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1 A HISTÓRIA DOCUMENTAL DA EXCOMUNHÃO DE LUTERO Ewerton B. Tokashiki ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ Indice 1. A bula Quantum praedecessores 2. A bula Antiquorum habet 3. A bula Unigenitus Dei Filius 4. A bula Salvador Noster 5. A bula Liquet omnibus 6. A bula Nos qui pontificatus 7. A Instrutio summaria ad subcomissarios 8. Sermão sobre as indulgências à multidão de Tetzel 9. Sermão sobre as indulgências feito por Tetzel à um pároco 10. A fórmula de absolvição da indulgência de Tetzel 11. Debate para o esclarecimento do valor das indulgências - as 95 teses 12. Carta Martinho Lutero a George Spalatino 13. Sermão de Lutero: sobre a indulgência e a graça 14. O decreto Cum postquam 15. Apelo do irmão Martinho Lutero ao Concílio 16. Carta de Martinho Lutero à Johannes Staupitz 17. A primeira série de teses de Tetzel 18. A segunda disputa de Tetzel 19. Debate e defesa do frei Martinho Lutero contra as acusações de João Eck 20. Carta de Ulrich von Hutten à Lutero 21. Bula Exsurge Domine de Leão X condenando os 41 erros de Lutero 22. Carta de Leão X a Frederico, o Sábio
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A HISTÓRIA DOCUMENTAL DA EXCOMUNHÃO DE LUTERO

Ewerton B. Tokashiki

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Indice

1. A bula Quantum praedecessores2. A bula Antiquorum habet3. A bula Unigenitus Dei Filius4. A bula Salvador Noster5. A bula Liquet omnibus6. A bula Nos qui pontificatus7. A Instrutio summaria ad subcomissarios8. Sermão sobre as indulgências à multidão de Tetzel9. Sermão sobre as indulgências feito por Tetzel à um pároco10. A fórmula de absolvição da indulgência de Tetzel11. Debate para o esclarecimento do valor das indulgências - as 95 teses12. Carta Martinho Lutero a George Spalatino13. Sermão de Lutero: sobre a indulgência e a graça14. O decreto Cum postquam15. Apelo do irmão Martinho Lutero ao Concílio16. Carta de Martinho Lutero à Johannes Staupitz17. A primeira série de teses de Tetzel18. A segunda disputa de Tetzel19. Debate e defesa do frei Martinho Lutero contra as acusações de João Eck20. Carta de Ulrich von Hutten à Lutero21. Bula Exsurge Domine de Leão X condenando os 41 erros de Lutero22. Carta de Leão X a Frederico, o Sábio23. Carta de Lutero ao papa Leão x24. Contra a execrável bula do Anticristo25. Carta de Martinho Lutero a Johannes Staupitz26. Carta de Martinho Lutero a Johannes Staupitz27. Discurso pronunciado na Dieta de Worms por Martinho Lutero28. O decreto da Dieta de Worms29. Relatos sobre Lutero na Dieta de Worms30. Carta de Martinho Lutero a George Spalatino31. Carta de Martinho Lutero a Alberto de Magúncia

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Introdução

Aprendi que “história se faz com documentos”. Os manuais de história, bem como as biografias de Lutero, por vezes, oferecem breves citações de alguns documentos, ou de alguns fragmentos de suas declarações, e a leitura dos fatos passam apenas pelo filtro do historiador. Talvez, a sua curiosidade tenha se aguçado ao ler estas citações nos livros de história, desejando ler todo o texto, mas foi impedido, por não ter acesso às fontes originais. Essa tem sido, em muitos casos, pelo menos, a minha experiência com leitor.

O que você dispõe nesta compilação é o esforço de resolver o meu problema de curiosidade, e possivelmente, a de outros estudantes de história e teologia. Por isso produzi essa coletânea dos principais documentos, correspondências e livros que envolveram a excomunhão de Martinho Lutero. Espero que ela seja útil para o aprendizado e que possibilite, por si, discernir os fatos, ponderando no julgamento que condenou o pai da Reforma.

Este texto é uma mera compilação. É o resultado de anos acumulados de leitura e aulas que oportunizaram-me colecionar estes documentos. Alguns estão disponíveis em português, mas em obras menos conhecidas, outros textos tive que traduzi-los.

Os textos estão em ordem cronológica a fim de facilitar o entendimento dos fatos que sucederam no processo de excomunhão. Adicionei algumas cartas que revelam as intenções e sentimentos dos envolvidos. Nota-se que os primeiros documentos são decisões dos concílios da Igreja cristã acerca das indulgências. É importante entender o contexto teológico que antecedeu, e criou o contexto histórico da discussão em que Lutero se envolveria, e que culminaria em sua excomunhão.

Esta coletânea ainda não está completa. Há outros documentos que procuro, e estão em minha lista de desejos, e, se Deus quiser, pretendo terminar a minha coleção com o máximo de documentos, dos mais diversos, a fim de apresentar ao estudante a oportunidade duma leitura ad fontes.

Espero que o texto seja útil aos seus estudos, aulas ou palestras. A minha oração é que o Senhor Deus da Igreja, continue reformando-a de acordo com a sua Escritura Sagrada.

Quanto a outros textos de teologia, história e ética reformada acesse: www.doutrinacalvinista.blogspot.com

Para estes e outros textos dos reformados do século XVI, acesse:www.reformadoseculo16.blogspot.com

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Ao Rev. George Alberto Canêlhasmeu primeiro professor de História da Igreja

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1A BULA QUANTUM PRAEDECESSORES1

[1145]

Além disso, nós, com o cuidado paternal que providenciamos a sua paz e a necessidade da Igreja, pela autoridade que nos foi confiada por Deus, conceder e confirmar aos que, com espírito de devoção, se comprometeram a iniciar e completar uma obra e esforço tão santo, tão extremamente necessário, que a remissão dos pecados que o nosso antecessor, o Papa Urbano, instituiu. De acordo com a instituição do nosso antecessor acima mencionado, e pela autoridade que nos foi dada pelo Deus Onipotente e abençoado Pedro, príncipe dos Apóstolos, concedemos remissão e absolvição de pecados, de modo que aquele que começa e termina uma jornada tão santa, ou morre no caminho, deve obter a absolvição de todos os pecados que ele confessar com coração contrito, e obterá a retribuição da recompensa eterna do Galardoador de todos.

2A BULA ANTIQUORUM HABET2

[20 de Fevereiro de 1300]

Um relatório de credibilidade dos antigos tempos diz que, para aqueles que visitam a honorável igreja do Príncipe dos Apóstolos, nesta cidade, são concedidas grandes remissões de pecados e indulgências. Nós, portanto, que, como é o nosso ofício, esforçamos pela salvação e, com mais alegria do que outros, cuidamos da remissões e indulgências desse tipo, de todos e diversos, pronunciando-os aprovados e aceitáveis, confirmamos por autoridade apostólica e aprovamos, e até mesmo renovamos e fortalecemos pela proteção do presente escrito. Uma vez que, além disso, os mui benditos apóstolos, Pedro e Paulo serão mais honrados, na medida em que suas igrejas nesta cidade forem aglomeradas pelos fiéis, e os próprios sacerdotes se esforçarem pela abundância dos serviços espirituais, com melhor razão perceberem plenamente cheios em consequência deste grande ajuntamento; nós confiando na misericórdia do onipotente Deus, e nos méritos e autoridade de seus apóstolos supracitados, com o conselho de nossos irmãos e na plenitude do poder apostólico concederemos e não somente concederemos pleno, mas com excedente abundância o maior perdão de todos os seus pecados", para todos os que no presente ano de 1300, começando pela festa do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo e até que termine e, em cada centésimo ano, deve reverentemente visitar essas igrejas, sendo verdadeiramente penitentes e confessos, ou que se arrependendo e confessando neste presente ano e em qualquer centésimo ano vindouro. Elogiando aqueles que desejam serem participantes desta indulgência concedida por nós, se romanos, visitarão essas igrejas pelo menos trinta dias, consecutivas ou separadas, e pelo menos uma vez por dia; mas se eles são estrangeiros ou vivem fora da cidade, eles farão os mesmos quinze dias. Todos, no entanto, merecerão mais e obterão uma indulgência mais eficaz se visitarem essas igrejas com mais frequência e com mais devoção. Não deixe nenhum homem por nenhum motivo prejudicar esta página de nossa constituição e nomeação, ou por uma ação precipitada se opor a ela. Mas, se alguém intencionar tal coisa, que ele saiba que irá incorrer na ira do onipotente Deus, e de

1 Emitida pelo papa Eugênio III. Henry C. Vedder, The Reformation in Germany (New York, The MacMillan Company, 1914), p. 29.2 Emitida pelo papa Bonifácio VIII. Henry C. Vedder, The Reformation in Germany, pp. 31-32.

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seus benditos apóstolos, Pedro e Paulo. Entregue em Roma, em são Pedro, 20 de fevereiro de 1300, no sexto ano do nosso pontificado.

3A BULA UNIGENITUS DEI FILIUS

SOBRE O VALOR DA INDULGÊNCIA[27 de Janeiro de 1343]3

O tesouro dos méritos de Cristo é distribuído pela IgrejaO Filho unigênito de Deus … “feito para nós por Deus sabedoria, justiça, santificação e

redenção” [1 Co 1:30], não com sangue de carneiro ou de vitelo, mas com seu próprio sangue, entrou uma só vez no santuário, obtendo-nos assim uma redenção eterna [Hb 9:12]. Pois ele nos redimiu, não a preço de coisas corruptíveis como o ouro ou a prata, mas, com seu próprio sangue precioso de cordeiro sem defeitos e sem mancha [cf. 1 Pe 1:18s] e, como todos sabem, imolado inocente sobre o altar da cruz, ele o derramou não como pequena gota de sangue, que todavia em virtude da união ao Verbo teria sido suficiente para a redenção de todo o gênero 222humano, mas de modo copioso, como um fluxo transbordante, de modo que “da planta dos pés ao topo da cabeça nenhuma parte ilesa” [Is 1:6] se pode encontrar nele. De tão grande tesouro, por conseguinte, ele enriqueceu a Igreja militante, para que a misericórdia de tamanha efusão não fosse inútil, vã ou supérflua, querendo como bom Pai acumular tesouros para os seus filhos, para que assim houvesse “um tesouro inexaurível para os homens, cujos usuários se tornaram partícipes da amizade de Deus” [Sb 7:14]. E este tesouro, pois, … ele o entregou para ser distribuído em vista da salvação aos fiéis, por meio do bem-aventurado Pedro, que traz as chaves do céu, e de seus sucessores, seus vigários na terra; e para, por razões piedosas e razoáveis, ser ministrado misericordiosamente aos verdadeiramente penitentes e confessados, para total ou parcial remissão da pena temporal devida pelos pecados, quer de modo geral, quer de modo especial (segundo o que, diante de Deus, os ministros julgarem conveniente). Para o montante deste tesouro, sabe-se, contribuem os méritos da bem-aventurada Mãe de Deus e de todos os eleitos do primeiro até o último justo; e não se deve de modo algum temer que se esgote ou diminua, já que os méritos de Cristo (como se disse acima) são infinitos e, quanto mais numerosos os que pela sua distribuição são conduzidos à justiça, mais cresce o montante de seus méritos.4

3 Bula do jubileu Unigenitus Dei Filius, 27 jan. 1343 Por Bonifácio VII tinha sido introduzido o costume de celebrar a cada cem anos um jubileu associado à possibilidade de uma indulgência plenária. Clemente VI fez celebrar este jubileu a cada cinquenta anos. Com esta bula, ele declarou o ano de 1350 ano jubilar. Neste contexto, ele apresenta pela primeira vez a doutrina, elaborada pelos teólogos a partir do século XIII, sobre o tesouro de méritos à disposição da Igreja como fundamento das indulgências. Denzinger-Hünermann, Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral (São Paulo, Editora Paulinas e Edições Loyola, 2006), pp. 327-328.4 Para uma análise do desenvolvimento da doutrina do purgatório na teologia medieval veja Matthew Barrett, ed., Teologia da Reforma (Rio de Janeiro, Thomas Nelson Brasil, 2017), pp. 69-78.

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4A BULA SALVADOR NOSTER

[3 de Agosto de 1476]5

Indulgências para os defuntosPara que se possa procurar melhor a salvação das almas no tempo em que estas têm

maior necessidade dos sufrágios dos outros e estão menos em condição de serem úteis a si mesmas, Nós, em virtude da autoridade apostólica, queremos vir em auxílio, com o tesouro da Igreja, às almas que se encontram no purgatório, as quais deixaram a luz presente unidas a Cristo pela caridade e, enquanto estavam em vida, mereceram ser sufragadas com uma indulgência de tal importância. Nós, inclinados pelo paterno afeto e na medida em que com Deus nos é possível, confiando na misericórdia divina e na plenitude do poder, concedemos e concordamos: se parentes, amigos ou outros fiéis cristãos, levados pela piedade para com as almas do purgatório, expostas ao fogo em expiação das penas que pela divina justiça lhes cabem, durante o dito decênio pela restauração da igreja de Saintes, enquanto visitam a dita igreja, doarem uma determinada quantia de dinheiro ou um capital, segundo a disposição do decano ou do capítulo da supradita igreja ou de nosso coletor, ou ainda o mandarem por meio de mensageiros a serem por eles designados, sempre durante tal decênio, Nós queremos que esta indulgência plenária ao modo de sufrágio [cf. *1405s] valha para a remissão das penas e para proveito das mesmas almas do purgatório em prol das quais – como é pressuposto – desembolsaram a supradita quantia de dinheiro ou capital.

5BULA LIQUET OMNIBUS6

[1510]

E, para que a salvação das almas possa ser cuidada tanto mais devotadamente, porque elas têm maior necessidade das orações dos outros e são menos capazes de se ajudar, pela autoridade acima mencionada do tesouro de nossa mãe, a Igreja, movido pelo afeto paterno com as almas, agora no purgatório, que se afastaram deste mundo unidas à Cristo pelo amor e que, enquanto viviam, desejavam que a indulgência dessa natureza fosse obtida por intercessão, desejando aliviá-las tanto como pela ajuda de Deus, somos capazes, através da piedade divina e da plenitude do poder apostólico, nós desejamos e concedemos que, se os pais, amigos ou outros espíritos cristãos, agraciados por piedade, deem uma certa esmola para o trabalho de construção, em nome das almas que são detidas no purgatório pela expiação das penalidades devidas - durante a comissão de nosso Núncio e Agentes, de acordo com a regulamentação de nossos agentes e os representantes e subdelegados a quem eles possam conceder os seus poderes - a mesma indulgência plenária será invocada por intercessão para aqueles que agora estão no purgatório, para quem eles pagaram piedosamente a referida esmola, como já foi previsto para a remissão de penalidades.

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5 A Bula Salvator Noster a favor da igreja de São Pedro em Saintes, 3 de agosto de 1476, diferente das outras bulas até aqui emitidas, nesta é concedida a aplicação de uma indulgência plenária aos defuntos ao modo de sufrágio. Dado que esta concessão foi objeto de uma interpretação errônea e abusiva, Sixto IV, em outra bula, explicou-lhe o sentido. R. Peraudi, cônego de Saintes e comissário papal para a concessão dessas indulgências, escreveu sobre a Bula Salvator Noster uma summaria declaratio, à qual se referem as posteriores instruções sobre as indulgências.6 Bula emitida pelo papa Julius II. Henry C. Vedder, The Reformation in Germany, p. 39.

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BULA NOS QUI PONTIFICATUS7

[3 de Setembro de 1513]

Confiando na misericórdia do mesmo onipotente Deus, e na autoridade dos benditos apóstolos Pedro e Paulo, e na palavra daquele que é o caminho, a verdade e a vida, e quem nos disse, sucessores no caráter de seu abençoado Pedro: "Tudo o que ligarem na terra será ligado também no céu; e tudo o que desligarem na terra, também será desligado no céu ", bem como na plenitude do poder apostólico que nos são dados de cima, nós igualmente concedemos e permitimos a plena indulgência de todos os seus pecados e a reconciliação com o Altíssimo, e tal remissão como foi habitualmente dado através dos nossos antecessores a quem está em auxílio da Terra Santa, e contra aqueles turcos pérfidos e tal como foi concedido em um ano de jubileu, e decretamos que as almas de todos os que se dispuserem sobre esta expedição será trazida pelo poder dos santos anjos e permanecerá no céu em felicidade eterna.

7A INSTRUTIO SUMMARIA AD SUBCOMISSARIOS8

[31 de Março de 1515]

... a primeira graça é a completa remissão de todos os pecados; nada maior do que isso se pode conceber, já que os homens pecadores privados da graça de Deus obtêm remissão completa por esses meios e de novo gozam da graça de Deus. Além disso, pela remissão dos pecados, o castigo que se está obrigado a suportar no purgatório por causa da afronta contra a divina majestade é totalmente perdoado e as penas do purgatório são completamente apagadas. E, embora nada seja por demais precioso para ser dado em troca de tal graça – visto que é um dom gratuito de Deus e graça não tem preço -, contudo, a fim de que os fiéis cristãos sejam levados mais facilmente a busca-las, estabelecemos as seguintes regras, a saber:

Primeiro: qualquer pessoa que está contrita em seu coração e fez confissão oral deve visitar pelo menos as sete igrejas indicadas para esse fim, a saber, aquelas nas quais estão expostas as armas papais, e em cada igreja deve recitar cinco Pai-nossos e cinco Ave-Marias, em honra das cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem é ganha a nossa salvação, e um Miserere, salmo que é particularmente bem adaptado para obter o perdão dos pecados ...

O método de contribuir para a caixa de construção da dita basílica do chefe dos apóstolos é este:

Primeiro: os penitenciários e confessores, depois de terem explicado àqueles que fazem confissão a grandeza desta remissão plena e desses privilégios, devem perguntar-lhes qual o tamanho da contribuição – em dinheiro ou em outros bens temporais – que desejam fazer em boa consciência para lhes ser outorgado esse método de remissão plena e de privilégios; e isto deve ser feito de modo a contribuírem mais facilmente. Mas, como a condição dos homens e suas profissões são tantas e tão variadas e não podemos considera-las e pesá-las em particular,

7 Bula emitida pelo papa Leão X. Henry C. Vedder, The Reformation in Germany, pp. 39-40.8 Um título completo seria “[Resumo das instruções aos subcomissionários acerca das indulgências pelo Arcebispo Alberto de Mainz”. H. Bettenson, Documentos da Igreja Cristã (São Paulo, ASTE, 2001), p. 278. O Rev. B.J. Kidd informa que o arcebispo Alberto, de sua providência de Mainz e Magdeburg, emite estas instruções em 31 de Março de 1515. Alberto de Mainz comprara o seu arcebispado em 1514, pelo custo de 20.000 moedas de ouro, e tinha que saldar o empréstimo com o banco da Casa de Fugger, em Augsburg. Rev. B.J. Kidd, Documents illustrative of the continental Reformation (Eugene, Wipf & Stock Publishers, 2004), p. 13.

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decidimos que as taxas podem ser determinadas da seguinte forma, segundo uma classificação reconhecida ...

[segue-se uma lista de taxas por posição social e pecados cometidos].

A segunda graça principal é um “confessional” [carta confessional] contendo os maiores, mais importantes e até hoje inauditos privilégios ...

Primeiro: o privilégio de escolher um confessor conveniente, mesmo um regular das ordens mendicantes.

[Os outros privilégios incluem o poder dado ao confessor de absolver em casos normalmente “reservados” à Santa Sé]

A terceira graça importante é a participação em todos os benefícios da Igreja universal; isto consiste em que os contribuintes da dita construção, juntamente com os seus falecidos pais, que saíram deste mundo em estado de graça, agora e por toda a eternidade serão participantes de todas as petições, intercessões, esmolas, jejuns e orações e de toda e qualquer peregrinação, mesmo as feitas à Terra Santa; além disto, participarão das estações de Roma, nas missas, horas canônicas, mortificações, bem como de todos os outros benefícios espirituais que foram ou serão produzidos pela santíssima e militante Igreja universal ou por qualquer de seus membros. Os fiéis que comprarem cartas confessionais também podem tornar-se participantes de todas essas coisas. Os pregadores e os confessores devem insistir com grande perseverança nessas vantagens e persuadir os fiéis a não negligenciar em adquirir esses benefícios juntamente com sua carta confessional.

Também declaramos que para obter essas duas mais importantes graças não é preciso confessar-se, ou visitar igrejas e altares, mas simplesmente adquirir a carta confessional.

A quarta graça importante é um favor das almas que estão no purgatório e é a remissão completa de todos os pecados, remissão que o papa consegue por sua intercessão para o bem dessas almas da seguinte maneira: a mesma contribuição que se faria por si mesmo estando vivo, deve ser depositada na caixa. É, contudo, de nossa vontade que nossos subcomissários possam modificar as regras concernentes às contribuições desta espécie que são feitas pelos mortos e que possam usar de seu critério em todos os outros casos em que, segundo sua opinião, modificações sejam desejáveis.

Além disso, não é necessário que nas pessoas que colocam suas contribuições na caixa em favor dos mortos estejam contritas em seus corações ou tenham confessado, visto que essa graça se baseia unicamente no estado de graça em que os falecidos estavam ao morrer e na contribuição dos vivos, como é evidente do texto da bula. De resto, os pregadores se devem esforçar por tornar essa graça mais largamente conhecida, pois que, através dela, certamente virá auxílio para as almas dos falecidos e a construção da igreja de São Pedro será ao mesmo tempo melhor promovida.

8UM SERMÃO DE TETZEL SOBRE A INDULGÊNCIA9

Então, o que há para pensar? Por que você hesita em se converter? Por que você não tem medo de seus pecados? Por que você não confessa agora aos vigários do nosso Santo Papa? Você não tem o

9 Hans J. Hillerbrand, ed., The Reformation: A Narrative History Related by Contemporary Observers and Participants. (New York, 1964), pp. 41-43.

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exemplo de Lorenzo, que, compelido pelo amor a Deus, deu a sua herança e sofreu em seu corpo, sendo queimado? Por que você não toma o exemplo de Bartolomeu, Estêvão e de outros santos que, com prazer, sofreram as mortes mais horríveis por causa e salvação de suas almas? No entanto, não desista de grandes tesouros; de fato, você não dá nem uma esmola moderada. Eles deram seus corpos para serem martirizados, mas você se deleita em viver com alegria. Você, sacerdote, nobre, comerciante, esposa, virgem, você que é casado, jovem, ancião, é para você a Igreja de São Pedro, como eu disse, entre nela e visite a Santíssima Cruz. Ela foi colocada ali para você, e sempre chora e clama em seu favor. Talvez, você se envergonhe de visitar a Cruz com uma vela e, todavia, não tem vergonha de visitar uma taberna? Você tem vergonha de ir aos confessores apostólicos, mas não tem vergonha de ir a uma dança? Eis que você está no mar furioso deste mundo em tempestade e perigo, sem saber se você alcançará com segurança o porto da salvação. Você não sabe que tudo o que o homem possuí está por um fio fino e que toda a vida é apenas uma luta na terra? Vamos, então, lutar, como Lorenzo e os outros santos, pela salvação da alma, não pelo corpo que é hoje, mas não existirá amanhã. Hoje está bem, mas amanhã estará doente. Hoje está vivo, mas amanhã poderá estar morto.

Você deve saber que todos os que confessam e penitência colocam esmola no cofre de acordo com o conselho do confessor, obterão remissão completa de todos os seus pecados. Se eles visitarem, depois da confissão e após o Jubileu, a Cruz e o altar, todos os dias, receberão essa indulgência que seria sua, do mesmo modo que visitassem os sete altares de São Pedro, onde a indulgência completa é oferecida. Por que você está aí parado? Corra para a salvação de suas almas! Seja tão cuidadoso e preocupado com a salvação de suas almas como você é com os seus bens temporais, que você procura tanto de dia como de noite. Procure o Senhor enquanto ele é encontrado e enquanto estiver perto. Trabalhe, como diz São João, enquanto ainda é dia, pois a noite vem quando nenhum homem pode trabalhar.

Você não ouve a voz de seus pais mortos e outros que dizem: “Tenha piedade de mim, tenha misericórdia de mim, porque estamos em castigos e dores severas. Deste sofrimento você poderia nos resgatar com uma pequena esmola e, no entanto, não quer fazê-lo”. Abra os seus ouvidos enquanto o pai diz ao filho e à mãe para a filha: “Nós o criamos, alimentamos você, cuidamos de você, e você herdou os nossos os bens temporários. Por que você é tão cruel e áspero que não quer nos salvar, embora isso custe tão pouco? Você nos deixa em chamas para que possamos chegar lentamente à glória prometida”. Você pode obter cartas que permitem que você tenha, tanto na vida como na hora da morte, a remissão completa do castigo que pertence ao pecado. Oh, aqueles de vocês com votos, avarentos, assaltantes, assassinos e criminosos - agora é a hora de ouvir a voz de Deus. Ele não quer a morte do pecador, mas quer que se converta e viva. Converta-se então, Jerusalém, Jerusalém, ao Senhor, teu Deus. Oh, você blasfemos, fofoqueiros, que impedem esse trabalho aberta ou secretamente, e seus assuntos? Você está fora da comunhão da Igreja. Nenhuma missa, nenhum sermão, oração, sacramentos ou intercessão o ajudam. Nenhum campo, vinha, árvores ou gado trazem frutas ou vinho para você. Mesmo as coisas espirituais desaparecem, o que uma ilustração poderia apontar. Converta-se de todo o seu coração e use o remédio do qual o Livro da Sabedoria diz: “O Altíssimo tirou a medicina da terra e um homem sábio não a rejeitará”.

9SERMÃO SOBRE INDULGENCIAS FEITO POR TETZEL À UM PÁROCO10

Respeitável senhor, apelo para que nas suas declarações seja servido em usar palavras tais que sirvam para abrir os olhos da mente e fazer com que seus ouvintes considerem grandiosa a graça e o dom que tiveram e têm bem às portas. Olhos benditos de fato, que vêm o que eles agora vêm, porque eles já têm cartas de salvo conduto por meio das quais podem

10 Acessado em http://beggarsallreformation.blogspot.com.br/2014/08/johann-tetzel-sermons-on-indulgences.html no dia 20/09/2017. Traduzido por Lucas Paulo de Freitas.

