UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
BACHARELADO EM DESIGN
ÍGOR JALES COSTA SOUZA
DESCOBRINDO E DIGITALIZANDOUMA TIPOGRAFIA VERNACULAR NATALENSE
NATAL-RN
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
BACHARELADO EM DESIGN
ÍGOR JALES COSTA SOUZA
DESCOBRINDO E DIGITALIZANDOUMA TIPOGRAFIA VERNACULAR NATALENSE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Design pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
ORIENTADORA: Prof. Me. Ivana dos Santos Lima e Souza.
NATAL-RN
2016
ÍGOR JALES COSTA SOUZA
DESCOBRINDO E DIGITALIZANDOUMA TIPOGRAFIA VERNACULAR NATALENSE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Design pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
ORIENTADORA: Prof. Me. Ivana dos Santos Lima e Souza.
Aprovado em:____/____/____
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________Prof.(a) Ivana dos Santos de Lima e Souza
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
___________________________________________________Prof.(a) Lívia Maia Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
___________________________________________________Prof. Maurício Fontinele de Alencar
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial aos meus pais, responsáveis pelo apoio, amor,
sabedoria e por tudo o que sou hoje.À minha namorada, Ingrid, pelo companheirismo, carinho, apoio, inspiração, e por
me devolver a lucidez nos momentos difíceis.Aos grandes amigos, pelo apoio à minha jornada.À minha orientadora Ivana, pela paciência, conselhos e doçura nos momentos mais
improváveis.A Maurício Oliveira, pela entrevista fornecida com tanta boa vontade.
RESUMO
Este trabalho faz um resgate de uma face de letra na linha de design de tipos
vernaculares, visando extrair da cidade de Natal, Rio Grande do Norte, um modelo
de letra que ateste a habilidade técnica e o valor patrimonial do letreiramento
vernacular. Foi feita uma revisão bibliográfica sobre desenho de tipos digitais e
desenho de letras, tanto nas fontes acadêmicas quanto vernáculas. O método
desenvolvido neste trabalho consistiu em uma pesquisa visual de letreiramentos
vernaculares na Zona Sul de Natal, na seleção de uma tipografia dentre estas, na
sua digitalizacão e na subsequente criação da fonte digital de uso livre a partir da
mesma. Espera-se que este trabalho contribua para a consciência da possibilidade
de se desenvolver tipografia no estado e gere um olhar mais empático e orgulhoso
dos potiguares para com a sua própria cultura.
Palavras-chave: Design de tipos; Tipografia vernacular; Brasil; América Latina.
ABSTRACT
This work rescues a urban vernacular letter face, following a line of vernacular
typography design, aiming to extract from the city of Natal, Rio Grande do Norte, a
letter model that testifies the technical skill and heritage of the vernacular lettering. A
bibliographic research was done on digital type design and letter drawing in order to
acquire the academic understanding of the matter. The method developed in this
work consisted in a adaptation of Munari and Henestrosa et. al., involving a visual
research of vernacular letterings at the South Zone of Natal city, a selection of a letter
face among those, and its adaptation to a free licensing digital font. Our expected
results are that this work makes a contribution to the awareness of the state of Rio
Grande do Norte for the possibility of developing typography as a profession, and
that it generates a more empathetic and proud look from the local people towards
their own culture.
Key words: Type Design; Vernacular Typography; Brazil; Latin America.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 — Projeto Tipocracia 11 ....................................................................................
Figura 2 — Diatipo, um dos encontros tipográficos brasileiros. 12 .................................
Figura 3 — Suplemento Cultural do Diário Oficial de Pernambuco 12 ...........................
Figura 4 — Ductus, ou linha mestra 14 ..........................................................................
Figura 5 — Modulações do traço 15 ...............................................................................
Figura 6 — Exemplos de design popular, regional e vernacular. 19 ...............................
Figura 7 — Fontes Cordel (Leonardo Buggy, PE) e Brasilero (Crystian Cruz, SP) 21 ....
Figura 8 — Fontes vernaculares por Vinicius Guimarães (em primeiro plano). 22 .........
Figura 9 — Fluxo de produção da fonte Adelle pelo Método de Henestrosa 23 .............
Figura 10 — Método Munari. 24 ......................................................................................
Figura 11 — Método Munari adaptado ao de Henestrosa. 25 .........................................
Figura 12 — Mapa gerado por marcação GPS através do Software Apple iPhoto. 27 ...
Figura 13 — Letreiramentos populares nos bairros da Ribeira e Cidade Alta. 28 ..........
Figura 14 — Letreiramentos populares encontrados na Ribeira 29 ................................
Figura 15 — Letreiramentos populares nos bairros de Lagoa Seca e Alecrim 30 .........
Figura 16 — Letreiramentos populares nos bairros de Lagoa Seca e Alecrim 31 ..........
Figura 17 — Letreiramentos populares no bairro do Alecrim, Natal RN 32 ....................
Figura 18 — Letreiramentos populares na orla de Ponta Negra, Natal RN. 33 ..............
Figura 19 — Letreiramentos populares em Cidade Satélite, Pitimbu, Natal RN. 34 .......
Figura 20 — Tabulação da pesquisa visual. 44 ...............................................................
Figura 21 — Interpolação de releitura da Five-Line Pica Italian com a Bodoni. 45 ........
Figura 22 — Alternativas Finais para digitalização. 46 ....................................................
Figura 23 — Estilo escolhido à esquerda, e estilo bastante similar à direita. 47 ............
Figura 24 — Características gerais da face de tipo selecionada. 47 ..............................
Figura 25 — Faces de letra bastante similares encontradas posteriormente. 48 ...........
Figura 26 — Letreiramento vernacular e fonte feita a partir do mesmo em Recife-PE ..
49
Figura 27 — Suburbana, de Fernando PJ originaria da Bahia. 49 .................................
Figura 28 — Filézin, de Vinícius Guimarães, São Gonçalo-RJ 49 ..................................
Figura 29 — Letreiramento na encontrado na Argentina. 50 ..........................................
Figura 30 — Letreiramento manual regional de designer e letrista Peruana. 50 ............
Figura 31 — Fontes Cachito e Emiliana, de Luis Rojas H. e José Soto B., feitas no
Chile 50 ...........................................................................................................................
Figura 32 — Equipamentos: Macbook e Mesa Digitalizadora. 51 ..................................
Figura 33 — Das esquerda para a direita: Photoshop, Illustrator e Glyphs Mini. 51 ......
Figura 34 — Digitalização/vetorização das letras na imagem. 52 ...................................
Figura 35 — Janela de criação e edição de modelos de pincel, no Illustrator. 53 ..........
Figura 36 — Traçado de pincel virtual do Illustrator e forma vetorial comum. 54 ...........
Figura 37 — Sequência de desenho sugerida por Meseguer (Henestrosa et. al) 54 .....
Figura 38 — Criação dos caracteres restantes. 55 .........................................................
Figura 39 — Simplificação de nós e posicionamento em extremidades 56 ....................
Figura 40 — Formas tendendo à exatidão matemática ficam desbalanceadas. 57 .......
Figura 41 — Exemplo de ajustes ópticos: apenas na segunda linha as formas estão
balanceadas. 57 ..............................................................................................................
Figura 42 — fonte em processo de espaçamento. 58 ....................................................
Figura 43 — Fonte em processo de espaçamento, kerning e revisão. 59 ......................
Figura 44 — Preparação de âncoras para automatização dos diacríticos. 60 ................
Figura 45 — Tabela de acentos e alguns dos caracteres acentuados. 61 ......................
Figura 46 — Composição demonstrando suporte da fonte a diversas linguagens. 62...
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 10 .................................................................................................
1.1. MOTIVAÇÃO 11 ....................................................................................................
1.2. JUSTIFICATIVA 12 ...............................................................................................
1.3. OBJETIVOS GERAIS 13 ......................................................................................
1.3.1. Objetivos específicos 13 ....................................................................................
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 14 .......................................................................
2.1. ESTABELECENDO DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES 14 ...............................
2.1.1. Caligrafia: bases para o letreiramento e a tipografia 14 .................................
2.1.1.1.Ductus, ou linha mestra 14 ..................................................................................
2.1.1.2.Modulação do traço 15 ........................................................................................
2.1.2. Letreiramento 15 .................................................................................................
2.1.3. Tipografia, face de tipo e face de letra 16 .........................................................
2.1.4. Design vernacular, design popular e design regional 17 ...............................
2.2. LETREIRAMENTOS VERNACULARES NO CONTEXTO LOCAL 19 ..................
2.3. TIPOGRAFIA VERNACULAR DIGITAL NO CONTEXTO BRASILEIRO 21 .........
3. METODOLOGIA 23 ..............................................................................................
4. ETAPA PROJETUAL 26 ......................................................................................
4.1. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA: NÃO HÁ UMA TIPOGRAFIA VERNACULAR
PRODUZIDA NO ESTADO 26 ..............................................................................
4.2. COMPONENTES DO PROBLEMA 26 ..................................................................
4.3. COLETA DE DADOS 27 .......................................................................................
4.3.1. Pesquisa exploratória 27 ...................................................................................
4.3.2. Entrevista com abridor de letras 35 ..................................................................
4.4. ANÁLISE DE DADOS 44 ......................................................................................
4.5. CRIATIVIDADE 45 ................................................................................................
4.5.1. PROJETO DE DESIGN 48 ...................................................................................
5. ETAPA DE DESIGN 51 .........................................................................................
5.1. MATERIAIS E TECNOLOGIA 51 ..........................................................................
5.1.1. Digitalização (Vetorização) 52 ...........................................................................
5.1.1.1.Ajustes no traçado virtual do Illustrator 52 ..........................................................
