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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO INSTITUTO … · UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO ... ENEM...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARIA ELOÍSA DA SILVA A REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SORRISO - MT CUIABÁ - MT 2012
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARIA ELOÍSA DA SILVA

A REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL

DE ENSINO DE SORRISO - MT

CUIABÁ - MT

2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARIA ELOÍSA DA SILVA

A REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL

DE ENSINO DE SORRISO - MT

CUIABÁ - MT 2012

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MARIA ELOÍSA DA SILVA

A REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL DE

ENSINO DE SORRISO - MT

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, Linha de Pesquisa Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas.

Orientadora: Profª Drª Jorcelina Elisabeth Fernandes

CUIABÁ-MT 2012

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S586r Silva, Maria Eloísa da. A reinterpretação curricular no contexto da política de currículo apostilado na

Rede Municipal de Ensino de Sorriso - MT / Maria Eloísa da Silva. - - Cuiabá (MT) : A Autora, 2012.

153 p. Dissertação (Mestrado em Educação) . Universidade Federal de Mato Grosso.

Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Orientador: Profª. Drª. Jorcelina Elisabeth Fernandes. Inclui bibliografia. 1. Política curricular. 2. Sistema apostilado. Práticas curriculares. I. Título.

CDU: 371.214.14

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - Cep: 78060900 -CUIABA/MT

Tel : 3615-8431/3615-8429 - Email : [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO : "A Reinterpretação da Política de Currículo Apostilado na Rede Municipal de Ensino de Sorriso - MT"

AUTOR : Mestranda Maria Eloisa da Silva

Dissertação defendida e aprovada em 09/11/2012.

Composição da Banca Examinadora:

Presidente Banca / Orientador Doutor(a) Jorcelina Elisabeth Fernandes Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinador Interno Doutor(a) Ozerina Victor de Oliveira Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinador Externo Doutor(a) Maria Inês Marcondes Instituição : PUC/RJ

Examinador Suplente Doutor(a) Rose Cléia Ramos da Silva Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CUIABÁ, 09/11/2012.

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Vó Olívia ((in memoriam),

Lembro com saudade daquela casinha simples de madeira lá no interior do Rio Grande

do Sul, quando você me convidava para ver o jardim de margaridas, os moranguinhos

deliciosos, a bergamoteira carregada e depois, a gente sentava e conversava sobre a vida, sobre

os sonhos e sobre como ser simples e deixar a vida ir se apresentando aos pouquinhos.

Querida Vó Olívia, você está comigo em todos os momentos, sua energia, seu sorriso e

a certeza que as coisas podem dar certo. A luz que você continua irradiando na minha vida, me

fortalece e me faz ter esperança em dias melhores. Por isso DEDICO a você o resultado do meu

sonho que, certamente, desse paraíso lindo e cheio de margaridas, você ajudou a realizar!

Saudades!

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MEUS MAIS SINCEROS AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelas bênçãos em minha vida e por me mostrar todos os dias o

quanto é importante agradecer e encarar os desafios com humildade e

responsabilidade.

Ao meu Pai Jesus e minha Mãe Alzira, pelos ensinamentos, o zelo, o carinho e as

conversas que me ajudaram a tomar decisões importantes. Também os telefonemas

constantes nessa distância de saudade e ausência.

Aos meus irmãos Rosani e Vanderlei pela parceria, a força e o carinho.

Aos meus sobrinhos Marcelo, Junior, Michele, Bruna e Narjana, em quem eu deposito

às expectativas de um futuro de conhecimentos e oportunidades.

Aos meus queridos amigos matogrossenses, Jones, Liana, Edson e Noeme, pela força

e a compreensão de minha ausência nesses dois anos de intenso estudo.

Às Colegas do Departamento Pedagógico da Secretaria de Educação de Sorriso - MT,

Edna, Elenice, Vera e Zenaide, pelo apoio e companheirismo quando da minha

ausência.

A querida Dona Idalma que se tornou a minha mãe matogrossense, pelo carinho, a

preocupação com minhas viagens e com minha saúde.

Ao meu querido, sincero e incomparável amigo José Carlos de Melo (Zeca) que nesses

anos sempre me incentivou a conquistar caminhos e acreditar nesse Mestrado. Pelas

tantas vezes em que me acolheu em sua casa e compartilhou comigo as belezas de

Cuiabá.

A Administração Municipal de Sorriso, através do Prefeito Chicão Bedin e a

Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta que possibilitaram à realização

desta pesquisa.

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MEU RECONHECIMENTO

A Professora Doutora Jorcelina Elisabeth Fernandes, minha orientadora do mestrado,

pela seriedade e competência, pelo companheirismo e a compreensão e por me

incentivar ao tema dessa pesquisa, que se tornou tão importante para a minha vida

profissional.

A Professora Doutora Ozerina Victor de Oliveira pela leitura tão minuciosa e

importante da dissertação e pelas contribuições sobre Currículo.

A Professora Doutora Maria Inês Marcondes pelas contribuições significativas à

pesquisa.

A Secretaria do PPGE, através da Luisa que sempre foi tão atenciosa nas informações.

Aos Colegas do Mestrado, principalmente Adriana, Edson, Traudi, Rosivete e Eucaris,

pelas discussões interessantes, as aprendizagens, os Seminários e as conversas

descontraídas durante o almoço.

A minha querida Colega, amiga e companheira de estudo, Luci que me acolheu tão

carinhosamente em sua amizade e em sua casa. Muito Obrigado!

Aos Colegas, Edson, Éderson e Silva Rosa pelos estudos compartilhados nas quartas

feiras na sala 61, através do Grupo de Pesquisa em Currículo, Formação de

Professores e Práticas Escolares – GPCFOPE.

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RESUMO SILVA, M. E. A Reinterpretação Curricular no Contexto da Política de Currículo Apostilado na Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT. 2012. 125 p. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso, 2012. Esta pesquisa tem por objetivo analisar a Reinterpretação Curricular no Contexto da Política de Currículo Apostilado adotado pelo Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso, estado de Mato Grosso. O Sistema Público Municipal de Ensino adotou o Sistema Apostilado em 2006, através de uma decisão do governo municipal, uma vez que não houve discussão com os professores sobre o currículo apostilado fazer parte das práticas em sala de aula. Assim, de 2006 a 2008 o sistema apostilado era o currículo pelo qual os professores utilizavam da Educação Infantil ao 9° ano do ensino fundamental. Em 2009, com a mudança da gestão municipal, a Secretaria de Educação organizou uma pesquisa junto aos professores estabelecendo uma discussão sobre a permanência ou retirada do sistema apostilado do Sistema Público Municipal de Ensino e a construção de um currículo que contemplasse principalmente as realidades regionais e locais, uma vez que as apostilas traziam em seu conteúdo, principalmente, a realidade do sul do Brasil em termos culturais, econômicos e sociais, até porque eram advindas e produzidas por autores, em sua maioria, do estado do Paraná. Os resultados da pesquisa revelaram que os professores da educação infantil ao 5° ano decidiram pela retirada das apostilas e a construção de um currículo através da seleção de conteúdos mais pertinentes ao processo de alfabetização. Os professores do 6° ao 9° ano decidiram pela permanência das apostilas, uma vez que estas facilitavam ao aluno permanecer com o material e dar continuidade aos estudos em casa, portanto, achavam de grande importância para o conhecimento do aluno os conteúdos, os exercícios e, destacaram também, a formação de professores que traziam importantes contribuições às práticas em sala de aula. A partir dos apontamentos dos professores do 6° ao 9° ano pela continuidade das apostilas, procuramos compreender como alguns professores adotam e reinterpretam a Política de Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal de Ensino. A coleta de dados deu-se através de narrativas com alguns desses professores, destacando as práticas realizadas, uma análise sobre os conteúdos, a metodologia e a avaliação prescritos nas apostilas. Os resultados revelam que os professores, enquanto sujeitos da pesquisa, nem sempre seguiam as propostas descritas nas apostilas, no que diz respeito aos conteúdos, metodologia e avaliação, mas utilizavam diferentes recursos metodológicos, além dos conhecimentos adquiridos na sua área de formação para estabelecer as práticas em sala de aula. Portanto, essa pesquisa revela as reinterpretações de alguns professores do 6° ao 9° ano frente a um currículo prescrito no Sistema Público Municipal de Ensino, em Sorriso – MT. Palavras-chave: Política Curricular. Sistema Apostilado. Práticas Curriculares.

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ABSTRACT SILVA, M. E. A Reinterpretation Curricular Policy in the Context of Curriculum booklet learnship in Municipal Schools Smile – MT. 2012. 125 p. Thesis (MA) – Institute of Education, Federal University of Mato Grosso, 2012. This research analyzes the Reinterpretation Curricular Policy in the Context of Curriculum booklet learnship adopted by the Municipal Public Education System Smile, state of Mato Grosso. The Municipal System Public Education System booklet learnship adopted in 2006 by a decision of the municipal government, since there was no discussion with teachers about the curriculum booklet learnship part of the practices in the classroom. Thus, from 2006 to 2008 the system was booklet learnship the curriculum by which teachers used from Kindergarten to 9th grade of elementary school. In 2009, with the change of the municipal administration, the Department of Education organized a survey of teachers establishing a discussion about staying or withdrawing system booklet learnship System Municipal Public Teaching and building a curriculum that encompassed mainly regional realities and local, since the handouts brought in its content, especially the reality of southern Brazil in cultural, economic and social, because they were arising and produced by authors, mostly in the state of Paraná. The results of the survey revealed that teachers from kindergarten to 5th grade decided by the withdrawal of handouts and building a resume by selecting the most relevant content to the literacy process. Teachers from the 6th to 9th grade decided by the permanence of handouts, as these facilitated the student remain with the material and continue their studies at home, so we thought of great importance to the student’s knowledge content, exercises and also emphasized the training of teachers who brought important contributions to the practices in the classroom. From the teachers’ notes from the 6th to the 9th grade continuity of handouts, we seek to understand how some teachers embrace and reinterpret the policy booklet learnship Curriculum System in Municipal Public Education. Data collection occurred through narratives with some of these teachers, highlighting the practices carried out an analysis of the content, methodology and assessment prescribed in handouts. The results show that teachers as research subjects, not always followed the proposals described in handouts, with regard to content, methodology and assessment, but used different methodological resources, apart from knowledge acquired in their training area to establish the practices in the classroom. Therefore, this research reveals reinterpretations of some teachers from the 6 th to 9 th year compared to a curriculum prescribed in the Municipal Public Education System in Smile – MT. Keywords: Curriculum Policy. System booklet learnship. Curricular practices.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APM Associação de Pais e Mestres

APS Associação de Pais de Sorriso

COC Curso Osvaldo Cruz

DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

LDB Leis de Diretrizes e Bases

MEC Ministério da Educação e Cultura

MT Mato Grosso

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PPP Projeto Político Pedagógico

PR Paraná

PR Partido da República

PROINFO Programa Nacional de Informática na Educação

PROUCA Programa Um Computador por Aluno

PSD Partido Social Democrático

PT Partido dos Trabalhadores

RCN Referencial Curricular Nacional

SABE Sistema de Ensino Aprende Brasil

SEDUC Secretaria de Estado da Educação

SMEC Secretaria Municipal de Educação e Cultura

UNICEN Centro Universitário Positivo

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 13

A Origem da Pesquisa........................................................................................................ 17

O Lócus e os Sujeitos de Estudo ........................................................................................ 18

O Percurso Metodológico e a Coleta de Dados ................................................................. 20

A Interpretação e Análise dos Dados ................................................................................ 22

CAPÍTULO I - POLÍTICAS CURRICULARES: PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO . 25

1.1 O Currículo .................................................................................................................. 25

1.2 Das Políticas de Currículo ao Estudo do Ciclo de Políticas ........................................ 33

1.3 A Política Curricular e o Currículo Prescrito............................................................. 39

1.4 Da Prescrição à Reinterpretação Curricular: uma trajetória possível ...................... 45

1.5 Os Professores enquanto Intelectuais Reflexivos Ativos do Currículo e da Prática.. 51

CAPÍTULO II - REINTERPRETANDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS DA

POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL DE

ENSINO DE SORRISO - MT ....................................................................................... 56

2.1 O Mercado Editorial Brasileiro e a Ascensão dos Sistemas de Ensino: o caso do

Grupo Positivo............................................................................................................... 60

2.2 A Decisão sobre a Política de Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal

de Ensino em Sorriso - MT ........................................................................................... 62

2.3 A Escolha do Sistema de Ensino Aprende Brasil – GRUPO POSITIVO e a

Proposta Pedagógica Legitimada.................................................................................. 67

2.4 A voz dos Pais dos Alunos do Sistema Público Municipal de Ensino na Decisão

Curricular sobre a Política de Currículo Apostilado ................................................... 73

2.5 O Macrocontexto e a Decisão Política sobre a Ação Pedagógica: o que Dizem as

Lideranças Políticas....................................................................................................... 80

2.6 A Política de Currículo Apostilado é Apresentada aos Professores ........................... 87

2.7 Os Livros da Coordenação: como as Apostilas estão Constituídas Tecnicamente e

Pedagogicamente ........................................................................................................... 90

CAPÍTULO III - DA REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR

O CURRÍCULO PRATICADO OU REINVENTADO ............................................... 96

3.1 As Vozes dos Professores no Contexto da Prática ...................................................... 96

3.1.1 A Narrativa da Professora de História.......................................................................... 97

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3.1.2 A Narrativa do Professor de Matemática ................................................................... 101

3.1.3 Narrativa da Professora de Geografia ........................................................................ 103

3.1.4 Narrativa da Professora de Língua Portuguesa........................................................... 104

3.1.5 Narrativa da Professora de Ciências .......................................................................... 105

3.1.6 Narrativa da Professora de Língua Inglesa................................................................. 106

3.1.7 Narrativa do Professor de Educação Física ................................................................ 108

3.1.8 Narrativa da Professora de Artes ............................................................................... 109

3.2 A Reinterpretação Curricular no Contexto da Prática ............................................ 111

3.2.1 O Currículo apresentado aos Professores ................................................................... 114

3.2.2 O Currículo Apostilado no Contexto da Prática ......................................................... 119

3.2.3 O Currículo Planejado e Implementado pelos Professores ......................................... 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 136

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 140

ANEXOS................................................................................................................................141

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INTRODUÇÃO

O Ensino Fundamental no Brasil, particularmente, tem enfrentado dificuldades a fim

de superar os problemas de qualidade da educação escolar, no sentido de conferir-lhe

significativamente resultados quanto à aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, as políticas e

estratégias macro e micro estabelecidas em políticas públicas voltadas à área de educação e

têm por objetivo reforçar os aspectos de melhoria da qualidade do ensino que tem sofrido

intensas mudanças, interferindo tanto na organização das escolas, nos currículos e com

relação à prática dos professores. Porém, para compreendermos estas estratégias, é preciso

pensarmos sobre quais as discussões estão acontecendo em políticas públicas, bem como,

quais influências o Brasil vem sofrendo dos organismos internacionais.

É preciso levar em consideração a interferência que a globalização, o neoliberalismo

e os organismos internacionais vêm desempenhando na definição das políticas educacionais,

muitas vezes implantando um pensamento único que visa exclusivamente à propagação de

uma política homogeneizadora, na perspectiva de formar um trabalhador pronto a atender as

exigências do mercado.

As políticas públicas têm se caracterizado nas últimas décadas, no Brasil, através de

um paradigma político que pode ser identificado a partir de características do neoliberalismo.

A lógica dessas políticas tem sido pela institucionalização das determinações de organismos

internacionais que veem na educação uma possibilidade para adequação social às novas

configurações do desenvolvimento do capital.

Dentre esses organismos, podemos situar as funções que o Banco Mundial tem

exercido sobre países periféricos, por meio de programas de ajuste estrutural visando à

implantação de políticas macroeconômicas, que venham a contribuir para a redução dos

gastos públicos, bem como a realocação de recursos necessários a fim de aumentar os

superávits na balança comercial, buscando com essas medidas aumentar a eficiência do

sistema econômico. Tudo isso tem a ver com a promessa de inclusão desses países de baixa

renda no processo de globalização capitalista e há de se considerar que essas exigências têm

sido determinantes na condução das políticas públicas, sobretudo àquelas de caráter social,

tendo em vista os cortes no orçamento e a diminuição dos gastos públicos que as medidas

recomendadas representam.

A nova ordem mundial tem no neoliberalismo seu respaldo econômico e político,

assentando-se no princípio da não intervenção estatal na economia, com a finalidade de

facilitar uma maior mobilidade do capital. Dessa forma, é visível que, geograficamente e

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economicamente, os estados dos países periféricos passam a se conformar com a ideologia

apresentada pelos países centrais, como uma proposta hegemônica para a saída da crise do

capitalismo e, através dessa configuração, o estado neoliberal se instala como uma espécie de

reforço ao capitalismo e um modo de produção de vida, aumentando as divisões sociais na

medida em que incentiva a competitividade. (MAUÉS, 2003:09)

Na verdade, a constituição de um projeto de estado à luz do neoliberalismo faz com

que haja “a fragmentação da sociedade em que diferentes grupos minoritários não consigam

constituir-se numa maioria capaz de questionar a hegemonia em vigor” (HARNECKER,

2000: 210). Esse projeto, portanto, é concebido na formação de uma sociedade hegemônica

que visa à acumulação do capital, valendo-se para tanto da racionalidade econômica

caracterizada pela lógica da eficiência, da eficácia e da otimização de recursos.

Assim, temos um estado instrumentalizado, com um projeto de fragmentação social e

produtivista em função da dependência econômica dos países centrais, que vai instituir

políticas púbicas, as quais atendam as exigências do capital internacional. No caso do Brasil,

as políticas públicas surgem no cenário da globalização carregada de regulação social e de

ajuste estrutural em que a vida social, política e econômica, nas dimensões públicas e

privadas, apontam para uma concepção produtivista e mercantilista, procurando desenvolver

habilidades e competências definidas pelo mercado, o que possibilitaria a empregabilidade.

A educação integra esse contexto de globalização e neoliberalismo, no sentido de

alinhar a sociedade em uma nova ordem econômica, política e social. Os organismos

internacionais passaram a determinar as metas que os países devem atingir, em matéria de

educação. As estratégias e prioridades nas definições de políticas educacionais impulsionam

reformas para que a educação possa contribuir para o crescimento econômico e a diminuição

da pobreza. A educação, portanto, caminha lado a lado com as questões de desenvolvimento

econômico de um país.

No Brasil, as políticas desenvolvidas para a melhoria da qualidade da educação

básica resultam, a partir dos anos 90, na consolidação do Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Básica – SAEB, a avaliação pedagógica qualitativa dos livros didáticos e a

elaboração e distribuição do Guia de Avaliação do Livro Didático, além da formulação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs para o Ensino Fundamental, Educação Infantil,

Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena, além da divulgação de

referenciais para a formação de professores para a Educação Infantil e Séries Iniciais do

Ensino Fundamental. Também destacamos o Programa de Aceleração da Aprendizagem e o

Programa TV Escola. As tecnologias no Brasil são ampliadas a partir do Programa Nacional

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de Informática na Educação (Proinfo), a Reforma da Educação Profissional, Reforma do

Ensino Médio, e também da implantação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o

Programa Acorda Brasil e a campanha Toda a Criança na Escola. Todas essas iniciativas

procuraram fortalecer a qualidade na educação e garantir aos indivíduos a possibilidade de

formação.

Com relação à formação de professores, é importante considerarmos que no contexto

de globalização e do novo papel dos organismos internacionais, os profissionais da educação

passam a ter um papel fundamental como executores dessas políticas educacionais elaboradas

como meio de ajustar a educação às exigências do mercado. Portanto, o professor, o técnico, o

administrador se tornam os responsáveis pelo insucesso das medidas propostas e, ao mesmo

tempo, os únicos capazes de salvar a educação, desde que se mostrem passivos a todos os

programas não interferindo em qualquer outro direcionamento. (MAUÉS, 2003:18)

Porém, sabemos que os professores além de serem detentores dos processos

educacionais em sua condução, também ampliam cada vez mais a sua capacidade de

interpretação dos documentos que chegam às escolas. “Certamente existem reinterpretações

desses documentos e ações de resistência aos mesmos na prática pedagógica” (LOPES, 2002:

387). Neste caso, temos a adoção do currículo apostilado pelo Sistema Municipal de Ensino

que traz uma concepção de educação, que na realidade é um projeto econômico, social,

político, ideológico, onde a escola é comparada à empresa e nessa lógica deve formar

consumidores, em vez de cidadãos.

Os melhores exemplos de incursão dos procedimentos de controle técnico são encontrados no crescimento excepcionalmente rápido do uso de pacotes de material curricular. (...) Compra-se um conjunto completo de materiais padronizados, o que inclui relações de objetivos, todos os conteúdos curriculares e materiais necessários, a especificação de atividades a serem realizadas pelos professores e as respostas apropriadas dos alunos (APPLE, 1989: 159).

Com isso, nesta pesquisa, o que nos move é um estudo no contexto da Política de

Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal de Ensino em Sorriso, no estado de Mato

Grosso.

O município de Sorriso, situado no estado de Mato Grosso, distante 341,6

quilômetros da capital Cuiabá, está localizado na microrregião do Alto Teles Pires. Conforme

dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/2010 possui uma população

de 66.506 habitantes, sendo em sua maioria migrantes de vários estados do Brasil,

destacando-se os da Região Sul, especialmente gaúchos que trouxeram os costumes e

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tradições de suas regiões de origem. Além dos sulistas, o segundo maior número de migrantes

vem da região Nordeste, especificamente do estado do Maranhão.

Com relação ao Sistema Público Municipal de Ensino, possui atualmente 32

unidades escolares. A sede do município possui 11 centros de educação infantil e 16 escolas

municipais, sendo 04 escolas que oferecem do 1° ao 5° ano e 12 do 1° ao 9° ano. Nos

distritos, estão 03 escolas de ensino fundamental e 02 centros de educação Infantil. Todas as

escolas e centros de educação infantil possuem diretores e coordenadores eleitos pela

comunidade escolar.

Na gestão municipal de 2005 a 2008, administrada pelo Prefeito Dilceu Rossato (PR)

e a Secretária de Educação Marisa de Fátima dos Santos Neto (PSD), deram-se as

negociações com uma empresa do mercado educacional denominada Grupo Positivo, de

Curitiba – PR, para a adoção de Sistema Apostilado na Rede Municipal de Ensino, da

educação infantil ao 9° ano do ensino fundamental. A adoção do Sistema Apostilado deu-se

em toda a Rede Municipal de Ensino, no ano de 2006 até dezembro de 2008. A compra das

apostilas pelo Sistema Público Municipal de Ensino teve um gasto anual de 1.800.000,00 (um

milhão e oitocentos mil reais).

No governo municipal de 2009 a 2012, passa a assumir o Prefeito Clomir Bedin

(PMDB) e a Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (PT). O ano de 2009 é

marcado pela continuidade do Sistema Apostilado do Grupo Positivo da Educação Infantil ao

9° ano do Ensino Fundamental. Em 2010, a Secretaria de Educação convocou os professores

da Rede Municipal de Ensino para discussões sobre a continuidade ou retirada do Sistema

Apostilado. Com isso, os professores da educação e anos iniciais decidem pela retirada e os

do 6° ao 9° ano pela continuidade.

Em 2011, através de licitação, além do Grupo Positivo, também participa do pregão

presencial, o Sistema Maxi de Ensino, de Londrina – PR. Em virtude de o pregão presencial

prever um lance de menor preço das apostilas, o Sistema Maxi de Ensino passou a vender o

material apostilado do 6° ao 9° ano para o Sistema Público Municipal de Ensino com um

gasto anual de 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais).

Sendo assim, o objeto central do estudo nesta pesquisa, é analisar sobre a adoção do

Sistema Apostilado pelo Sistema Público Municipal de Ensino, no sentido de compreender a

práticas do professores a partir desses documentos prescritos, salientando a articulação entre o

contexto de produção do texto e o contexto da prática.

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A Origem da Pesquisa

Em 2006, quando o Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso – MT, passou a

adotar as apostilas do Grupo Positivo, eu trabalhava no ensino superior, exercendo as funções

de coordenação pedagógica e docente do curso de pedagogia da Faculdade de Sorriso. Na

docência, ministrava a disciplina de “Currículo na educação básica” que abordava sobre a

construção curricular na escola. No decorrer dessas discussões comecei a perceber que os

acadêmicos traziam para as aulas a realidade das apostilas que faziam parte da sala de aula

das escolas municipais. Essa realidade era por eles vivida porque desempenhavam a função de

estagiários nas escolas municipais e, por isso, acompanhavam a prática dos professores que

utilizavam essas apostilas.

Os apontamentos evidenciados pelos acadêmicos deixavam claro que as apostilas

traziam propostas com atividades as quais os professores desenvolviam em sala de aula e,

muitas vezes, havia reclamações e dúvidas sobre essas propostas ou até mesmo sobre os

conteúdos serem extensos, ou seja, havia receio por parte dos professores municipais que não

conseguiriam cumprir a proposta definida pela apostila.

Esses apontamentos me traziam inquietações, mas ao mesmo tempo bastante

curiosidade sobre o uso das apostilas em sala de aula. Por isso, aos poucos e por meio dos

acadêmicos, foi possível a conhecer a prática pedagógica que se estabelecia na escola e

comecei a questionar sobre os efeitos de um currículo pronto. Enfim, os diálogos

estabelecidos com os acadêmicos permitiram que eu intensificasse as leituras sobre o

currículo.

Em 2008, após aprovação no concurso público, fui efetivada no Sistema Público

Municipal de Sorriso – MT. Iniciei minhas atividades docentes com alunos de 8º e 9º ano na

disciplina de língua portuguesa. Recebi da coordenação da escola, quando do início dessas

atividades, um kit escolar, contendo quatro apostilas, sendo duas para o professor e outras

duas do aluno a fim de que eu tivesse conhecimento sobre os exercícios aos quais eram

desenvolvidos por eles. Essas apostilas eram distribuídas bimestralmente. Além desse

material, a orientação da coordenação pedagógica da escola versava sobre o cumprimento de

todas as atividades, a fim de que os pais não viessem reclamar sobre alguma unidade não

cumprida pelos professores.

O início do uso da apostila foi bastante desafiador, principalmente, no que dizia

respeito à proposta de textos, às atividades de interpretação, produção textual e avaliação. As

unidades curriculares das apostilas traziam textos que não eram condizentes com a realidade

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do aluno e, aos poucos, como faziam os demais professores, comecei também a utilizar o livro

didático, além de outros recursos como jornais locais, revistas sobre língua portuguesa, vídeos

e atividades de enriquecimento linguístico.

Quando da experiência enquanto professora, utilizando as apostilas, algumas

questões foram importantes para mim naquele momento. Além de refletir sobre o porquê da

adoção de currículos apostilados no Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso,

chamava-me a atenção, nas formações dos professores, a reação de alguns deles frente aos

conteúdos e às dificuldades de acompanhamento dos alunos diante da proposta de textos e

atividades. Aos poucos, porém, e sem nenhuma resposta do próprio sistema de ensino, os

professores dividiam as opiniões quanto a qualidade do material apostilado, sendo que uns

eram favoráveis e outros contrários às apostilas.

Esta pesquisa, portanto surge como uma necessidade profissional em

compreendermos sobre como se estabelece e constitui no jogo de poderes, os interesses e

negociações que se instalam nesse Sistema Público de Ensino, ao adotar uma Política de

Currículo do mercado educacional. Por isso, temos como questão central neste estudo, como

professores do 6º ao 9º ano reinterpretam a política de currículo apostilado no Sistema Público

Municipal de Ensino de Sorriso - MT?

O Lócus e os Sujeitos de Estudo

Para a realização deste estudo, em torno da Reinterpretação Curricular no Contexto

da Política de Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso – MT

participaram três escolas municipais.

A escolha foi feita a partir das 12 escolas municipais que oferecem do 1° ao 9° ano e

estão distribuídas em 03 pólos. Para a escolha das escolas, realizamos, em cada pólo o sorteio

de uma escola. A partir deste resultado, a escola do pólo I está localizada na regional Oeste,

do pólo II, na regional Leste e pólo III, na regional Norte. Posteriormente, também foi

realizado o sorteio dos professores dos anos finais como participantes, sendo no Pólo I (03),

no Pólo II (03) e no Pólo III (02). Sendo assim, no Pólo I foram os professores de geografia

(8° ano), matemática (6° ano) e língua inglesa (9° ano); no pólo II, os professores de artes (8°

ano), língua portuguesa (6° ano) e educação física (6° ao 9° ano)1 e, no pólo III, os

professores de história (7°ano) e ciências (7°ano).

1 A apostila de Educação Física é um Livro Integrado que compreende Conteúdos, Metodologia e Avaliação do 6° ao 9° ano).

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Ainda, anteriormente a escolha dos sujeitos, alguns critérios foram estabelecidos, ou

seja, que todos fossem efetivos na rede municipal de ensino, impreterivelmente, já em 2005

atuando em sala de aula e, caso na escola houvesse mais de um(a) professor(a) na mesma

disciplina e turma, seria escolhido o(a) professor(a) efetivo(a) com maior tempo de serviço na

rede municipal de ensino. Quanto aos professores contratados, decidimos pela sua não

participação, devido ao encerramento dos contratos se darem anualmente.

Também, alguns importantes compromissos foram definidos com os sujeitos

participantes da pesquisa, ou seja, levamos em consideração, através da investigação, a

responsabilidade ética do investigador para com os participantes, informando-lhes sobre os

objetivos da mesma, além de subsidiar-lhes com um documento ao qual denominamos

“Termo de esclarecimento aos participantes”, para os Prefeitos Municipais e Secretária de

Educação (Anexo VIII) e para os Professores (Anexo VII) . Conforme Biklen & Bogdan

(1994)

“duas questões dominam o panorama recente no âmbito da ética relativa à investigação com sujeitos humanos; o consentimento informado e a proteção dos sujeitos contar qualquer espécie de danos. Tais normas devem assegurar aos sujeitos uma adesão voluntária aos projetos de investigação, cientes da natureza do estudo e dos perigos e obrigações nele envolvidos e, ainda, os sujeitos não são expostos a riscos superiores aos ganhos que possam advir”(75).

O Termo de esclarecimento direcionado especificamente aos professores descreveu o

estudo, bem como explicações sobre o procedimento de análise dos resultados da pesquisa. A

assinatura de cada professor, no formulário, foi prova do consentimento informado, no sentido

de assegurar que os mesmos teriam sua identidade preservada. Sendo assim, neste caso de

acordo com Biklen & Bogdan (1994:77) “as identidades dos sujeitos devem ser protegidas,

para que a informação que o investigador recolhe não possa causar-lhes qualquer tipo de

transtorno ou prejuízo. O anonimato deve contemplar não só o material escrito, mas também

os relatos verbais da informação recolhida durante as entrevistas ou observações. O

investigador não deve revelar a terceiros, as informações sobre os seus sujeitos e deve ter

particular cuidado para que a informação que partilha no local da investigação não venha a ser

utilizada de forma política e pessoal”.

Ao contrário, optamos pelo não anonimato no que diz respeito à participação dos

Prefeitos Municipais e as Secretárias de Educação, sendo o Senhor Dilceu Rossato (PR) e a

Senhora Marisa de Fátima dos Santos Neto (PSD) (gestão 2005 a 2008) e o Senhor Clomir

Bedim (PMDB) e a Senhora Avanice Lourenço Zanatta (PT) (gestão 2009 a 2012).

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O Percurso Metodológico e a Coleta de Dados

Na pesquisa, fizemos a opção pela metodologia qualitativa interpretativa a partir do

Ciclo de Políticas de Ball e Bowe (1992), utilizando três contextos de estudo: o Contexto de

Influência, o Contexto de Produção do Texto e o Contexto da Prática. Esses Contextos

possibilitam compreender que “os textos curriculares não encerram em si mesmos os sentidos,

estando sempre abertos, portanto, às interpretações múltiplas, pelas leituras possíveis

realizadas pelos diferentes sujeitos em contextos nos quais os textos circulam”. (DIAS &

LOPES, 2006:55 apud BALL 1992).

O estudo do Ciclo de Políticas indica que o foco de análise e políticas deveria incidir sobre a formação do discurso da política e sobre a interpretação ativa que os profissionais que atuam no contexto da prática fazem para relacionar os textos da política e da prática. Isso envolve identificar processos de resistência, acomodações, subterfúgios e conformismo dentro e entre as arenas da prática, e o delineamento de conflitos e disparidades entre os discursos nessas arenas (BALL & BOWE, 1992: 22).

É no Contexto de Influência que as políticas públicas são iniciadas, os discursos

políticos são construídos, grupos disputam para influenciar a definição das finalidades sociais

da educação e do que significa ser educado. Atuam nesse contexto os partidos políticos do

governo e do processo legislativo. “É no Contexto de Influência que grupos de interesse

disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa

ser educado” (MAINARDES, 2006:51 apud BALL & BOWE, 1992).

Com relação ao Contexto de Influência, utilizamos enquanto instrumento de coleta

de dados, uma entrevista com 08 perguntas, tendo por objetivo “questões abertas e que devem

evocar ou suscitar uma verbalização que expresse o modo de pensar ou de agir das pessoas

frente aos temas focalizados” (BIASOLI-ALVES, 1998: 14).

As 08 perguntas da entrevista encaminhadas ao Prefeito Municipal Dilceu Rossato

(Anexo I) e a Secretária de Educação Marisa de Fátima dos Santos Neto (Anexo II) (gestão

2005 a 2008), teve como principal objetivo, compreendermos sobre como se deu a decisão de

governo, em adotar um Sistema Privado/Apostilado de Ensino para as escolas públicas

municipais.

Também, foram encaminhadas 08 perguntas ao Prefeito Municipal Clomir Bedin

(Anexo III) e a Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (Anexo IV) (gestão 2009 a

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2012), no sentido de compreendermos sobre a decisão de continuidade do Sistema

Privado/Apostilado de Ensino para as escolas públicas municipais.

O Contexto da Produção de Texto é caracterizado por textos legais ou oficiais e

textos políticos, comentários formais ou informais sobre os textos oficiais, “tais textos não são

necessariamente, internamente coerentes e claros e podem também ser contraditórios” (BALL

& BOWE, 1992).

No Contexto de Produção de Texto, a coleta de dados deu-se nos materiais

documentais que se encontravam no departamento administrativo da Secretaria de Educação,

sendo o Projeto Político Pedagógico da Secretaria de Educação, as Diretrizes Pedagógicas do

Sistema de Ensino adotado, as apostilas do 6° ano de Língua Portuguesa e Matemática, 7° ano

de Ciências e História, do 8° ano de Artes e Geografia e do 9° ano de Língua Inglesa.

Educação Física apresenta o livro integrado do 6° ao 9° ano e algumas atas de registro das

reuniões realizadas entre a Administração Municipal, no ano de 2005, com os pais e os

professores.

O Contexto da Prática é onde a política está sujeita à interpretação e recriação e onde

a política produz efeitos e consequências que podem representar mudanças e transformações

significativas na política original, “o ponto-chave é que as políticas não são simplesmente

implementadas dentro desta arena (contexto da prática), mas estão sujeitas a interpretações e,

então, a serem recriadas” (BALL & BOWE, 1992).

No Contexto da Prática, utilizamos a entrevista narrativa com os 08 professores

(Anexo V) do 6° ao 9° ano da rede municipal de ensino de Sorriso – MT.

A Narrativa, enquanto objeto de investigação, tem por objetivo considerar as

vivências e experiências dos professores no desenvolvimento de suas atividades educacionais.

Nesse sentido, a Narrativa possibilita sistematizar as experiências vividas pelos professores no

Contexto da Prática, relacionando conhecimentos sobre o que eles sabem, sobre como

produzem os seus saberes e como transmitem o saber produzido. Essas buscas identificam os

conhecimentos utilizados no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas e a forma como

constroem esses conhecimentos. Sendo assim, a Narrativa nos permitiu compreender o

processo de prática do professor, levando em consideração a sua autonomia com relação às

questões relacionadas às suas aprendizagens, como também possibilitou aos 08 professores,

refletirem sobre sua trajetória pessoal e profissional. (BAUER, 1997: 98)

Portanto, o objetivo de escolha da Narrativa, foi no intuito de recuperar e captar da

memória de alguns professores do 6º ao 9º ano, de três escolas municipais, as experiências

vividas com o currículo apostilado. A Narrativa, nesse sentido, além de recuperar os fatos

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vivenciados pelos professores, permitiu a reflexão sobre os mesmos, além de situações da

prática, quando os professores lembraram os conteúdos ministrados e as dificuldades de

adaptação à prática ou mesmo metodologias e avaliação aos quais os mesmos percebiam que

poderiam ser intensificadas.

Nesse sentido a narrativa contribuiu para as análises posteriores sobre a

reinterpretação que os mesmos estabeleceram diante do sistema apostilado fazer parte de sua

prática anterior.

Através das narrativas, as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social. Contar histórias implica estados intencionais que aliviam, ou ao menos tornam familiares, acontecimentos e sentimentos que confrontam a vida cotidiana normal (BAUER, 1997: 90).

Na realização da Narrativa, algumas fases foram importantes: a preparação

(formulação de um roteiro); a iniciação (explicações iniciais ao participante e o emprego de

gravador2); a narração central (sem interrupção e, se necessário, somente encorajamento não

verbal para continuar a narração); fase de perguntas (somente, “o que aconteceu então”) e, a

fala conclusiva (o encerramento da gravação e as anotações imediatamente realizadas após a

entrevista). Mesmo estabelecendo critérios para a realização da Narrativa, nos predispomos no

decorrer da mesma, a respeitar o máximo possível a narração do participante, evitando

interrupções da mesma.

A Interpretação e Análise dos Dados

No Contexto de Influência, organizamos eixos de análise a partir dos resultados das

entrevistas com o Prefeito Municipal Dilceu Rossato (PR) e Marisa de Fátima dos Santos

Neto (PSD) na gestão do município de Sorriso – MT, de 2005 a 2008. Da mesma forma,

organizamos a análise com relação à gestão municipal de Sorriso – MT, de 2009 a 2012,

através das entrevistas realizadas com o Prefeito Municipal Clomir Bedin (PMDB) e a

Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (PT).

Com relação à gestão municipal de 2005 a 2008, os eixos de análise estão focados a

partir das contribuições do Prefeito Municipal Dilceu Rossato (PR): “a decisão de

2 Marca Sony com 2gb de memória com capacidade de gravação de 534 horas.

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implantação de um Sistema Privado de Ensino fazer parte de um Sistema Público de Ensino”;

“As contribuições do Grupo Positivo para com a Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT”

e, “A percepção do Prefeito com relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –

IDEB, se houve ou não melhoria após a compra das apostilas”. Para a Secretária de Educação

Marisa de Fátima dos Santos Neto (PSD), também foram estruturados eixos de análise: “A

participação da equipe da Secretaria de Educação nas discussões sobre a decisão de

implantação de um Sistema Privado de Ensino fazer parte de um Sistema Público de Ensino”;

“Como a Secretaria de Educação percebeu a participação dos pais e professores no processo

de implantação do Sistema Apostilado do Grupo Positivo” e, “Pode-se dizer se houve uma

melhoria da qualidade do ensino na Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT com a

compra das apostilas do Grupo Positivo.”

Na gestão municipal de 2009 a 2012, os eixos de análise compreendem: para o

Prefeito Municipal Clomir Bedin (PMDB), “A questão de um Sistema Privado de Ensino

fazer parte de Sistema Público de Ensino”; “A decisão pela retirada das apostilas na educação

infantil e anos iniciais e a continuidade nos anos finais do ensino fundamental” e, “O sistema

apostilado tem relação com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB”. Para

a Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (PT), “As discussões da equipe da

Secretaria de Educação com relação ao Sistema Apostilado na Rede Municipal de Ensino em

Sorriso – MT”; “o envolvimento da Secretaria de Educação nas discussões sobre a retirada do

Sistema Apostilado na Rede Municipal de Ensino em Sorriso – MT, bem como a

continuidade nos anos finais do ensino fundamental” e, “A relação entre o Grupo Positivo e

os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica na Rede Municipal de

Ensino de Sorriso – MT.”

No contexto de Produção de Texto, os documentos oficiais analisados foram a partir

do Projeto Político Pedagógico da Secretaria de Educação, destacando os seguintes tópicos

para análise: “Considerações sobre a proposta curricular: explicitando posicionamentos”;

“Princípios Metodológicos da Proposta Pedagógica” e os “Componentes Curriculares”. Outro

documento foi a Descrição do Sistema de Ensino Aprende Brasil – Grupo Positivo que

analisou a “Proposta Pedagógica”, os “Pressupostos Norteadores” e as “Concepções,

Finalidades e Objetivos do Ensino Fundamental”.

A partir dos documentos, destacamos da gestão 2005 a 2008, os ofícios, relatórios,

atas de reuniões realizadas entre a Secretaria de Educação e o Prefeito Municipal, como

também com os pais e professores da Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT.

No Contexto da Prática, para a análise dos dados a partir das narrativas com os 08

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professores municipais do 6° ao 9° ano, estabelecemos eixos temáticos que possibilitaram

melhor organização das informações. Com relação ao primeiro eixo, destacamos como “O

currículo apresentado aos professores” (a receptividade do currículo apostilado e uma

descrição da apostila). O segundo eixo temático diz respeito a “O currículo prescrito vivido

pelos professores na prática” (uma percepção sobre a seleção de conteúdos, a metodologia

trazida como proposta de prática de aula e a avaliação, a partir das sugestões propostas na

apostila). O terceiro e último eixo temático discutiu “O currículo reinterpretado pelos

professores” (a possibilidade de um currículo planejado e implementado pelo professor em

termos de conteúdos, metodologia e avaliação).

Por fim, definimos a redação da dissertação com apresentação de capítulos

organizados de maneira a contemplar o foco da pesquisa e a própria apresentação escrita dos

dados, confrontando-os com autores que trazem uma fundamentação condizente com o tema

em questão. Além disso, após a dissertação ser apresentada à banca examinadora, uma cópia

fará parte do acervo da Biblioteca Pública do município de Sorriso - MT, para fins de

pesquisa ou mesmo conhecimento dos interessados.

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CAPÍTULO I - POLÍTICAS CURRICULARES: PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO

Ao falarmos sobre políticas curriculares destacamos o processo político de

escolaridade. O processo político “é a rede de estruturas, papéis, normas e relações

interpessoais que operam no processo de escolaridade” (PACHECO, 2005: 103). Por assim

dizer, podemos refletir sobre o espaço escolar e as características políticas que encontramos

nesse contexto em que a escola “é o veículo dessa atividade política, através de um modo

particular de organizar o poder e as influências que se encontram nas suas práticas cotidianas”

(PACHECO, 1075: 273). Com isso, devemos considerar o currículo como uma atividade

político cultural, onde é preciso pensar a escola, também, como espaço de construções

curriculares, cujo objetivo é refletir a prática pedagógica e até que ponto esta vem

contribuindo com as aprendizagens.

Nas discussões sobre currículo, quem sabe nunca possamos chegar a uma definição

exata sobre o seu significado, para que a escola possa se apoderar deste, legitimar e construir

suas concepções pedagógicas. Essa, com certeza, não é nossa intenção. Ao contrário, a

definição pela qual discutimos em torno do significado de currículo, nos permite situar a sua

função no contexto escolar a fim de intensificar as práticas escolares levando a discussões de

que o currículo é o centro da atividade educacional e este foco eleva a condição da escola em

refletir sobre sua trajetória em educação.

1.1 O Currículo

Para o currículo, não se tem encontrado respostas fáceis. Desde o início do século

passado, os estudos curriculares têm definido currículo de formas diversas e várias dessas

definições permeiam o que tem sido denominado currículo no cotidiano das escolas. Partindo

dos guias curriculares propostos pelas redes de ensino àquilo que acontece em sala de aula,

currículo possui significados que contemplam a grade curricular, com disciplinas, atividades e

cargas horárias, o conjunto de ementas e os programas das disciplinas, além de planos de

ensino dos professores e as próprias experiências vividas pelos alunos. Há, nesse sentido, ao

que percebemos, um aspecto comum a tudo isso que tem sido chamado de currículo, a ideia

de organização prévia ou não de experiências, situações de aprendizagem realizadas por

docentes em redes de ensino. Sob tal “definição”, no entanto, se esconde uma série de outras

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questões ao qual discutiremos ao longo deste diálogo que empreendemos sobre currículo, e

que vem sendo objeto de disputas na teoria curricular.

Para que haja uma discussão sobre currículo, é preciso que levemos em consideração

autores que localizados historicamente, nos auxiliem na sua compreensão. Assim como há um

deslocamento da história, o currículo também se desloca em definições e, a cada nova

definição, vários fatores estão imbricados, bem como concepções de escola, alunos,

professores, formação e conhecimento. As novas definições que surgem não estão somente

preocupadas em considerar o objeto currículo, mas, sim, no sentido de acompanhar as

transformações pelas quais passa a educação, localizadas em um determinado espaço e tempo

e de acordo com as transformações das quais a sociedade também faz parte.

Ao falarmos sobre essa definição, entendemos que a mesma pode se posicionar

radicalmente contra, ou mesmo, pode explicitar as suas insuficiências, em relação às próprias

definições anteriores, mantendo-se, portanto, ou não o mesmo horizonte teórico. Esse

movimento de construção de novos sentidos para o termo currículo, pode simplesmente negar

ou reconfigurar ao que se tem de respostas até hoje. Independentemente, é importante e

necessário criar e estimular esses espaços de discussões, não para encontrar definições, mas

para configurar o significado do termo currículo para a escola o que, consequentemente,

poderá permear as práticas as quais forem estabelecidas nesses espaços.

Historicamente, situamos a primeira menção do termo currículo em 1633, quando

aparece nos registros da “Universidade de Glasgow, referindo-se ao curso inteiro seguido

pelos estudantes” (HAMILTON, 1992: 33-52). Há, nesse sentido, não uma pesquisa sobre o

surgimento de estudos sobre currículo, mas é importante observarmos uma associação entre

currículo e princípios de globalidade estrutural e sequenciação da experiência educacional ou

uma ideia de um plano de aprendizagem envolvendo, portanto, um curso e os próprios

estudantes.

O currículo é definido como as experiências de aprendizagem planejadas e guiadas e os resultados de aprendizagem não desejados formulados através da reconstrução sistemática do conhecimento e da experiência sob os auspícios da escola para o crescimento contínuo e deliberado da competência pessoal e social do aluno (LOPES & MACEDO, 2001: 20 apud TANNER, 1975: 45).

