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Universidade Federal do Recôncavo da Bahia · 2012. 5. 25. · Gerlan Cardoso Sampaio, Iranildes...

Date post: 11-Feb-2021
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Caminhadas de universitários de origem popular UFRB Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UFRB
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  • Caminhadas de universitários de origem

    popular

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    Caminhadas de universitários de origem popular : UFRB / organizado por Ana Inês Souza,Jorge Luiz Barbosa, Jailson de Souza e Silva. — Rio de Janeiro : Universidade Federaldo Rio de Janeiro, Pró-Reitoria de Extensão, 2009.100 p. ; il. ; 24 cm. — (Coleção caminhadas de universitários de origem popular)

    Ao alto do título: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade. Programa Conexões de Saberes : Diálogos entre a Universidade eas Comunidades Populares.

    Parceria: Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.ISBN: 978-85-89669-39-9

    1. Estudantes universitários — Programas de desenvolvimento — Brasil. 2. Integraçãouniversitária — Brasil. 3. Extensão universitária. 4. Comunidade e universidade — Brasil. I.Souza, Ana Inês, org. II. Barbosa, Jorge Luiz, org. III. Silva, Jailson de Souza e, org. VI.Programa Conexões de Saberes : Diálogos entre a Universidade e as Comunidades Populares.V. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. VI. Universidade Federal do Rio de Janeiro. VII.Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.

    CDD: 378.81

    Copyright © 2009 by Universidade Federal do Rio de Janeiro / Pró-Reitoria de Extensão.O conteúdo dos textos desta publicação é de inteira responsabilidade de seus autores.

    Coordenação da Coleção: Jailson de Souza e SilvaJorge Luiz BarbosaAna Inês Sousa

    Organização da Coleção: Monique Batista CarvalhoFrancisco Marcelo da SilvaDalcio Marinho GonçalvesAline Pacheco Santana

    Programação Visual: Núcleo de Produção Editoria da Extensão – PR-5/UFRJ

    Coordenação: Claudio BastosAnna Paula Felix IanniniThiago Maioli Azevedo

  • Ministério da Educação

    Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

    Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares

    Rio de Janeiro - 2009

    Organ i z ado resJailson de Souza e Silva

    Jorge Luiz BarbosaAna Inês Sousa

    Pró-Reitoria de Extensão - UFRJ

    Rio de Janeiro - 2009

    UFRB

  • Adriano Guedes de Souza

    Alessandra Régis do Rosário

    Anderson dos Santos da Silva

    André Bruno Santos da Anunciação

    Bruna Maria Santos de Oliveira

    Daniela de Souza Sales

    Daniela da Silva Santos

    Daniela de Melo Oliveira

    Deraci Souza dos Santos

    Edilon de Freitas dos Santos

    Edimilson Pereira dos Santos da Silva

    Ednólia Oliveira dos Santos

    Eliana Souza dos Santos

    Emanuel Silva Andrade

    Érica Paixão da Silva

    Evanilda dos Santos

    Esmeralcy Almeida Santos

    Fabiana Aguiar Fonseca

    Geoston Caetanos Castro Oliveira

    Gerlan Cardoso Sampaio

    Iranildes Sales Bispo

    Jailton Almeida dos Santos Barbosa

    Jeovana Ribeiro de Jesus do Nascimento

    Joana Angelina dos Santos Silva

    Jordana da Silva Chaves

    José dos Santos

    José Raimundo dos Santos

    Joselita de Jesus Bomfim

    Juliana de Jesus Santos

    Leila Pereira da Cruz

    Lucas Dias Reis

    Maria Joseni Borges de Souza

    Maria Gilcilene Maciel Rocha

    Marly Silveira

    Meire Aparecida de Souza Fiuza

    Naiara Fonseca de Souza

    Núbia Oliveira

    Palmira Magaly Passos Gusmão

    Queilane Salvador Santos

    Rosiane do Carmo Teixeira

    Rosiane Rodrigues da Silva

    Robenilson Ferreira dos SantosSilmary Silva dos Santos

    Simone Santana da Cruz

    Solange Conceição Silva

    Tatiane Santos de Brito

    Toniel Costa do Carmo Santos

    Vanessa Morais Paixão

    Uirlon Sábigo Alves Cardoso

    Coleção

    AutoresPresidente da República

    Luiz Inácio Lula da Silva

    Ministério da EducaçãoFernando HaddadMinistro

    Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização eDiversidade – SECAD

    André Luiz de Figueiredo LázaroSecretário

    Diretoria de Educação para a Diversidade - DEDIArmênio Bello Schmidt

    Coordenação Geral de Diversidade – CGDLeonor Franco de Araújo

    Programa Conexões de Saberes:diálogos entre a universidade eas comunidades populares

    Jorge Luiz BarbosaJailson de Souza e SilvaCoordenação Geral

    Cláudio Orlando Costa do NascimentoCoordenação Geral do Programa Conexões de Saberes/UFRB

    Rita de Cássia Nascimento LeiteEduardo David de OliveiraDjenane Brasil da ConceiçãoPriscila Carvalho LeãoSivanildo da Silva BorgesCoordenação Adjunta

    Paulo Gabriel Soledade NacifReitor

    Silvio Luiz de Oliveira SógliaVice-Reitor

    Rita de Cássia Dias Pereira de JesusPró-Reitora de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis

  • Prefácio

    A sociedade brasileira tem como seu maior desafio a construção de ações que permi-tam, sem abrir mão da democracia, o enfrentamento da secular desigualdade social e econô-mica que caracteriza o país. E, para isso, a educação é um elemento fundamental.

    A possibilidade da educação contribuir de forma sistemática para esse processo impli-ca uma educação de qualidade para todos, portanto, uma educação que necessita ser efeti-vamente democratizada, em todos os níveis de ensino, e orientada, de forma continua, pelamelhoria de sua qualidade. No atual governo, o Ministério da Educação persegue de formaintensa e sistemática esses objetivos.

    Conexões de Saberes é um dos programas do MEC que expressa de forma nítida a lutacontra a desigualdade, em particular no âmbito educacional. O Programa procura, por umlado, estreitar os vínculos entre as instituições acadêmicas e as comunidades populares e,por outro lado, melhorar as condições objetivas que contribuem para os estudantes univer-sitários de origem popular permanecerem e concluírem com êxito a graduação e pós-gradu-ação nas universidades públicas.

    Criado pelo MEC em dezembro de 2004, o Programa é desenvolvido a partir daSecretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD-MEC) e repre-senta a evolução e expansão, para o cenário nacional, de uma iniciativa elaborada, nacidade do Rio de Janeiro no ano de 2002, pela Organização da Sociedade Civil de InteressePúblico Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. Na ocasião constitui-se uma Rede deUniversitários de Espaços Populares com núcleos de formação e produção de conhecimen-to em várias comunidades populares da cidade. O Programa Conexões de Saberes criou,inicialmente, uma rede de estudantes de graduação em cinco universidades federais, distri-buídas pelo país: UFF, UFMG, UFPA, UFPE e UFRJ. A partir de maio de 2005, ampliamoso Programa para mais nove universidades federais: UFAM, UFBA, UFC, UFES, UFMS,UFPB, UFPR, UFRGS e UnB. Em 2006, o Ministério da Educação assegurou, em todos osestados do país, 33 universidades federais integrantes do Programa, sendo incluídas: UFAC,UFAL, UFG, UFMA, UFMT, UFPI, UFRN, UFRR, UFRPE, UFRRJ, UFS, UFSC, UFSCar,UFT, UNIFAP, UNIR, UNIRIO, UNIVASF e UFRB.

    Através do Programa Conexões de Saberes, essas universidades passam a ter, cada uma,ao menos 251 universitários que participam de um processo contínuo de qualificação comopesquisadores; construindo diagnósticos em suas instituições sobre as condições pedagógi-cas dos estudantes de origem popular e desenvolvendo diagnósticos e ações sociais emcomunidades populares. Dessa forma, busca-se a formulação de proposições e realização de

    1 A partir da liberação dos recursos 2007/2008 cada universidade federal passou a ter, cada uma, aomenos 35 bolsistas.

  • práticas voltadas para a melhoria das condições de permanência dos estudantes de origempopular na universidade pública e, também, aproximar os setores populares da instituição,ampliando as possibilidades de encontro dos saberes destas duas instâncias sociais.

    Nesse sentido, o livro que tem nas mãos, caro(a) leitor(a), é um marco dos objetivos doPrograma: a coleção “Caminhadas” chega a 33 livros publicados, com o lançamento das 19publicações em 2009, reunindo as contribuições das universidades integrantes do Cone-xões de Saberes em 2006. Com essas publicações, busca-se conceder voz a esses estudantese ampliar sua visibilidade nas universidades públicas e em outros espaços sociais. Esseslivros trazem os relatos sobre as alegrias e lutas de centenas de jovens, rapazes e moças, quecontrariaram a forte estrutura desigual que ainda impede o pleno acesso dos estudantes dascamadas mais desfavorecidas às universidades de excelência do país ou só o permite para oscursos com menor prestígio social.

    Que este livro contribua para sensibilizar, fazer pensar e estimular a luta pela constru-ção de uma universidade pública efetivamente democrática, um sociedade brasileira maisjusta e uma humanidade cada dia mais plena.

    Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

    Ministério da Educação

    Observatório de Favelas do Rio de Janeiro

  • Sumário

    Apresentação 09Rita de Cássia Dias, Cláudio Orlando Costa do NascimentoEduardo Oliveira, Djenane Brasil da Conceição e Priscila Leão

    Texto autobiográficoAdriano Guedes de Souza 13

    AutobiografiaAlessandra Régis do Rosário 15

    Em busca de um sonhoAnderson dos Santos da Silva 18

    MemorialAndré Bruno Santos da Anunciação 21

    Meus relatosBruna Maria Santos de Oliveira 24

    Caminhos cruzados: muitas vidas, uma históriaDaniela de Souza Sales, Esmeralcy Almeida Santos,Gerlan Cardoso Sampaio, Iranildes Sales Bispo,Jailton Almeida dos Santos Barbosa, Joana Angelina dos Santos Silva,Juliana de Jesus Santos, Maria Joseni Borges de Souza ,Naiara Fonseca de Souza, Rosiane do Carmo Teixeira,Rosiane Rodrigues da Silva, Robenilson Ferreira dos Santos,Silmary Silva dos Santos, Simone Santana da Cruz,Tatiane Santos de Brito e Vanessa Morais Paixão 27

    “Caminhando contra o vento”Daniela da Silva Santos 36

    AutobiografiaDaniela de Melo Oliveira 38

    MemorialDeraci Souza dos Santos 40

    Quem sou eu?Edilon de Freitas dos Santos 41

    MemorialEdimilson Pereira dos Santos da Silva 45

    Em busca dos sonhosEdnólia Oliveira dos Santos 47

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  • Minha trajetória de vidaEliana Souza dos Santos 50

    Trajetória da conquista de um sonhoEmanuel Silva Andrade 53

    Texto autobiográficoÉrica Paixão da Silva 55

    Texto autobiográficoEvanilda dos Santos 56

    Vários obstáculos, novas conquistasFabiana Aguiar Fonseca 58

    Texto autobiográficoGeoston Caetano Castro Oliveira 61

    Texto autobiográficoJeovana Ribeiro de Jesus do Nascimento 64

    AutobiografiaJordana da Silva Chaves 67

    O impossível aconteceuJosé dos Santos 68

    Texto autobiográficoJosé Raimundo dos Santos 70

    AutobiografiaJoselita de Jesus Bomfim 72

    Verdadeira identidadeLeila Pereira da Cruz 73

    Texto autobiográficoLucas Dias Reis 75

    Meus passos, minha caminhadaPalmira Magaly Passos Gusmão 77

    MemorialMaria Gilcilene Maciel Rocha 79

    L’AmoreMarly Silveira 83

    SuperaçãoMeire Aparecida de Souza Fiuza 85

    Texto autobiográficoNúbia Oliveira 88

    A realizaçao do sonhoQueilane Salvador Santos 90

    Minha históriaSolange Conceição Silva 92

    Texto autobiográficoToniel Costa do Carmo Santos 95

    AutobiografiaUirlon Sábigo Alves Cardoso 99

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  • Apresentação

    Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 9

    A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB nasce impregnada de refe-renciais históricos e culturais da tradição do “Recôncavo Baiano, berço da nação brasileira”.São saberes e experiências que se caracterizam, fundamentalmente, pelo reconhecimento evalorização das formas de resistência, reação e afirmação das diferenças e da possibilidadede coexistência coletiva.

    A UFRB, imbuída do propósito de contribuir para a correção das distorções sociaisainda presentes, compromete-se em propiciar a inclusão social e a igualdade racial, atravésde políticas institucionais, é assim que a UFRB torna-se pioneira no âmbito das universida-des brasileiras, na criação de uma Pró-Reitoria dedicada a implantar políticas de açãoafirmativa associadas aos assuntos estudantis, instituindo a PROPAAE - Pró-Reitoria dePolíticas Afirmativas e Assuntos Estudantis - cuja missão é promover a execução de políti-cas afirmativas e estudantis, garantindo à comunidade acadêmica condições básicas para odesenvolvimento de suas potencialidades, visando a inserção cidadã, cooperativa, propo-sitiva e solidária nos âmbitos cultural, político e econômico da sociedade e o desenvolvi-mento regional.

    A PROPPAE nasce comprometida com a perspectiva multicultural, sintonizada coma luta dos movimentos sociais, e com as atuais políticas públicas relativas à diminuiçãodas disparidades sociais e a promoção da igualdade racial e da diversidade, sobretudo,vincula-se àquelas políticas que impliquem na promoção de práticas relativas à democra-tização do acesso, permanência e pós-permanência do estudante de origem popular noensino superior.

    A UFRB/PROPAAE, de forma dialógica e articulada com os vários segmentos contem-plados pelas políticas institucionais, pôs em prática uma ação de co-responsabilidade emutualidade no trato com as demandas da comunidade acadêmica, instituindo o Programade Permanência embasado nos princípios da experiência universitária, que integra nasações de permanência, práticas de ensino, pesquisa e extensão, fomentadas em torno doconceito de permanência qualificada.

    O Programa de Permanência visa contribuir com a permanência dos estudantes noscursos de graduação da UFRB, assegurando formação acadêmica qualificada, através deaprofundamento teórico, por meio de participação em projetos de extensão, atividades deiniciação científica vinculadas a projetos de pesquisa e atividades de ensino relacionadasà sua área de formação e ao desenvolvimento regional. Implementando assim, uma políticade permanência associada à excelência na formação acadêmica.

    Conexões de Saberes na UFRBO Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades

    populares integra a política institucional da UFRB que vincula de forma inextrincável, a

  • 10 Caminhadas de universitários de origem popular

    formação técnico-científica, ao compromisso social e à promoção do protagonismo doscidadãos acadêmicos.

    Baseado no plano de ação da PROPAAE-UFRB, de construção e implantação depolíticas de acesso e permanência para estudantes de origem popular, afro-descendentes eindígenas no ensino superior, a UFRB esteve presente no II Seminário Nacional do Progra-ma Conexões de Saberes, realizado no período de 1 à 4 de novembro de 2006, no Rio deJaneiro. Nessa oportunidade, foi possível vivenciar uma conexão nacional, constituída pelaparticipação dos coordenadores locais e nacionais, dos estudantes bolsistas, das representa-ções comunitárias e das universidades integrantes do Programa, que contempla todas asunidades da Federação.

    A PROPAAE articulou no Projeto institucional a participação da Pró-Reitoria dePesquisa e Ensino de Pós-Graduação - PRPPG e da Pró-Reitoria de Extensão - PROEXT,instituindo uma coordenação colegiada, e um plano de trabalho que pudesse articular àpolítica de permanência e de ações afirmativas, às ações de pesquisa e extensão.

    Segundo o Reitor Prof. Paulo Gabriel Nacif, a decisão de participarmos do Conexõesde Saberes deveu-se, sobretudo à importância de envolver experiências entre Universida-de-Comunidade, tendo os jovens de origem popular como protagonistas das ações quebuscam valorizar tradições, saberes e experiências locais.

    As caminhadas, experiências e saberes emancipatóriosA escrita autobiográfica foi o nosso ponto de partida para a execução do Projeto.

    Consideramos que a escrita e a socialização dos textos sobre as histórias de vida possibili-tou vários olhares sobre itinerários e itinerâncias realizados pelos estudantes no decorrer desuas vidas. Esses textos, num primeiro momento, possibilitaram a condição de reconheci-mento e apropriação dos sentidos correspondentes às caminhadas, ao vivido individual ecoletivamente.

    O caminho percorrido, reconhecido, refletido e apropriado pelos sujeitos expressasuas vivências, experiências e saberes. Em outras palavras, os estudantes ao escreveremsobre suas histórias, acordaram suas memórias, buscaram compreender as situaçõesvivenciadas, os contextos, os tempos-lugares de onde cada um fala, produz seus sentidosconsoantes com suas vidas de agora.

    Podemos perceber muitas histórias diferentes e em comum, experiências protagonis-tas, vivências tradicionais, culturais, saberes ancestrais, conhecimentos contextualizados,encarnados na região do Recôncavo, um Ethos que institui realidades e expressa a prepon-derância de referenciais pertencentes a etnia negra.

    Caminhadas no ensino médio: às rodas de formaçãoOs textos das histórias de vida, experiências e saberes dos estudantes-conexistas pre-

    sentes nesse livro destinam-se à execução do Programa na sua fase de extensão junto àsescolas de ensino médio, numa ação que consiste na realização de atividades de formaçãojunto aos alunos do 3º. ano do ensino médio nos espaços escolares.

    Pretendemos assim, favorecer o diálogo entre os estudantes da UFRB e os estudantesdo ensino médio através das Rodas de Formação para tratarem de temas transversais perti-nentes à formação cidadã, social, cultural e protagonista dos Jovens.

  • Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 11

    Profa. Dra. Rita de Cássia DiasPró-Reitora de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis

    Prof. Dr. Cláudio Orlando Costa do NascimentoCoordenador de Políticas Afirmativas – CPA e do Programa Conexões de Saberes na UFRB

    Prof. Dr. Eduardo OliveiraCentro de Formação de Professores – CFP

    Profa. Ms. Djenane Brasil da ConceiçãoCentro de Ciências da Saúde – CCS

    Priscila LeãoAssistente Social UFRB

    As Rodas de Formação são constituídas e organizadas pelos estudantes e coordenado-res do Conexões na UFRB e pelos alunos de escolas públicas de ensino médio da Região doRecôncavo. As Rodas promovem o debate de temas transversais do currículo dessas esco-las, a exemplo das ações afirmativas, articulado com as políticas de acesso e permanênciano ensino superior. Essa ação de extensão nas escolas do ensino médio, possibilita aosestudantes-conexistas uma permanência qualificada, um exercício protagonista implicadoe comprometido com atividades de formação, que resulta em integração, debate, pesquisa eformação. A metodologia de abordagem coletiva de temas previamente elencados, enfocadosa partir da sistemática de relatos e discussões. As Rodas são compostas por Jovens que serevezam nas funções de facilitadores, ao apresentarem seus relatos, saberes e experiências afim de dinamizar o início das discussões sobre os temas escolhidos para a formação.

  • Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 13

    Fiz o curso primário em escola pública, onde tive muitas dificuldades para estudar, poismuitas vezes não tinha material escolar suficiente. Mas com a ajuda de minha mãe, que sempreme incentivou aos estudos, eu concluí o ensino primário sem nunca ter perdido um ano.

    O maior problema em estudar era financeiro, pois o meu pai não me reconheceu comofilho e fui criado somente por minha mãe. Ela, por ser quase analfabeta - concluiu somentea 4ª série do primário -, tinha dificuldades em conseguir um emprego. Então, ela sempretrabalhou com bicos: lavadeira, faxineira, venda de produtos de catálogos de revistas. Odinheiro que entrava servia praticamente só para pagar aluguel e a comida.