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guiar suas almas através do vale de lágrimas, atravessando o oceano desse mundo insano, no qual tempestades e ventanias espreitam, para a terra bendita do Paraíso. Saiba que a vida do homem sobre a terra é de luta constante. Luta contra o mundo, a carne e o diabo, que sempre procuram destruir a alma. Nascemos no pecado, infelizmente. Com que laços o pecado nos envolve, e quão difícil e quase impossível atingir a porta da salvação sem a ajuda divina; desde que Ele é a causa de nossa salvação, não em virtude de nossas boas obras que realizamos, mas por meio de sua divina misericórdia; é necessário então usar a armadura de Deus.

Você pode obter cartas de salvo conduto com o vigário de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio das quais você estará em condições de libertar sua alma das mãos do inimigo e transportá-la por meio da confissão e contrição, protegida e segura de todas as dores do Purgatório, para o reino das bem-aventuranças. Pois saiba que nessas cartas estão estampados e gravados todos os méritos dos sofrimentos de Cristo. Considere que para cada pecado mortal são necessários sete anos de penitência além de confissão e contrição, seja nessa vida ou no purgatório.

Quantos pecados mortais são cometidos em dia, em uma semana, em um mês, em um ano, quantos em todo o curso da vida! São quase inumeráveis, e aqueles que o cometem devem sofrer castigo sem fim nas dores chamejantes do Purgatório.

Mas com essas cartas confessionais você poderá a qualquer momento da vida, obter plena indulgencia de todas as penalidades impostas em todos os casos, exceto nos quatro restritos à Sé Apostólica. Portanto, ao longo de toda sua vida, sempre que desejar confessar, pode receber a mesma remissão, exceto nos casos reservados ao papa, e finalmente, na hora da morte, indulgencia completa em relação a todas as penalidades e pecados, e a sua quota de todas as bênçãos espirituais disponíveis na igreja militante e em todos os seus membros.

Você não sabe que, quando é necessário que alguém venha até Roma ou realize qualquer outra jornada perigosa, ele leva seu dinheiro para um agiota e oferece porcentagem de cinco ou seis ou dez para que em Roma ou em outro lugar ele receba novamente seus fundos intactos, por meio da carta desse mesmo agiota? Você não está disposto, então, pela quarta parte de um florim a adquirir essas cartas, em virtude das quais você pode resgatar, não o seu dinheiro, mas sua alma divina e imortal, segura e intacta, na terra do Paraíso?

Assim, eu aconselho, ordeno e, em virtude da minha autoridade como pastor, ordeno que eles recebam junto comigo e outros sacerdotes, este precioso tesouro, especialmente aqueles que não se confessaram no tempo do jubileu sagrado, para que sejam capazes de obter o mesmo para sempre. Pois a ocasião pode ocorrer, quando eventualmente você venha a desejar, mas ainda não consiga obter nem a menor parcela da graça.

Também por parte da SS. DN o Papa e da Santíssima Sé Apostólica e do mais reverenciado senhor, meu legado, a todos e cada um que tenha aproveitado pelo sagrado Jubileu e tenha feito confissões, e a todos os que possam aproveitar a presente e breve oportunidade, e que terão prestado uma ajuda à construção da casa acima mencionada do Príncipe dos Apóstolos, todos serão participantes e comungantes em todas as orações, sufrágios, esmolas, jejuns, súplicas, missas, horas canônicas, disciplinas, peregrinações, estações papais, bênçãos e todos os outros bens espirituais que agora existem ou podem existir para sempre na igreja militante, e em todos estes, não só eles mesmos, mas seus parentes, descendentes e bem-queridos que faleceram; e como eles foram movidos pela caridade, também Deus e SS. Pedro e Paulo, e todos os santos cujos corpos descansam em Roma, devem

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guardá-los em paz neste vale, e conduzi-los através dele para o reino celestial. Dê agradecimentos demorados pelos nomes acima mencionados e no meu, para os reverendos, sacerdotes seculares e prelados, etc.

10A FÓRMULA DE ABSOLVIÇÃO DA INDULGÊNCIA DE TETZEL11

Que o nosso Senhor Jesus Cristo tenha misericórdia de ti, [nome do indivíduo], e absolva-te pelos méritos dos seus santíssimos sofrimentos. Eu, em virtude do poder apostólico conferido a mim, absolvo-te de todas as censuras, julgamentos e penalidades eclesiásticas que você merece; e, além disso, de todos os excessos, pecados e crimes que você cometeu, por grandes e enormes que sejam, e de qualquer tipo, mesmo que sejam reservados ao nosso santo padre, o Papa e à Sé Apostólica. Eu anulo todas as manchas da fraqueza, e todos os traços da vergonha que te perverteram por tais ações. Eu cancelo as dores que terias que suportar no purgatório. Recebo-te novamente aos sacramentos da Igreja. Eu reincorporo-te na comunhão dos santos, e restauro-te à inocência e à pureza do teu batismo; para que, no momento da morte, a porta do lugar dos tormentos seja fechada diante de ti, e o portão do paraíso da alegria se abrirá para ti. E se quiseres viver muito, esta graça continua inalterável, até o tempo do teu fim. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

O Irmão, Johann Tetzel, comissário, que aqui assina com a sua própria mão.

11DEBATE PARA O ESCLARECIMENTO DO VALOR DAS INDULGÊNCIAS

AS 95 TESES[31 de Outubro de 1517]

Por amor à verdade e no empenho em elucidá-la, discutir-se-á o seguinte em Wittenberg, sob a presidência do R.P. Martinho Lutero, Mestre em Arte e de Santa Teologia e Professor Catedrático desta última, naquela localidade. Por esta razão ele solicita que os que não possam estar presentes e debater com ele oralmente, o façam por escrito, mesmo que ausentes. Em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

1 Ao dizer: "Fazei penitência", etc. (Mt 4.17), o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.2 Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes).3 No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula, se, externamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne.4 Por consequência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.5 O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.6 O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro.7 Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.

11 J.H. Merle D’Aubigné, History of the Great Reformation of the Sixteenth Century in Germany, Switzerland , &c. (Formato online por Maranatha Media), Livro 3, cap. 1. pp. 265. Acessado em https://www.whitehorsemedia.com/docs/history_of_the_reformation.pdf .

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8 Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.9 Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.10 Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.11 Essa erva daninha de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.12 Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.13 Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.14 Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais, quanto menor for o amor.15 Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.16 Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semidesespero e a segurança.17 Parece desnecessário, para as almas no purgatório, que o horror diminua na medida em que cresce o amor.18 Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.19 Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza.20 Portanto, sob remissão plena de todas as penas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.21 Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.22 Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.23 Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.24 Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.25 O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.26 O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.27 Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu.28 Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.29 E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas? Dizem que este não foi o caso com S. Severino e S. Pascoal.30 Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.31 Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.32 Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.33 Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Deus.34 Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.35 Não pregam cristãmente os que ensinam não ser necessária a contrição àqueles que querem resgatar ou adquirir breves confessionais.36 Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito à remissão pela de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência.37 Qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta de indulgência.

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38 Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do perdão divino.39 Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar perante o povo ao mesmo tempo, a liberdade das indulgências e a verdadeira contrição.40 A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando ocasião para tanto.41 Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.42 Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.43 Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.44 Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre da pena.45 Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.46 Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.47 Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.48 Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar.49 Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.50 Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.51 Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto - como é seu dever - a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.52 Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.53 São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.54 Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.55 A atitude do papa é necessariamente esta: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.56 Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.57 É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.58 Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.59 S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.60 É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que lhe foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem este tesouro.61 Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa por si só é suficiente.62 O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.63 Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os primeiros sejam os últimos.64 Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais benquisto, e com razão, pois faz dos últimos os primeiros.65 Por esta razão, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.66 Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.67 As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão boa renda.

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68 Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade na cruz.69 Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas.70 Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbido pelo papa.71 Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.72 Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.73 Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências,74 muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram defraudar a santa caridade e verdade.75 A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes ao ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.76 Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados veniais no que se refere à sua culpa.77 A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o papa.78 Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como qualquer papa, tem graças maiores, quais sejam, o Evangelho, os poderes, os dons de curar, etc., como está escrito em 1 Co 12.79 É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo.80 Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes conversas sejam difundidas entre o povo.81 Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para os homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas, dos leigos.82 Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica - que é uma causa tão insignificante?83 Do mesmo modo: por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos?84 Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é essa: por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito?85 Do mesmo modo: por que os cânones penitenciais - de fato e por desuso já há muito revogados e mortos - ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?86 Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?87 Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à remissão e participação plenária?88 Do mesmo modo: que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a qualquer dos fiéis?89 Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências outrora já concedidas, se são igualmente eficazes?90 Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.91 Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.92 Fora, pois, com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo: "Paz, paz!" sem que haja paz!93 Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: "Cruz! Cruz!" sem que haja cruz!94 Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno;95 e, assim, a que confiem que entrarão no céu antes através de muitas tribulações do que pela segurança da paz.1517 A.D

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12CARTA MARTINHO LUTERO A GEORGE SPALATINO

(31 de Março de 1518)

A seu pai e superior em Cristo.Jesus. Meu pai no Senhor: ao andar ocupado em tantas coisas me vejo forçado a

comunicar-lhe pouquíssimas outras. Em primeiro lugar, creio que meu nome fede para muitos. Há algum tempo muitas pessoas boas atribuem-me condenar os rosários, coroas, ofícios fúnebres, e outras orações e até qualquer boa obra. O mesmo ocorreu a são Paulo, a quem imputavam ter declarado “façamos o mal para que o bem aconteça”. O que ensino, continua sendo a teologia de Tauler e do livreto de Christian Aurifaber que você mesmo editaste, é que os homens depositem a sua confiança, não em orações, nem em méritos, nem nas próprias obras, mas, somente em Jesus Cristo, porque não nos salvaremos por correr, mas pela misericórdia de Deus. Desta minha preocupação, eles tiram veneno que, como você pode ver, andam espalhando. Mas o mesmo que não comecei, tão pouco retrocederei em meu empenho movido pela fama ou pela infâmia. Deus haver de julgar.

Esses mesmos doutores escolásticos atiçam o ódio contra mim, tanto em força como em fervor, de seu zelo e estão a ponto de enlouquecer, pela simples razão de que antes que a eles, eu prefiro aos escritores escolásticos e a Bíblia. E é que leio aos escolásticos com discrição, não com olhos fechados (como é seu costume), sendo que o apóstolo preceituou “provai tudo, e retende o que é bom”. Não os rejeito em tudo, nem tão pouco, os aprovo em tudo. Estes tagarelas costumam tomar a parte pelo todo, a converter a faísca em incêndio, e a mosca em elefante. Graças a Deus não me causam preocupação, nem mesmo os menores destes fantasmas. É puro palavreado e não passarão disso. Se foi permitido a Scotus, Gabriel e a outros semelhantes discordar de são Tomás, e se aos tomistas não lhes está vedado contradizer a tudo o que se ponha adiante, nem que entre eles existam tantas divisões como cabeças, ou inclusive como crinas de cada cabeça, por que não me concederiam o meu esgrimir contra eles o mesmo direito que arrogam contra si? Se Deus agir, ninguém poderá impedi-lo, ninguém poderá levantá-lo se está descansando.

Adeus e rogue por mim, e pela verdade divina onde quer a encontre.Wittenberg, 31 de Março de 1518. Fr. M. Eleutherius, agostiniano.

13SERMÃO DE LUTERO: SOBRE A INDULGÊNCIA E A GRAÇA

(4 de abril de 1518)

1. Deveis saber, para começar, que alguns novos doutores, como o mestre das sentenças, S. Tomás e seus seguidores, dividem a penitência em três partes, a saber, na contrição, a confissão, a satisfação. Apesar de que tal distinção, segundo opinam, é difícil, ou melhor, impossível fundamentá-la na sagrada Escritura e nos doutores cristãos da antiguidade, não obstante vamos considera-las por agora e vamos aderir a sua forma de falar.2. Afirmam que a indulgência não livra da primeira ou segunda parte, a saber, da contrição e da confissão, mas sim da terceira, ou seja, da satisfação.3. Por sua vez, se divide a satisfação em três partes: oração, jejum, esmolas. A oração compreende todas as obras próprias da alma, tais como ler, meditar, escutar a palavra de Deus, pregar, ensinar e outras semelhantes. O jejum compreende as obras da mortificação da carne: vigílias, trabalhos árduos, camas duras, roupas rasgadas, etc. As esmolas compreendem toda classe de boas obras de amor e misericórdia para com o próximo.

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4. Não há dúvida de que para todos eles as indulgências isentam destas mesmas obras satisfatórias que temos que fazer obrigatoriamente ou que são-nos impostas por causa do pecado. Pois bem, se a indulgência livrasse destas obras, já não restaria nada bom por praticar.5. Entre muitos tem força certa opinião de que ainda não se decidiu: se as indulgências livram de algo mais do que destas boas obras, a saber, se perdoam também as penas que a justiça divina exige pelos pecados.6. Neste momento não refutarei esta opinião. Afirmo o seguinte: que não se pode provar com base em texto algum que a justiça divina deseje ou exija do pecador qualquer pena ou satisfação, a não ser unicamente a contrição sincera de seu coração ou a conversão, com o propósito firme de levar adiante a cruz de Cristo e de exercitar-se nas obras mencionadas (mesmo que nada lhes seja imposto), porque Deus disse por boca de Ezequiel: “Se o pecador se converte e se comporta como convém, me esquecerei de seus pecados”. Ademais, ele mesmo perdoou a todos: a Maria Madalena, ao paralítico, a mulher adúltera, etc. Eu me encantaria escutar a qualquer que provasse o contrário, desconsiderando o que tenham pensado alguns doutores.7. Nos deparamos com a verdade de que Deus castiga a alguns segundo sua justiça ou que por meio das penas os leva à contrição, como diz o Salmo 88: “Se seus filhos cometem pecados, eu castigarei suas transgressões coma vara, porém não lhes negarei minha misericórdia”. Não obstante, não existe poder humano capaz de cancelar estas penas; somente o poder divino pode fazê-lo. Mais ainda: Ele não deseja cancelá-las, pelo contrário, promete que quer impô-las.8. Por este motivo não se pode dar nenhum nome a esta pena imaginária, nem se sabe nada em que consiste, senão nestas boas obras acima indicadas.9. Afirmo que, embora a igreja cristã tenha decidido ou declara ainda hoje que a indulgência perdoa mais que as obras satisfatórias, seria mil vezes melhor que o cristão cumprisse estas obras e sofresse esta pena do que comprar ou desejar esta indulgência. Porque a indulgência não é, nem pode ser outra coisa senão abandono das boas obras e de uma pena saudável, que melhor seria desejar do que abandonar; e que, embora alguns dos novos pregadores tenham inventado duas classes de penas, medicinais e satisfatórias, visando ao conserto ou à satisfação. Não obstante, louvado seja Deus, gozamos nós de maior liberdade para depreciar tais coisas e charlatanismos semelhantes que eles inventam; porque toda pena, ou seja, tudo o que Deus impõe, é bom e proveitoso para os cristãos.10. Com isto não se quer dizer que as penas e as obras sejam excessivas, e que o homem, na brevidade da vida, não possa cumpri-las, motivo pelo qual a indulgência se faria imprescindível. Respondo que isto não tem fundamento nenhum e que é uma pura invenção. Nem Deus nem a santa igreja impõem nada que não se pode cumprir; também S. Paulo declara que Deus não prova em nada mais além de suas forças. Isto influencia, não pouco, na desonra da cristandade, ao fazê-la responsável de impor mais do que podemos suportar.11. Mesmo que a penitência canônica estivesse em vigor, a saber, se por cada pecado mortal fossem impostos sete anos de penitência, a cristandade deveria abandonar estas leis e não impor nada além do que cada um pode cumprir, menos motivo haverá para impor mais do que se pode suportar agora, quando estas leis já não têm mais valor algum.12. Diz-se que o pecador, com o que ainda lhe resta sofrer, tem que ir ao purgatório ou fazer uso das indulgências, mas dizem tantas coisas sem razão nem com qualquer tipo de prova.13. É um erro grande querer satisfazer alguém por seus pecados, quando Deus os perdoa ilimitadamente de forma gratuita por sua inestimável graça e sem nenhuma exigência em troca. A única exigência de Deus é que daí em diante se leve uma vida boa. A cristandade exige algumas coisas; também pode cancelá-las e não impor nada que seja difícil e insuportável.14. A indulgência tem sido autorizada por causa dos cristãos imperfeitos e preguiçosos, que não querem exercitar-se com valentia nas boas obras, ou por causa dos rebeldes. Como a indulgência não anima em nada a consertar-se, senão que mais tolera e autoriza sua imperfeição, não se deve falar nada contra a indulgência, nem tampouco há de se recomendá-la a nada.15. Agiria muito melhor quem desse algo puramente por amor a Deus para a fábrica de S. Pedro ou para outra coisa, em lugar de adquirir em troca uma indulgência. Porque se corre o perigo de fazer tal doação por amor à indulgência e não por amor a Deus.16. É muito mais valiosa a esmola dada ao indigente do que a outorgada para este edifício; é muito melhor do que a indulgência conseguida pela troca. Porque, como já se tem dito, vale muito mais uma boa obra cumprida do que muitas menosprezadas. Com a indulgência, ou se omite de muitas boas obras ou não se consegue nenhuma remissão. Prestem atenção no que vou lhes dizer para instruí-los como é devido: antes de qualquer coisa (e sem levar em conta o edifício de S. Pedro e a indulgência), se queres dar algo, deve dar ao pobre. Se acontece que em sua cidade não há ninguém necessitado de socorro (o que Deus quer nunca acontecerá), então, se assim o desejas, poderá dar para igrejas, altares, ornamentos, cálices da sua cidade. Se isto não for necessário para o presente, e se te parece bem, poderás dar para a fábrica de S. Pedro ou para qualquer outra coisa. Mas nem neste caso deverás

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fazê-lo para ganhar a indulgência, porque declara S. Paulo: “Quem não cuida dos membros de sua família não é cristão, é pior que um pagão”. Enfim, para expressar meu pensamento: qualquer um que te ensine de outra maneira está te induzindo ao erro ou anda buscando sua alma dentro de seu bolso, e se nele encontrar alguns centavos, terá mais interesse neles do que em todas as almas. Se você diz que não voltará a comprar indulgências, te respondo: “já lhe disse antes; minha vontade, meu desejo, minha constante súplica e meu conselho é que ninguém compre a indulgência. Deixa que os cristãos preguiçosos e sonolentos as comprem; você, segue o seu caminho”.17. A indulgência não é recomendada nem aconselhada: busque as coisas autorizadas e permitidas. Por este motivo, não é uma obra de obediência, nem meritória, senão uma evasão da obediência. Portanto, embora não se deva proibir ninguém que as adquira, se deveriam afastar delas todos os cristãos, e estimulá-los à mudança para se fortificarem pelas obras e pelas penas que anulam a indulgência.18. Que em virtude da indulgência salvar as almas do purgatório ser algo que ignoro e que não creio ainda, embora alguns novos doutores o afirmem; e como lhes é impossível provar, e ainda, a igreja nada tem decidido a respeito, para maior segurança é muito melhor, mais valioso e seguro que intercedas e trabalhe por estas almas.19. Estou totalmente convencido da certeza destes pontos, suficientemente fundados na Escritura. Por isso, não duvide deles, e deixe que os doutores escolásticos sigam sendo “escolásticos”; Deixe-os todos com suas opiniões, incapazes de autorizar sua pregação.20. Não me importa muito que no presente me considerem como herege, alguns a quem esta verdade cause forte prejuízo, posto que somente me qualificam assim algumas mentes tenebrosas que jamais ouvem a Bíblia nem leem os doutores cristãos, que nunca compreendem seus próprios mestres e que estão a ponto de decompor-se em suas opiniões proferidas, de agoureiros e sem fundamento; porque se os houvessem compreendido, entenderiam que não devem qualificar de blasfemo a ninguém sem tê-lo escutado e convencido. Que Deus, não obstante, lhes conceda e nos conceda um espírito reto. Amém.

14O DECRETO CUM POSTQUAM

[9 de Novembro de 1518]12

O decreto Cum postquam emitido pelo Papa Leão X ao cardeal Caetano de Vio, em 9 de Novembro de 1518.13

As indulgências14

… para que doravante ninguém possa alegar o desconhecimento da doutrina da Igreja de Roma a respeito das indulgências e sua eficácia ou se desculpar com o pretexto de tal

12 Denzinger & Petrus Hünermann, Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral, pp. 387-388. E também Kidd, Documents, p. 39.13 A autoridade da Igreja Católica Romana é reivindicada pelo papa na “Carta aos Suíços”, escrita em 30 de Abril de 1519 (ed. L.R. Schmidlin, Bernhardin Sanson, der Ablassprediger in der Schweiz 1518-1519 [Solothurn 1889] 30s). Nela o papa Leão X declara “o poder do Romano Pontíficie de conceder indulgências, de acordo com a veraz definição da Igreja romana, que decretamos deve ser por todos conservada e pregada ... como procurareis sem restrição ver e o observar deste escrito que vos mandamos para subscrever. ... Procurareis aderir com firmeza à veraz definição da santa Igreja Romana e desta Santa Sé, que não permite erros”. In: Denzinger-Hünermann, Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral, p. 387.14 A prática das indulgências, que na Alemanha foi objeto de graves deformações, tinha proporcionado a Martinho Lutero a ocasião de tornar públicas, em 31 out. 1517, 95 teses sobre as indulgências (ed. de Weimar 1 [1883] 229-238). Como resposta ao acontecido, esta bula quer expor a reta doutrina da Igreja sobre as indulgências. A autoridade doutrinal da bula é sublinhada por Leão X na carta de acompanhamento “Aos suíços” de 30 abr. 1519 (ed. L.R. Schmidlin, Bernhardin Sanson, der Ablassprediger in der Schweiz 1518-1519 [Solothurn 1898] 30s): “O poder do Romano Pontífice de conceder indulgências, de acordo com a veraz definição da Igreja romana, que decretamos dever ser por todos conservada e pregada … como procurareis sem restrição ver e o observar deste escrito que vos mandamos para subscrever. … Procurareis aderir com firmeza à veraz definição da santa Igreja romana e desta Santa Sé, que não permite erros”. O cardeal Caetano de Vio, a quem esta bula era destinada, inseriu, em 1522, a parte mais importante do texto no seu Comentário a Tomás de Aquino, Summa theologiae III, q. 48, a. 5 (ed. Leonina 11 [1903] 469).

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desconhecimento, nem recorrer a um protesto sem fundamento, e para que, ao invés, tais pessoas possam ser denunciadas como claramente mentirosos e daí merecidamente condenadas, com o presente <escrito> julgamos dever levar a teu conhecimento o que ensinou a Igreja de Roma, que as outras Igrejas são obrigadas a seguir como a uma mãe: O Romano Pontífice, sucessor de Pedro, detentor das chaves e vigário de Jesus Cristo na terra, em virtude do poder das chaves que servem para abrir o reino dos céus, livrando os fiéis de Cristo dos impedimentos (a saber, a culpa e a pena devidas pelos pecados atuais: a culpa, mediante o sacramento da penitência, a pena temporal devida segundo a justiça divina pelos pecados atuais, mediante a indulgência eclesiástica), tem o poder de conceder, por causas razoáveis, haurindo da superabundância dos méritos de Cristo e dos Santos, indulgências aos fiéis cristãos, que pela caridade que os une são membros de Cristo, quer se encontrem em vida, quer estejam no purgatório; e ao conceder a indulgência, quer aos vivos quer aos mortos, em virtude da apostólica autoridade, ele dispensa, segundo seu costume, os tesouros dos méritos de Jesus Cristo e dos Santos, confere a própria indulgência a modo de absolvição ou aplica-a a modo de sufrágio. E por isso, todos os que, vivos ou defuntos, conseguiram verdadeiramente todas essas indulgências, são liberados da pena temporal, devida segundo a divina justiça pelos pecados atuais, que corresponde à indulgência concedida e adquirida.

E nós, em virtude da autoridade apostólica e pelo teor do presente <escrito>, decretamos que assim deve ser sustentado e pregado por todos, sob pena de excomunhão de pronunciada sentença.