Assim se admite que, para o ensino, o importante é o planejamento e que esse

planejamento envolve a seleção de determinadas atividades, experiências ou conteúdos e sua

organização ao longo do tempo de escolarização. Nem sempre, no entanto, essa ideia foi tão

óbvia. “Na segunda metade do século XIX, por exemplo, aceitava-se com tranquilidade que

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as disciplinas tinham conteúdos que ditavam sua utilidade a fim de desenvolver certas

faculdades mentais” (LOPES & MACEDO, 2001: 21). O ensino, então dito tradicional ou

jesuítico, operava com tais princípios, defendendo que certas disciplinas facilitavam o

raciocínio lógico ou mesmo ampliavam a memória. Apenas na virada para os anos de 1900,

com o início da industrialização americana, e nos anos de 1920, com o movimento da Escola

Nova no Brasil, a concepção de que era preciso decidir sobre o que ensinar ganha força e,

para muitos autores, é a partir desse tempo que iniciam os estudos curriculares.

O momento era marcado pelas demandas da industrialização, a escola ganha novas

responsabilidades e precisa voltar-se para a resolução de problemas sociais gerados pelas

mudanças econômicas da sociedade. A escola vem para servir as necessidades da sociedade e

sua organização acompanha e está a serviço da industrialização. Independente de

corresponder ou não a campos instituídos do saber, os conteúdos a serem desenvolvidos nas

escolas e repassados aos alunos precisam, necessariamente, ser úteis.

Com o passar do tempo, essa utilidade passa então a ser questionada, bem como

começam a surgir discussões sobre verdadeiramente, quais os caminhos que podem levar a

essa utilidade e por onde começar. A dificuldade em responder a essas questões era evidente e

as perspectivas assumidas ao longo do tempo têm criado diferentes teorias curriculares. A

definição que melhor explicita a compreensão do que é o currículo então traz a ideia de

experiências de ensino e aprendizagem, e também a própria preocupação com o processo de

gestão escolar e o dia a dia da sala de aula.

No Brasil, trazidas pela Escola Nova, é possível encontrarmos algumas respostas

sobre currículo, a partir das teorias curriculares as quais eram discutidas e surgiram nos

Estados Unidos. No ano de 1910, o taylorismo se destaca na sociedade americana, que se

industrializa. As demandas sobre a escolarização aumentam como forma de fazer face à

rápida urbanização e às necessidades de trabalhadores para o setor produtivo. A eficiência da

escola, nesse sentido, faz-se necessária, através de um clima de industrialização em que a

sociedade se dê sem rupturas e em clima de cooperação. A escola e o currículo são, portanto,

importantes instrumentos de controle social.

Em 1980, no Brasil, praticamente todas as propostas curriculares são elaboradas

segundo o modelo de elaboração curricular de Tyler3. Também as publicações sobre o

3 Educador norte-americano que se destacou no campo da avaliação educacional. Atuou na gestão da educação básica dos Estados Unidos e como professor da Universidade da Carolina do Norte e da Ohio State Universit. Tyler tornou-se o primeiro diretor de Centro de Estudos Avançados em Ciências do Comportamento da Universidade de Sdanford. Após sua aposentadoria, tornou-se conferencista internacional e consultor para a

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planejamento de currículo trazem essa marca, sendo adaptações de textos norte-americanos

ligados a essa tradição. Tyler, portanto é, indubitavelmente, o nome mais conhecido no campo

do currículo, tendo sido responsável pelo modelo de elaboração curricular mais utilizado no

mundo ocidental para o desenho de currículos.

Tyler reduz o currículo a uma intenção prescritiva, determinando sobre como deve

ocorrer ou do que deve ser feito na escola. Surge, então, a proposta de uma formação

antecipadamente determinada em termos de resultados de aprendizagem, geralmente

traduzida num plano de estudos, ou num programa muito estruturado e organizado na base de

objetivos, conteúdos, atividades e avaliação e de acordo com a natureza das disciplinas.

A base racional desenvolvida às concepções sobre o currículo está em torno de quatro questões fundamentais que devem ser respondidas quando se desenvolve qualquer currículo ou plano de ensino. Primeiro, que objetivos educacionais devem a escola procurar atingir; segundo, que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidades de alcançar esses propósitos; terceiro, sobre como organizar eficientemente essas experiências educacionais e, por fim, como podemos ter a certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados (TYLER, 1981: 03).

O currículo aparece como algo bastante planificado e que depois será implementado

na base do cumprimento das intenções previstas, constituindo os objetivos, que expressam a

sua antecipação de resultados, e os conteúdos a serem ensinados como aspecto fundamental

de sua definição, bem como, os resultados eficientes a serem alcançados.

Tyler “não se preocupa com a organização do sistema de ensino, pressupondo-a

como dada” (LOPES & MACEDO, 2011: 45). Decisões sobre, por exemplo, o número de

anos de escolarização obrigatória, existência ou não de retenção de alunos, não foram

consideradas como princípios básicos de currículo. Traz ainda questões sobre a estrutura do

currículo disciplinar, por áreas temáticas, misto ou totalmente integrado e com componentes

que apresentam continuidade temporal ou isolados. Somente são tratadas de forma periférica

ao se abordar a organização das experiências de aprendizagem. Ele, assim, defende

organizações estruturais que contemplem planejamentos para blocos temporais maiores,

evitando a fragmentação, dividindo o tempo diário em uma série de atividades, de preferência

conduzidas por mais de um professor. Tyler concebe os princípios básicos de currículo muito

mais como a organização das experiências dentro de cada componente curricular.

formulação de sistemas de avaliação educacional em diferentes países. Ficou conhecido principalmente pelo seu livro “Princípios básicos de currículo e ensino”.

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As concepções de Tyler em relação ao currículo, “seria um contrassenso defender

que a racionalidade tyleriana que percebemos presente nas políticas recentes seja

essencialmente aquela proposta por Tyler” (LOPES & MACEDO, 2011: 57). Essa teoria veio

se deslocando no tempo e no espaço e, se presente hoje nas políticas curriculares, só o é como

fragmentos “reterritorializados e ressincronizados” num mundo no qual as formas de saber e

produzir já não são mais as mesmas. Os currículos produzidos no Brasil, em sua maioria da

racionalidade tyleriana, são questionados e aos poucos é preciso criar outros sentidos por

intermédio da desconstrução dos sentidos que eles projetam.

Explicitar o quanto qualquer planejamento curricular é arbitrário e produzido em

meio a relações de poder que tornam algumas coisas (in)dizíveis é a tarefa diária que, talvez,

possibilite abrir espaço para o “desplanejamento”. Desplanejar não significa agir sem

planejar, mas agir segundo um planejamento que, no mesmo ato, é desmontado. Essa

desmontagem permite novas reflexões, discussões e a construção de importantes concepções.

“A norma para o currículo, portanto, não é o consenso, a estabilidade e o acordo, mas o

conflito, a instabilidade, o desacordo, porque o processo é de construção seguida de

desconstrução seguida pela construção” (LOPES & MACEDO, 2001: 66 apud

CHERRYHOLMES, 1988: 149).

O pós-estruturalismo trouxe importantes concepções para os estudos curriculares e

permitiu que houvesse esse desplanejamento ao que, de fato, se achava impossível de

transformar e mesmo questionar. Os primeiros estudos pós-estruturais do currículo datam de

fins dos anos de 1970, mas apenas na década seguinte eles se tornaram mais numerosos.

No Brasil, até meados de 1990, não havia praticamente nenhuma menção ao pós-

estruturalismo nos estudos curriculares, o que viria a se intensificar fortemente no início deste

século, especialmente com os textos e traduções produzidos por Tomaz Tadeu da Silva.4

Talvez mais radicalmente do que em outras matrizes teóricas, não se pode falar em um único

pós-estruturalismo. Isso torna a menção a abordagens pós-estruturais do currículo uma ficção

facilitadora de nosso diálogo, mas que precisa ser entendida como tal. Nesse sentido, não

daremos destaque aqui à obra de nenhum autor em particular, mas nos deteremos aos

princípios do pós-estruturalismo capazes de nos ajudar a reapresentar o que é currículo em

termos pós-estruturais. Discutir sobre o pós-estruturalismo traz importantes contribuições para

4 Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua em Currículo, com ênfase na filosofia da diferença. Sua obra possui influências de autores como Hall, Foucault, Deleuze, Nietzsche e de outros autores dos estudos culturais, pós-estruturalismo e pós-modernidade. Publicou livros como: Identidade e diferença; A perspectiva dos estudos culturais; Pedagogia dos monstros; Documentos de Identidade; e O currículo como fetiche.

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a nossa pesquisa.

Embora por vezes confundido com pós-modernidade, o pós-estruturalismo engloba

autores que dialogam especialmente com o estruturalismo, assumindo alguns de seus

pressupostos, dentre os quais o mais relevante para a desconstrução dos conceitos de currículo

que apresentamos até agora diz respeito ao lugar da linguagem na constituição do social.

Ambos adotam uma postura antirrealista, advogando que, ao invés de representar o mundo, a

linguagem o constrói. Nesse sentido, estruturalistas e pós-estruturalistas defendem que a

linguagem cria aquilo que fala ao invés de simplesmente nomear o que existe no mundo.

“Como consequência, não se pode pensar em conhecimento sobre o mundo nem em sujeito

que conhece, modificando-se a própria natureza da relação sujeito-objeto estruturante do

projeto moderno, central nas diferentes concepções de currículo que viemos apresentando”

(LOPES & MACEDO, 2001: 33).

Se há aproximações entre estruturalismo e pós-estruturalismo no que concernem as

críticas à Modernidade, há também muitos afastamentos. O estruturalismo tem uma pretensão

científica de se constituir em método para as ciências sociais e isso impacta fortemente sua

capacidade de lidar com a linguagem. Desenvolvido por autores “como Saussure, no campo

da linguística, Lévi-Satrauss, na antropologia, ou Piaget, na psicologia da educação, o

estruturalismo advoga a existência de uma estrutura ou sistema ou conjunto de relações que

subjaz aos fenômenos” (LOPES & MACEDO, 2011: 38). É por isso que dizemos que a

realidade é constituída pela linguagem, entendida, em sentido amplo, como um sistema

abstrato de relações diferenciais entre as suas várias partes. Qualquer sentido é dado por tal

sistema, por uma estrutura invariante que constitui ela mesma a realidade. A criação de

sentidos só é possível tendo em vista a estrutura do texto ou a estrutura cognitiva do leitor, por

isso, a linguagem é tarefa importante às aprendizagens, uma vez que expressa o conhecimento

do indivíduo e sua capacidade de compreensão da realidade. O estruturalismo, entendemos,

elimina o sujeito como até então postulava a modernidade, seja porque os sentidos estão na

estrutura, seja porque a própria consciência humana é também produzida por estruturas

invariantes.

Entender o mundo passa a ser entender as estruturas que o constituem, o que pode ser feito por intermédio da análise estrutural da linguagem (da estrutura cognitiva, dos sistemas de parentesco). Essa é uma análise que privilegia o sincrônico (termos localizados em uma situação, sem história), sem atenção ao diacrônico (sucessão dos termos ao longo do tempo) (LOPES & MACEDO, 2011: 39).

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O pós-estruturalismo contrapõe-se ao estruturalismo pelo fato deste não percebe que

a própria ideia de estrutura estaria ela mesma marcada pela linguagem. Nesse sentido, ela não

pode ser entendida como realidade, como fundamental que subjaz aos fenômenos, sob pena de

retomar à ingenuidade criticada nas posturas realistas. Além disso, o estruturalismo deixaria

de levar em conta a construção sócio-histórica das estruturas, ao negligenciar o diacrônico, e

teria dificuldade de entender a passagem de um sistema de relações (estrutura) do outro. A

estrutura invariável, no tempo e através dele, funcionaria, portanto, como uma natureza

imutável do mundo, algo que poderia ser comparado à ideia de natureza humana.

O abandono proposto pelo pós-estruturalismo da noção de estrutura obriga a releitura

da linguagem. Para o estruturalismo, a linguagem é um sistema de signos compostos por

significante (som ou palavra) e significado (seu conceito) que guardam, entre si, uma relação

arbitrária. Na medida em que a linguagem não representa a realidade, qualquer significado

pode ser atribuído a um significante e isso é um processo cultural. O que nos permite atribuir

um significado a um significante é a sua diferença em relação a outros significantes que

constituem o sistema linguístico. Assim, o termo aluno não tem correspondência necessária

com algo que existe na realidade; a ideia de que ele está associado a um dado conteúdo seria

uma ilusão. Aluno só pode ser entendido em relação a professor ou à aluna ou à pessoa não

escolarizada, ou seja, em relação a sua diferença. Em cada uma dessas relações, cria-se um

significado para aluno.

Com a crítica à estrutura, o pós-estruturalismo é obrigado a desconectar totalmente a

ideia de significado do significante. Não há relações estruturais entre dois significantes, não

há relações diferenciais fixas entre eles e, portanto, não há significados a eles associados.

Cada significante remete a outro significante, indefinidamente, sendo possível determinar-lhe

um significado; este é sempre adiado. Todo significante é, portanto, flutuante e seu sentido

somente pode ser definido dentro de uma formação discursiva histórica e socialmente

contingente.

A questão fundamental do pós-estruturalismo se torna: como e em que condições um

determinado discurso é capaz de constituir a realidade? No que se refere ao termo aluno, por

exemplo, interessa sobre como a ideia de aluno é construída na interseção entre vários

discursos e como esses discursos se inserem em uma sociedade específica. Entender sobre

como um Sistema Privado de Ensino hegemoniza o conhecimento em um Sistema Público de

Ensino, divergente em tantas realidades. É isso que o torna real. Para entender esse processo,

o pós-estruturalismo recupera a dimensão diacrônica eliminada da discussão estruturalista.

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Tal questão explicita uma imbricada relação entre discurso – e conhecimento como

parte do discurso – e poder. Não se trata da máxima moderna de que deter conhecimento

confere poder, mas de compreender o poder como função do discurso. A capacidade de

unificar um discurso é em si um ato de poder, de modo que as metanarrativas modernas

precisam ser vistas como tal e não como expressão da realidade. De forma semelhante, pode-

se entender os discursos pedagógicos e curriculares como atos de poder, o poder de significar,

de criar sentidos e hegemonizá-los.

Assumindo as preocupações pós-estruturais, muitos questionamentos poderiam ser postos às tradições curriculares que viemos abordando. Por ora, vamos nos fixar naquilo que se vincula centralmente à pergunta sobre o que é currículo? Numa perspectiva antirrealista, o currículo não é coisa alguma, ou seja, cada uma das tradições curriculares é um discurso que se hegemonizou e que, nesse sentido, constituiu o objeto currículo, emprestando-lhe um sentido próprio. Tais tradições não captam, de diferentes maneiras, um sentido para o termo. Elas o constroem, criam um sentido sobre o ser do currículo. São um ato de poder, na medida em que esse sentido passa a ser partilhado e aceito (LOPES & MACEDO, 2011: 40).

Aceitar, como o fizemos, que essas tradições definem o ser do currículo não implica

assumi-las como metanarrativas ou como produtoras da verdade sobre o currículo. Ao

contrário, a postura pós-estrutural nos impulsiona a perguntar como esses discursos se

impuseram e a vê-los como algo que pode e deve ser desconstruído. A postura pós-estrutural

produz incômodo, nos desassossega frente à hegemonia de discursos e práticas, por isso a

desconstrução nos aproxima da reflexão e da reação e nos permite construir novos

significados a partir de um currículo que nos é apresentado, questionando-o.

Por isso, uma boa teoria curricular deveria criar mecanismos que permitissem

escolher, na cultura universal, o que ensinar; deveria ainda se preocupar com as relações de

poder subjacentes a tal escolha; deveria perceber que os conhecimentos (parte das culturas)

não são externos ao aluno, interagem com ele; deveria dar conta do processo educativo

envolvido no que acontece nas escolas, além da transmissão de conhecimentos selecionados

de uma cultura universal.

Se, no entanto, a realidade é constituída pela linguagem, nem cultura e nem

conhecimento podem ser tomados como espelho da realidade material. Ao contrário, eles

também precisam ser vistos como sistemas simbólicos e linguísticos contingentes. Não são

um repertório de sentidos dos quais alguns serão selecionados para compor o currículo. É a

própria produção de sentidos que se dá em múltiplos momentos e espaços, um dos quais

denominamos currículo.

Assim como as tradições que definem o que é currículo, o currículo é ele mesmo,

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uma prática discursiva. Isso significa que ele é uma prática de poder, mas também uma prática

de significação, de atribuição de sentidos. Ele constrói a realidade, governa-nos, constrange

nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo sentidos. Trata-se,

portanto, de um discurso produzido na interseção entre diferentes discursos sociais e culturais

que, ao mesmo tempo, reitera sentidos postos por tais discursos e os recria. Claro que, como

essa recriação está em torno das relações de poder, na interseção em que ela se torna possível,

nem tudo pode ser dito.

1.2 Das Políticas de Currículo ao Estudo do Ciclo de Políticas

No que concerne à teorização sobre política curricular, muitos estudos se cruzam

com as teorias da correspondência e com as perspectivas que vinculam o currículo ao poder, à

estrutura econômica, à ideologia e à hegemonia. Tal tendência é pertinente, sobretudo, nos

estudos que assumem uma orientação estrutural no âmbito da pesquisa em política

educacional. Mas também é possível identificar estudos sobre política que têm por base

discursos curriculares e a história do pensamento curricular e que buscam constituir uma

teorização específica sobre políticas de currículo.

Percebemos nas políticas curriculares que ainda não têm sido destacadamente

investigadas. Na Inglaterra, é possível identificar trabalhos importantes na segunda metade

dos anos 1980. Mas o nascimento desse campo, com questões próprias, no Brasil e nos

Estados Unidos, pode ser situado apenas no início dos anos de 1990, quando se ampliam os

estudos sobre o tema, mesmo em autores com foco nas investigações em política educacional.

Em parte, isso pode ser explicado pelo fato de terem se multiplicado as pesquisas voltadas

para o entendimento do impacto dos vários documentos curriculares produzidos em um

período interpretado como o auge de reformas neoliberais. Dentre essas, a Reforma

Educacional na Inglaterra, de 19885; a produção de documentos curriculares nos diferentes

estados dos Estados Unidos6 e, na publicação dos Parâmetros e Diretrizes Curriculares

Nacionais no Brasil7. Esses documentos são então analisados como parte dos efeitos dos

processos de globalização econômica e cultural e dos impactos que causam na educação.

Há que se ressaltar, contudo, que tanto no Brasil quanto no exterior, muitas das vezes

os trabalhos sobre políticas são mais voltados à crítica dos documentos e projetos em curso do

5 Governo Margaret Thather (1979-1990). 6 Governo Ronald Reagan (1981-1989). 7 Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

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que às investigações teóricas e empíricas sobre políticas de currículo propriamente ditas.

Nesse âmbito, vários trabalhos críticos ao neoliberalismo, considerado como ideologia do

mundo capitalista global, contribuem para produzir um interesse de pesquisa na política

curricular.

Para isso, também compete uma compreensão da política que valoriza sua dimensão

formal: diretrizes e definições apresentadas em documentos assinados por instituições

executivas e legislativas do Estado. Nesse sentido, a política “é interpretada como uma guia

para a prática, seja para orientar de forma técnica como a prática deve ser desenvolvida, seja

para orientar de forma crítica como a prática deveria ser para assumir determinadas

finalidades de transformação social” (LOPES & MACEDO, 2011: 234). Portanto, muitas das

pesquisas focalizam as orientações apresentadas às escolas, visando a analisar sua pertinência

para a prática, suas finalidades ou suas características. Outras destacam como a prática

implementa ou não essas orientações. Por vezes, também, tais orientações são compreendidas

como produções de governo ou Estado, vinculadas ou não às agências multilaterais.

A concepção de política como guia para a prática se faz muito presente nos estudos

políticos de cunho administrativo que dominam as investigações sobre políticas educacionais

até os anos de 1970. Nesses estudos, uma pesquisa em política tem por finalidade produzir um

conhecimento visando a melhorar a prática pela intervenção administrativa. A sociedade

capitalista é considerada como um dado a priori, cabendo ao investigador compreender a

política do Estado capitalista sem questioná-lo. Essa perspectiva não é grandemente

modificada pelos estudos de análise política, após os anos de 1970. Tais estudos se detêm na

busca de soluções para os problemas de implementação das políticas e, assim, permanecem

baseados em uma separação entre projeto e prática.

Os investigadores, ao que vem se percebendo, na perspectiva administrativa e na

análise da política acabam atuando mais como uma comunidade epistêmica, ou seja, uma

comunidade de especialistas numa dada área de conhecimento que atua, sobretudo, para

produzir diagnósticos e apresentar soluções para as políticas, não tendo como característica

teorizar sobre como a política se constitui e como podem ser desenvolvidas as ações de

contestação às políticas em curso.

Em determinadas pesquisas, aparecem características dos estudos estruturais, que

valorizam a concepção do poder centralizado como decorrente da estrutura econômica. Já os

estudos pós-estruturais entendem o poder como difuso: não há um único centro de poder, mas

relações de poder que se constituem como múltiplos centros formadores.

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Estes estudos trazem a ideia de uma relação vertical de poder, em que dominante e dominado são polos fixos e opostos, pode ser substituída pela concepção de poderes oblíquos, nos quais a definição de um centro depende de uma relação política definida contingencialmente, sem uma prefixação anterior ao próprio processo político e sem assumir qualquer determinação essencial e absoluta (LOPES & MACEDO, 2011: 237).

Com isso, é grandemente modificada a relação entre política e prática. Caso

consideremos que existe um centro de poder primordial, como por exemplo, as agências que

controlam o fluxo internacional de capitais, o Estado, o governo em qualquer nível, a estrutura

econômica capitalista, a política tende a ser compreendida como determinada por esse centro.

No caso da política de currículo, a prática das escolas permanece situada fora do espaço de

decisão política. Trata-se de um espaço de implementação de orientações definidas por

poderes externos a ela. Caso seja considerado que o poder é difuso e sem centro, com

múltiplos centros contextuais sendo produzidos, a prática das escolas tende a ser considerada

também como um centro decisório e de produção de sentidos para a política. A prática deixa

de ser considerada como o outro da política, mas passa a ser parte integrante de qualquer

processo de produção de políticas.

As políticas de currículo tendo como foco a estrutura econômica, é importante

enfatizar, são delineadas a partir das tentativas de estabelecimento de currículos nacionais,

implantação de processos avaliativos centralizados em resultados instrucionais de alunos e

competências docentes, políticas centralizadas dirigidas à avaliação e distribuição dos livros

didáticos e adequação do currículo por meio de competências, como anteriormente já

discutimos, principalmente, em termos de Brasil, através de programas e projetos. Essa

guinada, inclusive, passa a ser analisada por Michael Apple8.

Marcada por uma associação simultânea entre tendências neoconservadoras e neoliberais. Enquanto, as perspectivas neoconservadoras desenvolvem um discurso de valorização do passado, dos valores nacionais e dos saberes acadêmicos, entendidos como uma cultura comum, as perspectivas neoliberais sustentam discursos em torno da necessidade de novas e eficientes formas de gerenciamento das escolas, políticas de responsabilização de professores pelos resultados dos alunos e introdução nas escolas de disposições e interesses de mercado (LOPES & MACEDO, 2011: 239).

Tendo em vista esse modelo analítico, entendemos que os processos de

reestruturação produtiva e com a crise de acumulação de capital, a educação passa a ter que

8 É professor permanente da Universidade de Wisconsin (Madison) e autor de algumas obras importantes do Currículo nas últimas décadas, como Ideologia e currículo, Educação e poder. De inspiração Gramsciana, o autor é um dos expressivos representantes da reconceptualização do campo do Currículo nos Estados Unidos, junto com Willian Pinar, e exerce grande influência nos estudos curriculares brasileiros.

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dar conta de formar eficientemente alunos com competências capazes de gerar uma força de

trabalho estratificada adequada à sociedade. A educação, sob a égide do neoliberalismo, tende

a deixar de ser financiada e mesmo fornecida pelo Estado, ainda que este mantenha o controle

das atividades realizadas.

Nesse sentido, há até diminuição das ações burocráticas do Estado, mas não de seu poder de intervenção. Decisões coletivas sobre a educação, antes garantidas pelo Estado, são tornadas individuais, reguladas por mecanismos privados e corporativos de mercado (DALE, 1995: 137).

Os argumentos de defesa de Michael Apple, em vários momentos de sua obra,

afirmam que embora políticas de currículo nacional sejam objeto de conflitos, sofrendo

alterações importantes em contextos específicos, seu poder é total. Tal poder é considerado

por ele como demonstrado pelo que denomina reconfiguração radical da seleção, organização

e distribuição do conhecimento. Apple (1989) chega a afirmar que a imposição de sistemas de

avaliação centralizados nos resultados, por meio de exames nacionais, determina o currículo

como estrutura dominante do trabalho dos professores, a despeito de reformulações que

possam eventualmente ser efetuadas por estes. As suas interpretações sobre políticas de

currículo influenciam significativamente o pensamento curricular brasileiro nos anos de 1990.

De certa forma, isso contribui para que os curriculistas brasileiros se dediquem, tal como

curriculista norte-americano, a análises de políticas executadas.

No Brasil, nos anos de 1990, os estudos críticos, não apenas aos Parâmetros

Curriculares Nacionais, mas, enfim, a toda uma política de currículo nacional, são

desenvolvidos por Antônio Flávio Moreira. Na opinião de Moreira,

[...] as políticas de currículo, para serem democráticas, devem considerar as experiências curriculares dos estados e municípios que incentivam as escolas a produzir seus currículos, as experiências internacionais, os movimentos sociais e a literatura curricular nacional e internacional (MOREIRA, 1995: 7-25).

Assim, para o desenvolvimento dessas propostas alternativas, Moreira defende maior

inter-relação entre curriculistas, especialistas disciplinares e técnicos do governo, com a

consequente participação dos primeiros na elaboração de propostas curriculares oficiais.

Também, como proposta alternativa, infere-se que um documento deve apresentar princípios

gerais como organizar um currículo, tais como: afirmar as desigualdades e conferir espaço

para as vozes da diversidade social; focar as relações escola-sociedade e a desconstrução das

fronteiras entre cultura erudita, popular e de massa; fortalecer globalizações contra-

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hegemônicas. Para tal, o currículo dever ter o trabalho como eixo em torno do qual os

conteúdos curriculares sejam organizados, com conteúdos historicizados e transversalmente

organizados.

Nos anos de 1990, os debates que se intensificam na Inglaterra, questionam o papel

do Estado na política educacional que é desenvolvida a partir da disseminação da abordagem

do Ciclo de Políticas de Stephen Ball (1992). A sociologia da educação de Basil Berstein

(1996, 1998) é uma das influências marcantes nos trabalhos de Ball. Menos do que os

conceitos de Berstein, porém, é sua agenda voltada para as possibilidades de conexão entre o

macrocontexto e as micropolíticas nas escolas, que influenciam os estudos do também

sociólogo inglês.

O propósito de Ball, a partir do Ciclo de Políticas, é investigar as políticas de

maneira que o compromisso com a eficiência e os resultados instrucionais não sejam

considerados em detrimento do compromisso com justiça social. “Para tal, ele não evita certo

ecletismo teórico, na medida em que conecta bandeiras das perspectivas críticas com a

perspectiva discursiva do pós-estruturalismo e a pesquisa etnográfica, no caso desta, visando

valorizar a investigação da prática das escolas” (LOPES & MACEDO, 2011: 246).

Ball discorda das conexões diretas e unidimensionais que as teorias centradas no

Estado realizam entre prática das escolas e macrocontexto político-econômico. Se for

importante considerar o Estado por meio de uma teoria consistente que permita sua análise,

também há que se ter uma teoria rigorosa para o não Estado, o que, segundo ele, nem sempre

acontece. Ele se aproxima de alguns autores que tentam se apoiar em uma perspectiva de

autonomia relativa do Estado, mas questiona a visão de um Estado onipotente que não deixa

espaço para a ação humana de contestação, desempoderando os sujeitos da prática

educacional.

A principal discussão de Ball é referente ao por que os professores recusam certas

determinações políticas, como, por exemplo, testes centralizados e orientações curriculares.

Ao desvalorizarem as investigações sobre as práticas das escolas, por considerarem que se

tratam de trabalhos descritivos, as teorias centradas no Estado desmerecem detalhes e

silenciam sobre conflitos e ambivalências das práticas.

Com o objetivo de tentar dar conta dessas conexões macro-micro, Ball, em parceria

com Richard Bowe (1992, 1994), elabora a abordagem do Ciclo de Políticas. Ball reconhece a

importância da análise do Estado, por ele considerada como incluída na sua própria

abordagem teórica, mas afirma que qualquer teoria de política educacional que se preze não

pode se limitar à perspectiva do controle estatal. As abordagens estadocêntricas tendem a

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interpretar diferentes textos e discursos circulantes sem uma interlocução com o discurso

pedagógico, com as demandas educacionais da sociedade mais ampla e as tradições

curriculares das escolas e do meio educacional. A despeito de haver a afirmação de que as

políticas envolvem processos de negociação e luta entre grupos rivais, tais processos parecem

ser identificados apenas na implementação de projetos políticos, não na própria produção

desse projeto no âmbito do Estado. É reafirmada, assim, a separação entre proposta e

implementação que a abordagem do Ciclo de Políticas visa a superar.

O ciclo contínuo de políticas tem como preocupação central a recontextualização que

ocorre nas escolas. Como modelo analítico, o ciclo é composto, em sua versão inicial, por três

contextos inter-relacionados entendidos como um conjunto de arenas públicas e privadas de

ação: contexto de influência, contexto de produção do texto político e contexto da prática.

O contexto de influência é visto como aquele em que grupos de interesse lutam pelos

discursos políticos. É onde são estabelecidos os princípios básicos que orientam as políticas,

em meio a relações de poder. “Os atores em cena nesse contexto são partidos políticos, esferas

de governo, grupos privados, agências multilaterais, assim como comunidades disciplinares e

institucionais e sujeitos envolvidos na propagação de ideias oriundas de intercâmbios

diversos” (MAINARDES, 2006: 59 apud BALL & BOWE, 1992). Os discursos produzidos

nesse contexto são entendidos como aqueles que limitam as possibilidades de

recontextualização e de produção de novos sentidos nas políticas.

O contexto de produção do texto político é aquele que produz os textos que

representam ou tentam representar para as escolas o que é a política como um todo. Em se

tratando das políticas de um Estado-nação, como as investigadas por Ball, o contexto de

produção de textos envolve as agências executivas e legislativas que assinam

regulamentações, mas também toda a sorte de documentos que buscam explicar e/ou

apresentar a política às escolas e à sociedade em geral.

No Brasil, a abordagem do Ciclo de Políticas vem sendo incorporada por grupos de

pesquisa em políticas de currículo de forma mais sistemática a partir dos anos de 2000, tendo

como base dessa pesquisa o impacto das definições políticas no contexto da prática de forma a

entender como diferentes escolas se apropriam e recriam tais definições.

Inicialmente, essa abordagem vem questionar as perspectivas estadocêntricas nos

ensaios sobre políticas de currículo no Brasil, para problematizar abordagens que desmerecem

a relação com o macrocontexto pela defesa do cotidiano da escola como espaço de produção

de alternativas curriculares emancipatórias, como também, vem para criticar as políticas

educacionais neoliberais e, por outro, de valorizar o empoderamento do contexto da prática.

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Mas tenta superar ambos os enfoques por meio de pensar o currículo para além da separação

proposta/prática.

O entendimento também perpassa a capacidade em compreender como diferentes

comunidades disciplinares atuam nas políticas de currículo e produzem novos sentidos no

jogo político, inclusive, pela introdução de suas interpretações, de forma híbrida, em

documentos curriculares. O destaque em torno do ciclo de políticas tem sido com relação ao

contexto da prática, a fim de compreender, de fato, qual o impacto das diferentes propostas

curriculares nesse contexto. Seguindo, nesse sentido, a mesma linha de interpretação que leva

a considerar as políticas como marcadas pela heterogeneidade, conflito e ambivalência, alguns

estudos são desenvolvidos procurando entender como propostas curriculares dos estados e

municípios modificam discursos e textos que circulam no ciclo contínuo, principalmente a

partir da difusão de textos do contexto de produção. A análise da relação entre macro e

microcontextos é central. Tais investigações acabam por avançar em relação à abordagem do

Ciclo de Políticas de Ball por não conferirem nenhuma prioridade ao contexto de influência e

por não caracterizá-lo como início do desenvolvimento das políticas. Dessa forma, acentuam

o caráter contínuo do Ciclo de Políticas e tentam superar de forma mais significativa a

separação de política e prática, projeto e implementação curricular.

Com isso, o currículo torna-se, assim, essa luta política por sua própria significação,

mas também pela significação do que vem a ser sociedade, justiça social, emancipação e

transformação social.

1.3 A Política Curricular e o Currículo Prescrito

O currículo não pode ser entendido à margem do contexto no qual se configura e

tampouco independentemente das condições em que se desenvolve; é um objeto social e

histórico e sua peculiaridade dentro de um sistema educativo é um importante traço

substancial. O contexto real na construção da política curricular é extremamente necessário,

uma vez que propriamente, o currículo se configura e se desenvolve na compreensão da

própria realidade que se quer explicar e explorar na prática pedagógica que se estabelece.

Nesse sentido, é preciso discutir o currículo de forma relevante, destacando suas

características a partir de um contexto social, cultural e histórico, sendo parte muito

significativa a política curricular que estabelece decisivamente as coordenadas de tal contexto.

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A política curricular governa as decisões gerais para o contexto escolar e se manifesta numa

certa ordenação jurídica e administrativa.

A política sobre o currículo é um condicionamento da realidade prática da educação

que deve ser incorporado ao discurso sobre o currículo; ele nunca deixa de ser um campo

ordenador decisivo, com repercussões à prática e, principalmente, define o papel dos

professores e dos alunos. O tipo de racionalidade dominante na prática escolar está

condicionado pela política a mecanismos administrativos que intervêm na modelação do

currículo dentro do sistema escolar.

O que pretendemos discutir, nesse sentido, é sobre essa política que prescreve certos

mínimos e orientações curriculares aos quais tem uma importância decisiva, não para

compreender o estabelecimento de formas de exercer a hegemonia cultural de um Estado

organizado política e administrativamente num momento determinado, mas sim como meio

de conhecer, desde uma perspectiva pedagógica, o que de fato ocorre na realidade escolar.

A política curricular é toda aquela decisão ou condicionamento dos conteúdos e da prática do desenvolvimento do currículo a partir das instâncias de decisão política e administrativa, estabelecendo as regras do sistema curricular (SACRISTÀN, 2000: 109).

A política é um primeiro condicionante direto do currículo, enquanto o regula, e

indiretamente através de sua ação em outros agentes moldadores. A política curricular

estabelece ou condiciona a incidência de cada um dos subsistemas que intervêm num

determinado momento histórico.

Assim, para Sacristàn (2000, 2002), o currículo prescrito para o sistema educacional

e para os professores, mais evidente no ensino obrigatório, é a sua própria definição, de seus

conteúdos e demais orientações relativas aos códigos que o organizam, que obedecem às

determinações que procedem do fato de ser um objeto regulado por instâncias políticas e

administrativas. Precisamos refletir sobre as interferências administrativas na escola, que

objetivam a inserção de um currículo prescrito, interferindo na autonomia dos professores e

na possibilidade em expressar as tendências criadoras e renovadoras do sistema social e

educativo. Numa sociedade democrática, que ademais garante a participação dos agentes da

comunidade educativa em diversos níveis, é preciso sempre analisar a intervenção ou

regulação do currículo.

Em muitos casos, a política curricular está longe de ser uma proposição explícita e

coerente, perdendo-se numa mentalidade difusa, aceita muitas vezes como uma prática

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historicamente configurada, dispersa numa série de regulações desconectadas entre si. Ela é

mais clara onde o controle é realizado de modo explícito e onde é exercida por mecanismos

coercitivos que não se ocultam. Mas, à medida que o controle deixa de ser coercitivo para se

tecnificar e ser exercido por mecanismos burocráticos, se oculta sob regulamentações

administrativas e orientações pedagógicas com boa intenção, que tem a pretensão de melhorar

a prática. A falta de clareza e de um modelo político, também tem relação com a carência de

um sistema explicitamente proposto e aceito de controle do currículo e com a falta de

consideração da política curricular como parte essencial da política educativa, instrumentos

para incidir na qualidade do ensino.

A prescrição de diretrizes curriculares para um determinado sistema educativo ou

para um nível do mesmo que supõe um projeto de cultura comum para os membros de uma

determinada comunidade, à medida que afeta a escolaridade obrigatória pela qual passam

todos os cidadãos. A ideia do currículo comum na educação obrigatória é inerente a um

projeto unificado de educação nacional.

Numa sociedade autoritária expressa o modelo de cultura que o poder impõe. Numa sociedade democrática tem que aglutinar os elementos de cultura comum que forma o consenso democrático sobre as necessidades culturais comuns e essenciais dessa comunidade (SACRISTÀN, 2000: 110).

Determinar esse núcleo em culturas e sociedades mais homogêneas é uma tarefa

menos conflitiva do que no caso de sistemas que acolhem culturas heterogêneas ou com

minorias culturais de diversos tipos. A busca de um denominador comum para essa cultura

básica tem seu reflexo num problema que manifesta, pois, vertentes políticas, culturais e

educativas; é a discussão sobre os componentes curriculares que se baseiem nas necessidades

de todos os alunos; caminho este consideravelmente, desafiador.

A cultura comum é refletida no contexto escolar, por meio dos conteúdos, das

aprendizagens básicas e das orientações pedagógicas para o sistema, além da valorização de

conteúdos para um determinado ciclo de estudos. A determinação, envolvendo esses aspectos,

nos primeiros momentos de escolaridade obrigatória não coloca grandes controvérsias, ao

existir um consenso maior sobre o que há de fazer parte da educação nessa etapa; porém, fazê-

lo mais adiante, quando a cultura escolar tende a se diversificar em opções distintas

relacionadas com diversos âmbitos culturais e profissionais mais especializados (científicos,

humanísticos, artísticos, técnicos e relativos a opções profissionais diversas), obriga a tomar

decisões cujo significado tem uma transcendência social de primeira ordem, pois esses

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campos culturais de formação supõem inúmeros campos de desenvolvimento intelectual, com

valorizações distintas na sociedade e com diversas oportunidades de conexão com o mundo

do trabalho.

Importante nisso tudo é considerarmos que a primeira etapa de escolaridade

pressupõe conhecimentos básicos necessários ao aprimoramento de determinantes linguísticos

comuns. Porém, à medida que a escolaridade vai avançando no seu campo de formação de

competências, esse conhecimento vai possibilitando instâncias cada vez mais determinantes

ao futuro profissional do aluno e é nesse sentido que um currículo prescrito, muitas vezes,

impossibilita o acesso a todos os alunos, ficando uns à margem dos propósitos de uma

educação de qualidade, garantindo o não acesso a um mundo profissional importante ao

aluno. Portanto, ao pensar sobre o currículo, a oportunidade de condições para todos deve ser

possibilitada.

A regulação do currículo é inerente à própria existência de um sistema escolar

complexo que, através das validações que distribui, regula o consumo cultural e qualifica para

dar entrada aos indivíduos em diferentes postos, numa sociedade na qual os saberes escolares,

ou menos sua validade, são tão decisivos. O currículo prescrito, quanto aos seus conteúdos e

aos seus códigos, em suas diferentes especialidades expressa o conteúdo base da ordenação do

sistema, estabelecendo a sequência de progresso pela escolaridade e pelas especialidades que

o compõem. Parcelas do currículo em função de ciclos, etapas ou níveis educativos, marcam

uma linha de progressão dentro de um mesmo tipo de conteúdos ou assinalando aspectos

diversos que é necessário abordar consecutivamente num plano de estudos.

A regulação ou intervenção do currículo é realizada de múltiplas formas e pode se

referir aos mais variados aspectos nos quais incide ou é feito: em seus conteúdos, em seus

códigos ou nos meios através dos quais se configura na prática escolar. Uma intervenção é tão

eficaz quanto a outra, ainda que desigualmente seja manifesta num caso e noutro, pode-se

realizar de forma direta ou indireta. Intervém-se determinando parcelas culturais, ponderando

umas mais que outras, ao optar por determinados aspectos dentro das mesmas, quando se dão

orientações metodológicas, ao agrupar ou separar saberes, ao decidir em que momento um

conhecimento é pertinente dentro do processo de escolaridade, ao proporcionar sequências de

tipos de cultura e de conteúdos dentro do processo de escolaridade, ao proporcionar

sequências de tipos de cultura e de conteúdos dentro de parcelas diversas, quando se regula o

progresso dentro da escolaridade (no caso, a promoção dos alunos), ao ordenar o tempo de sua

aprendizagem (por curso ou ciclos), dizendo o que é currículo obrigatório e o que é o

currículo optativo, intervindo na oferta que se podem escolher, atribuindo tipos de saberes a

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ramos especializados paralelos dentro do sistema escolar, regulando os meios e o próprio

material didático, incidindo indiretamente com a dotação de materiais que se consideram

necessários ou não nas escolas, ordenando o espaço escolar, o mobiliário, o funcionamento

das escolas, estabelecendo diligências intermediárias para o desenvolvimento curricular e

regulando, também, a avaliação.

Essa ordenação, que pode manifestar-se com distintos graus de concretização na

prescrição, se apresenta às vezes como facilitadora e orientadora do professorado, não apenas

para indicar os caminhos que realizem a prescrição curricular, mas também, como uma ajuda

profissional que não supõe prescrição obrigatória em si mesma.

A regulação administrativa do currículo, com sua minuciosidade e entrada em terreno estritamente pedagógico, quis se justificar entre nós como uma via indireta de formação dos professores que têm que desenvolver na prática o currículo prescrito, para o qual dita não apenas conteúdos e aprendizagens consideradas mínimas, mas trata também de ordenar pedagogicamente o processo. Fornece “orientações” metodológicas gerais, sugere às vezes pautas mais precisas que tratam de determinados temas; não apenas regula as avaliações que se farão e em que momentos, mas fala também das técnicas de avaliação a serem realizadas (SACRISTÀN, 2000: 113).

Considera-se que, realmente, a ordenação e a prescrição de um determinado currículo

é uma forma de propor o referencial para realizar um controle sobre a qualidade do sistema

educativo. O controle, pelo qual nos referenciamos, pode ser exercido, basicamente, por meio

da regulação administrativa que ordena como deve ser a prática escolar, ainda que seja sob a

forma de sugestões, avaliando essa prática do currículo através da inspeção ou por meio de

uma avaliação externa dos alunos como fonte de informação.

Em nosso sistema educativo, essas táticas de controle do currículo caracterizam,

decididamente, a forma de controlar a prática, com resultados poucos eficazes para melhorar a

qualidade do sistema e com amplas repercussões no estabelecimento de um sistema de

relações de domínio misturadas com a imposição ou proposta de modelos de funcionamento

pedagógico. Portanto, o controle sobre o currículo pode incidir sobre as reais condições do

ensino ou se fixar nos produtos da aprendizagem.

As condições do ensino estão diretamente ligadas ao processo de desenvolvimento

curricular e na prática educativa, ou seja, traz a pretensão de estabelecer mecanismos rígidos

de homogeneização nas escolas e nos próprios conteúdos de ensino, ao ser exercido em boa

parte através da regulação dos materiais didáticos. “Ao mesmo tempo em que regula e ordena

sobre a prática, posteriormente, não possui garantias de que estão sendo cumpridos os

critérios estabelecidos” (BALL, 1992). Por isso, pode chegar a regular tudo, menos a prática

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dos professores. Ao contrário, pode dar mais autonomia aos professores e às escolas que à

avaliação dos produtos, se não estabelecer a forma de acompanhamento, tornando-se, assim,

ineficiente.

Quando falamos sobre o acompanhamento, a presença de mecanismos de verificação

e controle da prática presentes nas escolas poderia ser eficiente sob o ponto de vista da

fiscalização e, nesse caso, estamos falando na figura de um inspetor que estaria diretamente

junto do professor, porém, essa figura denota uma função que estaria causando desconforto na

relação com os professores dentro da escola, uma vez que suas atribuições viriam a ser

revestidas de autoridade que lhe dá a posição e nada eficaz junto a ensino.

Ainda, em se falando do controle de qualidade, outra questão importante está voltada

a regulações exteriores, caracterizadas por meio de produtos, ou seja, os próprios materiais

didáticos. Muitas vezes, essas regulações advêm de propostas exteriores que garantem

eficiência nos resultados do ensino, a partir de materiais que legitimam essa possibilidade.

Porém, o que não podemos esquecer é que, apesar de muitos professores aterem-se aos

respectivos materiais, muitos ainda mantêm competência profissional a partir de sua formação

e criticidade, garantindo, assim, determinada autonomia e liberdade curricular, buscando

brechas para exercer essa autonomia, bem como ainda, as “táticas de resistência” (BALL,

1992) presentes na sua prática.

Aqui, portanto, podemos visualizar duas questões importantes, ou seja, os

mecanismos de controle da prática e a inserção no espaço escolar de agentes exteriores à

escola que trazem seus produtos (materiais didáticos) processando-se em uma discussão que

equivale à centralização e descentralização. A questão principal pela qual queremos discutir

baseia-se na descentralização, ou seja, “a transferência de poderes de um grupo para outro

dentro da política e da administração, não implica necessariamente que o sistema se torne

mais participativo, inovador e eficiente” (HURST, 1985).

O isolamento autocrático, como nos assinala esse autor, não é próprio apenas para as

instâncias de decisão centralizada, nem há razões para supor que o outro grupo, enquanto

detentor das decisões curriculares, responderá, necessariamente, aos interesses da

comunidade. A questão toda é que, realmente, a descentralização provoca uma ação

homogeneizadora dos materiais, a influência de determinados grupos de especialistas, a

própria capacitação dos professores, a pressão indireta sobre os resultados, tornam-se fatores

decisivos do controle indireto ou externo.

O currículo prescrito e ordenado a partir de agentes externos nesta pesquisa a qual

estamos desenvolvendo, entendemos, têm diversas projeções sobre a organização do sistema

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escolar e da prática de ensino, tanto em seus conteúdos quanto em sua metodologia. A

eficácia dessa intervenção é muito diferente em algumas funções. A regulação curricular que

se refere a conteúdos e códigos pedagógicos e a própria ordenação administrativa do currículo

para um determinado nível escolar acabam tendo uma expressão concreta num formato de

currículo.

