas. Os índios contestam.

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Para os indígenas, o lugar é uma referência pragmática do mundo, uma vez que traz

em si uma rigidez, diante de solicitações e ordens precisas e condicionadas, mas

também possibilita diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade

(Santos apud Ciccarone, 2004). Sendo assim, o lugar, sua terra é a sua garantia

possível de dar continuidade ao seu modo de vida, que, ao longo de anos, vem

sofrendo alterações provocadas pelo entorno da sociedade envolvente, não índia.

No período de realização de nossa coleta de dados, a Aracruz Celulose, objetivando

provar a não existência de povos Tupinikim na região, empenhou-se em algumas

ações que tiveram como mote desqualificar e ridicularizar a identidade indígena

aracruzense. Para tanto, utilizando-se de estratégias de comunicação coercitivas

veiculadas pela imprensa, nas escolas e instituições do município, desconsiderou as

documentações históricas de mais de 400 anos. Valendo-se de seu poderio

econômico, a Multinacional patrocinou campanhas (utilizando cartilhas, outdoors,

sites da empresa) com o objetivo explícito de instigar a sociedade envolvente a se

pronunciar de modo totalmente preconceituoso contra a população indígena. Abaixo

temos alguns exemplos dos outdoors que circularam pela cidade.

Foto 2: Outdoor sobre os conflitos pela posse da terra

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Foto 3: Outdoor sobre os conflitos pela posse da terra

Em atitude de repúdio e manifestação de indignação a esse tipo de atitude, e

principalmente para esclarecer historicamente a população sobre algumas

informações deturpadas, transmitidas pela Multinacional, os indígenas fizeram

veicular uma carta aberta, na qual, respaldados em documentação histórica, afirmam

que tanto a presença do indígena naquela região como a posse das terras que a

empresa reivindica são de natureza legítima das comunidades indígenas de Aracruz

esclarecendo, a partir das evidências, a existência da etnia indígena desde o século

XVI.

[...] os Tupinikim ocupavam uma faixa de terra situada entre Camamu (BA) e o rio São Mateus (ou Cricaré), alcançando a Província do Espírito Santo”, mas, historiadores e alguns viajantes como Jean de Léry, que passou pelo território espírito-santense em 1557 e Gabriel Soares de Sousa (1587), confirmam a presença dos Tupinikim no século XVI não só na região entre Camamu e o rio São Mateus, mas também na Região de Aracruz. Esses índios também viviam na região do rio Piraquê-Açu, onde em 1556 foi fundada pelo jesuíta Afonso Brás a Aldeia Nova (Nova Almeida). Coutinho (2006:127) afirma: ‘[...], a Aldeia de Reis Magos tornou-se um centro de atração já havia índios de várias tribos, pelos menos Temiminó, Goitacaz, Tupinikim, Parnaubi, e até os bravios Aimoré, [...]’. De acordo com John Hemming, a população Tupinikim do sul da Bahia até o Espírito Santo era em 1.500, de 55 mil habitantes. Há registros da etnia Tupinikim na região de Aracruz nos escritos de André Thevet, Hans Staden, dos jesuítas José de Anchieta e de Fernão Cardim (COMUNIDADES INDÍGENAS TUPINIKIM E GUARANI, 2006. grifos do autor).

A demarcação dessas terras é uma antiga reivindicação dos indígenas e estudos da

FUNAI confirmam e reiteram o direito às terras que esses povos tradicionalmente

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ocupam. Esses conflitos envolvem a todos na comunidade indígena, tornando-se

também, tema de discussão em momentos de roda de conversa com as crianças da

educação infantil, organizados pela educadora.

1.4 - OS OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO

A oralidade na tradição indígena, sempre foi e ainda é um importante elo de

manutenção de tradição entre as gerações, na contação de histórias, de lendas, na

preservação mitológica, nas conversas informais. Ou seja, como um dos mais

importantes e fundamentais meios de propagação da cultura, utilizado

historicamente pelas comunidades indígenas como recurso na defesa de seus

direitos, reivindicação de posse das terras e demarcação das mesmas.

Nessa investigação, estamos atenta a trabalhar a linguagem oral numa perspectiva

que a compreenda como um processo de ensino dentro da relação de ensino-

aprendizagem nos propondo principalmente pensar no ensino de gêneros orais que

mais se afastam do protótipo dos gêneros utilizados na fala, realizados em espaços

públicos e não aprendidos no cotidiano. Por isso, pensamos que a temática aqui

pesquisada possui caráter social e histórico para a educação indígena, e o conjunto

da educação nacional, pois a linguagem oral tem ocupado um lugar central em

debates em nível nacional.

Com efeito, nas orientações curriculares nacionais, tais como os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs), o Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil (RCNE/Infantil12) e o Referencial Curricular Nacional para as Escolas

Indígenas (RCNE/ Indígena 13), é possível encontrar referências explícitas ao

trabalho em sala de aula com a linguagem oral, mas queremos discutir se a

12 Esse documento compreende três volumes. O volume I aborda reflexão sobre as concepções de criança, de educação, de instituição e do profissional, as quais fundamentam os objetivos gerais da Educação Infantil. O volume II discute Formação Pessoal e Social. O volume III apresenta reflexões acerca da construção de diferentes linguagens pelas crianças e as relações que estabelecem com os objetos de conhecimento como: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. 13 Esse documento é composto de duas partes: na primeira, apresentam-se os fundamentos gerais da educação indígena e um breve histórico; na segunda, as orientações pedagógicas para cada componente curricular (Línguas, Matemática, História, Geografia, Ciências, Artes e Educação Física).

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linguagem oral apresenta o caráter de objeto de ensino. O documento contém

referências sobre diferentes formas de se abordar a linguagem oral. No entanto, no

que diz respeito ao RCNEI/Infantil, identificamos uma ambigüidade flagrante com

respeito ao status da linguagem oral: de um lado, há a idéia segundo a qual, em

algumas práticas, a aprendizagem da linguagem oral se dá de forma natural por isso

o seu ensino não requer “[...] ações educativas planejadas com a intenção de

favorecer essa aprendizagem” (Brasil, 1998, p. 119); de outro lado, incentiva uma

intervenção direta do adulto “para ensinar às crianças pequenas listas de palavras,

cuja aprendizagem se dá de forma cumulativa” (Brasil, 1998, p. 119).

Na pesquisa, então, trazemos ao debate acadêmico que as atividades de linguagem

oral podem ser efetivamente planejadas a fim de criar as condições para que o

aluno se aproprie de características peculiares dos diferentes gêneros orais,

utilizando-os em diversas situações de produção. Em especial, interessa-nos

valorizar a linguagem oral, por meio de uma prática reflexiva.

Outra faceta da ambigüidade do Referencial Curricular Infantil, com respeito ao

status da linguagem oral na educação infantil, é evidente, quando pontua que, em

muitas instituições, o trabalho com a linguagem oral se restringe a atividades como a

“roda de conversa” que seria marcada por um monólogo do professor em face do

aluno (MEC/SEF, 1998, p. 119). É possível que, nesse aspecto, o Referencial

Curricular tenha razão, e isso será objeto de nossa atenção no momento em que

relatarmos os resultados de um estudo exploratório que realizamos como parte de

nossa pesquisa. No que concerne ao Referencial Curricular Nacional para a

Educação Indígena (RCNE-Indígena) no item reservado ao ensino de Línguas, são

apresentadas “[...] sugestões para o ensino aprendizagem da linguagem oral,

linguagem escrita e de práticas de análise lingüística” (MEC, 1998 p. 131).

Pelas orientações oferecidas por esse documento, no que se refere ao

desenvolvimento da linguagem oral, “[...] o professor deve reservar um tempo em

sua sala de aula” para atividades onde a criança possa desenvolver a oralidade ao

contar e comentar fatos; conversar e trocar idéias e opiniões sobre assuntos

diversos; conversar sobre idéias polêmicas; descrever processos de construção de

algum objeto; fazer dramatizações.

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Outra atividade também considerada uma forma eficaz para desenvolver a

linguagem oral é a leitura de pequenos textos com conteúdos e vocabulário

apropriado à idade do aluno, sob o argumento de que, nessas situações, os alunos

aprendem novas palavras e expressões. Vê-se aí uma valorização de práticas

verbais, sem sentido explícito dos gêneros orais, e a idéia de desenvolvimento da

linguagem oral na criança provocado por aumento do vocabulário.

Tendo em vista os diferentes elementos apresentados, esta investigação, ao inserir-

se no ambiente da educação infantil indígena e trazendo a discussão sobre as

questões que envolvem a apropriação da linguagem oral, torna-se muito mais

provocadora. Isso porque a aquisição da linguagem oral pelas crianças, indígenas

ou não, começa por uma aprendizagem incidental. Pelas interações com seus pais

e/ou aqueles que dela cuidam, a criança vai desenvolvendo diferentes dimensões da

linguagem oral. No entanto, ao considerarmos a escola um espaço institucional de

circulação de saber sistematizado, torna-se também necessário questionar: qual o

lugar da linguagem oral na educação infantil? Esse questionamento constitui,

precisamente, o nosso problema central de investigação tendo como foco

privilegiado a educação escolar indígena. Em consonância, encaminhamos a análise

investigativa a partir de quatro questões:

a) Que atividades de linguagem oral são freqüentemente realizadas nas salas de

educação infantil indígena?

b) É possível abordar o oral como objeto de ensino em classes de educação

infantil?

c) A partir da realização de oficinas pedagógicas centradas em gêneros orais como

objeto de ensino, qual poderá ser o impacto delas nas produções orais das

crianças de quatro, cinco e seis anos?

d) Como o ensino aprendizagem da oralidade na educação infantil pode contribuir

para o resgate e preservação da cultura Tupinikim?

Para operacionalizar as questões apresentadas, definimos nossas metas da

seguinte maneira:

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a) estudar as práticas de linguagem oral na educação infantil indígena;

b) elaborar com os educadores indígenas oficinas pedagógicas centradas em

práticas de linguagem oral;

c) analisar o impacto das oficinas de aprendizagem nas produções orais das

crianças.

Além das necessidades dos próprios educadores indígenas, uma investigação como

esta pode ser justificada de diferentes maneiras. Por um lado, a nossa experiência

como professora de classes de educação infantil em escola da Rede Municipal de

Educação de Aracruz, mostrou-nos que, ao entrar no contexto escolar, por volta dos

três ou quatro anos, a criança já possui um domínio relativo do oral que lhe permite

comunicar desejos ou alegria em momentos em que conversa com seus pares, ao

contar algum fato ocorrido, ao conversar com membros da família, ou mesmo ao

persuadir os pais quanto a algo que deseja, entre outras situações cotidianas. Esse

domínio da linguagem demonstra que o desenvolvimento da fala é, antes de tudo, o

desenvolvimento de sua experiência cultural que se dá prioritariamente por meio da

conversação (como a contação de histórias, por exemplo) que foi aprendida no dia-

a-dia com as pessoas com as quais a criança convive e com as quais compartilha

referências culturais.

Por outro lado, faltam estudos relativos à linguagem oral na educação infantil, pois,

na proposta de que essa modalidade de ensino é também espaço para educar as

crianças pequenas, muitos estudos estão voltados para as questões relativas à

socialização das crianças, à organização das instituições, ao desenvolvimento

cognitivo (leitura, escrita, arte) ou, mais recentemente, à formação do professor de

educação infantil. A título de exemplo, podemos nos reportar às dissertações

defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE / UFES), no

período de 1981 a 2002. Em 20 anos de programa e num total de 209 dissertações

defendidas, oito, ou seja, apenas 3,8%, referiam-se aos sujeitos da educação

infantil. Vale ressaltar ainda que nenhuma delas abordava a educação infantil

indígena e nem as práticas ensino da linguagem oral.

Outra razão considera que o processo de investigação poderá trazer substanciais

reflexões para a educação infantil em geral e para a educação infantil indígena em

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particular, de modo a procurar compatibilizar as aspirações de um ensino específico

e diferenciado, intercultural e de qualidade com uma proposta que promova o

desenvolvimento de novas capacidades nos alunos, permitindo-lhes aprender a

língua na perspectiva de aprender a se comunicar em situações diversas.

Por fim, as experiências de educação infantil, em aldeias indígenas aracruzenses,

sendo relativamente novas, suscitam o desenvolvimento de um maior número de

investigações, o que trará maior fundamentação teórica, possibilitando, assim,

relacionar o fazer pedagógico com uma ação política que vise à melhoria da vida

social e da escola real.

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2 - LINGUAGEM E EDUCAÇÃO: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Este trabalho fundamentou-se em pressupostos vigotskianos, no que se refere à

concepção de ensino-aprendizagem, e bakhtinianos, no que concerne à concepção

de linguagem, por entendermos o processo de ensino-aprendizagem como de

natureza social em que a linguagem (seja oral, seja escrita) é elemento essencial na

constituição dos sujeitos e na compreensão do mundo. Apresentaremos,

inicialmente, alguns conceitos propostos por Vigotski, no que se refere à concepção

de aprendizagem e de desenvolvimento. Em seguida, discutiremos acerca de

algumas contribuições de Bakhtin (2001, 2004), Desse autor tomaremos de

empréstimo as reflexões sobre gêneros primários e gêneros secundários,

enunciação, compreensão responsiva e acento apreciativo. Logo após,

apresentaremos alguns elementos teóricos acerca da conversação, como um

gênero que privilegiaremos em nosso trabalho empírico.

2.1 - A CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO E DE APRENDIZAGEM A PARTIR

DO REFERENCIAL HISTÓRICO-CULTURAL

Ao trazermos as contribuições de Vigotski ao nosso debate, constatamos que, em

seus estudos, o autor verificou que a criança, desde o nascimento, vivencia

intercâmbios de comunicação nos momentos em que interage com aqueles que

dela cuida. Um bebê que ainda não sabe articular palavras ou nem é capaz de

compreender claramente os seus significados, consegue expressar suas

necessidades fisiológicas, os seus estados emocionais por meio de gestos, sons,

expressões, demonstrando, que é a necessidade de contato social que impulsiona o

desenvolvimento da linguagem. A linguagem funciona como uma ponte de ligação

entre a criança e o outro desempenhando papel fundante na constituição das

pessoas.

No percurso do desenvolvimento infantil, as palavras não são inventadas, são

produtos de relações socioculturais históricas produzidas pelas crianças de maneira

significada. Ou seja, têm elas poder de regular e conferir um caráter mediador às

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relações entre as demais pessoas e adquirem significado figurado à medida que se

relacionam com uma imagem ou operacionalização “[...] en el lenguaje infantil los

signos no aparecen como inventados por los niños: los reciben de la gente que les

rodea y tan solo después toman conciencia o descubren las funciones de tales

signos”. (Vigotski, 1995, p. 179).

Para o autor, ao longo do desenvolvimento infantil, quando a criança toma

consciência de um determinado saber, significa que ela é capaz de transferi-lo do

plano da ação para o plano da linguagem. Ou seja, “[...] a tomada de consciência e

a apreensão ocupam o primeiro plano no desenvolvimento [...]” (Vigotski, 2001, p.

325) de modo que a criança tenha condições de falar sobre o conhecimento do qual

se apropriou. Assim, segundo a observação de Vigotski, a escola deveria levar o

indivíduo a se apropriar dos conhecimentos que são construídos historicamente.

Dessa forma, o autor traz a discussão sobre a necessidade de distinção entre os

conceitos científicos e os conceitos cotidianos.

No fundo, o problema dos conceitos não-espontâneos e, particularmente, dos conceitos científicos é uma questão de ensino e de desenvolvimento, uma vez que os conceitos espontâneos tornam possível o próprio fato do surgimento desses conceitos a partir da aprendizagem, que é a fonte do seu desenvolvimento (Vigotski, 2001, p. 296).

Os conceitos cotidianos são entendidos como as formas de pensamento do

indivíduo que estão diretamente ligadas às experiências que ele tem com o mundo.

Já por conceitos científicos, o autor entende como sendo aquelas noções que

surgem e se constituem no processo de ensino-aprendizagem escolar. Para o autor,

os conceitos científicos não substituem os espontâneos. Eles se integram e

exercem influências mútuas.

Na idade escolar, o desenvolvimento de conceitos científicos é primordial e deve ser

mediado pelo professor de maneira que as crianças possam articular

conhecimentos novos, imprimindo configurações diferentes às suas representações

primeiras acerca dos fenômenos naturais e sociais. O autor traz também a

discussão proposta por autores que tentam compreender o desenvolvimento dos

conceitos científicos, ancorados em respostas elaboradas pela psicologia infantil. A

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primeira interlocução sustenta que os conceitos científicos não têm história interna,

são absorvidos por assimilação, negando a necessidade de intervenção e

entendendo que a aprendizagem é uma sucessão de memorizações. Discordando

dessa concepção, Vigotski (2001, p. 246) pontua que a assimilação de um conceito

não é imediata, ela passa por um processo de desenvolvimento.

Do ponto de vista psicológico dificilmente poderia haver dúvida quanto a total inconsistência da concepção segundo a qual os conceitos são apreendidos pela criança em forma pronta no processo de aprendizagem escolar e assimilados da mesma maneira como se assimila uma habilidade intelectual qualquer.

No ínterim de nossa investigação, a reflexão sobre esses questionamentos traz em

seu bojo a discussão de que, na educação infantil, o ensino tem que ser dinamizado

com propósitos claros, objetivos bem definidos, relações interativas constantemente

negociadas, ressignificadas entre os pares. É evidente que isso supõe a negação de

propostas que encaram a educação infantil como uma etapa da educação escolar

marcada pelo fortuito.

A segunda interlocução sustenta que a delimitação entre desenvolvimento de

conceitos espontâneos e o desenvolvimento de conceitos científicos é inconsistente,

já que o processo de desenvolvimento de conceitos científicos repetiria o mesmo

curso do desenvolvimento de conceitos espontâneos. Segundo Vigotski (2001),

pesquisadores, importantes, como Piaget, preocuparam-se em estabelecer uma

dicotomia entre os conceitos científicos e os conceitos espontâneos e incorreram

em idéias equivocadas. O primeiro equívoco foi considerar que apenas os conceitos

espontâneos são assimilados pela criança que os reelabora e, nesse processo de

reelaboração, imprime algumas peculiaridades de seu próprio pensamento. O

segundo foi excluir totalmente a possibilidade de influência entre os dois conceitos,

considerando apenas uma ruptura entre ambos e não um vínculo. O terceiro

concentra-se justamente na contradição interior surgida a partir da aceitação dos

dois equívocos citados. Segundo Vigotski (2001), para Piaget, o desenvolvimento se

configura como um processo de trocas constantes de umas formas por outras, ou

seja, o desenvolvimento seria um processo de deslocamento onde o novo surge de

fora, numa interação social, em constante troca de saberes.

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A partir dessas questões, Vigotski alerta-nos para a terceira interlocução que aponta

sobre o também equivocado entendimento referente à relação entre a

aprendizagem e desenvolvimento, pontuando assim três teorias as quais ele refuta.

A primeira teoria é de que desenvolvimento e aprendizagem são processos

independentes entre si em que “[...] o desenvolvimento da criança é visto como um

processo de maturação sujeito às leis naturais, enquanto a aprendizagem é vista

como aproveitamento meramente exterior das oportunidades criadas pelo processo

de desenvolvimento [...]” (Vigotski, 2001, p.296). Vigotski refuta essa idéia, uma vez

que, para ele, o desenvolvimento não se sobrepõe à aprendizagem, mas ambos se

intercalam; não coincidem imediatamente, mas estão em complexas inter-relações:

[...] essa dependência não é principal, mas subordinada, e a tentativa de apresentá-la como principal e mais ainda como integral leva a vários mal-entendidos e equívocos. É como se a aprendizagem colhesse os frutos do amadurecimento da criança, mas em si mesma a aprendizagem continua indiferente ao desenvolvimento (Vigotski, 2001, p. 299).

A segunda teoria é contrária à primeira, ou seja, postula o processo de

aprendizagem e de desenvolvimento como dois processos absolutamente idênticos

em que não há distinção entre ambos, um e outro sendo sinônimos e a “[...]

aprendizagem é sinônimo de desenvolvimento. A criança se desenvolve na medida

em que aprende [...] desenvolvimento é aprendizagem, aprendizagem é

desenvolvimento” (Vigotski, 2001, p. 300).

A terceira teoria coloca-se em uma posição intermediária entre as duas anteriores já

citadas. Considera como postulado a existência de interdependência entre

aprendizagem e desenvolvimento, mas não toma como dado de investigação os

porquês dessa interdependência. Para Vigotski (2001, p. 302), esse posicionamento

não resolve a questão do entendimento sobre aprendizagem e desenvolvimento,

apenas confunde mais a questão: “[...] ela parte de uma concepção radicalmente

dualista do próprio desenvolvimento. Este não é um processo indiviso:

desenvolvimento como maturação é que é desenvolvimento como aprendizagem”.

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Essas concepções de ensino e aprendizagem, criticadas por Vigotski nos anos 30,

podem ser encontrados ainda hoje na educação infantil. Há aqueles que concebem

o ensino-aprendizagem como algo que acontece de forma espontânea; os que

sustentam que o ensino não tem nenhuma repercussão sobre o desenvolvimento;

ou ainda aqueles que não tomam como dado de investigação os porquês de

interdependência entre aprendizagem e desenvolvimento. Assim como Vigotski

colocava a necessidade de repensar esses conceitos, consideramos que suas

contribuições poderiam nos ajudar a olhar os processos de ensino-aprendizagem

com maior e melhor qualidade para a educação infantil. A busca pelo referencial

vigotskiano contribui para o entendimento de que é a aprendizagem um fator

principal e determinante do desenvolvimento intelectual da criança. Ou seja, com

base na relação de intercâmbio entre aprendizagem e desenvolvimento, e não de

unidade entre esses dois processos, concordamos com Vigotski que “[...] a

aprendizagem só é boa quando está à frente do desenvolvimento” (Vigotski, 2001,

p. 334).

2.2 - CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE LINGUAGEM

Ao discorrermos sobre alguns apontamentos referentes à concepção bakhtiniana de

linguagem, pensamos que convém, inicialmente, retomar, mesmo rapidamente, as

considerações apresentadas pelo autor acerca de duas grandes orientações

filosófico-lingüísticas para o ensino da língua materna que ele veemente criticou.

Bakhtin, com base nas contribuições e nas fragilidades presentes nas correntes

filosóficas advindas do Romantismo e do Racionalismo em discussões travadas na

Rússia, no período de 1919 a 1929, por um grupo de intelectuais de diferentes

áreas – conhecido como Círculo de Bakhtin – dialogou com essas diferentes

proposições científicas e, em seus escritos, apresentou evidentes dualismos entre

as principais orientações filosófico-linguísticas de sua época.

Na filosofia da linguagem e nas divisões metodológicas correspondentes da lingüística geral, encontramo-nos em presença de duas orientações principais no que concerne à resolução de nosso problema, que consiste em isolar e identificar a linguagem como objeto de estudo específico. Isso acarreta, por suposto, uma distinção radical entre estas duas orientações para todas as demais questões que se colocam em lingüística.

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Chamaremos a primeira orientação de ‘subjetivismo idealista’ e a segunda de ‘objetivismo abstrato’ (Bakhtin, 2004, p. 72, grifos do autor).

As críticas de Bakhtin à primeira orientação, o subjetivismo idealista, deu-se pelo

fato de ela ter, como foco principal de atenção, o centramento nas questões

referentes ao individual, tratando a fala como se fosse uma construção única de

cada indivíduo e desconsiderando o caráter dialógico da linguagem. Além disso, nas

orientações aos estudos 14 da linguagem, essa abordagem propunha a análise da

língua como algo morto, semelhante às inscrições nos túmulos, por exemplo.

Bakhtin (2004) então questiona que até mesmo nas inscrições tumulares há uma

espécie de interação, não sendo também elas monológicas, pois há que se

considerar todo um contexto histórico que elas possuem. Segundo o autor, o

objetivo principal dessa primeira orientação consistia em esclarecer o fenômeno

lingüístico, reduzindo-o a um ato significativo de criação individual, limitando-se a

preparar a explicação exaustiva do fato lingüístico de maneira que essas

orientações viessem a atender às finalidades práticas de aquisição de uma língua

falada com um caráter preliminar, construtivo e classificatório (Bakhtin, 2004).

De acordo com o autor, os pressupostos que orientam a concepção de linguagem

em uma tendência do subjetivismo idealista centram-se no princípio de ser a fala um

ato criativo individual, considerando o psiquismo individual, a fonte da língua. Na

obra Marxismo e Filosofia da Linguagem15 (2004), o autor apresenta as quatro

proposições que fundamentam o subjetivismo idealista que aqui consideramos

válidas de serem enunciadas.

1. A língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construção (‘energia’), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala. 2. As leis de criação lingüística são essencialmente as leis da psicologia individual. 3. A criação lingüística é uma criação significativa, análoga à criação artística. 4. A língua, enquanto produto acabado [...], enquanto sistema estável (léxico, gramática e fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava fria da criação lingüística, abstratamente construída pelos

14 Bakhtin aponta como grandes expoentes dessa orientação de estudos autores como Humboldt, Wundt, Vossler e Croce (Cf. Bakhtin, 2004 p. 73-77). 15 Neste trabalho tomamos a décima primeira edição dessa obra de Bakhtin que foi publicada pela primeira vez, em 1929, sob o título Maksizm i filossófia iaziká.

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lingüistas com vistas à sua aquisição prática, como instrumento pronto para ser usado (Bakhtin, 2004, p. 72-73).

Na segunda orientação, não importa o indivíduo produtor de texto, mas o sistema

que já está acabado, situando como centro organizador dos fatos da língua, o

sistema lingüístico, ou seja, “[...] o sistema das formas fonéticas, gramaticais e

lexicais da língua [...]” (Bakhtin, 2004, p. 77, grifo do autor) e, desse modo,

atribuindo à linguagem uma característica de neutralidade. O princípio primeiro

dessa orientação é que o indivíduo tem a faculdade da linguagem precisando

apenas aprender a língua para aprender as suas normas. Dessa forma, tudo que sai

da norma é desvio. Assim, Bakhtin pontua que o objetivismo abstrato poderia fazer

uma analogia a uma fórmula matemática, observando que, quando um desvio se

altera, cria-se outro sistema que tem relação com outro, não se preocupando com

as relações, com o processo histórico. Ratificando ser o sistema de formas

normativas o que se torna a substância da língua, o autor apresenta as quatro

proposições que fundamentam o objetivismo abstrato.

1. A língua é um sistema de estável, imutável, de formas lingüísticas submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e peremptória para esta. 2. As leis da língua são essencialmente leis lingüísticas, que estabelecem ligações entre os signos lingüísticos no interior de um sistema fechado. Estas leis são objetivas relativamente a toda consciência subjetiva. 3. As ligações lingüísticas específicas nada têm a ver com valores ideológicos [...] Entre a palavra e seu sentido não existe vínculo natural e compreensível para a consciência, sem vínculo artístico. 4. Os atos individuais da fala constituem, do ponto de vista da língua; simples refrações ou variações fortuitas ou mesmo deformações das formas normativas. [...] Entre o sistema da língua e sua história não existe nem vínculo nem afinidade de motivos. Eles são estranhos entre si (Bakhtin, 2004. p. 82-83).

Diante de tais orientações, Bakhtin apresenta a língua como algo contínuo, dinâmico

em constante movimentação, desenvolvendo-se sempre na vida social, nas

interações verbais entre os sujeitos. Assim, ele aponta que o fenômeno social da

interação verbal constitui a realidade fundamental da linguagem em que se

materializam as enunciações. Esse processo de materialização da linguagem ocorre

por meio da palavra, o recurso semiótico que possibilita a expressão. É, pois, a

construção humana que torna possível e estreita essas relações nos diferentes

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grupos e atividades sociais que se instituem num contexto sócio-histórico-cultural,

realizando-se por meio dos gêneros do discurso, que são formas relativamente

estáveis e subordinadas às situações comunicativas.

No processo de aprendizagem e de desenvolvimento, a linguagem adquire lugar de

destaque. Ela torna possível e estreita a relação dos seres humanos nos mais

diversos campos de atividade. Campos esses que são diversos, múltiplos e que se

materializam em gêneros do discurso possibilitando o intercâmbio verbal. À medida

que interagem com seus congêneres, os seres humanos aprendem a moldar sua

fala em forma de gêneros subordinados às situações de comunicação.

Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo [...] Esses gêneros do discurso nos são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua materna...[...]” (Bakhtin, 2003, p.282, grifos do autor)

Esses gêneros são produções socialmente elaboradas, que resultam de

experiências humanas, que mediatizam, alargam e transformam outras atividades

humanas. Introduzem-se na experiência e consciência humana sob a forma de

enunciados variados, determinados principalmente pela situação de produção. As

situações seriam, pois, a realização concreta das interações sociais advindas das

construções humanas organizadas e apropriadas pelos interlocutores no bojo das

interações.

A diversidade desses gêneros é determinada pelo fato de que eles são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da comunicação: há formas elevadas, rigorosamente oficiais e respeitosas desses gêneros, paralelamente a formas familiares, e, além disso, de diversos graus de familiaridade, e formas íntimas (Bakhtin, 2003, p. 283).

Entre as interações, a linguagem tem, então, papel fundamental, assumindo caráter

dialógico e dinâmico a cada enunciação. No instante de enunciações únicas, o

contexto interativo sempre requer o posicionamento do outro, as suas

contrapalavras, ou seja, só se realiza no processo de compreensão ativa e

responsiva. Na situação de comunicação, a língua se torna viva, pois concretiza-se

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por meio de enunciados dos falantes ao demonstrarem uma compreensão

responsiva nos momentos de diálogo, e neste, o ouvinte se torna falante e vice-

versa e a compreensão passiva é apenas um momento abstrato.

O próprio falante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente responsiva: ele não espera uma compreensão passiva, por assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução, etc (Bakhtin, 2003, p. 272).

O autor postula também a existência de duas categorias de gênero: primários e

secundários. Os gêneros primários (diálogo cotidiano, cartas trocadas entre

familiares, conversas informais etc) são constituídos e sustentados em condição

comunicativa enunciativa imediata, ligados a situações mais privadas de uso da

linguagem, como no caso da conversa informal. Os gêneros secundários

(romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie) surgem em contextos

mais desenvolvidos e organizados, em situações de comunicação que exigiriam um

nível maior de formalização da linguagem. A diferença entre essas duas categorias

discursivas é grande e se explicita por meio da condição/situação de produção em

que a comunicação verbal será compreendida, “[...] a comunicação verbal entrelaça-

se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles sobre o

terreno comum da situação de produção” (Bakhtin, 2004, p. 124).

Assim, a matéria lingüística adquire significação em um processo ativo e responsivo,

isto é, intersubjetivo, denotando que a palavra usada na fala real não possui apenas

tema e significação no plano objetivo; ela também tem um enorme valor no sentido

do conteúdo que lhe confere acento de valor, um acento apreciativo.

Em que consiste, pois, esse acento apreciativo e qual a sua relação com a face

objetiva da significação? Ao evidenciar o acento apreciativo, Bakhtin (2004) destaca

a entoação expressiva como um componente óbvio e superficial da apreciação

social contida na palavra. O acento apreciativo é transmitido por meio da entoação

expressiva que diz respeito à relação individual do locutor ao objeto do discurso.

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Analisando um texto de Dostoievski, retirado de No Diário de um Escritor, 16 Bakhtin

nos mostra como a entoação diferente, dada por seis falantes a um mesmo

enunciado, torna diferente seu tema. Isso se dá porque a conversa é conduzida por

meio de entoações que expressam as apreciações de cada interlocutor, imprimindo

em cada entoação uma realização particular, expressiva e profunda. Assim vemos

que a palavra proferida é a mesma, no entanto as seis “falas” são diferentes e

marcadamente pontuadas pelas entoações inteiramente determinadas pela situação

social imediata, em cujo quadro se desenvolve a conversa, ou seja, vozes de todos

aqueles que dela utilizam ou a têm utilizado historicamente.

[...] Quase todas as pessoas têm as suas interjeições e locuções favoritas: pode-se utilizar corretamente uma palavra de carga semântica muito grande para resolver de forma puramente entoativa situações ou crises da vida cotidiana, sejam elas menores ou graves [...] (Bakhtin, 2004, p. 134).

Formulações como a acima apresentada dá-nos a refletir que o acento apreciativo é

constitutivo da enunciação e com isso demonstra que os sujeitos semantizam a

língua no evento enunciativo.

[...] uma propriedade de cada enunciação [...] realiza-se completa e exclusivamente através da entoação expressiva, sem ajuda da significação das palavras ou da articulação gramatical [...]. Toda enunciação compreende, antes de mais nada uma orientação apreciativa. (Bakhtin, 2004, p.134-135, grifos do autor).

Outro exemplo que melhor nos ajuda a compreender as questões relacionadas com

o acento apreciativo encontramos em Cereja (2005), quando examina o uso da

palavra companheiro em situações concretas e diferentes proferidas em produções

discursivas de Luiz Inácio Lula da Silva no contexto das eleições que o levaram à

Presidência do Brasil em 2000. Cereja (2005) parte do ponto de vista dialético e

dialógico de Bakhtin de que a palavra não é unidade neutra, uma forma abstrata,

mas que é, sim, “interindividual” e com características marcantes de reunir em si as

diversas vozes de todos aqueles que a utilizam.

