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í BAIRROS ORIENTAIS

2." Edição

revista e ampliada pelo autor © com anotações do Engf. Augusto Vieira da Silva

VOLUME VIII

LISBOA S. INDUSTRIAIS DA C M. L

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FRAGMENTO

DA

PLANTA DE LISBOA

ANTERIOR AO TERREMOTO DE i755

-innc RECONSTITUÍDA POR JOSÉ VALENTIM DE FREITAS OUJOb ORIGINAIS SE GUARDAM NA BIBLIOTECA NACIONAL EM LISBOA

Car/es Jorge- copiou

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SEGUNDA PARTE

Bairros Orientais

POR

Júlio de Castilho

2.® Edição

revista e ampliada pelo autor e com anotações do Eng.* Augusto Vieira da Silva

VOLUME VIII

LISBOA

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A MEMÓRIA

DE

JOSÉ GOMES GÓIS

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AO LEITOR

Vamos continuar nêste volume com a minu- ciosa revista das primeiras paróquias de Lisboa.

Êste dediquei-o à memória de um dos meus mais assíduos e inteligentes colaboradores, o bon-

doso José Gomes Góis, meu amigo desde 1872, e

meu colega na Biblioteca Nacional.

Visto que o perdemos para as letras (há dias

apenas; faleceu em 1 dêste mês) quero que a

sombra dêle venha apadrinhar os meus estudes,

recebendo a homenagem espontânea da minha

admiração e do meu agradecimento.

Quem não conheceu o excelente Góis não

imagina o que ali estava.

— I Nem êle próprio suspeita o que vale I — dizia um bom juiz, o sr. conselheiro Andrade Corvo.

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8 LISBOA ANTIGA

E é assim. Modesto por convicção, sumido

sempre nos segundos e terceiros planos, deixava adivinhar só a quem o tratava muito de perto, a

incalculável massa de conhecimentos que soubera

acumular.

Pronto sempre, sempre dedicado, assimilando

sempre em leituras novas um riquíssimo cabedal

de ciência, escondia o seu tesouro, não por ava-

reza (nunca percebeu o que isso era), mas por

índole, mas pelo desejo constante de fazer realçar

os companheiros. Encaminhava-os, guiava-os, isso sim; com uma condição: que o não nomeassem.

Esta sublime originalidade era todo êle; retra-

tava-o.

*

| Quantas vezes lhe pedi, lhe supliquei, que

escrevesse uma parte do muito que sabia de

numismática portuguesa, romana e grega 1 de

arqueologia préhistórica e de antiguidades nacio-

nais! de linguística! de paleografia! Ria-se, com

um sorriso amargo que era muito seu, e calava-se.

Eu compreendia-o; faltava-lhe já a energia para

tarefas aturadas; tinha-se dispendido em labu-

tações obscuras e inglórias; estava gasto por dentro; tinha tido uma mocidade de moiro; não

podia mais.

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to LISBOA ANTIGA 9

Mas ouví-lo era altamente instrutivo. Eu por mim, conversava com êle sempre de lapis na mão,

apontando, estenografando algumas vezes, o que êle desenrolava aos olhos da minha alma...

Para os amigos foi uma dor profundíssima a sua morte; para a Tôrre do Tombo, para a Bi-

blioteca Nacional e para a Academia Real das

Ciências... perda irreparável.

Tinha conhecido nestes últimos quarenta anos todos os sábios, e aprendera na convivência dos

Herculanos, dos Barbosas Canaes, dos Bastos (pai e filhos), dos Viales, dos Figanières (tio e sobri

nho), dos Valentins de Freitas, dos Vilhenas

Barbosas, dos Silvas Túlios, dos Martins de An- drade. Colaborador e amigo particular de muitos

dêles, era de todos apreciado e querido.

É que à sua clara e robusta inteligência, tào

cultivada e tão sagaz, sabia aliar o caracter mais nobre e mais austero. Nunca o ouvi dizer mal de

ninguém; nunca suspeitou intenções alheias; e

aqueles mesmos que uma ou outra vez lhe causa- ram algum transtôrno, defendia-os e perdoava-

lhes do íntimo da alma.

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10 LISBOA ANTIGA

— Dai me um homem estudioso, dar-vos-ei um

homem bom — dizia um pensador.

O nosso Góis era o cristão em tôda a acepção

da palavra.

#

Possa esta humilde dedicatória, estampada no

frontão de um livro de trabalho, mostrar aos

vindoiros quanto me ensoberbeço de ter conhe-

cido de perto o honrado José Gomes Góis, e

quanto lhe devi, de instrução, de animação e de

conselhos.

Lisboa, 13 de Maio de 18S6.

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LIVRO I

Igreja de Nossa Senhora dos Mártires

O Paço dos Duques de Bragança

Outros palácios célebres do sítio Genealogias

Passeio em várias ruas da freguesia

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Da magnífica cidade de Lisboa pretenderam mostrar a an- tiguidade e grandezas algans zelosos das glórias desta sua e nossa pátria Com razôo se pode dizer, e afirmar, que sSo

tantas suas singularidades, e tais suas grandezas, que impossibilitam os mais fervorosos ânimos para descre- vê-las tôdas, e só sim samòrlamente.

Frei Apoilinario da Conceição. — Demonstração Histórica da Parochia dos ttartyres.

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CAPÍTULO I

Propõe-se o autor segalr na sna peregrinação pelos monu- mentos lisbjnenses do comêço da monarquia. — Entra o templo de Nossa Senhora drs Mártires. — Onde ficava a igreja primitiva. — Uma viela a separava do mosteiro de S. Francisco. — Frase de Aeenheiro. — Era o templo velho padroado do bispo de Lisboa. — Determina el-Rei D. Manoel modar a igreja para ootra parte, e alcança um breve do santo padre Leão X, de 8 de Junho de 1518. — Dissuadem os visinhos monges o soberano de come- ter tal vandalismo. — Obras conhecidas em 1598. — Ins- crição em 1602. —Menciona-se o Romancer o Historiado de Segura. — Trecho do Condestabre de Rodrigues Lobo.

Trasladação dos ossos dos mártires do cêrco para o altar das Almas.

Prossigamos nesta peregrinação piedosa e his- tórica aos sítios notáveis de Lisboa.

Poi a abundância e variedade dos assuntos cul- pada de eu sair às vezes do plano que traçara a mini próprio, e extravasar com as minhas pes-

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16 LISBOA ANTIGA

quizas para fora e para longe dos bairros orien- tais primitivos da capital. Tudo porém nêste mundo tem sua razão de ser.

Sem irmos mais longe: a igreja e freguesia de Nossa Senhora dos Mártires acha-se tão intrin- secamente ligada com a crónica do cêrco de Lis- sibona, que não posso deixar de principiar com ela êste volume. E o complemento de S.Vicente; é um dos santuários mais justamente célebres do reino. Paremos pois em frente da paróquia dos Mártires, e estudemo-la.

Nào se pense que o templo afonsino fôsse no sítio onde hoje contemplamos, com os seus már- mores muito branquinhos, e a sua elegância tri- vial, a igreja do mesmo orago.

Há de estar lembrado o meu leitor (se é que teve paciência de ir retendo tantas circunstâncias), há de estar lembrado de que no cabeço fronteiro à I.issibona moirisca, chamado depois Monte fra- goso», tinham os ingleses armado o seu acampa, mento; aí se poz o cemitério inglês, com uma pobre ermida a guardá-lo.

Foi isso em Julho de 1147; e de Julho a fins de Novembro durou a ermida provisória, a crer- mos a pedra que (dizem) apareceu na reconstru- ção de S. Vicente em 1582, e onde se lia que em

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LISBOA ANTIGA 17

21 de Novembro de 1147 se dera comêço ao templo dos Mártires 4.

Eu nào desejo repetir textualmente o que diz na sua Demonstração Histórica o padre frei Apo- inário da Conceição. Quem se interessar por

estas coisas pode ir ter com êle, que por mitldos lhe contará o que eu apenas posso indicar. Pas- sarei P°is muito pela rama no que já tiver sido estudado pelo padre na sua monografia.

#

A igrejinha dos Mártires, que ficava ao sul donde hoje é a casa dos srs. Iglésias na esquina do largo da Biblioteca Pública para a ampla rua do ferregial de Cima, constituiu-se cabeça de uma vastíssima freguesia, que abrangia até Al- cântara, segundo Rodrigues de Oliveira2; até (diz frei Apolinário3) era tradição ter chegado desde a Sé e Santa Justa até Oeiras. Depois foi-se

subdividindo com o crescimento da população. Em escritura de 1476, vista e citada por êsse erudito escritor de antiguidades lisbonenses, de- terminou-se à dita freguesia um território que abrangia as actuais do Sacramento, Santa Isabel,

antos, S. Paulo, Santa Catarina, Mercês e En- carnação.

Pr. Apolinário da Conceição. — Dem. hist, da funda- Ç o^da par. de NA S.ra dos Martyres, pág. 33.

Summario, e suplemento feito no século xvm, por 14a- nuel da Conceição.

fiem. hist., pág. 174; vidè também o cap. xxv.

2

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18 LISBOA ANTIGA

Entre a igreja dos Mártires, fundada em 1147, e o convento de S. Francisco, fundado anos de- pois, em 1217, ia ainda no século xvi apenas um caminho estreito; di-lo frei Manuel da Espe- rança 1; viela que já existia desde tempo anti- quíssimo, desde a fundação do mosteiro 2.

Essa viela estreita separava apenas os dois templos, e não impedia que fôssem muito visi- nhos. Já Cristóvão Rodrigues Acenheiro dizia por 1530 e tantos:... a fgreja dos Mar tf res junto com Sam Francisco 3.

Diz frei Apolinário que, pela ampliação da igreja velha de S. Francisco, ficaram os dois templos, S. Francisco e os Mártires, quási unidos, não mediando mais entre um e outro do que dez palmos. Era uma azinhaga por onde davam volta as procissões, que depois só se faziam no inte- rior da igreja. Em 1550 tapou-se essa azinhaga, por se ter construído especial capela para a Eu- caristia, segundo tudo narra por miúdos a De- monstração Histórica i.

1 Historia serafica, parte i, pág. 190. 2 As sdpllcas de el-Rei D. Manoel ao santo padre Leáo X

para êste pontífice permitir a remoção do templo dos Már- tires a-fim-de se alargar o mosteiro dos franciscanos, fala- vam necessàriamente dessa viela, visto como o documento pontifício, que frei Manoel da Esperança copiou na Tôrre do Tombo, e publicou a pág. 191 da parte i da saa Hist, seraf., diz isto: cedificia parochialis ecclesice B. Marias dos Mártires ex opposito dictce domus, angusta interjecta via.

3 Chron. d el-Rei D. Affonso /, cap. vti. * Págs. 265 e segs.

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LISBOA ANTIGA 19

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Fundada, como vimos, por el-Rei D. Afonso Henriques, e por êle dotada, foi a paróquia dos Mártires concedida de padroado ao primeiro bispo de Lisboa, o nosso já muito conhecido D. Gilberto.

Passado tempo, entrou o priorado dos Mártires na posse dos deões da Sé, e assim ficou até 1338, ano em que um certo padre Egas Lourenço (ou Egídio Lourenço) fez transacção com o Cabido da Sé, àcêrca de uma capela que possuía o mencio- nado padre no mosteiro de S. Vicente, da invo- CaÇâo de S. Gião. Continuou o Cabido a paroquiar nos Mártires, alternando-se os cónegos mensal- mente, e residindo, durante o tempo em que paroquiavam, numa casa que para isso possuíam não longe da igreja, na vua — diz frei Apolinário da Conceição — que por esta causa se chamou "do Cabido», que hoje (1750) não consta qual fósse; mas é sem dúvida que ainda no anno de i55i exis- tia... sem que seja a rua dos Cabides, pois uma e outra sem equivocação as havia no dito anno L

Para se aliviar dêste encargo pastoral, alcançou ° Cabido que o santo padre lhe concedesse licença para pôr lá um cura de sua nomeação, o que principiou em 1389, podendo também pôr-lhe coadjutores, que por sinal em 1551 eram nada menos de nove; isso demonstra a importância e extensão da paróquia. Depois variaram de nú-

1 Dem. hist., pág. 58.

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mero. Em 1742 tôda essa organização interna foi alterada, passando o padroado para a coroa l.

#

Vamos porém agora tratar da parte física da paróquia, descrevendo com a possível minucio- sidade as vicissitudes que padeceu o edifício.

Querendo el-Rei D. Manuel, por devoção a S. Francisco, aumentar e reformar a igreja do convento dos franciscanos (no sítio da casa dos srs. Iglésias, ao sul da Biblioteca Nacional e da Escola de Belas-Artes), deu princípio à obra em 1517. Viu-se que, pela magnificência do traçado, iam as novas edificações contender com as da visinha igreja dos Mártires; projectou então el-Rei colocar êste vetusto templosinho noutro lugar; para o que em 1518 recorreu ao santo padre Leão X, que num breve de 8 de Junho do mesmo ano concedeu a licença indispensável.

Ia começar-se a demolição da casa de Nossa Senhora dos Mártires, quando os próprios monges conseguiram dissuadir com todo o respeito a el-Rei de consentir nesse acto de vandalismo inútil, suplicando-lhe se não utilizasse da conces-

1 Informações do padre ftanael Rodrlgaes Leitão, cara dos Aártires, para o Diccionario (incompleto) do padre Laiz Cardoso, ftss. da Tôrre do Tombo, segaindo em partes qaási textaalmente a Demonstração histórica, já então impressa.

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são do breve. O rei anuiu, e assim se respeitou o

templosinho afonsino, onde jaziam tantos márti- res da fé, e onde tantas memórias se tinham

acumulado naqueles últimos trezentos e setenta anos

Graças pois a essa piedosa tolerância, tão lustrada, e tão valiosa pela sua raridade, con- servou-se intacto durante séculos o templo pri- mitivo. Arruinado, isso sim; nem admira.

Juntaram-se um dia os fregueses e irmãos de várias irmandades, e representaram ao rei D. Fe- Kpe I, que estando muito desbaratada a velha fábrica, e havendo necessidade de a reformar e acrescentar, estava orçada a obra em 5.000 cruza- dos pouco mais ou menos; para o que pediam 9ue fôsse permitido lançar-se uma finta na fre- guesia. O soberano mandou investigar o caso Pelo dr. Simão Monteiro de Leiria, corregedor do civel, e, sôb sua informação favorável, baixou ° alvará de 7 de Maio de 1591 permitindo a der- rama.

Frei Apolinário conta isso, e até transcreve o começo do alvará s; e diz que, dilatando-se a execução dele, a obra só principiou em 1598. Depois de algumas leves contestações com os frades de S. Francisco,

Hélas! est-ce une loi sur notre pauvre terre Que toujours deux voisins auront entre euxla guerre!

1 Hist, de Lisboa, fiss. da Bibi. Nae., Lisboa, A—4—li, 27. 2 Dern. hist., pág. 262.

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em junho dêsse ano começou a reconstrução com o aumento de sete palmos no comprimento da igreja, e outros sete na altura ', durando os tra- balhos quatro anos, e concluindo-se em 1602.

Todos transcrevem, com algumas discrepâncias ainda assim, a inscrição que se colocou, ao tempo das obras, sôbre a porta principal da igreja. Eis a lição de Gasco; conservo-lhe a partição das linhas, que difere da de Cardoso, e da de frei Agostinho de Santa Maria 2:

Templum dicatum Deo Deiq. Matri, IN gloriam Martyrum. Anno Doni : M: C: XL: VII: Quod tempus edax triuerat, Christiana Pietas restaura uit. Ann: MD: C: II:

Em português:

Templo dedicado a Deus e à Mãe de Deus para gloria dos Mártires no ano do Senhor de 1147.

1 Id., pág. 263, e também pág. 32. 2 J. B. de Castro, Mappa.—Sanctuario Marianno, tom. 1,

pág. 37. — Agiologio lusitano, tom. m, pág. 234. — Gasco, Antig. de Lisboa, II. 311 v. —Cardoso trás isto:

Templum dicatum Deo Deiq Matri in gloria Martyrum

Anno Domini M CXLVH. Quod tempus edax triuerat

Christiana pietas restaurauit An. MDCII

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0 que o tempo vora\ destruirá, restaurou-o a pie- dade cristã no ano de 1602.

Insiste frei Apolinário em que estas obras não 0l'am reconstrução, mas só reformação. Viu e

examinou no cartório os livros da despesa, e Podemos dar-lhe todo o crédito. Alicerces só se eavaram os necessários para o acrescentamento de sete palmos no comprimento, do lado do fron- bspício da igreja; os alicerces antigos apenas se reforçaram onde convinha; o frontispício, já se vêi foi novo; novos os cunhais de pedra, nova a tôrre dos sinos. Nas paredes laterais levan- taram-se sete palmos; refundiu-se o pavimento, Profundando-o, tendo sido para isso necessário trasladar corpos não consumidos ainda. De alto a baixo revestiram-se de azulejo as paredes inte- nores, os portais, os púlpitos; pintou-se de novo a capela-mor e as colaterais, e os arcos das ca- pelas, as quais eram ao todo sete. Correu-se de n°vo o telhado, e pintou-se o tecto. As pare- des velhas, as nobres paredes primitivas, essas

ficaram.

*

Compreendia a velha igreja desde o seu fron- tispício até ao espaldar da capela-mor, que então nào tinha tribuna, cento e onze palmos (24m,42), de largo sessenta e cinco (14n,,30), e de alto cin- zenta (11™,0); veio a ficar desde 1602 com cento e dezoito (25m,96) no comprimento, cinqúenta e

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e sete de alto (12m,54), além dos que se escava- ram no chão, e de largura o mesmo '.

Era, ainda assim, um templo irregular, como a maioria das casas de oração em Portugal por êsse tempo. Ficou tendo capela-mor, uma só lateral da parte da Epístola, e três da do Evangelho !.

Pouco depois, por êsses anos muito próximos, cantava Francisco de Segura no seu Romancero Historiado3, falando de Afonso Henriques:

Formó at panto sit real, y manda que se fabrique de la Virgen de los Martyres iin templo que aim aora vive.

Sim, ainda então existia, mas já certamente o fundador apenas lhe reconheceria o lugar.

O mavioso Rodrigues Lobo, no seu poema O Condestabre de Portugal4, menciona assim a (já então deturpada e ampliada) casa afonsina:

Está ri um alto monte, o mais subido para a parte do mar sobre a cidade, onde já foi a Deus um templo erguido ri outra de Portugal primeira idade; que o Rei que aos cinco Reis tinha vencido, e posta Lusitânia em liberdade, também ri este logar fez fortaleza aos Santos zeladores d'esta empreza ;

1 Dem. hist., págs. 264 c 265. 2 Id., pág. 329. 3 Fl. 51. 4 Canto ii.

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porque as devotas gentes peregrinas, a que o Ceo trouxe á praia Lusitana por dilatar no mundo as santas quinas contra a barbara secta mahometana. vestindo de aço armadas esciavinas para a conqu'sta altiva e soberana, d'este togar, mais livres e seguros assaltavam do moiro os fortes muros.

Ali, por fundamento mais famoso dos muitos que depois se levantaram, d Virgem Santa um templo sumptuoso os romeiros de Christo fabricaram, que hoje 6 mais nobre, antigo, e venturoso, pelos ossos, que ali se sepultaram, de alguns puros varões que a maura espada derribou pela Fé santa e sagrada.

*

Nâo posso saber a ocasião a que se reporta Coelho Gasco, ao contar na sua obra a traslada- ção dos ossos dos mártires do cêrco de Lisboa, desde as suas campas para o altar das Almas na mesma igreja. Seria talvez n'estas obras termi- nadas em 1602.

Passados muitos atttios — diz êle — (é indicação Vaga em demasia) se recolheram as relíquias d estes nossos gloriosos Mart/res, na reedijicação da sua gloriosa casa, para o altar das Almas, °"de estão collocadas. E no dia que a santa igreja lisbonense celebra sua festa na dita fre- guesia, se amostram por um postigo que está no altar, onde vi, não com pouca devoção, muitas ca-

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becas d'elles, e muitas d'ellas com todos seus dentes, cujos santos ossos mostram serem de grandes lio- mens, no corpo

Tenho que pedir ao leitor me desculpe a se- cura e magreza desta narrativa. Nem tudo é ca- minho arborisado e macadamisado. Rompeu êste volume com um capítulo que parece um empi- nado lanço de estrada mal gradada. Se porém custa a ler, muito mais custou sem dúvida a es- crever.

1 Antig. de Lisboa, fl, 311 ».

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CAPÍTULO II

Prosseguem as obras no edifício da igreja dos Mártires. — Outra reconstrução em 1629, mencionada por Leitão de Andrada. — Arainelamento do tecto por José de Avelar Rebelo, desde 1639 a 1650. — Em 1664 nova re- formação na casa. — Desereve-se a obra feita até 1710. — Escapou o templo ao incêndio do de S. Francisco em 1707. — Nonas obras consideráreis em 1746. — Desere- »em-se. — O estucador Grossi e o pintor Vieira Lusi- tano. — Terminam as obras em 1750. — flenciona-se am projecto que então houve, de remover a igreja Para outra parte. — Descrições e dimensões.

Bem e acertadamente pondera frei Apolinário, lue desde a primeira reformação da igreja velha (de 1598 a 1602), nunca mais cessaram os tra- lhos, porque os zelosos confrades andavam

SemPre a idear melhoramentos. Por exemplo: Consta de outra reedificaçâo em 1629. Nêsse

an° (quem o diz é Miguel Leitão de Andrada)1

1 Miscellanea, dial. n.

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procedeu-se a grandes obras, e sôbre o portal colocou-se a data da conquista de Lisboa: 1147 L

Volteiros um pouco atrás. Tinha corrido por conta do juiz e oficiais das

mesas das irmandades do Sacramento e da Se- nhora dos Mártires a arrecadação das esmolas e fintas; mas acabada a obra, a que se refere frei Apolinário, resolveram promover entre si um novo adôrno da casa: o apainelamento de todo o tecto do templo. Sobresaiu pela sua bizarria o irmão João Delgado Figueira, falecido em 1654.

Escolheu-se para autor dos projectados painéis um célebre pintor, cuja fama enchia entào Lisboa, 0 notável josé de Avelar Rebelo, talento verda- deiro e robusto, de quem ainda existem algumas produções (o Menino entre os doutores, por exem- plo, na igreja de S. Roque), valente artista que tudo devia a si próprio, e cuja vida desajudada e amarga foi por fôrça uma luta de tôdas as horas. jE fala-se só nos heróis de Diu e Mazagàol nos Traga-woiros e nos marinheiros da con- quista ! Pois êstes lutadores da arte (pregunto eu) 1 nào dispendem tanto fluido nervoso como aque-

1 Leltfio de Andrada pagna em fauor do ano de 1152 contra o ano de 1147, segando já referi noatra parte. Vidè Lisboa Antiga, parte n, t>ol. págs. 37 e segs.

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les? não têm igual valentia? não mostram a mesma pujança?

Chegou Avelar Rebelo; calculou a valia da em- Prêsa, arrostou brioso com ela, e desde 1639 até

48 pintou os setenta e dois quadros da vida de risto, desde a Anunciação até á descida do sPírito Santo. Media cada um onze palmos de

comprido (2n',42), e oito de largo (0m,96), em oito eiras, nove quadros em cada uma, firmadas

sbbre as cimalhas das paredes. Tudo ricamente m°ldurado, e tendo nos repartimentos umas pi- " as ou florões ressaídos. Por cada quadro levou

ebelo 11(5200; ao todo 806S400 réis; a despesa total com doirados e assentamento, etc., importou erri 1.281(5600 réis. j Oh 1 arte portuguesa1!...

*

Em 1641 colocou-se sôbre o arco da capela-mor Um fluadro da tomada de Lisboa, que em 1750 se conservava junto à porta da sacristia; media dez

/cm mos altura e vinte e um de comprimento w '20x4m,62).

Pai"te por baixo do côro foram postos em 0 sete quadros do mesmo Avelar Rebelo, re-

presentando passos vários da Escritura Sagrada, com a sua pintura e doirados se gastaram

réls 141(5000 *.

! Pem- h'St., págs. 304 e 305. Idem, pág. 305.

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O conde de Vila Franca, D. Rodrigo da Câ- mara, tratou com o ferreiro André Gonçalves, para lhe fazer umas grades para o adro da igreja dos Mártires, por 60<$000 réis, dando-lhe logo 30<5000 reis por conta, e os outros trinta depois da obra acabada, marcando-se um prazo para a conclusão da obra com a multa de dois tostões por cada dia que excedesse o dito prazo; o fer- reiro excedeu-o tanto, que não chegou a receber o dinheiro.

Isto consta do depoimento do dito conde em 10 de Julho de 1652, pelo ferreiro ter vindo à Inquisição reclamar os segundos 306000 réis '.

#

Em 1664, nova reformação. Derrubadas as an- tigas capelas, entrou-se a melhorar a fábrica do frontispício do cruzeiro; e com tanta diligência se trabalhou, que em 21 de Dezembro de 1665 se expoz a obra à vista do público, com grande festividade à Senhora dos Mártires 2.

Continuou por muitos anos o trabalho, já na capela-mor e nas colaterais, já na de S. Miguel e na da Senhora da Piedade. Tudo isso ía absor-

1 Processo do Conde de Villa Franca, na Tôrre do Tombo, II. 15 da 2.* parte.

* Dem. hist., pág. 329.

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vendo o dinheiro que havia; haja vista a capela- ""10ri que só à sua parte enguliu 50 mil cruzados,

aixou então o alvará de el-Rei D. Pedro II, de de Abril de 1688, permitindo se aplicasse às

obras meia décima por tempo de seis anos l. Desde 1685 até 1692 lidou-se na capela-mor,

^ompletando-se nesse ano, e patenteando-se aos eis n° dia solene da padroeira, 13 de Maio dèsse

®no último, visitando el-Rei a igreja com a rainha • Maria Sofia Izabel de Neuburgo, e deixando e esmola mil cruzados s.

km 1681 mandaram-se fazer dois sinos3. De 1692 a 1710 concluíram-se tôdas as capelas

terais. Ficou o templo com quatro por banda, e Urn Púlpito também a cada lado.

No frontispício abriram-se duas portas colate- J"ais ú principal, e tapou-se a porta travessa. Em ugar de um grande óculo que havia no mesmo r°ntispício, rasgou-se uma janela central com

*rês Palmos de largo e catorze de alto, flanqueada e úuas outras, e tendo por baixo duas quadra-

s Pequeninas. esquerda de quem entrava na igreja era o

Camarim contendo a pia baptismal, de que logo arei. Reformaram-se as grades do côro, subs-

úuindo-se por outras de boa pedra.

°r ficaram as capelas sendo onze ao 0: a mor, duas colaterais, e oito no corpo do

1 &em. hist., pág. 330. dem, pág 33| ldem» Pág. 328.

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templo '. Quem quizer seguir passo por passo a sua descrição minuciosa, interpele o laborioso frei Apolinário 2.

Em 19 de Junho de 1707 escapou ilesa a paro- quial dos Mártires ao medonho incêndio que se ateou no visinho convento de S. Francisco 3.

Em 1724 foi anunciada para venda uma pouca de talha que se tirou da tribuna da capella-mòr da freguesia de N.ã S.a dos Martyres 4.

*

Duraram os preciosos adornos artísticos pin- tados por Avelar Rebelo cêrca de um século. Em 1746 arrancaram-se todos, para levantar então o tecto da igreja 5.

Em 17 de Outubro dêste ano de 1746, depois de vencidas várias dificuldades e alguns atritos, que sempre aparecem, e feitos e meditados os planos, começou-se a colocar o fortíssimo an-

1 Dem. hist., págs. 331 e segs. 2 De pág. 335 em diante. 3 Dem. hist., pág. 258. 4 Qazeta de Lisboa, n.° 12, de 23 de flarço de 1724. 5 Cirilo, Memorias, pág. 76. — Noutra parte do mesmo

livro (pág. 269), diz que a obra do tecto novo foi íeita em 1748 oci 49.

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daime, cuja despeza, diz frei Apolinário, exce- deu a cinco mil cruzados. Nêsse mesmo dia braram-se dos altares laterais as imagens, deposi- tando-se tôdas na capela-mor; e às ave-marias foi o Sacramento para o altar da sacristia, mais as relíquias dos mártires do cêrco. Em Janeiro Seguinte principiou-se a demolição de tudo que havia da cimalha real da igreja para cima. Re-

forçaram-se os alicerces do frontispício, e os ve- ne,'andos muros primitivos L

Refez-se o trabalho inteiramente; e por dentro foi todo o tecto recoberto de estuque pelo artista João Grossi, e opulentado pelo pincel notabilís- simo de Vieira Lusitano. O quadro do nosso Apeles representava uma alegoria sacra à tomada de Lisboa por el-Rei D. Afonso Henriques. Cus- fora um conto de réis; assim o diz frei Apoli- nário 2.

Diz Cirilo que existem desenhos dessa obra 3; £onde? Logo veremos um.

0 próprio autor, quando na sua auto-biografia Metrificada fala nas perdas que teve esta paró- quia, diz:

Entre as quaes foi (não sem magoa) o grande painel do tecto dos Martyres, digna joia do já sumptuoso templo'.

1 Deni. hist., págs. 387 e 388. * Piem, pág. 392.

Mem., pág. 201. 0 insigne pintor e leal esposo, pág. 3.

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QUADRO

do tecto da igreja dos Mártires em Lisboa, pintado pelo grande Francisco Vieira Lusi-

tano em iy5o

(Cópia por Júlio de Castilho sôbre o desenho do mesmo quadro, peia mdo do próprio autor, conservado na actual igreja paroquial).

EXPLICRÇftO

No parte saperior da composição cê-se a imagem com o menino ao colo, rodeado de anjos, e como que escoltados em gaarda de honra pelas falanges dos gaerreiros mártires do cêrco de Lissibona. Todos êstes trazem escados com as iniciais gregas do nome de Cristo e palmas indicadoras do martírio. Rbaixo cê-se el-Rei D. Rfonso Henriqaes acompanhado do legen- dário Guilherme da Longa Espada, ambos de joelhos, em acto de sabmissêo à rainha dos anjos. El-Rei ergue entre as mãos ama caixa aberta, contendo certamente relíqaias. Guilherme indica um casto papel que os anjos desenrolam, e onde se ceria o plano do noco templo qae o soberano projectaca edificar no cabeço do Aonte Fragoso. Ligando os dois grupos, o da cirgem e legiões celestes, e os dois cacaleiros, cê-se em pé, em nobre atitude, am arcanjo como qae em acto de fazer a apresentação à mâi de Deas. Aais abaixo acul- tam figaras alegóricas dos símbolos eucarísticos: ama carrega com espigas, oatra com ama grande copa de racimos, e oatra mostra am quadro em qae se cê am sacrário. Na parte inferior de tado (correspondente ao Espírito Santo, qae paira no cimo, e ilamina tôda a composição), cê-se o castelo de Lissibona, sôbre cajás ameias tremala a bandeira dos cristãos.

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ESBOÇO DA PINTURA DO TECTO DA IGREJA DOS MÁRTIRES, ARRUINADA PELO TERREMOTO DE 1755

Desenho de Francisco Vieira Lusitano, e cópia pelo autor, em 1887

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E acrescenta José da Cunha Taborda, um dos precursores portugueses em crítica, estas pala- vras.

No terremoto se extinguiu o precioso quadro da tomada de Lisboa aos moiros pelo senhor rei D. Affonso Henriques e Guilherme de Longa- •Espada, que occupava o centro do tecto da egreja de Nossa Senhora dos Martyres, e tinha trinta palmos de comprido e vinte de largo (6m,60x4m,40)... maravilhosa obra de Francisco Vieira Lusitano, cuja circumstanciada noticia é de frei Apollinario da Conceição

Custou dois mil e quinhentos cruzados Estas obras duraram desde 1746 até 1750. Ora, memorando a reconstrução de 1746, diz

o incansável cronista dos Mártires, que no citado ano andavam os paroquianos receosos de que se executasse então o antigo projecto (já gorado, como vimos, em dias de el-Rei D. Manuel) de se transferir para outra parte a vetustíssima paro- quial. Dizia-se que assim havia de acontecer, por desejar el-Rei D. João V desafrontar um largo defronte do palácio que tinha sido dos condes da Ribeira (hoje, 1886, do sr. Mendes Monteiro), pa- lácio que já nêsse ano, como logo direi, pertencia à casa real, e se comunicava com o paço da Ri- beira. Não se deu porém então o desacato de tal Mudança: a igreja permaneceu onde fôra sempre, e aí mesmo se consertou e melhorou.

1 Ensaio pictórico, pág. 233. 2 Dern. hist., pág. 392.

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IGREJA DOS MÁRTIRES E IGREJA E CONVENTO DE S. FRANCISCO DA CIDADE

na çista olissippo de Jorge Bráunio (15®) toeja-se pág. 43 do ool. V)

25— Convento de S. Francisco 107— Igreja de N. S3 dos Mártires 110- Igreja de N. S3 do Loreto 118— Igreja do Corpo Santo 134 — Palácio do duque de Bragança 22—Cordoaria Nova

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LISBOA ANTIGA 37

Da forma do templo antigo pouco se depreende nas estampas velhas, conquanto a gravura de «ráunio ° mostre com a sua frontaria bicuda vi- rada ao poente; duas janelas em cima; porta arga em baixo; o adro perfeitamente caracteri-

zado em frente; e atrás, do lado do sul, uma si- neira ponteaguda.

Quem examinar com tôda a atenção, como eu examinei centenares de vezes, o grande quadro a óleo, vista de Lisboa, na Academia Real das

elas Artes, pintado por Simão Gomes dos Reis, Percebe uma frontaria de empena ponteaguda olhando ao poente, e ao lado um campanário de Pedra muito alva, nesta forma italianada vulgar entre nós.

As dimensões do notável edifício dos Mártires, essas constam do tombo da cidade '. Media a 'greja com a sua sacristia, trinta e três varas, guatro palmos e seis décimos de palmo de nas- Cente a poente (37m,31), e de frente, de norte a aul> vinte e três varas e oito décimos de vara ^ > 18). Adiante do frontispício era o adro, com

ezassete varas, quatro palmos e quatro décimos e fundo (19ra,67), partindo pelo norte com o mos-

tro de S. Francisco, e sôbre si pelo poente, sul e nascente.

. , Veja-se na Biblioteca Nacional a cópia por José Va- tim de Freitas.

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38 LISBOA ANTIGA

Noutra obra de arte, a que me referi pouco acima, podia-se talvez rastrear alguma coisa do feitio primitivo do templo: falo do quadro, que já António Coelho Gasco chama antigo, feito quási no tempo da conquista, diz êle quadro que muitos anos esteve na capela-mor, à parte do Evangelho, e que no meio do século xvm se conservava na casa do despacho da irmandade do Sacramento. Nessa pintura, cuja descrição ou esbôço exacto não existe, representava-se um combate dos cercadores com os moiros, e via-se a ermida em feitio redondo, com o telhado em cúpula; a côr da parede parecia indicar ser de barro vermelho escuro 2.

Pouca autenticidade pode ter para muitos esta obra; é contudo documento apreciável, que oxalá durasse ainda. Frei Agostinho de Santa Maria dá-a em 1707 como existente debaixo do còro dêste templo3.

1 Antig. de Lisb., cap. 66, II. 281 v. 2 Dem. hist., págs. 31 e 32. 3 Sant. Mariano, tom. i, pág. 38.

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CAPÍTULO III

Chega o terremoto de 1755. — Descrição da igreja a êsse tempo. — A sacristia e casa do despacho. — Destruição da Igreja pela espantosa catástrofe. — Escapam os ossos dos guerreiros mártires. — Corruptela popular: as ftártens.— Refugia-se a paróquia em Rilhafoles. — Os Barbosas /"tachados. — Daí vai para o Rego. — Daí Para Santa Isabel. — Daí para o Corpo Santo. — Com- putações estatísticas. — Fragmentos de desenhos por José Valentim. — Azulejos da igreja velha no museu do Carmo. — A antiga pia baptismal, e vicissitudes por lue passou.

^eiu o terremoto de 1755. Contava a êsse tempo a igreja onze altares:

quatro laterais a cada banda da nave, dois cola- terais, e o mor. Segundo o informador do citado Padre Luiz Cardoso, eram êstes:

Ao entrar a porta principal (que ficava ao Poente) via-se do lado da Epístola o altar de S. Marçal; seguia-se-lhe o de Nossa Senhora da Graça; o de S. Gonçalo; o de Nossa Senhora da Liedade; o colateral era de Santa Catarina.

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40 LISBOA ANTIGA

ISt-l-St St»»|

Nossa Senhora dos Mírlires

O Senhor Santo Cristo, e o libernicnlo

do Eucaristia

S. Vigiei e Almas

|titSt.ittP-i>S-l Santa Catarina

Nosso Senhora da Piedade

* X * £ £ m

O Menino Jesus S. Gonçalo

X rír X X * £

S. Braz Nossa Senhora da Graça

« ¥ £ £ *

Santo Antdnio S. Marçal

St St £ £ £ St

Poria principal

O Planta aproximada

da igreja de Nossa Senhora dos Mártires em 1755

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LISBOA ANTIGA 41

Do lado do Evangelho, contando também de baixo, via-se o altar de Santo António; depois o be S. Brás; depois o do Menino Jesus; depois o be S. Miguel e Almas; o colateral era do Senhor Santo Cristo, com o tabernáculo do Santíssimo Sacramento.

O altar-mor era de Nossa Senhora dos Már- tires.

rodos êles eram guarnecidos de bela talha boirada, e o mor e o cruzeiro adornadcs de pre- ciosos embutidos; o chão de xadrez; o tecto de Primorosos estuques '.

A sacristia desta igreja especializa-a frei Apo- linário 2, e também a casa do despacho. Esta, diz cio que era muito alegre, vasta, e com tecto bem

pintado. O terço das paredes recobria-se de azu- lejo, em que se vê historiada a tomada de Lisboa 11 a representação da pintura, naos da armada, e °utros passos tocantes áquella memorável funcção. Das paredes pendiam quadros moldurados em Xarào, todos muito antigos, e de boa pintura. Entre as janelas via-se num nicho, guarnecido be talha doirada, uma imagem da Senhora dos Mártires. No meio da casa, a mesa e assentos dos irmãos e do juiz.

A sacristia tinha duas janelas para o nascente; era clara e bela. Entre as janelas um altar de unia só pedra, estilo romano, com seu nicho de talha. O tecto era apainelado, pintado e doirado.

j Citado informador de Laiz Cardoso. 2 Lem. hist., pág. 155.

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42 LISBOA ANTIGA

As paredes guarneciam-se de quadros moldura- dos em jacarandá, representando os doze após- tolos, seis a cada banda, tendo entre cada dois um grande espelho, três em cada lado, correndo por baixo dêles os caixotões, com três ordens de gavetas, e em cada ordem três com ferragens de bronze doirado. Nas cabeceiras da casa, dois ar- mários; junto à porta, um lavatório.

Êsses quadros dos apóstolos, creio que ainda existem na sacristia da irmandade do Santíssimo, ao lado da capela-mor do actual templo, para a banda da Epístola.

*

Nêsse citado ano de 17Õ5 chegou a liquidação social e artística de Lisboa; período pavoroso aquele, em que uma rede varredoira correu sôbre a maioria das memórias preciosíssimas da capital, deixando em lugar de uma cidade, velha mas opulenta, um cáos de ruínas.

A igreja dos Mártires resistiu à violência do terremoto, mas o incêndio que se lhe seguiu des- truiu-a por completo '. Neste escaparam porém, por inaudita felicidade, vários ossos e duas cavei- ras dos Santos Martyr es que n'este districto perece- ram na tomada de Lisboa, — diz em 11 de Abril

1 Historia Olisiponense do grande terremoto, e incêndio successivo do mez de Novembro do anno de 1755, por hum Anonimo para memoria nos séculos futuros. Ass. escrito em 1757, mihl. — Nota de A. V. S.

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LISBOA ANTIGA 43

e 1758 o padre Manuel Rodrigues Leitão, cura a ^eguesia, na sua inédita informação destinada

ao Dtccionario de Luiz Cardoso '. Conservaram-se, e existem. Pouco mais existe

0 antigo. ^Quem sabe? talvez nada, absoluta- mente nada, a não ser a pia baptismal, que ainda assim, só tem da antiga a pedra, porque o feitio é outro.

Não nos queixemos dos terremotos tão só; P'ores que êles são os vândalos que legislam, e °s que executam as reformas, os ministros lilipu- tianos e ignorantes do serviço público, os demo-

°res encartados de tudo quanto é nobre e velho, vermes roedores, que só sabem roer.

lAo longo dos séculos, que de desacatos não c°meteu a ignorância de sucessivas gerações I que de insultos ao venerando templo! quantas °isas britadas! quantos colunelos derruídos 1 tantas arcas apeadas 1 quantos escudos de armas e epitáfios picados sem dó nem consciência!...

^ois se até... (esta não espera o meu leitor) i Pois se até o próprio título dos Mártires o es- quecera o povo, e já no primeiro quartel do século xvii 1 e já no século xvi I Quando o povo, Sucessor ingrato dos valentes portugueses da ^°nquista, herdeiro deles, e testamenteiro nato

as glórias deles, se referia a esta igreja de Nossa enliora dos Mártires, já nâo pensava nos tais

mártires, que tinham dado a vida pela fé. A esta

ttanaserlto da Torre do Tombo.

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44 LISBOA ANTIGA

freguesia chamava a corruptela plebêa, as Mar- tens.

j As Martens ! oiçam e pasmem ! vejam aonde chegou a estupidez do arremedo sónico I as mar- tens !

Quem nota isto é o nosso muita vez citado Gasco *; e já antes dele o diziam como coisa cor- rente escritores quinhentistas. Sirvam de prova Cristóvão Rodrigues de Oliveira, no seu Summa- rio, e o autor da Estatística manuscrita da Biblio- teca Nacional: aquele põe as Martês; e êste as Mar/es.

Faz pena, faz dó, faz horror, ver como o mundo esquece.

#

Vamos devagar. Arrazado o templo dos Mártires, foi a paró-

quia refugiar-se (palavras textuais de um erudito coevo, o padre João Baptista de Castro), em uma barraca, que por modo de ermida, com o titulo de Nossa Senhora da Conceição, se havia levantado na quinta das casas em que residem os reverendos doutores Ignacio Barbosa Machado, e seu irmão Diogo Barbosa, em o sitio de Rilliafolles; e ali esteve até vespera de Natal.

Transferiu-se nesse dia, diz o mesmo autor, para a ermida de Nossa Senhora dos Mártires,

1 Antig. de Lisboa, fls. 312, 315 u., 324, etc.

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LISBOA ANTIGA 45

a° Rêgo, nas casas dos herdeiros de Jacinto Dias ®raga, onde se cantaram pela primeira vez mati- nas da festividade do Natal.

Aí estiveram expostos pobremente os ossos dos mártires do cêrco de Lisboa, escapos do in- cêndio da igreja velha.

Daí passou para Santa Izabel; e então conta- vam as estatísticas (| oh I horror 1), entre tantos Palácios e casebres aluídos, entre tantos montões de ruínas requeimadas [ seis ou sete fogos, ape- nas> com quarenta e seis pessoas 1! '.

De lá passou a paróquia para a ermida de S- Pedro Gonçalves, ao Corpo Santo, no meio da Quaresma de 1756, e aí estava quando Castro escrevia estas notícias.

I Que diferença para hoje! O censo de 1878 dá ° número de 595 fogos, com 3.151 habitantes, sendo 1.423 homens e 1.728 mulheres.

Tal foi o trágico fim da vetusta paróquial; tal o modo como, num só dia, ficaram sepultas

ern escombros horrorosos tantas e tão interes- santes recordações.

Vinte e cinco fragmentos desenhados por José alentim, se conservam no arquivo da Associação

dos Arqueólogos, representando trechos das ruí- nas; e no mesmo museu do Carmo os azulejos n-0i 609, 610 e 611, foram da igreja velha, e per- tenciam ao ano de 1518 (segundo se diz).

1 P. Laiz Cardoso, Portugal sacro-profano, e a infor- n^Ção do cara Rodrlgaes Leitão, mss. da Tôrre do Tombo.

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46 LISBOA ANTIGA

Quem hoje procurar na capela baptismal dos Mártires a antiquíssima pia que se conservava desde o tempo da conquista, e em que era tra- dição ter sido baptisado o primeiro moiro con- verso ao cristianismo; quem a procurasse há já duzentos e oitenta e quatro anos; quem a exami- nasse com olhos de antiquário, e lhe pesquizasse em roda uma inscrição que lá havia em letras góticas... sentirá e sentiria confranger-se-lhe o coração ao ver o precioso monumentinho detur- pado, picado, amodernado, alterado desde 1602.