1.4 Da Prescrição à Reinterpretação Curricular: uma trajetória possível

A prescrição curricular que o nível político-administrativo determina tem impacto

importante para estabelecer e definir as grandes opções pedagógicas as quais regulam o

campo de ação e, tem como consequência o plano de um esquema de socialização profissional

através da criação de mecanismos de alcance prolongado, mas é pouco operativa para orientar

a prática concreta e cotidiana dos professores. A determinação da ação pedagógica nas escolas

e nas aulas está em outro nível de decisões. Quando se responsabiliza a administração, num

sistema de intervenção como o nosso, por defeitos detectados na prática do ensino, como é o

caso, por exemplo, da sobrecarga de programas, está se esquecendo desses outros níveis de

determinação nos quais o currículo se fixa e ganha significação para os professores.

O percurso reflexivo pelo qual queremos aqui desencadear, diz respeito ao que leva

uma decisão curricular a fazer parte do contexto da prática dos professores. Nesse sentido,

não queremos justificar que por uma ou outra razão, eleva-se um currículo prescrito. Muito

pelo contrário, a prescrição, como anteriormente já nos posicionamos, a partir de alguns

autores, não é nada positiva e produtiva para a escola.

Porém, o que não podemos desconsiderar é por que um currículo prescrito chega até

o contexto da escola, levando em consideração a preparação e formação dos professores e

suas concepções em torno do currículo, bem como, ainda é preciso considerar que o contexto

da prática exige do professor inúmeras competências, principalmente, no que diz respeito ao

planejamento, metodologia e avaliação. Ainda, não podemos deixar de considerar que o

currículo prescritivo, através de materiais didáticos, tem possibilitado ao professor

“consentimentos da parte deles em favor de algo que seja mais prático para usar com seus

alunos” (APPLE, 1989: 165). E essas reflexões não podemos deixar de considerar na

pesquisa.

Porém, é preciso lembrar ainda que, mesmo com o currículo prescritivo, o professor

tem, de fato, importantes margens de autonomia na modelação do que será o currículo na

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realidade. As ações pedagógicas e a necessidade de desenvolvimento e aprimoramento

profissional dos docentes propõem a conveniência de estimular essas margens de liberdade. A

filosofia da emancipação profissional topa com uma realidade com a qual se confronta para

que esse discurso liberador tenha alguma possibilidade de progredir. Nesse sentido, uma série

de razões de ordem diversa fará com que, de forma inevitável, o professor dependa no

desenvolvimento de seu trabalho, de elaborações mais concretas e precisas dos currículos

prescritos realizados fora de sua prática.

Algumas percepções importantes e que, particularmente, têm nos instigado nesta

trajetória, tanto na docência do ensino fundamental, como enquanto coordenadora pedagógica

da rede municipal de ensino de Sorriso – MT, são sobre quais seriam as razões que levariam a

maioria dos professores serem permissivos quanto a outorgar a alguém sobre uma decisão

curricular, principalmente no Sistema Público Municipal de Ensino. Ao pensarmos sobre essa

permissividade, recorremos ao fato de que a instituição escolar tenha que responder muitas

vezes a um currículo e a uma série de necessidades de ordem social e cultural aos quais é

preciso tratar com os mais diversos conteúdos e atividades, ou seja, cada uma das áreas das

quais se compõe o currículo, ainda que o professor dedique somente a uma delas, representa

um inúmero de tradições culturais e pedagógicas, a partir de contribuições muito diversas que

é preciso valorizar, selecionar os seus conteúdos de forma que a estrutura interna possibilite a

aprendizagem dos alunos.

Outra questão é que as exigências da educação escolarizada crescem mais depressa

do que a melhoria da qualidade dos professores. Percebemos, muitas vezes, que nem a

formação inicial do professorado se adapta com facilidade e rapidez às mudanças necessárias.

Ao professor se exige cada vez mais, mas os sistemas para sua formação e atuação se mantêm

muito mais estáveis, embora o aumento do nível acadêmico de sua formação seja uma

tendência crescente.

Nessas múltiplas exigências atuais que são direcionadas aos professores, o principal

problema reside em “construir currículos que possam ser distribuídos por professores

atualizados a estudantes atualizados que reflitam claramente os princípios básicos de diversas

áreas de pesquisa” (BRUNER, 1984: 135).

Há que se levar em consideração também, o fato de que a preparação inicial dos

professores tem deixado lacunas visíveis na prática. O desenvolvimento da autonomia de sua

própria prática não acontece logo após a conclusão de sua formação, mas, sim, é preciso

observar ao longo do tempo em como se desenvolve essa competência frente aos desafios de

sala de aula, além das questões tecnológicas que permeiam a escola. Esse domínio é

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extremamente desafiador ao professor.

Outro fator é sobre as condições nas quais se realiza o trabalho dos professores, que

no geral, não são as mais adequadas a fim de contribuir com o desenvolvimento de sua

iniciativa profissional. Levamos em conta, nesse caso, o número de alunos atendidos, a

atenção às dificuldades dos alunos, a correção de trabalhos, a burocracia de sua própria

atividade, quando da realização de alguma prática que exige uma infraestrutura na qual ele

mesmo não é beneficiado a fim de obter importantes resultados.

Afinal, é preciso considerar a morosidade burocrática que se instala no setor público

quanto à disponibilidade de recursos pedagógicos (bibliotecas, acervo de livros de leitura,

salas de informática, laboratório de ciências, etc.) que realmente venham a contribuir com o

currículo e o próprio planejamento dos professores. Temos acompanhado com grande

preocupação, a carência de alguns professores em sua prática, destacando a falta de materiais

de uso extremamente pedagógico a fim de servir de subsídio à aprendizagem dos alunos.

Mesmo assim, essas carências não podem significar que os professores sintam-se

impotentes a ponto de aceitarem um currículo prescrito que traz pré-elaborações ao ensino e à

própria prática, as quais podem ser encontradas por meio de agentes externos que lhes

ofereçam um currículo elaborado. A debilidade da profissionalização dos professores e as

condições nas quais desenvolvem o seu trabalho, acreditamos, fazem com que os meios

elaboradores do currículo sejam dispositivos intermediários, tornando-se cada vez mais

essenciais e indispensáveis no atual sistema escolar. Esta, quem sabe seja, a função capital

que os meios didáticos cumprem, mas, sobretudo, os guias didáticos e os livros-texto, que são

os autênticos responsáveis da aproximação das prescrições curriculares aos professores.

Muitas vezes, em nossa trajetória, o que temos percebido, é que a eliminação de qualquer

meio que proporcione ao professor modelos pré-elaborados do currículo, como é o caso dos

livros-texto ou mesmo apostilas, supõe deixar boa parte deles sem saída alguma. Questão essa

que consideramos de extrema importância nas discussões que envolvem o currículo prescrito.

Porém, apesar de todas as deficiências apontadas, nada justifica a adoção de um

Sistema Privado de Ensino pelo Sistema Público de Ensino. Há uma longa distância de

realidade entre eles. Mesmo assim, é preciso que as políticas públicas estejam atentas às

melhorias que são necessárias na escola, a fim de subsidiar melhor os professores, tanto

pedagogicamente, quanto nem questões de infraestrutura. Também, é preciso que os

professores atribuam a sua prática uma formação constante, tanto individual através de

leituras e estudos, quanto coletiva nas formações e qualificações.

É preciso que pensemos nessas questões, principalmente em como reverter ou

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mesmo provocar discussões que implicam diretamente na prática pedagógica do professor, em

sala de aula, quando de um currículo prescrito. Primeiramente, é preciso considerar alguns

autores, que a partir de um contexto de análise pelo qual realizamos neste estudo, destacam

que “a compreensão das políticas de currículo enquanto produção de sentidos e significados

para as decisões curriculares em múltiplos contextos constitui um ciclo contínuo de produção

de políticas” (BALL, 1994).

Os profissionais que atuam no contexto da prática (escolas, por exemplo) não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos. Políticas serão interpretadas diferentemente, uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados dos seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser superficiais (...)” (BALL & BOWE 1992: 22).

Na verdade, os professores, mesmo diante de um currículo prescrito, não estão

impedidos “de se apropriarem dessas formas mercantilizadas, de gerar suas próprias respostas

criativas às ideologias dominantes” (APPLE, 1989: 170). Ainda, “os alunos e professores

podem vir a transformar e reinterpretar os materiais produzidos, criando assim, bolsões

alternativos de resistência” (APPLE, 1989: 174). Os professores e alunos podem encontrar de

fato métodos para usar de forma criativa esses sistemas. Nesse sentido, ponto chave de nossa

discussão parte de que “as políticas não são simplesmente ‘implementadas’ dentro desta arena

(contexto da prática), mas estão sujeitas à interpretação e, então, podem vir a ser ‘recriadas’”

(BALL & BOWE, 1992: 22). Esta abordagem, portanto, do Ciclo de Políticas assume que os

professores e demais profissionais exercem um papel ativo no processo de “reinterpretação”

(BERNSTEIN, 1996, 1998) das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e no

que acreditam têm implicações para o processo de implementação das políticas.

A fim de compreendermos sobre esse processo de reinterpretação, a teoria da Basil

Bernstein (1996) tem sido de grande relevância, uma vez que vem contribuindo de forma

significativa para as pesquisas sobre políticas educacionais e curriculares. A seguir, estaremos

discutindo e refletindo sobre as questões referentes à teoria de Bernstein, a partir das

contribuições de Mainardes (2010) e Lopes (2005). Em especial, queremos considerar o

conceito de recontextualização e reinterpretação curricular, uma vez que essa teoria possui

uma estrutura conceitual forte e uma linguagem de descrição que oferece relevantes e

consistentes contribuições para os estudos sobre políticas curriculares.

“As ideias de Bernstein contribuem para analisar comparativa e globalmente as

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complexas relações entre as ideias, sua disseminação e recontextualização” (BALL, 1998). A

pesquisa a qual nos propomos a desenvolver, no campo das políticas curriculares, pretende

explorar o conceito da teoria de Bernstein, das quais se utilizam, também, Ball & Bowe. Para

iniciarmos essas reflexões, nossa atenção inicia a partir da teoria do dispositivo pedagógico.

Bernstein (1996) identificou os três principais campos do dispositivo pedagógico

como sendo a produção, recontextualização e reprodução. Esses campos, segundo o autor,

estão hierarquicamente relacionados de forma que a recontextualização do conhecimento não

pode vir a acontecer sem a sua produção e a reprodução não pode acontecer sem a sua

recontextualização, ou seja, os campos se mantêm inter-relacionados quando da análise de

políticas curriculares. Como exemplo, a produção de conhecimentos continua a ser realizada

em instituições de ensino superior e organizações privadas de pesquisa. A recontextualização

ou reinterpretação do conhecimento é realizada no âmbito do Estado e Secretarias de

Educação, pelas autoridades educacionais e instituições de formação de professores. A

reprodução se realiza nas instituições de todos os níveis.

Assim, a teoria do dispositivo pedagógico, desenvolvida por Bernstein (1996),

constitui-se em um modelo teórico que permite a análise das políticas tanto no nível macro da

sua formulação e influências até o nível dos microprocessos de sua realização. “A teoria de

Bernstein mostra como a distribuição do poder na sociedade e seus princípios de controle

social podem afetar o “o quê” e o “como” do texto político produzido e a sua reprodução”

(MAINARDES, 2010: 45 apud Davies, 2002).

As pesquisas, de acordo com Mainardes, sobre políticas educacionais e políticas

curriculares que se baseiam os trabalhos de Bernstein, em geral, têm explorado o conceito de

recontextualização do discurso das políticas, discutindo aspectos do discurso oficial (do

Estado), do discurso pedagógico (escola) e, principalmente do campo recontextualizador local

(família e comunidade). Com isso, a teoria de Bernstein sobre a prática pedagógica procurava

olhar para os processos que ocorriam dentro das escolas. “O conceito de recontextualização

tem se evidenciado como produtivo para o entendimento das reinterpretações que sofrem

diferentes textos na sua circulação no meio educacional” (LOPES, 2005).

São orientações de agências multilaterais que se modificam ao serem inseridas nos contextos dos Estados-nação; são orientações curriculares nacionais que são modificadas pela mediação de esferas governamentais intermediárias e das escolas; são políticas dirigidas pelo poder central de um país que influenciam políticas de outros países; são ainda os múltiplos textos de apoio ao trabalho de ensino que se

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modificam nos contextos disciplinares (MAINARDES, 2010: 49 apud LOPES, 2005).

A defesa de Lopes, portanto, é que por intermédio do conceito de reinterpretação, é

possível,

[...] marcar as reinterpretações como inerentes aos processos de circulação de textos, articular a ação de múltiplos contextos nessa reinterpretação, identificando as relações entre processos de reprodução, reinterpretação, resistência e mudança, nos mais diferentes níveis (MAINARDES, 2010: 49, apud LOPES, 2005: 55).

Ainda, Lopes indica que o aspecto mais produtivo do conceito de recontextualização

para o entendimento das políticas de currículo é a busca de uma constante articulação macro-

micro. Com base no conceito de recontextualização,

[...] a maior parte das políticas são constituídas de empréstimos e cópias de pedaços/segmentos de ideias de outros locais, aproveitando-se de abordagens localmente testadas e experimentadas, remendando-as e retrabalhando-as através de complexos processos de influência, de produção de textos, de disseminação e, em última análise, de recriação no contexto da prática (BALL, 1998).

Com isso, o currículo, através de todos os processos pelos quais ele é composto

(recortes, cópias e segmentos de ideias de outros locais), ao mesmo tempo em que molda os

docentes, na prática, também e principalmente, é traduzido por eles, ou seja, a influência é

recíproca entre ambos. Assim, se o currículo é uma prática, “isso significa que todos que

participam nela são sujeitos, não objetos, isto é, elementos ativos” (GRUNDY, 1987: 68).

Mesmo sendo um currículo prescritivo, a capacidade de reinterpretação dos

professores legitima a sua contribuição, trazendo na efetividade de sua prática seus próprios

significados, aos quais lhes pertence e dos quais ele é o próprio agente do momento em que

sua prática, em sala de aula, acontece. Os professores, nesse sentido, constituem um fator

condicionante da educação e, mais concretamente, das aprendizagens dos alunos.

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1.5 Os Professores enquanto Intelectuais

As questões que norteiam nossa reflexão, ao falarmos sobre os professores e o

currículo, são no sentido de pensarmos e nos posicionarmos frente ao papel dos educadores no

âmbito de decisão da política curricular. Consideramos que o professor é um elemento de

primeira ordem na concretização da prática que estabelece em sala de aula e, portanto, suas

ações pedagógicas interferem nos resultados de fracasso ou sucesso dos alunos em suas

aprendizagens. Nesse sentido, se o currículo é uma prática, isso significa que todos os que

participam dele, são sujeitos, não objetos, isto é, são elementos ativos no processo de

construção curricular. Nossa abordagem perpassa esse princípio em ser sujeito no processo de

construção curricular e, para isso, é extremamente necessário observarmos e refletirmos sobre

como os professores veem e transferem o currículo para a prática e, principalmente, suas

contribuições no significado do currículo.

Para isso, a percepção que estabelecemos é que, simbolicamente, os professores são

colocados como agentes significativos no processo de reforma educacional e, concretamente,

a abordagem dominante tem se incumbido da tarefa de preparar os professores para serem

implementadores eficientes das políticas desenvolvidas “por quem está fora da realidade de

sala de aula” (ZEICHNER, 2002: 28). Podemos considerar que os professores têm sido vistos

como aqueles cuja vontade do Estado é de que implementem fielmente um currículo prescrito

pelos governos usando, inclusive, métodos de ensino prescritos. “Quando novos

investimentos são feitos em educação, há uma clara tendência de se investir em coisas tais

como livros didáticos e tecnologia educacional, ao invés de se investir em pessoas”

(TORRES, 1996).

Na verdade, na maioria dos casos tem havido pouco interesse no desenvolvimento

das capacidades dos professores para exercitarem seu julgamento sobre as questões

educacionais, seja dentro ou fora da sala de aula, ou para adquirirem as disposições e as

habilidades de autocontrole que os tornam capazes de aprender a partir de sua prática ao longo

de toda a sua carreira docente.

A partir dessa concepção, podemos estabelecer uma reflexão sobre como os

professores têm sido vistos e considerados nas formulações de políticas e decisões

curriculares. Até o momento, entendemos que, na maioria das vezes, os professores têm sido

considerados como meros expectadores, tanto no processo de decisão curricular, como

propriamente na construção do currículo. Nesse sentido, nosso posicionamento é que se pare

de considerar os professores, por um lado, como técnicos que aplicam conhecimentos

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produzidos por outros (os formuladores de currículo, os peritos em currículo, os funcionários

do Ministério da Educação, ou propriamente o mercado educacional) e, por outro lado, como

agentes sociais cuja atividade é determinada exclusivamente por forças ou mecanismos

sociológicos (a luta de classes, a transmissão da cultura dominante, a reprodução dos hábitos e

dos campos sociais, as estruturas sociais de dominação). Apesar de todas as diferenças

existentes entre a visão tecnicista e a visão sociológica, elas possuem em comum o fato de

despojar os atores sociais de seus saberes e, portanto, dos poderes decorrentes do uso desses

saberes, e de sujeitar os professores, por um lado, aos saberes dos peritos e, por outro, aos

saberes dos especialistas das ciências sociais.

É imperativo examinar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para o que podemos chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência de reduzir os professores ao status técnico especializado dentro da burocracia escolar, cuja função, então, torna-se administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos (GIROUX, 1997: 158).

Façamos aqui, portanto, uma reflexão em torno das questões intelectuais do

professor, compreendendo que ele não é somente alguém que aplica conhecimentos

produzidos por outros e muito menos um agente determinado por mecanismos sociais.

Admitimos o professor como um ator e também sujeito, no sentido forte do termo, que

assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá e um sujeito que possui sim

o conhecimento e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele

a estrutura e a orienta. É preciso, nesse sentido, repensar e reestruturar a natureza da atividade

docente, encarando os professores como “intelectuais transformadores” (GIROUX, 1997).

Por intelectuais transformadores é necessário compreender que a base teórica é

fundamental para examinar a atividade docente, ao contrário do que tem integrado nas

escolas, como sendo puramente instrumental e técnico. Também é importante compreender as

condições ideológicas e práticas necessárias para que os professores, de fato, assumam sua

condição intelectual e, por fim, também refletirmos sobre o papel que os professores

desempenham na produção e legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais

variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas.

Encarar os professores como intelectuais reflexivos, nos remete à ideia de que toda a

atividade humana requer ser mobilizada pelo pensamento. A partir destas questões, os

professores podem ser vistos não simplesmente como operadores profissionalmente

preparados para efetivamente atingirem quaisquer metas a eles apresentadas. Em vez disso,

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eles deveriam ser vistos como profissionais com uma dedicação especial aos valores do

intelecto e ao fomento da capacidade crítica dos jovens.

Ao contrário disso, muitos dos debates que têm surgido em torno da reforma

educacional, têm colocado os professores em segundo plano no que diz respeito às decisões

curriculares, alegando e ignorando o papel que desempenham na preparação dos aprendizes

para serem cidadãos ativos e críticos, ou então, ainda sugerem reformas na educação que

ignoram a inteligência, julgamento e experiência que os professores poderiam oferecer em tal

debate. Ainda, temos presenciado que, muitas vezes, quando os professores entram em tal

debate, são reduzidos em técnicos de alto nível, cumprindo ditames e objetivos decididos por

especialistas um tanto afastados da realidade cotidiana da vida em sala de aula. A impressão

que se tem é que os professores, na verdade, não contam quando se trata de examinar

criticamente a natureza e processo de reforma educacional.

O momento, ao mesmo tempo em que exige fomentar mais o debate em torno do

currículo, propicia também que professores possam assumir responsabilidade ativa pelo

levantamento de questões sérias acerca do que ensinam, como devem ensinar e quais são as

metas mais amplas pelas quais estão lutando. Isto significa que eles devem assumir um papel

responsável na formação dos propósitos e condições de escolarização. Tal tarefa é impossível

com uma divisão de trabalho na qual os professores têm pouca influência sobre as condições

ideológicas e econômicas do seu trabalho. Para isso, é extremamente necessário interrogar-se

sobre a função social dos professores e assumir a escola como um espaço econômico, cultural

e social, como também, atrelado às questões de poder e controle. Isto significa que as escolas

fazem mais do que repassar de maneira objetiva um conjunto comum de valores e

conhecimento. Pelo contrário, as escolas têm sido cada vez mais, lugares que representam

formas de conhecimento, práticas de linguagem, relações e valores sociais que são seleções e

exclusões particulares da cultura mais ampla.

Como tal, as escolas servem para introduzir e legitimar formas particulares de vida

social. Mais que instituições objetivas separadas da dinâmica da política e poder, as escolas

são, de fato, esferas controversas que incorporam e expressam uma disputa acerca de que

formas de autoridade, tipos de conhecimento, formas de regulação moral e versões do passado

e futuro devem ser legitimadas e transmitidas aos estudantes.

Portanto, essencial para os professores, é a necessidade de “tornar o pedagógico mais

político e o político mais pedagógico” (GIROUX, 1997: 163). Para isso, segundo o autor, é

necessário inserir a escolarização diretamente na esfera política, argumentando-se que as

escolas representam tanto um esforço para definir-se o significado quanto uma luta em torno

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das relações de poder. Dentro desta perspectiva, a reflexão e ação críticas tornam-se parte do

projeto social fundamental de ajudar os estudantes a desenvolverem política e socialmente, e

humanizarem-se ainda mais como parte desta luta. Os professores precisam se reconhecer

como sujeitos que promovem a mudança.

Para que essa mudança, de fato, se estabeleça, torna-se necessário, registrar o ponto

de vista dos professores, ou seja, “sua subjetividade de atores em ação, assim como os

conhecimentos e o saber-fazer por ele mobilizados na ação cotidiana” (TARDIFF, 2002: 230).

O diálogo fecundo com os professores torna-se um ponto de partida importante,

considerando-os não como objetos de pesquisa, mas principalmente, como sujeitos

competentes que detêm saberes específicos ao seu trabalho.

Ao reconhecermos os professores, portanto, como atores competentes, sujeitos

ativos, deveremos, também, admitir que a sua prática caracterize-se não apenas como um

espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas, também, um espaço de produção

de saberes específicos oriundos dessa mesma prática. A questão é que, realmente, o trabalho

dos professores deve ser considerado como um espaço prático específico de produção, de

transformação e de mobilização de saberes e, portanto, de teorias, de conhecimentos e de um

saber-fazer específicos ao ofício do professor. O professor mobiliza saberes, teorias e

conhecimento em sua própria ação e isso é imprescindível compreender numa perspectiva de

prática curricular. Porém, uma preocupação se intensifica no que diz respeito ao currículo,

quando percebemos que os professores são considerados meramente como aplicadores dos

conhecimentos produzidos pela pesquisa e que esta, na maioria das vezes, está fora da prática

do professor e da realidade da sala de aula.

As práticas são sustentadas, assumidas, produzidas e reproduzidas por atores bem reais: administradores de pesquisa, dirigentes políticos e financeiros, pesquisadores de carreira, editores, leitores, consumidores da pesquisa, organizadores de congressos e seus públicos. Em suma, longe de se posicionar simplesmente do lado da teoria, a pesquisa na área de educação é regida e produzida por um sistema de prática e de atores. Ora, a principal ilusão que parece dominar esse sistema, e que, ao mesmo tempo, serve para fundamentá-lo dentro das universidades, é justamente o fato de levar a acreditar que nelas podem ser produzidas teorias sem práticas, conhecimentos sem ações, saberes em enraizamento em atores e em sua subjetividade (TARDIFF, 2000: 236).

Com isso, todo o trabalho humano, e não é diferente com os professores, exige um

saber e um saber-fazer, ou seja, a prática exige um pensar constante, produzir e reproduzir as

condições concretas de seu próprio trabalho. O trabalho, como toda a práxis, exige, por

conseguinte, um sujeito de trabalho, isto é, um ator que utiliza, mobiliza, produz os saberes de

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seu trabalho. Assim, acontece com o trabalho do professor, ou seja, compreender a

complexidade de sua prática exige assumirmos que essa prática é influenciada diretamente

pelas próprias decisões e ações desses atores.

Quanto ao reconhecimento do verdadeiro papel dos professores, é preciso que

possamos estabelecer algumas considerações necessárias, ou seja, só será possível quando

lhes forem concedidas, dentro do sistema escolar e dos estabelecimentos, o status de

verdadeiros atores, ao qual anteriormente já no referimos, e não de simples técnicos ou de

executores das reformas da educação concebidas com base em uma lógica burocrática.

Tornar-se ator de sua própria ação parece ser extremamente importante, bem como o autor do

seu próprio discurso. “A desvalorização dos saberes dos professores pelas autoridades

educacionais, escolares e universitárias não é um problema epistemológico ou cognitivo, mas

político” (TARDIFF, 2000: 243). Segundo o autor, os professores foram, durante muito

tempo, associados a um corpo eclesial que agia com base nas virtudes da obediência e da

vocação. No século XX, por exemplo, eles se tornaram um corpo estatal e tiveram que se

submeter e se colocar a serviço das missões que lhes eram confiadas pela autoridade pública e

estatal. Então, devemos considerar que os professores sempre estiveram subordinados a

organizações e a poderes maiores e mais fortes que eles, associando-os a simples executores.

Atualmente, embora os professores ocupem a posição mais importante entre os

agentes escolares, embora o papel deles seja tão importante quanto o da comunidade

científica, no que se refere ao aspecto sócio-cultural, eles se encontram, com muita

frequência, em último lugar na longa sequência dos mecanismos de decisão e das estruturas

de poder que regem a vida escolar. Em suma, seu poder, não somente na vida dos

estabelecimentos escolares, mas na organização e no desenvolvimento de seu próprio

trabalho, é realmente muito reduzido. Entretanto, se quisermos que os professores sejam

sujeitos do conhecimento, precisaremos dar-lhes tempo e espaço para que possam agir como

atores autônomos de suas próprias práticas e como sujeitos competentes de sua própria

profissão.

Ao falarmos desse tempo, estamos necessariamente considerando o fato de que todas

as mudanças em educação, principalmente no que diz respeito à prática em sala de aula, se os

professores tomarem e compreenderem como suas essas mudanças, aí, logicamente terá

sentido o propósito de reforma educacional.

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CAPÍTULO II - REINTERPRETANDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS DA

POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO

DE SORRISO - MT

Ao destacar os aspectos históricos que constituíram as identidades no município de

Sorriso, estaremos utilizando como fonte de pesquisa as dissertações de mestrado da

Universidade Federal de Mato Grosso, do departamento de história, através de Regiane

Custódio, intitulada “Sorriso de tantas faces: a cidade (re)inventada no Mato Grosso – pós

1970”, concluída em março de 2005 e, do departamento de geografia, através de Zenilda

Lopes Ribeiro, com “Praças e Lazer: dinâmica de uso e apropriação de espaços públicos em

Sorriso – MT”, defendida no ano de 2008. Nossa intenção a partir destas pesquisas

desenvolvidas no município de Sorriso, além de ilustrarmos as identidades percebidas é

tentarmos realizar uma análise do que percebemos nesses 06 anos residindo no município.

O intuito de discussão traz como abordagem, além da formação de identidades no

município, a conquista de espaços os quais foram legitimados por diferentes culturas,

fortalecendo assim, a formação de comunidades, principalmente advindas do nordeste, que

defendem sua cultura e identidade, apesar da permanência e insistência de um determinado

grupo na valorização de uma só cultura, ou seja, aquela advinda do sul do Brasil.

Sorriso vem se destacando pelo seu multiculturalismo social e cultural. No

município, prevalece a figura do colonizador (sulista), enquanto o colonizado (nordestino,

maranhense e o próprio mato-grossense) permanece em um campo de luta, a fim de que seja

reconhecido seu espaço de manifestação, tanto social, como cultural.

O multiculturalismo refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de adversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades socioculturais. É usualmente utilizado no singular, significando a filosofia específica ou a doutrina que sustenta as estratégias multiculturais (HALL, 2009: 50).

Com isso, Sorriso - MT insere-se em uma construção histórica que deflagra a

expansão da fronteira agrícola e criação de novos núcleos urbanos na Amazônia fazendo parte

de um “projeto de colonização privada, da empresa Colonizadora Sorriso, criada para

regularizar a venda de terras, oficializar a colonização e ordenar o crescimento da área

urbana” (RIBEIRO, 2008). Os sócios da Colonizadora chegaram à região em 1975 e

construíram as primeiras casas às margens da rodovia (BR 163) que, aos poucos, com a

atração de migrantes sulistas virou um povoado.

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Portanto, “originária de um projeto privado de colonização que data de 1976, teve

seu povoamento inicialmente com grupos sociais originários do sul do Brasil” (CUSTÓDIO,

2005), especificamente do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, que naquela ocasião

vinham com o propósito de trabalhar com agricultura. Três décadas após a instauração do

projeto inicial, Sorriso desponta na mídia nacional ostentando o título de “capital da soja” no

Brasil. Então, Sorriso ao despontar nacionalmente, torna-se um lugar ideal para quem

pretende “se fazer na vida”.

A Colonizadora Sorriso, que atualmente tem o nome de Colonizadora Feliz, foi uma

das empresas que idealizaram um planejamento territorial e urbano do município em 1979,

através da “contratação da empresa PLATEC para elaborar o projeto do perímetro urbano”

(RIBEIRO, 2008 apud DIAS E BORTONCELLO, 2003). Com a área urbana, assim definida

e planejada, em 26 de dezembro de 1980, Sorriso foi transformado em Distrito, pertencente,

portanto ao município de Nobres. Já, em 20 de março de 1982, foi instalada a subprefeitura no

Distrito de Sorriso, sendo elevada à categoria de município, em 1986.

Atualmente, Sorriso, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE/20109 possui uma população de 66.506 habitantes e, além de promissora

ainda se destaca por ser uma cidade com amplas avenidas, limpas e arborizadas,

características das cidades originadas de projetos privados com um planejamento prévio. Com

o passar do tempo e por sua organização, intensificou-se a presença de grupos sociais de

outras localidades do país.

Contudo, cresce também no município, a desigualdade social, apesar da insistência

na homogeneidade cultural prevalecer, principalmente através da mídia. Apesar do discurso

elaborado pelas “elites” (grupos dominantes) apresentado nas propagandas, onde se privilegia

a totalidade, ou seja, “todos fazem parte da comunidade”, consequentemente, não vem sendo

enfatizadas as diferenças internas que prevalecem no município, bem como não há

preocupação em destacar os elementos de distinção entre os vários grupos num mesmo espaço

social. Apesar de uma cidade promissora, prevalece o silêncio das desigualdades sociais em

alguns aspectos.

Ao comentarmos sobre essas desigualdades, entre a parte central do município e a

periferia se desponta uma realidade totalmente diferente. Primeiramente, é preciso destacar

que Sorriso é literalmente dividida pela BR 163, onde do lado direito (sentido Cuiabá a

Sorriso) por detrás dos grandes armazéns e indústrias, esconde-se um bairro chamado São

9 www.censo2010.ibge.gov.br

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Domingos, abrigando famílias, principalmente nordestinas e maranhenses. O bairro São

Domingos foi uma doação realizada por parte da prefeitura municipal, ou seja, “o bairro São

Domingos foi uma tentativa de se evitar o aparecimento de favelas na periferia, pois muitos

trabalhadores não estavam conseguindo adquirir um lugar para morar” (CUSTÓDIO, 2005).

O bairro foi uma iniciativa, por parte do poder público, no sentido de afastar do centro da

cidade, os migrantes mais pobres, que chegaram posteriormente.

Dentre as características dessa população, logo que o dia amanhece, com suas

bicicletas, atravessam a BR 163 para o lado esquerdo (sentido Sorriso a Cuiabá) a fim de se

dirigir à parte central da cidade e exercer inúmeros serviços, tanto formais como informais.

Esses trabalhadores se referem a esse núcleo central, como sendo a ‘cidade’, ou seja, muitas

vezes, percebe-se um sentimento de não pertencimento ao município. Já, a ‘cidade’ se refere

ao bairro São Domingos, como sendo o ‘outro lado’. As relações, portanto, que se

estabelecem em ambos os lados, deflagra o distanciamento existente entre as classes sociais,

ou seja, a parte central está situada na ‘cidade’, enquanto o bairro São Domingos, se

caracteriza como sendo ‘o outro lado’ de Sorriso.

Em Sorriso, os que migraram no início da colonização, são considerados pioneiros,

ou seja, os agricultores (sulistas) que vieram a fim de adquirir terras são considerados os

colonizadores do município e, dentre estes, se destaca a Colonizadora Feliz, cujo próprio

nome já deflagra os seus propósitos na inserção de uma cultura que, até os dias de hoje,

prevalece através de costumes e tradições sulistas que estão muito presentes no município.

Destaca-se uma homenagem realizada no ano de 2000 a Claudino Frâncio:10

O Edifício Claudino Frâncio, da Colonizadora Feliz, é uma justa homenagem à saga de um pioneiro que aqui fincou raízes e lutou pelo desenvolvimento até seus últimos dias. Claudino Frâncio foi o precursor desse paraíso, planejando sua urbanização e colonização e a Colonizadora dá continuidade a esta missão. O trabalho da empresa está voltado para fazer de Sorriso, uma cidade feliz (CUSTÓDIO, 2005: 59).

Existem, portanto, traços fortes e de grande significado para o município, quando se

trata de reconhecimentos pelo que Sorriso é e representa hoje, tanto no cenário do estado de

Mato Grosso, quanto nacional e internacional, ou seja, o significado em torno dos termos

“pioneirismo e colonizador” deflagram a intensidade de poder pelo qual se estabelece frente

ao município. Esses termos chave, portanto, nos remetem à questão de que o “desbravador, o

10 Irmão de Nelson e Alberto Frâncio, todos sócios e proprietários da Colonizadora Feliz e, advindos de Curitiba, no estado do Paraná, em maio de 1973 adentraram as terras de Sorriso, no estado de Mato Grosso e ficaram acampados às margens do Rio Teles Pires. Começa, então, nessa época o processo de Colonização do município de Sorriso (CUSTÓDIO, 2005: 44).

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antecessor, aquele que vem antes” (CUSTÓDIO, 2005: 60 apud HOUAISS, 2001: 26),

desconsidera que em Sorriso já se encontravam grupos indígenas, posseiros, seringueiros, os

quais, injustamente, foram varridos da memória documental histórica da cidade.

Sorriso é uma cidade cuja tendência é o pleno e importante crescimento e

desenvolvimento, porém, ainda é necessário avançarmos aprendendo com outras culturas. O

município cresce aceleradamente e, cada vez mais, percebemos a formação de comunidades

aglomeradas em pequenos nichos culturais que exigem do poder público e da própria

sociedade a necessidade de serem vistos e ouvidos. O movimento migratório das famílias, dos

bairros para a parte central da cidade, tem visivelmente crescido, uma vez que o município

desponta para um crescimento habitacional, através de loteamentos de casas sendo

construídas, através de incentivos, tanto do governo federal em parceria com o governo

municipal. Esse movimento migratório e a própria ocupação dos loteamentos, tem

possibilitado um cruzamento de culturas a partir da formação de novos bairros.

Com isso, percebemos a cidade de Sorriso que está em pleno movimento demarcado

pelo deslocamento físico e, principalmente, cultural. Esse movimento tem permitido algumas

manifestações culturais importantes, nascidas da própria iniciativa de grupos pertencentes a

uma determinada cultura que, organizados, têm buscado constantemente seu espaço de

manifestação. O poder público municipal, através do Departamento de Cultura deu início, em

2009, ao projeto “Caravana da Cultura” possibilitando a formação de grupos nordestinos,

gaúchos, maranhenses, catarinenses que apresentam suas danças, costumes e tradições em

uma grande apresentação para toda a comunidade.

Porém, tornam-se ainda necessárias importantes iniciativas de melhoria do

reconhecimento das diferentes identidades culturais que compõem o município de Sorriso.

Primeiramente, é necessário o reconhecimento da memória que compõe o município, muito

antes da vinda dos pioneiros, como também, que os mesmos desbravadores que adentraram

essas terras reconheçam a cultura mato-grossense como propulsora de todas as colheitas

realizadas e as riquezas conquistadas. Esse reconhecimento não se faz em disputas através de

esculturas espalhadas pela cidade, como forma de demarcação de territórios e a conquistas de

gestões político-administrativas desta ou daquela cultura, mas, sim, é necessário um repensar

de ações que priorizem todas as culturas existentes a fim de que estas sejam valorizadas e

reconhecidas pelas gerações as quais estão sendo formadas nas escolas de nossa cidade.

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2.1 O Mercado Editorial Brasileiro e a Ascensão dos Sistemas de Ensino: o caso do

Grupo Positivo

Historicamente, os sistemas de ensino são resultados das escolas particulares. Em

meados de 1990, quando as escolas particulares mantinham uma estrutura de alto custo,

pagando coordenadores e orientadores para suprir as deficiências do professorado, deu-se

início a produção de material próprio que era acrescentado aos livros didáticos, oferecendo

atividades extras, como o inglês, aulas de informática e esportes, sendo este marketing

essencial em um mercado cada vez mais competitivo.

Apesar de todas essas iniciativas serem custeadas pela mensalidade dos alunos, as

altas taxas de inflação na época, agregada a retiradas dos lucros dos proprietários destas

escolas e a crise instalada contribuiu para o fechamento de muitas delas. Em 1994, portanto,

os sistemas de ensino surgiram, então, como uma solução permitindo que a escola tivesse um

quadro mais enxuto de funcionários e evitasse gastos extraordinários com material didático,

uma vez que forneciam um mecanismo para coibir a inadimplência dos pais de alunos, já que

o material didático deixava de ser fornecido àqueles que estivessem em débito de

mensalidades na escola.

Na virada do século, quando o mercado de escolas privadas deu os primeiros sinais

de saturação, os sistemas fundados na lógica empresarial de expansão, buscaram a escola

pública. Uma investida até certo ponto surpreendente, uma vez que as escolas públicas

dispunham dos livros fornecidos gratuitamente pelo Governo Federal, através do programa

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático, os quais passavam pelo crivo de uma

avaliação de especialistas nas diferentes disciplinas que compõem o currículo. A partir de

então, cada vez mais vem crescendo a adesão do Sistema Privado de Ensino pelo Sistema

Público Municipal de Ensino.

A adoção do Sistema Privado de Ensino pelo Sistema Público de Ensino tem

provocado inúmeras discussões. A polêmica em torno da utilização dos sistemas apostilados

envolve vários aspectos. Trata-se de material preparado por empresas privadas, como o Curso

Osvaldo Cruz – COC, Positivo, Objetivo, entre outras. Sendo assim, as apostilas não passam

por nenhum tipo de avaliação oficial, como ocorre com os livros didáticos adquiridos pelo

PNLD. Em consequência, diferentes estudos identificaram sérios problemas conceituais e

gráficos em apostilas de sistemas de ensino, além da utilização de abordagens pedagógicas

descontextualizadas e excessivamente esquemáticas, herdeiras da orientação para o vestibular

que caracterizou o surgimento desse tipo de material.

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Há também, questões financeiras a serem consideradas. Os custos de aquisição e

distribuição dos livros didáticos são integralmente arcados pelo Governo Federal. Assim,

devido à escala do PNLD, o custo unitário de cada exemplar é relativamente baixo, de

aproximadamente R$6,50 (seis reais e cinquenta centavos). O material apostilado, por sua

vez, é integralmente financiado pelo estado ou município que o adota. Em média, o custo é de

R$150,00 (cento e cinquenta reais) por aluno, por ano. Os recursos para financiar a sua

aquisição são geralmente oriundos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).

Tratam-se de verbas que poderiam ser empregadas em outras alternativas de

expansão da oferta educacional ou de melhoria da qualidade de ensino, tais como a oferta de

creches e pré-escolas e educação de jovens e adultos, a adoção da jornada de trabalho integral

no ensino fundamental, a oferta de cursos técnicos e profissionalizantes, incrementos na

remuneração dos profissionais da educação, instalação de laboratórios e equipamentos

diversos nas escolas.

As críticas à adoção dos sistemas apostilados dizem respeito ainda à interferência na

autonomia dos professores, que não são consultados sobre o material que deverão utilizar em

sala de aula e passam a ficar presos a um rígido roteiro, transformando-se em meros

aplicadores do material didático. Do ponto de vista dos gestores e das famílias, contudo, a

estrutura do material apostilado, com sequências didáticas claras e a explicitação dos

objetivos de aprendizagem de cada aula, apresentam maiores possibilidades de controle e

acompanhamento do trabalho docente.

Esse fato aliado ao apelo de estender a suposta qualidade das escolas privadas para o

Sistema Público de Ensino é um dos motivos que influenciam os prefeitos a optarem pelos

sistemas apostilados. Cabe ressaltar, contudo, que o material vendido para o Sistema Público

de Ensino, embora leve o selo da empresa que o produziu, nem sempre é idêntico ao que é

adotado em suas escolas franqueadas da rede particular. De todo modo, recente estudo

produzido pela Fundação Lemann11 concluiu que a adoção de sistemas apostilados teve

impacto positivo no desempenho dos alunos nas avaliações de Língua Portuguesa e

Matemática, na Prova Brasil, em 2007.

O estudo ainda menciona e sugere diversas vantagens dos sistemas apostilados. Em

primeiro lugar, fornecem livros consumíveis de todas as disciplinas, para todos os alunos, de

todas as escolas. Com isso, não se ampliam as possibilidades de exercícios e práticas de

11 Fundação privada sediada em São Paulo, com forte atuação na área da Educação.

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estudo, mas se otimizam o tempo em sala de aula, diminuindo a necessidade de copiar

exercícios do quadro. Além disso, são também fornecidas orientações e treinamento aos

professores.

Com relação ao esgotamento, como anteriormente mencionamos, do crescimento dos

sistemas apostilados no Sistema Privado de Ensino ao amplo mercado potencial vislumbrado

nas redes públicas, houve uma enorme oportunidade de mercado para as empresas que atuam

no setor, de modo que algumas das maiores editoras envolvidas no PNLD passaram a atuar

também como produtoras de sistemas apostilados. A FTD tem o Sistema de Ensino FTD, a

Moderna com o Sistema UNO, a Ática/Scipione, o Sistema Ser, a Saraiva com o Ágora, o

Positivo com o Sistema de Ensino Aprende Brasil. O IBEP com o Sistema de Ensino IBEP.

O Positivo com o Sistema de Ensino Aprende Brasil nasceu através do grupo

Positivo em 1972, quando 08 professores alugaram uma pequena sala no centro de Curitiba e

iniciam o curso Positivo, sendo o primeiro no Paraná que acompanhava o aluno até as

vésperas do vestibular. Esses professores são os que escrevem, organizam e imprimem o

material didático, além de sistematizarem o ensino em sala de aula a partir de uma

metodologia própria.12

Em 1979, motivadas pelo sucesso que cruzava as fronteiras de Curitiba, escolas do

interior do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul se interessaram em utilizar essa

metodologia de ensino. O grupo Positivo, então, decide criar o Sistema Positivo de Ensino –

SPE. É fundada a Distribuidora Positivo como empresa responsável pelo atendimento de 08

instituições de ensino que adotam o SPE, nas quais estudavam 15 mil estudantes.

Em 2005, é lançado o Sistema de Ensino para a rede pública, denominado de Sistema

de Ensino Aprende Brasil – SABE. O grupo Positivo alcança a marca de 10 milhões de alunos

atendidos em sala de aula por meio de produtos e serviços, consolidando-se como o maior

grupo educacional do país.

2.2 A Decisão sobre a Política de Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal de

Ensino em Sorriso - MT

Ao apresentarmos e discutirmos sobre as influências na política de currículo

apostilado no Sistema Público Municipal de Ensino em Sorriso partiu-se da apresentação e

análise de documentos que fazem parte dos arquivos da Secretaria de Educação e de algumas

12 www.positivo.com.br

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escolas municipais. Quanto às escolas municipais, algumas nos encaminharam registros sobre

reuniões realizadas com os pais. Não levamos em consideração para as nossas análises a

quantidade de documentos, mas, sim, a qualidade de registros que viessem a contribuir com as

informações referentes ao processo de preparação à implantação do sistema apostilado no

Sistema Público Municipal de Ensino, por isso, todos os registros encontrados contribuíram

de forma eficaz no processo de análise.

As análises partem de documentos oficiais e não oficiais que destacam o processo de

decisão pela implantação da política de currículo apostilado nas escolas municipais de

Sorriso. Através destes documentos, procuramos compreender sobre como foi à trajetória de

decisão curricular, bem como as articulações necessárias para, de fato, a sua inserção no

processo de ensino e aprendizagem dos alunos e como material pedagógico para os

professores.

Nesse ínterim, nosso propósito é entender como um Sistema Público Municipal de

Ensino decide por adotar um Sistema Privado de Ensino e de que forma isso é pensado,

disseminado, divulgado e efetivado em um município, bem como os sentidos construídos na

consolidação do trabalho educativo da instituição.

O acesso pelo qual tivemos a um conjunto de textos traz uma marca bastante

interessante, ou seja, a hibridização de discursos. Assim, uma coletânea composta por textos

considerados oficiais, como propostas curriculares, orientações da instância governamental

municipal, deliberações para o ensino, relatórios que justificam uma decisão curricular, além

de textos considerados não oficiais contidos em anotações diversas, reflexões momentâneas,

relatórios de departamentos, atas de reuniões, avisos, lembretes, ou seja, muitos documentos,

por vezes arquivados de forma ordenada, porém, outras, esquecidos dentro de armários,

gavetas, foram excelentes suportes que identificam traços de uma história que emergiu de

uma decisão capaz de transformar toda uma trajetória curricular até então praticada e

desenvolvida pelos professores. Os textos direcionam para os modos de definir o ensino, a

organização da escola, do currículo e propriamente da prática do professor, a sistemática de

trabalho, os acordos de ideias e de convivência em que gravitam políticas e práticas

curriculares, enfim, uma mudança de rumos.

Quando Ball incorpora à recontextualização o entendimento de cultura pelo hibridismo, busca entender as nuances e variações locais das políticas educacionais. Sua investigação caracteriza uma agenda política global para a educação centrada na performatividade, na escolha dos pais, no gerencialismo, no novo vocacionalismo, na competição institucional e no fundamentalismo curricular, mas visa a investigar como em diferentes lugares essa agenda se modifica, seja pela intensidade com que

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tais princípios se expressam, seja pelo nível de associação de discursos e outros (LOPES, 2005: 56 apud BALL, 1998).

O processo de decisão curricular analisada incorpora múltiplas vozes configurando-

se em construções, como já mencionamos, híbridas, em razão dos seus antecedentes

históricos, em consequência dos aportes que respaldam a sua composição e em função das

negociações internas e externas que formulam todo o arcabouço curricular.

Dessa forma, identificamos em todos esses documentos, os esforços a fim de

congregar e legitimar uma proposta cuja interferência compreende as contribuições de

agências multilaterais, de articulações políticas, de proposições contidas no texto curricular

propriamente dito, de negociações internas acerca do que é considerado como ideal em termos

de currículo e, consequentemente, êxito no ensino, bem como das orientações teóricas que

embasam, convencem e fundamentam o texto prescritivo, no caso das apostilas.