5.1.1.2.Criação dos caracteres restantes e ajustes de consistência 54 .........................
5.1.2. Transposição para o glyphs 56 .........................................................................
5.1.3. Experimentação 57 .............................................................................................
5.1.3.1.Ajustes ópticos 57 ...............................................................................................
5.1.3.2.Espaçar os caracteres 58 ....................................................................................
5.1.4. Avaliação do design e revisão de tracking e kerning 58 ................................
6. ETAPA DE PRODUÇÃO 59 .................................................................................
6.1. MODELO 59 .........................................................................................................
6.1.1. Automatização de diacríticos e pontuação 59 .................................................
7. VERIFICAÇÃO 61 ................................................................................................
8. DESENHO FINAL 62 ............................................................................................
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS 63............................................................................
! 10
1. INTRODUÇÃO
Os letreiramentos populares, ou letreiros rústicos pintados à mão, são
Imediatamente reconhecidos como parte da cultura brasileira e estão presentes em
mercadinhos, feiras e em todo tipo de varejo popular. Todavia, com a evolução da
informática e das tecnologias de impressão, essa forma vernácula de grafismo
perdeu bastante espaço, havendo um sério risco de extinção tanto da profissão,
quanto de toda uma forma de expressão cultural.
Há vertentes de design gráfico buscando resgatar a estética desses
letreiramentos, e juntamente, há a criação de fontes no estilo venacular. Iniciativas
com o intuito de levantar interesse no assunto e resgatar a estética vernacular já
ocorre em locais onde há grande valorização cultural e produção gráfica, como
Pernambuco, Ceará, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Porém, até o presente
momento não se tem notícia do Rio Grande do Norte nesse circuito de produção e
pesquisa; mesmo havendo inúmeros letreiramentos espalhados pelos centros
comerciais populares, já tradicionais na cidade.
Este trabalho se propõe a seguir a linha de resgate da estética vernacular,
mostrar uma forma de letra encontrada nos letreiramentos vernaculares de Natal, e
criar uma família tipográfica digital inspirada nos mesmos. Para tal, foi feita uma
pesquisa visual na cidade, visando encontrar uma face de letra que fosse produto
inegável de um estilo consagrado dentro de uma estética vernacular, distinta das
classes tipográficas e caligráficas historicamente reconhecidas pelos sistemas de
classificação. São abordados no trabalho também todos os passos do projeto e da
construção da fonte digital.
! 11
1.1. MOTIVAÇÃO
O autor deste projeto notou no curso desde muito cedo o seu fascínio por
tipografia. O tema tinha pouca relevância na grade curricular inicial do seu curso, e
conhecê-lo a fundo nunca foi uma exigência por parte do quadro inicial de
professores, fortemente voltado ao design de produto. Foi somente após uma oficina
de tipografia com Henrique Nardi, criador do evento Tipocracia, que o autor começou
a aprofundar-se rotineiramente no tema.
! Figura 1 — Projeto Tipocracia
Fonte: Tipocracia, Henrique Nardi
Seu anseio por desenvolver um trabalho na área intensificou-se após um
intercâmbio na University of East London, onde conheceu uma relação acadêmica
mais íntima com o design de tipos, em uma proposta de ensino que atém de
englobar a totalidade do tema, explorava a cultura tipográfica local, já tradicional e
bastante desenvolvida, como por exemplo a obra de Eric Gill (Arthur Eric Rowton
Gill, 1882–1940), designer de tipos inglês, criador da Gill Sans.
Em pouco tempo de pesquisa, pôde conhecer que, embora não haja tanta
tradição tipográfica no Brasil, há diversas iniciativas para promovê-la, pelo empenho
de profissionais do design de tipos no país, no intuito de educar e formar uma rede
de designers gráficos, profissionais e estudantes. Alguns desses eventos se
iniciaram em São Paulo, por exemplo, como as conferências Diatipo e Tipocracia.
Descobriu também, pólos acadêmicos na área, não só no pólo Sul–Sudeste do país,
como também a UFPE em Caruaru e Recife, culturalmente e geograficamente
bastante próximos ao Rio Grande do Norte.
! 12
! Figura 2 — Diatipo, um dos encontros tipográficos brasileiros.
Fonte: www.diatipo.com.br
Diante de todas essas possibilidades, o autor deste trabalho têm, desde
então, se dedicado em sua busca intelectual e profissional na direção do desenho de
letras, sendo este trabalho mais um de seus experimentos nessa área.
1.2. JUSTIFICATIVA
Em uma perspectiva regional, a criação de uma tipografia no Rio Grande do
Norte pode ser de grande importância para a valorização da identidade potiguar.
Tem-se o exemplo de Pernambuco, referência em produção cultural no nordeste
brasileiro, cujo apreço pela cultura se reflete, dentre diversos aspectos, no alto nível
das produções gráficas. Com esse ambiente propício, o estado tornou-se um foco de
pesquisa e produção tipográfica no nordeste, sob nomes como Fátima Finizola,
Solange Coutinho, Leonardo Buggy e Sílvio Campelo.
!
Figura 3 — Suplemento Cultural do Diário Oficial de Pernambuco
Fonte: www.suplementopernambuco.com.br.
Com vista nesse cenário tão próximo de cultura tão similar, mas de estima tão
díspar, é pertinente chamar a atenção dos discentes e docentes norte-rio-
grandenses para a pesquisa na área, bem como de todo o estado, para a produção
cultural e a criação de tipos como forma de promover vínculos com a cultura e as
tradições gráficas e linguísticas do estado.
! 13
1.3. OBJETIVOS GERAIS
Tem-se como objetivo deste trabalho digitalizar uma fonte a partir de uma
forma de letra distinta dentre os letreiramentos urbanos natalenses. Os métodos
para escolha e digitalização dessa face de letra serão explicados mais adiante na
pesquisa.
1.3.1. Objetivos específicos
a) Realizar registro dos letreiramentos urbanos na cidade de Natal;
b) Encontrar uma letra que esteja consolidada no estilo vernacular e não
exista nos cânones tipográficos e caligráficos, ou uma letra
comprovadamente originária da cidade de Natal;
c) Transpô-la para o contexto digital em formato de arquivo de fonte.
! 14
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. ESTABELECENDO DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES
Os termos tipografia, letreiramento e escrita são usados amplamente dentro
de um assunto frequentemente reduzido ao termo “tipografia vernacular”. O termo
tornou-se uma nomenclatura genérica para uma série de obras de natureza distinta.
É impreterível que esse e todos os outros termos amplamente utilizados no assunto
estejam aqui bastante distinguíveis.
2.1.1. Caligrafia: bases para o letreiramento e a tipografia
Segundo Noordzij (2003, p. 11), a escrita manual é praticada por um único
traço, e também a única que preserva essa característica. A partir daí são
introduzidas noções que influenciam bastante nas artes subsequentes, o
letreiramento e a tipografia. Essas noções serão explicadas logo a seguir:
2.1.1.1.Ductus, ou linha mestra
A trajetória determinada pelo traçado. Quando se risca uma superfície, por
exemplo, com uma ferramenta pontiaguda, é possível ver uma transcrição literal do
ductus. Em uma ferramenta que se desbasta e produz um traço de espessura
variável, tal como grafite, ou os pincéis, o ductus fica sendo a linha imaginária ao
centro do ponto de pressão da ferramenta.
! Figura 4 — Ductus, ou linha mestra
Fonte: o autor
! 15
2.1.1.2.Modulação do traço
O traço pode sofrer modulação, ou seja, ter sua espessura variada, através
da rotação da ferramenta de formato irregular, e da translação, que é quando, devido
à forma irregular da área de contado da ferramenta, a articulação da mesma provoca
provoca padrões variáveis de espessuras. Há ainda a modulação por expansão,
quando consegue-se, pondo maior ou menor pressão, variar a área de contato da
ferramenta, mas essa forma é mais popular e melhor executada em canetas bico-de-
pena. As formas caligráficas históricas empregam esses princípios, que são
transpostos às classe tipográficas tradicionais, ou seja, o comportamento da
ferramenta na caligrafia serve de base para o design de tipos (HISCHE, 2015. p.17).
! Figura 5 — Modulações do traço
Fonte: o autor, 2016
2.1.2. Letreiramento
Letreiramentos manuais (para diferenciá-los dos digitais), são essencialmente
a arte de desenhar letras que se vê nas ruas, abrangendo tanto as pinturas de letras
comerciais como as pichações. Noordzij usa como definição para letreiramento:
Letreiramento, ou lettering, é a escrita feita com formas construídas. No letreiramento, as formas são mais maleáveis do que na escrita manual, pois permitem retoques que podem gradualmente melhorar (ou prejudicar) a qualidade das formas (NOORDZIJ, 2013, p.11).
Finizola (2010) reune uma serie de definições para o letreiramento, que se
complementam: “a escrita em que a forma visual representada pelas letras e o modo
pelo qual elas são formatadas e combinadas, tem uma formalidade e uma
importância acima da legibilidade” (GRAY, 1986 apud FINIZOLA, 2010); a “técnica
manual de obtenção de letras únicas a partir do desenho” (FARIAS, 2004 apud
FINIZOLA, 2010), e o “ato de desenhar letras, também com a utilização de técnicas
forma da área de contato do pincel
traçado com translação
traçado com rotação de 180º
! 16
manuais, mas sem a restrito de que sejam desenhadas com apenas uma linha
apenas, podendo, por exemplo, ser preenchidas ou hachuradas” (MARTINS, 2007
apud FINIZOLA 2010). “geralmente se refere a desenhar, construir ou retocar
formas" (WATERS, 2009 apud Finizola (2010).