Frei Apolinário da Conceição, no seu noticioso livro, insurge-se contra tal desacato perpetrado nessa antigualha interessantíssima. Atesta, ou antes confirma, a tradição de ser a pia primitiva; estranha a pouca ponderação com que lhe tira- ram os signaes da sua antiguidade, polindo-a em forma oitavada, transformando o lettreiro que tinha de lettra gothica em a redonda em que hoje (1760) o lemos, em que só acrescentaram os reos d'este desacerto (expressão do frade, ainda assim benévola), o seguinte: R. no anno de 1602 *.

Faz indignação, faz brotar ódios nos corações mais indulgentes, o presencear como em geral se entende por cá o restauro; a semcerimónia com que se aperfeiçoa e anacronisa um objecto antigo. Que o digam todos os nossos monumentos; os

1 Dem. hist., pág. 54.

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LISBOA ANTIGA 47

relicários e custódias do museu de Belas-Artes; os quadros; os letreiros das ruas; tudo, em suma. E isso nào doi aos particulares; mas que não doa às autoridades técnicas é mais para censura. i Quando chegará o dia em que as autoridades cumpram neste ponto o seu dever?

Bom serviço prestou Jorge Cardoso conser- vando-nos no seu livro a inscrição da pia:

ESTA HE A PIA EM QUE SE BAPTISOU O PRIMEIRO CHRISTÁO NESTA CIDADE, QUANDO NO ANNO II47 SE r0M0U AOS MOUROS '.

' Agiol. Lusit., tom. in, pág. 234. °m leões variantes traz frei Manoel da Esperança a

™esma inseriçõo, por esta fórma, a pág. 190 da parte i da lst- Seráfica, em 1656:

^sla he a pia em que se bautizou o primeiro I christão ,e '" c'dade, quando no anno de | 1147. se tomou aos louros. |

Frei Apolinário escreoe-a assim :

n> ^sla he a Pia em que se bautisou o primeiro christão

esta cidade quando no anno de 1147. se tomou aos Mouros.

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CAPÍTULO IV

Reedificação dos Mártires depois do terremoto grande. — Moda-se o sítio da igreja para a roa das Portas de Santa Catarina. — Desamparo em qae ficaram até aos nossos dias aqcieles arredores. — A igreja nova. — Manoel Pa- checo Pereira e o conselheiro José Ferreira. — Risco do arqoitecto Reinaldo Manoel. —Análise da obra sob o ponto de vista artístico. — Correm-se os altares am por am. — A capela baptismal. — Altar de S. Braz.— Altar de Santo António. — Altar de Santa Cecília. — Capela do Santíssimo Sacramento. — A capela-mor. — Altar de Santa Lozia. — Altar de S. José. — Altar de Nossa Se- nhora da Conceição. — Altar de Nossa Senhora de Loor- des. — O tecto do templo. — Inácio de Oliveira e Pedro Alexandrino. — Opinião severa de Raczynski. — Órgão, obra de Silvério Machado. —A sacristia. — (Im retábolo de pedra. —Os Apóstolos. — Padrão piedoso do sr. mar- qaês de Penalva. —Os registos paroqoials de baptisado, casamento e óbito. —Menclona-se Joaqoim Machado de Castro.

Pensou-se na reedificação do velho templo. Queriam uns que o levantassem no mesmo sítio; opinavam outros pela sua transferência para a rua das Portas de Santa Catarina.

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LISBOA ANTIGA 49

Consentiu então o marquês de Pombal, o homem de menos coração que têm produzido as terras Portuguesas, o que no tempo do obscurantismo de el-Rei D. Manuel se conseguira sustar; isto é: i° desacato da demolição dos restos da primitiva 'greja histórica, e a sua reedificação noutra parte ! a quebra da tradição de seis séculos I a profana- do de tantas memórias sacro-santas 1 Ninguém é

Perfeito neste mundo; e se ao restaurador de -isboa sobejavam energia, previdência, relance e águia, e tôdas as altas qualidades de adminis-

trador, faltava-lhe a nota artística, porque (repe- ti-lo-ei sempre) lhe faltava coração. A paróquia afonsina edificada sôbre sangue de heróis, super Sa,lguinem Mar tf rum, a paróquia velha com as suas memórias históricas e particulares, com as suas arcas e lápidas, com a sua pia baptismal, já

Pfofanada sim, mas sempre nobre, com os ossos °s defensores de Lisboa, com a longa série dos

®eus infortúnios e vicissitudes, com o seu solo eit0 de ossos de tantos centenares de portugue-

Ses> não logrou comover o queimador dosTávo- ras> o homem de bronze que ordenou a vandálica

emoliçào do castelo de Martim de Freitas, para er)genhar um observatório, coisa útil, necessária, '"dispensável (,jquem o duvida?), mas que se P°dia erigir em qualquer outra parte 4.

^ 0 observatório da Universidade de Coimbra mandoa-o

0a 8rta r^9io de li de Oatabro de 1772 levantar no castelo, nas ra'"8s dêle. Repertório de Aanuel Fernandes Tomaz.

4

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50 LISBOA ANTIGA

E lá passou a igreja paroquial dos Mártires para a rua das Portas de Santa Catarina, entalada entre a rua da Figueira ao nascente, e a rua da Ametade ao poente.

#

O que nâo sei é o fim que teve um recolhi- mento de meninas pobres, fundado em 1746 na antiga rua do Ferragial, perto da igreja velha, por Inês de Jesus Maria. Viviam elas de esmolas, e andavam vestidas no hábito da Senhora do Carmo. Destruiu esta casa, nove anos depois de fundada, o terremoto grande

#

A propósito: os arredores da igreja velha no Ferragial jazeram desamparados e confusos mui- tos anos depois do terremoto grande; êsse de- samparo chegou ao nosso tempo. Ainda conheci a rua do Ferragial de Cima com uns monturos impossíveis, que eram vasadoiro público. Isso, e a calçada de S. Francisco, foram há menos de quarenta anos sítios por assim dizer êrmos, mal afamados, infestados de ratoneiros à noite, e atravancados de ruínas e baiucas2.

1 J. B. de Castro, Mappa. 2 O autor escreoia Isto cm 1886. — Nota de A. V. S.

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LISBOA ANTIGA 51

O povo extraia daí livremente barro e pedra; P°r anúncio de 2(5 de Julho de 1849 proibiu a

amara Municipal terminantemente a continuação 0 intolerável abuso *.

Para as obras da reedificação do templo novo Contribuiu muito o legado que lhes deixou um

ev°to e abastado cidadão, negociante de grosso trat°. natural do Pôrto, Manuel Pacheco Pereira i,

° zêlo e generosidade dos irmãos, entre os

?uáis especializa a Mnemosine Lusitana 3 o conse- ro José Ferreira

Segundo Pinho I.eal, principiou a obra em 10 Outubro de 1769; a 18 de Março de 1774 foi

enzida a capela-inor; e por aviso de 31 de

^ gosto de 1784 cometeu-se a inspecção da fábrica 'greja nova à irmandade do Santíssimo 4. °i o major Reinaldo Manuel dos Santos, ar-

<lu'tecto, falecido pelos anos de 1790, quem deli-

"Cou a igreja nova que vemos no Chiado 5 (hoje c'e Garrett); belo edifício, se assim lhe querem

amar, muito garrido, sim, mas cujo aspecto in- r'°r pouca (ou antes nenhuma) devoção infunde.

rç,Collccção de providencias da Cam. Mun. de Lisboa, j p.as ao ano de 1849, pág. 299. 3 Leal, Port. ant. e mod., artigo sôbre Lisboa. 4 »°m. II, pjíg, 250

s f'"andes Tomaz, Repertório. Zvnoi--lr"° Volkmnr /tachado, Memórias, pág. 201, e Rac-

'■> Diet. hist, artist., pág. 257.

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52 LISBOA ANTIGA

Sôbre um pequenino adro de quatro degraus, fechado de gradaria que ainda mais mesquinho o faz parecer, ergue-se a lavrada e embrincada frontaria da igreja, abrindo-se entre pilastras de ordem dórica os três portões da entrada, sendo o central mais elevado, e sobrepujado de um me- dalhão redondo, que já analisei noutra parte '. Por cima da cornija do entablamento que domina as pilastras dóricas, levantam se três janelas, cor- respondendo aos portões, sendo também mais alta a do meio, entre pilastras mais delgadas de ordem jónica. Sôbre estas, outra cornija, e no alto um frontão, em cujo tímpano se rompe o oval de uma janela gradeada. Aos dois lados de tôda esta frontaria que descrevi, dois mesquinhos acessó- rios de alvenaria, com duas janelas a cada banda em dois andares.

#

Entremos. Transposto o guarda-vento, a im- pressão geral é frigidíssima. Anda no ar o espí- rito pretencioso e rócócó do século xvm, sem a mínima unção verdadeiramente ascética; a luz, que jorra pelas dezasseis janelas que circundam a nave, é alegre, vivaz e despoetisadora.

0 templo é de ordem jónica, rodeado de bem traçadas e bem esculpidas pilastras. Quatro alta-

1 Lisboa Antiga, parte it, vol. m, pág.'42.

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FACHADA DA ACTUAL IGREJA DOS MÁRTIRES NA RUA GARRETT

Sòbrc a porta principal vê-se o medalhSo comemorativo da dedicaçSo do templo,

que noutra fotografia se mostra em maior escala

Poto Ed. Portugal

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res a cada banda, e entre os dois centrais um Púlpito defronte do outro. Lá em frente o altar- -mor; e no lugar dos colaterais duas portas para 0 interior da casa. Cá em baixo, à esquerda de Quem entra, é a capela baptismal.

Um todo largo, elegante, vasto, mas sem gran- dioso (quanto a mim). Muito ar, muito vasio, muitos mármores ricos, muitas colunas, muita luz, e nenhuma compunção.

Corramos as capelas uma por uma.

*

Comecemos pela pia baptismal. Tem portas de ferro (ou bronze) com doirados. No batente esquerdo lê-se:

n'ksta parochia SE ADMINISTROU O PRIMEIRO BAPTISMO

No batente direito:

DEPOIS DA TOMADA DE LISBOA AOS MOU ROS, NO ANO DE 1147

Em frente, lá dentro, vê-se um quadro de edro Alexandrino, representando o baptismo 0 Salvador por S. Joào.

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Da pia veneranda que ali serve ainda aos bapti- sados da paróquia, já tratei lá em cima. Sempre direi, contudo, que um dos mais ilustres portu- gueses que ali receberam a água lustral, foi o santo arcebispo de Braga D. frei Bartolomeu dos Mártires

*

O primeiro altar do lado do Evangelho, con- tando de baixo, é de S. Braz. Nâo tem imagens; só no retábulo um quadro do citado mestre Pedro Alexandrino, figurando S. Braz, nas suas vestes de bispo de Sebasto, sendo enviado para o su- plício por Agrícola, governador da Capadócia. Composição grandiosa, cheia de movimento. Belo colorido.

#

0 segundo altar é de Santo António. Imagem de roca do orago. Quadro do citado mestre, re- presentando Santo António em hábito de fran- ciscano, de joelhos diante de um pedestal de pedra, sôbre o qual se vê sentada a virgem com o menino ao colo. Por cima e ao lado, anjos e arcanjos, crianças e adolescentes, pintados com aquela graça um tanto afeminada, mas encanta- dora, que Pedro Alexandrino lhes sabia dar. O

1 Veja-se frei Luiz de Soasa, na saa Vida do Arcebispo.

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santo parece estar na atitude de quem pede com mu'to empenho à virgem-mài se lhe dá o seu menino. E ingénuo e amoroso èste quadro. Tem ° altar irmandade dos meninos do côro.

*

O terceiro altar é de Santa Cecilia. Tem irman- dade da Santa, a cargo da associação musical 24 de Junho, que lhe faz festa anual. O retábulo Apresenta Santa Cecília de joelhos, tocando no teclado de um pequenino orgâo. Por sôbre êle, dominando a figura da tocadora, está a virgem, muito atenta, com o menino ao colo, também muito atento, ambos escutando. Cecília toca os seus acordes solenes como Era Angélico pintava °s seus quadros: de joelhos. Parece-me um tanto fraco e mortiço êste quadro.

*

O quarto altar é do Santíssimo Sacramento. Eecham-no magníficos portões de bronze doirado, em cuja parte superior se lê a inscrição:

PAVETE AD SANCTUARIUM MEUM

EGO DOMINUS

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No batente da esquerda vê-se o monograma das letras gregas:

XP

iniciais do nome de Cristo em grego. No batente da direita vê-se outro monograma,

significando que Deus é o princípio e o fim de tudo; isto é, o alfa e o ómega de tôdas as cogi- tações :

flQ

#

A capela-mor tem certa elegância. O tecto é lindo; representa a Santíssima Trindade. Pintou-o Jerónimo Gomes Teixeira

A imagem do altar é Nossa Senhora dos Már- tires; pareceu-me vulgaríssima escultura. Tem no braço esquerdo o menino, e no direito a palma dos mártires. É tradição ter sido feita como apro- ximada imitação da antiga, destruída em 1756.

#

Os altares do corpo da igreja do lado da Epís- tola sào, como disse, quatro.

0 primeiro, a contar de baixo, é de Santa Luzia. Quadro de Pedro Alexandrino, representando o

1 Cirilo, Memorias, pág. 217.

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suplicio da santa. Tem movimento e interêsse èste quadro, mas o colorido parece-me débil, e as figuras mesquinhas.

*

O segundo altar é de S. José. Lá está a sua unagem. O retábulo representa o Gólgota: Cristo aPeado da cruz, e morto, entre as santas mulhe- ^si a quem o fiel discípulo amado acompanha. Tem sentimento.

#

O terceiro altar é da Senhora da Conceição, em retábulo do mestre, figurando S. Miguel escendo ao limbo. Julgo-o mesquinho.

#

O quarto é hoje de Nossa Senhora de Lourdes, c°m formosa imagem mandada expressamente vir

e frança pelo actual sr. prior (1886). No retá- ul° figurou pedro Alexandrino o Bom Pastor. em êste quadro alguns pontos de semelhança,

colorido e na composição, com o Salvator da Sé. Belo e quente colorido.

£ este altar é que se celebra Santa Maria g!pciaca, no seu dia. A irmandade é dos archei-

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ros da casa real. A imagem nâo reside ali; guar- da-se noutra parte da igreja.

#

0 tecto do templo, menos os ornatos, que per- tencem a Inácio de Oliveira 4, é também da mào de Pedro Alexandrino, j Justos céusl muito pintou êste homem I foi um gigante de perseverança. Recomendo ao visitante essa vastíssima compo- sição: em volta os bustos de doutores da igreja; ao meio, numa cartuxa imensa moldurada, a cêna fictícia da dedicação do primitivo templo a Nossa Senhora dos Mártires por el-Rei D. Afonso Hen- riques. Vi na Academia das Belas Artes, em 2 de Junho de 1884, o esbôço a sépia dêste quadro.

Raczynski, avaliando em globo as obras de Pedro Alexandrino, e avaliando-as com certa crueza, acho eu, nota-lhes grande facilidade no desenho e na composição, e contudo falta de fôrça, de elevação, e às vezes até de desenho 2. Tudo isso será verdade muita vez, e os quadros dêste mestre serão não raro fracos e banais; mas do conjunto deles ressai a convicção de que um tão hábil e fecundo pintor tinha em si mesmo as condições de um altíssimo engenho, que esper- diçou e vendeu a retalho, como quem dissipa entre gargalhadas o cabedal de um morgado opulento.

1 Cirilo, Memorias, póg. 221. 2 Les arts en Portugal, pág. 291.

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*

Resta-me dizer que em volta da nave corre, Por diante dos altares, uma teia de pau santo; e que sôbre a porta principal passa de lado a lado um alto côro, que assenta sôbre três arcos de Pedra, os dois laterais de volta inteira, e o central de volta abatida.

Por cima, brilha com o seu vulto enorme, e os seus oiros e ornatos, um magnífico orgào que lá me disseram ser obra do português Silvério Ma- ehado, e foi executado em 1780 e tantos.

#

Entremos agora na sacristia, pela porta colate- ral do lado da Epístola.

E insignificante peça; no altarzinho do tôpo há um retábulo de mármore branco figurando a mesma cêna, pouco mais ou menos, do medalhão da porta principal: el-Rei Afonso, e um cruzado estranjeiro de joelhos, dedicando à virgem a tomada de Lisboa, cujas muralhas torrejam ao undo. Vi êste retábulo, e confesso que me custou

a acreditar o que lá diz a tradição oral: que era maior e foi cortado para caber ali. Querem que Pertencesse á igreja antiga; pertenceria, mas a a'guma das suas fases modernas. Aquele movi- mento das nuvens sôbre que assenta a virgem, e um nâo sei quê em todo o conjunto, estào-me talvez a dizer: século xvii.

Nesta mesma sacristia há doze quadros a óleo, rePresentando o divino mestre e os seus aposto-

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los, copiados de outros, de não sei que autor, por uma talentosa artista amadora, a senhora D. Maria Amélia Bertrand, da conhecida e antiga casa Bertrand, do Chiado. Fazem esses quadros muita honra à piedade e ao talento da sua aplicadís- sima autora.

O tecto é de estuque, representando ornatos e emblemas episcopais entre palmas de mártires. A piscina é vulgar; os caixotões dos paramentos, vulgaríssimos.

A propósito: paramentos ricos há poucos; jóias notáveis não há.

Obras de arte não são muitas; especialiso uma estante giratória no côro, boa, como quási todos os produtos da marcenaria portuguêsa.

Vi também numa ante-câmara da sacristia um quadro primorosamente caligrafado à pena, onde o meu respeitável amigo (hereditário), o marquês de Penalva, Fernando Teles da Silva, deixou assinalados os seus sentimentos religiosos. Diz assim êste quadro votivo:

Ao poderosíssimo patroci NIO DE N. S. dos Martyres attribue o

Marquez de Penalva ter escapado milagrosamente de ser esmagado por uma

CARRUAGEM, CHEGANDO A LANÇA A TOCAR-LHE O FATO SEM LHE OFFENDER O CORPO, NEM LEVEMENTE.

Foi no dia 12 DE OUTUBRO DE

l88l n'esta cidade de Lisboa.

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*

Tem o pároco dos Mártires como assessora uma colegiada composta hoje de dez capelães, fora os ordinários das capelas quotidianas, com obrigação de côro diário, de manhà e de tarde.

No presente ano de 1886, o actual prior é o rev.do António dos Santos Viegas, ornamento da tribuna, deputado às côrtes e presidente da dita colegiada.

Cabe-me aqui dizer que é esta a única de tôdas as colegiadas lisbonenses que escapou à reforma brutal que em 1869 suprimiu as colegiadas do reino, inclusivamente as que tinham o titulo de "'Sígíies. E não se julgue que esta excepção pro- cesse de tolerância; os reformadores liberais não conhecem essa palavra; proveiu apenas de abso- luta impossibilidade. O cutelo do carniceiro achou Um osso que lhe embotou o fio; eram as dispo- sições especiais dos antigos legados. Assim se ^ortalizam os demolidores, cujo merecimento único é demolir. O futuro lho agradecerá, quando Vlr tudo uma ruína.

*

A porta colateral a que acima aludi, do lado do Evangelho, conduz a uma formosa casa, que é a sacristia da irmandade do Santíssimo. Aí vi um altar com uma bela imagem de S. Brás, e em volta da casa os quadros originais de bustos dos

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apóstolos, que na outra sacristia se vêem copia- dos pela sr.a Bertrand. Sâo muito bons.

Por cima é a casa do despacho. Aí tive o gôsto de observar, numa visita em que me acompanhou com a maior amabilidade o digno pároco, e meu amigo, um esbôço de Francisco Vieira Lusitano, a lapis vermelho, representando a sua pintura do antigo tecto da igreja, destruído em 1755. Nào era preciso estar assinado para se reconhecer a maneira do mestre; mas por fortuna está assi- nado. Em baixo tem:

Eques F. Vieira inv. iy5o.

Por cima lê-se:

Tecto da Egreja dos Martjres de Lx." | Custou i:ooot>ooo rs. a pintura.

Nas costas dêste precioso desenho lê-se isto:

Lançado a Jl* 124 sob N.° 21 do Inventario do Cartorio da Real Irmandade do S.m0 Sacramento da Fre g.a de N. Snr.a dos Mar- tjres. Foi offerecido á mesma Irmandade pelo sr. Francisco d'Assis Ro- drigues em iS de Novem bro de 1866, como se vè a Jl.' 45 v.° do L.° das Actas.

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Junto desta casa do despacho há a sala das sessões, muito confortável e formosa, com as pa- redes estucadas de emblemas eucarísticos, mesa ao meio rodeada de belas cadeiras, e tendo no tôPo um trono de degraus, por baixo de um docel vermelho. Êste trono é destinado para e'-Rei, juiz nato da irmandade, assim como o foram os reis seus antecessores.

*

Ao lado do templo, com entrada pela rua da 'gueira ', fica a residência paroquial, uma das

Melhores de Lisboa, se bem que um tanto aca- bada. Tem um bonito terraço interior, que toma Parte do espaço do extinto cemitério.

Agradeço ao meu amigo o actual rev.d0 prior a bondade com que me deu todos os esclareci- mentos que lhe pedi, correndo comigo a igreja em U de Outubro de 1886.

#

Sâo infelizmente muito modernos os registos esta paróquia; os antigos, que deviam ser de

altissimo interêsse histórico, arderam pelo terre- moto de 1755.

1 Hetaalmente (1937, e desde 188S, pelo edital de 7 de c embro) Rua Anchieta. — Nota de A. V. S.

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Examinei os mais antigos existentes, em 15 de Agosto de 1886, na companhia do meu amigo José Carlos Sette, que teve a extrema amabili- dade de querer dictar, para eu escrever, os pri- meiros de cada uma das trés grandes divisões: baptisado, casamento e óbito. Como esta notícia pode interessar a alguém, aqui a deixo:

BAPTISADO

Em os 4 dias do mez de Janeiro de 1756 bapti- sou o rev.do p." D. Balthazar de Christo coadjutor d'esta egreja na parochial egreja de Santa Izabel d'esta cidade de Lisboa, a Gertrudes filha de Joa- quim Alvares, baptisado na freguezia de S. Mi- guel-o-Anjo de Fermelâo, bispado de Coimbra, e de Anna Thereza Theodora, baptisada na fre- guezia de Santa Justa d'esta cidade, recebidos n'esta freguezia e moradores na rua do Outeiro. Foi padrinho Hiacintho Alvares.

Cura o P.e Manuel Rodrigues Leytão.

CASAMENTO

Em os 7 dias do mez de Maio de 1756 n'esta ermida de Nossa Senhora da Graça, que de pre- sente, digo, onde de presente se acha a freguezia de Nossa Senhora dos Martyres, na presença de mim, o padre Manuel Rodrigues Leytão, cura da dita freguezia de Nossa Senhora dos Martyres de Lisboa, se casaram por palavras de presente conforme o sagrado Concilio Tridentino, e Cons-

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htuições do Arcebispado, Joaquim José Ferreira com Theodora Joaquina de Sant'Anna, elle contra- hente filho legitimo de Gabriel Ferreira e de Paula Maria, baptisado na freguezia da villa de Samora Corrêa d'este Patriarchado, e n'ella Morador; e ella contrahente filha legitima de Manuel José de Carvalho e de Joanna Maria, baptisada n'esta freguezia de Nossa Senhora dos Martyres, onde é moradora; de que foram teste- munhas Antonio da Costa de Carvalho meirinho do Juizo ecclesiastico, e o rev.d0 p.e Manuel Carlos Pereira de Mello, morador ao presente na rua do Pombal freguezia de Santa Izabel; de que fiz este assento, que com as testemunhas assignei.

Cura o P.e Manuel Rodrigues Leytão. Antonio da Costa de Carvalho. Manuel Castro Pereira de Mello.

OBITO

Em 6 de Janeiro de 1756 falleceu na rua do Outeiro, com todos os Sacramentos, e sem tes- J^mento, Manuel Rodrigues, casado com Maria

"ereza; e foi sepultado no cemitério da fregue- Zla de Santa Izabel; de que fiz este assento, que assignei.

Cura o P.e Manuel Rodrigues Leytão.

*

Mencionarei um morto ilustre, cujo registo se enc°ntra nesta paróquia: o grande Joaquim Ma-

5

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chado de Castro, falecido aos noventa e um anos em 18 de Novembro de 1822. Esta data tem saído em geral errada, e por isso dou aqui o traslado do assento mortuário:

Em 18 de novembro de 1822 falleceu Joaquim Machado de Castro, viuvo de D. Anna Rita (ou Thereza, nâo pude perceber) de Sousa, e foi en- terrado nos covaes d'esta egreja, de quem este assento que assignei dia ut supra — O Prior Hen- rique José Corrêa.

Saiamos agora do templo, a que se acham li- gadas (a-pesar-de tudo) tantas memórias notáveis. Nâo se calcula o trabalho que me deu êste estudo. Eu próprio nâo sei avaliar. E preciso, para ar- rostar em Portugal com secas dêste género, ter tôda a vocação do martírio. O antiquário é aqui um mártir. Por isso tomava eu como simbólicas as palmas, que na mào da virgem e em muita outra parte da ornamentação me faziam pensar nas palmas recruzadas da farda dos nossos aca- démicos da Academia Real das Ciências; Acer- tada escolha I É que o mister literário é quanta vez martírio I...

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CAPÍTULO V

Samário de algans palácios da íregaesia, qae o aator se propõe percorrer. — Começa-se com o paço dos daqaes de Bragança. — O condestáoel já era senhor de am paço em Lisboa. — O de Frielas. — O daqae D. Jaime e o sea Paço lisbopense. —Amplia êste daque a saa propriedade, comprando aos visinhos frades de S. Francisco ama parte da cêrca, em 1500. —Em 1532 e 1538 habita el-Rel D. João III no paço dacal.

Muitos palácios ilustres se encontravam, ao tempo do terremoto, no districto da freguesia dos Mártires. Vamos vêr alguns. Cita-me o informa- dor do padre Luiz Cardoso os seguintes:

° palácio da casa de Bragança; o dos Côrtes-Reais; ° dos marqueses de Távora; o dos condes da Atouguia ; o dos condes de S. Miguel; ° que tinha sido dos condes da Ribeira Grande; ° dos condes do Vimieiro; 0 dos viscondes de Barbacena; ° de D. José da Silva Pessanha ; 0 de D. Pedro Álvares Cabral de Lacerda.

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Começaremos pelo mais ilustre: o dos duques de Bragança, aquele nobre casarão apalaçado, que, lá para o poente, domina as ribanceiras sôbre o Ferragial, a cavaleiro do lanço tisnado da muralha de el-Rei D. Fernando.

Mas perdão: eu não estou falando do que se vê hoje, neste ano de 1886; isso agora é o edifício massiço do Hotel de Bragança, com as suas ogivasinhas presunçosas, e a sua platibanda sem caracter. Pois ali onde o vêm, custou cem contos de réis a construir.

Estava-me referindo ao nobre palácio, certa- mente irregular, mas muito vasto e muito opu- lento, que ali se via antes do reinado de el-Rei D. João V, isto é, antes que êsse monarca tivesse reedificado o antigo solar de seus maiores em Lisboa.

Estou a vê-lo na minha câmara óptica; estou a admirar a sua fisionomia arrogante e grave, e o ar desdenhoso com que, lá do alto do seu mon- tículo, predomina sôbre o bairro proletário e mari- nheiro de Cata-que-farás. Descem as arribas montuosas e mal sombreadas de urzes desde cima, sôbre o que é hoje a rua do Alecrim, o Ferragial de Baixo e a travessa do Corpo Santo. Junto às águas acumula-se a esmo um grupo informe de casas de mesquinha aparência, de empena bicuda; albergues de pescadores; taber- nas, bastas no sítio, povoadas de brigões que muita vez iam bater-se em volta da cruz de

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LISBOA ANTIGA 69

Cata-que-farás; ou oficinas de remolares, indis- pensáveis visinhos e auxiliadores do espalmadeiro das caravelas. Entre êsse dédalo de casebres avulta, aqui, ali, alguma estância senhoril, como a dos Côrtes-Reais, ou o campanário acoruchado de alguma ermida. Todo êste pequenino fra- gmento da grande cidade se coroa com os pare- dões históricos do solar dos Braganças, ufano das suas altas ogivas e dos seus mezaninos a olhar Para o mar.

Pois se agrada aos leitores, e já que estamos com a mào na massa, estudêmo-lo.

#

Remonta muito longe a residência dos duques de Bragança em Lisboa. O condestável D. Nuno

Álvares Pereira era aqui, e em muita outra parte, senhor de verdadeiros latifúndios. Não foi mes- quinha com êle a gratidão do Mestre.

Em Frielas, por exemplo, está me lembrando agora que êle possuía o antigo paço que ai fun- dara o senhor D. Afonso III, acerca dhum sola- Çoso rio, que som duas legoas da cidade; tinham-no mcendiado os invasores castelhanos em dias de cl-Rei D. Fernando; di-lo o poeta épico da prosa, Eernào Lopes1. Em 1 de Julho de 1384 era doado ^sse senhorio, o de Ourem e de outras terras, ao

condestávelJ; e em 1 de Novembro de 1401, em

1 Chron. d'el-Rei D. Fernando, cap. cxxxv. Hist, gen.-, Provas, tom. m, págs. 515 e 516.

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Frielas, na fresquíssima Frielas, residia o grande guerreiro, ao fazer doação de avultado quinhão dos seus haveres a sua filha a condessa D. Bea- triz, quando a casou com D. Afonso, depois duque de Bragança '.

Êsse 1.° duque, D. Afonso, filho natural de el-Rei D. João I, era pois, como vemos, alheio aos bens do condestável, que lhe advieram por cabeça de sua mulher. Quando nasceu nada tinha.

Ao seu neto, o marquês de Ourem, D. Afonso, doou também Nuno Álvares, além da Judiaria de Lisboa e outros bens, os seus paços na mesma cidade, com suas casarias e pertenças s; e el Rei D. Duarte confirmou a doação3.

£ Seriam estes paços do cavaleiro monge situa- dos onde depois vieram a ser os de seus netos? Sim, mas êle não o diz.

Constituída com a bizarria paterna, e aumen- tada com a do condestável, a casa do estremecido filho do mestre de Aviz e da comendadeira Inês Pires, entraram várias deixas particulares de pa- rentes, de vassalos e apaniguados, a concorrer para o engrandecimento da casa, que veiu a tor- nar-se a mais opulenta de tôda a península.

Achei, por exemplo, em 1403, a doação que um certo Nuno Álvares e sua mulher Galiana Gon- çalves, moradores ao Paraizo, e antigos criados

1 Hist, gen.; Provas, tom. m, pág. 445. 2 Carta de 4 de Abril de 1422. — Hist, gen.; Provas,

tom. v, pág. 568. 3 Hist. gen.; Provas, tom. iv, págs. 7 e 22.

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de D. Inês Pires, mãi (já então falecida) do duque D. Afonso, lhe fazem, de duas casas em Lisboa na freguesia dos Mártires, na rua denominada da

Comendadeira (em memória da morta), assim como de outros bens {. Há mais, em 1450, uma doação do infante D. Pedro da Alfarrobeira, de paços, casas e uma atafona em Lisboa s. Isso tudo tinha pertencido antigamente ao célebre conde D. Pedro.

Que já o duque D. Jaime era senhor de um bom palácio neste sítio, sôbre Cata-que farás, na freguesia dos Mártires, o qual palácio partia com a Cordoaria, e tinha pomares, quintais, eirados e outras pertenças, é certo; do testamento do duque, feito no mesmo palácio em 21 de Dezem- bro de 1532, se depreende3. Diz êle: as minhas casas de Lisboa, que estão na freguesia dos Martes, que partem com a Cordoaria, honde eu agora vivo quando lá estou, com todos seus pomares, quintaes, et'*ados, e pertenças.

Noutra parte desta minha obra 1 conservei a tradição vaga, que topei no Sanctuario Mariano s, e mais explicitamente na Demonstração histórica do padre Conceição 6, de ter o paço lisbonense

1 Soares da Silva, Mem. de D. João I, tom. iv, pág. 105. 2 Id. ibid., pág. 104. 3 Hist, gen.; Provas, tom. iv, pág. 86. 1 Lisboa Antiga, parte ii, vol. i, pág. 183. 5 Tom. i, pág. 496. 6 Págs. 436 e 437.

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dos Braganças ocupado o mesmo sítio da antiga villa dos pretores romanos; recordo-a aqui outra vez: nunca lhe achei por ora outro fundamento. Diz êste escritor em 1750, que até à última ree- dificação do palácio (por el-Rei D. João V, como logo veremos) esteve patente uma pedra em que havia o seguinte epitáfio 4:

d. m. s. POSTVMIO

VICILIONIO ANN. XXXV. POSTVMIVS FLORIANVS

FRATRI PIEN TISSIMO P.

Tradução:

Consagrado aos deuses Manes. A Postúmio Vicilião

de trinta e cinco anos de idade, seu piedosíssimo irmão,

Postúmio Floriano mandou erigir.

1 Confesso qae a transcrição desta lápida da pág. 437 da Demonstração não é textualmente feita segundo o que lá se lê. Quem comparar logo percebe e deseulpa-me. É escasado dizer qae, se a versão do eradlto padre me parece errónea, tipográficamente considerada, também a minha me não satisfaz. — flarlnho de Azevedo, no liv. m, cap. vi, das saas Antiguidades, traz a mesma inscrição com algu- mas diferenças.

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Essa preciosa lápida desapareceu, e com ela o tal qual documento da possível origem romana da habitação ducal.

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De como era nos séculos xv e xvi a casa, nada se sabe. Vêmo-la passar de mão em mão; e só no último ano do século xv a sabemos ampliada nas suas pertenças, e não pouco, pela mão pode- rosa do duque D. Jaime, o futuro guerreiro de Azamor.

Efectivamente, foi êle que em 21 de Julho de 1500 comprou aos seus visinhos, os frades de S. Francisco, o primeiro lote que êles venderam da sua cêrca, para ampliar a horta ducali; des- Wembraçâo seguida de outra em 1502. E ainda Passado século e meio, tôdas essas terras (que não eram pequenas) se denominavam Horta do Duque *.

1 Fr. Manuel da Esperança, Hist. Seraphica, parte i, P% 192, col. 2.*.—Peço ao leitor que repare qae a palavra horta, qae hoje só significa por aqui terra de legumes, hortaliças e fruta, significava também quinta com poma- res e outros logradoiros de regalo. No Rlgarve ainda ouvi chamar hortas as quintas até dos proprietários mais ricos.

2 ftssim sucedia em 1656, qaando fr. Manuel da Espe» Pcrança publicava o 1.° vol. da sua Historia Seraphica. (Parte i, pág. 186, col. 2.*). O mesmo diz o precioso livro Manuscrito anónimo da Bibi. Nac., Lisboa, h — 4—11, im- Pròpriamente denominado Historia de Lisboa. Vidè fl. 26 v.

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Como os duques de Bragança habitavam quási sempre em Vila Viçosa, muita vez, ao longo das crónicas e memórias antigas, se vê o seu paço de Lisboa alojando a própria família real.

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Aí, por exemplo, assistiu a rainha D. Leonor, terceira mulher de el-Rei D. Manuel, com sua filha a infanta D. Isabel, depois imperatriz; por sinal que a essa residência fôram os misteres em 1522 propor à dita rainha o casamento com el- -Rei D. João III seu enteado, idéia que se não realizou L

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Quando nesse ano de 1522, ou em 1523, veiu a Portugal o patriarca do Preste João, imperador da Etiópia, como embaixador a el-Rei D. João III, recebeu-o o soberano português com a maior be- nevolência em Évora. Vindo el Rei pouco depois a Lisboa, hospedou-se na casa do duque de Bra- gança, onde o embaixador o foi visitar, acompa- nhado do núncio do Papa e de outras pessoas 2.

1 Frei Apolinário da Conceição, Dem. hist., citando a chron. de D. João III, por Francisco de Andrada, parte i, II. 19.

2 Relação da embaixada do Patriarcha D. João Ber- mudez a el-Rei D. João III, pág. 5.

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Em Novembro de 1538 estava outra vez el-Rei morando nos paços de seu primo; di-lo Miguel de Moura na sua auto-biografia l.

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,jFoí seguida, ou interpolada, esta residência do monarca no palácio do duque de Bragança? e qual seria o motivo que o fazia desprezar o paço da Ribeira? fôram acaso as obras que el-Rei D- João III lá fez? conjecturo que sim, fundado em que Damião de Góis, seu contemporâneo, se refere ao acrescentamento com que êste rei no- bilitou o dito paço. Ainda ao tempo em que o eminente escritor andava redigindo o seu Urbis Olisiponis situs et figura, se tinha êle apenas Principiado, ou se achava em meio; obra essa, diz Góis, que quando estiver acabada, será o oi- tavo adôrno da cidade 2.

*

Seis anos andados, em 1542, se em 25 de Junho entrássemos na residência hereditária dos Bra-

1 Vida de Miguel de Moura, por êle mesmo; — in prin- cípio.

2 In ipso litore aliud edificium opere mirabili a funda- r"entis modo /acere accepit potentissimus Joannes IH Rex, Dor»inusque noster, quod quum••• ad exiturn perduxerit, 0ctavum locum civiiatis ornamenti obiinebit.

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ganças, assistiríamos a uma grande festa de fa- mília: nada menos que as bodas do duque D. Teo- dósio I, com sua prima co-irmã D. Isabel de Lencastre l.

Já me referi a elas num volume anterior. A sucinta descrição de tal solenidade, que ali

convocou tcdo o high-life do tempo, dá-nos algu- mas indicações curiosas quanto às cortesias mun- danas usadas por então. ^Quer o leitor ouvi-las? Pois revista-se de paciência, e entre comigo no capítulo seguinte.

1 Hist, gen., tom. vi, pág. 44. Veja-se o qae descreuo dêsse casamento na Lisboa Antiga, parte ir, uol. iv, págs. 189 e segs.

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CAPÍTULO VI

descrição minaciosa de am festim de bodas em casa do daqae de Bragança D. Teodósio I. — Em 1578 habita nêste mesmo paço o cardeal-rei.

Quando, depois de concluídas as ceremónias °o paço dos Estáos, e depois de ter acabado o jantar de aparato (que foi cedo), se encaminhou a brilhante comitiva dos noivos até ao paço ducal ^a Cordoaria Nova, já o apetite acenava suave- mente com os antegôstos da esplêndida ceia com que o duque ia obsequiar os seus convidados

Bueti reloj es el comer quando lo templa la gana

dizia por êsse tempo o nosso troveiro imortal. Eram entào as etiquetas da mesa muito diver-

sas do que sào hoje; e de algumas das que usa- vam os duques de Bragança dá testemunho a relaçào das práticas da casa, segundo a traz

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D. António Caetano de Sousa '. Muitos dêsses cerimoniais consuetudinários deviam ser reflexo do que usava a culta Europa 2. Se quizessemos pois, já como romancistas, já como cenógrafos, re- produzir côna dêste género passada em Lisboa, havíamos por fôrça de copiar alguns pormenores das etiquetas forasteiras, principalmente parisien- ses. Assim era então, assim é hoje, assim há-de ser sempre. Paris é a Atenas moderna; vence- dora ou vencida, amiga ou indiferente, sabe impõr a sua suprema realeza: a da elegância.

Como nâo sou pintor, nem romancista, nem poeta, limito-me nêste livro a retratar, segundo os documentos, o festim nupcial do duque D. Teo- dósio, adubando apenas a narrativa com algum traço tirado de escritores estrangeiros.

*

Vieram chegando os convidados, que eram numerosos. A rua, as serventias próximas, os pátios do palácio, viam-se cheios de populares curiosos, que na passagem de cada grande senhor, a cavalo ou em andas, o cortejavam, e o ficavam comentando, e nào raro aclamando.

1 Hist, gen.; Prov., tom. iv, pág. 219. 2 Veja-se o livro do conde de Vila Franca: D. João I

e a aliança ingleza, caps, xvh e xvm, onde êsses cerimo- niais no sécalo xv vôm primorosamente narrados.

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Chegou o embaixador do imperador Carlos V, D. Luiz Sarmento de Mendoza, e o do rei de França Henrique II, Honorato de Cais. Rece- beu-os o duque adiantando na sala quatro ou cinco passos, e tratando-os com grande cortesia.

Chegou o arcebispo do Funchal; chegaram os irmãos do duque; e, feitos os recíprocos cumpri- mentos, deu-se principio ao banquete nupcial.

#

l Pensa o lfltor que seria nalgum salão? Não foi. Para honrar o nosso admirável verão penin- sular armara-se a mesa num terreiro do palácio, chamado palio das parreiras, que ficava entre os jardins e a residência. A mesa era muito com- prida, e tomava tôda a banda do jardim até quási junto das casas. Em vez de tapessarias quiz o mailre d'holel, ou vedor, dos nobres duques (e Quiz bem) mandar cobrir as paredes e tudo mais com ramos entremeados de variedade de belos frutos maduros pendentes. Já se vê que era homem de gôsto. À noite, à hora da ceia, tudo isso, por baixo do verde docel das latadas, ruti- lava de luzes, que se reflectiam com graça no r,co aparador avergado de prataria antiga, e nas

Magnificentes galas dos cavaleiros e das damas Sentis da côrte portuguesa.

E dos toldos as tampadas pendentes mostram senhores, cavalleiros, damas, em quem o oiro reluz por entre as jóias.

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80 LISBOA ANTIGA

Ora a ideia de vestir as paredes com verdura e frutas nào era nova. Os mordomos do duque sabiam que tal era o uso em muita parte, e já desde séculos. Lembro-me de ter lido no livro de Lacroix: Le moyen áge et la renaissance, que num festim do sexto século as paredes da sala se viam aderessadas de uma farta colgadura de heras, e o chào tapizado de muitas e variadís- simas flores '.

A mesa do duque devia rutilar de peças de prata lavrada, centros com mil invenções que hoje nos pareceriam extravagantes, e via-se juncada de flores finas, que embalsamavam o ambiente.

À cabeceira da mesa sentou-se o duque de Bragança, debaixo de um docel de brocado, tendo aos seus lados o embaixador do imperador Carlos V, e o de Henrique II rei de França. Ao duque serviam-no o seu trinchante e o seu copeiro, gente de bom sangue; aos embaixadores serviam-nos gentis-homens, que só na fidalguia cediam aos do duque.

Ainda hoje à sua mesa é el-Rei servido por particulares seus, e os demais convidados pelos outros criados indistintamente.

Aos dois referidos personagens seguiam-se o arcebispo do Funchal, o marquês de Vila Real, os condes de Linhares, do Vimioso, de Portalegre, da Castanheira, do Redondo, da Vidigueira, o bispo do Algarve D. Rodrigo Lobo, o regedor

1 Tom. i, Nourriture et cuisine.

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das justiças, D. Diogo de Castro, D. Garcia de Menezes, D. Francisco Coutinho filho do conde do Redondo, D. João de Portugal filho do conde do Vimioso, Afonso de Albuquerque, filho do grande governador D. Pedro de Menezes, e outros muitos, além dos irmãos do duque e do comendador-mor de Cristo.

1 Coisa singular! não vejo mencionadas as se- nhoras da côrte de el-Rei e dos nubentes.

Por muito que isso desdiga dos nossos usos, o certo é que só no reinado de Francisco 1 é que as etiquetas francesas consentiram geralmente a promiscuidade dos sexos nos cerimoniais. Em tempos mais antigos jantavam as senhoras afas- tadas dos homens, e as fidalgas comiam com a rainha, separadas de el-Rei '.

Eis aí o porque na côrte do duque de Bragança vemos as longas e brilhantes mesas desadorna- das do gracioso elemento feminino.

De fora, a um lado e outro, estava o veador da casa dirigindo a imponente batalha culinária; e quem sabe se, ao presencear a perfeição com que se iam sucedendo os serviços, e desfilando ao som de música as mais tentadoras invenções dos Brillats-Savarins do tempo, lhe não ocorreria proferir, pela bôca pequena, a palavra coin que o

1 Ce ne fat guère que sous François 1 que les denx sòxes se trouvèrent rassembiés et confondus dans le com- merce ordinaire de ia vie des cours. — P. Lacroix, Moeurs et usages. Cérémonial, ptíg. 537.

6

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duque de Wellington veiu a apreciar o esplendor bélico da batalha de Waterloo: j Splendid/...

| Que maravilhosas bugiarias não mandariam ao banquete dos duques uns célebres visinhos, os confeiteiros da rua do Saco, ali arruados havia oito anos! Logo falaremos nesses grandes artistas.

Para melhor vigiar que nada faltasse, mandara o duque sentar, a espaços iguais, cinco fidalgos da sua casa, encarregados de fazerem as honras da mesa a determinado grupo de convivas'.

Falei pouco acima nas músicas deliciosas que iam acompanhando a marcha do banquete; é his- tórico êsse pormenor, e é característico. O bouquet dos vinhos velhos, o sainete fumoso das viandas, realçava-os (como hoje nos festins reais) o acorde dos violinos e das flautas, acompanhando vozes suavíssimas que, esbatidas pela distância, chega- vam aos ouvidos como as cantorias das sereias à borda do mar.