Os sentidos construídos ao longo da trajetória de uma decisão curricular,

especificamente, por um currículo apostilado, reterritorializam concepções, referenciais,

saberes, práticas, contextos. A proposta curricular em questão, pelo seu caráter híbrido,

contempla a formulação de diversos discursos, principalmente de que o sistema apostilado

vem proporcionar a melhoria dos quantitativos em educação, como também, emergindo

comparativos entre o público e o privado, garantindo assim eficiência no ensino, não pela

prática pedagógica, mas, sim, pelo material que ao alcance de todos poderá garantir os

resultados qualitativos tão esperados pelo município, no caso, Sorriso/MT.

É nesse cenário, de diversos discursos que a análise a partir da abordagem do Ciclo

de Políticas torna-se imprescindível. As vozes manifestas em todo o processo decisório

articulam elementos do Contexto de Influência e de Produção de Textos. A decisão curricular

referenciada e defendida através de inúmeras fontes documentais, nos registros ordinários dos

arquivos, indica que o Ciclo de Políticas está fortemente marcado na sua política educacional

com imbricações muito visíveis no cotidiano escolar.

Na apresentação dos documentos, destacamos uma síntese sobre a justificativa de

decisão curricular, determinando assim, a implementação da política de currículo apostilado

no município de Sorriso. O ofício encaminhado pela Secretaria de Educação, na data de 19 de

novembro de 2008, compreendeu um resumo dos trabalhos desenvolvidos pela equipe

pedagógica da Secretaria de Educação, referentes ao sistema apostilado, implantado na

educação municipal, no ano de 2006. O respectivo relatório justifica-se pelo processo de

transição de mandato, uma vez que um novo prefeito assumiu a gestão municipal a partir do

ano de 2009.

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A equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Sorriso – MT, instaurada no final de 2004, com o objetivo de traçar as diretrizes na educação municipal para os anos seguintes, detectou alguns pontos considerados críticos para o desenvolvimento educacional do município, dentre eles: - A quantidade de livros didáticos, fornecidos pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura, não atendia a demanda, tal fato deve-se ao grande fluxo migratório em Sorriso. Prova disso é que o censo escolar registrou em 2004 o atendimento a 8.875 (oito mil, oitocentos e setenta e cinco) alunos da rede municipal de ensino e, em 2005, o número atendido correspondia a 10.903 (dez mil, novecentos e três) alunos. Como a distribuição do livro didático se faz com base no número de alunos cadastrados no censo escolar do ano que está findando, esse fator termina resultando sempre na entrega de material insuficiente. - O conteúdo do livro didático, em razão de ser distribuído em todo o país, tem sua elaboração organizada de forma genérica, deixando a desejar quanto às peculiaridades: regionais, estaduais e municipais. - O livro didático não é disponibilizado para o aluno levar para casa, já que em razão das regras traçadas pelo MEC, este deve ser utilizado por um período de três anos. Em razão desta regra o tempo de acesso que o aluno dispõe com o livro didático é limitado, ou seja, o aluno precisa copiar os textos para realização de tarefas. Esse fator requer um acompanhamento por parte do professor nesta atividade, o que resulta em prejuízo no tempo que deveria ser destinado ao aprendizado. - E mais, o baixo índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB) da rede municipal de ensino que, em 2005, foi de 3,5 nos anos iniciais e 3,6 nos anos finais. Diante de todas estas informações, a equipe pedagógica buscou, junto à administração municipal, alternativas para solucionar o problema, pois entendia que se não houvesse investimento, tanto em material didático quanto em qualificação da equipe pedagógica, seria difícil alcançar os melhores resultados no âmbito educacional. A Secretaria Municipal de Educação após tomar conhecimento dos fatos acima procurou manter contato com os seguintes grupos: UNO, OBJETIVO e POSITIVO, a fim de análise do material. Analisados esses sistemas apostilados, constatou-se que somente o GRUPO POSITIVO trabalhava com a perspectiva de qualidade no ensino público, isso através da elaboração do SABE – Sistema Aprende Brasil de Ensino, destinado às escolas públicas. Esse foi um dos fatores preponderantes na escolha do método, assim como os abordados a seguir: - adequação do Sistema de Ensino Aprende Brasil à proposta pedagógica do município; - operacionalização do Sistema de Ensino Aprende Brasil nas escolas; - orientação sobre os encaminhamentos metodológicos do Livro Didático Integrado (apostilas); - orientação para a utilização de ferramentas e dos conteúdos disponibilizados no Portal Aprende Brasil; - assessoria para adequação da matriz curricular; - esclarecimentos sobre o processo de planejamento escolar e avaliação; - intercâmbio entre as experiências e práticas das escolas da rede municipal de ensino parceiras do Sistema Aprende Brasil; - orientações sobre as diversas formas de integração família-escola; - aprofundamento dos conteúdos abordados por ocasião da implantação regional; - atendimentos pedagógicos permanentes aos professores por telefone, fax e e-mail. Encaminhado esse levantamento à Administração, obteve-se a informação de que àquele momento, qual seja, no exercício de 2005, os recursos destinados para a manutenção do ensino eram insuficientes para cobrir todo o custo. Ainda assim, a equipe da Secretaria de Educação foi relutante devido ao apoio que já estava recebendo dos pais. Estes se tornaram fortes aliados na busca de uma solução, visto que ao descobrirem a impossibilidade de aquisição do material didático por parte da prefeitura, sugeriram fazer reuniões nas escolas da rede municipal com o intuito de verificar a aceitação dos pais mediante proposta de contribuição financeira dos mesmos para a aquisição do livro didático integrado. O discurso apresentado nessas reuniões era de que os pais que tivessem condições financeiras poderiam arcar com o valor do material. Aqueles que não tivessem

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condições seriam submetidos à Administração diante da possibilidade de assumir os custos daqueles que fossem comprovadamente carentes, depois de submetidos ao crivo de apreciação pela Secretaria Municipal de Ação Social. Durante as visitas às escolas para a apresentação da referida proposta, houve satisfatória aceitação dos pais, o que, mais tarde, resultou na criação da Associação de Pais de Sorriso – APS, incluindo representantes de todas as escolas da rede municipal de ensino. E foi através desta Associação que sucederam alguns encaminhamentos, dentre eles a abertura de uma conta da APS para receber o valor arrecadado dos pais através da Associação de Pais e Mestres – APM de cada unidade escolar. Além da contribuição desses pais, buscou parceria com a iniciativa privada. Nesta teve-se boa aceitação tanto de empresários como de pessoas físicas. Só após o trabalho que foi encaminhada a relação dos alunos que não dispunham de condições de assumir. A administração, para atender estes alunos, encaminhou projeto de lei para a Câmara Municipal que obteve aprovação para firmar convênio com a APS. Vale lembrar que a APS é responsável pelo pagamento das notas referentes à aquisição das apostilas, ao grupo Positivo. Ela também que realiza a prestação de contas mensal à prefeitura. E assim, em 2006, foi implantado o Sistema Apostilado na rede pública municipal. Consta dizer que o material didático implantado nas escolas da rede municipal de Sorriso trouxe muitos benefícios, a saber: - são quatro livros didáticos com todas as áreas do conhecimento; - há o rigor conceitual na elaboração do material, respeitando as orientações legais (LDB, PCN e RCN); - material de apoio anexo ao livro didático; - incentivo à pesquisa através de novas tecnologias; - links dos conteúdos didáticos de todas as áreas do conhecimento através do Portal Aprende Brasil. Todos os alunos e professores recebem uma senha para acesso ao Portal; - assessoria contínua às equipes pedagógicas e técnicas das escolas da rede municipal de ensino e Centros Municipais de Educação Infantil; - cursos por áreas e cursos para diretores e coordenadores; - apostila ampliada para alunos com baixa visão; - apostila em braile para cegos, o que não é disponibilizado para Sorriso pelo fato de não ter aluno portador dessa deficiência no ensino fundamental regular; - projetos sociais que o Positivo apoia (fanfarra, biblioteca itinerante, biblioteca do professor, esportes como caratê, judô, capoeira, construção de parques infantis); - o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica superou as expectativas dando um salto de 3,5 para 4,7 (anos iniciais) e de 3,6 para 4,5 (anos finais), sendo que o resultado apresentado em 2007 foi superior ao que estava previsto a ser atingido em 2013 pelo IDEB. (Ofício encaminhado pela Secretária de Educação, gestão 2005 a 2008, no dia 19 de novembro de 2011 ao prefeito municipal da gestão 2009 a 2012 – grifo nosso).

Ao apresentarmos o teor deste importante documento, ainda queremos destacar que

não é nossa intenção, a partir das análises, responsabilizar este ou aquele, porque nosso

reconhecimento é expressivo pelos profissionais que atuam no processo de gestão

educacional, principalmente, nas questões que envolvem políticas públicas. Nossas análises

pretendem refletir sobre a importância das Políticas de Currículo pertencer aos professores e

as conseqüências que podem desencadear na práticala, quando delegamos aos outros esse

poder de decisão curricular. Também, promover políticas públicas em educação é

imprescindível no processo de gestão da educação municipal e um ato de responsabilidade

ímpar, na qual todos fazem parte. Portanto, entendemos que uma decisão curricular quando é

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aceita passivamente, requer de todos nós colocarmo-nos como responsáveis e até que ponto

está se deixando que os processos de mercantilização sejam incorporados nas redes de ensino,

como é o caso de Sorriso/MT.

2.3 A Escolha do Sistema de Ensino Aprende Brasil – Grupo Positivo e a Proposta

Pedagógica Legitimada

Com relação à escolha do sistema de ensino escolhido ter sido o Grupo Positivo, o

documento apresenta algumas considerações,

A Secretaria Municipal de Educação após tomar conhecimento dos fatos acima, procurou manter contato com os seguintes grupos: UNO, OBJETIVO e POSITIVO, a fim de análise do material. Analisados esses sistemas apostilados, constatou-se que somente o GRUPO POSITIVO trabalhava com a perspectiva de qualidade no ensino público, isso através da elaboração do SABE – Sistema Aprende Brasil de Ensino,

destinado às escolas públicas. (grifo nosso). Porém, a partir de uma ata de registro das reuniões entre a equipe pedagógica da

secretaria de educação e o prefeito municipal, à época, Dilceu Rossato consta a seguinte

ressalva:

O objetivo da reunião é para apresentar ao prefeito Rossato os projetos desta secretaria. (...) Outro projeto apresentado foi da área de informática, o coordenador Marcelo Lechio apresentou material apostilado do GRUPO POSITIVO para implantação imediata que segundo informações é o único material aprovado pela Câmara Brasileira do Livro sendo o mesmo aprovado de imediato. O custo da apostila é de R$22,00 (vinte e dois reais) e a cada 100 apostilas adquiridas, a empresa doa um computador para o município, sendo que este material servirá para aproximadamente três anos (15 de fevereiro de 2005: 03) (grifo nosso).

Interessantemente, percebemos que não consta no respectivo registro o fato

mencionado sobre a qualidade “após a análise do material” e, sim de que “a cada 100

apostilas adquiridas, a empresa doa um computador”. Diante disso, entendemos que a partir

dos documentos que se contradizem em suas considerações, o respectivo Grupo Positivo já

havia sido escolhido, não pela equipe pedagógica, mas sim, indicado pelo departamento de

informática do município, no sentido de garantir o recebimento de computadores para as

escolas, por isso, na urgência de “implantação imediata”.

A preocupação se centraliza na discussão em perceber que a decisão sobre a política

de currículo apostilado, em um primeiro momento, perpassou a ideia de que o município seria

contemplado com computadores em vez de, como se preconiza, se relacionar com a melhoria

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da qualidade de ensino, através de um currículo que viesse contribuir com o conhecimento

dos alunos. Além disso, tanto a equipe pedagógica da Secretaria de Educação quanto os

professores, é que deveriam ser os principais atores do processo de decisão curricular, ao

contrário, sequer aparecem no documento, ou seja, estes profissionais passam a se tornar

alheios a todo o processo de decisão.

A definição do contexto de decisão para a organização das práticas curriculares trata-se de uma visão tecnicista do currículo, em que as decisões são tomadas em nível macro, com o reconhecimento do papel centralizador da administração central, deixando-se às escolas e aos professores o papel de implementá-las, pois não são considerados atores da decisão curricular (PACHECO, 2005: 109).

Acreditamos serem totalmente importantes quaisquer recursos pedagógicos aos quais

venham agregar a prática pedagógica dos professores, além de priorizar o acesso aos alunos

de importantes ferramentas de aprendizagem, porém, desde que essa decisão perpasse ao

olhar pedagógico dos professores que serão os principais atores de construção e

fortalecimento de proposta curricular, em sala de aula.

Nossa preocupação estende-se, portanto, por essa falta de discussão e reflexão no que

diz respeito a uma decisão curricular, ou seja, sabemos da importância de um currículo

flexível que seja incrementado com as ações pedagógicas definidas pelo professor, porém, o

que aqui percebemos no que diz respeito à realidade do município de Sorriso/MT, a decisão

do currículo apostilado foi definido por técnicos, cujo olhar, na maioria das vezes, volta-se

simplesmente ao lucro e às vantagens que possam fluir de uma decisão.

É preciso refletirmos mais sobre o processo de mercantilização e privatização que vem ocorrendo por meio do crescente número de redes públicas que têm adquirido materiais didáticos de grandes redes. Parafraseando uma outra análise de Ball (1994), na prática, o que temos percebido é que alunos e professores precisam adaptar-se aos materiais pedagógicos ao invés dos materiais pedagógicos utilizados serem desenvolvidos a partir do contexto dos alunos, professores e condições objetivas das escolas públicas. Há que se questionar em que medida esses materiais têm levado (ou não) à construção de processos de aprendizagem significativas e à construção de salas de aula mais igualitárias onde todos os alunos possam aprender, a despeito de suas características e necessidades (MAINARDES, 2009: 53-54).

Ao partirmos para as questões que se relacionam à proposta pedagógica do

município de Sorriso/MT, a mesma está disponibilizada através de um documento intitulado

“Projeto Político Pedagógico” elaborado pela Secretaria de Educação, nos anos de 2004 a

2008. Esse documento, em sua apresentação, destaca que

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[...] ao tecermos considerações sobre o Projeto Político Pedagógico da Secretaria Municipal de Educação, estaremos explicitando posicionamentos pedagógicos, tendo a clareza de que eles estão assentados em uma concepção de sociedade, educação escolar que, em nosso entendimento, visam a contribuir com a emancipação de pessoas (PPP/SMEC, 2008: 5).

Na descrição do relatório, será feita a “adequação do Sistema de Ensino Aprende

Brasil à proposta pedagógica do município”. Pois bem, o termo “adequação” assim integra

significados importantes a fim de que se possa compreender o contexto em questão, ou seja, a

compreensão desse termo contextualiza uma proposta de “adaptar-se, ajustar-se” (AURÉLIO,

2010: 16) ou, ainda que, “adaptar tem o significado de modificar o texto adequando-o a certo

público, portanto, tornar-se adaptável a algo ou alguém” (AURÉLIO, 2010: 16), possuindo,

assim, um propósito por demasiado cabível nas pretensões da Secretaria de Educação ao

reforçar o fato de que o sistema de ensino, através do grupo Positivo, viesse a reforçar as

concepções já estabelecidas no Projeto Político Pedagógico da educação municipal de

Sorriso/MT. Ao que nos parece, nesse sentido, nada mais significativo do que o sistema de

ensino em questão adequar-se ou adaptar-se à realidade do Sistema Público de Ensino,

congregando propostas que viessem realmente a contribuir com o processo de ensino e

aprendizagem dos alunos, como também, ampliar o estudo de práticas metodológicas também

adaptáveis à realidade do município, junto aos professores.

Com isso, e partindo para uma análise do Projeto Político Pedagógico da Secretaria

de Educação, bem como o Descritivo do Sistema de Ensino Aprende Brasil – grupo Positivo,

enquanto documentos oficiais, é que apontamos algumas reflexões. A fim de não repetirmos

momentaneamente os documentos oficiais aos quais se referem a respectiva análise e, como já

anteriormente explicitada na caracterização da pesquisa, queremos lembrar que os respectivos

documentos serão nominados como PPP/SMEC para o Projeto Político Pedagógico da

Secretaria de Educação e Cultura e DSE/POSITIVO para o Descritivo do Sistema de Ensino

do grupo Positivo.

No Projeto Político Pedagógico da Secretaria de Educação, as análises que queremos

abordar decorrem a partir dos seguintes tópicos: “Considerações sobre a proposta curricular:

explicitando posicionamentos”; “Princípios Metodológicos da Proposta Pedagógica” e os

“Componentes Curriculares”. Com relação às análises partir do documento do sistema de

ensino compreende: “Proposta Pedagógica”, os “Pressupostos Norteadores” e as

“Concepções, Finalidades e Objetivos do Ensino Fundamental”. Importante ressaltar que as

diretrizes apresentadas pelo Sistema de Ensino, em suas concepções, baseiam-se

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exclusivamente do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, legitimando, com isso, o recorte de

nossa pesquisa.

Assim,

Preocupado com o compromisso de oferecer uma educação com qualidade, o Sistema de Ensino Aprende Brasil aponta para soluções educacionais fundamentadas nos ditames legais, estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – 9394/96), além dos documentos: Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) (DSE/POSITIVO, 2006: 08).

Então, o que nos chama atenção, portanto, no respectivo documento, é sobre o

compromisso em apontar “soluções educacionais tendo como fundamento os ditames legais”.

Um dos parâmetros apontados cita as contribuições dos Parâmetros Curriculares Nacionais –

PCN’s que traz importantes reflexões. Os PCN’s, para o ensino fundamental, no documento

introdutório, ressaltam:

Os Parâmetros Curriculares Nacionais referenciam para a renovação e elaboração da proposta curricular, reforçam a importância de que cada escola formule seu projeto educacional, compartilhado por toda a equipe, para que a melhoria da qualidade da educação resulte da co-responsabilidade entre todos os educadores. A forma mais eficaz de elaboração e desenvolvimento de projetos educacionais envolve o debate em grupo e no local de trabalho (PCN’s, 1996: 02).

Portanto, em nenhum momento os próprios PCN’s apontam soluções educacionais,

mas sim, reforçam a autonomia da escola em discutir os rumos curriculares de sua política.

Com relação à autonomia, o destaque aponta que

O SABE – Sistema Aprende Brasil de Ensino, adotado pela Secretaria Municipal de Educação, explora a ideia de não haver necessidade de criar previamente um novo tipo de organização de ensino e discussão curricular, uma vez que o respectivo sistema nos oferece o encontro com a modernidade, buscando, desde já, fornecer aos professores, elementos que encaminham novas práticas (PPP/SMEC, 2006: 33).

Além de não percebermos uma “adequação do Sistema de Ensino Aprende Brasil à

proposta pedagógica do município”, é importante que o entendimento seja que os professores,

enquanto atores curriculares, não estando no centro das discussões e reflexões sobre a própria

política curricular, ao que parece, tornam-se cada vez mais “divorciados da realidade”

(APPLE, 1989: 41). As concepções em torno da Política de Currículo, tanto por parte do

Sistema de Ensino, quanto da Secretaria de Educação, seriamente impossibilitam a

participação da escola sobre a discussão e decisão curricular, contrariando, de fato, os

Parâmetros Curriculares Nacionais que centram o currículo, como sendo de autonomia da

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escola, quando “envolve o debate em grupo e no local de trabalho”. Ainda,

[...] o currículo não é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. Além disso, é produto de tensões, conflitos de ordem política e econômica que organizam e desorganizam um povo (APPLE, 1989, apud MOREIRA & SILVA, 2009: 59).

Faz-se necessário a escola apropriar-se da capacidade de reflexão em torno das

concepções que determinados grupos integram na escola.

Ainda, com relação à proposta pedagógica do Sistema de Ensino, algumas questões

merecem reflexões importantes, no campo do currículo e na própria construção da política

curricular, implantada à época, nas escolas.

O Sistema de Ensino, ao ter claro suas intenções, construiu uma proposta pedagógica que permeia o Livro Didático Integrado (apostilas), o Portal Aprende Brasil e o programa de Assessoria Pedagógica, com base em diretrizes que consideram a realidade em que os atores educativos estão inseridos, a situação das escolas parceiras e o embate do que se tem com o que se precisa e se quer construir no âmbito educacional (DSC/POSITIVO, 2006: 09).

A partir de uma perspectiva prescritiva, a intenção do sistema de ensino em conhecer

a realidade em que os atores educativos estão inseridos e a situação das escolas parceiras,

confunde-se, uma vez que propriamente o “livro integrado” (apostilas) já possui determinados

os conteúdos e as práticas que devem ser desenvolvidas em sala de aula, portanto, observa-se

uma limitação na relação entre o sistema e o próprio conhecimento da realidade no entorno da

escola. Além disso, é preciso levar em consideração que, uma vez adotado o sistema, as

apostilas são distribuídas igualmente, com conteúdos e práticas verticalizadas para todo e

qualquer município, independentemente da realidade que o constitui.

Ainda, o documento, com relação aos Pressupostos Norteadores, apresenta

considerações relacionadas ao professor, no sentido de que este “possa trabalhar com o

conhecimento trazido pelo aluno de modo a relacioná-lo com as novas sistematizações do

ensino” (DSC/POSITIVO, 2006: 10). Logo, traz uma concepção de que

[...] a ação docente possui um caráter interativo. O professor é considerado um articulador dos processos de ensino e aprendizagem. [...] Por isso, o Sistema de Ensino fornece subsídios para o professor organizar as suas ações, ajudando os alunos a reinterpretarem suas próprias vidas e a desenvolverem-se integralmente (DSC/POSITIVO, 2006: 10).

E, por último, sobre

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[...] a necessidade de o sistema propor em seus recursos didáticos (apostilas), as situações pedagógicas que envolvem a pesquisa, além de oficinas de aprendizagem, trabalhos em grupo, debates, estudos dirigidos, visitas e observações, concebe a escola como um local que gera processos (DSC/POSITIVO, 2006: 12).

Outro ponto refere-se à questão que os “princípios metodológicos norteadores das

situações de ensino consideram os professores como articuladores das situações, procurando

ligar ações e coordenar atividades, além de promover relações, no sentido de compor a rede

curricular” (PPP/SMEC, 2006: 35). Mais adiante, ainda destaca que “os Livros Didáticos

Integrados compõem o Manual para o Professor de todas as disciplinas, incluindo educação

física e arte” (PPP/SMEC, 2006: 48). Portanto,

Os melhores exemplos de incursão dos procedimentos de controle técnico são encontrados no crescimento excepcionalmente rápido do uso de ‘pacotes’ de material curricular. (...). O material especifica todos os objetivos. Ele inclui tudo que o professor ‘precisa’ para ensinar, tem os passos pedagógicos que o professor deve tomar para alcançar esses objetivos já embutidos, bem como os mecanismos de avaliação. Ele não apenas pré-especifica quase tudo o que um professor precisa saber, dizer e fazer, mas em geral fornece um esboço de quais seriam as respostas apropriadas dos alunos a esses elementos (APPLE, 1989: 159).

A partir disso, a análise em torno das concepções, finalidades e objetivos do ensino

fundamental, acabam por caracterizar um almejar de competências na relação entre a

educação e a prática social. Para isso, o respectivo Descritivo (2006: 20 e 21) destaca que “o

que torna o conhecimento intelectual é o suporte para a formação da cidadania, bem como o

instrumento básico para o avanço qualitativo de uma consciência ingênua para uma

conscientização crítica”. Nesse sentido, mais adiante e no sentido de complementar suas

concepções “cada componente curricular situa seus conteúdos e metodologias favorecendo o

aluno à oportunidade de percepção das implicações sociais do que estuda na escola”. A

análise apresentada neste estudo considera-se como sendo nada otimista. Assim como as

atividades dos alunos são progressivamente especificadas, no caso, conteúdos e metodologias,

bem como as regras, processos e resultados padronizados são integrados ao longo dos

documentos, também os professores são a nosso ver, desqualificados, requalificados e

tornados anônimos.

O fato, portanto, é que a inserção das concepções da política de currículo apostilado

não integra em nenhum momento as intenções do Projeto Político Pedagógico da Secretaria

de Educação. O que percebemos ao longo das análises, é que realmente, a proposta

pedagógica da rede municipal de ensino obedece ao direcionamento do sistema de ensino,

através de suas concepções sobre ensino e aprendizagem, ou seja, o próprio Descritivo do

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Sistema de Ensino serve de parâmetros para a educação municipal.

2.4 A voz dos Pais dos Alunos do Sistema Público Municipal de Ensino na Decisão

Curricular sobre a Política de Currículo Apostilado

Ao que percebemos, a implantação da política de currículo apostilado no município

de Sorriso foi antecedida por inúmeras discussões, principalmente no que diz respeito aos

pais. A Secretaria de Educação, em 2005, decidiu realizar inúmeras reuniões em todas as

escolas municipais, no sentido de apresentar duas propostas aos pais: primeiramente sobre a

decisão curricular, ou seja, de que a rede municipal de ensino, em 2006, adotaria o sistema

apostilado e que a prefeitura municipal arcaria com uma parte das despesas de pagamento das

apostilas, ficando a outra sob responsabilidade dos pais. Para isso, a atuação da Associação de

Pais e Mestres, em cada escola, seria decisiva, ou seja, às APM’s caberia a assinatura do

contrato com a empresa POSITIVO, bem como o auxílio na relação de pais carentes da

escola.

Com relação aos pais carentes, seriam aqueles que não dispunham de quaisquer

recursos para o pagamento das apostilas. Segundo, ao que verificamos no decorrer das atas, o

montante a ser pago pelos pais alcançaria o valor de R$200,00 (duzentos reais) por ano, sejam

R$50,00 (cinquenta reais) por bimestre, pelos quatro volumes da apostila, sendo estas, para o

primeiro, segundo e terceiro bimestres, assim distribuídas aos alunos.

Muitos pais da rede municipal de ensino, ainda pelo que identificamos, não

dispunham de condições financeiras para este montante, por isso, seriam considerados

carentes. Ainda, no sentido de comprovar essa carência, a Secretaria de Assistência Social,

encaminharia as próprias assistentes sociais às casas das respectivas famílias, no sentido de

comprovar tal carência. A partir dessa comprovação, que era feita por meio de um cadastro na

Secretaria de Assistência Social do município, a prefeitura se responsabilizaria pelo

pagamento, então, das apostilas, para estes pais. Com relação aos demais pais, eles mesmos

pagariam o montante total das apostilas, para os seus filhos no valor total, já acima

especificado.

Nesse sentido, a assinatura do contrato entre a APM da escola e o grupo Positivo

caracterizaria uma dívida assumida pela Associação de Pais e Mestres para com a empresa.

Ao que percebemos essa dívida, de acordo com o número de alunos da escola, poderia

ultrapassar o valor de R$100.000,00 (cem mil reais). Com relação à prefeitura municipal, a

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mesma assumia somente o pagamento das apostilas dos pais carentes, conforme comprovação

da assistente social, como anteriormente já citado.

Atentos ao relatório, ao qual, novamente, queremos estabelecer referência, o mesmo

enfatiza que

(...) sugeriram fazer reuniões nas escolas da rede municipal com o intuito de verificar a aceitação dos pais mediante proposta de contribuição financeira dos mesmos para a aquisição do livro didático integrado. O discurso apresentado nessas reuniões era de que os pais que tivessem condições financeiras poderiam arcar com o valor do material. Aqueles que não tivessem condições seriam submetidos à Administração diante da possibilidade de assumir os custos daqueles que fossem comprovadamente carentes, depois de submetidos ao crivo de apreciação pela Secretaria Municipal de Ação Social. (...) houve satisfatória aceitação dos pais (grifo nosso).

Assim, verificando as atas de reuniões realizadas nas escolas municipais, no ano de

2005, quando da decisão curricular, percebemos duas questões importantes: primeiro, de que

a aceitação dos pais à implantação do sistema apostilado nas escolas transcorreu de forma

bastante preocupante, uma vez que os mesmos demonstraram, principalmente, insatisfação,

com relação ao valor pelo qual estava sendo cobrado. Também, por parte da Associação de

Pais e Mestres houve um pleno desconforto com relação à dívida que estariam assumindo

diante do grupo Positivo. Em segundo lugar, destacamos que a partir das atas verificadas, não

foi plena “a aceitação satisfatória dos pais” com relação às apostilas, sendo que algumas vozes

identificadas trazem bastante clareza com relação a essa não aceitação.

No que diz respeito às atas das escolas, queremos destacar o ano de 2005 quando da

decisão curricular, e para isso, solicitamos aos diretores das escolas que, na medida do

possível, nos encaminhassem as mesmas. Recebemos, portanto, atas advindas de 05 escolas

municipais, cujos registros estabelecem a compreensão sobre como se deram as relações e

discussões elaboradas, quando do processo de discussão da implantação. A partir dos

importantes registros identificados nestas atas é que estabelecemos um processo de reflexão.

Para as respectivas análises, estaremos destacando as vozes dos pais, nas reuniões no

ano de 2005, a fim de podermos estabelecer reflexões ao que antecede a implantação. Os

trechos identificados como os de maior relevância acompanham o nome da escola.

Foi exposto que em 2006, as escolas municipais estarão trabalhando com o método apostilado. (12/09/2005). A Associação de Pais e Mestres - APM da escola ao deliberarem sobre a assinatura do contrato com o POSITIVO, ficou decidido que a APM só assinará o contrato com o sistema de ensino se a prefeitura municipal comprometer através de documento registrado em assumir a dívida das apostilas juntamente com a APM. Sendo que este documento deverá comprometer a

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prefeitura a arcar com a inadimplência (falta de pagamento) por parte dos pais. Ficou decidido que será feita uma outra reunião com os pais, com votação secreta para que pais decidam se querem ou não a implantação da apostila. (09/12/2005). Reuniram os membros da APM juntamente com todos os pais, para tratarem da apostila. A professora fez a abertura colocando para os pais a real situação de um valor de R$91.000,00 (noventa e um mil reais) deixando claro que a APM não está disposta a aceitar este montante sozinha. A mesma colocou que os pais teriam que assumir um valor de R$200,00 (duzentos reais). A prefeitura se responsabiliza com as apostilas das pessoas carentes. A ação social fará uma investigação para ter certeza de que as famílias que foram selecionadas não têm mesmo condições. A diretora colocou que na reunião com os pais, a Marisa talvez não expressou-se bem, talvez paga sim só para os carentes. Na reunião todos os pais concordaram em aceitar a apostila. A presidente da APM colocou que a investigação será feita e pediu para os pais analisarem bem o que for decidido. Um pai questionou o que é ser carente ou não e ficou para a Secretária de Educação Marisa responder. A APM deixou claro que quem deve assumir o compromisso é a prefeitura e não a APM, pelo contrário se a prefeitura tem que se responsabilizar juntamente com a APM, no momento da assinatura. A Adriana13 explicou o porquê da situação, a prefeitura não tem como arcar com todo o montante e sim pagar para os carentes. A discussão é sobre os que não pagarem e aqueles que se comprometem como fica. A Marisa, Secretária, chegou e esclareceu que a prefeitura vai se responsabilizar sim com os carentes, o que está acontecendo é com os que podem pagar e não estão mantendo a palavra. Um pai colocou que já paga muito imposto e ainda pagar a apostila? A mesma deixou claro que os pais decidem e de que ela não está impondo, deixou claro isso e que com R$20,00 o ensino ficará bem melhor. O pai pediu quem pode pagar só R$10,00 e a Marisa aceitou e concordou, mais uma vez deixou claro que os pais são quem decidem, como é democracia, será passado um papel para votar sim ou não, a apostila é para um ano ou para os quatro anos, isso depende somente dos pais, pois eles têm a maior força (10/12/2005) (Atas da Escola Municipal Papa João Paulo II). Direção, professores e membros da Associação de Pais de Mestres – APM para tratar do assunto referente às apostilas para o ano de 2006. Dando início à reunião, o presidente da APM falou que já assinaram o contrato que valerá por um ano, por isso, no final do ano de 2006 será analisada a continuação ou não do sistema apostilado (13/12/2005) (Ata da Escola Municipal Caravágio – Distrito de Sorriso/MT). A professora Marisa, Secretária de Educação, juntamente com a sua equipe e mais um representante do POSITIVO e a APM, prestaram esclarecimentos sobre a assinatura do contrato referente ao livro integrado para o ano letivo de 2006. A secretária iniciou e falou da forma como será, convidou a APM para ajudar na divulgação do material e a buscar promoções que venham a sanar. Foi colocado a problemática vivida no bairro14 pela carência. A Secretária então propôs que levaria a proposta de que a prefeitura arcasse com 70%, restando 30% para a escola ir em busca. Segundo a Secretária que vai adotar para todas as escolas, não é o fato de serem pobres que vão ficar sem (08/12/2005) (Ata da Escola Municipal Valter Leite Pereira). Reuniram-se a Secretária de Educação, Marisa, coordenadores, diretora, professores, alunos e demais funcionários para dirimir questões em torno da nova metodologia de ensino que será utilizada pela instituição no ano de dois mil e seis; forma esta baseada em um modelo de apostilados que ao ver de todos os presentes seria de grande avanço e aprendizado dos alunos da instituição. A secretária de educação Marisa, deu início à reunião agradecendo a presença de todos e esclarecendo o motivo da reunião; fazendo um apanhado geral da metodologia apostilado POSITIVO. Depois de expor verbalmente o tipo de método pretendido, foi passado um vídeo para que ficasse claro para todo o tipo de ensino. Após assistir ao vídeo foi pedido que todos os presentes se manifestassem positivamente, a aprovação foi unânime. Alguns pais se manifestaram e demonstraram satisfação de se estar dando

13 Assessora Pedagógica da Secretaria de Educação e Cultura na gestão 2005 a 2008. 14 O bairro aqui referenciado é o São Mateus.

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aos seus filhos o melhor sentido educacional (05/10/2005) (Ata da Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt). A reunião deu-se em virtude da decisão de implantação do método apostilado na Escola Rui Barbosa. A diretora explicou as informações recebidas sobre as mudanças no compromisso da assinatura do contrato para adquirir as apostilas. Posto em discussão, os pais analisaram a situação financeira das famílias que fazem parte da comunidade escolar e demonstraram preocupação devido à crise econômica pela qual estamos passando. Comentaram sobre o perigo de que o pagamento da apostila seja feito nos primeiros meses e depois venha a faltar recursos para continuar pagando as mesmas, pois segundo a fala do prefeito Dilceu Rossato nos meios de comunicação, a crise econômica é muito maior do que se parece, e que para o próximo ano poderá ser ainda pior. Todos concordaram sobre o valor da apostila que trará muitos benefícios ao aluno, mas ressaltaram que seus filhos tiveram também grande aproveitamento estudando e trabalhando com os livros didáticos, como foram até hoje. Os pais presentes na reunião decidiram por unanimidade de que não assumirão sozinhos esse compromisso, de que a prefeitura havia firmado o compromisso de assumir cinquenta por cento do valor anual, mas hoje a responsabilidade está sendo repassada unicamente à escola. Os membros presentes acharam difícil assumir o montante de dinheiro tão expressivo, pois os comentários entre os pais é de que muitos assinaram o termo de compromisso e não vão pagar, alegando que essa escola prima por um bom trabalho à comunidade com compromisso e seriedade, sempre auxiliando os alunos com materiais básicos adquiridos pela própria escola. Dessa forma, concluíram que mesmo sem a apostila haverá qualidade de ensino. (05/12/2005). A diretora deu início à reunião expressando preocupação com o pagamento das apostilas, até o presente momento poucos pais compareceram para fazer o pagamento o que estava decidido em uma assembleia anterior. Fazendo uso da palavra, a Secretária de Educação, Marisa, voltou a afirmar que o método apostilado é um avanço, pois todos devem ter consciência de que, quem assume deve se responsabilizar pelo pagamento integral. Alguém na assembleia reclamou que o preço é muito alto. A Secretária de Educação, porém disse que os alunos que forem comprovados que não têm recurso, serão encaminhados para a ação social que irão visitar esta família e ajudarão doando a apostila. Uma mãe fazendo o uso da palavra defendeu o método apostilado, pois dá a possibilidade de poder oferecer um estudo melhor para as crianças. Afirmou ainda que o estudo é a melhor herança que se pode dar ao filho. Outra mãe fez questão de falar e defendeu o grande valor de se oferecer um estudo melhor aos filhos através de novos métodos. Acompanhando o debate, um pai falou aos presentes que é necessário fazer um exame de consciência, pois muitas pessoas têm condições, mas se negam a pagar preferindo se passar por carente. A secretária de educação voltou a explicar aos presentes que adotar ou não a apostila será uma decisão dos pais, mas o que for decidido agora deverá ser respeitado por todos. Um pai falou sobre a repercussão junto à sociedade sobre o bom conceito da escola e que poderá ficar ainda melhor com a nova forma de se trabalhar os conteúdos, pois irá despertar ainda mais o interesse do aluno pelo estudo. A decisão final será dos pais presentes (09/12/2005) (Ata da Escola Municipal Rui Barbosa) (grifos nossos).

Algumas questões importantes devem ser levadas em consideração, com relação ao

processo de preparação à implantação do sistema apostilado na rede municipal de ensino de

Sorriso/MT. As reuniões realizadas em algumas escolas da rede municipal trazem a

participação dos pais, bem como suas opiniões frente a essa mudança curricular. Assim, para

entendermos todo esse processo, algumas questões merecem ser pontuadas.

Constam nos relatórios de atividades da Secretaria de Educação que em meados de

setembro de 2005, aconteceu uma reunião “com pais de diferentes unidades escolares para a

formação da APS – Associação de Pais de Sorriso, que administrará recursos para pagamento

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dos livros integrados Positivo”.15 Juntamente com a APS, a Associação de Pais e Mestres –

APMs das escolas municipais ficariam responsáveis pela assinatura do contrato com o grupo

Positivo. Nesse sentido, quem assumiria a dívida com o respectivo sistema de ensino seria as

APMs das escolas municipais o que, conforme, verificamos nas atas de reuniões, não agradou

tanto às APMs como os pais das escolas municipais. Além de assumir a dívida com o sistema

de ensino, as APMs deveriam repassar o valor arrecadado das apostilas, para a APS que

efetuaria o pagamento das mesmas ao grupo Positivo. No caso da escola municipal Papa João

Paulo II, como citado, o valor da dívida seria de R$91.000,00 (noventa e um mil reais), ou

seja, todas as escolas receberam o valor total pelo qual deveriam pagar pelas apostilas, de

acordo com o número de alunos, sendo que os responsáveis pela assinatura do contrato seriam

as APMs, causando assim, preocupações aos seus representantes, uma vez que os pais da

maioria das escolas, não dispunham do valor de R$200,00 (duzentos reais), ou mesmo, das

parcelas de R$20,00 (vinte reais) a serem pagas durante o ano.

Diante disso, a Secretaria de Educação comprometeu-se com as escolas em verificar

a real condição dos pais que se manifestaram como carentes, através de pesquisa da ação

social. Esses pais, portanto, receberiam a visita das assistentes sociais que verificariam se

realmente eram carentes e, caso isso não fosse comprovado, os mesmos teriam que pagar o

valor combinado, ou, se fosse comprovada a carência, a prefeitura assumiria o pagamento.

Percebemos que um dos pais, da Escola Municipal Papa João Paulo II, questiona sobre o que

é ser ou não carente. Diante disso, percebemos que alguns pais não tinham muito

conhecimento das condições as quais estavam sendo dirimidas pela Secretaria de Educação e,

entendemos também que realmente os mesmos foram persuadidos ou sentiram-se

pressionados em adquirir o material, até porque a decisão realmente partiu da administração

municipal.

Outro destaque importante diz respeito à Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt

e a reunião estabelecida na mesma, sendo uma, a nosso ver, das mais tranquilas. A referida

escola é uma das maiores do município de Sorriso, tanto no que diz respeito ao aspecto físico,

quanto de recursos humanos, abrigando, portanto, o maior número de alunos –

aproximadamente 1.400 estudantes. Na referida escola, localizada no centro da cidade, o

poder aquisitivo dos pais é bastante relevante e a APM desenvolve um trabalho significativo

junto à comunidade escolar. Em virtude do alto poder aquisitivo dos pais, a aceitação com

relação às apostilas foi bastante tranquila e, conforme a ata, a “aprovação foi unânime”.

15 Relatório do departamento de língua portuguesa da Secretaria de Educação, de 05/09/2005 a 09/09/2005.

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Com relação à reunião na Escola Municipal Rui Barbosa, quando os pais destacam

que “seus filhos tiveram também grande aproveitamento estudando e trabalhando com os

livros didáticos, como foi até hoje”, realmente, diante dessa manifestação dos pais,

confessamos, nossa curiosidade sobre o porquê esta, dentre todas descritas, foi a única que

evidenciou sobre a importância do livro didático. Nesse sentido, fomos buscar informações

junto à diretora à época que, atualmente, exerce o cargo efetivo de professora de geografia na

respectiva escola, ao que ela nos informou:

Os pais dos alunos da Escola Municipal Rui Barbosa sempre participaram ativamente de tudo que dizia respeito à educação e formação dos alunos. A Associação de Pais e Mestres sempre acompanhou a direção em todas as decisões, desde gastos, investimentos, reuniões com o prefeito, enfim, eles são muito participativos e também destaco algo importante que talvez falte em outras escolas: os pais daqui da escola são críticos e cobram do poder público, soluções quanto ao ensino, não importando se é esse ou aquele que exerce a função de prefeito, eles querem mesmo são melhorias para a escola. Os pais desse bairro16 que têm os filhos nessa escola, muitos deles, voltaram aos estudos, muitos deles cursam a faculdade e com isso, entendo que compreendem melhor o ensino, porque eles mesmos retornaram e sabem a importância disso para os filhos. Os pais dessa escola sempre acreditaram no trabalho dos professores, acompanham a vida escolar dos filhos e cobram deles responsabilidades. Por isso, quando da reunião manifestaram a importância do livro didático ao qual consideram também que contribui para a qualidade do ensino e, mais, os pais da Escola Rui Barbosa sabiam que o livro didático é gratuito e distribuído sem ônus pelo governo federal. (Diretora da Escola Municipal Rui Barbosa, eleita pela comunidade para as gestões 2007-2008 e 2009-2010).

Enfim, até então, o que percebemos é sobre a intranquilidade dos pais em assumir de

fato o pagamento das apostilas. Portanto, realmente, conforme o relatório da Secretaria de

Educação, com relação à aprovação, que foi “unânime”, percebemos que ao contrário, os pais

mantiveram-se sempre dispostos a encontrar alternativas, principalmente, não descartando a

responsabilidade da prefeitura municipal, uma vez que a decisão curricular partia desta, em

assumir a dívida perante o grupo Positivo.

Por isso, mesmo que nas respectivas reuniões a fala da Secretária de Educação

enfatizava que a “decisão seria dos pais quanto à implantação das apostilas” (ata da Escola

Municipal Rui Barbosa, em 09/12/2005), em outra escola, deixava transparecer que a decisão

já estava definida, ou seja, “na reunião, foram discutidas questões em torno da nova

metodologia de ensino que será utilizada pela instituição no ano de dois mil e seis” (ata da

Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt, em 05/10/2005). Com isso, percebemos que o

encaminhamento dessa decisão curricular pela Secretaria de Educação, apresentou diferentes

16 Refere-se ao Bairro Morada do Sol.

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condutas, ou seja, conforme a reação das escolas com relação à implantação do sistema

apostilado, a resposta era sempre de que a respectiva definição já estava decidida. Com

relação à Escola Municipal Rui Barbosa, quando os pais manifestaram a sua argumentação,

utilizando o livro didático enquanto premissa que conduz ao fato de que os alunos estavam

aprendendo com os mesmos e de que estes eram distribuídos de forma gratuita pelo governo

federal, a reação foi outra, de que a decisão seria dos pais.

Por fim, ainda queremos enfatizar a manifestação realizada na Escola Municipal

Valter Leite Pereira. A respectiva escola, localizada no bairro São Mateus, oferece a

modalidade de educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental, com aproximadamente

1.300 crianças atendidas. Pois bem, o que nos chamou a atenção foi a fala por parte da

Secretária de Educação ao enfatizar que “não é o fato de serem pobres que vão ficar sem” (ata

da Escola Municipal Valter Leite Pereira, em 08/12/2005). Nesse sentido, queremos aqui

caracterizar e refletir momentaneamente sobre as relações de “significado e significante”

(SILVA, 2004).

A contribuição de Derrida pode ser sintetizada através do conceito de différance. Derrida cunhou esse termo precisamente para estender e radicalizar o alcance do conceito de diferença que, como vimos, é tão central no estruturalismo. (...). A palavra differánce remete à ideia de “diferir”, de “adiar”. Ao combinar numa só palavra os significados de “diferença” e “adiamento”, Derrida aceita a proposição de Saussure de que a existência de um determinado significante depende da diferença que ele estabelece relativamente a outros significantes. Mas ele vai além: o significado não é nunca definitivamente presente no significante. A presença do significado no significante é incessantemente, diferida. O exemplo mais definitivo desse processo é dado pelo dicionário. Nós temos a ilusão de que a definição de uma determinada palavra (significante) é constituída por um significado, “o significado da palavra”, mas, na verdade, ela é sempre definida por uma outra palavra (um outro significante). Aquele significante que constitui a definição da palavra e que supomos ser seu “significado” será definido, por sua vez, por outro significante, e assim por diante, num processo sem fim. Ou seja, o significado está sempre mais além, mais adiante, mas esse além, evidentemente, nunca chega. Em outras palavras, nunca saímos do domínio do significante (SILVA, 2004: 121-122).

Nesse sentido, como já anteriormente havíamos mencionado, o próprio bairro São

Mateus (pertencente à região da Grande São Domingos) apresenta inúmeros significantes no

município de Sorriso/MT, ou seja, “o outro lado”; “pobreza”; “desestrutura familiar”;

“marginalização”. Portanto, se atribuirmos todos os significados a cada um dos significantes,

chegaremos sempre ao mesmo significante, assim, o próprio bairro, “nunca sairá do domínio

do significante” que lhe é atribuído e, mais uma vez, percebemos através da fala da Secretária

que pelo fato de serem “pobres” (significante), estes não deixarão de receber as apostilas.

Importante, também é ressaltar que nas outras escolas, o significante utilizado foi de

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carência17, ao qual nos remete a inúmeros significados, diferentemente, de pobreza18.