15APELO DO IRMÃO MARTINHO LUTERO AO CONCÍLIO15

[28 de Novembro de 1518]

In the name of the Lord, Amen. In the 1518th year from the birth of the same [Lord], in the sixth indictionj^ on Sunday, November 28th, in the sixth year of the pontificate of our most holy father and Lord in Christ, Leo X., by divine providence Pope; in the presence of the public notary and the subscribed witnesses, summoned and called for this special purpose, master [dominus] Martin Luther, ordained reverend Father, an Augustinian of Wittenberg, Doctor of sacred theology, and there ordinary lecturer on the- ology, first and chiefly for himself, but also beyond revocation by any of his deputies hereafter appointed by him, having and holding in his hands a certain schedule of citation and appeal, with the design and purpose of addressing, calling and entreating an appeal^ (saying, narrating, entreating and appealirig in regard to certain legal cases in the same schedule contained and embodied) to a council, the next and immediately to be [held], assembled legally and in the Holy Spirit, to the entire exclusion indeed of other assemblies, factions and private synods; affirming and setting forth other facts, such as are more fully contained, included and described in the aforesaid schedule of appeal, whose contents are appended and are as follows:

Since the remedy of appeal was devised by legislators for the assist- ance and relief of the oppressed, and not only from things inflicted but also from those to be inflicted, the law allows those menaced with wrongs and injuries to appeal, to the end that the inferior cannot decide concerning the right of appeal to the superior. ^ But since it is a sufficiently acknowledged fact that a most holy council, legally assembled in the Holy Spirit, representing the Holy Catholic

15 Henry C. Vedder, The Reformation in Germany, pp. 413-418.

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Church, in cases concerning the faith is above the Pope, it follows that the Pope cannot in such cases decide that there shall be no appeal from him to a council. So if he does that which in no way pertains to his functions, the appeal itself is a sortof legal defense that is in accordance with divine, natural and every human law, and cannot be withdrawn by a ruler. Therefore I, brother Martin Luther, of the order of friars of St. Augustine, of Wittenberg, also ordinary lecturer there on the same subject, first and chiefly for myself, come before you, the public notary, as a man of known and legal standing, and the witnesses here present, with the motive and intention of petitioning, appealing, and seeking and receiving a notice of appeal [apostolus]; nevertheless, stating in advance with solemn protest that I purpose to say nothing against the one Holy Catholic and Apostolic Church, which I have no doubt is mistress of the whole world and holds the pre-eminence; nor against the authority of the holy Apostolic See, and the power of our most venerable and wise Lord, the Pope. Nevertheless, if anything shall be said less correctly and without becoming reverence—perchance on account of the uncertainty [luhrico, lit. " slipperiness "] of the tongue, but more likely by reason of irritation of enemies—I am very ready to correct that. He who acts as God's vicar on earth and whom we call Pope, since he is a man like us, chosen from among men, and is himself (as the Apostle says) "compassed with infirmity" [Heb. 5 : 2], he may err, sin, lie, become empty. And he is not free from that general word of prophecy: "Every man is a liar."- Nor indeed was St. Peter, the first and most holy of all the pontiffs, exempt from this infirmity, but rather with blameworthy dissimulation he opposed the truth of the Gospel; so that with a stern but most holy rebuke from the apostle Paul his work had to be corrected, as is written in Galatians ii. And with this most noble example shown to the Church by the Holy Spirit, and left in the most sacred Scriptures, we who believe in Christ are taught and established. If any supreme pontiff falls on account of infirmity, the same as or like Peter's, and teaches or decrees anything that may oppose divine commands, not only should he not be obeyed, but also with the apostle Paul one can, nay should, resist him to his face; just as the infirmity of the head is relieved by the lower members, with the loyal care of the whole body. In the present and perpetual memory of this example it has happened—not without the special purpose of God, as may plainly be perceived—that not only St. Peter, but also his salutary censurer Paul, equally and in like manner were patrons and rulers of the Holy Roman Church. So that indeed we are continually instructed, not only by their letters, but also by the substantial memorial of this very necessary and most wholesome example, as well the heads themselves as we, the members. But, if furnished with any power of the mighty, the Pope shall prevail to so great an extent that one cannot resist him, one means certainly remains, namely, that aforesaid remedy of appeal, by which the oppressed are relieved. Therefore I also, brother Martin Luther aforesaid, having recourse to the manner and intention already mentioned, affirm and declare that in our land of Saxony in former days, indulgences were proclaimed most indiscreetly by certain apostolic commissioners (as they claimed). So that, in order to suck up the money of the people, they began to preach certain absurd, heretical and blasphemous things, resulting in misleading the souls of believers and in supreme mockery of the power of the Church, especially with regard to the power of the Pope over Purgatory (as contained in their little book called "A brief appointment").^ Now it is certain from the Canon Abusionibus that the Pope does not have any power at all over Purgatory. Again, by the universal opinion of the whole Church, and the general consent of all learned men, indulgences are nothing but remissions of a penance [satisfadionis poenitentialis] imposed by one's [ecclesiastical] judge. As is clear from the text of the Canon Quod autem, the penance imposed by an ecclesiastical judge may not be anything other than works of fasting, prayer, alms, etc., and so it cannot be remitted by the keys of the

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Church, because it was not imposed by them. Further, it is certain from paragraph XXXV, of Canon Qualis, that in Purgatory not only punishment but also guilt is remitted.- But the Church cannot remit guilt, just as also it cannot bestow grace. When I relied on these authorities, because I was about to oppose their vile and absurd doctrines after the manner of a disputation, mad with the love of gain they first began in public address to the people to declare with most shameless boldness that I was a heretic; then, through a certain master Marius of Perusium, fiscal procurator, to accuse me to our most venerable lord, Leo X, as suspected of heresy. At length pro- curing through the influence of the same man a commission for citing me to the presence of the most reverend lords and fathers, Jerome of Genutium.

Bishop of Asculani, hearer of causes in camera, and Sylvester Prierias, master of the palace, they brought it to pass that I was cited to the City [of Rome] to be examined in person. I could not accomplish so long a journey from Wittenberg, free from plots, nor could I remain at Rome safely, and I was weak and frail in body. Also the aforesaid judges were suspected by me for many reasons; especially because the reverend father Sylvester has been my opponent, and had already published a treatise against me, and he was also less learned in sacred letters than that case demanded. Master Jerome, moreover, was more learned in the law than in theology, and it was justly feared that he was about to assent to the Sylvestrine theology, and to treat this case beyond the manner of his profession. Therefore I urged, through the most illustrious prince. Lord Frederick, Duke of Saxony, High Marshal of the Holy Roman Empire, Landgrave of Thuringia, Marquis of Misnia, that the case be committed to persons who are not suspected, but are honorable and good men. Then they, practised in a certain gross and silly cunning, influenced the most holy Lord Leo, so that the case was transferred to themselves, that is, to the person of the most reverend master Thomas, Cardinal of St. Sixtus, then in Germany as the legate of the Apostolic See. He was of the order of preachers [Dominicans], and of the Thomist faction, hence a chief opponent, and would be expected easily to proclaim himself against me and for them. Or, what amounts to the same thing, I would surely be alarmed at the sight of this judge and refuse to appear, thereby being guilty of contumacy. Nevertheless, relying on God's truth, I came to Augsburg with much labor and amid many perils, and was indeed kindly received by the aforesaid most reverend. Here my protest and pledge were neglected, in which I had offered to answer either in public or in private, before a notary and witnesses, ^ and finally before four distinguished men present, of the rank of imperial councillors. Like- wise I submitted myself and my words to the Holy Apostolic See, and to the judgment of four noted universities: Basel, Freiburg, Louvain, lastly also to that most noble parent of studies, [or universities, studiorum] Paris. [After all this] he simply urged me to retract, nor was he willing to show me my errors, nor by what reasons or authorities the error could be recog- nized by me. Naturally too much influenced by the brothers of his party, and assuming an aspect of harshness, in fearful and very cruel threats he menaced me with the power of a certain Apostolic Brief, unless I should retract with abject entreaties, and with promises to be taught, and with requests for information. Then he commanded that I should not return before his face.^ Vexed with these troubles, I then appealed from his unjust and violent audacity and pretended commission, to our most holy lord, Leo X, better informed, as is more fully contained in the schedule of that appeal.' Now although that appeal (as I have said) has been lightly esteemed, I yet desire up to this day nothing except that my error be shown me; whoever can establish it. In regard to this I duly affirm a second time that I am quite ready to retract if I shall be shown that I have said anything wrong. Finally, I submitted my whole contention to the supreme pontiff, so that I have nothing further to do in these things than to await judgment, and this I am awating until now. Nevertheless, as I hear, the same most reverend master

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Thomas, Cardinal of St. Sixtus, writes to the most illustrious prince, Lord Frederick, that proceedings are taken against me in the Roman Curia, and that by the authority of our same most holy lord [the Pope], the pre tended judges carry out the case to my condemnation, paying no attention to my faithful and superabounding obedience, with how great difficulty I appeared at Augsburg; nor caring for my most honest offer, in which I presented myself for a public or private reply; finally despising one of Christ's sheep, who humbly asked to be taught the truth and led back from error. Indeed, without a hearing or a reason given, with pure tyranny and plenitude of power, they simplj^ urged me to recall the opinion which I believe from my conscience to be most true, and desire to mislead me into denying the faith of Christ and the true understanding of a most plain Scripture (as much as my conscience understands it). The power of the Pope is not against nor above, but for and under, the majesty of Scripture and truth; nor has the Pope received power to destroy the sheep, to cast them into the jaws of wolves, but to recall them to the truth, as befits a pastor and bishop, the Vicar of Christ. For this reason I feel that I am grieved and burdened, since I see that from such violence it will come to pass that no one may dare to confess even Christ himself, nor to preach the sacred Scriptures in his owti church; and so that I also shall be forcibly thrust forth from a true, rational and Christian faith and understanding to empty and lying opinions of men, and driven to fables that mislead Christian people.

Therefore, from the aforesaid, our most holy lord Leo, not correctlyadvised, and above the pretended words, commission and judges, and their citation and process, and all that has followed or will follow thence, and from any whatsoever of them; and from whatever excommunications, suspension and sentences of interdict, condemnations, punishments and fines; and from whatever other denunciations and declarations (as they pretend) of heresy and apostasy, through them or one of them attempted, done and designed, or to be attempted, done or designed; and from the nullification of these things as it were by evil and unjust men who are entirely tyrannical and violent (their honor and reverence always excepted) ; also from whatever future troubles that can come to me from this, as well for myself as for all and each of my adherents and those wishing to be my adherents;—to the Council to meet legally and in a safe place, to which I or an advocate delegated by me can be free to go, and to him or those to whom I may be allowed by right, custom or privilege to call and appeal, in these writings I call and appeal, a first, a second, a third time; vehemently, more vehemently, most vehemently. I demand that notice of appeal [apostolus] be granted me, if there be any one who is willing and able to grant it to me; and especially I ask from you, master Notary, attestation. I protest against following out this appeal of mine through the way of nullification, abuse, unfairness or injustice; and besides, as is my right, I reserve to myself the option of adding, shortening, changing, correcting and improving it. And I retain for myself every benefit of law, and for my adherents and those who wish to adhere to me.

16CARTA DE MARTINHO LUTERO À JOHANNES STAUPITZ

[20 de Fevereiro de 1519]

A Staupitz. 20 de Fevereiro de 1519Ao reverendo e excelentíssimo padre Johan Staupitz, vigário dos Ermitões de Santo

Agostinho, e no culto de Cristo, o seu patrono e superior.

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Jesus. Saudações. Reverendo padre: Ainda que esteja tão longe de mim e tão calado que não me escreva as esperadíssimas cartas, me atreverei a quebrar o silêncio. Desejo – bem como desejam todos – que te deixes ver alguma vez nesta situação afligida pelas pragas do céu. Espero haver chegado até você as minhas Atas, ou seja, a cólera e a indignação de Roma. Deus não somente me conduz, me arrebata, como também me empurra; não estou em minha sensatez: quero estar tranquilo e, todavia, me vejo pressionado no fragor dos tumultos.

Carlos Miltitz entrevistou-me em Altenburg. Estava queixoso de que eu tinha ganho a todos para a minha causa e os afaste do papa. Da exploração que fiz em todas as hospedagens deduzi que apenas dois a cada cinco estavam a favor de Roma. Depois, na corte do príncipe, informei-me que vinha armado com setenta breves apostólicos a fim de conduzir-me preso para a Jerusalém homicida, a essa Babilônica de púrpura. Quando desesperou-se neste projeto começou a tratar de que eu restituísse à igreja romana o que lhe havia roubado, e se empenhou em convencer-me que eu me retratasse. Ao rogar-lhe que me indicasse no que tinha que retratar-me, por fim, nos convencemos em remeter a causa a alguns bispos. Propus-lhe o arcebispo de Salzburg, bem como ao de Tréveres e ao de Freising. Pela tarde fui convidado, estivemos alegres na comida e nos separamos depois de haver me dado um ósculo. Comportei-me como se não estivesse consciente dessas italianidades e simulações. Também convocou a Tetzel e lhe repreendeu. Em Leipzig, por fim, o convenceu de que gozasse de uma estupenda mensalidade de noventa florins e mais três empregados e uma carruagem livre de todo custo. Então, Tetzel desapareceu; ninguém – talvez, a exceção de seus progenitores – sabe para onde ele se foi.

Eck, meu homem astuto, quer arrastar-me para novas disputas, como pode ver no que te adjunto. Desta maneira, Deus cuida em manter-me andando ocupado. Mas, se é a vontade de Cristo, desta disputa nada de bom poderá saldar para os direitos e usos de Roma, que são o cetro em que Eck se apoia.

Eu gostaria que visse os meus livretos impressos em Basiléia[8] e que confrontasse o que os eruditos opinam sobre mim, sobre Eck, sobre Silvestre e sobre os teólogos escolásticos. Equivocando-se deliberadamente, com muitíssimo gracejo, chamam Silvestre (além de outras coisas cheias de humor) de magiro de palácio, em lugar de mestre de palácio (magiro em grego significa cozinheiro). Isto cairá mal aos heróis romanos. Rogo a ti: reze por mim. Confio com firmeza que o Senhor forçará ao teu coração para cuidar de mim. Sou um homem que está em perigo e empurrado à sociedade, ao deboche, ao desprezo, a negligência e outras moléstias, além das que me oprimem por ofício.

Por fim, se aproximam os de Leipzig para a disputa com Eck. Acusam-me de ser imprudente por escrever que rejeitava e reclamam que cante a palinódia num escrito pessoal. Mas fui assegurado pelo duque George de que eles haviam recusado antecipadamente e eu disse a eles em duas ocasiões que o seu decano havia recusado anteriormente a minha petição, como na realidade o fez. Desta maneira tão baixa quer esta gente impedir tal disputa; mas, o duque George continua urgindo-a.

Adeus, boníssimo padre. 20 de Fevereiro de 1519. Fr. Martinus Lutherus, agostiniano.

17A PRIMEIRA SÉRIE DE TESES DE TETZEL16

16 Henry C. Vedder, The Reformation in Germany, pp. 402-408.

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In order that the truth may appear, and errors be suppressed, and, after due consideration, objections against Catholic truth be answered: brother John Tetzel, of the order of Preachers, Bachelor of Sacred Theology, and Inquisitor of heretical pravity, will sustain the subscribed propositions in the most distinguished university at Frankfort- on-Oder. To the praise of God, for the defence of the Catholic faith, and for the honor of the Holy Apostolic See.

1. Our Lord Jesus Christ [wished to teach all] the sacraments of the new law, by which he wished all to be bound, after his passion and ascension,2 and he wished to teach all before his passion by his most suitable proclamation. 3. Therefore he errs, whoever says that Christ, when he proclaimed “Repent ye,” wished inward repentance and outward mortification of the flesh in such wise, (4) that he could not also teach or at the same time understand the sacrament of penance and its parts—confession and satisfaction—as obhgatory. Nay, verily, it avails nothing even if inward penance works outward mortification unless confession and satisfaction are accompanied by deed and prayer. (1, 2)^ 5. This satisfaction (since God does not allow a transgression without a penalty) is made through penalty, or its equivalent in the divine acceptance. 6. What is imposed, either by the will of the priest or by canon, is sometimes enforced by divine justice here, or is remitted in purgatory. (4) 7. Just as no one is bound to repeat a confession, truly made, for the same offenses, save in few cases; (8) And however useful it might be, nevertheless neither priest nor Pope can demand that it be repeated, (9) So one absolved is not bound to repeat for the same sins the outward satisfying penance, when once rightly performed. To command the contrar}^ is to err.10. Notwithstanding, he is bound as long as he lives to grieve within, in conduct and disposition, and always to detest remitted sin, and not to live without fear concerning propitiation of sins.(11). This penalty, imposed on account of sins repented and confessed, the Pope can completely remit by means of indulgences;(12) Whether this has been imposed by him, or by the will of the priest, or by canon, or even is exacted by the divine justice; to deny this is to err.13. But, although through indulgences every penalty in matters determined is remitted which is due for sins, so that it is vindicative of them; (14) he errs, nevertheless, who thinks that because of this the penalty is removed that is healthful and preservative, since the Jubilee ^ is not ordained contrary to this. 15. However truly and entirely any one may receive remission through indulgences—he who denies that this can be done in matters determined errs; (16) Nevertheless no one ought to intermit works of satisfaction as long as he lives, since they are curative of sins remaining, preservative from future sins and meritorious. 17. Just as the Mosaic sacraments are barren elements, neither removing guilt nor justifying: (18) So the Jewish priests have neither keys nor ofl&ce [charaderem] whence they can remit guilt. 19. But the Christian sacraments produce the grace they signify, and hence also justify those who receive them. 20. And Christian priests' have the true office and keys, by which they can remit even guilt: (21) not only by approving and declaring, as the priests of the old law of Aaron did with regard to leprosy,

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(22) but also ministerially and instrumentally, and by orderly performing the thing itself by means of the sacrament.23. Nay, just as God has keys of authority, Christ of excellence, so the Christian priest has ministerial keys.24. Whoso says, therefore, that the Pope, or even the least priest, has no power over guilt save in approving or declaring, errs.25. Nay, he errs who does not believe that the least Christian priest has more power in regard to sin than the whole synagogue of the Jews formerly had. 26. Why does he not err then, who thinks that Christ, so far as he has not bound his power to the sacraments, (27) cannot remit sins by the excellence of his key, and save a man, apart from sacerdotal confession, approbation or declaration?28. Although contempt, true or inferred, has rejected the sacrament, which not seldom happens in late repentance,29. neither unexpected death nor necessity exempts from the severest punishment that follows.30. Nevertheless, we must not despair concerning these, since the least contrition that can take place at the end of life,31. suffices for the remission of sins and the changing of the eternal penalty to a temporal.32. But seeing that, on account of deficiency of time, the most cruel punishments not infrequently befall those who have died in such wise,(33) which are quickly remitted by plenary indulgences, such act foolishly as dissuade from buying confessional licenses. 34. Because of violence to a priest, penalties are imposed on the excommunicate, incendiaries, and incestuous, not alone after absolution, but sometimes after death; (35) on the one an oath not to repeat, on the other satisfaction—therefore he who denies that this can be done, errs.36. Not by sleeping bishops, but by chapters of the [canon] law, a priest is commanded to be discreet and pious, so that one confessed is sent to purgatory, (37) with the penalty of exile willingly received, rather than to hell as rejected. Who calls that "tares" therefore errs.38. Heretics, schismatics and traitors, are excommunicated after death, anathematized and exhumed. (39) Therefore, whoever says that those about to die pay all debts by death, and are not held by the canon law, errs.40. It is erroneous to say that souls about to be purified, ^ who depart in grace and charity—which separates between the sons of the kingdom and those of perdition, and far more of despair(41) are near despair; but rather [one should say] they are in firm hope of obtaining happiness.42. He errs who says that it is not proved either by reason or Scripture, that the purified ^ are beyond the state of merit. (18) 43. He errs who adds, that it is not proved how certain and secure they are of their happiness. Likewise he who says, (44) the souls about to be purified^ cannot be more certain of their salvation than we, and that we are most certain.45. He errs who says that the Pope does not mean by plenary remission the remission of all penalties, but only those imposed by himself.

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46. To say that the preachers of indulgences err when they declare that a man may be relieved of all penalty by the indulgence of the Pope and be saved, is an error.47. To say that the Pope can remit no penalty to souls in Purgatory which they ought to remove in this life according to the canons, is an error.48. He errs who says that only the most perfect can obtain pardons, and not also the perfect, the still more perfect, beginners and progressive. (49) Likewise also [whoever says that] not only the fully contrite but the impenitent [attritos, imperfectly penitent] and the contrite through confession [can obtain pardons].50. He errs whoever says this can happen to very few, and not to most who do what the Jubilee requires. (24)51. It is an error to assert that the Pope has no greater or more efficacious power over Purgatory, by imparting generally the Jubilee [i.e. its benefits] in form of intercession (52) than such or as great as any bishop or priest [plebanus, lit. country priest] has especially in his own diocese and parish.53. Even if the Pope have no power of the keys over Purgatory, he nevertheless has the authority to apply the Jubilee to them by way of intercession. (26)54. To deny this power over Purgatory in the Pope, under the form of the key, is to contradict the truth and to err. (26)55. For a soul to fly out, is for it to obtain the vision of God, which can be hindered by no interruption, (56) therefore he errs who says that the soul cannot fly out before the coin can jingle in the bottom of the chest. (27)57. It is an error to find gain and avarice in public intercession, and not to seek the effect of purgation.58. It is a manifest error to doubt if all souls wish to be redeemed, or being redeemed to escape Purgatory.59. With regard to conjectural security, as far as human weakness attains, it is an error [to hold] that no one is certain of obtaining pardon, even those who have done what the Jubilee requires.60. It is an error [to say] that only a few, and not most of those who fulfil the Jubilee requirements, obtain pardons.61. It is an error [to say] that one released through plenary pardon, according to the form of the decretal [rescripti], is not certain of his salva- tion just as if truly confessed and penitent.62. It is an error [to hold] that a man is not reconciled to God by Papal indulgences duly acquired by every form, just as if truly penitent and confessed.63. It is an error [to teach men] not to look for pardoning grace, except for penalties of satisfaction imposed by man, and not also those imposed by the canon or divine justice. (34)64. It is an error [to say] that it is not a Christian doctrine, that those who are about to buy confessional licenses or the Jubilee indulgence for their friends in Purgatory can do these things without repentance.65. It is an error [to hold] that any Christian whatever, truly penitent, has quickly and completely plenary remission of penalty and guilt without indulgences. 66. It is an error [to say] that any Christian whatever, whether living or dead, has a share in all benefits, and to the extent of an authoritative remission of sins. (37)67. It is an error [to hold] that there is the same share in all benefits through charity as through the power of having mediation.^ (37)68. Again, it is an error [to say] that there is the same share in all benefits for acquiring and increasing merits, as for giving satisfaction.

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69. It is an error to say that the remission of the Pope and the share [in all benefits] are not to be despised only because declaration is made of the divine remission.70. It is an error [to say] that it is very easy, only for the most learned theologians, and not also for those moderately versed, at once to exalt the ample effect of pardons and the necessity of true contrition.71. He errs who does not know that, instead of those satisfying penalties that contrition seeks, Christ's pardons impose compensatory penalties, but because they do not remit those that are medicative, contrition has the penalties that it loves continuing through the whole life. (40)72. Works of charity avail more in obtaining merit, but plenary pardons more in quickly making satisfaction and obtaining total remission. He errs who does not know this, or does not believe it, and who teaches the people one and is silent about the other.73. Plenary indulgences avail more in making satisfaction and obtaining remission completely, quickly and remarkably, but works of charity avail more in obtaining merit, grace, and chiefly in increasing glory. He errs who does not think the Pope wishes the people to be so taught. 74. But since plenary indulgence differs exceedingly [secundum excedentia et excessa] from particular works of mercy (as they are commonly called); he is guilty of signal presumption and error who teaches the people that the Pope wishes the purchase of pardons to be in no way compared with so-called works of mercy.75. Giving to the poor and lending to the needy is doing better as to the increase of merit; but buying pardons is better as to more speedy making satisfaction. He errs who teaches the people otherwise and leads them astray; likewise he who thinks that to buy pardons is not also a work of mercy. (43)76. Although by pardons a man may first become freer from punishment, nevertheless, since the work by which they are bought becomes one of charity, he who buys becomes better in consequence of his internal devotion. He doubly errs who teaches the people otherwise. (44)77. Spiritual alms are preferable to corporal and are more commonly given. Whence if one needs pardon, and cannot aid the poor without danger of want, he does far better by buying than by helping the poor, as said before. He who teaches the contrary, errs. (44)78. Merit and extent of merits are generally approved according to the importance of works and the purpose of charity; therefore he deserves pardons more who obtains them from necessaries than [he who obtains them] from superfluities. Whence he doubly errs who teaches that any one sins in acquiring merit in this way. (46) 79. Although the buying of pardons has not been commanded, it is nevertheless the wisest course for those who need them. Whoever says the former and is silent about the latter, leads the people astray and errs.80. What need Leo more than others has of prayers for himself can only be conjectured [est divinare]. But we are bound to pray for Pope Leo by the obligation of both human and divine law. (81) And since that is done as a matter of necessity, he errs who says that on account of it the Pope ought to grant indulgences.82. LTnless faith, devotion, nay confidence, are cherished with regard to pardons, indulgences amount to nothing and are useless. Whoever says the contrary errs most seriously. (49)83. Since the sums exacted for pardons under Leo are very small as compared with his predecessors, therefore he errs impiously who says that he is planning to build the church of St. Peter's with the flesh, skin and bones of his own sheep. (50) 84. Indulgences are useful to him who does what lies in him, and according to the tenor of the bulls, however it may happen that railers [oblatrantes, lit. barkers] err.

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(85). Therefore it is a most abominable error to say that confidence in salvation through letters of pardon is vain, even if the Pope were to put his own soul in pawn for them. (52) 86. If the least bishop can impose silence on others, either while he himself wishes to preach, or to have some one preach before him; (87) it is a very grave error to say that the Pope is the enemy of the cross if he wishes to publish the Jubilee in a like manner. (53) 88. If the legends of the saints may without harm be read on their feast days at greater length than the Gospel, one can continue to publish pardons an equal or longer time than the reading of the Gospel. To say the contrary is to err doubly. (54) 89. It is an error [to say] the mind of the Pope is, that pardons should be celebrated with single bells, processions and ceremonies, the Gospel with a hundred bells, processions and ceremonies. (55) 90. It is an error [to say] that the treasury of the Church, whence the Pope grants indulgences, is not sufficiently named or known. 91 It is an error [to say] that the treasury of Christ is not the merits of Christ and the saints. (58) 92. It is an error [to say] that these work pardoning (that is, sufficient on the side of God), quick, and complete satisfaction, without the mediation of the Pope. (58)93. [To say] that the treasure of the Church was the poor, in the time of St. Lawrence is an error. (59)94. [To say] that the treasure of the Church is only the keys of the Church given by the merit of Christ, is an error. (60)95. It is an error [to say] that the power of the Pope alone suffices for the remission of penalties, without intervention of the treasury of the Church, that is, of the merits of Christ. (61)96. The Gospel, the gift of healing, [and] the sacraments of pardon are alike called by the name of grace; to proclaim the one and neglect the other is to err. (62)97. It is an error [to say] that the indulgences that preachers proclaim to be the greatest graces, are truly such as to promoting gain. (67) 98. Yea, [to teach] that the treasuries of indulgences are nets with which they fish for the riches of men, is a most impious error. (66) 99. And since a sin committed against the Mother of Christ, however enormous, is less than if the same were committed against the Son, which is remissible by the express testimony of Christ (100) therefore, whoever says that such a sin cannot be remitted in the truly contrite by indulgences, is mad, raves and errs, against the text of the Gospel and Christ himself. (75) 101. Moreover, to propose to the subcommissaries and preachers of pardons that if, by an impossibility, anyone should violate the ever Virgin Mother of God, they could absolve the same by the power of indulgences—it is clearer than light that the one so proposing against the evident truth, is moved by hatred and thirsts for the blood of his brethren.102. To lay down also in public propositions, that preachers of pardons (although never heard) overflow before the people with excess of words and consume [proterrere, lit. frighten away] more time in explaining pardons than in preaching the Gospel, is to sow falsehoods heard from others and invented for truth, and he who quickly believes shows himself thereby to be fickle and errs grievously. (72, 54)103. In fine, to lay down in public propositions, that preachers of pardons are so far wanting through their licentious preaching as to make it no easy task even for learned men to secure respect for the Pope from the questions of acute laymen, is, after first bringing contumely upon

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the Pope, to flatter him and openly insinuate that all the rest have obtained safely [portum possidisse], and that he alone makes trouble, and in this to err exceedingly. (81) 104. It belongs to grace formally to remit, effectively and chiefly by God, regularly (though insufficiently) by a pure many satisfactorily by Christ, instrumentally by the sacraments. Whoever therefore says the Pope cannot remit the least venial [sin] as to guilt, errs.105. He who denies that the same power belongs to Peter and all his Vicars, errs. Whoever thinks Peter has more power over pardons than Leo errs greatly, yea, blasphemes. (77) 106. He errs who says just as he who adores the cross of Christ or any image whatsoever, as a thing and not as a sign, offers divine worship [latria adorat], likewise that the cross of Christ excels among however many others, as objects of adoration, and ought to be venerated more; nevertheless, he who offers divine worship to other things, and does not equally adore that [cross] represented also in the Papal arms, is guilty of idolatry and error.