    Entrei para o ensino fundamental com onze anos de idade. Foi nessa época que minhamãe começou a vender doces (balas, chicletes etc) e eu passei ajudá-la. Pela manhã ia àescola e ela ficava na barraca de doces. Durante a tarde, eu ficava na barraca e ela podia fazeroutras coisas, como vender produtos e fazer faxinas. Aos sábados era dia de eu trabalhar nafeira com carrinho-de-mão (carregando compras) e ela ficar o dia inteiro na barraca. Odinheiro era pouco, mas dava para ajudar na alimentação para a família: minha mãe, eu eminha irmã Adriana, que ainda era muito pequena.

    Concluí o ensino fundamental sem também perder nenhum ano. Nesse intervalo detempo, a barraca foi perdendo freguesia, os doces foram acabando e eu fui à procura de outrostrabalhos como engraxate, ajudante de marceneiro e de ajudante de oficina de bicicletas.

    Durante o ensino médio, comecei a trabalhar numa oficina de conserto de moto,recebendo metade do salário mínimo na época, onde além de trabalhar aprendi a profissão.No período da manhã eu estudava e à tarde trabalhava. Também concluí o ensino médio deforma regular, sem perder nenhum ano.

    Após isso fiquei um ano sem poder estudar, pois passei a trabalhar o dia todo e chega-va em casa muito tarde (20h) e cansado, mas não podia deixar de trabalhar porque minhamãe não conseguia mais trabalhar por motivos de saúde (problemas de coluna e nervos) etambém não podia se aposentar por nunca haver trabalhado com carteira assinada. Então,era praticamente eu que sustentava a casa, e nessa época já não pagávamos mais aluguel,pois o meu avô havia falecido e deixou um terreno grande na roça, que foi vendido e odinheiro dividido entre os filhos. Com esse dinheiro compramos um terreno e com a ajudade uma prima da minha mãe, Eneide, e conseguimos construir uma casa.

    Nesse período eu passei a me engajar em grupos de jovens da Igreja Católica, ondedesenvolvíamos trabalhos de evangelização.

    Adriano Guedes de Souza*

    Texto autobiográfico

    * Graduando em Engenharia Agronõmica pela UFRB.

  • 14 Caminhadas de universitários de origem popular

    Então achei um emprego melhor, como balconista numa lanchonete, onde recebiamelhor remuneração e com isso podia ajudar mais em casa. Foi nessa mesma época que sentinecessidade de entrar em um cursinho pré-vestibular. Por participar do grupo de jovens daigreja, consegui, através de um amigo, uma vaga em um cursinho pré-vestibular mantidopela Igreja Católica, que era gratuito e direcionado para jovens de origem popular. Mesmotrabalhando, fiz o cursinho à noite e aproveitava as horas vagas no trabalho para estudar.

    No final de 2003 me inscrevi para o vestibular da Universidade Federal da Bahia(UFBA) no campus de Ciências Agrárias, em Cruz das Almas, que posteriormente se torna-ria a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e fui aprovado. Mas aí surgiuum novo obstáculo: o curso para o qual fui aprovado (engenharia agrônoma) era em perío-do integral e isso dificultou as possibilidades de continuar trabalhando, pois eu era o únicofuncionário da lanchonete. E, além disso, era eu sozinho quem sustentava a casa. Fiqueisem saber qual decisão tomar. Foi aí que minha mãe me deu a maior força para optar pelosestudos. Saí do emprego e entrei na universidade.

    Quando entrei na faculdade, uma ex-professora e um amigo me informaram que osestudantes tinham direito a uma bolsa alimentação, e que era somente para estudantes quemorassem fora da cidade, mas que os que estivessem numa situação muito difícil poderiamtentar concorrer à bolsa, mesmo morando na cidade. Então tentei, e apesar de tudo, conse-gui. Com isso, os gastos em casa diminuíram um pouco. Minha mãe passou a fazer outrosbicos e conseguiu também a Bolsa-Família, um auxílio do governo federal de R$ 65,00mensais. Uma tia, Enilda, passou a assinar a sua carteira de trabalho, para tentar garantir umafutura aposentadoria.

    Apesar de todas essas dificuldades, estou feliz e orgulhoso por cursar agronomia eapaixonado pelo curso. Mesmo tendo estudado em escola pública, consegui entrar em umauniversidade federal e passei de certa forma a ser uma referência em meu bairro para osoutros jovens, pois assim como eu consegui passar, eles também são capazes de conseguir.

    Desde que comecei a estudar na universidade, me empolguei com as informaçõesrelacionadas ao meu curso de agronomia, quando algo dentro de mim me chamou muito aatenção. Sentia uma vontade muito grande de poder dividir com a sociedade, principal-mente com os jovens como um todo; tudo aquilo que aprendi e venho aprendendo no meucurso e na minha luta como estudante pobre, vindo de espaço popular e de origem afro.Sempre que chegava da universidade os amigos do meu bairro se aproximavam, e meperguntavam como era a faculdade, como eu havia conseguido entrar, algumas pessoas quenem falavam comigo antes, me paravam nas ruas me desejando parabéns; eu achava tudoaquilo tudo o máximo.

    Quando estava no 5° semestre do curso fiquei sabendo de um Programa do governofederal, chamado Conexões de Saberes. Procurei mais informações e, quando soube que a idéiaera trabalhar com questões sociais voltadas para comunidades populares, me interessei muitopelo Programa. Fiz o processo seletivo, mas veio logo em seguida a decepção, pois não fuiselecionado. Fiquei triste, mas não desanimei, pois pessoas muito queridas haviam passado.

    Passado alguns meses, estava em casa à noite, quando um primo veio até minha casapara dizer que a universidade tinha ligado para ele, dizendo que eu devia comparecer no diaseguinte na coordenação de assuntos estudantis. Fiquei muito curioso, mas nem me lembra-va mais do programa do governo, pensei que era por outros motivos. Quando cheguei lá, nodia seguinte, tive uma grande surpresa: fiquei sabendo que tinha sido escolhido como novomembro do programa. Esse foi um dos momentos mais emocionantes, depois de ter sidoaprovado no vestibular, em minha caminhada estudantil.

  • Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 15

    Sou filha de Antonio Geraldo do Rosário Filho e Maria Lucia Regis do Rosário etenho Luana e Anderson como irmãos.

    Nasci em 28 de junho de 1980, na cidade de Valença, interior da Bahia, sendo aprimeira filha de uma família de classe média baixa.

    Graças ao bom Deus, que ilumina nossa família, nunca passamos por dificuldades,meu pai sempre manteve a casa, pois era a única pessoa que trabalhava.

    Ele nunca teve um emprego fixo, sempre trabalhou para si mesmo como produtorrural e na alta estação - como minha cidade é costeira - ele também trabalhava com venda demariscos num ponto que meu avô cedeu pra ele, no fundo do mercado da cidade, e minhamãe sempre foi dona de casa.

    Meus pais não completaram os estudos, só cursaram até a oitava série do ensinofundamental, mas sempre lutaram para que eu e meus irmãos fôssemos mais além. Então,com toda dificuldade e estudando sempre em colégio público, eu e meus irmãos fomosadiante. Minha irmã, mesmo sendo mais nova que eu, está concluindo a faculdade deadministração pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e eu agora entrei na Universi-dade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

    Meu caminho até a universidadeSempre estudei em escola pública, cursei o ensino fundamental no Complexo Escolar

    Gentil Paraíso Martins, na época o único colégio de ensino fundamental da cidade.Lembro que ia para o colégio sem nenhuma vontade, sem nenhum estímulo, pois a

    estrutura docente era precária . Os professores passavam o conhecimento de forma mecânicae me lembro que chegava muitas vezes a ter medo de alguns deles, nesta época acabeirepetindo a sétima série, atrasando assim minha formação. No ano seguinte consegui passarpara a oitava série e concluí o ensino fundamental.

    O meu ensino médio cursei em uma escola técnica - Escola Média de AgropecuáriaRegional (EMARC) onde fiz o curso técnico em agropecuária. Na época era consideradoensino médio, optei por fazer este curso pensando em ajudar meu pai.

    Foi uma época mais animadora em minha vida, pois a escola tinha uma estrutura bemmelhor do que a outra, que eu tinha cursado o ensino fundamental.

    Porém, no final do curso, vi que não era aquilo que eu queria seguir e fiquei um poucodesesperada, pois agora a responsabilidade caía um pouco sobre mim. Tinha chegado a

    Alessandra Regis do Rosário*

    Autobiografia

    * Graduanda em História pela UFRB.

  • 16 Caminhadas de universitários de origem popular

    hora de retribuir um pouco a meus pais do que eles tinham feito por mim todo aquele tempoe ajudá-los nas despesas, pois agora chegava a hora de meus irmãos estudarem também,então deixei de lado os conhecimentos que tinha aprendido no segundo grau (pois a difi-culdade de conseguir emprego na área era grande) e fui procurar emprego no comércio dacidade.

    Não foi fácil, como não consegui resolvi fazer um teste de seleção na outra instituição deensino da minha cidade, o Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (CEFET),passei e comecei o curso técnico em turismo, pois era uma área que estava gerando muitoemprego na cidade, pela vocação como cidade turística. Comecei o curso, que era noturno,mas não desisti de procurar emprego e acabei conseguindo um estágio na própria instituição,onde exercia a função de monitora do laboratório de informática e recebia uma bolsa de meiosalário mínimo. Lá pude também aprender computação e esta bolsa foi de grande importânciapara mim, pois além do conhecimento tinha a ajuda de custo que me auxiliou muito.

    Após o final do curso, e conseqüentemente o final da bolsa, consegui um emprego nocomércio da cidade como vendedora em uma loja de calçados. Este trabalho tomava prati-camente todo o meu tempo, então parei de estudar e só tinha tempo para o trabalho, que eramuito cansativo e muitas vezes humilhante, devido às muitas cobranças dos chefes.

    Nesta época minha irmã passou no vestibular e entrou na universidade. Foi um mo-mento muito feliz para mim e para meus pais, que ate então não tinham noção do que era afilha de um produtor rural e de uma dona de casa na universidade. Essa vitória de minhairmã foi cada vez mais me estimulando, cada degrau que ela alcançava me deixava maisinteressada e feliz, de certo modo eu me realizava com as conquistas e descobertas dela.