Enfim, o que percebemos diante das vozes identificadas dos pais das escolas da rede

municipal de ensino de Sorriso/MT, em sua maioria, deixa bem claro que muitos

demonstraram insatisfação, não pelo material, até porque faltaram subsídios de argumentação

mais visíveis da melhoria da qualidade de ensino, a partir dessa implantação.

2.5 O Macrocontexto e a Decisão Política sobre a Ação Pedagógica: o que Dizem as

Lideranças Políticas.

A decisão curricular, até então apresentada, trouxe importantes aspectos aos quais

foram analisados a partir de documentos reunidos que situa o contexto que antecede a

implantação da política de currículo apostilado, através de relatórios, atas de reuniões, a fim

de compreendermos as lutas em torno de uma mudança curricular.

Nesse sentido, a partir de agora, consideramos, através do Contexto de Influência,

dois aspectos de abordagem diferentes: primeiramente, relacionado à gestão que potencializou

as discussões em torno da decisão de implantação da política de currículo apostilado no ano

de 2006, através do grupo Positivo, advindo de Curitiba, estado do Paraná, e, posteriormente,

a atual gestão, que a partir da política curricular já instituída, através de entrevista, apresenta

posicionamentos que permitem analisar questões importantes que certamente contribuem com

a pesquisa a qual nos propomos em desenvolver.

Queremos novamente lembrar que as tentativas de agendamento de entrevista com os

gestores públicos – que instituíram a decisão curricular de apostilado no município de Sorriso

na gestão 2005 a 2008 – a fim de obter informações, não avançaram, por isso, resolvemos

analisar os resultados da entrevista realizada com os atuais gestores (gestão 2009 a 2012),

através do prefeito municipal e da Secretária de Educação que, gentilmente, disponibilizaram

um horário, em seu gabinete, a fim de manifestar a sua opinião frente à política de currículo

apostilado no município de Sorriso e, principalmente, sobre a sua continuidade,

especificamente do 6º ao 9º ano.

A respectiva entrevista realizada com os atuais gestores públicos do município de

Sorriso, responsáveis pelo encaminhamento de políticas públicas em educação, foi organizada

17 Falta, ausência, privação, necessidade, precisão (AURÉLIO, 2010: 141). 18 Que não tem o necessário à vida; sem dinheiro ou recursos. Que denota pobreza, pouco produtivo, pouco dotado, pessoa pobre, mendigo, pedinte (AURÉLIO, 2010: 593).

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no sentido de obter informações, a partir de tópicos que pudessem fornecer subsídios de

análise a fim de contribuir com a pesquisa em questão, ou seja, a política de currículo

apostilado na rede municipal de ensino, principalmente, no que diz respeito às turmas do 6º ao

9º ano do ensino fundamental.

Com isso, os tópicos de perguntas apresentados (em Anexo) basearam-se,

primeiramente na concepção dos mesmos com relação ao atual retrato da educação municipal;

a realidade observada com relação ao sistema apostilado ao adentrar a gestão; a decisão pela

retirada das apostilas na educação infantil e anos iniciais e a continuidade nos anos finais do

ensino fundamental; a relação do sistema apostilado com o Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica – IDEB e as considerações finais ao término da entrevista.

A partir do ciclo de políticas, é no contexto de influência que grupos disputam para

influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser educado

(BALL, 1992). Diante disto, os trabalhos mais recentes de Ball contribuem para uma análise

mais densa das influências globais e internacionais no processo de formulação de políticas

nacionais.

As entrevistas realizadas com a gestão pública atual, através do prefeito municipal e

da Secretária de Educação, apontam sobre as finalidades da educação municipal, bem como as

perspectivas em torno de uma decisão curricular. Com relação às concepções dos mesmos em

âmbito geral, o prefeito municipal enfatizou que através de sua percepção o “município de

Sorriso hoje tem uma qualidade de ensino superior à grande maioria dos municípios do estado

de Mato Grosso”, porém, num determinado momento enfatiza a importância da educação

enquanto “ferramenta que transforma as pessoas e pessoas transformadas, transformam a

sociedade”, para isso, o respectivo gestor reconhece ainda que é preciso avançar com relação

à valorização dos professores e termina, enfatizando: “sei da responsabilidade que tenho

perante isso.”

Nas referências pelas quais a Secretária de Educação argumentou constam que: “para

mim a educação é o caminho complementar da vida (...), é somente através da educação que o

homem pode encontrar meios para se sentir sujeito ativo no processo de sobrevivência e assim

se alinhar socialmente.”

Percebemos a partir destas considerações que ambos os gestores trazem concepções

importantes frente ao processo de transformação que é possível a partir da educação, ou seja,

tanto prefeito, quanto secretária, compreendem o verdadeiro papel da educação, senão

enquanto meio que transforma o próprio sujeito e a sociedade. Diante da fala do prefeito com

relação à qualidade de ensino do município de Sorriso/MT, percebe-se que o mesmo possui

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informações oficiais sobre os rumos e resultados qualitativos da educação municipal, porém,

enfatiza a importância da constante valorização dos professores e com isso, atribui como sua a

responsabilidade no que diz respeito ao encaminhamento de políticas públicas que enfatizem

cada vez mais essa valorização e qualidade de ensino.

Os discursos, no entanto, encaminham diferentes concepções, mesmo que o processo

de transformação da sociedade e do próprio sujeito esteja presente, ou seja, o prefeito enfatiza

a qualidade de ensino aliada aos dados estatísticos que possibilitem visualizar o município

num ranking estadual, enquanto a secretária enfatiza sobre a importância em tornar-se sujeito

que transforma a sociedade; observamos, nesse sentido, que o prefeito organiza seu

pensamento em torno de resultados, enquanto a Secretária de Educação estabelece um

pensamento pedagógico ao próprio sujeito, ou seja, o aluno.

Nesse sentido, é no contexto de influência “que os conceitos adquirem legitimidade e

formam um discurso de base para a política” (BALL, 1992). Percebemos uma preocupação do

prefeito com os dados qualitativos da educação, sendo que estes resultados contribuem para

os argumentos em torno do discurso político que reforça a legitimidade de sua ação frente à

responsabilidade para com as políticas públicas em educação, portanto, o argumento de

resultado quantitativo é fortemente reforçado no discurso político.

O segundo tópico destacou sobre a realidade observada com relação ao sistema

apostilado quando os gestores adentraram a administração municipal. Com relação à

Secretária de Educação, a mesma enfatizou tal sistema como “uma via contramão ao

direcionamento do Ministério da Educação que por sua vez disponibiliza gratuitamente ao

país, livros didáticos de boa qualidade, priorizando inclusive a oportunidade de cada unidade

escolar fazer em tempo hábil a escolha de sua preferência sobre os respectivos livros.” Mais

adiante, ainda destaca que

nas constantes reuniões com a equipe de trabalho, o assunto sistema apostilado era indicativo de pauta em função de diversas situações pertinentes aos resultados do processo de ensino-aprendizagem que muitas vezes não condiziam com a suposta ‘fama de eficiência’ que se preconizava através da apostila, já que não era possível perceber tal influência nem nos resultados da provinha Brasil (grifo nosso).

O Prefeito Municipal enfaticamente destacou que “o que nós temos que ter o cuidado

é de não fornecer as nossas crianças, aos nossos estudantes como um todo ‘enlatados’, porque

não dá para você encaixotar um conhecimento e entregar para todos de forma igualitária”

(grifo nosso). Ainda destacou que “hoje, os municípios cobrirem essas despesas, realmente

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estão desperdiçando recurso público quando estão dando a apostila.” Por fim, ainda a

Secretária de Educação encerra sua resposta, destacando que

O questionamento sobre o material apostilado era uma realidade merecedora de maior atenção e discussões sobre a possibilidade de se continuar ou não com as apostilas, porque eram um motivo de grande preocupação para a equipe da Secretaria de Educação e de um significativo número de docentes que também não aprovavam a adoção do referido sistema.

A partir de informações disponibilizadas formalmente pela Secretaria de Educação

do município de Sorriso/MT, no ano de 2009, mais precisamente no segundo semestre, foram

realizadas reuniões com os professores da educação infantil e do 1º ao 5º ano que decidiram

pela retirada da apostila, devido às insatisfações com relação ao material, uma vez que

limitava as possibilidades mais otimistas de desenvolvimento do processo de ensino

aprendizagem, como, ainda, favorecendo o afastamento dos verdadeiros propósitos da

alfabetização. Ainda, durante as discussões, pontuou-se, também o fato de que geralmente a

rede particular de ensino adota o sistema apostilado e que publicamente teoriza-se uma

sobreposição da qualidade sobre outras formas de ensino, mas, concomitantemente a esta

discussão destacou-se os números gerais do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica, que contradizem a teoria de que a apostila é o melhor recurso a ser utilizado na

construção do processo de aprendizagem dos alunos da rede municipal.

Com relação aos professores do 6º ao 9º ano, a discussão foi diferente, segundo a

equipe pedagógica da secretaria de educação, ou seja, os mesmos enfatizaram a importância

da apostila e os educadores, em sua maioria, decidiram pela continuidade do sistema.

Constam, nesse sentido, na secretaria de educação as atas de realização das reuniões com os

professores, com registros das falas e manifestações dos mesmos, quanto à retirada nos anos

iniciais e permanência nos anos finais, das apostilas.

Assim, primeiramente ao destacarmos o posicionamento da secretária, algumas

ideias são pertinentes de discussão, uma vez que fica bem claro o seu posicionamento

profissional, contrário ao sistema apostilado, porém, em caráter democrático, a secretária

delegou aos professores a decisão pela continuidade ou não do sistema apostilado, sendo que

da educação infantil e do 1º ao 5º ano houve a decisão pelo encerramento do mesmo e do 6º

ao 9º ano, a sua continuidade.

Pois bem, através dos apontamentos dos gestores públicos, é possível perceber a

preocupação de ambos quanto aos recursos públicos aos quais estão sendo gastos, ou seja, a

secretária ainda aponta o sistema apostilado como “uma via de mão dupla” ao Programa

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Nacional do Livro Didático do Ministério da Educação - PNLD, enquanto o prefeito

reconhece que os municípios “estão desperdiçando recurso público, quando estão dando as

apostilas”.

Porém, ainda é importante enfatizar, o que conforme já se destacou anteriormente, ou

seja, que a herança advinda da administração anterior permitiu aos professores,

principalmente, do 6º ao 9º ano, uma formação de opinião positiva com relação ao sistema o

que vem favorecendo a continuidade do mesmo. Por isso, a própria secretaria de educação

entende que o processo de mudança requer tempo e o próprio reconhecimento dos professores

que a “fama de eficiência” a qual, ainda se preconiza, não tem, no caso de Sorriso/MT,

trazido, conforme a gestora, grandes resultados à educação. Nesse sentido e conforme

Fernandes (2007):

É necessário lembrar que educação escolar, currículo, prática pedagógica, não se fazem num passe de mágica. Política educacional não se efetiva de uma hora para outra. Ela precisa de tempo para ser concretizada. Não se faz no discurso, precisa de um processo de prática coletiva dos agentes envolvidos, principalmente o das escolas (FERNANDES, 2007: 144).

Pertinente também se faz a opinião do prefeito, quando enfatiza sobre o sistema

apostilado, como um material “enlatado”, ou seja, de forma a “encaixotar um conhecimento e

entregar para todos de forma igualitária.” Esta ideia, portanto, preconiza a preocupação e o

próprio entendimento do gestor com relação ao material. Porém, houve em todo esse

processo, o entendimento da escolha dos professores do 6º ao 9º ano, quanto à continuidade

do mesmo. Diante disso:

Os melhores exemplos de incursão dos procedimentos de controle técnico são encontrados no crescimento excepcionalmente rápido do uso de ‘pacotes’ de material curricular. (...). O material especifica todos os objetivos. Ele inclui tudo que o professor ‘precisa’ para ensinar, tem os passos pedagógicos que o professor deve tomar para alcançar esses objetivos já embutidos, bem como os mecanismos de avaliação. Ele não apenas pré-especifica quase tudo o que um professor precisa saber, dizer e fazer, mas em geral fornece um esboço de quais seriam as respostas apropriadas dos alunos a esses elementos. (APPLE 1989: 59).

Ainda com relação à continuidade do sistema apostilado do 6º ao 9º ano, o prefeito

destacou sua opinião, enfatizando que “do 6º ao 9º ano nós estamos mantendo, mas, eu, ainda

tenho algumas restrições quanto aos resultados e tem outras ferramentas hoje. Pessoalmente,

eu seria contra.” Com relação aos apontamentos da Secretária de Educação, destaca-se “a

continuidade do 6º ao 9º ano é porque o grupo docente desta modalidade educacional

manifestou grande interesse em permanecer com o material, assim, resistindo imperiosamente

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à troca deste para os livros didáticos do Ministério da Educação.” Ainda, enfatiza que a

permanência do sistema apostilado depende “de alterações, caso não se atinja as metas

previstas para o próximo IDEB”.

Primeiramente, conforme a percepção das opiniões dos gestores, os mesmos não

divergem com relação ao sistema apostilado, ou seja, de que se mantém contra o mesmo,

porém, também, novamente, principalmente a secretária, destaca o processo democrático que

permitiu aos professores decidirem sobre a Política de Currículo no município de Sorriso/MT,

inclusive, destacando a resistência dos professores, com relação à proposta de mudança. O

que se evidencia, nessas opiniões, diz respeito à preocupação dos gestores com relação aos

resultados qualitativos em educação, ou seja, o Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica – IDEB19.

Com relação a essa preocupação dos gestores, acham-se pertinentes algumas

considerações acerca da performatividade, ou seja, “uma tecnologia, uma cultura e um

método de regulamentação que emprega julgamentos, comparações, demonstrações como

meio de controle, atrito e mudança.” Portanto, performatividade é o que se chama de “os

terrores de desempenho e eficiência; o que significa: seja operacional (ou seja, comensurável)

ou desapareça.” (LYOTARD, 1984: 24 apud BALL, 2003: 544).

O que se percebe é que os municípios, cada vez mais, se veem diante do

compromisso de apresentar bons resultados qualitativos que de fato, provem sua eficiência

com relação ao conhecimento dos alunos. Portanto, a principal preocupação quando da fala

dos gestores, é que o valor do conhecimento é deflagrado em números e estes enquanto parte

integrante do que propriamente vem representando a educação, ou seja, uma mercadoria de

valor.

Há um fluxo de novas necessidades, expectativas e indicadores que nos obriga a prestar contas continuamente e a ser constantemente avaliados. Tornamo-nos ontologicamente inseguros: sem saber se estamos fazendo o suficiente, fazendo a coisa certa, fazendo tanto quanto os outros, fazendo tão bem quanto os outros, numa busca constante de aperfeiçoamento, de ser melhor, de ser excelente, de uma outra maneira de tornar-se ou de esforçar-se para ser o melhor – a infindável procura da perfeição (BALL 2003: 549).

Diante disso, é importante a reflexão de que muitas vezes as exigências de tais

sistemas geram práticas inúteis ou até mesmo danosas que, no entanto, satisfazem os

requisitos de desempenho. No âmbito de uma matriz de avaliações, comparações e incentivos

19 Portaria INEP/MEC nº 149 de 16 de junho de 2011 que dispõe sobre a realização da Avaliação Nacional do Rendimento Escolar – ANRESC (Prova Brasil) e da Avaliação Nacional da Educação Básica – ANEB, no ano de 2011.

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relacionados com o desempenho, os indivíduos e as organizações farão o que for necessário

para se distinguir e sobreviver.

A decisão de política curricular, através de um sistema apostilado no município de

Sorriso/MT, evidencia a busca desta eficiência até anteriormente citada pela própria gestora,

como um processo que buscou desde a sua implementação, no ano de 2006, a melhoria dos

índices qualitativos em educação, talvez, não levando em consideração a identidade curricular

dos professores e propriamente a construção de um conhecimento dos alunos. Com isso,

adentramos ao último tópico da entrevista, em que os gestores evidenciam se há relação do

sistema apostilado com os resultados do IDEB, no município de Sorriso. O prefeito,

primeiramente aponta que os resultados não advêm do sistema apostilado e, sim, que “a

melhoria do IDEB se deve a tudo; quando você melhora o ambiente da escola e da sala de

aula e os próprios recursos tecnológicos20. Também as palestras, seminários, enfim, você

começa a oferecer ferramentas tanto para o professor, como para o aluno”.

Também reflete sobre as preocupações com relação ao IDEB propriamente, no que

diz respeito às notas alcançadas pelas escolas, nos últimos anos, ou seja:

O IDEB é a minha preocupação que não seja um processo maquiado, que seja um processo livre, que meça o desenvolvimento da educação. Para isso, é necessário olhar para aquela escola e ver porque ela cresceu tanto e a outra porque caiu. Quer dizer, tem um desempenho muito baixo e porque caiu, onde está o problema. Então, essas são ferramentas muitas que vão nos dar a oportunidade porque umas estão crescendo e outras estão crescendo menos e aí trabalhar com essas ferramentas.

Com relação à secretária, de forma sucinta, porém, reflexiva, evidencia que:

A relação do IDEB com o sistema apostilado reside no fato de que como o município ainda continua trabalhando com apostilas do 6º ao 9º ano, espera-se dessa forma que se possa atender às expectativas implícitas nas provas do IDEB considerando que esta é uma relação “conjugal”. Pois, caso não haja os resultados previstos nos Planos de Desenvolvimento da Educação – PDEs escolares, poderemos dizer que ao sistema apostilado ainda existente cabe novamente questionamento e avaliação.

A percepção diante de tais posicionamentos, entendemos, como divergentes, ou seja,

o prefeito entende que ao sistema apostilado não cabe a função da melhoria dos resultados do

IDEB, mas, sim, a constante formação do professor e as melhorias realizadas na escola, tanto

pela formação do aluno, como a estrutura física; porém, ainda destaca que é necessário um

20 No ano de 2010, conforme dados do departamento de compras da prefeitura municipal de Sorriso - MT, foram adquiridos 50 climatizadores para as salas de aula que possuíam ventiladores e houve adesão, no primeiro semestre de 2011 ao PROUCA – Programa um computador por aluno do governo federal, através da aquisição de 1300 laptops (até o presente momento, o respectivo projeto aguarda a votação e parecer favorável da Câmara de Vereadores sobre o número de parcelas de pagamento dos laptops.)

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estudo sobre as diferenças do índice nas escolas do município e as causas que vêm

possibilitando bons e maus resultados. Quanto à secretária, a reflexão estabelecida possibilita

compreender que há um intenso senso de compromisso com a responsabilidade na gestão dos

recursos públicos, ou seja, deflagra que mediante um resultado não satisfatório com relação ao

IDEB, deverá ser encaminhado um processo de questionamento, avaliação e possível decisão

sobre a retirada do sistema apostilado nos anos finais do ensino fundamental.

Com isso há, por parte dos gestores entrevistados, no que diz respeito às opiniões

evidenciadas, um intenso compromisso com os resultados que a educação pode trazer à

sociedade, mediante a participação do professor e a formação do aluno. Percebemos que os

gestores públicos evidenciam no decorrer da entrevista a sua contrariedade frente ao sistema

apostilado e os propósitos aos quais determinam que a decisão sobre a política de currículo do

município de Sorriso depende exclusivamente, dos professores.

2.6 A Política de Currículo Apostilado é Apresentada aos Professores

A prescrição curricular que o nível político administrativo determina tem impacto

importante para estabelecer e definir as grandes opções pedagógicas, como também regula o

campo de ação e tem como consequência o plano de um esquema de socialização profissional

através da criação de mecanismos de alcance prolongado, mas é pouco operativa para orientar

a prática concreta e cotidiana dos professores. A determinação da ação pedagógica nas escolas

e nas aulas está em outro nível de decisões pela qual, na maioria das vezes, não pertence aos

professores. Quando se responsabiliza a administração, num sistema de intervenção como o

nosso, de defeitos detectados na prática do ensino, como é o caso, por exemplo, da sobrecarga

de programas, está se esquecendo desses outros níveis de determinação nos quais o currículo

se fixa e ganha significação para os professores.

O professor como veremos mais adiante tem, de fato, importantes margens de

autonomia na modelação do que será o currículo na realidade, portanto, é preciso estimular

essas margens de liberdade. A discussão em torno da emancipação profissional topa com uma

realidade com a qual se confronta para que esse discurso liberador tenha alguma possibilidade

de progredir. Nesse sentido, o professor pode utilizar quantos recursos sentir necessários para

auxiliá-lo, mas a dependência dos meios estruturadores da prática é um motivo de

desqualificação técnica em sua atuação profissional. À medida que use materiais que

estruturem conteúdos e atividades, sequenciem e aceitem objetivos definidos, seu papel se

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reduzirá a facilitar esse currículo estruturado mais do que buscar outras alternativas possíveis

ou mesmo satisfazer às necessidades de seus alunos.

A prática libertadora significa, acima de tudo, a possibilidade de escolha, quando se

trata de um projeto curricular, levando em consideração a reflexão, a legitimidade do discurso

enquanto prática emancipadora do currículo e a realidade da qual faz parte o contexto escolar.

O currículo apresentado aos professores, entendemos, deve respeitar os propósitos do ensino e

a contribuição epistemológica do próprio educador.

No caso de Sorriso/MT, a política de currículo apostilado apresentado aos

professores encontra-se nos registros documentais da secretaria de educação, através de uma

ata de reunião realizada em meados de outubro de 2005. A respectiva ata traz importantes

reflexões as quais intencionamos estabelecer através de uma análise sobre o contexto no qual

o respectivo currículo prescrito foi apresentado. Primeiramente, é preciso que se diga,

novamente, sobre a decisão curricular, ou seja, esta ao ser levada para os professores já estava

legitimada em nível político administrativo. Portanto, a respectiva reunião caracterizou-se

como um encontro a fim de apresentar o sistema de ensino que, a partir daquele momento,

seria o detentor do currículo na rede municipal de ensino, cabendo, também pelo que nos

parece, à rede municipal de ensino cumprir com o currículo estabelecido. Diante disso, se

legitimava a partir daquele momento, o currículo prescrito para os professores.

Reuniram-se nas dependências da Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt os professores da rede municipal de ensino, diretores dos departamentos da Secretaria de Educação e os representantes do grupo Positivo. A Secretária de Educação iniciou a reunião às dezenove horas e quarenta minutos agradecendo a presença de todos os professores, o trabalho desenvolvido por eles em suas unidades escolares, colocou ainda da importância da educação para cada educador. Na sequência fez uso da palavra o representante do grupo Positivo. Este colocou sobre os quatro pilares do Positivo, sendo Saber, Ética, Trabalho e Progresso, sendo que esses quatro pilares, o mesmo acredita, que norteia toda e qualquer instituição. Posteriormente, ao falar do sistema apostilado, o mesmo propôs ao aluno da escola pública, a mesma espécie de material e tecnologia que as empresas particulares; apresentou a editora, os professores que elaboram o material da SABE – Sistema de Ensino Aprende Brasil, enfim, toda a história do grupo Positivo desde mil novecentos e setenta e dois com o cursinho pré-vestibular até o ano de dois mil e quatro com a elaboração do material Sistema de Ensino Aprende Brasil, inclusive a presença do grupo em mil e cento e oitenta e três municípios, duas mil quinhentas e cinquenta e sete escolas conveniadas; quinhentos e cinquenta e sete mil e seiscentos e trinta e seis alunos atendidos e, finalmente, setenta mil professores no Brasil, Japão e Estados Unidos. Em seguida, foi apresentado um vídeo mostrando as atividades do Positivo no Brasil e no mundo. Após foi explicado como será o assessoramento técnico, administrativo e pedagógico, ou seja, serão utilizados quatro livros didáticos por ano contemplando todas as disciplinas e conteúdos da série; além do portal na internet, interligados com cada unidade a ser trabalhada. O grupo Positivo estará enviando, ou seja, agendando para cada disciplina as reuniões de estudo, além de plantões diários e permanentes para qualquer dúvida do educador. Lembrou ainda que as linhas metodológicas e pedagógicas são únicas, todas respeitando a LDB – Lei de

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Diretrizes e Bases; PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais e RCN – Referencial Curricular Nacional e garantindo rigor conceitual, linguagem adequada ao aluno. Foi apresentado o livro didático do professor que é igual ao do aluno, acrescido de orientações e comandos para cada atividade do aluno, onde o professor é realmente o mediador, levando o aluno ao desenvolvimento crítico e pesquisador. Em seguida, fez uso da palavra outro representante do grupo Positivo que apresentou o portal da internet Aprende Brasil que, no caso do município, será Aprende Sorriso. Explicando que a estrutura do portal terá: agenda, webmail, artigos, orientações gerais aos educadores em diversas disciplinas, além de biblioteca virtual. Tem ainda, para a sala de aula, encaminhamento metodológico, glossário pedagógico, intranet, núcleo de conteúdo, espaço de criação, canais de comunicação, rede de ideias, centro de atualizações, caixa de ferramentas, central de jogos, legislação e outros diferenciais. Também terá a página personalizada, sendo que cada aluno é identificado pela sua senha e toda a informação que acessar, esta será de acordo com a sua faixa etária. Na sequência, foi apresentado um novo vídeo com depoimentos de municípios e escolas que já adotam o material. Em seguida, foi aberto para perguntas, que se nortearam sobre aspectos pedagógicos do material e todas as questões foram, segundo os presentes, respondidas a contento. Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião às vinte e uma horas e dez minutos (Ata da reunião, em 31/10/2005) (grifo nosso).

Ao adentrarmos os pressupostos curriculares e norteadores da prática pedagógica em

sala de aula, queremos destacar, primeiramente, o envolvimento dos professores na decisão

curricular sobre a política de currículo apostilado na rede municipal de ensino de Sorriso/MT,

quando das discussões no ano de 2005 e, sobre a opinião dos mesmos, também evidenciada,

quando de sua continuidade, no ano de 2009. Posteriormente, adentramos as análises do

material das apostilas, nas diferentes áreas do conhecimento, a fim de obtermos maiores

informações sobre de que forma são norteadas a prática e o que propriamente esse material

evidencia em termos de conteúdos, metodologia e avaliação da aprendizagem.

Com relação ao envolvimento dos professores, tanto no processo de decisão

curricular (2005) e, continuidade do currículo apostilado do 6º ao 9º ano (2009), estaremos

recorrendo, novamente, aos documentos arquivados na secretaria de educação. Já, com

relação às apostilas, as análises as quais serão apresentadas, dizem respeito às áreas de língua

portuguesa, matemática, ciências, história, geografia, artes e língua inglesa. Para isso, a

secretaria de educação nos forneceu um exemplar de cada apostila, do 6º ao 9º ano,

denominado como “Livro da Coordenação – 1º ao 4º volume”. Em virtude de que todos os

exemplares apresentam a mesma organização, decidimos por considerar as respectivas

apostilas em anos alternados, ou seja, na língua portuguesa e matemática (6º ano), ciências e

história (7º ano), geografia e artes (8º ano) e língua inglesa (9º ano).

Esse “Livro da Coordenação” é, na verdade, o Livro do Professor distribuído

bimestralmente do 1º ao 4º volume onde estão os conteúdos, a metodologia e a avaliação que

deverá ser seguida pelos professores. Sendo assim, as apostilas trazem a seguinte organização:

“apresentação”; “projeto pedagógico (concepção de ensino, organização didática,

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conhecimentos privilegiados)” e “avaliação”. Posteriormente, ainda traz a “programação

anual”, dispondo todos os conteúdos que serão trabalhados durante o respectivo período

letivo. Em seguida, estão disponibilizadas as Orientações Metodológicas, dispondo sobre os

conteúdos a serem estudados pelos alunos. As análises a seguir foram realizadas a partir dos

tópicos que compreendem no projeto pedagógico (a organização escolar através dos

conteúdos a serem estudados); a avaliação e as orientações metodológicas. A escolha dos

respectivos tópicos é devido à entrevista narrativa com os professores abordarem justamente a

questão de conteúdos, metodologia e avaliação no contexto da prática.

2.7 Os Livros da Coordenação: como as Apostilas estão Constituídas Tecnicamente e

Pedagogicamente

Como anteriormente já mencionamos, as apostilas denominadas de “Livro da

Coordenação” são distribuídas anualmente aos professores, através do 1° ao 4° volume, do 6°

ao 9° ano, nas áreas do conhecimento que abrangem a língua portuguesa, matemática,

ciências, história, geografia, língua inglesa e artes. Na área de educação física, apresenta um

único volume com sugestões de atividades a serem desenvolvidas com os alunos.

A estrutura de todos os volumes está organizada através da apresentação, o projeto

pedagógico refletindo sobre a concepção de ensino, em cada área do conhecimento, a

organização didática, os principais conhecimentos aos quais devem ser privilegiados em cada

área do conhecimento e concepções sobre a Avaliação, além da programação anual com a

disposição de todos os conteúdos que serão desenvolvidos. Para finalizar, as referências

apresentam os principais autores que servem de subsídio à construção das concepções para

àquela área do conhecimento e, comum a todas as áreas aparece os Parâmetros Curriculares

Nacionais – PCNs enquanto recurso para a elaboração das apostilas.

Na Apresentação, as apostilas destacam a importância do conhecimento para a

sociedade e as modificações da economia mundial que traz reflexos nas formas de trabalhar e

nos eixos fundamentais que organizam as culturas. Reforça ainda de que o Livro Integrado do

Sistema de Ensino Aprende Brasil, na sua construção metodológica, assegura relações com os

saberes e a cultura e, para isso, desenvolve propostas de trabalho para o aluno e para o

professor. Nessas propostas de trabalho o objetivo fundamental é propiciar a compreensão de

conceitos, os processos e as técnicas operatórias a serem dinamizadas no interior da ação

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pedagógica, desenvolvida em cada unidade de trabalho, ou seja, nos conteúdos já

disponibilizados aos professores, divididos em bimestres.

Com relação ao Projeto Pedagógico, o Sistema Aprende Brasil através do Livro

Integrado a intenção é apresentar ideias presentes quando da produção do material, mantendo

um diálogo com o professor cuja finalidade é explicar as escolhas feitas pelo sistema e

encaminhadas ao professor, desde os entendimentos sobre as áreas do conhecimento,

portanto, o objetivo é fazer com que a aprendizagem dos alunos leve em consideração os

princípios de coerência e qualidade, através dos conteúdos definidos. Posteriormente traz

subseções destacando a concepção de ensino em cada disciplina, o papel do professor e do

aluno e o que foi privilegiado na produção do material do Livro Integrado. Na questão de

concepção de ensino destaca sobre as competências que os alunos deverão obter ao final do

estudo do livro, ou seja, principalmente que os mesmos comuniquem e argumentem suas

ideias com clareza a partir de todas as aprendizagens adquiridas durante os estudos das

unidades.

Quanto ao papel do professor o Sistema reconhece o papel decisivo deste no

processo de aprendizagem, pois tem de se preocupar tanto com a aprendizagem dos conteúdos

quanto com o desenvolvimento da capacidade geral de aprender. O papel do professor,

portanto, é se capaz de equilibrar momentos de ação com momento de reflexão, ajudando os

alunos a construírem os conceitos das disciplinas. Aparece, nesse sentido a reflexão constante

do professor em sala de aula, desde o início da aula a fim de motivar e envolver os alunos

para a realização das atividades da apostila. Possui destaque o apoio do professor, a

intervenção, as orientações, sugestões, além de verificar as dificuldades que os mesmos estão

tendo nas unidades a fim de auxiliá-los.

Com relação ao que foi privilegiado na elaboração do material diz respeito, ou seja,

prevaleceram à investigação e o desenvolvimento de habilidades a fim de resolver as

atividades propostas para que os alunos obtenham as competências. O Sistema considera que

os exercícios disponibilizados nas unidades oportunizam aos alunos adquirir conhecimento

além de enriquecer o processo de investigação dos mesmos, através do Portal Aprende

Brasil.21

A organização didática das apostilas apresenta a metodologia a qual o professor

deverá utilizar em sala de aula, ou seja, durante a aula, cada unidade apresenta o “Tempo de

21 O Portal Aprende Brasil é um site educacional desenvolvido pelo próprio grupo Positivo e disponibilizado aos professores e alunos para fins de pesquisa e interatividade, através do “tira dúvidas” com professores do próprio Sistema que “on-line” responde aos alunos. www.aprende.brasil.com.br

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ouvir, falar e registrar” (conversa inicial com os alunos para a introdução do assunto;

“Aplicando conhecimentos” (espaço para a sistematização dos conteúdos trabalhados, com

atividades de raciocínio para os alunos utilizarem); “Espaço aberto” (jogos, brincadeiras e

construção de instrumentos matemáticos); “Na trilha da história” (seção em que os alunos

podem resgatar a história das mais variadas ciências, valorizando os conhecimentos do

passado e confrontando-os com os do presente; “Desfaça o nó” (atividades desafiadoras que

estimulam o raciocínio, através da utilização da calculadora e registros que devem ser

realizados no caderno) e, ao final, estão disponibilizadas mais atividades que retomam os

conteúdos.

No que diz respeito à Avaliação, o Sistema a entende como um meio de

aprendizagem que tem como função auxiliar alunos e professores a identificarem como está

ocorrendo a aprendizagem. Portanto, podem incluir testes orais e escritos (em dupla ou

individual), atividades utilizando a informática, provas, trabalhos escritos, pesquisas e

autoavaliação. O Sistema considera que a utilização de suas formas inovadoras de avaliação

auxilia os alunos quanto ao desenvolvimento de suas capacidades e competências na

aquisição de conhecimentos e permite ao professor identificar se os objetivos propostos foram

atingidos.

Ainda, merece destaque a capa das apostilas, ou seja, as mesmas podem ser

personalizadas pelos municípios anualmente ou bimestralmente, dependendo do interesse do

Sistema Público Municipal de Ensino. O município de Sorriso – MT personalizou as capas

nos anos de 2007, 2008 e 2009. Com a vinda do Sistema Maxi de Ensino esse processo

continuou pelos anos de 2010, 2011 e 2012. A personalização da capa das apostilas faz parte

do contrato estabelecido com os Sistemas Privados de Ensino, lembrando que, sem nenhum

custo a mais por isso.

Quanto à impressão e acabamentos das apostilas, o grupo Positivo possui a Gráfica

Posigraf22 responsável também pelo despacho das apostilas que saíam de Curitiba – PR por

meio de uma transportadora e chegavam diretamente nas escolas municipais, geralmente com

10 (dez) dias anteriormente ao término do bimestre. As escolas municipais, imediatamente no

primeiro dia do início do bimestre distribuíam as apostilas aos alunos. Os professores

recebiam as mesmas anteriormente a fim de obter informações com relação aos conteúdos aos

quais seriam desenvolvidos naquele bimestre. Caso algum professor não tivesse terminado a

22 É considerada a maior gráfica do Brasil e uma das maiores da América Latina. Seu Portfólio de serviços compreende a impressão de apostilas, livros, revistas, bem como tablóides e materiais promocionais. Têm filiais e representações em todo o Brasil, MERCOSUL e Estados Unidos. A Posigraf conta com mais de mil funcionários. www.posigraf.com.br

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apostila anterior, a escola combinava com ele em relação aos dias que precisaria para dar

início à apostila do novo bimestre ao mesmo tempo em que os pais eram comunicados a fim

de que não houvesse cobranças de que os professores não haviam começado o novo volume.

Com relação aos autores, para cada área do conhecimento são apresentados um ou

mais profissionais cuja responsabilidade é tanto para a produção das apostilas dos professores,

como dos alunos.

A seguir, na Tabela I está especificada a titulação de alguns autores responsáveis

cada qual pela sua área do conhecimento, na construção das propostas de metodologia,

conteúdo e avaliação das apostilas. Com relação à titulação, alguns professores são

especialistas e, outros, possuem a titulação de mestrado. Porém, o que nos chama a atenção é

de que àqueles que possuem a titulação de mestrado, destacam em seu currículo uma relação

estreita com o Ministério da Educação, no que diz respeito até a aprovação de material

didático pelo Ministério da Educação - MEC, através do PNLD. Portanto, o que nos mostra de

interessante é que o Sistema Privado de Ensino utiliza de profissionais com uma visão voltada

ao Sistema Público Municipal de Ensino, aonde os mesmos possuem material produzido e

publicado pelo Ministério da Educação, possibilitando assim aos municípios a certeza de que

esses autores têm conhecimento sobre a escola pública.

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Quadro 1 - Relação dos Autores das Apostilas do Sistema de Ensino Aprende Brasil

Língua

Portuguesa

(6° ano)

Tânia Maria Barroso Ruiz

Professora de ensino superior nas áreas de Língua Portuguesa e Produção Textual. Iniciando os estudos para o doutorado em Lingüística Aplicada. Mestre em Letras na área de Lingüística de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Educação Profissional e Andragogia. Graduação em Letras, Língua Portuguesa e Literatura brasileira e portuguesa pela Universidade Federal do Paraná. Empresária na área editorial com atuação em consultoria, revisora técnica e de textos, coordenadora pedagógica e editorial. Obras editadas e reconhecidas pelo MEC nas áreas de metodologia de ensino e educação profissional. Autora de material didático de Língua Portuguesa e editora de livros de literatura.

http://lattes.cnpq.br/1851924445548602

Matemática

(6° ano) Anvimar Galvão Gasparello

Possui graduação em Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal do Paraná e Especialização em Metodologia do Ensino Fundamental pelo Centro de Estudos Superiores Positivo. Atualmente é Assessora da área de Matemática da Editora Positivo do Ensino Fundamental e Médio e autora de livros didáticos do Ensino Fundamental.

http://lattes.cnpq.br/2886594890837083

Ciências

(7° ano) Célia Santina Bordini

Possui mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (2009). Atualmente é profissional do magistério da Prefeitura Municipal de Curitiba. REM experiência na área de Educação, com ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos e metodologia para a educação em ciências, didática, projetos interdisciplinares e estágio supervisionado, educação para a sexualidade, livro didático e escola. Autora de materiais didáticos de Ciências aprovados pelo PNLD.

http://lattes.cnpq.br/7271304321248178

História

(7° ano) Cibele de Cássia Xavier

Nenhum resultado foi encontrado Nenhum resultado foi encontrado

Artes

(8° ano) Maristher Motta Bello

Possui graduação em Educação Artística pela Faculdade de Artes do Paraná (1988), especialização em Metodologia do Ensino Superior pelo Centro Universitário Positivo (1997) e especialização em MBA Instituições de Ensino pelo Centro Universitário Positivo (2005). Atualmente é Assessora de Arte da GRÁFICA E EDITORA POSIGRAF e Autora da GRÁFICA E EDITORA POSIGRAF. Tem experiência na área de Artes.

http://lattes.cnpq.br/0783586287886576

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Geografia

(8° ano) Berenice Bley Ribeiro Bonfin

Nenhum resultado foi encontrado Nenhum resultado foi encontrado

Língua Inglesa

(9° ano) Paulo Roberto Pellissari

Possui mestrado em Teoria Literária pelo Centro Universitário Campos de Andrade, com especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Positivo e graduação em Letras pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG. Atualmente é professor titular de Literatura Inglesa e norteamericana do curso da Faculdade de Ciências e Letras (FACEL), da Universidade Tuiuti do Paraná (TUIUTI) e professor da Universidade Positivo (atualmente, em licença para estudos acadêmicos). Exerce também a função de Supervisor Pedagógico Pré-vendas de Livros Escolares e Sistema de Ensino da Editora Positivo. (...)

http://lattes.cnpq.br/3602125673784279

Educação Física

(6° ao 9° ano) Ana Paula Zunino

Nenhum resultado foi encontrado Nenhum resultado foi encontrado

Fonte: http://lattes.cnpq.br/

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CAPÍTULO III - DA REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR

O CURRÍCULO PRATICADO OU REINVENTADO

3.1 As Vozes dos Professores no Contexto da Prática

As vozes dos professores foram de extrema importância para a pesquisa, uma vez

que evidenciam o Contexto da Prática, sendo esta constituída por possibilidades de como os

professores farão diferentes utilizações do texto político. O Contexto da Prática é o lugar onde

a política se insere e para onde ela é endereçada. Através desses textos políticos, diferentes

leituras são realizadas e as ações cotidianas dos professores serão sempre associadas às suas

possibilidades reais de atuação.

Os autores como Ball e Bowe (1992), consideram que os textos políticos que chegam

às escolas precisam urgentemente ser dialogados efetivamente com o Contexto da Prática, ou

seja, é necessário e se faz considerar os saberes construídos e trabalhados que se apresentam

na prática pedagógica dos professores.

Os profissionais que atuam nas escolas, de acordo com Ball & Bowe (1992), não são

totalmente excluídos dos processos de formulação ou implementação de políticas e usam de

dois estilos para distinguir em que medida os profissionais que atuam na escola são

envolvidos nas políticas. Portanto, um texto pode ser “prescritivo” ou “escrevível”. Enquanto

prescritivo, limita o envolvimento do leitor, ao passo que um texto escrevível convida o leitor

a ser coautor do texto encorajando-o a participar mais ativamente na interpretação do texto.

Um texto prescritivo limita a produção de sentidos pelo leitor que assume o papel de um

“consumidor inerte” (HAWKES, 1977: 114 apud BALL & BOWE, 1992). Em contraste, um

texto escrevível envolve o leitor como coprodutor, como um intérprete criativo. O leitor é

convidado a preencher as lacunas do texto. Para Ball e Bowe (1992), “é vital reconhecer estes

dois estilos de textos que são produto do processo de formulação da política, um processo que

se dá em contínuas relações com uma variedade de contextos.”

Consequentemente, os textos têm uma clara ligação com contextos particulares nos

quais foram elaborados e usados. Prescritivo e escrevível podem aparecer de diferentes

formas. Um exemplo disso é a possibilidade do uso dos dois estilos num mesmo texto, pela

combinação de partes mais prescritivas e partes mais abertas.

Por isso, os autores insistem que o foco de análise de políticas deveria incidir sobre a

formação do discurso da política sobre a interpretação ativa que os profissionais que atuam no

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Contexto da Prática fazem para relacionar os textos da política à prática. Isso envolve

identificar processos de resistência, acomodações, subterfúgios e conformismo dentro e entre

as arenas da prática e o delineamento de conflitos e disparidades entre os discursos nessas

arenas.

As narrativas dos professores, descritas e analisadas nesse capítulo, tem por objetivo

considerar o Contexto da Prática como um espaço ativo da interpretação e reinterpretação do

sistema apostilado no município de Sorriso – MT. No decorrer do Contexto de Produção do

Texto, pudemos perceber os professores como os últimos em todo o processo de discussão de

implementação, que realmente foram comunicados sobre a decisão de adoção de um Sistema

Privado de Ensino pelo Sistema Público de Ensino.

Assim, logicamente com o currículo apostilado já consumado no município de

Sorriso, inclusive apresentando o grupo Positivo como a empresa que forneceria em 2006 as

apostilas, o que queremos trazer através das narrativas, são as vozes dos professores que

àquele momento estiveram caladas e fora do processo de discussão. As narrativas podem nos

auxiliar na compreensão sobre o que pensam os professores atualmente com relação a todas as

questões que envolveram esse processo de adoção e, principalmente, resgatando um memorial

de experiências que não foram esquecidas no decorrer do tempo, mas sim, ao que nos parece,

inteiramente revividas, reinterpretadas e ressignificadas.

É importante lembrar que no decorrer das transcrições das narrativas, as análises

foram organizadas por eixos temáticos. Com relação ao primeiro eixo, destacamos como “O

currículo apresentado aos professores” (a receptividade do currículo apostilado e uma

descrição da apostila). O segundo eixo temático diz respeito a “O currículo prescrito vivido

pelos professores na prática” (uma percepção sobre a seleção de conteúdos, a metodologia

trazida como proposta de prática de aula e a avaliação, a partir das sugestões propostas na

apostila). O terceiro e último eixo temático discutiu “O currículo planejado e implementado

pelos professores” (a possibilidade de um currículo planejado e implementado pelo professor

em termos de conteúdos, metodologia e avaliação).