2.1.3. Tipografia, face de tipo e face de letra
Tipografia é, segundo a definição de Baines e Haslam, “o arranjo e notação
mecânica da linguagem” (BAINES; HASLAM, 2005, p. 7, tradução nossa). Farias
expande o conceito um pouco além para:
o conjunto de praticas subjacentes à criação e utilização de símbolos visíveis relacionados aos caracteres ortográficos (letras) e para-ortográficos (tais como números e sinais de pontuação) para fins de reprodução, independente do modo como foram criados (à mão livre, por meios mecânicos) ou reproduzidos (impressos em papel, gravados em um documento digital). (FARIAS, 2010, p. 18, grifo nosso).
Essa definição dá margens para se entender que fazer o arranjo de letras à
mão livre, reproduzidas com base em um modelo visual relativamente consistente
criado pelo artista ou por terceiros como também tipografia (por definição,
letreiramentos).
Embora se referir aos letreiramentos vernaculares urbanos por “tipografia
vernacular” tenha se consagrado, entendemos que ele pode causar confusão, e
tentamos nos ater ao termo “letreiramento” para falar de letras manualmente
construídas encontradas em nas ruas. O uso do termo “tipografia vernacular”
procura ser empregado neste trabalho acompanhado do termo “digital”, referindo-se
aos tipos digitais feitos à semelhança das letras dos letreiramentos populares.
Outro significado atribuído à palavra tipografia é como sinônimo da identidade
singular de um determinado design de letra ao qual se atribui um nome, como por
exemplo: Arial, Helvetica, Times New Roman, Futura. Empregaremos sim esse
termo, e, também o termo “face de letra”, análogo ao mais comumente visto
“typeface”, ou “face de tipo” — que evitaremos, por conter o termo “tipo”, não
remetendo a letras manualmente reproduzidas.
! 17
2.1.4. Design vernacular, design popular e design regional
Durante o Império Romano, o termo “vernaculum” se referia ao escravo
nascido na casa de seu senhor. Após a queda do império, com a perda do controle
sobre a língua nas ex-colônias, estas o modificaram na sua forma casual, ao ponto
de configurarem novas línguas. Estas foram chamadas de línguas vernáculas, em
oposição à língua litúrgica, usada nas celebrações da igreja. É desse significado que
o termo vernacular se consagrou: como algo próprio de um país ou nação.
Atualmente, seu uso no design é frequente em tipografia, referindo-se tanto a
letreiramentos urbanos como a letreiramentos e tipos digitais. Porém, além das
diferenças no contexto físico e do digital, há naturezas distintas, pois um é
autenticamente vernacular e o outro geralmente é feito por alguém cuja formação é
acadêmica. Assim, entendemos que uma tipografia ou letreiramento digital não seria
uma obra vernacular stricto sensu, mas sim designs inspirados no vernacular, como
é o caso do produto desenvolvido ao final deste trabalho.
Finizola usa o termo “gráfica popular” para mencionar as atividades e
produções autenticamente populares, e diferencia três grupos principais de design
com inspiração no vernáculo: um que transpõe a linguagem vernacular local ou
regional e propõe novas aplicações; um que faz registro de recortes do cenário
vernacular urbano; e um que não se utiliza da linguagem visual regional ou
vernacular, mas a abstrai em uma abordagem visual nova (FINIZOLA, 2010. p.30).
Dependendo do recorte que se faz nesse projeto, ele pode ser enquadrado
em diferentes categorias: o trabalho inclui o registro de recortes do cenário
vernacular urbano; porém, este não é apresentado na forma de produto gráfico. Já a
fonte vernacular desenvolvida ao final fica na primeira categoria, por ter como
objetivo transpor uma face de letra vernacular, encontrada no contexto da paisagem
urbana comercial da cidade, para o espaço virtual de tipografia digital.
Como os conceitos “popular”, “regional” e “vernacular” possuem significados
semelhantes, Finizola também os explica, limitando o emprego dos mesmos a
situações melhor especificadas.
! 18
Quadro 1 – Definição de design popular, regional e vernacular Fonte: FINIZOLA, 2010. p.31
Embora esteja fora de questão crer na existência de uma uma letra vernacular
pura e livre de influências regionais e globais; neste este estudo foi buscada uma
forma de letra cujos valores vernaculares sobressaíssem aos outros.
Foi feita uma pesquisa em busca de letreiramentos que seguissem estes
preceitos de vernacular, para que a fonte encontrada e posteriormente digitalizada,
de fato valorize uma cultura vernácula pouco notada pelo povo potiguar.
Segundo Bringhurst os princípios ensinados no design acadêmico, tal como a
gestalt, massa visual e regras de compensação ótica, tem validade universal, uma
vez que respondem à percepção humana (BRINGHURST, 2005), sendo portanto
válidos também em letreiramentos vernaculares que nem mesmo são guiados por
uma escola oficial de design. Segundo o Designer, cartazista e ex abridor de letra
Maurício Oliveira, entrevistado neste trabalho (informação verbal) , os pintores 1
populares aprendem alguns desses princípios ditos universais por experimentação,
intuição e observação do design oficial e dos colegas.
CaracterísticasDESIGN popular
DESIGN regional
DESIGN vernacular
Vinculado a um território
Vinculado à ausência de formação acadêmica
Vinculado a uma classe social!
!
! geralmente
! escala local
! às vezes
! escala regional
! A entrevista encontra-se transcrita na coleta de dados deste trabalho.1
! 19
!
Figura 6 — Exemplos de design popular, regional e vernacular. Fontes: Tetê modas, Mateus Tinoco (Projeto Vernáculo), Leonardo Buggy (Fonte Armoribats) e o
autor.
2.2. LETREIRAMENTOS VERNACULARES NO CONTEXTO LOCAL
Segundo Cardoso (2005), a história oficial do Design brasileiro inicia-se nos
anos 60, com a criação da ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial, embora
diversas soluções projetuais e ofícios análogos à profissão do Designer já se
encontrassem no país na época. A escola modernista trazida da Europa passou a
tomar então o lugar de praticamente todas as atividades similares que podem ser
hoje ditas como design. Cardoso não aborda no entanto a produção de cartazes,
faixas e murais. Finizola menciona a mesma fala de Cardoso, complementando que
algumas dessas atividades de design anteriores à ESDI sobreviveram, tais como os
trabalhos dos letristas populares, hoje vistos nos muros das periferias e cidades do
interior brasileiro (FINIZOLA, 2010, p.13).
design regional
design vernacular
design popular
! 20
Em Natal, o designer gráfico e publicitário Maurício Oliveira afirma que nos
anos 70, os pintores de letras mais experientes vinham da Paraíba, local segundo
ele, muito mais desenvolvido na produção gráfica (informação verbal)2. Relata ainda
que era necessário estabelecer uma aproximação de amizade ou de aprendiz com
um pintor, o que significava muitas vezes observar o pintor realizar o trabalho do
início ao fim (OLIVEIRA. Informação verbal) . 2
Na quebra do design vernacular feito à mão para a nova tecnologia, houve
uma cisão com agentes atuantes no serviço e por conseguinte, na estética. O pintor
que antes era o designer, perdeu lugar para operadores de softwares. Maurício
conta, por exemplo, que poucos de seus antigos colegas se modernizaram e
aprenderam a usar computador para prosseguir na carreira (idem. Informação
verbal)2.
Como a composição em computadores também segue um fluxo de produção
diferente, através do uso de fontes para compor, e recursos posteriores para
diferenciá-la, não houve muitas chances de se repor a estética antiga, e esta, não foi
mais entendida como fonte de inspiração ou um ponto de partida, mas apenas uma
forma inculta de comunicação visual, fortemente marginalizada.
! A entrevista encontra-se transcrita na coleta de dados deste trabalho.2
! 21
2.3. TIPOGRAFIA VERNACULAR DIGITAL NO CONTEXTO BRASILEIRO
Ricardo Esteves Gomes afirma que a produção brasileira de tipografia digital
surgiu nos anos 80, com construções experimentais, devido ao pouco acesso à
informação acerca de tipografia na época. Essa linha experimental iria futuramente
abarcar uma busca pela essência da cultura brasileira e originar a tipografia
vernacular digital (GOMES, 2010, p. 76–89). Quanto ao início da produção de fontes
digitais com inspiração vernacular, não há uma informação categórica. Aponta-se
que em 1998, Leonardo Costa, (mais conhecido como Buggy) lançou a fonte
vernacular Cordel, quando fazia parte do grupo Tipos do Acaso em Recife, junto,
entre outros a Solange Coutinho. Em 2002, Crystian Cruz lançou a Brasilero
(GOMES, 2010, p. 83), embora o próprio afirme ser esse somente o ano de
lançamento da fonte, esta estando pronta desde 1998 (CRYSTIAN CRUZ, Brasilero.
Disponível em: <http://crystiancruz.myportfolio.com/brasilero>. Acesso em: 25 mai.
2016).
!
Figura 7 — Fontes Cordel (Leonardo Buggy, PE) e Brasilero (Crystian Cruz, SP) Fontes: http://www.tiposdoacaso.com.br; http://crystiancruz.myportfolio.com/brasilero
O cenário desde então tem sido enriquecido com várias fontes novas, vindas
de diversas regiões do Brasil, de fato corroborando com a identificação do povo
! 22
brasileiro das diversas partes entre si. Apesar do sucesso e da ampla aceitação da
relevância do tema, Gomes faz a seguinte consideração:
“Independentemente de alguns bons resultados obtidos com base nessas premissas, elas não podem ser encaradas programaticamente como caminho definitivo para o design brasileiro de tipos.” (Gomes, Ricardo Esteves. 2010. p. 88.)