    E foi ela mesma que me incentivou a voltar a estudar. Foi aí que resolvi entrar em umcursinho pré-vestibular: trabalhava durante o dia e fazia o cursinho à noite, e logo nocomeço me senti muito feliz por estar ali, lutando por um sonho, porém muitas vezeschegava muito atrasada e cansada e não conseguia assistir as aulas. Além disso, por eu teroptado por fazer meu ensino médio em escola técnica, deixei de lado muitas matérias queeram de suma importância, essenciais para o vestibular, como física, química etc. Daí,quando os professores do cursinho passavam estas matérias me sentia totalmente aérea, comos assuntos que nunca tinha visto. Isso me desanimava muito e eu pensava que nunca iriapassar no vestibular. Infelizmente, devido ao cansaço e os horários irregulares, acabei desis-tindo do cursinho. Assim, como era de se esperar não passei no vestibular.

    A grande decisãoMesmo com a derrota do primeiro vestibular, não tinha desistido do meu objetivo, que

    era entrar na universidade.Depois de cinco anos de trabalho e sem perspectiva de melhora, veio em minha mente

    uma idéia: largar o emprego e me dedicar exclusivamente ao vestibular.Cheguei em casa e comentei com meus familiares a minha decisão de sair do trabalho,

    sabia que seria uma decisão que poderia me trazer muitas preocupações, pois não poderiaajudar nas despesas da casa e nem mesmo nas minhas próprias despesas.

    Minha família, apesar das dificuldades que iríamos enfrentar, me deu o maior apoio edisse que eu poderia sair do trabalho o correr atrás dos meus objetivos. Nesse momento nãoposso deixar de falar na pessoa que é a razão do meu viver: minha mãe, que acredita em mimaté mais do que eu. Ela me deu toda força e incentivo. Então a decisão estava tomada: saí do

  • Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 17

    trabalho e comecei a estudar. Com o dinheiro da minha rescisão de trabalho paguei ocursinho pré-vestibular e aí pude chegar no horário, sempre disposta a aprender tudo nasaulas, além de estudar em casa também. Passaram-se oito meses, tinha chegado finalmentea reta final do cursinho e as provas de vestibular. Nessa época o dinheiro que eu tinharecebido já havia acabado, então como já estava mais segura do vestibular resolvi voltar atrabalhar. Consegui outro emprego, bem mais maleável que o antigo, e comecei a viajarpara fazer vestibular. Eu tinha me escrito em duas universidades – a Universidade Estadualda Bahia (UNEB) para o curso de pedagogia e a Universidade Federal do Recôncavo daBahia (UFRB) para o curso de história, que era o meu curso preferido. Fiz as provas, fiqueimeio apreensiva, mas com muita fé fiquei aguardando o resultado.

    O grande diaLembro que entrava na internet todos os dias na esperança que o resultado saísse antes

    que o previsto mas via que seria realmente na data prevista. Exatamente no dia que eu nãotinha entrado na net foi quando saiu o resultado. Eu estava no trabalho e logo que a lojaabriu minha amiga Selma me deu os parabéns, dizendo que eu passei no vestibular daUNEB. Eu fiquei sem graça e trêmula, agradecia muito a Deus pela vitória de estar dentro deuma universidade. Fiquei a manhã toda ansiosa para chegar a hora do almoço e contar amaravilhosa notícia para minha mãe e pra minha família.

    O que eu não sabia é que Deus tinha me reservado uma surpresa ainda maior. Depois dacomemoração de ter passado em um vestibular e confirmado que tinha valido a pena todosos meus esforços e abdicações, outro amigo meu me ligou e disse que tinha saído o resulta-do da federal e eu tinha passado também. Eu não acreditava naquilo que eu ouvia, era muitafelicidade para uma pessoa só (chorei muito junto com minha mãe, pois tinha passado naUFRB para o curso dos meus sonhos, foi o dia mais feliz da minha vida).

    Depois da euforia havia chegado à hora de pensar como eu iria estudar, pois a univer-sidade ficava em outra cidade e seria difícil achar um lugar para morar. Então minha irmãentrou em cena mais uma vez: ligou para uma amiga dela que morava próximo de Cachoei-ra e perguntou a ela se eu poderia passar um tempo em sua casa. Ela disse que eu poderiaficar quanto tempo quisesse, então mais uma vez larguei tudo e fui atrás dos meus objetivos.

    Logo quando entrei na universidade tive a oportunidade de me inscrever na seleçãopara bolsista de um projeto maravilhoso que é o Programa Conexões de Saberes, no qual fuiselecionada e fiquei muito feliz não só pela ajuda de custo que me proporcionaria comotambém pela maravilhosa experiência de poder passar para muitos jovens a minha históriade vida e incentivá-los a correr atrás dos sonhos deles, mesmo com muitas dificuldades quenós sabemos que são inevitáveis, principalmente para estudantes que são oriundos de co-munidades pobres e de escolas públicas.

    Veja, não diga que a canção está perdidaTenha fé em Deus tenha fé na vidaTente outra vez. Raul Seixas

  • 18 Caminhadas de universitários de origem popular

    Vou contar a história de um jovem que lutou bastante para conquistar seu sonho.Foram muitas as barreiras que ele encontrou no caminho, porém superou cada uma delas ecorreu como um verdadeiro atleta, a fim de alcançar seu objetivo: entrar na faculdade.

    A princípio gostaria que você, leitor (a), o chamasse de Silva. O jovem Silva é de umafamília simples e humilde de interior da Bahia. Sua mãe, Railda, uma senhora amigável euma mãe formidável, teve três filhos. O Aprígio, o mais velho, o Ademir (que após contrairuma doença ficou mudo e surdo) e o caçula Silva. Seu pai chama-se Dermeval, um senhorque segundo sua mãe cercava seu filho caçula de todo amor e carinho. Silva não conheceua figura paterna, pois o pai morreu quando ele tinha três anos de idade. Não digo que foiuma dor para esta criança, pois ela desconhecia o significado desta palavra.

    Railda, mesmo abalada com a morte de seu marido, decidiu cuidar dos três filhos.Tornou-se não só mãe, mas - porque não dizer - um pai também. Era uma guerreira, umamãe brasileira, uma mulher que mesmo viúva lutou pelo bem-estar dos seus filhos. Elaencontrou dentro de casa uma ajuda fundamental na criação das crianças: seu filho maisvelho, Aprígio. Este, por sua vez, começou a trabalhar cedo para ajudar a pagar as despe-sas de casa. Surgia então um batalhador, um exemplo. Batalhador sim! Travou uma lutanada fácil, por ter que conciliar trabalho e estudo. Quantas noites mal dormidas teve estejovem, afim de que seus irmãos ficassem bem. A ajuda dele foi indispensável para acriação da família.

    Mas passados alguns anos e muitas lutas de sua mãe e irmão, chega a época de Silvacomeçar seus estudos numa escolinha chamada Menino Jesus. Os primeiros anos foramdifíceis para ele, por não conseguir entender o significado de estudar; deu muito trabalhopara seu irmão e sua mãe. Uma das frases que ele não cansava de repetir era que “escola nãodá futuro”. Ledo engano.

    Essa fase turbulenta de Silva passou, e o Colégio Virgílio de Senna, onde cursou oprimário, lhe ajudou a amar e admirar os estudos; a partir de então Silva teve uma verdadeirahistória de paixão com o conhecimento, mesmo com o Virgílio de Senna deixando a desejarcom relação à estrutura. Em meio a tudo isso o jovem Silva concluiu as quatro séries iniciaisneste colégio e passou a estudar em outro colégio, chamado Senador Pedro Lago.

    Mas antes de passar para a quinta série, Silva passou as férias de fim de ano com sua tiaAlmira Nunes, irmã de sua mãe, e conviveu com seus primos Adenilse (Lila) e Isaias (Sassá),além do tio Antônio Carlos, um policial militar. O que era para serem férias acabou se

    Anderson dos Santos da Silva*

    Em busca de um sonho

    * Graduando em Comunicação Social pela UFRB.

  • Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 19

    tornando a realidade de Silva, pois ele vive até hoje com essa família. Você acha que eleabandonou sua mãe? Claro que não! Ele vive entre a casa de uma e outra mãe.

    Tia Almira tornou-se uma segunda mãe para ele. Foi ela que, também uma guerreira, olevou a conhecer o mundo à sua volta. Enquanto uma das mães o superprotegia (Railda) aoutra o ensinou a encarar seus desafios e medos (Almira).

    No Colégio Estadual Senador Pedro Lago o amor de Silva pelos estudos aumentoumais ainda. Era um colégio com novos professores, amizades, aprendizagens. E mesmo comtanta novidade, o colégio caía aos pedaços, o que levou os alunos a serem transferidos atéa conclusão de uma reforma local. Apesar das condições precárias de infra-estrutura, eleaprendera muitas lições que pôde levar para o ensino médio no Centro Educacional TeodoroSampaio.

    O Teodoro Sampaio foi mais um colégio público na vida de Silva; mesmo assim, erauma fascinação a cada aula, a cada seminário, havia uma verdadeira emoção no ato deestudar. Porém, nem tudo eram flores: havia também as dificuldades com alguns professorese muitas vezes a má qualificação e a falta de responsabilidades dos mesmos.

    Passados três anos, ele concluiu o ensino médio em 2004 e, a partir daí, começou abusca pelo seu sonho, o ensino superior.

    Inscreveu-se num programa do governo federal, Universidade para Todos, e obteveuma vaga. E neste momento começou a dimensionar o quanto era grande a “brecha” entre oensino público médio e superior. Ele percebeu, na prática, que havia muitos assuntos doensino médio que o vestibular cobrava e que ele não tinha a mínima noção.

    Então ele começou a esforçar-se bastante para tapar os espaços que o ensino médiodeixou. Foram muitas madrugadas afora com a cara nos livros, para ver se conseguia pelomenos tornar-se competitivo no vestibular.

    Participou do processo seletivo do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET),para um curso técnico, de nível médio: foi aprovado, mas não era isso que queria. O CEFETera apenas um aperitivo perto do seu sonho. Ele cursou parcialmente, mas não desistiu deentrar na faculdade.