16 Texto de Dostoievski e análise, contidos no livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (Bakhtin, 1999, p.133-134).

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A palavra (em geral qualquer signo) é interindividual. Tudo o que é dito, o que é expresso se encontra fora da ‘alma’ do falante, não pertence apenas a ele. A palavra não pode ser entregue apenas ao falante. O autor (falante) tem os seus direitos inalienáveis sobre a palavra, mas o ouvinte também tem os seus direitos: têm também os seus direitos aqueles cujas vozes estão na palavra de antemão pelo autor (porque não há palavra sem dono) [...] (Bakhtin, 2003, p. 327-328).

A partir do referencial bakhtiniano acima exposto, Cereja tece uma análise fina e

descortina as diferentes formas com que, ao longo das últimas quatro décadas, a

palavra companheiro passou a ser utilizada com freqüência em discursos de

natureza político-ideológica. As mutações de sentido ocorridas na palavra analisada,

quando em contextos de produções diferentes, compreendem, pois, “[...] uma

reavaliação: o deslocamento de uma palavra determinada de um contexto

apreciativo para outro [...]” (Bakhtin, 1999, p. 135). Assim, a palavra companheiro,

que antes cunhava explicitamente o sentido histórico e ideológico da militância

política, agora adquire outras nuancem. Tem caráter de esposa e também de

companheira que acompanha e ampara o político; é também a figura daquele que

simpatiza com a causa popular; bem como estende o sentido de companheiro a toda

a multidão sem nenhuma objeção, revelando um desejo de agregar a todos, de salvar a

todos. Assim vemos que o acento apreciativo é transmitido por meio de entoação

expressiva.

Além disso, é à apreciação que se deve o papel criativo nas mudanças de significação. A mudança de significação é sempre, no final das contas, uma reavaliação: o deslocamento de uma palavra determinada de um contexto apreciativo para outro (Bakhtin, 2004, p. 135).

Bakhtin mostra-nos a heterogeneidade, ou seja, os múltiplos sentidos da palavra em

virtude da multiplicidade de enunciações. Isso explicita a “dialogicidade” da

linguagem. É nessa perspectiva que Bakhtin aborda a questão do acento apreciativo,

pois, como o autor apontou, a língua é viva e constitui-se nas interações sociais.

Desse modo, os valores colocados pela apreciação individual e social, principalmente,

por meio da entoação expressiva, provocam mudanças e evoluções lingüísticas

significativas, afetando o tema e a significação. E a situação extraverbal interfere,

significativamente, na produção dos sentidos. Percebemos, enfim, que esses

conceitos, de certa forma, se entrelaçam e um acaba por clarificar ou evidenciar o

outro. Bakhtin, ao trazer para o campo da linguagem as questões socioidelógicas,

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oferece a possibilidade para pensar o texto do aluno (seja ele oral, seja escrito)

como um produto histórico porque se recoloca como processo a cada interação.

Nesse percurso caberia a nós definir uma perspectiva que delineie as

especificidades acerca da linguagem oral que trazemos. O que será discutido no

tópico que vem a seguir.

2.3 - A LINGUAGEM ORAL COMO OBJETO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM

Para uma melhor estruturação e tessitura de nossa organização textual,

buscaremos nesta etapa do trabalho, construir uma linha de argumentação que,

num crescente, mas, sem a camisa-de-força da hierarquia, apresente alguns

aspectos referentes à linguagem oral de sua constituição física à sua realização

como objeto sócio-histórico na perspectiva do dialogismo.

Ao longo de sua história, a humanidade tem, inerente à sua condição fundante de

humano, a necessidade de se comunicar entre os pares. Essa comunicação,

realizando-se de diferentes formas (gestos, sinais, sons, signos), tem no caráter

oral, na fala, sua máxima e específica qualidade de apenas se efetuar entre as

pessoas. Na realização da fala humana, um conjunto de órgãos como o aparelho

respiratório, a laringe, as cavidades de ressonância e os articuladores se interligam

para fazerem soar a voz. O ar inspirado pela cavidade bucal e nasal passa pelas

cordas vocais, enchendo os pulmões. Na expiração ocorre a fonação, ou seja, a

produção do som, uma vez que as cordas vocais vibram no contato com o ar como

uma verdadeira caixa de violão. Porém a produção de voz não requer apenas o

vibrar das cordas vocais, mas também uma organizada sintonia anatômica entre os

órgãos do aparelho fonador e a intenção daquele que a irá produzir.

A oralidade não se esgota na perspectiva da realização física da voz. Por isso, para

melhor reflexão de sua materialização, tornam-se importantes algumas observações

acerca do contexto social de produção. Dias (2003), partindo de um trabalho que

investigava as razões que levam o aluno participante de dois contextos de ensino-

aprendizagem de língua estrangeira a não conseguir comunicar-se oralmente em

sala de aula, constata que, apesar da tentativa prática da professora de desenvolver

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atividades interativas, as concepções teóricas de ensino-aprendizagem que ela

tinha demonstravam que a crença e a cultura de aprender e ensinar línguas se

revelam como fatores intervenientes, capazes de afetar a receptividade do aprendiz

à abordagem de ensino do professor e de revelar discrepâncias entre as

expectativas do aluno e as do professor. Assim, os dados desta pesquisa

contribuem para ratificar que o horizonte social definido e estabelecido determina a

criação ideológica do grupo social e, também, determina o horizonte da época a que

pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da

nossa moral, do nosso direito (Bakhtin, 2004, p. 112).

Desse modo, pensamos que tanto o horizonte social definido, quanto a observação

da palavra com aspecto interindividual são elementos a serem efetivamente

considerados na produção oral da fala. Eles têm indicativos que se apresentam

fundamentais no processo de desenvolvimento de interações entre os pares. Diante

do exposto, o questionamento que se pronuncia é: o que vem a ser linguagem oral?

Pelo referencial bakhtiniano que adotamos, linguagem tem a ver com a relação

interativa que se firma entre as partes, como meio de promover trocas discursivas

sedimentadas em parâmetros que têm na palavra um fenômeno ideológico por

excelência e no horizonte social seu espaço de realização concreta.

O mecanismo desse processo não se situa na alma individual, mas na sociedade, que escolhe e gramaticaliza – isto é, associa às estruturas gramaticais da língua – apenas os elementos da apreensão ativa, apreciativa, da enunciação de outrem que são socialmente pertinentes e constantes e que, por conseqüência, têm seu fundamento na existência econômica de uma comunidade lingüística dada (Bakhtin, 2004, p. 146).

A oralidade é, pois, uma prática social interativa que é apresentada sobre diferentes

gêneros. Ou seja, é um momento que cotidianamente permeia os horizontes de

comunicação do processo de constituição das relações sociais dos indivíduos. Em

sua realização, como nos apresenta Schneuwly (2004), é como lugar privilegiado da

espontaneidade e da liberação, onde o verdadeiro oral poderia ser aquele entendido

como o que o aluno exprime espontaneamente sem a presença da escrita ou,

então, seria mecanismo de comunicação entre professores e alunos em atividades

escolares diversas.

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Seguindo essa perspectiva e objetivando conhecer as concepções de um grupo dos

educadores franceses sobre o oral e seu ensino, Schneuwly (2004) analisa dados

de pesquisa 17 e sinaliza que as respostas dos pesquisados apontam uma visão de

língua como norma, para a dependência do oral em relação à norma escrita e

destacando ainda outras descobertas correlacionadas apresentadas por outros

autores.

O estudo de De Prietro e Wirthner (1996) é muito eloqüente a esse respeito: há uma unanimidade bastante grande dos atores a respeito de que a escola tem o papel de ensinar o oral, de que a escola deve preparar os alunos para dominar a comunicação oral (mais de 90%). Entretanto, aparece nesse mesmo estudo que o que os professores apontam como especificidade do oral é não ser ensinável e, inversamente, o que aparece como ensinável não é específico do oral ou depende fortemente do escrito. (Schneuwly, 2004, p. 132)

Dessa feita, tendo na escrita uma idealização perfeita da língua, o oral é entendido

como um todo homogêneo, tendo, com relação à escrita, duas possibilidades de

concepção. A primeira perspectiva funde o oral e a escrita na busca de uma língua

ideal e, nessa linha de pensamento, o bom oral seria aquele que reflete as

características da escrita respaldada em norma culta. A segunda abrange a

compreensão de um oral que seja fundamentalmente diferente da escrita em sua

forma e em sua função, ou seja, é o oral que se opõe terminantemente à escrita.

Assim sendo, Schneuwly aponta que não existe o oral, mas os orais que, por sua

vez, apresentam, com relação à escrita, possibilidades de aproximação ou

dependência que se expressam fundamentalmente nas práticas de linguagem

diferenciadas.

Não existe uma essência mítica do oral que permite fundar sua didática, mas práticas de linguagem muito diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo uso da palavra (falada), mas também por meio da escrita, e são essas práticas que podem se tornar objetos de um trabalho escolar (Schneuwly, 2004, p. 135).

17 Para a realização da pesquisa, foi apresentada aos professores-estudantes de Ciência da Educação a seguinte pergunta: “Você é professor(a) (ou imagina ser) . No programa está previsto o ensino do oral (expressão e compreensão). O que é oral para você? Responda em cerca de dez linhas”. Foram então recebidas 25 respostas que formaram em três grupos, a saber: oral como materialidade, oral como espontaneidade e trabalho sobre oral como norma. (Schneuwly, 2004, p. 130). Também em nossa pesquisa fizemos aos educadores indígenas esse questionamento. No capítulo 4, mostraremos os resultados da enquête.

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Na realização das diversas práticas de linguagem, há, pois, a realização de formas

mais ou menos estáveis que, segundo Schneuwly, são denominados gêneros que

dão continuidade, diversificam e especificam uma velha tradição escolar e retórica

que sinaliza para as duas diferentes formas de realização do oral (Schneuwly, 2004,

p. 135).

O oral ‘espontâneo’, geralmente pensado como fala improvisada em situação de interlocução conversacional, que, numa extremidade, constitui um ‘modelo’ relativamente idealizado, a respeito do qual, às vezes, à primeira vista, sublinha-se o aspecto aparentemente fragmentário e descontínuo que, com freqüência, esconde regularidades a serviço da comunicação. Situado na outra extremidade em relação a esse estilo oral espontâneo, temos a produções orais restringidas por uma origem escrita que identificamos ou descrevemos como a ‘escrita oralizada’. Esta é considerada uma vocalização, por um leitor, de um texto escrito. Trata-se, portanto, de toda palavra lida ou recitada. Entre essas duas práticas orais diametralmente opostas - com base nas quais obtemos os traços pertinentes, de maneira heurística, de acordo com as necessidades de análise -, encontram-se todos os orais, dos mais restritos e previsíveis, por sua origem escrita ou sua ritualização social, aos mais imprevisíveis, tanto do ponto de vista de sua estrutura como de seu conteúdo (Schneuwly, 2004, p. 157).

As práticas de linguagem são de natureza social e estão indissoluvelmente

associada às diversas condições de comunicação orais e escritas onde circulam

diferentes formas de realização da oralidade.

Também discorrendo sobre as práticas e sobre as questões que se referem à

oralidade e a escrita Marcuschi (2005) considera que, na contemporaneidade, no

tratamento das relações entre esses dois aspectos, já não se podem observar

apenas as semelhanças e diferenças entre fala e escrita, sem considerar a

distribuição de seus usos na vida cotidiana. Segundo o autor, se estamos tomando

a oralidade e a escrita como práticas sociais e culturais (Marcuschi, 2005), faz-se

importante esclarecer a natureza das práticas sociais que permeiam o uso da

língua, pois [...] essas práticas determinam o lugar, papel e o grau de relevância da

oralidade e das práticas de letramento,18 numa sociedade e justificam que a questão

18 Marcuschi (2005) utiliza os termos oralidade e letramento. Especificamente em nosso trabalho, utilizamos as terminologias linguagem oral e escrita, respectivamente, como sinônimos dos termos apresentados pelo autor.

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da relação entre ambos seja posta no eixo de um contínuo sócio-histórico de

práticas (Marcuschi, 2005, p. 18).

Na perspectiva de esclarecer a natureza das práticas sociais, o autor ainda se

propõe a discutir sobre algumas tendências que nortearam o entendimento sobre

como têm sido concebidas as relações entre fala e escrita. Para isso, apresenta

que, na análise entre as modalidades de fala e escrita, quatro tendências são

consideradas. A primeira apresenta uma visão dicotômica 19 entre as duas

modalidades, propondo uma análise que se volta para o código e permanece na

imanência do fato lingüístico. Essa visão de dicotomias tem caráter muito formal e é

difundida nos manuais escolares, tomando a língua como um sistema de regras e a

escrita como altamente superior, ou seja, como o lugar da norma e do bom uso da

língua e vê na realização da fala o lugar do erro e do caos gramatical.

A segunda 20 de caráter culturalista, observa a natureza das práticas da oralidade

versus escrita e faz análise, sobretudo de cunho cognitivo, antropológico ou social

desenvolvendo uma fenomenologia da escrita e seus efeitos na forma de

organização e produção do conhecimento (Marcuschi, 2005) o que, na análise de

Gnerre (1985, apud Marcuschi, 2005), potencializa a incidência de problemas na

relação fala e escrita, que podem ser resumidos basicamente em três pontos: “[...]

etnocentrismo, supervalorização e tratamento globalizante [...]” (Marcuschi, 2005, p.

30) uma vez que tenta tratar de forma homogênea a sociedade em relação ao

letramento.

A terceira 21, denominada por Marcuschi por variacionista, trata do papel da escrita e

da fala sob o ponto de vista dos processos educacionais, fazendo propostas em

relação a variação lingüística num parâmetro do que seja padrão e não-padrão no

19De um lado, Marcuschi apresenta autores como Bernstein (1971), Labov (1972) e Halliday (1985), Ochs (1979) como representantes de uma visão bem polarizada sobre fala e escrita. De um outro lado, vê os trabalhos de Chafe (1982, 1984, 1985), Tannen (1982, 1985), Gumperz (1982), Biber (1986, 1995), Blanche-Benveniste (1990), Halliday/Hasan (1989) como representantes de uma visão que percebe as relações entre fala e escrita dentro de um contínuo, seja tipológico, seja da realidade cognitiva e social. 20 Sobre essa tendência, o autor pontua representantes como Olson (1977), Scribner e Cole (1981), Ong (1986, [1982]) e Goddy ([1977], 1987) que demonstram em seus estudos a escrita como um avanço na capacidade cognitiva dos indivíduos. 21 Marcuschi aponta como representantes dessa tendência autores como Bortoni (1992,1995), Kleiman (1995) e Soares (1986). Está última autora, ainda que numa perspectiva um pouco diversa.

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ensino da língua e essa é observada com rigor metodológico. O autor sinaliza ser

simpatizante dessa tendência, mas também se posiciona dizendo que fala e escrita

não são precisamente dois dialetos. Segundo ele, elas são duas modalidades de

uso de uma mesma língua, de modo que deve caber ao aluno tornar-se fluente nos

dois modos de sua realização, em que a variação se daria tanto na fala como na

escrita, o que evitaria o equívoco de identificar a língua escrita como padronização

da língua (Marcuschi, 2005).

A quarta 22 tendência aborda as questões referentes ao que ele denominou de visão

sociointeracionista. Sob essa perspectiva de estudo, fala e escrita apresentam

dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento, negociação,

situacionalidade, coerência e dinamicidade (Marcuschi, 2005) de modo que as

possibilidades de tratamento das semelhanças e diferenças entre as duas

modalidades de língua se orientam numa linha discursiva e interpretativa. “A

perspectiva interacionista preocupa-se com os processos de produção de sentido

tomando-os sempre como situados em contextos sócio-historicamente marcados

por atividades de negociação ou por processos inferenciais” (Marcuschi, 2005, p.

34).

Pensamos que, dentre as tendências apresentadas por Marcuschi, esta última é a

que demonstra um caminho mais coerente em tratar as questões referentes ao

estudo da oralidade e da escrita por entender as relações entre o oral e o escrito,

não como algo óbvio e linear, mas sim como um constante dinamismo fundado num

continuum que se manifesta entre as duas modalidades em questão (Marcuschi,

2005, p. 34) e nunca de maneira dicotômica e polarizada.

Então retomamos os apontamentos de Schneuwly, ao tratar especificamente do

desenvolvimento e ensino da linguagem oral, porque, segundo esse autor, o papel

da escola seria “[...] levar os alunos das formas de produção orais auto-reguladas,

cotidianas e imediatas a outras mais definidas do exterior, mais formais e

mediadas”. Ou seja, sem exaltar privilégios da fala ou da escrita, mas

principalmente exaltando o caráter movente, dialógico da língua, como algo vivo,

22 No Brasil, os representantes seriam Pretti (1991, 1993), Koch (1992), Kleiman (1995), Urbano (2000) e o próprio Marcuschi (1986, 1992, 1995).

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olhando as abordagens discursivas na educação infantil de maneira que os espaços

já instituídos sejam locais em que se tenha uma abordagem do oral como objeto de

aprendizagem e de ensino reconhecido com o mesmo status que tem a produção

escrita. Por isso, na continuidade do nosso relatório, defendemos que, para o

desenvolvimento de um tratamento que norteie o processo de ensino-

aprendizagem, há que se estar atento ao desenvolvimento de capacidades de

linguagem. Assim, a seguir falaremos acerca da abordagem educativa que norteia o

ensino nas aldeias e das características das capacidades de linguagem.

2.4 - O ENSINO-APRENDIZAGEM NAS ALDEIAS E AS CAPACIDADES DE

LINGUAGEM

O ensino nas escolas das aldeias Tupinikim e Guarani do município de Aracruz/ES

é norteado por uma abordagem educativa denominada Pedagogia do Texto (PdT),23

cujo objetivo seria propor nas aldeias um ensino-aprendizagem que permitisse aos

participantes dos processos educativos a apropriação qualitativa de conhecimentos

necessários para compreender e transformar a realidade natural e sócio-histórica e

os princípios explicitados por Faundez (2006) que são:

a) La educación debería permitir la apropiación teórica y práctica de los conocimientos; b) Los conocimientos enseñados y aprendidos deberían estar ligados a las realidades sociales e históricas, por consiguiente, estar en adecuación con las necesidades de la sociedad; c) La apropiación de conocimientos debería permitir la solución de problemas vividos en la vida cotidiana y la apropiación de conocimientos nuevos; la misma debe, pues, tener un carácter pragmático; d) El aprendiz debería poder de manera bastante rápida llegar a una autonomía intelectual efectiva que le permitiera entrar en y desarrollar una dinámica de autoformación continua; e) En la enseñanza-aprendizaje no se debería perder jamás de vista la historicidad de los conocimientos. El aprendiz debe tomar conciencia de que los conocimientos son productos históricos y ellos deben ser comprendidos en sus procesos históricos;

23A abordagem educativa, Pedagogia do Texto (PdT) tenta levar em consideração a necessidade de autonomia das comunidades, os conhecimentos que elas detêm, a cultura que as constituem, a(s) língua(s) que falam, seus valores e experiências, assim como os conhecimentos que elas ainda não detêm, dos quais precisam se apropriar para (inter)agir no contexto intercultural em que estão inseridas, considerando, ainda, os conhecimentos mais avançados de disciplinas a aprender e a ensinar. Para aprofundamento e maiores esclarecimentos acerca dessa abordagem educativa ver: Mugrabi (1999), Faundez (1999), Mugrabi (2002), Faundez e Mugrabi (2006), Faundez (2006) e Mugrabi (2006), Sanchez (2006), Muñoz (2006).

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f) El proceso educativo debería ser un aprendizaje que permita al aprendiz convertirse en responsable de su propio aprendizaje pero también ser capaz de desarrollar el espíritu crítico sobre su aprendizaje y sobre el de otros aprendices. (Faundez, 2006, p. 220, grifos do autor).

Referendando-se, pois, nos princípios da PdT, o currículo desenvolvido nas aldeias

é específico, elaborado pelos educadores no início de cada ano letivo. Os saberes

escolares organizam-se nas chamadas “problemáticas”, que é uma maneira de

agrupar e abordar os conhecimentos essenciais das diversas disciplinas escolares.

A problemática pode ser compreendida como um conjunto de problemas relativos a

um assunto, ciência ou ainda a determinados aspectos da vida de determinados

grupos humanos. Como exemplo de problemáticas, já definidas e trabalhadas pelos

educadores da Educação Infantil à 6ª série, temos:

a) a história do povo Tupinikim e Guarani no contexto local, regional, nacional e

mundial;

b) a luta do povo Tupinikim e Guarani no contexto local, regional, nacional e

mundial;

c) a interação do povo Tupinikim e Guarani com o meio ambiente da aldeia;

d) a organização política e socioeconômica das aldeias no contexto local, regional,

nacional e mundial.

A estruturação do currículo das escolas indígenas em torno das problemáticas tem

como objetivo propor perguntas cujas respostas incidam na compreensão dos

aprendizes acerca da relação de seu povo com o mundo físico e social envolvente.

Essas perguntas norteiam a ação pedagógica e abrangem dimensões diversas da vida

social. Tudo isso buscando organizar os conteúdos de modo interdisciplinar,

intercultural e diferenciadamente.

A PdT, adota e privilegia o texto como unidade importante para o ensino-aprendizagem,

pois como aponta Faundez (2006), a utilização do texto permite ao educando dialogar e

atuar em diferentes esferas sociais.

[…] utilizando el texto como unidad empírica de enseñanza y aprendizaje, los participantes tienen la posibilidad de aprender una diversidad de la actividad humana. La utilización del texto desde el inicio del aprendizaje de

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la escritura debería permitir a los aprendices comprender el rol del lenguaje esencialmente le de comunicar con los otros y el de actuar en el mundo. (Faundez, 2006, p. 224).

Na proposta de trabalho que desenvolvemos com os educadores da educação

infantil, consideramos a Pdt e seus objetivos. Trabalhamos, ainda, na perspectiva de

que a prática reflexiva sobre a linguagem, é fundamental e, que os processos

educativos devem acontecer coletivamente num processo interativo. Ou seja,

entendendo a apropriação de conhecimentos sob uma perspectiva dialógica em que

todos os envolvidos sempre têm a aprender e também a ensinar. Por isso, mais

uma vez, reiteramos a importância de nossa investigação no contexto indígena.

Como sujeito-pesquisador inserido no contexto indígena, entendemos, como Freitas

(2002, p. 4), que nossa presença “[...] durante o processo de pesquisa, é [de]

alguém que [também] está em processo de aprendizagem, de transformações”, na

busca de respostas. Ou seja, um sujeito que, nas interações, se ressignifica no

percurso do trabalho em campo. A considerar toda a dinâmica do processo de

educação escolar indígena citado acima, o mesmo acontece com “[...] os

pesquisados que, não sendo um mero objeto, também tem oportunidade de refletir,

aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa” (Freitas, 2002, p. 4), tornando,

pois, o processo da investigação um trabalho de desenvolvimento de ambas as

partes extremamente fundamental e interessante como já apresentou Vigotski em

seus estudos e nos sinaliza Oliveira (1999, p. 63 apud Freitas, 2002, p. 4) ao

observar que.

[...] essa contribuição metodológica de Vigotski é particularmente importante para a educação. Uma vez que a situação educativa consiste de processos em movimento permanente, a transformação constitui exatamente o resultado desejável desses processos, os métodos de pesquisa que permitem a compreensão dessas transformações são os métodos mais adequados para a pesquisa educacional.

Ou seja, como uma necessária reflexão acerca de assunto inerente á educação

infantil indígena na qual a interação entre pesquisador e pesquisados se

complementa e os sujeitos da pesquisa se ressignificam. Nesse contexto, proposta

curricular de educação escolar indígena que privilegia o texto como unidade

importante, o processo de ensino-aprendizagem caminha para que o aluno aproprie-

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se qualitativamente de conhecimentos necessários e inerentes a produção textual.

Desse modo, o trabalho de atenção ao desenvolvimento de capacidades de

linguagem torna-se fundamental. As capacidades de linguagem seriam então os

mecanismos a se considerar na produção textual, mas que se efetivariam

principalmente nas interações entre os pares. Referendando-nos em estudos de

genebrinos, vemos que.

O desenvolvimento das capacidades de linguagem constitui-se, sempre, parcialmente, num mecanismo de reprodução, no sentido de que modelos de práticas de linguagem estão disponíveis no ambiente social e de que os membros da sociedade que os dominam têm a possibilidade de adotar estratégias explícitas para que os aprendizes possam se apropriar deles (Dolz e Schneuwly, 2004, p. 52).

Desse modo, é na prática reflexiva e interativa entre os pares que o

desenvolvimento das capacidades de linguagem se efetivaria. Isso porque, a

interação com o outro seria o pilar fundamental para que os indivíduos tomassem

consciência de sua própria linguagem e de sua intenção comunicativa. Na

apresentação de Dolz e Schneuwly (2004), as capacidades de linguagem inerentes

e requeridas para a produção de um texto são três: capacidade de ação,

capacidade discursiva e capacidade lingüístico-discursiva.

A capacidade de ação são as que exigem do produtor de texto estar atento às

condições de produção, de maneira a adaptar a produção a exigências de

diferenciações de ensino, que aqui também estaremos chamando de diferentes

práticas de linguagem. O produtor do texto deverá atentar para as questões que

envolvam o lugar e o momento de produção, o lugar social do receptor e do

emissor, bem como aos papéis sociais que eles desempenham e que efeitos

buscam atingir em seu receptor.

A capacidade discursiva refere-se ao como expressar e pode estar subdividida em

dois subconjuntos: um que compreenda a organização estrutural do texto e outro

relacionado com as escolhas feitas para se apresentar o conteúdo. Ou seja, envolve

a seleção de palavras, a adaptação ao público, a organização do conteúdo.

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A capacidade lingüístico-discursiva se refere às operações utilizadas por um

produtor de texto, no que concerne a tornar o texto um tecido, dando-lhe uma

arquitetura interna. Envolve a seleção de mecanismos de coesão verbal e nominal,

como também de gestão de vozes enunciativas presentes no decorrer da produção

textual. No quadro que segue, podemos ter uma síntese panorâmica das principais

características das capacidades de linguagem.

Capacidade de Ação Capacidade Discursiva Capacidade Lingüístico-

Discursiva É o contexto de produção. É o saber escolher determinado gênero de texto, adaptando-o a determinada situação de produção Envolve: -o lugar de produção -o momento de produção -o lugar social do receptor -o lugar social do emissor -o papel social do receptor -o papel social do emissor -que efeitos o emissor busca causar no receptor

É o plano geral do texto que mobiliza o ato de escolher e gerenciar o discurso a ser utilizado na produção textual Envolve: -Conteúdo (o que dizer) -Estruturação do texto (como dizer). Refere à: -escolha das palavras -adaptação ao público -colocação em cena de voz(es) enunciativa(s) -organização do conteúdo -hierarquização das informações

Refere-se às operações para tornar o texto um tecido, ou seja, a possibilidade de escolha de mecanismos que garantam a coerência e a coesão textual Envolve mecanismos de: -coesão verbal -coesão nominal -polifonia e gestão de diferentes vozes enunciativas

Quadro 1: Capacidades de linguagem inerentes à produção / compreensão de textos orais e escritos

Sintetizando o que expusemos, é importante salientar que, no que se refere às

capacidades de linguagem, estas devem, principalmente, suscitar as apreciações

daquele que elabora a enunciação na produção de um gênero numa situação de

interação determinada, permitindo-lhe: adaptar-se às características do contexto e

do referente (capacidade de ação); mobilizar modelos discursivos (capacidades

discursivas); dominar as operações psicolingüísticas e as unidades lingüísticas

(capacidades lingüístico-discursivas) (Schneuwly e Dolz, 2004). Nos tópicos (2.5 e

2.6) que seguem trazemos algumas questões acerca da conversa na roda (nosso

objeto de análise) e, posteriormente, o dizer das crianças sobre esse mesmo objeto,

de modo considerar toda a abordagem dialógica de nossa pesquisa.

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2.5 - CONVERSA: UM GÊNERO TEXTUAL A SER EXPLORADO NA EDUCAÇÃO

INFANTIL

A reflexão sobre o tratamento da conversa, como um gênero textual a ser explorado

na educação infantil, impele-nos a considerar o enfoque teórico que subsidia os

estudos sobre a conversação e o diálogo com algumas produções acadêmicas. Na

primeira pontuação mostraremos o enfoque teórico da conversação descrito por

Kerbrat-Orecchioni (1996, 2006) e por Marcuschi (2003). Nossa apresentação não

se propõe a ser literária, mas busca toda a clareza possível na exposição de idéias,

cadenciando, ao longo da exposição, uma cuidadosa tessitura que se apresente

harmônica e que demonstre meticulosamente o percurso de como foi então

construída a discussão que se propõe fazer referente às particularidades do gênero

conversa. Na segunda pontuação, tomaremos os trabalhos 24 de Barbosa (2001) e

de Brito (2004).

É de suma importância esclarecer que a oportunidade de observar a “conversa na

roda” como um espaço de interação verbal torna-se interessante, uma vez que a

estamos tomando como um gênero primário. Esse olhar pode fornecer pistas para o

ensino-aprendizagem da linguagem oral na educação infantil, pois, com efeito,

pensamos que a reflexão das crianças acerca de um determinado gênero pode ser

um exercício reflexivo que lhes possibilite tomar a linguagem como algo particular

de estudo e de análise. Assim sendo, a criança experimenta uma outra esfera de

reflexão acerca do funcionamento da linguagem. Uma esfera que projete a ação

verbal (o momento da roda) para uma reflexão sobre a linguagem. Tomando

consciência do modo de funcionamento da conversa, a criança reflete sobre a

linguagem em seu caráter peculiar, atentando-se para, nos momentos de interação

comunicativa, expor de forma clara, esperar a vez de falar, ouvir o outro, considerar

seus interlocutores, fazer escolhas lexicais etc. Acreditamos, assim, que reflexões

sobre a linguagem estariam promovendo um avanço no desenvolvimento infantil. Ou

seja, estariam contribuindo para que a criança, em um exercício reflexivo, tomasse a

linguagem oral como objeto de reflexão.

24 Barbosa (2001) e Brito (2004) são relatórios de pesquisas que investigaram o valor das interações como fator de desenvolvimento dos alunos.

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Conseqüentemente, é preciso eliminar de saída o princípio de uma distinção qualitativa entre o conteúdo interior e a expressão exterior. Além disso, o centro organizador e formador não se situa no interior, mas no exterior. Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação (Bakhtin, 2004, p. 112, grifos do autor).

A conversa pode ser compreendida como um gênero textual oral muito utilizado na

educação infantil, pois sua realização se constrói na interação verbal proferida pelos

falantes, numa ressonância de ecos, de enunciados outros. Como nos diz Bakhtin

(2003), cada enunciado deve ser visto, antes de tudo, como uma resposta aos

enunciados de um determinado campo, ocupando, pois, cada enunciado uma

posição definida em uma dada esfera de comunicação.

Ao tratar especificamente da conversação, Kerbrat-Orecchioni (2006) considera ser

esta um protótipo da interação, ou seja, o exemplar mais perfeito de interação, a

forma mais comum e essencial das trocas verbais, sendo, por excelência, uma

vocação comunicativa da linguagem verbal que sempre prescindirá uma alocução

(existência de um falante), uma interlocução (troca de palavras) e uma interação

(rede de influências mútuas entre os interlocutores) demonstrando que ela poderá

ser conceitualizada em sentido estrito ou em sentido genérico. Em um sentido

restrito, é considerada como um tipo particular de interação verbal sem utilidade

direta e imediata; em sentido mais genérico, tratando-se de qualquer tipo de troca

verbal, quaisquer que sejam a natureza e a forma.

[...] a conversação tem como característica implicar um número relativamente restrito de participantes, cujos papéis não estão predeterminados, que gozam, em princípio, dos mesmos direitos e deveres [...] e que não tem outro objetivo que não seja o prazer de conversar; ela tem, enfim um caráter familiar e improvisado: temas abordados, duração da troca, ordem das tomadas de turno [...] (Kerbrat-Orecchioni 2006, p. 13).

Entretanto a todo ato de conversação estariam implícitas propriedades como: o

caráter imediato; a organização dentro de um tempo e espaço; a proximidade dos

participantes; a implicação de regras que se apresentariam de maneira bem diversa,

e algumas valeriam para todo tipo de interação, e outras não. Ou, ainda, algumas

regras conversacionais estariam sujeitas a uma variação cultural; na interação face

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a face, o discurso pode ser inteiramente co-produzido, ou seja, ser o produto de um

trabalho colaborativo incessante.