Era tarde quando se levantaram todos da mesa. Alguns convivas se despediram logo dos duques; outros passaram com êle para uma câmara grande, muito espairecida, e que pelas suas desafogadas janelas dominava o amplíssimo painel do nosso formoso Tejo e suas ribeiras, desde a barra até Alcochete, como ainda hoje o dominam as janelas do hotel Bragança, por onde se descortina um dos mais formosos espectáculos da península.

1 Sôbre os cerimoniais das refeições em público dos daqaes de Bragança pode consaltar-se a Hist, gen., tom. vi, pág. 412,

j

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Nesta sala pois, iluminada, colgada de ricas tapessarias, e adornada de docel de brocado, to- maram logar os convidados, que de súbito viram entrar a mais lustrosa coorte de moiros ricamente mascarados, com marlotas de brocado, e acompa- nhados de outros mascaras de tochas acezas, e dançando ao som de instrumentos alegres. De- pois das danças jogou-se um jogo de azar; fez o duque algumas paradas, realmente senhoris; nâo punha a cada uma menos de sessenta e tantos cruzados; perdeu tudo (estava visto), riu muito, despediu os dançarinos e os seus hóspedes, e recolheu-se à sua câmara '.

*

Aí tem o leitor o que foi a festa do casamento do duque D. Teodósio no seu paço hereditário de Lisboa. Pregunte às salas do hotel, e elas por força lhe hão-de contar alguns dos segredos que °s monumentos velhos sabem contar aos visioná- rios...

Acabadas em Lisboa estas festividades de fa- mília, partiram os noivos para o seu paço de Vila

1 Qaem qaizer ver a exacçfio com qae refiro tado isso, Procure a Hist, geri., tom. vi, págs. 46 e segs. Refere-se

António Caetano de Soasa a amas memórias manuscri- tas da casa de Bragança, no tempo dele em poder da casa

daqae de Cadaval. & Existirão ainda?

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Viçosa, onde os aguardavam as alegrias expan- sivas de criados, vassalos e amigos.

As suas estadas porém em Lisboa continuaram de quando em quando. Em Setembro de 1659, por exemplo, encontramos o duque em Lisboa outra vez, no seu palácio, onde se celebraram as escrituras do dote da duqueza D. Brites de Len- castre, filha de D. Luiz de Lencastre l.

#

Agora temos um intervalo de dezanove anos, em que nada me consta, senão que o mesmo duque D. Teodósio I também fez obras no seu paço de Lisboa. Em testamento, lavrado no ano de 1563, manda incluir na terça dos bens as ben- feitorias das casas de Lisboa2.

«

Em 1578, no ano fatal do destrôço de Alcácer- -Kibir, achava-se o cardeal D. Henrique em Al- cobaça quando recebeu a tristíssima notícia do desbarate. Veio logo para Lisboa, mas nào lhe consentiram as saudades do seu senil coração o ir, como podia, morar no paço da Ribeira, que

1 Hist, gen.; Provas, tom. iv, pág. 177. 2 Hist. gen.; Provas, tom. iv, pág. 241.

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apenas dois meses antes vira habitado por seu malogrado sobrinho D. Sebastião. E então, che- gando a Enxobregas um sábado, 16 de Agosto dêsse ano triste, aí se aposentou no mosteiro dos frades lóios l; de onde, passados não sei quantos dias, por se não atrever, com dór, a ver os paços onde el-rei morava, se transferiu para os dos du- ques de Bragança em Lisboa a.

Ainda em 29 do mesmo mês, para a ceremónia da sua sagração como rei de Portugal, na igreja do Hospital de Todos-os-Santos, saiu o cardeal, com o seu préstito, do paço dos duques, onde ficara poisando 3.

Depois de aclamado é que vamos encontrá lo aposentado nas casas de Martim Afonso de Sousa, a S. Francisco. Aí damos com êle curtindo as maiores anciedades pelo sobrinho, o senhor D. António prior do Crato, de quem não tinha notícias; e a essa casa chegou um expresso tra- zendo cartas do dito príncipe, que por então se achava em Arzila 4.

1 Frei Bernardo da Crciz, Citron. d'el-Rei D. Seb., cap. i.xxvm,

2 Id. ibid., cap. lxxix. Na Hist, fren., tom. ni, pág. 628, e Gabinete histórico, tom. n, pág. 371, menciona-se o paço do dtiqae de Bragança como residência do cardeal, mas omi- 'c-se aquela transição do conoento de Xabregas. Segui n'sto o minucioso frei Bernardo da Cruz.

3 Frei Bernardo da Cruz, Chron. d'el-Rei D. Seb., cap. lxxxi.

11d. ibid., cap. lxxxii.

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Mas nâo atropelemos a narrativa. Logo volta- remos a esta moda seguida em séculos antigos, de andarem os soberanos a viver de quando em quando nas residências dos seus súbditos.

Continuemos por agora com a crónica do paço de Bragança.

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CAPÍTULO VII

O palscio depois de 1640. — Comparam-se algamas vistas antgas do paço dos daqaes de Bragança. — Conferência dos conspiradores da restaaração portagaesa, em que se :seoihe para o grande feito o dia 1.° de Dezembro. — Trimeiras sessões da Academia Real de História — Desirição da dltima fase do palácio conforme a sua re- coiítração por el-Rei D. João V. — O largo das Duas Ignjos. — A Cordoaria e a rua do Tesoaro. — Hospital dos religiosos varatojanos. — A casa denominada dos arrrios. — Jledições. — O palácio do marquês de Va- lera. — ftenção detida da famigerada imagem da Se- nhira da Graça, sôbre a porta oriental do paço do duque.

Qiando subiu ao trono de seus antepassados o duque D. João II, com o título de rei de Por- tugal D. João IV, deixou o palácio de ter a im- portância que tivera, visto como a Ribeira, o sumptuoso ninho hereditário dos nossos sobera- nos, ficou sendo a residência do reinante. Serviu entâ) o solar brigantino de tesouro, arquivo e guajda-jóias da família de Bragança; de onde à

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antiga rua do Picadeiro se entrou a dar o nome de rua do Tesouro (depois Tesouro Velho como ainda hoje, 1886, sucede)

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Vistas antigas do paço, poucas encontro dgnas de menção. Bráunio apresenta um desenhe, que nenhuma idéia chega a dar do estado da cr.sa, A vista de 1650 mostra-nos um palácio alto com janelas muito compridas2. O quadro a ófeo da Academia, esse pinta o edifício com um aspecto que lembra vagamente o de hoje. É predosís- simo documento. Executava êsse quadro (secundo mostrei noutro sítio 3, Simão Gomes dos Reis, nos primeiros anos do século xvn; isto é, antes do ano de 1712, em que principiou a reconsruçào por el-Rei D. João V; logo, o que ali <emos é o estado do paço no século xvn, porqte êste mesmo paço, tão nobre e tão grande, escajara a 4 de Outubro de 1708 a um voraz incêndii, que aliás destruiu muitas casas na rua chamaia de Cima, na parte inferior dêle K

1 Actaalmente, 1937, roa António /laria Cardoso.-zVo/a de A. V. S.

2 Nôo merece esta vista a mínima confiança, sem é digna de ser citada.— Nota de A. V. S.

3 Lisboa Antiga, parte i, l.* edição, 1879, pág. 343. * Dem. hist., pág. 433.

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A essas pedras velhas tocara uma honra insi- gne, e que é impossível deixar de memorar; nalgum salão dêste paço, ou nos quartos que ha- bitava o doutor João Pinto Ribeiro, na sua quali- dade de secretário, ou agente, do duque D. João II, se retiniram os conjurados em 1640, num daque- les sinédrios que esboçaram a restauração por- tuguesa.

Conta o conde da Ericeira, que tendo João Pinto ido a Vila Viçosa, da parte dos conspirado- res, conferenciar com o duque, na mesma noite do dia em que regressou a Lisboa (que era por sinal, domingo, 26 de Novembro) se ajuntaram na dita sua casa a maior parte dos apalavrados, e aí se concertaram todos em escolher definitiva- mente o dia 1.° de Dezembro l.

^Pode haver nobilitação mais alta para um ca- sebre histórico?

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Depois de tantas vicissitudes, coube a el-Rei D. João V, o magnificente edificador de tantas maravilhas de arte, refazer à moderna, no estilo italiano, êste solar vetusto de seus avós, além de reedificar o de Vila Viçosa s. Fôram amplas e opu- lentas as suas obras, a julgarmos pelo que ainda

1 Conde da Ericeira. Portugal restaurado, tom. i, pág. 95. 2 Hist, gen., tom. vm, pág. 262.

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delas resta sôbre a rua do Tesouro Velho: enor- mes portões brasonados, janelas altas ornamen- tadas, e tudo com certo ar solene e grandioso, que abate as casas modernas que se lhe vieram anichar de roda.

Começou a reconstrução em 5 de janeiro de 17124, segundo frei Apolinário. Quantos anos levou, não sei; mas sei que à mesma casa se liga também um parágrafo nobilíssimo da nossa cró- nica literária: nada menos que a célebre e útil Academia Real de História, que teve por pri- meiro albergue uma sala do paço ducal, em dias de el-Rei D. João V2.

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Tendo os instauradores, bafejados por el-Rei D. João V, celebrado umas pequeninas reilniões preparatórias no aposento do padre D. Manuel Caetano de Sousa, na casa da Divina Providência (hoje, o Conservatório), deu conta, em 26 de Novembro de 1720 o padre D. Manuel, de que el-Rei mandara ordem para se prevenir e adornar uma sala no paço dos duques de Bragança, a-fim- -de se celebrar ai, a 8 de Dezembro seguinte, a con- ferência académica inaugural3.

1 Demonstr. hist., pág. 432. 2 Hist, gen., tom. vm, pág. 244. 3 Col/ecçao de documentos, etc., da flcad. Real de Hist,

tom. i.

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Com efeito, nesse dia se retiniram na dita sala trinta e quatro consócios, à hora aprazada. Num banco de espaldas, colocado junto da grande mesa da presidência, sentaram se os seguintes acadé- micos: o padre D. Manuel Caetano de Sousa, eleito director, tendo aos seus lados os censores eleitos, marquês de Fronteira, marquês de Abran- tes, marquês de Alegrete, e conde da Ericeira. Ao lado direito da presidência sentou-se, a uma banda da mesa, o conde de Vilar maior, secretá- rio. Finalmente, no âmbito da sala, a pequena distância, tomaram assento sem precedência, nos bancos para isso destinados, os membros desta importantíssima corporação.

À circunstância de ter sido aquele mesmo paço ducal, oitenta anos antes, um dos poisos dos con- jurados da restauração, aludiu o ilustre director no seu discurso, dizendo:

... Quer el-rei nosso senhor, que os eruditos congressos... se façam neste palacio, por ser o mesmo logar, em que ha oitenta annos se fa\iam os congressos, em que quarenta fidalgos... dispo- seram que se restituísse a coróa á... casa de Bragança.

Tentarei descrever em quatro traços o sítio dêste paço, e o seu aspecto ao tempo do terre- moto. Comecemos desde o nosso actual largo das Duas Igrejas.

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Também lhe chamava o povo largo das cava- Ihariças, porque sôbre êle davam as portas das cavalhariças reais, tornejando sôbre a Cordoaria Nova, que era uma estreita rua ao longo da mu- ralha da cerca construída por el-Rei D. Fernando, e com a directriz da parte ocidental da nossa rua do Tesouro Velho. 1 Corria esta rua da Cordoaria Nova (nào confundamos com a da Cor- doaria Velha, que era pela nossa rua de S. Fran- cisco), corria esta rua da Cordoaria Nova na linha norte-sul, no comprimento de cento e dez varas, quatro palmos, e quatro décimos (I22m), e com a largura aproximada de dez varas, dois palmos, e sete décimos (1 im,õ).

Paralela à Cordoaria Nova corria a rua do Te- souro, onde havia, do lado do paço, isto é do lado oriental, um hospício dos religiosos do Va- ratojo. A sua frente formava um ângulo entrante obtuso com a propriedade contígua, e tinha de comprido, incluindo um pátio, trinta e oito varas e seis décimos de palmo (42m); de fundo tinha cinco varas, quatro palmos e seis décimos

Fundara êste hospício 2 em 1685 el-Rei D. Pe- dro II. Destruiu-o inteiramente o terremoto e fogo de 1765; pelo que el-Rei D. José deu aos vara- tojanos dois prèdiosinhos de casas, que tinham

1 Actualmente (1937) rua António ftaria Cardoso.—Nota de A. V. S.

2 Informações manuscritas na Tôrre do Tombo para o Dicctonário de Luiz Cardoso, e que se encontram na Dern. hist., etc.

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pertencido aos padres jesuítas, na Rua da Con- ceição à Cotovia *.

Ao hospício dos varatojanos seguia-se a casa chamada dos arreios, já do paço, onde se guar- davam todas as alfaias dos ginetes reais. Media onze varas (12m,l) de frente.

Seguia-se outra parte das dependências do paço, onde era a enfermaria dos criados do rei. Media esta vinte e nove varas (31m,9) de frente. Mandara fazer esta enfermaria el Rei D. Pedro II em 1683, e continuara a dar-lhe a sua desvelada protecção el-Rei D. João V 2.

Seguiam-se umas cavalhariças reais, sucesso- ras e herdeiras das que num volume antecedente 3

mostrei tão opulentamente sortidas no paço dos Estaos; e enfim, principiavam as altas e arrogan- tes paredes do palácio.

Apresentava o antigo solar histórico dos Bra- ganças, na sua reconstrução última, um frontis- pício para a rua então chamada do Tesouro (e também do Picadeiro 4), com o comprimento de

1 J. B. de Castro, Mappa. Hoje dizemos rua da Concei- ção à praça das Flores.

2 Dem. hist., pág. 422. 3 Lisboa Antiga, parte n, vol. iv, págs. 288 e 293. 4 Actaalmente rua António /áaria Cardoso. — Nota de

A, V. S.

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cinqúenta e duas varas e tanto até ao Arco do Tesouro (57'"), e trinta e cinco varas de fundo nos dois extremos (38m,5); mas no meio tinha de fundo quarenta varas (44"'), e na extremidade meridional do mesmo palácio, da banda do dito Arco, avançava o cunhal direito do frontispício ressaído para fora sôbre dois cantos rectangula- res, dos quais o primeiro media de frente sete varas sôbre cinco de fundo (7m,7 X õm,5), e o segundo seis varas sôbre quatro (6m,6 X 4m,4). Constituía êsse frontispício a banda oriental do palácio; e o seu oposto paralelo formava pois o lado ocidental; e o outro, cuja face olhava para o sul, onde verdejava um pequeno jardim estreito, segundo permitia a figura da ribanceira que sustentava o edifício, isto é, uma parte para- lela à frente, media treze varas sôbre cinco (I4n,,8x5,n,5); e a outra, formando ângulo muito agudo com esta frente, tinha de comprimento vinte e três varas (25ra,3).

Tinha o palácio lojas, sótãos e dois andares, e partia totalmente sôbre si com paredes pró- prias a todos os quatro quadrantes.

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Ao poente do palácio, a pouca distância (dis- tância ocupada hoje pelo pátio de entrada do hotel), erguia-se o palácio dos marqueses de Valença, ramo da casa de Bragança. Era um nobre e elegante edi- fício, que tinha o seu lugar onde é hoje o jardim

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do mesmo hotel. Tudo isso se demoliu e se trans- formou. O palácio Valença aparece em ruínas per- feitamente claras, na magnifica vista gravada em cobre, no fim do século xvm ou princípios do xix, por Allix, sôbre desenho de Noel, e dedicada ao duque de I afões. É rara

Arderam uma segunda feira, 25 de Dezembro de 1726, as grandes casas do marquês de Valença, durando o incêndio até ao dia seguinte, diz a Gaveta de Lisboa

Desde o cunhal direito do palácio Bragança até ao cunhal esquerdo do do marquês de Valença media a rua do Tesouro ou do Picadeiro, seis varas e tanto (6m,6..).

^Nâo se está a ver nesses esboços que deixei tào desalinhada mas tào exactamente pintados, a feição geral do actual casarão enorme do . hotel de Bragança e das suas imediações 3?

1 Vue da Port de Lisbonne. Existe encaixilhado am exemplar desta esplêndida gravara nam gabinete da Bi- blioteca Nacional.

2 N.° 48, de 28 de Dezembro desse ano, pág. 384. 3 Estas notícias, medições, etc., fôram todas tiradas do

Tombo autêntico da reedificação de Lisboa. — Parece-nos qae o autor não tem razão. 0 mapa de

Lisboa anterior ao terremoto de 1733, sobreposto ao da Lisboa actaal, mostra-nos qae o Hotel Bragança não foi construído no local do solar dos duques de Bragança, qae ficava completamente ao norte do sítio do hotel. — Nêste edifício acham-se funcionando, desde fins de 1915, os escritórios das Companhias Reunidas Gás e Electricidade. — Nota de A. V. S.

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Havia nêste palácio imenso duas entradas; uma para o poente, outra para o nascente; di-lo em 1707 o Santuário Mariano l; e acrescenta que na do nascente, que fazia de vão uns trinta palmos (6'",6), se via então sôbre a porta, pela banda de dentro, uma lâmina de Nossa Senhora da Graça. Diziam as memórias antigas ter sido ali colocada desde a fundação do palácio. Era pintura muito devota, de palmo e meio (pouco mais) de altura, e o mesmo de largura. Via-se a virgem com o menino ao colo, aconchegando-o ao peito. Em roda pendiam constantemente mil promessas dos fieis.

Como era muito querida esta imagem, tinha grandes festas e orações dos visinhos, que, se- gundo o uso geral, lhe resavam à noite ladainhas, e lhe acendiam candeias.

Faziam-se lhe duas festas anuais: uma em 4 de Outubro, e a outra em 8 de Dezembro, por devoção dos académicos da Academia Real de História.

Tendo essa tal qual ermida sido reedificada em 1712, destruiu a o terremoto de 17552.

Depois da aclamação, passou essa devoção com mais especialidade para cargo dos músicos da capela real, que na próxima igreja dos Mártires, para maior grandeza, festejavam outra imagem

1 Tom. :, pdg. 496. 2 Castro, Mappa.

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que lá havia da mesma senhora. Em quanto foi vivo um grande influente da irmandade dos mú- sicos, o mestre de capela Sebastião da Costa, continuou tudo muito bem; com a morte dele es- friaram os entusiasmos, até que, passado tempo, concertaram os visinhos novamente o pequenino poiso da virgem, fizeram-lhe novo nicho ou ta- bernáculo, com colunas salomónicas, altar e banqueta, revestiram tudo de côres e oiros, ador- naram o recinto de flores artificiais, jarras, casti- çais, e todos os sábados e dias de Nossa Senhora ali resavam com regularidade as ladainhas.

Com a reconstrução feita por el-rei D. Pedro V, e principiada em 1712, levantou-se capela especial à Senhora da Graça, com porta para a rua da Cordoaria Nova (a nossa do Tesouro Velho), e uma sineira a cada lado da janela do côro.

Quem o diz em 1750 é um bom informador, o sempre citável frei Apolinário da Conceição4; dá o mesmo autor a dita capela como muito per- feita, e tendo côro e púlpito. Segundo êle, ocupava o trono da tribuna uma linda Imagem da Setiliora com o Menino Jesus em seus braços, de madeira estofada, que terá de altura (diz o escritor) cinco palmos.

1 Dem. hist., pag. 422.

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CAPÍTULO VIII

0 terremoto de 1755 arrazo o paço e seas arredores. — Como essas raínas chegaram ao nosso tempo.—Desde 1837 é projectada, e leuada a cabo poacos anos depois, a nooa raa do duque de Bragança.

Depois do terremoto de 1755 ficou o paço dos duques, e o seu arredor, quási de todo destruído.

Diz um coevo, o citadíssimo Castro, no Mappa, que apenas escaparam dez famílias no pátio inte- rior chamado dos coches. O que mais que tudo contrista os cultores de antigualhas portuguesas é a perda irreparável do riquíssimo cartório ducal, que desde pouco tempo se achava reorganisado pelo prestante mestre de campo general Manuel da Maia, guarda-mor do dito arquivo, e que ali (como no da Tôrre do Tombo) tão bom serviço soubera prestar.

Tornou-se todo o edifício um cáos indiscritível, pelo meio do qual se anicharam barracas e baiu- cas de pobríssima aparência, que deram ao sítio a feição de uma cour des miracles, das de peor fama. Já noutro livro, o 1.° volume das Memorias

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de Castilho, esbocei o pouquíssimo que pude al- cançar no assunto (isso é anterior a mim), e mos- trei entre os escombros, na parte do casarão ocupado hoje pelo prédio do Hotel de Bragança, a oficina do nosso grande escultor Joaquim Ma- chado de Castro, o seu escritório com panos de raz, e a sua varanda corrida, lá ao sul, domi- nando o Tejo.

Sôbre a rua do Ferragial de Cima, junto ao que é hoje o hotel, havia um arco, chamado do Tesouro; junto ao teatro de S. Carlos, no sítio ainda hoje chamado largo do Picadeiro, era o picadeiro dos cavalos da casa ducal, por modo que não havia passagem directa entre a rua do Outeiro e a do Ferragial de Cima.

Todo êsse regimento de casebres mal alinha- dos bradava ao céu; parecia um magote de men- digos de Velasquez, esgarçados e imundos, a tomarem o sol embuçados num farrapo de veludo da capa de um grande de Espanha. Era indispen- sável, em nome do belo (que em tôda a parte tem os seus foros), varrer daquela passagem ele- gante e concorrida um tal acervo de detritos

Parece que as autoridades acharam oposições (sempre as há), visto como em Março de 18135 de- clara a Câmara Municipal ter empregado em vão todos os meios que estavam ao seu alcance para se destruírem as ruinas d > Thesowo Velho, e se esta- belecer ali uma edificação regular '.

1 Synopse dos nrinc. act. admin, da Câmara Municipal de Lisboa, em 1835, pág. 12.

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Mas como a causa era justa, insuflou a Provi- dência actividade aos vereadores, e logo em Se- tembro de 1837 eram mandados intimar os mora- dores das barracas para as despejarem no termo de oito dias, a-fim-de serem demolidas, na con- formidade da intimação jâ feita aos donos '.

No mês de Outubro seguinte deu a Câmara ao Govêrno parecer favorável sõbre uma rua pro- jectada, que devia comunicar a do Outeiro com o Ferragial de Cima (é a nossa actual rua do duque de Bragança)5; e logo em Setembro de 1842, estando esta bela rua a fazer-se, se proce- deu à abertura do respectivo cano 3.

Daí em diante correram com celeridade as obras; em pouquíssimos anos tínhamos aí uma das mais belas ruas da capital, orlada de prédios magníficos, e gosando de tôdas as vantagens do centro do povoado, e ao mesmo tempo de todo o silêncio de um bairro suburbano.

À casa de Bragança deve pois Lisboa êste me- lhoramento, um dos mais notáveis que nobilitam o coração da cidade.

05

•. > I V TL V

A ÍJt o

1 Synopse dos princ. act. adn:in. da Câmara Municipal de Lisboa, em 1837, pág. 24.

2 Idem, pág. 27. —Actualmente (1937), rua da Lucta. — Nota de A. V. S.

3 Idem, em t842, pág. 27.

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CAPÍTULO IX

Descreve-se o medonho incêndio de l de Agosto de 1841.— Os prédios novos da casa de Bragança. —êlencionam-se alguns inquilinos mais ilustres dos ditos prédios.— O marquês de Fronteira D. Trasimundo ftascarenhas Barn reto. — O duque de Avila e de Bolama António José de Avila. —aditamento.—Teatro D. Amélia ou de S. Luiz.

Não deixarei agora de referir-me, com a pos- sível minuciosidade, ao horrível incêndio, que em 1 de Agosto de 1841 devorou uma parte grande do palácio e das casas contíguas. Eu conto.

Pelas onze horas da manhã dêsse dia memo- rável pegou o fogo num armazém de móveis do marceneiro alemão Futcher, junto ao arco que dava passagem para a rua do Ferragial de Cima, e em poucos instantes assumiu proporções assus- tadoras. Lembro-me da impressão aterradora que em Lisboa causavam os incêndios, não há ainda muitos anos, com a vozeria lamentosa dos cam- panários tocando a rebate num desatino de funeral. Bradaram pois tôdas as tôrres o alarme à popu-

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lação, e convergiram para aquele ponto todas as atenções.

Acudiu o inspector dos incêndios, e deu as suas ordens; eram porém as labaredas impelidas pelo vento de tal forma, que ao tempo em que se começava a fazer um corte no meio do edifício, irromperam as chamas muito para além do sítio em que se trabalhava. Acudiu a guarda municipal em fôrça, acudiram piquetes de todos os corpos, as guarnições dos navios de guerra portugueses, e a da corveta francesa La Coquette, comandadas pelos briosos oficiais. A eles se deveu nâo ter ardido a hospedaria de M.,ne Beliem, que era no extremo do Ferragial, e a casa fronteira. Também concorreu a tripulação de um brigue inglês, e fez admirável serviço.

Do ministério achava-se em Lisboa só o minis- tro dos Negócios Estranjeiros, o duque de Palmela D. Pedro de Sousa Holstein, porque todos os seus colegas tinham ido a Sintra aos anos da du- quesa de Bragança; compareceu logo o duque de Palmela, e assistiu todo o tempo. Viram-se também, nos sítios mais perigosos, animando e ajudando, o valente José Jorge Loureiro, o se- gundo comandante da Guarda Municipal, o capitão Barrot, monsieur de Saint Maurice, ajudante de ordens do duque da Terceira, o qual estava também em Sintra, o sábio Luiz da Silva Mousi- nho de Albuquerque, o major Miranda do regi- mento 16, o secretário da administração geral (govêrno civil), e muitas outras pessoas conhe- cidas.

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Chegou o fogo até ao grande quarteirão onde era a casa de pasto do Izidro, prazo-dado dos elegantes, que formava a extremidade sul do pa- lácio; salvou-se porém a parte que se andava então reedificando, e a que lhe ficava contigua e deitava para a rua do Tesouro Velho (rua António Maria Cardoso).

Arrojava o vento matérias inflamadas sôbre os telhados da rua do Ferragial de Baixo, chegando a cair sôbre o tecto da igreja do Corpo Santo.

Foram consideráveis os destroços. Ardeu o maquinismo da fábrica de tecidos de José Jorge Loureiro; muitas famílias ficaram sem casa, e sem um fio, a-pesar-dos prodígios de valor que ajudaram a debelar o terrível inimigo, distinguin- do-se entre os paisanos os empregados do Te- souro Joaquim José de Araujo e F. Poppe, e entre os oficiais estranjeiros o francês Mr. L aurent, te- nente da Coquette. Inumeráveis feridos foram conduzidos para o hospital; um membro da res- peitável família Duff correu grave risco, e salvou um menino que tinha ficado desamparado num quarto já cercado pelas chamas; e finalmente o capitão de fragata R. J. Rodrigues França, depois de haver salvo algumas senhoras, ía a sair por uma janela, mas com tanta infelicidade o fez, que resvalou da escada de mão, e caiu de grande altura, quebrando um braço, uma perna e a cabeça, ficando em perigo de vida.

| Foi um verdadeiro horror aquele tão falado e tão lamentável incêndio doTesouro Velho! Ainda hoje, quarenta e cinco anos depois, nos arripiamos

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ao recordar o que nossos pais nos contavam dêsse dia de sustos e terrores

De então em diante foi a pulos a construção dos opulentos e elegantes prédios da nova rua, por conta da casa de Bragança, cujo brasão de armas adorna essas paredes; e já em 1845 ou 46 me lembro de ter visitado nessa rua, com meus pais, inquilinos que não sei já quem eram.

Belos prédios são estes na verdade, e muito mais belos comparados com o que se usava, e usa, em Lisboa. Oiço que (a-pesar-das altas ren- das) o juro que deles tira a casa de Bragança é pequeníssimo, tanta foi a bizarria da construção; madeiramentos caros, muito pé direito, óptimos materiais, muito ar, tudo contribui para tornar as moradas da rua do Duque magníficas e confor- táveis. Seja embora assim. Os proprietários pre- ferem não tirar bom juro em dinheiro. O seu melhor juro é a gratidão pública pelo bom exem- plo que deram.

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Nesta rua residiu (creio que desde 1850, ou antes), mas não sempre na mesma casa, e faleceu,

1 Descrição feita sôbre artigos dos Jornais do dia 2 de Agosto de 1841, Diário do Govêrno e Correio de Lisboa.

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depois de longa doença, em 3 de Maio de 1881, no 1.° andar do prédio que hoje tem os números 20, 22 e 24, o nosso notável e honradíssimo esta- dista duque de Ávila e de Bolama, e na mesma casa ficou residindo a sua virtuosa viúva. Essas salas viram muitas e frequentes reuniões, presi- didas pelo duque. Tôdas as noites éle recebia; e era curioso observar naquele barómetro as alte- rações prováveis da meteorologia politica de Lis- boa. As agitações partidárias iam ali reflectir-se logo. A casa do duque de Ávila era um ponto muito alto, em que todos tinham os olhos fitos. A presença ou ausência de certos personagens ali, à noite, era indicio do qual todo o Chiado se ocupava no dia seguinte.

Tudo isso acabou. Ali só vào hoje os amigos fieis, dedicados à memória do venerando anciáo, cujo magnífico retrato por Miguel Lupi ainda ali pende, como presidindo ainda às reuniões. Na reclusão da sua viúvez a duquesa de Ávila man- tém, como sacerdotisa do culto nobilíssimo de uma glória nacional, a sua inalterável saudade.

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Nesse mesmo andar residiu, antes dos duques, a respeitável família O'Neil; antes, o nobre marquês de Fronteira D. José Trasimundo Mas- carenhas Barreto, uma das mais simpáticas e venerandas figuras que tive a fortuna de conhe-

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cer, da aristocracia velha de Portugal. Antes dele a família inglesa Payant.

São tudo isto nobilitações para a crónica ín- tima da rua do duque de Bragança; hão-de valer muito mais daqui a duzentos anos; tenho fé.

aditamento '. — Em um terreno pertencente à casa de Bragança, compreendido entre as ruas António Maria Cardoso (antiga rua Direita do Tesouro ou do Picadeiro) e a rua do duque de Bragança (actualmente rua da Luta), foi cons- truído o elegante teatro D. Amélia, tendo come- çado as obras em Junho de 1893, e inaugu- rando-se os espectáculos em 22 de Maio de 1894.

Logo depois do advento da República, em 1910, foi o nome do teatro mudado para teatro da Re- pública, e mais tarde para teatro de S. Lui\, do título honorífico do seu empresário visconde de S. Luiz de Braga.

Em 13 de Setembro de 1914 ardeu completa- mente o edifício, tendo sido reconstruído aproxi- madamente com o mesmo risco, reabrindo em Janeiro de 1916.

A sua crónica pode ver-se, por exemplo, in Carteira do Artista por António de Sousa Bastos, (Lisboa, i8g8), pág. 195.

1 Por A. V, S.

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CAPÍTULO X

Oficina do esealtor portagaês José Simões de Rlmeida nas lojas da casa oeapada pela daqnesa de Aolla.— Pene- tra-se com o leitor no qaarto do insigne artista.

Nesta mesma rua do Duque de Bragança é hoje (1886, e desde 1873), a oficina do sr. José Simões de Almeida Júnior.

Que me perdôe a modéstia do nosso já tão notável escultor, se venho franquear assim à gente estudiosa as portas de um asilo, onde êle se furta horas por dia às frivolidades de Lisboa. É ali o seu ermitério. Sozinho com o seu estro, e entre bons companheiros de tarefa, lida com um afinco, um denodo, que lhe fazem honra a êle e à terra em que nasceu. | Em tão verdes anos ninguém conseguiria maisl

Eu por mim sempre achei uma poesia imensa nestas figuras dos grandes artistas, devotados sem estímulo ao culto do belo e do bom, pai-

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rando com a alma acima do bulício estúpido das turbas, e derramando sôbre elas, desde muito alto, a luz suave e restauradora da arte.

Não os avalia o público; isso não; mas êles, incansáveis, continuam a beneficiá lo, dando-lhe cem por um, melhorando-lhe a alma, e como que perfumando-lhe o coração.

Dentre todos os trabalhadores da colmeia hu- mana reconhece-se logo o artista. [Há uma sere- nidade profunda naqueles olhos, um lampejo de clarões de além-mundo, e uma tristeza indefiní- vel 1 iSabem o que é essa tristeza? a nostalgia do azul.

Sim, a nostalgia; o artista é um desterrado, mas um desterrado providencial.

Sem arte, sem os dedicados e perseverantes labutadores da arte ique seria a sociedade? um pragal, um Saharah de amarguras. [Curiosa con- tradição! êles que só têm tristezas... espalham alegrias.

Padece o homem, chora, estorce-se, agri- lhoado às exigências inexoráveis da vida. Chega às vezes a descrer de si, e a ter arrancos para descrer da Divindade. Ouviu lhe os gemidos, lá num alcácer onde habita, uma fada luminosa que se chama a arte; e devagarinho, sem bulha, entre sorrisos de mài, entre caricias de namorada, desce pé ante pé, e vem poisar silenciosa junto dêle. Vê o chorar; amima-lhe a fronte pálida, e consegue, a poder de doçuras, tornar se a pro- tectora e a amiga de um coração ermo de afectos. Paz com que torne a amar, êle que ja o não

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sabia; ensina-o a resignar-se, êle que já o não podia; volta-o para Deus e dá-lho a conhecer.

I Que vitória!

*

A arte é só uma; e quer se chame estatuária, quer poesia, quer pintura, quer música, fala a mesma linguagem singela que Deus lhe ensinou a ela e à Natureza.

Por isso é que eu vejo em cada cultor do belo um missionário de Deus, um sacerdote. Por isso é que todo o artista é para mim sagrado. E ao passo que me fazem rir os ambiciosos, com as suas odientas vaidadezinhas, os seus artigos com que êles julgam governar o mundo (em cima do varal), e que afinal só duram dois dias, os seus sofismas conscientes, e a sua nulidade balofa... vejo no artista grande um espírito magnânimo, aquecido de bemquerença, um beneficiador, um foco intelectual a irradiar luz de civilização ver- dadeira.

*

Vamos andando, todos nós, magnates e nulida- des, bons e maus, ricos e pobres, ao longo da estrada da vida. ^Quem nos alastra sombras à beira do caminho? a arte. ^Quem nos oferta flores e pomos de oiro por entre os espinhos dos vala- dos, ou por sôbre o espigão dos muros velhos? Quem? A arte, que é um sol.

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Depois, os nossos cómodos, os regalos das nossas horas de ócio, devemo-los a ela, a ela só. Serviçal e dócil, ela filha de Deus, toma tôdas as formas, amolda se a tôdas as exigências, e fazse a companheira democrática das indústrias, filhas do homem, inspirando-as, dirigindo as, sobredoi- rando-as com os seus reflexos imortais.

Nós muita vez nem sequer o suspeitamos: ] não percebemos nêsses artefactos baratíssimos, com que as máquinas americanas, francesas, in- glêsas e alemãs, nos presenteiam cada dia, o que ali vai de prodígios artísticos! quanto meditaram e lidaram os maiores artistas em sucessivas ge- rações, e há centenares de anos, para educarem o espírito de artífices boçais, a ponto de fazerem de um castiçal, de um livro de gravuras e cromos, de um candeeiro de bronze, de um relógio, de um pêso para papéis, de uma cortina, de uns es- tofos, ou de umas cadeiras, objectos verdadei- ramente notáveis, como concepção e como exe- cução, pequeninas maravilhas de arte, e onde a arte rutila em todo o seu esplendor.

Foi essa, quanto a mim, a assinalada vitória do espirito industrial moderno: democratizar a arte, e pôr obras artísticas de cunho ao alcance de todos os haveres.

Dêste modo Fidias e Cânova, Rafael e Sasso- ferrato, enfeitam hoje a modesta poisada do bur- guês, êles que dantes só penetravam nas estân- cias dos opulentos, j Oxalá nos convencêssemos do poder que a arte tem de nos melhorar 1 Oxalá a protegêssemos e a promovêssemos com tôdas

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as nossas fôrças! Engenhos nào faltam; falta aproveitá-los.

[Quantos tenho já conhecido, quantos tenho visto brotar e morrer nesta plaga portuguesa! definhar e morrer por falta de calor 1 Pois ao passo que os jornaisinhos malévolos e demolido- res pululam e servem de degrau, êles, os artis- tas, afastados do mundo militante, alheios aos corrilhos, e concentrados nas suas tarefas, vivem de sonhos; por fim morrem entre melancolias e desenganos, e duvidando... até de si pró- prios. ..

Ora de entre os artistas portugueses é Simões de Almeida um dos meus dilectos. Tenho-o acompanhado a passo e passo; tenho ido desaba- far com êle, como com um amigo, tôda a vez que presenceio desacatos à magestade da arte: [a venda do tecto da sala dos reis nos Jerónimos I a restauração anacrónica de alguma igreja! Tenho ido retemperar as minhas teorias literárias ao calor das suas teorias artísticas; e à sombra dêle, naquela atmosfera serena da oficina, rodeado de estátuas e bosquejos onde referve o talento, tenho ([quanta vezl) encontrado a placidez que me desamparava, o calor que por pouco me fugia.

Ali vou às vezes, e ali me tenho encontrado com outros membros, mais ou menos entusiastas, da mesma confraria. Sào momentos furtados à prosa; sào uns parêntesis de poesia, que dão

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muita vida a quem os sabe gozar. Sentamo-nos, fumando e conversando, e pedimos ao mestre que vá continuando; e êle continua, ouvindo-nos, e tomando parte nas nossas discussões, e diri- gindo-as com o seu juizo sempre seguro, feito de muito engenho e muita meditação.

E belo observar o artista na meia luz da sua oficina. Aquêle olhar, velado de tristeza vaga, paira num mundo áparte; sob o escopro vão lhe brotando as obras; vai o talento arrancando de dentro do Carrara a vida que lá jaz. E em volta de nós palpita o barro, o gesso, ou o mármore, já na encantadora figura da Puberdade, a que eu chamo a castidade da nudez, já na buliçosa linha do Saltimbanco, já na Saiidade, que é um encanto de concepção, já na senhoril postura da melan- cólica Inés de Castro, já na expressão dolorosa e grandiosíssima do crucifixo colossal para o mau- soléu de Herculano '.

Tudo fala; as paredes conversam comnosco e instruem-nos. Aqui pende uma armadura velha; acolá uns fragmentos de esculturas de Miguel Angelo, em gesso; mais além o esboceto informe de um Camões, em barro. A um lado o torso di- vino da Venus de Milo, ou os pés encantadores de certa florentina modelados do natural. •.

1 É da autoria dêste mestre esealtor a estátua repre- sentando o An/o da Vitória, que se acha no monumento dos Restauradores. Sôbre os seus dados biográficos e os seus trabalhos artísticos pode consultar-se o dicionário Portugal. — Nota de A. V. S.

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Até me lembro de que uma vez, tendo o mestre estado a pintar dias seguidos (sim, Simões de Al- meida também é pintor), e tendo limpado sempre a espátula e os pincéis num pedaço de tábua que ali achou, notou por fim, com aqueles olhos vi- sionários dos artistas, que da confusão do amal- gama de tintas variadas saía o que quer que fôsse. E contemplou, e observou de longe (e observámos todos) um céu enevoado, e uns ter- renos com penedos, e uns arvoredos confusos; paisagem grandiosa e silvestre, que o acaso ali engendrara por si. Faltava apenas animar os pri- meiros planos; propoz alguém uns boizinhos; e fizeram-se os boizinhos; e o quadro ficou l.

Mas agora a sério: o génio dêste artista dá para muitíssimo. Tem conseguido milagres, ape- zar de viver em 1 isboa. Abrange todos os géne- ros; ressoa em tôdas as cordas; vibra em todos os corações. Se me fôsse dado especializar, se eu tivesse os dotes críticos que me faltam, diria que o talento de Simões de Almeida brilha principal- mente na tradução e interpretação da beleza fe- minina.

Como é uma índole de eleição, cheia de mil cambiantes delicados, e por assim dizer irisados, entende como ninguém a índole da mulher, e fá-la rutilar à flor do rôsto das suas criações fe-

1 Possao essa carlosa taboinha. Foi-me dada pelo mestre em 18 de Novembro de 1887, indo eu visitá-lo à soa oficina.

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mininas. iQue há mais profundo que a alma da mulher? para a sondar... só uma alma como a dêste mestre.

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Eis a verdade, quanto a mim; e Simões, que roe conhece, sabe que eu não quereria lisongeá-Io. Nào sei lisongear; o mal que penso, calo-o muita Vez; o bem que penso, não o posso reprimir. Digo as verdades às vezes com entusiasmo, sim, roas porque o sinto; ique culpa tenho eu de o sentir?

E (pregunto) ,i porque havemos de esperar sempre pela morte dos beneméritos para expan- dirmos então os nossos entusiasmos? Não há nessa reserva uma espécie de cobardia?

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CAPÍTULO XI

Crónica do hotel de Bragança. — Corre-se a lista de algans viajantes ilastres que em visita a Lisboa ali têm habi- tado.

Voltemos um pouco atrás, e falemos agora no hotel de Bragança, a primeira hospedaria lisbo- nense de hoje em dia '.

Vê-se do Tejo e de muita parte de Lisboa; avulta com certo sobrecenho aquela vasta fábrica, de cujas paredes ainda se não desapegou o nome dos antigos senhores do sitio. Na face meridional tem dois andares, com onze sacadas em cada um, e varanda corrida. Por cima, outro andar de me- zaninos quadrados, e por cima os sótãos com uma espécie de terraço em volta, praticável, donde se goza o mais espantoso panorama. Para a rua do Ferragial (lado norte), tem os mesmos andares

1 É preciso nSo esquecer qae êste livro foi escrito pelo aator em 1886, e os dados de actualidade que êle mencio- nava referem-se ao referido ano. — Nota de A• V. S.

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com onze janelas de peitos. A cada uma das duas fachadas, ocidental e oriental, dois andares com quatro janelas. A entrada é ao poente, pelo pátio gradeado junto ao jardim; aí tem dois portões.

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Se o hotel de Bragança podesse contar a sua crónica, fazia os mais curiosos anais que é dado imaginar, da vida elegante da maioria dos estran- jeiros ilustres que visitaram Lisboa nestes últimos cinquenta anos. Testas coroadas, príncipes, sábios, diplomatas, tudo se tem hospedado ali.

Mencionarei em primeiro lugar que moraram no andar nobre, nas salas correspondentes às dos antigos duques, onde ainda agora assistimos ao sarau das núpcias, suas magestades o imperador

• a imperatriz do Brazil. Aí receberam os augustos viajantes a visita de

tôda Lisboa. A sala imperial (deixarei aqui de passagem

êste pormenor) era forrada de damasco amarelo; a mobília, de damasco vermelho e amarelo, tendo em tôdas as poltronas e cadeiras as armas reais portuguesas esculpidas na madeira do espaldar. A um lado entre as janelas, um enorme espelho de moldura doirada, e sôbre o tremo grandes jarrões de Sèvres. Do tecto pendiam dois lustres para velas, de cristal de Veneza. No chão via-se nca alcatifa. Nas paredes, retratos da família real portuguesa: a senhora D. Maria II, o se-

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nhor D. Fernando, o senhor infante D. Luiz (já entào rei), o senhor infante D. Joào, etc.

A rainha da Suécia, irmà de sua magestade imperial a duquesa de Bragança, também habitou êste hotel, nos mesmos quartos dos imperadores do Brasil.

Também esteve aqui residindo alguns dias S. A. o sultão de Zanzibar, Said Bargash.

Ocorrem-me mais a célebre e estravagantís- sima actriz francesa Sarah Bernhardt (Abril de 1882), e a viúva de Rattazzi, hoje madame de Rute.

Lembro-me também de Lady Murray, de ma- dame de Koudriafski, do talentoso Rubenstein, rabequista de altíssimos quilates, do insigne li- terato castelhano D. João Valera, a cuja glória bastaria o ser autor da Pepita Ximenes e do romance Las ilusiones del doctor Faustino.