E ainda sinaliza que a produção tipográfica nacional já está de fato no
momento em busca de outros caminhos:
“…podemos dizer que essa, que chamamos de primeira fase do design brasileiro de tipos digitais, caracterizou-se fundamentalmente pela experimentação e por tentativas ora de territorialização, ora de desterritorialização, com o maior contato de brasileiros com outras referências do exterior, aos poucos essas questões foram sendo relativizadas e a difusão do conhecimento propiciou outros horizontes paralelos.” (Idem, 2010. p. 89.)
Como o próprio afirma anteriormente, isso não quis dizer que o tema tenha se
encerrado. Embora não configure mais uma novidade, a tipografia vernacular
continua a ser um campo prolífico de experimentação para designers, sejam estes
iniciantes no design de tipos ou versados no assunto. A exemplo, o designer Vinicius
Guimarães, mestre pela ESDI/UERJ, ministra oficinas de tipografia vernacular até o
presente momento. Vinícius foi responsável por quatro fontes vernaculares (figura 8),
publicadas e gratuitamente disponibilizadas em um site online que fez para sua
graduação.
!
Figura 8 — Fontes vernaculares por Vinicius Guimarães (em primeiro plano).
Autor: Vinicius Guimarães
! 23
3. METODOLOGIA
O trabalho foi iniciado baseado no método de Henestrosa, Scaglione e
Meseguer (figura 9), por julgarmos que a experiência de três designers de tipos
consagrados eram a melhor referência a se seguir.
!
Figura 9 — Fluxo de produção da fonte Adelle pelo Método de Henestrosa
Fonte: HENESTROSA et al. p.60–61.
Porém, diversas etapas não se aplicavam ao projeto, como por exemplo, o
detalhamento das etapas operacionais necessárias à criação de fontes com
múltiplos pesos. Havia também, partes fundamentais de pesquisa e criação que
faltavam ser descritas em uma abordagem metodológica.
Etapa de Design
Projeto de design
Projeto de produção
Etapa projetual
Etapa de produção
Etapa de pós-produção
Geração de arquivo multiple masters
Design da Master Light ——————————————— • Maiúsculas e minúsculas • Numerais e sinais monetários • Pontuação e não-alfabetos
Esboços Iniciais
Design de formas derivadas Light
Verificação de acentos e posicionamento das âncoras
Design de formas derivadas Extra Bold
Design da Master Extra bold ——————————————— • Maiúsculas e minúsculas • Numerais e sinais monetários • Pontuação e não-alfabetos
Master 1: Light ____________
• Geração de compostos
Interpolação: Regular
——————— • Verificação de curvas
• Geração de compostos
Interpolação: Semibold
——————— • Verificação de curvas
• Geração de compostos
Interpolação: Bold
——————— • Verificação de curvas
• Geração de compostos
Master 2: Extrabold
____________
• Geração de compostos
Extrapolação: Heavy
——————— • Verificação de
curvas • Geração de
compostos
Extrapolação: Thin
——————— • Verificação de
curvas • Geração de
compostos
• Interpolação de Kerning • Hinting • Configuração de cabeçalho do arquivo • Funções Open Type (Open Type Features) • Produção de fontes
Controle de funcionamento e comercialização
Light Regular Semibold Bold Extrabold HeavyThin
! 24
À procura de um método mais completo e maleável às necessidades de
projeto (figura 10), optamos pelo método Munari, que inclui um foco maior na
solução de um problema e apresenta diversos intermediários flexíveis.
!
Figura 10 — Método Munari. Fonte: O autor,. Adaptado de MUNARI. 1981.
Problema
Solução
Definição do problema
Componentes do problema
Coleta de dados
Análise de dados
Criatividade
Materiais e tecnologia
Modelo
Verificação
Desenho final
Experimentação
! 25
Unindo os pontos comuns a esses dois métodos, obteve-se o método deste
trabalho (figura 11), que melhor conseguiu descrever a trajetória necessária para
criar a tipografia desenvolvida.
!
Figura 11 — Método Munari adaptado ao de Henestrosa.
Fonte: O autor.
Etapa de design
Problema
Definição do problema
Componentes do problema
Coleta de dados
Análise de dados
Criatividade
Materiais e Tecnologia
Modelo
Verificação
Desenho final
Experimentação
Etapa projetual
Etapa de produção
Projeto de design
Projeto de produção
Esboços Iniciais
Digitalização (Vetorização)
Transposição para o Glyphs
Ajustes de Kerning e Tracking
Automatização de diacríticos e pontuação
Versão de testes para terceiros (Beta)
Solução
Fonte versão 1.0
Legenda: processos —————————
Projetuais
Operacionais
! 26
4. ETAPA PROJETUAL
A partir de fotos de referência do letreiramento vernacular encontrado, foi feita
sua transformação em um arquivo completamente funcional de fonte digital, a partir
das seguintes etapas:
4.1. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA: NÃO HÁ UMA TIPOGRAFIA VERNACULAR
PRODUZIDA NO ESTADO
O design gráfico é provavelmente a prática mais intimamente ligada ao
desenho de tipos, e como o curso de Design é relativamente novo, não havia até
então disponibilidade de se estudar tipografia, nem a divulgação da possiblidade de
se criar tipos.
A fim de solucionar o problema, foi realizada uma tipografia vernacular, com
base em pesquisas visuais com os letreiramentos populares dos centros comerciais.
4.2. COMPONENTES DO PROBLEMA
a) O autor nunca fez uma tipografia vernacular
Este componente fica registrado por julgarmos que é significativo em termos
operacionais. O tema, embora inserido na temática do curso, vai muito além do
conhecimento exigido em seus componentes curriculares. Embora tipografia seja
parte do design gráfico, a criação de tipos entra em um contexto muito mais
profundo; para o qual foi necessário construir um conhecimento novo. O autor
inclusive teve dificuldade para encontrar material sobre o assunto nas fontes
disponíveis em Natal.
b) Desconhece-se no estado a possibilidade de se fazer tipografia
Seria interessante divulgar a possibilidade de compra e produção tipoárafica
existe. No entanto, essa etapa de divulgação, subseqüente à produção da fonte, não
será abordada neste trabalho.
! 27
4.3. COLETA DE DADOS
A coleta de dados em um projeto se inicia desde a pesquisa bibliográfica,
cujos pontos interessantes são relatados neste projeto no referencial teórico. Porém,
nos moldes deste trabalho, este tópico fica reservado para pesquisas subsequentes,
que precisaram buscar dados novos não antes relatados.
4.3.1. Pesquisa exploratória
Foi realizada uma pesquisa exploratória visual em busca de letreiramentos
vernaculares natalenses. O bairros visitados foram: Alecrim, Cidade Alta, Cidade
Satélite, Lagoa Seca, Ponta Negra. A pesquisa não se estendeu à Zona Norte. A
maioria das visitas ocorreram fora do horário comercial, o que, acredita-se, reduziu
um pouco as amostras, uma vez que alguns comerciantes recolhem cartazes,
placas, fecham janelas e os ambulantes não levam seus carrinhos; todos possíveis
suportes à mensagem. Além de uma marcação precisa no mapa (Figura 13), a
seguir é mostrado um apanhado dos letreiramentos encontrados (Figuras 14 a 20).
!
Figura 12 — Mapa gerado por marcação GPS através do Software Apple iPhoto. Fonte: O autor, 2015.
! 28
! Figura 13 — Letreiramentos populares nos bairros da Ribeira e Cidade Alta.
Fonte: O autor, 2015.
! 30
!
Figura 15 — Letreiramentos populares nos bairros de Lagoa Seca e Alecrim
Fonte: o autor, 2015.
! 31
! Figura 16 — Letreiramentos populares nos bairros de Lagoa Seca e Alecrim
Fonte: o autor, 2015.
! 34
!
Figura 19 — Letreiramentos populares em Cidade Satélite, Pitimbu, Natal RN. Fonte: o autor, 2015.
! 35
4.3.2. Entrevista com abridor de letras
Foi feita uma entrevista com um abridor de letras, atualmente designer gráfico
também publicitário, em atividade desde os anos 70 em Natal, a fim de validar
alguns dos questionamentos a cerca do cenário da profissão e da transmissão de
conhecimento no contexto vernacular. A entrevista na integra está disponível em
arquivo mp3.
Arquivo: Entrevista 1 – tempo de gravação: 23min 59segEntrevista realizada em 27 de Maio de 2016Transcritor: Ígor Jales Costa Souza
Obs: há cortes na transcrição da entrevista para focar nos pontos importantes para
esta pesquisa. O arquivo original contem cortes incidentais para poupar bateria e
armazenamento no dispositivo. Os cortes estão aqui devidamente comentados para
melhor compreensão.
Maurício Oliveira, 55 anos;Designer, publicitário e abridor de letras.
Interlocutores
Entrevistador, Autor (S) SOUZA, Ígor Jales Costa
Entrevistado (O) OLIVEIRA, Maurício da Silva
Legenda
Ocorrência Sinal
Comentário do transcritor ((texto))
Corte no áudio /…/
Supressão de trecho […]
Dúvidas na transcrição (?)
! 36
/…/
S: Como começou na carreira de designer?
O: […] Assim, aos oito anos de idade […] estudava no interior na escola aí já
desenhava com grafite. E lá, […] fui me destacando diante dos amigos, dos
garotos… […] que não tinham a tendência, e eu já tinha. […] O pessoal: “ah, você
desenha bem”, e aquilo ia me motivando mais, né? Me motivando, cada vez mais; …
Aí… fui me aprimorando na arte, fui buscando também em livros de arte… Ah, você
sabe que a dificuldade aqui no […] Brasil é difícil em relação à escola de belas
artes… É… O dia-a-dia… E o interesse próprio, a vontade. De ir em busca de querer
mais, e… Hoje sou um profissional da área de design, e […] tenho meu
computador… Continuo trabalhando com artes, mas hoje trabalho com o
computador, mas ainda com […] as raízes antigas, né, da arte, que é o, por
exemplo, fazer cartazes à mão, pintar, desenhar, fazer um… Um grafite… Desenhar
com lápis grafite, essas coisas assim.