Kerbrat-Orecchioni (2006) utiliza-se da metáfora do trânsito para comparar o

acontecimento das interações comunicativas. Demonstra que se, no trânsito, há um

distribuidor de turnos que seria o semáforo ou o guarda de trânsito, na conversação,

há o distribuidor dos turnos que seria o moderador da interação. No trânsito, quando

há a ausência do distribuidor, o percurso flui pela autogerência de regras

interiorizadas, em que, por exemplo, temos a situação de sempre ser necessário dar

preferência pela direita. Na conversação, a analogia a essa autogerência se dá

pelas regras de alternância de turnos de fala. Em se tratando de negociações

interacionais, no trânsito, há os golpes de força para se ocupar lugar. Na

conversação, essas negociações são caracterizadas por atitudes que demonstram

um querer apossar do turno de fala. No trânsito, pode haver violações deliberadas,

como semáforos quebrados, preferências desrespeitadas; na conversação, essas

violações são caracterizadas por interrupções ou intrusões. O trânsito é tomado de

surpresa, com alguns danos involuntários, como a ocorrência dos engarrafamentos.

Esses danos na conversação se delimitam na incidência das superposições de

falas. Com essas analogias, é possível compreender que, na conversação, tanto

quanto no trânsito, cada um deve falar em seu turno, passar em sua vez, saber

ceder o lugar, em outros se apossar dele de maneira que, no transcorrer do trabalho

colaborativo, todos possam ter seus instantes de ir e vir em harmonia favorecendo,

assim, uma variedade de negociação conversacional.

No trânsito Na conversação

-Há distribuidor de turnos: o semáforo ou guarda de trânsito -Na ausência do distribuidor o trânsito flui pela autogerência de regras interiorizadas, (preferência à direita) -Há negociações interacionais (golpes de força para ocupar lugar) -Pode haver violações deliberadas (semáforo quebrado, preferências desrespeitadas) -Danos involuntários (engarrafamentos)

-O distribuidor é o moderador, o animador nos debate, por exemplo -A autogerência se dá pelas regras de alternância de turnos de fala -Há negociações interacionais (golpes para se apossar do turno de fala) -Pode haver violações deliberadas (interrupções ou intrusões) -Danos involuntários (superposição de falas)

Quadro 2: A metáfora do trânsito em analogia com a conversação

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Marcuschi (2003), ao tratar dos procedimentos que incentivariam pesquisas acerca

dos processos conversacionais, aponta três razões a se considerar para a análise

da conversação: a conversa é a prática social mais comum no dia-a-dia do ser

humano; apresenta-se como uma das formas mais eficientes de controle social

imediato; exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam em muito a

simples habilidade lingüística dos falantes (Marcuschi, 2003). Em nossa pesquisa,

buscamos, juntamente com a educadora, desenvolver atividades na roda de

conversa de maneira que as crianças, em um processo reflexivo, entendessem os

mecanismos que abarcam a conversação no sentido de que, na interação entre os

pares, cada vez mais se apropriam de formas de comunicação diversas.

Ao discutir valor das interações comunicativas para o desenvolvimento dos alunos,

as contribuições teóricas e práticas que conosco dialogaram investigaram situações

em que o trabalho com a linguagem oral se apresentou como foco principal de

observação. Barbosa 25 (2001) tinha como intenção inicial investigar se os discursos

orais argumentativos faziam-se presentes na prática pedagógica. A autora

objetivava analisar e descrever o trabalho com linguagem em algumas classes de 1ª

a 8ª série do ensino fundamental, verificando se havia intenção de ensinar a

linguagem oral argumentativa, bem como se havia planejamento prévio e de que

forma eram feitas as intervenções em situação de interação oral argumentativa.

Barbosa (2001) pretendia discutir com os professores as observações feitas,

sugerindo-lhes formas de encaminhamento no processo de formação docente.

Assim que obteve dados das primeiras aulas observadas, constatou a ocorrência de

uma aula com discussão oral -- na sala da 8ª série onde a aula nem havia sido

planejada para tal -- era mais para enriquecer a produção escrita de um texto

dissertativo. A partir daí, tendo confirmado sua hipótese inicial (de que havia

pouquíssima circulação da argumentação), a autora procurou reorientar seu olhar

para, então, investigar se os discursos orais estavam presentes nas interações de

sala de aula do ensino fundamental, delimitando em que situações e se eram

25BARBOSA, Marly. (2001) O lugar da discussão oral argumentativa na sala de aula: uma análise enunciativo-discursivo. Dissertação de Mestrado. Essa pesquisa é parte integrante do projeto Práticas de Linguagem no Ensino Fundamental, que congrega um conjunto de pesquisadores e é fruto de uma parceria entre a Universidade (PUC-SP) e Escola Pública.

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tomados como objeto de ensino. Buscou investigar, ainda, quais eram os gêneros

argumentativos circulantes nas situações identificadas, bem como saber de que

modo eles se caracterizavam e em que medida a discussão argumentativa seria e

poderia ser utilizada como instrumento no ensino-aprendizagem dos conteúdos em

diferentes áreas.

A autora analisou as interações presentes nas salas de aulas nas áreas de

Geografia, Matemática e Língua Portuguesa, observando em que medida o discurso

de outrem contribui/possibilita ou não para o desenvolvimento de capacidades

lingüísticas referentes aos gêneros argumentativos em salas de 1ª a 8ª série.

Segundo Barbosa (2001), cada interação foi vista como uma realidade única e

interpretada em relação constante com a situação de comunicação maior,

possibilitando à autora observar aspectos extraverbais presentes nos enunciados

comunicativos analisados. Em nosso trabalho, buscamos também observar

diferentes interações e analisá-las na perspectiva de uma realidade única. Fizemos

opção por analisar a significação de um episódio coletado, tomando-o como uma

fração recortada dentro de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta. Ou

seja, como apontou Bakhtin (2004, p. 123), “[...] apenas um momento na evolução

contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado”. Por isso, também

em nosso trabalho, cada episódio selecionado foi considerado um enunciado

concreto.

Não nos esquecemos de que, na realização dos enunciados, o contexto extraverbal

tem particular relevância ratificando, pois, a verdadeira substância da língua é

constituída pelo fenômeno social da interação verbal que se realiza por meio das

interações em consonância com o contexto extraverbal (Bakhtin, 2004).

Entendemos que o contexto extraverbal abrange três fatores: o horizonte espacial

dos interlocutores (que, em nossa investigação se constituiu principalmente pela

sala de aula, ou seja, o instante espacial histórico das enunciações); o

conhecimento e a compreensão comum aos interlocutores (como a educadora e os

alunos e estes com seus pares compartilham os papéis por eles assumidos em

determinadas interações); a avaliação comum que orientou o discurso dos

interlocutores (como apresentaram uma expressão volitiva diante das interações

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realizadas, ou seja, as contrapalavras das crianças nos instantes da rodas de

conversa).

Ao propor a análise de dados, Barbosa (2001) ateve-se às interações ocorridas nas

salas de algumas turmas do ensino fundamental (1ª a 8ª) e nós focalizamos o

espaço de realização da roda de conversa. Segundo a autora, o material verbal

produzido pelos sujeitos da 1ª e da 2ª série foi analisado como um corpus

contrastivo ao das demais aulas observadas porque, na sala da 1ª série (aula de

Matemática) e na da 2ª série (aula de Ciências), configuraram-se vários exemplos

em que a criança fala e muitas vezes não é ouvida e assim não é criada a Zona de

Desenvolvimento proximal (ZDP). Na análise da 1ª série, a autora pôde observar

que, para enfatizar o aspecto transmissivo da aula, a professora não dá

oportunidade para que os alunos reflitam sobre seus erros, para que possam dar um

passo e encontrar sua própria compreensão. Na 2ª série, Barbosa pôde observar

uma “intenção”, por parte da professora, em silenciar a voz do aluno, principalmente

em momentos em que percebia que ele iria desviar o assunto tratado. Segundo as

observações da pesquisadora, isso se dava por não consciência – por parte da

professora – dos aspectos não verbais expressos na fala dos alunos. Aponta-nos,

ainda, que “essa forma de transmissão do discurso dificultava, a compreensão ativa

responsiva sobre o que estava sendo discutido. Desse modo, alunos e professora

não atribuíam os mesmos significados ao que estava sendo dito” (Barbosa, 2001, p.

133).

Em suas considerações finais, a autora apontou a possibilidade e importância de a

discussão oral estar presente em diferentes séries e disciplinas, devendo funcionar

como um megainstrumento no processo de ensino-aprendizagem, desde o início da

escolaridade. Sua análise articulou as formas da língua e as formas de produção em

que elas foram enunciadas. Constatou que a discussão argumentativa, para a

construção de conhecimentos, é efetivamente marcada pelo uso da justificativa.

Pontuou, ainda, que esse seria o primeiro passo para o posicionamento dos alunos

como participantes dos discursos em sala de aula em atitudes que fossem de

questionar os interlocutores, “[...] considerando seus pontos de vista, para refutá-los

ou não, podendo mesmo até negociá-lo” (Barbosa, 2001, p. 216).

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No segundo trabalho, 26 a autora buscou investigar o movimento discursivo nas

rodinhas, tendo como foco as ações com a linguagem, realizada, pelas crianças,

professora e bolsistas no cotidiano escolar de uma creche. Os dados do estudo

foram coletados a partir de observação e videogravação das rodinhas de crianças

de quatro e cinco anos nos momentos em que essas afirmam, questionam, brincam

com os amigos, fazem argumentações, falam de si mesmas e de outros em uma

creche universitária. Assim, “[...] examinando as formas como as crianças atuam

com a linguagem e como a linguagem atua nas relações criança-criança e criança-

adulto [...]” Brito (2004), “[...] objetivava analisar os sentidos que vão sendo criados

nas interações discursivas para“ [...] evidenciar as ações verbais mais típicas das

crianças” (Brito, 2004, p. 13). Segundo as observações da pesquisadora, esses

momentos são de grande importância, pois neles se abrem espaços onde a criança

marca sua presença, afirmando-se como pessoa de desejos e necessidades.

A partir da categorização de ordem sintático-discursiva, 27 Brito (2004) situa sua

investigação na pesquisa das ações 28 que as crianças são capazes de realizar com

a linguagem, evidenciando, ainda “[...] os sentidos que as crianças são capazes de

expressar” (Brito, 2004, p. 15). A autora seleciona dez rodas. Dessas, captura

alguns episódios que primeiro contextualiza para, em seguida, analisá-los à luz do

referencial teórico proposto. Nas investigações de Brito (2004), foi possível verificar

que as rodinhas em classes de educação infantil são locais potenciais de trabalhos

com diferentes conhecimentos e onde se abre espaço para a fala das crianças

favorecendo, assim, espaços de construção de competência discursiva nas crianças

pequenas.

A autora ainda ressalta o valor das interações realizadas nas rodas como

constituintes da subjetividade das crianças, demonstrada pelo acolhimento aos

pequenos, ao proporcionar-lhes falar de sentimentos, desejos, sonhos. Brito (2004)

ainda chama a atenção para o fato de as conversas não serem entendidas como

26 BRITO, Ângela (2004). O movimento discursivo nas rodinhas de crianças de 4 e 5 anos na creche UFF. Dissertação de Mestrado. RJ. 27 A autora referenda-se em Geraldi (2003). 28 Brito (2004) organiza suas categorias de análises em 16 ações: ações organizadoras, de afirmação de desejo e de necessidade, de ambigüização, de anunciar a si mesmo e ao outro, de consolo e de cuidado, de concordância e de discordância, de denúncia, de dissimulação, de explicitação, de salvaguarda, de solicitação, de ameaça, de simbolização, de narrar, de surpresa, e de chamamento.

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forma de passar o tempo, como uma fuga do trabalho pedagógico, mas sim como

espaço coletivo de construção do conhecimento, das subjetividades das crianças e

do planejamento pedagógico participativo. Concordamos com a autora sobre todos

os aspectos por ela apresentados e acrescentamos que há uma outra possibilidade

ainda pouco explorada: a observação do espaço das rodas de conversa como um

potencial ambiente para se desenvolver reflexões sobre os gêneros textuais orais.

Por isso, o diálogo com essas autoras nos proporcionou reflexão sobre o caráter

particular de realização das conversas nas rodas da sala de aula da educação

infantil indígena observada. Ao trazermos a reflexão da conversa como um gênero

textual específico, pensamos estar contribuindo para o debate sobre o entendimento

da conversa que vai para além de apenas funcionar como veículo para transmissão

de informações. Brito (2004), também assim apontou, ao pesquisar os movimentos

discursivos nas rodinhas de crianças de quatro e cinco anos, pois constatou serem

as rodas uma atividade altamente organizada e organizadora tanto da rotina de

trabalho com as crianças, quanto da convivência coletiva.

“[...] que as conversas não sejam entendidas como forma de passar o tempo, como fuga do trabalho pedagógico, mas sim como espaço coletivo de construção do conhecimento, das subjetividades das crianças e do planejamento pedagógico participativo” (Brito, 2004, p. 88).

Além disso, sob o aspecto que apresentamos, a conversa na roda pode

caracterizar-se como um ambiente pedagógico, consciente e dialógico de reflexão

sobre a linguagem e dos gêneros textuais que a constitui. E, uma vez que temos as

crianças, sujeitos de todo o processo investigativo, nos dispomos a ouvi-las acerca

de suas concepções sobre a conversa na roda, atividade cotidiana na educação

infantil. São esses apontamentos que apresentamos a seguir.

2.6- E O QUE DIZEM AS CRIANÇAS SOBRE AS RODAS DE CONVERSA?

No ano de 2006, desenvolvemos com as crianças alguns momentos de conversa

que foram vivenciadas fora da sala de aula, em ambiente próximo à igreja ou sob a

cabana, onde, além de nós, as crianças eram reunidas em duplas, trios ou mesmo

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individualmente. Nesses instantes, conversamos sobre diversos assuntos que

variavam desde questões referentes à caracterização individual das crianças (idade,

pessoas de sua família, preferências, o que faziam no período em que não estavam

na escola), a opinião delas a respeito da cultura indígena, do ser índio, dos

costumes das famílias da aldeia e dos motivos concernentes a se realizar

diariamente a roda de conversa em sala. No contexto de reflexão sobre o

desenvolvimento da roda de conversa, destacamos também suas opiniões acerca

da questão “o que é uma novidade”.

O ato de entrevistar as crianças objetivava buscar compreender seu pensamento,

sua visão de mundo, trazendo para o contexto da investigação o posicionamento

delas a fim de obter uma melhor compreensão da realidade vivida, considerando,

pois, a experiência infantil. Desse modo, concordando com Jobim e Souza (1994, p.

151), “[...] entendemos que a infância é o momento em que a linguagem humana

emerge como significação [...]”, ou seja, nessa etapa da existência humana,

observa-se que “[...] é na fala da criança que acontece a passagem do signo

lingüístico para a ordem do sentido [...]”

Considerando, então, que “[...] é na linguagem e pela [mesma] que o humano

constitui a cultura e a si próprio [...]” (Jobim e Souza, 1994, p. 151), entendemos que

fazer ouvir as crianças seria fundamental, uma vez que nos ajudaria a nos

aproximar da concepção das crianças sobre o desenvolvimento das rodas,

possibilitando-nos considerar como preciosa toda a desenvoltura da criança diante

da segurança e das certezas do mundo adulto.

Quando a criança lida com a linguagem de forma lúdica ela rompe com as formas fossilizadas e cristalizadas de seu uso cotidiano. Dessa forma, podemos dizer que as crianças usam a linguagem para protestar contra os limites da realidade, transgredindo-a ao mesmo tempo em que protegem a realidade contra tirania da linguagem (Jobim e Souza, 1996, p. 48).

Nesses parâmetros, trazemos para dialogar conosco algumas reflexões do trabalho

de Walter Benjamin (1995) e de outros autores que nele se inspiraram (Kramer,

Jobim e Souza). Benjamim tem sido considerado o responsável por efetuar uma

verdadeira ruptura conceitual e epistemológica sobre o novo olhar acerca da

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infância, pois trabalha com o propósito de tomá-la em sua dimensão não

infantilizada, desnaturalizando-a e destacando a centralidade da linguagem no

interior de uma concepção que encara as crianças como produzidas na e produtoras

de cultura (Kramer, 1996). Sendo assim, ao focalizar essa outra ótica da infância, o

referido autor concebe, pois, a criança em sua condição de sujeito histórico que

interage constantemente com a ordem e a vida social. Ao discorrer sobre os estudos

de Benjamin, Kramer (1996) destaca o posicionamento inovador do autor.

Benjamin revela um profundo e sensível conhecimento sobre a criança como indivíduo social e fala de como ela vê o mundo com seus próprios olhos; não toma a criança de maneira romântica ou ingênua, mas a entende na história, inserida numa classe social, como parte da cultura e produzindo cultura (Kramer, 1996, p. 31).

Sentimos, pois, necessidade de ouvir as crianças com relação ao que pensavam

sobre os propósitos de se fazer uma roda de conversa diariamente e o que seria

“uma novidade”.29 Apresentaremos, então, no discorrer deste, texto algumas

observações das crianças acerca da realização das rodas relacionando estas

observações com justificativas ancoradas nos autores citados, Benjamim (1995),

Kramer (1996, 1998, 2000, 2002) e Jobim e Souza (1994, 1996, 1998), que

subsidiarão teoricamente as considerações apontadas pelas crianças.

As rodas de conversa realizadas diariamente no início das atividades escolares

eram sempre organizadas com um mesmo formato: a) a educadora solicitava aos

alunos que organizassem uma rodinha pedindo que todos se sentassem ao chão; b)

após acomodação, a educadora lhes dizia ser aquele o instante propício para

contarem quaisquer novidades que tivessem; c) a educadora dirigia a todos a

seguinte interlocução: “Vamos lá! Alguém tem alguma coisa para falar pra gente?”;

d) seguindo a disposição dos alunos na roda, a educadora citava o nome da criança

e dirigia-lhe o questionamento: ”Ge, 30 você tem novidade?” Em diversas situações

durante a realização da conversa na roda, observamos que as repostas da maioria

das crianças às perguntas da educadora eram sempre muito parecidas, em certo

29 “A novidade” era o termo utilizado pela educadora ao iniciar a roda de conversa. 30 A sílaba apresentada representa o nome fictício de um do aluno.

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ponto até evasivas, de modo que a participação de cada criança parecia não se

materializar como uma atitude dialógica.

‘Tem novidade?’ 50 - K: _e Ge tem novidade Ge? Fala!! Ge fala bem baixinho - .... 51 - K: _ah... Brincou? De que? 52 - Ge: _... de nada, não. 53 - K: _de nada? Mas como que você brincou então se não brincou de nada? [o aluno abaixa os olhos como se estivesse envergonhado]. Hein Ge, tem que brinca de alguma coisa não é? In! 54 - In: _eu brinquei com o Ge. 55 - K: _ah! Você brincou com o Ge... É... Ma... 56 - Ma: _eu brinquei 57 - K: _Você brincou? Ih, todo mundo só brincou? Uma criança fala algo que não é possível entender. A professora então diz: 58 - K: _espera Th sua vez. Ale. 59 - Ale: _brinquei 60 - K: _Mo... 61 - Mo: _brinquei. (Transcrição de um episódio de uma roda de conversa realizada no dia 21-9-2006)

Nos momentos em que organizamos para conversar com as crianças, perguntamos

sobre o que pensavam acerca do motivo de a educadora realizar a roda todos os

dias. Pelas respostas das crianças, é possível inferir que, para elas, a realização da

roda de conversa funcionaria como um organizador da rotina diária de atividades em

sala que incluiria o momento para se contar a quantidade de crianças presentes na

sala; ou, então, para contarem sobre algum passeio que tivessem realizado; ou para

noticiarem algo relacionado com assuntos referentes à aldeia; ou mesmo seria a

roda um momento reservado para que a professora lesse uma história como

podemos conferir nos episódios que seguem.

‘Roda de conversa: pra quê?’ Episódio 1: 21 – P 31:_ pra que a Ka faz aquela roda de conversa? 22 - Le: _ pra conversar... 23 - P: _ é? E vocês conversam sobre o quê? 24 - Le: _ sobre história de família.(Le, 5 anos) (Transcrição de conversa coletada em 28-11-2006)

Episódio 2: 9 - Jv: _ pra... contar as pessoas 10 - P: _ contar as pessoas... que mais? 11 - Jv: _ é... pra... pra saber onde que eles foram.(Jv, 4 anos)

31 A letra “P” está se referindo à pesquisadora.

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(Transcrição de conversa coletada no dia 26-11-2006)

Assim, percebemos que, a partir de suas respostas, a criança demonstra

compreender que a realização da roda está automaticamente associada a de um

espaço de planejamento participativo semelhante ao que constatou Brito (2004, p.

85), ao apontar a compreensão do papel das rodinhas no cotidiano educativo como

espaço pedagógico que se organiza e “[...] que as crianças também trabalham para

a organização do espaço educativo [...]”, ou seja, que o aspecto organizativo das

rodas também se faz perceptível pelas crianças.

Entretanto, chama-nos atenção o posicionamento crítico das crianças sobre o tempo

de duração para a realização das rodas e sua estrutura de formação. As crianças

sinalizam que a realização da roda de conversa seria como uma perda de tempo.

Em uma tentativa de expormos como a criança concebe o tempo de duração da

roda e de como gostaria que ela fosse formada, recolhemos alguns fragmentos

coletados nos instantes da conversa desenvolvidas fora da sala de aula. Esses

fragmentos nos auxiliam como um demonstrativo do pensamento infantil sobre a

realização da roda nos termos acima apresentados.

‘Porque sim, demora muito’ Conversando com T e H, ambas de seis anos, discorremos sobre temas diversos: a brincadeiras preferidas, constituição dos membros de sua família, os recentes presentes recebidos. Quando perguntadas se gostavam da roda de conversa realizada todos os dias na sala de aula T, abaixa a cabeça, balançando-a em sinal de negação, ficando em silêncio, porém, com um leve sorriso aos lábios. 60 - Como é que vocês gostam mais de formar a roda. 61 -T: _sentada... 62 - P: _no chão, na cadeira... 63 - H: _na cadeira. 64 - P: _sentada na cadeira. E você? 65 - T: _fazer atividade. 66 - P: _fazer a rodinha, você não gosta muito não? 67 - T: _não... 68 - P: _por quê? 69 - T: _porque sim, demora muito... 70 - P: _demora muito. (Transcrição de conversa coletada no dia 22-11-2007)

O espaço dialógico, constituído entre as crianças e pesquisadora permitiu que T

expusesse seus argumentos justificando não gostar muito da roda, demonstrando

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ainda que, para ela, formar a roda seria uma perda de tempo sendo mais produtivo

“fazer atividade”. Quanto a esse “fazer atividade”, o interessante é refletir sobre

quais eram essas atividades e qual o seu lugar no contexto escolar. As crianças nos

dizem:

‘Eu passaria atividade difícil’ 74 - P: _se você fosse a professora como vocês fariam? Vocês fariam a rodinha de conversa? 75 - T: _eu passaria atividade difícil... 76 - P: _você passaria atividade difícil? Rodinha você não faria não? 77 - T: _fazia... 78 - P: _e você Hu? 79 - H: _fazia um dever difícil para eles e atividade no quadro pra eles fazer... 80 - T: _e também é... eu quero que quando eu estiver grande eu quero ser professora e quero aprender a escrever... (Transcrição de conversa coletada em 22-11-2007)

Para as crianças, fazer atividade envolvia ter em mãos alguma folha onde pudesse

deixar impresso no papel as marcas do seu estudo daquele dia letivo. Ou seja,

parece que, para a criança, a escrita exerce um papel de maior importância na

constituição das tarefas escolares. Não havendo a escrita, não houve realização de

atividade. Na observação dos pequeninos, fica exposto, então, que a escola é pra

aprender a ler e a escrever e ler e escrever seria fazer “atividade difícil”. A escrita

apresentava-se como uma atividade que se sobrepunha à atividade oral numa visão

concernente ao que seria uma supervalorização da escrita, sobretudo a escrita

alfabética (MARCUSCHI, 2005). A criança no lugar da educadora passaria

“atividade difícil” que proporcionasse às demais crianças possibilidades de se

apropriarem dessa forma de comunicação “mais importante”. Sem “atividade difícil”,

não se aprenderia a ler e escrever. O significado de “atividade difícil“ entende-se,

pois, como fazer atividade de escrita.

Quanto às expectativas gerais da educadora, pareciam que o objetivo da formação

da roda era para se fazer cumprir mais um ritual entre a rotina de atividades

programadas para o dia. Em algumas situações observadas, percebemos o espaço

da roda utilizado como um momento para exposição de conceitos pela educadora,

quando a priori, deveria realizar-se como um instante para a conversa interativa.

Essa forma de realização da roda poderia ser considerada de enunciação

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monológica apresentando-se como um ato puramente individual (Bakhtin, 2004).

Isto é, muito mais que um espaço de interação entre as partes, naquele local as

crianças não tomavam a palavra espontaneamente, apenas respondiam a alguma

questão feita pela educadora. Essas ações geravam, entre as crianças, movimentos

de dispersão, pois, constantemente, olhavam para os lados, levantavam-se e saíam

da roda. Ou, então, deitavam-se pelo chão, dando a entender estarem cansadas e

provavelmente com as costas doendo por ficarem em uma mesma posição por um

tempo relativamente grande.

Outro aspecto importante diz respeito ao conceito de novidade. O dicionário Gama

Kury (2002), dentre alguns significados, aponta ser novidade, a qualidade do que é

novo, uma notícia, ou seja, uma coisa nova, uma alteração repentina do andamento

das coisas, podendo ser também um perigo, agitação ou mesmo uma dificuldade,

um obstáculo. Em respostas apresentadas pelas crianças, vemos alguns

enunciados que se aproximam e outros que se distanciam do conceito do dicionário.

Aproximar-se ou não do sentido dicionarizado não quer dizer que está próximo ou

distante de algo certo ou não. Deseja-se muito mais apresentar o quão criativas são

as crianças ao elaborarem os seus próprios conceitos, ao justificarem e

principalmente posicionarem-se socialmente diante um questionamento. Ou seja,

como pontua Jobim e Souza (1996, p. 49):

A criança está sempre pronta para criar outros sentidos para os objetos que possuem significados fixados pela cultura dominante, ultrapassando o sentido único que as coisas novas tendem a adquirir. Sendo capaz de denunciar o novo no contexto do sempre igual, ela desmascara o fetiche das relações de produção e consumo. A criança conhece o mundo enquanto cria, e, ao criar o mundo, ela nos revela a verdade sempre provisória da realidade em que se encontra.

Assim, ao ouvirmos a elaboração feita pela criança acerca do conceito de novidade,

vemos, em seus apontamentos, que ela assim o faz reconstruindo o mundo à sua

maneira, ou seja, um discurso verbal diretamente ligado à vida em si, e que não

pode, ser divorciado de sua significação.

‘Qual a sua novidade?’ 25 - L: _ quando a gente fala “mãe hoje tem aula? Não”... aí a gente vão sair... e então a gente chega e conta... isso é uma novidade. 26 - P: _ humm... Novidade é você contar alguma coisa que aconteceu com você quando você não estava na aula. É isso?

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27 - A: _ ontem eu não vim porque eu fui no médico. 28 - L: _ nossa que voz hein! (e ri) 29 - G: _ é dizer o que que nós fizemos em casa. 30 - P: _ ah-rã. Todo dia as pessoas tem uma novidade? 31-G: _ nem todos. Hoje eu não falei nada não

Desta forma, a ação de ouvir as crianças permite-nos conhecer um pouco do seu

processo de subjetividade e alerta-nos a pensar que a criança na pesquisa é sujeito

histórico, e como nos afirma Bakhtin (2003, p. 400), “[...] o sujeito como tal não pode

ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito,

não pode tornar-se mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se tem dele só

pode ser dialógico”. Assim, sendo sujeito histórico, a criança modifica a ordem e a

vida social tendo como ponte de interação com os demais sujeitos a linguagem.

Concordando com Jobim e Souza (1996, p. 48) ao dizer “[...] que as crianças usam

a linguagem para protestar contra os limites da realidade, transgredindo-a ao

mesmo tempo em que protegem a realidade contra a tirania da linguagem”. A

seguir, abordaremos algumas particularidades relacionadas com os sujeitos

imbricados na realização desta nossa pesquisa.

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3 - A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

INDÍGENA: OS SUJEITOS, O PROBLEMA E OS PROCEDIMENTOS

METODOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO

A promulgação da Constituição Federal abriu espaço legal à escolarização das

populações indígenas, atribuindo-lhes o direito a um ensino fundamental

diferenciado, com o uso de suas línguas maternas e processos próprios de

aprendizagem (art. 210). O direito à diferença também se assegurou com o

reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições

(art. 231) e com a difusão de suas manifestações culturais (art. 215).

Em 1993, o MEC estabelece que os Projetos de Educação Indígena devem estar

pautados nos princípios da diferença, especificidade, interculturalidade e

bilingüismo. Em 1996, a Lei nº 9.394 e seus arts. 78 e 79 confirmam mais uma vez o

direito a uma educação diferenciada às populações indígenas. No entanto, em nível

nacional, só a partir dos anos 2000 se percebe um contexto mais favorável à

escolarização dos indígenas. Nesse sentido, os dados preliminares do Censo

Escolar INEP/MEC-2005 dão conta de resultados demonstrativos que indicam que a

oferta para essas populações cresceu cerca de 40% em apenas três anos. Em

2002, havia 17.171 alunos freqüentando escolas indígenas em 24 unidades da

Federação. Em 2005, esse número chegou a 164.018 estudantes e destes, 18.583,

ou seja, 11,3 % foram matriculados na educação infantil, 32 como mostra a Tabela 1.

Tabela 1: Oferta escolar para a população indígena no Brasil em 2005

Níveis / Modalidades Total de alunos Porcentagem sobre total Educação Infantil 18.583 11,3 % Ensino Fundamental - 1º segmento 104.573 63,7 % Ensino Fundamental - 2º segmento 24.251 14,9 % Ensino Médio 4.749 2,9 % Educação de Jovens e Adultos 11.862 7,2 % Total 164.018 100 % Fonte: Censo Escolar INEP/MEC-2005

32 Dados fornecidos pela Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria-Geral da Presidência da República Nº 410 - Brasília, 15 de março de 2006.

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O próprio Governo Federal admite, todavia, que muito ainda há que ser feito para

assegurar o acesso dos indígenas a escolas assim como o direito a uma educação

de qualidade.

- A relação entre o número de alunos indígenas nos dois segmentos do ensino fundamental 33 é de 4,31. Se a oferta de ensino fundamental estivesse, de fato, garantida às comunidades indígenas esta relação seria próxima a 1,00, pois este índice tem um valor médio de 1,23 para todo o País34. - O número de estudantes indígenas em turmas de ensino médio ainda é muito reduzido. Isto significa que centenas de jovens indígenas ainda têm que migrar para as cidades, enfrentando inúmeras situações de graves riscos sociais, em busca do ensino médio. - A maioria das escolas indígenas não conta com estrutura física e equipamentos adequados ao pleno desenvolvimento de suas atividades. - Não há uma avaliação adequada da qualidade do ensino ministrado nas aldeias. - Em alguns estados a formação do professor indígena se faz de forma intermitente e com qualidade questionável. (RELATÓRIO do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/Ministério da Educação e Cultura, 2005, p. 2)

No que se refere à educação infantil, existe um questionamento sobre a

necessidade ou não da oferta de educação infantil para crianças pequenas, porque

existiria, em determinadas comunidades, 35 um contexto social e tradicional que

associa a entrada de criança pequena no circuito escolar como uma antecipação de

graves choques culturais no curso da vida e desintegradores da primeira infância.

Ao tratar da temática referente à infância Kaiowá e Guarani autores, como

Nascimento (2006), Brand (2006) e Urquiza (2006) alertam para a necessidade de

um maior número de pesquisas que estudem as vantagens ou desvantagens da

educação infantil escolar nas comunidades indígenas e o questionamento às

políticas implementadas pelo Estado para atender a demanda escolar.

Ao refletir sobre a implementação de propostas de Educação Infantil em terras indígenas surgem questionamentos inquietantes: trata-se de uma demanda legítima e construída a partir da vivencia e dos processos pedagógicos próprios das famílias envolvidas? Até que ponto a preocupação dos gestores restringe-se à busca de resultados imediatos, não atentando para a s suas implicações a longo prazo sobre os processos de aprendizagem próprios de cada povo indígena. Há, ainda dúvidas sobre a melhor idade para a criança indígena, no caso a Kaiowá e Guarani, iniciar o processo de escolarização, além de questionamentos sobre as

33 Total de alunos em turmas de 1a. a 4a. série dividido por total de alunos em turma de 5a. a 8a. série 34 Matrícula total de 1a. a 4a. série em 2004: 18.773.862 alunos. Matrícula total de 5a. a 8a. série em 2004: 15.238.383 alunos (Censo Escolar 2004 – INEP/MEC). 35 Entre os Kaiowá e os Guarani, só para citar algumas.

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conseqüências da iniciativa na construção da identidade indígena, da organização sócio-cultural e da socialização primária (Nascimento; Brand e Urquiza, 2006. p.3).