    Logo após inscreveu-se no vestibular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), emSalvador e passou na primeira fase. Parecia que alcançaria seu sonho. Após fazer a segundaetapa, com todas as dificuldades, foi saber no que deu: REPROVADO.

    Mesmo com a derrota, o que ele não podia era desistir, de seu sonho. Desta vez tentoua Universidade Estadual da Bahia (UNEB), novamente em Salvador, e achou que desta vezseria diferente, estava confiante, tinha que ser aprovado. Passados alguns dias saiu o resul-tado, e por incrível que pareça ele foi REPROVADO.

    Uma tristeza total para ele, sentia-se incapaz, temia não conseguir nunca. Mas sabiaque só não alcançaria seu sonho se parasse de tentar! Foi tentar em outra cidade, na Univer-sidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), e durante os três dias de prova acordava àsquatro horas da manhã e pegava o ônibus às cinco. Depois de toda correria para realizar asprovas, saía a lista de aprovados, e seu nome... não estava lá, REPROVADO mais uma vez.Já dá para imaginar como estava difícil para ele, após três derrotas consecutivas, o quêfazer? O que você faria, leitor(a)? Desistiria de seu sonho?

    Silva jamais desistiria, e é por isso que escolhi a história dele para vos contar. Elecontinuou em busca do seu sonho. Cursou por mais um ano o Universidade para Todos,aprendendo e revisando todos os assuntos.

  • 20 Caminhadas de universitários de origem popular

    Em seguida procurou pela isenção da taxa do vestibular da Universidade Federal doRecôncavo da Bahia (UFRB), e conseguiu pela quarta vez obter uma isenção. Fez suainscrição para o curso de Comunicação Social, e pela primeira vez concorreria a um cursoque o agradava.

    Finalmente chegou o dia da prova, fez a primeira fase e conseguiu ser aprovado. Destavez não se alegrou tanto como da primeira vez, mas estudou bastante, afim de não serreprovado como das outras vezes.

    Realizou a segunda fase e, após alguns, dias saiu o resultado. Ele estava com muitomedo do que poderia estar escrito lá, temia mais uma vez ser reprovado, estudou muito epassar era tudo que mais queria. E quando tomou coragem para ver o resultado, contemplouo que assim poderia estar escrito como uma notícia de jornal: “Depois de dois anos tentandoser aprovado numa universidade pública, após perder a vaga em três vestibulares consecu-tivos, o jovem Silva é APROVADO no processo seletivo da Universidade Federal doRecôncavo da Bahia, para o curso de Comunicação Social”.

    Finalmente Silva alcançou seu sonho, mas tenham certeza, muitos outros virão. E sabepor quê? Silva vai em busca de seu sonho.

    Ah! Quase esqueci seu nome... Anderson dos Santos da Silva, atual membro do Cone-xões de Saberes e o mesmo que vos escreve.

  • Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 21

    Histórico e caminhadasMeu nome, antes de eu nascer, já estava certo, iria ser Bruno, se menino; Poliana, se

    menina; depois que eu nasci, acrescentou-se o André por convenção de minhas outras duasirmãs primogênitas, Andréia e Adriana, ficando assim, André Bruno.

    Há 24 anos eu nascia em Salvador, capital baiana. Era fofinho, bem cuidado e todomundo queria um pedacinho meu. Talvez este tenha sido o meu primeiro momento entretantas pessoas juntas.

    Sou filho de mãe solteira. Sou fruto da convivência quase efêmera entre minha mãe emeu progenitor.

    Minha mãe trabalhava como auxiliar de contas médicas no Instituto de Dermatologiae Alergia da Bahia (IDAB) quando conheceu o meu pai, que era funcionário público domunicípio onde nasci. Namoraram por, mais ou menos, dois anos, até que eu nascesse e elese eximisse de sua responsabilidade sobre mim quando descobriu que ela, sua namorada,aguardava um filho seu.

    Embora o fato de ser mãe solteira tenha começado anos antes de eu nascer e ganhadomaior impulso nos anos seguintes ao meu nascimento, mulheres de muita coragem comominha mãe já executavam a difícil tarefa de ser mãe e pai ao mesmo tempo.

    André Bruno Santos da Anunciação*

    Eu prefiro ficar com os gestosa me perder com as palavras.Intuo a docilidade dos versos,a versificação da alma.Tua rima é doce, teu propósito é suave.Melindra no campo das flores,escorre saudades.Espero, um dia, amadurecer-te e coser-te dedetalhes,encher-te de brilho.Tomara que venha à minha bocae que eu não fale bobagens.Faça-me entendê-la clara e precisa,que eu a compreenda leve e tranqüila,mas não sucumba a tua verdade,doce palavra.

    Memorial

    * Graduando em Engenharia Agronômica pela UFRB.

    André Bruno Santos da Anunciação

  • 22 Caminhadas de universitários de origem popular

    Estudei sempre em rede pública de ensino. Fui aluno de creche, onde aprendi, entreoutras coisas, a cantarolar. Coisa que faço até os dias de hoje debaixo do chuveiro. Não mearrisco em público.

    Tive uma passagem breve por duas escolinhas de ensino pré-primário que eram parti-culares, mas nada que onerasse as despesas de minha família (que era basicamente compos-ta por mim, minhas irmãs, minha mãe e minha avó [que guardo com muito carinho emminha memória]).

    Depois desse período pré-silábico, eu passei os anos áureos de minha infância na EscolaVila Vicentina – Vicentina em homenagem a São Vicente de Paula – que apesar de serCatólica, o ensino era gratuito, pois havia um convênio entre a igreja e o Governo do Estado.

    Entrar lá foi o meu primeiro grande sacrifício, pois embora fosse de caráter público, oensino era de excelência e exigia-se muito para ingressar nela.

    Eu saí do pré-primário sem base alguma, e uma das exigências da escola era quesoubéssemos ler, escrever e fazer continhas. Mas eu não sabia, absolutamente, nada.

    Acabei por ser alfabetizado por minha mãe, em casa, sob beliscões, safanões,xingamentos etc., bem ao modo em que ela aprendera. Mas eu só tenho a agradecê-la portudo, pois me motivou a querer mais e a perseguir isso.

    Havia todo um rito de entrada, saída e permanência nas dependências de lá. Entráva-mos enfileirados, executando alguma canção católica propícia do mês, a caminho do pátiomaior do antigo convento, onde ficávamos de frente à matriarca da escola (católica-nata)que nos regia, como ninguém, acalmando nossos ânimos com as canções que tratavam deamor, perdão, paciência e paz, seguidos de sermões às vezes dados por ela própria, peloMonsenhor, ou mesmo pela secretária paroquial do Monsenhor.

    Ainda me lembro com muito carinho de uma que dizia assim:

    Eu te peço perdão, meu Deus;Se não perdoei, se não obedeci;Se não parei para agradecer:O meu despertar, o meu viver,Minha alegria de brincarE o meu sonho gostosoÀ noite, ao deitar.

    Duas pessoas muito importantesA primeira, minha avó, a segunda, minha madrinha (aliás, meus padrinhos). Falar de

    seres tão angelicais, ternos, amigos como minha avó e minha madrinha é me remeter, assimcomo em todo momento anterior, a um mundo que me traz muitas boas recordações: essasduas pessoas (ou melhor, três, com o meu padrinho) sempre estiveram bastante presentes emminha vida.

    Tanto minha avó como meus padrinhos eram aquele ombro amigo com o qual podiacontar e ter em troca palavras confortáveis, animadoras, amorosas e de esperança. Por diver-sas vezes, ambos, socorreram-me. Sinto falta de minha avó querida!

    Meu padrinho é a figura mais próxima que tenho de um pai, minha madrinha é umasegunda mãe, grande amiga.

    Se era mês mariano, cantarolávamos à Virgem Maria; se era a Páscoa, ressentíamos onascimento e a paixão de Cristo...

  • Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 23

    Origem e manancialSou oriundo do índio (do mato) e do preto (escravo e quilombola), com raízes fincadas

    no Sul e Recôncavo da Bahia.A universidade me deu a oportunidade fazer o caminho que os meus ancestrais não pude-

    ram fazer, por serem negros e, por isso, não tinham “alma” (negro vem do latim que quer dizer“coisa sem alma”). Como poderiam ter direito à educação, se nem alma eles podiam ter?

    Minha tataravó era índia que fora trazida por “focinho” (estrutura análoga a umaboca) de cachorro a um quilombo (de história e elenco perdidos) que havia aqui noRecôncavo, antes mesmo de haver a circunscrição política de Cruz das Almas.

    Meu bisavô, Tomás Nogueira, negro alto, espigado, nascera livre, no mato, provavel-mente em algum quilombo, pois nascera por volta dos anos 1840, morrendo por volta dosanos de 1960, com cento e quinze anos de idade em Cruz das Almas, cuja causa mortis dadapelos seus foi “uma feridinha no pé.”

    LutasComecei a “lutar” (executar atividade remunerada) desde os dezesseis anos de idade

    com a oportunidade do meu primeiro emprego, chance que tive ao ser selecionado porconcurso mirim para ser estagiário da Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia,onde levei um ano sob contrato.

    Aos dezessete, quase dezoito, tive o meu primeiro emprego com a Carteira de Traba-lho e Previdência Social (CTPS) assinada em Clínica Oftalmológica, depois na Vivo Tele-comunicações.

    Nunca fui ativista de movimentos sociais, contudo encetei a primeira turma de instru-tores de um Curso Pré-Vestibular da Organização de Auxílio Fraterno (OAF), mantido peloMinistério da Educação (MEC), através do Programa Inovadores de Cursos (PIC) e Organi-zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), voltado, emespecial, para os negros e jovens em situação de risco social.

    Nem por isso deixei de estudar, eu queria mais, mais do que os meus antepassadoshaviam conseguido ou tentado, eu queria uma carreira acadêmica, uma formação intelectu-al, social e política...

    O meu primeiro vestibular foi para Ciências Contábeis no Instituto de EducaçãoSuperior Unyhana Salvador (IESUS), onde passei, mas não cursei. A instituição era particu-lar e eu só o fiz porque fui isentado da taxa de inscrição.