[…]
/…/
((Oliveira faz um cartaz de supermercado anunciando uma oferta de coxão duro))
[…]
S: Então, as perspectivas de carreira naquela época, como eram?
O: Rapaz, naquela época… Hoje o designer se forma, ele pensa realmente na
carreira profissional, mas naquele tempo você se contentava com a demanda do
mercado mesmo, [...] o que o mercado queria, a gente ia fazendo, certo? Não tinha
aperfeiçoamento, busca... Não é como hoje, você é um, designer… Você tem a
internet, favorece muito. Você tem a pesquisa de mercado, como se faz um cartaz,
como se usa uma tinta... É mais fácil, mas na época era limitado de acordo com a
demanda do mercado.
/…/
S: Então naquela época, […] no início da sua carreira, você se definiria como? Se te
perguntassem “você faz o que?”, “Que tipo de profissional… ((você é))”?
! 37
O: Rapaz, na época o nome “design” não existia, hoje o nome “design” hoje é moda.
Se eu botasse hoje na minha placa “Maurício Desenhista”, ficava pejorativo, ficava
((leve expressão de nojo))… entendeu? “Maurício Design”, a palavra “design” hoje,
ela é muito forte, então é “Design de Moda”, “Design de”… Ilustrador... Um “Design”
tantos… [...] A palavra design hoje […] é uma palavra genérica que abrange
praticamente o mundo da arte. “Fulano é um design”. Até mesmo um cara que
trabalha com móveis, por exemplo, e o cara às vezes diz “é um bom design”. É uma
palavra moderna, né? Mas aquilo no nosso tempo se usava “desenhista” e “abridor
de letras”.
S: Abridor de letras...
O: Por incrível que pareça! O cara chamava “chame aí um abridor de letras!”. Quer
dizer, “abridor de letras”: nem soava legal o nome, né?
S: Então você já chegou a se […] definir como abridor de letras…?
O: Cheguei.
[…]
S: E quando que mudou esse, esse paradigma, você chegou e você disse eu “não,
agora eu não sou mais isso, eu sou…?”
O: É o seguinte [...] por exemplo… /…/ na época eu poderia dizer assim “Maurício
pintor”. […] “chame Maurício pintor!”. O pintor também era um sinônimo do cara que
fazia de tudo em artes. Como por exemplo, aqui no bairro, tinha um cara chamado
Joãozinho pintor… Grilo, que hoje tá vivo, que hoje tem uns 80 anos, era Grilo
Pintor... Pintor Grilo! …Aí depois passou para “artista gráfico”. “Fulano é artista
gráfico”. Quando eu entrei na universidade nos anos 80, [...] se chamava assim
“Maurício, o artista gráfico”, aí agora é Maurício Design.
S: O uso da palavra “design”, você lembra mais ou menos quando foi… que
começou?
O: […] A palavra “design”, ela começou a [...] ser usada… No começo dos anos 90.
/…/
S: Como era… Ser um... Abridor de letras naquela época? […] Como seria o
trabalho, a rotina?...
! 38
O: Rapaz, seria o seguinte... Era um autônomo. Eu tinha minha maletinha de tinta
com os pincéis, então a pessoa chegava e dizia “Maurício, eu tenho uma loja ali,
queria fazer uma fachada, botar o nome da loja”. Então eu ia lá, eu fazia... Mas era
como que fosse um “free” hoje. Mas na época chamavam “bico”, “fazer bico”. Hoje é
“free”... né?
[…]
S: Uma coisa que eu tenho muita vontade de entender é como se aprendia a fazer
as letras.
O: Olha, aprender a fazer mesmo, primeiro era ter vontade e dom. Segundo, se
aproximar de uma pessoa que pintava — como eu, e outros amigos que eu tenho
que ainda estão na ativa — era sempre… O, o aprendizado era diferente de hoje, de
você ir pra uma sala de aula e ter um professor de design. Era simplesmente você ir
olhar um cara pintando uma fachada, você ficar de manhã até chegar a noite, ver ele
começar e terminar, e ali… Você… Procurar depois sua habilidade também de ir
procurar fazer… Entendeu? Tinha as divisões da letra, como por exemplo, um… A
letra... O “M”, é uma letra maior do que todas as letras, ela é… Um terço, tem um
terço maior do que todas as letras. Por exemplo, o “T”, perto do “A”, o “A” “entra” no
“T”, você tinha que dar o desconto… Certo? Isso depois eu vou fazer aqui uma
demonstração pra você aí você depois faz o resumo, não é isso?
S: Sim. Essas técnicas aí, você... ((aprendeu)) no “boca-a-boca”? ((Ensino e
aprendizado oral))
O: Essas técnicas era “boca-a-boca”! E… Ter a visão da coisa, porque realmente
você não aprendia. E não tinha aquela coisa... Realmente tinha alguns profissionais
bons que vinham da Paraíba aqui pra Natal... Então, eles davam o toque, né? Como
fazer, como fazer a letra, como isso e aquilo, tal, isso realmente tinha. Mas… Era na
prática mesmo. (...) Depois eu faço aqui mais ou menos como era.
((No trecho seguinte, fala-se de abridores de letras da Paraíba, mencionados pelo
entrevistado em ocasião anterior à entrevista))
S: Eu achei interessante essa questão da Paraíba, que [...] você disse, que era o
lugar de onde vinham os bons… Abridores de letra, né? …Mas tinha uns abridores
de letras daqui ou [...] todos eles vinham de lá?
! 39
O: Olhe, [...] o primeiro… Artista gráfico mesmo… Desenhista da cidade famoso…
Chama-se… Grilo. […] …Ele foi o primeiro. Ela ta quase com 90 anos. Ele foi um
cara que todo mundo hoje que tá com a minha idade que ainda tá na ativa, aprendeu
com ele, porque ele era um puta profissional. Agora, os artistas que vinham da
Paraíba, era porque nesse ponto a Paraíba já era um centro muito avançado, em
artes. É tanto que você vê que até hoje na música, a Paraíba é [...] uma potência...
Em cultura.
/…/
((S pergunta enquanto o gravador estava pausado: “Tinha algum nome para os tipos
de letras?” A gravação continua com a resposta de O))
O: Letra caixa alta e caixa baixa. Caixa alta era a letra maiúscula e a caixa baixa era
a letra minúscula. Mas sabe por que isso? Porque Gutenberg, na... Quando... O cara
ia fazer a tipografia de jornais... Então... A… Como chama a letra, caixa alta é a
maiúscula e caixa baixa, a minúscula, por quê? Porque na parte alta estava as letras
maiúsculas, que o cara pegava com uma pinça e as letras maiúsculas (minúsculas)
estavam na caixa embaixo, aí hoje virou sinônimo caixa alta maiúscula e caixa baixa
minúscula. Certo? E na época, a letra …minúscula, desenhada, que hoje se chama
itálica, a gente chamava manuscrita. Mas manuscrita […] mesmo de que vem da
mão, escrita pela mão, mas era comum, o pessoal não tinha noção do que era a
arte, dizia “ah, faz uma manuscrita aí”, mas manuscrito era sinônimo de abrir letra
também.
S: Era só um estilo diferente desse…
O: Exatamente! ...E também existia outras técnicas, como por exemplo, isso aí a
gente ia desenvolvendo… Como por exemplo…
/…/
((Com o gravador pausado, S mostra e pergunta sobre uma letra de serifa toscana
bicolor a O, que explica conhecer pelos circos, e continua…))
O: O circo já vinha dos grandes centros mais avançados… Vinha circo de São
Paulo, o circo vinha de todo canto, né? Então a noção que a gente tinha, por
exemplo, você não tinha amigos… Por exemplo, o cara às vezes chegava, dizia
“Maurício, o Circo Continental chegou aí”... Meu amigo, o nome do Circo Continental
! 40
era “imoral”((incrível))! Na frente do circo, lá era o nome “Circo Continental”, o nome
“Continental”, mas era parecido com o nome do cigarro Continental. Tu acredita?
[...]
S: Então foi o circo que trouxe essa letra serifada, né? Por que o pessoal em geral…
não fazia?
O: Circo, Cigarro Continental… Olha só, vou dar um exemplo aqui pra você. A gente
se baseava nessa letra aqui, “Continental”, pra abrir várias letras em frente de loja
porque a letra era bonita... tá vendo aqui? (mostrando imagens na internet) ...Agora
o cigarro vinha de onde? Feito já nos Estados Unidos, a marca continental, porque
não era feito no Brasil. Como Coca-Cola, como Minancora, como outras marcas, e a
gente ia lá ver, pronto, hoje quando você quer fazer um trabalho, qualquer trabalho,
vai num Shopping pesquisar. A gente ia pesquisar em quê? leite Ninho; nas latas de
óleo; nas carteiras de cigarro; porque olha só… Eu vou botar aqui uma imagem
maior pra você ver como é interessante [...] Olha, o nome Minister, o nome
Continental… Hollywood... Olha, Carton… Olha, Continental, o nome Continental...
S: Tinha muitas dessas marcas que hoje…
O: O nome, pronto, a gente pegava o nome Carton, tinha só o “r”, o “l”, mas eu
posso fazer as outras letras, já tinha noção de como é elas!