Além dêsses, percorrendo os livros modernos do hotel, por amabalidade do pessoal gerente (os livros antigos parece que não existem), encontrei nomes muito notáveis, que vou aqui lançando ao acaso:

O célebre pintor francês Carolus Duran; o rei Kalakawa (Agosto de 1881) e tôda a sua comitiva; os embaixadores do Japão; o marquês de Guadalmina, castelhano; outro castelhano ilus- tre o marquês de Selva-Alegre; o inspirado e erudito músico espanhol D. Guido Remigio Bar- bieri; sua alteza a princesa imperial do Brasil, seu marido o senhor conde de Eu, e o seu séquito; o simpático e malogrado ministro do Brasil, Lopes Gama; o actual ministro o sr. barão de Carvalho

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Borges, antes de montar a sua legação às Chagas; o príncipe japonês T. Arisugawa, e sua comi- tiva; o conhecido financeiro conde de Camondo; lady Brassey; o príncipe japonês Prisdang (Maio de 1883); o príncipe chinês Tong King Sing (Se- tembro de 18o3); o príncipe de Oldemburgo e sua família (várias vezes nas suas idas para a Madeira); Kruger, ex-presidente da república do Transvaal (Abril de 1884); madame Judie, actriz francesa (Outubro de 1884); o ministro inglês M. Morier; sir Douglas Forsyth (Junho de 188õ); o príncipe de Hoenloe Oehringen (Novembro de 1885); lord Elphinston, mandado expressamente pela rainha de Inglaterra para assistir, em nome de S. M., aos funerais de el-Rei D. Fernando (Janeiro de 1886); o general Jacmart, que tinha igual missão por parte de S. M. o rei dos belgas; o actual ministro dos Estados Unidos da América Mr. I ewis e sua família; etc.l.

Mencionarei um dos ornamentos das letras americanas e portuguesas, monsenhor Joaquim Pinto de Campos, festejado autor de tantas obras de cunho, e a quem bastariam para brasão os Seus comentários ao Dante. O quarto n.° 26, no Segundo andar, é o ninho predilecto, há já muitos &nos, dêste ilustre prelado, com cuja amisade, já hereditária, me ufano.

Há finalmente outros hóspedes, com quem tive a honra de estreitar as mais afectuosas e cor-

1 Em 1897 esteve aí hospedado o rei de Sião, e a saa comitiva, que veia visitar o rei D. Carlos—Nota de A. V. S.

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deais relações. Falo do distinto diplomata ame- ricano Mr. Horatio Justus Perry, casado com a imortal poetisa castelhana D. Carolina Coronado Romero de Tejada, e sua filha D. Matilde Perry Coronado. Entraram no hotel estes ilustres via- jantes na tarde de 16 de Outubro de 1873.

Desde esta data, célebre nos anais da história literária da península, nunca mais a grande poe- tisa deixou Portugal, e aqui tem composto alguns dos seus mais admiráveis poemas. Ora na sua quinta histórica da Mitra, em Marvila, ora na sua vila encantadora de Paço d'Arcos, alterna essas estações campestres com a residência nos seus quartos do hotel de Bragança. Aqui recebe tôdas as noites alguns íntimos castelhanos e portugue- ses, ou diplomatas estranjeiros, que, atraídos pelo nome da ilustre poetisa, ali vão escutá-la, e ren- der-lhe o preito de amisade sincera.

Tendo a honra de fazer parte destas tertúlias tão agradáveis, e tão raras em Lisboa, folga o autor destas linhas de deixar estampado neste livro o seu reconhecimento às finezas de que tem sido alvo.

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O que aqui fica tão laboriosamente averiguado àcêrca do antigo palácio histórico dos duques de Bragança, e do hotel de Bragança, é ainda assim assaz sucinto. Podia ser ampliado com muitos e bons esclarecimentos tirados da inspecção minu- ciosa dos lugares, se me tivesse sido permitido

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percorrer à minha vontade os restos do paço ducal no Tesouro Velho, e obter algumas notícias que me faltavam. Infelizmente nada pude. Talvez fôssem indiscretos os meus desejos. Duas cartas que escrevi à pessoa competente ficaram sem res- posta. Seria extravio no correio; foi, decerto.

Prosseguirei pois como puder no meu exame dos outros palácios da freguesia.

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CAPÍTULO XII

Antigo' palácio de flartim Afonso de Soasa, defronte do mosteiro de S. Francisco.— Donde vinha /"lartim Afonso. — Nesse palácio habitoa cm 1578 o cardeal-Rei D. Hen- rique. — Em Janho de 1579 são para aí convocadas côrtes. — Por qae linha veia essa propriedade a caber no sécalo xvm aos condes do Vimieiro. —Estada o aator, e explica a maito casto, o sítio mais oa menos aproxi- mado do palácio. — A rua dos Cabides. — Relance de olhos oa rápida revista à nobre família do Vimieiro.

A hospedagem, a que me referi, então muito vulgar, dos soberanos e outros príncipes em casa dos súbditos, era um uso que hoje desdiz do que se costuma no nosso tempo. Nunca vi que el-Rei andasse em Lisboa a fazer estáu das casas do duque de Loulé, ou do duque de Palmela. Acei- te-se pois o que narrei como feição muito pa- triarcal de eras que já lá vão.

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Como falei da casa de Martim Afonso de Sousa1, a S. Francisco, onde em Agosto de 1578 se apresentou o cardeal D. Henrique, quero es- tudá-la. ^Sabe o leitor onde ficava? muito perto, por assim dizer defronte do convento velho de S. Francisco.

#

Averiguemos primeiro quem era o ilustre se- nhorio do palácio.

Um antigo Martim Afonso de Sousa, senhor de Mortágoa, casou com Violante Lopes de Tá- vora ; tiveram:

Pedro de Sousa, senhor do Prado; casou com D. Maria Pinheira; tiveram :

Lopo de Sousa, senhor do Prado, Pavia e Baltar; casou com D. Brites de Albuquerque; tiveram:

Martim Afonso de Sousa, senhor de Alcoentre, do conselho de el-Rei D. João III, e governador da índia, de quem tratei largamente noutro lugar Casou com D. Ana Pimentel, oriunda dos castelhanos condes de Benavente.

Basta. Êste Martim Afonso de Sousa, senhor de Alcoentre, andou fora do reino grande parte da sua vida; não admira pois que alugasse ou

emprestasse o seu palácio, onde acabamos de ver residindo o cardeal. Vários autores se referem a essa residência.

' Pág. 85 dêste íolame. 2 Lisboa Antiga, parte d, vol. vi, págs. 138 e segs.

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Tenho, por exemplo, aberta agora sôbre a minha mesa, e muito de propósito, a Chronica d'el-rei D. Sebastião, por frei Bernardo da Cruz onde leio:

Quando o senhor D. Antonio vein do captiveiro (depois da batalha de Alcácer Kibir) alegrando-se el-rei D. Henrique seu tio muito com sua vista, o mandou aposentar no mosteiro de S. Francisco, muito perto das casas de Martini Affunso de Sousa, em que elle poisava.

Passados meses, viu essa mesma casa a reíi- niâo solene das côrtes, convocadas pelo cardeal- -rei para se estatuir o que mais conviesse quanto à sucessão do reino, e retinidas pela primeira vez numa segunda-feira 1 de Junho de 1579

*

Èsse palácio justamente célebre pertencia no século xviii, em 1789, quando se publicava o tom. xi da Historia genealógica 3, à família dos condes do Vimieiro. O conde era então quinto

1 Cap. xcvl. 2 Frei Bernardo da Craz, Chron. d'el-rei D. Sebastião,

cap. cm. — Hist, pen.; Provas, tom. vi, pág. 178. 3 Lê-se, a pág. 177, qae essas casas são do conde de Vi-

mieiro, seu quinto neto, em cuja casa recaiu aquella (de fiartim ftfonso).

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neto, por linha feminina, do mencionado Martim Afonso. ^Quer o estudioso observar o como?

Pedro Lopes de Sousa, senhor de Alcoentre e Tagarro, alcaide-mor de Rio Maior, etc., foi filho do citado Martim Afonso e de D. Ana Pimentel. Casou com D. Ana da Guerra; tiveram filha:

D. Mariana de Sousa da Guerra; casou com D. Francisco de Faro, senhor do Vimieiro 1; tive- ram :

D. Sancho de Faro, senhor do Vimieiro, de Alcoentre, etc.; casou com D. Izabel de I.una e Cordova; tiveram:

D. Diogo de Faro e Sousa, senhor do Vimieiro, senhor de Alcoentre, etc.; casou com D. Francisca Maria de Mendoça; tiveram:

D. Sancho de Faro, senhor e conde do Vimieiro; casou com D. Tereza de Mendoça; tiveram:

D. Diogo de Faro, conde e senhor do Vimieiro, senhor de Alcoentre, etc.; casou com D. Maria Josefa de Menezes. Foi êste o aludido quinto neto de Martim Afonso de Sousa.

»

Tentarei agora estudar o sítio onde ficava ao tempo do terremoto o palácio Vimieiro.

É difícil, dificílimo, fazer perceber a topografia do fragmento lisbonense enquadrado hoje entre a rua de S. Francisco, a calçada de S. Francisco,

1 Hist, gen., tom. ix, págs. 638 e segs.

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a rua Nova do Almada e o Chiado. Tudo isso aí levou volta, e grande. Do meio (pouco mais ou menos) da calçada de S. Francisco saía para o norte uma rua, rua dos Cabides, que retalhava pelo meio o quarteirão. Quem observa atenta- mente, quem se debruça das trazeiras dalgumas dessas casas, percebe ainda, quando tenha na memória o plano antigo, o germen, o rudimento de algumas das extintas serventias, disfarçado em saguões, em pátios, em quintais, em passagens. Vejamos.

Ao descer a mencionada calçada de S. Fran- cisco, vê-se do lado esquerdo, no cunhal do enorme prédio que hoje é do sr. visconde de Coruche, e que para o largo da Biblioteca Pública tem os números 2, 3, 4 e 5, a antiga directriz da rua dos Cabides.

Efectivamente (segundo os antigos tombos da cidade) corria a calçada de S. Francisco pouco mais ou menos de poente para nascente, como hoje; tinha até uma volta que dava do norte para o sul, dezanove varas, quatro palmos e quatro décimos de palmo de comprido (21m,86), sôbre três varas e três palmos de largo (3ra,96); e a rua dos Cabides, começando no extremo inferior do Chiado, vinha em sentido quási oposto, na direc- ção norte-sul, pouco mais ou menos, encaminhan- do-se com a largura muito irregular de umas três varas (3m,30); e depois de um percurso de duzentas e treze varas (234™,3) aproximadamente, morria na dita calçada de S. Francisco. Esta tor- nejava então na direcção do norte para o sul, até

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à esquina de um grande palácio de vinte e seis varas (28m,6) de frente, que desenhava o lado me- ridional da dita calçada. Era aí o palácio Vimieiro, que firmava na sua penúltima porta o limite das duas freguesias, dos Mártires e de S. Julião *.

Não conheço vistas, nem indicações algumas, que me habilitem a formar idéia do que foi o pa- lácio Vimieiro; só sei que aí habitou, em tempo de el Rei D. João V, o núncio Monsenhor Firrao, eleito cardeal em 1731 J. Não me custa porém a admitir que esta casa, encostada à ribanceira íngreme do antigo monte Fragoso, e (segundo acima disse) muito perto do mosteiro de S. Fran- cisco da Cidade, campeasse no mesmo sítio (ou em sítio muito aproximado) onde hoje vemos o palácio do visconde de Coruche, actualmente (1886) e desde anos, legação da Alemanha, e que o foi já de Espanha e também do Brasil (imperial).

«

Como falei dos Vimieiros, direi dêles o que souber.

A casa de Vimieiro, cujo apelido é Faro, for- mava um dos ramos mais ilustres da de Bragança. Examinemos como:

1 H freguesia dos Mártires, diz frei Apolinário, chegava até h de S. Julião pela calçada de S. Francisco, até á pe- nultima porta da parle esquerda, por baixo do palacio dos condes do Vimieiro. Hem. Hist., pág. 419.

2 Dem. hist., pág. 443.

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O duque de Bragança D. Fernando i casou com D. Joana de Castro, filha de D. João de Castro, senhor do Cadaval; tiveram, entre outros filhos:

D. Afonso, a quem el-Rei D. Afonso V, em 22 de Maio de 1469, criou conde de Faro. Casou com D. Maria de Noronha, filha herdeira do conde de Odemira D. Sancho de Noronha, neto paterno de el Rei D. Henrique II de Castela, e de el-Rei D. Fernando de Portugal. Casou se- gunda vez, mas não importa isso agora. Do pri- meiro matrimónio teve vários filhos; entre êles, primogénito:

D. Sancho de Noronha, 3.° conde de Ode- mira e 2.° conde de Faro. Casou com D. Fran- cisca da Silva, filha de Diogo Gil Moniz e de D. Leonor da Silva; além de outros filhos tive- ram, primogénito:

D. Afonso de Noronha, que não chegou a suceder na casa de seu pai, por falecer ainda em vida dêle. Casou com D. Maria de Ataíde, se- nhora de Penacova, filha de Nuno Fernandes de Ataíde e de D. Joana de Faria; tiveram:

D. Sancho de Noronha; sucedeu na casa de seus avós, paterno e materno, foi 4.® conde de Odemira, em 1556, e mordomo-mor da rainha D. Catarina. Casou com D. Margarida de Vilhena, filha de João da Silva, conde de Portalegre, e de D. Maria Manuel de Vilhena. Tiveram, além de outros, como primogénito:

D. Afonso de Noronha, que foi 5.° conde de Odemira, em 1573. Casou três vezes; dos dois

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primeiros matrimónios não teve geração; do 3.° teve:

D. Sancho de Noronha, 6.° conde de Odemira, em 1580, reinando ainda o cardeal D. Henrique. Casou com D. Juliana da Silva e Lara, filha de D. Manuel de Menezes, duque de Vila Real, e da duquesa D. Brites da Silva; tiveram filha:

D. Maria Madalena de Noronha, que faleceu menina.

#

Aí interrompeu-se a linha, que vamos reatar no filho segundogénito de D. Sancho de Noro- nha, 4.° conde de Odemira, por nome:

D. Manuel de Noronha; êste não casou, pas- sando a representação a

D. João de Faro, filho do 3.° conde de Ode- mira, D. Sancho de Noronha, e de sua segunda mulher a condessa D. Ana Fabra, aia da impe- ratriz D. Isabel, filha de Gaspar Fabro, fidalgo valenciano, e de D. Isabel de Lentellas e Villa- ragun. Viveu êste D. João em dias de el Rei D- João III; casou com D. Isabel Freire, filha de Manuel Freire de Andrada e de D. Grimaneza de Melo; tiveram filho:

JoAo de Faro; casou com D. Margarida de Noronha, filha de D. João de Almeida e de D* Luíza de Orneias; e tiveram:

D. Luíza de Faro, que herdou a casa e casou com D. Jerónimo Coutinho, presidente do desem- bargo do paço.

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130 LISBOA ANTIGA

Interrompe-se outra vez nesta D. Luíza a linha genealógica, e temos de remontar-nos ao se- guinte filho do supracitado 3.° conde de Ode- mira D. Sancho, por nome:

D. Fradique de Faro, que foi senhor de avul- tados bens fora de Portugal, e cujas alianças não importam aqui.

*

Cortada a seqílência, vamos procurar agora o 2.° filho do 1.° conde de Faro D. Afonso, por nome:

D. Francisco de Faro. Andava fugido em Castela com receio das crueldades com que el-Rei D. João II lhe perseguia a casa; foi restituído ao reino e ao gôzo dos seus haveres por el-Rei D. Manuel. Casou com D. Leonor Manuel, filha de D. Diogo Manuel, senhor de Cheles, e de D. Brites da Silva; tiveram:

D. Maria Manuel, mulher de Diogo de Melo de Figueiredo; depois de viúva foi camareira da infanta D. Isabel, mulher do infante D. Duarte.

*

Torna-se a quebrar a linha, e vamos ligá-la de novo em:

D. Fernando de Faro, filho 5.° do mencio- nado 1.® conde de Faro, D. Afonso. Foi senhor do Vimieiro, vila que el-Rei D. Afonso V tinha

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doado ao 1.° conde de Odemira, D. Sancho, avô do dito D. Fernando. Casou com D. Isabel de Melo, filha de Gomes de Figueiredo, provedor de Évora, e de D. Leonor de Melo; e tiveram, além de outros filhos:

D. Francisco de Faro. Sucedeu em 1555 na casa e senhorios de seu pai; casou com D. Mécia Henriques (ou de Albuquerque), dama da rainha H. Catarina, e filha de Jorge de Albuquerque e de D. Ana Henriques; e dêste primeiro matri- mónio (pois casou mais vezes) teve, além de um primogénito que morreu novo na batalha de Al- cácer, e de outros filhos:

D. Fernando de Faro, segundogénito. Casou com D. Joana de Gusmão, filha de Álvaro de Carvalho, capitão de Alcácer, e de D. Maria de Gusmão, e morrendo em África, passou a casa Para seu irmão D. Francisco, tendo contudo deixado um filho legitimo, primogénito e her- deiro, que, julgando-se esbulhado dos seus di- reitos, teve largo pleito com seu tio sôbre a posse da casa de Vimieiro, a qual recaiu, como disse, em:

D. Francisco de Faro, irmão dèsse D. Fer- nando, e 5.° filho do supramencionado D. Fran- cisco. Foi 3.° senhor do Vimieiro, por confirma- ção do rei Felipe I em 1588, e recebeu em 1614, do rei Felipe II, o título de conde da mesma v'la. Casou com D. Mariana da Guerra, filha de Pedro Lopes de Sousa, senhor de Alcoentre, e de D. Ana da Guerra. Faleceu em Madrid em 1638.

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Tiveram: D. Fernando de Faro, com quem se continua; D. Sancho de Faro, com quem logo se conti-

nuará; e outros filhos. D. Fernando de Faro, primogénito de D. Fran-

cisco de Faro. Sucedeu na casa de seu pai; foi 2.° conde do Vimieiro. Casou com D. Teresa Antónia de Mendoça, filha de Jerónimo Furtado de Mendoça, 6.® marquês de Canete, e de sua mulher a marquesa D. Maria de Cárdenas. Tive- ram um filho que morreu menino, passando a casa para o seguinte irmão de D. Fernando:

D. Sancho de Faro, segundo filho de D. Fran- cisco de Faro. Serviu em Flandres, e lá casou com D. Isabel de Luna, filha de Afonso de Luna e Cárcome, governador de Antuérpia, e de D. Ida Sepogne, filha de Pedro Sepogne e de Maria Mompleichen. Serviu D. Sancho nas armadas de guarda-costa, com D. Fradique de Toledo, e no Brasil. Foi cavaleiro de Calatrava, e capitão de cavalos. Teve, além de uma filha:

D. Diogo de Faro, 3.° conde do Vimieiro por direito, mas náo obteve a concessão da mercê, veador da rainha D. Maria Sofia, mulher de el- -Rei D. Pedro II, coronel de ordenanças. Esteve muito tempo preso por umas desavenças com um corregedor. Casou com D. Francisca de Noro- nha, filha do secretário das mercês Gaspar de Faria Severim, e de D. Maria de Noronha. Teve além de vários filhos:

D. Sancho de Faro e Sousa; foi 3.® conde do Vimieiro por mercê de el-Rei D. João V, gover-

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LISBOA ANTIGA 133

nador de Mazagão, general de artilharia, etc. Casou com D. Teresa de Mendoça, filha dos 4.0S

condes da Atalaia, e teve, além de outros filhos, o primogénito:

D. Diogo de Faro e Sousa, 4.° conde do Vi- mieiro, etc. Casou com D. Maria Josefa de Mene- ses, filha dos senhores da casa de Valada. Tive- ram, além de outros:

D. Sancho de Faro e Sousa, com quem se con- tinua ;

D. Diogo de Faro, que morreu moço; e D. João de Faro, com quem logo se conti-

nuará. D. Sancho de Faro e Sousa, 5.° conde do

Vimieiro, etc. Casou com D. Teresa de Melo Breiner, filha dos 3.0S senhores de Ficalho. Morreu sem geração, passando o título para seu irmão.

D. João de Faro e Sousa, 6.° e último conde do Vimieiro, 12.° senhor desta vila e 11.° de Al- coentre, etc., falecido em 1801, tendo casado com

Joana Eulália Freire de Andrada, filha dos 2.0S condes de Bobadela.

For morte dêste último conde do Vimieiro, passaram os morgados da casa de Alcoen- tre para a 3.a condessa de Lumiares, como 4.a

neta de Luiz Carneiro, 1.° conde da ilha do Príncipe, e da condessa D. Mariana de Faro, neta dos l.0s condes do Vimieiro; porém o mor- gado da casa do Vimieiro passou ao 1." conde

Barbacena, bisneto do 2.° conde da ilha do Príncipe.

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Por morte do 2.° e último conde de Barbacena, em 1854, voltou o morgado a procurar a linha da casa de Lumiares, mas não foi para o senhor da casa, e sim para seu tio Francisco da Cunha, parente em grau mais próximo.

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CAPÍTULO XIII

Estuda-se agora o actaal palácio do sr. Mendes Monteiroi, no Ferragial, antiga residência dos condes da Ribeira. — Menciona-se de relance am visinho ilastredo palácio, 0 padre António Vieira, ainda menino. — Vistas antigas do prédio.— Em 1755 pertencia êle à casa real. —Medi- ções. — Averiguações genealógicas àcêrca da origem e ilastraçfio da casa dos Câmaras, condes de Vila Franca, e depois condes e marqueses da Ribeira Grande.

Eram, como temos visto, muito povoadas de casas aristocráticas estas eminências do barrocal empinado sôbre o nosso Pelourinho e sôbre as fragoas da porta da Oura e de Cataquefarás.

No sítio exactíssimo onde se levanta o pálacio que é agora do sr. Mendes Monteiro, e que foi

1 O palácio pertence actualmente (1937) ao sr. dr. Pedro Angusto de Melo de Carvalho Monteiro. Fica assim corri- flida a nossa informação constante da nota de pág. 31 do ®ol. ih da Lisboa Antiga, Bairros Orientais, 2.* ed. — No mesmo palácio vivea como inquilina a marqaesa de Goa-

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do falecido negociante Tomaz Maria Bessone, restaurado e amodernado segundo os riscos do nosso chorado cenógrafo e arquitecto José Cinati, na rua do Ferragial de Cima, n.° 1, era a resi- dência nobre dos antigos condes de Vila Franca *, depois condes da Ribeira, residência designada por The Conde da Ribera's House, na vista in- glêsa de Lisboa, por Lemprière. Pela banda de trás deitava sôbre um pequeno jardim, e domi- nava o mar; a fachada da frente caía sôbre a rua de Nossa Senhora dos Mártires (predecessora da actual rua do Ferragial de Cima2), mesmo defronte do templo velho dos Mártires, e fazia esquina para a célebre rua da Barroca (onde foi o ermitério do famigerado frei Joào, em dias do mestre de Aviz 3). A bôca dessa rua da Barroca, viela íngreme, ainda lá está. É o saguão, ou pátio, *

ceia, e nalguns compartimentos estava entSo e está ainda, a sede da Companhia de Caminhos de Ferro da Beira Aita. Actualmente também aí se acha instalada a Federação Na- cional da Alegria no Trabalho, e a casa de produtos farma- cêuticos de Lepori, L.d\ — Nota de A. V. S.

1 No seu palácio gastou o conde de Vila Franca, D. Ro- drigo, antes de 1651, em bemfeitorias, para cima de cinqflenta mil cruzados (quarenta e seis contos da nossa moeda actualmente, 1886). — Em 1594 aí nasceu o 3." conde D. Rodrigo da Câmara, filho do 2.° conde D. Hanuel da Câmara e de D. Leonor de Vilhena. O Conde de Vita Franca e a Inquisição, por A. Braancamp Freire, pag. 13.

2 Actual men te Rua Vitor Cordon. —Nota de A. V. S. 3 Vide Lisboa Antiga, parte i, O Bairro Alto, 1.* edi-

çáo (1879), págs. 29 e segs.

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ou como melhor nome haja, que divide o canto ocidental do palácio do sr. Mendes Monteiro do prédio seguinte.

Èste último é o vasto prédio de três andares, sôbre-loja e água-furtada, onde é agora (1886) o consulado de França, e onde faleceu em 17 de Janeiro de 1881 o bondoso e benemérito conse- lheiro Emílio Aquiles Monteverde, secretário geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Também aqui algures, junto do palácio Vila Franca, habitou pelos anos de 1613, com sua mãi, um menino ainda entào obscuro, que veiu a ser luzeiro das nossas letras, e se chamou o padre António Vieira '.

*

Neste palácio figurou entre os hóspedes nobres mais distintos o marquês de Capecelatro, embai- xador extraordinário do rei de Espanha Felipe V junto da côrte de Lisboa, que chegou aqui em 8 de Abril de 1716, indo alojar-se no palácio do conde da Ribeira Grande 2.

Aquele fidalgo celebrou no palácio, com lumi- nárias, fogos artificiais e ajustes de rabecas, oboás e clarins, nas noites de 13, 14 e 16 de Outubro

1 Dea-me esta notícia em 4 de Rgosto de 1883 o mea omi90 José de Soasa Aonteiro.qae a encontroa nama carta do mesmo Jesuíta.

2 Gazeta de Lisboa, n." 14 e 15, de 4 e 11 de Abril de 1716.

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de 1721, o casamento ajustado da infanta de Es- panha D. Mariana Vitória, com o príncipe, depois rei, D. José, filho de D. João V, tendo terminado a festividade com uma serenata pastoril na língua italiana 4.

Algum tempo depois o mesmo marquês feste- jou com luminárias, fogos artificiais e harmonio- sos ajustes de vários instrumentes, em três noites, sendo a última em 18 de Dezembro de 1721, o ajuste do casamento do príncipe das Astúrias, depois Fernando VI, rei de Espanha, com a prin- cesa D. Maria Bárbara, filha de D. Joào V. Na última serenata representou-se uma zarzuela mu- sicada, intitulada Las nuevas armas de amor, e a ela assistiram todos os ministros estranjeiros, grande número de nobreza, e distribuindo-se ge- nerosamente por tôdas as pessoas que ali con- correram, doces, frutas geladas, e várias bebidas em muita abundância 2.

Ainda outras festas deu o mesmo titular no seu palácio, por exemplo, em 25 de Agosto de 1723 3, para celebrar o nome e aniversário do príncipe das Astúrias.

*

0 aspecto geral do palácio do sr. Mendes Mon- teiro (palácio em cujo primeiro andar habita

1 Gazeta de Lisboa, n.° 42, de 16 de Outubro de 1721. 2 Idem, n.° 52, de 25 de Dezembro de 1721. 3 Idem, n.° 35, de 2 de Setembro de 1723.

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agora, 1886, e desde Outubro de 1882, o meu amigo o sr. barão de Almeida Santos, par do reino, e no segundo um súbdito inglês, o sr. vis- conde de Airey) conserva-se até certo ponto pa- recido com o que era há quási duzentos anos. É certo. Quem duvidar pode comparar o todo do prédio, visto do Tejo, com o mesmo prédio mi- nuciosamente pintado na grande vista a óleo exis- tente na Academia, e executada em princípios do século xvii por Simào Gomes dos Reis *.

Media de frente trinta e nove varas, um palmo e três décimos; o que é proximamente igual aos 43m, 15 qUe hoje se contam na referida frontaria sôbre o Ferragial.

Ao tempo do terremoto grande, a meio do sé- culo xviii, esta casa tinha já perdido os seus an- tigos donos; vejo-a designada no tombo da cidade como casas nobres de sua magestade que foram do conde da Ribeira. Vê-se pois que as comprara a casa real. Comunicavam, por alguma escadaria etn andares, com o quarto novo do paço da Ri- beira, que lhe ficava num plano muito inferior.

Diz claramente frei Apolinário da Conceição que em 1760 2 se via o antigo paço dos condes da Ribeira transformado em paço real, tendo ainda então nas quatro esquinas as armas dos

1 (Ima cópia do palácio, feita pelo aator, está reproda- 2'da em pág. 89 do presente livro. — Rola de A. V. S.

2 fiem, hist., pág. 440.

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Câmaras; e acrescenta que ouvira terem-se gasto no alicerce dêste nobre casarão, isto é, no muro que, para o segurar, se lhe fizera desde a rua da Tanoaria até à eminência em que assentava, para cima de cem mil cruzados 4.

A mesma mudança de dono sucedera ao palá- cio dos Costas, armeiros-mores, sôbre a antiga porta da Oura, lá em baixo, ao rez das águas; pertencia já também no meio do século xvm à casa real, para alojamento de servidores ®, etc. Noutro volume estudaremos essa porta e êsse sítio.

*

Para concluir, deixarei aqui uns ligeiros dados àcêrca da família dos Câmaras, condes de Vila Franca e da Ribeira, e marqueses da Ribeira.

De João Gonçalves Zarco, o célebre ma- reante, cavaleiro da casa do infante de Sagres, se deduz esta linha genealógica. De origem mis- teriosa e legendária, como quási todos os nossos cabeças de linhagem, brilha êste cabo de guerra entre os valorosos aventureiros, a cuja voz os nossos galeões devassavam os arcanos do Mar Tenebroso. É desconhecida a sua ascendência;

1 R êste mesmo palácio, como sendo real já em 1746, alade o dito aator a pág. 258 da saa obra.

2 Dem. /list., pág. 440.

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dâo-no alguns como sobrinho, ou apenas parente, de João Afonso, vedor da fazenda de el-Rei D. João I, e de Fernão Afonso, moço da guarda- -roupa do mesmo senhor. Quer João de Barros que Zarco fôsse alcunha explicam-na uns como provinda de certo moiro que João Gonçalves matou; outros como originada de defeito de olhos tortos. Frei Francisco Brandão quer que fôsse apelido, e diz que havia muita gente com êle. Tem razão.

Dedicado ao serviço do incansável infante D. Henrique, descobriu a ilha da Madeira, de cuja capitania lhe fez o mesmo príncipe doação, assim como do Ilheo Bravo. Começou em 1420 a povoar a Madeira. Foi armado cavaleiro em Cêuta. Tomou o apelido de Câmara por causa de um lugarejo junto ao Funchal, chamado Câmara de Cobos, e obteve mercê de brasão de armas, que lhe deu o senhor D. Afonso V em 1460; a saber: cm campo negro uma torre de prata com ameias, e curocheo rematado em cru\ de oiro; rompendo contra a torre dois lábos de sua côr; por timbre dm dos lóbos.

Casou com Constança Rodrigues de Sá, filha de Rodrigo Anes de Sá e de Mécia Rodrigues

1 Já nos antigos livros das Chancellarias reais se en- contram vários indivídaos com o apelido de Zarco; por exemplo, Domingos Zarco e Pedro Zarco, in Chancel/aria de d. Affonso III, liv. m, fl. 18, e liv, 2.° de direitos reaes,

87, etc.

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do Avelar; e teve, além do primogénito, donde saiu a linha dos condes da Calheta (hoje a casa de Castelo-Melhor), e de outros filhos, o segun- dogénito:

Rui Gonçalves da Câmara. Foi capitão da ilha de S. Miguel, tendo comprado essa capitania a João Soares de Albergaria em 1474. Casou com D. Maria de Bettencourt; não teve geração legí- tima; continuou porém a sua linha por via de vários filhos havidos fora do matrimónio, sendo dêles o primogénito:

João Rodrigues da Câmara. Foi senhor da casa e capitania de seu pai; casou com D. Inês de Melo, filha de Rui Dias Pereira de Lacerda e de D. Branca de Melo. Tiveram filho:

Rui Gonçalves da Câmara, que sucedeu na casa e na capitania, e casou com D. Felipa Coutinho, filha de Rui Lopes Coutinho e de D. Joana Couti- nho. Dêstes foi filho:

Manuel da Câmara, 4.° capitão da ilha de S. Mi- guel. Casou com D. Mariana de Mendoça, filha de Jorge de Melo e de D. Margarida de Men- doça. Teve filho:

Rui Gonçalves da Câmara, que obteve o título de 1.° conde de Vila Franca do Campo, na sua ilha de S. Miguel, por mercê de Felipe II. Casou com D. Joana de Blasvel, filha de D. Francisco Coutinho e de D. Maria de Gusmão; e teve, além de outros filhos:

D. Manuel da Câmara, 2.° conde de Vila Franca do Campo. Casou com D. Leonor Henriques de Toledo, filha de D. Fradique Henriques de To-

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ledo e de D. Guiomar de Vilhena; e teve, além de outros:

D- Rodrigo da Câmara, 3.° conde de Vila branca do Campo, e, como seus avós, capitão de S. Miguel. Casou com D. Maria de Faro, filha de D. Francisco de Faro e de D. Mariana da Guerra; e depois de ter tido uma filha que morreu me- nina, casou segunda vez com D. Maria Coutinho, dama do paço, filha de D. Francisco da Gama, conde da Vidigueira, e de sua segunda mulher D. Leonor Coutinho. Por sua morte foi trocado ° seu título hereditário no de conde da Ribeira Grande, na mesma ilha; teve, além de outros filhos, o primogénito:

D. Manuel da Câmara, que sucedeu na capita- nia, e foi o 1.° conde da Ribeira Grande. Casou com D. Mécia de Vilhena, filha de Diogo Lopes de Sousa e de D. Leonor de Mendoça; e teve, além de uma filha, o primogénito:

D- José Rodrigo da Câmara, que sucedeu nos cargos da casa, foi governador de S. Miguel e da Tôrre de Belém, e 2.° conde da Ribeira. Casou com D. Constança Emília de Rohan, filha de Fran- cisco de Rohan, príncipe de Soubise, conde de Roquefort em França, e da princesa Ana Chabot, sua segunda mulher. Faleceu êste 2.° conde em 17 de Março de 1724. Teve, além de outros filhos:

D. Luiz Manuel da Câmara, nasceu em 18 de Janeiro de 1685, 3.° conde da Ribeira. Militou, e R>i Mestre de Campo General, e embaixador a

rança. Casou com D. Leonor Teresa Maria de •Ataíde, filha de D. Jerónimo de Ataíde, conde da

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Atouguia, e de sua mulher a condessa D. Ma- riana de Távora. Faleceu com trinta e oito anos, domingo 3 de Outubro de 1723, com geral senti- mento. Foi sepultado no jazigo da sua casa, no convento de S. Francisco da Cidade. Teve, além de vários filhos, o primogénito:

D. José da Câmara, 4.° conde da Ribeira, e sucessor na casa paterna em 1725. Tendo casado com D. Margarida Francisca de Lorena, filha do 2.° conde de Alvor, faleceu deixando uma filha, D. Joana Tomásia da Câmara. Passou a casa para o irmão dêste 4.° conde, que era

D. Guido Augusto da Câmara e Ataíde, 5.® conde da Ribeira em 1748. Casou com sua so- brinha D. Joana Tomásia da Câmara. Morreu em 1770 no forte da Junqueira, por ter sido preso pela prepotência do marquês de Pombal, depois do atentado contra el-Rei D. José. Teve de sua mulher, entre outros filhos:

D. Luiz António José Maria da Câmara, 6.° conde da Ribeira. Casou com D. Margarida Rita da Cunha, filha dos condes de S. Vicente; e fa- lecendo esta senhora sem filhos, casou o conde D. Luiz outra vez com D. Maria Rita de Almeida, filha dos marqueses de Alorna. Tiveram, entre outros, primogénito:

D. José Maria António Gonçalves Zarco da Câmara, com quem se continua.

Casou o conde D. Luiz 3.a vez com D. Francisca Teles da Silva, filha dos marqueses de Penalva.

D. José Maria António Gonçalves Zarco da Câmara, 7.° conde da Ribeira. Serviu na guerra

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peninsular. Morreu em 1820, tendo casado em primeiras núpcias com D. Maria de Vasconcelos, filha dos marqueses de Castelo Melhor, e em se- gundas com D. Mariana de Almeida, filha dos marqueses de Lavradio, de quem teve, além de uma filha, o primogénito:

D. Francisco de Salles Maria José António ue Paula Vicente Gonçalves Zarco da Câmara, 1.° marquês da Ribeira, par do reino, etc, fale- cido em 1872. Casou com D. Ana da Piedade Brigida Senhorinha Francisca Máxima Gonzaga de Bragança de Melo e Ligne de Sousa Tavares

Mascarenhas da Silva, filha dos 4.0S duques de l afões. Tiveram, além de outros filhos:

D. José Maria Gonçalves Zarco da Câmara, nascido em 3 de Novembro de 1843, 9.° conde da Ribeira, par do reino. Casou em primeiras núpcias com D. Luíza Maria de Sousa Holstein, filha dos 2.05 duques de Palmela. Tiveram uma filha que morreu à nascença. Casou o sr. conde segunda vez com a actual condessa, D. Maria Melena de Castro e Lemos, da casa do Côvo.

Com geração.

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CAPÍTULO XIV

Continaa-se o exame dos palácios da fregaesia. — Palácio dos viscondes de Barbacena. — Quadro da família dêsses titalares. — Palácio dos condes da Rtongaia. — Qaadro da família Ataíde. — Palácio de D. José da Silva Pessa- nha. — Qnem eram êstes Pessanhas. — Palácio de Pedro Alvares Cabral de Lacerda. — Qnem era a saa família. — Relance de olhos à raa dos Cobertos.

De outros palácios da freguesia, referidos no capítulo v dêste livro, vamos tratar agora, dei- xando por ora o dos Córtes-Reais (ou da Côrte- -Real) que há de ter a sua crónica minuciosíssima num outro volume.

O palácio dos viscondes de Barbacena era na esquina da antiga calçadinha de S. h rancisco, acima mencionada, e da antiga calçadinha do Te- jolo, que era uma que descia da rua dos Cabides para a antiga rua Nova do Almada, e que pri-

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meiro se chamara o Canal de Fraudes *, segundo diz frei Apolinário da Conceição2. Com a cal- Çadinha do Tejolo partia o palácio pelo norte; com a calçadinha de S. Francisco pelo sul, e tinha a sua frente principal para a rua dos Cabides. Media de frente cinqílenta e oito varas (64m), e de fundo vinte e sete ('29™,7), fazendo o cunhal

esquerdo um ângulo maior que recto com a frente; compreendia-se na medição um mesqui- nho jardim para o lado do sul, e pertencia ao palácio um largo ou terreno fronteiro.

Havia neste palácio uma tribuna para a igreja dos religiosos agostinhos descalços, do con- vento da Boa Hora 3.

Parece me impossível marcar hoje o sítio exacto da antiga área ocupada pelo palacio.

Unido à rocha em que êle assentava, ficava o convento de Nossa Senhora da Boa Hora, de eremitas de Santo Agostinho. Eram seus pa- droeiros os viscondes de Barbacena. Primeiro tinha sido ai o pátio das comédias; depois edifi- cou-se o convento dos dominicos irlandeses; de- pois aí estiveram os padres da Congregação do Uratório, que cederam o lugar aos mencionados eremitas 4. Hoje é isso tudo, depois da reedifica- do, o horroroso edifício do tribunal da Boa Hora e suas dependências.

1 Vidè Lisboa Antiga, parte u, tom. i, pág. 273. 2 hist., pág. 441.

Tombo da cidade; Bairro do Remolares, fl. 199 o. 4 Deni. hist., págs. 441 e 442.

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Eram os viscondes de Barbacena Castros do Rio; família que brotou no reinado de el-Rei D. Sebastião, e que em breve, graças à protec- ção da rainha a senhora D. Catarina, e aos avul- tadíssimos cabedais de que dispunha o morgado, subiu à maior ilustração, já por serviços pró- prios, já por alianças.

O mais antigo que topamos é: Antão Vaz de Castro (ou de Crasto), homem

sem ascendência notória, mas que nas suas mer- câncias acumulara grande casa. Teve por filhos:

Diogo de Castro, e Lui{ de Castro, que viveram à lei da nobreza,

misturados já com a primeira sociedade, e ambos nobilitados com o fôro de fidalgos da casa real, e com a cruz de cavaleiros de Cristo.

Diogo de Castro do Rio, o primogénito, teve por solar a quinta do Rio, em Sacavém, junto a Lisboa, com o seguinte brasão de armas, conce- dido em 15 de Julho de 1561: em campo de prata duas faxas de água ondadas, entre nove arruelas de vermelho; timbre: meio cavalo marinho cór de castanha, saindo de uma onda. Foi Diogo de Castro senhor de Barbacena. Génio bizarro como se vê que era, fez o seguinte:

Para despesas urgentes no cêrco de Mazagão pediu-lhe a rainha emprestados cinquenta mil cru- zados; soma importantíssima para então; ao que êle respondeu que serviria a rainha com a quantia de que pudesse dispor. Não tardou em voltar ao

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paço, levando cem mil cruzados, que ofereceu, e prometeu também custear Mazagão do seu bol- sinho, mandando sem demora aparelhar uma porção de caravelas.

Pelo testamento do senhor D. Duarte, filho do infante D. Duarte, se vé que Diogo de Castro emprestara ao mesmo senhor D. Duarte cinco mil e quinhentos cruzados '.

Com tantas bizarrias não desfalcou o seu cofre, e ao morrer deixou consolidada a casa, na pessoa do herdeiro.

Casou Diogo com Brites Vaz, filha de Duarte Tristão, e teve, além de outros filhos e filhas, que já fizeram brilhantes alianças:

Martim de Castro do Rio, administrador do opulento vínculo instituído nêle por seu pai; 2.° senhor de Barbacena, porque o senhor dessa terra, D. Jorge Henriques, reposteiro-mor de el-Rei D. João III, faleceu sem filhos, revertendo o se- nhorio para a Coroa Casou com D. Margarida de Mendoça, filha de Jorge Furtado de Mendoça e de D. Maria Henriques; e teve, além de outros:

Litii de Castro do Rio, com quem se continua, e Jorge Furtado de Mendoça, com quem logo se

continuará. Luiz de Castro do Rio. Sucedeu na casa e

morgado de seu pai, e foi 3.° senhor de Barba- cena. Casou primeira vez, sem geração. Casou segunda vez com D. Maria Teles, filha de D. An-

1 Hist. Qen.; Provas, tom. n, pág. 634. 2 Vocabulário de Blateaa, oerb. Barbacena.

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tónio Luiz de Menezes, marquês de Marialva. Sem geração. Sucedeu a Luiz, seu irmão

Jorge Furtado de Mendoça, cavaleiro da ordem de Cristo, 4.® senhor de Barbacena. Casou com D. Maria de Menezes, sua prima, e teve:

Afonso Furtado de Mendoça, alcaide-mor da Covilhã, governador da Baia, governador das armas da Beira, e 1.® visconde de Barbacena. Casou com D. Maria de Távora, filha de João Furtado de Mendoça e de sua 2.a mulher D. Mar- garida de Távora; e teve:

Jorge Furtado de Mendoça, alcaide-mor da Covilhã, 2.® visconde de Barbacena, etc. Serviu nas guerras da aclamação. Casou em Alemanha com D. Ana Luíza de Hoenloe, filha de 1 uiz Gustavo, conde de Hoenloe, gentilhomem da câmara do imperador Leopoldo, etc., e de sua mulher Ana Bárbara de Schoenhorn. Tiveram:

Afonso Xavier Furtado de Mendoça, com quem se continua; e

Lui\ Xavier Furtado de Mendoça, com quem logo se continuará.

Afonso Xavier Furtado de Mendoça. Nasceu em Penamacor a 28 de Novembro de 1690; serviu com valor na guerra da I iga, e chegou a sar- gento-mor de batalha; foi senhor e 3.® visconde de Barbacena. Não sei os motivos que o obriga- ram a desamparar as mundanidades, e fazer-se frade no convento de S. Bento de Tibàes, em 13 de Maio de 1713, com o nome de frei Afonso dos Prazeres, passando depois a frade do Vara- tojo, em 13 de Março de 1727. Foi bom e incan-

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sável missionário, e até escritor mencionado por Barbosa Machado. Vivia ainda em 1749 quando Manço de Lima escrevia a sua Genealogia. Indo eu uma vez ao Varatojo visitar aqueles excelen- tes padres, lá vi o retrato do visconde de Barba- cena numa sala do mosteiro.

Luiz Xavier Furtado de Mendoça, filho se- gundo do supramencionado Jorge Furtado. Pela renúncia que fez seu irmào Afonso ao tomar o hábito benedictino, sucedeu na casa de seus avós, e foi 4." visconde de Barbacena, senhor da mesma vila, comendador de Santa Eulália, etc., na ordem de Cristo, e governador de Évora. Casou com D. Inês de Noronha, filha de Fran- cisco Carneiro, 2.° conde da ilha do Príncipe, e da condessa D. Eufrásia de Lima e Noronha. Ti- veram, entre outros filhos:

FranciscoVicente Xavier Furtado de Castro do Rio e Mendoça, 5.° visconde e 9.° senhor de Barbacena, etc., tenente general. Casou com D. Maria Antónia Gertrudes de Mendoça, filha dos 4.08 condes de Val-de-Reis. Tiveram, entre outros, a:

Luiz António Furtado de Casiro do Rio de Mendoça e Faro, 1.° conde de Barbacena, 6.° vis- conde e 10." senhor da mesma vila, 13." senhor do Vimieiro, senhorio êste em que sucedeu em 1801 ao 5.° e último conde do Vimieiro. Foi doutor em filosofia, lente substituto de várias cadeiras na Universidade de Coimbra, secretário da Aca- demia Real das Ciências de Lisboa, governador de Minas Gerais, par do reino em 1826; faleceu

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em 1830. Casou com D. Ana Rosa José de Melo, filha dos l.os marqueses de Sabugosa, e tiveram, além de outros filhos, primogénito:

Francisco Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, 2." conde, 7." visconde, e 11.° senhor de Barbacena, 14.° senhor do Vimieiro, etc., ministro dos Estranjeiros em 1821, e da Guerra em 1825, marechal de campo, etc. Nasceu em 1780, e faleceu em 1854, tendo casado com a condessa D. Maria das Dores José de Melo, sua tia, meia irmà de sua mài, filha do segundo casa- mento do 1.° marquês de Sabugosa.