    Eu continuei estudando. Queria ser militar, e, por isso, inscrevi-me no curso prepara-tório para a Academia Superior de Armas do Exército Brasileiro, que tinha sede no CentroFederal de Educação Tecnológica (CEFET), mas quando faltavam quatro meses para con-correr a uma vaga para cadete na Academia Superior de Armas (ASA) - Escola de FormaçãoMilitar das “Agulhas Negras”, que é uma instituição de formação militar da Marinha doBrasil, desisti, fazendo o meu primeiro vestibular federal para a Escola de Agronomia, quepertencia à Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas que agora compõe um dos campi daUniversidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde curso.

    Assim como eu pretendia antes de entrar na universidade, continuo perseguindo osmeus sonhos (que eram: independência, ascensão social, crescimento intelectual, moral,humano...) e tenho certeza de que chagarei lá, unindo à minha profissão, a minha realizaçãopessoal de estar fazendo o que gosto (em breve, ser engenheiro agrônomo).

  • 24 Caminhadas de universitários de origem popular

    Meu nome é Bruna Maria Santos de Oliveira, sou de Barreiros – Distrito de Riachãodo Jacuípe, na Bahia, e vou contar alguns relatos de minha vida, talvez comuns a tantasoutras marcada por uma trajetória de dificuldades e conquistas.

    Tudo começou com o namoro de dois jovens, Odenice e Orlando, meus pais biológi-cos. Nasci prematura de sete meses, na casa de meus avós maternos, sem nenhuma condiçãofavorável para um parto. Tive problemas de saúde que quase me levaram à morte, sobrevivigraças a Deus e aos cuidados de minha família.

    Por esses e outros motivos, quando tinha alguns meses de vida, fui morar na casa demeu avô paterno, cuja morte ocorreu após dois anos, e minha ida pra lá, que era pra ser poralguns dias, ficou em definitivo, pois continuei lá morando por toda a minha vida.

    Essa talvez tenha sido a parte mais difícil e prazerosa de minha vida, pois ganhei umafamília maravilhosa composta de uma mulher (segunda mulher de meu avô) que até faltam-me palavras para descrevê-la, cujo nome é Maria de Jesus Ferreira, minha mãe ou, comocostumo chamá-la, “mainha”. Uma mulher batalhadora, guerreira e muito forte que criouseus sete filhos, que são meus tios-irmãos.

    “Mainha” além de mãe, foi o pai de seus filhos, netos e de algumas crianças que“apareceram” como eu. Trabalhou durante toda sua vida como lavradora para sustentar atodos e não tinha nem os domingos para descansar. Mesmo não sabendo ler e escrever e dasdemais dificuldades, sempre nos mostrou a importância dos estudos. Sempre dedicou seuamor e cuidados pra mim igual aos seus filhos.

    Lembro-me dos cuidados especiais - e até exagerados - que recebia por causa dosmeus ataques de bronquite asmática e das muitas vezes onde todos “perdiam” noites e diasem revezamento para cuidar de mim, faltando até mesmo nos seus trabalhos, pois desdemuito cedo todos já lidavam com isso para ajudar na renda familiar, tudo para dedicar totalatenção a mim.

    Lembro-me também com muitas saudades das belas tranças que eram feitas em meuscabelos ao domingos, dia este em que eles eram lavados sempre às dez horas da manhã,quando o sol estava “quente”, pois tinha que ficar aquecendo-me para secar mais rápido.Nesses momentos, como em tantos outros, parecia até que o mundo todo parava para dedi-car-me amor, carinhos e segurança, e foi assim ao logo de minha vida.

    Estudei durante toda minha vida em escolas públicas, etapa maravilhosa e marcante,onde comecei a traçar meus objetivos e conviver com pessoas que me ajudaram em tal

    Bruna Maria Santos de Oliveira*

    Meus relatos

    * Graduanda em Engenharia Agronômica pela UFRB.

  • Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 25

    trajetória. Concluí o ensino médio em 2004, apesar das dificuldades, pois além da falta depreparação de alguns professores, não existia na comunidade uma sede própria e adequadapara o único colégio de ensino médio do lugar. Para tal finalidade foi utilizado um galpãode um ex-supermercado, desativado por falta de estrutura física, e tive também que traba-lhar durante o período escolar para ajudar na renda familiar, o que não foi motivo parainterromper meus objetivos.

    Em decorrência da falta de oportunidade de emprego e estudo em Barreiros, em janei-ro de 2005, fui pra Feira de Santana fazer um Curso Técnico em Agropecuária pela Funda-ção Bradesco, que a princípio foi apenas a primeira oportunidade que encontrei pra conti-nuar estudando. Entretanto, me apaixonei pela área de atuação, que conseqüentementefoi responsável pela minha escolha profissional: a Engenharia Agronômica.

    O curso técnico me proporcionou também a oportunidade maravilhosa de morar commeu irmão Paulo Marcos, com quem até então tinha pouco contato. Foi nele que encontreitambém total apoio para continuar estudando, pois ele é uma pessoa maravilhosa e um dosmeus exemplos.

    Após concluir o curso técnico, fui trabalhar em uma ONG, o Movimento de Organiza-ção Comunitária (MOC). Meu trabalho era em Itiúba, na Região Sisaleira, desenvolvendoatividade com jovens e familiares baseado em agricultura familiar, agroecologia e crédito,com objetivo de melhorar a qualidade de vida e geração de renda das pessoas daquelaregião. O MOC foi uma academia importante em minha vida, pois a partir dele tive aoportunidade de me envolver verdadeiramente com os movimentos sociais e causas que atéentão só me envolvia como coadjuvante. Me possibilitou também conhecimentos e mo-mentos que me ajudaram não apenas profissionalmente, mas também pessoalmente, graçasao convívio com pessoas e lugares que me possibilitaram tal papel. Conquistei e fui con-quistada por várias pessoas e construí muitas amizades. Afastei-me do trabalho por causa dauniversidade, pois não tinha como conciliar o trabalho com os estudos acadêmicos porserem em municípios diferentes e distantes, pois Itiúba, fica aproximadamente 400 km deCruz das Almas, onde está o campus de Engenharia Agronômica da Universidade Federaldo Recôncavo da Bahia (UFRB).

    Consegui, apesar de muitas dificuldades, ingressar na UFRB e fazer o curso Engenha-ria Agronômica. Consegui quebrar o paradigma que existe na cabeça de muitas pessoas deque a universidade, apesar de pública, não é para todos.

    Realmente faltam políticas afirmativas contínuas e intensivas para erradicar as des-vantagens que os grupos sociais de baixa renda enfrentam ao longo da história e quedificultam sua inserção igualitária na competição social, como ingressar e permanecer emuma unidade pública de ensino superior. Pois os cursos oferecidos, na maioria das vezes,possuem um turno integral diurno, ficando quase impossível conciliar trabalho e estudo.Isso muitas vezes define os que podem continuar e os que sacrificam o estudo. Sei tambémque a caminhada é longa e que entrar não foi o maior desafio: concluir e enfrentar o compe-titivo mercado de trabalho será ainda mais duro.

    O meu ingresso na UFRB possibilitou-me o conhecimento do Programa Conexões deSaberes, que despertou meu interesse não apenas pela possibilidade de ganhar uma bolsaque iria ajudar a manter-me na universidade com menos dificuldades financeiras por umperíodo de tempo, como também pela proposta de poder ajudar e contribuir no crescimentode pessoas de classes populares como a minha.

  • 26 Caminhadas de universitários de origem popular

    Sem dúvida, os maiores responsáveis pelo meu sucesso foram minha mãe Maria, meuirmão Paulo Marcos, minha família, alguns professores e amigos, que com certeza sabem dacontribuição que tiveram durante minha vida. Fica aqui registrado o meu muito obrigadapor terem me incentivado sempre e acreditarem em mim. Agradeço principalmente a Deuspor te me dado a vida e a possibilidade de conviver com pessoas maravilhosas e poder con-quistar meus objetivos.

  • Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 27

    IntroduçãoSão quase seis da tarde. As aulas já acabaram faz algum tempo. As salas estão vazias,

    chorando de saudades da euforia que há pouco tudo preenchia e agora se transforma em umvazio amistoso entre a angústia e o descanso. Olhando ao redor não se vê uma alma sequer.Já foram todos embora para seus afazeres, para suas tendas, para suas famílias. As luzes dopátio já se encontram apagadas e seria difícil encontrar direção caso a luz da saída nãoficasse costumeiramente acesa, servindo de bússola.

    Parando no meio do pátio e fazendo ecoar três palmas seguidas, logo surgirá em meioao breu um dos porteiros, seu Gerson ou seu Josafá, em dias alternados. O primeiro magro,queixo fino, olhos grandes, semblante amigável. O outro roliço e contente, pronto paraservir. Ambos negros - como a maioria dos brasileiros -, vagam pelos corredores à espera dovigia noturno que chega às sete.

    Está tudo vazio. O silêncio é sonoro. Se apurar os ouvidos um instante, perceberá umburburinho ao longo do corredor. Descendo as duas escadas, chegará à frente de uma sala, àsvezes a porta encontra-se aberta, outras vezes não. Será fácil perceber que nem tudo ésilêncio. Nessa sala, em um grande e irregular círculo, senta-se um pequeno grupo de jovensatentos. Descobrir-se-á, em meio a muitas vozes, risos, contos, histórias de vida e de supera-ção, trajetórias que se cruzam perfazendo um desenho único. Esses jovens passaram pormuitas dificuldades. Fizeram dos obstáculos um meio de preparação para a vida, do estudoum alicerce e da negritude um orgulho de viver. São negros e pobres, critério imprescindí-vel para compor o grupo de contemplados pelas políticas afirmativas da UniversidadeFederal do Recôncavo da Bahia - UFRB.

    Guardamos lembranças maravilhosas, sonhamos, fazemos gracejos. Nossas históriassão bem parecidas, mas não são iguais...