[…]
O: […] Todas as letras americanas dos filmes de velho-oeste são serifa. Já viu? E
bonita. Saloon, barbearia, né? Banco… Então isso aqui pra a gente era referência...
Porra! “Continental”?! Olha, tá vendo a sombra branquinha?
S: Sim…
O: A sombra branquinha, tá vendo? Isso aí era referência pra a gente. …Vou mostrar
aqui por exemplo, circos. Como eram os circos antigamente… [...] Ta aqui o exemplo
duma letra… Isso aqui era fora de série, meu amigo!… Ta vendo? Essa era a letra
decorativa, era a letra com a sombra e dentro da letra os detalhes, olha… E quem
trouxe isso foi, foi os circos… Foram os circos. Ta vendo aqui, olha, como eram as
letras de circos? Eram metade de uma cor e metade de outra. E com serifa. Olha,
vou pegar um circo aqui, ta vendo? Uma letra linda do caralho, olha! Só que a
gente… Meu amigo, eu… Eu pegava um papel… Ia pra frente do circo e ficava lá,
! 41
olha, copiava tudinho, por exemplo, esses “C” desse circo aqui, ainda lembro como
hoje, olha, chegava aqui… Fazia isso, olha... E aí continuava, ó… Mas por que? Por
que já… Já vinha... Dos circos americanos! Dos nomes americanos! Porque o cara
assistia filme, porque o artista é o seguinte, cara, a pessoa comum que não é artista,
ela assiste o filme aqui; terminou o filme e tudo, mas ela não viu os detalhes. Por
exemplo, eu quando era menino, eu olhava, eu dizia “meu irmão, ó o nome ‘Saloon’,
ó o nome ‘banco’...” ...Não é não? Por exemplo, “Wanted”, que é “procurado”, né? Já
era serifada, aquela letra bonita… É, bicho! …Então, isso aí, pra o seu TCC, a
referência era cigarro, era Minancora, era, era os produtos que vinham na revista
Manchete. Que era onde a gente tinha acesso.
S: Tinha assim os produtos populares daquela época também, né?
O: Tinha assim, leite Ninho, as latas de óleo, os produtos americanos que vinham
embalados, então aquilo servia de referência pras letras. Por que quem é que tinha
livro?! Ensinando a fazer as letras?!
[…]
O: Olha aqui os circos, olha… Isso aqui é um fenômeno, isso aqui… Isso aqui, meu
irmão, eu lembro como hoje. Eu chegava, pegava meu papel… Chegava lá, tava o
cartaz. No circo. Aqui eu pegava, olha, “pá, pá, pá pá pá”, o cara já pedia acolá uma
letra de um supermercado, eu empurro essa letra.
[…]
((olhando letreiramentos vernaculares na internet, após uma pausa no gravador))
/…/
O: Essa aqui… Todas essas letras, por exemplo, “salão atual”. Se você olhar, e a
gente fosse botar esse nome no computador, eu ia equilibrar essas letras todas pra
dar harmonia! Não, aqui foi feito aleatório, meu amigo!
S: A pessoa percebe a diferença, né? ((entre a coesão formal das letras))
O: Você percebe! Agora se eu fosse num salão atual, eu ia dar uma equilibrada nele
como manda o figurino. Entendeu? Por exemplo, esse nome aqui, “Pintor”, que o
cara fez aqui, se ele tivesse cortado um pouquinho as pernas do T, ele ganhava mais
espaço aqui, aí ficava uma brechona grande entre Pintor, mas isso aqui é uma
relíquia, porque era a época! A época permitia isso! Né?
! 42
S: Tem uma coisa interessante que eu vi aqui, ele tem três… Acho que chega a ter
uns três tipos de letras diferentes que podem ser confundido, não sei se são três ou
são duas… Queria saber se vocês fazem diferenciação entre essas aqui, olha,
essas aqui ele chama de cursiva. Essa aqui é juntinha, ela como se fosse um traço
só. E tem a caligráfica. Essa caligráfica aqui ((letras de classificação de finizola,
similares à letra digitalizada neste trabalho)) …Você reconhece ela? Eu acho ela
muito mais... Rara de encontrar aqui em Natal.
O: É… Essa distinção, eu não sabia não, eu sou sincero a você… Essa aqui é a que
eu uso em preço de supermercado ((expressiva, segundo classificação de Finizola)).
Mas você pode fazer uma pesquisa na internet entre a diferença de caligráfica...
Pra...
S: Cursiva.
O: Cursiva. A cursiva que eu conhecia antigamente era o seguinte, era essa letra
aqui. Era a letra. Pronto, a cursiva significava a italic, pronto! Pra a gente. “Faça…
Não, faça ela em pé não, faça cursiva!” Que era “deitada. Era assim, sabe? Ah, era
uma moda muito grande, a letra deitada! Rapaz, se você visse casas cebarro(?) é a
única que ainda tem letra antiga aqui em Natal.
((Souza mostra uma letra manuscrita, mesmo estilo da letra selecionada para
digitalização no trabalho ao qual esta transcrição é anexa))
S: Vou mostrar aqui uma foto que eu tirei… Olha, essa aqui. Essa aqui foi lá em
Pipa. Você pode dar um zoom aqui… Pode ver que é um estilo bem diferente.
O: É…
S: Tem uns… Uns rematezinhos aqui, do pincel…
O: Por exemplo, olha, esse “g”… Esse “g” aqui de “Frango”, eu já faço ele assim…
Por exemplo, eu já faço ele assim… Ó… Entendeu? Ele… Ele.. Porque antigamente
um “g”, ele tinha isso, ele tinha duas “bolonas” e aqui tinha um pinguinho, né isso?
((Oliveira refere-se às diferenças entre o “g” single story e o “g” double storey,
enquanto os desenha)) Não tem letra que tem assim? Isso era muito comum. Mas
aqui é aquela letra aleatória, tanto faz você fazer esse “a” ((double storey)) de frango
do jeito que tá aqui, como esse “ɑ” ((single storey)) aqui, olha.
((Oliveira desenha as versões double storey e single-storey do “a” e do “g”))
! 43
/…/
((Analisando o logotipo da Coca-Cola))
O: Olha, bicho, você bicho, que aqui tem um equilíbrio muito filha da puta! …Não
tem ou não tem, olha?
S: É…
O: Coca-Cola — Olha, se você olhar, o peso do seu olho, no olho, […] interessante
que eu vim aprender com o tempo, você tá olhando aqui o nome Coca-Cola, aí você
quer… Quer ver se ele tá 100%... Você faz “olho chinês”. Fecha os olhos um
pouquinho… Como se fosse um “zoom” ((provavelmente Oliveira quis dizer
desfoque)) …Sabe? Você faz isso, ó. Fecha assim… Pra ver se tá... No ponto. Se tá
no ponto.
[…]
O: É… É porque tem os estudiosos mesmo, eles dizem o seguinte: Por que é que,
por exemplo, se você pega um cartaz hoje de alto nível mesmo, a leitura ela é
assim, ó... A leitura é assim ó… Ó…
((Desenha um z com quinas arredondadas tomando quase toda a extensão da
página, representando o fluxo de leitura que o olho percorre))
O: Isso que quando você… Quando você chega pra olhar um quadro, você bate no
quadro, a sua tendência é olhar logo pra cá. E morrer na assinatura. Por isso que se
assina todo trabalho é assinado. Você não vê artista nenhum assinando nem aqui,
nem aqui, nem aqui. É aqui. Porque foi feito um estudo que seu olho termina na… A
leitura a mente faz assim, como um s. Mas isso é coisa que se faz estudar né…
Mas… O, o que nos estamos vendo aqui é “antiguidade”, né? As coisas de
antigamente como era, e tal. Olha o nome Coca-Cola, ele sofreu uma variação, olha.
Tá vendo como ele era antigamente? Pode olhar que ele era mal desenhado, ele
não era... Não tinha um peso correto... Aí depois, olha... Tá vendo? Fizeram uma
mudança, pode olhar… Daqui pra aqui, olha… Afinaram mais essa pontinha aqui do
“i”… Entendeu? …Aí pronto, isso aí é /…/
((Fim da gravação))
! 44
4.4. ANÁLISE DE DADOS
Os dados foram tabulados para se tentar chegar a uma conclusão quanto à
natureza predominante dos letreiramentos. Foram encontradas suportes de todos os
tipos, e até mesmo aplicações em alto relevo, com 3 ocorrências, aproximadamente
3% das amostras. No entanto, a prevalência dos letreiramentos em paredes foi
entendida como um dado incompleto, pois faixas são um suporte bastante efêmero.
A preferência por letras sem serifa sem inclinação (agrupadas como
Grotescas na classificação de Finizola) já era esperada, soma 27% dos
encontrados, com quase o dobro do segundo colocado. Essas formas seguem a
preferência do comércio formal e das grandes marcas, onde o equilíbrio e
funcionalismo é privilegiado detrimento das serias e das formas mais caligráficas.
Em segundo lugar, ficaram as cursivas com 17%, seguida das gordas, com 14%, em
empate técnico com margem de 3% com os outros 3 estilos seguintes (Figura 20).
A preferência pelas grotescas, porém, dão margem para se deixar passar o
fenômeno de que há um forte equilíbrio geral entre as os estilos, que juntos,
excluindo as amadoras, somam 69%, num cenário extremamente heterogêneo.
Figura 20 — Tabulação da pesquisa visual.
Fonte: o autor, 2016.
3%3%4%
4%
16%
71%
paredeferroazulejosmadeirafaixasalto-relevo
Suporte usado Estilos encontrados
1%4%
11%13%13%
14%17%
27%GrotescasCursivasGordasExpressivasSerifadasCaligráficasAmadorasFantasia
! 45
4.5. CRIATIVIDADE
Foram descartadas as as letras amadoras, com estrutura irregular, borrões e
inconsistências; as modulares, por serem consideradas uma solução amadora para
construir letras; as pouco expressivas, isto é, de estilo mais neutro; e as que imitam
estilos de tipografias comerciais correntes.