Por morte dêste último conde de Barbacena passaram os morgados da casa do Vimieiro para um filho segundo da casa de Lumiares, e os da de Barbacena para uns fidalgos da ilha, de um ramo muito afastado.

Ficava o palácio dos condes da Atouguia na parte ocidental da rua dos Cabides, e na oriental da chamada da Boa Viagem, com vinte varas de frente (22m) e catorze de fundo (15m,4). Possuía um passadiço para o outro prédio da mesma fa- mília, sito na rua chamada (talvez por isso) do Arco de D. Francisco, esquina para a rua do Chiado. Partia pelo norte com as casas dos padres do Espírito Santo, e pelo sul com pro- priedade do marquês de Távora *.

1 Tombo da cidade e Dern. Hist., pág. 443.

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LISBOA ANTIGA 153

Os condes da Atouguia eram Ataídes; raça velha, cuja origem sobe alto, e cujo apelido provém da tôrre e quinta de Ataíde, concelho de Amarante, distrito do Pôrto, entre Arrifana de Sousa e Canavezes.

0 mais antigo que usou o apelido foi: Martim Gonçalves de Ataíde, terceiro neto

de um D. Egas, que é o seu mais remoto avoengo mencionado no Livro Velho das linhagens. É Martim Gonçalves bisavô de Álvaro Gonçalves de Ataíde, em quem dá princípio a linha dos condes da Atouguia.

Dêsse Martim Gonçalves de Ataíde, fdalgo de boa casa e illuslre ascendência, diz o meu amigo Anselmo Braamcamp Freire no seu estudo erudi- tíssimo sôbre os brasões da sala de Cintra, ar- tigo Ataíde l.

Sobre a origem remota de sua família ha opi- niões encontradas, e nenhuma (a di^er a verdade) fundada em base segura. Consta comtudo pelas Inquirições das honras e devaços da era de i328 (A. D. 1290), que seu bisavó Gonçalo Viegas pos- suíra entre outros bens a quinta do Pinheiro na freguesia de S. Pedro de Ataíde, julgado de Santa Crui de Riba-Tamega, no actual concelho de Ama- rante. Provou-se que esta quinta havia já sido de seus antepassados, e que era honrada, e que, além delia, possuíam em «honra» toda a freguesia. Por aqut se vê — conclui o estudioso genealogista —

Iue a família era já antiga, e que foi esta fregue-

1 Diário Ulustrado, de 22 de Dezembro de 1884.

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154 LISBOA ANTIGA

\ia, de S. Pedro de Alaíde, honra possuída pelos seus progenitores, que deu o appellido á linha- gem.

Cresceu em valimento a casa dos Ataídes, até merecer, meiado do século xv, a dignidade altís- sima do título de conde.

Foi o primeiro conde da Atouguia, desde 1448, Álvaro Gonçalves de Ataíde, filho de D. Martim Gonçalves de Ataíde. Serviu como conselheiro de el-Rei D Joào I, como governa- dor da casa do infante D. Pedro, e depois como aio de el-Rei D. Afonso V, que lhe deu a coroa de conde '. Foi nosso embaixador ao concilio de Constância, e ao rei de França I.uiz XI, e fez romaria à Terra Santa. Casou com D. Guiomar de Castro, filha de D. Pedro de Castro, senhor do Cadaval. Teve, além de outros filhos:

D. Martinho de Ataíde, primogénito; foi 2.° conde da Atouguia, mordomo-mor do infante D. Fernando irmão de el-Rei D. Afonso V, do conselho dêste soberano, capitão-mor dos reinos de Portugal e Algarve, e alcaide-mor de Coim- bra, por carta de 1452. Acompanhou a Castela a infanta D. Joana, filha de el-Rei D. Duarte, que ia lá casar com o rei D. Henrique 2. Casou duas

1 A Atouguia foi doada com tôdas as soas jurisdições, em 17 de Dezembro de 1448, por carta de el-Rei D. Afonso V, a Alvaro Gonçalves da Atongnia, que também na mesma carta foi nomeado 1.° conde da Atouguia.

2 Asia de Barros; dec. i, livro i, cap. xn.

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vezes; do segundo matrimónio, com D. Felipa de Azevedo, filha de Luiz Gonçalves Malafaia, vedor da fazenda de Lisboa. Teve, além de outro filho:

D. João de Ataíde. Viveu no tempo de el Rei D. João II. Casou com D. Brites da Silva, filha de D. Afonso de Vasconcelos, 1.° conde de Pe- nela, e de sua mulher D. Isabel da Silva. Em- barcou, pelejou e enviuvou. Teve, além de vários filhos, um que adiante vai mencionado, e, nâo tendo chegado ainda a herdar a casa paterna, fez-se religioso franciscano, acabando em cheiro de santidade.

D. Afonso de Ataíde, filho deste D. João, foi senhor da Atouguia ainda em vida de seu avó, e por morte dêle teve o título de 3.° conde da mesma vila, e de alcaide-mor de Coimbra. Viveu em tempo dos reis D. Manuel e D. João III. Casou com D. Maria de Barros, filha de Fernão Lourenço da Mina, feitor da casa da índia. Tive- ram, além de outros filhos:

D. Luiz de Ataíde, segundogénito. foi em- baixador, vice-rei da índia em 1538. Depois de uma vida agitada e cheia de altos serviços ao rei e ao reino, veiu a falecer em Gôa em 1581, tendo o título de 4.° conde da Atouguia. Casou quatro vezes: a 1." com D. Joana de Vilhena, filha de Luiz Álvares de Távora, senhor do Mogadouro, e de sua mulher D. Felipa de Vilhena; sem ge- ração; a 2.a com D. Maria de Ataíde, filha de L. Sancho de Noronha, 4.° conde de Odemira e

mordomo-mor da rainha D. Catarina, e de sua

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mulher D. Margarida de Vilhena; a 3.® com sua sobrinha D. Isabel de Ataíde, filha de Tristão da Cunha, comendador de Tôrres Novas, e da irmã dêste mesmo D. Luiz de Ataíde; a 4.a finalmente, com D. Brites Pimentel, filha de Martim Afonso de Sousa, senhor de Alcoentre e governador da índia, e de sua mulher D. Ana Pimentel. Teve desta senhora vários filhos, que morreram me- ninos.

Seguiu-se a herdar a casa: D. Álvaro Gonçalves de Ataíde, 3.° filho do

3.° conde acima mencionado, e comendador de Joane na ordem de Cristo, em 1546; serviu na índia, e casou com D. Isabel da Silva, de quem não teve geração. Sucedeu na casa seu irmão:

D. Vasco de Ataíde, 5.° filho do supracitado 3.° conde. Serviu na índia com o vice-rei D.Cons- tantino de Bragança, em 1560. Acompanhou a el- -Rei D. Sebastião à África, e foi captivado em Alcácer. Casou com D. Luiza de Noronha, filha de João Arrais de Mendoça, a qual depois casou com D. Diogo de Eça. Sem geração.

#

Interrompida a linha, vamos atá-la de novo no filho segundo do 1.° conde da Atouguia, por nome:

D. João de Ataíde, que, por não deixar sucessão legítima, quebrou outra vez a fila.

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Vamos pois tornar a atá-la no 4.° irmão dêsse D. João (filho portanto do citado 1.° conde) cha- mado:

D. Álvaro de Ataíde. Foi achado em culpa no caso da conspiração do duque de Vizeu, e andou fugido em Castela, até que el-Rei D. Ma- nuel o amnistiou e o chamou ao reino. Casou, e foi o progenitor dos condes da Castanheira, linha que não nos importa seguir.

Quebrada aqui a varonia, vamos tornar a atar o fio em

D. Isabel da Silva, filha primogénita do su- pramencionado D. João de Ataíde (filho do 2.° conde) e de sua mulher D. Brites da Silva. Foi nessa D. Isabel que recaiu a casa da Atouguia, pela extinção da linha masculina. Casou com Simão Gonçalves da Câmara, 3.° capitão dona- tário do Funchal, e já então viúvo de D. Joana Valente, de quem tivera os filhos que lhe suce- deram na casa dos Câmaras. Dêste segundo ma- trimónio nasceu, além de outros, um filho, que perpetuou o apelido que sua mài representava, e se chamou:

Luiz Gonçalves de Ataíde. Foi 4.° senhor da Lha Deserta, que obteve de seu meio irmão pri-

mogénito, em pagamento do dote de sua mài. Casou com D. Violante da Silva, filha de Fran-

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cisco Carneiro e de D. Maria da Silveira, e tive- ram, além de outros:

João Gonçalves de Ataíde, que obteve o tí- tulo de 5.° conde da Atouguia. Casou com D. Ma- riana de Castro, filha de Martim Afonso de Mi- randa e de D. Joana de l ima; e tiveram:

D. Luiz de Ataíde, 6.° conde da Atouguia. Casou duas vezes; não tendo tido geração do 1.° matrimónio com D. Joana de Távora, casou com a ínclita D. Felipa de Vilhena, que depois de viúva foi marquesa da Atouguia e camareira-mor da rainha D. Luiza de Gusmão. Era filha e her- deira de D. Jerónimo Coutinho e de sua mulher D. Iuíza de Faro. Tiveram, além de vários filhos:

D. Jerónimo de Ataíde, 7." conde da Atou- guia, e um dos aclamadores de el Rei D. João IV, Casou a l.a vez com D. Maria de Castro, filha de Francisco de Sá de Menezes, 2." conde de Pena- guião, e da condessa D. Joana de Castro. Tive- ram filho:

D. Manuel T uiz de Ataíde, 8.° conde da Atou- guia, casado com D. Vitória de Bourbon, filha dos condes dos Arcos, e falecido moço.

Casou o 7.° conde em segundas núpcias com D. Leonor de Menezes, condessa viúva de Serém, filha herdeira de D. Fernando de Menezes e de D. Joana de Toledo. Tiveram, além de outros:

D. Luiz Peregrino de Ataíde, 9." conde da Atouguia, e herdeiro das casas de seus pais. Casou com D. Margarida de Vilhena, condessa viúva de Miranda, filha de D. Joào Mascarenhas,

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conde de Palma, e de D. Brites de Menezes, 3.® condessa do Sabugal. Tiveram, entre outros:

D. Jerónimo Casimiro de Ataíde, 10.° conde da Atouguia. Casou com D. Maria Ana Tereza de Távora, filha dos 2.0S marqueses de Távora, e tiveram, além de outros:

D. Luiz Peregrino de Ataíde, 11.° conde da Atouguia. Casou com D. Clara de Assis Masca- renhas, filha de D. Fernando Martins Mascare- nhas, 2.° conde de Óbidos, e de D. Brites Mas- carenhas da Costa e Castelo Branco, 4.a condessa do Sabugal e 3.® de Palma. Tiveram:

D. Jerónimo de Ataíde, 12.° conde da Atouguia. Casou com D. Mariana de Távora, filha dos infeli- zes marqueses de Távora, e foi barbaramente assas- sinado no canibalesco suplício da praça de Belém.

E nesse 12.° conde termina a casa da Atou- guia, cuja varonia era Câmara pelo sangue, e Ataíde pela representação.

*

Tinha ao tempo do terremoto uma proprie- dade, na esquina da rua das portas de Santa Ca- tarina para a rua do Outeiro, D. José da Silva Pessanha, homem cuja estirpe era muito ilustre, e ainda subsiste. Media esta propriedade dez varas de frente (1 lm), e umas seis (6m,6) de fundo.

Descendia êste D. José da Silva Pessanha da antiga raça portuguesa dos Silvas, e da estirpe italiana dos Pessanhas, domiciliários de Portugal desde o tempo de ei Rei D. Denis.

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A casa de Silva, uma das mais nobres e anti- gas da península, provém do infante D. Asnar Fruela, quarto filho de D. Fruela II, rei de Leào, Oviedo e Galiza, no século x.

Os Pessanhas deduzem a sua linha de micer Manuel Pessagna, genovês, a quem el Rei D. De- nis deu o cargo hereditário de almirante das galés portuguesas, por sua carta do 1.° de Fevereiro de 1317, passada em Santarém.

O entroncamento das duas linhagens fez-se da seguinte maneira:

D. Miguel da Silva, filho de D. Fernando da Silva e de D. Beatriz Coronel, nasceu em 1597. Casou com D. Maria de Castro, filha de Jorge Pessanha, comendador na ordem de Cristo, capi- tão de Ceuta e membro do conselho de fazenda, e de sua mulher D. Madalena de Castro. Tive- ram, entre outros filhos:

D. Fernando da Silva. Sucedeu na casa de seu pai e na dos Abreus, que lhe pertencia por sua bisavó D. Isabel de Abreu; foi capitão de cavalos e governador de Castelo de Vide. Morreu em 1696, tendo casado com sua tia D. Catarina de Castro. Tiveram, entre outros:

D. Miguel da Silva Pessanha; sucedeu nos vínculos da casa, governou o forte da Junqueira, e militou. Casou com D. Antónia Luíza da Silva, filha de António Gomes da Silva, e tiveram, além de outro:

D. José da Silva Pessanha. Êste é o que nos ocupa no presente artigo, como dono do prédio a que me referi. Foi moço fidalgo, senhor dos

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morgados de seus pais, plenipotenciário em Ná- poles, e embaixador em Madrid em 1 <62. Casou com D. Leonor Spinelli, filha dos príncipes de Cariati, no reino de Nápoles; e tiveram:

D. Miguel da Silva Pessanha, senhor dos vín- culos, moço fidalgo, e capitão da brigada real de marinha. Morreu em 1808. Casou com D. Maria da Piedade de Noronha, filha de D. José de No- ronha e de D. Mariana Isabel das Montanhas Ri- beiro Soares. Tiveram filho:

D. JoAo da Silva Pessanha, senhor dos mor- gados de sua casa, moço fidalgo, etc. Casou em 1819 com D. Francisca de Noronha, filha de D. Caetano de Noronha, 1.° conde de Pe- niche, e da condessa D. Maria José Juliana I-ourenço de Almeida. Tiveram, além de outros filhos:

D. António da Silva Pessanha, nascido em 26 de Abril de 1824, senhor dos morgados de Fon- talva, Fonte Boa, Boina e outros, moço fidalgo, etc. Casou em 1843 com D. Rita de Cássia de Noronha, condessa viúva das Alcáçovas, filha dos 1.°» condes de Parati, D. Miguel António de Noronha e D. Francisca Quintina de Menezes. Tiveram filhos:

D. JoAo da Silva Pessanha, já falecido; e D. Francisca da Silva Pessanha, condessa

de Sampaio pelo seu casamento com o sr. Antó- nio Pedro de Sampaio de Albuquerque e Men- doça Furtado de Melo Castro Tôrres e Lusi- gnano, 6.® conde de Sampaio.

Com geração. ll

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Nas ruas do Outeiro e da Oliveirinha possuia um prédio Pedro Álvares Cabral de 1 acerda, oriundo de velha raça. Tomava êste prédio desde a rua do Saco, parte da rua da Oliveira, e parte da do Outeiro. Calculo por isso que ficasse pouco mais ou menos onde é a frente do teatro de S. Carlos.

Aí viveu vinte e cinco anos D. Francisco de Sôto-Maior, bispo de Targa, nomeado de La- mego, eleito arcebispo de Braga, e falecido em 3 de Novembro de 1669. Sucederam-lhe no domi- cilio seus sobrinhos.

Também aí viveu, e faleceu em 1681, o bispo do Pôrto e arcebispo primaz D. Fernando Cor- reia de Lacerda l.

Possuia também esta família um palácio em Sacavém, cá em baixo, perto do rio, na sua mar- gem norte-oriental, no começo da subida da es- trada real. Dêsse edifício nada resta, pois as suas mesmas ruínas se demoliram e varreram. O terreno pertence hoje (1886) a umas hortas do meu amigo Anselmo Braamcamp Freire.

Visitei com éle ésses lugares em 6 de Dezem- bro de 1886, com um tempo excepcionalmente lindo, e copiei o brasão que o dito meu amigo, com o seu ilustrado espírito, salvou dos escombros da antiga capela do palácio, e mandou pregar na

1 Dem. hist., págs. 401, 402, 443 e 444.

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parede de um casebre próximo. O brasão é assim: escudo ovado esquartelado; ao primeiro as armas esquarteladas de Castela e Leão; ao segundo três flores de lis em roquete; o que tudo diz La- cerda; ao terceiro duas cabras passantes, que dizem Cabral; ao quarto uma tôrre, que pelo gastado do tempo se não percebe a que apelido pertença; sôbre tudo um escudete de pretençào, com o embrexado dos Correias. Coroa de duque, segundo parece. Por baixo a legenda:

O NOSSO NACIMENTO E DE LIGITIMO SANGE REAL E DELE DECENDE REIS

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Tenho mais que mencionar o palácio dos condes de S. Miguel, sito na rua da Cordoaria Velha, entre o beco da Cortezia e o palácio dos marqueses de Távora L Nêste palácio morava cm 1753 o seu proprietário, conde de S. Miguel, Álvaro José Botelho de Távora

Aí se instituiu em 1725 uma Academia de Fi- losofia experimental, sob a direcção de um eru- dito filósofo inglês Luiz Baden. As preleções ver- sariam sôbre mecânica, hidrostática, pneumática, àptica e metalúrgica, e deviam iniciar-se em 5 de Novembro de 1725 3, o que não pôde realizar-se

1 Dem. hist., pág. 442. 2 Consto do sea processo para íamillar do Santo Ofício. 3 Qazeta de Lisboa, n.° 42, de 18 de Oatabro de 1725.

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por não haverem ainda chegado de Inglaterra alguns dos instrumentos com que se deviam íazer as experiências ', e tendo êles chegado a Lisboa, foi anunciada a 1." lição introdutória para sexta-feira, 17 de Maio de 1726, pública e gratis para tôdas as pessoas que a quizessem ouvir, mediante bilhete fornecido pelo director, e conti- nuando o curso nas mais sextas-feiras do ano, pelas quatro horas da tarde J.

Falei há pouco no palácio dos Távoras; ficava entre o dos condes de S. Miguel e o dos condes da Atouguia, na rua da Boa Viagem.

Conta frei Apolinário que tinha essa casa ser- vido de habitação a dois núncios apostólicos; primeiro ao bispo de Tarso, monsenhor Miguel Ângelo Conti, desde 1 de Janeiro de 1698. Daí saiu em dia de Reis de 1707 a receber das mãos de el-Rei D. João V o barrete cardinalício.

Depois habitou monsenhor Vicente Bichi, e aí morreu.

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Diz no seu estudo sôbre os Távoras o nosso bom genealogista Anselmo Braamcamp Freire o seguinte, que é apreciável por ser fruto de estu- dos largos:

1 Qazeta de Lishca, n.° 44, de 1 de Nouembro de 1725. 2 Idem, n.° 19, de 9 de Halo de 1726.

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Era antiga a família de Tavora, e com este ap- pellido se encontram já indivíduos nos reinados de L). Pedro, D. Fernando, e D. João I.

Refere-se o mesmo escritor à ascendência fa- bulosa que tece a esta estirpe frei Bernardo de Brito, e depois acrescenta:

Também geralmente se di\ que o rio Tavora foi o que deu origem ao appellido d'esta família. Até certo ponto é isto confirmado pelas faxas on- deadas que se veem no escudo d'esta casa; mas por outro lado encontram-se vários aforamentos de prasos em Santa Maria de Tavora, freguesia do actual concelho dos Arcos de Val-de Ves, feitas por D. Dinis a um Lourenço Pires (Chancellaria de D. Diniz, livro 4.° fl. 63, 53 v. etc.), nome muito vulgar nos ascendentes verosímeis dos Tavoras.

É Lourenço Pires de Távora, fidalgo do sé- culo xiv, aquele em quem todos os nobiliários começam a linhagem. Fôram filhos dêle Rui Lou- renço e Pedro Lourenço de Távora. Dèste se- gundo é que procedeu — diz o sr. Braamcamp Freire — toda a família de Tavora, de que foram chefes os condes de S. João da Pesqueira, marque- ses de Tavora. D'elles se derivou a varonia dos condes de S. Vicente; a casa dos condes de Alvor; a varonia dos Silveiras, hoje marqueses das Minas; a dos modernos condes de Sar\edas, ramo d'estes; e a dos marqueses de Abrantes; a casa dos repos- teiros móres, que entrou na de Castello-Melhor, e a casa de Caparica, hoje na de Vallada.

A representação da casa de Tavora — conclui ° incansável pesquisador — está actualmente na

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casa de Fronteira, como descendente de D. Leonor de Tavora, marquesa de Alorna, filha dos justi- çados marqueses Francisco de Assis e D. Leonor de Tavora

E com isto dou por terminada a minha revista, demasiado sucinta, confesso, dos palácios princi- pais da freguesia, nào querendo contudo deixar de mencionar ainda outro sítio dela, que muita vez se encontra referido nas antigas memórias da cidade. Falo dos Cobertos, ou rua dos Cober- tos, designação que já trazem Cristóvão Rodri- gues de Oliveira e a Fistatistica de 1552, e daí para cá todos, até ao terremoto de 1755.

Provinha decerto o título desta rua de alguns arcos, ou arcadas cobertas, que davam entrada para as casas; chamavam-se cobertos. Também em Belém havia (e há ainda) essa mesma cons- trução. Correm por baixo de alguns primeiros andares uns arcos praticáveis, que abrigam da chuva as lojas. Por sinal que vivia aí mesmo, em Belém, antes de 1755, o notável sapateiro António Gomes, apelidado dos Cobertos, que tinha grande fama, e possuía, entre outras pren- das úteis, o segredo de encher as pelas para o jôgo da pela 2.

1 Vejo-se o Diário lIlustrado, de 4 de Maio de 1885. 2 Theatro de Manuel de Figueiredo, tom. xiv, pág. 449;

nota de seu irmão Francisco Coelho de Figueiredo.

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CAPÍTULO XV

Continaa o antor a revolver memórias da fregaesla. — R horta dos franciscanos. — Em 1500 o daqae D. Jaime compra am fragmento dela.—Em 1502 aforam-se oatros fragmentos para se abrir a rua do Saco. — Etimologia dêste nome. — Onde ficava essa rua. — O armamento dos misteres pertencia à Câmara de Lisboa. — SSo armados na rua do Saco os alfeloeiros do Rrco dos Pregos. — Panegírico e glorificação das obras antigas e modernas da grande arte da confeitaria.

Referi-me ainda agora à horta do convento de S. Francisco. Voltarei a ela.

Essa horta, que era grande, deu para muitís- simo: não só para se desmembrar, indo ampliar os domínios de tais e tão opulentos senhores, como eram os duques, mas também para se rasgar em ruas, algumas das quais ainda existem.

Por isso certas pessoas se admiram hoje de que, sendo vasto o convento de S. Francisco da Cidade (a cidade de S. Francisco lhe chamava com graça o marquês de Pombal), e tão vasto

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que no que dêle resta se alojam estabelecimentos e instituições importantes, como a Biblioteca Nacio- nal, a Academia Real das Belas-Artes com as suas aulas, secretaria, biblioteca, armazéns, galerias (hoje desocupadas) e pátios, o Govêrno Civil com o seu jardim, a polícia com tôdas as suas depen- dências (, o Gimnásio Clube, as enormes proprie- dades dos srs. Iglésias, a Sociedade de Geografia, um ferrador, um armazém de marcenaria, uma tenda, uma loja de papel, três canteiros, várias cocheiras particulares e muitos prédios... nâo tivesse cêrca. Tinha a, ainda ao tempo do ter- remoto. Ocupava ainda mais que êsse quarteirão extenso, contido entre o largo da Biblioteca, a rua de S. Francisco, a travessa da Barreirinha, a rua Nova dos Mártires, e a rua do Ferragial (a rua nova dos Mártires foi rasgada depois do terremoto). Isto tudo que assim demarquei eram restos de maior quantia, principiada a dispender no comêço do século xvi. Vamos a ver como.

Sim, foi nos primeiros anos dêsse século activo e empreendedor que Lisboa cresceu desmedida- mente para essa banda; e já antes do seu consi- derável desenvolvimento com a fundação do Bairro Alto 2, ela tinha entrado a retalhar em seu exclusivo proveito municipal a cêrca dos franciscanos.

1 Tôdas estas instalações estão em construções poste- riores ao terremoto de 1755. — Nota de A. V. S.

2 Lisboa Amiga, parte i, 0 Bairro Alto.

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Primeiro foi o duque D. Jaime, em 1500; dois anos depois, foi o próprio elemento público, a exemplo dêsse príncipe; e assim nasceram desde 1502 as ruas do Saco, da Figueira e da Ametade

Não quero crer que D. Jaime, o valente guer- reiro de Azamor, tivesse descido conscientemente à chatinagem de calcular que na compra de boa parte da cêrca ía implícito um futuro aumento considerabilíssimo nas rendas do património de seus netos. Os duques não são feitos para cálculos de balcão. Mas parece-me que o possuir hoje a casa de Bragança, como possue, tanta proprie- dade pela rua dos Mártires, do Duque, etc., se deve em parte ao exemplo do acto administrativo daquele avoengo.

*

Quanto a essas ruas novas, falemos delas; me- recem-no.

Foi em 1502, que os franciscanos emprazaram ao tabelião Afons'Eanes, e ao seu homónimo

Afons'Eanes, piloto, uma porção de terreno onde se rasgou a rua do Saco com tôdas as suas travessas; e estatuiu-se como condição, no con- trato, que nos prédios que se edificassem não haveria janela nem fresta que pudesse devassar

1 Rssim mo diz am antigo mss. da Bibi. Nac., Historia de Lisboa, (títalo impróprio), fl. 26 v.

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a cêrca monacal; condição que afinal se des- cumpriu, com grave dano dos religiosos

Já em 1652, ao tempo da muito importante Estatística manuscrita da Biblioteca, existia a rua do Saco. Porque lhe poriam êsse nome, não sei; ou antes: sei. Também a citam Cristovâo Rodri- gues de Oliveira, Carvalho da Costa, Joào Bap- tista de Castro, etc.

Diz-me o meu Bluteau, o primeiro dicionarista português, que a parte mais funda, mais recolhida, de uma enseada se chamava, segundo Barros, o saco da enseada. Um beco sem saída é uma en- seada terrestre, um saco. Daí, pela mesma analo- gia, chamaram os franceses cul de sac aos becos sem saída. Ora a nossa rua do Saco era um longo beco sem passagem; donde visivelmente lhe proveiu o nome.

^Onde ficava? eu digo. Tínhamos a rua do Outeiro (crismada em rua

de Paiva de Andrade), que ainda lá está alargada e amodernada. Seguia-se-lhe para o nascente a rua da Amelade, onde hoje corre o último lanço da nossa rua nova dos Mártires. Seguia-se-lhe a nossa rua da Figueira. Tôdas três desembocavam, como hoje, na rua das portas de Santa Catarina (Chiado ou rua Garrett). O prolongamento da rua da Ametade cortada pela rua da Oliveirinha, (depois da Parreirinha) era a rua do Saco; cor-

1 Fr. flanuel da Esp., Hist, seraph., parte i, pág. 187, col. l.*

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respondia a um fragmento da parte sul da nossa rua Nova dos Mártires.

Foi na rua do Saco, como é ainda na sua su- cessora a rua Nova dos Mártires (crismada em rua Serpa Pinto), o hospital dos Terceiros de S. Francisco, fundado pelo venerável padre comis- sário frei Domingos da Cruz, em 1672.

Dôste nada posso dizer, por falta de escla- recimentos. Outra vez será.

Essas imediações eram já no século xvi bas- tante procuradas; e por isso entendeu a Câmara, antes de 1534, passar para a rua do Saco o ar- ruamento dos confeiteiros ', que até então era só lá em baixo, ao Arco dos Pregos, e pertencia em parte à freguesia da Madalena, e em parte à de S. Julião.

A faculdade de poder arruar os misteres, se- gundo melhor conviesse, era pertença da Câmara de I isboa desde 1391 (era 14291, em que el-Rei D. João I, estando em Évora, lhe conferiu em 5 de Julho tào importante regalia municipal'.

Com a transferência dos mercadores de gulo- sinas desde o Arco dos Pregos para a rua do Saco, folgou a rua do Saco, e folgou em geral a

1 Cart, da Câm. flun. de Lisboa, lio. 2.° de el-Rei &• João III, fl. 143.

2 Arch. mun. de Lisb., 1861, n.° 60, pág. 480.

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freguesia, imagino eu. Será talvez alusão às frutas secas da rua do Saco, junto aos Mártires, o que diz a velha do Aulo das Regateiras, do poeta António Ribeiro, à filha Beatriz, quando a manda pôr a mesa, e lhe determina o que há-de colocar. Diz ela:

Nas porcelanas pintadas porás as frutas das mart es;

quer dizer: as frutas que se vendem perto dos Mártires; isto é como se nós disséssemos: frutas dôces do Baltresqui da rua dos Capelistas. Se me nâo engano na interpretação dêste ponto escuro, vê-se que era facto a que se podia aludir, e que andava na bôca de todos.

#

Tendo nos Mártires os confeiteiros, lamberam os beiços os gulosos da freguesia. Com tôda a probabilidade (eu ainda hoje os conheço capazes disso) houve quem procurasse muito de indústria ir morar na rua do Saco, pela irresistível atrac- ção que exercem nas populações as obras mágicas dos alfeloeiros. Nisso se parecem as turbas com as moscas.

#

! Oh I É que o artífice do açúcar é muita vez um artista; é um civilizador; é o Orfeu das

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trôxas de ovos; chama, sem o suspeitar; deleita o olfato, e fala ao pensamento. Tem o fundo, e sobretudo tem a forma (a forma é tudo); brilha pelo intrínseco, e ainda mais pelo engenho subtil com que o realça.

Senhores, isto nâo é paradoxo; é pura ex- pressão da verdade; e tanto mais sincera, quanto o autor destas linhas se confessa (com pena) o mais fraco apreciador de gulodices que nunca houve no orbe; mas em suma, folga sempre de prestar homenagem a quem a merece; e a confei- taria, a arte feiticeira dos regalos do paladar, é crèdora de encómios universais, desde que há mundo, e há de sê-lo em quanto o houver.

A confeitaria é a poesia do sabôr; é o requinte do gosto; é a bemaventurança de um dos cinco sentidos.

Há por esses mostradores da rua dos Capelistas e do Chiado, sucessores dos do Arco dos Pregos e da rua do Saco, verdadeiros madrigais de ovos e açúcar, assim como há bonbons fondants e peitos de Venus nos mostradores literários de Parny e Anacreonte.

É a confeitaria uma aristocracia culinária; é um píncaro; um alcáçar; tem em si própria uma indiscutível realeza, reconhecida e aceita de bom grado. É a coroa dos jantares, a companheira e o realce da melhor bebida do mundo, o chá, e tem entrada, com honras de grandeza de primeira classe, nas moradas dos nobres e nos paços dos soberanos. Serve se muita vez ao som de música; e os vinhos mais velhos e famosos da frasqueira

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sentem a maior honra de acompanhar com a confeitaria de braço dado, em banquetes diplo- máticos, internacionais e reais.

Varia de forma como Proteu, mas é nacional e patriota. A que se festeja e saboreia em Portugal é desconhecida, mas muito apreciada, em Was- hington ou em S. Petersburgo.

Vive essencialmente da flora, e repugna a fauna. Tudo nela é vegetal; tudo é leve; tudo vicejou e rutilou, quer no assetinado das fôlhas, quer no suculento dos caules; já no doirado dos invólucros, como nas recheadas laranjas de Se- túbal, já no carnoso tenríssimo dos frutos, como nas ameixas de Elvas.

Sim; a nâo mencionarmos o ovo, que é apenas um esboço de animal, mas nào chega a ser ani- mal, tudo na confeitaria pertence ao amável reino dos vegetais.

Esta arte mimosa e afeminada, cheia de recur- sos e vivacíssima nas suas invenções, blazona por intuito, por alvo, o aperfeiçoar tudo que há mais belo na criação (depois do sorriso da mu- lher): a fruta; e consegue-o. Assim como a poesia faz da palavra humana uma quinta-essência de sentimentos e afectos celestes; assim como a mú- sica transforma as vibrações das ondas sonoras em devaneios, entusiasmos, ou rios de lágrimas; assim como a perfumaria metamorfoseia em fra- grâncias de além-mundo o rescender vulgarís- simo das flores da campina e do valado, assim alcança a confeitaria elevar-se aos cumes mais altos das sensações materiais; esperta, irrita e

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inebria os nervos da gustação, e consegue fazer- -nos subir às regiões vagas da transição do gôso carnal para o intelectual.

A confeitaria é uma grande arte, uma arte sublime.

Assiste com ar desdenhoso ao desabrochar dos pomares, ao trabalho perfumado e espantoso da florescência da frutificação, ao acumular oculto de todos os segredos do aroma no sacrário de cada corola, do sabor no âmago de cada fruto; com- templa as opulências tentadoras dos vergeis dos trópicos, e diz de si para consigo:

— Ainda sei melhor. Depois, numa sábia competência de invenções

com a própria Natureza, numa porfia melíflua e cheia de intenções, corre um por um todos os pomos de Colares, tôdas as doiradas seduções das várzeas do Minho, das Beiras e do Algarve, todos os aveludados acepipes dos arvoredos da Madeira e do Brasil, de Gôa e de Moçambique; e, brincando e sorrindo, extrai de tudo isso uma flora, ou antes uma pomôna, mais saborosa e mais activa, mais duradoira e mais fidalga, salpicada de grangeias, resguardada de obreias e papeis doirados e recortados, invencionada de figuras e arabescos, cosmopolita e imortal

[Vejam o que é e o que pode a confeitaria! a confeitaria é a retórica, a poética do açúcar em ponto 1 e digam-me se não foi êste arrua- mento da ilustre grei dos confeiteiros a mais alta glorificação a que podia aspirar a nossa rua do Saco!

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Concluirei com uma historieta, que é de todo o ponto moderna e verdadeira, e me foi contada por uma inteligentíssima senhora, ornamento da nossa primeira sociedade, a senhora viscondessa de Almeida, D. Amélia de Nápoles. Vem confir- mar quanto os próprios cultores da confeitaria se reputam a si próprios.

Havia, neste verão de 1886, em Cauterets, um confeiteiro ou pasteleiro de grande fama, e tão cioso dos foros do seu oficio que se dava ares de grande artista, ao inventar com enorme dis- pêndio de imaginação compotas e pasteis, a que punha nomes sublimes e laboriosamente medita- dos. Com um charlatanismo adorável, julgava-se êle ingenuamente um génio criador, o académico dos açúcares, o Newton do ponto de espadana, o sacerdote máximo da nobre arte do conserveiro, e avaliava essa arte a primeira entre tôdas, a primeira sem questão.

Absorvido nas suas doces ilusões, cifrava na cosinha o seu mundo, e alimentavam-no, como aos deuses mitológicos, aqueles fumos variados.

Ora a mulher do tal monsieur Kazaux (assim se chamava o homem) participava da mesma admiração ingénua do marido; olhava para êle como para um portento; em suma: via-se unida a uma das celebridades da França, e por conse- quência da Europa.

Uma tarde chega à loja um freguês, que deseja encomendar não sei quê ao bom do pasteleiro,

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mas com certas explicações que só a êle podem ser feitas.

— ^Onde está o sr. Kazaux? — Nâo lhe pode falar — respondeu a madama

abaixando a voz. — Eu desejo imenso dizer-lhe duas palavras;

nada mais. — Aqui estou eu para as ouvir. — Agradeço-lhe muito, mas só com êle é que

era o negócio que eu vinha tratar. — Pois queira voltar noutra ocasião. — Mas, minha senhora, queira preveni-lo; eu

tomo lhe apenas uns minutos. — Meu caro senhor—torna ela com modo pe-

rentório — é perfeitamente inútil insistir. Eu não vou avisar meu marido; não me atrevo a ir in- terrompê-lo.

—,} Não se atreve? — Não me atrevo, não; — acrescenta a fiel es-

posa em tom solene, e com o seu digno orgulho conjugal a revelar-se-lhe na voz — não me atrevo. O sr. Kazaux está neste momento compondo. Monsieur Ka\au\ compose.

j É admirável 1 Madame Hugo, ou madame de Lamartine, não

se expressariam de outra maneira, querendo afas- tar um importuno em Hauteville-House ou em Saint-Point, quando Hugo estivesse pintando os capítulos de Waterloo nos Miseráveis, ou Lamar- tine modulando:

J'étais le seu! ami qu'il eut sur cette terre Hors son pauvre troupeau!

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CAPÍTULO XVI

Propõe-se o aator estadar agora a raa da Figueira, hoje crismada em raa Anchieta. — Combate o aator com tôdas as saas fôrças o desgraçado sestro moderno de alteração do nome das serventias pdblicas — Discussão. — Volta-se à raa da Figueira. — Os nomes de vegetais frequentíssimos na velha Lisboa. — Compara-se neste ponto Lisboa com Roma, e cita-se am fragmento de Pdblio Vítor.

Estudemos agora outra das ruas abertas na horta dos duques de Bragança. Será a da Fi- gueira, hoje crismada, há meses, em rua Anchieta, assim como a travessa da Parreirinha o foi em rua Capelo, a rua Nova dos Mártires em rua Serpa Pinto, e a rua de S. Francisco em rua Ivens.

#

Antes porém de irmos adiante, entendamo-nos aqui, à boa paz, com os nossos municípios; e nâo é com êste nem com aquele: é com todos.

Pregunto: ^Que significa esta desgraçada mania de mudar

por sistema os nomes antigos e consagrados das

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serventias públicas? Tento com éle, senhores das vereações. Nào se alteram assim, por mero capri- cho, as denominações a que se ligam memórias seculares.

E se não, vejamos. Um letreiro municipal é, como qualquer outra,

uma propriedade pública. Arrancá-lo é expro- priá-lo ao seu dono; êsse dono é o público.

Expropria-se por utilidade geral. ^Ora que utilidade pode resultar da mudança impensada e imotivada de um letreiro? Nenhuma.

Respondem-me: Nào é ivipensada; a vereação não é composta

de levianos; a vereação ouve a proposta de um dos seus membros; a vereação discute, delibera e vota.

Replico eu: Sabemos como essas coisas se fazem; isto aqui

em I.isboa tudo é uma família; basta que um ve- reador (aliás movido de boas intenções, é claro) proponha uma alteração, os colegas nào o contra- riam, e votam, julgando o assunto de muito pouca monta.

Acrescenta-se: Não é imotivada a proposta; tôdas as dêsse

género têm a sua razão de ser, já na repetição inconveniente de denominações idênticas, já na consagração do nome de algum cidadão ilustre.

Replico eu de novo: Quanto ao primeiro argumento, tem pêso;

quanto ao segundo, não. Consagrem os nomes dos cidadãos ilustres dedicando-lhes ruas novas.

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Mas ainda há mais: o que se tem feito... (eu ía escrevendo perpetrado) nào só nâo traz em geral a mínima utilidade ao público, mas traz-lhe contras de diversos géneros:

1.° Origina confusões incríveis, perdas de tempo, extravios;

2.° Condena os munícipes a despesas supér- fluas com a alteração de rótulos, bilhetes de lojas, tabuletas, bilhetes de residência, etc.; é um tri- buto, afinal de contas, a que nos coagem os nossos protectores natos;

3.° Lança num caos inextricável os trabalhos históricos, afeitos a um título de rua, e violenta- mente desapossados dele;

4.° Causa graves embaraços nos registos pre- diais, e semeia demandas, enganos, dúvidas, que hâo-de germinar no futuro como a sizânia;

5.° Arroja ao olvido, e muita vez para todo sempre, memórias (às vezes interessantes, às vezes até sagradas), memórias antigas da cidade, pequenas ou grandes, memórias que não raro a glorificam, e (quando menos) a explicam e comen- tam ; e cortar as tradições é sempre mau.

iComo se justifica pois êste abuso, que nos anos últimos tanto tem grassado, e com fôrça desusada?

ignorância? Nào quero crê-lo. Há, e tem sempre havido

maiorias ilustradas nas vereações, acinte?

Nâo posso nem devo crê-lo Há, e tem sempre havido maiorias honestas nas vereações.

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imitação servil e inconsciente do que lá por fora se tem feito? É.

] Por Deus I imitemos os franceses no muito que eles tem de bom; mas porque aprouve à pri- meira república republicanism• os letreiros, ao primeiro império imperialisá-los, à restauração monarquisá-los, ao segundo império imperiali- sá-los outra vez, e à república de 1870 torná los a republicanisar, fazendo quási todos com isso (menos os Bourbons) política de intolerância, que é sempre pouco digna, e originando confusões que desorientam os viajantes, os próprios cochei- ros de praça, os sergents de ville até; porque isso se fez lá fora, ir a pacata Lisboa imitar essas raivinhas, ou fingir que as imita... é de um absurdo que toca as raias do burlesco.

Mudar sem motivo um nome, que para o povo tem cinco ou seis séculos de existência, é roubar êsse povo; é enganá lo, com o pretexto de glori- ficar uns beneméritos.

O povo, desenganem-se, é que é o autor e o dono dos nomes das suas ruas; as imposições aceita-as mal o povo, esta entidade anónima e grande a que todos pertencemos. Aceita-as mal.

Fazer esquecer os canos da Moiraria, que lem- bravam a antiga hidráulica da cidade, e dedicá-los em sacrifício ao (aliás muito digno e muito res- peitável) cidadão Silva e Albuquerque;

apagar o nome antiqúíssimo da Cru\ de Pau, que lembrava a cruz que servia de balisa aos ma- reantes naquele descampado, e consagrar (como por demais) essa viela modesta (mais que mo-

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desta) a um dos maiores homens da nossa histó- ria moderna, ao salvador do Porto, ao salvador de Lisboa, ao marechal Saldanha;

riscar o último vestígio que existia depois de sete séculos (e já deslocado) da velha paroquial histórica da Senhora dos Mártires, e trocar a rua Nova dos Mártires em rua Serpa Pinto (ó simpático e talentoso Serpa Pinto, £que dizes a isto ?);

depois de ter deturpado e deshonrado o con- vento de S. Francisco, trocado o nome do seu largo, envidado o possível por enterrar as der- radeiras lembranças dessa antiga e veneranda casa monacal, fazer contribuir o nome do sr. Iveits, a-fim de expungir de uma larga rua a recordação de um dos maiores heróis do cristianismo, e que tinha prioridade cronológica sôbre o sr. Ivens;

ao nome do sr. Capelo, e ao nome, que todos apreciam no muito que vale, do grande e incan- sável naturalista Anchieta, meu antigo condiscí- pulo, dar a glorificação de lhes queimar, como homenagem, as ruas da Parreirinha e da Fi- gueira ;

riscar de uma esquina o nome três vezes ilustre da rainha Santa Izabel, uma princesa, uma rainha e uma santa, e substituí-lo pelo do esta- dista Saraiva de Carvalho [ que morreu na rua da Páscoa I;

acabar com a velha Carreira dos Cavalos, que pintava usos e costumes desaparecidos da antiga Lisboa fidalga, e dar-lhe o nome de Gomes Freire, porque Gomes Freire morreu na tôrre

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de S. Julião, e os companheiros dele no campo de Sant'Ana;

em suma: ir desterrar para os desvãos ingra- tos do esquecimento o velho António Ribeiro (o Chiado) e dar por templo ao nome colossal de Garrett uma rua condenada a morrer (porque a actividade de Lisboa tende para a Avenida), uma rua com que êle nada tinha, uma rua comercial e frívola, sem o mínimo lampejo de poesia, uma rua de ociosos, uma rua de janotas, uma rua de restaurantes, modistas, cabeleireiros e estancos de tabaco;

fazer isso tudo, quando para Garrett e para todos os outros bons portugueses que apontei, tinhamos ruas novas e praças novas, em bairros novos, crescentes, opulentos... j faz lástima, e desanima!... é desacato à cidade, e aos que a ilustraram; é irrisório; é de um grotesco malévolo, que parece mostrar o desconhecimento mais boçal das conveniências; é epigrama; e mais que tudo: é semsaboria.

Pedindo ao leitor perdão para êste desabafo, volvamos agora a tratar socegadamente da nossa rua Anchieta... não, não (deixem-me na minha antiguidade)... da nossa rua da Figueira.

*

Gosto do teu nome, ó rua da Figueira. A figueira é amiga dos lisboetas, e contribui no pino

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do verão para lhes adoçar o almoço com os figui- nhos de capa rôta, e o ouvido com o lindo pregão matinal das vendeiras.