Em Aracruz, região norte do Estado do Espírito Santo, onde vivem duas etnias

(Tupinikim e Guarani), observa-se que ambas os povos almejam uma escola que

atenda às necessidades do dia-a-dia das aldeias, aos anseios da comunidade, de

modo que os alunos se preocupem em valorizar a própria cultura indígena, tanto

quanto a ascender aos saberes cientificamente sistematizados por outros grupos

humanos. Ou seja, uma escola onde não só reconheça a diferença, mas que seja a

motivadora do diálogo intercultural, de uma nova postura de interação, de

cooperação. Esses elementos já foram destacados em produções acadêmicas 36

que investigaram o processo de ensino-aprendizagem realizado nas aldeias em

decorrência do Programa de Educação Indígena Tupinikim e Guarani do Espírito

Santo.

Cota (2000), ao investigar a relação direta entre educação escolar e a causa

indígena, observou que dentro da comunidade, os diferentes atores do processo de

educação escolar – lideranças, educadores, pais e alunos – possuem motivações

variadas em frente ao papel da escola. A preocupação com o ensino-aprendizagem

de conteúdos específicos e científicos e o papel que deve ser desempenhado pela

escola “[...] nas falas das lideranças fica claro que elas vêem a escola como um dos

principais instrumentos para o resgate e a preservação cultural” (COTA, 2000. p.

129). Porém os educadores consideram que o constante discurso das lideranças

está tendo repercussões negativas, “[...], pois ao dar muita ênfase aos

etnoconhecimentos eles acabam deixando de esclarecer para a comunidade que

através da educação vai se também trabalhar conhecimentos específicos e

científicos” (COTA, 2000. p. 130).

Os educadores acrescentam ainda que “[...] a escola deve proporcionar aos alunos

uma educação intercultural” (COTA, 2000, p. 167) que lhes permita dialogar a

necessidade de recuperação e/ou a preservação cultural com conhecimentos

36 Conf: Cota (2000), Padilha (2004), Marcilino (2005), Neves (2005), Alcântara (2006), Jesus (2007), Magalhães (2007) e Teao (2007).

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sistematizados de outras culturas. Os pais e os alunos “[...] vêem a escola como

instituição onde os alunos devem aprender a ler e a escrever” (Cota, 2000, p. 167).

Apesar de apresentarem pontos de vista diferentes, Cota (2000) afirma que estes

“[...] não são divergentes e o desenvolvimento de um processo de ensino-

aprendizagem específico, diferenciado e intercultural poderá contemplar as

reivindicações de todos os segmentos da sociedade em questão” (Cota, 2000, p.

167).

A preocupação com o ensino-aprendizagem de conteúdos específicos e científicos

reflete-se ainda nos trabalhos de investigação científica realizados nas aldeias.

Desse modo, partindo de um levantamento bibliográfico37 acerca de todos os

trabalhos de pesquisa 38 acadêmicos já realizados no contexto indígena de Aracruz

ES, Cota (2007) constatou alguns resultados que apontam o interesse dos

pesquisadores podem ser divididos em três grupos.

[...] o primeiro constituído de pesquisas-ação realizadas como parte da formação continuada dos professores indígenas com o objetivo de aprofundar os conhecimentos desses professores acerca de conteúdos escolares; o segundo grupo é constituído por pesquisas que abordam temas variados relacionados a EEI; e o terceiro grupo de trabalhos que apresenta reflexões acerca da relação entre o resgate e a revitalização da cultura e a educação escolar (Cota, 2007, p. 05).

O levantamento analisado por Cota (2007) aponta que, em suas investigações, os

pesquisadores priorizaram apenas alguns aspectos do processo do

desenvolvimento do programa de Educação Escolar Indígena Tupinikim e Guarani

mesmo que seja comum em todas elas o entendimento de que “[...] a educação é

um processo histórico complexo e a formação dos educadores é apenas um dos

aspectos deste processo e não basta apenas que se garanta uma boa formação do

37 Conf. COTA, Maria da Graça. A produção teórica sobre a educação escolar indígena. 2007. O levantamento bibliográfico analisou as pesquisas realizadas no período de 1998 e 2007, em cursos de graduação, pós-graduação lato sensu e de Mestrado em instituições do Estado do Espírito Santo. Foi ainda analisada uma pesquisa realizada no Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ao todo foram totalizados 22 trabalhos. 38. No referido artigo a autora analisa a produção teórica do Programa de Educação Escolar Indígena Tupinikim e Guarani do Espírito Santo, à luz das reflexões de Paladino (2001) e Grupionni (2003). Cota (2007), analisou onze monografias e dez dissertações de mestrado. Em suas análises, observou que nas monografias, havia preferência de pesquisas pelo tema “a relação entre cultura e educação escolar”. Nos trabalhos de dissertações de mestrado ocorreu predominância à questão da formação inicial e continuada de professores indígenas.

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educador para que o ensino-aprendizagem escolar seja de qualidade” (Cota, 2000,

p.168). Pontuamos, ainda, que, quanto à formação do educador, há necessidade de

outros estudos que investiguem possíveis matizes dessa formação pois o que, na

maioria dos contextos educacionais é considerado como formação continuada não

se aplica ao educador indígena, uma vez que, para muitos esse estudo se

concretiza como a única possibilidade de formação.

No cotidiano das aldeias, as escolas são vistas como parte da comunidade e só têm

sentido se estiverem a serviço delas. É constante, nessas comunidades, a

solicitação das famílias por espaços onde as crianças possam ter acesso a

conhecimentos diversos que venham a fortalecer a “causa” indígena. Essa é uma

preocupação de toda a comunidade indígena, onde comumente caciques e

lideranças, Tupinikim ou Guarani, orientam aos educadores sobre a importância de

todos estarem juntos formando um elo para o fortalecimento do amor à terra e o

entendimento dos porquês de suas lutas sociais. Um pouco dessa preocupação

podemos ver ilustrada na fala do cacique Werá Kwaray39 (Antônio Carvalho), da

aldeia de Boa Esperança, proferida em uma reunião em 8-6-2005.

Tem que ter preocupação de levar esses conceitos para falar com as crianças sobre luta pela terra. O educador não pode ter divergência sobre luta pela terra. O educador e a tribo devem ter união. Através da união que conseguimos escola e parceiros. A educação diferenciada era proibida, hoje é mais fácil.

Os educadores índios são indicados e avaliados por suas comunidades, mas o

cacique e as lideranças são sempre envolvidos na resolução de casos que fogem

ao âmbito e/ou controle da escola. Desse modo, os povos indígenas vêem a escola

como um local de valorização da sua comunidade, porque resgata ou reforça sua

história, sua cultura, sua identidade étnica: um local de esperança de um futuro com

melhores condições de vida para as crianças. Nesse contexto, a formação e o

trabalho do educador tornam-se fundamentais na comunidade, pois, sua atividade é

entendida para além do ato de ensinar e muito mais como um processo de interação

de saberes produzidos de maneira histórica e coletivamente, ou seja, uma atividade

39 Cacique de etnia Guarani.

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política. Sendo assim, na sessão que segue, trataremos de questões pertinentes à

formação do educador da Educação infantil indígena.

3.1 - A FORMAÇÃO DO EDUCADOR INDÍGENA EM ARACRUZ-ES

No município de Aracruz (ES), a educação escolar para as comunidades Tupinikim

e Guarani começou a ser discutida no ano de 1994, quando um grupo de 18

educadores, acompanhados pelo Instituto de Desenvolvimento de Educação de

adultos (IDEA) e a Pastoral Indigenista, participou de um processo de formação

para trabalhar com a educação de jovens e adultos. Devido a esse processo, alguns

educadores foram contratados pela Secretaria Estadual de Educação do Espírito

Santo. Em cada aldeia funcionava um espaço (em escola ou em centros

comunitários) dedicado à educação de jovens e adultos. As aulas eram ministradas

à noite. A referida formação também obteve apoio do Núcleo Interinstitucional de

Saúde Indígena (NISI),40 um órgão constituído por uma comissão geral e três

subnúcleos (Saúde, Educação e Agricultura).

Em 1995, aconteceu o primeiro Seminário de Educação Indígena no município. O

seminário tinha por objetivo debater as questões da educação indígena e

sensibilizar os órgãos públicos em relação aos direitos dos indígenas e da

especificidade41 de sua educação diferenciada. Durante os anos de 1995 e 1996, o

Instituto para o Desenvolvimento e Educação de Adultos assumiu a coordenação da

construção de um currículo para a formação de educadores Tupinikim e Guarani e,

a partir daí, no período de 1996 a 1999, implementou o Curso de Magistério

40 Esse órgão tem como objetivo prestar serviços nas instâncias de consultoria, assessoria e articulação entre as instituições e/ou organizações responsáveis pelo cumprimento da política indigenista voltada para o desenvolvimento socioeconômico e cultural dos povos indígenas do referido município. O subnúcleo de Educação Indígena, naquele ínterim, era formado por: por órgãos governamentais (Secretaria Estadual de Educação, Secretaria Municipal de Educação de Aracruz e Fundação Nacional do Índio); por órgãos não-governamentais (Conselho Indigenista Missionário, Pastoral Indigenista e Instituto para o Desenvolvimento e Educação de Jovens e Adultos); por caciques e lideranças indígenas e pela Aracruz Celulose. Com exceção desta última instituição, os diferentes atores congregaram esforços para o grande desafio de construir nas aldeias de Aracruz uma educação escolar indígena para atender às necessidades e especificidades culturais das etnias Tupinikim e Guarani. 41 Em outubro do ano de 1995, foi realizado, na aldeia Guarani de Boa Esperança, o primeiro Seminário de Educação Guarani. Esse seminário contou com a participação de representantes da etnia Guarani de todo o Brasil e de representantes de organizações governamentais e não-governamentais.

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Indígena. O curso priorizava formar um grupo de educadores índios indicados por

suas comunidades que assumiriam, gradativamente, a tarefa de docência nas

escolas das aldeias. Foi realizado em 12 etapas divididas em duas modalidades de

formação (tempo-aula e tempo aldeia) com atividades diversas de estudo, pesquisa

e estágio feito nas próprias aldeias.

Em 2000, a Secretaria Municipal de Educação de Aracruz realizou um concurso

público – o primeiro do Brasil – para a seleção de educadores indígenas, o que

permitiu substituir progressivamente o contingente de profissionais não indígenas

nas salas de aula das escolas das aldeias. Em 2006, o atendimento escolar à

população indígena passou a ser assegurado por 52 educadores índios (46

Tupinikim e 6 Guarani) que atuam em 7 escolas, uma escola de educação infantil e

seis escolas de ensino fundamental. As escolas de ensino fundamental nas aldeias

também atendem a Educação Infantil e se encontram sob a responsabilidade

primeira da secretaria Municipal de Educação do já citado município.

A formação continuada desses educadores é compartilhada entre alguns

profissionais e alunos que atuam na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

e profissionais ligados ao Instituto de Pesquisa e Educação (IPE), Secretaria de

Estado de Educação (SEDU), Secretaria Municipal de Educação (SEMED), Pastoral

Indigenista. As formações são contínuas de modo a ajudar os educadores a

refletirem sobre suas práticas e tornarem-se mais eficazes em seus trabalhos de

campo, construindo ferramentas de análise e de ação que lhes permitam se

apropriar de instrumentos outros que lhes auxiliarão no trabalho pedagógico.

[...] los formadores, los animadores y los aprendices deberían participar en la elaboración de programas de formación que deberán permitirles ser cada vez mas eficaces en el trabajo educativo. [...] por una parte, a causa de la necesidad del proceso educativo de estar informado de los avances de las disciplinas a enseñar/aprender, y, por otra parte, por los avances de las disciplinas de las ciencias de la educación que pueden dar a los formadores y a los animadores nuevos y mejores instrumentos para mejorar el trabajo pedagógico (FAUNDEZ, 2006, p. 225).

O trabalho de parcerias muito contribui na interação dos conhecimentos e, como

nos aponta Foerste (2005, p. 148), “[...] na formação de professores vem somar no

debate da socialização profissional docente” O nosso trabalho de investigação

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insere-se no contexto dessa parceria. Investigando o lugar da linguagem oral na

educação infantil, em que pretendemos contribuir para que a educação infantil

indígena encontre novas formas de organizar o trabalho educativo com crianças

pequenas, estando sempre atentos para que a escola priorize a relação do fazer

pedagógico com uma ação política que vise às melhorias na vida social e na escola

da aldeia.

3.2 - A ESCOLA INDÍGENA INFANTIL EM ARACRUZ-ES

O atendimento às crianças da educação infantil nas aldeias aracruzenses iniciou-se

por volta de 1996. Antes dessa data, não havia o atendimento escolar à criança

indígena menor de sete anos. Em seu início de funcionamento, os objetivos do

atendimento eram essencialmente assistencialistas. Com efeito, a escola estava

mais preocupada com o suprimento às necessidades alimentares das crianças que

viviam em situação de muita pobreza. A maioria dos educadores que atuavam nas

salas de aula não era índia; eram profissionais moradores do entorno das aldeias. O

total de crianças atendidas nas aldeias abrangia, em média, 50 crianças distribuídas

conforme quadro abaixo:

Etnia Aldeia Quantidade de salas Tupinikim Pau-Brasil 01 sala Tupinikim Comboios 01 sala Tupinikim Caieiras Velhas 03 salas Guarani Boa Esperança 01 sala

Quadro 03: O atendimento escolar à população infantil indígena em Aracruz/1996 Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Aracruz/ ES

Os dados do censo escolar de 2005 mostram um certo incremento no atendimento à

população infantil e uma presença mais expressiva de educadores indígenas na

educação infantil: cinco escolas situadas nas aldeias de Pau Brasil, Irajá, Comboios

e Caieiras Velhas (etnia Tupinikim) e Três Palmeiras (etnia Guarani) atendiam 189

crianças sob a responsabilidade de sete educadores indígenas como segue na

tabela:

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Tabela 02: Educação Infantil Indígena nas Aldeias Tupinikim e Guarani - 2005

Idade dos Alunos Nº.de escola

Nº.de

prof.

Aldeias 0 a 3 anos 4 anos 5 anos 6 anos

Total

01 01 Pau Brasil -- 1 14 5 20 01 01 Três Palmeias -- 8 6 10 24 01 01 Irajá -- 3 13 8 24 01 01 Comboios -- 3 13 5 21 01 03 Caieiras Velhas 41 14 23 22 100

Total 41 29 69 50 189 Censo Escolar de 2005 Fonte: Setor de Estatística da Secretaria Municipal de Educação de Aracruz

Dados mais recentes apresentam um pequeno aumento de crianças atendidas

(2,6%) e um conseqüente acréscimo de 28.5% na atuação de educadores indígenas

(cf. a tabela abaixo). Além disso, as crianças de 3 anos também passaram a contar

com um educador não ficando apenas com monitores, como era o caso

anteriormente. Vejamos como os dados preliminares/ 2006 se apresentam:

Tabela 3 - Educação Infantil Indígena nas Aldeias Tupinikim e Guarani - 2006

Idade dos Alunos Nº.de escola

Nº.de

prof.

Aldeias 0 a 2

anos 3 anos 4 anos 5 anos 6 anos

Total

01 01 Pau Brasil -- -- 04 05 11 20 01 01 Irajá -- -- 04 08 07 19 01 02 Comboios -- -- 13 11 14 38 01 04 Caieiras Velhas 25 13 24 23 14 100 01 01 Boa Esperança 04 08 05 17

Total 25 13 49 55 51 194 Dados preliminares do Censo Escolar de 2006. Fonte: Setor de Estatística da Secretaria Municipal de Educação de Aracruz

O ensino, nessas escolas, é norteado por uma abordagem teórico-metodológica

denominada Pedagogia do Texto – como dissemos no Capítulo I – que propõe um

ensino-aprendizagem em que os envolvidos no processo educativo se apropriem de

modo qualitativo de conhecimentos diversos que lhes permitam compreender e, se

possível, transformar a realidade sócio-histórica em que vivem, de maneira a

continuar seu processo de desenvolvimento pessoal e comunitário.

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1 - Nossa aproximação do campo de estudo iniciou-se pelo contexto da formação

continuada dos educadores, pois nosso trabalho de pesquisa está associado ao

contexto indígena como uma das ações do programa de extensão “Formação

Continuada de Educadores Indígenas”.42

2 - O grupo de educadores que trabalha com a educação infantil indígena no

município de Aracruz, compõe um total de nove, sendo oito mulheres e um homem

com idade entre 25 e 43 anos. Eles atuam em cinco aldeias (Pau Brasil, Irajá,

Caieiras Velha, Comboios – etnia Tupinikim e Boa Esperança – etnia Guarani). A

maioria dos educadores tem formação profissional inicial em nível de ensino médio

em Magistério Indígena, concluído em 1999 43 ou do Magistério não-indígena

concluído entre 2000 e 2001 ou mesmo de outro curso. Além do Magistério

Indígena, atualmente duas educadoras do grupo estão em vias de concluir, em

2009, a licenciatura em Pedagogia. E outras duas, que já concluíram o curso de

Pedagogia, estão cursando uma pós-graduação em Educação Infantil. Todos esses

educadores de etnia Tupinikim. A educadora Guarani ainda participa de um curso

de formação do Magistério iniciado em 2003, com previsão de término em 2008.44

No grupo, a grande maioria dos educadores do têm em média uma experiência

profissional entre cinco e sete anos.

3.3 - OS SUJEITOS DA PESQUISA

As crianças das aldeias matriculadas em unidades da educação infantil compõem

um total de 194. Na aldeia de Caieiras Velhas há uma creche onde crianças

42 O projeto de extensão tem como justificativa a busca dos educadores indígenas em aprofundar os estudos sobre a PdT. Desse modo, envolvendo uma equipe multidisciplinar (línguas, ciências sociais, ciências naturais, matemática e fundamentos da educação) no período de maio/2006 a setembro/2006, desenvolveu-se a formação de educadores indígenas de três grupos de professores: 1) os professores da educação infantil; 2) os professores que trabalham com 1ª. a 4ª. séries; 3) os professores que trabalharão com as 5as. séries. 43 Dentre os nove educadores cinco fizeram como formação inicial o Magistério Indígena e três o Magistério não-Indígena. 44 O programa de formação escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil, realizado em Santa Catarina (2003-2008), envolve os Guarani dos Estados do Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. São cerca de 74 participantes que possuem escolaridade mínima de ensino fundamental e que terão formação de nível médio, sendo habilitados ao final do curso para exercerem o Magistério da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. Do Espírito Santo participam seis educadores, uma da educação infantil.

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pequenas de zero a três anos ficam em tempo integral. Na aldeia de Pau Brasil

(nosso espaço principal de investigação) há um único prédio escolar onde

funcionam, além da educação infantil, outras turmas do ensino fundamental (1ª a 4ª

série). Nesta e nas demais escolas indígenas, as atividades escolares acontecem

apenas pela manhã. À tarde as crianças têm um tempo para desenvolverem

atividades diversas: brincar de casinha, de boneca, de construtor de casa, de

bolinha de gude, de escolinha, de carrinho, futebol. Segundo os pais,45 diariamente

a criança é convidada a participar de atividades domésticas (arrumar uma cama,

limpar a cozinha etc) e participam da vida da aldeia em momentos de reunião

comunitária (fazem apresentações de teatros ou danças dos curumins ou

simplesmente acompanham seus pais). A comunidade Tupinikim tem efetivamente

se organizado de modo a promover ações que preservem e revitalizem suas

tradições. Têm discutido em reuniões o incentivo ao plantio de mudas sem

agrotóxicos; a necessidade de revitalizar a utilização de pinturas corporais e a

fabricação de enfeites; a atuação de grupos de mulheres que fazem artesanato e

principalmente, a abordagem de uma educação diferenciada oferecida pelas

escolas que dentre diversas ações proporciona as crianças o ensino da língua tupi.

Assim, as crianças e os adultos vêem na escola uma instituição que, inserida na

aldeia, contribui na educação das crianças, utilizando-se de mecanismos e

instrumentos que implementam, resgatam e preservam certos valores, seus

conhecimentos e saberes através do tempo. Na realização de nosso estudo

estivemos acompanhando mais detidamente as atividades realizadas na sala de

uma educadora da aldeia de Pau Brasil, onde havia 20 crianças sendo onze

meninas e nove meninos com idades variando entre quatro, cinco e seis. Além do

trabalho efetivo de acompanhamento a essa sala de aula, a pesquisa envolveu os

demais educadores indígenas da educação infantil nos instantes de formação que

com eles construímos um trabalho colaborativo.

No segundo semestre de 2005, apresentamos um esboço de projeto de

investigação aos educadores e por meio de uma votação entre os educadores, e de

acordo com os argumentos apresentados por eles, decidimos sobre qual educador

45 Para auxiliar na coleta de dados sobre as crianças, foi realizada entrevista com os pais dos alunos.

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abriria as portas de sua sala para a realização das filmagens necessárias à

investigação. O resultado teve como decisão a escolha de uma das professoras que

tinha alguns anos a mais de experiência na educação infantil e que estaria naquele

ano coordenando o grupo de estudo dos educadores indígenas da educação infantil.

Definida a educadora (moradora da aldeia de Pau Brasil), conversamos com o

cacique da referida aldeia. Logo após, obtivemos a licença oficial que viabilizou o

nosso primeiro contato com as crianças. No decorrer do segundo semestre de 2005,

acompanhamos os trabalhos de coordenação do grupo desenvolvido pela

professora e buscamos informações acerca da documentação que nos auxiliassem

na caracterização dos alunos. Na escola (Foto 4) da aldeia Pau Brasil atualmente

são sete funcionários: cinco professores (um da Educação Infantil e três do ensino

fundamental do 1º ao 5º ano). Um outro professor trabalha com a língua Tupi. Essas

aulas são dadas regularmente em todas as turmas, uma vez na semana. A escola

conta ainda com o pessoal de apoio constituído por duas outras funcionárias na

função de merendeira e de auxiliar de serviços gerais.

Foto 4 - Escola onde realizamos a investigação

O prédio da escola tem apenas três salas. Uma quarta funciona no centro

comunitário. O prédio necessita de uma reforma que lhe permita tornar-se mais

amplo e que melhor atenda às necessidades da comunidade. Segundo informações

dos educadores, a construção de um novo prédio escolar é uma ação que se

efetivará em período de curto prazo e o prédio escolar contará com uma arquitetura

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possível de proporcionar melhor atendimento às crianças estando em consonância

com as especificidades culturais.

Definida a educadora, realizamos, observação-participante desenvolvendo um

estudo exploratório46 com filmagens das aulas. Com o material gravado, pudemos

observar, de maneira mais detalhada, as práticas de linguagem oral adotadas na

sala de aula filmada.47 Esse foi o primeiro material videográfico relacionado com a

educação infantil indígena no Estado do Espírito Santo.

3.4 - O PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO

Como apontamos, os educadores indígenas já haviam sinalizado, de maneira

sistemática, a necessidade de reorganização do ensino da educação infantil

indígena. Seus questionamentos e preocupações estavam vinculados aos princípios

que fundamentam a Pedagogia do Texto, já apresentados no Capítulo II, item 2.4.

Desse modo, reconhecemos ser o ensino-aprendizagem da oralidade e pela

oralidade por si só parte do resgate e da preservação da cultura Tupinikim. Isso

porque esse objeto e recurso de aprendizagem é um dos elementos principais das

culturas indígenas. Assim, o problema, por nós pesquisado, centrou-se em

investigar o lugar da linguagem oral na educação infantil indígena, nos instantes de

produção de gêneros textuais orais específicos, focalizando o olhar nos espaços de

realização das rodas de conversa. Ou seja, tomar a “conversa na roda” como um

espaço de interação verbal, um espaço discursivo. O trabalho de campo se

estabeleceu por meio de contato direto e prolongado com a professora e as crianças

da educação infantil da aldeia de Pau Brasil. Essa vivência, no dia-a-dia das escolas

Tupinikim, possibilitou-nos realizar o trabalho por meio de uma pesquisa participante

de caráter etnográfico, vendo a pesquisa como uma relação entre sujeitos, numa

participação ativa tanto do investigador quanto do investigado. Em uma das etapas

da pesquisa, realizamos um estudo exploratório para melhor compreender o

46Mais adiante ainda neste capítulo apresentaremos as considerações mais detalhadas sobre o estudo exploratório realizado no período de 03-10 a 05-10-2005. 47 A realização da filmagem justificou-se pelo fato de ainda não haver no Estado do Espírito Santo nenhum material videográfico relacionado com a educação infantil indígena. O Instituto de Pesquisa e Educação (IPE) já possui um acervo de aproximadamente 239h22min de gravação de aulas de alunos de 1ª a 4ª série da educação indígena.

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processo educativo e o objeto de estudo. Realizamos a filmagem das aulas durante

o estudo exploratório e ao longo de toda a pesquisa participante. Desenvolvemos

ainda atividades de intervenção em nível de formação dos educadores e na

planificação de seqüências didáticas com diversas atividades realizadas em sala de

aula. Organizamos a transcrição das fitas para utilizar neste trabalho, segundo

algumas convenções semelhantes às utilizadas por Filietaz (2003), tais como as que

podemos conferir no ANEXO A.

Para a análise das transcrições, utilizando-nos do referencial teórico apresentado no

Capítulo II, buscamos inventariar e tipologizar as diferentes situações de interação

observadas na sala da educação infantil indígena, bem como caracterizar os

aspectos físicos como o lugar e o momento onde se desenvolvia a interação.

Estivemos atentos ainda em demarcar os objetivos gerais e pontuais

correspondentes aos diferentes atos de interação, identificando os papéis

interlocutivos procurando descrever a alternância de turnos de fala observando a

sucessão dos mesmos e o equilíbrio relativo ao tamanho desses turnos e a

focalização dos discursos. Outro aspecto ainda considerado foi a alternância das

mudanças de interlocutor e os possíveis disfuncionamentos dos sistemas de turnos

como os silêncios prolongados, as interrupções, as sobreposições de falas, a

intrusão.

Para o estudo exploratório, no período de três dias (3-10 a 5-10-2005), foram

observadas, filmadas e fotografadas todas as atividades desenvolvidas na sala de

aula, obtendo-se, assim, um acervo de 8h de filmagens. A filmagem foi realizada por

uma educadora indígena da aldeia de Pau Brasil. A seguir, listaremos as atividades

realizadas em cada um dos três dias observados, descrevendo em detalhes as

atividades com a linguagem oral. No primeiro dia da observação, devido a um

problema técnico, não foi possível gravarmos em vídeo as atividades desenvolvidas,

mas fizemos o registro no diário de campo e por meio de fotografias. A professora

desenvolveu as seguintes atividades:

1) apresentação do calendário: na sala de aula a educadora possuía um cartaz que

representava o calendário. Neste, havia opções de informação sobre o dia, o mês e

o ano vigente. Havia ainda alguns pequenos cartões indicativos do tempo,

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demonstrando se estava nublado, chuvoso ou ensolarado. A educadora realizava

essa atividade questionando os alunos: “que dia é hoje?”; “o dia está como hoje?”;

“ontem foi que dia?” O que mais nos chamou a atenção, na observação dessa aula,

foi que os questionamentos realizados pela educadora eram sucessivos e, à medida

que os alunos respondiam, ela inseria outra questão até que todas as informações

estivessem explicitadas. Toda atividade durou 23 minutos em seguida, a educadora

escreveu no quadro as informações sintetizadas na conversa e as crianças

copiaram.

2) Contagem dos alunos presentes: a professora desenha no quadro dois

bonequinhos, um representando os meninos e outro representando as meninas. Em

seguida, pede a um voluntário do grupo dos meninos que venha à frente da sala

para contar os meninos presentes. O mesmo se repete com as meninas. A criança

vai à frente (uma por vez) e conta as crianças presentes. Ao final da contagem,

escreve abaixo do referido desenho a quantidade equivalente ao número de

crianças contadas. Geralmente, quando a criança escreve o numeral, a professora

pergunta à turma se a resposta está correta e, em seguida, convida a todos para

confirmar a resposta contando, agora em conjunto, os meninos e, logo após, as

meninas. Para a realização dessa atividade, gastava-se em média dez minutos.

3) Roda da conversa intitulada de “hora da novidade”: essa atividade iniciou-se às

8h10min e terminou às 8h35min. Crianças e professora estavam sentadas ao chão

(Foto 5) . A professora iniciou a conversa perguntando aos alunos quem teria uma

novidade a contar para os demais colegas. Alguns disseram que haviam brincado,

outros que teriam ido até Aracruz com a mãe ou o pai. Após a exposição das

crianças, a educadora disse-lhes que sua novidade era informá-los do passeio que

fariam para observarem o lixo da aldeia.

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Foto 5 - Roda de conversa

Em sua exposição, a educadora orientou-os que durante o passeio ficassem todos

sempre juntos, de preferência de dois em dois, dando a mão um ao outro. Pediu que

não corressem se dispersando do grande grupo e, principalmente, que

observassem a aldeia o máximo possível durante o percurso, de modo a terem

muitas informações na volta para a sala.

4) Passeio (Foto 6) pelos arredores da aldeia: durante o percurso do passeio, a

professora ia orientando os alunos para que observassem a incidência de lixo pelas

ruas da aldeia. Os alunos, ao avistarem alguma garrafa, papel de bala, pedaço de

plástico etc, chamavam a professora ou mostravam para o colega. Pudemos

também observar que, ao longo do passeio, muitas crianças se interessavam pelo

que viam: uma borboleta que voava, os cachorros que brincavam, a identificação da

casa de um colega, do primo, da tia etc.

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Foto 6 - Passeio pela aldeia de Pau Brasil

5) Desenho do lixo (Foto 7) avistado durante o passeio: no retorno à sala e logo

após o recreio, os alunos foram divididos em grupos de quatro ou cinco e, em um

cartaz, desenharam o lixo que haviam avistado durante o passeio.

Foto 07 – Desenho do lixo avistado no passeio

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Na realização das diferentes atividades aqui apresentadas, a linguagem oral se

configurou como um veículo. Ou seja, serviu como meio de promover

questionamentos entre os alunos, instigando-os a fazer algumas relações. Era o

momento de expor idéias, dar opiniões, organizar ações, estruturar combinados de

modo que, assim, fosse possível desenvolver as atividades que haviam sido

propostas pelo professor. Observamos ainda que, para a realização das atividades

desse dia, em nenhum momento a linguagem oral foi tomada efetivamente como um

específico objeto de ensino.

No segundo dia de filmagem, foram gravadas duas fitas. Podemos dividir as

atividades em dois grandes blocos: no período entre 7h30min às 9h30min da

manhã, foi dada uma aula de Tupi por um educador diferente que não era a

professora titular. Com relação a essa aula, é importante notar que, no ano de 2005,

em todas as terças-feiras, os alunos de Pau Brasil tinham aula de Tupi 48 e, de

acordo com informação do professor, a dinâmica da aula seguia sempre um mesmo

ritmo.

À medida que introduzia as novas palavras o professor as escrevia no quadro em

português e em tupi. Em seguida começava uma seqüência de repetições em que o

educador falava a palavra em tupi e pedia que cada criança repetisse a palavra

apresentada. Depois dessa repetição individual, todos repetiam em coro a palavra

em tupi. Essa seqüência de apresentação de uma nova palavra se processava para

as demais. Na observação que fizemos da aula do dia 4-10-2005, foram

apresentadas três palavras: mesa – KARUÃBA; prato – NHA’E; cadeira –

GUAPICABA. Em alguns momentos de repetição, o professor também soletrava a

palavra. Após essa seqüência de atividade oral, o professor sugeria às crianças

escrevê-las. Elas pegavam os seus cadernos e copiavam os desenhos e a palavra

em tupi correspondente a cada figura desenhada. Em seguida, pintavam. Ao

finalizarem a atividade, o professor propunha fazer, então, a revisão do que foi

aprendido com uma nova etapa de repetições.

48 Essa ação era realizada em todas as escolas (porém em dias diferentes) das aldeias de etnia Tupinikim (Pau Brasil, Caieiras Velhas, Comboios e Irajá) pelo fato de essas comunidades estarem engajadas em implementar um projeto de resgate cultural no qual, dentre diversas outras ações que objetivam a revitalização de suas tradições, encontra-se o ensino da língua tupi para os alunos da educação infantil à 6ª série.

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O desenvolvimento dessa aula acontecia estruturalmente de uma única forma. No

formato apresentado, dá-nos a entender que a escrita ocupava o lugar de ser

principalmente um instrumento para se efetuar cópia de palavras em que a língua se

distinguia como um catálogo de palavras.

No período após o recreio (10h às 11h30min), a educadora titular utilizou o tempo

para uma conversa informal, relembrando com as crianças o que haviam feito no dia

anterior: apresentação de cartazes (seminário); música; uma conversa sobre o tema

da música; leitura (pela educadora) de um cartaz com uma lista contendo

informações sobre o tempo de decomposição de diversos e diferentes objetos

contidos na natureza; escrita (pela educadora) de uma lista com os nomes de

objetos (lixo) mencionados pelos alunos e avistados durante o passeio feito no dia

anterior, pelas ruas da aldeia; cópia e ilustração, pelos alunos, da lista constituída

no quadro-negro. Na segunda parte da aula, iniciada após o recreio, os alunos

foram divididos em seis mesinhas (duas com quatro alunos; três com três alunos e

uma com um aluno somente). Nem todos os alunos ficaram sentados e muitos deles

pareciam agitados, falando todos ao mesmo tempo.