!
! Figura 21 — Interpolação de releitura da Five-Line Pica Italian com a Bodoni.
Fonte: Peter Bilak; http://www.peterbilak.com/site/texts.php?id=202
Peter Bilak, designer de fontes e fundador da fundadora Typotheque, realizou
um experimento (Figura 21), em que conclui que o intermédio de letras opostas
tende à neutralidade. Isso corrobora com nossa suposição de que, se realizássemos
uma média interpolada das letras vernaculares encontradas, o resultado mais
provável seria uma tipografia neutra, insatisfatória para este projeto.
Havia ainda uma terceira opção que seria criar uma combinação de
características marcantes encontradas nas formas de letras. Por julgar-se uma forte
intervenção criativa com bases acadêmicas, essa opção foi descartada. Julgou-se
! 46
haver um alto risco de criar um estilo alheio ao contexto vernacular, tirando-lhe toda
a identidade necessária para o bom resultado do projeto.
O método selecionado então a foi segunda alternativa: reproduzir na íntegra
apenas um estilo, com o mínimo de intervenções no design original, para que fosse
expressão mais autêntica possível do meio vernacular natalense.
Foram selecionados os estilos de letra inéditos aos padrões tipográficos e
caligráficos. Dos desenhos que mais expressam essa ideia, sobraram três formas:
uma cursiva com diversos traços do estilo fundamental, porém bastante irregular,
cujo autor o dono do estabelecimento diz não ser potiguar, uma letra sem serifa
como a dos cartazistas, com traços caligráficos, e uma letra cursiva com traços do
itálico e influência da Fraktur (também chamada de Fratura, Blackletter ou letra
gótica) nos losangos feitos pelo pincel inclinado, além de caraterísticas hastes
curvas.
! Figura 22 — Alternativas Finais para digitalização.
Fonte: o autor, 2015.
! 47
! Figura 23 — Estilo escolhido à esquerda, e estilo bastante similar à direita.
Fonte: o autor, 2015.
Foi selecionada então a que, mais demonstrava um estilo vernacular
autentico, no sentido de que este foi consolidado às margens do design oficial (figura
23, à esquerda). Esta não possui similar na tipografia clássica e é bastante distinta
das outras encontradas, mas apresenta elementos de algumas formas históricas,
porém combinados de forma totalmente estranha aos cânones tipográficos e
caligráficos; tais como incisão nos arcos superiores, barras inclinadas, hastes
inclinadas, e verticais curvas.
! Figura 24 — Características gerais da face de tipo selecionada.
Fonte: o autor.
incisão no vértice ou arco superior
hastes inclinadas
hastes inclinadas
remates nos terminais
! 48
4.5.1. PROJETO DE DESIGN
O estilo escolhido foi a fonte acima: uma caligráfica (classificação de Finizola.
Também chamada de itálica ou cursiva por Maurício Oliveira ), com caraterísticas 3
cursivas, modulação predominante de translação, com algumas leves rotações no
pincel para ajustar a espessura de alguns traços. O autor não assinava nem anotava
seu número; com os anunciados também não se conseguiu contato, dificultando
bastante traçar a origem da face de letra. A placa que continha um menu foi
encontrada à noite na praia de Ponta Negra (figura 23), escondida em uma estrutra
de madeira no calçadão. Conclui-se que estava guardada para ser reutilizada.
Espécimens bastante similares foram encontrados posteriormente (figura 25),
ambos no bairro de Nova Parnamirim, e serviram para complementar o design em
caracteres pouco legíveis ou inconsistentes. A da esquerda, encontrada na Av. São
Miguel dos Caribes, próximo ao cruzamento com a Av. Abel Cabral, contém
elementos distintos como a perna do “L” curvada para cima e o “S” mais estreito com
espinha levemente inclinada, e enquanto a segunda; na R. Arnaldo Barbalho
Simonette, próxima à Av. Maria Lacerda; aparenta ser a mesma, à exceção de
algumas letras “A” mais largas, apesar de que essa já se repetia com
inconsistências na primeira aparição (figura 23).
!
Figura 25 — Faces de letra bastante similares encontradas posteriormente. Fonte: o autor, 2016.
Curiosamente, segue padrões similares a tipos vernaculares encontrados nos
mais diversos lugares da América Latina (Figuras 26 à 31). Apesar do parentesco
estilístico, essas letras não foram consultadas como referência para evitar
influências externas diretas.
! A entrevista encontra-se transcrita na coleta de dados deste trabalho.3
! 49
! Figura 26 — Letreiramento vernacular e fonte feita a partir do mesmo em Recife-PE
Fonte: Luciana Bacelar, <https://www.behance.net/gallery/15133165/Vitamina-Typeface>.
! Figura 27 — Suburbana, de Fernando PJ originaria da Bahia.
Fonte: <https://www.flickr.com/photos/vernaculartype/4679147851/in/photostream>.
! Figura 28 — Filézin, de Vinícius Guimarães, São Gonçalo-RJ
Fonte: Vinicius Guimarães, <https://www.behance.net/gallery/3400701/Tipografia-Artesanal-Urbana>.
! 50
! Figura 29 — Letreiramento na encontrado na Argentina.
Fonte: MARTINS FILHO; ARAÚJO, 2010.
! Figura 30 — Letreiramento manual regional de designer e letrista Peruana.
Fonte: Azucena de Carmen Cabezas León <https://www.behance.net/lawaitala>.
! Figura 31 — Fontes Cachito e Emiliana, de Luis Rojas H. e José Soto B., feitas no Chile
Fonte: <https://www.flickr.com/photos/vernaculartype/4679147851/in/photostream>.
! 51
5. ETAPA DE DESIGN
A face de letra resultante foi transformada em face de tipo digital, em um
arquivo completamente funcional de fonte open type, conforme as etapas que se
seguem:
5.1. MATERIAIS E TECNOLOGIA
Nesta etapa, mostra-se qual foi a tecnologia necessária para seguir com o
projeto. Os materiais usados foram, além de uma câmera de um iPhone 5 para
registro e transferência de arquivo, um computador Macbook para operar todos os
processos e uma mesa digitalizadora, para redesenhar as letras com o gesto de
pintura de letra de forma mais natural e precisa (figura 29).
Figura 32 — Equipamentos: Macbook e Mesa Digitalizadora. Fonte: Apple Incorporated; Wacom Company.
O computador esteve equipado com os softwares Photoshop, para tratamento de
imagem e Illustrator para vetorização. Para a programação e ajustes específicos do
arquivo de fonte, dentre os programas considerados, optou-se pela versão mais
econômica do aplicativo Glyphs, o Glyphs Mini (figura 27, à direita). O professor e
designer de tipos Dan Reynolds o recomenda com base em resultados dos seus
alunos em aulas práticas, afirma que o software é o mais intuitivo e mais facilmente
assimilável, sendo portanto o mais indicado para iniciantes (REYNOLDS, 2014).
!
Figura 33 — Das esquerda para a direita: Photoshop, Illustrator e Glyphs Mini. Fonte: Adobe Systems; Georg Seifert.
! 52
5.1.1. Digitalização (Vetorização)
Através de um software, foi feita a conversão das imagens em desenhos
vetoriais. Vetores, por serem compostos de fórmulas matemáticas; e não de quadros
de pixels, como dos bitmaps; podem ser redimensionados sem perda de dados.
Fora isso, desenho vetorial é a forma como as fontes de computador são
compostas, de forma que os vetores podem ser desenhados diretamente no editor
de fontes, como podem com poucos ajustes, serem importados de um editor de
imagens vetoriais mais versátil.
!
Figura 34 — Digitalização/vetorização das letras na imagem.
Fonte: o autor, 2016.
5.1.1.1.Ajustes no traçado virtual do Illustrator
Os caracteres despretensiosos e rústicos continham imprecisões e
inconsistências evidentes demais para um sistema tipográfico, no qual erros se
perpetuam para sempre e o espaço negativo tem importância tão grande quanto o
espaço positivo. Os ajustes foram feitos tanto para regularizar as formas e padrões
que se repetem, quanto para fazer compensações óticas adequadas ao tamanho no
qual pretende-se que ele seja visto.
! 53
!
Figura 35 — Janela de criação e edição de modelos de pincel, no Illustrator. |Fonte: o autor, 2016.
O software Illustrator permite traçar formas com um pincel virtual, imitando a
ferramenta do pintor de letras, com a vantagem de se ter a liberdade de,
independentemente, controlar variáveis como ângulo de rotação, redondeza da
ponta do pincel e tamanho do pincel (Figura 29). Mesmo com o traçado feito, pode-
se ainda aperfeiçoar todos esses aspectos independentemente, mais a trajetória que
a linha mestra (ductus) descreve (Figura 30, à esquerda). Apesar do ajuste fino ser
uma constante ao longo do projeto, esses ajustes do pincel virtual e ductus só
podem ser feitos nesse momento, uma vez que, o Glyphs ou qualquer outro
aplicativo não reconhece esse formato de traçado que simula um ductus com pincel
editável “em volta”. A forma deve ser convertida em um desenho vetorial comum,
sem as propriedades do pincel do Illustrator. Embora essa forma ainda possa ser
completamente modificada (Figura 30 à direita), ela só o pode ser através de
controle de curvas em seus ápices (nós), controlados por curvas de Bézier
(figura 31).
! 54
!
Figura 36 — Traçado de pincel virtual do Illustrator e forma vetorial comum. Fonte: o autor, 2016.