18A SEGUNDA DISPUTA DE JOHANN TETZEL17

Brother John Tetzel, of the order of Preachers, Bachelor of Sacred Theology, and inquisitor of heretical pravity, will publicly and briefly defend and dispute the subscribed propositions, at the university of Frankfort-on-Oder, on a certain day that will be named at the earliest possible time: whoever ought to be censured as heretic, schismatic, obstinate, contumacious, erroneous, seditious, ill-expressing, rash and injurious, at the first look will be clearly seen in them. To the praise of God and the honor of the Holy Apostolic See, in the year of our salvation, 1517.

1. Christians should be taught that, since the power of the Pope is supreme in the Church and was instituted by God alone, it can be re- strained or increased by no mere man, nor by the whole world together, but by God only.2. Christians should be taught that they are bound to render simple obedience to the Pope, who holds them all in his immediate jurisdiction, in respect to those things that pertain to the Christian religion and to his chair, if they are consonant with divine and natural law.3. Christians should be taught that the Pope, by authority of his jurisdiction, is superior to the entire Catholic Church and its councils, and that they should humbly obey his statutes.4. Christians should be taught that the Pope has the sole [power] of deciding those things that are of faith, and that he and no other may interpret the sense of Holy Scripture as to its meaning, and that he has [the power] to approve or disapprove all the words or works of others.5. Christians should be taught that the judgment of the Pope, in those matters that are of faith and necessary to man's salvation, cannot err in the least.6. Christians should be taught that even if the Pope should err in faith, concerning the things that are of faith, by holding a bad opinion, he will not err concerning those things that are of faith when he pro- nounces judgment upon them.7. Christians should be taught that the decisions of the Pope, which he publishes as to matters that are of faith, ought to have more weight in a cause than the decisions of any number of wise men regarding the doctrines [opinionihus] of the Scriptures.

17 Henry C. Vedder, The Reformation in Germany, pp. 409-413.

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8. Christians should be taught that the Pope deserves always and humbly to be honored by them, and not to be injured. 9. Christians should be taught that those who derogate from the honor and authority of the Pope, incur the penalty of the curse and the crime of treason [laesae majestatis].10. Christians should be taught that those who expose the Pope to jeers and slanders, are marked with the stain of heresy and shut out from hope of the kingdom of heaven.11. Christians should be taught that those who dishonor the Pope are punished with temporal disgrace, and also with the worst death and scandalous disorder.12. Christians should be taught that the keys of the Church do not belong to the universal church, as the assembly of all believers is called, but to Peter and the Pope, and have been bestowed on all their successors and on all prelates to come, through derivation from them.13. Christians should be taught that? general council cannot give plenary indulgence, nor other prelates of the Church, together or singly, but the Pope alone, who is the bridegroom of the Church universal.14. Christians should be taught that no mortals can detennine the truth and faith concerning the obtaining of indulgences—no, not even a general council, but the Pope alone, who has [the power] to^ render final judgment concerning catholic truth.15. Christians should be taught that catholic truth is called universal truth, and that it ought to be believed by Christ's faithful ones, and that it contains nothing either of falsehood or of iniquity.16. Christians should be taught that the Church holds many things as catholic truths, which are by no means contained in the same form of words in the canon of Holy Scripture of the Old and New Testaments.17. Christians should be taught that the Church holds many things as catholic truths, which nevertheless are not laid down as such either in the biblical canon or by earlier teachers.18. Christians should be taught that all observances regarding matters of faith, defined by the decision of the Apostolic See, are to be reckoned among catholic truths, although not found to be contained in the canon of Holy Scripture.19. Christians should be taught that those things that teachers approved by the Church have positively handed down concerning the holding of the faith and the confuting of heretics, although they are not expressly contained in the canon of Holy Scripture—their writings of this character are nevertheless to be reckoned among catholic truths.20. Christians should be taught that although certain truths may not be absolutely catholic, they none the less smack of catholic truth.21. Christians should be taught that all those smack of heresy, who say that no use of the cross of Christ should be made in the churches.22. Christians should be taught that those who cherish deliberate doubts concerning the faith should be most clearly condemned as heretics.23. Christians should be taught that those who are ordained to holy orders for money may most clearly be called heretics. 24. Christians should be taught that all who interpret the Holy Scripture badly, and not as the sense of the Holy Spirit demands, by whom it has been written, may most justly be called heretics. 25. Christians should be taught that he must properly be called a heretic, who for the sake of temporal glory either originates or follows false and new doctrines.26. Christians should be taught that all those are most justly called heretics who attempt to take away the privilege of the Roman Church, delivered by the highest head of all Churches.

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27. Christians should be taught that, after the example of the blessed Ambrose, they ought to follow in all things as their master the Holy Roman Church, and not their own imaginings.28. Christians should be taught that whosoever persistently defends his own perverse and depraved doctrine, against the rule of catholic truth, should be condemned as a heretic and be proclaimed such by all. 29. Christians should be taught that those who teach anything as certain, which cannot be validly proved either by reason or by authority, must be condemned as rash. 30. Christians should be taught that those who assert at any time what things are false, are to be held as in error.i 31. Christians should be taught that those who draw away any one of the faithful, or some notable person, should be condemned as injurious.32. Christians should be taught that those who write propositions that furnish occasion of disaster to those who hear, whatever qualifica- tion may be added, are truly to be held, as if they published them absolutely and without qualification, to be causes of offence, sayers of evil, and offenders of pious ears, in-so-far as they seem to urge heretical propositions.33. Christians should be taught that assertions of teachers that bring in schism among the people—as is that proposition: One should not obey a bad prelate or prince, or. One should not believe the Pope and his bulls—are by all means seditious.34. Christians should be taught that all who originate false doctrines, and defend them persistently, should properly be condemned as heretics. 35. Christians should be taught that all who, in contempt of the divine law, are either inventors of persistent error or followers of another, who would rather be opponents of catholic truth than its subjects, should certainly be condemned as heretics. 36. Christians should be taught that all defenders of others' errors, err not alone as to that, but also make ready for others' stumbling-blocks of error, and show that they should not only be held to be heretics but even arch-heretics.37. Christians should be taught that those who originate new doctrines contrary to catholic truth, which they may be pertinacious to hold, and because of them depart from the common life, from either fickleness or perversity, because this proceeds from pride, which properly is the love of superiority,—even if they are not influenced by any desire of temporal advantage, they are nevertheless without doubt to be held as heretics.38. Christians should be taught that those who adhere to the doctrines of scholars [Magistrorum], contrary to catholic truth, err obstinately, and sin in erring, and thereby come to be condemned as heretics. 39. Christians should be taught that those who deny any catholic truth whatsoever, which is published as catholic among all the faithful with whom they associate, and is pubUcly proclaimed by preachers of the word of God, are said to be obstinate in their error. 40. Christians should be taught that those who deny the assertions which they know to be contained in Holy Scripture or in the decision of the Church, must be condemned as obstinate in their heresy.41. Christians should be taught that those who do not correct or amend their error, whenever it has been shown them in a lawful manner that their error opposes catholic truth, must be condemned as contumacious in their heresy.42. Christians should be taught that they must be condemned as obstinate in their error, who, erring against the catholic faith and the decision of the Church, proudly refuse to submit themselves to the correction and amendment of him to whom the duty belongs.43. Christians should be taught that those who have been reproved for some plain error against the faith, and refuse to be informed concerning the truth, are in error and should be proclaimed as obstinate in this sort of heresy.

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44. Christians should be taught that those who protest in words, deeds or writings that they are not at all willing to revoke their heretical assertions, even if those whose duty it is should rain or hail excommunications against such opinions, are to be held as obstinate heretics, and are to be shunned by all. 45. Christians should be taught that those who invent and defend new errors in defence of heretical pravity, in as far as they are not ready to be corrected and to seek truth with careful solicitude, are certainly to be held as obstinate in their heresies. 46. Christians should be taught that those beneath the chief Pontiff, if they formally define a certain assertion as heretical or decide that it must be held, and impose it upon others because they deem it to be catholic, —are to be held and proclaimed as obstinate heretics, one and all who agree with such decisions of theirs. 47. Christians should be taught that they obstinately err, who have the power to resist heretical pravity, and yet do not resist it, and that by this course they themselves befriend the errors of heresy.48. Christians should be taught that those who defend the error of heretics and effect this by their own power, [should beware] lest they come into the hands of the judge to be tried, as excommunicates, and if they do not make satisfaction within a year, be held by their own law as in- famous, who are also, according to the chapters of the law, terribly punished with many penalties, to the terror of all men.49. Christians should be taught not to be influenced, in their faith about the authority of the Pope and his indulgences, by the boldness of obstinate heretics, for our pious Lord and God would not have permitted heretics to arise, except that Truth might appear more clear to faith by their arising, and we might by this means escape from irrational infancy; but they should rather continue credulous regarding the truth preached concerning the parts of penance and indulgences; through which constancy on their part in the aforesaid faith, the approbation of them by God may be made clear and evident to the whole world.50. And so those who wish as much as they can to fill letters and books concerning the parts of penance (confession of the mouth and satisfaction by works, brought in and instituted by God and the Gospel, and promulgated by Apostles, and approved and followed by the whole Church, and yet impugned by [my] ^ adversary unrighteously and irreligiously in his common speech, in so many articles), and concerning plenary indul- gence and the power of the chief Roman Pontiff with regard to the same, and [wish] with a certain unrestrainable cheek [fronte] to preach publicly or dispute concerning them, to win favor for their writings, scatter them among the people and make them common throughout the world, or to speak impudently and by way of contempt concerning these very things, in corners or in part before men,— let them fear for themselves lest they fall upon the foregoing propositions, and through this expose themselves and others to the peril of damnation and of severe temporal dis- order. For a beast that has touched the mountain shall be stoned.

19DEBATE E DEFESA DO FREI MARTINHO LUTERO

CONTRA AS ACUSAÇÕES DE JOÃO ECK[4 a 14 de Julho de 1519]

Frei Martinho Lutero saúda o distinto leitor!

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Meu querido Eck está furioso, prezado leitor. Consagrou à Sé Apostólica outra folha de debate, cheia de sua fúria e de acusações contra mim, acrescentando às suas teses anteriores mais uma, fortemente irritada. Isto representa uma bela ocasião para responder de uma vez por todas aos seus ultrajes, se eu não tivesse receio de que isso poderia atrapalhar o futuro debate. Mas tudo tem seu tempo. Por ora basta.

Aduzindo sentenças de vários santos pais, Eck acusou-me de inimigo da Igreja. Compreende isso da seguinte maneira, prezado leitor: com "Igreja" ele designa suas próprias opiniões e as de seus heróis que se empenharam pela causa das indulgências. Isso porque ele é um consagrador da Sé Apostólica e fala à maneira de seus supostos heróis, que usam as palavras da Escritura e dos pais assim como Anaxágoras lidava com os elementos. Depois de as dedicarem à Sé Apostólica, as palavras logo se transubstanciam a seu bel-prazer (a bem dizer: prodigiosamente), transformando-se de qualquer coisa em qualquer coisa. Prestam-se também para significar aquilo que sonham em delírio ou que fantasiam na impotência de sua inveja feminil. Finalmente, seus conhecimentos os abandonam de forma tão infeliz, que jamais compreendem direito nem mesmo aquilo que de bom aprenderam e, como diz o apóstolo, "não entendem nem o que dizem, nem os assuntos sobre os quais fazem afirmações" [1 Tm 1.7], isto é, não sabem combinar predicado com sujeito nem sujeito com predicado numa sentença categórica. Esperamos que, no debate vindouro, ele nos apresente ainda outros testemunhos com a mesma habilidade, para que também as crianças possam se divertir. Eu havia esperado que Eck reconhecesse a limitação de sua cabeça através da carta de Erasmo, o mestre das ciências, e, depois, através da insuperável apologia do dr. Karlstadt. Porém a paciência de Eck supera tudo; mesmo que desagrade a todos os demais, basta-lhe agradar ao menos a si mesmo e a seus heróis.

Mas que ele me difama como herege e boêmio, afirmando que estou reavivando cinzas velhas, etc. - isto ele faz por sua modéstia ou por seu ofício de consagração, pela qual tudo que consagra está consagrado, não usando outro óleo senão o veneno de sua língua.

Quero, porém (para não tolerar esse ultraje), que saibas, prezado leitor, que, no que tange à monarquia do pontífice romano, não desprezo o venerável consenso de tantos fiéis na Itália, Alemanha, França, Espanha, Inglaterra e outros países. Somente uma coisa peço ao Senhor: que jamais permita que eu diga ou pense algo que agrade a Eck, tal como ele é agora; nem que, por causa do livre arbítrio, eu eventualmente exponha Cristo, o Filho de Deus, ao ridículo; nem que, por causa da Igreja Romana, eu negue que Cristo vive e reina na Índia e no Oriente; ou que - para propor também eu um enigma a esse festivo fazedor de enigmas - eu não volte a abrir, junto com Eck, a cloaca constantipolitana nem celebre novos martírios da Igreja por causa dos antigos homicídios da África. Para que não sejas prejudicado pelo escândalos de seu enigma envenenado, quero que saibas, estimado leitor, que alguns incluem entre os artigos de João Huss também aquele em que ele afirmou que a excelência papal do pontífice romano se deve ao imperador, o que também Platina escreve claramente. Eu, porém, expus que essa monarquia se prova por decretos pontificais, não imperiais. Assim, a própria Igreja Lateranense canta, a respeito do alcance de sua autoridade, que, tanto por decreto do papa quanto do imperador, ela é a mãe das Igrejas, etc. Esses versos são bem conhecidos. E agora? Necessariamente para Eck também essa Igreja seria hussita e estaria reavivando cinzas. Então, já que ela canta por ordem do papa, com a concordância dos cardeais, de toda Roma e da Igreja universal, não admira que Eck, enfastiado das cinzas velhas e em virtude de seu ofício de consagração, deseje dedicar à Cátedra Apostólica um novo holocausto, reduzindo a novas cinzas o papa, os cardeais e a própria Igreja Lateranense. Graças a Deus, resta ao menos um Eck de mentalidade católica, aquele singularíssimo perseguidor da singularidade, visto que todos os

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outros estão arruinados pelo veneno da Boêmia. Mas por que haveria de causar surpresa que os sofistas dessa espécie não conhecem os fatos históricos, uma vez que não entendem nem mesmo suas próprias sentenças categóricas? Eu naturalmente nunca tratei esse tema, nem pensei em debater sobre ele. Porém Eck já há muito tempo está ulcerado pelo mais profundo ódio contra mim. Ele sabe que essas sentenças são odiosas. Desesperando da possibilidade de vitória em outras coisas, ao menos neste ponto esperava provocar indignação contra mim, uma vez que aprendeu (como se diz) a bater no leãozinho ante os olhos do leão, fazendo de um debate em torno da verdade uma tragédia de ódio.

Mas eles que acusem o quanto quiserem, consagrem suas adulações à Sé Apostólica, consagrem ao banquinho e ao tamborete; eles que consagrem também à caixa apostólica (visto que esta é o que mais tem a ver com a questão das indulgências e da monarquia); eles que fiquem manquejando ao redor do altar do seu Baal, clamem mais alto (porque ele é um deus, talvez esteja conversando, ou a caminho, ou numa estalagem, ou certamente está dormindo) para que ele acorde. Para mim é suficiente que contra Cristo a Sé Apostólica nada quer nem consegue. Nessa questão também não terei medo nem do papa nem do nome do papa, menos ainda dessas peninhas e bonecas. Somente a uma coisa aspiro: que o roubo do meu nome cristão não venha em prejuízo da puríssima doutrina de Cristo. Pois aqui não quero que alguém espere paciência de mim, não quero que Eck procure modéstia, seja sob o hábito preto, seja sob o branco[26]. Maldita seja a glória daquela ímpia clemência com a qual Acabe deixou escapar Ben-Hadade, inimigo de Israel. Pois aqui quero ser fortíssimo não apenas no morder (o que dói a Eck), mas também insuperável em devorar, para que possa devorar de uma só bocada (para falar com Isaias) os Silvestres e Civestres, os Caetanos e Ecks e o resto dos falsos irmãos que combatem a graça cristã. Eles que aterrorizem alguém outro com suas adulações e consagrações; Martinho despreza os sacerdotes e consagradores da Sé Apostólica. Quanto ao resto, veremos no debate e após ele. Porém também o dr. André Karlstadt, já há muito tempo vencedor sobre o erro de Eck, virá não como um soldado desertor, mas receberá confiantemente esse leão morto e por ele derrubado. Entrementes permitimos que a miserável consciência se alegre com a esperança simulada do triunfo e com a vâ jactância das ameaças. Por isso também eu acrescento às minhas teses uma décima terceira, oposta à cólera de Eck. Deus fará com que saia algo de bom do debate que Eck mancha com tanto mal, ódio e infâmia.

Passa bem, caro leitor.

Contra erros novos e velhos Martinho Lutero defenderá as seguintes teses na Universidade de Leipzig18

Lutero nega que Pedro tenha sido o chefe dos apóstolos; declara que a obediência eclesiástica não se baseia no direito divino, mas que foi introduzida pelas ordenações dos homens e do imperador. Nega que a Igreja foi construída sobre Pedro; “Sobre esta pedra” etc. E, embora eu lhe citasse Agostinho, Jerônimo, Ambrósio, Gregório, Cipriano, Crisóstomo, Leão e Bernardo, com Teófilo, contradisse a todos eles sem pestanejar; e disse que ficaria sozinho contra mil, embora não fosse apoiado por ninguém, porque somente Cristo é o fundamento da Igreja, pois nenhum homem pode pôr outro fundamento, defendendo ele então os gregos e os cismáticos, dizendo que, mesmo que esses não estejam sob a obediência ao papa, estão ainda salvos.

18 H. Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, pp. 290-291.

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No que concerne às afirmações dos boêmios, disse ele que algumas de suas doutrinas condenadas no Concílio de Constança são muito cristãs e evangélicas. Por este crasso erro, ele afastou de si muitos que antes eram seus defensores.

Entre outras coisas, quando o pressionei, dizendo: “Se o poder do papa é somente de direito humano e provém do consentimento dos crentes, donde vem o hábito de monge que vestes? De onde vens a licença de pregar e de ouvir confissões de teus paroquianos? etc.”, ele replicou que era seu desejo que não existisse ordem de mendicantes e disse ainda muitas outras coisas escandalosas e absurdas: que um concílio, visto constar de homens, pode errar; que não se prova pela Sagrada Escritura a existência de um purgatório, etc., - tudo isso verifiquei lendo a nossa disputa, visto que foi transcrita por relatores dignos de fé ... .1. Toda pessoa peca diariamente, mas também faz penitência diariamente, como ensina Cristo: "Fazei penitência" [Mt 4.17], com exceção de um certo novo justo que não necessita de penitência; pois o celeste agricultor diariamente também limpa as videiras frutíferas.2. Negar que a pessoa peca também ao fazer o bem, que o pecado venial é venial não por sua natureza, mas somente pela misericórdia de Deus, ou que também após o Batismo remanesce pecado na criança, significa calcar com os pés a Paulo e a Cristo de uma só vez.3. Quem afirma que a boa obra ou a penitência começam com a aversão aos pecados, antes do amor à justiça, e que nisso não se peca, a essa pessoa contamos entre os hereges pelagianos, mas também provamos que ela comete uma tolice contra seu santo Aristóteles.4. Deus transforma o castigo eterno em pena temporal, isto é, a de carregar a cruz. Os cânones ou os sacerdotes não têm qualquer poder de impor ou de tirar essa cruz, mesmo que, seduzidos por aduladores perniciosos, possam ter essa presunção.5. Todo sacerdote deve absolver o penitente de castigo e culpa, ou então peca; da mesma forma peca o prelado superior se, sem causa razoabilíssima, reserva coisas ocultas, por mais que isso contrarie a prática da Igreja, isto é, dos aduladores.6. Pode ser que as almas satisfaçam pelos pecados no purgatório; mas que Deus exige do moribundo mais do que morrer de boa vontade, é afirmado com a mais infundada temeridade, porque não pode ser provado de modo algum.7. Revela que não sabe nem o que é fé, nem o que é contrição, nem o que é livre arbítrio quem balbucia que o livre arbítrio é senhor de seus atos, sejam bons, sejam maus, ou quem sonha que alguém é justificado não somente pela fé na Palavra, ou que a fé não é suprimida por um crime, qualquer que seja.8. Certamente contraria a verdade e a razão [afirmar] que as pessoas que morrem a contragosto têm falta de amor e que, por isso, sofrem o horror do purgatório - mas só se verdade e razão forem a mesma coisa que a opinião dos pseudoteólogos.9. Sabemos que os pseudoteólogos afirmam que as almas no purgatório estão certas de sua salvação e que a graça não é aumentada nelas, mas nos admiramos desses homens eruditíssimos por não poderem apresentar, sequer a um tolo, uma razão verossímil para esta sua fé.10. É certo que o mérito de Cristo é o tesouro da Igreja e que os méritos dos santos nos ajudam; mas que ele seja um tesouro de indulgências, isso ninguém faz crer, a não ser um adulador sem-vergonha, os que se afastam da verdade e algumas práticas e usos inventados da Igreja.11. É perder a razão afirmar que as indulgências são um bem para o cristão; na verdade, elas são um defeito da boa obra. O cristão deve rejeitar as indulgências por causa do abuso, pois o Senhor diz: "Por amor de mim apago as tuas iniquidades" [Is 43.25], não por amor do dinheiro.

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12. Que o papa pode remitir todo castigo devido pelos pecados tanto nesta vida quanto na futura e que as indulgências são de proveito para quem não cometeu pecado grave[35], isso sonham sossegadamente os sofistas totalmente indoutos e os aduladores pestilentos, embora não possam demonstrá-lo sequer com um vestígio.13. Demonstram que a igreja romana é superior a todas as outras a partir dos mais frios decretos dos pontífices romanos surgidos nos últimos 400 anos; contra esses, porém, estão as histórias comprovadas de 1.100 anos, o texto da Escritura Divina é o decreto do Concílio de Nicéia, de todos o mais sagrado.

João Eck, relatório sobre o debate de Leipzig [1519]

ANEXO: Os 30 erros de João Huss condenados pelo Concílio de Constança19

1. A santa Igreja universal é única e a totalidade dos predestinados. E adiante segue: a santa Igreja universal é única, como somente um é o número de todos os predestinados. 2. Paulo nunca foi membro do demônio, se bem que tenha cometido atos semelhantes aos da igreja dos malignos. 3. Os não predestinados não fazem parte da Igreja, porque nenhum daqueles que a ela pertencem se separará dela ao fim, pois a caridade da predestinação que a reúne não cessará jamais [cf. 1 Co 13:8]. 4. As duas naturezas, a divindade e a humanidade, são um só Cristo. 5. O não predestinado, se bem que no presente possa às vezes estar em estado de graça, nunca faz parte da santa Igreja, enquanto o predestinado permanece sempre membro da Igreja, também se às vezes pode ser privado de uma graça adventícia, jamais todavia da graça da predestinação. 6. Se se entende a Igreja como assembleia dos predestinados, estejam ou não atualmente em estado de graça, ela é artigo de fé.7. Pedro não foi e não é a cabeça da santa Igreja católica. 8. Os sacerdotes que vivem em pecado contaminam o poder sacerdotal e, como filhos infiéis, têm um conceito infiel dos sete sacramentos da Igreja, do poder das chaves, dos ofícios, das censuras, dos costumes, das cerimônias, das coisas sagradas, da veneração das relíquias, das indulgências, das ordens. 9. A dignidade papal teve origem no imperador, e a designação e a entronização do Papa têm sido realizadas pelo poder imperial.10. Ninguém sem uma especial revelação pode razoavelmente afirmar, de si ou de um outro, que é cabeça de uma Igreja particular; e o Romano Pontífice não é a cabeça da Igreja de Roma. 11. Não se é obrigado a crer que algum Romano Pontífice seja a cabeça de alguma santa Igreja particular, se Deus não o tiver predestinado.12. Ninguém faz as vezes de Cristo ou de Pedro se não o imitar nos costumes: nenhuma outra sequela, de fato, deve ser mais fiel. Do contrário, não se recebe de Deus o poder delegado, porque a conformidade dos costumes e a autoridade daquele que o delega são requeridos para o ofício de vigário. 13. O Papa não é o sucessor certo e verdadeiro de Pedro, príncipe dos apóstolos, se vive de modo contrário ao de Pedro; e se pratica a avareza, é o vigário de Judas Iscariotes. É igualmente evidente que os cardeais não são os sucessores certos e verdadeiros do colégio dos apóstolos de Cristo, se não conduzirem uma vida semelhante à dos Apóstolos, observando os mandamentos e os conselhos de nosso Senhor Jesus Cristo. 14. Alguns doutores afirmam que quem deve receber uma censura eclesiástica, mas não se quer corrigir, deve ser entregue ao braço secular. Eles seguem nisso incontestavelmente os sumos sacerdotes, os escribas e os fariseus,

19 Concílio de Constança (XVI ecumênico), 5 nov. 1414 – 22 abr. 1418. Sessão 15ª, 6 jul. 1415: Decreto confirmado pelo Papa Martinho V em 22 fev. 1418 João Hus assumiu em grande parte as afirmações de João Wyclif, defendendo-o (cf. *1225). Por isso, muitas de suas proposições têm grande semelhança com as afirmações de Wyclif: para a proposição 7, cf. De ordine christiano, c. 2 (veja *1151°; Loserth 132); cf. ibid. para as proposições 28-29, cap. 3 ao fim (Loserth 135); a proposição 2 provém literalmente da De fide catholica, cap. 5 (in: John Wyclif, Opera minora, ed. J. Loserth [Londres 1913] 11431-33); as proposições 3 5 6 e 21 têm o mesmo significado de ibid., cap. 5 (Loserth 111-114): para a proposição 11, cf. ibid. cap. 6 (Loserth 118s). Contrariamente a Wyclif, Hus nunca sustentou o erro sobre a Eucaristia que por vezes lhe foi imputado. Ao concílio tinham sido apresentados 26 proposições de João Hus, tiradas do seu livro De Ecclesia (escrito em 1413), 7 do seu livro contra Estevão Palecz e 6 do seu livro contra Stanislau Znojma (Znaim); o seu número foi depois diminuído, tanto que nas atas do concílio e na Bula “Inter Cunctas” 22 fev. 1418) os artigos 1-19 são do De Ecclesia, os artigos 20-25 e 30 do escrito contra Palecz e os artigos 26-29 do escrito contra Stanislau de Znojma (em parte literalmente). Os textos lidos no contexto permitem muitas vezes uma interpretação positiva. Huss foi queimado no mesmo dia no qual houve a sessão.