3.1.1 A Narrativa da Professora de História

A Secretaria de Educação, direcionada pela professora Marisa, resolveu implantar o sistema apostilado. Iniciaram-se as discussões com a comunidade, mas envolveu, principalmente a Associação de Pais e Mestres, porque a grande maioria dos professores, inclusive eu, se posicionavam contrários a implantação do método apostilado. Quando recebemos a apostila foi de curiosidade, nós não tínhamos ainda tido acesso

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a esse material. Fomos então averiguar o que continha no interior dessas apostilas e verificar se aquilo dali seria condizente com os nossos trabalhos. A descrição que eu faço da apostila é que ela era atrativa aos olhos dos alunos, pois continha diversos tipos de imagem bastante atualizados e deixava o aluno curioso com relação ao primeiro momento, a cada início de bimestre e eu atribuo essa curiosidade ao fato de que eles tinham visualidade da apostila bastante chamativa. Os conteúdos, em alguns pontos, eu discordava desses, porque o sistema apostilado acabava por direcionar os conteúdos e trazia uma visão aos alunos de que era normal essa exploração para com a classe trabalhadora. Na área de história, era considerada uma visão que tinha o intuito de fazer com que prevalecessem os valores da classe dominante sobre a classe dominada, e isso para nós que temos que ir em busca da defesa dos direitos do povo trabalhador era ruim, porque esses conteúdos em muitos aspectos terminavam por trazer a visão da classe dominante sobre a explorada e dominada e muitas vezes os valores da classe dominante em alguns conteúdos são sobrepostos aos da classe dominada. A classificação desses conteúdos na área de história, vamos dizer assim, eram bastante tendenciosos no sentido de dar uma visão aos alunos de que é normal a exploração da classe dominante sobre a classe dominada. Eu nem sempre seguia, ainda sobre o conteúdo, aquilo que estava determinado ali na apostila porque muitas vezes eu preferia utilizar um outro material com o intuito de poder proporcionar aos alunos o conhecimento de uma visão mais ampla que possibilitasse a ele fazer as comparações entre a sua realidade e a realidade de outros, entre a visão do dominado e a visão do dominador e quando isso ocorria o conteúdo da apostila, e mesmo a apostila era deixada de lado. A metodologia, em alguns momentos, terminava por dificultar o desenvolvimento das ações que possibilitariam ao aluno ser construtor de sua própria história. Isso se dá em função de que muitas vezes o conteúdo que ali é apresentado é descolado da realidade do aluno, do cotidiano da realidade escolar de nossos alunos daqui de Sorriso e isso termina por dificultar o desenvolvimento de ações e atividades junto aos educandos que pudessem fazer com que eles pudessem se tornar construtores do seu próprio conhecimento e agentes transformadores de sua realidade. Com relação à avaliação, o material apostilado orientava principalmente na apostila do professor como se proceder e quais os objetivos que seriam alcançados na avaliação. Porém, a gente nem sempre seguia o que está ali. Em muitas situações, procurávamos organizar atividades que podiam atender às necessidades dos nossos educandos, tendo em vista que a realidade deles não correspondia à realidade apresentada pelo material apostilado. A visão dos alunos sobre a apostila no que se refere à história em muitas situações terminavam por achar que ela era um tanto extensa no conteúdo e conteudista, o que terminava por cansá-los. E os conteúdos da forma como eram apresentados na área de história não eram atrativos aos nossos educandos e isso terminava por dificultar a aprendizagem desses educandos em alguns sentidos porque quando a história era trabalhada no sentido de reforçar o conteúdo, ou mesmo de fazer com que só tenha acesso aos fatos e não possibilite a eles condições de analisar e discutir, comparar, ter a visão da classe dominada e da classe dominante, eles terminavam por fazer apenas a mera reprodução do conhecimento e isso significa que eles aprendiam em história irá em muito pouco tempo ser esquecido, ou seja, não vai ser lembrado e não vai ter, vamos dizer assim, serventia (entre aspas) para a sua realidade, para que ele pudesse se tornar um agente construtor de sua própria história. Com relação ao acompanhamento dos pais, muitos pais acompanhavam o andamento das atividades da apostila. Infelizmente os nossos pais não tinham a preocupação de que deve estar acompanhando a aprendizagem dos seus filhos nas unidades escolares, mas quando nós professores decidimos que um conteúdo ou outro pode ser deixado de lado (entre aspas), imediatamente os pais procuram a unidade escolar para que sejam dadas explicações no sentido do porquê aquele conteúdo não foi trabalhado, porque não se venceu os conteúdos apresentados pela apostila e isso não é uma constante, mas volta e meia ocorre com relação à disciplina de história devido ao fato de termos um excesso de conteúdos no material apostilado que temos utilizado. O fato de podermos planejar um currículo sem o uso do material da apostila, isso é

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bastante fácil de responder, é óbvio que o professor tem condição de organizar um conteúdo porque tem profundo conhecimento da disciplina que ele desenvolve, tendo em vista que ele teve sua formação na universidade e ainda passa por momento de formação, denominada de formação continuada e isso lhe possibilita uma condição de ser o agente construtor do seu planejamento curricular. E este planejamento deveria ser um planejamento que atendesse à realidade dos alunos considerando as condições que a escola pode oferecer para desenvolver a aquisição do conhecimento e também é óbvio que os conteúdos a serem trabalhados nesse planejamento curricular deveriam ser selecionados sempre pensando que o aluno deve ter a condição de se tornar um agente construtor de sua própria história e isso se dá através da aquisição do conhecimento que a escola pode proporcionar a ele e a metodologia a ser utilizada deve ser aquela que lhe possibilite a aquisição do conhecimento no sentido de que ele próprio possa se tornar um agente ativo no processo de ensino aprendizagem. A avaliação nunca pode deixar de ser uma avaliação contínua no intuito de ser formativa no sentido de que ela não venha a punir o aluno, mas sim possibilitar a ele a condição de ser um agente crítico do mundo ao qual ele faz parte. A minha autoavaliação sobre o sistema apostilado é de que ele tem a sua, vamos dizer assim, a sua vantagem no sentido de que é possibilitado às crianças terem acesso fácil ao material com relação ao livro didático que uma vez ou outra pode vir a faltar na sala de aula. Porque os livros encaminhados pelo programa do governo federal são substituídos de 3 em 3 anos e então nesse processo ocorre que um aluno ou outro pode vir a ficar sem o uso do livro e o material apostilado facilita esse detalhe no caso deste município que acaba por adquirir as apostilas em quantidade suficiente para atender a todos os alunos. Porém, ocorre que as crianças como um todo terminam por serem obrigadas a terem acesso ao conteúdo que não lhes permite tornarem-se construtores do seu próprio conhecimento com a condição deles próprios poderem auxiliar o professor na construção de um currículo mais voltado a sua realidade e isso na minha concepção de professora de história com a função de fazer com que os alunos se tornem agentes transformadores da realidade da qual ele faz parte é um tanto complicado porque o material apostilado já traz uma visão onde a classe dominante está agindo de forma natural quando ela explora a classe trabalhadora e isso é fácil de se perceber na medida em que se trabalha os conteúdos apresentados pelo material apostilado na área de história e isso dificulta a perspectiva de termos a formação de um cidadão crítico e consciente com a condição de poder interferir na realidade da qual ele faz parte. Obrigada. As minhas considerações finais referem-se ao fato de que a adoção do material apostilado deveria ter sido amplamente discutido não só com as APMs, mas, sim com o maiores interessados que seriam os professores, pois são eles que estão no dia a dia nas salas de aula. São eles que estão trabalhando diretamente e cotidianamente com o material. Então, nada mais justo que o professor possa definir qual é o conteúdo a ser trabalhado com os seus alunos. É claro que isso, e não eles sozinhos, mas juntamente com a comunidade escolar como um todo. (novembro de 2011 – grifo nosso). 23Com relação à exemplificação de conteúdos, com relação ao que falei de que há uma ideia da classe dominante, sempre em vantagem sobre a classe dominada, me lembrando e com essa apostila (abriu a apostila na página 13, através da unidade 6 que trata sobre a política externa do segundo reinado) é que quando ele fala da Guerra do Paraguai, ele começa falando que foi uma guerra da Tríplice Aliança. Foi mesmo, só que simplesmente tem estudos que colocam que o Paraguai vinha com uma perspectiva econômica naquele momento de se tornar uma potência econômica na região da América do Sul. Eles já conseguiam produzir alguns produtos que então eram exclusivos da produção inglesa. O Paraguai, é importante que se diga, já estava se consolidando com pequenas indústrias, para, então, tornar-se, aos poucos, independente da economia inglesa que, naquele período, dominava toda a região da América do Sul e era ela quem fornecia todos os produtos para a América do Sul. O Paraguai começou não mais a depender dessa indústria inglesa e começou a se organizar e a se automanter, produzir os seus

23 2ª parte da narrativa que foi realizada com a Professora de História em fevereiro de 2012.

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produtos e a querer vender para a região. Nesse sentido, a Inglaterra começou a ver isso como uma ameaça porque ela era a fornecedora de produtos e ela queria continuar dominando esse processo e percebeu que na região da Tríplice Aliança havia conflitos internos e entre eles, entre o grupo da Tríplice Aliança referente a questões de terras, de espaços territoriais e aí o que acontece: a Inglaterra começou a perceber isso e o presidente do Paraguai, que era o Solano Lopes, estava realmente procurando um meio de ter acesso direto ao mar porque o Paraguai não tinha esse acesso ao mar naquela época. Ele tinha que passar por terras e águas de outros países vizinhos seus. E ele começa a querer arranjar espaço para poder escoar a sua produção e começa a criar conflitos com os países vizinhos, que entendem que ele quer se apropriar de territórios seus tendo em vista essa busca que ele vinha fazendo. A Inglaterra se aproveitou disso para fazer a ponte e quando ela percebeu que eles estavam se desentendendo, resolveu patrocinar o conflito tanto que ela fornece armamentos para os outros países e se torna vitoriosa do conflito. E o que a apostila deixa de lado é justamente isso, ela só pincela isso. Se você observar nessa página 15, ela deixa bem claro aqui: ela coloca que é só uma visão dos historiadores e há fatos que comprovam isso. Há fatos históricos que comprovam que os ingleses se sentiam ameaçados pela ação do Solano Lopes, porque os ingleses achavam que iam perder espaço, ou seja, o Paraguai deixaria de ser dominado economicamente pela Inglaterra, sairia da dominação inglesa e eles passariam a ser exemplo para toda essa região e os ingleses começaram a ver isso como ameaça. E aí o que ocorre: aqui para você trabalhar com crianças foi trabalhado de forma muito superficial e quando a apostila começa a tratar de fato o conflito, ele simplesmente passa a visão pura e simples do dominador. Você não vê o texto trabalhar como foi e qual era a real situação do Paraguai, porque ele chegou ao ponto de entrar nas águas e território brasileiros e outra coisa que eles deixam de fora é o total esmagamento da população paraguaia. Inclusive a apostila deixa dúvidas e questiona se de fato houve a morte de tantos paraguaios e há estudos de diversos historiadores que o Paraguai regrediu muito após o conflito. Tanto que ao final do conflito eles tiveram 75% da sua população dizimada no conflito e, dos que sobraram, a grande maioria dos 25% que ficaram, eram compostos por mulheres, crianças e idosos. O Paraguai retrocedeu na sua história na questão econômica porque ele ficou sem condições. E aí a apostila traz uma visão muito fragmentada sem dar condições para você fazer com que o aluno entenda que o conflito não foi assim tão simples como faz parecer. Houve prejuízo para todas as partes, mas, principalmente para o Paraguai. A Inglaterra fomentou o conflito e conseguiu destruir o Paraguai e endividou o Brasil, Argentina e Uruguai porque compravam armamento e pediam dinheiro emprestado. A Inglaterra ganha com a destruição dos planos do Paraguai e ganha com o endividamento dos 3 países e ainda vai continuar mantendo o domínio econômico. A apostila não trata dessas questões, mas só, por exemplo, aqui. “O Paraguai perdeu 140km para a Argentina”. E o que ficou da economia? E o que ficou do povo lá? Ela não trata e ignora e você observa que ficou uma visão do dominador e não do dominado, como ele ficou. Eles colocaram o Solano Lopes naquele período, aqui nessa página, como um grande vilão, querendo invadir, dominar o Brasil e os outros países, e que ele era um grande ditador. Solano Lopes não é santo, mas a apostila esqueceu do domínio imperialista. Se você observar as questões que eles colocaram para ser trabalhada aqui, você lê um texto aqui não tem como você responder. Eu me decepcionava quando chegava aqui nessa parte para trabalhar com os alunos sobre a guerra do Paraguai, que é um dos conflitos que o Brasil participou mais importantes aqui da nossa região, e é trabalhado de uma forma bastante superficial. E o que eu fazia? Eu tinha que buscar outro material para complementar, só que assim, a gente não pode perder de vista que o texto base que você tem em sala de aula, passa a ser para o aluno uma espécie de verdade absoluta e qual a dificuldade que você tem? Eles não entendem (Segunda parte da narrativa – fevereiro de 2012 – grifo nosso).

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3.1.2 A Narrativa do Professor de Matemática

Eu sou professor de matemática na rede municipal de ensino de Sorriso - MT há aproximadamente 12 anos. Possuo uma carga horária de 20 horas semanais, divididas em 4 horas aula em duas turmas de 8° e 9º anos do ensino fundamental. As experiências que eu vivi com o sistema apostilado, na época de sua implantação foi que percebi primeiramente, como uma proposta boa, talvez o que não foi de encontro seria o cardápio (entre aspas) da proposta de conteúdos com a realidade do município. (grifo nosso) Veja bem, quando se faz a implantação de uma apostila, ela obedece a uma sequência lógica a ser trabalhada e então é necessário que essa sequência obedeça a um padrão desde o início, quero dizer, que desde a educação infantil numa preparação para que o aluno possa degustar desses conteúdos de maneira que quando ele entrar no sexto ano aí ele vai estar pronto para ter uma atividade de uma apostila, como é o caso da nossa. O que eu vivi na época, foi uma heterogenia de situações onde não se envolveu os pré-requisitos de alunos. Nós tínhamos na sala de aula 35 alunos e “n” situações distintas e várias dificuldades, então o desafio do professor de transpor o conteúdo de uma forma de uma apostila foi difícil porque você dependia de seguir uma sequência de conteúdos, uma disposição de conteúdos e não havia tempo, de repente, pra você gerar durante aquela aula maiores explicações. O que eu quero dizer é que no começo do uso, eu não sabia se o conteúdo estava sendo entendido por todos, pela maioria, ou minoria, aqueles conteúdos da apostila. Olha, então, diante daquela proposta que veio, a gente tentou se aproximar o máximo possível que foi sugerido pela apostila, mas veja bem, quando você trabalhava com o conteúdo da apostila existia aquela aula no papel e existia a aula expositiva que é de praxe do professor, de orientação, aí chegava o momento da transposição didática e aí era uma dificuldade porque os alunos dependiam de observar a apostila e o professor tinha que ter habilidade de fazê-los navegar nas informações e aí que é maior dificuldade, porque eu penso que uma aula de matemática precisa de mais situações de atração. Ai entrava uma aula atrativa, onde eu levava os alunos para o laboratório de informática e usava outros recursos no Power Point pra a gente conseguir ir de encontro, mas ainda assim era muito difícil porque haja vista que a escola só tinha e tem ainda um laboratório de informática e se em algum momento algum outro professor precisasse usar era difícil. Com relação aos conteúdos professora, tinha aqueles que eram atrativos e os conteúdos que a gente tinha que fazer o impossível para torná-lo agradável. Quanto à avaliação, se a gente só se amarrasse na sugestão da apostila a gente ficava preso, fechado e na avaliação era preciso ser mais aberto. Não que eu fugia da sugestão que ela trazia, das orientações que estavam na apostila, porque ela trazia no início ou no final as orientações, as observações e a importância de se falar de assuntos durante o conteúdo e a sugestão de atividades que tinha e se cobrava em forma de avaliação, o que acontece é que diante da dificuldade que o aluno tinha, a gente acabava tendo outra reação. Vou te explicar, por exemplo, se eu tinha na sala cerca de tantas dificuldades eu tinha que fazer um diagnóstico aberto, para verificar se realmente eu podia cobrar do aluno e isso acontecia no desenvolvimento das atividades que você tinha que realizar com paciência e humor ao mesmo tempo para prender o aluno na aprendizagem para que ele veja que é interessante. Às vezes tinha conteúdo que era muito chato para o aluno, mas eu tinha que fazê-lo perceber que aquilo iria ser gratificante pra ele e era por aí que a gente começava a pegar. Se você lançava uma situação, por exemplo, um desafio, ele talvez provocasse no aluno uma tentativa de querer mergulhar naquele assunto, senão ele iria ficar ali quieto ou iria te incomodar durante a aula e a matemática não iria avançar como deveria ser feito em uma aula. Quanto a seguir criteriosamente a apostila professora, quando a gente começou com a apostila a gente experimentou ela e posso te afirmar que o resultado nunca foi positivo e aí o que acontecia, você tinha que mudar o gosto da coisa, você tinha que tentar outras alternativas e então, o que a gente fazia; tarefa na sala de aula e fora da sala de aula. O aluno tinha que ser capaz de interagir e capaz de pensar, porque

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naquela época o nosso desafio não era fazer o aluno não achar resposta e sim era fazer o aluno pensar e essa era a dificuldade que nós tínhamos. Parecia que quando o aluno pegava a apostila ele tinha todas as orientações e a gente como professor, toda a metodologia, as indicações de observação que se devia colocar para o aluno e isso (risos) parecia perfeito, mas não era, cada um tinha a sua realidade de aluno, por isso era interessante fazer o diagnóstico e a partir dele você sabia cobrar e se você não conhecia a realidade da sala de aula então você iria ser mais um professor formal que estava a ali e no final do ano você iria dar notas e apenas notas pra passar de ano. Por isso, professora, eu criava ferramentas de avaliação. Conteúdo simples de matemática, por exemplo, a equação. Uma equação, ele precisava ver que faz parte do dia a dia dele, até numa frase de língua portuguesa ele conseguia enxergar uma fração, às vezes ele não sabia a técnica de fazer e resolver uma equação e o que eu tinha que fazer, era criar artifícios pra isso, tinha que mostrar a importância do por que ele tinha que saber equação, do porque era importante calcular equação, não era o simples cálculo de um “x” como dizia a apostila, mas ele tinha que aprender a pensar e as estratégias desse pensar eram comigo. Meu propósito era na verdade, professora, aproximar a realidade do aluno com a matemática por que a gente falava que a gente vivia a matemática no dia a dia. Queria dizer, professora, com isso que eu não condenava o uso da apostila, eu condenava a realidade distinta que existia entre a apostila e a nossa clientela, nos tínhamos alunos que poderiam se dar muito bem com a apostila, mas a gente não podia pensar na minoria, mas na maioria e não existia receita pra isso. Nós tínhamos 160 horas anuais de matemática e no final, professora, se pudéssemos fazer uma pesquisa no município, se os alunos dominaram ou não o conteúdo da apostila eu tenho certeza que chegaríamos a algumas surpresas desagradáveis, pode ter certeza. Eu não percebia nenhuma cobrança direta dos pais, mas se percebia uma satisfação a ser dada porque era natural que quando você tinha uma apostila e o pai e a mãe percebiam que um conteúdo durante o bimestre, ficou de lado, eles queriam saber o porque. No meu caso, eu orientava bem os alunos que a apostila foi feita não pra atender a nossa carga horária, pra mim foi feita para uma previsão no caso da editora, ela atendia a uma rede de outras escolas e a nossa apostila do município ela tinha um cardápio de aula de 5 horas fechadas, praticamente. Até agora há pouco eu falava que a realidade do município era de 4 horas e aí (pausa), como você iria trabalhar 5 aulas se na realidade o município trabalhava com 4 horas e aí o que acontecia, tinha professor e professores, tinha professores que queriam é fazer um trabalho mais direcionado para atender e ele não se importava se o tempo estourava, mas tinha aqueles que queriam atender a apostila, porque tinha cobrança de pai em cima e eu não concordava com isso e não fazia isso, por isso orientava os pais, se algum dos pais tivesse dúvidas que viesse falar comigo e se viesse eu dizia “o cardápio é grande e não significa que vamos conseguir atender”. A gente tinha que trabalhar com a qualidade e não quantidade. (Nesse momento houve uma pausa na gravação a fim de que eu pudesse pontuar ao professor sobre a informação de 5 horas aula, ou seja, referi de que no material escrito e orientativo das apostilas não havia essa informação, por isso eu quis saber de onde ele tinha a mesma). Professora, eu tinha a informação que o cardápio era para 5 horas, nas formações que tivemos com o sistema e a formadora dizia que a gente daria conta, mas eu dizia que daria conta na particular e não na pública, com 4 horas aula. Professora vou te dizer eu dou e daria conta sim, sou e seria capaz sim da fazer um material de matemática para os meus alunos, sabe por quê? Porque eu tenho coragem para fazer, quer dizer, na realidade eu já fazia isso no ensino médio que eu também trabalhava. No ensino médio eu mesmo montava o material em cima dos melhores materiais que tinha disponível tanto na internet quanto nos livros didáticos. Eu pesquisava fontes, trabalhava com exercícios complementares, mas eu, em relação à pergunta acredito que sim, seria de grande importância o professor fazer o seu próprio material porque a partir do momento em que você conhece uma clientela é mais fácil. Eu iria pegar o oitavo, você teria uma convivência com os alunos e seria possível perceber como é a realidade deles e os requisitos que faltariam para eles e então com o oitavo ano certamente o que eu iria trabalhar naquela realidade, quer dizer, você pegaria conteúdos que o aluno tem familiaridade e não aqueles que

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estariam fora da realidade deles. Imagina professora se você pudesse fazer isso seria interessante. Daí a questão de que a apostila do município deveria ser feita pelos professores porque ficaria muito mais interessante, o trabalho de uma equipe inteira de professores em longo prazo com cuidado, através de pesquisa e material didático, apesar que na nossa cidade temos também divergência de realidade e temos que pensar nisso. Pois é professora, então o sistema apostilado veio na época, certamente para ajudar e a intenção foi essa, de que facilitaria o trabalho do professor, mas vejo que não facilitaria para o aluno, acho que talvez seria uma ilusão às vezes os pais pensarem que a apostila no sentido de que será, como estaria sendo a aprendizagem, será que realmente estão aprendendo. Eu não via, professora, diferença antes da apostila com a apostila depois, porque tinha que haver qualidade no aprender. A apostila ajuda, mas ajudaria mais se os professores contruissem o currículo, fariam o material e saberiam exatamente o que fazer com os seus alunos. E vou te dizer mais, na época, lá em 2005, eu não participei da implantação das apostilas, somente fui mais um professor a utilizar a apostila; eu nunca fui convidado pra participar de qualquer discussão, nada disso. Só fui apresentado a apostila, quando fui trabalhar com ela. Então, faz tempo que bato na tecla com os meus colegas de matemática. Durante a formação do gestar24, em que fui coordenador dessa formação, as experiências que tive é de que se tivéssemos a possibilidade de montar o próprio material, em todas as disciplinas, acho que teríamos uma situação diferenciada. Então, professora quero deixar só uma ideia pra você que faz parte lá da secretaria de educação e não sei se caberia nessa sua pesquisa. Vocês deveriam fazer uma avaliação interna sobre o uso dessas apostilas, saber se realmente houve e continua havendo aprendizagem já que agora mudou de sistema, mas, professores, pensem nisso. (Outubro de 2011 – grifo nosso)

3.1.3 Narrativa da Professora de Geografia

Eu sou professora de uma escola municipal e tenho entre 26 e 30 anos de idade e sou graduada em geografia e pós graduada em psicopedagogia. Eu observava que o trabalho que era realizado com o material didático apostilado era interessante. A respeito desse material apostilado adotado no município eu via que ele era muito positivo pelo fato dos nossos alunos poderem realmente estar constantemente em contato com os conteúdos. O nosso município ele apresentava um grande número de alunos que migravam de uma escola para outra durante todo o ano e a apostila, dessa forma, todo o município estava utilizando o mesmo material o aluno não ficava defasado e também era oferecido aos docentes o material multimídia, a assessoria pedagógica, eles faziam a análise do material, eles faziam a análise de sua prática em sala de aula no dia a dia. Mas, assim, esse material também tem um porém, que se a gente fosse utilizar apenas ele como único subsídio de suas aulas sem adaptar a realidade do aluno esse material, ele poderia não estar adequado né com a realidade. A gente sabe hoje que a cada ano acontece a licitação das apostilas, então a gente não tem mais certeza qual o sistema que vai vir e isso é ruim. Quanto a organização desses conteúdos e então sob esse aspecto eu não era a favor desse sistema apostilado, né, mas que eu reconheço que ele trazia alguns pontos positivos pra gente planejar as aulas. Sendo assim a gente recebia a matriz de nossa disciplina e tinha acesso as matrizes curriculares de todas as outras porque só dessa forma a gente conseguia planejar de forma coerente e os professores também eram orientados a sempre trazer o conteúdo para a realidade local do educando e com isso a gente tentava também utilizar vários tipos de recursos, como multimídia, da

24 Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR; formação para professores da Matemática das Escolas Públicas de Ensino Fundamental II. www.mec.gov.br

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internet quanto o próprio material que vinha do MEC para as escolas, enriquecendo cada vez mais o material. Mas voltando, antes eu dizia que eu era um pouco contra os conteúdos porque muitas vezes os conteúdos eles eram colocados dentro de um objetivo e na hora dos exercícios e das atividades eles perdiam um pouco essa identidade do próprio material, porque a gente percebia que eles copiavam, que eles recortavam essas atividades de vários outros materiais, exercícios de vários vestibulares e com isso acho que perdia um pouco, a gente observava que ficava um pouco fragmentado, no sentido de pensar qual foi a real habilidade e competência que queria ser desenvolvida. Então eu observava que esse é um fator negativo do material e que no livro didátido isso não acontecia por que é um autor que ele observa o conteúdo do início ao fim, ele não pega vários conteúdos de vários outros lugares, onde cada um tem uma visão, uma criticidade em relação a aquele próprio conteúdo e sendo assim no livro didático ele é mais coeso, ele segue a sua metodologia dentro de suas habilidades e competências necessárias para ser desenvolvido, ele então é mais linear. Também eu percebia que o aluno ficava muito satisfeito em receber esse material apostilado porque ele de certa forma se sentia valorizado porque tinha um material a cada etapa do ensino, a cada bimestre esse material novo onde realmente dava a sensação de que estavam preocupados com a educação dele, não um livro que fica as vezes de um ano para o outro faltando uma página, enfim, ele se sentia valorizado. Os pais eles acreditavam que esse material ele era de boa qualidade por que eles já tinha uma visão de que material apostilado era de escola de ensino privado, ou seja, particular e aí eles acreditavam que numa instituição pública se o aluno utilizasse também do sistema apostilado então significava que não tem muita diferença quanto a qualidade do ensino. Sob o meu ponto de vista eu sempre avalio que o material apostilado ele vem buscar um uniformidade na educação do município, porém há muitos recursos que poderiam ser mais bem aproveitado se não fosse o despreparo de alguns educadores frente as novas tecnologias de informação e comunicação porque nem todos estão preparados para enriquecer as suas aulas com o material multimídia ou até mesmo paralelamente com outros materiais, então seria isso meu ponto de vista. Quanto ao currículo, é difícil, a gente percebe que a maioria dos profissionais da educação do município de Sorriso, acredito que não teria uma condição de montar uma matriz curricular de sua disciplina, até porque sempre vi que muitos colegas, eles eram um pouco metódicos assim em relação ao conteúdo, eles seguiam bem a sequência pré determinada pelo material e assim muitas vezes a gente tinha algumas dificuldades de priorizar aquilo que ia ser ou não importante dentro da formação do aluno e isso também acontecia no livro didático né onde alguns professores eles seguiam o livro e cada professor dentro do seu ritmo até onde ele acha que deu tempo de chegar. Com as apostilas, isso tinha um fator positivo no sistema apostilado que a gente sabia que ele tinha que dar conta né que ele tinha que ensinar todo aquele conteúdo e já no livro didático tinha alguns que iam priorizando alguns conteúdos, mas não com uma visão de um todo de toda a sua disciplina. (Agosto de 2011 – grifo nosso).

3.1.4 Narrativa da Professora de Língua Portuguesa

Eu sou professora de língua portuguesa da rede municipal de ensino e trabalho com o 7° e 8° anos em uma escola municipal localizada na periferia da cidade. Também sou pós-graduada em Psicopedagogia. Bem, já anteriormente a decisão do sistema apostilado eu já percebia a necessidade de mudanças e reformas que deveriam acontecer no município. Sempre trabalhei com métodos apostilados. Na nossa escola, os professores já vinham discutindo sobre a necessidade de haver uma mudança. As discussões geraram algumas polêmicas sobre os conteúdos das apostilas, quer dizer se elas realmente viriam a satisfazer as necessidades de nossos alunos. Por exemplo, as aulas de geografia com os relevos, rios e vegetação da

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região em que vivemos. Realmente, a nossa preocupação era se isso viria a ser contemplado e depois fomos ver que não. Aí a gente viu que no começo da implantação foram feitas reuniões com os pais para mostrar as facilidades e vantagens do novo método que iria revolucionar a educação do município e a gente foi acompanhando, aliás, quem quisesse. Na época aconteceram debates na emissora da rádio local. Muitos pais reagiram contra o pagamento das mesmas que, posteriormente através do poder público assumiu o pagamento delas. A implantação do sistema apostilado teve uma repercussão muito boa, pois a partir daquele momento nossos alunos começaram a levar as apostilas para casa, podiam fazer as suas tarefas e os pais acompanhavam o aprendizado dos seus filhos. Na minha área eu percebo que a apostila veio realmente revolucionar o ensino público. A apostila era de qualidade, fazia com que o aluno refletisse, pesquisasse. Os textos e os conteúdos que vinham ao encontro de nossos alunos fazendo-os viajar (entre aspas) por lugares desconhecidos. Gostava da sequência como eram colocadas as atividades. A gente tinha um texto, o vocabulário, a interpretação e a gramática, era muito bom. Também o interessante era que todos os encontros em que participei, os professores manifestaram suas opiniões que eram levadas para os responsáveis em Curitiba, então a gente tinha um espaço para opinar sobre o material. Veja bem Eloísa, o sistema apostilado aconteceu diante de uma revolução tecnológica, hoje o homem continua andando com a máquina e não poderia ter sido diferente, o aluno caminhava com a apostila. Não poderíamos de forma retroceder ao livro didático, aonde o mesmo permanecia na escola, sem que o aluno pudesse escrever nele; isso é um absurdo. Sem dúvida, as apostilas foram um salto muito grande para a educação, onde nossos alunos tinham as mesmas condições de estudo como qualquer outra instituição particular, bastava o aluno querer (entre aspas) e ele aprendia. Via também que a gente como professora precisava complementar as atividades com outros livros que serviam de apoio, claro, como é o próprio livro didático ou mesmo a internet e outras pesquisas que a gente fazia. Eu continuo dizendo que o sistema apostilado, desde lá atrás vem trazendo benefícios a nossa educação, mas também eu ficava muito triste quando uma parcela de nossa clientela de alunos que não a valorizavam. (Agosto e Setembro de 2012 – grifo nosso).

3.1.5 Narrativa da Professora de Ciências

Bem, eu sou professora de ciências e além de trabalhar com os anos finais, também trabalho com a Educação de Jovens e Adultos e gosto muito dessa área. Assim, num primeiro momento eu posso te dizer que quando eu recebi a apostila achei bastante interessante pois eu achava que facilitaria o aluno ter o material disponível pois nem sempre a escola tinha o livro didático e isso era um problema e dificultava a realização de algumas atividades, bem como a complementação de estudo em casa. Mas também, vou ser bem sincera com você; depois que fui manuseando fui encontrando alguns impedimentos, por exemplo, os conteúdos que trazia eram bem resumidos, algumas atividades que não era possível realizar devido a nossa realidade escolar, então vou confessar eu sempre complementava, eu não me prendia só a ela não. Em relação aos conteúdos, a apostila seguia muito os livros didáticos, porém eu achava que tinha que rever esses conteúdos, eles por vezes eram tão estranhos, parecia que não havia uma distribuição certa, por exemplo, tinha conteúdos no 6° e 8° ano que precisava de mais informação e que na verdade ele só terá amadurecimento lá no 9° ano, então eu via uma lacuna. Ta, vou explicar melhor (pausa), assim, quando trabalhava água no 6° ano a gente sempre fala de uma fórmula química da água, separação de minerais e outros, porém o aluno não sabia o que era fórmula química no 6° ano entende, isso ele só iria ver lá no 9° ano; ele iria ter lá mais amadurecimento porque outros conteúdos do 6° ano preparariam ele, mas não era o que a gente via, por isso eu às vezes invertia, mas isso porque eu iria pegar

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esse ano lá na frente e se não pegasse falava pra minha colega que não tinha trabalhado por isso e por isso e por aquilo. Pois é na apostila sempre vinha sugestões de metodologia para se trabalhar cada conteúdo que auxiliava bastante a gente na hora de fazer um planejamento de aula, mas não pra seguir a risca, eu sempre fiz adaptações, tinha uns conteúdos muito fora, aí eu decidia o que era melhor. Eu também utilizava algumas avaliações do portal educacional, na área do professor e que era disponibilizado pelo sistema de ensino, mas, mesmo assim, eu modificava sempre quando eu achava que isso era preciso fazer, afinal, eu tenho conhecimento sobre a disciplina, estudei pra isso e continuo me preparando. Os pais era complicado sabe, alguns poucos até acompanhavam e vinha conversar com a gente sobre o cumprimento, porém muitos não participavam da vida escolar muito menos do material didático, a maioria deles nem observava se tinha tarefa ou não, é aquela coisa, eles não acompanhavam, mas quando cobravam eu argumentava que sabia o que estava trabalhando e eles no fim acabavam entendo, sem maiores problemas. Com certeza se não tivesse o sistema apostilado eu construiria um material e vou te dizer como faria. Em primeiro lugar, eu estaria direcionando os conteúdos para a idade e série fazendo uma ligação de conteúdos, independentemente se no 8° ano só se estuda o corpo humano e no 9° ano a química e a física, por exemplo, eu trabalharia alimentos orgânicos e inorgânicos e tem que se trabalhar a parte química também e não deixar só pro 9° ano, pois isso dificulta o entendimento do aluno. Então vou de novo confirmar, o sistema apostilado favorecia sim nas aulas, porém eu não me prendia só nelas, sempre procurava acrescentar atividades extras, metodologias diferentes das sugeridas na apostilas e procurava adaptar muito na realidade da comunidade, porque eu conhecia eles e as suas necessidades, por exemplo, quando implantaram as apostilas, tinha um problema sério lá de dengue e a apostila não trazia esse assunto, até porque como ela é do sul, lá eles não tem tanto esse problema. Então eu larguei ela e fiz um projeto no bairro e as crianças me ajudaram, foi muito bom e valeu muito porque mudou os hábitos deles e dos pais. Eu fiz em parceria com a saúde, vou te contar, foi um grande e orgulhoso projeto meu.

3.1.6 Narrativa da Professora de Língua Inglesa

Bem, eu acredito que todo o material que venha a contribuir com a aprendizagem do aluno é sempre bem vindo, com as apostilas eu via que não era diferente, com certeza veio a contribuir, até porque a gente sempre sofria em sala de aula com relação ao livro didático, faltava, os alunos rasgavam, não podiam marcar e acabavam sempre riscando e isso gera um desconforto enorme para o professor que também fica sem alternativas. Assim, quando a gente ficou conhecendo o material, era praticamente às vésperas de ir pra sala de aula e isso também foi ruim porque você precisava de mais tempo pra conhecer, mas tudo bem, a gente foi se adaptando aos conteúdos e também, ali estava tudo pronto e escrito mesmo. Eu nessa minha jornada profissional fiz bastante cursos na área de inglês, porque eu acredito que o aluno tem que gostar dessa outra língua e se identificar com ela para daí aprender. Então fui já para vários lugares, como São Paulo, Paraná, Minas e fora os que eu fiz pela internet que foram sempre bastante contributivos para a sala de aula. Mas daí a gente pegou a apostila e viu que ali estava tudo pronto, conteúdos, metodologias e avaliação. Pensei (pausa), e agora....eu também conheço sobre a língua (até quero viajar para o exterior), sempre busquei outras alternativas de prática em sala, aí voltando, pensei, como que eu posso achar uma brecha (entre aspas) pra escapar de tudo isso aqui tão pronto e também aplicar aquilo que eu sei e ainda apesar de anos no município, eu sempre segui as determinações, tinha medo de ser repreendida se não cumprisse exatamente com tudo aquilo. Mas aí num desses cursos que eles davam, até perguntei para o formador se eu podia continuar desenvolvendo meus projetos e ele me disse que sim, que eu poderia, por exemplo,

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integrar os meus projetos com os conteúdos da apostila. Mas aí, nem todos os projetos eu conseguia adequar, por exemplo, eu trabalhava em uma escola municipal do centro e outra da periferia. Os alunos do centro tinham uma cultura diferente daqueles da periferia e os da periferia também tinham sua cultura, sua forma de ver o mundo. Antes da apostila o que eu fazia. Sempre chegava em sala no começo do ano e perguntava pra eles “quando vocês escutam essa palavra inglês, o que vocês pensam”, era interessante, os do centro pensavam em viajar, falavam até em intercâmbio, principalmente os do 9° ano e os da periferia falavam em comidas, roupas, eletrônicos, curiosidades como era a vida desses adolescente de outros países. Aí eu escrevia tudo isso e começava a planejar, não destacando as diferenças de um e outro, mas que acesso eles poderiam ter a toda curiosidade deles. Pois é, então no mês de janeiro de 2010 eu fui participar de um curso que só falava em inglês, eu também precisava testar meus conhecimentos e lá conheci uma americana, também professora que participava do grupo que veio ministrar esse curso. Conversa vai, conversa vem, fizemos uma boa dupla e ela me perguntava sobre a escola e eu descobri dela que ela também trabalhava com adolescentes em uma escola do governo (como eles chamam lá); aí tivemos a ideia, vamos fazer um intercâmbio virtual, pela internet, meus alunos escrevem para os teus e os teus escrevem para os meus. Nossa, chego me arrepiar, peguei duas turmas de 9° ano e fiz a proposta, eles adoraram e começamos! Você não imagina o quanto os alunos se interessaram pelo inglês e o quanto eles aprenderam; trocavam informações sobre coisas simples, do dia a dia (namoro, amizades, família, brincadeiras, costumes), realmente até hoje eu me emociono. Por exemplo, os da periferia contavam sobre as dificuldades, até o mundo das drogas e do alcoolismo que eles enfrentavam e os de lá também diziam que tinham problemas com alcoolismo na família, drogas e perseguição aos negros, enfim, eles ficaram assim tão surpresos que os americanos também tinham esses problemas! Pra finalizar o projeto naquele ano, fizemos uma festa de natal chamada “merry christmas virtual”, com câmera e tudo; reunimos as turmas e ligamos a webcam e lá nos Estados Unidos, os alunos disseram em grupo “Feliz Natal” em português e aqui no Brasil os alunos disseram em inglês, olha, de repente a gente estava chorando de emoção! (pausa). Aí nas formações eu até dizia para o grupo Positivo o que eu fiz e que achava importante eles promoverem, mas nunca obtive resposta. Aí você vê os conteúdos, ao meu ver, são limitados, técnicos demais. Por exemplo, na apostila do 8° ano aqui, tem a unidade 4 (p.31), que fala da história do surfing, tá tudo bem, mas se a gente for crítica, o que isso interessa para o aluno! Agora se a gente fosse trabalhar, por exemplo, eu até disse num curso, sobre a nossa soja aqui produzida vai para lá e vai servir para que, que comunicação acontece com isso, é outra história. Então, primeiro eu realmente seguia, mas depois comecei a ver que eu não concordava com tudo que ali estava proposto e conversando com outros colegas que eu via que também não seguiam, comecei a escolher as atividades e inseria o meu planejamento também, aí fiquei mais tranqüila. Então me senti com liberdade para mexer em tudo e comecei a fazer isso. Pegava as apostilas Eloísa e falava com os alunos (pausa)...olha, aqui nessa do sexto ano nós vamos estudar isso e isso, mas também vou trazer outros materiais pra ajudar, como vídeos, conversas e a gente vai conversando. O pior é que sempre os alunos diziam se a gente largaria a apostila e eu afirmava que não que a gente iria ver outros materiais para ajudar e aí foi interessante...chegou um tempo que os alunos mesmos diziam (pausa) “professora que legal esse material que você traz é até mais interessante que a apostila. Aí pensei: nossa que vontade de escrever um material bacana, mas que tivesse voltado para a nossa realidade. Ah, tem mais os pais nunca reclamaram, sempre vieram dizer que os alunos gostavam do inglês e isso me fez ficar muito orgulhosa de mim. Aí com isso quero dizer que eu não era totalmente contra o material, achava interessante, mas poxa, eles poderiam ouvir mais a gente, conversar sobre o que a gente tava sentindo dentro de sala usando ele. Nas formações, até eles diziam quando a gente reclamava, não pessoal, vocês tem como sugerir, mas a gente percebia que era levado, mas nunca teve retorno sobre nada e isso era tão desrespeitoso, eu achava isso e ficava indignada, mas, tudo bem. Não sei se posso falar aqui da educação infantil, mas quero fazer essa referência. Os pequenininhos nossa, como era bom cantar com eles, ensinar de uma forma

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diferente, mas a apostila nem sempre trazia isso, era como por repetição e eu não gostava de trabalhar assim e não gosto ainda hoje. Eles precisam aprender de uma forma mais lúdica. No sexto ano, por exemplo, tem situações na língua inglesa que a gente pode fazer uma parceria com português e trabalhar as diferenças culturais, mas isso não era possível na apostila, era mais ou menos assim, cada um no seu quadrado. Algumas possibilidades foram fechadas. Sabe depois a gente foi amadurecendo e pensando com outros colegas, porque a gente não se junta e cria um material, claro que eram poucos que queriam, mas nem que fossem três, mas a gente poderia colocar ali o que a gente sabe e a gente entende das realidades e não fica recebendo tudo pronto, de cima, mas aí a maioria gostava do sistema e eu também, claro que foi bom, mas poderia ter sido melhor. Acho que a gente precisava amadurecer, sei lá, o professor precisava sair dessa acomodação de que tudo tá bom assim. Acho que é isso. (Setembro de 2012 – grifo nosso)

3.1.7 Narrativa do Professor de Educação Física

Sou professor de Educação Física e atuo em duas escolas municipais com os anos finais do ensino fundamental. Bem, vou tentar contar algumas questões importantes do sistema de ensino Aprende Brasil, ao que lembro em 2005 já. Olha, foi uma revolução na época, muitas dúvidas, muitas expectativas. A gente ia pra escola e via os professores falando e alguns estavam bastante resistentes; outros falavam que já tinham tido experiências sobre apostilas e aí as vezes a sala dos professores ficava fervendo de situações, uns contra e outros a favor. Aí eu ia pra quadra porque às vezes ficava difícil tomar um posicionamento, afinal a gente não sabia sobre o que estava falando, não tínhamos qualquer contato com o material. De repente, na quadra, a gente trabalhava com os alunos e eles também comentavam e diziam “Aí professor, a gente vai ter apostila de educação física?” e lembro que eu dizia e brincava com eles, pois é vai terminar as aulas na quadra e os alunos diziam para os pais, porque estavam acontecendo reuniões, pra eles dizerem que não queriam apostila de educação física, eu lembro que foi muito engraçado, a gente acabava se divertindo com os alunos porque eles estavam apavorados. Aí eu comecei a conversar com os colegas da área de educação física e eles também não sabiam nada, ou melhor, sabiam que iria ter uma mudança, mas não se sabia do que se tratava. De repente, um dia teve uma reunião em que fomos convidados, aconteceu lá no Ivete (escola municipal) e eu fui e lá se abriu a caixinha, enfim, apresentaram às apostilas, os conteúdos e as áreas e aí a gente viu que educação física teria uma apostila mais voltada as orientações das práticas esportivas e físicas na escola. Olha, eu particularmente achei muito interessante porque a gente viu nesse material uma possibilidade de melhoria das práticas; porque tinham exercícios, projetos e outras coisas legais. Mas aí aconteceu um fato interessante. Na primeira formação de professores veio para a escola à convocação e nós professores de educação física tínhamos que ficar com as outras áreas e até tínhamos achado bastante engraçado, mas aí eu fui e lembro que participei de língua portuguesa. Só que não tinha nada a ver, eu formado em educação física e na área de língua portuguesa, me senti muito deslocado e isso começou a me provocar um descontentamento e já não achei mais interessante a mudança, porque estava achando um desrespeito com a área (educação física), porque não tinha um formador específico. Conversando com outros colegas então, eles estavam sentindo a mesma coisa, quer dizer o mesmo descontentamento e achando um desrespeito. Aí nós tínhamos combinado que na próxima formação falaríamos nas áreas que a gente tava se sentindo deslocado porque estava participando em outra área e que cada área era cada área. Professora, deu resultado, na terceira formação tínhamos um professor com mestrado na área e ele veio com uma preparação muito boa. Trouxe uma teoria sobre o desenvolvimento, material, fizemos aula prática e daí por diante tudo melhorou e tínhamos a conquista da nosso formador, foi bom.