5.1.1.2.Criação dos caracteres restantes e ajustes de consistência
A criação dos caracteres restantes digitalmente pode e prefere-se que seja
feita através de partes, módulos ou derivação de formas. Apesar de nãos ter
encontrado um diagrama de derivação específico para desenho de tipos para as
maiúsculas, guias para a construção para caligrafia foram encontrados em certa
quantidade. Isso também serviu para aprimorar a consistência das letras.
! Figura 37 — Sequência de desenho sugerida por Meseguer (Henestrosa et. al)
Fonte: o autor, 2015.
H O V I
O Q C G D
I J H L N M E F P R B U T
V A W X Y Z K
S – letra independente
! 55
! Figura 38 — Criação dos caracteres restantes.
Fonte: O autor, 2015.
Como nem todos os caracteres se encontravam na fonte, foram criados os
restantes, com base em derivação e reaproveitamento direto de módulos (traçados)
e, em alguns casos, tiveram de ser criados abstraindo-se algumas formas. Foram
estes os acentos, pontuação, numerais maiúsculos (numero alinhados à linha de
base), caracteres matemáticos e sinais monetários, nessa ordem.
! 56
5.1.2. Transposição para o glyphs
O método do Illustrator simula a repetição do pincel ao longo do ductus, uma
função demasiado complexa para ser corretamente renderizada algumas vezes:
surgem erros crassos na forma, resultantes dos algoritmos do programa; os nós/
pontos de ancoragem (nós) das curvas nunca são colocados nos pontos extremos
verticais e horizontais, e por vezes são formados diversos nós ao longo de uma
curva. O Glyphs (Figura 31) conta com recursos para limpar a forma, podendo
remover com um comando alguns dos nós redundantes, adicionar outros aos pontos
extremos horizontais e verticais; e principalmente, um recurso que o Illustrator não
tem; de ao se apagar nós individualmente, recalcular automaticamente os vetores
adjacentes para que resultem na forma mais semelhante o possível à original.
!
Figura 39 — Simplificação de nós e posicionamento em extremidades Fonte: O autor, 2016.
! 57
5.1.3. Experimentação
À medida que se modela as formas de letra, é possível começar a testar os
espaçamentos, perceber a textura da letra, as relações de formas (espaço positivo)
e contra-formas (espaço negativo).
5.1.3.1.Ajustes ópticos
Foram realizados poucos ajustes ópticos finos nesta fonte, para manter a
aparência vernacular. Algumas das decisões de proporção em derivação para
formas não encontradas levaram em conta compensações óticas de critério
subjetivo, porém perceptível, a exemplo da figura 40, onde formas matematicamente
simétricas foram desenhadas, com resultados desconfortáveis devido à expectativa
humana por equilíbrio visual. Os ajustes mais presentes na fonte vernacular
produzida são as compensações de espaço negativo e de massa visual
(overshooting) em elementos redondos e pontiagudos (Figura 41).
!
Figura 40 — Formas tendendo à exatidão matemática ficam desbalanceadas. Fonte: Typographica, <http://typographica.org/on-typography/making-geometric-type-work/>.
!
Figura 41 — Exemplo de ajustes ópticos: apenas na segunda linha as formas estão balanceadas. Fonte: o autor.
! 58
5.1.3.2.Espaçar os caracteres
O autor optou por seguir a sugestão de Henestrosa, que prefere ajustar o
espaçamento ao final. (HENESTROSA, C. et al. p.84), ao contrário de Scaglione,
que recomenda que o sejam à medida que são desenhados (HENESTROSA,
Cristóbal.; et al. p.62). O espaçamento naturalmente segue as regras de ajustes
ópticos, o que leva aos pares especiais, como “AT”passo seguinte
! Figura 42 — fonte em processo de espaçamento.
Fonte: o autor, 2016.
5.1.4. Avaliação do design e revisão de tracking e kerning
Algumas palavras de amostragem, como adhesion, hamburgefontsiv e
handgloves são favoritas dos tipógrafos para ajuste de tracking e kerning . Foram 4 5
selecionadas essas e frases aleatórias em português também, para se otimizar a
fonte prioritariamente para o português brasileiro. Sentiu-se falta de um método mais
automatizado para derivação de kerning, pois algumas letras similares e diacríticos
posteriormente formados não herdam o kerning dos pares de letras originais.
Espaçamento entre os caracteres da fonte4
Espaçamento ajustado independentemente entre cada arranjo de dois 5
caracteres, a fim de compensar o espaço em branco que se forma entre eles. Exemplo: AV, VA, AT, TA, LT, etc.
! 59
!
Figura 43 — Fonte em processo de espaçamento, kerning e revisão. Fonte: O autor, 2016.
Como adverte Henestrosa (HENESTROSA et al.), esta foi a etapa mais
demorada. Toda a textura foi avaliada, e houveram diversas reformulações nas
letras, para maior uniformização de largura dos traços, e para conferir maior
organicidade e espontaneidade à letra, conforme se vê nos trabalhos dos
letreiramentos, nos quais há, atém da translação, a eventual rotação do pincel, com
o mesmo intuito de devolver equilíbrio às formas.
6. ETAPA DE PRODUÇÃO
6.1. MODELO
6.1.1. Automatização de diacríticos e pontuação
Foram desenhados os sinais de pontuação e acentos, conforme sugestão do
próprio software, que para cada caractere ainda não desenhado, apresenta imagens
esmaecidas do que deve ser desenhados ali.
Ao fim do desenho dos diacríticos, marca-se os pontos de ancoragem nos
mesmos conforme a programação do software: “_top” no sinal gráfico e “top” no
caractere, para, por exemplo, um acento que se ancora ao topo do caractere. O
! 60
mesmo para o cedilha e outros sinais combinados à altura da descendente (bottom/
_bottom), o ogonek/_ogonek para o gancho polaco (figura 35), outro tipo de acento
na descendente usado por idiomas do leste europeu, e o puntvolat/_puntvolat, ou
“ponto mediano”, sinal usado na altura mediana entre dois L, no catalão. Uma vez
marcadas essas “âncoras”, ao comando do programa, este é capaz de gerar todas
as letras acentuadas necessárias para os conjuntos padronizados de caracteres que
se deseja contemplar. Após tudo isso, ainda é preciso ajustar o kerning das fontes
restantes com diacríticos de línguas do leste europeu de alfabeto latino, bem como
personalizar caracteres únicos a alguns desses idiomas, tais como o ß alemão —
ezsett ou scharfes s, muito confundido com o β (beta) grego — e os caracteres Œ e
Æ. Ao fim do processo, até onde este foi realizado, a fonte oferece suporte total às
línguas da Europa ocidental, central, ao húngaro e ao africânder, ou afrikaans.
! Figura 44 — Preparação de âncoras para automatização dos diacríticos.
Fonte: o autor, 2016.
Tem-se aqui o discernimento de que breves pesquisas na internet não são
suficientes para compreender a forma, nem a textura ideal que esses diacríticos
estrangeiros devem assumir nas palavras ou na mancha de texto; mas agregá-los à
fonte possibilita usuários de outros idiomas a usá-la; o que ainda serve como um
convite ao envio de feedback pelos mesmos. Em todo caso, estender a produção de
diversos diacríticos é um exercício de criação de fontes que pode vir a ser útil para
autor em futuros projetos mais complexos.
! 61
! Figura 45 — Tabela de acentos e alguns dos caracteres acentuados.
Fonte: o autor, 2016.
7. VERIFICAÇÃO
Os ajustes foram feitos várias vezes, repetindo-se o processo de modelagem.
O resultado obtido é uma fonte que ainda pode conter erros, pois precisa ser
usada extensivamente para ser melhor avaliada. Designers de tipos frequentemente
estabelecem relações de feedback com seus clientes, sejam de trabalhos
encomendados, sejam clientes de uma tipografia previamente produzida. Vale
colocar que a responsabilidade do profissional com seu produto, seu cliente até o
pós-venda, é; atém dos espaçamentos e kernings bem trabalhados; mais uma
vantagem da compra/licenciamento de fontes originais.
! 62
8. DESENHO FINAL
!
Figura 46 — Composição demonstrando suporte da fonte a diversas linguagens.
Fonte: o autor, 2016.
! 63
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A variedade de estilos vernaculares, distintos das classes tipográficas e
caligráficas historicamente reconhecidas e classificadas, estão também em Natal.
Isso demonstra a grande difusão que a cultura vernácula do desenho de letras
alcança. Em um paralelo ao próprio surgimento das línguas vernáculas, à margem
do latim; as letras vernaculares se propagam, à margem do design oficial.
A tipografia vernacular dos abridores de letras existe em abundância nos
centros comerciais populares de Natal. Entre elas é possível encontrar
características bastante peculiares, sobre as quais é difícil afirmar o quanto é
originário da inventividade autoral e o quanto vem de uma tradição estilística
vernacular — inclusive ainda não se pode afirmar categoricamente se o estilo
encontrado neste trabalho surgiu na cidade Natal, ou mesmo se pertence a um único
pintor, devido à impossibilidade de contatá-lo.
Por fim, a produção de uma fonte pode ser um processo demorado, e
oferecer pouco retorno financeiro, dependendo das aplicações para as quais é
projetada. No entanto, a composição de letras é um resgate contínuo de uma
memória que pode vir a remontar tanto o passado distante das civilizações que
originaram o império romano e criaram o alfabeto latino; quanto do Brasil colônia;
passando pelos centros comerciais de cidades brasileiras onde hoje estão
organicamente difundidos. É uma experiência historiográfica e de redescoberta tanto
das arcaicas raízes latinas, quanto do passado recente regional de nossos povos.
! 64
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