*

A propósito: É incrível a quantidade de arvoredo que

outrora vicejou neste recinto de Lisboa, a ava- liarmos pelos muitos nomes de árvores que ainda se encontram em muitas das nossas ruas: olivei- ras, carvalhos, amoreiras, pinheiros, laranjeiras, amendoeiras, palmeiras, loureiros, etc. Algumas foram árvores conhecidas, estimadas dos visi- nhos, e, por assim dizer, históricas. Apegavam- -se-lhes tradições, cultos do povo, hoje perdidos. I Usanças do paganismo 1

Dava-se entre os romanos a mesiriâ coisa. Pú- blio Vítor, autor do livro De regionibus urbis Romoe *, cita em diversos bairros de Roma árvo- res, em cujas ramadas floriam tradições antiquís- simas. Por exemplo:

Na Região iv, chamada do Templo da Pa via-se na praça de Vulcano (assim denominada por causa de um altar ou estátua dêsse deus) um lôto ou lódam, que a lenda afirmava ter sido plantado pelo próprio Rómulo, e que se cobria de sangue por dois dias.

Na Região vi, Alta Semita, existia uma ro- manzeira (malum punicum), junto à qual se notava

1 Col/ecçâo Panckoucke da Bibi. Nac., vol. RR. i. 59.

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o templo da família Flávia, construído por Domi- ciano, o qual tinha a sua casa nas cercanias da dita árvore.

Na Região xm, Avenlina, havia um sítio, como alameda, sombreado de loireiros, e por isso ape- lidado Vicus Loreti tninoris.

Na Região viu, finalmente, denominada Foro romano, conservava-se o Ficus Ruminalis, figueira célebre, que (resavam as lendas) servira de abrigo à lôba de Rómulo e Remo

I Falei de uma. figueira romana? basta. Dete- nhamo-nos a conversar à sombra da figueira lis- bonense.

1 Ruminalis provém de ama antiga palavra que signifi- cava peitos oa têtas de animal. Havia até a deusa R imina, ou amamentadora, venerada num sacelo próximo dêste lagar.

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CAPÍTULO XVII

Inqaillnos ilastres da velha raa da Figneira foram os tipó- grafos do sécalo xvn, Jean de la Coste, ftichel Deslandes e Valentim Deslandes —Genealogia da família dos Des- landes desde os princípios do sécalo xvn até aos finais do xix.

Estamos na rua da Figueira. A nobilitação maior que tem, quanto a mim,

esta rua (amodernada e melhorada depois do ter- remoto), é ter dado morada no século xvii, nada menos que a três tipógrafos célebres: João da Costa, Miguel Deslandes e Valentim da Costa Deslandes.

Estabelecerei aqui, pela primeira vez, uma in- teressante genealogia, que representa a probi- dade, a aplicação, o talento, o valor, e a perícia de gerações sucessivas, dedicadas à mais nobre e útil de tôdas as tarefas. Ilustram-se as nações tanto pelos Egas Monizes, os Albuquerques e os Joões de Castro, como pelos Rafaeis, Vieiras e Fortunis, ou pelos Elzeviers, Manúcios e Didots.

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Assim pois êste livro, que tem consagrado es- tirpes militares e políticas, consagrará também esta nobre e digna árvore genealógica da arte portuguesa.

#

1 Michel Deslandes, francês, negociante, na- tural da cidade de Thouars, no Poitou, casado com Marie Laurence, também da mesma cidade; teve por filho:

2 Michel Deslandes, que foi em Portugal o chefe da sua dinastia. Passou-se a Lisboa em 1669, fixando-se aqui. Encontramo-lo anos depois nesta freguesia de Nossa Senhora dos Mártires, vivendo em casas próprias na rua da Figueira, e qualifi- cado pelo alvará de 14 de Dezembro de 1684, em que é naturalizado cidadão português, como im- pressor de livros com várias imprensas L

Por alvará de 6 de Outubro de 1687 obteve a mercê de impressor régio, na vaga deixada por Antonio Craesbeck. Casou com D. Luiza Maria da Costa, cuja estirpe, também francesa, vamos agora estudar, e veiu a falecer em 1703.

Em França vivia o conhecido impressor pa- risiense.

1 Inelina-se pessoa muito competente, a qaem consaltei sôbre o sentido desta frase, a qoe signiíiqae vários prelos, e n5o vários estabelecimentos tipográficos.

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1 Jean de la Coste, casado com Charlotte Charlier.

Tiveram: 2 Jean de la Coste, com quem se continua; e 2 Charlotte de la Coste. Casou esta senhora

com o célebre impressor Jean de la Caille, autor da estimadíssima Historia da typographia, e dis- cípulo na oficina dos de la Coste; o que demons- tra mais uma vez a atracção que desde o princípio tiveram umas para as outras, cá e lá fora, as famílias do patriciado tipográfico.

2 Jean de la Coste ou (à portuguesa) da Costa, seguidor das tradições dos do seu sangue, abra- çou a tipografia, arte nobre, e que sempre logrou atrair para os seus cultores (muita vez já fidalgos eles mesmos) as maiores distinções. Veiu estabe- lecer-se em Portugal, aonde, por sinal, o veiu visitar seu pai, o velho de la Coste, que faleceu aqui em 1671. Afeiçoado aos nossos torrões, esta- beleceu-se com oficina na rua da Figueira, e casou com D. Arcângela de Sousa, natural de Lisboa, e irmã de D. Maria de Paiva, casada com Martim Paes de Melo, que tinha o ofício de porteiro da mesa grande da Inquisição.

Parecia que a fortuna bafejava a Jean de la Coste. Além desta oficina montou outra, em 1679, no colégio de Santo Antão dos Jesuítas (hoje o hospital de S. José), expressamente para lá se darem à estampa os sermões do imortal padre António Vieira. Nesse ano apareceu o 1.° volume dos sermões; e já o seguinte (certamente por fa- lecimento de João da Costa) saiu dos prelos de

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seu genro Miguel Deslandes, o visinho da rua da Figueira, assim como saíram outros volumes da

DIVISA OU MARCA TIPOGRÁFICA DOS IMPRESSORES «DE LA COSTE»

de Paris, século xvn

referida colecção. O nosso Coste teve da mencio- nada D. Arcângela, uma filha :

3 D. Luiza Maria da Costa (nome já perfei- tamente aportuguesado), a qual casou, como acima se disse, com Michel Deslandes, seu visinho. Dêsse casamento nasceram pelo menos três filhos:

4 Manuel Pedro da Costa Deslandes, com quem se continua;

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4 Valentim da Costa Deslandes. Êste baptisou-se na paroquial dos Mártires. Foi graduado em leis pela Universidade de Coimbra, e por alvará de 26 de Junho de 1703 nomeado impressor régio. Nesse ano tomou, por falecimento de seu pai, a direcção das suas oficinas, até 1716. Foi no ano de 1707 a visita com que el-Rei D. João V honrou a imprensa deslandesiana. Anunciada esta visita real, pediu o dono da casa ao ilustrado conde de Tarouca, Joào Gomes Teles da Silva, escrevesse umas palavras de agradecimento ao soberano; e em quanto êste se achava presente foi composto e impresso o seguinte:

SONETO

N'este prelo, senhor, cada figura é soccorro que a fama tem buscado. Não cabendo o teu nome no seu brado, houve mister valer~se da escriptura.

Com razão favorece quem procura deixar-te o luzimento retratado, obrando o impossível no traslado de copiar esplendor em tinta escura.

Hoje exulta este prelo os seus primores, pois para te applaudir lhe dás licença que aprendam de ti mesmo a ser maiores;

e não só para credito da imprensa, mas para fé do excesso dos louvores, lhe auctorisas a prosa na presença'.

1 Vem êste soneto, sob o título Excavações históricas; um soneto inédito, no n.° 5 da resista: A Imprensa (Lisboa, Dezembro de 1885).

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No ano referido, de 1715, desistiu Valentim Deslandes dos exercícios tipográficos, e foi pro- vido, em atenção às suas habilitações literárias, nos ofícios de secretário do Tribunal da Cruzada, de executor dos autos da Mesa da Consciência e Ordens, e de tesoureiro dos Armazéns da Guiné. Teve a mercê de cavaleiro do hábito de Cristo. Nâo me consta deixasse descendência.

4 D. Maria Micaela de Sousa, filha dos men- cionados Miguel Deslandes e D. Luiza Maria da Costa. Foi baptisada nos Mártires em Novembro de 1682, e casou em 1703, aos 21 anos, com Bento de Matos Mexia, capitão de cavalos em Olivença, fidalgo cavaleiro da casa real, primo co irmão do brigadeiro Manuel de Almeida Castelo Branco, instituidor do morgado da Luz, e pai da segunda mulher de Hermano Braancamp, que veiu para Portugal e foi ministro da Prússia em Lisboa.

4 Manuel Pedro da Costa Deslandes, gra- duado em cânones pela Universidade de Coimbra, cavaleiro professo na ordem de Cristo, e corre- gedor do bairro de Alfama. Casou com D. Ursula Josefa de Almeida, natural da freguesia de Santo Estevão de Alfama; e tiveram por filha:

5 D. Rosa de Viterbo da Costa Deslandes. Casou esta senhora, herdeira e (segundo creio) representante única em Portugal das duas linha- gens tipográficas francesas acima referidas, com Luiz da Costa Campos, natural de Lisboa, bapti- sado a 14 de Setembro de 1712, almoxarife da Ri- beira das Naus, cavaleiro professo na ordem de Cristo; filho de Francisco da Costa Campos, cava-

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leiro professo na ordem de Cristo, moço da câmara do infante D. António, almoxarife da Ribeira das Naus, natural de I isboa, e de D. Joana Maria Xavier de Melo, natural de Lisboa, recebidos a 6 de Março de 1711 na igreja de Nossa Senhora dos Olivais; neto paterno do valente capitão de mar e guerra Lucas da Costa \ natural do Pôrto, e de D. Francisca de Campos, natural de Lisboa, e neto materno do capitão de cavalos João Bap- tista Álvares de Melo, natural de Lisboa, e de D. I.eonarda Pereira, natural de Lisboa.

D. Rosa de Viterbo da Costa Deslandes enviu- vou do mencionado Luiz da Costa Campos, fican- do-lhe um filho, que logo será mencionado. Passou a segundas núpcias em 12 de Abril de 1766 com Luis Cadot, oficial da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, tesoureiro geral das despesas do Conselho da Fazenda, cavaleiro fidalgo da casa real, professo na ordem de Cristo, antigo familiar do cardeal da Mota; filho de Bernardo Cadot, natural de Lisboa, e já também viuvo. Faleceu Luiz Cadot em 9 de Janeiro de 1707; morava então às Janelas Verdes.

O filho, a que acima me referi, de D. Rosa de Viterbo, e de seu primeiro marido Luiz da Costa Campos; chamava-se:

Vlnâncio Marcelino de Campos Deslandes, natural de Lisboa. Foi o primeiro estudante que

1 Vide a nota no Hm do uolame.

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fez acto público de retórica no Real Colégio dos Nobres, em 1765, recebendo em prémio, por ordem de el-Rei D. José, o Dicionário de Cale- pino, e outros livros que ainda se conservam em poder de sua família. Formou-se em leis em 1791; foi juiz de fora na vila de Redondo e outras comarcas, corregedor do bairro de Alfama em 1806 e em 1809, desembargador da Relação do Pôrto. Aí morreu, sendo uma das numerosas vítimas da queda da ponte do Douro, na entrada do exército invasor francês. Casou com D. Ana Margarida de Andrade, e tiveram:

7 Manuel Venâncio Deslandes, bacharel for- mado em direito pela Universidade de Coimbra, juiz de fora na comarca de Mafra, desembar- gador, cavaleiro professo na ordem de Cristo, etc.; faleceu em 2 de Junho de 1833, preso na tôrre de S. Julião da Barra, por causa das suas idéias constitucionais. Tendo sido casado com D. Maria Teresa Gonçalves, teve os seguintes filhos:

8 José Venâncio Deslandes, bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra; fale- cido solteiro.

8 Manuel Venâncio Deslandes, bacharel for- mado em direito, e juiz em Odemira. Casado e com geração; já falecido.

8 Venâncio Augusto Deslandes, com quem se continua.

8 D. Maria José Deslandes, hoje (1887) viúva do doutor António Corrêa Caldeira, do conselho de S. M., fidalgo da casa real, vogal do Tribunal

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de Contas, par do reino, etc., e sobrinho do car- deal Saraiva, o grande D. Frei Francisco de S. Luiz. Com geração.

8 Venâncio Augusto Deslandes, bacharel for- mado em medicina pela Universidade de Coim- bra, do conselho de S. M., cavaleiro da ordem da Tôrre e Espada, oficial da Legião de Honra de França, e administrador geral da Imprensa Nacional de Lisboa. Nasceu em Lisboa a 22 de Dezembro de 1829. É casado com D. Matilde Rebelo Borges de Castro, de uma antiga família da ilha de S. Miguel; tem duas filhas:

9 D. Lni\a Gabriela Deslandes, nascida em Lisboa a 21 de Dezembro de 1878.

9 D. Margarida Carolina Deslandes, nascida em Lisboa a 30 de Abril de 1881.

*

Assim vim deduzindo, por duzentos e tantos anos, êste fio genealógico de bons servidores das nossas letras; e folgo de poder notar como o des- tino se comprouve em tornar a atar a tradição tipográfica nesta estirpe, colocando o actual re- presentante dos Deslandes portugueses, o meu bom amigo conselheiro Venâncio Deslandes, à frente do primeiro e importantíssimo estabeleci- mento tipográfico de Portugal, com a nomeação de sua Ex." para administrador geral da Imprensa Nacional de Lisboa.

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Pela sua cultivada inteligência, o seu gosto apurado, e o seu incansável zêlo, há-de o sr. Des- landes corresponder sempre á espectativa pú- blica, e mostrar que, passados tantos anos, nâo arrefeceu nele o entusiasmo do seu quarto avô o francês Michel Deslandes, e de seu quinto avô, o outro francês Jean de la Coste, pela nobilíssima arte de Guttenberg.

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CAPÍTULO XVIII

Mais pesqaisas na fregnesia dos Mártires. — A raa da Pe- lada; onde ficava. — Ai habitaram os Soasas Calharizes. — Aproxima-se a habitação de oatro Soasa llostre na raa do Lambaz, hoje de Belver. — Alade-se à residên- cia dos Soasas (hoje daqaes de Palmeia) no largo do Ca- Ihariz. — ílm passeio no Chiado. — Madança imotivada dêste nome no de raa de Garrett. — Retrato rápido do velho António Ribeiro Chiado.

Uma palavra mais, como aditamento às memó- rias desta paróquia dos Mártires: refere-se à rua da Pelada, antiga serventia já mencionada no livro de Cristóvão Rodrigues de Oliveira. Ficava junto ao postigo do Duque de Bragança (que era uma das trinta e oito 4 portas da muralha de el-Rei D. Fernando), aberto sôbre a ribanceira que hoje desce do pátio do hotel de Bragança e dos altos da rua do Tesouro Velho sôbre a rua

1 Êste ndmero trá-lo já Fernão Lopes no cap. 116 da Chron. d'El-Rei D. João I,

.

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do Alecrim, ribanceira que já se não vê, disfar- çada como está por edificações, e pela entrada da cervejaria Jansen.

Era de nascente a poente a directriz da rua da Pelada, no comprimento de cinqOenta e nove varas, quatro palmos e tanto (65m,8), e na lar- gura de duas varas e dois palmos (2ra,4), pouco mais. No fundo desta rua, no seu extremo oci- dental, havia uma travessa encostada ao palácio dos duques, que saía por uma porta para a rua denominada do Ferragial. No extremo oriental havia um arco com passagem para o Corpo Santol. Chamava-se Arco das Fontaínhas.

Na rua da Pelada ((singular nome êstel ainda lhe não acertei com a origem) habitou num pa- lácio dentro da tal porta, ou postigo chamado do Duque de Bragança, uma ilustre família, a dos avoengos da casa actual de Palmela, os Sousas Calharizes 2.

Nâo sei se era prédio próprio, ou de aluguer; sei que em 1590 outro dos mesmos Sousas, D. Diogo de Sousa, morava a Santa Catarina 3, e por sinal deu nome à sua rua, que é hoje a rua de Belver, e até há poucos anos era a rua do Lamba\. O Lamba\ 4 era a alcunha que tinha na côrte ôste D. Diogo, filho de D. Francisco de

1 Tombo da cidade. * J. C. Feo, Memorias dos duques, pdg. 438. 3 Idem, lb., págs. 418 e 419. 4 Significa iambareiro oa guloso.

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Sousa, fidalgo do tempo de el-Rei João III. jVào lá saber porquê I

Nâo é aqui ocasião de descrever outra das ha- bitações dos Sousas Calharizes, a mais bela que êles possuem em Lisboa; essa propriedade é o palácio chamado do Calhariz, onde hoje (1887) está o Ministério dos Negócios Estrangeiros, en- quadrado entre o largo do Calhariz ao sul, a rua da Atalaia ao nascente, a travessa das Mercês ao norte, e a rua da Rosa ao poente. Edificou-o pelos anos de 1700, D. Francisco de Sousa L Veremos isso noutra parte, visto que me escapou quando tratei do Bairro Alto. Falávamos na residência dos Sousas na rua da Pelada, e por aqui ficare- mos, cerrando nêste ponto (não por falta de as- sunto, mas por falta de espaço), o que sei da fre- guesia de Nossa Senhora dos Mártires.

Sim; saiamos da freguesia dos Mártires, não sem deitar uma vista de olhos à célebre rua dos

1 0 largo do Calhariz toma o nome do antigo senhor do palácio, qae era o primogénito dêstes Soasas, senhor da qalnta célebre do Calhariz, perto de Rzeitâo. Chama- vam-lhe a êle o Calhariz, como hoje se diria o Palmela, o Loulé, o Fronteira, Logo, vemos qae essa denominação lis- bonense da raa, oa largo, nâo passa além dos primeiros anos do sécalo xvm.

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elegantes lisbonenses, ao nosso Boulevard de Gand, à nossa Regent Street, ao nosso velho e falador Chiado, hoje crismado (bem mal a pro- pósito, quanto a mim, salvo melhor juízo) em rua de Garrett.

Antigamente essa grande artéria, que seguia desde o convento do Espírito Santo (palácio Bar- celinhos) até à frente do palácio do marquês de Marialva (praça de Luiz de Camões), tinha em cima o nome de rua das Portas de Santa Ca- tarina, e só era Chiado para baixo da rua da Cordoaria Velha (a nossa rua de S. Francisco). Ultimamente chamava-se a tudo, em linguagem oficial, rua das Portas de Santa Catarina, mas a denominação de Chiado invadira, e dominava no uso. Os janotas da casa Havanesa estavam tanto no Chiado, como os fregueses da loja do José Alexandre. O edital do Governo Civil de Lisboa, de 1 de Setembro de 1859, incorporou nêsse nome os dois nomes seguidos da mesma rua, passando a chamar-se em tôda a sua exten- são rua do Chiado.

Em sessão da Câmara Municipal de 4 de De- zembro de 1876, o vereador Dr. Joaquim José Alves leu um requerimento de Francisco Gomes de Amorim, em que expunha que, nâo se tendo até então erigido um monumento ao grande poeta Garrett, lembrava a conveniência de dar o nome dêle a uma das ruas da capital, e pedia pois que a rua das Portas de Santa Catarina, ou do Chiado, se denominasse rua Garrett, e que o dia 9 de Dezembro, 22.° aniversário do falecimento do

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poeta, se comemorasse solénemente, convidando a Câmara os habitantes a assistirem ao baptismo da rua Garrett, e os moradores desta para orna- mentarem as janelas, completando-se o acto com uma missa por alma do poeta, um jantar aos presos, ou qualquer outra manifestação.

A Câmara nomeou uma comissão para dar pa- recer, composta por Alves e Fonseca

Na sessão imediata, de 11 de Dezembro de 1876, tornou o vereador Alves a suscitar o ne- gócio do Gomes de Amorim quanto à mudança do nome da rua do Chiado. O presidente disse que a comissão que na sessão anterior tinha sido nomeada para emitir parecer sôbre o requeri- mento de Gomes de Amorim, pôsto que se pro- nunciasse mais por que o nome proposto fôsse dado a uma nova rua que se abrisse, todavia era de opinião que por parte da Câmara nenhuma objecção se devia opor. A Câmara deliberou que nestes têrmos se oficiasse ao Governador Civil, consultando-o, para êle resolver '.

Êsse nome do Chiado, destronado pelo do imortal Garrett, pelo edital de 14 de Junho de 1880, também tinha os seus foros, e não muito mesquinhos; foi injustiça desconhecer-lhos. Gar- rett presou-se de bom companheiro em letras; lporque o obrigou a Câmara Municipal a ser mau companheiro depois de morto? Tenham a certeza

1 Arch. Man. de Lisboa, 1876, pág. 881. 2 Idem, lb., pdg, 8;2.

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disto: se o pudessem consultar, pediria êle que deixassem quieto no seu lugar o velho Chiado, o poeta António Ribeiro Chiado, seu predeces- sor, e seu colega (se bem que muito somenos, é claro) na carreira literária.

[Pobre Chiado 1 contemporâneo de Camões (outro colega), e mencionado por êle na comédia de El-Rei Seleuco, nâo lhe valeu essa nobilitação, e lançaram-no com desprêzo à vala do esqueci- mento. Pois tinha fama no seu tempo, e essa con- sideração devia pezar no prato da balança; lá diz no prólogo da citada comédia o mordomo estas palavras, referindo-se ao moço que, pelos modos, também arranhava lira: E mais tem outra coisa: que uma trova fal a tão bem como vós, ou como eu, ou como o Chiado.

Ribeiro se chamava êle; se Chiado, como querem, era alcunha, é certo que a adoptou e fez dela apelido, como outros muitos. Foi fran- ciscano; mas, tendo alcançado a anulação dos votos, viveu como clérigo secular o resto dos seus dias. Figura-se-me dizidor e zombeteiro, irrequieto e talentoso, cabendo mal no apertado invólucro da sotaina, e desafogando o seu talento em autos e escritos satíricos e sentenciosos, de sabor muito popular.

O que fôsse a bagagem literária do nosso An- tónio Ribeiro, dizem-no os bibliógrafos; Inocên- cio adiantou a Barbosa; je quem sabe o que se não sumiria no báratro das tendas [ pode bem ser que ainda por aí venha a aparecer mais alguma trova desgarrada.

4.

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Sem ser um poeta de cunho, sem ter o largo en- vergamento de azas da águia que se chamou Gil Vicente, tem boa embocadura e graça; por outra: devia ter tido muita graça; devia; está-se a ver.

Por entre as longuras e escuridades que hoje nos parecem ainda maiores, chispa aqui e ali o epigrama, nem sempre velado, nem sempre admissível para nós outros. Filiado, como se adi- vinha que estava o autor, na grande escola do mestre, segue-o a passos desiguais; mistura pre- ceitos filosóficos com facécias dignas das hortas da Mouraria, ou dos ajuntamentos dos petintais da Ribeira. Na sua obra, porém, laboriosamente diluída em cenas desconexas, e para mim inin- teligíveis às vezes, consegue o extravagante en- genho do turbulento padre pintar alguns bons quadros da sociedade do seu tempo; nâo a socie- dade alta, mas a das praças e ruas, os fidalgos sem eira nem beira, as escravas negras, primas co-irmãs dos jograis de algum dia, os passeantes, os tunantes malédicos de soalheiro, os pescado- res da marinheira e rumorosa Alfama.

Através do monótono, do estirado, do confuso do enrêdo (se enrêdo ali há), passam essas várias figuras, a comadre, a moça casadoira, o preto boçal, o cavaleiro capa-em-colo, o frade com os seus latins; mas passam como num teatro de som- brinhas, movidas pelo arame do autor.

Sim; certo é que nâo sào mais que títeres, en- quanto Gil Vicente, êsse amostrava-nos gente; nâo sâo mais que reflexos, enquanto lá eram corpos vivíssimos. jCondão do génio I

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Do parentesco porém dos dois espíritos, o do poeta da plebe e o do poeta da côrte, dará so- bejas provas a leitura atenta das obras de ambos, e é interessante aproximar, que várias vezes se topam em António Ribeiro citações ou alusões a factos e personagens já tocados em Gil Vicente: a taverneira Biscainha, o taverneiro João Caval- leiro, ou o mesmo Çapayo1 epigramado pelo grande trovador, e de quem diz o seu contempo- râneo, no auto Prática de oito figuras:

vós tendes já melhor veia que Affonso Lopes Çapayo.

*

À vista de todo o exposto, podemos imaginar o afan com que seriam esperados, os sorrisos com que seriam recebidos, em muita parte do público da Lisboa quinhentista, os opúsculos do Chiado, com a sua aparência elegante, o seu fa- moso tipo gótico, as suas preciosas ilustrações gravadas em madeira, os seus emblemas, todo aquêle luxo tipográfico, enfim, com que o impres- sor Germâo Galharde vulgarizava o seu poeta; e mais ainda, pelas muitas alusões de que certa- mente se viam lardeados aqueles versos.

1 Afonso Lopes Sapalo devia ser pai oa avô de am Jeró- nimo Lopes Sapaio, a qaem o senhor D. António, Prior do Crato, confessa dever certa qaantia. — Hist. Gen.; Provas, tom. ii, pág. 552.

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|Portugueses, bem portugueses que êles são! isso é inegável. Por entre o emaranhado daquela poesia plebeia, desponta, aqui, além, algum cam- panário de Lisboa, S. Vicente de Fora, Santo Es- têvão, S. Bento; saltam referências a casos recen- tes então, e chispam como faúlhas os eloquentes prolóquios e anexins populares nacionais.

Se hoje êsses folhetos são apenas flores mor- tas, espalmadas no herbário dos bibliófilos, certo é que tiveram vida, e muita; o nome popularís- simo do Chiado correu de bôca em bôca, logrou aura, logrou fama, e ecoou desde a botica da rua Nova até aos salões dos paços da Ribeira ou da Alcáçova.

De mais a mais era o autor prendado de certos dotes jogralescos, que as turbas presam: levava a resposta cómica sempre engatilhada; improvi- sava trovas com graça sôbre as actualidades efé- meras da velha Lisboa; e enfim, tinha o dom do arremêdo; imitava tom e gesto de tais e tais personagens, e saía se dêsses retratos vivos com chiste e esperteza.

^Pois quê? não bastaria tôda esta inculta pu- jança nativa de talento para conservar ao ex- -frade, ao autor das Regateiras, a única lembrança que dêle tínhamos: o seu nome pregado a uma rua?

Se os passantes soubessem quem tinha sido António Ribeiro Chiado, £não penduravam todos

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mentalmente, ao olhar para aquela esquina, mais um retrato na galeria dos poetastros e poetas por- tugueses? nâo se aumentava assim o nosso haver comum?

Sim; sim; foi o velho Chiado (está-se a per- ceber) uma figura muito individualizada, muito característica, na turba-multa dos nossos poetas menores. Se metrificava mal, imputemo-lo ao seu tempo bárbaro; ainda assim, rimava com certo apuro; tinha movimento; tinha graça; e em suma: se mais nâo fez, não foi por míngua de talento; a tendência poética tinha-a êle nativa, e bem o provou quando encaracolou esta quinti- lha preciosa, na Prática de oito figuras:

A trova para ser trova não presta se não fôr fina, delicada, crista/Una, e fundada em coisa nova; se assim fôr• ■ ■ fica divina!

Ora, digo eu: como nós outros o esquecemos, o que se devia era ensinar aos frequentadores habituais da sua rua, quem êle tinha sido, mas não demolir-lhe a memória, e demolir-lha ingra- tamente no altar de um confrade. Garrett não ganhou, e o Chiado perdeu.

«A sua rua» — disse eu: imas sua porquê? ora aí bate o ponto; há opiniões. Diz o erudito

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Rivara que a alcunha de Chiado veiu ao nosso poeta do logar da sua habitação em Lisboa, onde morreu em i5gi '. Inocêncio e Barbosa dizem a mesma coisa. Daí se conclui que já pelo meio do século xvi se chamava Chiado ao sítio. Isso jus- tamente é que nunca achei mencionado, tendo compulsado títulos antigos daquelas imediações. Nâo quer dizer nada, ainda assim. O que de todo nâo percebo é a significação de tal nome.

Quem empreendesse a crónica minuciosa desta rua, até há bem pouco a primeira de Lisboa, pelo trânsito, pelo esplendor das lojas, pela qualidade dos seus frequentadores, empreendia obra do

1 Vidè am artigo do citado aator no Panorama, tom. iv, pág. 406.

Depois da pablicação da 1.* edição desta obra, escrevea Alberto Pimentel, em 1901, am trabalho sôbre O Poeta Chiado (Novas investigações sobre a sua vida e escriptos), em qae pretende mostrar qae foi a raa qae herdoa a al- canha do poeta; o local já era designado por Chiado peto menos em 1610, cêrca de dez anos depois do sea faleci- mento. Consalte-se a obra citada.

O nosso confrade e amigo Gustavo de Matos Seqaeira é porém de opinião qae o nome da raa é decido à alcanha de am taberneiro oa estalajadeiro chamado Gaspar Dias. falecido em 1566 oa 67, e qae no comêço inferior da raa das Portas de Santa Catarina tinha o sea estabelecimento, qae possivelmente seria freqilentado pelo poeta António Ribeiro, qae teria Chiado como apelido, e não como al- canha. — Veja-se do referido aator: Tempo passado (Cró- nicas alfacinhas), Lisboa, 1928, pág. 57. — Nota de A. V.S.

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maior interêsse, e tinha para volumes. Bastava que principiasse desde a fundação do celebér- rimo café Marrare chamado do pulimento (em oposição ao das sete portas da rua do Arco do Bandeira), o prazo-dado de tudo quanto Lisboa teve de elegante e ilustre no correr de cinqQenta e tantos anos. No prólogo da Ljrrica de João Mínimo lá diz Garrett:

No verão de 182... succedeu uma tarde de Junho que me encontrei no conhecido caffé Mar- rare com uma sucia de rapaces, etc.

É tal qual; para ali se ajustavam, ali conver- savam, ali discutiam, ali escreviam... e alguns ali nasciam, creio eu, e ali morriam.

Conta Júlio César Machado, num seu livro de viagens, a impressão que lhe fez esta imobili- dade rotineira e burguezmente pacata da nossa patriarcal Lisboa de há vinte e cinco anos, com- parada com o buliçoso ir e vir do turbilhão cha- mado Paris. Ao sair de Lisboa tinha deixado à porta do Marrare um janota romântico, muito semsabor, pálido, inerte, inútil, a fumar o seu charuto, e a ver quem passava. Ao voltar de Paris, com a alma a vibrar daquele bule-bule dos boulevards, atravessa o Chiado, e vê o mesmo janota, na mesma postura, encostado, com a mesma semsaboria, deitando fora o charuto.

Lisboa era o Chiado; o Chiado era o Marrare; e o Marrare dictava a lei. Ser freqúentador do Marrare era a suprema elegância para os ele- gantes; freqíientar o Marrare era como para os romanos ir a Atenas; imprimia carácter.

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Hoje, quem subir a rua de Garrett, e gostar de pensar em arqueologias prehistóricas, lembre-se de que na loja n.os 68 e 60, nessas duas portas ocupadas (em 1887) pelo sr. A. Ribeiro chape- leiro, é que foi o café por excelência da Lisboa de José Estêvão, da Lisboa de Luiz Mendes de Vasconcelos, o maior dandy do seu tempo; e não passe, sem deixar um pensamento ao menos ao velho e gordo italiano Marrare, fundador dessa academia ilustre.

Êste italiano não conheci eu; é anterior às mi- nhas reminiscências; ouvi porém a pessoas do seu tempo descreverem-no com traços muito ca- racterísticos.

Era obeso, meio adormecido; andava e mo- via-se lentamente; saboreava com um prazer se- ráfico os produtos da cosinha italiana, e presidia com olhinhos de entendedor esperto à faina dos cafés e dos licores do seu botequim de tafuis.

Tinha vindo para Lisboa como copeiro da casa de Nisa.

Andava sempre em pé; quando muito, encos- tava-se às hombreiras e às paredes. E se alguém, para o ouvir contar recordações de Itália, lhe dizia:

— Sente-se, sr. Marrare; ientão está em pé? Respondia êle muito devagarinho, com o seu

bondoso gesto, e o seu sorriso irónico e finís- simo, num italiano já meio português:

— Grazie, grazie. Non mi sento; nó; non mi sento, perchè se mi sento... dormo. «iChe vo- lete? dormo.

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«Mistérios do Chiado» intitulou o meu chorado amigo e mestre Silva Túlio uma série de artigos que projectava publicar, e principiou no primeiro volume do jornal ,4 Semana, em 1851. Foi pena que não continuasse; êle devia saber muito da crónica daquela rua, je sabia contar com perfei- ção 1...

*

aditamento 1 — No cimo da rua Garrett, onde existiu o chafariz com a estátua de Neptuno, que se vê na estampa que representa a Rua das Portas de Santa Catarina em 1843, demolido e substituído nesse local por um candeeiro de ilu- minação pública, ao centro duma placa de passeio ou refúgio, a que davam o cognomento picaresco de ilha dos galegos, por aí fazerem praça alguns cidadãos de Tuy, aguardando que os chamassem para recados ou transportes, vê se actualmente (1937) a estátua do poeta Chiado, inaugurada em 18 de Dezembro de 1925. É de bronze, sôbre uma base de cantaria lioz, e original do escultor Costa Mota; ao alargamento que a rua forma nesse sítio foi pela mesma ocasião, e por proposta do vereador dr. Alfredo Guisado, dado o nome de

1 Por A. V. S. 14

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largo do Chiado. Na face anterior da base do monumento lê-se a seguinte inscrição:

A ANTONIO RIBEIRO

«CHIADO» POETA DO SÉCULO XVI A VEREAÇÃO DE 1925

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LIVRO II

Igreja paroquial de S. Jorge

Passeio pela freguesia — Igreja

de S. Jorge em Arroios

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CAPÍTULO I

Entra-se em matéria. — R Igreja paroquial de S. Jorge, ao Limoeiro, hoje demolida. — Sen lagar. — Descrição do templo antes de 1755. — Fogos da fregaesia, etc. — Pro- cissão a S. Jorge no aniversário de Rljabarrota. — Colé- gio em S. Jorge, fandado pelo doator Diogo Rfonso Manga-Rncha. — Saa malher Branca Rnes. — Plano do colégio em 1447; saa fandação em 1451; saa incorpora- ção na Universidade em 1459. — Pessoas notáveis nas- cidas oa domiciliadas na freguesia de S. Jorge.

No livro antecedente tratei da freguesia dos Mártires e de alguns palácios e vias públicas da mesma freguesia.

Vou falar-lhes agora de outra igreja muito an- tiga, e também já morta e enterrada: S. Jorge, edifício coevo da próxima paroquial de S. Barto- lomeu ', ao que parece, mas cuja origem exacta nào pude ainda alcançar.

1 J. B, de Castro, Mappa.

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O

Aliar de Jeans Daria e José

I—I

- •S. ■ '5 m> ca •o o

Allar-mor com a Eucaristia

Altar de N.* Sr.* da Assunpio

e S. Dignei

Porta principal

P

Planta aproximada da igreja de S. Jorge, segundo o padre Carvalho em 1712, e o padre Azevedo em 1755

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Ficava na rua do Arco do Limoeiro, à es- querda de quem vem do Limoeiro para a Sé, do lado do Tejo, e aproximadamente onde hoje vemos o asilo dos Mercieiros.

Até 1755 manteve-se o edifício no estado em que, já no princípio do século xvm, no-lo des- creve a Chorograjia Portuguesa: com as suas duas portas: a principal para o poente e a outra para o norte1; na rua direita que vai de Santa Maria Maior para o Limoeiro, á parte du eita, confirma outro escritor'.

Se penetrássemos na nave, notaríamos ser esta a sua configuração:

Na cabeceira do templo, topo oriental, o altar- -mor com as sagradas partículas. Aos dois lados dêste altar duas imagens: da banda do Evange- lho, Nossa Senhora da Conceição; da banda da Epístola, S. Jorge. Dois altares colaterais: um de Jesus, Maria e José, com irmandade de cegos, e uma devota imagem de Jesus Crucificado; e outro de Nossa Senhora da Assunção e S. Miguel.

Tinha mais esta igreja uma capella fóra do corpo da mesma (explicação do padre Azevedo, que não posso entender ao certo; imagino uma

1 Chorogr., tom. m, pág. 349. 2 Assim se exprime o padre José Lino de Azevedo no

sea manuscrito de iníormações para o Diccionario de Laiz Cardoso. Vidè na Tôrre do Tombo; tem a data de 29 de ftarço de 1758.

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s- /H

X

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Z9 a u

139

"UfeMnil VISTA DA SÉ E DA IGREJA DE S. JORGE EM 1595 (?)

Reprodução de um fragmento da vista oussippo, da obra de Jorge Braunio de Agrippina

79 — Igreja da Sé 91 — Igreja de S. Jorge

125 - Igreja de S. Martinho 16— Limoeiro

139 — Praça dos Canos

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capela como a de Nossa Senhora a Franca, na paroquial de S. Tiago). Nesta de S. Jorge vene- rava se Nossa Senhora da Soledade.

É mais sucinto o padre Carvalho da Costa, quando, enumerando as quatro capelas, as de- signa ràpidamente assim: a do Santíssimo, insti- tuída por Francisco de Lima, duas das Almas, e uma do Menino Jesus, que era a dos cegos.

Consta-me que se adornavam os altares com pinturas do nosso famigerado Bento Coelho, ar- tista do século xviiL

Era esta igreja priorado de concurso provido pela Mitra. Contavam se no seu distrito paroquial, antes do terremoto, 58 fogos2; em 1757, 72 fogos3, com 376 pessoas. Rendia uns 600*5000 réis, e além do prior havia quatro beneficiados a 200*5000 réis.

Tâo considerada era esta freguesia pelo cabido lisbonense, que, sempre que havia na Sé obras ou ruínas, iam os cónegos ao visinho templo de S. Jorge rezar o ofício divino, como refere Car- valho *. Já em dias de el-Rei D. Denis se anexara a mesma igreja à cadeira de mestre-escola da Sé; e depois, quando o senado de Lisboa, em come- moração da vitória de Aljubarrota, instituiu, no decurso do ano, nove procissões a vários templos, um dos santos mais lembrados foi S. Jorge, como aquêle a cuja intercessão especial (na crença pie-

1 Cirilo V. Aachado. Memorias, pág- 86. 2 Portuga! sacro-profano. 3 Ibid, e o padre Azevedo, acima citado. * Chrogr., tom. m, pág. 349.

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dosíssima do povo português) se devera aquêle estupendo feito de armas: no dia do mesmo santo ia solene romaria de devotos com uma vistosa procissão ao templo paroquial de S. Jorge.

*

Nada mais me ocorre, a nào ser isto: Houve defronte de S. Jorge um colégio para

pobres, fundado no século xv pelo dr. Diogo Afonso Manga-Ancha '. [ Obscurantismos dos antigos I Nós outros, no nosso orgulho e na nossa vaidade, fingimos crêr que só o século xix é que trata de educar e melhorar as classes des- validas II Oxalá nas muitas escolas que por aí se inauguram cada dia penetrasse mais a idéia reli- giosa. Banir da escola o crucifixo é deixá-la fria, fria de gêlo; e (bem sabem) para a meninice deve ser a religião o segundo alimento, logo depois do leite.

Foi Diogo Afonso um ilustre português, no reinado dos senhores reis D. Joào I, D. Duarte e D. Afonso V. Muita vez me falou dêle o mi- nucioso Duarte Nunes; e chega a afirmar que riaquelles tempos tinlia nome de grande lettrado, e eloquente. Noutro ponto chama-lhe homem let- trado, e audaç.

Na cerimónia da trasladação dos restos mortais de el-Rei D. João I, desde a Sé de Lisboa até à

1 Vldè J. B. de Castro, Mappa.

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Batalha, em 1433, recitou Diogo Afonso um dis- curso aos príncipes e ao povo, na alpendrada de S. Domingos ; sermão lhe chama o cronista 4.

Quando em 1435 partiu para o concílio de Ba- silêa, enviado de Portugal, o conde de Ourém, filho do conde de Barcelos, um dos indigitados e escolhidos para o acompanharem foi (entre outros sujeitos de primeira plana por suas letras e posição) o mesmo Diogo Afonso 2.

Nos sobressaltos e desordens do povo a pro- pósito das desavenças entre o grande infante D. Pedro e sua cunhada a rainha D. Leonor, viúva de el Rei D. Duarte, tomou Diogo Afonso, como devia, o partido do infante, e fez nesse sentido uma fala ao povo 3.

Orou também na sessão solene da investidura do infante D. Pedro, na regência l.

Era um personagem político de talento, in- fluência e saber, e como tal o pintam os seus próprios actos.

Existe no cartório da Universidade de Coimbra o testamento dele, e transcreveu-o João Pedro Ribeiro nas suas Dissertações chrottológicas 5; vou examiná lo com o meu paciente leitor.

Tem a data de 9 de Dezembro de 1447, e foi lavrado em Lisboa, nas casas de habitação do

1 Duarte Nanes, Chron. d'et-Rei D. Duarte, cap. n. 2 Id., ihid., cap. iv. 3 Id., Chron. de D. Affonso V, cap. vi, etc. 4 Id., Chron. de D. A ffonso V, cap. vn. 5 Tom. n, págs. 259 e segs.

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testador, á porta principal de S. Jorge. Por êste documento se fica sabendo o que era no século xv um abastado cidadão lisbonense, doutor, do con- selho de el-Rei, proprietário territorial em muita parte, grande estimador de livros, e generoso fundador de uma instituição nobilíssima.

Casara Diogo Afonso em primeiras núpcias com Branca Anes ', de quem enviuvou, passando a segundas com Maria Dias. Inspirou-lhe sua pri- meira mulher a idéia de fundar um colégio para dez escolares pobres de todo, no prédio de casas que possuíam, e onde habitavam ambos, á beira de Ssarn jorge. Cumpriu o viúvo o piedoso en- cargo, e em seu testamento fundou o colégio com as condições que éle próprio fixa, não sendo a menos interessante esta, que vem remontar muito longe a fundação de bibliotecas com certo carácter semi-público; a saber: numa sala da casa seriam colocados todos os livros que o doutor possuísse, e seriam postos em liua Liuraria per cadeas. Sabe o leitor de certo que antes da in- venção da imprensa eram tão caros os livros em geral, que em algumas livrarias, onde mexiam muitas mãos, estavam os volumes presos por cadeias de ferro (à cautela, por causa das tenta- ções da gente demasiadamente bibliófila). Êsse

1 Como esta senhora possaia bens em Setdbal, iserá oasadia conjecturar desse nome ao sítio onde se fundoa o conoento de Brancanes? A respeito de Diogo Afonso veja-se Barbosa, Bibi. Lusit., tom. x, pág. 628.

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uso ainda no século xvn se conservava na biblio- teca da Universidade de Leyde.

Os estudantes recebidos no colégio seriam maiores de dezasseis anos, e já grammaticos, isto é, teriam já cursado as pesadas humani- dades de então; no caso de serem sacerdotes, conquanto nào fôssem gramáticos ainda, seriam recebidos por escolha da Universidade, e de Maria Dias, viúva do testador, sem interíerência de el-Rei, nem do arcebispo de Lisboa, nem de outra alguma autoridade. Um dos dez escolares faria de reitor do colégio, e outro de escrivão.

Há mais outras cláusulas bem curiosas, algumas quási ininteligíveis para mim, e que por isso me abstenho de transcrever.

Por tudo se vê o entranhado empenho com que o bom de Diogo Afonso Manga-Ancha pro- tegia, conforme as suas posses, que não eram poucas, o incremento da instrução pública da sua terra (com conta, pêso e medida). | Glória, pois, ao fundadorl Se hoje a sua instituição pe- receu, se, fundada em 1447, levada à execução em 1451, não logrou vingar senão até 1459, ex- tinguindo-se, e encorporando-se-lhe as rendas na Universidade de Lisboa, ficou ao menos o nome do fundador como exemplo; e tôdas as vezes que passo acolá por pé do Limoeiro, onde foi S. Jorge, lembra-me o dr. Diogo Afonso; e lembra-me a caridosa Branca Anes; e vejo com os olhos da alma a sombra do prédio ao rez da igreja que já não existe; e entro nas dez câmaras adornadas de seus leitos e estudos (ou

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carteiras, diríamos hoje); e folheio na livraria algum códice pergamináceo; e vejo sentarem se à mesa das reteições as sombras dos dez escola- res, tendo à cabeceira o fantasma do seu reitor, e encetando sempre o repasto, e concluindo-o, com uma oração por alma dos instituidores.

ITristezasI tudo são ruínas neste mundo! o fado do homem é nascer de ruínas, viver de ruínas, e construir ruínas 4.