1) Conversa informal: a educadora iniciou esse momento relembrar com os alunos o

que haviam feito no dia anterior. E assim foi repassando cada etapa da atividade

desenvolvida. O momento da conversa durou em média sete minutos.

2) Apresentação de cartazes (seminário): a educadora solicitou aos alunos que

viessem à frente do quadro organizar os respectivos grupos para a devida

apresentação dos cartazes. À medida que chamava os grupos, entregava-lhes o

cartaz. Houve um momento de certa tensão com a iminência de que as crianças

pudessem danificar os cartazes a serem apresentados, pois todos os grupos foram

à frente da sala ao mesmo tempo. Então, já não havia público para assistir as

apresentações. A filmagem foi interrompida. As crianças falavam ao mesmo tempo

não dando-nos condição de identificar o que diziam. Sugerimos à professora

chamar um grupo por vez de modo que, durante as apresentações, as crianças

pudessem ver o trabalho do colega. A sugestão foi aceita. Cada grupo veio à frente

para apresentar, falar, explicar o que fizera no desenho. As demais apresentações

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prosseguiram e, ao final dessas os “apresentadores” foram aplaudidos pelos

“espectadores”.

3) Música: a professora ensina uma música aos alunos que tem a temática

relacionada com a questão do meio ambiente e, em seguida, conversa com as

crianças sobre o tema apresentado na letra da música.

4) Leitura de lista de palavras: após cantarem a música, a educadora apresenta um

cartaz com duas listas: uma apresentando o material e, ao lado, o respectivo tempo

que será gasto até o material se decompor na natureza. Esse tempo de exposição

de vários conceitos leva em média 20 minutos. A considerar que era o período após

o recreio e que a exposição estava se delongando, os alunos começaram a

demonstrar cansaço: deitam-se sobre a mesa, tapam o rosto com o cabelo, bocejam

profundamente, balançam-se na cadeira.

5) Escrita de lista de palavras: a educadora pede que os alunos falem os nomes de

alguns dos objetos (tipos de lixo) que viram ao longo do passeio. Após escrever

quatro palavras no quadro, a educadora pede que alguns alunos as leiam. Por fim,

recomenda que os alunos tragam algumas garrafas para serem utilizadas na

confecção de um brinquedo. Podemos verificar que, também nesse dia, a linguagem

oral se apresentou apenas como um veículo de comunicação entre a professora e

os alunos.

No terceiro dia, foram filmadas várias atividades. Na primeira parte da aula antes do

recreio, filmamos cinco atividades: músicas, roda de conversa (foi feita a leitura de

uma história), organização do calendário, contagem dos alunos, escrita de palavras.

Na segunda parte, após o recreio (no período entre 10h e 11h30min), foi filmada a

seqüência que demonstra uma confecção de brinquedo com sucata (telefone sem

fio). Vejamos como se desenvolveram as atividades:

1) Músicas: enquanto algumas crianças terminavam de tomar o seu leite com

biscoito, a professora convidou os demais que fossem ao meio da sala e

organizassem uma roda para cantar algumas músicas. A professora pergunta às

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crianças que música gostariam de cantar e assim todos cantam e gesticulam de

acordo com a letra da música cantada.

2) Roda de conversa: alunos e professora estão sentados ao chão. Ao organizarem

a roda, a professora pergunta se alguém teria uma novidade a contar. As crianças

não respondem. Entretanto, há uma criança que, desde o início da aula,

demonstrou-se agitada, brincalhona, desviando a atenção dos colegas, mexendo

com um, mexendo com outro. Fala que tem uma novidade, porém a professora não

o considera. O aluno insiste dizendo ter uma novidade a contar, mas, como não se

apresenta claramente, a professora não lhe concede a vez de falar e depois muda o

assunto da roda, lendo uma história relacionada com a temática do meio ambiente.

A criança ainda insiste cantando uma música em voz alta para se fazer ouvir. A

professora lhe pede silêncio. Em seguida, faz, uma revisão de assuntos

relacionados com a aula do dia anterior. Porém a criança continua, não lhe dando

espaço, iniciando agora a cantiga.

Desse modo, a professora inicia a exposição de alguns conceitos relacionados com

a coleta seletiva de lixo, o uso racional dos rios e mares, a limpeza de quintais

ressaltando a importância do engajamento de cada pessoa na manutenção de uma

aldeia limpa e saudável e, na seqüência, leu uma história intitulada “A turma da

faxina”. Enquanto a professora lia a história, a maioria das crianças permanecia sem

dizer nada, mas se mexiam várias vezes, dando a entender que já estavam

cansadas, provavelmente com as costas doendo por ficarem em uma mesma

posição por um tempo relativamente grande. Ainda na roda, a educadora se lembra

de um comprador de sucata que havia passado na aldeia no dia anterior, relembra

as possibilidades em se reciclar algumas sucatas, como a garrafa descartável que

pode ser reciclada para a produção de vassouras, ou reutilizada servindo de

vasilhame para conservação de mantimentos etc. Nesse momento, então, a roda,

que seria de conversa, vai se transformando em um espaço pra uma aula expositiva

monologal da educadora. As crianças não tomam a palavra espontaneamente.

Apenas respondem a alguma questão feita pela professora, dispersam-se olhando

para os lados, levantando-se e saindo da roda, deitando-se no chão. Após essa

“conversa”, as crianças voltam para os seus lugares e a professora escreve uma

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lista com os nomes dos objetos que podem ser reciclados e as crianças copiam.

Foram utilizados para esse momento de roda de conversa 45 minutos.

Ficamos um pouco surpresa com a quantidade de tempo utilizado pela professora

para a realização da roda de conversa. Consideramos esse um período

relativamente grande para que a criança fique em uma mesma posição. Além disso,

os assuntos tratados na roda não ofereciam oportunidade para que a criança

interagisse opinando, perguntando, discordando criticando algo, por exemplo.

Na segunda parte da aula, a educadora confeccionou com as crianças um brinquedo

com sucata (telefone sem fio). Elas estavam organizadas em uma roda. A professora

fez a exposição explicando o modo de montagem do brinquedo. Durante esse

momento, as crianças demonstraram-se muito interessadas, com o olhar atento ao

que a professora explicava. Observamos que, para o desenvolvimento de cada tipo

de atividade, foi utilizado um tempo relativamente extenso, sobretudo na exposição

de conceitos. Não identificamos nenhum episódio de circulação de livros ou de

brinquedos na sala, o que daria uma outra dinamicidade às aulas. Com relação à

escrita, esta apareceu sempre como um instrumento para se efetuar cópia de

palavras e à linguagem oral não foi reservado um espaço de reflexão especial.

Esses dados mostram, com certa evidência, uma concepção de língua como um

catálogo de palavras. Por outro lado, chama a atenção o fato de que, quando a

atividade realizada considerava o interesse da criança, esta participava efetivamente

nas diferentes ações (ex.: a confecção de um telefone sem fio).

A socialização desse estudo exploratório foi realizada com os educadores em maio

de 2006, durante a primeira reunião da formação continuada. Na ocasião,

apresentamos aos educadores os objetivos do estudo, os encaminhamentos para

sua realização e os dados observados que consistiram basicamente em descrever

as práticas de linguagem oral mais realizadas nas salas de educação infantil. Esse

foi o primeiro dia da formação continuada, por isso é possível que tenha sido este

um dos motivos para que os educadores não debatessem sobre o que foi exposto.

Outro aspecto a se considerar é que, na cultura indígena, o silêncio é um movimento

que muitas vezes se realiza entre eles. Entretanto, torna-se importante pontuar que,

diante as atividades observadas, é urgente questionar quais os propósitos da atual

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educação escolar infantil desenvolvida nas aldeias. Até que ponto esse formato de

educação considera que a criança é sujeito inserido na, é também produtora de

cultura? Não estaria esse modelo educativo apenas transferindo para as aldeias e,

sem questionamentos, políticas geradas em contextos externos da sua realidade?

Seria essa uma forma de atender á “causa indígena”? Ou uma maneira de

posicionar-se totalmente alheia e contraproducente à realidade cultural? Enfim, é

urgente que se reveja a educação infantil das crianças indígenas de modo dar

destaque a uma educação infantil vista como o lugar do brincar, o lugar do

reconhecimento de identidades, o lugar do reconhecimento da cultura. Ou seja, que

com urgência se articule na comunidade escolar, reflexões e movimentos em favor

de uma proposta educativa em que a educação infantil, não se minimize em tempos

e espaços a servir, em demasia, o tratamento da criança como simples copiadora.

Respostas, ainda não temos. Mas colocamos aqui em debate, para que outras

investigações possam também contribuir na ampliação de discussões acerca do

processo de implementação da educação escolar infantil indígena.

3.5 - A PESQUISA PARTICIPANTE DE CARÁTER ETNOGRÁFICO

Esta pesquisa desenvolveu-se, pois, a um só tempo como um trabalho de

investigação e de intervenção tendo investigador e investigado como dois sujeitos

em interação constante. Como etapas de realização da pesquisa, organizamos

reuniões de formação com os educadores e, nesses encontros, planejamos

seqüências didáticas a serem desenvolvidas nas salas de aula. Para a utilização do

procedimento seqüência didática, partimos do pressuposto didático segundo o qual,

no contexto de se ensinar a escrever ou a expressar-se oralmente, é preciso criar

situações de produção precisas, efetuando atividades ou exercícios múltiplos e

variados de uma maneira sistemática em torno de um gênero textual oral ou escrito.

Autores como Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 97) esclarecem que a finalidade

de uma seqüência didática é “[...] de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de

texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa

dada situação de comunicação” Esses mesmos autores salientam ainda que as

seqüências didáticas “[...] servem [...] para dar acesso aos alunos a práticas de

linguagem novas ou dificilmente domináveis”. No artigo Seqüência didática para o

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oral e a escrita: apresentação de um procedimento, Dolz, Noverraz e Schneuwly

(2004) propuseram o seguinte esquema para estruturar uma seqüência didática.

Inicialmente, os alunos são colocados ou participam da construção de uma situação

de comunicação. Nesta etapa, têm uma apresentação clara e precisa para identificar

o destinatário do texto, o objetivo, a função comunicativa. Ou seja, sabem, de modo

objetivo, o que vão dizer, a quem se dirigir, bem como sobre o porquê se expressar.

Essa fase inicial de criação dá aos alunos suportes para que, em seguida,

organizem a primeira versão de um texto. A partir da conclusão da produção textual

primeira, o educador pode identificar e avaliar, de modo geral, as possibilidades e

limitações dos alunos em frente ao texto produzido. Também é muito útil para os

próprios alunos descobrirem o que já sabem e até o que ainda precisam avançar.

Assim, diante da avaliação feita, o educador planeja um conjunto de atividades que

ajudarão os alunos a construírem ferramentas conceituais e práticas para superar

problemas lingüístico-discursivos encontrados na produção inicial. Essas atividades

seqüenciais respondem às necessidades e dificuldades dos alunos e é constatada

como a terceira etapa em que são trabalhados, de maneira aprofundada e

sistemática, diferentes aspectos da linguagem assim como os aspectos semânticos

das informações ou conceitos que poderão ser colocados em cena nos textos

produzidos inicialmente.

Posteriormente à realização dessas atividades, os alunos são orientados a revisar o

texto produzido na primeira etapa, corrigindo-o para, em seguida, organizarem uma

versão final. A produção final é, então, o momento de atualizar as aprendizagens

ESQUEMA DA SEQÜÊNCIA DIDÁTICA

Apresentação da situação Produção inicial Etapas de realização Produção Final

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efetuadas, fornecendo alguns parâmetros para que os professores e alunos avaliem

os conhecimentos apropriados pelos alunos assim como os progressos realizados.

Tanto na formação dos educadores da educação infantil quanto no processo ensino-

aprendizagem propriamente dito, foi sempre considerado o princípio segundo o qual

as práticas de linguagem (oral ou escrita) são uma ponte de ligação entre os alunos

(com estatuto de enunciadores) e outros humanos, materializam em gêneros

textuais que são formas relativamente estáveis e subordinadas às situações

comunicativas. Em Mugrabi (2005), encontramos aportes teóricos que fundamentam

uma organização tipológica dos gêneros textuais, considerando diferentes esferas

de comunicação, nas quais os aprendizes transitam e/ou tomam parte. Levando em

conta que os saberes escolares, nas escolas indígenas, são organizados em

problemática e referendando-nos Mugrabi (2005), foram eleitas as tipologias

textuais: narrar, relatar, transmitir conhecimentos, regular comportamentos e

argumentar, as quais organizamos no Quadro 1 que segue:

Tipologiatextual

NARRAR

RELATAR

TRANSMITIR

CONHECIMENTOS

REGULAR

COMPORTAMENTOS

ARGUMENTAR

Gêneros Textuais relativamente estáveis

-Conto -Lenda -Fábula -Relato de aventura -Mitos

-História de vida Testemunho Reportagem -Relato histórico -Biografia -Diário

-Relatório de pesquisa -Entrevista -Apresentação de um brinquedo e seu funcionamento -Conferência ou exposição oral

-Descrição de um itinerário -Receitas de cozinha -Regras de jogo -Modo de montagem/ construção

-Texto de opinião -Cartas de resposta -Debate -Solicitação

Quadro 4: Esferas sociais de Comunicação

Na dinâmica do programa de formação continuada, propusemos aos educadores

indígenas a realização de duas seqüências didáticas (Apêndice A e Apêndice B). A

elaboração e o desenvolvimento das seqüências didáticas visavam a concentrar

atenções em atividades em que as crianças produzissem textos orais e fizessem

dessa produção um objeto de atenção particular.

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A primeira seqüência didática (Apêndice A) planejada tinha por objetivo realizar

quatro oficinas de aprendizagem para se refletir sobre o modo de montagem de

objetos e tinha como produção final a apresentação dos alunos para uma outra

classe. Na realização da seqüência, a problemática estudada era “A interação do

povo Tupinikim e Guarani com o meio ambiente”. Em virtude da problemática, a

tipologia textual selecionada foi instruir e o gênero textual o modo de montagem. Na

primeira oficina de aprendizagem, com os alunos organizados em uma “roda de

conversa”, a educadora expôs detalhadamente às crianças que lhes ensinaria a

fazer um brinquedo. Explicou-lhes ainda que, em seguida, deveriam formar grupos

para pensar em um brinquedo ou brincadeira que pudessem ensinar a uma outra

turma de alunos. Essa etapa da seqüência foi marcada por encadeamentos diversos

de palavras e também por silêncios, entonações, gestos, mímicas, demonstrando,

assim, estar constituída de diferentes sistemas semióticos que promovem a riqueza

da interação. A dinâmica discursiva foi desencadeada pela educadora que informou

aos alunos o que fariam. As crianças demonstraram certa curiosidade em saber que

brinquedo seria esse. Foram desenvolvidas algumas brincadeiras. Com os alunos

dispostos na roda, a educadora apresentou-lhes as brincadeiras que seriam

realizadas. Em toda a sua exposição, frisava os passos que as crianças deveriam

seguir ao ensinar algo a alguém. A atitude da educadora demonstrava a todo tempo

sua preocupação em orientar as crianças para que, de certa forma, elas fossem se

organizando e refletindo sobre as possibilidades do instante de interagirem com os

demais colegas, considerando, pois, o horizonte social que teriam ao apresentar.

Na segunda oficina de aprendizagem da primeira seqüência didática os alunos

estavam divididos em pequenos grupos e assim dispostos, deveriam confeccionar

um brinquedo ou pensar numa brincadeira que poderia ser ensinada a uma outra

turma de alunos. Na seqüência, a educadora instaura uma dinâmica favorável à

aprendizagem, a todo instante instigando os alunos, posicionando-se como uma

parceira mais experiente. Ao longo dessa conversa inicial, a alternância dos turnos

apresenta-se de modo equilibrado.

Na oficina de número três, a educadora apresenta aos alunos um texto que ensina a

fazer uma receita de bolo. Faz a receita com a participação das crianças e, em

seguida, discute na roda de conversa as ações realizadas apresentando os

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ingredientes aos alunos e ressaltando os materiais e os modos de fazer. Relembra

às crianças que, quando fossem ensinar aos colegas da outra classe, deveriam

também atentar para que seu discurso ficasse claro a quem lhes estivesse ouvindo.

Na oficina de número quatro, os alunos foram convidados a avaliar suas próprias

produções e a dos colegas para refletirem sobre os elementos e particularidades do

gênero receita e assim, se apropriarem com melhor discernimento de características

referentes ao gênero estudado Nestes instantes, uma atenção maior deveria

também ser dada à tomada de consciência acerca dos interlocutores dos textos

produzidos.

A etapa final dessa seqüência foi marcada, pela realização de uma roda de conversa

em que alunos e educadora relembram os ingredientes utilizados e os passos

seguidos na confecção do bolo de chocolate e de outras atividades, como a

montagem de algum brinquedo: bilboquê, vai-e-vem, binóculo e telefone sem fio. Em

seguida, combinam apresentar para a turma de uma outra professora o modo de

montagem de um brinquedo. Organizam-se a apresentação de forma que cada

pessoa do grupo, ao apresentar, tivesse uma função definida permitindo que o modo

de montagem ficasse compreensível a todos os espectadores.

Num encontro de formação posterior ao desenvolvimento desta primeira seqüência

didática, fizemos com os educadores a avaliação do desenvolvimento das

atividades. Abordamos, então, os tópicos que se referiam às questões relacionadas

com as dificuldades vivenciadas pelos professores e pelos alunos durante a

realização da seqüência. Os educadores pontuaram que as maiores dificuldades dos

alunos foram na organização do que iriam falar; eles sentiam vergonha de falar, e

alguns não sabiam estruturar o que queriam dizer. Quanto às suas próprias

dificuldades, os educadores fizeram referência ao fato de que duvidavam que os

alunos pudessem realizar o que havia sido proposto na atividade, demonstrando que

se surpreenderam com o potencial das crianças. No comentário de um educador

temos;

[...] os meus alunos são crianças de três anos. Eu achava que eles não iam conseguir fazer. Na atividade eles deveriam trocar, dividir os materiais... Aí que achei que não ia dar certo porque criança de três anos quer tudo para ela ‘é meu, tudo é meu’. Mas não foi assim. E eu fiquei

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surpresa com eles (EDUCADORA DE CAIEIRAS VELHAS, alunos de três e quatro anos).

Alguns educadores citaram ainda a dificuldade de registrar o que os alunos falavam.

Outros pontuaram a questão referente ao fato de se providenciar os materiais, pois,

uma vez que a seqüência propunha a realização de brinquedos, precisava-se de

sucata e, em alguns momentos, isso foi um problema, porque algumas crianças se

esqueciam de levar para a sala de aula o material necessário.

A segunda seqüência didática (Apêndice B) foi norteada pela problemática “A

organização histórica social e política no contexto local, regional, nacional e

mundial”. Por isso, em relação a tipologia do relatar, os educadores optaram pelo

estudo do gênero “história de vida”. Nessa seqüência didática foram desenvolvidas

uma etapa de apresentação, seis oficinas de aprendizagem e a produção final.

Na etapa inicial, a educadora, conversou com as crianças, apresentando-lhes a

proposta de se fazer a montagem de um documentário/arquivo. O arquivo seria

composto de depoimentos das crianças relatando fatos importantes ocorridos em

sua vida. O acervo teria por objetivo, servir como material pedagógico para a escola.

Por meio dele, a escola teria acesso a relatos de caráter histórico que dariam pistas

sobre a reorganização da aldeia.

Na primeira oficina de aprendizagem dessa segunda seqüência, os alunos foram

convidados a organizar um texto oral partindo da seguinte proposição: “Vamos falar

sobre alguns fatos ocorridos em sua história de vida”. As crianças estavam dispostas

em roda e a educadora leu um texto que apresentava a história de vida de um ex-

cacique da aldeia de Caieiras Velhas.49 As crianças ouviram a história em silêncio e

com interesse. Após a leitura, a professora fez várias perguntas a título de retomar

os fatos mais importantes relacionados com a história lida. Em seguida, cantaram

algumas músicas típicas das festas indígenas. Na continuidade conversaram e

decidiram convidar e entrevistar na sala de aula, uma pessoa de destaque da aldeia.

49 Caieiras Velhas é também uma das aldeias de etnia Tupinikim.

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Na segunda oficina de aprendizagem discutiram e definiram as perguntas a serem

feitas ao entrevistado. Na terceira, foi realizada a entrevista.

Na quarta oficina, assistiram à gravação realizada com os primeiros relatos e

realizaram uma reflexão de modo perceber que outras possibilidades de dizer

poderiam ser retomadas a fim de promover algumas melhoras no texto já gravado.

Assim as crianças conversaram sobre questões tais: a) se o enunciado estava claro

ou não, audível ou não; b) se foram faladas palavras sem muita ligação que

poderiam comprometer o entendimento do interlocutor; c) se os eventos e ações

anunciadas seguiram uma ordem de hierarquia do acontecimento.

A quinta oficina de aprendizagem foi dedicada à gravação de outros depoimentos. À

medida que avançávamos nas gravações, apresentávamos às crianças o resultado

das gravações. Em roda de conversa todos os envolvidos observavam se, de fato, o

texto gravado atendia ou não ao propósito da atividade apresentado no início.

Na sexta oficina, realizamos com as crianças um exercício de análise e reflexão em

um texto já produzido em duas outras versões. Partindo dessa discussão, a criança

produtora do texto analisado, elaborou uma a terceira versão. E no capítulo que

segue estaremos apresentando os resultados que pudemos constatar a partir da

utilização da atividade interativa.

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4 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS: ALGUNS IMPACTOS NA PRODUÇÃO

TEXTUAL ORAL DE CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Neste capítulo, faremos a descrição e análise dos dados que obtivemos, tomando

em conta nossas questões de investigação e o referencial teórico já explicitado. Para

tanto, o capítulo dividir-se-á em três seções que serão norteados pela busca de

respostas às questões inicialmente formuladas. Ao desenvolver a pesquisa

participante de caráter etnográfico e planejar com os educadores duas seqüências

didáticas privilegiamos a roda de conversa como principal lugar de observação das

interações da educadora com as crianças e destas com os seus pares. Porém não

nos privamos de apresentar outras situações em que a linguagem oral se fez

presente e nos apresentou elementos instigadores de análise nos momentos das

interações. Algumas dessas interações serão aqui contextualizadas para logo após

apresentarmos o desenrolar das atividades de produção textual oral das crianças,

ressaltando o desenvolvimento de capacidade de linguagem (ação, discursiva e

lingüístico-discursiva). Quanto à privacidade dos sujeitos pesquisados, cabe ainda

salientar que utilizamos, para nomeá-los, letras iniciais fictícias.

No que se refere à significação de um episódio, estamos tomando como uma fração

recortada dentro de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta, ou seja, assim

como apontou Bakhtin (2004, p. 123) “[...] apenas um momento na evolução

contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado”. Cada episódio

selecionado será considerado um enunciado concreto. Desse modo, mais uma vez

compartilhando dos pressupostos bakhtinianos (2004), queremos ratificar que

também para nós a verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno

social da interação verbal que se realiza nas interações, sem nos esquecer de que,

na realização de enunciados concretos, o contexto extraverbal tem particular

relevância. Sendo assim, quando analisamos os episódios, corpus de nossas

análises, estivemos sempre atentas ao contexto extraverbal, haja vista o fato de este

abranger três fatores: o horizonte espacial dos interlocutores, que aqui em nosso

trabalho se constituiu principalmente pela sala de aula, o instante espacial histórico

das enunciações; o conhecimento e a compreensão comum aos interlocutores, ou

seja, como a educadora e os alunos e estes com seus pares compartilham os papéis

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por eles assumidos em determinadas interações; a avaliação comum que orienta o

discurso dos interlocutores, ou seja, como estes apresentaram uma expressão

volitiva diante as interações realizadas.

Para selecionar os episódios, considerando em todo instante a comunicação verbal

concreta, nosso olhar considerou o que Bakhtin (2004, p. 124) apontou sobre como

deveria ser o estudo da língua:

1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza. 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estrita com a interação de que constituem os elementos, Isto é as categorias de atos de fala da vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal. 3. A partir daí, exame das formas na sua interpretação lingüística habitual.

Assim, no discorrer desta análise de dados, reportamo-nos constantemente às

bases enunciativo-discursiva e sócio-histórico-cultural, respectivamente, por

entendermos a apropriação da linguagem (seja oral, seja escrita) como um elemento

essencial na constituição dos sujeitos e na compreensão do mundo. Dessa forma,

reafirmamos nosso reconhecimento de que o processo de ensino-aprendizagem é

um processo de natureza social.

4.1 - ATIVIDADES DE LINGUAGEM ORAL FREQÜENTEMENTE REALIZADAS

NAS SALAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA TUPINIKIM

Realizamos o estudo exploratório com o propósito de encontrar elementos de

resposta à questão: “Que atividades de linguagem oral são freqüentemente

realizadas nas salas de aula da educação infantil indígena?”. A análise das

filmagens realizadas permitiu-nos constatar que as principais atividades de

linguagem oral constituíam-se em: identificação do dia da semana, mês, ano e

situação do clima a partir da exploração de um calendário; contagem dos alunos

presentes; roda de conversa, que sempre se iniciava com a chamada “hora da

novidade”; apresentação de cartazes (seminários); leitura de história; passagem de

instruções. Nessas atividades, o ensino da linguagem oral assumia um status

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relativamente secundário. Sua presença dava-se muito mais como um veículo

gerenciador das atividades propostas pela educadora. Obtivemos exemplos da

hipótese que inferíamos nas situações que foram transcritas a partir das gravações

em vídeo realizadas durante o estudo exploratório.50 Na sala observada (Foto 8), a

organização física permitia que os alunos estivessem diariamente reunidos em

pequenos grupos de três a quatro crianças.

Foto 8 – Alunos dispostos em pequenos grupos na sala de aula

Com as crianças assim dispostas nos grupos, a educadora encontrava-se em frente

ao quadro-de-giz. As tarefas propostas para o dia constituíam-se de cinco

atividades: a organização do calendário; cantar música; roda de conversa; escrita de

palavras e confecção de brinquedo com sucata. Temos abaixo alguns extratos da

conversa que permearam as interações verbais, no instante de duas diferentes

atividades em que a linguagem oral se fez presente: organização do calendário e

roda de conversa:

50 Optamos por fazer uso do episódio ocorrido na aula do dia 4-10-05 por dois motivos: primeiro porque a realização dessa atividade demonstrou-nos ser muito semelhante às demais dos outros dias letivos subseqüentes (o que pudemos também comprovar na coleta de dados realizada no ano de 2006); segundo, pelo fato da aula do primeiro dia do estudo exploratório não ter sido filmada. Dessa guardamos apenas alguns registros escritos e outros fotográficos. Sendo assim, pensamos que a transcrição do extrato de uma aula filmada poderia melhor explicitar as características referentes à atividade de apresentação de calendário, uma atividade realizada no início de todas as aulas.

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4.1.1 - Organização do calendário

Com a atividade de organizar o calendário, a educadora propunha diariamente que

as crianças identificassem as informações que lhes permitissem situar em relação ao

dia da semana, o mês, o ano e algum aspecto climático (se o dia estava frio,

nublado, chuvoso, ensolarado etc.).

Episódio 1 1 - K: _ que dia é hoje? 2 - A: _ quinta. 3 - K: _ hoje é quinta? Ontem foi aula de quem, ontem?? 4 - A: _ Ma l!!! [falam todos] 5 - K: _ que dia que é aula de Ma? 6 - A1: _ quarta! 7 - A2: _ quinta! 8 - A3: _ sexta, sábado, domingo! 9 - K: _ olha, presta atenção, que dia da semana Ma dá aula? 10 - A1: _ quarta. 11 - A2: _ quinta. 12 - A3: _ terça. 13 - K: _ muito bem, An, terça-feira. Ta bom, ontem foi terça-feira. Depois de terça vem... 14 - A: _ quarta. [respondem todos]

O pequeno recorte acima mostra uma interação entre a educadora e os alunos sob o

formato de “questionário”. Ou seja, a educadora lança uma pergunta e os alunos

respondem. No entanto os enunciados desses últimos não aparecem como

construções autônomas, pois as crianças organizam suas respostas utilizando

apenas uma única palavra que é proferida em cadência rítmica (a exemplo temos

“quinta”//turno 2; “quarta”//turno 4). Quando respondem, parecem não demonstrar

uma apropriação segura acerca do dado solicitado. Elas repetem os nomes dos dias

da semana como algo facilmente recuperável pela memória (turnos 6, 7, 8 ou 10; 11

e 12). A educadora oferece alguns recursos mnemônicos para facilitar a resposta a

ser dada, tais como: advérbios temporais associados a outras informações do

contexto escolar (“hoje é quinta? Ontem foi aula de quem, ontem?”//turno 3; ou

conjunções “depois de terça vem...”). Os alunos vão orientando suas respostas

também a partir da entonação que a professora dá (“hoje é quinta?”//turno 3; “olha,

presta atenção, que dia da semana Manoel dá aula?”//turno 9). Ela constrói esse

vínculo mnemotécnico desde o início de sua conversa com as crianças.

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Episódio 2 15 - K: _ então, hoje é quarta-feira, 05 de... que mês nós estamos? 16 - A: _ setembro! 17 - K: _ setembro? Já trocamos de mês? 18 - A: _ outubro! 19 - K: _ isso! 5 de outubro. Hoje é quarta-feira, 5 de outubro. Muito bem!! _ Ga, que ano nós estamos? 20 - A: _ 2005. 21 - K: _ 2005. Muito bem!! Am., o tempo hoje está como? 22 - A: _ nublado. 23 - K: _ nublado?? 24 - A: _ sol. 25 - K: _ hoje o sol esta lindo. Está brilhando para todos. 26 - A: _ K., aquele cachorro que tava querendo morder a gente lá em cima? Então, ta lá em casa. 27 - K: _ e você tá com ele?? 28 - A: _ não, ele foi lá. Foi ele sozinho e ficou lá em casa. Ah, quando eu vim pra escola eu vi ele. 29 - K: _ ta, qual o nome da estação que nós estamos?

Outro aspecto interessante a observar na interação da professora com os alunos é

sua necessidade de integrar os alunos na “conversa”, utilizando, para tanto,

marcadores de pessoa (nós = você + eu) e flexões verbais na primeira pessoa plural

(estamos, trocamos). Na seqüência do episódio 2, é possível observar que uma

criança introduz outra unidade temática (“K., aquele cachorro que tava querendo

morder a gente lá em cima? Então, ta lá em casa” // turno 26). A educadora não

ignora, considera o enunciado do aluno, entra momentaneamente no seu jogo

discursivo (turno 27), encerrando-o com um elemento coesivo (“então, tá” // turnos

15 e 29) quando se dá conta que isso pode desviar a atenção dos demais alunos.

Para marcar seu retorno à interação com o conjunto da classe, ela utiliza “tá”, como

recuperador do assunto a priori apresentado por ela (turno 29), ou seja, a

identificação de informações acerca do calendário. Nota-se também a utilização pela

educadora de unidades lingüísticas com conotação avaliativas (isso, muito bem //

turnos 18 e 21), e outras com características conclusivas (já // turno 17) que

orientam os turnos seguintes dos alunos. Na utilização de perguntas com uma

entonação incisiva (“já trocamos de mês? // turno 17 ou “nublado?” // turno 23), a

professora alerta a atenção da criança, direcionando-a à correção de suas respostas

(“outubro” // turno 18 ou “sol” // turno 24). A entonação da professora serve para

validar ou colocar em dúvida uma resposta dada pelo aluno.

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Episódio 3 30 - A: _ ... [silêncio] 31 - K: _ nós estamos no inverno ainda? 32 - A: _ não!! [todos] 33 - K: _ não, agora nós estamos na prima... 34 - A1: _ vera. [todos] 35 - A2: _ K., K., agora eu vou fazer assim ó. [mostra os cinco dedos da mãozinha aberta] 36 - K: _ vai fazer cinco anos? Que dia você faz cinco anos? 37 - A: _ é daqui a pouquinho. 38 - K: _ ah!! É daqui a pouquinho? Tá... [pausa de dois segundos]. Então vamos lá, neste calendário aqui. Vou pedir para trocar para mim. Lu que esta fazendo gracinha.

No episódio 3, nota-se a utilização de termos dubidativos (“nós estamos no inverno

ainda” // turno 31). Nota-se também que, pelo receio do erro, ou a criança se omite

([silêncio] // turno 30) ou faz ecoar sua voz na voz da professora (“vera” // turno 34)

ou ainda responde em coro (turno 32 e 34). Também nesse recorte é possível

vislumbrar um tom parcialmente coercitivo ou punitivo que a palavra da educadora

pode adquirir (turno 38).

Episódio 4 39 - K:_ vai lá Lu. [a criança vai] troca o calendário na data certa ai hein!! 40 - Lu: _ qual é? 41 - K: _ não sei. Quem prestou atenção sabe, né? Qual o dia? Que dia nós estamos? [A criança faz as tentativas de colocar o marcador no dia certo. Põe no 3. Põe no 4. Então a professora direciona pergunta à classe] 42 - K: _ hoje é 4 gente? 43 - A: _ não!!! [todos] [Lu faz outras tentativas enquanto os colegas murmuram] 44 - A1: _ não é esse não! 45 - A2: _ eu tô vendo o 5 daqui! 46 - A3: _ daqui eu tô vendo o 5! 47 - A4: _ ih, daqui eu tô vendo o 5. È, daqui eu tô vendo o 5! [Lu põe o marcador no 5] 48 - K: _ hoje então é que dia mesmo gente? Vamos ajudar ele. Hoje é dia 5 de outubro, quarta-feira. Estamos no mês de outubro.