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os quais, dizendo: “A nós não é permitido matar ninguém” [Jo 18:31], entregaram ao braço secular o Cristo, que não quis obedecer-lhes em tudo; e assim são homicidas mais culpados que Pilatos. 15. A obediência eclesiástica é uma obediência inventada pelos sacerdotes da Igreja contra a vontade expressa da Escritura. 16. A distinção imediata dos atos humanos consiste em que são virtuosos ou viciosos: se alguém é vicioso e faz algo, age como vicioso; se é virtuoso e faz algo, age como virtuoso. Pois assim como o vício, que é chamado delito ou pecado mortal, contamina de modo geral os atos do vicioso, assim a virtude vivifica todos os atos do virtuoso. 17. Os sacerdotes de Cristo que vivem habitualmente segundo a sua lei e que têm conhecimento da Escritura e o desejo de edificar o povo, devem pregar, não obstante uma pretensa excomunhão. E mais adiante: Se o Papa ou um outro superior manda a um sacerdote com estas disposições não pregar, o subordinado não deve obedecer. 18. Quem acede ao sacerdócio, recebe por mandato o ofício de pregar; e deve executar o mandato, não obstante uma pretensa excomunhão.19. Com as censuras eclesiásticas da excomunhão, da suspensão e do interdito, o clero para sua própria exaltação subjuga o povo leigo, multiplica a cobiça, esconde a malícia e prepara a estrada do anticristo. Isso é sinal evidente de que provêm do anticristo tais censuras, que nos seus processos chamam fulminações e das quais o clero se serve principalmente contra os que denunciam a malícia do anticristo que o clero amplamente se tem apropriado.20. Se o Papa é mau e sobretudo pré-conhecido por Deus como perdido, então, como o apóstolo Judas, é um demônio, um ladrão, um filho da perdição e não é a cabeça da santa Igreja militante, já que nem é membro dela. 21. A graça da predestinação é o laço que une indissoluvelmente o corpo da Igreja e cada um de seus membros a Cristo, a cabeça. 22. O Papa ou o prelado mau e pré-conhecido <por Deus como perdido> é falsamente chamado pastor; na realidade é ladrão e assaltante. 23. O Papa não deve ser chamado “santíssimo” nem mesmo em razão do ofício, porque então também o rei deveria chamar-se santíssimo pelo seu ofício, e os verdugos e os bandidos, santos. Mais: também o diabo deveria chamar-se santo, porque é servidor de Deus. 24. Se o Papa conduz uma vida contrária a Cristo, mesmo que tenha subido a sua função por uma eleição canônica e legítima segundo a constituição humana vigente, ele <de fato> estaria subindo por outra parte que por Cristo, mesmo se ascendesse pela eleição feita em primeira instância por Deus. Pois Judas Iscariotes, em regra e legitimamente eleito ao apostolado por Cristo Jesus, que é Deus, todavia subiu por outra parte ao redil das ovelhas. 25. A condenação dos 45 artigos de João Wyclif emitida pelos doutores é irracional, iníqua e malfeita; além disso, a causa por eles alegada é fingida, a saber, porque “nenhum deles é católico, mas são todos hereges ou errôneos ou escandalosos”. 26. Se os eleitores ou a maioria deles se declararam de acordo a viva voz sobre uma pessoa segundo os usos e costumes humanos, nem por isso ela é legitimamente eleita, ou nem por isso é verdadeiro e manifesto sucessor ou vigário do Apóstolo Pedro ou de um outro Apóstolo num ofício eclesiástico. Portanto, tenham os eleitores escolhidos bem ou mal, nós devemos crer naquilo que o eleito faz, pois quanto mais alguém trabalha meritoriamente para o progresso da Igreja, mais recebe poder de Deus para este fim. 27. Não existe o mínimo indício de que, para governar a Igreja nas coisas espirituais, deva haver uma única cabeça que sempre deve estar junto à Igreja militante e ser conservada. 28. Cristo governaria melhor a sua Igreja mediante seus verdadeiros discípulos espalhados sobre a terra, sem esses chefes monstruosos. 29. Os Apóstolos e os fiéis sacerdotes do Senhor administraram corajosamente a Igreja em tudo o que é necessário para a salvação, antes que fosse introduzida a função papal; e assim fariam até o dia do juízo se viesse a faltar o Papa, coisa bem possível. 30. Ninguém é senhor civil, nem prelado, nem bispo, se está em pecado mortal.

20CARTA DE ULRICH VON HUTTEN À LUTERO

[4 de Junho de 1520]20

20 Antes da Bula Exsurge, Domine ser publicada, corriam rumores de que Lutero seria, ou já se encontrava excomungado da Igreja Romana. Roland H. Bainton, Cativo à Palavra – a vida de Martinho Lutero, pp. 154-155.

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Comenta-se que você está sob excomunhão. Se isso for verdade, como você é poderoso! Em sua pessoa as palavras do salmo se cumprem: “Ajuntam-se contra a vida do justo e condenam o sangue inocente. Mas o Senhor tem sido o meu alto refúgio e meu Deus, a rocha onde me refugio. Ele fará recair sobre eles seu próprio pecado e os destruirá com sua própria maldade”. Essa é nossa esperança, seja essa nossa fé. Também maquinam planos contra mim. Se usarem de força, força enfrentarão. Queria que me condenassem. Fique firme. Não cambaleie. Mas por que deveria eu admoestá-lo? Estarei ao seu lado, para o que for necessário. Defensamos a liberdade comum. Libertemos a pátria oprimida. Deus estará ao nosso lado; e, se Deus é conosco, quem poderá ser contra nós?

21BULA EXSURGE DOMINE DE LEÃO X

CONDENANDO OS 41 ERROS DE LUTERO [15 de Junho de 1520]21

Carta introdutória da bula Exsurge Domine22

Erga-te, ó Senhor, e julga tua própria causa. Um javali selvagem invadiu tua vinha. Ergue-te, ó Pedro, e considera a causa da Santa Igreja Romana, a mãe de todas as igrejas e consagrada com teu sangue. Ergue-te, ó Paulo, que esclareceste e iluminaste a igreja com tua doutrina e com teu martírio. Erguei-vos, todos os santos, e toda a igreja universal, cuja interpretação das Escrituras tem sido atacada. Mal podemos expressar nossa tristeza, pelas antigas heresias que são agora revividas na Alemanha. Afligimo-nos ainda mais porque eles sempre estiveram na vanguarda da guerra contra a heresia. Nosso ofício pastoral não pode mais tolerar o vírus dos 41 erros que seguem.

Não podemos mais permitir que a serpente rasteje pelo campo do Senhor. Os livros de Martinho Lutero que trazem esses erros devem ser examinados e queimados. Quanto a Martinho Lutero, ó bom Deus, para fazê-lo retroceder de tais erros, em que ato de amor paternal nos omitimos? Não lhe oferecemos um salvo-conduto e dinheiro para a jornada? 23 E ele teve a insensatez de apelar a um concílio futuro, apesar de nossos predecessores, Pio II e Júlio II, terem decidido que tais apelos merecem as penas por heresia. Agora, portanto,

21 Bula Exsurge Domine, 15 jun. 1520 Martinho Lutero, que com suas 95 teses (cf. *1447°) encontrou ressonância, foi acusado e convocado a Roma já em nov. 1517. Pouco depois, Leão X confiou ao Cardeal Caetano de Vio a tarefa de induzir Lutero a uma retratação, mas nem o encontro entre eles em out. 1518 em Augsburg, nem o debate, em Leipzig, jun.-jul. 1519, entre os reformadores Lutero e Karlstadt e o campeão do catolicismo João Eck, levaram a um acordo. Depois que João Eck foi chamado novamente a Roma, foi aberto um procedimento contra Lutero (jan.-abr. 1520). Entre outros, as universidades de Colônia e de Lovaina contribuíram com seus votos (DuPIA 1/II [1728] 358-361; cf. a Responsio lutheriana do ano 1520, ed. de Weimar 6 [1888] 170-195). Já que Lutero não retratava as suas doutrinas e em 10 dez. 1520 queimou em público a Bula Exsurge Domine, foi excomungado em 3 jan. 1521, com a Bula Decet Romanum Pontificem (BullTau 5, 761a-764a / BullCocq 3 III, 493b-495b). As proposições na bula reproduzem normalmente as palavras de Lutero com exatidão. A indicação dos lugares vem precipuamente de H. Roos, Die Quellen der Bulle “Exsurge Domine”, in: J. Auer – H. Volk (ed.), Theologie in Geschichte und Gegenwart (Festschrift M. Schmaus; München 1957) 909-926. Em vista da simplicidade, as fontes das diveresas proposições são indicadas com siglas, seguidas da indicação, entre colchetes, da edição crítica D. Martin Luthers Werke (Weimar 1883ss). Denzinger-Hünermann, Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral, pp. 388-392.22 Roland H. Bainton, Cativo à Palavra – a vida de Martinho Lutero, pp. 153-154.23 Uma oferta assim jamais chegou a Lutero. Nota de Roland H. Bainton.

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concedemos a Martinho o prazo de sessenta dias para se submeter, a contar da data da publicação desta bula em seu distrito.

Qualquer um que ouse desrespeitar nossa excomunhão e anátema enfrentará a ira do Deus todo-poderoso e dos apóstolos Pedro e Paulo.

Os 41 erros de Martinho Lutero1. É sentença herética, porém frequente, que os sacramentos da Nova Aliança dão a graça justificante àqueles que não lhe põem obstáculo.2. Negar que o pecado permanece na criança depois do batismo significa desprezar simultaneamente Paulo e Cristo. 3. O estopim do pecado, também se não há nenhum pecado atual, retém a alma que sai do corpo do ingresso no céu.4. A caridade imperfeita do moribundo traz necessariamente consigo um grande temor, que, só de per si, é suficiente para contrair a pena do purgatório e impede a entrada no reino. 5. Que as partes da confissão sejam três: contrição, confissão e satisfação, não está fundamentado na Sagrada Escritura nem nos antigos santos doutores cristãos. 6. A contrição suscitada pelo exame, pela recapitulação e pela detestação dos pecados, com a qual, na amargura de sua alma, a pessoa reflete sobre os anos de sua vida [cf. Is 38,15], ponderando a gravidade, o grande número, a torpeza dos pecados, a perda da felicidade eterna e consequentemente a eterna condenação, tal contrição torna hipócrita, até mais pecador ainda. 7. Muito verdadeiro e bem superior à doutrina que até hoje todos propõem sobre a contrição é o provérbio: “Não mais fazê-lo é a suma penitência; a melhor penitência, uma vida nova”. 8. Não deves presumir de modo algum confessar os pecados veniais e nem mesmo todos os mortais, porque é impossível que conheças todos os pecados mortais. Por este motivo na Igreja primitiva se confessavam somente os pecados mortais manifestos. 9. Quando queremos confessar tudo de modo completo, não fazemos outra coisa senão isto, que não queremos deixar à misericórdia de Deus nada para perdoar. 10. A ninguém são perdoados os pecados se não crê que lhe são perdoados pelo sacerdote que absolve; antes, o pecado permaneceria se ele não o acreditasse perdoado: de fato, não bastam a remissão do pecado e o dom da graça, mas é preciso também crer que foi perdoado. 11. Não deves confiar de modo algum que sejas absolvido pela tua contrição, mas pela palavra de Cristo: “Tudo o que desligares” etc. [Mt 16,19]. Nisto, eu digo, confia: se obtiveste a absolvição do sacerdote e crês firmemente que foste absolvido, terás a absolvição de verdade, seja qual for a contrição.12. Se, por um absurdo, aquele que se confessa não estivesse contrito, ou então o sacerdote não absolvesse com seriedade, mas por brincadeira, se, todavia, ele se crê absolvido, com toda certeza estará absolvido. 13. No sacramento da penitência e na remissão da culpa, o Papa ou o bispo não fazem nada a mais que um simples sacerdote: mais, onde não houver sacerdote, um simples cristão pode fazer o mesmo, mesmo que fosse mulher ou criança. 14. Ninguém deve responder ao sacerdote se está arrependido, e o sacerdote não o deve perguntar. 15. É grande o erro daqueles que se apresentam ao sacramento da Eucaristia confiando no fato de se terem confessado, de não ter consciência de nenhum pecado mortal, de terem feito, antes, orações pessoais e preparatórias: todos estes comem e bebem a própria condenação. Mas, se creem e confiam que conseguirão a graça, esta fé basta para torná-los puros e dignos. 16. Parece aconselhável que a Igreja determine, em concílio geral, que os leigos devem comungar sob as duas espécies; e os boêmios, que comungam sob as duas espécies, não são hereges, mas cismáticos. 17. Os tesouros da Igreja, de onde o Papa concede as indulgências, não são os méritos de Cristo e dos Santos. 18. As indulgências são piedosos enganos dos fiéis e diminuições das boas obras; e são a contar entre as coisas que são permitidas, mas não entre as que são úteis [cf. 1 Cor 6,12; 10,23].

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19. As indulgências, para aqueles que as adquirem verdadeiramente, não têm valor para a remissão da pena devida à justiça divina pelos pecados atuais. 20. Enganam-se aqueles que creem que as indulgências são salutares e úteis para o bem do espírito. 21. As indulgências são necessárias só para as culpas públicas e são no sentido próprio concedidas somente aos duros de coração e aos insensíveis.22. Para seis categorias de homens as indulgências não são nem necessárias nem úteis, a saber, para os mortos ou os moribundos, para os doentes, para os legitimamente impedidos, para aqueles que não cometeram pecados, para aqueles que cometeram pecados, mas não públicos, para aqueles que fazem coisas melhores. 23. As excomunhões são somente penas exteriores e não privam o homem das comuns orações espirituais da Igreja. 24. É preciso ensinar aos cristãos mais a amar a excomunhão que a temê-la. 25. O Romano Pontífice, sucessor de Pedro, não é o vigário de Cristo à testa de todas as Igrejas do mundo inteiro que o próprio Cristo constituiu na pessoa do bem-aventurado Pedro. 26. A palavra de Cristo a Pedro: “Tudo o que desligares sobre a terra” etc. [Mt 16,19] se estende somente às coisas ligadas por Pedro mesmo. 27. É certo que não está de todo na mão da Igreja ou do Papa estabelecer os artigos de fé e menos ainda as leis concernentes à moral ou às boas obras. 28. Mesmo se o Papa com uma grande parte da Igreja pensasse de tal ou tal maneira e sem entrar no erro, ainda não seria pecado ou heresia pensar o contrário, sobretudo em coisas não necessárias para a salvação, até que um concílio universal reprove uma e aprove a outra opinião. 29. Está aberto para nós o caminho para esvaziar a autoridade dos concílios e contradizer livremente as coisas que fizeram, para julgar os seus decretos e confessar com confiança qualquer coisa que pareça verdadeira, pouco importa que tenha sido aprovada ou reprovado por algum concílio. 30. Alguns artigos de João Huss condenados no Concílio de Constança são cristianíssimos, muito verdadeiros e evangélicos, e nem mesmo a Igreja universal os poderia condenar. 31. Em toda boa obra o justo peca.32. A boa obra feita do melhor modo é pecado venial. 33. É contra a vontade do Espírito que os hereges sejam queimados. 34. Combater contra os turcos é opor-se a Deus, que visita as nossas iniquidades por meio deles. 35. Por causa do secretíssimo vício da soberba, ninguém tem certeza de não estar sempre pecando mortalmente. 36. Depois do pecado de Adão, o livre-arbítrio o é só de nome; e enquanto faz o que é de sua índole, peca mortalmente. 37. O purgatório não pode ser provado mediante a Sagrada Escritura contida no cânon. 38. As almas do purgatório não estão seguras da própria salvação, ao menos nem todas; e não está provado por nenhum argumento racional, nem pela Escritura, que elas se encontram fora da condição de merecer a caridade ou de crescer nela. 39. As almas do purgatório pecam de modo contínuo sempre que procuram repouso e têm horror das penas. 40. As almas libertadas do purgatório pelos sufrágios dos que estão vivos gozam menor felicidade que se tivessem cumprido a satisfação por si mesmas. 41. Os prelados eclesiásticos e os príncipes seculares não fariam mal se eliminassem todas as sacolas da mendicância1.

[Censura:] Todos e cada um dos artigos ou erros acima elencados, Nós os condenamos, afastamos e de todo rejeitamos, respectivamente como heréticos, escandalosos, falsos, ofensivos para os ouvidos piedosos ou como enganando as mentes dos simples e contrários à fé católica.

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CARTA DE LEÃO X A FREDERICO, O SÁBIO[8 de Julho de 1520]24

Amado filho, rejubilamo-nos por não teres jamais demonstrado favor algum àquele filho da iniquidade, Martinho Lutero. Não sabemos se isso se deve mais à tua sagacidade ou à tua piedade. Esse Lutero apoia os boêmios e os turcos, lamenta a punição de hereges, desdenha os escritos dos santos doutores, os decretos dos concílios ecumênicos e as ordens dos pontífices romanos e não dá crédito à opinião de ninguém, a não ser sua própria, o que nenhum herege jamais ousou fazer. Não podemos tolerar que a ovelha sarnenta continue a infectar o rebanho. Convocamos, portanto, um conclave de veneráveis irmãos. O Espírito Santo também estava presente, pois nesses casos ele nunca se ausenta de nossa Santa Sé. Escrevemos uma bula, selada com chumbo, na qual, dentre os inúmeros erros desse homem, selecionamos aqueles em que ele perverte a fé, seduz o simplório e afrouxa os vínculos de obediência, comedimento e humildade. Quanto aos insultos dos quais ele se gaba contra nossa Santa Sé, nós os entregamos a Deus. Exortamos-te para que o faças voltar à sanidade e receber nossa clemência. Caso ele persista em loucura, prende-o.

Assinado sob o selo do anel do Pescador, no dia 8 de Julho de 1520.

23CARTA DE LUTERO AO PAPA LEÃO X

[6 de Setembro de 1520]

Martinho Lutero saúda Leão X, Pontífice Romano, em Cristo Jesus, nosso Senhor. Amém.

[Vivendo] entre os monstros desta época, com os quais já pelo terceiro ano me ocupo e luto, às vezes sou obrigado a dirigir o olhar e a recordar-me também de ti, Beatíssimo Pai Leão. E mais: como aqui e ali tu és considerado a única causa de minha luta, não posso jamais deixar de me lembrar de li. E certo que a injustificada fúria de teus ímpios aduladores me coagiu a apelar de tua sé a um futuro concilio, em nada respeitando as vaníssimas disposições de teus predecessores Pio e Júlio, que, com estulta tirania, o proíbem. Não obstante, entrementes jamais alienei meu ânimo de Tua Beatitude ao ponto de não desejar, com todas as minhas forças, o melhor para ti e para tua sé e de não rogar a Deus por isso, com diligência e com preces gemebundas, tanto quanto pude. É verdade que comecei a quase desprezar e a triunfar sobre os que até agora tentaram me aterrorizar com a majestade de tua autoridade e de teu nome. Vejo, contudo, que resta uma coisa que não posso desdenhar e que me levou a voltar a escrever a Tua Beatitude: é de meu conhecimento que me acusam e me imputam como grave falta minha temeridade, devido à qual julgam que não poupei nem sequer tua pessoa.

Eu, porém — para tratar do assunto abertamente —, estou cônscio de haver dito tão-somente coisas magníficas e ótimas a teu respeito onde quer que tive de fazer menção de tua pessoa. Mas se houvesse agido de outra forma, eu mesmo não poderia aprová-lo de modo algum e estaria inteiramente de acordo com o juízo que aqueles fazem a meu respeito. Neste caso, não há nada que eu faria com maior prazer do que retratar essa minha temeridade e impiedade. Chamei-te de Daniel na Babilônia, e qualquer leitor percebe perfeitamente com quão egrégio zelo defendi tua insigne inocência contra teu contaminador Silvestre. Com efeito, tua reputação e a fama de tua vida irrepreensível, cantadas em todo o orbe pelos escritos de

24 Roland H. Bainton, Cativo à Palavra – a vida de Martinho Lutero, p. 154

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tantos grandes homens, são por demais célebres e augustas para serem atacadas de qualquer maneira por qualquer pessoa, por maior que seja seu renome. Não sou tolo ao ponto de ultrajar a quem todos só fazem louvar. Sim, sempre procurei e sempre procurarei não ultrajar nem mesmo as pessoas que a opinião pública desonra. Não me deleito com o crime de ninguém, pois eu mesmo estou suficientemente cônscio da grande trave que está em meu próprio olho e não posso ser o primeiro a atirar uma pedra na adúltera.

É certo que, de modo geral, investi acremente contra doutrinas ímpias e mordi os adversários de uma maneira nada indolente, não por causa de seus maus costumes, mas por causa de sua impiedade. E não me arrependo disso, tanto assim que resolvi, desprezando o juízo dos seres humanos, perseverar nesse zelo veemente, a exemplo de Cristo que, por causa de seu zelo, chama seus inimigos de raça de víboras, cegos, hipócritas, filhos do diabo. E Paulo acusa o mago de filho do diabo, cheio de todo dolo e malícia, a alguns chama de cães, enganadores, falsificadores. Se aceitássemos o juízo desses ouvintes delicados, ninguém seria mais mordaz e imodesto do que Paulo. Quem é mais mordaz do que os profetas? Realmente, a vesana multidão dos aduladores tornou os ouvidos deste século tão delicados que, tão logo sentimos que não somos aprovados, clamamos que estamos sendo mordidos, e quando não podemos repelir a verdade com outra desculpa, fugimos sob o pretexto da mordacidade, da impaciência, da imodéstia. De que serve o sal se não morde? De que serve o fio da espada se não corta? "Maldito o homem que fizer a obra do Senhor fraudulentamente." [Jr 48.10.] Por esta razão, excelentíssimo Leão, rogo que me consideres desculpado com esta carta e te persuadas de que jamais pensei nada de mal a respeito de tua pessoa, de que sou alguém que te deseja o melhor em eternidade e de que não tenho contenda com ninguém acerca de costumes, mas unicamente acerca da palavra da verdade. Em todas as outras coisas cederei a qualquer um, porém não posso nem quero abandonar e negar a palavra. Quem tem outra opinião a meu respeito ou entende meus [escritos] de outra forma não tem uma opinião correta nem entende verdadeiramente.

No entanto, eu realmente repeli tua Sé, que se chama de Cúria Romana. Ora, nem tu nem qualquer outra pessoa pode negar que ela é mais corrupta do que qualquer Babilônia e Sodoma. Tanto quanto compreendo, ela é de unia impiedade inteiramente deplorável, sem esperanças e notória. Fiquei indignado com o fato de que se escarnece do povo cristão sob teu nome e sob o pretexto da Igreja Romana. E assim resisti e resistirei enquanto o espírito da fé viver em mim. Não que eu pretenda o impossível e espere que apenas graças a mim alguma coisa seja promovida nessa confusíssima Babilônia, visto que me combatem tantos aduladores furiosos. Reconheço, porém, que estou em dívida com meus irmãos, a quem devo aconselhar para que um menor número deles seja arruinado pelas pestes romanas ou sejam arruinados de uma forma menos grave. Com efeito, tu mesmo não ignoras que já há muitos anos não parte de Roma e inunda o orbe outra coisa senão devastação dos bens, corpos e almas, bem como péssimos exemplos das piores coisas. Pois para todas essas coisas são mais claras do que a luz, e a Igreja Romana, outrora a mais santa de todas, se transformou num licenciosíssimo antro de salteadores, no lupanar mais impudente de todos, no reino do pecado, da morte e do inferno, de modo que nem o anticristo, se viesse, poderia cogitar algo para acrescem ai à maldade.