Buscando retinir as memórias históricas da sua freguesia, cita o padre Azevedo, informador do dicionarista Luiz Cardoso, algumas pessoas que, por terem nascido ou residido nela, a ilustraram. Por exemplo:

Manuel de Almeida de Carvalho, filho do advogado António de Almeida de Carvalho, e que foi freire de S. Bento de Aviz, juiz geral das Ordens, desembargador dos Agravos, desem- bargador do paço, ministro do conselho geral do Santo Ofício, prior do Crato, ministro e procura- dor da fazenda da Casa de Bragança.

0 conde de Assumar e primeiro marquês de Alorna, general de cavalaria da província do Alentejo, e vice-rei da índia por el-Rei D. João V.

1 De Diogo Rtonso rtanga-Rneha, lente de leis da (Inl- versiJade de Lisboa, traz maito, e bom, o livro de Leitfio Ferreira, Noticias chronológicas da Universidade, pág. 348.

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O marquês de Marialva, estribeiro-mor de el Rei D. José.

E finalmente, o cardeal patriarca D. Tomaz de Almeida, não nascido aqui, mas aqui morador quando foi desembargador da Casa da Suplicação.

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CAPÍTULO II

Eleitos do terremoto de 1755 na velha paroqaial de S. Jorge. — Um caso horroroso.— Transferências várias da paró- qoia: para S. Martinho; para Santa Bárbara; para as Olarias; para Santa Rosa de Lirra. — Sepultara de Pascoal José de Melo, e daas palavras àcêrca dêsse sábio.—Igreja nova de S. Jorge em Arroios.—Analisa-se. — Os termos de registo mais antigos: baptismo, casa- mento e óbito.

Quando sobreveio o dia 1 de Novembro de 1755, padeceu a igreja paroquial de S. Jorge ruínas con- sideráveis, e ficou inabitável. Há no cartório actual vestígios terríveis da catástrofe. Citarei um.

No próximo beco do Marechal eram as casas de um tal Francisco Garcia de Lima; vieram a baixo, e sepultaram nos escombros uma senhora, filha ou irmã déle, D. Maria Ana Josefa de Lima. Na confusão dos primeiros tempos ninguém pensou em a procurar; e só mais de um ano depois

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é que, removendo o entulho, a encontraram, encerrando-a então condignamente no seu jazigo de família 4.

Aparecem nos livros muitos outros registos, altamente lúgubres, relativos a pessoas mortas no 1.° de Novembro; deixemo los, porém, para não carregar demasiado nesta nota fúnebre.

Como a paróquia fronteira, S. Martinho (de que tratarei no volume seguinte), não fòra de todo derrocada, para aí se transferiu, num estado pro- visório medonho, o cartório de S. Jorge. Há no livro respectivo dois termos de baptismo, de

1 Eis o traslado exacto da certidfio, por mim vista e copiada:

Em o primeiro dia do Aez de Novembro de mil e sete centos e sincoenta e sineo no terremoto que houve em o dito dia nesta Cidade em 0 Beco do Aarichal nas cazas de Frane.e° Gracia de Lima falleceo Donna Aaria Anna Josefa de Lima, e no desentulho das próprias Cazas forão achados os sens ossos que todos de caza, e pessoas vezlnhas fide- dignas eerteficnrâo serem os proprios, e o mesmo afirmou o Reverendo Prior desta Igreja ioze Lino de Azevedo, e se tresdarão (sic) para o lazigo que a mesma caza tem nesta dita Igreja, em a eappella de Nossa Senhora da So- ledade em os vin e e doos dias do mez de Novembro de mil e sete centos e sincoenta e seis annos de que fiz este asento que asigney, dia era ut supra. Diz a emenda supra Francisco dia era ut supra.

O Cura Ant.° Aauricio do Coutto. 15

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20 de Junho de 1766 e 27 de Julho do mesmo ano, onde se declara ter a ceremónia sido feita na egreja de S. Martinho. O cura de S. Jorge era o padre Manuel Henriques.

*

Daqui passou-se para a ermida (hoje demolida) de Santa Bárbara, no largo ou campo do mesmo nome, no caminho de Arroios. Já ai vamos achar a freguesia em 24 de Junho de 1767, segundo consta de um termo de baptismo, onde se lê: nesta Capella de Santa Barbara, que interinamente serve de parochial egreja de S. Jorge. Nove meses aí esteve a sede da freguesia, segundo o Padre Castro

Em 1770 já damos com a mesma paroquial estabelecida noutra parte, onde, nestas forçadas transferências, se pensara já em a colocar 3: isto é, às Olarias, numa, então recente, ermida da Boa Sorte 3, no largo que ainda há uns três

1 Mappa, 3.' ed., tom. m, págs. 137, 167 e 219. 2 Relação das parochias q ie se comprehendem na cidade

de Lisboa, flss. da Tôrre do Tombo, fls. 78 e 79. 3 A ermida do Senhor Jesus da Boa Sorte e Santa Via

Sacra foi começada em 2 de Fevereiro de 1759 e concluída em 1764. A freguesia de S. Jorge instaloa-se nela em 1770, e daí se transferiu, em 1798, para a ermida de Santa Rosa,

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CAPELA DO SENHOR JESUS DA BOA SORTE E SANTA VIA SACRA, NO LARGO DAS OLARIAS

onde esteve de 1770 a 1798 a paroquial de S. lorge. Foi construída de 1759 a 1764.

(Sôbre esta capela pode Ver-se «Notícia Histórica do Bairro das Olarias», pelo P." António Lourenço Farinha, Cocujães, 1932).

Foto Ed. Portugal

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ou quatro anos se chamava de S. Jorge (entre a rua das Olarias e a dos Lagares), e hoje se chama das Olarias. E aquilo o que se deduz de um termo de baptismo de 13 de fevereiro de 1770, que diz ter sido lavrado n'esta parochial egreja <te S. Jorge novamente estabelecida na rua larga das Olarias.

Essa pequenina ermida, sôbre a qual já esteve impendente a bárbara picareta estupidíssima das demolições, tem sôbre a porta principal esta ins- crição :

ESTA ERMIDA HE DA IR MAND. DO S. J. DA BOA SOR TE E UIA SACRA A. DE 1758

e a um lado tem um azulejosinho com a data de i5 de setembro de i855, comemorativa certamente de alguma obra ou restauro.

do palácio dos senhores de Murça, sitaada em frente do Caracol da Penha, a Arroios.

A imagem do Senhor Morto, que está sob o altar-mor, é obra de dois artistas, Raimundo Costa, escaltor, e Apo- linário de Almeida, pintor, e aí foi solenemente colocada em 9 de Junho de 1781. O grande e belo crucifixo que ainda hoje se venera na ermida, é obra do escultor J. Ma- chado de Castro, e digno de menção é ainda o emblema da «corôa de espinhos e os três cravos», primorosamente esculpida em pedra, e que se ostenta por cima da porta de entrada. — Notícias extraídas da monografia Noticia His- tórica cio Bairro das Olarias (Lisboa), pelo padre António Lourenço Farinha (Cocujães, 1932). — Nota de A. V. S.

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Da ermida de que estou falando teve a fre- guesia outra trasladação para a da casa dos se- nhores de Murça (Guedes), que veio, depois de longuíssimas demandas, a cair no morgado dos Costas do armeiro-mor, viscondes e depois condes de Mesquitela Não pude, por mais que diligenciei, percorrendo muitos livros do cartório da igreja, topar com a data desta passagem da paróquia para a mencionada ermida, que era da invocação de Santa Rosa de Lima; o que sei é que em 1798 aí se achava, quando em 24 de Setembro faleceu, na rua direita de Arroios, o célebre Pascoal José de Melo.

Visto que se trata de tal homem, ornamento da jurisprudência portuguesa, vou transcrever textualmente a sua certidão de óbito. Ei-la:

Setembro de iyg8 Aos vinte, e quatro dias do Me\ de setembro

de mil sete centos e noventa, e oito annos falesceo da Vida presente, nesta Freguesia de sam Jorge, na rua direita de arroios 1 o Illustrissimo, e Reveren-

1 Em 1791, sendo desembargador graduado em Rgravos da Casa da Suplicação, morava na Carreira dos Cavalos, hoje crismada pela Câmara em rua de Gomes Freire. Veja-se o Rlmanaqcie de 1791.

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LISBOA ANTIGA 229

dissinto Desembargador, e Inquiridor Pascoal Jo^e de Mello Freire dos Reis, filho de Belxior dos Reis, e de Donna Faustina Freire de Mello, natural da Villi de Anciam, Bispado de Coimbra, e recebeu somente os Sacramentos da Penitencia, e Extrema- Vnsam, e não recebeu o Sagrado Viatico por não dar lugar para isso a mollestia, foi sepultado sem Testamento nesta Igreja de Sam Jorge, de que fi este assento dia Me\, e Era ut supra

O Prior, Ant." Joqe Rodrigues

Depois de terem jazido muitos annos na já pro- fanada ermida de Santa Rosa (porque o palácio é hoje uma fábrica), foram os restos moitais do abalisado jurisconsulto trasladados, em 11 de Agosto de 1873, a instâncias (reiteradas na im- prensa) do benemérito José Maria António No- gueira, e a expensas da Associação dos Advoga-

■ dos, para a capela do cemitério dos Prazeres, e daí, a 26 do mesmo mês, para o jazigo especial que a Associação erigiu.

A antiga campa foi para o museu dos ar- queógos no Carmo, onde se conserva com o número 1088. O retrato de Pascoal José de Melo, enfim, existe na sala da assembléa geral da Associação dos Advogados, na sobreloja do palácio dos condes de Almada, a S. Domingos; e à memória do mesmo notável português con- sagrou a Câmara, com aplauso de todos, uma rua nova no bairro Estefânia.

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Como a ermida de Santa Rosa era já acanhada para o movimento da crescente freguesia de S. Jorge de Arroios, determinaram os devotos, auxiliados pelo govêrno do senhor D. Miguel, erigir um templo vasto e condigno do seu orago. Foi escolhido o largo do Cruzeiro de Arroios, quási em frente do jardim do palácio dos Manoeis de Vilhena, senhores de Pancas, e aí se levantou a nova igreja.

A 8 de Novembro de 1829 foi trasladado com pompa o Sagrado Viático, desde a ermida para a nova matriz paroquial, seguindo-se festa sole- níssima, a que assistiu o próprio senhor D. Miguel. Era prior encomendado o beneficiado Eugénio Ma- nuel de Oliveira.

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A frontaria da paroquial de S. Jorge de Arroios é de muito banal desenho, resguardada por um adro gradeado, e arredondado nos cantos, para o qual se sobe por sete degraus. As esquinas do edifício sào guarnecidas de pilastras jónicas, com sua arquitrave, friso e cornija, tudo muito liso, de pedra lioz. No alto uma ática, em cujo tím- pano se rasga um pequeno óculo redondo.

O templo tem para êste adro uma só porta, em cujo remate se vê o escudo de S. Jorge. Por cima dessa porta, três janelas envidraçadas e gradeadas, a do meio mais alta.

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IGREJA DE ARROIOS no

Largo de Arroios

Cliché Ed. Portugal

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Nada mais singelo, e que menos diga; é a última expressão arquitectónica.

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Entremos no templo e analisemo lo: Tem dois altares por banda, e mais a capela-mor. No lugar principal sôbre o altar-mór, vê-se a

imagem de S Jorge. O primeiro altar contando de cima, do lado

do Evangelho, é o do Santíssimo Sacramento. O seguinte é de S. Miguel, cuja imagem se

levanta ao meio. Abaixo dele há três outras: Sant'Ana, Santo Amaro e S. Joaquim.

O primeiro altar contando de cima, do lado da Epístola, é o da Senhora das Dôres. Tem a sua imagem, e aos dois lados Santo António e S. Se- bastião.

O seguinte é de Nossa Senhora da Conceição, tendo aos lados S. José e outro santo cujo nome me escapa.

Nenhuma beleza arquitectónica encerra êste singelíssimo templo, nem quadros, nem imagens ricas. É tudo muito pobre, mas acha-se no maior alinho e asseio.

Tive o gosto de vêr junto à sacristia a capela da Senhora da Piedade, onde se guarda o notável cruzeiro de Arroios, que el-Rei D. João III mandou erigir naquele mesmo largo, então campo, e que em Fevereiro de 1887 a vereação lisbonense deitou abaixo, por motivos de alcance tão trans-

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cendente, que ninguém os atingiu. Botar abaixo, é o prazer de certa gente. Em 6 de Fevereiro de 1848 foi êsse cruzeiro, com a Senhora da Piedade e S. Vicente, colocado no sítio onde se acha agora na referida capela interior.

Darei agora ao meu leitor a transcrição dos mais antigos registos paroquiais que existem aqui:

BAPTISMO

A 3 de Janeiro de 1023 pos os Sanctos Óleos (de minha comissão) o padre Manoel Mendes a Anna (por ser baptisada em casa) Jilha de Fran- cisco Roi\ homem preto e de Luisa escrava do Conde de Villa A ova foi padrinho Francisco de Mendoça homem preto e madrinha Maria de S. Paulo.

Ant.° Correa.

No volume seguinte demorar-me-ei a falar do conde de Vila Nova, que tinha a sua residência defronte da igreja de b. Martinho. Essa cena do- méstica do baptisado da pretinha, filha da escrava do conde, dava só por si um quadro de costumes.

CASAMENTO

A g de Julho de 1623 de comissio minha recebeu o P.e M.el F.co Gomes Economo da Iga de S. Jorge

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CRUZEIRO DE ARROIOS, NA ACTUAL IGREIA DE S. JORGE

Face para o lado 110 altar-mor

Cliché Ed. Portugal

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de que sou Prior a Filippe Lourenço filho de Maria F>~i, e de Lian»r Lourença natural e morador na Villa de Ce\\mbra f'eg." de S. Tiago com Maria de Brito Jilha de P.° Fr{ de Brito e de Marta Car- valha natural da dita Villa de Ce\imbra, e mora- dora nesta freg." de S. Jorge sendo pr.0 corridos os banhos na forma da Const, do Bisp." forão 7 .*' P.° Gl\ Salvador Ferreira Gonsalo Gli do Couto, o P° Bernardim Franco Vtg." de S. Bar- tholomeu desta cidade de Lx.a e outras m."" pessoas. E por ser verdade assinei aqui.

Ant." Correa.

OBITO

A g de Julho de 1023 foi sepultado na lg.* de S. Jorge Cliristouão damaral de Vasconcelos filho de Christouão mendes de Vasconcelos e de Elena de Oliveira do amarai fe\ testam.10. Edeixou por seu testam.ro ao padre Francisco homem de Brito.

Ant.0 Correa.

Aporá, que disse tudo quanto sabia ^como hei-de agradecer ao muito reverendo sr. desem- bargador, padre Eugénio Vicente Dias, actual pároco de S. Jorge, a amabilidade com que me recebeu hoje, 27 de Dezembro de 1888? o em- penho com que se prestou a mandar de propósito

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abrir a sua igreja para me nâo obrigar a vir outra vez dos Olivais? a bondade com que me facilitou as buscas no cartório, e me auxiliou nelas como conhecedor? Confesso que nâo sei. Receba êsse meu respeitável amigo, neste lugar, a singela con- fissão da minha dívida.

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CRUZEIRO DE ARROIOS, NA ACTUAL IGREJA DE S. JORGE

Face para o lado do guarda-vento

Foto Ed. Portugal

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LIVRO III

Igreja e freguesia do Salvador

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CAPÍTULO I

0 mosteiro do Salvador.—Rpreela~se ràpidamente o livro de soror ftaria do Baptista, em qoe ela descreve o sea mosteiro.

Outra fundação que brotou na alvorada da monarquia foi a da ermida, depois recolhimento, depois mosteiro, do Salvador. Historiá-la ei, por ser esta uma das mais nobres casas monacais de que se ufanava Lisboa.

Vou seguir a passo e passo a melhor informadora que podia ter: uma habitante do mosteiro, autora da descrição da sua casa adoptiva; uma abadessa que (a exemplo de 01 tras mencionadas na Biblio- theca Lusitana) empregou os ócios em coligir me- mórias do seu instituto, e conseguiu reuni-las, tépidas de interesse ainda hoje, num opúsculo modesto, que se chama Livro da Fundação do Mosteiro do Salvador de Lisboa (Lisboa, 1618); livro de crendices, se assim o quizerem os espí- ritos fortes de hoje em dia, mas livro de crenças; sacrário onde a autora deixou todo o seu coração.

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238 LISBOA ANTIGA

Se me preguntam quem foi ela no século, direi, com Barbosa Machado, que se chamou D. Maria da Silva; que foi natural de I isboa; que eram seus pais Henrique Jaques, chanceler- -mor da índia e vedor da fazenda, e D. Catarina da Silva.

Nasceu em 1570 Em 9 de Novembro de 1586 professou no mosteiro das dominicas do Salvador em 1 isboa; passados poucos anos foi eleita mestra das noviças; e em 1617 prioreza. Tudo quanto recebia de casa dispendia-o com os pobres. Acabou piedosamente, como vivera, em 29 de Novembro de 1659, com 89 anos de idade e 73 de religiosa.

E tudo quanto se sabe da excelente monja; é pouco, e é muitíssimo. O mais, que se adivinha, mora disperso pelas páginas do seu livro.

] E que livro I *

O pior que podia suceder à autora foi tratar frei Luiz de Sousa o mesmo assunto na sua His- toria de S. Domingos. Nào quero certamente comparar com o estilo rutilante do grande pro- sador, o estilo indeciso da pobre monja, que no modesto prologo pintou, sem o querer, o próprio retrato, ela que tâo sinceramente (como confessa) conhecia as suas faltas para semelhantes emprê- sas, ela que da sua própria pequenez tira ânimo de encetar a custosa obra. Frei Luiz de Sousa é um só.

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LISBOA ANTIGA 239

Vê-se, porém, que à narração da escritora foi o cronista dos dominicanos buscar tudo que na sua linguagem de oiro se refere a êste ponto. Por isso lhe pedi eu antes a ela as informações que precisei. Agradou-me pela sua espontaneidade e pela sua precedência, o verídico depoimento da abadessa, justificado, como ela diz, com papeis antigos tirados todos do seu cartório, onde a autora só com muito trabalho os descobriu, e ajudando se de pessoas que a declarassem e tra- duzissem o que nào era da sua profissão dela.

Grande louvor — lhe diria D. Francisco Ma- nuel— Grande louvor em uma mulher, cultivar tão varonilmente o entendimento pela parte labo- riosa 1 /

Deixem-me na minha persuasão íntima: é das coisas mais formosas que nos legou o século xvii, êste volume que tenho aqui aberto, de soror Maria do Baptista ; e como é obra feminina, sente-se-lhe por baixo de cada página palpitar um coração.

Há ali a doçura dos ânimos meditativos, e o culto convicto do glorioso passado do mosteiro. Nâo devia ter sido inteligência vulgar aquela escritora. A despeito da sua acanhada cultura e das peias que lhe poz o seu tempo, o seu estado e a sua absorpção num pensamento fixo, revela dotes admiráveis de estilista.

Soror Maria relembra (muito por longe) uma ou outra vez, a celeste e levíssima doçura de Manuel Bernardes. É um escrever repoisado o

1 Hospital das lettras.

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seu, sem raptos, mas todo feito de contemplação; desenfeitado, triste, mas cortado de lindos toques de luz, que resplandecem entre a monótona meia tinta da narrativa.

Há poucos prosadores mais verdadeiros, no desenho e na côr; e bem se conhece pintava o que via pelos seus olhos, em roda de si, ou o que vira pelos olhos das suas companheiras de clau- sura. Nào sabia inventar; nâo julgava necessárias erudições mitológico-históricas, nem subtilezas de culterânos, nem as argúcias teológico-puerís de muitos dos seus confrades cronistas.

Desdenhava tudo isso; [ainda bem! O que escrevia (e ai estava a sua farta compensação}, sentia-o. Cada linha manava-lhe mesmo do íntimo da alma. Falava como pensava, e pensava como sabia, sem esforços ideológicos, sem querer esca- lar o céo, sem arrebatamentos de ascetismo incon- gruente.

»

Soror Maria é uma alma pura e uma poetisa da prosa. Pois quâsi ninguém conhece hoje o pobre livro, que tanta graça tem ainda, e tâo compulsado foi daquelas monjas. Está-se a vêr que o foi.

Aquele oitavo maneirinho, que se guardava em qualquer algibeira, e se lia em qualquer hora vaga, na cèrca, num canto do claustro, em comum, em rancho, é dos melhores quadros que jâmais se pintaram do viver de uma comunidade exem-

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LISBOA ANTIGA 241

plaríssima. Por isso haviam as dominicas de esti- má lo e relê lo.

E depois, para o espírito irrequieto de algumas mais visionárias, há ali o que quer que seja dos romances de cavalarias e de amores. A religião é um grande amor e uma sublime cavalaria.

[Se é livro de mulher 1 como nào havia de respirar amorl Respira, sim, mas o amor puro das coisas de além-mundo, o desprendido amor exclusivista que só nos claustros femininos ha- bitava, que era só por si uma oração, e que, imaculado e virginal, subia como sobem as es- pirais do incenso, à missa, à leitura do Evange- lho...

*

Quási ninguém conhece hoje aquêle alfarrábio, a nào serem os bibliófilos: e é pena, porque reside nele a qualidade principal para imortalizar uma obra; a sinceridade.

Tantos milagres de companheiras mortas, umas conhecidas, outras só vivas na tradição, no per- pétuo noticiário piedoso do mosteiro, saem im- pregnados do convencimento da narradora, e mais formosos ficam por isso. Sâo a nobiliarquia da casa, as crónicas reais da comunidade, humil- des crónicas salvas do esquecimento por uma narradora obscura, j Como a autora se não delei- taria em as vêr ressuscitadas pela sua boa vontade sôbre um pedacito de papel almaço, que lhe pa- recia rutilar de luz!

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Ficou sendo curioso exemplo do que pode a vocação, aquele livro da fundação do mosteiro do Salvador. Soror Maria escreveu-o por vocação; ou antes: o livro foi-se-lhe escrevendo por si mesmo, aos fragmentos, nos intervalos, nas horas do descanço, na reclusão da sua pobre cela. Vejo-a encostada à mão esquerda, e deixando cor- rer da pena as narrativas, que tão coloridas lhe saem, apanhadas de relance na conversação vivaz de alguma companheira, tão curiosa e sentimen- tal como ela. Porque ela sabe tudo, e indagou tudo que se podia saber das origens.

Enquanto escreve, vagueia-lhe o espírito por todos os recantos dos claustros, dos corredores, e do templo, arquivos de recordações; ou poi- sam-lhe os olhos nos pergaminhos velhos do car- tório, que ela própria coordenou e extraiu, com a sua paciência de prisioneira. Nada lhe esque- ceu; era um espírito de ordem; não se cança daquele devanear fadigoso pelas eras mortas, em busca dos sublimes exemplos que, nas memórias de cinco séculos, tinham deixado as suas prede- cessoras.

Ela, modesta criaturinha, é que, nem sequer quando entusiasmada relia às amigas o que tinha escrito, sonhava as lindezas de sentimento com que sobredoirava os seus quadros; nem sabia dar valor às graciosas molduras em que a sua inge- nuidade enquadrava o painel, semelhantes às ca- pelas e festões de flores com que, nos dias de festa, enfeitava as santas; nem suspeitava, enfim, a vida daquilo tudo, humildes anais da amorável

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LISBOA ANTIGA 243

existência de muitas gerações de noviças, pro fessas e educandas.

*

Mas há mais: para a história dos costumes, até para a dos costumes do século, que a aba- dessa nâo conheceu, é precioso o seu livro. | Quantos toques se nâo vão buscar ali para his- toriar as relações da cidade profana com o mos- teiro! para apreciar a vida da fidalga portuguesa, secular e religiosa! a influência da política nos usos da clausura, e a da casa mística nos usos da povoação! em suma: [como se vê bem a velha I.isboa, lá daquele píncaro espiritualista e ele- vado, onde a escritora se colocou!

Eu, ao acabar hoje de reler o livro, mais uma vez me insurgi contra o vandálico pensamento, que, em nome de uma liberdade sem crenças, destruiu para sempre aqueles ninhos, e, em tempo que tão hipocritamente proclama a famigerada a li- berdade de associação», aniquilou a mais fecunda e reparadora das associações: a comunidade re- ligiosa.

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CAPÍTULO II

Origens afonsinas do mosteiro do Salvador. — Crucifixo aparecido nos matagais da Rlfangera.— S. Salvador da /lata. — Rlbergae de romeiros.— Rs emparedadas — Rs recolhidas. — O mosteiro fandado em 1391. — Des- trôço da casa em 1755. — Os mais antigos registos paroquiais do Salvador. — Presépios. — São recolhidos nêste mosteiro os restos mortais do infeliz infante D. Fernando. — R antiga portaria demolida em 1886. — Conclusão.

Foi, segundo referem, nos primeiros anos do reinado de el-Rei D. Afonso Henriques. Andava caçando, fora das Portas do boi, certo senhor cujo nome se não perpetuou. Por aí, nessa cer- cania oriental de Lisboa, eram tudo matos e pe- nedia bruta, por onde certamente abundava boa caça; chamavam ao sítio Al [linger a; paragem sil- vestre, onde, dentre a espessura de arvoredo in- culto, assomavam, aqui, além, as grimpas das palmeiras.

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É notável o crescido número delas, que as me- mórias apontam disseminadas nêste recanto da Estremadura. Acham-se a cada passo nos escri- tores antigos. Hoje só raríssimas, e só em jar- dins, as gosamos. Mudou-se a flora, como se trocou a fauna; e quem quer ver ainda vestígios da primitiva feição dos nossos campos, tem de ir procurá los à paizagem característica e arcaica do Algarve.

Aos pés de uma das palmeiras dêste sítio da Alfungera deparou-se ao desprecatado montea- dor, de repente, embrenhada nalgum denso dos espinheiros, uma cruz, com uma grande imagem do Crucificado.

À vista do inesperado encontro descobriu-se o cavaleiro, e aproximou-se respeitoso, mais o trôço dos demais monteadores, chamados por êle, e to- mados de sagrado terror. Estava erguido e firme o lenho, e enterrado no chão até aos pés da imagem. Naquele sítio selvático revestia-se o en- contro do que quer que fôsse de sobrenatural; e em tempos de fé assumiu proporções de apa- rição.

Em volta da cruz haviam as abelhas fabricado muitos favos: entre êles se deparou também uma imagem da Senhora com o Menino.

Correu a nova. [Estranha caçada aquela! Na velha Lisboa não se falou noutro assunto; e em romaria entrou a concorrer ao sítio muito povo, a ver por seus olhos as imagens, e a arrecadar como relíquia mãos cheias da terra onde estivera ° crucifixo.

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l Donde podiam ter vindo aqueles simulacros santos? ficaram todos tendo para si que seria obra de esconderijo de visigodos cristãos, du- rante a invasão das Espanhas pelos moiros de além do mar.

Cuidou logo o povo em edificar no sítio uma ermidinha; e os alicerces dela foram naquele ermo a pégáda primeira da civilização. A civili- zação começa sempre pela cruz.

Nem esqueceu a palmeira, madrinha e pro- tectora viva das imagens.

Lembra a palmeira os cerros de Tdumêa, terra de Esaú; lembra o deserto; lembra o Cedron, e acorda na alma dos cristãos saudades vagas de tóda a Terra Santa. Não esqueceu, pois, a pal- meira aos devotos lisbonenses; conservaram-na, e durou séculos.

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Como se vê, tem mais visos de lenda que de história, esta narrativa com que se entretinham as santas monjas do Salvador. Pululam as asser- ções inverosímeis, quási tão emaranhadas como os matagais da Alfungera. Aquelas imagens, ocultas mais de quatrocentos anos à beira de uma cidade de moiros, e só desencantadas de cristãos, são o espanto da crítica sincera.

E ainda assim, não me atrevo a rejeitar de todo a narração, tal como saiu da pena de soror Maria. Escrupulizo em destruir o que veneraram séculos.

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Cresceu a fama do crucifixo; chamaram-lhe S. Salvador da mata. A pouco e pouco foi-se esta desbastando e povoando de casais, agrupa- dos em volta da nova ermida. A ermida mesma se acrescentou; interveio braço real; fez-se da ermida, não se sabe como nem em que tempo, orago de freguesia; daí a pouco, priorado; ane- xaram-lhe benefícios; concederam-lhe dísimos.

Como subia a muito mais a devoção, houve que edificar junto do templo um modesto recolhi- mento para albergue de romeiros; disso nasceu em algumas mulheres o desejo de tomarem por vivenda o sítio, e aí se fundou uma casa de emparedadas.

É êsse o marco miliário donde se começa a considerar o princípio da fundação do famoso mosteiro. Calcula frei Luiz de Sousa que fòsse isto pelos anos de 1240.

A Ordem do Hospital possuía na freguesia do Salvador unum fornum pani. Consta de uma Inquirição, que, pela letra, João Pedro Ribeiro atribui ao tempo do rei D. Afonso II l.

Como crescesse em muitas devotas o desejo de se juntarem àquelas piedosas mulheres, reuni- ram-se tôdas em apertado e duríssimo encerro, onde, a despeito da comunidade, perseveraram na solidão desconchegada do seu viver aspérrimo. Recolhimento exemplar; duro o leito, de tábua e

1 Vem a pág. 9 do Apenso às Memórias para a história das Inquirições dos primeiros reinados em Portugal, pelo mesmo J. P. Ribeiro.

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pedras; rude o vestido, de estamenha e burel; perene o silêncio; constante a oração; incerto o dia de amanhã, fiado só no casual da esmola, que ainda assim, depois de entrar, ressumbrava de novo para fera resolvida em caridade.

Tomou-as sob sua protecção certa rainha por- tuguesa que a história não nomeia; e deu-lhes o povo o nome de Beatas da Rainha.

Nisto se estava.

Nos fins do século xiv era um certo Afonso Esteves senhor de Salvaterra de Magos, no Ribatejo, e também senhor da quarta parte dos dísimos da igreja de S. Paulo da mesma vila; homem fidalgo, e cuja família remontava aos dias de el Rei D. Denis. Tinha por irmão a Jcão Esteves, que veio a ser alcaide-mor de Lisboa, cargo elevado na governança da cidade, e em cuja lista se encontram sempre nomes de pri- meira ordem. Criaram-se êstes dois irmãos à moda dos meninos nobres, na casa de el Rei D. Fernando; e ao valimento do soberano deveu João o cognomento, por que era conhecido, de João Esteves o Privado. Fundou na recente paroquial dc Salvador uma capela e um vínculo, de que são hoje representantes os condes de Arcos.

Afonso, irmão de João, teve um filho, também por nome João, que, pelos seus merecimentos e

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virtudes, subiu a bispo do Pôrto, a arcebispo de Lisboa com o nome de D João Esteves, e a cardeal em 1411, depois de ter, quando secular, empunhado valorosamente a espada nas pelejas da independência da pátria. Foi êste o fundador do mosteiro do Salvador de Lisboa, casa religiosa em que êle transformou em 1391, com o bene- plácito da Cúria romana, o recolhimento das beatas.

O edifício, que no meio do século xv se não achava concluído, acabou-o em 1478 a rainha D. Leonor, mulher de el Rei D. João II, sendo ainda princesa.

Aí ficam notícias muito fugitivas, bem o sei, mas as únicas que me atrevo a roubar ao livro saúdoso de soror Maria do Baptista, e ao livro mo- numental de frei Luiz de Sousa. Quem quizer delei- tar se e instruir se procure essas duas obras. Seria crime diluir na minha prosa aquela vibrante e sonora poesia.

Apenas acrescentarei uma ou duas circunstân- cias para completar a historia desta paróquia, cuja origem remonta, como se viu, aos primitivos tempos do reino.

Arruinado o templo e mosteiro pelo terremoto de 17õõ, estabeleceu-se a paróquia na igreja do Menino Deus, por portaria de 17 de Outubro de 1836, onde esteve dois meses, recolhendo

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depois para a chamada casa da grade do próprio mosteiro

O destroço na igreja fôra grande. Só escaparam o altar-mor, e dois mais: um da parte do Evan- gelho, e o outro da parte da Epístola. Os res- tantes (eram dez ao todo) caíram. Contudo con- tinuou a haver culto nos altares escapos s.

A freguesia do Salvador com a de S. Tomé foram trasladadas solenemente em fins de 1836 para a freguesia de S. Tiago, e daí transferi- das para a igreja de S. Vicente, onde actualmente se acham retinidas com a freguesia desta última invocação.

No mosteiro está funcionando o centro demo- crático Dr. Magalhâis Lima.

*

Registos velhos e outros papéis, creio que desapareceram; os mais antigos (hoje no cartório

1 J. B. de Castro, Mappa de Portugal. — Padre Joaqciim Ferreira de Veras, informador de Lniz Cardoso; mss. da Tôrre do Tombo, em 21 de Abril de 1758.

2 Ferreira de Veras, Ibid.

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da freguesia de S. Vicente) são de 1614. Ei-los fielmente copiados:

OB1TO

Aos 4 de marso de 1614 falleceo Ioao bartho- lomeu f.° de J.° G.es e se enterrou nesta Igreija e não fes testam.'0 ... filha sua ficou por erdeira. dia, mes, e era ut supra. —

(l.ogar da assignatura do Prior, para mim indecifrável).

NASCIMENTO

A 20 de jan.ro de 1614 baptizei João filho de João Manoel e de sua molher m.a Jorge padrinho Luiz de mereles; madrinha m.a dalmeyda — dia mes e era ut supra.

(Assignatura indecifrável).

CASAMENTO

Aos 12 de jan.ro de 1614 recebi a porta da Igreija do Saluador guardando prim.ro a forma do sagrado C. Trid. e Constituissoins deste Arce- bispado estando presentes as... seguintes do- mingos andre e bastiao andre e jeronimo frz, e p.° das... a pero fr.00 com c.na Roiz ambos meus freguezes, dia, mes, e era ut supra. —

(Assignatura indecifrável).

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Pausa. Falemos dos célebres presépios do Salvador. Nas igrejas e mosteiros lisbonenses, uma das

coisas que mais atraíam o público, em certos dias, eram os presépios. Pois, a crermos as tradições, o primeiro que em Portugal se viu foi o do Sal- vador.

E tiravam dêste certa ufania os dominicanos, ainda que tinham outro presépio magnífico em S. Domingos do Rossio.

0 erudito frade, autor (se o é) do Anatómico jocoso, lá diz:

Dou comigo em São Domingos, porque eu bem sei que o Presépio é lá muito da sua Ordem. Não tem dúvida: o primeiro que se fe\ em Portugal foi no Salvador l.

jE que formosa invenção! como brilhavam aqueles galantes simulacros das cenas mais paté- ticas da Escritura I como reviviam no barro os versículos do Velho e do Novo Testamento! que lindeza de concepções naquele formigar de figuri- nhas de pobríssima escultura, desproporcionadas, pintalgadas muita vez, mas bem mais cheias de verdade acessível aos olhos do povo, do que as obras primas de Guido Reni, Miguel Ângelo, ou RafaelI

1 Porquê ? porque esta arte popular ingénua, que na poesia se desatava em autos, incongruen-

1 Anat. joc., tom. m, pág. 338.

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tes mas pitorescos, e na plástica produzia as ado- ráveis anomalias dos presépios, falava ao povo a sua linguagem nativa; revolvia-lhe as fibras do coração.

Era uma alegria para as crianças, para as mu- lheres, para as cançadas hordas operárias, o ir visitar os presépios do Salvador, contar uma por uma as figurinhas, vêr se de ano para ano havia mudanças, admirar o garbo daqueles reis a cavalo, o brilho daquela estrela de lentejoila tremeluzindo num fio invisível de cabelo, o bem traçado daqueles caminhos, que em poucas varas de espaço com- pendiavam a Terra Santa, o florido verde daque- las palmeiras, enfolhadas de seda, a alegre folia daqueles saloiosinhos de barro, tào portugueses e tào sabidos, com os seus trajos vistosos e mo- dernos, atravessando como truôes pelo meio da seriedade trágica do todo, e em suma: o sin- cronismo singular, com que, de um lado se via sorrir um menino no berço entre palhinhas, e ao outro cabo se via carranquear uma cruz negra, donde pendia o Homem-Deus.

F. o público afluia; e ferviam os comentários; e (o que era essencial) com êsses meios frívolos acrisolava-se a fé.

| Pois as festas do Rosário 1 com que alegria se nâo bailava naquele adro I com que júbilo se nào representavam cênas bíblicas naquela capela-mór, e se nâo entreteciam danças na procissão I Recor- dações preciosas, que ainda mais realçam êste sítio lisbonense mil vezes histórico. E assim, tinha razào a musa popular e galhofeira de certo livro

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antigoem exclamar com entranhada ufania, diri- gindo se à virgem:

Viva A/fama, Virgem pura! vós bem sabeis que é o bairro das freiras do Salvador, d'onde vamos ao Rosairo, e todas na procissão do vosso Filho bailamos l

*

Agora um caso interessantíssimo. Tinham, como todos sabem, ficado em Fez os

despojos mortais do mártir infante D. Fernando. Reclamava os a opinião pública, e desejava el Rei D. Afonso V, mais que ninguém, poder sacá-los de tâo infamante cativeiro póstumo. Com mus- sulmanos, porém, nâo é fácil chegar a partido; tinham se baldado até então as diligências.

Ora sucedeu acharem-se em nosso poder as mulheres do soberano moiro Muley Xeque e dois filhos pequeninos; pareceu azada a ocasião; ser- viriam êsses prisioneiros de preço do resgate a el-Rei de Fez, sôbre quem podia muito, e com quem muito valia, Muley-Xeque.

Foi enviado a essa negociação o português Diogo de Barros, adail-mor; e nela se houve com tanto acérto que tudo obteve dos moiros. Encer- rados os ossos do infeliz infante num cofre com

1 Anatómico jocoso, tom. m, pág. 189.

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duas chaves, trouxe uma o adail, e a outra certo marroquino, grande fidalgo entre êles, por nome Muley-Pelsaca ou Belfaca.

Entregue o cofre em Arzila, chegou por mar até Lisboa, desembarcou em Rastêlo, e veiu em solene e pomposa procissão de tôda a côrte a caminho da cidade; e tomando a Santos subiu à porta de Santa Catarina. Aí achava-se preparado um estrado alto, e perante imenso concurso de povo prègou um sacerdote eloqilente, recontando a expedição, o cativeiro daquêle príncipe, o seu martírio sofrido com tamanha hombridade, e a sua desamparada morte em masmorra de infiéis, longe de todos os seus, e ralado de saudades.

Daí, no meio de lágrimas gerais, continuou o préstito lutuoso em direcção ao mosteiro do Sal- vador, onde foram depositados aqueles tristes ossos, e depois de poucos dias, levados para o seu jazigo na Batalha4.

Era apenas seguir à risca tudo quanto a devo- ção do simpático infante havia determinado no próprio testamento, em 1437 a; por sinal que deixava também ao mosteiro, como saudosa lem- brança, vários objectos: paramentos e livros.

Os paramentos eram êstes: uma capa de sen- dal preto (espécie de tecido antigo, ralo como crepe); um manto; uma cortina e frontal, uma

1 Vidé Daarte Nanes do Liôo, Chron. d'el-Rei D. Affonso V, enp. xlii. — Damião de Gois, Chron. do Príncipe D. Jodo, cap. xxxiv.

2 Hist, gen.; Provas, tom. i, pág. 503.

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capa, um manto e umas almátegas (dalmáticas), tudo ornado de damasquim branco; uma cortina de sarja preta para deante do altar; quatro sôbre- -pelizes; dois corporais; duas toalhas bordadas; uma ára e duas toalhas de altar.

Os livros eram os seguintes: uma vida de S. Jerónimo, em português; o livro da rainha Santa Isabel (de Hungria, porque não podia ser a da sua terceira avó D. Isabel de Aragão, que não se achava canonisada, e só o foi em 1625); dois livros pequenos de orações, um de perga- minho, outro de papel, cobertos ambos de veludo preto.

Tudo isto, já se vê, manuscritos, provàvel- mente iluminados; luxo de príncipe1.

*

Do mosteiro para uma casa fronteira, que era também pertença dele, ia, já no século xvi, um passadiço sôbre a rua. Considerando as religiosas o incómodo que lhes provinha, principalmente às de mais avançados anos, de atravessar por êsse distante passadiço, para o sítio onde ficavam os dormitórios, entenderam dever construir outro, mais ao norte daquele. Para isso pediram licença à Câmara de Lisboa; e esta, em 13 de Maio de

1 Idem, ib., pág. 506.

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1596, celebrou com as religiosas prévio contrato, concedendo as pedidas autorizações '.

Nêsse contrato alude-se positivamente a dois passadiços: um mais antigo, que é provàvelmente o que lá está ainda, sôbre a Íngreme rua do Sal- vador, e êste tal novo, que nâo existe já. Havia de ter cinco palmos de vào, e corria às freiras a obrigação de lá manterem acêsa todas as noites uma lâmpada; pelo que, tinham de comprar um censo perpétuo que lhes rendesse 3:000 réis, para o custeio da lâmpada.

Quero crer que o passadiço mais antigo, já mencionado com o nome de Arco, que em reali- dade é, no livro de Cristóvão Rodrigues de Oli- veira, desse o nome à travessa do Arco de Dom Leão, por ser comunicação contígua à casa dos Noronhas. É vulgar na família Arcos o nome de Leão. D. Leão de Noronha era em 1774 um ca- valeiro fidalgo de el-Rei D. Afonso Va; há outro, que foi filho de D. Henrique de Noronha, pa- droeiro do mosteiro do Salvador, e de D. Guio- mar de Castro, da casa de Monsanto, falecido em 18 de Agosto de 15723; há outro, que em 1642 era doutor em leis e deputado da mesa da Cons- ciência e Ordens4. Fica bem aquêle nome pró-

1 Cart, da Câm. I\an. de Lisboa, li», m de contratos, 11. 79. citado nos E/em., tom. n, pág. 385, nota 3.

2 Hist. Ren.; Provas, tom. u, pág. 31. 3 Ibid.; tom. xi, pág. 902. * Vem mencionado no li»ro do sr. Deslandes Historia da

tipographia, ram docamento daqaele ano, relatioo a Paalo Craesbeeck.

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prio a quem via colear no seu escudo de armas dois leões de púrpura batalhantes sôbre um man- teler de prata.

Se algum dos dois primeiros deu nome ao Arco, e portanto à travessa, não se pode saber; mas a ter sido algum, foi o segundo 4, que era bisavô, por varonia, do terceiro conde dos Arcos de Val de-Vez, D. Tomaz de Noronha®, e dêle fala muito largamente o Agiológio Lusitano3.

*

Para a banda de S. Tomé ficava a portaria do Salvador, na esquina da rua chamada do Arco do Salvador, e da das Escolas Gerais, sôbre uma espécie de pequeno largo, ao tôpo da rua direita do Salvador e das escadinhas de S. Tomé. Era, ao fundo de um pátio estreito e enladeirado, um portão de vulgar aparência, coroado por um bra- são de armas, que descreverei assim: escudo es- quartelado: ao primeiro, as quinas reais de Por- tugal; ao segundo, agironado de negro e prata,

1 Informação do Sr. conde dos Rrcos, em carta de 1 de Dezembro de 1935. —A'ota de A. V. S.

2 Qcie foi conde pelo sea casamento com D. Madalena de Boarbon, filha do primeiro conde D. Luiz de Lima de Brito Nogaeira, filho do sétimo visconde de Vila Nova de Cer- veira, e da viscondessa D. Laiza de Távora. Por êsse D. Tomaz é qae a nobre casa dos Rrcos ílcoa tendo a varonia de Noronha.

3 Tomo iv, págs. 672, 687 e segs.

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de oito peças, com uma cruz florida sobreposta de um no outro, e bordadura também de um no outro; e assim os contrários; orla geral, carre- gada dos sete castelos das armas do reino.

Êste brasáo, que certamente nâo pertence a família alguma em especial, é, com tôda a pro- babilidade, um mixto ad libitum do estêma domini- cano, com o escudo da família de alguma aba- dessa que empreendeu a obra. Sigo nisto a opi- nião de um erudito genealogista e heráldico, o meu bom amigo Anselmo Braamcamp Freire, a quem consultei.

Foi essa porta demolida em Janeiro de 1886, e a rua das Escolas Gerais alargada, tomando-se uns metros aos dormitórios do mosteiro. O mos- teiro é hoje (1889) um asilo.

Em 29 de Abril de 1884 dizia um jornal de Lisboa estas significativas e frias palavras, que me abstenho de comentar, mas que julgo con- sentâneas com o espírito revolucionário, demo- lidor e intolerante, que em 1834 derrubou os conventos:

O sr. administrador do bairro oriental foi ontem tomar p<>sse do convento do Salvador, por ter falecido a última freira.

Todos os dias presenceamos iguais actos de rapinagem legal. O silêncio da aquiescência, ou os brados do aplauso, acompanham em tôdas as fileiras do jornalismo tais desacatos ao direito de

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associação, à vontade dos mortos, à religião, à arte e ao senso comum.