No episódio 4, o enunciado 41 da educadora adquire um tom claramente punitivo

(“não sei. Quem prestou atenção sabe, né?” // turno 41), ao chamar a atenção do

aluno que estava fazendo “gracinha” (turno 38) e também ao sonegar-lhe uma

informação pedida. A falta cometida pelo aluno não é problematizada pela

educadora. Os colegas lhe vêm em apoio (turnos 44, 45, 46, 47), demonstrando

muita cumplicidade entre si.

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4.1.2 - Roda de conversa

Na realização da roda de conversa, as crianças tinham a oportunidade de “contar” o

que quisessem como um sonho, um passeio ou alguma atividade realizada em casa.

Entretanto, nem sempre assim acontecia. Essas rodas de conversa realizavam-se

diariamente no início das atividades escolares e após a organização do calendário.

Apresentavam-se organizadas em um mesmo formato: a) a educadora solicitava aos

alunos que organizassem uma rodinha, pedindo que todos se sentassem ao chão; b)

dizia aos alunos ser aquele o instante propício para contarem quaisquer novidades

que tivessem; c) a educadora dirigia a todos a interlocução: “Vamos lá! Alguém tem

alguma coisa para falar pra gente? Alguma novidade?”; d) seguindo a disposição

dos alunos na roda, a educadora citava o nome da criança e dirigia-lhe o

questionamento: ”P, você tem novidade?” Na realização da atividade, observamos

que as repostas da maioria das crianças eram sempre muito parecidas. Em certas

ocasiões eram respostas até evasivas, de modo que a participação dos envolvidos

parecia não se materializar como uma atitude dialógica (Bakhtin, 2004).

No episódio, transcrito a seguir, desde o início das atividades, o aluno El era a

criança que mais se evidenciava, demonstrando-se inquieto, agitado, mas, ao

mesmo tempo, brincalhão. A todo o instante, procurava desviar a atenção dos

demais colegas, mexendo com um ou com outro, como poderá ser observado nos

episódios selecionados.

Episódio 1 49 - K: _ Vamos lá! Alguém tem alguma coisa para falar pra gente? 50 - A: _ Não! 51 - El.: _ Eu tenho. Eu fui na casa de Gr. 52 - P: _ Você tem? [professora pergunta a outra criança] 53 - A: _ [criança não responde] 54 - P: _ vamos lá!! Ninguém tem uma novidade? 55 - El.: _ eu tenho. 56 - A1: _ você tem El? [e sorri] 57 - P: _ fala, Le. sua novidade.

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Sentados ao chão, a educadora convida os alunos a se pronunciarem (vamos lá //

turno 49). Apesar de El dizer que tem o que falar (turno 51, 55), a educadora não o

considera, parecendo atribuir a essa criança o papel de simples espectador, de

testemunha da interação (Kerbrat-Orecchioni, 2006, p. 28). Ou seja, parecia que El

constituía uma “ameaça” à expectativa da educadora em desenvolver

harmoniosamente um momento de conversa com as crianças da sala de modo que

cada uma pudesse contar sua novidade. Entretanto por seus marcadores 51

paraverbais (intensidade articulatória no turno 55) ou não-verbais (na formação da

roda não permanece sentado como os demais colegas, levanta a perna, braço), El

se torna a “novidade”, mas a educadora reluta em admitir, privando-o do direito à

palavra e lançando-a aos demais membros do grupo (turnos 52, 54 e 57).

Episódio 2 [El continua a insistir] 58 - El: _ fui na casa de Gr.... fui na casa de Gr com meu irmão... fui na casa de Gr., liguei o computador. 59 - P: _ Le., você tem novidade? 60 - Le.: _ eu não tenho novidade não. 61 - P: _ tem não? Ninguém tem uma... 62 - El: _ não, eu derrubei o computador. 63 - A: _ [risos] 64 - P: _ El tem uma novidade pra contar pra nós né? Tem El?

No episódio 2, notamos que o aluno continua a insistir, desejoso de obter

autorização para falar. Como não a obtém, intervém (turnos 58 e 62) narrando um

fato ocorrido. Mesmo que a princípio a educadora não lhe conceda a palavra, a

insistência da criança se justifica, uma vez que os demais colegas demonstram

interesse no que ele tem a dizer (turno 63). Kerbrat-Orecchioni (2006) pontua que há

fatores implicadores do nível relacional apresentando que, numa troca particular,

depende ao mesmo tempo de características externas e internas.

Toda interação se desenrola num certo quadro e põe em presença determinadas pessoas, que possuem algumas características particulares e que entretêm um certo laço socioafetivo: são os dados externos [...] ocorrerá um certo número de eventos e será trocado um certo número de signos [...] ou seja, a relação é geralmente negociável [...] (Kerbrat-OrecchionI, 2006, p. 63-64).

51 Segundo Kerbrat-Orecchioni (1996), os marcadores são unidades pertinentes à conversação que delimitam a relação de lugares.

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Isso confirma o que Bakhtin (2004, p. 113) diz a respeito da enunciação, uma vez

que é certo que ela, na sua totalidade, é socialmente dirigida. A insistência da

criança resulta positivamente de modo que assim a educadora admite que ele

assuma o papel de falante (turno 64).

Episódio 3 80 - El: Dorme neném que a cuca vai pegar. 81 - K: _ veja só... 82 - El: _ dorme neném que a cuca vai pegar... dorme neném... 83 - K: _ El, eu quero falar! 84 - El: _ dorme neném, papai foi trabalhar. 85 - K: _ [silêncio de três segundos] 86 - El: _ papai foi na festa... 87 - K: _ posso falar El? 88 - El: _ perdeu a cueca. 89 - K: _ posso falar? 90 - El: _ pode, fala aí!! 91 - K: _ vamos lá! Vamos dar continuidade da aula de ontem.

No episódio 3, é visivelmente marcante a luta que se forma entre El e a educadora.

O primeiro como não consegue obter a atenção com a utilização da fala, apela para

a música (turno 80, 82, 84, 86 e 88). Na realização desses turnos, a criança fala de

forma muito rápida. Instaura-se na conversa um certo desconforto. O episódios 4, a

seguir, ilustra como a educadora utiliza o espaço da roda para desenvolver e

explorar um conteúdo entre os alunos.

Episódio 4 92 - A: [vários alunos falam ao mesmo tempo] 93 - P: _ o que ontem nós trabalhamos? Nós trabalhamos em relação ao lixo, né? Né isso que nós estamos trabalhando? 94 - A: _ éééé! 95 - P: _ ainda quando eu tava vindo o Ga falou assim “nossa, K. quanto lixo ali né?”, porque o rapaz do ônibus varreu o ônibus e jogou o lixo todo ali na rua, né? Então ele poderia ter feito o que quando ele varreu lá? 96 - A: _ [silêncio de três segundos] 97 - P: _ ele poderia ter feito o quê? [silêncio de dois segundos] 98 – Mi: era pra pegar o lixo e jogar dentro do carro do lixo para o carro levar. 99 - P: _ mas antes de botar no caminhão do lixo? Ele tinha que fazer o quê? 100 – Mi: _ botar dentro da lata pro cachorro não pegar. 101 - P: _ Mi, ele teria que colocar dentro de quê? 102 - A: _ do latão. 103 - P: _ de uma sa – co – la.

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104 - A: _ la. 105 - P: _ ou dentro de um... 106 - A1: _ balde. 107 - A2: _ latão. 108- P: _latão de lixo. Mesmo que a gente coloque dentro de um latão de lixo nós temos que ter uma sa cola. 109 - A: _ cola. 110 - P: _não é assim? Né? Então é... na rua, no quintal que nós já vimos e o lixo é... prejudica ao meio ambi ente. 111 - A: _ ente. 112 - P: _ não é? Nós vimos. Prejudica o meio ambiente... o que que ele faz ao meio ambiente? 113 - A: _ [nenhuma criança responde]

No episódio 4, é possível observar uma extensa exposição da educadora, cabendo

aos demais interlocutores uma participação marcada por certa limitação em repetir

as sílabas finais de cada turno realizado pela educadora (turnos 104, 109, 111).

Episódio 5 147-K: _então agora eu vou ler um texto que fala sobre a “Turma da faxina” ... vão... Mi. guarda esse caderno. Negócio de Mi. é escrever... então vamos lá...

Apesar de ser um recorte relativamente curto, o episódio 5 é revelador de como

algumas crianças reagem em frente ao desenvolvimento da roda de conversa. Os

alunos estão sentados em roda. Nesse espaço, a educadora expõe acerca de

diversos assuntos: a coleta seletiva do lixo, o caminhão que passa na aldeia e que

compra latinhas, o papel que pode ser reciclado, a garrafa descartável que pode ser

reaproveitada, reutilizada e servir de vasilhame para conservação de mantimentos

ou, então, ser reciclada para a produção de vassouras.

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Foto 9 - Leitura de texto na roda de conversa

Em seguida, comunica-lhes que irá ler (Foto 9) um texto. As crianças, já sentadas

em uma mesma posição em um tempo de permanência que se aproximava de 40

minutos, começam a demonstrar cansaço. Parecem não desejar estar mais naquela

posição, demonstrando o entendimento de que, para elas, estudar vai além da

atividade de apenas ouvir ou de falar. Estudar seria, assim, o sinônimo de

“escrever”, “utilizar o caderno”. Na seqüência, enquanto a professora esta falando,

Mi levanta-se pega seu caderno e logo, em seguida, é chamada pela educadora.

Fica, então, mais evidente constatar esse entendimento pela criança. É possível

verificar que, ao ser chamada pela educadora, a criança volta e senta-se ao chão,

na formação da roda, mas não guarda o caderno. Fica com ele em suas mãos,

abraçada. Nos instantes posteriores em que a roda se processa fica ainda com o

lápis, como se estivesse anotando os fatos importantes discutidos durante a roda de

conversa.

Com a observação das atividades mais freqüentemente realizadas é possível

verificar que, seja da parte do educador, ou seja, da parte da criança, a escrita

demonstra ter mais privilégio em detrimento da atividade oral. Outra questão

importantíssima a pontuar é que diante as atividades observadas, torna-se urgente

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questionar quais os propósitos da atual educação escolar infantil realizada nas

aldeias. Pelo que foi por nós observado, o foco central de todas as atividades

priorizavam uma dinâmica em que as crianças se posicionavam efetivamente como

copiadoras. Por isso, numa postura que encare as crianças como sujeitos de direito,

produtoras de/na cultura, há que se considerar que a riqueza está na produção e

ampliação da oralidade, na produção e ampliação do vocabulário e na produção e

ampliação do raciocino lógico, pelas crianças no desenvolvimento das atividades.

Enfim, é urgente que se reveja em conjunto com os educadores, comunidade e a

Secretaria Municipal de Educação de Aracruz/ES, este ensino, de modo a tratar a

educação infantil como o lugar do brincar, o lugar do reconhecimento de identidades,

o lugar do reconhecimento da cultura. Ou seja, rever que educação infantil está se

oferecendo as crianças da aldeia. A etapa da educação infantil deve ter por

excelência a finalidade de promover o desenvolvimento e a capacidade das crianças

se expressarem por meio de diferentes linguagens. E a linguagem oral é uma delas.

Neste trabalho apresentaremos uma possibilidade de trabalho com os gêneros orais

que visou o ensino de determinados gêneros que são utilizados em espaços

públicos formais, mas que não se aprende no cotidiano.

4.2 - É POSSÍVEL ABORDAR O ORAL COMO OBJETO DE ENSINO EM CLASSES

DE EDUCAÇÃO INFANTIL?

Na tentativa de responder a essa questão, exploramos as “seqüências didáticas”

como um procedimento importante nos encontros de formação continuada dos

educadores indígenas da educação infantil. Desde 1994, com o início da demanda

das comunidades indígenas por uma educação escolar diferenciada que

reconhecesse as especificidades da cultura, todas as iniciativas para a formação dos

educadores fizeram-se por meio de parcerias com a Secretaria Estadual de

Educação, Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e Instituto de Pesquisas e

Educação (IPE). No ano 2006, o projeto de formação contou também com a parceria

do Ministério de Educação e Cultura (MEC). Um dos principais objetivos do

Programa de Formação Continuada do ano de 2006 visava a utilizar uma

metodologia de formação que possibilitasse discussões relacionadas com as

questões de interculturalidade e de interdisciplinaridade, buscando articular

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discussões teóricas que priorizassem a elaboração de ferramentas pedagógicas que

melhor auxiliassem o educador indígena na realização de uma prática pedagógica

intercultural e interdisciplinar.

4.2.1 - A formação continuada e a realização de seqüências didáticas

Os encontros da formação aconteceram entre os meses de maio e setembro de

2006, totalizando cinco reuniões. Os educadores da educação infantil, já vinham

participando de outros momentos de formação continuada oferecidos pela Semed.

Entretanto, solicitavam formação mais específica em que a articulação com o

referencial teórico priorizasse a elaboração de ferramentas pedagógicas que melhor

os auxiliassem na realização de uma prática pedagógica a privilegiar a

interculturalidade e a interdisciplinaridade na educação escolar indígena. Com essa

preocupação os educadores estavam denunciando a existência de um hiato entre a

teoria e a prática.

Na primeira reunião de formação com as/os educadoras/es, realizamos uma

enquête. Eles foram convidados a expressarem suas opiniões a respeito do ensino-

aprendizagem da linguagem oral. A enquete constava do seguinte situação

hipotética:

Você é professor da educação infantil e no programa curricular indígena para o ensino e aprendizagem de línguas do ano letivo de 2006 está previsto o ensino da linguagem oral (expressão e compreensão). Levando esta premissa em consideração responda em algumas linhas como você considera que pode se realizar o ensino-aprendizagem da linguagem oral na educação infantil?

As respostas dos educadores fornecem alguns indícios de sua concepção sobre o

que vem ser linguagem oral e seu respectivo ensino-aprendizagem na educação

infantil. Eles apontam as expressões de oralidade como etapas importantes no

desenvolvimento das crianças, uma vez que, segundo eles, é por meio dela que os

pequenos expressam suas emoções, recontam histórias, contam causos.

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No meu ponto de vista, a linguagem oral na educação infantil é de extrema importância que é através da oralidade que as crianças expressam suas emoções, recontam histórias, contam “causos”, e só através da linguagem oral, porque a criança de quatro, cinco anos geralmente ainda não sabe escrever (EDUCADORA TUPINIKIM, Aldeia de Comboios).

Na minha opinião a linguagem oral deve ser realizada de maneira lúdica, ou seja, através de brincadeiras, músicas na qual a criança pode compreender com mais facilidade (EDUCADORA TUPINIKIM, Aldeia de Caieiras Velhas).

Eu acredito que a linguagem oral na educação infantil acontece a todo momento que estamos com nossos alunos. Através da história, dos sonhos contados por eles, do falar (EDUCADORA TUPINIKIM, Aldeia de Comboios).

Sobre o ensino da linguagem oral, os educadores não destacam nenhuma

particularidade, salvo o aspecto lúdico. Isso porque eles parecem compartilhar a

idéia de que a linguagem oral, na educação infantil, está presente em todo

momento, nos sonhos contados pelas crianças, no seu falar, etc.

O ensino-aprendizagem da linguagem oral na educação infantil deve acontecer de maneira lúdica, espontânea e dirigida pelo professor em momentos da rodinha de conversa, brincadeiras, contar histórias, dar recados, do dia-dia para ser discutida e colocar pontos de vista ou regras (EDUCADORA TUPINIKIM, Caieiras Velhas).

Acredito, que para o desenvolvimento da linguagem oral, o professor deveria partir dos elementos que os alunos já tem de posse, como: contação de história; relato de uma experiência, passeio, acontecimento; descrição de um determinado elemento (objeto, animal, pessoa); emissão de opinião; descrição de um processo de montagem; dramatização de uma história, acontecimento; entrevista com os pais ou outras pessoas conhecidas da aldeia. Penso que essas atividades/ ações podem estar relacionadas diretamente a vida dos alunos e também aos conteúdos da problemática (EDUCADORA TUPINIKIM, Irajá).

Nesta etapa inicial, os educadores já manifestaram um grande interesse em discutir

novas possibilidades de se lidar com a linguagem oral na sala de aula como objeto

de ensino. Assim, diante das expectativas deles, organizamos, nos encontros da

formação continuada, algumas possibilidades de produção mais precisas. Nas

atividades planejadas, as crianças teriam oportunidade de participar de instantes em

que a reflexão sobre a linguagem oral lhes favoreceria também desenvolver

capacidades de linguagem, em situações comunicativas diversas.

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No prosseguimento deste primeiro encontro de formação, tomamos como referência

o texto “Multiculturalismo e educação intercultural: vertentes históricas e

repercussões atuais na educação” 52 de Gilberto Ferreira Silva. O texto dá uma

definição bem clara do que seja educação intercultural, esclarecendo que, além de

expressar a coesão de um grupo social, ao proporcionar condições para o

fortalecimento da identidade cultural, estimula a aquisição do conhecimento cultural

de outros povos. Ou seja, constitui-se em um verdadeiro processo sócio-histórico e

plural, potencializador do desenvolvimento de habilidades e competências,

priorizando a diferença, a peculiaridade e a diversidade dos povos, num processo

tipicamente humano.

Discutir esse tema com as educadoras foi fundamental. A temática pareceu

responder a uma definição conceitual, que esclarece sobre como a educação

voltada a esses propósitos potencializa a convivência de diferentes culturas em um

mesmo território, dinamizando o diálogo e a comunicação entre os sujeitos,

resultando, pois, em processos formadores de identidades híbridas/mestiças. Ou

seja, a educação que abrange a interculturalidade promove um estado de trocas

dinâmicas de inter-relações num vai e vem constante de muitas e variadas

produções de conhecimentos. Assim como nos apontou Gavazzi (2001, p. 37)

pensamos que sejam as questões voltadas à educação intercultural aquela que [...]

experimenta um amplo caminho de duas vias: como águas que vão e vem pelas

duas margens do rio. Na ida passa por terras indígenas. Na volta irriga campos e

cidades”. Os encontros de formação, então, apresentaram temáticas relacionadas

com o estudo abordado acima e o planejamento do procedimento seqüência didática

que apresentamos no tópico 3.5 do capítulo 3.

4.2.2 - O desenvolvimento da segunda seqüência didática

Como dissemos no capítulo anterior, a primeira seqüência teve como objetivo

principal refletir sobre o modo de montagem de objetos e foi realizada em quatro

52 O texto selecionado faz parte do livro de FLEURI, Reinaldo (Org.). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio Janeiro: DP&A, 2003.

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oficinas de aprendizagem. A segunda seqüência foi para refletir acerca do relatar em

que, na organização das seis oficinas de aprendizagem, realizou-se dez rodas

(Quadro 5 ) de conversas. No seguimento do presente relatório, apresentaremos

mais detidamente, os dados referentes ao desenvolvimento dessa segunda

seqüência por dois motivos principais: a) temos mais elementos gravados em vídeo,

que nos permitiram reconstituir a riqueza das interações e do trabalho realizado em

classe; b) a segunda seqüência também apresentou elementos mais interessantes e

bem mais relacionados com o objeto de nossa investigação. Nos tópicos a seguir

mostraremos os resultados observados na seqüência citada.

4.2.2.1 - As rodas de conversa e suas caracterizações

A primeira roda foi organizada para apresentar e discutir com as crianças a proposta

de se fazer a montagem de um documentário/arquivo de relatos de histórias de vida.

A educadora leu um texto 53 que apresentava a história de vida de um ex-cacique da

aldeia vizinha. Ainda nesta primeira roda de conversa, as crianças escolheram a

pessoa que seria entrevistada por elas. O propósito dessa entrevista seria trazer ao

grupo elementos que pudessem contribuir para o enriquecimento de informações

acerca dos procedimentos a seguir quando na elaboração do documentário.

A realização da segunda roda de conversa foi destinada a definir com as crianças as

perguntas que seriam feitas ao entrevistado e quem iriam fazê-las. Na terceira, foi

planejada a realização de um ensaio dos procedimentos a serem seguidos no

momento da entrevista (a ordem de apresentação das perguntas; o tom de voz a

utilizar; o respeito dos demais no momento em que a entrevista estivesse em

andamento). Na quarta roda de conversa foi realizada a entrevista com os caciques

(o ex-cacique e o atual). A quinta roda foi destinada à escuta de alguns depoimentos

de algumas crianças, recolhidos em gravador de voz. Concomitantemente ao

instante de escuta, foi realizada a reflexão para avaliar com as crianças os textos

orais apresentados. Com esta reflexão as crianças puderam discutir sobre algumas

53 O texto lido pela educadora era referente à vida de Alexandre Cizenando, um ex-cacique da aldeia de Caieiras Velha. O trecho em questão foi retirado do livro CRUZ, Maurilen de Paulo. Faça-se Aracruz. Serra, ES: Edições Tempo Novo, 1997. p. 243-244.

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possibilidades de se chegar a uma melhor qualidade do material produzido. A partir

do que havia sido discutido foi realizada a gravação da primeira versão dos

depoimentos em vídeo. Na sexta rodinha de conversa deu-se continuação às

gravações em vídeo com depoimentos de outras crianças. A sétima roda realizou-se

com a exibição do vídeo apresentando às crianças as produções orais já gravadas.

Nos instantes de exibição as crianças opinavam sobre o material gravado. Na oitava

roda o assunto que norteou a conversa foram os assuntos/temas que pudessem

contribuir para a lembrança das crianças de algum relato que viessem a favorecer a

ampliação dos depoimentos já gravados. Em seguida, realizou-se a gravação em

vídeo da segunda versão. A nona roda destinou-se à realização de uma conversa

em que os alunos puderam comentar sua participação no evento promovido pela

Secretaria Municipal de Saúde no dia anterior e a gravação de outros depoimentos.

A décima foi organizada para se fazer a exibição e comentários acerca da gravação

da segunda versão dos depoimentos. Em seguida foi possível analisar com as

crianças um dos textos gravados fazendo um exercício54 mais reflexivo sobre o texto

produzido. Logo após essa atividade, foi realizada a gravação de uma terceira

versão para o texto analisado. O texto em questão foi o texto de Le. A seguir temos

um quadro que apresenta a planificação das atividades desenvolvidas nas dez rodas

realizadas durante a segunda seqüência didática.

RODA EVENTO 1ª roda – 23-11-2006 Apresentação e discussão com as crianças da proposta

de trabalho 2ª roda – 27-11-2006 Definição das perguntas a serem feitas ao entrevistado e

quem iriam fazê-las 3ª roda - 28-11-2006 Ensaio dos procedimentos da entrevista 4ª roda - 29-11-2006 Entrevista com os caciques 5ª roda - 04-12-2006 Audição de depoimentos gravados em gravador de voz 6ª roda - 06-12-2006 Gravação da primeira versão em vídeo 7ª roda - 07-12-2006 Exibição em vídeo da primeira versão dos textos orais 8ª roda - 12-12-2006 Conversa informal sobre assuntos/temas relacionados

com o cotidiano da aldeia. Gravação da segunda versão 9ª roda - 13-12-2006 Gravação de outros depoimentos; conversa sobre evento

realizado na aldeia no dia anterior 10ª roda - 14-12-2006 Análise da segunda versão d texto produzido; gravação

da terceira versão do texto de Le e exibição para as crianças

Quadro 5: Síntese das atividades realizadas nas rodas de conversa

54 Subsidiou a realização dessa conversa as questões apontadas no Apêndice D.

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Valeria a pena examinar de perto todas as interações realizadas nessas diferentes

“rodas de conversa”, mas limitar-nos-emos a alguns aspectos que têm um vínculo

direto com nosso objeto de estudo. Focalizaremos a análise em dois pontos: no

processo de produção de duas versões de um mesmo texto/depoimento de três

crianças e na produção de uma terceira versão de um desses três textos.

Examinaremos, pois, mais detidamente as rodas de número 1, 5, 8 e 10, das quais

selecionamos alguns episódios reveladores de mudanças qualitativas operadas nas

produções orais das crianças a partir das interações realizadas nos instantes das

rodas de conversa.

4.2.2.2 - Episódios de conversa (subsídios para a produção da primeira versão de

três textos orais)

Na formação da primeira roda de conversa, a educadora iniciou a interação

apresentando às crianças a proposta de se fazer a montagem de um

documentário/arquivo de relatos de histórias de vida com o objetivo de oferecê-lo à

escola e à comunidade Tupinikim, que teriam, assim, relatos de caráter histórico os

quais dariam pistas sobre a reorganização e o modo de vida da aldeia. Para

alcançar tal feito, as crianças na escola gravariam seus relatos acerca dos fatos que

considerassem mais importantes ocorridos em sua vida. Ficou então combinado que

o resultado desse trabalho seria apresentado na reunião de confraternização entre

os alunos, os educadores e os pais, ao final do ano de 2006.55

Em seguida, a educadora leu o texto sobre a história de vida do ex-cacique da aldeia

de Caieiras Velhas. As crianças ouviram a história em silêncio e com interesse. Após

a leitura, a educadora fez várias perguntas que ajudaram a retomar os fatos mais

importantes relacionados com a história de vida do ex-cacique e, na continuidade

cantaram algumas músicas típicas das festas indígenas. Em seguida, a conversa

girou em torno da escolha de quem seria a pessoa a ser entrevistada pelas crianças.

55Entretanto como ocorreram alguns contratempos durante a filmagem, o novo combinado foi de que esse material seria apresentado na primeira reunião de pais a se realizar na segunda quinzena do mês de março de 2007.

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Eles citaram vários nomes e criou-se um impasse de modo que, para resolver a

questão de uma forma mais democrática decidem realizar uma votação.56

Episódio 1 Transcrição realizada em 23-11-2006 35 - R: _a gente podia fazer uma votação... o que vocês acham? 36 - Jo: _Valdeir... Valdeir. 37 – Gu.: _Seu Antonino. 38 - Lu: _aqui, ele falou Valdeir [apontando para Gu. que havia falado Seu Antonino]. 39 - R: _vamos fazer uma votação? 40 - A: _eh... eh... eh... 41 - K: _ou uma coisa ou outra Ca... você tem um opinião depois você pega a opinião dos outros... 42 - Jo: _é o Valdeir, eu voto em Valdeir... 43 - K: _oh, você falou Seu Antônio. 44 - Jo: _Valdeir... 45 - R: _é... mais aí... 45 - K: _não pode pegar a opinião do colega... 47 - R: _é... tem que ter uma opinião só. 48 - K: _é... uma opinião só. (E então a votação se inicia).

O ato de votar, escolher e resolver questões de maneira democrática é uma

constante entre os demais membros do povo Tupinikim. Há uma preocupação de

não se privar o outro do seu direito à palavra. Nesse episódio, essa característica é

reforçada pela educadora, quando orienta os alunos a não se deixarem influenciar

pela opinião dos demais (turnos 41, 45 e 48).

Ao longo do desenvolvimento de toda a seqüência didática, os momentos na roda de

conversa tornaram-se espaços para a reflexão e discussão de assuntos diretamente

relacionados com a própria construção de textos orais. Desse modo, inauguravam-

se eventos de reflexão sobre a linguagem, e o espaço da roda de conversa tornou-

se exclusivo para o debate sobre a atividade de linguagem oral. No desenvolvimento

da quinta roda, a educadora iniciou a conversa dizendo às crianças que escutariam

a gravação de depoimentos já gravados. Essas gravações foram por nós realizadas

em momentos fora da sala de aula. Individualmente ou em duplas ou mesmo trio, as

56Os nomes dos caciques que aparecem no episódio abaixo são verdadeiros. Na discussão da votação, participamos como moderadora. Em virtude dos impasses que se apresentavam para a definição de quem seria entrevistado, sugerimos fazer a votação (turno 35 e 39), o que foi explicitamente aceito por todos (turno 4).

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crianças foram convidadas para uma conversa que iniciou a partir da proposição “O

que você tem a nos dizer sobre a sua história de vida?”.

Durante a atividade de escuta os alunos estavam atentos ao que diziam os colegas

e chamavam a atenção para o fato de que o áudio estava um pouco baixo, quase

não dando para compreender as gravações. Após a escuta, foi conversado sobre a

possibilidade de uma nova gravação, de modo que os colegas pudessem avaliar os

depoimentos apresentados para se chegar a uma melhor qualidade do material

produzido. Acompanhemos como se deu o instante da interação entre a educadora

e as crianças quando elas foram questionadas sobre a possibilidade de terem uma

nova versão de seus depoimentos gravados em vídeo.

Episódio 2 Transcrição realizada em 4-12-2006 1 - K: _primeiro, antes de tudo, quem gostaria de ser gravado pra passar num vídeo que vai pra televisão... quem gostaria ... aqui da sala? 2 - Lu: _Jo levantou a mão... 3 - Le: _Da. 4 - K: _o Da, só o Da. de uma sala com um monte de gente? [Lu levanta a mão]... os outros não tem desejo? [outras crianças levantam o braço] 5 - R: _An, Le... 6 - A: _An... 7 - K: _você gostaria Leo... de falar um pouquinho de sua história de vida pra Mara te gravar? 8 - Le: _gostaria... 9 - K: _e você gostaria An? 10 - R: _mas ali pra filmar é diferente, né? 11 - K: _é... espera só... pra vocês entenderem, pra poder dizer sim ou não, sem o coleguinha ficar falando “fulano”, “ele quer”. Não! Não, quero isso não. Eu queria que você dissesse “eu quero”. Mas pra você dizer isso você precisa entender o que é o processo, não é isso? Veja, gente, a intenção aqui seria... é... a possibilidade que eu estou colocando pra vocês é de nós gravarmos vocês falando um pouquinho da vida de vocês... aí vocês podem falar seu nome, sua idade, o nome de seu pai, de sua mãe, de onde vem o seu nome o que você mais gosta quando não tá aqui, quando tá aqui... é... falar alguma coisa que aconteceu quando você era pequeno... é... dizer se você mexe com alguma coisa de artesanato daqui da aldeia, se gosta de dançar, se gosta de se pintar de índio... essas coisas. Aí a gente grava pra ver como ficou. Então quem gostaria de falar tudo isso que eu falei? [Lu levanta a mão]

No episódio 2, aqui transcrito, a educadora inicia a interação lançando a palavra a

todos da sala. Algumas crianças rapidamente se pronunciam. Entretanto é possível

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perceber que outras (seja por timidez, insegurança) não respondem diretamente,

preferindo atribuir a responsabilidade a outros colegas (turnos 2, 3, 6). O

questionamento seguinte (turno 4) da educadora provoca em outras crianças o

desejo de se apresentarem. Apesar de sua longa exposição (turno 11), a educadora

parece demonstrar a intenção de que os alunos tivessem autonomia ao fazer a

atividade proposta.

Nas três produções examinadas a seguir, é possível verificar como o conteúdo dos

textos produzidos foi construído e modificado a partir da conversa realizada na

quarta roda em que aconteceram negociações de significado, inter-relação das

palavras entre as crianças e da educadora, fazendo ecoar em suas produções vozes

outras.

4.2.2.3 - Análise da produção da primeira versão de três textos orais

Neste item, centraremos a análise em três produções orais que exemplificam os

efeitos do trabalho da conversa realizado durante a segunda seqüência didática.

Apresentaremos, em duas partes distintas, os resultados relativos à primeira e à

segunda versão de cada texto. Na primeira parte, apresentaremos os textos

produzidos a partir das interações realizadas na quinta roda de conversa. Na

segunda parte, comentaremos alguns episódios de conversa coletados na oitava

roda, relacionando-os com as novas produções orais (segunda versão) que foram

realizadas a partir de uma nova comanda “Vamos falar sobre alguns fatos ocorridos

em sua história de vida”.

Para a construção da primeira versão dos três textos orais, o contexto de produção

poderia ser traduzido da seguinte forma: a educadora apresentou às crianças a

comanda “O que você tem a nos dizer sobre a sua história de vida?”. E cada criança

foi construindo uma fala. Na interação com a educadora e os colegas, os assuntos

vinham à tona: identificação do próprio nome e idade, identificação dos pais e irmãos

da criança e apresentação de algumas características peculiar da criança (se teria

animal ou não, algum desejo do que gostaria de ser quando crescesse). A criança

era também orientada a dizer um fato específico acontecido com algum dos

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personagens citado por ela. Abaixo apresentaremos o resultado das produções

desses textos, atendo-nos às considerações dadas pelas crianças, no que se refere

às capacidades de linguagem definidas por Schneuwly (2004) como sendo de ação,

discursiva e lingüístico-discursiva. Cabe-nos ainda observar que apesar de fazermos

a coleta do texto no formato oral, ao realizarmos a análise precisamos de em alguns

momentos, nos reportar em parâmetros de análise de um texto escrito. Isso porque,

uma vez que o transcrevo ele deixa de ser oral passando agora a ser um texto

escrito.

a) Texto 01 - H, seis anos (primeira versão)

meu nome é H, eu tenho seis anos... eu moro aqui na aldeia, Aldeia Pau Brasil... e... o nome de minha mãe é M.P.C. e nome meu pai é A.C.C. E mamãe onde ela trabalha... ela pinta camisa, ela faz blusa, bolsa, colar. E papai trabalha na fábrica. Eu tenho dois irmãos: J. e Mk. O nome do meu cachorro é Toby e Pequenino. (4-12-2006)

Capacidade de Ação

Nesta primeira versão, H limita-se à auto-apresentação e à apresentação dos

membros de sua família. Para o propósito inicial de se produzir um texto do gênero

história de vida, o texto demonstra não atingir o objetivo, uma vez que H reduz seu

discurso a apresentar características dos personagens colocados em cena. É

importante, no entanto, assinalar que H atribui importância à designação do lugar

social de sua produção: trata-se de uma criança Tupinikim que mora na aldeia de

Pau-Brasil (“tenho seis anos, moro aqui na aldeia”).