    Não somos iguais, pois uns são bolsitas da Fundação Clemente Mariane e outros doPrograma Conexões de Saberes. Vivemos em lugares diferentes, cidades diferentes, temosfamílias diferentes, cursos universitários diferentes, mas também somos parecidos... estu-damos em escolas públicas, tivemos o mesmo sonho de ingressar na universidade, mora-mos em bairros populares, temos histórias marcadas pela desigualdade social e discrimi-nação racial, somos protagonistas de nossas histórias, somos negros e negras que, histori-camente excluídos, resolveram responder com a inserção, daí que desejamos incluir osbolsitas da Fundação Clemente Mariane com trajetórias semelhantes às nossas, que, naverdade, entrelaçam-se com nossas vidas. Por isso realizamos o desafio de escrever essetexto a 16 mãos!

    Caminhos cruzados:muitas vidas, uma história

    Texto a 16 mãos

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    InfânciaO cheiro da terra preenche o ar. Terra molhada, chuva forte, incessante... dá vontade

    de ver um filme, comer pipoca, ficar enrolado no cobertor quentinho, olhar da vidraça achuva caindo na calçada, levando as folhas do chão na rua silenciosa. No entanto, numacasa de pau-a-pique, chão batido e coberta por palhas, a chuva não inspira momentosalegres... pai, mãe e quatro filhos... todas as crianças foram debaixo da mesa. Lá permane-ceram até a chuva passar.

    Na zona rural de Mutuípe a vida não era fácil. Ora comiam banana verde cozida emrodelas, ora comiam um ovo dividido para seis pessoas, e carne fresca só quando o paifosse, no sábado, comprar uma cabeça de boi na feira.

    A menina olhava impotente com os olhos marejados e irritados pela fumaça, o fogo aconsumir suas lembranças e o trabalho de seus pais. Era a segunda vez que a casinha de pau-a-pique ardia em chamas. Da primeira, reduziu os sonhos da família a cinzas. Da segunda, afumaça causou insuficiência respiratória no caçula. O fogo, então, lhe roubava a vida. Seupequenino irmão morrera.

    Uma mesma vida, outras experiências. Um sorriso maroto e sapeca alegra seu rosto eilumina qualquer coração angustiado. A menina brinca com os irmãos... faz comidinha deervas silvestres, fabrica bonequinhos e animais de chuchu com pernas e braços de taliscasde café, corre feliz pelas campinas verdes... não se queixa da vida nem da sorte. RosianeTeixeira sorri e encanta, sabe o que é sonhar.

    Na zona urbana de Amargosa tinha uma rua com muitas crianças que brincavam o diainteiro. Brincavam de casinha, amarelinha, comidinha, esconde-esconde, escolinha, desfi-les... Daniela amava brincar com a turminha de sua rua. Era tão divertido que Vanessa,moradora de outra rua, às vezes aparecia pra brincar também. Em casa, cantava com umatoalha na cabeça fazendo graça para os pais. Também fazendo graça, Maria Joseni fazia opai de brinquedo enchendo a cabeça dele de xuquinhas coloridas. Era uma alegria só nazona rural de Ubaíra.

    Na zona rural de Elísio Medrado não era difícil encontrar Gerlan dentro do panacun,servindo de contrapeso para a lenha, enquanto seu avô seguia puxando o jumento pelocaminho de terra seca. Para o menino, aquele era um divertido e prazeroso passeio. “Ah! Quesaudades!”

    Da zona rural vem o alimento. São das raízes firmadas na terra que brota o sustento nãoapenas do corpo, mas da cultura e da tradição de um povo. Iranildes e Robenilson moraramem lugares diferentes de Brejões e, após alguns anos, ambos mudaram-se para a zona urbanada cidade. Maria Joseni saiu da roça após conseguir a bolsa do Conexões de Saberes. A suafamília continua morando no mesmo lugar. Jailton, Tatiane e Simone viveram na zona ruralde Amargosa, mas logo migraram para a cidade. Já Esmeralcy, ainda hoje, vive com sua mãeno campo, nos arredores de Amargosa. Quando a noite cai, no silêncio ela ouve apenas ocanto dos grilos, que vêm do mato. Então, pega um papel e uma caneta, senta-se na cama e,à luz de uma vela, começa a escrever a sua história. E assim, fazendo suas as palavras deCora Coralina, diz:

    Eu sou aquela mulherA quem o tempoMuito ensinou.

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    Ensinou a amar a vida.Não desistir da luta.Recomeçar na derrota.Renunciar as palavras e pensamentos negativos.Acreditar nos valores humanos.Ser otimista. Cora Coralina

    Como vive no meio rural, encontra-se em estreito contato com a natureza, sentindo-se,muitas vezes, como um pássaro livre. Ali, respira um ar puro e sacia sua sede com a mais puraágua de uma nascente que se encontra ao pé da mata, na propriedade da família. Foi ali queaprendera a dar os primeiros passos, fazer os primeiros riscos e, apesar de ter sido umacriança “fechada” e ciumenta, era também feliz, brincalhona e estudiosa, tornando-se, hoje,uma pessoa simples e humilde.

    Os mais velhos sempre gostaram de contar para as crianças, na zona rural ou urbana,histórias antigas e de assombração que rendem muitas fantasias, pesadelos e sustos para acriançada, despertando a criatividade e a relação de respeito com as crenças dos antigos.

    Era um dia especial. A recepção era sempre calorosa: “que milagre é esse você poraqui!?”, a vovó indagava. E com um brilho nos olhos, começava a contar a história quemais gostava:

    Os cangaceiros eram temidos em toda a região, pois eram valentes.Andavam todo o nordeste. Piauí, Ceará, Pernambuco... e na Bahiaeles saíam em bando, assaltando e matando gente rica comocoronéis e outras autoridades da época. Eles eram temidos portodos e admirados por alguns. Tinham fama de justiceiros,principalmente Lampião, o líder, com sua mulher e companheira,Maria Bonita. Ela sempre era vista como uma mulher corajosa,com chapéu na cabeça e arma na mão. Lampião e Maria Bonitalutaram juntos até a morte.

    Iranildes, atenta, ouvia as histórias que a avó contava.À beira do rio Jiquiriçá-Mirim o Sol se põe mais uma vez, e ao adentrar da noite o

    candeeiro é aceso e colocado sobre a mesa junto ao pequeno caderno. Após um longo ecansativo dia de trabalho, o coração de mãe sabe que passar o conhecimento é uma lindaforma de demonstrar amor. Então, a mão calejada coloca-se sobre as mãos pequenas edelicadas que desajeitadas desenham as primeiras letras à luz do candeeiro. Tatiane foialfabetizada em casa por sua mãe.

    Sentadas à mesa da pequena sala, Daniela era orientada por sua mãe, que paciente-mente ensinava-lhe as letrinhas e os números. Era impressionante como ela aprendia rápi-do. Orgulhosa de ver a filha lendo e escrevendo, a mãe resolveu matriculá-la numa escolinhapública em que havia estudado e, além disso, ficava próxima do bairro em que moravam. Ashistórias são diversas, mas formam um mesmo mosaico de infâncias que se desenharam namesma cena social, cada uma com seu colorido, cada uma com sua tristeza.

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    Trajetória escolar: do ensino infantil ao fundamentalA professora ficava na porta recebendo os pequenos alunos, a mãe ia levando pela

    mão a garotinha Iranildes para o primeiro dia na escola. Robenilson era muito pequeno paraficar num lugar com tanta gente, então, no rostinho assustado, começaram a escorrer lágri-mas incessantes, fazendo o pequeno adormecer... só despertou quando a mãe chegou parabuscá-lo. Não muito diferente aconteceu com Jailton que, ao entrar na escola, as portasforam fechadas e aquele portão grande de ferro foi trancado. Não daria mais para alcançar amamãe, então no meio do pátio ele entregou-se ao desespero do choro.

    Rosiane Rodrigues não entrava na escola de jeito nenhum, ficava do lado de fora,entre a curiosidade e a vergonha. No final - indecisão completa - chorava. Simone entusias-mou-se com tudo que via e Silmary fez logo amizade e achou a escola o maior barato!

    Um “toquinho de gente” iria ser interna no Convento de Santa Clara, em Salvador.Muitas meninas de várias idades olhavam para aquela garotinha recém-chegada. Aquela seriaa família de Juliana por muitos anos. Só iria para casa nos fins de semana e se o comportamen-to fosse satisfatório. Juli era muito pequena para compreender as circunstâncias que a levarampara aquele lugar tão diferente do seu cotidiano. O convento era um lugar de disciplina eoração, mas para a interna, havia tantas obrigações como orações. A imposição religiosa eraconstante: às 6:00 acordava e rezava aos pés de Nossa Senhora; às 6:10 escovava os dentes epenteava os cabelos; 6:20: esperava até o horário do café; 6:30 era a fila e oração para o caféda manhã; 7:00 oração de agradecimento, em seguida vinham as atividades de limpeza e atéo fim do dia tantas outras rezas e obrigações... a mãe de Juliana sabia que uma criança pobre,negra e mulher, só venceria na vida através de muito estudo e dedicação.

    Uma garotinha fofa... saia de prega azul marinho e um shortinho da mesma cor porbaixo, blusa branca de tergal, um lindo laço nos cabelos, sapatinhos pretos e meias brancas.Feliz, andava em direção ao educandário Imaculado Coração de Maria, em Amélia Rodrigues,administrado por irmãs missionárias, que ensinavam com dedicação os valores cristãos.Joaninha passou muitos momentos bons no educandário, mas certo dia sumiu uma lapiseira0,7 mm na sala, e a dona da grafite asseverou: “só saio daqui quando aparecer minhalapiseira!” Não precisa dizer que essa era a menina mais chata da turma. Todos procuraramem seus pertences, e as irmãs também revistaram e olharam a bolsa de todos, um por um.Entrevistaram cada aluno, individualmente, inquirindo sobre o objeto. No entanto, nem oculpado nem a lapiseira apareceram. Então, as férias de São João terminaram em sabatina elimpezas do pátio das 8h às 17h. Acontece que no meio do pátio, entre o cimento, nascia umcapim. Ajoelhadas, sol quente, arrancavam o matinho, assim como quem paga um pecadoque não cometeu...