Quem mais r.âo pode, protesta como eu faço.

aditamento 1.°'. Uma das curiosidades desta freguesia consiste numa lápida encastrada na pa- rede de um prédio da rua do Salvador, entre as portas n.01 26 e 28, à altura dos olhos, do lado direito subindo a rua.

A inscrição dessa lãpida é a seguinte:

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cuja leitura corrente se pode fazer assim:

Ano de JÔ86. Sua Magestade ordena que os coches, seges e liteiras que vierem da portaria do Salvador recuem para a mesma parte.

1 Por A. V.S.

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LISBOA ANTIGA 261

Em vista da estreiteza da maior parte das ruas de Lisboa antes da reconstrução originada pelo terremoto de 1755, os choques de veículos, e a dificuldade ou impossibilidade de se cruzarem nas ruas eram frequentes, e algumas delas, como a rua dos Ourives da Prata, foram alargadas para evi- tar tais inconvenientes; além disso conservam-se memórias de alguns conflitos pessoais por motivo de precedências nos encontros de veículos cir- culando em sentidos opostos, e transportando pessoas de desigual categoria social.

iQual devia recuar para deixar a via livre ao outro?

Foi naturalmente um incidente desta natureza que originou a colocação da citada lápida, con- quanto nào se conheçam factos concretos da na- tureza citada referentes àquela passagem da rua do Salvador.

Àcêrca dêste assunto pode consultar-se A ins- cripção lapidar na Rua do Salvador, por J. M. Esteves Pereira (Lisboa, 1896).

aditamento 2.® L A face norte do largo do Sal- vador é preenchida pela fachada lateral sul da igreja do extinto mosteiro do Salvador, que nào perdeu ainda de todo o seu aspecto monacal. No lado esquerdo vê-se ainda a tôrre sineira,

1 Por A. V. S.

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262 LISBOA ANTIGA

que tinha três sinos, e cuja parte superior, arra- zada por 1913 ou 14, serve agora de mirante.

A face ocidental do mesmo largo é ocupada por um grande palácio, que é o solar dos condes dos Arcos de Val de-Vez, ou mais abreviadamente, condes dos Arcos.

Tem, além do andar nobre sôbre o largo, com oito janelas de frente, um andar de lojas e três de sobrelojas.

Em seguida ao vestíbulo entra-se num pequeno pátio descoberto, com duas arcadas fronteiras, com três arcos, cada uma, no qual começa a escada nobre, de cantaria. Na parte posterior tem o palá- cio um grande jardim, contíguo à parte da cêrca do extincto mosteiro do Salvador, que ficava do lado ocidental da rua desta denominação.

No tOpo de uma galeria que deita sôbre o pátio da entrada existe uma capela de invocação de N. S.a da Conceição, na qual se vê um interes- sante silhar de azulejos do século xvm, prove- niente do demolido palácio dos condes de S. Mi- guel, em Arroios.

A construção desta opulenta casa nobre, que deve datar dos fins do século xvi, foi começada pelos primitivos padroeiros do mosteiro, que eram Esteves da Azambuja.

Pelo casamento da 3.a padroeira D. Catarina de Távora, com D. Pedro de Noronha, os senho- res do palácio e padroeiros do mosteiro, passaram a ser Noronhas.

O terremoto de 1755 danificou bastante o pa- lácio, que foi reparado e modificado pela sua

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proprietária de então, a 7." condessa dos Arcos, D. Juliana Xavier de Noronha e Brito.

Aqui residiram os condes dos Arcos dejde o 3.° ao 10.°, D. Nuno de Noronha e Brito.

Foram filhos dêste: D. Manoel de Noronha, que morreu solteiro; D. Mariana da Madre de Deus de Noronha,

casada com Sebastião Brandão de Melo, que recebeu, pelo casamento, o titulo de conde de S. Miguel; sem sucessão; e

D. Bárbara Camila Vicència José de Noronha e Brito, que casou com Bartolomeu da Costa Macedo Giraldes Barba de Menezes, 2.° visconde de Trancoso. Tiveram, além de outros filhos:

D. Maria do Carmo das Dores do Socorro e Neiva, e

D. Mariana da Conceição do Socorro de No- ronha e Meneces.

D. Maria do Carmo das Dores do Socorro e Neiva de Noronha e Brito, actual 11.4 con- dessa dos Arcos; casou com D. Henrique José de Menezes de Alarcão, e tiveram filhos:

D. José Manuel de Noronha e Brito de Me- nezes de Alarcão, 12.® conde dos Arcos, e repre- sentante das casas dos condes de S. Miguel e viscondes de Trancoso. É casado com D. Maria Margarida José de Jesus Clara Francisca Xavier de Mendoça;

D. Nuno José de Meneces de Alarcão, casado com D. Maria Garcês de Castro; com sucessão.

D. Mariana da Conceição do Socorro da Costa Macedo Giraldes Barba de Noronha e

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Menezes, condessa de S. Miguel, proprietária do palácio desde 1904, por disposição testamen- tária, casada com o comendador Mário Tavares Trigueiros de Carvalho e Costa. Tiveram os seguintes filhos:

D. Nuno de Noronha da Costa, casado com D. Maria de Lourdes Verde de Sousa Azevedo (Algés), com sucessão;

D. Bartolomeu de Noronha da Costa, casado com D. Ana Soares de Albergaria; e

D. Lu\\ de Noronha da Costa, casado com D. Maria Helena Telo da Silva de Noronha1.

#

Acabemos agora com S. Salvador; e ao fechar em espírito a porta do venerando templo, fechemos também a do volume, que nào vai minguado.

Quanto mais me embrenho nestes estudos, mais a tarefa se alcantila. | Ânimo! ânimo I é o que eu peço a Deus, porque é imenso o que me resta por fazer.

Nesta labutação de tôdas as horas, só e quási desajudado, azeda-se-me muita vez a benevolência para com o próximo. Tenho sido áspero (confesso) para as Câmaras Municipais da minha terra, corpo-

1 Êstes apontamentos sôbre o palácio e a família dos seas proprietários foram-nos proporcionados amàvelmente pelos srs. condes dos Arcos e de S. Higael, a qaem aqai tes- temunhamos o nosso agradecimento. — Nota de A. V. S*

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rações onde aliás tive, e tenho, amigos. Nâo se veja porém nessas asperezas a intenção de ferir personalidades; o meu campo nâo é êsse. Quero apenas pugnar, pugnar com denodo, pelos direitos inconcutíveis do passado, e convencer (quanto em mim caiba) as nossas vereações, de que se desa- creditam à face da Europa quando desleixam, quando desamparam por qualquer forma, aquêles direitos sacratíssimos.

Perdão, se com as minhas (aliás motivadas) prolixidades abusei da paciência dos estudiosos. A desculpa é simples: falava da nossa querida terra; por outra: pintava o retrato dela, e cada velatura saía-me do coração.

IQue bem que o disse Vítor Hugo! On tient à la figure de la patrie, comme an visage de sa mere.

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NOTA I

RECTIFICAÇÃO DO NOME DA MULHER DO ESCULTOR J. MACHADO DE CASTRO

(Pág. 66)

0 nome da seganda malher do notável esealtor Joaqalm Machado de Castro é fina Bárbara de Soasa. Rectificação feita pelo sr. Laiz Pastor de Macedo, na saa valiosíssima monografia sôbre A Igreja de Santa Maria Madalena de Lisboa. (1930), pág. 85.

NOTA II

SIMÕES DE ALMEIDA NAS SUAS OBRAS

(Pág 113)

Para qae se veja qnanto Simões de Rlmelda tem tra- balhado, aqoi deixo, como sabsídio a fataros biógrafos, a lista qoási completa das obras dêle até agora (1887).

Dividi-la-ei em três grupos principais,-1.° obras de alta escoltara; 2.° bustos; 3." medalhões.

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I

OBRAS DE ALTA ESCULTURA

El-rei D. Sebastião muito novinho meditando as suas futuras guerras, 1872. Vestido no rigor da moda do sea tempo, vê~se o javenil soberano meio encostado, e absorto na leitora de am livro qae lhe pende entreaberto da mão. Na fisionomia concentrada e contraída nota-se meditação profanda ,• arde-lhe o espírito em labaredas, qae se lhe revelam nos olhos. Bela e sábia composição, tôda vibrante de patriotismo. Mármore de Carrara. Pertence a el-Rei o senhor D. Loiz, qae a tem nam gabinete qae precede a sala do Conselho de Estado, no paço da Ajada.

Safo, 1872. Graciosa Interpretação da personalidade da célebre poetisa grega; é ama estatueta qae mais de ama vez o mestre reproduzia em mármore italiano. Prima pelo acabado e bem composto. Bate-se com a famosa Safo de Pradier. Pertenceu ao falecido negociante o sr. Pacheco, do Banco Ultramarino.

Nossa Senhora da Conceição, 1872. Pode ser estadada esta bela estátaa no tdmulo da família do digno par Carlos Eagénio de Almeida, no cemitério dos Prazeres. Pedra lioz.

O órfão, 1873. Sentado no chão, na postara mais desam- parada e triste qae é possível imaginar, comove esta figara pelo sea tom de afectuosa resignação. Mármore de Carrara. Pertence ao sr. visconde de Condeixa.

A Piedade, 1874. No tdmalo do sr. conde de Penha Longa, no cemitério dos Prazeres. Pedra Hoz.

A morte (baixo relêvo), 1874. Mármore de Carrara. Hércules, 1875. É ama colossal figara de extraordinária

pajança esta. Lembra o qae há de melhor no antigo. É em pedra porlagaesa, e foi erigi la janto a Alhandra, no mo- namento comemorativo das famigeradas linhas de Tôrres Vedras. Avista-se de malto longe no alto do sea montículo.

Suiiiade, 1875. Quando Saa Magestade o imperador do Brasil o senhor D. Pedro 11 visitou a oficina de Simões de

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LISBOA ANTIGA 271

Almeida, em Lisboa, dirigia ao artista palavras animadoras, e encomendoulhe ama estátaa. Simões pedia a Saa Mages- tade se dignasse dar-lhe o assanto; e o imperador, depois de meditar am pouco, respondeu qae eram tão agradáveis as recordações qae levava de Portugal e dos portugueses, qae não encontrava oatro assanto senão a sua saõdade. Prometea o mestre representar a safldade em escoltara, e sala-se admiràvelmente. Sentada, na posição melancólica e tristíssima de quem sente a alma a vagaear-lhe por maito longe, exprime esta estátaa logo à primeira vista o sea profundo pensamento. Nada mais doce qae essa fisionomia de malher. Da mão da figura pende-lhe a flôr a qae vul- garmente chamamos safldade. Mármore de Carrara.

O Duque da Terceira, 1877. Comemora esta estátaa o sítio do desembarqae do duque da Terceira em 24 de Julho de 1833. É de bronze. Todos a podem vêr no Cais do Sodré, em Lisboa.

A Puberdade. É das mais graciosas composições qae têm saído do talento de Simões de Almeida. Naa, inteiramente naa, e de tamanho nataral, aparece esta lindíssima estátaa como qae envolvida no véa da saa mesma castidade. Graças ao génio do artista, adejam em volta desta formosa rapa- riga de qainze anos só pensamentos paros como anjos. Ninguém exprimia com mais modéstia e doçura as infanti- lidades inocentes da adolescência. Só a arte cristã podia conceber aquela estátaa. Nunca foi até hoje reproduzida em mármore Pertence ao aator.

Caridade, 1877. Figura ornamental, oa antes grapo, na fachada alaída da parte reconstruída por Cinatti na Casa Pla de Belém. Foi decapitada pelas pedras qae resvalaram de cima. Ficoa Inutilizada. Era de pedra lioz.

O Saltirrbanco, 1878. É um pobre arlequim, ainda im- berbe, chamando com o zabumba a concorrência para a sua barraca de feira. Há melancolia e fome no fundo daquele fictício entusiasmo do rapazito. Mármore de Carrara. Per- tence hoje ao espólio de el-Rei D. Fernando.

Judite, 1878. Magestosa e sentida composição. Mármore de Carrara. Pertence à senhora condessa d'Edla.

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Inês de Castro, 1878. Esta é das mais engraçadas e simpáticas obras do mestre. Vê-se que êle escolheu, para o traduzir com o escopro, o verso do épico:

Estavas, linda Inês, posta em sossêgo.

Todo naquela nobre figura, franzina e elegante, está revelando o pasmoso sossêgo de uma alma boa. Vestida à moda mais garrida do século xiv, senta-se a linda Inês nuns penedos da quinta das Lágrimas, e parece estar escutando os pássaros em tôrno de si, e dentro em si as harpas dos anjos, As mãos, o rosto, foram acariciados com amor pelo sátio escopro do mestre. Nota-se a maneira esplêndida como estão reproduzidos os brocados e as jóias. Aármore de Carrara. Pertence à senhora duquesa de Pal- mela, e está no seu palácio do Rato.

A Vitória, 1880. Entusiástica e fogosa composição no monumento dos restauradores de 1640, em Lisboa. Parece que vibra. Olhando-se para aquela estátua escutam-se clarins. Fundida em bronze.

O Génio, 1881. Figurinha nua no tdmulo do chorado maestro Guilherme Cossoul, no cemitério dos Prazeres. Pedra lioz.

A Caridade, 1882. Estátua destinada para a frontaria do edifício da Beneficência Portuguesa no Rio de Janeiro. Pedra lioz.

Vasco da Gama, 1882. Estátua destinada para a fron- taria manuelina do Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro. Pedra lioz.

Camões, 1882. Fdem. Pedro Alvares Cabral, 1882. Idem. O Infante D. Henrique, 1882. Idem. 5. Roque, 1882. Estátua destinada para a frontaria do

edifício da Beneficência Portuguesa no Rio de Janeiro. Pedra lioz.

O Infante D. Henrique, 1883. Outra estátua, destinada para o mesmo edifício.

Pedro Alvares Cabral, 1883. Idem.

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Crucifixo colossal, 1886. Destinado para a capela dos Jerónimos, onde não ser depositados os restos de Alexandre Herculano. | Comovente figaral Hoje, qae o sentimento re- ligioso tanto tem esfriado nas oficinas, é belo vêr como Simões de Rlmeida conseguiu fazer do sea crucifixo ama obra cheia de crença. Adejam orações em tôrno dela. Parece que daquela bôca se está exalando o brado sublime — Peidoai-lhes, Senhor, porque não sabem o que fazem.

José Estêvam, 1886. Estátaa colossal destinada ao mo- numento do grande orador em Aveiro. Tem muita vida esta estátaa. As*Mi a uma parte do trabalho da colocação dos taceis. i Que faina !

II

BUSTOS

João Simões de Almeida, 1872. Tio do autor, ttármore de Carrara.

Visconde de Condeixa, 1872. Idem. Condessa de Condeixa, 1872. Idem. Visconde de Pelotas, militar brasileiro, 1873. Idem. Visconde de Inhaúma, 1873. Outro herói da guerra bra-

sileira contra os paragaaios. Idem. O falecido bispo de Vizeu D. António Alves Martins, 1874. Jacinto de Oliveira, 1876. Idem. Castilho, 1876. Èste notável busto merece história. Ei-la. Na tarde do tristíssimo dia 18 de junho de 1875, três

horas depois de ter meu Pai entregue a alma a Deus, na livraria da sua casa da rua do Sol ao Rato, n.° 124, em Lisboa, foi a mea pedido (e por intervenção do nosso bom e obseqaioso anrgo Zacarias de Aça) o escultor José Simões de Rlmeida, acompanhado do formador (hoje falecido) Pon- ziano Pieri, à casa mortuária proceder à moldagem da máscara do cadáver. Logo nos dias seguintes começoa o escultor, por encomenda minha, a modelar em barro o busto do poeta. Rchando-me fora da capital nesse verão,

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274 LISBOA ANTIGA

fal, sempre qae vinha a Lisboa, vêr os progressos desta obra, e aeompanhá-la com os meus conselhos de profano. Em meio de Setembro achava-se concluído o trabalho, e já moldado em gesso. Em 30 de Agosto doei por dez anos a propriedade do busto em gesso è escola castilho, então recem-fundada na freguesia de S. José. Em 15 de Novembro veio para a minha casa da travessa do Convento das Ber- nardas n.° 20 o primeiro exemplar de gesso. Rssistiram, como que inaugurando-o com as suas saudades, alguns amigos íntimos, entre êies o escultor Simões de Rlmeida, D. Antônio da Costa, Alvaro Pais de Faria, Francisco Pais de Faria, o pintor Gonçalves Pereira, Zacarias de Rça, Silva Túlio, Rodrigues Cordeiro, etc., faltando alguns con- vidados. Começon-se por êsse tempo a escultura em már- more de Carrara. Eu ia muitas vezes vêr o adiantamento da obra, discutindo com o autor à vista de fotografias e silhouettes que levava, e segundo as minhas vivíssimas reminiscências, auxiliava o talento do mestre, que infeliz- mente náo conhecera meu Pai senão muito de leve. Cabe-me dizer que o mármore de que êste busto foi escolpido, o vendera ao artista o grande actor português (curioso de escultura) João Rosa, pai, e era o resto de um grande trôço que êste mandara vir de Itália, e donde tirara o busto de Garrett que se vê no salão do teatro de D. Piaria II. I Notável coincidência 1 Quando se inaugurou o busto de Garrett no teatro, lembro-me de que a ilustre comissão ofereceu os cordões do véu a meu Pai, que teve então a honra de descobrir, perante um numeroso ajuntamento de pessoas convidadas, o vulto do criador do nosso teatro moderno, seu antigo camarada em letras. iiQuem lhe diria a êle então, e quem no-lo diria a nòs, que êsse mesmo mármore era irmão do outro donde havia de sair anos depois o seu busto póstumo 1? Em Fevereiro de 1876 acha- va-se concluída a escultura per Simões; de fins de Rbril a fins de ílaio esteve na exposição da Associação Promotora das Belas Rrtes, no edifício da Academia em S. Francisco. Agradou geralmente. Em 13 de Julho dêsse ano de 1876, enllm, à uma hora da tarde, chegou o meu exemplar de

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LISBOA ANTIGA 275

mármore, e foi inaugurado sôbre peanha de veludo verde, em forma de pirâmide trancada, no mea escritório da casa qae entôo habitava, raa de S. João da Mata, n.° 119. Em 9 de Agosto de 1881 tive a satisfação de oferecer êste no- tável basto à Biblioteca Nacional, de Lisboa, e a honra de receber a seguinte portaria do Ministério do Reino:

Ministério do reino— Direcção Qeral de Instrução Pública, I.' repartição — L." II, n.° 212— Tendo subido ao conheci- mento de Sua Masestade El-Rei que o Visconde de Cas- tilho, I.° Oficia! da Biblioteca Nacional de Lisboa, oferecera a êste estabelecimento um busto, em mármore de Carrara, do seu falecido Pai, o eminente poeta 1Visconde de Cas- tilho; sendo tal oferecimento digno de grande apreço, não só por ser a escultura o fere" ida, e que já se acha ador- nando a sala nobre da biblioteca, obra distinta de um artista nacional, mas especialmente por ser mais um mo- numento a perpetuar, dentro do recinto daquele estabeleci- mento, a memória de um dos mais ilustres e infatigáveis obreiros do levantamento da literatura nacional no presente século: Há por bem O Mesmo Augusto Senhor Mandar transmitir ao Visconde de Castilho os louvores de que o julga merecedor por êste seu valioso oferecimento. Paço, em 14 de setembro de 1881. — Antonio Rodrigues Sampaio.

Conde de Daupias, 1876. Mármore de Cari ara. Condessa de Daupias, 1876. Idem. João Rosa, actor, 1876. Mármore de Carrara. Cabeça de varina (iantasia), 1878. Mármore de Carrara;

pertence ao sr. conde de Daapias. Pescador (fantasia), 1878. Mármore de Carrara; per-

tence ao sr. Lugdero José Avelino. Dr. Curry Cabral, 1878. Mármore de Carrara. O menino Vasco de Melo, filho dos condes de Sabu-

gosa, 1879. Mármore de Carrara. Camões, 1880. Mármore de Carrara; pertence ao Gabi-

nete Português de Leitura do Rio de Janeiro. José Cinatti, 1880. Bronze, inaugurado no Passeio Pdblico

de Évora.

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276 LISBOA ANTIGA

Carrões, 1880. Basto peqaeno, qae toi destinado a sole- nizar as festas do tricentenário.

Carrões, 1881. Basto grande, encomendado pelo falecido José Palha, em mármore de Carrara, e por êle oferecido a sea sobrinho o sr. Fernando Palha.

Duque de Avila e de Bolama, 1881. Admlráoel obra, em mármore de Carrara, hoje na Câmara dos Dignos Pares.

Bartholom eu dos Marty res Dias e Sonsa, 1882. Mármore de Carrara; pertence ao genro do retratado, o sr. conde de Tomar.

Si,va e Sousa, 1883. Pedra lloz. Cemitério do Repoaso, no Pôrto.

A pequenina Joanna Keil, 1883. Cabecinha encantadora, em mármore de Carrara.

José Ribeiro da Cunha, 1883. Mármore de Carrara. Visconde do Rio Vez, 1883. Idem. Ramalho, de Éoora, 1884. Idem. Eduardo de Lemos, 1884. Idem. Pertence ao Gabinete

Português de Leitora no Rio de Janeiro. Augusto Frederico Ferreira, 1885. Mármore de Carrara. Marquez de Fronteira D. José Trasimundo Mascarenhas

Barreto, 1885. Mármore de Carrara. Pertence a sea genro o actaal sr. marquês, qae o tem nama das principais salas do palácio de Benfica.

Passos Manuel, 1885. Pedra lioz. Pertence ao Hospital da Beneficência Portagaesa no Rio de Janeiro.

Duque de Saldanha. Idem, José Estevam. Idem. Ferreira Borges. Idem. Dr. Bernardino Antonio Qomes. Idem. Oatros dois bastos, cujos nomes me n5o ocorrem, des-

tinados para o mesmo hospital. Esperança e saudade, 1885. É ama das mais saaves

e sentidas fisionomias de mulher, qae nunca jámals se expressaram em pedra. O títalo diz tado. Há multa saíldade naqaele rosto, mas há ainda am longe de esperança. É Ariadne abandonada, taloez, mas Ariadne nascida em

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LISBOA ANTIGA 277

Aveiro. (Im verdadeiro encanto, realçado da doçara das peninsalares. Pertence ao sr. J. W. Garland. Mármore de Carrara.

Ill

MEDALHÕES

João Burnay. Filha dos condes de Daupias, mnlher do precedente. Tom az José de Anunciação. El-Rei D. Fernando. José Ferreira Chaves. Alexandre de Melo e Castro (Galveias). Alexandre Herculano. Medalhão destinado para o Gabi-

nete Portaguês de Leitora no Rio de Janeiro. Garrett. Idem. Joaquim Machado de Castro. Para a fachada do Moseo

de Belas-Artes, às Janelas Verdes. Afonso Domingues. Idem. Domingos Antonio de Sequeira. Idem. D. Ângela Bergaro. Mendia (pai). Madame de Mendia. Eduardo de Mendia. José Ferrão de Castelo Branco. Condessa de Sabugosa. D. José Hermenegildo da Câmara Coutinho. Francisco B.iptista dos Santos. Condessa d'Edla. Soares dos Reis. José Vital Branco Malhôa. A mãi do dr. Curry Cubra!. Camões. Faz parte de ama colecçôo reproduzida em

galvanoplastia. Castilho. Idem. Herculano Idem. Garrett. Idem. Tomaz da Anunciação. Idem.

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278 LISBOA ANTIGA

Miguel Anseio Lupi. Idem. Seis medalhões da família Garland. Anunciação, Medalhfio do sea tdmalo no cemitério do

fllto de S. Joáo.

NOTA III

LUCAS DA COSTA

(Pág. 192)

Por despacho de S. M. de 16 de flarço de 1697, em con- salta do Conselho Ultramarino, de 3 do mesmo mez e anno:

El-rei nosso senhor tendo respeito aos serviços de Lacas da Costa, filho de oatro e nataral d'esta cidade, feitos de mnitos annos a esta parte nos lagares de piloto e mestre de navios seas, capitam de mar e gaerra, cabo de ama frota, e administrador da fabrica de ama naa, aehando-se no disearso do referido tempo em varias occasiões qae se offerecerão, no anno de 1671 em am navio sea para fazer viagem com a frota para o estado do Brazil, se lhe ordenar recebesse nella o governador qae ia para Cabo-Verde Ma- noel Pacheco de Mello, e embarcando-se com effeito o dito governador no sea navio S. José, se lhe passar patente de capitam de mar e gaerra delle, havendo-se com singular valor, assim nos combates de gaerra qae hoave, como em todos os mais suceessos da viagem, procurando com grande disvello de dia e de noate a guarda e conservação dos mais navios: —voltando para esta côrte ser nomeado pelo go- vernador do Rio de Janeiro para vir no dito sea navio fazendo o officio de almirante, o que fez com mnito zelo, seguindo sempre as ordens do cabo da frota, comboiando todos os navios delia com tanto cuidado, qae sem embargo de ham rebate que hoave á vista de dois navios pexelingaes na altura das ilhas das Flores, os trouxe em conserva até se recolherem todos nas barras desta cidade e da do Porto sem perigo nem damno algum: — nos annos de 1673-1674 ir a ftmbargo, e vindo para este reino se haver com valor

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LISBOA ANTIGA 279

na briga qae teve com tres navios de tarcos, de qae troaxe onze a esta côrte, por cojo respeito, e por ter levado ao Rio de Janeiro os governadores Nathias da Canha e João Furtado de /lendoça na soa nau S. José, se lhe fez mercê do posto de capitam de mar e gaerra delia ad honorem: — partindo desta corte avistar ham navio de tarcos, qae segaio sem lhe poder dar alcance, e da mesma maneira a doas entre a ilha da /ladeira e esta cidade, qae por serem inglezes deixoa segair soa viagem, fazendo primeiro vir a bordo do sea navio o batel do de maior força, havendo-se em ama e ontra occasiâo com grande valor e disposição, assistindo com vigilância de dia e de noate nos lagares de maior risco, e pelo sea préstimo o nomear o governador ilathias da Canha por cabo dos navios de licença, qae do Rio de Janeiro vierfio para esta côrte em 1676, e tornando á ilha Terceira levantar nella maitos soldados por ordem do provedor da fazenda, dando a caJa am delles da saa mil e dazentos réis em dinheiro, além dos mantimentos e passagem livre, e avistando janto 6 barra desta cidade tres navios de moaros, se haver de maneira qae, por esta occasiâo sámente, se lhe fez mercê do habito de Sam Thiago com doze mil réis de pensão: —em 1686 passando ao Rio de Janeiro por capitam da fragata Nossa Senhora da Con- ceição levar nella o governador João Fartado de Aendoça, e na vulta vir por almirante dos navios da frota, proce- dendo com maita satisfação e acerto, e assistindo com particular caidado aos doentes: — altimamente ser encar- regado do expediente e administração da fabrica da naa que se fez em Setúbal por ordem da Janta do Commercio, aqtii assistia até se lançar ao mar, e a vir governando até ao porto d'esta cidade, havendo-se com muito caidado, zelo e limpeza de mãos, por cujos respeitos foi nomeado capitão tenente da fragata Nossa Senhora da Nazareth, ama das da Janta do Commercio, qae, em 1696, foi á costa de Salé em companhia das da armada Real, em qae se hoave com valor e zelo qae delle se podia esperar, e estar nomeado por capitam de viagem da nau Nossa Senhora da Boa Hora, que nesta monção passa á índia:—em satisfação

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de tudo, Ha por bem fazer-lhe mercê para seu filho Fran- cisco da Costa Campos de doze mil réis de tença effectiva, que logrará a titulo do habito da ordem de Christo, que lhe tem mandado lançar, e de trinta mil réis também de tença effectiva para suas filhas Luiza das Chagas e Josepha de Sáo Romualdo, Religiosas no convento de Santa Clara desta cidade, quinze para cada uma, os quaes quarenta e dois mil réis se assentarão nos Almoxarifados do reino em que couberem, sem perjuizo de terceiro, e não haver prohibiçâo, com o vencimento na forma da ordem de S. ft. — Lisboa, 18 de setembro de 1697. Pedro Sanches Farinha.

E á margem desta portaria se acham as verbas porque se mostra que em 8 de outubro de 1697 se passou padrão de quinze mil réis a Josepha de São Romualdo, e outra da mesma quantia a Luiza das Chagas, e em 9 de junho de 1701 se passou oatro de doze mil réis com o habito a Francisco da Costa Campos.

Torre do Tombo. Habilitações da Ordem de Christo.

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BIBUOQRRFIR

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LISTA

DAS PRINCIPAIS FONTES CONSULTADAS PELO AUTOR DÊSTE LIVRO,

ALÉM DE 01'TRAS JA MENCIONADAS NOS VOLUMES ANTECEDENTES

Alberto (Caetano). Uma visita ao Limoeiro. Artigos no Occidente, vol. ix.

Belgrano (L. T.). Un ammirag/io di Castiglia. Memória a pág. 42 do tom. 87 do Archivio Storico italiano.

Idem. Documenti e genealogia dei Pessagno genovesi amrni- ragli dei Portogallo. Génova, 1881. 8.°, i íolh.

Braamcamp Freire (Anselmo). Os brasões da sala de Cintra. Artigos no Diário lIlustrado de 1885.

Co/lecçdo dos documentos, estatutos e memorias da Aca- demia Rea! de Historia Portugueza. Lisboa, 1721...

Conceição (irei Apolinário da). Demonstração histórica da parochia dos Marty res. Lisboa, 1750, 8.°, i vol.

Doarado de Mariz Sarmento (Rodrigo José), prior de S. Martinho. Informações dadas para o Diccionario do padre Luiz Cardoso. Mss. da Tôrre do Tombo. Tem a data de 15 de Maio de 1760.

Ericeira (conde da). Portuga! restaurado. Morais (Francisco de). Chronica do Palmeirim de Inglaterra. Moura (Miguel de). Vida, escrita por êle mesmo.

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284 LISBOA ANTIGA

Relação (Esta he liiia breue) da embaixada <j o Patriarcha dõjoão Bermudez trouxe do Emperador da Ethiopia, etc- Llxboa, anno de 1565.

Rodrigaes Leitão (rtanael), cara dos ftártires. Informações para o Diccionario do padre Luiz Cardoso, rtss. da Tôrre do Tombo.

Rodrigues Lobo (Francisco). O Condestabre. Poema. Teixeira (frei Domingos). Vida de D. Nano Alvares Pereyra

segundo condestavelde Portugal. Lisboa, 1723,6.°, i vol- Vila Franca (conde de). D. João lea alliança ingleza. Voyages faits en divers temps en Espagne, en Portugal,

en Allemagne, et ailleurs, par ilonsiear fl. — Amster- dam, 1700.

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ÍNDICES

do

8.° da 2.a parte

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ÍNDICE

LIVRO I

Igreja de N. S.a dos Mártires

O Paço dos Duques de Bragança Outros palácios célebres do sítio

Genealogias

Passeio em várias ruas da freguesia

CAPÍTULO I

Propõe-se o aator seguir na sua peregrinação pelos monumentos lisbonenses do coméço da monarquia.— Entra o templo de Nossa Senhora dos ttãrtires. — Onde ficava a igreja primitiva. —Uma viela a separava do mosteiro de S. Fran- cisco.—Frase de ftcenheiro. — Era o templo velho padroado do bispo de Lisboa. — Deter- mina el-Rei D. ttanuel mudar a igreja para outra parte, e alcança um breve do santo padre Leão X, de 8 de Junho de 1518.—Dissua-

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Pigs. dem os risinhos monges o soberano de come- ter tal vandalismo.—Obras conhecidas em 1598. — Inscrição em 1602. — Meneiona-se o Ro^an- cero Historiado de Segara. — Trecho do Con- destabre de Rodrigaes Lobo. — Trasladação dos ossos dos mártires do cêrco para o altar das Rimas 15

CAPÍTULO II

Prossegaem as obras no edifício da igreja dos Már- tires. — Oatra reconstrução em 1629, mencio- nada por Leitão de Rndrada. — Rpainelamento do tecto por José de Rvelar Rebelo, desde 1639 a 1650. — Em 1664, nova reformação na casa. — Descreve-se a obra feita até 1710.—Escapoa o templo ao incêndio do de S. Francisco em 1707.— Novas obras consideráveis em 1746.— Descrevem-se. — O estaeador Grossi e o pintor Vieira Lasitano. — Terminam as obras em 1750. — Meneiona-se am projecto qae então hoave, de remover a igreja para oatra parte. — Des- crições e dimensões 27

CAPÍTULO III

Chega o terremoto de 1755. — Descrição da igreja a êsse tempo.—R sacristia e casa do despacho. — Destralção da igreja pela espantosa catás- trofe. — Escapam os ossos dos gaerreiros már- tires. — Corraptela popalar: as Mártens. — Refagia-se a paróqala em Rilhafoles. — Os Bar- bosas Machados. — Daí vai para o Rego. — Daí para Santa Isabel. — Daí para o Corpo Santo. — Computações estatísticas. — Fragmentos de desenhos por José Valentim. — Rzulejos da igreja velha no masea do Carmo. — R antiga pia baptismal, e vicissitades por qae passoa ... 39

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LISBOA ANTIGA 289

Pági. CAPÍTULO IV

Keedificaçao dos Mártires depois do terremoto grande. — ftada-se o sítio da igreja para a roa das Portas de Santa Catarina. — Desamparo em que ficaram até aos nossos dias aqneles arre- dores. — A igreja nova. — ftanael Pacheco Pe- reira e o conselheiro José Ferreira. — Risco do arquitecto Reinaldo ftanael. — Análise da obra sob o ponto de oista artístico. — Correm-se os altares am por am. — ft capela baptismal.— ftltar de S. Braz. — ftltar de Santo António. — ftltar de Santa Cecília. — Capela do San- tíssimo Sacramento. — ft capela-mor. — ftltar de Santa Lazia. — Altar de S. José. — ftltar de Nossa Senhora da Conceição.—Altar de Nossa Senhora de Loardes. — O tecto do templo.— Inácio de Olioeira e Pedro Alexandrino. — Opi- nião seoera de Raezynski. — Órgão, obra de Siloério ftachado.— ft sacristia. — Um retábalo de pedra. — Os Apóstolos. — Padrão piedoso do sr. marqaês de Penaloa. — Os registos paro- quiais de baptisado, casamento e óbito. — ften- ciona-se Joaquim ftaehado de Castro 48

CAPÍTULO V

Samário de algans palácios da fregaesia, qae o aator se propõe percorrer. — Começa-se com o paço dos daqaes de Bragança. — O condestá- »el já era senhor de am paço em Lisboa.—O de Frielas. — O daque D. Jaime e o sea paço lisbo- nense. — ftmplia êste daqae a saa propriedade, comprando aos visinhos frades de S. Francisco ama parte da cêrca, em 1500.— Em 1532 e 1538 habita el-Rei D. João III no paço dacal 67

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CAPÍTULO VI Pága.

Descrição mlnaciosa de am festim de bodas em casa do daqne de Bragança D. Teodósio I.— Em 1578 habita nêste mesmo paço o cardeal-rel 77

CAPÍTULO VII

O palácio depois de 1640. —Comparam-se algamas vistas antigas do paço dos dnqaes de Bragança. — Conferência dos conspiradores da restaara- ção portagaesa, em qae se escolhe para o grande feito o dia i.° de Dezembro.— Primei- ras sessões da Academia Real de História — Descrição da última fase do palácio conforme a saa reconstração por el-Rei D. João V.— O largo das Doas Igrejas. — A Cordoaria e a roa do Tesoaro. — Hospital dos religiosos vara- tojanos. — A casa denominada dos arreios. — ftedições. — O palácio do marqnês de Valença. — ftençâo detida da famigerada imagem da Se- nhora da Graça, sôbre a porta oriental do paço do duqae 87

CAPÍTULO VIII

O terremoto de 1755 arraza o paço e seas arre- dores. — Como essas raínas chegaram ao nosso tempo.— Desde 1837 é projectada, e levada a cabo poacos anos depois, a nova raa do duque de Bragança 99

CAPÍTULO IX

Descreve-se o medonho incêndio de 1 de Agosto de 1841.—Os prédios novos da casa de Bragança. — Hencionam-se algans inquilinos mais ilas-

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Fágs. tres dos ditos prédios. — O marqaês de Fron- teira D. Trasimundo Mascarenhas Barreto. — O duque de Avila e de Bolama Rntónio José de Avila. — aditamento. — Teatro D. Rmélia ou de S. Lalz 102

CAPÍTULO X

Oficina do escoltor portagaês José Simões de Rl- meida, nas lojas da casa ocapada pela daqaesa de Avila. —Penetra-se com o leitor no qaarto do insigne artista 108

CAPÍTULO XI

Crónica do Hotel de Bragança. — Corre-se a lista de alguns viajantes ilustres que em visita a Lisboa ali têm habitado 116

CAPÍTULO XII

Rntigo palácio de Martim Rfonso de Soasa, de- fronte do mosteiro de S. Francisco. — Donde vinha Martim Rfonso. — Nesse palácio habitou em 1578 o cardeal-Rei D. Henrique.—Em Junho de 1579 sâo para aí convocadas côrtes. — Por que linha veia essa propriedade a caber no século xvni aos condes do Vimieiro. — Estuda o autor, e explica a muito custo, o sítio mais ou menos aproximado do palácio. — R rua dos Cabides. — Relance de olhos ou rápida revista à nobre família do Vimieiro 122

CAPÍTULO XIII

Estuda-se agora o actual palácio do sr. Mendes Monteiro, no Ferragial, antiga residência dos

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Pigs. condes da Ribeira. — ftenciona-se de relance am visinho ilastre do palácio, o padre António Vieira, ainda menino.—Vistas antigas do prédio. — Em 1755 pertencia êle à casa real. — Aedi- ções. — Averiguações genealógicas àcêrca da origem e llastração da casa dos Câmaras, condes de Vila Franca, e depois condes e mar- queses da Ribeira Grande 135

CAPÍTULO XIV Continaa-se o exame dos palácios da fregaesia. —

Palácio dos viscondes de Barbacena. — Quadro da família dêsses titalares. — Palácio dos condes da Atougala. — Qaadro da família Ataíde. — Palácio de D. José da Silva Pessanha. — Quem eram êstes Pessanhas. — Palácio de Pedro Al- vares Cabral de Lacerda. — Qaem era a sua família.— Relance de olhos à raa dos Cobertos 146

CAPÍTULO XV Continua o autor a revolver memórias da fre-

gaesia. — A horta dos franciscanos. — Em 1500 o duqae D. Jaime compra am fragmento dela. — Em 1502 aforam-se outros fragmentos para se abrir a raa do Saco. — Etimologia dêste nome.— Onde ficava essa raa.— O arraamento dos misteres pertencia à Câmara de Lisboa. — Sfio arruados na raa do Saco os alfeloeiros do Arco dos Pregos. — Panegírico e glorifica- ção das obras antigas e modernas da grande arte da confeitaria 167

CAPÍTULO XVI Propõe-se o aator estadar agora a rua da Fi-

gueira, hoje crismada em raa Anchieta. — Com- bate o aator com tôdas as saas fôrças o des- graçado sestro moderno de alteração do nome

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Pájs. das serventias pdblicas — Discussão. — Yolta-se à rua da Figaeira. — Os nomes de vegetais fre- qflentíssimos na velha Lisboa. — Compara-se neste ponto Lisboa com Roma, e cita-se am fragmento de Pdblio Vítor 178

CAPÍTULO XVII Inqaiiinos ilastres da velha raa da Figaeira foram

os tipógrafos do sécalo xvn, Jean de Ia Coste, Michel Deslandes e Valentim Deslandes. — Ge- nealogia da família dos Deslandes desde os prin- cípios do sécalo xvH até aos finais do xix 186

CAPÍTULO XVIII Mais pesquisas na freguesia dos Mártires. — A raa

da Pelada; onde ficava.—Aí habitaram os Soasas Calharizes. — Aproxlma-se a habitação de oatro Soasa llastre na raa do Lambaz, hoje de Belver. —Alade-se à residência dos Soasas (hoje daqaes de Palmela) no largo do Calharlz. — (]m passeio no Chiado. — Madança imotivada dêste nome no de raa de Garrett.—Retrato rápido do velho António Ribeiro Chiado 196

LIVRO II

Igreja paroquial de S. Jorge —

Passeio pela freguesia—Igreja nova

de S. Jorge em Arroios

CAPÍTULO I Entra-se em matéria. — A igreja paroqaial de

S. Jorge, ao Limoeiro, hoje demolida. — Sea lagar. — Descrição do templo antes de 1755. — Fogos da fregaesia, etc. — Procissão a S. Jorge

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Pigs. no aniversário de Rljabarrota. — Colégio em S. Jorge, Sondado pelo doator Diogo Afonso Manga-Ancha. — Saa mulher Branca Anes. — Plano do colégio em 1447; soa fundação em 1451 ; soa incorporação na Universidade em 1459.— Pessoas notáveis nascidas oo domiciliadas na fregaesia de S. Jorge 213

CAPÍTULO II

Efeitos do terremoto de 1755 na velha paroquial de S. Jorge. — Um caso horroroso. — Transferên- cias várias da paróqaia: para S.Martinho; para Santa Bárbara; para as Olarias; para Santa Rosa de Lima. — Sepultura de Pascoal José de Melo, e daas palavras àcêrca dêsse sábio. — Igreja nova de S. Jorge em Arroios— Ana- lisa-se. — Os termos de registo mais antigos: baptismo, casamento e óbito 224

LIVRO III

Igreja e freguesia do Salvador

CAPÍTULO I

O mosteiro do Salvador.—Aprecia-se ràpidamente o livro de soror Maria do Baptista, em qae ela descreve o sea mosteiro 237

CAPÍTULO II

Origens afonsinas do mosteiro do Salvador.— Craciflxo aparecido nos matagais da Alfungera. — S. Salvador da Mata. — Albergae de romei- ros. — As emparedadas. — As recolhidas. — O

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LISBOA ANTIGA 295

Págs. mosteiro fandado em 1391. — Destrôço da casa em 1755. — Os mais antigos registos paroqaials do Salvador.—Presépios.—São recolhidos nêste mosteiro os restos mortais do infeliz infante D. Fernando. — A antiga portaria demolida em 1886. — Conclasôo 244

NOTAS

l-(Pág 66)

Rectificação do nome da malher do escaltor J. fia» chado de Castro 269

II - (Pág 113)

Simões de Almeida nas saas obras ... 269

III - (Pág 192)

Lacas da Costa 278

BIBLIOGRAFIA

Lista das principais fontes consaltadas pelo aator dêste lioro, além de oatras já mencionadas nos uolames antecedentes 283

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ÍNDICE DAS ESTAMPAS

Fágs. Fragmento da planta de Lisboa anterior ao terre-

moto de 1755, reconstitaída por José Valentim de Freitas — no princípio do volume.

Vista da casa da Qainta das Varandas nos Olivais, desenho do aator (no frontespício).

Esbôço da pintora do tecto da igreja dos Mártires, arruinada pelo terremoto de 1755 34

Igreja dos Mártires e igreja do Convento de S. Fran- cisco, na vista olissippo, de Jorge Braanio 36

Planta aproximada da igreja dos Mártires em 1755 40 Fachada da actual igreja dos Mártires na Raa

Garrett 52 Medalhão sôbre a porta da igreja dos Mártires... 54 Palácio dos daqaes de Bragança na vista panorâ-

mica de Lisboa existente na Academia de Belas Artes e atribuída a Simão Gomes dos Reis 86

Fachada meridional do palácio dos condes de Vila Franca, copiada pelo autor, do qaadro de Simão Gomes dos Reis 89

O largo do Corpo Santo em 1856, com a vista da fachada meridional do braganza hotel 116

Divisa oa marca tipográfica dos impressores «de la Coste» 189

Roa das portas de Santa Catarina em 1843 200 Planta aproximada da igreja de S. Jorge em 1712

e 1755 214 Igreja de S. Jorge na vista de Lisboa, de Braunio 216 J

Capela do Senhor Jesus da Boa Sorte, no largo das Olarias 226

Igreja de Arroios no Largo de Arroios 230 Cruzeiro de Arroios na actual Igreja de Arroios -. 232 ^ Cruzeiro de Arroios, outra face 234 Largo do Salvador e palácio do conde dos Arcos -. 262 Fragmento das plantas sobrepostas da cidade de

Lisboa, anterior e posterior ao terremoto del755 — no fim do volume.

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FRAGMENTO TOPOGRÁFICO DA CIDADE DE LISBOA A PLANTA A TINTA PRETA É DA CIDADE ACTUAL (1937); A TINTA ENCARNADA É DA CIDADE ANTES DO TERREMOTO DE i755

Desenhado nos Serviços da Planta da Cidade da C. M. L., sob a direcção do eng.' A. E. Abrantes

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