Capacidade discursiva

A escolha das unidades temáticas típicas do gênero “auto-apresentação” coloca em

evidência um léxico centrado em substantivos (nome, aldeia, mãe pai, camisa, blusa,

bolsa colar fábrica, irmãos, cachorro), reforçando, assim, o caráter de um texto

“apresentativo”. A comanda da educadora deu às crianças indicadores para estarem

falando sobre si, apresentando-se. É importante salientar que, para a educadora e

também para a pesquisadora, até aquele momento as características peculiares ao

gênero história de vida não estavam bem esclarecidas. Hesitações dessa natureza

são pertinentes ao processo de formação e essa avaliação e auto-crítica é muito

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positiva também para o desenvolvimento da pesquisa. Pela orientação da educadora

a produção do gênero história de vida não se confirmou por “H”, pois, para ela, não

estava claro que, em sua produção, deveria, pois, estar relatando algo particular por

ela vivido. A escolha de palavras para apresentar a mãe denota particular

importância, porque, além de dizer o nome completo, adiciona a idéia de que ela

trabalha. A criança ainda esmiúça as características de tal trabalho “ela pinta

camisa, ela faz blusa, bolsa, colar”. Possivelmente essa maior clareza pelas

atividades maternas dá-se em virtude de um maior tempo diário que a autora passa

com a mãe, vivenciando então as mesmas tarefas realizadas por esta última. Na

continuidade do texto, apresenta o pai e, em seguida, os irmãos e os cachorros.

Capacidades lingüístico-discursivas

Nas operações utilizadas pela autora para articular o tecido textual, ela lança mão de

mecanismos de coesão verbal (o emprego dos verbos no presente do indicativo:

tenho, moro, é, trabalha, pinta, faz) instaura um afastamento entre o texto produzido

e a proposta inicial de se organizar um gênero “história de vida”. É ainda pertinente

salientar que o texto de H é constituído de frases quase justapostas. Ele faz uso

exclusivo do organizador textual aditivo “e”.

b) Texto 02 - Th, seis anos (primeira versão)

oi, meu nome é Th, eu tenho seis anos. O nome de minha mãe é G e o nome de meu pai é S... é... Mamãe trabalha na casa de M e meu pai trabalha na roça e eu estudo... eu quero ser professora... Quando eu não to na escola eu gosto de brincar de boneca brincar com Iara. Lá em casa tem uma cachorra Xana e ela deu filhotinho e aí nasceu seis filhotinho. Quando eu crescer eu não quero ser cacique eu quero ser uma professora pra ensinar as criancinhas da aldeia ler. (5-12-2006)

Capacidade de ação

Nesta primeira versão do texto de Th, também é marcadamente significativa a

apresentação que ela faz das pessoas de sua família (mãe, pai) e de seu

animalzinho de estimação (a cachorra Xana), bem como as ações realizadas pelos

que são apresentados ou, ainda, pelas descrições deles (mãe que trabalha na casa

de M, pai que trabalha na roça, cachorra que deu cria).

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Capacidades discursivas

No plano textual, a enunciação se organiza mais marcadamente como uma

descrição de personagens (nome dos pais e o trabalho que cada um exerce,

respectivamente), que é ligeiramente interrompida com o anúncio de um evento (o

nascimento de filhotes da cadela Xana). Esse evento, no entanto, não é expandido e

a criança encerra o texto descrevendo o seu futuro (o que ela própria gostaria de ser

quando crescer).

Capacidades lingüístico-discursivas

No texto de Th, há uma justaposição de idéias, ligeiramente conectadas por alguns

organizadores textuais, que promovem mudanças temporais e de localização:

“quando” (delimitando o tempo da escola e o tempo da casa ou projetando para o

futuro) e “lá” (para anunciar um evento que não é expandido).

c) Texto 03 - Le, seis anos (primeira versão)

Meu nome é Le e eu tenho seis anos... é... o nome de minha mãe é J e do meu pai é L, e eu vou ter um irmãozinho que já vai nascer. Eu tenho... o nome de meu cachorro é Toddy e... o Tuco trabalha na Sali (Salimpo)... e mamãe trabalha na Plantar e o meu pai trabalha na Fábrica. Eu quando não estou aqui gosto de brincar de boneca e... gostava de brincar com o Mímico na casa da vovó Bisa. [silêncio]... Na casa da vovó eu brincava com o Mico e... [não dá para compreender o que diz]... mas ele morreu... o vovô mato (matou) ele... (4-12-2006)

Capacidade de ação

Na parte inicial de seu texto, Le apresenta dados relativos a si como personagem

central. Indica ainda dados particulares de outros seres com os quais convive (os

familiares e o seu cachorro) construindo em quem a escuta uma melhor

contextualização. Desse modo, ela responde positivamente à comanda da atividade

apresentada em princípio pela educadora (o que você tem a nos dizer sobre a sua

história de vida). Na segunda parte, quando comenta sobre o que faz quando não

está na escola (esta última evocada pelo dêitico espacial “aqui”) e do que gosta de

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brincar, vem-lhe à lembrança um outro ser (Mimico). Essa lembrança causa certa

consternação provocando-lhe alguns segundos de silêncio. Seu silêncio pode ser

interpretado como uma reverência ao animalzinho ou ainda uma certa resignação

em frente aos acontecimentos que evoca pouco a pouco “[...] eu brincava com o

Mico e... [...], mas ele morreu... o vovô mato (matou) ele [...]”. A entonação, o volume

e o ritmo de sua voz provocam no interlocutor sensação de consternação durante a

escuta do relato do fato vivido por Le. As demais crianças também permanecem em

silêncio.

Capacidade discursiva

No desenvolvimento seqüencial do relato de Le, observa-se a inclusão de elementos

discursivos diferentes dos relatos das demais crianças. Ela faz a apresentação dos

personagens e contextualiza o que tem a dizer. Em seguida, insere a idéia de

causalidade que será o tema central de seu relato “[...] e gostava de brincar com o

Mimico [...]”; e já não brinca mais “[...] mas ele morreu [...]”; e anuncia fato que

surpreende os demais “[...] o vovô matou ele [...]”. Lembrar e apresentar os fatos

relacionados como animal de estimação parece ser-lhe muito importante, o que ela

procura mostrar aos interlocutores.

Capacidade lingüístico-discursiva

Nesta primeira versão do texto de Le, os organizadores textuais são escassos. Em

sua maioria, faz uso do conectivo aditivo “e”. O marcador “quando” se apresenta

como intermediário entre a parte inicial do texto e a posterior marcando

espacialmente o anúncio de outras atividades “[...] quando não estou aqui gosto de

brincar de boneca [...]” relatadas por Le. Ao final, ao inserir o organizador “mas”,

esse funciona como um marcador de troca de perspectiva, ou seja, é o termo que

introduz a idéia de consternação pelo fato de Mimico não estar presente.

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4.2.2.4 - Os episódios de conversa (subsídios para a produção da segunda versão

dos textos orais)

Para intensificar a reflexão sobre a linguagem, a educadora exibiu, para as crianças,

no dia 7-12-2006, o que havia sido filmado. Desse modo, realizou-se um confronto

dialógico pelo qual foi possível às crianças refletirem sobre alguns aspectos que

poderiam melhorar em suas produções primeiras. Durante a exibição dos

depoimentos filmados, era possível observar as reações das crianças com sorrisos,

surpresas, graça. Após a apreciação do vídeo, elas comentaram o que se poderia

melhorar nos depoimentos gravados dos colegas: a postura física, a clareza na

produção dos enunciados, algumas palavras etc. A professora chamou a atenção

para a necessidade de se contar um fato ocorrido em suas vidas, uma vez que o

gênero privilegiado era “história de vida”.

Em momento posterior à análise das crianças de seus próprios depoimentos, na

roda do dia 12-12-2006, a educadora propôs às crianças uma conversa permeada

de assuntos que pudessem contribuir para instigar-lhes a lembrança de algum relato

que viesse favorecer a ampliação dos depoimentos já gravados. Foram discutidos no

momento da roda de conversa, diferentes temas: o conflito durante a

autodemarcação; um acontecimento engraçado no dia da festa do índio; a queda do

primeiro dentinho; um acontecimento no domingo; a morte de um animalzinho de

estimação. Os assuntos abordados contribuíram para ampliar as interações na roda

assim como para a reflexão de que o ensino-aprendizagem da oralidade na

educação infantil pode contribuir para o resgate e preservação da cultura Tupinikim.

Sob esse aspecto, a atividade de conversa na roda não se apresentava apenas

como mais uma das atividades rotineiras do dia.

Na seqüência, trazemos alguns episódios, que ilustram as interações acontecidas

entre alunos e educadoras ou entre as crianças e seus pares que, de maneira

significativa, contribuíram para a reflexão das crianças sobre a necessidade de

revisar o que já haviam gravado nas versões primeiras e assim ampliar a versão

segunda. Logo em seguida, mostraremos a influência dessas interações nas

produções, principalmente no que se refere ao desenvolvimento de capacidade de

linguagem inerentes à produção oral.

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Episódio 1 Transcrição realizada do dia 12-12-2006 1 - K: _vocês lembram quando foi construído a Olho d’agua? 2 - Th: _eu lembro. 3 - K: _lembra? Onde construiu aquela cabana bonita e nós fomos lá visitar... lembra? Quem é que foi com nós de liderança? 4 - Th: _o pai de Di... 5 - K: _e quem mais? 6 - Th: _é só esse. 7 - K: _foi mais gente... que falou lá pra nós porque foi feita aquela cabana naquele local... vocês lembram? Al... 8 - Th: _ di. 9 - K: _Aldi... Aldi foi com nós... e falou né... o tio de H... não foi? 10 - H: _é mas ele não mora mais aqui. 11 - K: _é... foi embora pra Curitiba... casou. E alguém lembra o que que aconteceu? Será que existe aquela aldeia ainda? 12 - A: _não! 13 - K: _o que que aconteceu com aquela aldeia. 14 - Th: _o homem destruiu. 15 - K: _quem destruiu. 16 - Th: _a máquina. 17 - K: _hã... a máquina da empresa Aracruz não foi? Que destruiu... que mais que aconteceu quando eles destruíram lá? [silêncio de cinco segundos] 18 - K: _tinha policial... vocês se lembram do que aconteceu lá? [silêncio de quatro segundos] 19 - K: _que mais além dos policiais? 20 - Th: _machucaram as pessoas... 21 - K: _hã... machucaram as pessoas... e daqui da aldeia machucaram alguém?

No episódio 1, a educadora inicia a conversa de modo a provocar nas crianças a

lembrança de um fato 57 muito importante ocorrido na aldeia (turnos 1, 11, 13, 17 e

21). Esse é um fato que instiga toda a classe uma vez que foi vivida por toda a

comunidade indígena com repercussões maiores. Ao iniciar o turno, ela demonstra

desejar que os alunos se recordem de um momento agradável quando visitaram a

aldeia. A essa recordação estaria relacionado um significativo caráter sentimental

(turno 3). As investidas da educadora desencadeiam na aluna Th várias lembranças

do momento vivido. Os sentidos são marcados pelas diversas vivências que o sujeito

tem em seu grupo social. Ou seja, como nos afirma Bakhtin (2003), “[...] o sentido se

submete ao valor da existência individual [...]”. A aluna Th demonstra muito interesse

em assuntos relacionados com a cultura indígena: música, artesanato, danças. 57 Julgando tratar-se do cumprimento de um mandado de reintegração de posse de terras em favor da empresa Aracruz Celulose, no dia 20 de janeiro de 2005, a Polícia Federal, usando bombas de efeito moral e balas de borracha contra os índios, invadiu e destruiu com tratores as aldeias Olho D’Água e Córrego do Ouro, bem como as casas e plantações destas. Treze índios ficaram feridos.

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Assim, como o assunto lhe interessa, torna-se a receptora direta da educadora

(turnos 2, 4, 6, 8, 14, 16, 20). Entre a educadora e essa aluna, as trocas de turnos

são pontuais, demonstrando que, no ato de se interessar e compreender o assunto

desenvolvido na roda a aluna formula uma réplica, nos parâmetros que nos

assegura Bakhtin (2003) de que a compreensão é uma forma de diálogo.

Episódio 2 Transcrição realizada em 12-07-2006 130-K: _vamos lá H... fala... ‘eu H e Th fizemos a abertura do desfile’ aí você conta a história, né que vocês deram a encontrada e que foi legalzinho como você falo aí, né...

O pequeno recorte acima é ilustrativo da intervenção realizada pela educadora para

contribuir na ampliação do texto de H. Com tal investida, ela contribui para que se

reavive na memória da criança o fato ocorrido, dando-lhe subsídios para estruturar

melhor o seu texto. Desse modo, dá pistas à criança de como o gênero “história de

vida” deverá se constituir: anúncio da pessoa que conta a história (eu/fizemos);

narração dos fatos ocorridos.

4.2.2.5 - Análise da produção da segunda versão de três textos orais

A seguir, mostraremos alguns impactos que o trabalho de reflexão sobre a

linguagem promoveu nas produções das segundas versões dos três textos.

a) Texto 1 - H, 6 anos (segunda verão)

oi, meu nome é H. eu tenho seis anos o nome da mamãe é M. P. C. e do meu pai é A.C... e eu tenho dois irmãos Jr e M e... [nove segundos]... bom... minha mãe trabalha... mamãe pinta camisa faz bolsa, faz boneca e papai trabalha na fábrica... Quando eu não to na escola eu gosto de brincar... eu gosto de brincar de pular de brincar com minhas amigas e quando eu crescer eu não vou ser cacique eu vou ser médica das criancinhas... e... no dia da festa eu mais Th fomos no desfile e foi muito engraçado a lá e... eu mais Th estava a lá, né e... foi muito legalzinho... a lá Th deu um encontrão, né aí [não dá para compreender]... aí depois aí nós viramos e nós trocamos de lugar aí Th foi pra cá e eu fui pra lá e depois nós viemos assim e nós batemos e quase que nós caímos e aí rodemos e aí entramos na fila e...aí acabou (12-12-2006).

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Capacidade de ação

Nesta segunda versão, o texto está estruturado em duas partes. Na primeira, a

criança expande certas informações sobre suas preferências pessoais (seu nome,

idade, informações sobre os pais e irmãos, completando ainda sobre o que gosta ou

não de fazer quando não está na escola). Essas informações contribuem para

fornecer dados sobre sua função social de emissora. Na segunda parte, a criança

tenta articular seu texto em torno de um evento particular (o encontrão com a colega

em uma festa), mostrando que compreendeu que o gênero “historia de vida”, para

suscitar a atenção do interlocutor, necessita construir uma trama em torno de um

acontecimento específico. Em todo o percurso da produção textual H se apresenta

organicamente no texto. Essa condição se põe em evidência por meio de marcas

lingüísticas como: fomos, viramos, trocamos, viemos, caímos, batemos, rodemos e

entramos.

Capacidade discursiva

No plano geral da organização textual, a autora gerencia a escolha vocabular de

modo a organizar o texto em duas grandes sessões: na primeira, faz uma

apresentação de si mesma e, na segunda, relata o fato por ela vivenciado. De uma

versão a outra, o texto de H adquire um expressivo aumento substancial. Nesta

segunda versão, torna-se visível o esforço da autora em querer organizar seu texto

para que este dê respostas à instrução dada pela educadora no momento em que foi

exibida a filmagem da primeira produção das crianças, ou seja, as crianças

deveriam, no instante da nova gravação, contar um fato ocorrido em suas vidas. Na

segunda parte do texto, o instante do “encontrão” é para H o evento mais

interessante, pois o fato foi algo totalmente inesperado por ela e lhe provocou o riso

no momento da confusão e satisfação no instante do relato aos colegas ao dizer “foi

muito legalzinho”.

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Capacidade lingüístico-discursiva

No texto de H, a conjunção “e” é utilizada como um mecanismo que promove o

encadeamento das ações relatadas, assim como o “ai” e o “aí depois”, este último

marcando especialmente o encadeamento cronológico do relato.

b) Texto 2 - Th, 6 anos (segunda versão)

meu nome é Th eu tenho seis anos... o nome do meu pai é S e o nome da minha mãe é G e eu tenho sete irmãos. Minha mãe trabalha na roça e meu pai trabalha na Salimpo. Quando eu não tô na escola eu gosto de brincar... (silêncio de seis segundos)... aí quando eu crescer eu quero ser professora pra ajudar as criancinhas e... (silêncio de sete segundos)... lá na cabana tinha uma [não dá para compreender]... Olho D’Agua... aí as polícia veio e destruíram tudo aí depois eles machucaram as pessoas jogando bala e... revólver e... Valdeir machucou a cabeça e machucou o braço [silêncio de seis segundos]... e... lá tinha um monte de polícia, um montão de polícia lá no ônibus, no helicóptero e no carro... e eles estavam atirando e as pessoas correndo pro mato e outros correndo pro carro e saindo embora da aldeia... (silêncio de cinco segundos)... o pai de An foi preso e eles ficaram lá até de noite... [não dá para compreender]... depois que as polícia machucaram eles, as polícia foram tudo embora e aí o pessoal que morava lá na aldeia foram tudo embora (12-12-2006).

Capacidade de ação

Na organização deste texto, é possível observar significativa progressão,

principalmente no que se refere à expansão do texto, pois, de uma versão à outra,

há um explícito aumento do volume textual. Além disso, a autora procurou

apresentar os enunciados com um centramento discursivo. Como na produção das

outras crianças, a autora organiza seu texto em duas grandes sessões: a primeira

parte destinando-se a uma “auto-apresentação” e a segunda ao relato de um fato

vivido. Entretanto, nesta segunda versão, a produção está mais bem estruturada,

fornecendo mais informações sobre o evento relatado, situando melhor o interlocutor

de seu texto.

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Capacidade discursiva

A autora inicia seu texto fazendo auto-apresentação, incluindo, nesta nova versão,

informações sobre os irmãos e o motivo pelo qual gostaria de ser professora, dados

que não foram apresentados na primeira versão. Em seguida, ela centra seu texto

no relato de um fato ocorrido na aldeia.

Capacidade lingüístico-discursiva

Para linearizar o texto, Th utiliza alguns poucos organizadores textuais como: o “e”

que insere idéia aditiva (e eles estavam atirando e as pessoas correndo pro mato);

“quando” (quando eu não tô na escola ou quando eu crescer) que dá indicativos

temporais; “depois que” como um marcador de conseqüência. No que se refere aos

mecanismos de coesão textual nominal, utiliza o pronome “eles” que tem a função

de substituir a polícia (“eles estavam atirando”) ou para substituir o termo pessoas

(“eles ficaram lá até de noite”). Sobre a coesão verbal, a utilização dos verbos no

pretérito, o tempo de base, mostra claramente a compreensão da criança quanto à

estruturação temporal do gênero “história de vida”.

d) Texto 3 - Le, seis anos (segunda versão)

Meu nome é Le, eu tenho seis anos. O nome da minha mãe é J e do meu pai é L. Minha mãe trabalha na Plantar e o meu pai trabalha na Fábrica e eu vou ter um irmãozinho... O nome do meu cachorro é Toddy... quando eu não to na escola eu gosto de brincar de boneca e quando eu crescer eu vou ser professora e... eu me lembro que o meu tio ia caçar aí achou um quati e deixou ele lá e depois foi buscar. Ele fez uma casinha pra ele aí... deu pra vovó Olga e pra Zezé e... eu dava leite pra ele e ... banana e água e ele cresceu e aí tava comendo os pintos e o vovô matou ele. Meu avô matou ele e deu pra minha vó Bisa e ela comeu e eu fiquei chorando quando o papai falou que o vovô matou o Mimico (12/12/2006).

Capacidade de ação

Na segunda versão de seu texto, Le preserva a apresentação de si e inclui

características de alguns familiares e dos animais de estimação. São significativos

os variados momentos de silêncio (momentos em que pára, olha, sorri, demonstra-

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se pensativa sobre o que dizer). Pela orientação inicial da atividade, ela conta

assuntos relacionados com sua vida, com caráter apresentativo, e também insere

características de relato ampliando as informações acerca do fato acontecido com o

personagem principal de sua fala. Ao receptor que a ouve, causa um efeito de poder

reconstituir algumas das ações por ela vividas bem como conhecer as ações do seu

cotidiano da personagem principal. Ao longo de todo o texto, a autora se apresenta

totalmente relacionada com os fatos apresentados. Essa relação estreita é notada

por sua utilização de marcas lingüísticas como: e, tenho, minha, meu, fiquei

chorando. Quando assim se mostra sinaliza aos seus interlocutores o lugar social de

onde fala, ou seja, o lugar de criança que ficou muito sentida com a morte de um

animalzinho de estimação.

Capacidade discursiva

A elaboração do conteúdo da segunda versão do texto de Le pode ser dividida em

dois grandes blocos: no primeiro, faz a contextualização dos personagens,

garantindo a sua apresentação; e, na segunda, detém-se no relato do fato que lhe

marcou a vida “a morte do Mimico”. Na primeira parte, dedica-se a apresentar

informações sobre si, seja do seu presente, seja de ações que pretende que

aconteçam no futuro “[...] quando eu crescer vou ser professora [...]”.

Na segunda parte, demonstra dar ênfase aos detalhes referentes ao fato ocorrido

com o animalzinho, do instante em que foi encontrado até seu trágico fim. É nessa

parte, que novas informações, até então não ditas, são agora acrescidas.

Estabelece algumas relações de causalidade “[...] ele tava comendo os pintos e o

vovô matou ele [...]”. As novas informações desencadeiam uma sensação de muita

surpresa aos seus interlocutores.

Capacidade lingüístico-discursiva

Na organização linear de seu texto, Le inicia apresentando a si e a outros. Em

seguida desenvolve uma seqüência narrativa de seu relato utilizando basicamente o

organizador textual aditivo “e”, como nos exemplos que seguem: “[...] e... eu me

lembro que o meu tio ia caçar [...]”; “[...] e...eu dava leite [...]”; “[...] e ele cresceu [...]”;

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“[...] e ela comeu e eu fiquei triste [...]”. Tomando, pois, o relato de uma maneira bem

pessoal, utiliza variadas vezes os pronomes possessivos “meu e minha” que

aparecem seis e duas vezes cada um, respectivamente. Entre os verbos que utiliza,

a maioria estão no pretérito perfeito (achou, deixou, fez, deu, cresceu, matou,

comeu, fiquei falou), o que seria uma prova de que Le seguiu a comanda ‘O que

você tem a nos dizer sobre a sua história de vida’ preocupando-se em concentrar-se

propriamente no relato.

4.3 - A PRODUÇÃO DE TEXTO ORAL VALORIZADA POR UMA PRÁTICA

REFLEXIVA

Nesta seção, apresentaremos outros resultados relativos ao trabalho desenvolvido, e

a modificação das produções orais das crianças, destacando que a interação verbal

entre os envolvidos foi a marca de significância nas transformações no texto. Como

nos apontou Bakhtin (2004), é no fluxo da interação que a palavra se transforma e

ganha diferentes significados, pois ela se apresenta como instrumento da

consciência, ou seja, espaço privilegiado de criação ideológica, determinando-se

tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige a alguém.

Segundo o autor, “[...] através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em

última análise, em relação à coletividade” (Bakhtin, 2004, p. 113).

Baseando-nos no princípio de que a pesquisa se realizava a um só tempo no

contexto de um trabalho de investigação e de intervenção, conduzimos a orientação

dessa atividade reflexiva, buscando fazer com que as crianças retomassem na

conversa da roda as seqüências da produção oral apresentada no vídeo assistido.

4.3.1 - Os episódios de conversa (subsídios para a produção da terceira versão do

texto de Le)

Selecionamos, para o exercício reflexivo, o texto de Le. Antes de observarmos o

resultado final (terceira versão do texto de Le), vejamos alguns episódios relativos às

interações desencadeadas no instante da roda de conversa.

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Episódio 1 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 1 - R: _os fatos que eles contaram foi contado à medida que as coisas foram acontecendo? Por exemplo, ela aqui, que estava contando a história do quati. Quando ela estava contando a história do quati ela falou que... primeiro ela falou que a vó comeu a quati ou primeiro ela falou que o tio achou o quati lá no meio do mato? Ca, An falou assim... que primeiro o tio achou o quati lá no mato. 2 - R: _se ela tivesse feito o contrário teria ficado legal? 3 - A: _não [todos respondem]. 4 - R: _teria ficado meio embolado? 5 - A: _hã-hum... 6 - R: _porque a história tem que começar do começo não é isso? Então... na hora que a Le estava contando os fatos ela falou assim oh... primeiro o meu tio achou aí ele fez a casinha e aí depois o que que aconteceu? Eles deram comidinha, banana, e... o que mais... 7 - Po: _água...

O episódio 1 busca retratar o momento de reflexão acerca do questionamento: “Os

fatos foram contados na ordem lógica em que aconteceram?”. A distribuição de certa

forma desigual de turnos entre os participantes do episódio pode ser interpretada

como uma necessidade de R 58 em querer certificar-se de que estava claro para as

crianças o enunciado da questão. Ao exemplificar algumas possibilidades, em que o

texto oral poderia ter sido produzido (turno 1 e 6), R tenta atrair a atenção dos

alunos para a hierarquização das informações, na apresentação dos fatos (turno 2 e

4), no conjunto da produção.

Episódio 2 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 26 - R: _agora vamos para o número três... presta atenção aqui... está escrito o seguinte ‘ao citar alguém, durante o relato, o narrador relatou algumas características da pessoa e/ou animal citado?’ 27 - Ga: _não, não... 28 - R: _será, espera pra vocês entenderem o que é isso. A Le... ela estava explicando lá, fazendo o relato da história de vida falando sobre um fato da vida dela que aconteceu e aí a Le... quando a Le... contou o relato da história lá do quati, né que aconteceu lá na vida dela ela falou do quati, ela citou característica, ela falou como o quati era... é.... disse detalhes sobre alguém ou alguma pessoa, falou? Por exemplo, do quati, quais as características do quati que ela falou que vocês se recordam... como que ele era o quatizinho. 29 - Cae: _preto. 30 -R: _ela falou que ele era preto, isso é característica. Que mais que ela falou? Teve mais alguma característica do quati que ela citou? Uma ela citou certo e aí tá pedindo oh... durante o relato, o narrador relatou algumas características da pessoa e/ou animal citado? Ela relatou então pessoal ela falou algumas características, sim ou não?

58 A letra “R” está referindo-se à pesquisadora.

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31 - A: _sim. 32 - Ga: _não. 33 - R: _agora, quem achou que não... quem achou assim oh eu achei que ela não falou as características... ela não falou mais coisas aí você bota o não. 34 - Ga: _eu achei não. 35 - R: _tá, Gabriel se você acha que não, se você acha que faltou ela falar mais sobre o quati põe não e... An... você estava falando que além de dizer que ele era preto ela poderia ter falado o quê? 36 - An: _que ele tem pêlo. 37 - R: _que ele tem pêlo... e o que mais... além de dizer que ele era preto, que tinha pêlo poderia ter falado o quê mais? 38 - An: _ele brincava... 39 - R: _oh outra característica... que ela falou... que ele brincava... então veja a Le falou algumas características mas se ela tivesse falado outras teria ficado um relato melhor, certo? 40 - A: _certo.

No episódio 2, a reflexão centrou-se nas características dos personagens citados no

relato de Le. Quando questionados por R, as crianças respondiam automaticamente

de maneira negativa, sem pensar no conteúdo de sua resposta. R intervém

questionando as crianças quanto à necessidade de não se conformar com apenas

um único posicionamento, sem de fato averiguá-lo. E, então, as instiga a se

recordarem do que Le apresentara e, a partir daí, buscar evidências se ela

enumerou ou não características suficientes do personagem (o quati) no momento

de sua apresentação. Percebe-se, então, a atitude responsiva dos alunos. Em

determinada situação, além de identificarem o que Le colocou em seu texto (turno

29) também apontaram outras possibilidades que contribuiriam qualitativamente em

uma próxima versão do texto de Le (turno 36 e 38). É relevante o posicionamento de

Ga que, desde o turno 27, mostrava-se meio do contra com relação ao que Le

apresentara. Demonstra-se indiferente não propondo o que poderia ser

acrescentado ao texto analisado. R, percebendo a defensiva de Ga, lança a

pergunta a todos da sala “Ela relatou então pessoal, ela falou algumas

características, sim ou não?” (turno 30), o que é atendida pelos demais (turno 31), e

logo após, uma vez “enfrentada” pelos enunciados de Ga (turno 32 e 34).

Episódio 3 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 64 - R: _e Le quem se lembra do assunto que Le contou? 65 - Lo: _do quati. 66 - R: _a história do quati. O que ela contou sobre a história do quati? 67 - An: -que o vô dela matou. 68 - R: _espera um pouquinho... Ca, ouve a coleguinha! Fala, An! 69 - A: _que o vô dela matou.

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70 - R: _mas ela já começou assim, An? Ela começou oh... “meu avô matou o quati”. Foi assim que ela começou? 71 - An: _não. 72 - R _o que ela contou então... os detalhes... quem lembra? Quem lembra? 73 - K: _ele lembra aqui. [se referindo a Ga] 74 - R: _fala alto que eu não tô te escutando. O que você lembra que ela contou? 75 - Ga: _ que o tio dela achou três quati... 76 - R: _achou três quatis onde? 77 - A: _a lá no mato. 78 - R _hã... 79 - Ga: _lá na mata. 80 - R: _e aí o que ele fez? 81 - A: _ele matou. 82 - Ca: _o quati comeu o pintinho e ele matou. 83 - P: _calma lá gente. Calma lá... O Ga lembrou de uma coisa... que o tio dela achou três quati na mata aí logo em seguida Le falou assim que o avô matou? 84 - A: _não.

O episódio 3 ilustra o momento em que discutem sobre o assunto norteador do texto

oral produzido por Le (turno 64). Assim que o tema central é recuperado (turno 65),

R se propõe a questionar os alunos de modo que eles exponham cada etapa do

texto, sempre considerando a hierarquia dos fatos (turno 70 e 83) relatados por Le.

Episódio 4 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 96 - R: _sobre a vida do quati lá na casa dela como que era que alimentação ele tinha ela não contou nada isso? 97 - An: _contou. 98 - K: _aí, oh... Ga vai falar... 99 - Ga: _ela falou que ele era preto peludo e que comia banana. 100 - R: _e o que mais? Teve uma outra coisinha que ela falou que vocês não estão lembrando. Sobre a comida dele. 101 - An: _era leite. 102 - Ca: _água. 103 - R: _e aguinha. E você quer falar o quê Le. 104 - Le: _ele também comia ração. 105 - K: _oh... Ca vamos escutar, que o Ga tem mais uma coisinha pra falar que ele lembrou que ela contou. 106 - Ga: _que o quati tava comendo os pinto lá da casa da vó dela. 107 - P: _que ele tava comendo os pintos... né? 108 - Ga: _e o tio dela matou. 109 - P: _foi o tio dela que matou? 110 - Ga: _não, o avô. 111 - R: _e depois o final foi como? Esse avô fez o quê? 112 - A: _matou. 113 - R: _ele matou o quati, tudo bem... e fizeram o que com ele no final das contas? 114 - Ca: _comeram. 115 - R: _eles todos comeram, Le comeu um pedacinho do quati, o pai dela todo mundo? 116 - A: _não. 117 - R: _não! 118 - Li: _a vó dela.

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119 - R: isso, Li, falou. Fala Li! 120 - Li: _a vó dela. 121 - Ca: _a vó dela. 122 - R: _a vó dela comeu o quati. Muito bem.

No episódio 4, a questão discutida amplia a caracterização do personagem e, mais

uma vez, norteia a reflexão sobre os enunciados apresentados por Le que, se não

forem bem esclarecidos provocam algumas inverdades (109 115).

Episódio 5 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 123 - R: _Le, foi quando mais ou menos que aconteceu a história. Foi quando, você tinha quantos anos mais ou menos. 124 - Ca: _cinco anos. 125 - An: _seis anos. 126 - R: _quando aconteceu a história do quati você tinha quantos anos. 127 - Le: _(silêncio de cinco segundos) 128 - R: _mais ou menos você tinha quantos anos? Você já estudava aqui na escola? 129 - Le: _já. 130 - R: _já? E você tinha mais ou menos quantos anos? 131 - Le: _quatro anos. 132 - R: _quatro anos?