Neste meio tempo, tu, Leão, estás sentado como um cordeiro em meio aos lobos, como Daniel em meio aos leões, e moras, com Ezequiel, entre escorpiões. O que podes tu sozinho opor a esses monstros? Ainda que juntasses a ti três ou quatro cardeais eruditíssimos e ótimos, o que seriam eles entre tantos [outros]? Todos vós morreríeis envenenados antes que vos antecipásseis estatuindo [um decreto] para remediar a situação. A Cúria Romana está perdida. A ira de Deus a atingiu até o fim. Odeia os concílios, tem medo de ser reformada, não pode

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mitigar o furor de sua impiedade e cumpre o epitáfio de sua mãe, a respeito da qual é dito: "Curamos Babilônia, e ela não sarou; abandonemo-la." [Jr 51.9.] É certo que teria sido obrigação tua e de teus cardeais tratar esses males, mas essa podagra se ri da mão saradora, e nem o carro nem o cavalo obedecem às rédeas. Movido por esse sentimento, sempre Iamentei, excelentíssimo Leão, que foste feito pontífice nesta época, pois eras digno de tempos melhores. Já a Cúria Romana não merece a ti nem pessoas semelhantes, e sim ao próprio Satanás, que, na verdade, reina mais do que tu nessa Babilônia.

Oxalá renunciasses àquilo que teus inimigos depravados jactam ser tua glória e vivesses de uma modesta subsistência sacerdotal própria ou de herança paterna! Jactar-se dessa glória merecem unicamente os iscariotes, filhos da perdição. O que fazes na Cúria, estimado Leão? Somente isto: quanto mais celerado e execrável for alguém, com tanto maior êxito usará teu nome e tua autoridade para arruinar os bens e as almas, para multiplicar os crimes e para oprimir a fé e a verdade, bem como toda a Igreja de Deus. Ó infelicíssimo Leão, realmente estás sentado num sólio perigosíssimo! Digo-te a verdade porque quero o teu bem. Pois se Bernardo se compadece de seu Eugênio, embora até então a Sé Romana imperasse com melhor esperança (se bem que também naquela época era corruptíssima), por que não haveríamos nós de queixar-nos — nós que, em 300 anos, tivemos tamanho acréscimo de corrupção e perdição? Não é verdade que sob este vasto céu não há nada mais corrupto, pestilento e odioso do que a Cúria Romana? Com efeito, suplanta incomparavelmente a impiedade dos turcos, de modo que ela, que antigamente era a porta do céu, em realidade agora é uma boca aberta do inferno, uma boca que não pode ser fechada por causa da ira de Deus que acossa. Resta apenas uma possibilidade a nós, míseros que somos: a de poder chamar alguns de volta e salvá-los dessa bocarra romana, como disse.

Vê, meu Pai Leão, com que desígnio e por que razão ataquei violentamente essa Sé pestilenta. Com efeito, tão pouco me propus maltratar tua pessoa, que esperei que até mereceria teu reconhecimento e obraria por tua salvação se arremetesse estrênua e acremente contra esse teu cárcere, sim, contra esse teu inferno. Pois aproveitará a ti, a tua salvação e a muitos outros contigo Indo o que o ímpeto de todas as inteligências possa realizar contra a confusão dessa ímpia Cúria. Quem faz mal a ela faz teu ofício; quem a execra de todos os modos glorifica a Cristo; em suma: quem não é romano é cristão.

No entanto, para falar mais amplamente, [digo ainda que] jamais tive o propósito de investir contra a Cúria Romana ou debater sobre qualquer coisa a ela relacionada. Ao ver que todos os remédios para salvá-la eram sem esperança, desprezei-a e, dando-lhe termo de divórcio, disse-lhe: "Que o sórdido continue sendo sórdido, e que o imundo continue sendo imundo." [Ap 22.11]. Dediquei-me a plácidos e quietos estudos das Sagradas Escrituras, para, através deles, ser útil aos irmãos que me cercam. Quando eu tinha feito algum progresso nisto, Satanás abriu seus olhos e estimulou seu servo João Eck, insigne adversário de Cristo, com um desenfreado desejo de glória, para arrastar-me a um debate com o qual eu não contava, apanhando-me numa palavrinha — que me escapara de passagem — a respeito do primado da Igreja Romana. Aqui aquele vaidoso Traso, espumando e rangendo os dentes, jactava-se de que tudo ousaria em favor da glória de Deus e da honra da santa Sé Apostólica. Inflado [com a possibilidade] de abusar de teu poder, nada esperava com maior certeza do que uma vitória. Ele buscava não tanto o primado de Pedro quanto seu próprio primado entre os teólogos desta época. Julgava que, para esta finalidade, um triunfo sobre Lutero teria não pouca importância. Quando [o debate] acabou mal para o sofista, uma fúria incrível exasperou o homem, pois achava que tão-somente ele era culpado pelo fato de que a infâmia romana veio à luz por meu intermédio.

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Rogo-te, excelente Leão, que me permitas defender aqui uma vez minha própria causa e acusar teus verdadeiros inimigos. Suponho que seja de teu conhecimento o que comigo tratou o cardeal de S. Sixto, teu legado, um homem imprudente e infeliz, mais ainda: infiel. Quando coloquei em suas mãos — por reverência a teu nome — a mim e toda a minha causa, ele não tratou de estabelecer a paz, o que poderia ter feito com uma única palavrinha, visto que, naquela ocasião, eu prometi guardar silêncio e pôr um fim à causa se meus adversários recebessem a mesma ordem. Entretanto, o homem da glória, não contente com esse acordo, começou a justificar os adversários, a dar-lhes [plena] liberdade e a ordenar que eu me retratasse, o que absoluta mente não fazia parte de seu mandato. Aqui, quando as coisas estavam em ótimo estado, sua importuna tirania fez com que piorassem muito. Por isso, toda a culpa por tudo o que se seguiu não é de Lutero, mas de Caetano, que não permitiu que eu me calasse e ficasse quieto, o que, naquela ocasião, pedi com todas as forças. Que mais deveria eu ter feito?

Seguiu-se Carlos von Miltitz — também ele um núncio de Tua Beatitude —, que, com muito e variado esforço, correndo e tornando a correr para lá e para cá e nada omitindo que contribuísse para reparar o estado da questão (que Caetano havia turbado por sua inconsideração e soberba), finalmente conseguiu — também com o auxílio do ilustríssimo príncipe-eleitor Frederico falar comigo pessoalmente uma e outra vez. Mais uma vez não resisti a leu nome, disposto a silenciar e também a aceitar como árbitro ou o arcebispo de Trier ou o bispo de Naumburgo. Assim foi feito e impetrado. Enquanto essas coisas estavam em andamento com boas perspectivas, eis que leu outro e maior inimigo, Eck, atacou com o Debate de Leipzig, que tinha empreendi do contra o Dr. Karlstadt. Quando surgiu uma nova questão acerca do primado do papa, ele inesperadamente voltou suas armas contra mim e destruiu completamente o acordo de paz. Entrementes, Carlos von Miltitz esperava. O debate foi feito, os árbitros foram escolhidos, mas também aqui não se chegou a uma decisão. Isto não é de admirar, visto que, por causa das mentiras, simulações e ardis de Eck, tudo em toda parte estava sobremodo turbado, exulcerado e confundido. Assim sendo, para onde quer que se inclinasse o veredito, teria surgido um incêndio maior, pois ele buscava a glória, não a verdade. Também aqui não omiti nada do que eu deveria ter feito.

Confesso que nessa ocasião veio à luz não pequena porção das corruptelas romanas. Contudo, se alguma falta foi cometida nisto, é culpa de Eck, que assumiu um encargo que está acima de suas forças. Enquanto persegue sua própria glória feito um louco, revela a ignomínia romana a todo o mundo. Ele é aquele inimigo teu, meu Leão, ou melhor, de tua Cúria. Do exemplo deste único homem podemos aprender que não há inimigo mais pernicioso que o adulador. Com efeito, que promoveu ele com sua adulação senão um mal que nem mesmo um rei teria podido promover? Pois hoje em dia o nome da Cúria Romana cheira mal no mundo, e a autoridade papal enlanguesce; a famosa ignorância tem má reputação. Nada disso chegaria aos nossos ouvidos se Eck não tivesse perturbado o plano de paz que Carlos e eu fizemos. Ele mesmo percebe isto claramente agora, indignando-se, tarde demais e em vão, com a publicação de meus escritos. Ele deveria ter pensado nisso quando, como um cavalo relinchante, buscava insanamente a glória e não perseguia outra coisa senão seu próprio interesse contra ti, ainda que com o máximo perigo para ti. O homem vaníssimo esperava que eu pararia e me calaria por temor a teu nome, pois não creio que sua presunção se devia a sua inteligência e erudição. Agora que vê que confio muito e [continuo a] falar, ele se arrepende tarde demais de sua temeridade, compreendendo — se é que compreende que há alguém no céu que resiste aos soberbos e humilha os presunçosos.

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Assim, pois, como através desse debate nada conseguimos senão uma maior confusão da causa romana, pela terceira vez Carlos von Miltitz se dirigiu aos pais da ordem congregados em capítulo e pediu conselho para apaziguar a controvérsia, que já estava extremamente disturbada e perigosa. Visto que, com o favor de Deus, não havia esperança de proceder contra mim pela força, enviaram a mim alguns dos mais célebres deles, que pediram que eu pelo menos honrasse a pessoa de Tua Beatitude e, numa carta humilde, alegasse como escusa minha inocência e a tua. [Disseram que] a questão ainda não estava num estado de extremo desespero, se Leão X, por sua inata bondade, a tomasse em suas mãos. Como eu sempre ofereci e desejei a paz, para dedicar-me a estudos mais plácidos e úteis, e, contra isto mesmo, fiz tumulto com tão grande paixão para conter, através da magnitude e do ímpeto das palavras e da inteligência, os que me pareciam muitíssimo inferiores a mim, não só cedi de bom grado, mas também o aceitei com alegria e gratidão como um gratíssimo benefício, se fosse conveniente para satisfazer nossa esperança.

Assim venho, Beatíssimo Pai, e ainda prostrado rogo que, se possível, intervenhas e ponhas um freio a esses aduladores, que são inimigos da paz enquanto simulam paz. Mas que ninguém presuma que eu vá me retratar, Beatíssimo Pai, a menos que prefira envolver a questão num turbilhão ainda maior. Além disso, não admito leis de interpretação da palavra de Deus, pois esta, que ensina a liberdade de todas as outras coisas, não deve estar presa. Salvo estas duas coisas, nada há que eu não possa fazer e sofrer e que não queira fazer e sofrer com a maior boa vontade. Odeio contenções. Não provocarei ninguém, mas, em troca, não quero ser provocado. Se, porém, for provocado, como Cristo é meu mestre, não ficarei mudo. Tua Beatitude poderá, chamando a si e extinguindo essas contenções com uma palavra breve e fácil, ordenar que ambas as partes guardem silêncio e paz. É isto o que sempre desejei ouvir.

Por conseguinte, meu pai Leão, toma cuidado para não dar ouvidos a essas sereias, que não fazem de ti um simples ser humano, mas um semideus, de modo que possas ordenar e exigir o que quiseres. Não acontecerá assim, e não prevalecerás. És o servo dos servos e estás, mais que todas as pessoas, numa posição misérrima e perigosíssima. Não te deixes enganar pelos que fazem de conta que tu és o senhor do mundo, que não permitem que alguém seja cristão sem [submeter-se] a tua autoridade e tagarelam que tens poder sobre o céu, o inferno e o purgatório. Eles são teus inimigos e procuram causar a perdição de tua alma, como diz Isaías: "Ó povo meu, os que te chamam de bem-aventurado são os que te enganam." [Is 3.12] Erram os que te elevam acima de um concilio e da Igreja universal. Erram os que atribuem unicamente a ti o direito de interpretar a Escritura. Pois eles procuram estatuir todas as suas próprias impiedades na Igreja sob teu nome, e, infelizmente, através deles Satanás fez muito progresso sob teus predecessores. Em suma: não creias em ninguém que te exalta, mas sim em quem te humilha. Pois este é o juízo de Deus: "Depôs os poderosos do trono e exaltou os humildes." [Lc 1.52.] Vê quão diferente é Cristo de seus sucessores, embora todos queiram ser vigários dele. E temo que de fato muitos deles sejam vigários dele com excessiva seriedade. Pois um vigário é vigário quando o chefe está ausente. Se o pontífice governa quando Cristo está ausente e não habita no coração dele, que outra coisa é senão vigário de Cristo? Ora, o que é então essa Igreja senão uma multidão sem Cristo? O que, porém, é tal vigário senão um anticristo e um ídolo? Quão mais corretamente [procedem] os apóstolos, que se denominam servos do Cristo presente, e não vigários do Cristo ausente!

Talvez eu seja impudente por parecer ensinar tão grande sumidade, da qual todos precisam aprender e da qual, como jactam tuas pestilências, os tronos dos juízes recebem a sentença. Sigo o exemplo de São Bernardo no livrinho Da consideração, dirigido ao papa Eugênio, livrinho este que todo pontífice deveria saber de cor. E não faço isso com a intenção

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de ensinar, mas por dever de uma solicitude pura e fiel, que nos obriga a nos preocupar com nossos próximos em todas as coisas, mesmo nas que são seguras, e não permite considerar a dignidade ou indignidade, dando atenção tão-somente aos perigos e às vantagens dos outros. Como sei que és revolvido e agitado pelas ondas em Roma, isto é, em alto-mar, acossado por infinitos perigos por todos os lados, e trabalhas em tal situação de miséria, que necessitas também da menor ajuda de qualquer um dos menores irmãos, não me parece absurdo se eu esquecer de tua majestade enquanto cumpro um dever da caridade. Não quero adular numa questão tão séria e perigosa. Se não entenderem que, nisso, sou teu amigo e mais do que sujeito a ti, há alguém que entende e julga.

Por fim, para não chegar de mãos vazias, Beatíssimo Pai, trago comigo este pequeno tratado, publicado sob teu nome, como um auspício da paz a ser feita e de boa esperança. Nele podes provar com que estudos eu preferiria e poderia ocupar-me de modo mais fecundo, se teus ímpios aduladores o permitissem e tivessem permitido até agora. É uma coisa pequena, se se considera o volume. No entanto, a menos que eu me engane, é a suma da vida cristã exposta resumidamente, se se capta o sentido. Pobre que sou, não tenho outra coisa com que obsequiar-te, e tu não precisas ser enriquecido senão por um obséquio espiritual. Com isto encomendo a mim mesmo à Tua Paternidade e Beatitude, que o Senhor Jesus preserve perpetuamente. Amém.

Wittenberg, 6 de setembro de 1520.25

24CONTRA A EXECRÁVEL BULA DO ANTICRISTO26

Fui informado de que uma bula contra mim passou por toda a terra antes de me alcançar, pois, sendo uma filha das trevas, temeu a luz da minha face. Por esse motivo, e também porque ela condena artigos notoriamente cristãos, tive minhas dúvidas se ela tinha realmente vindo de Roma e não era, na verdade, produto daquele homem de mentiras, dissimulações, enganos e heresias, o monstro João Eck. A suspeita tornou-se ainda maior quando foi dito que Eck era o apóstolo da bula. Na verdade, tanto o estilo como o azedume apontam para Eck. Para falar a verdade, não é impossível que, onde Eck é o apóstolo, lá se encontre o reino do Anticristo. Mesmo assim, nesse meio tempo, agirei como se acreditasse que Leão não é o responsável; não para dar honras ao nome de Roma, mas porque não me considero digno de sofrer coisas tão elevadas pela verdade de Deus. Pois quem ficaria mais feliz perante Deus senão Lutero, se este fosse condenado por fonte tão grandiosa e elevada, em razão de uma verdade tão evidente? A causa, contudo, busca um mártir mais digno. Eu, com meus pecados, mereço outras coisas. Mas quem quer que tenha escrito essa bula, este é o Anticristo. Declaro, perante Deus, nosso Senhor Jesus, seus anjos sagrados e perante todo o mundo que, com todo meu coração, discordo da condenação dessa bula, amaldiçoo-a e abomino-a como sacrilégio e blasfêmia contra Cristo, o Filho de Deus e nosso Senhor. Eis minha retratação, ó bula, tu filha de bulas.

Tendo dado meu testemunho, volto-me agora para a bula. Pedro disse deves ser capaz de apresentar a razão da tua fé, mas essa bula me condena por sua própria palavra, sem prova alguma das Escrituras, enquanto eu fundamento todas as minhas afirmativas na Bíblia.

25 A bula Exsurge, Domine, chega no dia 10 de Outubro de 1520, até Lutero. Obs.* Veja carta a Spalatin (Bainton, p. 166).26 Escrito por Lutero.

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Pergunto-me, ignorante Anticristo, realmente crês que com palavras vazias podes prevalecer contra a armadura das Escrituras? Teria aprendido isso com Colônia e Lovaina? Se bastasse apenas isso, tão somente dizer “eu discordo, eu nego”, que tolo, que asno, que toupeira, que bronco não poderia condenar? Não fica tua fronte vulgar enrubescida quanto tentas, com tua fumaça frívola, resistir ao relâmpago da Palavra divina? Por que não cremos nos turcos? Por que não aceitamos os judeus? Por que não honramos os heréticos se condenar é tudo o que importa? Mas Lutero, que está acostumado a bellum [guerra], não tem medo de bullum [bula]. Sei distinguir entre um papel inócuo e a onipotente Palavra de Deus.

Demonstram ignorância e má fé ao forjar o advérbio “relativamente”. Meus artigos são chamados “alguns heréticos, alguns errôneos, alguns escandalosos, respectivamente”; isso é o mesmo que dizer: “Não sabemos qual é o quê”. Ó meticulosa ignorância! Desejo ser esclarecido, não relativamente, mas de forma completa e segura. Exijo que o demonstrem especificamente o que é herético de forma absoluta e não relativamente, de forma nítida e não, confusamente, de maneira segura e não provavelmente, de forma clara e não obscuramente, ponto por ponto e não em geral. Que demonstrem em que sou herético ou que sequem a baba de sua ira. Dizem que alguns artigos são heréticos, alguns errôneos, alguns escandalosos, alguns ofensivos. Daí se infere que os heréticos não são errôneos, os errôneos não são escandalosos, e os escandalosos não são ofensivos. Então, o que significa dizer que algo não é herético, não é escandaloso, não é falso, mas, ainda assim, ofensivo? Por isso, ímpios e insensatos papistas, escrevei com sobriedade se quiserdes escrever. Quer tenha sido Eck, quer pelo papa, essa bula é a soma de toda impiedade, blasfêmia, ignorância, imprudência, hipocrisia, mentiras. Em uma palavra, trata-se de Satanás e de seu Anticristo.

Onde estão todos agora – o excelentíssimo imperador Carlos, os reis e príncipes cristãos? Vós fostes batizados em nome de Cristo e conseguis suportar a voz caústica do Anticristo? Onde estais, bispos? Onde, doutores? Onde está tu que confessa a Cristo? Ai de todos que vivem nesses tempos, a ira de Deus está vindo sobre os papistas, os inimigos da cruz de Cristo, a fim de que todos os homens resistem a eles. A ti, Leão X, a teus cardeais e a todos os demais em Roma, digo-vos em vossa face: “Se essa bula foi emitida em teu nome, lançarei mão do poder que me foi dado no batismo, por meio do qual me tornei filho de Deus e coerdeiro em Cristo, firmado sobre a rocha contra a qual os portões do inferno não podem prevalecer. Apelo para que renuncies à tua blasfêmia diabólica e à tua impiedade audaciosa e, se não fizeres, consideraremos todo o teu trono como possuído e oprimido por Satanás, o trono amaldiçoado do Anticristo, no nome de Jesus Cristo, a quem persegues”. Sou, contudo, dominado por meu zelo. Ainda não estou convencido de essa bula tenha vindo do papa, mas sim daquele apóstolo da impiedade: João Eck.[ ... ]

Se alguém despreza minha advertência fraterna, estou livre de seu sangue no dia do juízo. Prefiro morrer mil vezes que voltar atrás em uma sílaba que seja dos artigos condenados. E como me excomungam pelo sacrilégio da heresia, eu também vos excomungo em nome da verdade sagrada de Deus. Cristo julgará qual excomunhão permanecerá. Amém.

25CARTA DE MARTINHO LUTERO A JOHANNES STAUPITZ

[14 de Janeiro de 1521]

A Staupitz.

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Jesus. Saudações. Quando estávamos em Augsburg, reverendíssimo pai, ao tratar deste meu assunto, e entre outras coisas, me disse: “não esqueça, irmão, que tudo você começou em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. Estas palavras as recebi não como faladas por você, mas proferidas por meio da sua pessoa, e as tenho gravadas em minha memória. Com estas mesmas palavras, suplico: “acorde também do que você me disse”. Este negócio se tornou num jogo até agora; ao presente a coisa está se tornando mais sério e, ao tom de suas palavras, se Deus não o completar, é impossível que chegue ao seu término. Ninguém pode colocar em dúvida que tudo se acha na mão do poderosíssimo Deus. Que de nós pode decidir aqui? O que pensarão os homens? É tão violento o tumulto que se levanta, que me parece não será possível aplacar até o dia final, que tanta é a animosidade a que de um lado, ou de outro chegou.

Ainda que emita excomunhões, queime livros e me mate, é fato, que o papado não se encontra na mesma situação que antes. Todos os sinais dizem que um grande portento está clamando às portas. Que afortunado seria o papa se empenhasse em compor a paz com bons meios, em vez de afrontar a questão tratando de eliminar a Lutero pelo redemoinho da violência! Queimei os livros e a bula papal, no princípio o fiz com medo e rezando, mas hoje estou contente de ter realizado, pelo que teria feito durante minha vida. São mais peçonhentos do que eu acreditava serem.

Emser, de Leipzig, escreveu em língua vernácula, motivado pelo duque George, que está furioso comigo, e que “respirando ameaças e morte”, dispôs na mesma aula de forma impiedosa que tomassem medidas contra mim.

O imperador me convocou por carta dirigida ao príncipe. Ao recusar este, revogou aquele a primeira carta com outras. Somente Deus sabe o que sucederá.

O nosso vigário Wenceslau marchou para Nürnberg. Zschessius se encontra em Grimma e disse que partirá dali; Deus o conserve.

Aqui tudo está florescendo como antes. Hutten apostilou a bula com anotações provocadoras contra o papa e está preparando outras coisas sobre o mesmo. Os meus escritos foram queimados três vezes: em Lovaina, em Colônia e na Magúncia com grande desprezo e perigo dos que os queimaram. Até Tomás Murner furioso escreveu contra mim. Esse asno descalço de Leipzig não me incomoda.

Adeus, meu pai. Rogue pela palavra de Deus e por mim. Estou arrebatado e envolto nestas ondas. Wittenberg, dia de são Felix, 1521.

26CARTA DE MARTINHO LUTERO A JOHANNES STAUPITZ

[9 de Fevereiro de 1521]

Ao reverendo e excelentíssimo Johannes Staupitz, mestre na sagrada teologia, agostiniano ermitão, seu primogênito no Senhor.

Saudações.Admira-me que as minhas cartas e meus livros não tenham chegado ainda às tuas mãos,

como deduzo de ti. Pregando aos demais, estou desqualificando a mim mesmo, que até tal extremo me aliena o trato com os humanos. Porque te adjunto poderás ter uma ideia do espírito com que trato a Palavra de Deus. Nada se fez ainda em Worms contra mim, considerando que os papistas andam maquinando desígnios perniciosos com invejável furor. Spalatino escreveu-me dizendo que o evangelho goza ali de grande aceitação, que espera que não me condenem sem antes escutarem e serem convencidos.

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Em Leipzig, sem nenhum tipo de inibição, Emser escreveu contra mim acusações que são coletâneas de mentiras desde o princípio até o fim. Percebo que preciso dar uma resposta a este monstruoso projeto do duque George, que é quem nutre a loucura do autor.

Não me incomoda a notícia de que Leão X também se voltou contra ti. Desta sorte, poderás erigir para exemplo do mundo a cruz que tanto pregaste. Não gostaria que o lobo se contentasse com tua resposta na que lhe concedes mais do que é justo; o interpretará como se renegasses de mim e de tudo o que é meu, ao declarar que te vem a submeter a seu juízo. Por isso, se Cristo te ama, te obrigará a reconvocação deste escrito, sendo que nessa bula se condenou tudo o que ensinas e aprazes. Como nada disto te és desconhecido, parece-me que ofendes a Cristo, pois aceitas como juiz aquele que é um furioso inimigo de Cristo, a quem se desenfreia contra a palavra da graça. Terias que afirmar isto, e repreendê-lo por esta impiedade. Que não é motivo para andar com medo, senão que deves responder, neste tempo em que nosso Senhor Jesus Cristo se vê condenado, despojado e blasfemado. Na mesma medida em que me exortas à humildade, eu exorto a tua soberba; tua humildade é tão excessiva, como excessiva é minha soberba.

Mas, a situação é séria. Vemos que Cristo está sofrendo. Se antes foi preciso calar, agora, quando o próprio boníssimo Salvador que se entregou a si mesmo por nós, padecendo ignomínia por todo o mundo, não lutaremos por ele, não ariscaremos o nosso pescoço? Meu pai, que é muito mais grave o perigo do que muitos pensam; começa a entrar no vigor do evangelho: “o que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu pai, mas me envergonharei do que de mim se envergonhar”.

Que pensem que eu seja soberbo, avarento, adúltero, homicida, contra o Papa e réu de todos os vícios, com tanto que não podem arguir de calar impiamente enquanto o Senhor sofre e diz: “não há escapatória para mim; não há quem cuide de meu espírito; olhava a minha direita e ninguém me reconhecia”. Tenho a confiança de que esta confissão me perdoará todos os meus pecados. Que por este motivo lancei confiado contra esse ídolo e verdadeiro anticristo de Roma. A palavra de Cristo não é palavra de paz, senão que palavra de espada. Entretanto, o que direi, “miserável eu sou, Minerva?”.

Estas coisas escrevo a ti, em confiança, porque muito temo que te coloques como mediador entre Cristo e o Papa, e que vejas o quão violentamente contrário eles são entre si. Roguemos para que o Senhor Jesus com o sopro de sua boca destrua sem tardar a este filho da perdição. Se não queres vir após mim, deixe que eu marche e me retire. Não deixarei, pela graça de Deus, a tarefa de jogar na cara as atrocidades deste monstro.

De fato, que me enche de tristeza esta tua submissão, que me revela a um Staupitz tão diferente daquele pregador da graça e da cruz. Não teria sofrido se tivesses atuado desta forma antes da promulgação da bula e da ignomínia feita a Cristo.