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Eu acabei gostando do sistema, tínhamos experiências a compartilhar e até desenvolvemos um projeto pra nós mesmos. Quanto a gente criar um currículo, sei lá, a gente às vezes se reunia e se reúne na Associação ainda falando das dificuldades dos alunos e trocamos experiências. Mas a gente criou também alguns projetos de treinamento na escola pra valorizar os alunos bons de esporte até pra preparar para os jogos. Mas assim, também se não tivesse a apostila, a gente continuaria trabalhando, talvez eu sentiria falta da formação, quero fazer mestrado e os professores que vem sempre dão dicas pra gente! Então, sem a apostila, tudo bem a gente daria um jeito. Sabe, sempre gostei de trabalhar com a comunidade, envolver pai e mãe, até trabalhei uma caminhada saudável pelo bairro, numa escola que dei aula. No final da tarde, às 5 horas (17 horas) terminava as aulas e os pais vinham buscar os filhos de tênis, aproveitavam e caminhavam e as crianças diziam que os pais até tinham parado de ir tanto no “boteco” (risos) e depois fizemos um time de futebol, campeonato, foi bacana! Então a apostila ajuda, mas a gente tem que continuar inventando, ela não tem atividades escritas para os alunos. As vezes eu vejo os outros colegas reclamando, a gente é mais livre pra decidir, sei lá, acho que tinha que discutir de novo isso, se essa mudança foi boa uns dizem que sim e outros dizem que não, mas isso a Secretaria tem que ver, porque da outra vez foi a outra Secretaria que decidiu. (Outubro de 2011 – grifo nosso)

3.1.8 Narrativa da Professora de Artes

Olha, tenho até medo em lembrar de algumas coisas com relação a apostila. Primeiro quero afirmar, eu era e sou totalmente contra! Quando fiquei sabendo que ia ter uma mudança, fiquei indignada e eu era daquelas professoras “chatas” mesmo; queria saber e perguntava lá na escola pra diretora; que negócio é esse de mudança e porque; a Secretaria acha que a gente não tá dando conta? E aí ficava às vezes sozinha falando e me tachavam que eu tava entrando numa discussão política, que eu era de outro grupo e etc, etc, não gosto de lembrar, por fim, acabei me acalmando. Em primeiro lugar, nunca fui de grupo nenhum, mas a política manda e desmanda nessa cidade, não é fácil, mas tudo bem eu já vou voltar a falar das apostilas (rsss). Meus filhos estudaram com sistema apostilado e eles também não gostavam, diziam que o professor só repetia o que estava ali, nunca traziam coisas diferentes e eu me colocava no lugar deles e eu pensava de como agiria se tivesse que dar aula assim, com tudo já determinado, não me sentia a vontade. De repente Eloísa, nós com sistema apostilado, fiquei assim, desnorteada sabe, decepcionada pelo desrespeito ao nosso trabalho, poxa vida, sempre fui dedicada, pelo menos eu me considero assim. Fiz cursos, adoro as artes, pinto e bordo (risos), amo trabalhar com diferentes culturas, adoro a sala de aula, me encontro lá, é o que eu sei mais fazer, dar aula! Marcaram uma reunião no Ivete pra mostrar pra gente o material e de novo fiquei assim, de repente, se ação. É como se viesse alguém e te entregasse um pacote e diz assim: vai lá, faz o que eu escrevi, nem pensar, não aceito. Tanto que na única formação que vim, discuti com a professora, dizendo que eu não concordava com isso e não apareci mais. Mas aí, na escola, a coordenadora dizia que eu tinha que trabalhar senão os pais, os colegas e a Secretaria iriam cobrar e eu ouvi tanto, nossa! E o pior, era que trabalhava como contratada e eu precisava trabalhar. Fiz assim, olhei o pacote inteirinho e comecei a resumir pra passar para os alunos e integrei o meu planejamento, demorei, mas me achei. Os pais nunca me cobraram, eles me conheciam e sempre confiaram no meu trabalho. Daí né, eu estudando o material, sobre manifestações culturais, mas sempre adaptando ao meu planejamento, numa das apostilas do 8° ano, chego na página 13 e

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encontro uma foto que fala sobre o Siriri e o Cururu25 como uma expressão cultural da dança matogrossense; aí não acreditei naquilo que estava lendo, pensei, não, não pode ser, aqui está escrito Siriri e Caruru, nossa.. pensei! Que desastre cultural!. Peguei a apostila e levei até a coordenação e disse: olha aqui eles nem pesquisam nossa cultura de verdade, isso daqui ta errado e não vou ensinar dessa forma; mas aí começava toda aquela história, fulana26 faz um registro por escrito e encaminha para o sistema, mas daí pensei, vai ser todo um desgaste e não vou fazer, mesmo assim, disse aos alunos que estava errado e corrigir com eles, inclusive trazendo pesquisas sobre essa tão importante manifestação cultural do Mato Grosso. Então, essas apostilas não trazem uma seriedade com relação as características de cada lugar, respeitando sua cultura e isso eu acho bastante comprometedor, por isso minha insistência era em pensarmos sobre isso, mas a parceria era pouca, não valia a pena brigar sozinha. Eu me frustrava às vezes em sala de aula, vendo os alunos responderem as atividades, aquilo tudo parecia tão técnico, tão frio e a arte não é isso, ela tem que mexer com a sensibilidade do aluno, ele tem que manifestar sua cultura através da

25 O Cururu e o Siriri são duas manifestações culturais das regiões pantaneiras do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso, sendo este último o maior detentor da maior quantidade de ativistas desta manifestação tradicional de cântigo e dança. Hereditário, o Cururu e Siriri, ainda de predominância familiar, é um misto de elementos africanos, europeus (Espanha e Portugal) e indígenas que ecoam a religiosidade e a brincadeira. O Cururu, ainda majoritariamente por homens, apresenta-se na forma de cantoria entoando desafio ou celebração de louvores ao Santo. Forma-se uma roda ao toque da viola de cocho -

instrumento carro-chefe da manifestação cultural. Após o louvor ao Santo, são homenageados o rei e a rainha que adentram ao círculo munidos de aguardente, oferecendo a todos que ali se encontram. O cururueiro que toma um trago de aguardente, imediatamente canta para outro que então tomará e em seguida entoará canto para um outro e assim por diante. Os cantos são versados de sentimentos sobre diversificados assuntos, não podendo faltar entre eles o amor, a zombaria e muitos outros que caracterizam o canto e a inspiração destes cururueiros que devotam a sua vida na manifestação. A dança cururu é ritmada por passos fortes, circulares, pulos e batidas de mão que fazem a marcação juntamente com os instrumentos. A sincronia entre os elementos homem-objeto-dança manifestam-se fortemente durante a apresentação que é um espetáculo de sentimento e fidelidade. Cururu, é um nome provavelmente originado de deturpação da palavra "Cruz". Segundo alguns estudiosos do assunto, a repetição da última sílaba pelos indígenas foi o elo da formação da palavra "Cururu". Trazida pelos colonizadores, a dança teve a finalidade de catequização dos Índios sendo este o motivo histórico da apresentação da dança diante da Cruz e do Altar. As celebrações cururueiras são realizadas principalmente entre os meses de Junho a Agosto, período de festejos juninos e são organizados pela irmandade que antigamente realizavam as festas com as próprias mãos. Segundo relata os festeiros mais velhos, estes afirmam que se organizavam ao longo do ano, reservando tudo aquilo que era de necessidade para a realização do festejo. Atualmente, os cururueiros contam com a colaboração de autoridades e secretarias que incentivam o festival de "Cururu e Siriri.” Diferente do Cururu que predominantemente é uma roda de homens, o Siriri é uma dança de pares,- casais e um gênero musical que é guiado além da viola de cocho, o ganzá e o tamboril, conhecido também por mocho. Dançado principalmente por mulheres, em festas católicas, carnavais e em festivais durante o ano todo, o Siriri é uma dança marcada por compasso de estilo de canto responsorial, de textos e estrofes solo, curtos e leves que expressam menos conhecimento religioso que no Cururu. Enquanto no Cururu se entoa a Santos, brincadeiras e zombarias, no Siriri, predomina-se o cântico temal de pássaros e outros animais, mulheres. A dança que é de roda, transforma-se também em dança de fila, sendo uma de homens e outra de mulheres. O Siriri surgiu diferentemente do Cururu. De dança de terreiro, o Siriri é uma apresentação de "segundo plano", tendo menos importância que o Cururu, porém, a sua força nos festejos e festivais, vêm demonstrando que o Siriri é de grande valia, mesmo praticado em terreiros. Em sua essência, o Siriri era o momento exato para flertes entre rapazes e moças devido à severidade da educação nos meados de 1900. O uso de uniformes nas apresentações dos grupos, é uma mudança de comportamento,pois, em seu início, os festeiros usavam a sua melhor roupa para ir festar e atualmente com a frequência de exposições, o uso do uniforme possibilita não somente a identificação do grupo mas também harmonização entre a dança e a comunicação. Com a crescente exposição, o Siriri tem se portado também conciliador cultural nas escolas públicas, seus passos e cânticos são ensinados e assim novos grupos são formados. (www.cultura.mt.gov.br) 26 A professora citou seu próprio nome na gravação ao qual intencionamos, desde o início da pesquisa, não revelar e sim, manter o nosso compromisso ético frente aos participantes.

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arte. Sorriso mesmo, tem arte a céu aberto; o aluno precisa saber que ali tem cultura, gaúcha, nordestina, que é por causa dessa mistura daqui de cultura que tem isso e, no entanto a gente via aquilo frio lá na apostila, as vezes sem sentido, daí eu largava, eu trabalhava tela, pintura, dança. Outra coisa, o portal educacional, nenhum museu virtual pra gente visitar, conhecer obras, só pesquisa, escrita. Tudo bem, arte também é história, mas não é só isso tem muito mais, têm sentidos, formas, cores e o aluno precisa ser mexido com isso, pra mexer nele como pessoa. Então a gente também acaba desestimulando, ta certo é um recurso, mas que recurso é esse que tem até avaliação pronta, que eu saiba recurso eu uso se eu quero, é como uma tela, eu crio ela, eu invento ela e uso as cores que eu quero como recurso pra deixar ela bonita; mas com a apostila é uma obrigação entende, tem que repensar isso. Vocês da Secretaria continuaram, quando deveriam ter retirado, deixado a gente mais livre pra trabalhar; sei que tem questões políticas, mas, gente, é educação e educação a gente tem que levar com seriedade. Tá certo, alguns professores iriam ficar bravos, mas tudo passa, eu também depois amadureci e deixei de lado algumas discussões. Fazer o que, a gente como professor na maioria das vezes não tem o poder de decisão sobre os rumos da educação, mas, tem uma coisa, na minha sala de aula quem tem o rumo sou eu. É isso! (Fevereiro de 2012 – grifo nosso)

3.2 A Reinterpretação Curricular no Contexto da Prática

As Narrativas realizadas pelos professores nos oferecem inúmeras e importantes

possibilidades de análise, principalmente, a partir de uma perspectiva sociológica quando

percebemos que estão acontecendo modificações na organização escolar e no processo de

trabalho docente, provocadas por políticas educacionais e curriculares neoliberais nos últimos

anos.

Sabemos, portanto, que temos vivido momentos decisivos de reformulação do

sistema educacional combinados com processos de reestruturação da própria sociedade,

ambos fortemente influenciados pela globalização e a imposição do mercado, através do

fortalecimento de discussões econômicas, cujo fim é somente os resultados positivos

alcançados e que geram benefícios às sociedades.

O caso em questão traz concepções aonde esses processos de reformas educativas

curriculares e a implantação de novas políticas para a organização do sistema educacional

vêm trazendo inúmeras modificações para o trabalho e identidade docente com o intuito de

provocar um maior controle sobre o trabalho pedagógico e, consequentemente, com relação à

autonomia do professor, no que diz respeito ao seu fazer e ao seu pensar. Por isso “esses

controles sofrem efeitos sobre o trabalho docente e tem repercussão direta sobre as práticas

curriculares, o que os torna inseparável da ação docente e o próprio currículo.” (HYPOLITO,

2009:102).

O fato é que percebemos o quanto a educação está cada vez mais sujeita aos

processos de mercantilização e privatização, sendo uma das principais características da

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política de educação global no século XXI e essa tendência vem sendo crescente, sob

diferentes formas e iniciativas.

A expansão rápida e massiva da participação do setor privado na educação pública é certamente impulsionada pelos dois lados da relação de troca, o da oferta e o da demanda. A privatização é atrativa para governos e agências multilaterais como ‘soluções’ para o ‘problema’ da reforma do setor público (com a promessa de aumento da produtividade, introdução de inovações e redução de custos) e é uma nova (e relativamente segura) oportunidade de lucro para o capital (grande e pequeno), particularmente em um momento em que outras áreas de atividade comercial estão em recessão. O mercado dos serviços públicos envolvem gastos enormes e os governos são geralmente bons pagadores. A incursão de fornecedores privados na educação é evidente em diferentes setores e atravessa todos os aspectos da avaliação, currículo, pedagogia e organização. Ao mesmo tempo em que a educação pública está sendo ‘marketizada’ de dentro para fora, ela tem se tornado cada vez mais sujeita à privatização vinda de fora – a ‘terceirização’ de serviços para fornecedores privados. (BALL, 2011:486).

De forma geral, apesar de algumas Narrativas dos Professores, terem demonstrado

que são favoráveis ao uso das apostilas nas práticas pedagógicas, outras enfatizam fortemente

que a adesão às apostilas, o Sistema Público Municipal de Ensino deveria aprender a ser

diferente, aprender lições com base nos métodos e valores do Sistema Privado de Ensino e aos

poucos ir se reformando até alcançar esses índices de “qualidade” que os mesmos pregam à

sociedade. Mas, por outro lado, percebemos também, que o Sistema Público teria que

aprender as “duras lições” ensinadas pelas disciplinas do mercado. Pensamos que isso pode

ser considerado como uma incorporação de novas sensibilidades e valores e novas formas de

relações sociais, ou seja, o Sistema Privado é o modelo a ser emulado e o Setor Público deve

ser “empreendedorizado” à sua imagem. Essa prática evidencia um Currículo Neoliberal que

“(...) consiste em um conjunto de tecnologias morais que operam sobre, dentre e através das

instituições e profissionais que atuam no Sistema Público e acabam por se interrelacionando

de forma complexa. (BALL, 2001:486)”.

A partir de então, podemos pensar sobre o foco da Performatividade (BALL, 2005).

A Performatividade é um termo que percebemos vem, cada vez mais sendo utilizado quando

da análise e elaboração de políticas, porque se trata de um termo que consolida a gestão de

desempenho nas subjetividades dos indivíduos. Na verdade a Performatividade nos convida e

nos incita a nos tornarmos mais efetivos, a trabalharmos em relação a nós mesmos para

melhorarmos e a nos sentirmos culpados ou inadequados quando não o fazemos, ou seja,

aparecem eficazmente os termos de aperfeiçoamento e efetividade e mensurados por medidas

de qualidade e produtividade.

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No caso da decisão de governo, em 2005, sobre a contratação do grupo Positivo,

através de apostilas, a intenção inicial era como já mencionamos, em adquirir computadores e

fim de equipar as escolas municipais com tecnologia, ou seja, adquirindo as apostilas, além de

tornar os professores e os alunos mais efetivos e produtivos, também haveria um ganho

tecnológico. Porém, o discurso usado para os pais foi que com a implantação das apostilas, o

ensino seria de melhor qualidade e para com os professores, que os alunos que migrassem de

um bairro para outro, teriam o mesmo material em sala de aula, sendo que facilitaria também

o trabalho do professor em virtude que os alunos poderiam manusear o mesmo.

Nessas discussões que foram realizadas no ano de 2005 com os pais, percebemos a

ausência dos professores. Porém, interessante é de que algumas Narrativas apontam que

mesmo nessa ausência de opiniões dos professores junto ao governo municipal, os mesmos

em nenhum momento deixaram de manifestar a sua opinião. As escolas ao que percebemos,

se tornaram nichos de discussão, discordância, concordância, ou seja, esses discursos

circulavam de forma oculta e não foram considerados pelo governo municipal. Os professores

manifestaram a sua opinião e estabeleceram reflexões importantes compartilhadas com os

colegas de trabalho.

Quando fiquei sabendo que ia ter uma mudança, fiquei indignada e eu era daquelas professoras “chatas” mesmo; queria saber e perguntava lá na escola pra diretora; que negócio é esse de mudança e porque; a Secretaria acha que a gente não tá dando conta? (Professora de Artes). Olha, foi uma revolução na época, muitas dúvidas, muitas expectativas. A gente ia pra escola e via os professores falando e alguns estavam bastante resistentes; outros falavam que já tinham tido experiências sobre apostilas e aí as vezes a sala dos professores ficava fervendo de situações, uns contra e outros a favor. Aí eu ia pra quadra porque às vezes ficava difícil tomar um posicionamento, afinal a gente não sabia sobre o que estava falando, não tínhamos qualquer contato com o material. (...) Aí eu comecei a conversar com os colegas da área de educação física e eles também não sabiam nada, ou melhor, sabiam que iria ter uma mudança, mas não se sabia do que se tratava. (Professor de Educação Física) E vou te dizer mais, na época, lá em 2005, eu não participei da implantação das apostilas, somente fui mais um professor a utilizar a apostila; eu nunca fui convidado pra participar de qualquer discussão, nada disso. Só fui apresentado a apostila, quando fui trabalhar com ela. (Professor de Matemática) A Secretaria de Educação, direcionada pela professora Marisa, resolveu implantar o sistema apostilado. Iniciaram-se as discussões com a comunidade, mas envolveu, principalmente a Associação de Pais e Mestres, porque a grande maioria dos professores, inclusive eu, se posicionavam contrários a implantação do método apostilado. (Professora de História). Bem, já anteriormente a decisão do sistema apostilado eu já percebia a necessidade de mudanças e reformas que deveriam acontecer no município. Sempre trabalhei com métodos apostilados. Na nossa escola, os professores já vinham discutindo sobre a necessidade de haver uma mudança. As discussões geraram algumas

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polêmicas sobre os conteúdos das apostilas, quer dizer se elas realmente viriam a satisfazer as necessidades de nossos alunos. (Professora de Língua Portuguesa).

Aqui há de se considerar que os professores do Sistema Público Municipal não foram

totalmente passivos ao processo de discussão sobre as mudanças que estavam sendo

articuladas pelo governo municipal, ao contrário, houve por parte de alguns deles o

envolvimento nessas discussões, gerando inclusive conflitos e diferentes opiniões sobre a

necessidade da mudança. Essas opiniões vieram por causar em alguns professores diferentes

reações, seja pelo fato de uma expectativa que viesse a colaborar com as práticas pedagógicas,

como manifestando certo desconforto, através da reflexão sobre o seu próprio trabalho que

talvez não estaria sendo valorizado pelo governo municipal.

Assim, se a Performatividade “é um método de regulamentação que emprega

julgamentos, comparações e demonstrações como meio de controle, atrito e mudança”

(BALL, 2005:543), os professores percebendo a possibilidade de uma mudança ou mesmo

reforma na educação municipal, também começaram a refletir sobre como eram vistas as suas

práticas pedagógicas pelo governo municipal, isto é, a adesão ao sistema apostilado poderia

significar que essas práticas não estavam trazendo resultados qualitativos e que o controle

dessas práticas, através do uso das apostilas poderia possibilitar melhor produtividade no

ensino.

Com relação aos encaminhamentos do governo municipal que antecederam a

implantação das apostilas, percebemos uma prática voltada ao Gerencialismo, “que representa

a inserção, no setor público, de uma nova forma de poder” (BALL, 2005: 544) e,

“funcionando como um instrumento para criar uma cultura empresarial competitiva”

(BERNSTEIN, 1996:75). Esse Gerencialismo desempenha o importante papel de destruir os

sistemas éticos-profissionais que prevaleciam nas escolas, provocando sua substituição por

sistemas empresariais competitivos. Essa substituição certamente provoca um desconforto e

um atrito constante ao invés de promover a melhoria das relações de trabalho e

consequentemente, o fortalecimento das práticas pedagógicas dos professores.

3.2.1 O Currículo apresentado aos Professores

Anteriormente situamos através da análise documental, uma reunião que aconteceu

na Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt no dia 31 de outubro de 2005, aonde o material

apostilado foi apresentado e entregue aos professores, ou seja, começa aí a implantação do

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Sistema Privado de Ensino no Sistema Público Municipal de Ensino pelo governo municipal.

As Narrativas mostram novamente, reações adversas frente a essa implantação

De repente, um dia teve uma reunião em que fomos convidados, aconteceu lá no Ivete (escola municipal) e eu fui e lá se abriu a caixinha, enfim, apresentaram às apostilas, os conteúdos e as áreas e aí a gente viu que educação física teria uma apostila mais voltada às orientações das práticas esportivas e físicas na escola. (Professor de Educação Física). A implantação do sistema apostilado teve uma repercussão muito boa, pois a partir daquele momento nossos alunos começaram a levar as apostilas para casa, podiam fazer as suas tarefas e os pais acompanhavam o aprendizado dos seus filhos. (Professora de Língua Portuguesa). Assim, quando a gente ficou conhecendo o material, era praticamente às vésperas de ir pra sala de aula e isso também foi ruim porque você precisava de mais tempo pra conhecer, mas tudo bem, a gente foi se adaptando aos conteúdos e também, ali estava tudo pronto e escrito mesmo. (Professora de Inglês) Assim, num primeiro momento eu posso te dizer que quando eu recebi a apostila achei bastante interessante pois eu achava que facilitaria o aluno ter o material disponível pois nem sempre a escola tinha o livro didático e isso era um problema e dificultava a realização de algumas atividades, bem como a complementação de estudo em casa. (Professora de Ciências) Marcaram uma reunião no Ivete pra mostrar pra gente o material e de novo fiquei assim, de repente, se ação. É como se viesse alguém e te entregasse um pacote e diz assim: vai lá, faz o que eu escrevi (...). (Professora de Artes) Quando recebemos a apostila foi de curiosidade, nós não tínhamos ainda tido acesso a esse material. (Professora de História)

Podemos observar que as opiniões se divergem, porém, todas as Narrativas apontam

que os professores àquele momento estavam percebendo que a mudança era de fato

implementada e um currículo prescrito, apresentado aos professores. O grupo Positivo

juntamente com o governo municipal encarregou-se de reunir os professores e entregar o

material apostilado aos mesmos, estabelecendo a mudança das práticas pedagógicas que de

autônomas, passam a ser controladas pelo Sistema Privado de Ensino. As reações adversas

desses professores enquanto sujeitos da pesquisa, talvez represente a de tantos outros que

naquele momento concordaram ou mesmo manifestaram-se contrários a essa decisão, mesmo

assim, esse currículo prescrito entregue aos professores no mês de outubro, dava início a

novos rumos da prática pedagógica.

A receptividade das apostilas resultou em diferentes reações aos professores, porém

todos manifestaram a sua opinião que, novamente, àquele momento, ficaram ocultas.

Primeiramente, era preciso considerar que o currículo prescrito começava a fazer parte das

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práticas pedagógicas dos professores e, com isso, por parte deles não havia possibilidade em

recuar dessa decisão. O governo municipal já havia realizado reuniões com todos os pais que

por fim, também acabaram aceitando as apostilas para os seus filhos. Por isso, poucas reações

ou mesmo manifestações aconteceram nessa reunião da escola municipal. Percebemos assim

que a preocupação principal demonstrada pelos professores, era em conhecer o material.

Porém, consideramos novamente, através das Narrativas, que esses mesmos professores

começaram a criar expectativas em torno das apostilas; conhecê-las de fato não como sujeitos

passivos, mas sim, com um olhar de possibilidade e inserção do seu próprio conhecimento.

As Narrativas consideram que os professores, mesmo diante de um currículo

prescrito, não abandonaram as suas práticas anteriores, tanto que ao manusear o material,

começaram por identificar nas apostilas, o que elas vinham a contribuir com um planejamento

que já existia, como também, um conhecimento já instituído e adquirido na sua formação

específica. Nesse sentido, as apostilas foram recebidas pelos professores, como um recurso ao

planejamento e as próprias práticas. É só com o passar do tempo que eles se dão conta que as

apostilas apresentam uma estrutura prescrita e que poucas interferências cabem ao professor,

durante o período de aula, porque era preciso utilizá-la todos os dias, durante um bimestre;

havia uma estrutura lógica a ser seguida e cumprida.

Neste sentido, parece ficar claro que os processos de reestruturação educacional propostos pelas políticas neoliberais têm um impacto sobre o trabalho docente. Com efeito, é preciso debater o impacto dessas políticas de reestruturação educativas sobre o trabalho docente, analisando o processo de trabalho, investigando suas condições de trabalho e, em especial, os processos de intensificação do trabalho (HYPOLITO, 2009:104).

Com isso, para muitos professores, esse direcionamento do trabalho pedagógico,

através do sistema apostilado, pode consideravelmente modificar a forma como eles

vivenciam o seu trabalho e as satisfações que obtém dele; pode haver uma distorção sobre o

propósito moral e de responsabilidade para com os alunos, porque a prática passa a ser vista

como inautêntica e alienante. Porém, evitá-las ou mesmos não aceitá-las pode significar

despontar a nós mesmos, podendo os outros interpretar que não temos capacidade em

trabalhar com esse material prescritivo, ou mesmo partir para um conflito com a instituição

que já decidiu pela aceitação.

Quanto a aceitação dos demais professores que consideram importante essa

mudança, o fato é que os sistemas performativos nos oferecem a possibilidade de sermos

melhores do que éramos e, principalmente, melhores do que os outros ou comparados aos

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outros que são pertencentes ao Sistema Privado de Ensino, quando, enquanto Sistema Público

de Ensino nossa característica tem sido marcada pela ineficiência. Por isso “a linguagem e as

práticas de gerencialismo neoliberal são sedutoras. Elas estabelecem a base para novos tipos

de sucesso e reconhecimento” (DAVIES, 2005:08). De fato, a performatividade opera melhor

quando conseguimos querer para nós mesmos aquilo que querem de nós, ou seja, resultados

eficazes. Esses resultados estão sintonizados, de certa forma, em transformar o indivíduo em

uma empresa, uma unidade produtiva, operando em um mercado de desempenhos,

comprometida com a acirrada busca por relevância definida pelo mercado, com isso,

passamos a ser eficientes e reconhecidos. Essas características são típicas em um sujeito

neoliberal; ele torna-se mais maleável do que comprometido, passa a reconhecer o

conhecimento mais do outro (empresa) do que o seu próprio (professor) e, assim também

flexível às mudanças, aceita o que o outro lhe oferece e acha isso eficaz.

No caso das Narrativas, os professores criaram expectativas frente ao material

apostilado, tinham de fato uma curiosidade em conhecê-lo, mas também, tinham uma

necessidade em emitir uma opinião sobre ele. Houve por parte dos professores, nessas

expectativas e melhoria de suas práticas pedagógicas. Os registros demonstram que os

mesmos sempre estiveram abertos as novas possibilidades, desde que participantes desse

processo. O fato, é que as Reformas na educação, acontecem sempre nos bastidores e à

margem da participação dos professores, não há o envolvimento e a preocupação dos

governos em ouvi-los para então, estabelecer Diretrizes. O mal estar instituído no Sistema

Público Municipal de Ensino é visível nas manifestações dos professores; o que antecedeu a

implantação do sistema apostilado novamente vem a provar que as decisões em educação

reduzem-se aos gabinetes e não às salas de aula. Os professores, nesse sentido, tornam-se

simplesmente os implementadores das propostas que talvez não tenham os resultados

esperados, devido às insatisfações em não participar dos processos decisórios.

Pontualmente, o professor de Educação Física usa a metáfora do “se abriu a

caixinha”, ou seja, revelou-se o que estava guardado, fechado e oculto ao conhecimento dos

professores. A professora de Língua Portuguesa, primeiramente reagiu demonstrando que o

sistema apostilado traria ganhos aos alunos, principalmente, porque eles levariam para casa o

material, trazendo como sinônimo de qualidade do ensino, o fato do aluno poder manusear as

apostilas, ou seja, muitas vezes certas limitações dos próprios professores que encaram como

qualidade somente o acesso ao material, contribuem com processos decisórios externos às

escolas, é preciso incorporar às discussões o verdadeiro sentido e significado de qualidade do

ensino. A professora de Inglês, primeiramente teve uma reação de expectativa em torno do

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material, preocupou-se com o tempo em conhecê-lo e levá-lo à sala de aula. Ao mesmo tempo

também percebemos que a expectativa deu lugar à decepção quando vê que “ali estava tudo

pronto e escrito mesmo”, restava somente a possibilidade de aplicação desses conhecimentos.

Essa reação também foi da professora de Artes, quando diz “É como se viesse alguém e te

entregasse um pacote e diz assim: vai lá, faz o que eu escrevi”, determinando assim a sua

reflexão em torno da inexistência de autoria, de autonomia frente a sua prática pedagógica,

como se o conhecimento pertencente ao Outro tem mais valor do que aquele produzido,

planejado e mediado pelo próprio professor que, inclusive, conhece a realidade dos alunos.

É imperativo examinar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para o que podemos chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência de reduzir os professores ao status técnico especializado dentro da burocracia escolar, cuja função, então, torna-se administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos (GIROUX, 1997: 158).

A implantação do sistema apostilado pelo Sistema Público Municipal de Ensino

trouxe e continua trazendo conseqüências sérias para o ensino e para as aprendizagens dos

alunos. Tanto a adesão, em 2005 como a continuidade já referenciada em 2009, contribuíram

para a transformação desse ensino e dessa aprendizagem. De 2006 a 2008 consta unicamente

a escolha do grupo Positivo na regulação do currículo e, a partir de 2009, a continuidade da

transformação do ensino e da aprendizagem em produtos calculáveis possibilitou

essencialmente traduzi-los em contratos com indicadores de desempenho, que foram abertos

ao processo licitação27, resultando assim, à concorrência entre fornecedores privados através

da terceirização. Essa concorrência gerou um pregão presencial, através de uma luta por

valores com lances de preços. Assim, as apostilas atualmente são adquiridas pelo Sistema

Público Municipal de Ensino, através de um pregão presencial28, com as empresas

participantes que realizam lances e o menor preço é o que vence.

O resultado do processo licitatório para aquisição de apostilas pode trazer a mesma

empresa, como também, outra para fazer parte do Sistema Público Municipal de Ensino e os

27 Licitação é um procedimento administrativo para contratação de serviços ou aquisição de produtos pelos entes da Administração Pública direta ou indireta. No Brasil, para licitações por entidades que façam uso da verba pública, o processo é regulado pela Lei n° 8666/93. www.tcu.gov.br 28 Pregão é uma das 6 modalidades de licitação utilizadas no Brasil, considerada como um aperfeiçoamento do regime de licitações para a Administração Pública Federal, Estadual, Distrital e Municipal. Essa modalidade possibilita o incremento da competitividade e ampliação das oportunidades de participação nas licitações, por parte dos licitantes que são Pessoas Jurídicas ou Pessoas Físicas interessadas em vender bens ou serviços comuns conforme os editais e contratos que visam o interesse público. O pregão é realizado em lances sucessivos e decrescentes, no chamado “quem dá menos”. O pregão pode ser Presencial (onde os licitantes se encontram e participam da disputa).

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professores ficam aguardando essa decisão, preparando-se para a possibilidade em conhecer

outro material e adequar-se, novamente, a outra proposta.

3.2.2 O Currículo Apostilado no Contexto da Prática

Há que considerarmos, quando falamos em currículo, que ele liga-se à escola e à sala

de aula, não sendo possível em qualquer momento de reconhecer a centralidade do professor

nesse processo.

O espaço da escola, no quadro teórico de Bersntein, é um local de reprodução, pelo que o currículo como texto didático situa-se no campo pedagógico de recontextualização, em resposta ao ‘como’, sempre presente através do princípio de descontextualização, ou seja, os textos são reposicionados e refocalizados em relação a outros textos. (PACHECO, 2010:85).

Nesse sentido, o texto escolar pode provocar uma descontextualização do texto,

prescritivo, no caso do sistema apostilado, através de um processo de decisão dependente do

grau de autonomia dos agentes educativos, ou seja, os professores.

Há que considerarmos, porém, que tal participação pode ser totalmente nula ao nível

de conteúdos já programados, mas torna-se ativa quando a escola é chamada a decidir e

analisar os aspectos mais formais do currículo, agregando a eles o conhecimento dos

professores e as trajetórias práticas estabelecidas ao longo do ensino. Neste último aspecto, o

professor pode tornar-se também um autor formal do currículo, através da participação e

elaboração de dispositivos, ou seja, formas concretas de operacionalização do currículo na

sala de aula, através de objetivos e competências, conteúdos, atividades e avaliação.

As práticas de decisão, nesse contexto, convertem um texto coeso e estável em um

texto que permite a leitura e interpretação. As práticas de leitura do currículo devem

possibilitar interpretações diferentes e contraditórias, que inclui a concepção, realização, e

avaliação, deve permitir “contextos e fases diferentes de decisão, correspondentes a um

processo contínuo de desocultação de expectativas, significados, interesses e saberes”.

(PACHECO, 2010:86 apud MORGADO, 2000:75). Assim, o currículo conhece vários

autores, sendo o principal, o professor.

Tornando-se uma autoridade pedagógica porque é o responsável pela modelação que

torna possível a aprendizagem em contextos de interação, o professor nem sempre é visto

como sendo uma autoridade curricular, porque não lhes é designado a escolha, principalmente

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quando de uma decisão de governo na adoção de currículos prescritos, dos conteúdos e

ensinar, e isto na lógica de uma mentalidade racionalista e eficientista, o professor

simplesmente assumo o papel de implementador. Diante disso, uma questão central na

discussão curricular é “a ideia de currículo como uma conversação bidirecional, ao invés de

uma transmissão unidirecional”. (GOODSON, 2001:71). Outra opinião, considerada radical

argumenta que

O currículo é uma conversação extraordinariamente complexa, devido a sua burocratização, institucionalização e abstração, o currículo da escola público é considerado inapropriado para responder aos desafios atuais e não for considerado como sendo uma compreensão que resulta de uma conversação contínua entre professores e alunos, mantida através de um diálogo aberto na interseção das esferas pública e privada. (PINAR:2005)

Dessa opinião, surge a ideia da não aceitação dos professores que tem pouco

controle sobre o que ensinam, bem como uma reduzida liberdade acadêmica no contexto do

currículo oficial. A autora sugere a perspectiva de um currículo como uma conversação

complexa, que é a própria ação, já que acontece na esfera entre o “eu” e o “outro”.

Essa participação ativa na decisão curricular, mais ainda quando é considerada a

importância do currículo oculto em muitas decisões, aparentemente controladas pelo governo,

entendemos que o professor jamais deixa de tornar-se um autor chave do currículo, pois a ele

é que pertence a mediação que torna possível a conversação em sala de aula. Portanto, é a

perspectiva de como o professor lê o currículo oficial que ao nosso ver, determina o modo

como ele é um dos seus autores porque participa ativamente das concepções de conhecimento

do Outro, integra as suas, interpreta e reinterpreta sobre o currículo. Nesse sentido, “quem

participa na elaboração do currículo? A resposta é peremptória; ‘a primeira resposta à

pergunta sobre quem é que deve ser membro do grupo é o professor. Repito e enfatizo: O

PROFESSOR’”. (PACHECO, 2010: 100).

Em Sorriso – MT, todavia, o Currículo Apostilado no Contexto da Prática, trata-se de

uma tarefa complexa quando é inscrito em lógicas autorais diferentes, pretendendo-se que o

professor seja simplesmente um mero leitor, devendo-o interpretar conforme parâmetros pré-

definidos e estratégias selecionadas. Na atual organização, em que a ênfase é colocada nos

resultados, o professor, grosso modo perde o seu papel de autor curricular, tal como se perde o

significado mais profundo da autonomia da escola e da autonomia profissional docente.

Novamente, podemos colocar em foco através das Narrativas que os professores após

conhecerem os conteúdos, a metodologia e a avaliação do currículo prescrito, estabeleceram

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diferentes práticas em sala de aula, inclusive, reinterpretando-o, ou seja, as práticas

pedagógicas revelaram as vivências anteriores ao sistema apostilado, quando os professores

desenvolviam projetos sempre fazendo prevalecer a realidade da comunidade. As queixas na

prática também revelam que os professores desconsideravam, por vezes, o currículo prescrito,

por distanciar-se da realidade dos alunos e também, as propostas de conteúdos, metodologia e

avaliação estavam aquém das práticas as quais eram realizadas anteriormente ao sistema

apostilado, tanto que eles citam os projetos e iniciativas que eram desenvolvidas em sala de

aula com satisfação, até porque visualizavam os resultados de aprendizagem dos alunos, como

também, mudanças de comportamento frente à aprendizagem.

Essas iniciativas de práticas em sala de aula, mesmo que evidentes, acabaram por

comprometer a autonomia dos professores, ou seja, mesmo integrando ao currículo as suas

iniciativas, o seu planejamento e as suas propostas, o tempo maior era destinado ao uso das

apostilas até por ser este um elemento regulador do governo municipal; existia a cobrança da

própria gestão da escola e também da Secretaria de Educação. Afinal, as apostilas eram

distribuídas bimestralmente, através de datas especificadas e, consequentemente, trazia o

compromisso e cumprimento do professor em finalizá-la no tempo determinado.

As Narrativas revelam sobre o Currículo vivido na prática em sala de aula e

demonstram os diferentes momentos que vão da execução do mesmo, aos questionamentos, as

discordâncias que resultaram também em outras práticas que levaram consideração a

realidade do aluno

Na minha área eu percebo que a apostila veio realmente revolucionar o ensino público. A apostila era de qualidade, fazia com que o aluno refletisse, pesquisasse. Os textos e os conteúdos que vinham ao encontro de nossos alunos fazendo-os viajar (entre aspas) por lugares desconhecidos. Gostava da sequência como eram colocadas as atividades. A gente tinha um texto, o vocabulário, a interpretação e a gramática, era muito bom. Também o interessante era que todos os encontros em que participei, os professores manifestaram suas opiniões que eram levadas para os responsáveis em Curitiba, então a gente tinha um espaço para opinar sobre o material. Veja bem Eloísa, o sistema apostilado aconteceu diante de uma revolução tecnológica, hoje o homem continua andando com a máquina e não poderia ter sido diferente, o aluno caminhava com a apostila. Não poderíamos de forma retroceder ao livro didático, aonde o mesmo permanecia na escola, sem que o aluno pudesse escrever nele; isso é um absurdo. Sem dúvida, as apostilas foram um salto muito grande para a educação, onde nossos alunos tinham as mesmas condições de estudo como qualquer outra instituição particular, bastava o aluno querer (entre aspas) e ele aprendia. Via também que a gente como professora precisava complementar as atividades com outros livros que serviam de apoio, claro, como é o próprio livro didático ou mesmo a internet e outras pesquisas que a gente fazia. (Professora de Língua Portuguesa).

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A professora de Língua Portuguesa, primeiramente atribui um significado ao uso das

apostilas em sala de aula, citando a importância dos textos, da interpretação e a gramática,

bem como a sequência e organização das atividades. A formação também é um momento que

merece destaque, porque percebia uma oportunidade de sugerir ao próprio sistema atividades,

tanto que ressalta “a gente tinha um espaço para opinar sobre o material”, porém o retorno ou

mesmo essas sugestões não aparecem contempladas no material. Posteriormente, faz um

comparativo entre o público e o privado, afirmando que os alunos do Sistema Público

Municipal de Ensino teriam o mesmo acesso ao conhecimento que os do Sistema Privado de

Ensino, ou seja, voltamos a discussão de um público que para ser considerado bom deve

seguir aos parâmetros do sistema particular. A professora demonstra essa satisfação sentindo-

se parte do Sistema Privado, isso na verdade lhe causa a sensação em deixar de ser diferente,

com a adesão das apostilas, ela começa a constituir uma identidade da escola privada, como

pertencente a esse grupo. No entanto, em um determinado momento, mesmo considerando

toda a eficiência do sistema apostilado, mesmo para aprendizagem dos alunos, a professora

revela que utilizava de outros recursos como apoio aos conteúdos das apostilas. Essa

eficiência, portanto, não se revela tão eficaz a ponto dela considerar a necessidade de buscar

em outros materiais, como é o próprio livro didático que anteriormente descarta como recurso

de conhecimento.

A professora de Inglês também traz na Narrativa importantes significados ao sistema

apostilado. Primeiramente, revela a sua necessidade em “achar uma brecha para escapar das

apostilas”, ou seja, o currículo que estava vivendo não lhe trazia causava interesse, mas, ao

mesmo tempo como o sistema central não lhe possibilita a autonomia de escolha, ela acaba

por sentir “medo em ser repreendida”. Aqui instala-se novamente a questão de

performatividade “que gera feitos de terror sobre os professores, por meio de uma neurose de

prestação de contas, ou, ainda, responsabilização na devolução de resultados qualitativos de

eficiência” (HYPOLITO, 2010:1341).

Nesse sentido, vejamos que a professora, numa determinada formação, pergunta ao

seu colega de área (formador do sistema) se pode “continuar desenvolvendo os meus projetos

e ele disse que sim”, ou seja, chegamos ao fato dos professores pedirem permissão para sua

autonomia acontecer em sala de aula; realmente um fato cruel.

Com o uso da apostila em sala de aula, a professora tinha o conhecimento das

diferenças culturais e de interesse de aprendizagem, dos alunos do centro e da periferia. Ao

relembrar as suas práticas, através dos projetos que desenvolveu, ela levou em consideração

essas diferenças, não no sentido de limitar o acesso ao conhecimento, mas sim, em valorizar e

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respeitar a curiosidade de aprendizagem dos alunos. A partir dessa relação, passa a comentar

os conteúdos, através de um olhar crítico quando destaca o conteúdo sobre o “surfing” ; “o

que interessa para o aluno”, relacionando a sua prática e, ao mesmo tempo, insere como

proposta o estudo da economia local, através da “soja aqui produzida vai para lá (exterior) e

vai servir para que, que comunicação acontece nisso”. Percebemos, portanto que a professora

integra um conhecimento na prática, a partir da necessidade do aluno em saber inglês, prova

disso é o projeto que desenvolve com turmas nos Estados Unidos de escolas públicas, ou seja,

ela encaminha as suas aprendizagens no sentido do aluno sentir a necessidade em conhecer

outra língua e outra cultura. Com isso, os professores das Narrativas tinham conhecimento

sobre a realidade do aluno e quando percebiam que essas realidades, principalmente, locais

não eram contempladas, eles mesmos integravam às suas práticas outras vivências e

possibilidades.

A professora de Ciências reconhece que as apostilas “seguiam os livros didáticos” e a

mesma questão é abordada pela professora de Geografia “a gente percebia que eles copiavam,

que eles recortavam essas atividades de vários outros materiais, exercícios de vários

vestibulares e com isso acho que perdia um pouco, a gente observava que ficava um pouco

fragmentado”.

(...) parecia que não havia uma distribuição certa, por exemplo, tinha conteúdos no 6° e 8° ano que precisava de mais informação e que na verdade ele só terá amadurecimento lá no 9° ano, então eu via uma lacuna. Ta, vou explicar melhor (pausa), assim, quando trabalhava água no 6° ano a gente sempre fala de uma fórmula química da água, separação de minerais e outros, porém o aluno não sabia o que era fórmula química no 6° ano entende, isso ele só iria ver lá no 9° ano; ele iria ter lá mais amadurecimento porque outros conteúdos do 6° ano preparariam ele, mas não era o que a gente via, por isso eu às vezes invertia, mas isso porque eu iria pegar esse ano lá na frente e se não pegasse falava pra minha colega que não tinha trabalhado por isso e por isso e por aquilo. Pois é na apostila sempre vinha sugestões de metodologia para se trabalhar cada conteúdo que auxiliava bastante a gente na hora de fazer um planejamento de aula, mas não pra seguir a risca, eu sempre fiz adaptações, tinha uns conteúdos muito fora, aí eu decidia o que era melhor. Eu também utilizava algumas avaliações do portal educacional, na área do professor e que era disponibilizado pelo sistema de ensino, mas, mesmo assim, eu modificava sempre quando eu achava que isso era preciso fazer, afinal, eu tenho conhecimento sobre a disciplina, estudei pra isso e continuo me preparando. (Professora de Ciências). (...) eu era um pouco contra os conteúdos porque muitas vezes os conteúdos eles eram colocados dentro de um objetivo e na hora dos exercícios e das atividades eles perdiam um pouco essa identidade do próprio material, porque a gente percebia que eles copiavam, que eles recortavam essas atividades de vários outros materiais, exercícios de vários vestibulares e com isso acho que perdia um pouco, a gente observava que ficava um pouco fragmentado, no sentido de pensar qual foi a real habilidade e competência que queria ser desenvolvida. Então eu observava que esse é um fator negativo do material e que no livro didátido isso não acontecia por que é um autor que ele observa o conteúdo do início ao fim, ele não pega vários conteúdos

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de vários outros lugares, onde cada um tem uma visão, uma criticidade em relação a aquele próprio conteúdo e sendo assim no livro didático ele é mais coeso, ele segue a sua metodologia dentro de suas habilidades e competências necessárias para ser desenvolvido, ele então é mais linear. (Professora de Geografia)

As Narrativas mostram que os conteúdos das apostilas também apresentam certa

deficiência com relação a sua organização e linearidade e identificam que o material torna-se

fragmentado. Além disso, quanto aos conteúdos, a professora de Ciências identifica que

alguns conteúdos aos quais deveriam ser estudados no 9° ano, são antecipados para o 6° ano e

termina por afirmar, através do seu conhecimento que o aluno não possui maturidade de

compreensão no respectivo ano. Pelas vozes dos professores “o professor não deixa, no

entanto, de ter uma autoridade pedagógica, que se traduz pelo como exerce profissionalmente

a sua missão de organizar o processo ensino-aprendizagem no âmbito da sala de aula”

(PACHECO, 2010:90).

A percepção sobre os recortes de outros materiais provoca no professor uma reação

que considera ainda outros recursos pedagógicos como sendo mais eficazes, no caso aqui

apontado pela professora de geografia, “no livro didátido isso não acontecia por que é um

autor que ele observa o conteúdo do início ao fim, ele não pega vários conteúdos de vários

outros lugares, onde cada um tem uma visão, uma criticidade em relação a aquele próprio

conteúdo e sendo assim no livro didático ele é mais coeso, ele segue a sua metodologia dentro

de suas habilidades e competências necessárias para ser desenvolvido, ele então é mais

linear.”

[...] a maior parte das políticas são constituídas de empréstimos e cópias de pedaços/segmentos de ideias de outros locais, aproveitando-se de abordagens localmente testadas e experimentadas, remendando-as e retrabalhando-as através de complexos processos de influência, de produção de textos, de disseminação e, em última análise, de recriação no contexto da prática (BALL, 1998).

O professor de Matemática considera difícil adequar certos conteúdos a sua prática

pedagógica porque os mesmos eram pouco atrativos ao aluno, metodologicamente, inclusive

expõe que “uma aula de matemática precisa de mais situações de atração”. Tanto que ele

também utilizava de outros recursos, inclusive tecnológicos a fim de tornar o conteúdo mais

atrativo ao aluno. Com relação a avaliação, o professor destaca que “se a gente só se

amarrasse na sugestão da apostila a gente ficava preso, fechado na avaliação e era preciso ser

mais aberto”. Aqui aparece de fato e, novamente, a capacidade de análise do professor frente

ao sistema apostilado e as dificuldades diante do currículo prescritivo ao qual o professor

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denomina, como pouco atraente aos olhos dos alunos. Com isso acabava por “criar

ferramentas de avaliação”.

Na perspectiva do professor de Matemática, a avaliação compreende observar os

caminhos pelos quais os alunos constroem a sua aprendizagem e, para isso, utiliza do

conteúdo sobre fração, ou seja,

(...) as vezes ele não sabia a técnica de fazer e resolver uma equação e o que eu tinha que fazer, era criar artifícios para isso, tinha que mostrar a importância do por que ele tinha que saber equação; (...) não era o simples cálculo de um ‘x’ como dizia a apostila, mas ele tinha que aprender a pensar e as estratégias desse pensar era comigo.” (Professor de Matemática)

A análise que o professor faz das explicações da apostila tem a ver com as

deficiências as quais ela possui em termos metodológicos que contribuem para a falta de

compreensão do aluno e, percebendo isso, ele começa a construir outros percursos

metodológicos que contribuem com o aluno, ou seja, percebe o momento exato de interferir

no currículo prescrito para então, promover as aprendizagens dos alunos. Portanto, “os

professores possuem saberes específicos que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles

no âmbito de suas tarefas cotidianas” (TARDIF, 2002:228).

A Narrativa da professora de História foi bastante interessante, pelo fato de termos

tido a possibilidade em obter uma exemplificação mais minuciosa sobre os conteúdos da

apostila. Primeiramente a professora ao destacar um conteúdo que falava sobre a Guerra do

Paraguai e nos explicar sobre a importância desse fato para o Brasil, revelou todo o seu

conhecimento da área de História. Essa percepção, novamente nos permite considerar que o

conhecimento do professor, adquirido durante a sua formação foi de extrema importância a

fim de analisar o material apostilado e relacioná-lo a partir de uma postura crítico sobre os

seus verdadeiros fins e objetivos, quando utilizado em sala de aula. Primeiramente, um ponto

de fundamental importância que a professora nos traz, diz respeito a sua capacidade em

perceber que os conteúdos disponibilizados aos alunos, na área de História, traziam uma

característica de dominação, ou seja, como ela mesma nos fala “a visão do dominante sobre o

dominado”. Por isso, além de prevalecer a fragmentação dos fatos, acaba por induzir opinião

sobre os mesmos, sempre prevalecendo a visão do mais forte sobre o mais fraco. Com isso “ a

educação muda com o mercado educacional; passa a ser uma arena de competição de soma

zero, ou seja, em que ninguém ganha sem que o outro perca, cheia de atores interessados em

si mesmos e em busca de oportunidades (BALL, 2004: 1120).