A última questão da conversa focaliza o que poderia ser melhorado no texto. As

crianças ressaltaram que o colega deveria falar mais alto, com mais clareza, sem

fazer careta, apresentar mais detalhes acrescentando as características dos

personagens citados. Toda a conversa contribuiu significativamente para o

desenvolvimento de um exercício mais reflexivo sobre as práticas cotidianas da

oralidade infantil, o que possibilitou o enriquecimento discursivo da terceira versão de

um dos três textos tomados para análise.

4.3.2 - Análise da produção da terceira versão do texto de Le

A análise do texto realizada pelos alunos, baseada na conversa na roda, possibilitou

a Le, encaminhar para a terceira versão de seu texto. Na elaboração dessa versão,

Le organiza os enunciados considerando o conteúdo expresso na conversa anterior.

Apresenta, em seu texto, mais elementos que caracterizam o personagem; estrutura

com mais detalhamento as ações por ela relatadas considerando a hierarquia de

acontecimentos que dá ao interlocutor melhor compreensão do que é exposto.

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Como poderemos confirmar a seguir, a partir da interação com os demais presentes

naquela situação de produção, o texto de Le tomou dimensão diferenciada das

versões anteriores, o que nos leva a considerar que quanto mais se fala e expressa

as próprias idéias, melhores elas se reformulam no interior do pensamento, porque a

atividade mental constitui um auditório social. Uma vez mais referendamos e

concordamos com Bakhtin (2004, p.117), quando ele diz que “[...] todo o itinerário

que leva a atividade mental (o ‘conteúdo a exprimir’) à sua objetivação externa (‘a

enunciação’) situa-se completamente em território social”. A atividade mental de Le,

ao realizar-se sob a forma de uma enunciação, ou seja, o relato de um fato ocorrido

em sua história de vida, adquire maior complexidade graças ao contexto social

imediato e acima de tudo aos seus interlocutores concretos. A terceira versão do

texto de Le, organizado a partir das interações na roda de conversa ficou como

veremos a seguir:

(Le, seis anos)

Um dia meu tio é... foi caçar achou filhotinhos, três filhotinhos de quati e... ele foi lá buscar e deu um pro Eliezer e outro pra vovó Olga... e... a gente dava comida pra ele banana, é... mamadeira é... água, dava ração, dava banana, a gente dava leite. Eu brincava com ele e ele subia nas minhas costas. Meu animal era todo pretinho e o rabo era pintado de branco e fino... ele tinha um biquinho e o dentinho dele era assim aquele dentinho bonitinho é... eu dava banana, é... dava leite dava água, dava ração. Eu cuidava dele. Ele subiu lá na árvore quando via eu brincar é... Eu colocava ele na árvore e ele vinha quando eu chamava ele pra comer... um dia meu tio é... fez cosquinha nele e ele dormiu e no outro ele subiu no cabelo de Jana aí depois ele tava comendo pintinho aí meu Tio Roni tocava ele e ele tava correndo atrás dos pintinhos da galinha e... meu tio brigava com ele e... quando ele tava com um pintinho na boca é... ele tava comendo o pintinho e... meu avô viu ele comendo o pintinho e aí matou o bichinho... aí deu pra vovó é... minha vó comeu e eu fiquei triste porque o vovô matou o Mimico (14-12-2006).

Capacidade de ação

Nesta terceira versão, a autora produz um texto que atende à finalidade proposta:

apresentar um texto oral que relate uma história de vida. Ela utiliza o pronome na

primeira pessoa do plural. É surpreendente a maneira como Le se apropria das

sugestões oferecidas pelos colegas, a partir da análise do texto realizada na roda de

conversa.

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Capacidade discursiva

Esta terceira versão do texto de Le se organiza efetivamente com as características

de um gênero “história de vida”. O relato por ela apresentado conta um fato verídico

que emociona a autora no momento da apresentação. Seu texto poderia ser

estruturado em três grandes partes.

A primeira parte, que se inicia com o termo “Um dia meu tio” e segue até “e outro pra

vovó Olga”, onde constam informações sobre o personagem principal: onde foi

encontrado (o termo “foi caçar” dá a entender ter sido encontrado na mata); quando

foi encontrado (“um dia”); por quem ele foi encontrado (“meu tio”).

A segunda parte que apresenta o cotidiano do personagem principal clarificando

valiosas informações referentes às suas características físicas (“era todo pretinho e

o rabo era pintado de branco e fino... ele tinha um biquinho e o dentinho dele era

assim aquele dentinho bonitinho”); suas brincadeiras (“subiu lá na árvore”); sua

alimentação (“eu dava banana, é... dava leite dava água, dava ração”); seu estilo de

vida (“meu tio fez cosquinha nele e ele dormiu e no outro ele subiu no cabelo”).

Diversas dessas informações só se apresentaram nesta terceira versão.

A terceira parte relata algumas ações finais do personagem principal (“ele tava

correndo atrás dos pintinhos da galinha”) que provocaram os motivos de sua morte

(“meu avô viu ele comendo o pintinho”), ou seja, o desfecho da história.

Capacidade lingüístico-discursiva

Em se tratando das operações utilizadas para tornar o texto um tecido a autora

lançou mão do marcador temporal “um dia”, que apresentou função de construir uma

base temporal a partir da qual os dados podem ser atestados. No que se refere à

utilização de mecanismos para garantir a coesão nominal, utiliza diminutivos

(pretinho, biquinho, dentinho, bonitinho, bichinho) que suscitam e reforçam o

sentimento afetivo da autora pelo personagem citado em seu relato.

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A análise das diferentes versões de um mesmo texto das três crianças, assim como

das interações entre a educadora e as crianças na preparação dessas versões

oferecem-nos um panorama de como é possível, mesmo com crianças pequenas,

promover situações em que elas reflitam sobre a linguagem e se apropriem de

alguns elementos que potencializam sua comunicação com os outros. Ou seja, a

partir de atividade reflexiva sobre a linguagem a criança se apropria de elementos

tais como a ação de produção, o que se tem a dizer, para quem e o como irá dizer e

reformula sua produção primeira.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tratar de considerações finais denota perceber e explicitar o quanto aprendemos

com os movimentos realizados no percurso da investigação. Denota, ainda,

compreender como é difícil “finalizar” algo, quando se sente que apenas se

começou... Ou seja, quando se sente que foi realizado um primeiro movimento: o de

lançar a palavra como semente em terreno fértil à espera que germine, frutifique, se

multiplique produzindo efeitos dialógicos e que nos oriente à compreensão dos

acontecimentos. Elaborar tais considerações é fazer reviver momentos que tiveram

significação marcante no desenvolvimento de toda a pesquisa. Sendo assim

buscaremos reviver alguns momentos retomando as perguntas que nortearam

nossos movimentos de investigação acerca da linguagem oral na educação infantil

indígena.

No desenvolvimento da pesquisa buscávamos entender que atividades de

linguagem oral eram freqüentemente realizadas e se era, pois possível abordar o

oral como objeto de ensino. Para tanto nos dispusemos a pensar com os sujeitos

envolvidos (educadora e crianças) uma possibilidade de ensino para oral, de modo

estarmos constantemente atentas em observar o impacto da proposta desenvolvida

nas produções orais das crianças bem como em compreender como o ensino-

aprendizagem da oralidade na educação infantil poderia contribuir para o resgate e

preservação da cultura Tupinikim.

Como se sabe, a oralidade é uma prática social interativa e uma das primeiras e

principais atividades fundamentais no processo de constituição das relações sociais.

Especialmente na tradição indígena, é um importante mecanismo de manutenção de

tradição entre as gerações. O interesse em pesquisar o oral como objeto de ensino,

origina-se da hipótese de que, nos contextos escolares infantis, (seja indígena ou

não), a oralidade serviria apenas como um veículo para o desenvolvimento de

atividades da rotina diária na escola.

Nosso estudo, bem como toda a análise dos dados coletados fundamentou-se em

pressupostos vigotskianos e bakhtinianos por entendermos o processo de ensino-

aprendizagem como de natureza social, em que a linguagem (seja oral, seja escrita)

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é elemento essencial na constituição dos sujeitos e compreensão do mundo.

Realizamos o trabalho por meio de uma pesquisa participante de caráter etnográfico

e de intervenção em que, apesar de o problema investigado não ter,

necessariamente, surgido no coletivo da comunidade escolar infantil indígena, o

tema foi ao encontro dos seus interesses. Isso se deu porque a proposta do projeto

de educação escolar indígena é de ser um articulador de ações que possibilite

relacionar o fazer pedagógico com uma ação política, visando à melhoria da vida

social e escolar. Desse modo, a pesquisa participante de caráter etnográfico e de

intervenção pôde favorecer a interação entre a pesquisadora e os sujeitos

pesquisados, principalmente no que se refere a observar o ensino-aprendizagem da

oralidade na educação infantil como mais uma das ações a contribuir para o resgate

e preservação da cultura Tupinikim. Tendo, pois, a linguagem como constituidora

dos mesmos sujeitos, ratificamos o que nos apontou Vigotski (1995) que o domínio

da linguagem e o desenvolvimento é, antes de tudo, o resultado da experiência

cultural dos sujeitos.

Na busca de respostas à primeira questão investigativa, uma das importantes etapas

foi o desenvolvimento de um estudo exploratório inicial. A realização deste

constituiu-se como a nossa primeira aproximação com a escola infantil indígena. Na

análise dos dados constatamos situações em que, tanto para o professor quanto

para os alunos, a atividade oral não demonstrava apresentar importância em si.

Somente era “validada” se fosse acompanhada de atividade em que a escrita se

fizesse presente. Outra constatação foi perceber que a escrita que se consolidava

era basicamente pela elaboração de listas. Pensamos que tal ênfase à produção de

listas dá-se fundamentalmente pela concepção de aluno e de professores de que a

língua seria vista muito mais como um catálogo de palavras. Aprender, pois, a língua

estaria intimamente relacionado em aprender um sistema regido por normas que

teria como centro organizador um sistema lingüístico estável e fechado. Ou seja, um

sistema cuja aprendizagem ocorre pela repetição e que entende os sujeitos, como

inseridos numa comunidade lingüística cujo sistema já está constituído, precisando

apenas de ser assimilado no seu conjunto. Esse posicionamento acerca da língua já foi

muito criticado por Bakhtin (1999), uma vez que o autor propõe uma síntese dialética

cujas enunciações são inseridas num contexto mais amplo que compreende as

relações sociais organizadas. Diante o contexto apresentado, pensamos que o

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debate acerca da educação infantil indígena carece de se ampliar. Torna-se

necessário reconhecer e garantir o espaço dessa etapa de escolarização como o

lugar do brincar, o lugar do reconhecimento de identidades, o lugar do

reconhecimento da cultura, minimizando o tratamento da criança como simples

copiadora.

Para abordarmos o oral como objeto de ensino na educação infantil indígena,

elegemos, como principal foco de atenção, as interações face a face. Propomos aos

educadores tomar a conversa como um gênero textual específico e a “roda de

conversa” como um espaço de interação verbal interessante, a fim de desenvolver

nos alunos capacidades de linguagem. A reflexão da conversa como um gênero

textual específico fez também ganhar força o debate acerca do entendimento que vê

na conversa, elementos que a justifiquem funcionar para além de um veículo de

transmissão de informações. Desse modo, além de caracterizada como uma

atividade cotidiana, organizada e organizadora da rotina pedagógica ou para o

estabelecimento de regras de boa convivência, a conversa na roda também se

tornou um instante pedagógico e dialógico de reflexão sobre a linguagem. A

realização de exercícios reflexivos sobre a linguagem nos momentos de rodas de

conversa passou, então, a ter outra dimensão.

Na continuidade de nossas constatações, outro resultado basilar, foi poder ouvir as

crianças acerca do tema investigado e perceber que também elas têm importantes

contribuições a dar ao pesquisador. A escuta cuidadosa considerou ser a criança um

indivíduo social, produzida na e produtora de cultura (Kramer, 1996). O exercício de

escutá-la levou a pesquisadora perceber que a criança muito tem a dizer sobre como

vê o mundo e como interage de maneira bem interessante nele. Tivemos essa

constatação, devido às conversas que tivemos com os pequenos. As crianças foram

instigadas a opinar acerca da roda de conversa que se realizava diariamente na sala

e dizer o que seria para elas o significado de “novidade”, pois no início de cada

rodinha, a educadora sempre começava com a pergunta: “qual a sua novidade?” Em

suas respostas, as crianças nos sinalizaram que roda de conversa deveria ser

efetivamente para tal: conversar. Ou seja, o espaço da roda seria um momento para

compartilhar uma história, discutir assuntos de família, passeios, noticiarem algo

relacionado com assuntos referentes à aldeia. Nestes momentos, as crianças

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revelaram serem detentoras de muitos saberes que foram adquiridos no convívio

com a família e a comunidade, ou seja, conhecimentos que foram transmitidos a ela

por meio da oralidade. Mas, um outro aspecto importante a se considerar é que elas

pontuaram ainda que tudo deve ser realizado numa proposta que não se delongue

por demais, senão a atividade fica desmotivadora, de modo que a criança traz, como

possível solução a esse “demorar demais”, fazer atividade.

Considerando as respostas das crianças organizamos com os educadores duas

seqüências didáticas para a produção de gêneros textuais orais específicos, a serem

desenvolvidas no espaço da roda de conversa. A utilização, de seqüências didáticas

permitiu-nos desenvolver atividades mais estruturadas com as crianças e,

possibilitaram-nos organizar as atividades orais em torno de um gênero textual. Com

a utilização de tal procedimento, um exercício mais interativo e reflexivo se

instaurou, e as interações verbais entre a pesquisadora, a educadora e as crianças e

dessas com seus pares se intensificaram. As reflexões sobre a linguagem

apresentaram influências nas produções de gêneros textuais orais das crianças,

demonstrando por essas, a tomada de consciência da linguagem, seu

funcionamento e enunciação em diversas situações de produção. Em Bakhtin

(2004), temos essas confirmações, pois, segundo o autor “[...] a enunciação é

produto de interação entre dois indivíduos socialmente organizados [...]” e a tomada

de “[...] consciência pode dispensar uma expressão exterior, mas, não dispensa uma

expressão ideológica” (Bakhtin, 2004, p. 114). A apropriação do conhecimento

poderia ser entendida, pela mediação entre os sujeitos que constroem os

conhecimentos nas relações interpessoais. Assim, o mais importante de tudo, sem

dúvida, é o que pesa com relação às riquezas dessas interações entre os envolvidos

por meio da linguagem, que exerce papel fundamental e mediador das relações

entre o homem e sua história, a sua apropriação cognitiva e o exterior discursivo.

Essas constatações vêm para reafirmar o que observamos, ou seja, é possível, com

crianças pequenas, promover situações em que elas reflitam sobre a linguagem e se

apropriem de elementos que contribuam para uma melhor elaboração de sua

comunicação com os outros. Como demonstramos nas análises dos textos (capítulo

4), tal apropriação se deu tanto em nível do conteúdo discursivo, no que se refere à

seleção de palavras, à adaptação ao público, à organização do conteúdo, como

também em sua expressão lingüística, ao tratar de escolhas pertinentes referentes a

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mecanismos de coesão verbal e nominal ou mesmo de gestão de vozes

enunciativas presentes no decorrer da produção textual. Nestes instantes interativos

as crianças puderam atentar também para a escolha das palavras, a hierarquização

de informações numa preocupação de sempre tornar o texto, e em nosso caso o

oral, um tecido coerente.

A conversa na roda apresentou-se como um momento propício para a

sistematização de conhecimentos cotidianos e foram importantes porque, por meio

delas foi possível constatar o quanto a tradição oral ainda é importante nesta

sociedade. Os sujeitos pesquisados, apesar de estarem inseridos em um contexto

onde a escrita é predominante, ainda têm suas tradições e conhecimentos

repassados às gerações mais novas por meio da oralidade. Assim, ao tomar, na

educação indígena, a oralidade como objeto de ensino numa prática reflexiva sobre

a linguagem, estamos respeitando um dos direitos conseguidos pelos povos

indígenas e que se encontra assegurado na Constituição Federal, que é a utilização

de processos próprios de aprendizagem. Como vimos, anteriormente, nas aldeias de

etnia Tupinikim, a escola é uma instituição que muito recentemente foi incorporada

ao cotidiano social. Desse modo, o ensino-aprendizagem da oralidade e pela

oralidade por si só já faz parte do resgate e da preservação da cultura Tupinikim,

uma vez que este objeto e recurso de aprendizagem é um dos elementos da cultura

desse e de outros povos indígenas.

O desenvolvimento de todo o trabalho demonstrou que, os momentos de reflexão

sobre a linguagem, na roda de conversa, possibilitam desde já, à criança pequena

estar atenta à condição de produção textual. Isto é, possibilita que a criança da

educação infantil esteja atenta às condições essenciais que favorecem o processo

dialógico da linguagem. Cumprir a missão do diálogo, ou pelo menos ter a pretensão

de fazê-lo, foram os elementos essenciais a dar a este trabalho um sentido de

acabamento. Ainda que provisório, é propenso a réplicas para que com ele outros

interajam de forma a superar as limitações dessas considerações finais ampliando o

debate acerca naquilo que ficou por dizer.

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APÊNDICE

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APÊNDICE A – Primeira Seqüência Didática

SEQÜÊNCIA DIDÁTICA PARA DESENVOLVER A CAPACIDADE DE REGULAÇÃO ORAL DE COMPORTAMENTOS

Problemática: A interação do povo Tupinikim e Guarani com o meio ambiente Tipologia Textual: Instruir Gênero Textual: Modo de montagem Apresentação: A partir da utilização de sucatas os alunos vão produzir alguns brinquedos e em uma manhã recreativa ensinar a alunos de uma outra sala os procedimentos de montagem do brinquedo.

Produção inicial: O educador confeccionará junto aos alunos um brinquedo: um telefone sem fio. Após a confecção desenvolver exercícios de linguagem onde o aluno expõe como o objeto foi montado. Produção do T 1.

Oficinas: Oficina 01: Brincadeiras (tempo estimado de 40 minutos) O educador realizará no pátio brincadeiras: -Tudo o que o seu mestre mandar -Morto vivo Oficina 02: Trabalhando em grupos -Dividir os alunos em pequenos grupos para que com materiais diversos confeccionem um brinquedo a ser apresentado / ensinado os procedimentos de montagem o sua montagem para a outra turma. -Produção oral do texto de apresentação (T2): exercitar a escuta do colega; conversar sobre modos de apresentação: clareza ao falar, objetividade ao se dirigir aos colegas da outra turma. -Na roda conversar sobre as ações desenvolvidas nas brincadeiras. Oficina 03: Leitura e produção de texto -Leitura (feita pelo professor) de um texto que ensina a fazer (receita de bolo, de massinha de modelar de salada de frutas, etc). -Escrever a lista de ingredientes necessários. -Fazer a receita com a colaboração das crianças -Discutir na roda de conversa sobre as ações realizadas Oficina 04: Preparação da apresentação -Trabalho em grupo (preparativos das apresentações) -Preparação de um convite a ser enviado à outra turma Produção final: Apresentação -Os alunos organizam a sala -Os alunos fazem as apresentações aos alunos convidados -Após a apresentação, sentados em roda discutem sobre o que foi positivo e o que foi negativo no desenvolvimento das atividades. Observação: dentre os trabalhos realizados na oficina 04 um dos grupos irá apresentar para a outra turma.

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APÊNDICE B – Segunda Seqüência Didática

SEQÜÊNCIA DIDÁTICA PARA DESENVOLVER O RELATAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL Problemática: A organização sócio-política no contexto regional, nacional e mundial. Tipologia Textual: Relatar Gênero Textual: História de vida Apresentação: -Sentados em roda, propor às crianças a montagem de um documentário / arquivo de relatos de histórias de vida. -Discutir que com este documentário / arquivo de histórias de vida, a escola e a comunidade Tupinikim terá acesso a relatos de caráter histórico a dar pistas sobre a reorganização da aldeia. -Discutir a possibilidade de também as crianças gravarem depoimentos onde possam relatar fatos importantes ocorridos em sua vida. -Combinar com as crianças que o resultado deste trabalho será apresentado na reunião de confraternização ao final do ano entre os alunos da escola e os pais.

Produção inicial: Em roda de conversa cada aluno apresentará oralmente sobre sua história de vida. Este momento a ser gravado com gravador de voz será categorizado como a produção do T1. Os alunos terão como organizador de seu texto oral a seguinte proposição: “Vamos falar sobre alguns fatos ocorridos em sua história de vida”.

Oficinas: 1ª-Oficina: Referendando-se em algumas histórias de vida. (20 minutos) -Em roda de conversa, ler para as crianças a biografia e / ou dados biográficos sobre algum personagem conhecido na aldeia (o cacique Cizenando, por exemplo). -Conversar sobre as impressões que tiveram do texto lido. Que fato mais lhes chamou atenção. -Conversar sobre a possibilidade de se convidar uma pessoa importante da comunidade que desenvolva algo que ajude na preservação cultural dos indígenas. -Definir a pessoa considerando os seguintes critérios: alguém que em sua história de vida tenha contribuído para manter certas tradições indígenas; que seja uma pessoa que sempre participa das reuniões da comunidade, etc. 2ª-Oficina: Organizar entrevista com uma pessoa de destaque na comunidade. (40 minutos) -Ler para os alunos um texto (entrevista), atendo-se as perguntas feitas. -Definir com as crianças o que se vai perguntar. - Definir quem vai perguntar, quem vai agradecer a presença do convidado. 3ª-Oficina: Entrevista. (60 minutos) -Em uma roda de conversa realizar a entrevista com a pessoa escolhida. 4ª-Oficina: Registro. (60 minutos) -Em roda, ouvir a produção inicial realizada (selecionar informações) -Decidir com os alunos as informações necessárias e mais curiosas sobre a história de vida de cada um deles (subsídios para o T2, observando-se o que se falou e a partir da escuta selecionar alguns critérios a serem considerados quando no momento da gravação do T2). -Refletir e avaliar com os alunos alguns critérios recorrentes nas apresentações e outros que devem ser considerados (primeira avaliação) a) Se o enunciado está claro ou não; audível ou não;

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b) Se, foram faladas apenas algumas palavras sem muita ligação. Ou se foram ditos de maneira mais elaborada; c) Se os eventos ou ações são enunciadas segundo a ordem em que ocorrem. 5ª-Oficina: Gravação de depoimentos (120 minutos) -Gravar os depoimentos dos alunos (T2) tendo como suporte as questões abaixo: 1-Qual o seu nome, sua idade e diga algo que você mais gosta de fazer. 2-Fale um pouquinho de seus pais dizendo: nome, profissão, etc. 3-Quando você não está na escola o que você costuma fazer? 4-Na sua opinião cite um problema que afeta / prejudica os índios. 5-Se hoje você fosse o cacique da aldeia que providência você tomaria para tornar a aldeia o melhor lugar para se viver? 6ª- Oficina: Avaliação conversa sobre os textos produzidos Produção final: Apresentação do documentário -Apresentar o documentário / arquivo / história de vida.

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APENDICE C – QUESTÕES ELABORADAS COM AS CRIANÇAS PARA A

ENTREVISTA COM O CACIQUE

Questões ao entrevistado:

1- Valdeir e seu Antonino, quantos anos vocês tem?

2- De que vocês brincavam quando eram crianças?

3- E o que vocês comiam?

4- Seu Antonino o senhor gostou de ser Cacique?

5- Valdeir, você gosta de ser cacique?

6- Seu Antonino, em que ano surgiu a aldeia de pau Brasil?

7- Por que a nossa aldeia tem o nome de Pau Brasil?

8- Valdeir, você acha que tem algum problema aqui na aldeia?

9- Valdeir e Seu Antonino, conte uma história pra nós.

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APENDICE D – QUESTÕES DINAMIZADORAS DA CONVERSA NA NONA RODA

(2ª SEQUENCIA DIDÁTICA)

1- OS FATOS FORAM CONTADOS NA ORDEM LÓGICA EM QUE

ACONTECERAM?

2- O TOM DE VOZ DO NARRADOR ATRAIU A ATENÇÃO DOS

INTERLOCUTORES

3- AO CITAR ALGUÉM, DURANTE O RELATO, O NARRADOR RELATOU

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA PESSOA E/OU ANIMAL CITADO?

4- AO RELATAR SUA HISTÓRIA, A PESSOA UTILIZOU-SE DE SENTENÇAS

INTEIRAS OU FALOU APENAS ALGUMAS PALAVRINHAS?

5- QUAL O ACONTECIMENTO CENTRAL RELATADO?

6- O NARRADOR DEIXA CLARO: QUANDO SE PASSA A HISTÓRIA? ONDE SE

PASSA A HISTÓRIA?

7- EM QUE O RELATO PODERIA MELHORAR?

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ANEXOS

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176

ANEXO A - Convenções para a transcrição das fitas59

CONVENÇÃO

SIGNIFICADO

( . ) , ( .. )

Pausa de duração variável

( : )

Alongamentos silábicos

(Sublinhados)

Superposições

XX

Segmentos ininteligíveis

Maiúsculas Indicam os acentos de assistência

[ ] Comentários do transcritor, incidindo

sobre as condutas não verbais.

59 As convenções de transcrição foram adaptadas a partir de FILLIETTAZ, Laurent. As contribuições de uma abordagem praxeológica do discurso para a análise do trabalho do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004 p. 201-235.

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ANEXO B – Formulário para caracterização da instituição educativa indígena60

Este instrumento de pesquisa será utilizado para coletar informações destinadas à

caracterização da instituição educativa infantil indígena

1 . Nome da Instituição: ________________________________________________

2 . Endereço: ________________________________________________________

3 . Ano de fundação: __________________________________________________

4 . Aspecto físico: _____________________________________________________

a) Número de salas de aula: ____________________________________________

b) Condições das salas de aula:__________________________________________

c) Possui biblioteca? __________________________________________________

d) Possui refeitório? ___________________________________________________

g) Outros espaços: ____________________________________________________

5 . Recursos humanos:

a) Número de professores: ______________________________________________

b Número de alunos: __________________________________________________

c) Número de alunos por idade:

1 ano ( ) 2 anos ( ) 3 anos ( ) 4 anos ( ) 5 anos ( )

d) Número de faxineiras e merendeiras: ___________________________________

6 . Recursos materiais:

a) Tipo de materiais pedagógicos existentes na escola: _______________________

b) Recursos audiovisuais:_______________________________________________

60 Os exemplares dos anexos B,C, D e E foram tomados de empréstimos e aqui adaptados, a partir do projeto de pesquisa “Alfabetização de crianças no contexto da educação infantil”, de autoria de Bianca Caroselli que teve como orientadora a Prof. Drª Cláudia Mendes Gontijo.

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7 . Histórico da escola: _________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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ANEXO C – Folha do diário de campo

O diário de campo será um instrumento de pesquisa destinado ao registro de

aspectos importantes a serem considerados durante:

1 – Estudo exploratório (filmagens)

Escola:______________________________________________________________

Data:_______________________________________________________________

Horário:_____________________________________________________________

Roteiro a se seguir ao observar práticas de linguagem oral:

a) Nome da atividade e/ou prática: _______________________________________

b) Como os alunos estão organizados? ____________________________________

c) Como a professora se enuncia as atividades?_____________________________

d) Como as crianças se manifestam diante das falas da professora? _____________

e) Como as atividades se desenvolvem? ___________________________________

f) Como as crianças se manifestam diante fala dos demais colegas? _____________

___________________________________________________________________

h) Quais atividades ocorrem nas salas? ___________________________________

2-Transcrição das fitas e análise dos dados

Escola:______________________________________________________________

Data:_______________

Horário:_____________

Oservações:_________________________________________________________

___________________________________________________________________

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ANEXO D – Roteiro da entrevista com a professora

Este instrumento de pesquisa será utilizado para coletar as informações para a

caracterização da professora da classe envolvida no estudo.

1. Sexo:

Masculino ( )

Feminino ( )

2. Idade

Abaixo de 25 anos ( )

Entre 26 e 30 anos ( )

Entre 31 e 35 anos ( )

Entre 36 e 40 anos ( )

Mais de 40 anos ( )

3. Você trabalha em:

Uma só escola ( )

Duas escolas ( )

Três escolas ou mais ( )

4. Nesta escola você é:

Profissional efetivo ( )

Profissional contratado ( )

Profissional com designação temporária ( )

Outros

Especificar: _______________________________________________________

5. Além de trabalhar nesta (s) escola (s), você exerce outra atividade

profissional?

Sim ( )

Não ( )

Se sua resposta foi afirmativa, qual é essa atividade? ______________________

6. Sua formação acadêmica está em nível:

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( ) Médio - tipo de curso: ______________________________

( ) Licenciatura curta - tipo de curso: _____________________________

( ) Licenciatura plena - tipo de curso: _____________________________

( ) Pós-graduação / aperfeiçoamento (menos de 360 horas)

( ) Pós-graduação / especialização (360 horas ou mais)

( ) Mestrado

( ) Outros

Especificar:_______________________________________________________

7. Sua experiência como professor (a):

( ) abaixo de 2 anos

( ) entre 2 até 5 anos

( ) entre 5 até 7 anos

( ) entre 7 até 10 anos

( ) acima de 10 anos

8. Sua experiência profissional foi adquirida:

( ) na docência em nível de educação infantil

( ) na docência em nível fundamental (1ª a 4ª série)

( ) na docência em nível fundamental ( 5ª a 8ª série)

( ) na docência em nível médio

( ) na docência e em funções técnicas de ensino

9. Você participou de outros cursos que tenham contribuído para a sua formação

como professor (a)?

( ) sim

( ) não

Se sua resposta foi afirmativa, indique quais, citando três, por ordem de

relevância, e indicando a carga horária correspondente: ____________________

10. Você assina jornais, revistas, periódicos?

( ) sim

( ) não

Se sua resposta foi afirmativa, quais? __________________________________

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11. Participa de congressos, seminários ou encontros similares?

( ) Sempre

( ) Às vezes

( ) Nunca

12. Suas atividades culturais mais freqüentes são:

SEMPRE ÀS VEZES NUNCA

( ) ( ) ( ) - ouvir rádio

( ) ( ) ( ) - assistir à TV

( ) ( ) ( ) - assistir à vídeo

( ) ( ) ( ) - ir ao cinema

( ) ( ) ( ) - ir ao teatro

Especificar outras, caso haja:

SEMPRE ÀS VEZES NUNCA

( ) ( ) ( ) - _________________________

( ) ( ) ( ) - _________________________

( ) ( ) ( ) - _________________________

13. Suas leituras mais comuns:

SEMPRE ÀS VEZES NUNCA

( ) ( ) ( ) - jornais locais

( ) ( ) ( ) - periódicos da área de educação

( ) ( ) ( ) - livros didáticos

( ) ( ) ( ) - livros variados sobre educação

( ) ( ) ( ) - periódicos diversos

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ANEXO E – Formulário para caracterização das crianças

Este formulário será instrumento de pesquisa usado para coletar informações

destinadas à caracterização das crianças.

1. Nome da criança___________________________________________________

Endereço completo:_________________________________________________

2. Idade:

3 anos ( )

4 anos ( )

5 anos ( )

6 anos ( )

Especificar a quantidade de meses: ____________________________________

3. Sexo:

Feminino ( )

Masculino ( )

4. Há quanto tempo está matriculado na instituição: _________________________

5. Tipo de material escrito que possui em casa:

Livros ( )

Revistas ( )

Jornais ( )

Outros: __________________________________________________________

6. Diversão preferida da criança: ________________________________________

7. Pessoas que moram com a criança: ___________________________________

8. Profissão do pai: __________________Grau de instrução: _________________

Trabalho atual: ___________________ Renda mensal: ____________________

9. Profissão da mãe: _________________Grau de instrução: _________________

Trabalho atual: ___________________ Renda mensal: ____________________

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10. Profissão do responsável: ___________Grau de instrução: _________________

Trabalho atual: ___________________ Renda mensal: ___________________

11. Número de irmãos:

Nenhum irmão ( )

Um irmão ( )

Dois irmãos ( )

Três irmãos ( )

Mais de três irmãos ( )

12.Outras questões:

a) Quando a criança comete algo desagradável aos olhos do adulto (responde,

desobedece a uma ordem/norma, foge, briga na escola) ela recebe alguma punição?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

b) O que poderia ser caracterizado como uma falta muito grave cometida por uma

criança de etnia Tupinikim?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) Como se dá a participação da criança na vida da aldeia?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

d) Em quais atividades cotidianas há a participação das crianças?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

e) Há alguma atividade de ritual do grupo/comunidade que a criança participa?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

f) Há algumas atividades cotidianas em que a criança não pode participar? Qual /

quais? Por quê?

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___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

g) Há alguma atividade de ritual da comunidade tupinikim que a criança mão pode

participar? Qual / quais? Por quê?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

h) Nas aldeias Tupinikim, como se caracteriza a transformação da criança em

membros adultos?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

i) Com que idade a criança deve necessariamente começar a freqüentar uma

escola?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

j) Como a comunidade indígena Tupinikim tem se organizado de modo promover

ações que preservem suas tradições?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________


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