Hutten e muitos outros escrevem com força a meu favor e estão preparando canções que farão pouca graça a esta Babilônia. Nosso príncipe atua com tanta prudência e fidelidade como com constância. Por seu mandato o edito dessas declarações foi publicado em latim e alemão.

Saúda-te Felipe e roga para que cresça o teu ânimo. Por favor, dê saudações ao médico Ludovico que me escreveu com tanto conhecimento. Não tive tempo para responder-lhe, pois tenho só trabalhando para mim. Adeus no Senhor e ore por mim.

Wittenberg, Dia de santa Apolônia, 1521. Teu filho Martinus Lutherus.

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DISCURSO PRONUNCIADO NA DIETA DE WORMS POR MARTINHO LUTERO[18 de Abril de 1521]27

Introdução histórica por Teófanes EgidoPara a compreensão do feito e do significado da atuação de Lutero ante a Dieta de

Worms e de seu discurso, é necessário considerar os eventos a seguir. O dia 15 de junho de 1520 traz muitos fatos obscuros com Federico o Sábio, duque da Saxônia eleitoral e – como já vimos – protetor de Lutero. Roma decidiu condenar a doutrina de Augustinho na bula Exsurge, Domine, certamente confusa. Na realidade, o documento ainda não condena a pessoa de Lutero, e já conhecemos a sua reação violenta, que em um ato teatral queimou a bula juntamente com os textos representativos das práticas canônicas e morais da igreja (10 de dezembro). No início do ano seguinte publicou-se a bula Decet romanum pontificem com a excomunhão do “herege”. A excomunhão eclesiástica surtiu efeito por ter sido referendada pela expulsão civil, ou seja, imperial. Não obstante, o jovem imperador Carlos V, pressionado por dificuldades econômicas, pelo compromisso com os costumes alemães, por rivalidades com a cúria de Roma, pelo favor que a opinião pública manifestava por Lutero – convertido em herói dos alemães -, não quis condená-lo sem antes ouvi-lo. Para ele a melhor ocasião era aproveitar a dieta – a primeira imperial - de Worms (aberta solenemente em 27 de janeiro de 1521) e convoca-lo a comparecer.

O tempo transcorrido foi precioso para a causa luterana e, de fato, foi uma das épocas mais relevantes de Lutero, desde o ponto de vista de seus escritos e de sua influência. A convocação para a dieta, por outro lado, lhe serviu como uma invejável oportunidade para sua exposição. Por isso se sentiu expectante e temeroso, na condição de vítima e de herói, percebendo com clareza a magnífica repercussão de um púlpito peculiar (cf. Gravier, o. c., 50 ss).

No dia 17 de abril, ao entardecer, compareceu diante da assembleia. Lutero se viu surpreso: ele havia acreditado em uma oportunidade para pregar suas ideias mas se encontrou em uma condição em que a única opção que lhe era oferecida era de retratar-se ou não do conteúdo de seus livros que Aleandro havia empilhado com cuidado. Diante da surpresa, pediu uma prorrogação e, no dia seguinte, como resposta ao interrogatório, pronunciou o célebre discurso que transcrevemos.

O documento tem um valor transcendental e é, talvez, o reflexo do momento mais decisivo e claro, não somente da existência de Lutero, senão de toda a história de sua reforma. Em tons um pouco dramáticos nega a autoridade do papa, dos concílios, e proclama a autoridade da Escritura e da consciência. Quem viu nele uma proclamação dos direitos da consciência individual pecou por um evidente anacronismo, pois é indiscutível a valentia de Lutero, ainda monge, o qual enfrentou boa parte dos componentes da dieta como arauto da liberdade do evangelho.

A resposta do imperador foi contundente e não menos decisiva: contra a heresia – disse – “estou determinado em empenhar meus reinos e senhorios, meus amigos, meu corpo, meu sangue, minha vida e minha alma” (Sandoval). Nem a decisão nem a contundência de Carlos, ao decretar na dieta a expulsão imperial de Lutero, puderam fazer muita coisa. As dificuldades da Espanha, o perigo da França, o regresso do imperador à agitada Castela, a burocracia, o apoio de alguns senhores, etc, atrasaram a publicação do edito firmado em 26 de maio de 1521, quando Lutero estava em segurança, graças ao sequestro organizado pelo seu protetor.

27 Extraído de Teófanes Egido, org., Lutero – Obras, pp. 171-175. Traduzido em 16 de Fevereiro de 2014, por Rev. Evanderson Henrique da Cunha. A Dieta de Worms durou de 27 de Janeiro à 25 de Maio de 1521.

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A declaração de Lutero

Jesus.Excelentíssimo senhor imperador, mui ilustres príncipes, mui graciosos senhores: Compareço pontual e obediente, à hora que me determinou ontem à tarde, e suplico a

vossa graciosíssima majestade e aos ilustríssimos príncipes e senhores que, pela misericórdia de Deus, se dignem atender com clemência esta minha causa, que espero seja a causa da justiça e da verdade. E se por minha inexperiência me dirijo a alguém de forma incorreta, ou de alguma maneira me comportar contra os usos e costumes da corte, rogo que me desculpem com benevolência, porque não tenho vivido na corte, mas no isolamento do monastério, e a única coisa que posso dizer é que até hoje minhas únicas preocupações tem sido, tanto em minha docência como em meus escritos, a glória de Deus e a instrução dos fiéis de coração humilde.

Excelentíssimo imperador, ilustres príncipes: vossa sereníssima majestade me levantou ontem duas questões: se reconhecia como meus os livros que se multiplicam e tem sido publicados em meu nome, e se estava disposto a seguir os defendendo ou negá-los.

Sobre o primeiro ponto minha resposta é simples; sem dúvida, me mantenho com ela e seguirei mantendo-a sempre: se trata de livros meus, que foram publicados em meu próprio nome, mas sempre com as possíveis mudanças e interpretações mal feitas que devem ser atribuídas à astúcia ou a importuna sabedoria de meus adversários. Em todo caso, reconheço somente o que é meu e o que por mim foi escrito; mas não as interpretações de meus adversários.

Quanto à segunda questão, suplico à vossa serene majestade, se digne levar em conta que meus livros não são todos da mesma classe.

Há um primeiro grupo de escritos nos quais trato da fé e costumes de uma maneira tão simples e evangélica, que até meus adversários se veem obrigados a reconhecerem sua utilidade e sua inocuidade, e que são dignos de ser lidos por um cristão. A mesma bula do papa, por mais implacável e cruel que seja,28 admite que alguns destes livros são inofensivos, embora, por um juízo estranho, os haja condenado. O que aconteceria se eu decidisse retratá-los? Seria o único dos mortais que condenaria a verdade que amigos e inimigos confessam de comum acordo, o único em resistir à unanimidade desta confissão.

Outra categoria de escritos é a que ataca o papado e as empresas de seus seguidores, posto que sua péssima doutrina e exemplo tem arrastado a toda a cristandade para a destruição espiritual e corporal. Porque todo o mundo tem a experiência, testemunhada pelo general descontente, de que as leis dos papas e suas doutrinas humanas tem escravizado miseravelmente as consciências dos fiéis, as tem atormentado e torturado; que a incrível tirania tem devorado os bens e os recursos, e os segue devorando de forma insultante cada vez mais sobre todos em nossa nobre nação alemã. Além disso, seus próprios decretos (por exemplo, Dist. 9, 25, quaest. 1 e 2) apresentam como errôneas e inválidas as leis papais que estão em contradição com o ensinamento do evangelho e dos pais da igreja.29 Se eu retratasse também estes livros, não faria mais do que fortificar sua tirania e abrir de par em par a tão grande impiedade não somente uma pequena janela, mas também todas as portas, para que aquela entrasse de forma mais ampla bem como a comodidade que jamais até agora teve. Minha retratação seria o melhor favor concedido a sua ilimitada e desavergonhada malícia, e daria

28 A bula Exsurge, Domine (15 de junho 1520), que condenava 41 pontos da doutrina de Lutero. Mesclando capítulos heréticos com os que não eram, escrita por inspiração de inimigos de Lutero, não duvidemos que no documento escapa a condenação da tese básica da justificação pela fé somente.29 Se refere ao Decreto de Graciano (século XII), praticamente o corpo jurídico da igreja durante muito tempo.

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vigor e estabilidade a este senhorio cada vez mais intolerável para o miserável povo, e mais se anuncia que fiz tudo isto por ordem de vossa serena majestade e de todo o império romano. Grande Deus, que estupenda ocasião serviria para encobrir a malícia e a tirania!

A terceira categoria é a constituída pelos livros que escrevi para certas pessoas particulares, empenhadas em amparar a tirania romana e em destruir meus ensinamentos sobre a fé. Confesso que contra esta gente tenho me comportado mais duramente do que convém a um homem que tem professado a uma religião. Tenho que acrescentar que não me considero um santo; não se trata aqui de discutir sobre minha vida, mas sobre o que se ensina sobre Jesus Cristo. Menos ainda que os anteriores me está permitido retratar estes escritos, porque, se o fizesse, serviria de reivindicação para que a tirania e a impiedade reinassem e se desencadeassem contra o povo de Deus com maior violência que antes.

Considerando que sou homem e não Deus, não me é lícito defender meus escritos mas a maneira em que Jesus Cristo meu Senhor defendeu seus ensinamentos diante de Anás quando este lhe interrogava e um soldado lhe deu uma bofetada: “Se tem falado mal, lhe digo, mostre-me em que”.30 Se o próprio Senhor, que tinha certeza de sua inerrância, não se recusou ao menos escutar a contestação de seu ensinamento, ainda que fosse por parte do mais humilde dos soldados, com quanta maior razão eu, escória da plebe, constantemente exposto ao erro, devo desejar suplicar que se conteste minha doutrina. Por este motivo, rogo a vossa serena majestade, a vós outros, ilustres senhores e a todos os que possam fazê-lo, tanto o maior como o menor, pela misericórdia de Deus, que me provem e me convençam de meus erros, que se refute a base dos escritos proféticos e evangélicos. Se concluir-se que devo instruir-me melhor, nada melhor disposto que eu retratar qualquer erro, seja o que for, eu seria o primeiro a lançar meus escritos nas chamas.

O que acabo de dizer evidencia que tenho considerado e ponderado suficientemente as urgências, perigos, inquietudes e dissenções que surgiram no mundo por ocasião de meus ensinamentos, como me censurou ontem com energia e gravidade. O que mais me alegra em tudo isto é contrastar que por causa da palavra de Deus nascem paixões e dissenções, porque este é o caminho, a maneira e o acontecimento que segue a palavra de Deus sobre a terra conforme a afirmação de Cristo: “Não vim para trazer paz, digo, mas a guerra; eu vim para separar o filho do pai, etc.”31 É necessário que nos despertemos para o quão admirável e terrível é nosso Deus em seus juízos, para que o anseio de apaziguar os distúrbios não comece por rejeitar a palavra de Deus, nem venha a ser que este intento nos atraia um dilúvio de desgraças insuportáveis. Devemos vigiar para que o reinado de nosso jovem e privilegiado príncipe Carlos (em quem, depois de Deus, se depositam tão grandes esperanças) não seja desgraçado e se inaugure com auspícios funestos.32

Poderia respaldar tudo isto com numerosos exemplos das Escrituras Sagradas que se referem ao Faraó, ao rei de Babilônia e aos reis de Israel, personagens que conheceram os maiores desastres precisamente quando seus sábios desígnios se ordenavam a estabelecer a paz e afirmar seus reinados. “Porque é ele quem surpreende aos sábios em sua sabedoria e transporta as montanhas sem que se apercebam disso”.33 É preciso, pois, temer a Deus. Se falo estas coisas, não é porque creio que em elevadas cúpulas tenham necessidade de meus ensinamentos e advertências, mas não posso subtrair da minha Alemanha o serviço a que estou obrigado.

30 João 18:23.31 Mt 10:34 ss.32 A coroação imperial de Carlos V havia tido lugar em Aquisgrán meio ano antes, 23 de outubro de 1520.33 Jó 5:13; 9:5.

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E com estas palavras me recomendo a vossa serena majestade e a vossos senhores, suplicando humildemente que não permitam que as paixões de meus adversários me façam injustamente detestável diante de vós.

Eu disse. (Depois que eu falei desta forma, o arauto imperial me quis repreender com dureza. Disse que não me havia inserido no assunto e que não era possível voltar a discutir ponto que já haviam sido condenados e definidos pelos concílios. Me obrigou então uma resposta simples e sem sutilezas; “Queria retratar-me ou não?” Tenho aqui o que então respondi).

Posto que vossa graciosa majestade e vossos senhores me pedem uma resposta, então a darei “sem chifres ou dentes”.34 A menos que se me convença por testemunho da Escritura ou por razões evidentes – posto que não creio no papa nem nos concílios somente, já que está claro que eles têm se equivocado com frequência e tem se contradito entre eles mesmos -, estou acorrentado pelos textos escriturísticos que tenho citado e minha consciência é uma escrava da palavra de Deus. Não posso nem quero retratar-me em nada, porque não é seguro nem honesto atuar contra a própria consciência. Que Deus me ajude. Amém.35

28O DECRETO DA DIETA DE WORMS36

[5 de Maio 1521?]

We, Charles V., by God's grace elected Roman Emperor, always Augustus, King of Germany, Spain, both Sicilies, Jerusalem, Hungary, Dalmatia, Croatia, etc. Archduke of Austria, Duke of Burgundy, Count of Habsburg, Flanders and Tyrol, offer our grace and all good to all and several, Electors, Princes, spiritual and secular, prelates, counts, barons, knights, nobles, captains, governors, burgomasters, councillors, citizens and communities, also rectors and officers of all universities, and besides to all others of our realms and the Empire, who owe us obedience and loalty for their dignities and lands, of whatsoever rank they may be, to Vvliom this our imperial letter or a credible copy, certified by a spiritual prelate or a public notary may come or be announced.1. Most reverend and honorable, illustrious, well-born and noble, dear friends, nephews, uncles. Electors, Princes, devoted and loyal: as it pertains to our office of Roman Emperor, not only to enlarge the bounds of the Holy Roman Empire which our fathers of the German nation founded for the defence of the holy Roman and Catholic Church, through the divine grace, with much shedding of blood; but also, according to the rule hitherto observed by the holy Roman Church, to take care that no stain or suspicion of heresy should contaminate our holy faith in the Roman Empire—or, if the same has already begun, to extirpate it with all necessary diligence, good means and discretion:

34 “Sem chifres ou dentes”: coro escolástico para expressar uma sentença clara, simples e com um só sentido.35 A conclusão do histórico discurso de Lutero tem desencadeado discussões incontáveis. Até mesmo a edição de Weimar termina com as frases: “Ich kann nicht anders, hier stehe ich. Gott helfe mir, amen” (Não posso atuar de outra maneira, aqui estou. Que Deus me ajude, amém). Hoje se admite como a única versão autêntica a usada em nosso texto, muito mais provável e em conformidade com os testemunhos, mesmo que o atemorizado Lutero despoje algo de seu caráter de herói e de mártir. O acréscimo apócrifo, que não recolhem os testemunhos oculares, nem sequer Cochleo, começou pronto a executar como pronunciado por Lutero desde a edição do texto (em latim e alemão) por Gruneberg, Wittenberg. Já insistiu nele K. Muller, Luthers Schlusswort in Worms 1521, em Philotesia. Festschrift fur P. Kleinert, Berlin 1907, 269-289.36 Henry C. Vedder, The Reformation in Germany, pp. 418-427.

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2. Therefore we hold, that if such were the duty of any of our ancestors, much higher and greater is the obligation on us, inasmuch as the unparalleled goodness of Almighty God, for the protection and increase of his holy faith, has endowed us with more kingdoms and lands and greater power in the Empire, than any of our ancestors for many years [has possessed]. Moreover we are also sprung from the paternal stock of the Emperors and Archdukes of Austria, and Dukes of Burgundy; and from the maternal stock of the most faithful Kings of Spain, the Sicilies and Jerusalem—the memory of whose illustrious deeds, wrought for the Christian faith, will never pass away.3. Wherefore, certain heresies, which sprang up in the German nation within the last three years, and afterwards were truly condemned by the Holy Councils and the papal decrees with the consent of the Catholic Church, and now are drawn anew from hell, —should we permit them to become more deeply rooted, [or] by our negligence conceal and bear with them, our conscience would be greatly burdened, and the eternal glory of our name would be covered by a dark cloud in the fortunate beginning of our reign.4. Since now without doubt it is plain to you all, how far the errors and heresies depart from the Christian way, which a certain Martin Luther, of the Augustinian order, has sought to introduce and disseminate within the Christian religion and order, especially in the German nation, renowned as a perpetual destroyer of all unbelief and heresy; so that, unless it is speedily prevented, the whole German nation will be infected by this same disorder, and mighty dissolution and pitiable downfall of good morals, of the peace and Christian faith will result.5. Because our holy father Pope Leo X, chief bishop of the holy Roman and Catholic Christian Church, to whom the care and oversight of things that appertain to the Christian faith especially belongs, has been not unjustly moved to warn and admonish the aforesaid Luther, at first in a father^ and mild manner, to desist from so bad a beginning and to retract his circulated errors.6. And as he failed to do that, and continually added further evil, his Holiness thought it well to take just and not unusual means and ways against him. And therefore many times ^ he assembled the cardinals, bishops and other prelates, also the priors and generals of the regular orders, and many other eminent and honorable men, of all renown, skill and learning, and besides he summoned and called many doctors and masters from other Christian nations, and thereto cited the aforesaid Martin Luther. And as he contumaciously remained away, all his writings, both in Latin and in German, published and yet to be published, were condemned as harmful and altogether hostile to the faith and unity of the Church, and by papal authority, with the advice and consent after mature consideration of the aforesaid Cardinals, bishops, prelates, doctors and masters, they were ordered to he everywhere burned and whollydestroyed.7. And then—unless, within a prescribed time after the publication of the decree of his Holiness, he should show that he repented of his errors, and that he was converted and retracted them—according to the statutes of the law, he ordered and commanded the aforesaid Luther to- be shunned by all, under the penalties contained in papal bulls as a son of disobedience and evil, as a schismatic and heretic. Which his Holiness, through his orator and nuncio, specially ordered and enjoined on us, as the true and chief Defender of the Christian faith, and the Advocate of the holy papal See and of the Roman and Catholic Christian Church; with desire and demand, according to our oath and in virtue of the authority and justice of our imperial office, that we give his Holiness in this emergency our aid of the secular sword, for the vindication of the Christian faith; and that everywhere in the Holy Roman Empire, also as befits a faithful Christian king and prince, in our hereditary kingdoms, principalities and lands, but

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especially in the German nation, we order and command all and single to hold inviolate what is contained in bulls of his Holiness, and to give execution and fulfilment to them.8. And although, after the delivery of the papal bull and final condemnation of Luther, we announced that exhortation in many places in the German nation, as well as in our Burgundian lands, and especially enjoined on Cologne, Trier, Mainz, and Liittich to obey and execute it, nevertheless, Martin Luther has taken no account of it, nor improved, nor revoked his errors, nor sought absolution from his papal Holiness and grace from the holy Christian Church, but like a madman plotting the manifest destruction of the holy Church, daily scatters abroad much worse fruit and effect of his depraved heart and mind, through very numerous books, both in Latin and German, composed by himself, or at least under his name, which are full of heresies and blasphemies, not only new but formerly condemned by holy Councils.9. Therein he destroys, overturns, and injures the number, arrangement and use of the seven sacraments, so many years held by the holy Church, and in wondrous ways shamefully pollutes the indissoluble bonds of holy matrimony. He says also that holy unction is without efficacy. He desires also to adapt our use and enjoyment of the unutterably holy sacrament [the Latin adds: of the Lord's Supper] to the custom and use of the condemned Bohemians. And he begins to involve [in his errors] confession, which is most wholesome for the hearts that are polluted or laden with sins, so that no basis nor fruit can be received from it. Finally, he threatens to write so much further of confession (if that is allowed) that not only will almost all who have read his crazy writings dare to say that confession is useless, but also there will be few who do not declare that one should not confess.10. He not only holds irreligious ideas concerning the priestly office and order, but also urges secular and lay persons to bathe their hands in the blood of priests; and he uses scurrilous and shameful words against the chief priest of our Christian faith, the successor of St. Peter and true Vicar of Christ on earth, and pursues him with manifold and unheard of enmities and invectives. He confirms also from the heathen poets ^ that there is no free-will, because all things are settled by an immutable decree.11. And he writes that the Mass confers no benefit on him for whom it is celebrated. Moreover he overthrows the custom of fasting and prayer, established by the holy Church and hitherto maintained. Especially does he impugn the authority of the holy Fathers, as they are received by the Church, and wholly deprives them of obedience and authority. And ever5rwhere his writings breathe out nothing else than sedition, destruction, war, slaughter, rapine, fire, and are fitted to cause the complete downfall of the Christian faith. Because he teaches a loose, self- willed life, severed from all laws and wholly brutish; and he is a loose, self-willed man, who condemns and rejects all laws; for he has had no fear or shame to bum publicly the decretals and canon laws. And if he had feared the secular sword no more than the ban and penalties of the Pope, he would have committed much worse offences against the civil law.12. He does not blush to speak publicly against holy councils, and to abuse and insult them at will. Especially has he everywhere bitterly attacked the council of Constance with his foul mouth, and calls it a synagogue of Satan, to the shame and disgrace of the whole Christian Church and of the German nation. And all those who were members of it, and ordered John Hus to be burned for his heretical conduct—namely, our predecessor. Emperor Sigismund and the entire assembly of princes of the holy Empire—he calls antichrists, apostles of the devil, murderers and Pharisees. And he also says that everything condemned in the same council as Hussite error, was Christian and evangelical, and declares that he will prove this and defend it. [But the articles that the same council adopted, he will in no way accept.] And he has fallen into such madness of spirit as to boast, that if Hus were a heretic he is ten times a heretic.

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13. And all the other innumerable wickednesses of Luther, for the sake of brevity, may remain unreckoned. This fellow appears to be not so much a man as a wicked demon in the form of men, clothed in monk's garb. He has assembled many heresies of the greatest condemned heretics,long since forgotten, together with some newly invented, in one stinking puddle, under pretext of preaching the faith, with which he commonly imagines that with so great industry he will destroy the true and genuine faith, and under the name and appearance of evangelical doctrine over- turn and destroy all evangelical peace and love, as well as all order of good things and the most excellent hierarchy of the Church.14. All this have we taken to heart, in view of the power of our imperial office and dignity with which we have been endowed by God; also of our love and attachment, which we like our predecessors have and bear toward the protection, upholding and defence of the Christian faith, as well as the honor of the Roman Bishop and holy See. And we consider, especially after the aforesaid admonition of papal Holiness, that it will not be possible for us to be careless in so great and frightful a matter, without great reproach to ourself and outrage and wrong to all Christendom. And we shall not do thus, such is not our will and disposition, but we wish rather to walk in the footsteps of our predecessors, the Roman Emperors, and emulate their illustrious deeds, by giving full protection to the Christian Church, and adhere to the excellent regulations [Ger. Constitutionen, Lat. constitutionihus] made for the punishment and extirpation of heretics.15. And now especially on account of these things we have again summoned here to Worms our and the holy Empire's Electors, Princes and Estates, and carefully examined the aforesaid matters with great diligence, as the evident necessity demands, and with unanimous advice and consent 1 we agreed to the following opinion and put it in form.16. Although one so condemned and persisting in his hidden perversity, separated from the rites of the Christian Church and a manifest heretic, is denied a hearing under all laws;^ nevertheless, to prevent all unprofitable dispute, as some openly contend that many books have been written and printed in Luther's name which he had not composed or published, and also others contend that it was but just before proceeding further against him, to hear Luther, to summon him before us with a safe-conduct; — we have therefore called him to our Court, and through our herald gave him a safe-conduct to come hither, in order that he might be questioned in our own presence and in that of the Electors, Princes and Estates of the Empire: whether he had composed the books which were then laid before his eyes as well as other books that are circulated in his name; and whether he would retract whatever is found in such books contrary to the holy Councils, decrees, usage and custom of our fathers as held to this day, and come again to the bosom and unity of the holy Church.17. And there were bestowed upon him such entreaties and admonitions as might soften and overcome a man the most pertinacious and harder than a stone. And as soon as he heard these books, he acknowledged them as his own, and moreover declared that he would never deny them. And he also says that he has made many other books, which we have not mentioned herein because we have no knowledge of them.18. But concerning the retractions, he begged time, and though this might justly have been denied him, since against innovation and error in the faith action should be taken without delay; and since from our summons, mandate and letters borne to him, both of which he undoubtedly received, he must clear have understood for what reason he was summoned before us, and therefore should not have come before us and the Estates without an answer

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made ready ; nevertheless, from considerations of graciousness and kindness we granted him another day.19. And on the next day he again appeared before us and the Estates of the Empire. And, as before, he was entreated with diligent exhortation to reconsider: with our promise that if he would retract the things in his books that should be condemned, he should again come into grace and kindness of our holy Father, the Pope; and we would see to it that his Holiness should choose from each Christian nation two men of good life and great learning to examine his books diligently, and to remove the evil there from, and whatever was found good that should the papal Holiness approve.20. But after all this he would not make any retraction, nor would he accept our gracious offer, but rejected it altogether; and, with such improper words and behavior as were not at all fitting for a rational and orderly priest [Geistlichen, religiose], he declared openly that he would not change a word in his books except he were convinced by disputations, which he desired in reliance on our safe-conduct, notwithstanding he well knows that they are forbidden by divine and human laws. He also in our presence and that of the Estates, uncharitably and arrogantly ridiculed, condemned, slandered and altogether despised the holy councils, especially that of Constance which to the eternal honor of the German nation restored to it peace and unity.21. And although upon such a rude answer—which was not heard by us and the Estates, without depression of mind, and the irritation of the common people—we had determined for several reasons immediately to take further measures to send him away and let him go home forth- with; and this opinion having been put in writing was made public next day. Nevertheless, we were moved by the honorable request of the Electors, Princes and Estates, to give him three days additional time in which to change his mind.22. And in the meantime, two electors, two spiritual and two civil princes, and two representatives of our imperial cities, were appointed at the request and command of the Diet, to cite the said Luther before them, and if possible and convenient, to leave nothing undone to convert him by good warning, exhortation and instruction; and, in case he should not change his mind, to show him what severe punishment would be visited upon him by us and the holy Empire according to direction of the laws.23. And since such diligence and seriousness were unfruitful with him, one of our Electors took two kind and skilful Doctors and together with them and by himself, not only with much exhortation but also with plain demonstration endeavored to persuade him that Luther's errors are many; that he should regard more than his own opinion our holy father Pope, and also us and the Estates of the Empire, and the customs of other Christ-beUeving nations, which they have observed according to the order of Christian Churches for so many years. And in addition they told him that if he would give up his self-will and turn again, he would discover such conduct to be in accord with the honorable example of many holy Fathers, and would be for the preservation of his soul, honor and body.24. Upon this, as we have been credibly informed, Martin Luther replied that he not only doubted and suspected all the persons just mentioned, but also an ecumenical council (though it be unanimous); and that he would not change the least syllable in his writings—as also he previously declared before us and the Estates of the Empire—except he were convinced by learned men. But this must be done according to his rule, and not from the councils or from imperial or Christian laws, nor by the authority of any of the Fathers, no matter how holy, but only by the words of the Holy Scriptures; — which he thinks must be understood according to his own ideas and to the satisfaction of his uncertain opinions [Gemuths, opiniones]. But it is