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Com relação à exemplificação de conteúdos29, com relação ao que falei de que há uma ideia da classe dominante, sempre em vantagem sobre a classe dominada, me lembrando e com essa apostila (abriu a apostila na página 13, através da unidade 6 que trata sobre a política externa do segundo reinado) é que quando ele fala da Guerra do Paraguai, ele começa falando que foi uma guerra da Tríplice Aliança. Foi mesmo, só que simplesmente tem estudos que colocam que o Paraguai vinha com uma perspectiva econômica naquele momento de se tornar uma potência econômica na região da América do Sul. Eles já conseguiam produzir alguns produtos que então eram exclusivos da produção inglesa. O Paraguai, é importante que se diga, já estava se consolidando com pequenas indústrias, para, então, tornar-se, aos poucos, independente da economia inglesa que, naquele período, dominava toda a região da América do Sul e era ela quem fornecia todos os produtos para a América do Sul. O Paraguai começou não mais a depender dessa indústria inglesa e começou a se organizar e a se automanter, produzir os seus produtos e a querer vender para a região. Nesse sentido, a Inglaterra começou a ver isso como uma ameaça porque ela era a fornecedora de produtos e ela queria continuar dominando esse processo e percebeu que na região da Tríplice Aliança havia conflitos internos e entre eles, entre o grupo da Tríplice Aliança referente a questões de terras, de espaços territoriais e aí o que acontece: a Inglaterra começou a perceber isso e o presidente do Paraguai, que era o Solano Lopes, estava realmente procurando um meio de ter acesso direto ao mar porque o Paraguai não tinha esse acesso ao mar naquela época. Ele tinha que passar por terras e águas de outros países vizinhos seus. E ele começa a querer arranjar espaço para poder escoar a sua produção e começa a criar conflitos com os países vizinhos, que entendem que ele quer se apropriar de territórios seus tendo em vista essa busca que ele vinha fazendo. A Inglaterra se aproveitou disso para fazer a ponte e quando ela percebeu que eles estavam se desentendendo, resolveu patrocinar o conflito tanto que ela fornece armamentos para os outros países e se torna vitoriosa do conflito. E o que a apostila deixa de lado é justamente isso, ela só pincela isso. Se você observar nessa página 15, ela deixa bem claro aqui: ela coloca que é só uma visão dos historiadores e há fatos que comprovam isso. Há fatos históricos que comprovam que os ingleses se sentiam ameaçados pela ação do Solano Lopes, porque os ingleses achavam que iam perder espaço, ou seja, o Paraguai deixaria de ser dominado economicamente pela Inglaterra, sairia da dominação inglesa e eles passariam a ser exemplo para toda essa região e os ingleses começaram a ver isso como ameaça. E aí o que ocorre: aqui para você trabalhar com crianças foi trabalhado de forma muito superficial e quando a apostila começa a tratar de fato o conflito, ele simplesmente passa a visão pura e simples do dominador. Você não vê o texto trabalhar como foi e qual era a real situação do Paraguai, porque ele chegou ao ponto de entrar nas águas e território brasileiros e outra coisa que eles deixam de fora é o total esmagamento da população paraguaia. Inclusive a apostila deixa dúvidas e questiona se de fato houve a morte de tantos paraguaios e há estudos de diversos historiadores que o Paraguai regrediu muito após o conflito. Tanto que ao final do conflito eles tiveram 75% da sua população dizimada no conflito e, dos que sobraram, a grande maioria dos 25% que ficaram, eram compostos por mulheres, crianças e idosos. O Paraguai retrocedeu na sua história na questão econômica porque ele ficou sem condições. E aí a apostila traz uma visão muito fragmentada sem dar condições para você fazer com que o aluno entenda que o conflito não foi assim tão simples como faz parecer. Houve prejuízo para todas as partes, mas, principalmente para o Paraguai. A Inglaterra fomentou o conflito e conseguiu destruir o Paraguai e endividou o Brasil, Argentina e Uruguai porque compravam armamento e pediam dinheiro emprestado. A Inglaterra ganha com a destruição dos planos do Paraguai e ganha com o endividamento dos 3 países e ainda vai continuar mantendo o domínio econômico. A apostila não trata dessas questões, mas só, por exemplo, aqui. “O Paraguai perdeu 140km para a Argentina”. E o que ficou da economia? E o que ficou do povo lá? Ela

29 2ª parte da narrativa que foi realizada com a Professora de História em fevereiro de 2012.

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não trata e ignora e você observa que ficou uma visão do dominador e não do dominado, como ele ficou. Eles colocaram o Solano Lopes naquele período, aqui nessa página, como um grande vilão, querendo invadir, dominar o Brasil e os outros países, e que ele era um grande ditador. Solano Lopes não é santo, mas a apostila esqueceu do domínio imperialista. Se você observar as questões que eles colocaram para ser trabalhada aqui, você lê um texto aqui não tem como você responder. Eu me decepcionava quando chegava aqui nessa parte para trabalhar com os alunos sobre a guerra do Paraguai, que é um dos conflitos que o Brasil participou mais importantes aqui da nossa região, e é trabalhado de uma forma bastante superficial. E o que eu fazia? Eu tinha que buscar outro material para complementar, só que assim, a gente não pode perder de vista que o texto base que você tem em sala de aula, passa a ser para o aluno uma espécie de verdade absoluta e qual a dificuldade que você tem? Eles não entendem (Segunda parte da narrativa – fevereiro de 2012).

Ao considerarmos que os professores são sujeitos ativos, admitimos que a prática que

eles estabelece em sala de ala não é somente um espaço de aplicação de saberes provenientes

da teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos oriundos dessa mesma

prática. Noutras palavras, o trabalho dos professores deve ser considerado como um espaço

prático específicos de produção, de transformação, de mobilização de saberes e, portanto, de

teorias, de conhecimentos e de saber-fazer específicos ao ofício de professor. Portanto, essa

perspectiva reconhece um sujeito de conhecimentos, um ator que desenvolve e possui sempre

teorias, conhecimentos e saberes de sua própria ação. Assim

A regulação administrativa do currículo, com sua minuciosidade e entrada em terreno estritamente pedagógico, quis se justificar entre nós como uma via indireta de formação dos professores que têm que desenvolver na prática o currículo prescrito, para o qual dita não apenas conteúdos e aprendizagens consideradas mínimas, mas trata também de ordenar pedagogicamente o processo. Fornece “orientações” metodológicas gerais, sugere às vezes pautas mais precisas que tratam de determinados temas; não apenas regula as avaliações que se farão e em que momentos, mas fala também das técnicas de avaliação a serem realizadas (SACRISTÀN, 2000: 113).

Enfim, o trabalho cotidiano do professor, não é somente um lugar de aplicação de

saberes produzidos por outros, mas também um espaço de produção, de transformação e de

mobilização de saberes que lhe são próprios.

Os profissionais que atuam no contexto da prática (escolas, por exemplo) não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos. Políticas serão interpretadas diferentemente, uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados dos seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser superficiais (MAINARDES, 2006: 62 apud BALL & BOWE, 1992).

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3.2.3 O Currículo Reinterpretado pelos Professores

A decisão do governo municipal pela adesão ao Sistema Privado de Ensino, já

falamos, provocou mudanças nas práticas pedagógicas que, de autônomas, passaram a ser

controladas através de um currículo prescrito e considerado eficaz à qualidade de ensino, bem

como aos resultados educacionais.

Os professores, sujeitos da pesquisa, deixaram em suas Narrativas indícios do não

cumprimento, na íntegra, das propostas de conteúdos, metodologias e de avaliação das

apostilas, ou seja, foram integrando práticas de sua autoria, a fim de contribuir com as

aprendizagens do aluno e que estivessem de acordo com a sua realidade. De fato, percebemos

com isso, que desde o início, quando as escolas perceberam a possibilidade de mudanças, os

professores não se mantiveram alheios ao processo, ao contrário, sempre se posicionaram

frente a essa decisão, compartilhando posicionamentos com os demais colegas, mesmo que

estes, muitas vezes, deram lugar aos conflitos.

Com o Sistema Apostilado implementado e entregue aos professores, os mesmos

partiram logicamente aos princípios teórico-metodológicos adquiridos em suas formações

acadêmicas, como também, de suas vivências práticas do dia a dia com seus alunos e na

experiência acumulada pelos anos de trabalho pedagógico. Dessa forma, pudemos perceber

que o professor em nenhum momento tornou-se um mero reprodutor de currículos que

chegam às escolas e, mesmo que em oposição à proposta, souberam integrar-se às apostilas.

Essas trajetórias estabelecidas pelos professores, partindo de um currículo

apresentado e vivido por eles, é chegado o momento de considerarmos a possibilidade do

planejamento e implementação de um currículo elaborado pelos professores. Antes disso,

temos a considerar que os professores já vinham, anteriormente, ao sistema apostilado

planejando e implementando nas suas práticas iniciativas importantes, cujo objetivo foi

sempre partir de uma realidade local, para enfim, estabelecer conhecimentos mais amplos;

como também, revelando aos alunos o porque do estudo, das aprendizagens e do

conhecimento de determinados conteúdos.

Assim, passamos as Narrativas sobre essa última questão a qual consideramos de

grande importância para a Educação, ao que os professores apontam

O fato de podermos planejar um currículo sem o uso do material da apostila, isso é bastante fácil de responder, é óbvio que o professor tem condição de organizar um conteúdo porque tem profundo conhecimento da disciplina que ele desenvolve, tendo em vista que ele teve sua formação na universidade e ainda passa por momento de formação, denominada de formação continuada e isso lhe possibilita

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uma condição de ser o agente construtor do seu planejamento curricular. E este planejamento deveria ser um planejamento que atendesse à realidade dos alunos considerando as condições que a escola pode oferecer para desenvolver a aquisição do conhecimento e também é óbvio que os conteúdos a serem trabalhados nesse planejamento curricular deveriam ser selecionados sempre pensando que o aluno deve ter a condição de se tornar um agente construtor de sua própria história e isso se dá através da aquisição do conhecimento que a escola pode proporcionar a ele e a metodologia a ser utilizada deve ser aquela que lhe possibilite a aquisição do conhecimento no sentido de que ele próprio possa se tornar um agente ativo no processo de ensino aprendizagem. A avaliação nunca pode deixar de ser uma avaliação contínua no intuito de ser formativa no sentido de que ela não venha a punir o aluno, mas sim possibilitar a ele a condição de ser um agente crítico do mundo ao qual ele faz parte. (Professora de História) Professora vou te dizer eu dou e daria conta sim, sou e seria capaz sim da fazer um material de matemática para os meus alunos, sabe por quê? Porque eu tenho coragem para fazer, quer dizer, na realidade eu já fazia isso no ensino médio que eu também trabalhava. No ensino médio eu mesmo montava o material em cima dos melhores materiais que tinha disponível tanto na internet quanto nos livros didáticos. Eu pesquisava fontes, trabalhava com exercícios complementares, mas eu, em relação à pergunta acredito que sim, seria de grande importância o professor fazer o seu próprio material porque a partir do momento em que você conhece uma clientela é mais fácil. Eu iria pegar o oitavo, você teria uma convivência com os alunos e seria possível perceber como é a realidade deles e os requisitos que faltariam para eles e então com o oitavo ano certamente o que eu iria trabalhar naquela realidade, quer dizer, você pegaria conteúdos que o aluno tem familiaridade e não aqueles que estariam fora da realidade deles. Imagina professora se você pudesse fazer isso seria interessante. Daí a questão de que a apostila do município deveria ser feita pelos professores porque ficaria muito mais interessante, o trabalho de uma equipe inteira de professores em longo prazo com cuidado, através de pesquisa e material didático, apesar que na nossa cidade temos também divergência de realidade e temos que pensar nisso. (Professor de Matemática) Quanto ao currículo, é difícil, a gente percebe que a maioria dos profissionais da educação do município de Sorriso, acredito que não teria uma condição de montar uma matriz curricular de sua disciplina, até porque sempre vi que muitos colegas, eles eram um pouco metódicos assim em relação ao conteúdo, eles seguiam bem a sequência pré determinada pelo material e assim muitas vezes a gente tinha algumas dificuldades de priorizar aquilo que ia ser ou não importante dentro da formação do aluno (...). (Professora de Geografia) Daí né, eu estudando o material, sobre manifestações culturais, mas sempre adaptando ao meu planejamento (Professora de Artes) Com certeza se não tivesse o sistema apostilado eu construiria um material e vou te dizer como faria. Em primeiro lugar, eu estaria direcionando os conteúdos para a idade e série fazendo uma ligação de conteúdos, independentemente se no 8° ano só se estuda o corpo humano e no 9° ano a química e a física, por exemplo, eu trabalharia alimentos orgânicos e inorgânicos e tem que se trabalhar a parte química também e não deixar só pro 9° ano, pois isso dificulta o entendimento do aluno. (Professora de Ciências) Sabe depois a gente foi amadurecendo e pensando com outros colegas, porque a gente não se junta e cria um material, claro que eram poucos que queriam, mas nem que fossem três, mas a gente poderia colocar ali o que a gente sabe e a gente entende das realidades e não fica recebendo tudo pronto, de cima, mas aí a maioria gostava do sistema e eu também, claro que foi bom, mas poderia ter sido melhor. Acho que a gente precisava amadurecer, sei lá, o professor precisava sair dessa acomodação de que tudo tá bom assim. (Professora de Língua Inglesa)

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Então, sem a apostila, tudo bem a gente daria um jeito. (Professor de Educação Física).

Pelas vozes da maioria dos professores, o posicionamento revela as possibilidades, os

interesses e as perspectivas em torno de um currículo verdadeiramente planejado e

implementado por eles próprios, seja individualmente ou mesmo em parceria com colegas aos

quais ele mesmo identifica como parceiros desse projeto. As professores de Língua

Portuguesa e Geografia, uma não se posicionou porque percebemos desde o início considera

que as apostilas devem ter uma continuidade; outra não reconhece nos professores a parceria

na construção do currículo, porque acabaram por seguir criteriosamente as apostilas, ou seja,

sob a visão da professores, os colegas se entregaram a prática do currículo prescritivo.

Com relação aos demais, surgem as sugestões de construção desse currículo e o

desejo da autoria de um material que viesse a contribuir com o conhecimentos dos alunos a

partir de uma perspectiva local que iria, certamente, se estendendo ao estudos de outras

realidades. O sistema apostila foi bastante apontado pelas vozes dos professores, como sendo

alheio ou mesmo muito distante da realidade dos alunos.

Primeiramente é preciso que posicionemos qual tem sido a posição dos professores

com relação ao currículo, ou seja, ele tem sido leitor quando de uma decisão centralizada de

decisão curricular, até porque o professor tem a tendência, e por força da sua formação, para

se “entregar” à instrução, lendo o currículo de acordo com as políticas nacionais, que estão

cada vez mais orientadas para a prestação de contas, uma vez que a discussão educacional do

momento vem sendo fortalecida pelo discurso da melhoria dos padrões educacionais nas

escolas.

Com os efeitos da globalização a sentirem-se fortemente na escola, as mudanças são

muito diversas, acabou adentrando fortemente e rapidamente nos discursos acerca da

escolaridade, tornando os discursos educacionais voltados ao capital humano, à aprendizagem

ao longo da vida, para a melhoria de competência que deem conta do mercado de trabalho e,

por final, ao desenvolvimento econômico.

Neste sentido, ao que viemos acompanhando é que os discursos educacionais globais

desempenham importante papel na criação de políticas e práticas comuns, com destaque para

os discursos acerca da economia do conhecimento e para o papel central das tecnologias de

informação e comunicação nesse processo.

Argumentamos, com isso, que a escola vem mudando substantivamente quer na

organização curricular, associada à alteração da noção de escola, quer na concepção de

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conhecimentos, quer, ainda, na autoria e leitura do currículo, com a valorização do espaço da

sala de aula, no que pode ser entendido como sendo o regresso ao ensino.

Por isso, ao vivermos esses tempos de mudança na identidade do professor, que

passa de um “supervisor fabril a gestor empresarial” (PACHECO, 2010:92), em que a escola

se torna um negócio rentável, porque é uma das instituições mais permeáveis à lógica e aos

interesses do mercado, a secundarização do currículo como campo intelectual de

descodificação dos discursos e análise crítica das práticas, torna-se evidente face a

movimentos orientados por uma mentalidade de ganhos e lucratividade, movimentadas pelo

mercado empresarial. A empresa torna-se ao só o modelo das reformas educativas, bem como

se institui como símbolo de eficiência dos custos-benefício que a escola deve adotar no seu

interior, a fim de verificar e incentivar os melhores a sempre ganhar mais.

Percebemos, através das vozes dos professores, objetivos diferentes aos quais a

escola está condicionada, ao invés de um currículo mensurado por resultados, os professores

colocam em evidência um currículo que valorize a formação humana. Porém ao contrário do

que se quer, há o interesse do mercado pelas competências, principalmente, operacionais, que

se traduz em políticas voltadas aos resultados e eficiência. Contudo há que considerarmos que

“quando o social predomina, o pessoal enfraquece, e com ele todo o projeto progressista da

educação orientado para a construção subjetiva da experiência humana”. (PINNAR, 2006:5).

Neste caso, a investigação curricular na construção de propósitos de formação humana

centrar-se-á na promoção do conteúdo intelectual do conteúdo escolar à medida que propõe

seu significado social e subjetivo.

Alguns professores, através de suas Narrativas, ao demonstrarem claramente o seu

posicionamento frente a construção, planejamento e implementação de um currículo próprio,

nos interrogamos sobre o por que razão a sala de aula se tornou um lugar tão desagradável,

levando a que muitos professores se tenham afastado pela segurança de sua subjetividade,

como também abdicando abertamente da sua autoridade profissional e responsabilidade ética

pelo currículo que ensinam. Ao mesmo tempo, também refletimos sobre o por que razão os

professores agem no terreno das práticas curriculares controladas, dominadas pela

racionalidade. Essa pesquisa nos faz pensar que o peso pelo qual os professores tem sobre o

currículo, que é o próprio centro organizacional e intelectual da escolaridade, deve-se a essas

políticas de prestação de contas, uma ideia que torna os professores responsáveis pelo

aproveitamento dos alunos, quando a educação deveria ser consideração uma oportunidade e

não um serviço prestado. Esse peso de responsabilidade, acreditamos, acaba por provocar no

professor certo receio quando da construção do seu próprio currículo.

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Portanto, a currículo estabelece um percurso na sua construção escolar e o seu valor

social e subjetivo depende, em grande parte, do modo de olhar para dentro da sala de aula,

reconhecendo-se de que se trata de um espaço curricular que necessita ser questionado. Com

efeito, o currículo não existe somente nas esferas circundantes da escola, como se os

problemas educativos fossem somente no interior das escolas e ao trabalho cotidiano dos

professores e alunos. Por isso é preciso que pensemos

As teorizações que temos produzido por meio de nossas pesquisas não têm contribuído, como gostaríamos, para enriquecer a prática curricular em nossas salas de aula e promover mais aprendizagens. Ou seja, a teoria e a prática não se encontram tanto como seria de desejar. Fazemos denúncia, em exames extremamente inteligentes, interessantes, que nos ensinam muito, mas continuam profundamente sovinas no que se refere a dar ao professor um pouco mais de estímulo para pensar sobre a realidade de forma diferente (...) ajudamos o professor a entender as relações de poder e de opressão, mas não o ajudamos tanto a pensar como é possível lutar contra essas relações, em que outras, pelo menos outras, relações de poder estejam presentes. (MOREIRA, 2003:22)

Os professores ao demonstrarem esse interesse de planejamento e implementação de

um currículo próprio e, apesar dos seus esforços em buscar essa autonomia, ainda sofrem

muito e constantes controles da administração central. Suas práticas, pelos governos, são

consideradas ineficientes e ineficazes ao próprio desenvolvimento econômico do país.

Quando esses professores, sujeito da pesquisa, voltam-se a essa percepção e manifestam suas

opiniões e sugestões para a própria Secretaria de Educação, que possa rever essas decisões,

realizar pesquisas para ter resultados mais coerentes e demonstrativos mais eficazes sobre os

resultados alcançados com a adesão das apostilas, querem na verdade, indiretamente dizer que

eles precisam ser mais ouvidos, porque todos os dias adentram a sala de aula e conhecem as

realidades dos alunos, suas necessidades de conhecimento e formação. Portanto,

consideramos essas vozes extremamente importantes para a construção, discussão e decisão

sobre os caminhos do currículo; sem elas nos tornaremos tão iguais aos governos que

estabelecem diretrizes e veem os professores como simplesmente implementadores a partir da

visão do mercado.

As vezes eu vejo os outros colegas reclamando, a gente é mais livre pra decidir, sei lá, acho que tinha que discutir de novo isso, se essa mudança foi boa uns dizem que sim e outros dizem que não, mas isso a Secretaria tem que ver, porque da outra vez foi a outra Secretaria que decidiu. (Professor de Educação Física) Então, professora quero deixar só uma ideia pra você que faz parte lá da secretaria de educação e não sei se caberia nessa sua pesquisa. Vocês deveriam fazer uma avaliação interna sobre o uso dessas apostilas, saber se realmente houve e continua

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havendo aprendizagem já que agora mudou de sistema, mas, professores, pensem nisso. (Professor de Matemática) Vocês da Secretaria continuaram, quando deveriam ter retirado, deixado a gente mais livre pra trabalhar; sei que tem questões políticas, mas, gente, é educação e educação a gente tem que levar com seriedade. (Professora de Artes).

As políticas curriculares têm assumido um lugar central nas discussões das

políticas educacionais no Brasil,

(...) as reformas educacionais são constituídas pelas mais diversas ações, compreendendo mudanças nas legislações, nas formas de financiamento, na relação entre as diferentes instâncias do poder oficial (poder central, estados e municípios), na gestão das escolas, nos dispositivos de controle da formação profissional, especialmente na formação de professores, na instituição de processos de avaliação centralizadas nos resultados. As mudanças nas políticas curriculares, entretanto, têm maior destaque, a ponto de serem analisadas como se fossem em si a reforma educacional (LOPES, 2004:110)

Essa centralidade no debate, para a autora, pode resultar em uma armadilha, na

medida em que os formuladores da política acusam os professores pelo fracasso das reformas

ao se recusarem a implementá-las. Estes, por sua vez, tecem críticas às políticas curriculares

por elaborarem propostas impossíveis de serem realizadas. Para Goodson (2008), a relação

entre o conhecimento e controle está na origem das prescrições curriculares pelo Estado,

desde o início da história do currículo, datado do século XVI nos países europeus. Para o

autor, o currículo depende do contexto social em que é produzido e do ambiente educacional

em que é realizado. O currículo escrito possui ao mesmo tempo um significado simbólico e

um significado prático, na medida em que serve de referência para a avaliação e a análise

pública dos sucessos e insucessos da escolarização.

O currículo escrito não passa de um testemunho visível, público e sujeito e mudanças, uma lógica que se escolhe para, mediante sua trajetória, legitimar uma escolarização. Como tal, o currículo escrito promulga e justifica determinadas intenções básicas de escolarização, à medida que são operacionalizadas em estruturas e instituições. (GOODSON, 2008:21)

A importância do currículo prescrito encontra-se então em seu poder de

legitimar tradições escolares e das ciências, bem como de orientar a elaboração de orientações

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metodológicas e compêndios didáticos. Sendo assim, o Estado reforça então os interesses de

determinados grupos hegemônicos ou acadêmicos que elaboram tais documentos.

Toda política curricular é constituída de propostas e práticas curriculares e como também as contitui não é possível, não é possível de forma absoluta separá-las e desconsiderar suas inter-relações. Trata-se de um processo de seleção e de produção de saberes, de visões de mundo, de habilidades, de valores, de símbolos e significados, portanto, de culturas capazes de instituir formas de organizar o que é selecionado, tornando-o apto a ser ensinado. (LOPES, , 2006:111)

Para Sacristàn (2000), o professor usa o currículo prescrito por múltiplas

vias, pois, como o currículo não é neutro, desperta significados que determinam os modos de

adotá-lo e de usar a proposta curricular que recebe. O professor cumpre o papel, portanto, de

mediador, selecionando temas, acrescentando conteúdos, definindo as estratégias de ensino,

atribuindo significados ao que será proposto.

Para Pontuschka (1999), os currículos oficiais, propostas ou parâmetros

curriculares apresentados pelo Estado, são sempre polêmicos, dada a forma autoritária com

que chegam às escolas e aos professores. O descontentamento com propostas oficiais ou a

constante reflexão sobre a prática educativa levam o professor a buscar caminhos próprios,

selecionando o que ensinar e como fazê-lo. Há uma dicotomia expressa entre o currículo

escrito, a teoria curricular e a prática docente ou o “(...) potencial para uma estreita relação

entre teoria e prática ou entre currículo escrito e currículo ativo, depende da natureza da

construção (...) bem como da sua execução interativa em sala de aula” (GOODSON, 2008:24)

Com isso, podemos pensar que realmente é o processo de elaboração

do currículo prescrito que o legitima e permite sua aceitação junto aos professores ou será

objeto de polêmica e contestação. Ao estudar o currículo escrito e as condições políticas,

históricas e sociais em que foram elaborados é possível encontrar respostas e justificativas

para as opções feitas pelos professores em sala de aula, na prática do currículo. A este

currículo que se faz por meio da atuação de diferentes agentes e que é constantemente

avaliado, Sacristàn (2000), denomina currículo moldado pelos professores e em ação, pois no

processo de planejar a prática e realizá-la o professor constrói significações e intervém na

configuração das propostas curriculares. Neste perspectiva, os professores são sujeitos de um

processo de ensino-aprendizagem, cumpre um papel de mediador entre o currículo

estabelecido e o que se realiza na prática, não são meros objetos dos mínimos prescritos pelos

acadêmicos e grupos hegemônicos. Ressaltamos, com isso, que não é possível vivenciar

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propostas de inovação educacional sem a reflexão sobre o currículo que se realiza nas práticas

docentes e sem que o professor coloque-se na posição de agente reflexivo do processo de

ensinar e aprendizagem.

Contudo, concebemos, conforme Sacristàn (2000), que os limites da

atuação docente são dados a partir de um quadro configurado por variáveis institucionais,

sociaisl políticas e históricas e dessem modo a análise do currículo é antes de tudo um espaço

teórico, prático, político.

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136

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de compreender como alguns

professores do 6º ao 9º ano adotam e reinterpretam a política de currículo apostilado no

Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso-MT. Partindo das concepções de estudo

sobre o ciclo de políticas, compreendemos que a Política de Currículo Apostilado adotado

pelo Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso – MT é resultado de uma decisão de

governo que implementou junto aos professores a proposta do uso das apostilas, num contexto

de reflexões, conflitos, expectativas, interpretações e reinterpretações que continuam

circulando nas práticas escolares dos professores do 6º ao 9º ano.

A análise crítica procurou enfatizar, a partir do estudo sobre o Ciclo de políticas de

Stephen Ball, sobre a vinculação de institutos nacionais com agências transnacionais que

possuem o estratégico papel de promover e disseminar ideias neoliberais; das relações entre o

público e o privado e a tênue separação entre eles. Dos processos de mercantilização que têm

sido incorporados pelas redes de ensino, como é o caso da adesão do Sistema Público

Municipal de Ensino em Sorriso – MT de apostilas fornecidas pelo Sistema Privado de

Ensino, através do grupo Positivo, de Curitiba – PR.

A partir dessas concepções, situamos características de um currículo neoliberal que

vem para reformar o Sistema Público Municipal de Ensino e a partir dessas mudanças os

professores passaram a “reaprender” suas práticas e valores. As apostilas que são distribuídas

aos professores, através de um kit escolar, surgem como um pacote de “soluções

educacionais” para tornar a educação municipal mais eficiente e de resultados, mesmo que os

discursos do governo municipal, não circulem nessas características e posicionamentos.

Com a adesão do Sistema Privado de Ensino pelo Sistema Público de Ensino, a

metáfora configura-se, além da eficiência, que o setor público passa a ser diferente,

aprendendo lições com base nos métodos e valores do setor privado e aprendendo a ser

reformar de acordo com as Diretrizes estabelecidas no currículo prescrito. Para os pais, os

discursos circulam de que os filhos passariam a ter o mesmo material dos alunos das escolas

particulares, sustentando assim um falso imaginário de melhoria da qualidade de ensino, ou

seja, os alunos da escola particular são melhores porque tem um material apostilado, como os

pais da escola pública não podem financiar essa ensino privado, o Sistema Público Municipal

de Ensino se encarrega em tornar esse sonho possível, comprando um Sistema Privado de

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Ensino. Portanto, o setor público passa a ser modelo de eficiência pela adesão às apostilas e,

consequentemente, o ensino passa a ser visto como sendo do setor privado.

Os professores considerados à margem de toda essa discussão são vistos como

simples implementadores da escolha do governo municipal, passando assim, também, a serem

reguladas as suas práticas pedagógicas. Porém, mesmo sendo os seus discursos

considerados ocultos, nas escolas circulavam discussões e opiniões frente à adesão das

apostilas, ora contra ou ora a favor dessa mudança.

Partindo dos discursos à prática, o governo municipal marca uma reunião em uma

escola municipal e, o que seria a apresentação de uma proposta e do próprio grupo Positivo,

torna-se, de fato, a implementação da mesma, inclusive entregando aos professores o

respectivo Kit escolar, contendo as apostilas. Tanto o governo municipal quanto o grupo

Positivo alcançaram êxito no resultado da reunião; os professores imediatamente começam a

analisar o material. O resultado das análises traz respostas importantes ao governo municipal,

mesmo os professores não participando do processo de discussão à mudança, em suas práticas

na sala de aula, eles passam a reinterpretar o material apostilado, integrando seu próprio

conhecimento e suas experiências curriculares na prática, vividas anteriormente. “Os

profissionais que atuam no contexto da prática (escolas, por exemplo) não enfrentam os textos

políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e

propósitos (BALL, 1992).

Entendemos, com isso, que os professores, a partir das Narrativas consideram as

políticas curriculares decididas e implementadas pelo governo municipal, como deslocáveis e

flexíveis. A partir de então, começam a redirecionar o olhar para a possibilidade de autonomia

em suas práticas, redirecionando objetivos, conteúdos, metodologia e avaliações.

Passados quatro anos do sistema apostilado (2005 a 2008), o governo municipal

(2009 a 2012) decide por realizar uma pesquisa junto aos professores, na tentativa de refletir

sobre os resultados que o sistema apostilado vem proporcionando, principalmente com

relação às aprendizagens dos alunos e as práticas dos professores. Assim, os professores da

educação infantil ao 5° ano decidem pela retirada das apostilas, enquanto os professores do 6°

ao 9° ano decidem pela sua continuidade.

Porém, as entrevistas realizadas com o prefeito municipal Clomir Bedin e secretária

de educação Avanice Lourenço Zanatta elaboram seus discursos voltados à melhoria do IDEB

do município e se as apostilas realmente contribuíram para isso, ocultando, portanto, o

discurso anterior, sobre as aprendizagens dos alunos e as práticas dos professores. Também

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138

revelam que mesmo tendo conhecimento sobre o uso indevido dos recursos públicos com a

compra das apostilas, os gestores dão continuidade as mesmas, do 6° ao 9° ano.

Com relação ao IDEB, algumas questões se fazem presentes e pela qual queremos

considerar, quando há poucos dias foram divulgados os resultados referentes a 201130. Os

discursos do governo municipal (2009 a 2012) que circularam foram e vem sendo totalmente

contrários ao sistema apostilado, uma vez que não resultaram na melhoria da qualidade do

ensino, principalmente do 6° ao 9° ano, ao contrário, os índices por escola apontaram a

diminuição da nota. Também deram lugar aos discursos, um comparativo entre os resultados

alcançados nos anos finais, pelos municípios de Lucas do Rio Verde - MT (5,2), Sinop - MT

(4.7) que não possuem sistema apostilado e, Sorriso - MT (4,6) que, a praticamente 7 anos

possui o sistema apostilado. Citamos essa rota da BR 163 por serem esses três municípios os

que mais têm se desenvolvido em termos populacionais e econômicos nos últimos anos. Ao

contrário, com relação aos anos iniciais do ensino fundamental, também houveram discursos

positivos, ou seja, utilizando a mesma rota de município da BR 163, Lucas do Rio Verde -

MT (6,2), Sinop - MT (5,1) e Sorriso - MT (5,2), sem o sistema apostilado nos municípios.

Com isso, os discursos políticos aos quais vem sendo construídos, levam em conta que a

retirada das apostilas possibilitou ao município de Sorriso – MT alcançar um resultado

significativo no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, nos anos iniciais do

ensino fundamental.

Quanto a isso, queremos destacar a voz de um dos professores que participaram da

pesquisa.

(...) quando a gente começou com a apostila a gente experimentou ela e posso te afirmar que o resultado nunca foi positivo (...). Então, professora quero deixar só uma ideia pra você que faz parte lá da secretaria de educação e não sei se caberia nessa sua pesquisa. Vocês deveriam fazer uma avaliação interna sobre o uso dessas apostilas, saber se realmente houve e continua havendo aprendizagem já que agora mudou de sistema, mas, professores, pensem nisso. (Professor de Matemática)

As vozes dos professores, em 2006, já revelavam que o sistema apostilado não estava

possibilitando aos alunos aprendizagens significativas, ou mesmo mais eficazes. Os

professores também enfatizaram que os conteúdos, as metodologias e a própria avaliação,

traziam recortes de outros materiais, inclusive os livros didáticos e que isso contribuía para

um ensino fragmentado em sala de aula e para o próprio conhecimento do aluno. Por isso, à

medida que essas observações eram feitas, os próprios professores foram utilizando outras

30 www.inep.gov.br/provabrasil

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metodologias, inclusive àquelas as quais eles mesmos desenvolviam anteriormente ao sistema

apostilado, por considerarem as mesmas mais próximas a realidade do aluno.

É preciso que repensemos as discussões curriculares no âmbito de governos

municipais, estaduais e federal. As Políticas de Currículo implementadas a nível de uma

decisão de governo não tem possibilitado melhorias na educação, mas sim, tem fortalecido a

reação negativa dos professores, principalmente pela não participação dos mesmos nas

reformas de currículo, afinal quem detém as práticas em sala de aula, são os professores.

Como anteriormente já citamos, Sorriso – MT ainda sofre conseqüências com

relação à Política de Currículo Apostilado. Ao final de cada ano é realizado um processo

licitatório com abertura de concorrência de empresas que queiram participar, a fim de oferecer

um sistema apostilado ao município. De 2005 a 2010 somente o grupo Positivo detinha esse

mercado de Sorriso – MT. Nos anos de 2011 e 2012 passou a fornecer as apostilas, o Sistema

Maxi de Ensino. Para o próximo ano já te procurado o setor de licitações da administração

municipal, também a FTD, ou seja, os professores terminam o ano com uma empresa e há

possibilidade em começarem o próximo com outra empresa que certamente traz outra

proposta, em termos de conteúdo, metodologia e avaliação.

O Sistema Público Municipal de Ensino em Sorriso – MT necessita urgentemente

reconsiderar as vozes dos professores, não somente em reuniões pontuais, mas sim, através de

encontros de reflexão sobre um Sistema Privado de Ensino estabelecer as Diretrizes de

Conhecimento dos alunos, lembramos, totalmente desconectados da realidade e, cada vez

mais, ineficazes. Nesse ínterim, a autonomia dos professores na escolha do currículo é

inevitável e urgente, como também, o conhecimento dos mesmos adquiridos durante a sua

formação sendo, portanto, os recursos didáticos um complemento às práticas pedagógicas. É

preciso, portanto, direcionar os professores no centro das decisões sobre políticas curriculares.

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140

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ANEXO I

MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA

CURRÍCULO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS ESCOLARES ROTEIRO DE ENTREVISTA

Categoria: Semi –estruturada

Entrevistada: Prefeito Municipal Dilceu Rossato (2005 a 2008)

1. Quais são suas concepções sobre Educação, Professor e Aluno?

2. Quais eram as convicções trazidas, com relação à educação do município de Sorriso

(CEMEIS e Escolas Municipais) e o que se tornou realidade na sua gestão?

3. Qual era a sua opinião frente ao sistema apostilado fazer parte da realidade das escolas

municipais de Sorriso?

4. Quando da implantação do sistema apostilado, de 2006 a 2008, conforme os registros da

Secretaria de Educação sempre se manteve presente, discutindo sobre a educação no

município. Nesse sentido, percebeu avanços na educação do município?

5. Com relação aos avanços da educação, acha que se deram em virtude da implantação do

sistema apostilado.

6. Conforme os dados estatísticos do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB,

o município de Sorriso obteve a melhoria da nota no ensino fundamental. O que considera

que contribuiu com essa melhoria?

7. Acha que o Grupo Positivo contribuiu para a melhoria da qualidade de ensino do município

de Sorriso?

8. Considerações Finais.

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ANEXO II

MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA

CURRÍCULO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS ESCOLARES ROTEIRO DE ENTREVISTA

Categoria: Semi –estruturada

Entrevistada: Secretária Municipal de Educação Marisa de Fátima dos Santos Neto (gestão

2005 a 2008)

Local:

Data:

Horário:

Justificativa: a Dirigente Municipal, de 2005 a 2008, exerceu um cargo na Secretaria de

Educação e Cultura. Assim, a respectiva Administração Municipal foi responsável pelos

encaminhamentos e discussões em torno da implantação do sistema apostilado no município

de Sorriso – MT.

1) De quem partiu a ideia do Currículo Apostilado no Município de Sorriso? E, por quê?

2) Percebe-se pelos registros na Secretaria de Educação, que houve de forma bastante

planejada todo um cronograma de trabalho até, de fato, a implantação do sistema apostilado.

Portanto:

2.1. Em meados de julho de 2005, em reunião com a Administração Municipal, a equipe

pedagógica da SMEC discutia sobre a implantação do sistema apostilado. Quais foram os

principais argumentos para com o prefeito em relação à implantação do sistema apostilado?

2.2. Consta ainda que em agosto do mesmo ano, o Grupo Positivo, no Hotel OPUKA,

realizava uma reunião para apresentação do material. Conte-nos um pouco sobre essa reunião,

quem eram os participantes e como foi à receptividade do material.

2.3. Por que houve a fundação da Associação de Pais de Sorriso? A APS contribuiu para a

implantação do sistema apostilado? De que forma?

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145

2.4. Percebe-se, também, de forma bastante organizada, uma sucessão de reuniões com as

Escolas Municipais. Quem eram os participantes das mesmas e sobre o que tratavam as

reuniões, especificamente?

2.5. Consta, ainda, nestes registros, que houve uma mobilização da SMEC junto às empresas

do município, no sentido de buscar parcerias. No que consistia essa parceria?

2.6. Qual foi a participação da Ação Social nesse processo de implantação do sistema

apostilado?

2.7. Em meados de outubro, houve uma reunião com a Câmara de Vereadores para a

apresentação do sistema apostilado. Como percebeu o engajamento da Câmara nesse

processo.

3. Por que o Grupo Positivo?

4. Na época, como percebeu a aceitação dos professores para com o Sistema Apostilado? E,

quanto aos diretores, percebeu o apoio deles no processo de implantação.

5. De 2005 a 2008, em sua opinião, qual a relação existente entre o IDEB – Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica com o Sistema Apostilado, no Município de Sorriso.

6. Em algum momento, sentiu alguma resistência quanto à implantação do sistema apostilado.

Caso tenha sentido, como enfrentou e/ou lidou com esse processo.

7. Atualmente, enquanto representante do Poder Legislativo, como vê a continuidade do

sistema apostilado do sexto ao nono ano do ensino fundamental.

8. Considerações Finais.

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146

ANEXO III

MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA

CURRÍCULO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS ESCOLARES ROTEIRO DE ENTREVISTA

Categoria: Semi –estruturada

Entrevistada: Prefeito Municipal Clomir Bedin (gestão 2009 a 2012)

1. Quais são suas concepções sobre Educação, Professor e Aluno?

2. Quais eram as convicções trazidas, com relação à educação do município de Sorriso

(CEMEIS e Escolas Municipais) e o que se tornou realidade na sua gestão?

3. Qual era a sua opinião frente ao sistema apostilado fazer parte da realidade das escolas

municipais de Sorriso?

4. Quando da implantação do sistema apostilado, de 2006 a 2008, conforme os registros da

Secretaria de Educação sempre se manteve presente, discutindo sobre a educação no

município. Nesse sentido, percebeu avanços na educação do município?

5. Com relação aos avanços da educação, acha que se deram em virtude da implantação do

sistema apostilado.

6. Conforme os dados estatísticos do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB,

o município de Sorriso obteve a melhoria da nota no ensino fundamental. O que considera

que contribuiu com essa melhoria?

7. Acha que o Grupo Positivo contribuiu para a melhoria da qualidade de ensino do município

de Sorriso?

8. Considerações Finais.

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147

ANEXO IV

MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA

CURRÍCULO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS ESCOLARES ROTEIRO DE ENTREVISTA

Categoria: Semi –estruturada

Entrevistada: Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (gestão 2009 a 2012)

1. Quais são suas concepções sobre Educação, Professor e Aluno?

2. Quais eram as convicções trazidas, com relação à educação do município de Sorriso

(CEMEIS e Escolas Municipais) e o que se tornou realidade na sua gestão?

3. Qual era a sua opinião frente ao sistema apostilado fazer parte da realidade das escolas

municipais de Sorriso?

4. Quando da implantação do sistema apostilado, de 2006 a 2008, conforme os registros da

Secretaria de Educação sempre se manteve presente, discutindo sobre a educação no

município. Nesse sentido, percebeu avanços na educação do município?

5. Com relação aos avanços da educação, acha que se deram em virtude da implantação do

sistema apostilado.

6. Conforme os dados estatísticos do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB,

o município de Sorriso obteve a melhoria da nota no ensino fundamental. O que considera

que contribuiu com essa melhoria?

7. Acha que o Grupo Positivo contribuiu para a melhoria da qualidade de ensino do município

de Sorriso?

8. Considerações Finais.

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ANEXO V

PESQUISA QUALITATIVA Prezado(a) Professor(a) A respectiva coleta de dados tem por objetivo obter informações para

uma pesquisa de mestrado. Gostaríamos de poder contar com a sua colaboração no sentido de

nos fornecer respostas que sejam verdadeiras.

Se for de sua preferência, poderemos estar encaminhando este

documento de coleta de dados por email

Certos de poder contar com a sua valiosa contribuição, desde já

agradecemos sua participação.

Atenciosamente

Maria Eloísa da Silva Mestranda em Educação

PPGE/IE/UFMT I – IDENTIFICAÇÃO

Professor (a): Língua Inglesa

Escola:________________________________________________________________

Telefone: ______________________________ email:_________________________

Idade: ( ) Entre 20 e 25 anos ( ) Entre 26 e 30 anos ( ) Entre 31 e 35 anos ( ) Entre 36 e 40 anos ( ) Entre 41 e 45 anos ( ) Entre 46 e 50 anos ( ) Acima de 50 anos II – FORMAÇÃO

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( ) Ensino Médio

( ) Superior com Graduação em ___________________________________________

( ) Pós-graduação com Especialização em___________________________________

( ) Pós-graduação – ( ) Mestrado ( ) Doutorado

III – TEMPO DE DOCÊNCIA

a) Tempo de Docência:____________________________________________________

b) Tempo de Docência no Ensino Fundamental de Sorriso:_______________________

c) Tempo de Docência na Unidade Escolar:___________________________________

d) Disciplina que atua:____________________________________________________

d) Ano(s)/Série(s) em que atuou:

2006:__________________

2007:__________________

2008:__________________

2009:__________________

2010:__________________

IV – CONTEXTO DA PRÁTICA

4.1. Conte-nos como foi seu primeiro contato com o sistema apostilado. O que você tem a

contar sobre o momento em que recebeu a apostila de sua disciplina.

4.2. Professor(a), como você descreve a apostila.

4.3. Como você vê a apostila, com relação aos conteúdos. Você concorda com esses

conteúdos, como você percebe a seleção dos respectivos conteúdos. Como você os classifica.

4.4. Conte sobre a metodologia. Cada conteúdo, ao que se percebe, segue com uma explicação

em relação a como o (a) professor(a) deve proceder o desenvolvimento do mesmo. Como

você vê isso. Você segue conforme a especificação do que traz a apostila ou como você faz.

4.5. Com relação à Avaliação de sua disciplina, também a apostila apresenta sugestões de

como você deve proceder na avaliação, conforme o conteúdo trabalhado. Como você, diante

disto, encaminha esse processo.

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4.6. Na sua visão, como os teus alunos percebem a apostila em relação a sua disciplina. Qual a

reação e a aprendizagem deles.

4.7. Como você percebe a relação de acompanhamento dos pais em relação às apostilas. Há

cobranças em relação ao cumprimento da mesma. Você já recebeu essas cobranças e de que

forma você lida com elas.

4.8. Professor(a), independentemente das apostilas, você seria capaz de montar um

planejamento curricular para a sua disciplina. Como seria esse planejamento, sucintamente,

em termos de conteúdos, metodologia e avaliação.

4.9. Professor(a), fazendo uma auto-avaliação; como você se vê diante do sistema apostilado.

4.9. Comentários Finais.

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151

ANEXO VI

TERMO DE ESCLARECIMENTO AOS PARTICIPANTES DA PESQUISA Pesquisa: A Reinterpretação curricular no contexto da Política de Currículo Apostilado

na Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT

Pesquisadora Responsável: Maria Eloísa da Silva

Orientadora Responsável: Profª Drª Jorcelina Elisabeth Fernandes

Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso – Programa de Pós-Graduação em

Educação – Mestrado em Educação – Linha de Pesquisa em Currículo, formação de

professores e práticas escolares.

Professor(a), você está sendo convidado(a) a participar de um estudo que

pretende, através da realização de uma entrevista, conhecer sobre como se deu o contexto de

sua prática, no decorrer da utilização do material apostilado do Sistema Positivo de Ensino em

Sorriso, estado de Mato Grosso.

A entrevista será utilizada somente para coleta e análise de dados. Caso

você participe da entrevista, esta será gravada somente a partir de sua autorização e também

servirá de dados de estudo e aprofundamento, de forma que você, em nenhum momento, será

identificado. Seu nome não será divulgado e será mantido sob intenso sigilo, no caso de

publicação ou exposição deste trabalho, não havendo qualquer risco de exposição do seu

nome. No entanto, é imprescindível de que você terá plena liberdade em retirar-se do trabalho

a qualquer momento e sem qualquer prejuízo.

No decorrer da pesquisa, estarei à disposição para quaisquer informações as quais

achar pertinente e, ao término desta pesquisa, comprometo-me em dar a devolutiva dos

resultados a todos os participantes

Desde já agradeço a sua participação!

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ANEXO VII

TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DA ENTREVISTA NARRATIVA Eu, ___________________________________________________________________

abaixo assinado, após esclarecimentos sobre a pesquisa intitulada “A reinterpretação

curricular no contexto da política de currículo apostilado na rede municipal de ensino de

Sorriso – MT”, cuja pesquisadora responsável é Maria Eloísa da Silva, mestranda

PPGE/UFMT/IE, declaro-me conhecedor(a) das condições as quais me foram asseguradas no

decorrer da entrevista, as quais compete sobre a segurança de que não serei identificado(a) e

de que será mantido em caráter confidencial de informação relacionada com minha

privacidade. Ainda, autorizo a pesquisadora em utilizar os dados disponibilizados na

entrevista, para fins de interpretação e análise. Declaro, ainda que concordo inteiramente com

as condições que me foram apresentadas, bem como a participar deste projeto como

voluntário(a).

Sorriso (MT), julho de 2011.

_________________________________________

Assinatura

_________________________________________

RG


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