    Aos sete anos, sua mãe a matriculou na alfabetização numa escola da zona urbana,porém a professora percebeu que a pequena já estava alfabetizada e a transferiu para a 1ªsérie. Na sala, tudo lhe parecia estranho e confuso, pois seus colegas lhe olhavam comdesconfiança.

    Quase nada a inibia, a não ser um colega que todos os dias ao término das aulascercava-lhe e tentava agredi-la fisicamente. Este dilema se estendeu por vários e váriosmeses, até que um dia, Tatiane disse a si mesma: “Tenho que dar um jeito nisso! Ele nãopode continuar me atormentando...!” Então, por mais irresponsável que fosse seu ato,decidiu levar uma faca para a escola e ameaçar o menino. Após isso, ele não mais a incomo-dou. Depois de ter vivido tal experiência ela aprendeu uma lição que traz consigo em todos

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    os momentos de sua vida, que nossos grandes medos só podem ser superados se enfrentadoscorajosamente.

    A pequena Maria Joseni que carinhosamente era chamada de Dodi. Estudava pelamanhã e, na volta da escola, as pernas curtas encaravam uma estrada longa de terra, os carrospassavam a lançar poeira em seu meigo rosto. Sentia um vazio que parecia consumir a alma.Então, sem outra reação mais espontânea para aquela situação, sentava e chorava em meioàs vacas por trás da cerca e, olhando os meninos andando pelo caminho, as lágrimas nãosolucionavam nada, mas era a única coisa que lhe ocorria naquele momento.

    Trajetória escolar: ensino médioDó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si... as notas da canção não podem ser esquecidas por nenhum

    dos músicos, pois um erro compromete todo o grupo, a música é um excelente veículo paralevar alegria. Robenilson conheceu a música no Colégio Estadual Ana Lúcia Castelo Bran-co, o que lhe deu a oportunidade de tocar instrumentos musicais e de aprender a reger asexperiências vividas rumo às conquistas.

    • Lave todos os pratos!• Deixe a cozinha limpa!• Tire a poeira dos móveis!• Arrume todas as camas!• Varra a casa!• Lave o banheiro, está imundo!• O menino está chorando mais uma vez...!

    Esta era uma rotina triste para uma adolescente com muito desejo de estudar... eprecisava suportar humilhações, tristezas, dores, aflições, trabalhando como babá e domés-tica. Sozinha, naquela casa, servia de alvo para críticas cruéis... sentia-se só, estava longe doabraço da mãe e do olhar protetor do pai. Já não daria mais para agüentar, era hora deRosiane Teixeira voltar para sua casa, na roça.

    Ainda não havia raiado o sol, eram 4h da manhã, o sono precisava dar lugar à determi-nação, estava frio, chovia muito, seria bom ficar debaixo das cobertas... esticou o corpo,passou a mão nos olhos, bocejou, pensou em sonhar mais um pouco, mas para realizar ossonhos era necessário levantar, então vestiu a roupa e seguiu pelo caminho de terra, que eraapenas lama a grudar em suas pernas e sapatos. Meia hora depois do trajeto e essa corajosamocinha chegaria ao ponto para pegar o ônibus que a levaria para a escola na cidade. Nocaminho de sempre, prestando atenção no pasto, no cheiro forte de esterco molhado, napaisagem que se desenhava tranquilamente à sua frente, surpreendeu-se com um grandeanimal que desembestava em sua direção. Calafrio, taquicardia, pavor, correu desesperada,afobada e, sem saber medir o susto e a fuga, caiu na lama, lambuzou-se, mas livrou-se davaca. Estava suja e cansada nos primeiros minutos da manhã, isso não era uma novidade.Dentro da bolsa tinha sempre roupas limpas de reserva, entrou na plantação, trocou deroupa e seguiu a longa jornada em busca da realização dos sonhos que acordada criava.

    As 4:00 da manhã, em Ubaíra, Maria Joseni também carecia despedir-se do sono eenfrentar mais uma difícil jornada rumo à escola. Como já era de costume nos dias de chuva,a roupa limpa ia dentro da bolsa, pois o risco de cair era grande e sempre acontecia. No diada entrevista para a seleção do Programa Conexões de Saberes, Joseni chegou na universi-

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    dade completamente suja de lama. Havia caído de moto em uma das ladeiras que tinha desubir para chegar em seu destino.

    A platéia aplaudiu de pé a estréia do jovem grupo de teatro. As pessoas se divertirammuito naquele dia e os atores se sentiam realizados com os sorrisos e aplausos. A partirdaquele momento, a paixão pela arte de interpretar nasceu no coração de Naiara, que passoutodo o ensino médio desenvolvendo seu talento.

    Também no ensino médio, Juliana estudava num colégio perto do convento; ela sedividia entre a escola, a casa e as fugidas que dava do convento.

    Na vida há muitos encontros e desencontros. Em um encontro do colegiado escolar na5º série do ensino fundamental Jailton e Vanessa tornaram-se amigos. Nas histórias existemplanos e coincidências. Em uma dessas, Simone foi colega de Rosiane Rodrigues por mui-tos anos, vivendo alegrias e tristezas lado a lado. Gerlan era um rapazinho que dava “nó empingo d’água”. Certo dia armou com os colegas da sala e deu uma tortada na cara da vice-diretora da escola. Foi o maior fuzuê! Ele era colega da comportada Esmeralcy. ComoBrejões não é uma cidade muito grande, Robenilson e Iranildes foram colegas três anosconsecutivos. O mundo se faz pequeno quando quer, e planejando ou não, as conexõessempre acabam acontecendo.

    Entrada na universidadeA filha de uma família de baixa renda não poderia de forma alguma fazer um cursinho

    pré-vestibular, pois isso significaria muito no orçamento precário da casa. Vanessa estudavasozinha em casa utilizando revistas, jornais e livros emprestados. O primeiro vestibular quefez foi um grande desafio para a moça de 17 anos que acabara de concluir o ensino médio,mas, para sua surpresa, teve resultado satisfatório e está cursando o tão sonhado curso dePedagogia. As longas noites de estudo não foram exclusividade de Vanessa. Todos os outrostiveram muita coragem e determinação para entrar na universidade, alguns pelo sistema dereserva de vagas, outros não, alguns com cursinho pré-vestibular, outros sem, mas todos,sem exceção, deram duro pra entrar na faculdade!

    Similar, Iranildes estudava em casa e, com um pequeno grupo de amigas, tambémalmejavam cursar o ensino superior público. Fez algumas tentativas sem sucesso, porém, omomento de realizar seu objetivo estava se aproximando. Fez o vestibular e alcançou arealização. Essas são nossas histórias comuns!

    NegritudeTodos os alunos deveriam se reunir em grupos. E assim foi feito. Havia um grupo com

    meninas brancas e apenas uma negra. Então em alto e bom som a professora gritou para amenina negra: “Você é muito fraca para ficar nesse grupo de meninas mais fortes quevocê!” A menina negra e gordinha não sabia o que fazer, estava com vergonha, se sentidomuito mal, como se estivesse lhe faltando chão nos pés. Pensava: “como essa mulher, quenem me conhece, pode dizer que eu sou fraca? Fraca por quê?” Triste, abaixou a cabeça emmeio àquela cena constrangedora. Fez o trabalho no “grupo dos fracos” que acabou sendoo melhor de toda a sala. Silmary aprendeu a mostrar sua capacidade e determinação, o queiria ser fundamental na formação de sua identidade como negra. No ensino médio, Marynão se atemorizava, pelo contrário, organizava apresentações sobre negritude e fazia expo-sições orais para todo o Colégio Estadual Pedro Calmon.

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    Certa vez, Gerlan foi assistir a um filme na casa de sua tia. Um amigo negro sentou-sena cama dela. Ao cair da tarde, quando o garoto foi embora, a tia pegou o lençol e lavou como maior desprezo. Esse acontecimento chocou Gerlan, que não cruzou os braços diante daofensa. Junto com alguns colegas integrou uma comissão que organizou o Primeiro Desfileda Consciência Negra, onde propuseram um evento que mostrasse o valor, a cultura e abeleza do negro.

    Chegou a uma loja para fazer um pagamento. Todos a olhavam com desconfiança euma apreensão tomou seus passos, que divagavam em direção ao caixa sob olhares atentose desconfiados. A funcionária da loja, depois de muito fazê-la esperar, perguntou comindiferença: “Você veio pagar algo do seu patrão? Qual é o nome dele?” Abateu-lhe umatristeza e uma revolta que a levaram às perguntas que não calavam em sua mente: “por queme julgam doméstica? Por que a desconfiança? Acham que estou aqui para roubar?”Olhou-se, e na pele encontrou o motivo das suspeitas: por ser negra, não mereceu confiança.Lembrou-se das inúmeras vezes que, ao manifestar qualquer opinião em sala de aula, noensino médio, era chamada de “negrinha atrevida”. Então, disse com altivez: “Não! Aconta é minha mesmo! Eu comprei, trabalhei e posso pagar com meu próprio dinheiro!Você acha que não posso pagar porque sou negra, é!?”

    As aulas começavam em Salvador. Pais e filhos iam às papelarias comprar os materiaisescolares. Juliana entrou na loja e encontrou atendentes aparentemente de origem oriental.Inesperadamente um senhor a convidou a se retirar. “Será que ele achou que eu não tinhacondições para comprar? Achou que eu poderia roubar, ou era só por eu ser negra?”Depois de muito pensar, Juliana percebeu que eram as três coisas juntas. Então prometeu asi mesma que jamais se calaria novamente diante de um ato de preconceito.

    As crianças sentavam ao redor da mesa e Daniela ia explicando as lições, uma a uma.No meio delas havia uma menina que, apesar de ter apenas seis anos de idade, demonstravaatitudes preconceituosas, por isso quanto mais Dani se aproximava mais a menina se afas-tava. Era uma menina branca que não se esquivava das outras crianças brancas, porém, daprofessora negra do reforço escolar, ela fugia o quanto podia. Um sentimento desafiadortomou conta de Daniela, que resolveu mostrar à criança que a única diferença existenteentre elas era a cor da pele e nada


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