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perfectly clear that by the said authorities [i.e., the Fathers] completing what is implied or expressed in both Testaments, the holy Christian Church has hitherto been governed. 25. Because these things are so transacted, and Martin Luther yet persists obstinately and perversely in maintaining his heretical opinions; therefore, all pious and God-fearing persons shall abominate and abhor him as one mad or possessed by a demon. According to the tenor of our letters concerning his safety, we commanded him to depart from our sight by April 25; and again we sent him a herald to say that from the aforesaid 25th of April he may reckon the twenty days next following, during which he will have our safe-conduct, at the expiration of which twenty days he shall be under our protection no longer. And thereupon it will be in order to proceed to other appropriate remedies against this severe, virulent disease, as follows:26. In the first place, for the praise and glory of Almighty God, and the defence of the Christian faith, also of the Roman Pontiff and the honor due the Apostolic See, by the authority and power of our dignity and office of Emperor, together with the unanimous will and consent ^ of our and the holy Empire's Electors, Princes and Estates, now here assembled, for the perpetual remembrance of this affair, for the execution of the decree, judgment and condemnation according to the bull that our father the Pope has published as the proper judge of these things, we have declared and made known the said Martin Luther shall hereafter be held and esteemed by each and all of us as a limb cut off from the Church of God, an obstinate schismatic and manifest heretic. 27. And we give public attestation by these letters that we order and command each and several of you, as you owe faith to us and the holy Empire, and would escape the penalties of the crime of treason, andthe ban and over-ban ^ of the Empire, and moreover deprivations of all royal dues, fiefs, privileges and immunities, which up to this time you have in any way obtained from our predecessors, ourself and the holy Empire;—commanding, we say, by the Roman and imperial majesty, we strictly desire that immediately after the expiration of the appointed twenty days, terminating on the 14th day of May, you shall not give the aforesaid Martin Luther house, hospitality, lodging, food, drink, neither shall anyone, by word or deed, secretly or openly, succor or assist him by counsel or help; but in whatever place you meet him, you shall proceed against him; if you have sufficient force, you shall take him prisoner and keep him in close custody; either you shall bring him or cause him to be brought, at least let us know where he may be captured; in the meanwhile you shall keep him closely imprisoned until you receive notice from us what further to do, according to the direction of the laws. And for such holy and pious work we will make you rich compensation for your labors and expenses.28. In like manner [you shall proceed] against his friends, adherents, patrons, maintainers, abettors, sympathizers, emulators, and followers. And the property of these, personal or real, in the strength of the holy constitution and of our imperial ban and over-ban, you shall treat in this way, namely, overthrow and seize it [and] transfer it to our custody, no one hindering or impeding—unless he shall abandon his unrighteous way and secure papal absolution.29. Henceforth we decree to all, and to each private individual, under the penalties already prescribed, that no one shall dare to buy, sell, read, preserve, copy, print, or cause to be copied or printed, any books of the aforesaid Martin Luther, condemned by our holy father Pope, as aforesaid, or any other writings in German or Latin hitherto composed by him, since [they are] foul, harmful, suspected, and published by a notorious and stiff-necked heretic. Neither shall any dare to approve his opinions, nor to proclaim, defend or assert them, in any other way that human ingenuity can invent—notwithstanding he may have put some good in them to deceive the simple man.

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30. For the most wholesome foods, if they are tainted by a little drop of poison, are shunned by all men; so much more books and writings, imbued with a thousand deadly and pestiferous poisons for the soul, are not only to be shunned by you all, but moreover to be driven from the memory of men and altogether abolished, lest they bring harm to someone or death. Because all things rightly and laudably inserted in those books, received and approved hitherto by the holy Fathers and the Catholic Church, are frequently used, introduced and expounded where they may be found, read and drawn from without solicitude, suspicion or danger of any evil. 31. Furthermore, we decree that all and several—of whatever dignity, rank, order or station they may be, and especially those who have and wield authority, under the aforesaid penalties, everywhere in the Roman Empire and our hereditary principalities and lands—shall take stringent measures, punish, command; that they burn with fire each and all of the aforesaid infected writings and books of Luther, that cause so great uproar, damage, schism and heresy in the Church of God; and that by these and other methods they utterly abolish, extirpate and annihilate them. In like manner, respecting petitions and requisitions, with all diligent and good faith you ought to assist and serve the nuncios of the blessed Pontiff and their chosen emissaries; and none the less in their absence you ought to execute and fulfill, to do and act according to our command and mandate.32. In the meantime, we give strict command by these letters to all other subjects and loyal people, both ours and those of the Empire, as well as those in our hereditary principalities and lands, that the aforesaid officers and magistrates shall render aid and obedience with promptness and alacrity, under penalty of the prescribed punishment, fines and castigations.33. Since evident necessity compels, in order to foresee and prevent, it is required that no books of Luther—or harmful passages culled from them, or editions with the author's name suppressed, or interwoven with other writings, nor many other books that we are compelled to mention with sorrowful mind, for the most part made and printed in Germany and full of evil teaching and example—shall be further printed: so that through reading them Christian believers may no longer be led into error concerning faith, life and good morals, and that scandal, envy, hatred may not spring up in the Churches of God, which has only been too apparent hitherto and daily becomes greater, so that kingdoms and realms shall, it is feared, come into commotion, division and disobedience. Moreover, in order to extinguish this madness, with the counsel and consent of the Electors, Princes and Estates, under the aforesaid heavy penalties, fines and punishments, as Emperor and hereditary Lord, we decree once more to all our subjects and those of the Empire, and of our hereditary principalities and lands, that no one of you shall have such harmful and poisonous books, nor other extracts or transcripts, that contain errors against our holy faith and what the Catholic Church has hitherto held.34. Furthermore, hostile and abusive writings against our holy father Pope, prelates. Princes, universities and their faculties, and other honorable persons, and whatever contains anything contrary to good morals and the holy Roman Church, shall no longer be composed, written, printed, illustrated, sold, bought, preserved secretly or publicly, or caused to be written, printed or illustrated, nor in any other imaginable way shall they connive or permit this to be done.35. Likewise under the penalties indicated, we strictly command all who ordain and administer justice, that on the authority of this our Edict, they shall seize, tear in pieces and burn such writings, books, tracts and pictures, hitherto made and written, whosoever be their owner or wheresoever they be found throughout the whole Empire and our hereditary dominions.36. Also, authors, writers, printers, and artists, as well as purchasers and sellers of such foul writings, books, tracts and pictures, after the promulgation of our present imperial decree, and those persisting or contriving something anew, if it becomes known—you may seize and

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appropriate to yourselves, wherever you may be able to obtain them, their substance, goods and privileges. This liberty is conceded you by law, and for any injury inflicted you will not be obliged to answer to the law.37. Lastly, to the end that, with present evils also occasions for future heresies may be prevented and altogether removed, and that poison introduced by the authors of these books may not be further disseminated and that the most worthy art of printing may hereafter be employed only for noble and worthy purposes; therefore, of our imperial and royal power and knowledge, with the unanimous advice of our imperial Electors, Princes and Estates, we have commanded under the imperial ban and over-ban, and the other penalties aforesaid; and do command, dehberately, by the power of this our Edict, to which we have given the sanction of inviolable law, that hereafter no book-printer or any other person whosoever or wherever he be, in the Holy Roman Empire or in our hereditary dominions, principalities and lands, shall print for the first time or reprint any books or writings in which there is anything that treats of the Christian faith, little or much; unless with the knowledge and consent of the bishop of the diocese, or his vicar, together with the permission of the theological faculty of an adjoining university. But other books, in whatever faculty and whatever they treat, shall be printed, sold, or caused to be printed or sold, with the knowledge and consent of the bishop, and not otherwise.38. But if anyone, of whatever dignity, rank or title he may be, shall wilfully contravene or transgress this our Christian and imperial order, decree, mandate, law and statute, which shall be kept altogether inviolable in one or more of the preceding articles concerning the matter of Luther or printing, in any way that men's minds may invent, we annul and make such action void. As to such we will that they shall be prosecuted and dealt with according to the preceding penalties, as well as those contained in the laws, and according to the form and process of the excommunication, and of the imperial ban and over-ban. [Let everyone know how to order himself accordingly.] ^ And in order that all this may be done and credit given, we have sealed this document with out imperial seal, which has been affixed in our holy imperial city of Worms, on the eighth day of May, after the birth of Christ, 1521, in the second year of our reign over the Roman Empire, and over other lands the sixth.

29RELATOS SOBRE LUTERO NA DIETA DE WORMS

O funcionário de Treveris declarou diante do concílioMartinho Lutero, a sua Majestade, sagrada e vitoriosa [sacra et invicta], aconselhado por todos os estados do Santo Império Romano, ordena que compareça aqui, ante o trono de sua majestade para que os retrate e retire, de acorda com a força, a forma, o significado da citação-mandato decretada contra você por sua majestade e que foi legalmente comunicada, os livros, tanto em latim como em alemão que foram publicados e esparramados por todas as partes com o seu conteúdo: portanto, eu, em nome da sua majestade imperial e dos príncipes do Império te pergunto: primeiro, confessa que estes livros expostos ante a sua presença (e os mostrou uma porção dos livros expostos em latim e em alemão) e que agora nomeamos um por um, que circulou com o teu nome na capa, são teus e

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reconhece que te pertencem? Segundo, você deseja se retratar e retirar o seu conteúdo, ou é sua intenção persistir e reafirmá-los?37

Após Aleander ler os títulos e feito relato resumido de seu conteúdo, cedeu a resposta a Lutero que respondeu:

Ao que respondo tão breve e corretamente como me é possível. Não posso negar que os livros são meus, e jamais renegarei a nenhum deles: são todos de minha produção; e, também escrevi outros que não foram mencionados. Mas quanto ao que segue, que reafirme todos nos mesmos termos, ou que me retrate do que pronunciar que sobressaia à autoridade da Escritura, porque o assunto envolve uma questão de fé e da salvação das almas, e no que concerne à Palavra de Deus, que é a coisa mais importante no céu ou na terra, em que todos devemos reverência, seria perigoso e precipitado que eu fazendo uma declaração não premeditada, porque no discurso não refletido é possível que se diga algo menos que o que se faz, e algo além do que é a verdade; além disso, recordo a declaração de Cristo quando disse: “qualquer um que me negar diante dos homens, eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus e diante dos seus anjos.” Por estas razões suplico, com todo respeito, que vossa majestade imperial me conceda tempo para deliberar, a fim de que possa responder à pergunta sem prejudicar a Palavra de Deus, e sem perigo para minha própria alma.38

Uma avaliação da exclusão de Lutero pode ser feita na carta do espanhol Alfonso de Valdés, secretário do imperador:

Ali se tem, como alguns imaginam, o fim da tragédia. Mas estou persuadido de que não é o fim, senão o começo. Porque percebo que a mentalidade dos alemães está terrivelmente exasperada contra a Sé Romana e, não parecem dar importância aos editos do imperador; porque desde que foram publicados os livros de Lutero são vendidos impunemente em cada canto e esquina das ruas e nos mercados. Por esta causa podes adivinhar facilmente o que sucederá quando o imperador se ausentar. Este mal poderia ter se curado com grande vantagem para o Cristianismo se o Papa não tivesse se negado a convocar um concílio geral, se houvesse preferido o bem-estar público, antes que os seus próprios interesses particulares; mas, enquanto ele insiste em que Lutero deve ser condenado e queimado, eu percebo que a totalidade da cristandade corre para a destruição, a menos que o próprio Deus nos ajude.39

30CARTA DE MARTINHO LUTERO A GEORGE SPALATINO

(14 de Maio de 1521)

Ao seu caríssimo e fidelíssimo servo em Cristo, George Spalatino, em Altenburg.Jesus. Saudações. Recebi a sua carta, assim como as de Gerbel e Sapido, na domínica

Exaudi, querido Spalatino. Atrasei deliberadamente a contestação para que o ruído recente de 37 Aleander Brieger, Deutsche Reichstagsakten under Kaiser Karl V (Gotha, 1896), vol. 2, p. 466 citado por Tomas M. Lindsay, Historia de la Reforma, p. 301.38 Aleander Brieger, Deutsche Reichstagsakten under Kaiser Karl V (Gotha, 1896), vol. 2, p. 548 citado por Tomas M. Lindsay, Historia de la Reforma, p. 303.39 Tomas M. Lindsay, Historia de la Reforma, p. 320.

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meu cativeiro não desse motivo para que alguém interceptasse as cartas. Por aqui correm muitos rumores sobre mim; não obstante, prevalece a opinião de que fui capturado por amigos enviados da Franconia. Amanhã expira o prazo do salvo-conduto imperial. Causa-me dor o que me disse do rigorosíssimo edito que dará motivo para violentar até as consciências; e não é algo que dói por mim, mas porque sua imprudência acabará arrojando todo o mal sobre suas cabeças e porque estão incitando cada vez mais ódio. Quanto ódio suscitará está vergonhosa violência! Mas deixe-o; possivelmente esteja chegando o tempo de sua visitação.

Continuo sem notícias acerca dos nossos de Wittenberg e dos demais lugares. Enquanto íamos a Eisenach a juventude de Erfurt assaltou durante a noite as casas de alguns sacerdotes; estava indignado porque o decano de são Severino, grande papista, agarrando-os pela gola das vestes, expulsou publicamente do coro o mestre Drach, sob o pretexto de que estava excomungado, pela simples razão de que, junto conosco, saiu para me receber quando cheguei a Erfurt. Entretanto, aguardam que outras coisas aconteçam. O conselho anda dissimulando; os sacerdotes não tendo boa reputação ali, e dizem que a juventude artesã anda conspirando com os estudantes. Possivelmente está próximo o cumprimento do provérbio “Erfordia Praga”.

Contaram-me ontem que em Gotha, certo sacerdote foi mal recebido porque havia comprado não sei o que para incrementar os ingressos da igreja e, com a desculpa de isenção eclesiástica, negou-se pagar os impostos e tributos. Podemos perceber que o povo não pode nem quer continuar aguentando o jugo papista, como disse Erasmo em sua Boulé. Não cessamos de urgi-lo e dar-lhe importância, porque, graças a luz reveladora de tudo, temos prescindido da fama, da opinião, e aquele tipo de piedade não vale, nem reina, como não reinou até agora. Veremos se de agora em diante, oprimindo e aumentando tudo como até este momento fizeram.

Da minha parte aqui estou todos os dias sentado, ocioso e crapuloso. Estou lendo a Bíblia em hebraico e grego. Vou escrever um sermão em alemão sobre a liberdade da confissão auricular, continuarei com os Salmos e os comentários, desde que receba de Wittenberg algumas coisas necessárias, entre as quais se encontra o Magnificat que comecei.

Você não faz ideia da amabilidade com o que o abade de Hersfeld nos acolheu. Ele fez com que o seu chanceler e seu tesoureiro saíssem ao nosso encontro a uma légua de larga distância; depois, o mesmo com muitos cavaleiros nos recebeu à entrada de seu castelo e nos acompanhou até a cidade. Nela fomos recebidos pelo conselho. Descansamos em seu monastério e me alojou em seu próprio quarto. Obrigaram-me a pregar um sermão às cinco da manhã, apesar de que lhes adverti que se expunham a perder os seus benefícios, se a notícia chegasse aos imperiais, que o interpretariam como uma violação da promessa dada ao mandato de não pregar em meu itinerário. Entretanto, disse-lhes que não havia consentido em que se atasse a Palavra de Deus, como era a verdade. Também preguei em Eisenach apesar do protesto do acovardado pároco ante o notário e testemunhas presentes, alegando com humildade de ser necessário a isto, por medo de seus tiranos. Talvez em Worms digam que com isto violei a promessa, mas não foi assim, porque não dependia de minha condição de atar a Palavra de Deus, nem prometi isto; e ainda, de ir contra Deus, e muito menos poderia observá-lo ainda que houvesse prometido. Ao dia seguinte nos acompanhou até a selva e havendo o seu chanceler se unido a nós, nos ofereceu comida a todos em Berka. Por fim, e depois de partir todo este acompanhamento com Jerônimo, entramos pela tarde em Eisenach e fomos recebidos pelos cidadãos do local que a pé, saíram ao nosso encontro.

Através da selva fui visitar aos meus parentes que estão espalhados por quase toda a região. Despedi-me deles, e quando nos dirigíamos a Walterhausen, um pouco além das proximidades de Altenstein, fui capturado. Amsdorf estava forçosamente informado de que

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alguém planejava sequestrar-me, mas ignora o lugar de meu cativeiro. O irmão que ia comigo[9] ao perceber a tempo os cavaleiros, saltou do carro e dizem que chegou a pé, pela tarde, em Walterhausen, sem que ninguém lhe saudasse.

Aqui em encontro, despojado de meu hábito, disfarçado de cavaleiro, com barba e cabelos longos. Seria difícil para você me reconhecer, porque há muito tempo que nem eu mesmo me conheço. Atuo com liberdade cristã, livre de todas as leis desse tirano, se bem que é verdade que eu gostaria que o porco de Dresden se dignasse em matar-me por pregar em público, se é que Deus lhe agrada que padeça por sua Palavra.

Adeus e rogue por mim. Saudações a toda a tua corte.No Monte, terça-feira da domínica Exaudi, 1521.Martinus Luterus.

31CARTA DE MARTINHO LUTERO A ALBERTO DE MAGÚNCIA

[1 de Dezembro de 1521]

A Alberto de Magúncia.Antes de tudo, meu humilde serviço a vossa graça eleitoral, mui respeitado e gracioso

Senhor.V.G.E. recordará mui bem que lhe escrevi duas vezes em latim: a primeira no começo

das enganosas indulgências que se publicaram com o nome de V.G.E., advertindo-o fielmente que por amor aos cristãos opinei acerca dos libertinos, sedutores e avarentos pregadores, assim como acerca dos livros heréticos e supersticiosos. Ainda que – modéstia à parte – pudesse dirigir toda a tormenta contra V.G.E. – pois tudo estava manipulado sob o seu nome e sua ciência impressos nos livros heréticos -, todavia, por respeito a V.G.E., e a cada dos Brandenburg, e porque pensei que V.G.E. o fazia por ignorância e inexperiência, seduzido por outros inspiradores, me limitei lançar contra estes, bem sabe V.G.E. e quanta pena e com quanto risco. Minha leal advertência, todavia, em lugar de agradecimento se fez merecedora não somente de zombaria, e por parte de V.G.E. também de ingratidão.

Escrevi-lhe pela segunda vez com toda humildade oferecendo-me a deixar-me instruir por V.E.G.. Então, recebi uma resposta dura, desatenta, indigna de um bispo e de um cristão que remetia a minha causa a um poder superior. Posto que ambos escritos para nada serviram, não desistirei, e, seguindo o evangelho, faço uma terceira correção em alemão, pois se algo pode ajudar estas supérfluas e não obrigadas advertências lamentosas.

V.G.E. erigiu novamente em Halle o ídolo que rouba o dinheiro e a alma dos pobres e incautos cristãos. Com isto, se faz público que todas as torpezas que sucederam com Tetzel não foram somente obra sua, senão que se devera à petulância do bispo de Magúncia, que, ignorando a minha advertência, se fez o único responsável por tudo. Talvez, pense V.G.E. que estou fora do combate, que busco minha segurança e que a majestade imperial liquidou o monge. Não me importo com isso, mas saberá V.G.E. que estou decidido fazer o que a caridade cristã exige, sem que me possam atrapalhar as portas do inferno, por não dizer os incultos ignorantes, os papas, cardeais e bispos. Não posso suportar, nem calar, que o bispo de Magúncia pretenda dar a entender que não sabe o que não lhe concerne oferecer o ensino conveniente, quando um pobre monge exige, mas que faz bem quando isto envolve dinheiro. Comigo não cabem tais brincadeiras, e há de usar outro tom quando isto se diz ou se ouve.

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Portanto, suplico com toda humildade a V.G.E. se digne deixar de enganar e roubar ao pobre povo, e que se mostre como um bispo, e não como um lobo. É demasiadamente público que as indulgências são uma descarada patifaria e uma farsa, que é Cristo quem unicamente deve ser pregado ao povo, e que V.G.E. não pode esconder-se na ignorância como desculpa para o seu pecado.

Recorde de como tudo começou; quão terrível incêndio se desencadeou por causa de uma insignificante e depreciada centelha, quando o mundo inteiro estava tão seguro de que um pobre mendicante não significava nada comparado ao papa e que havia lançado a uma empreita terrível. Apesar de tudo isso, Deus pronunciou o seu veredito: muito deu o que fazer ao papa e a todos os seus partidários, e, contra a opinião do mundo inteiro, as coisas foram tão longe, que lhe resultaria muito difícil ao papa restabelecer a antiga situação; lhe irá de mal a pior, de maneira que, pode-se concluir que esta é uma obra de Deus. Porque ninguém pode por em dúvida que Deus vive ainda e que sabe bem a maneira de resistir a um cardeal de Magúncia ainda que lhe assistam quatro imperadores; também gosta de abater os cedros elevados e de humilhar aos endurecidos faraós. Suplico a V.G.E. que não lhe tente, nem lhe menospreze, porque a sua ciência e o seu poder não conhece limites.

Não se contente V.G.E. em pensar que Lutero esteja morto; apoiado em Deus, humilhando ao papa, golpeará tão livre e satisfatoriamente, se envolverá com o cardeal de Magúncia num duelo, cujo alcance não poderá nem sequer suspeitar. Unam-se entre vocês, queridos bispos, podem continuar sendo senhores feudais, que a este espírito não podem calar, nem ensurdecer. Quero que estejam de sobreaviso do ultraje que dessa atitude os sobrevirá e que agora não podem sequer imaginar.

Portanto, V.G.E. esteja avisado pela última vez e por escrito: se esse ídolo não for derrubado, terei um motivo necessário, urgente e inevitável pela doutrina divina e a salvação dos cristãos, para atentar publicamente contra V.G.E. bem como contra o papa, para protestar animoso contra o tal abuso, para fazer que recaiam sobre o bispo de Magúncia todas as abominações anteriores de Tetzel, e de mostrar o mundo inteiro a diferença que há entre um bispo e um lobo. Pode a V.G.E. aonde deve ir e o que há de fazer.

Por que me rotula de maledicente? Pois outro deseja que maldiga a quem me depreciou, como disse Isaías[8]. Já avisei suficientemente a V.G.E., chegou o tempo, segundo ensina Paulo, de desonrar diante todo o mundo aos malfeitos públicos, de ridicularizá-los e castiga-los para que tal escândalo se desterre do reino de Deus.

Além do mais, rogo a V.G.E. se digne deixar tranquilos aos sacerdotes que, por fugir da lascívia, contraíram matrimônio, ou desejam contrair. Não lhe roube o que Deus lhes deu, posto que V.G.E. não pode apresentar razão, fundamento, nem direito algum, e além do mais, porque este petulante desaforo não rima com um bispo.

De que lhe serve, os bispos, recorrer tão insolentemente à violência, carregar com amargura os corações, e não querer justificar as suas ações? O que se passa em seus pensamentos? Por que se tornaram em soberbos gigantes, em Ninrodes da Babilônia? E por que ignoram os pobres, que o crime, a tirania, ainda que encobertos, mas que fazem perder a oração comum, poderia subsistir ainda longo tempo? Por que correm tão presunçosos como os insensatos, para que a desgraça que os faça chegar tão rápido?

Fixe-se bem V.G.E.: se isto não for lançado por terra, do evangelho emergirá um grito que diga o bem que fariam os bispos tirando a viga de seus olhos e que melhor que andar separando as piedosas esposas de seus maridos seria melhor afastá-las de seus amantes.

Rogo, V.G.E., que por ti mesmo me dê o prazer e a oportunidade de calar. Não encontro prazer nenhum em publicar a sua vergonha e desonra. Mas, enquanto não se deixar de

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envergonhar diante de Deus e de desonrar a sua verdade, eu e todos os cristãos estamos obrigados de manter a glória de Deus, ainda que o mundo inteiro – não falo de um pobre homem como um cardeal – resulte por isso desonrado. Não calarei e ainda que fracasse, tenho a esperança de que os bispos, não acabarão de cantar alegremente o seu soneto. Não, não conseguiram exterminar a todos os que Cristo suscitou contra a sua sacrílega tirania.

Portanto, suplico e espero que V.G.E. dê uma pronta e satisfatória resposta no término de duas semanas. E se não chegar essa resposta pública, aos quatorze dias justos soltarei o meu folheto Contra o Ídolo de Halle. Não me deterei ainda que esta carta seja interceptada por seus conselheiros: os conselheiros estejam para tais leais, e um bispo tem a obrigação de ordenar a sua corte de forma que lhe chegue quanto tenha que vir-lhe.

Que Deus conceda a V.G.E. a graça de um sentir e querer justos.Em meu deserto, Domingo após santa Catarina, 1521.De V.G.E. servo e súdito, Martin Luther.


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